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COLLECÇÃO DE MEMORIAS

SUBSÍDIOS PARA A HISTÓRIA DA ARTE PORTUGUESA

I-VERGiLlO CORREIA -Un. túmuio Renascença. A sepultura de D. Luís da

t::rz"'''- ~ '-^ --^ ^^""^° ^ ^^- ''^-^ ^^ ^— -"vi

n - D CAROLINA MICHAELIS DE VASCONCELOS -Algumas palavras a respeito de púcaros de Portugal. - Edição refundida e ilustrada. - Li. ZTsZo.

m - Index da Fazenda do mosteiro de Celas. Manuscrito de Fr. Bernardo J-Assunçáo pubhcado e revisto pelo Dr. Teixeira de Carvalho.- . vol. broch 4C

IV-JOSÉ DA CUNHA TABORDA - Regras da arte da pintura, com breves refle- xões cr.t.cas sobre os caracteres distintivos das suas escolas, vidas equadros dos s .a,s Célebres professores. Escritas na língua italiana por Tchae Angelo Prunett, e acrescida duma Memória dos mais famosos pintores por u gueses e dos melhores quadros seus. - . vol. broch. Tiragem especial I :oZ Em papel de algodão - 5^oo. "^^'

V-CYRILLO VOLK.MAR -MACHADO - Collecção de Memorias, relativas ás vidas dos pmtores, e escultores, architectos, e gravadores por.uguezes, e est an.e os

^gnS C^er "^'"^" "^"^ ^ --- -- -• --- -^- e

A sair:

"Z ™''^^ '^^"^ - ^-^" - -'- - -'^^o, re^ndida e rev.ta JOAQUIM MACHADO DE CASTRO - Opúsculos. ~

D. JOSÉ PESSANHA -Subsídios para a História das artes industriais em Portuga, " tino'Lncr"^^ " '^ ^"^'■" ^"-- -"- 'e -- oPÍ"ion de, obispo

' '06TS>r'cont\''''^-^°'° '-''-''^ ^"-^- ^--^"^^ Século xv„. (.6.8 ,(:&) - Contribuição para a História da Gravura em Portugal.

VERGÍLIO CORREIA :

Artistas de Lamego.

Santa Cruz de Coimbra. - Artistas e obras de arte.

Artistas portugueses em Itália.

ANTÓNIO AUGUSTO GONCAI Vfq c- . , -

Ens o exímio IPiiNTO]R,D©iirT® Cyriljlo» i

M. Scrvam. Pintou em 17,9Í

Queiroz G. dt S. A/a^fídc/' seu/p 'rmí8i3 '

Keprodnção do retmio que acompanha a i.» edição

SUBSÍDIOS PARA A HISTÓRIA DA ARTE PORTUGUESA

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COLLECCÃO DE MEMORIAS

RELATIVAS ÁS VIDAS DOS PINTORES,

E ESCULTORES, ARCHITETOS, E GRAVADORES

PORTUGUEZES,

E DOS ESTRANGEIROS,

QUE ESTIVERÂO EM PORTUGAL

RECOLHIDAS E ORDENADAS POR

CYRILLO VOLKMAR MACHADO

SEGUIDAS DE NOTAS

PELOS

Dr. J. M. Teixeira de Carvalho

E

Dr. Vergílio Correia

COIMBRA

IMPRENSA DA UNIVERSIDADE 1922

^

EDIÇÕES

DA

IMPRENSA DA UNIVERSIDADE

(extracto do CATÁ'-0G0)

Publicadas;

ANSELMO BRAAMCAMP FREIRE - Livro primeiro dos Brasões da Sala de Sintra. vo!. I. ,

Em papel Vergé ''','/ ,'/ . ^ -

DR. ANTÓNIO DK VASCONCELOS - Evolução do culto de Dona Isabel de Aragão, esposa do rei lavrador D. Dinis de PortugaL 2 vols. broch. i4;!!>jo.

COELHO DA ROCH.V Ensaio sobre a história do Governo e legislação de Portugal, para servir de introdução ao estudo do direito pátrio. 7.' ed., 1 vol. broch. i*5o.

DR. ANTÓNIO JOSÉ TEIXEIRA— Documentos para a história dos jesuítas em Por- tugal. I vol. broch. 2Í)5o.

António Homem e a inquisição, i vol. broch. iíi>5o.

MOTA VEIGA - Esboço histórico-literário da Faculdade de Teologia da Universidade de Coimbra em comemoração do centenário, reforma e restauração da mesma Univer- sidade efectuada p'los sábios Estatutos de 17^2. 1872, i vol. broch. Jbgo.

SIMÕES DE CARVALHO Memória Histórica da Faculdade de Filosofia. 1872.

! vol. broch. j^90. C.\S I RO KREIRE - Memória histórica da Faculdade de Matemática nos cem anos decorridos desde a reforma da Universidade em 1772 até o presente. 1872, i vol.

bioch â>6o. .

MiRABEAU Memória histórica e comemorativa da Faculdade de Medicina nos cem anos decorridos desde a reforma da Universidade até o presente. 1872, i vol. broch.

090. . .

CAVALEIRO DE OLIVEIRA Discours pathétique au sujet des calamites presentes arrivées en Portugal. Em linho, 7;8>oo; em papel de algodão. 2;S>3o

A sair:

DAMIAM DE GÓES Chronica do Felicíssimo Rei Dom Emanvel. Conforme a ed. princeps, vols i e 11.

Chronica do Príncipe Dom loam. Conforme a ed. princeps.

ANSELMO BRAAMCAMP FREIRE Livro Segundo dos Brasões da Sala de Sintra. D. CAROLINA MICHAÊLIS DE VASCONCELOS- Estudos sobre a Lírica Camo-

niana. I O Cancioneiro Fernandes Thomaz. JOSÉ FÉLIX HENRIQUES NOGUEIRA Estudos sobre a reforma em Portugal. FERNÃO LOPES DE CASTANHEDA- Historia do descobrimento, e conquista da

índia. Rev. pelo sr. Pedro d" Azevedo. CoMMENTARios DO Grande Afonso d' ALBUQUERQUE. Couforme a 2.» ed. Rev. e prefaciada

pelo Dr. António Baião. BERNALDIM RIBEYRO Hystoria de Menina e Moça. Conforme a ed. de Ferrara.

Ed. prep. por Anselmo Braamcamp Freire e prefaciada por D. Carolina Micaélis de

Vasconcelos. r j i

Itinerários Quinhentistas da Índia a Portugal por Terra - Rev. e prefaciados pelo

Dr. António Baião. GUILHERME DE AZEVEDO Alma Nova. RIBEIRO S.\NCHES - Cartas sobre a educação da mocidade. Rev. e prefaciada pelo

Dr. Maximiano de Lemos.

Pedidos á-IMPRENSA DA UNIVERSIDADE

COIMBRA

subsídios para a historia da arte portuguesa

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COLLECÇÃO DE MEMORIAS

RELATIVAS ÁS VIDAS DOS PINTORES,

E ESCULTORES, ARCHITETOS, E GRAVADORES

PORTUGUEZES,

E DOS ESTRANGEIROS,

QUE ESTIVERÂO EM PORTUGAL

RECOLHIDAS E ORDENADAS POR

CYRILLO VOLKMAR MACHADO

SEGUIDAS DE NOTAS PELOS

Dr. J. M. Teixeira de Carvalho

E

Dr. Vergílio Correia

COIMBRA

IMPRENSA DA UNIVERSIDADE 1922

esta edição fez-se uma tirageni especial

de loo exemplares,

numerados e rubricados

COLLECÇÃO DE MEMORIAS,

relativas

a's vidas dos pintores, e escultores, architetos , e gravadores portuguezes ,

E dos Estrangeiros , que esiiverão em Portugal , recolhidas, e ordenadas

POR

CYRILLO VOLKMAR MACHADO,

Pintor ao Serviço de S. Magestade.

O SENHOR D. JOÃ(3 VI.

LISBOA, Na Imp. DE VicTORiNO Rodrigues da Silva.

ANNO DE 1823.

Calçada do Colleg-io N.° 6.

Eeproclução do Frontispício da 1.* edição

AVISO DO EDITOR.

PUBLicÁo-SE as Memorias, que á cerca dos Pintores, Es- cultores, Architectos, e Gravadores Portuguezes, e dos Estrangeiros que estiverão em Portugal; forão escritas por Cyrillo Volkmar Machado, a quem a natureza dotou de hum talento raro para exercitar a nobre Arte da Pin- tura, e por onde veio a conseguir aquelles fins, a que huma irresistivel inclinação chama muitas vezes os talentos extraordinários a seguirem as applicações para que forão destinados. Julgamos fazer á Pátria, e á Gloria Nacional algum serviço publicando estas Memorias, que seu Author recolheo com summo trabalho, e que a sua modéstia, e natural encolhimento não ousou publicar em sua vida. Ninguém poderá duvidar, que são entre nós mui escassas, e até eneditas as noticias de todos aquelles Artistas, que ennobrecêrão a Nação por meio de suas Obras, e quando os Vasaris, Rafaeis Sopranes, Rossis, Leonardos d'Vinci, e Palominos se occupárão em deixarem á posteridade hum monumento precioso, e durável de todos aquelles homens,

que honrarão as Artes; tem havido entre nós o mais ingrato silencio, não perpetuando a memoria de muitos Portuguezes nellas insignes. Não alteramos em nada a substancia, e a ordem destas Memorias, á excepção de algumas pe^quenas observações á vida do Author, escrita por elle mesmo. Os Sábios Artistas, os homens de gosto, e amadores das bellas Artes não poderão deixar de ter em grande conta huma obra que pelo seu objecto, e novidade se faz merecedora da acceitação publica.

A

PREFACIO.

ESTIMAÇÃO que as gentes polidas, e de gosto delicado tem feito sempre das boas pinturas, e d^outros objectos da Arte, conduz naturalmente ao desejo de conhecer os seus authores, e para os fazer conhecidos, e celebrados, tem-se posto em uso todos os meios possíveis, sem exceptuar as apotheoses. Elles tem sido louvados em verso, e em prosa, e incensados com os epítetos de divinos; tem-se-lhes levan- tado estatuas, e multiplicado retratos em estampas, meda- lhas, pinturas, e esculturas; tem-se-lhes prodigalisado há- bitos, commendas, titulos, magistraturas, e cargos os mais honoriticos; ricas prebendas, rendas avultadíssimas, e toda a sorte de prémios. Os homens mais doutos, e ás vezes os mais eminentes em dignidades, tem composto em seu louvor dísticos, epitáfios, elogios, e orações fúnebres: os funeraes de alguns tiverão singular pompa e magnificência, e os mausoléos de muitos excedem em riqueza, e primor de desenho os dos das maiores personagens.

Mas persuadidos os seus admiradores de que tantas honras não compensarião bem a que delles recebião; e querendo talvez evitar para o futuro contendas, como as

que tiverão os Gregos sobre a verdadeira pátria de Homero, costumáram-se a trocar seus próprios appelidos pelos das suas pátrias, chamando-lhes Rafael d'Urbino, Ticiano de Cador, Paulo Veronez, o Corregio, Pedro de Gortona, Vasco de Viseu; Vieira Lusitano, &c. &c.

Não contentes ainda com estes, que a muitos parecerão excessos, quizerão também primeiro reconhecer, e depois indicar os caminhos por onde elles havião subido ao templo da Immortalidade; a fim de que os vindouros pudessem chegar com mais facilidade ao cume daquelle monte, ou ao menos aproximareni-se muito a elle; e para esse fim escreverão as suas vidas, e descreverão as suas obras.

Muitos forão os antigos que nisto se occupárão.: Parrha- sio, Antigono, Senocrates, Pomponio Attico, Varrão, Juba 2.° Plinio, Plutarco, Laércio, Philostrato, Aristodemo de Caria, Gallicrates, e outros.

Paulo Jovio foi hum dos primeiros entre os modernos que intentou metter mão ao mesmo trabalho, e para o fazer com acerto tinha dois grandes requesitos ; muita ele- quencia, e muita sabedoria; mas como lhe faltava o mais indispensável, isto he, a prática da Arte, de que era pre- ciso fallar com critica, magistério, e linguagem particular, desistio da empreza, e reconheceo que Jorge Vasari, como bom artista, ainda que menos litterato, era mais capaz de que elle para aquelle desempenho.

Gom effeito Vasari escreveo as vidas dos mais notáveis pintores, escultores, e architetos que fíorecêrao desde o meado do i3.° século até o anno iSôy, e publicou as suas memorias em Florença em 3 volumes de 4.° com retratos. Esta obra, apezar de alguns defeitos, teve logo, e tem tido

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sempre grande acceitação; e ibi continuada por João Pedro Bellori, Octávio Leoni, Leão Pascoli, e alguns mais.

Filippe Baldinucci, Florentino, também escreveo as vidas dos pintores, e gravadores até 1670. Carlos Gesar Malvasia, António Lambertini, José Guiduloti, João Pedro Zanoti, e outros, escreverão dos pintores Bolonhezes, e fizerão estam- par os seus retratos. Rafael Soprani, e Carlos José Ratti tratarão dos artistas Genovezes; Bernardo Dominice dos Napolitanos; Santagostini dos Milaneses. Redolíi dos Vene- zianos.

Nem somente cada nação, mas cada cidade da Itália quiz prezar-se de ter ^■isto nascer no seu seio alguns artistas famosos; e Luiz Vedriani escreveo dos Modenezes, José Montani dos de Pesaro, e Urbino; Leão Pascoli dos Peru- ginos; Maífei, e Bartholomeo dei Pozzo dos de Verona; Agostinho Superbi dos Ferrazeres; sem fallar d'outros muitos por não abusar da paciência dos Leitores.

He muito para notar que a Itália, ainda que circuns- cripta por limites bastantes estreitos, tem creado mais, e melhores artistas que todo o resto do mundo; e os authores que tem dado o nome de escollas aos modos de pintar das diversas nações, reconhecem fora da Itália quatro es- collas, que são a Alemã, a Flamenga, a Hollandeza, e a Franceza; e dentro delia seis: a Romana, a Florentina, a Veneziana, a Lombarda, a Genoveza, e a Napolitana. Elles' unem a Hespanhola com a de Nápoles, e a Ingleza com a de Flandes.

Cada huma destas escollas tem certos signaes caracte- rísticos : a Romana, que reconhece por chete a Rafael, e em cujo território se conservão ainda os soberbos, e bellis-

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simos restos da grandeza Romana, e da sciencia dos Gregos, destingue-se pela elevação, e nobreza das idéas, magnificas composições, grandioso, elegante, e correto desenho. Flo- rença, que foi o berço da arte na sua segunda infância, e que deo o ser a tantos" homens famosos, e ao Bonarota ; que vale por muitos, também se distingue na magestade das suas invenções, e na regularidade, e sciencia do dese- nho. A escola Veneziana, que reconhece por seu mestre o Ticiano, tem-se como elle, singularisado pela belleza do colorido; engenhosas invenções, e toque espirituoso. A Lombarda, bafejada sempre pela graça do Corregio, he estimada pelos contornos correntes, e elegantes; pela scien- cia do claro-escuro; bello colorido; nobre expressão; e tem sido a mais fecunda em grandes homens. Os Pintores Genovezes, e Napolitanos, variavão muito os seus estilos, seguindo cada hum aquella escoUa que melhor lhe parecia.

Lucas Cambiaso, e o Baccici fazem muita honra a Gé- nova, assim como Salvador Rosa, Lucas Jordão, Solemena, e Conca dão muito credito a Nápoles.

Em quanto ás escolas d'aquem dos montes, o signal característico da Alemã, fundada por Alberto Durer, he a imitação da natureza, tal como ella se appresenta á nossa vista, sem fazer escolha do que he mais digno de ser pin- tado. A Escola Flamenga, que se jacta de ter visto florecer hum Rubens, e hum Vandyk, he forte no colorido, na sciencia do claro-escuro, n'hum pincel pastoso, e suave ; mas copiando também o natural do seu paiz sem a melhor escolha. A HoUandeza destingue-se mais pelo asseio, e excessiva paciência, que pela nobreza, e dignidade dos assumptos ; mas o collorido de Rembrandt acredita muito

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esta escola. A Ingleza he tão pequena, principalmente em Pintores do grande género, que á maior parte dos Biógrafos esqueceo de a nomear : o seu forte são os retratos ; e Rey- nolds, e Owest. são os seus Pintores mais acreditados. A Escola Franceza póde-se vangloriar de haver creado hum Poussin, e hum LeBrun ; assim como a Hespanha hum Valasques, e hum Murillo. Sandrart, Vander-Meulen, Des- camps, Houbraken, Wauwermans, S. Palmer, Malone, e outros, escreverão as vidas dos Pintores do Norte: Felibien d'Argenville, De Pilles, etc. as dos Francezes ; Palomino, Ponz, Bermudez, as dos Hespanhoes.

Temos dado huma breve noticia das diversas Escolas, e dos Authores, que escreverão as vidas dos seus allumnos; mas nenhum escriptor tem fallado atégora da Escola Por- tugueza. Este vácuo que se acha na historia geral da Arte, pareceo mal ao Arcebispo d'Evora D. Fr. Manoel do Cená- culo, e parece segundo o seu modo de se exprimir em algu- mas das suas obras, que de boa vontade o encheria senão se achasse embaraçado nas mesmas difficuldades, que ser- virão de obstáculo a Paulo Jovio.

Outro sábio, o Desembargador António Ribeiro dos Santos, Bibliothecario Régio na Livraria Pública, animado pelo mesmo espirito, recolheo as memorias que pôde en- contrar dos nossos Artistas; e no fim do ultimo século, sabendo que nós faziamos as mesmas diligencias, nos man- dou generosamente offerecer a sua collecção.

He também muito digno dos nossos elogios outro Varão tão conhecido dos sábios, como presado dos Artistas : O Thesourefro Mór da Insigne e Real Collegiada de Santa- rém, Luiz Duarte Villela da Silva, tem feito resurgir dos

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Cartórios do Reino muitas memorias sobre esta matéria, que alli jazião como sepultadas.

Hum Artista bem conhecido, José da Cunha Taborda, Pintor ao Real Serviço de Sua Magestade, também fez grande sacriticio de tempo precioso, penosos trabalhos, e consideráveis despezas para dar ao prelo as Memorias que publicou em i8i5.

Ha 3o ou mais annos que, desejando nós satisfazer a própria curiosidade, e também a dos estimadores da Arte, que nos consultavao sobre esta matéria, começamos a en- trar nestas indagações; e em 1794 tínhamos hum Catha- logo sufficiente para que hum sábio, e grande da Corte, nos persuadisse a que o mandássemos imprimir : Fazendo depois novas acquisições, e tendo amontuado hum certo volume de materiaes, que dispersos, e perdidos, não se tornarião facilmente a reunir, tomámos a resolução, (pelo amor que professamos á Arte, e á Pátria) de os publicar na melhor ordem possível, para que no tempo futuro possão servir de guia a algum Artista mais aballisado, que intente aperfeiçoar este trabalho.

Parece-nos justo indicar as fontes d'onde derivarão estas noticias : Alem de Palomino, Bermudes, Abecedario pictó- rico, e outros livros que todos conhecem, consultamos alguns M. S. menos conhecidos; e vem a ser: Antiguidade e nobreza da Pintura por Félix da Costa 1696. O Tratado da Pintura de Francisco d"Hollanda. Relação dos Pintores e Escultores que florecêrão no século de 1700, de que ha obras publicas, escripta por Pedro Alexandrino de Car- valho.. Este cathalogo foi solicitado por D. José Cornide, da Real Academia da Historia de Madrid; e pelos DD. Nar-

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ciso Heredea, e D. Manoel Carrilho, que nos fins do século viajarão em Portugal por ordem da Corte de Hespanha, para recolher meniorias de Artistas, e de obras notáveis das boas artes. Sylva laudatoria da Pintura, em que Fran- cisco Xavier Lobo elogia os bons Pintores, Escultores, e Architetos do século i8. Noticia de todos os Pintores, etc, que com Protecção Regia forao estudar em Roma, por intervenção do Intendente Geral da Policia, Diogo Ignacio de Pina Manique nos fins do século i8, escrita por José da Cunha Taborda. Outra noticia sobre a mesma matéria, dada pelo Cavalheiro Arcangelo Fosquini. Memorias de muitos pintores, cujos nomes se achão nos livros da Irman- dade de S. Lucas, com as datas do tempo em que assen- tarão por Irmãos, em que servirão em meza, e ás vezes do em que fallecêrão; começando em 1607, e acabando em 1794. Por estes livros verificámos os verdadeiros nomes de algnns que andavão errados na tradição, e os tempos em que quasi todos florecêrão.

Além das noticias escriptas tivemos outras, que nos derão de viva voz os Pintores antigos, como José Carvalho Rosa, Jeronymo de Andrade, Simão Caetano, Pedro Ale- xandrino, José António Narciso, Francisco Gomes, e ou- tros. Joaquim Carneiro deo-nos todas as noções relativas á instituição das aulas do desenho, e gravura que elle dirigio. João Paulo fez-nos scientes do que tocava á aula dos estuques. António Joaquim de Figueiredo, do que per- tencia á aula do desenho, e gravura do Arsenal Real do Exercito. António Fernandes Rodrigues da aula do desenho do Castello; Joaquim Marques, e Luiz António da escola da fábrica das caixas. Alexandre Giusti, Alexandre Gomes,

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o caTalleiro Barros, Braz Toscano, e Joaquim António de Macedo derão-nos noticias das aulas de desenho e escul- tura, estabelecidas em Mafra, e em Lisboa; nem ha Artista que não tenha alguma parte nesta pequena obra, porque todos nos derão de muito bom grado as informações que estavão ao seu alcance, sobre esta matéria de que se trata. Esta obra será dividida em 3 partes. Na i.* trataremos dos Pintores propriamente ditos. Na 2.* faremos menção dos Architectos, e Pintores de arquitetura, e ornatos, de paizagens etc. Na 3.^ fallaremos dos Escultores, e Grava- dores, etc.

PARTE PRIMEIRA.

Das Vidas dos Puitores.

ESTA divisão pareceo-nos commoda, e natural, e por isso a seguimos; e nem se entenda que damos preferen- cia aos que vão na i. aparte sobre os da 2.* ou 3.* A Arte he similhante a huma frondosa arvore, tem tronco, e tem ramos mais, e menos elevados, e vemos ás vezes dos menos altos sahirem dos ramos mais rasteiros fructos preciosos. Hum Bacarelli, hum Lourenço da Cunha hum Piilement que collocamos na 2.* parte. Manoel Pereira, José de Al- meida, Joaquim Carneiro, e Bartolozzi que vão na 3.*, são mui superiores em merecimento a Francisco Pinto, José Caetano, Francisco de Setúbal, e muitos outros que acharão lugar na i.** parte.

Brevíssimas observações sobre a origem e progressos da Pintura.

Os Historiadores não concordão sobre o tempo em que a pintura fora inventada; mas podemos suppôr que no es- tado de grande imperfeição nunca deixou de existir. Bem

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sabem todos que os viajantes modernos a tem achado entre os mesmos povos brutos, e sal vagens.

Os Egypcios, desde os tempos mais remotos fizerao uso da Arte; e ainda se encontrão naquelles paizes, columnas, paredes, e múmias ornadas com pinturas, e doiraduras, conservando-se as tintas frescas, e brilhantes. Elles conhe- cião seis cores; branca, azul, amarella, preta, encarnada, e verde, perfilavão com preto sobre apparelho branco, e usavão as tintas inteiras.

No Palácio d'Osimandias estava pintada a sua expedição contra os Bactrianos, e outros combates, e triunfos.

Também fallão os Authores em painéis esmaltados, que Simiramis mandara pintar nos muros de Babilónia.

Nas ruinas de Ispahan ainda se via, ha poucos tempos, hum moisaico com i8 ou 19 figuras, de que temos o dese- nho, representando a marcha para hum sacrifício.

Cleantho, e Aristides de Gorintho, e Thelefano de Si- cyonia, que viviao antes da guerra de Troj^a, forão talvez os primeiros Pintores Gregos de que as historias fazem menção; mas Pintores taes, que sem hum letreiro nimguem adevinharia se a figura pintada por elles era de homem ou de mulher. De tão baixos princípios foi a Arte subindo pouco a pouco até a 94. '"^ Olimpiada; tempo em que Apo- lodoro abrio a porta aos belos dias da Pintura, excedendo muito os seus antecessores; e o que mais he, louvando sem inveja, e sem ciúme Zeuis, seu rival, que o excedia. Depois delle florecêrão os mais raros Pintores que vio o Universo ; Thimantes estabeleceo a perfeita Symmetria, e deu mais vida e acção ás figuras ; Parrhasio animou as expressões; Zeuis excedeo a todos no colorido; Pamphilio

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na composição ; Eufranor no caracter competente a cada personagem; Aristides nas paixões d'alma; Necophanes na sábia destribuição da scena do quadro; e Apelies na reu- nião de todas as bellezas combinadas com a graça. Este homem único confessava ingenuamente, que muitos dos seus competidores o excediao em alguma parte essencial da Arte ; mas nenhum possuio tantas em gráo tão superior como elle.

Os progressos das sciencias fazem-se por degráos des- postos em linha circular: quando se chega ao mais alto todos os outros passos tendem para a decadência; e assim aconteceo aos successores de Apelies, que querendo passar adiante introduzirão brilhantes falsos, e novidades inúteis; e quanto derão ao supérfluo tirarão ao essencial.

Na Grécia porem, apezar da declinação, conservou-se a Arte bastante tempo com muito esplendor, e communicou as suas luzes ao Império Romano, á Ásia, e ao Egvpto.

Seguio-se depois o domínio das Nações Barbaras, que sendo feridas de cegueira pela mais crassa ignorância ; pa- rece que lhes faltou a visão intencional, como falta aos brutos ; de sorte que a perícia na Arte chegou a perder-se de todo: bem se entende que esta perda não procedeo tanto da inércia dos artífices, como da estupidez do vulgo a quem elles percisavão agradar para subsistir. Quando o publico he illustrado, cada hum trabalha para ser o mais sábio; mas quando o não he, estuda cada qual o modo de ser o melhor impostor.

A restauração da Arte começou pelo mesmo tempo em que principiou a Monarchia Portugueza ; e os nossos His- toriadores fazem menção não de algumas ílluminações.

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e retratos do tempo de D. Afíonso I., mas também de hum painel da tomada de Lisboa, que se conservou na Igreja dos Martyres até o tempo do terremoto.

A Pintura, mesmo na Itália aonde renasceo, hia fazendo vagarosos progressos. João Gimabue pelo meado do sé- culo i3.° excedeo alguma cousa os seus ignorantíssimos Mestres, que de Constantinopla tinhao sido chamados a Florença; e teve a fortuna de achar hum efficaz protector na pessoa de Carlos d'Anjou Rei de Nápoles, o qual se dignou de ir a sua casa ver o quadro de Nossa Senhora, que elle estava pintando para a Igreja de Santa Maria a Nova; para onde o fez conduzir em pompa triumfal que acompanhou, com todo o povo, ao som de bellicos instru- mentos: e a esta honra, dizem os Escriptores, deveo a Pin- tura boa parte da estimação que depois teve ; e por conse- quência dos progressos que fez.

Giotto, seu discípulo, pintou bem os retratos, e deitando as roupas nas figuras com melhor gosto, lhe deo tal, ou qual movimento próprio das acções que devião representar.

Estevão de Florença, e Pedro Laurati íizerão menção das formas do debaixo dos vestidos : Thaddeo Gadi colorio melhor, e exprimio as paixões d'alma.

Massolino deo ás suas figuras mais graça, vida, e ex- pressão; e Massaccio, seu escolar, no século i5.° fez sahir a arte da infância em que tinha estado, e inventou hum estilo novo; tanto pela escolha das attitudes, verdade, e poucas dobras nos pannos, como pela sciencia, e elegância do desenho, e correcção dos escorços : sendo o primeiro que plantou bem as figuras, escorçando os pés, para que assentassem no chão. Fez pouco apreço de si em quanto

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viveo; mas depois de morto, Annibal Caro, e Fábio Segni lhe compuzerão lisongeiros epitáfios ; dizendo o primeiro a Bonarota que ensinasse embora a todos os mais, mas que aprendesse delle ; e o segundo reprehendendo a Parca, porque cortando a vida daquelle Pintor tirava o ser a muitos Apelles, e apagando aquella luminária extinguia a luz de todos os outros.

Entretanto tinhao os Florentinos eregido liuma Confraria, que era juntamente Academia; novidade que foi mal imi- tada pelos artífices Francezes em iSgi (dizemos artifices porque não havia alli naquelle tempo professor algum de desenho, que merecesse ser chamado Artista.) Elles se encorporárão debaixo de huma bandeira, e depois obtiverao grandes privilégios de Carlos 7.*', e Henrique 3.*^

João de Bruges, Pintor Flamengo, e Conselheiro do Duque de Borgonha, pelos fins do Século xiv. achou o modo de pintar a óleo; e esta invenção foi huma das mais vantajosas para a Arte.

Em quanto a Pintura se divulgava pela Europa, também hia fazendo algum progresso em Portugal ; e Fr. Luiz de Souza falia de huma adoração dos Reis mandada fazer por ElRei D. Diniz para o Convento de S. Domingos de Lisboa. Ao retrato de D. Aftbnso 4.° disse Faria e Sousa, que se devia dar credito, porque elle mesmo se havia mandado retratar ao natural, com os seus Antecessores. Estes e outros retratos dos nossos Monarcas passarão para a Hes- panha no tempo dos Filippes.

A Bandeira de Lisboa no Reinado de D. João 1 tinha huma pintura de S. Vicente, Protector da nossa Capital ; e consta que esta Bandeira fora arvorada por João Vas-

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quês de Almada no Castello de Ceuta, quando o mesmo Rei tomou aquella Cidade. O Infante D. Henrique mandou retratar D. Fernando o Santo, seu Irmão, no retábulo da sua Capella na Batalha. No Convento de S. Eloy em Lis- boa esteve muitos annos hum retrato pintado em taboa, da Infanta D. Catharina filha de ElRei D. Duarte, que fal- lecêra em 1436, mandado pôr alli sobre o seu tumulo, pelo Cardeal d'Alpedrinha de que fora Discípula, e Confessada.

Nuno Gonçalves, ainda que em tempo mui bárbaro, diz Francisco d'Hollanda, pintou com louvável diligencia o altar de S. Vicente na de Lisboa, e hum Senhor atado á columna na Trindade. Hum certo João Annes, teve Carta de Pintor do Rei D. AtTonso 5." em 1454. Gonçallo Gomes, Braz d' Avelar N. Danzilha, André Gonçalves, e outros servirão D. Manoel, e D. João 3." António Maciel Pintor de Vianna, retratou em iSgo. D. Fr. Bartholomeu dos Martyres ; mas se he seu, como se diz, o retrato daquelle Prelado, que está na Portaria de S. Domingos, era muito máo Pintor.

Também fazem menção os Historiadores de dous Por- tuguezes illustres que por curiosidade se dedicarão com feliz êxito á nossa Arte, naquellas eras: forão estes Garcia de Re.sendo moço da Camará de D. João 2.°, que foi bom desenhador; e Braz Pereira filho de Fernando Brandão, Guardaroupa do Infante D. Fernando.

Por aquelles mesmos tempos se illuminárão na Itália huns livros, que ElRei D. Manoel deo aos Padres de Bellem.

Na Itália continuavão os rápidos progressos. Domingos Ghirlandaro, Florentino achou os princípios da boa dispo-

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siçâo, e do desenho mais correcto. O colorido hia melho- rando muito na Lombardia, e em Veneza, por meio dos Bellini, e do Mantenha, o Perugino tinha graça, e facilidade: faltava passar da natureza vulgar á sublime, e Miguel Angelo estudando algumas obras dos antigos, ousou arvo- rar o estandarte para conduzir os Artistas por aquelle magestoso caminho. Quiz a boa sorte, que os talentos mais raros encontrassem os Principes mais magníficos, e illus- trados para os empregarem em obras de grande sciencia, e vastidão.

Rafael, na Escola de Athenas reunio quasi todas as perfeições, que ainda se podiao ajuntar á Arte; e se algu- mas lhe faltarão forão postas em uso pelo Ticiano, e pelo Corregio : de sorte que desde o melhor século dos Gregos, que foi o de Alexandre, nunca a sciencia do Pintor tinha subido a hum gráo tão eminente; mas conservou-se pouco tempo naquella ellevação; e teria cahido de todo, se os Caraches lhe não dessem a mão para a sustentar. Como a imitação daquelles grandes homens, era a mais bella, e mais nobre que a realidade, começarão os seus discipulos a estudallos tanto, que se apartarão muito da imitação da Natureza, e vierão a cahir em maneiras affectadas : os sequazes de Miguel Angelo imitarão apenas a arrogância do seu estilo; e cada hum dos discipulos de Rafael, se o igualou em alguma parte, íicou-lhe inferior em muitas outras.

Naquella época introduzirão também o estilo grandioso Affonso Berrugheto na Hespanha, e António Campelo em^ Portugal ; porque o Vasco, ainda que grande no saber, sempre usou o estilo seco, e mesquinho dos Góticos. Co- meçávamos a florecer muito quando aconteceo a perda

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desgraçada de ElRei D. Sebastião, a que se seguio o capti- veiro de 6o annos, e as guerras obstinadas da Restauração que nos reduzirão a maior indigência. Os Francezes en- tretanto fundarão a sua famosa Academia de Pintura, para evitar a perseguição dos pertendidos artistas, successores daquelles que se havião embandeirado em iBgi; os quaes, em virtude dos seus privilégios, pertendião que LeBrun, e os outros grandes homens, ou não usassem, ou se encor- porassem com elles.

Na mesma era deitava Murilho os fundamentos da Aca- demia de Sevilha, bastante fértil em génios felices; mas os tristes Portuguezes tinhão de ir buscar fortuna na Corte de Hespanha, e talvez não teriamos noticia delles se Palo- mino, e outros Biógrafos Castelhanos não no-los dessem a conhecer. Os que ficarão erigirão a Irmandade de S. Lucas na Annunciada aonde vivia Soror Margarida de S. Paulo, famosa em virtudes, letras, e bellas Artes. Simão Rodrigues, Luiz Alvares de Andrade, Fernão Gomes, Do- mingos Vieira, e outros, que erão Juiz, Mordomos, e Ir- mãos do dito Santo, (de que se collige que havia huma espécie de Confraria), comprarão ás Religiosas daquelle Convento huma Capella por 400Í? réis, de que ha escri- ptura feita pelo Tabellião Marcos de Oliveira. Fez-se o Compromisso em 26 Capítulos, que foi assignado por Gre- gório Antunes, Luiz Alves de Andrade, António Soares, e António Simões de Solis; e approvado pelo Arcebispo de Lisboa D. Miguel de Castro, em 6 de Outubro de i6og.

No Capitulo i.° mandava-se acceitar por irmãos Pinto- res, Escultores, Architetos, e Desenhadores, sendo pessoas de bom comportamento. O 2.° e os quatro seguintes tra-

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taviÃo de devoções e regimen. O 7.° mandava apaziguar contendas, e evitar demandas entre os irmãos, condemnando os obstinados em alguns arráteis de cera. O g.*' e o 10.'^ indicavâo os meios para haver dinheiro, e o modo de o bem guardar. O 11." mandava que se visitassem os enfer- mos para os exortar a que se confessassem, e soccorrêlos se fossem pobres. Pelo 12.° se mandava pagar até 12 cru- zados, se algum irmão, pelos dever, estivesse prezo. O i3.° ordenava que se soccoressem as viuvas, e casassem as órfãs, dando-lhes a Meza 10 cruzados, e cada irmão hum cruzado. O 14.° e seguintes tratavao de suffragios : Os 17-22 erão relativos ao regimen da Irmandade. O 23.'' or- dena a festa da Senhora do Populo. O 24." e 25. '^ trata- vao de covaes; e o ultimo condemnava o procurador a pagar a metade das dividas, que por sua omissão senão cobrassem. Não tratavao de Academia nem de melhora- mento da Arte; e esta he a maior prova do abatimento em que ella se achava.

A guerra da successão seguio de perto a da independên- cia, e depois da paz de Utreck em 1713 he que se pôde cuidar em sciencias, e bellas artes; e com eífeito estabele- cêrão-se no Reino algumas Academias de Historia, Poesia, e Geometria. A pintura não esqueceo, e ElRei mandou a Roma alguns estudantes; outros forão á sua custa, ou encostados a grandes personagens.

Faltava porém huma Academia da Arte em Lisboa, e ouvimos dizer que Francisco Vieira, e André Golçalves quizerão dar principio a ella; mas o povo rústico sabendo que se havia de expor alli hum homem para ser co- piado, apedrejou as janellas da casa, e foi preciso ceder.

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Pelos annos 1780, tendo nós desejado ter em Lisboa hum estudo do como tínhamos visto em Sevilha e Roma, pedimos, e obtivemos algumas salas do Palácio de Gregório de Barros e Vasconcellos, junto á Igreja de S. José, e as mobiliámos com quanto era necessário para o intento; e convidámos os mais Sábios Artistas para dirigirem os es- tudos, e a todos os outros mais para se aproveitarem delles. Achar hum homem que se quizesse despir para estar a modelo foi empreza dificultosa : falíamos nisso a muitos, mas como o convite lhes parecia huma affronta, as respostas erao não negativas, mas também insolentes. Com maneiras estudadas, e offertas liberaes se ajustou hum homem de ganhar, o qual cumprio três ou quatro noites; mas quando os seus camaradas o souberão, derão-lhe taes vaias, e tratárão-no tão mal, que o pobre homem desappa- receo; mas achou-se outro, e o estudo proseguio sem inter- rupção. O novo estabelecimento foi muito applaudido de huns, e perseguido por outros, como tem acontecido em toda a parte. O Duque de Lafões mandou alli o Abbade Corrêa, e seu irmão Joaquim José Corrêa (i), a offerecer a sua alta protecção, e tudo quanto estivesse em seu poder, a fim de cimentar, e conservar aquella Academia. Iguaes offertas fez também Joaquim Leonardo da Rocha, da parte do Marquez d'Alorna: em geral, toda a Corte se mostrou propicia ao melhoramento da Arte.

A abertura da dita fez-se no dia 16 de Maio de 1780, e

(1) Era Desenhador, Arquitecto Civil e Militar, pelos annos 1700 foi para o Brazil com patente de Major de Engenharia, e morreo sendo ainda raoço.

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nessa occasiao repetio o Erector hum breve discurso exhor- tatorio, eni que dizia em substancia aos seus Collegas «Se nós, que professamos e amamos estas bellas Artes, não as socorrermos, e exaltarmos quem devemos esperar que o faça ? os que as ignorão, ou as desestimão ? Somos pou- cos, e débeis, mas se começarmos a vencer os obstáculos, o partido que vence sempre acha sequazes, e protectores, e em pouco tempo as veremos triumfar. Se formos tão felices que o consigamos, a Pátria nos reconhecerá por seus filhos beneméritos; a honra, e o interesse Nacional nos ficará em grande obrigação; e a Historia celebrará com applauso, e com justiça os nossos nomes; os vindouros nos serão devedores dos progressos que bem lhes podemos prognosticar, supposto o grande talento natural que ha nos portuguezes.

Tudo se nos facilita, e nos enche das mais bem fundadas esperanças: hum Fidalgo generoso, e sábio lhes abre as portas para as receber em sua casa; os Grandes lhes offe- recem protecção, e subsídios; a Nossa Soberana, e suas Augustas Irmãs, se entretém tanto com ellas como se as professassem: e poderíamos nós desejar mais felices aus- pícios, mais ditosos presagios? Se fizermos progressos, se nos conduzirmos com zelo, e patriotismo, havemos de achar muito favor em Sua Magestade. íkc. &c.

Achárão-se na Academia Joaquim Manoel da Rocha, Joaquim Carneiro da Silva, Joaquim Machado de Castro, e muitos outros Professores e Alumnos das três Artes, e também alguns Amadores, entre os quaes Thimotheo Ver- dier. Sábio em Arquitectura, Guilherme Hudson, e outros Inglezes, e Francezes : o número total foi de 5i pessoas.

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Joaquim Carneiro, por insinuação do Padre Mestre Fr. José da Rocha, Dominico, que tinha toda a influencia na Meza Censória, traçava então, como depois soubemos, hum plano para a Aula do Desenho, que veio a abrir-se no anno seguinte: contava elle com Joaquim Manoel da Rocha, para occupar a cadeira da Figura, e por esse motivo rece- beo mal o convite que lhe fizemos para entrar em a nova Academia, e até parece que não fora a ella senão a fim de a derrubar; porque pouco tempo depois da abertura, ale- gando pretextos mui frívolos, declarou aos seus amigos, e discípulos, que não tornaria mais áquella casa, e todos elles o imitarão; e como as despezas das luzes, e salário do modelo, erão feitas á custa dos que frequentavão, con- tribuindo cada hum com Soo rs. mensaes; faltando as con- tribuições acabava-se a Academia.

Tinha-se determinado que os mezes de Julho, e Agosto fossem de ferias; e ainda que o Erector na sua tentativa não tivesse em vista mais que o estabelecimento de hum estudo bom, e necessário, agora achava também a sua honra compromettida naquella desordem : Huma Acade- mia fallecida em tão tenra idade, deveria parecer hum aborto; e para conservar-lhe a vida resolveose a acceitar os donativos que os Fidalgos, e as pessoas ricas, e gene- rosas tinhão offerecido, e abrio a subscripçao; declarando porém que senão acceitaria a cada assignante mais dos 36oo rs. annuaes, que pagavão os Artistas. Assignárão Manoel de Lorena, o Conde de Villa Nova, o Marquez dAlorna, o Conde de Assumar, o Marquez de Gouvêa, o Conde d'Atalaya, o Principal Miranda, o Conde, e a Con- deça de Vimieiro, Agostinho Francisco de Larre, Anselmo

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José da Cruz, Guilherme Hudson, e assignarião todos, porque todos querião concorrer para aquelle público bem, mas Pedro Alexandrino fallou com energia contra esta medida, dizendo ser cousa vergonhosa para os Artistas não se atreverem elles a fazer huma despeza tão limitada, e ser para isso necessário incommodar os Grandes da Corte; que se escolhessem tantos Professores quantos fossem os mezes de estudo annual, e cada hum delles governasse, e fizesse a despeza no seu mez.

Este parecer foi desapprovado pelo maior número, e tivemos de proseguir nas assignaturas; porém espalhou-se o boato de que os administi adores da Academia poderião utilizar-se de algum dinheiro, íoi então que o Erector fez propósito de não acceitar nada a ninguém, e de sustentar a Academia á sua custa em quanto pudesse : com effeito fez a nova abertura no dia 18 de Setembro, e a ella assis- tirão Francisco Vieira Lusitano, e Ignacio de Oliveira Ber- nardes, como Directores do desenho, e estudos do nú, e Simão Caetano Nunes como Director da Perspectiva, Geo- metria, e Arquitectura: perparou-se também huma sala para nella se desenharem gêços, e estampas de figura, e ornato.

Os estudos sendo então mais amplos, e mais variados concorrião a elles não Pintores, Escultores, Arquitectos, e Abridores; mas também Entalhadores, Ourives, Mestres d'obras. &:c. &c..

O Padre João Chrisostomo desapprovou hum procedi- mento que tornava particular, e de hum só, huma Acade- mia que devia ser, e chamar-se de todos; e offereceo-se ao -Erector para associar com elle: o mesmo fizerão Simão

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Caetano Nunes, e o Fidalgo dono da casa. Como se hia seguir, pouco mais ou menos, o S3-stema proposto por Pe- dro Alexandrino, pareceo justo convidallo de novo para a sociedade, porém elle receando ficar mal com o partido da opposição, não quiz acceitar.

O Erector, com approvação dos seus Sócios, convidou também Francisco José de Setúbal, e Jerónimo de Barros: ambos acceitárão; mas não forão úteis á sociedade, o pri- meiro contribuio com a sua quota parte; mas sendo amigo de intrigas usou delias com ambos os partidos, e retirou-se intempestivamente, o segundo tratou a cousa com muito pouca seriedade. Esta associação começou em 23 de Outu^ bro, e durou hum anno.

A Academia era cada vez mais frequentada, e mais applaudida, porem no melhor tempo, morrendo Gregório de Barros, faltou a casa, e foi preciso suspender os estudos.

Antes do nosso estabelecimento parecia aquella erapreza a huns impossível, e a outros difficultosa; mas depois faci- litou-se tanto, que se fez o estudo nú, também em Mafra, na Fabrica das caixas, em casa do Intendente aos Anjos, e ultimamente na rua dos Camillos.

Diogo Ignacio de Pina Manique tinha fundado, com Bene- plácito Régio, a Casa Pia do Castello, aonde entre outros estudos teve lugar o Desenho, e escolheo para Professor delle António Fernandes Rodrigues, o qual no dia 23 de Abril de 1781, dia da abertura da sua Aula, recitou huma Oração Académica.

Nella felicitava a Nação Portugueza, e os -Alumnos da Aula; aquella, porque entre os tumultos da guerra em que se achavão envolvidas outras Nações, gosava as vantagens

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de huma tranquilla paz; e estes porque felizmente vivião á sombra de tão boa protecção. Dava-lhes depois huma idéa da Arte, e trazia á memoria alguns dos muitos que por ella havião subido a grandes honras e felicidades. » A' vista pois destes exemplos concluía elle, enchei-vos de esperan- ças. Tendes Mecenas, tendes Mãe Protectora, compassiva e liberal, de quem deveis esperar todo o favor, se fizerdes na Arte aquelles progressos que anciosamente vos desejo.»

Tentou depois o mesmo Magistrado, o restabelecimento da Academia do nii; e para a direcção delia foi elle mesmo pessoalmente convidar os Lentes do Desenho das Aulas Regias, que erão Joaquim Manoel da Rocha, Joaquim Ma- chado de Castro, e Joaquim Carneiro da Silva. Também convidou o da Aula do Castello; e recebendo algum tempo de visita a Pedro Alexandrino, lhe fez o mesmo convite.

Abrio-se pois a Academia pela terceira vez em casa do mesmo Intendente, aos Anjos, em a noute da Segunda Feira 17 de Outubro de lySS, e alli se fez huma espécie de ensaio por duas semanas, em quanto se preparava na Rua dos Camillos o sallão que tinha servido de livraria aos ditos Padres,

No espolio de Joaquim Carneiro, achou-se hum manus- crito feito por elle, com duas datas differentes, que pare- cem suppostas. O seu titulo he «Estatutos da Regia Aca:. demia Ulyssiponense de Pintura, Esculptura, e Architectura, debaixo do Patrocinio do Evangelista S. Lucas» Julgamos terem sido feitos para esta Escola, tanto mais, quanto havíamos ouvido dizer a António Fernandes alguma cousa a esse respeito.

Por aquelle tempo chegou de Roma Eleuterio Manoel

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de Barros, conduzindo o grande painel de Battoni, e entrou também no corpo da Direcção. Em tanto falleceo Joaquim Manoel da Rocha em Dezembro de 1786, e juntando-se os Directores, por convite do Intendente para lhe darem hum successor, votarão no Author destas memorias. Na mesma conferencia propoz Pedro Alexandrino, que se repartisse o trabalho da Direcção por mais alguns, e lembrou o Padre João Chrysostomo para Director em Escultura, e Joaquim José de Barros, então principiante, mas bom Escultor, para substituto. Joaquim Machado de Castro também pro- poz Francisco de Setúbal para Director, e Faustirwo José seu Discípulo para Substituto.

Estas eleições forão noticiadas aos eleitos por huma cir- cular datada de 19 de Dezembro de 1787, pela qual José Rodrigues Lisboa, Administrador da Casa Pia os convidava em nome de Intendente, no caso de acceitarem, para assis- tirem á Secção Académica, que no dia 24 se havia de cele- brar na mesma Casa diante da Nobreza, e Corte. Todos acceitárão, á excepção do Padre João Chr3^sostomo, o qual para se escuzar allegou razoes que derão motivos ao Dis- curso Apologético, escripto, e espalhado por hum Anónimo, em que affirmava que sendo o Padre prudente, e discreto não podia ser author daquella escusa, que algum génio maligno calumniosamente lhe queria imputar. O Padre deo a esta satyra huma resposta também satyrica. Fez-se a Secção Académica no Castello, aonde Joaquim Machado pronunciou de tarde o Discurso sobre as utilidades do De- senho, que corre impresso, e á noute poz o grupo, que foi desenhado também por alguns Fidalgos.

Como o Intendente quizesse crear na Casa Pia não

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Manufactores mais também Sábios e Artistas, mandou a Roma em lySS José Alves de Oliveira, Joaquim Fortunato de Novaes, e João José de Aguiar, para alli se instruírem, o i.° na Pintura, o 2.° na Arquitectura. Entretanto chegou á noticia de Joaquim Carneiro, que Francisco de Setúbal intrigava com António Fernandes, e Nicoláo Preto (i) para refutarem o novo Regulamento da Academia, que (talvez por isso) ficou sem effeito: por esse motivo compoz hum discurso allegorico intutulado. »0 dia, o crepúsculo, e a noute, ao mesmo tempo, phenomeno raríssimo visto em Lisboa por Joaquim Carneiro da Silva» Jazião, dizia elle em substancia, em confuso cháos as Artes liberaes em Por- tugal, quando hum Zeloso Magistrado as quiz tirar daquella escuridão, e convidou para isso Professores beneméritos; entre estes aparecerão o dia, o crepúsculo, e a noute; oh que triste aspecto! que infausto agouro! Mordidos pela inveja, movidos pela ignorância, e fustigados pela fúria da discórdia conspirarão contra o novo estabelecimento »se- guia-se aqui huma interlocução cujo resultado foi formarem elles hum triunvirato em que cada hum prometia de sacri- ficar o seu amigo ao ódio do companheiro. » Conseguirão em fim estes malévolos, proseguia elle, cortar em fior a arvore que se cultivava para dar fructos proveitosos; vários Professores, e Exercitantes deixarão de frequentar huma Aiila. aonde mais se detrahe que se desenha. Hum digno Professor (falia aqui do Padre João Chrysostomo) sendo nomeado para ser hum dos Directores delia, em huma

(i) Este foi Porteiro da Aula pouco tempo.

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carta, que dirigio aos mais Directores, entre outras razões com que se escusou, disse «que sabia ser tal a desunião, e murmúrio, que ainda os mesmos Directores, principal- mente aquelles a quem a mocidade Portugueza deve as maiores luzes, não escapavão não de huma continua critica, mas também de rigorosas e cruéis sat^^as A' carta do Professor, que se escusou se respondeo com outra picante, e teve igual resposta sahio certo o funesto pre- sagio^ » Não sabemos se Joaquim Carneiro estava bem informado; mas he certo que pouco tempo depois via-se a Aula do abandonada aos rapazes que hião, em vez de desenhar, atirar com bailas de papel huns aos outros.

Muitos estudantes d'outras escolas se recommendavão á protecção do Intendente, e Senhores da Corte para irem também a Roma; forao enviados em 87, 88, e nos annos seguintes até o de g5 huns 18 ou 20; e alli estiverão quasi todos até o tempo em que os Francezes invadirão os Es- tados da Igreja.

A antiga Irmandade de S. Lucas continuou a festejar este Santo Evangelista até o anno 1755 ; mas sobrevindo o terremoto, e cahindo parte da Igreja, ficou seu culto interrompido. Salvarão-se porem algumas cousas. A Es- tatua do Santo esteve depositada em casa de Gregório Madeira: a alampada, e o painel da Capella ficarão em poder das Religiosas, que os transportarão depois para Santa Joanna; o resto da prata, e as jóias ficarão na mão de Bento de Sousa, d'onde passarão para a de Jeronymo Gomes, e depois para as de Manoel Gonçalves Vital, e de Pedro Alexandrino.

Em 1777 juntárão-se alguns Irmãos, fizerao nova meza,

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e elegerão por Juiz Simão Caetano Nunes: collocou-se a Estatua do Santo em Santa Justa, a tempo, que o Inspector da nova Igreja dos Martjres offerecia aos Pintores huma das suas Capellas. Pedro Alexandrino queria, que se accei- tasse a oíferta, outros impugnarão, alienárão-se os espíritos, a Irmandade íicou outra vez desorganisada, e Manoel Gon- çalves Vital, que tinha em seu poder as jóias avaliadas em ']q^']So morreo entre tanto sem as poder entregar.

A Irmandade tinha dado a juro certa quantia de dinheiro sobre a hypotheca de humas casas, e os bens de hum abo- nado fiador: as casas tinhão cahido pelo terremoto; e Je- ronyno Gomes, que era o Procurador da Confraria solo- citou muito o seu restabelecimento para obrigar o fiador a pagar a divida; mas conseguio, que o Santo passasse de Santa Justa para Santa Joanna aonde foi festejado em 1789, e no anno seguinte. Em 91 dicidio-se a votos que se restabelecesse alli outra vez a Irmandade, e as Religiosas reconhecerão os Pintores por Senhores da Capella, alam- pada, e painel de S. Lucas, e derão-lhe faculdade para que aos lados da dita Capella podessem collocar bustos, retra- tos, e epitáfios dos seus Artistas mais illustres, e isto por escriptura de 23 de Julho de 1793 lançada nas notas do Tabellião Francisco Xavier de Sousa Henriques; cuja copia está no Compromisso. Festejou a nova Confraria o Santo com muita solemnidade nos annos 1791, 92, e 93, sendo Juiz Pedro Alexandrino, Cyrillo, e Manoel Caetano de Sousa.

Como o antigo Compromisso parecesse pouco adaptado ao tempo presente, tratou-se de fazer outro melhor, e nós •requeremos, que nelle, depois dos objectos de devoção, e

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caridade se tratasse também de estudos, e interesses da Arte, dispondo as cousas de modo, que para o futuro po- dessemos ter huma boa, e verdadeira Academia, cujo corpo de Directores tivesse voto juntamente com o dos Mesarios no governo da Confraria; sendo preciso desde logo nomear hum Director Geral. Este parecer foi admittido em i6 de Outubro de 1791, e todos votarão em Pedro Alexandrino para Director Geral. Em outra Assembléa do anno seguinte se elegerão a votos os Deputados para a composição do Compromisso, e forão eleitos, Pedro Alexandrino, Domin.- gos da Costa Barreto, Gaspar, Jeronymo d'Andrade, Jero- nymo Gomes, Felisberto, Manoel da Costa, José António Narciso, José Francisco dei Cuveo, e Cyrillo. Este ultimo foi também Secretario desta Deputação, e do futuro Corpo de direcção, e em sua casa, na Rua da se fazião as conferencias. Derão os seus pareceres por escripto Pedro Alexandrino, José António Narciso, e Manoel da Costa; os outros disserão de viva voz o que melhor lhes parecia, e recolhendo-se de huns, e outros o que mais contentava a todos, se foi proseguindo vagarosamente a obra.

A principal recommendação do maior numero era hum remédio contra o abuso de se incumbirem das obras de Pintura aquelles que nunca professarão a Arte; visto que as outras profissões nobres, como a Advocacia, Medicina, e Musica, tem privilégios que excluem os intrusos. Aca- bou-se em fim a nossa tarefa em 16 de Fevereiro de 1794, e a primeira leitura delia ifoi feita em 9 de Março diante de 26 pessoas, que todas applaudirão, e assignarão.

Este novo Compromisso examinava primeiramente quaes erão os abusos, e demonstrava pela experiência de todas

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as Nações civilisadas que a Academia seria capaz de os combater, e aftastar. Dizia depois, que qualquer individuo poderia pintar o que quizesse, bem ou mal, de graça ou por dinheiro, inda que nunca aprendesse ; mas as grandes obras, feitas por muitos, os que as houvessem de dirigir, e ajudar a fazer, deverião ser hábeis naquelles géneros, e agregados á Academia; porque ella seria obrigada a reco- nhecer como Directores ou Ajudantes, todos aquelles, que não sendo incorporados em alhêas profissões, vivessem actualmente do producto da pintura.

Todos os que pertendessem a direcção de obras, que lhes não competissem, serião admoestados pela Academia; se desprezassem a admoestação, o dono da obra seria advertido daquella fraude; se o dono insistisse, o intruso poderia fazer a obra; mas seria prohibido a todos os Artis- tas, o poderem-no ajudar, sobpena de serem excluidos das obras dirigidas pelos legitimos Professores, e de darem alguma cera para a Gapella do Santo. O resto do Com- promisso tratava do regimen da Irmandade, e da Academia.

Entretanto hum bom número de intrusos se encarrega- vão das decorações das casas, e convidavão para lhas faze- rem. Pintores menos acreditados, pagando-lhes com bastante liberalidade. Estes a quem o abuso vinha a ser útil, come- çarão a espalhar boatos, que ainda que falsos, e absurdos, forão cridos, não pelos que não tinhão ainda ouvido ler o Compromisso; mas também por alguns dos que o havião assignado, chegando a parecer pelas sandices que íizerão, que tinhão perdido o uso da razão.

Assim as débeis tentativas que se fazião em Lisboa para melhorar a Arte, ficarão todas sem eífeito.

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Jeronymo Gomes havia entregado em Meza no dia 26 de Dezembro de 1792, a prata que tinha em seu poder, pezando 22 marcos, a qual se metteo no cofre que ficou em casa de Pedro Alexandrino até o dia 28 de Janeiro de 1808. Nesta época, achando-se a Irmandade quasi extincta, e receando os Irmãos que os Francezes intrusos então no Reino, tendo noticia delia, a pedissem, como pedirão a da alampada que estava em Santa Joanna, requererão a Pedro Alexandrino que deixasse abrir o cofre, e repartisse pelos Irmãos que existião a quantia que se achasse dentro; o que elle fez sem a menor repugnância. Erão ainda bastantes os Confrades, e tocou a cada hum o que havia dado pela sua patente, e desde então ficou a Irmandade totalmente anni- quilada.

Antes que passemos a fallar das pessoas que fizerão profissão pública da Arte, e se houverão com ella, parece justo elogiar aquellas que a tem honrado muito com o seu exercicio, e protecção.

ElRei o Senhor D. João VI. tem-se dignado de conceder ás bellas Artes, o que ellas exigem, e requerem dos Mo- narchas, que he Real Munificência, e Protecção. Nenhum JMonarcha dispende talvez com ellas tanto como o nosso.

He bem sabido de todos o raríssimo talento que tem a Rainha a Senhora D. Carlota Joaquina, para as sciencias, e bellas Artes. Com poucas lições fez grandes progressos no desenho, e pintura de óleo, e de pastel, e senão execu- tou muitas obras desta natureza, foi porque empregava o tempo ainda melhor na excellente educação que soube dar

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ás suas Augustas Filhas, que também aprenderão a dese- nhar; e a Senhora Princeza D. Maria Thereza recortava optimamente á thesoura sem aprender.

Também nos consta que a Senhora Archiduqueza, e Princeza Real conta esta entre as muitas prendas de que he dotada. A Senljora Princeza do Brazil fez da pintura o seu mais delicioso recreio, e entretinimento, em quanto não sentio o golpe da Viuvez. Nas mesmas jornadas sempre a acompanhavão as cores, e os pincéis. Empregou em qua- dros escolhidos somas muito avultadas. Pintou para a Real Basílica do Coração de Jesus, o devotíssimo painel do Coração de Maria. Inventou outras composições, todas mysticas, que forao gravadas pelos melhores Abridores. Tem feito gíoria de proteger, e honrar os sábios, e os Artistas.

Da Senhora D. Marianna, Infanta, temos os painéis das Capellas no seu Convento do Desagravo, e alguns objectos de devoção gravados por Carmona, e por Carneiro da Silva.

A Senhora Rainha D. Maria I. também foi muito affei- çoada á Arte da Pintura, protegeo-a, e recreava-se com o seu exercício.

A Senhora Rainha D. Marianna de Áustria bordava, dizem, com tanta perfeição que as suas obras parecião pintadas; e bordou as cortinas do Sacrário para Igreja do seu Hospício de S. João Nepomuceno. A Infanta D. Fi- lippa filha do Infante D. Pedro Duque de Coimbra, e Re- gente do Reino, traduzio do latim hum livro de Homílias, e Evangelhos para todo o anno ornado com as imagens dos Santos, e figuras dos Mysterios de que fallava o texto,

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tudo debuxado á penna com grande primor da Arte, se- gundo o século em que foi feito. Gonservou-se com muita veneração no Mosteiro de Odivelas aonde a sua Authora viveo 17 annos como Religiosa observante, ainda que não fosse ligada a algum voto.

Nas Cortes de Lisboa, e do Rio de Janeiro existe actual- mente grande número de Senhoras, e Fidalgos com génio não vulgar para as bellas Artes.

A Senhora Marqueza de Bellas, D. Maria Rita de Cas- tello-branco, ainda que exercesse praticamente a pintura tinha hum gosto tão delicado para as composições, enfeites, e decorações, que as Senhoras da Corte a tomarão por modelo, e os Artistas achavão-se muito bem com os seus conselhos. Alguns dos mais felices pensamentos, attribuidos ao Author destas memorias, forão-lhe sugeridos por aquella Senhora, nem he a única pessoa da sua Illustre Familia, que seja dotada de hum génio feliz para as Artes de imi- tação.

A Senhora Duqueza de Lafões, e o Duque quizerão honrar a nossa Irmandade, escrevendo os seus Nomes no livro dos Irmãos, em i5 de Maio de 1792.

Também se achão no antigo livro os nomes de D. Ma- rianna Isabel das Montanhas, Soares, e de D. Luiza Joa- quina, Lucas de Menezes, que assignárao em 21 de Outubro de 1753.

D. Maria de Guadalupe Alencastre e Cardenas, Duqueza de Aveiro &c., ornou muitas Igrejas com painéis que pintou; e os nossos Pintores a elegerão para Juiz da Meza de S. Lu- cas em 1659.

D. Margarida de Noronha, ou Soror Margarida de

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S. Paulo, Filha dos Condes de Linhares, deo o risco para a Igreja da Annunciada, fundada, ou restaurada por seu Avô, Fernão Alves de Andrade. Também era Pintora, e atrahio para aquelle Convento, em que foi muitas vezes Prelada, a Irmandade de S. Lucas. Coníirmada em 1609.

D. Leonor de Menezes Condessa de Orem e d'Atouguia, pelo meado do século 17, tendo apenas 14 annos, dese- nhava, e escrevia perfeitamente.

D. Maria Magdalena de Castro filha do Correio Mór de Reino, floreceo no mesmo século, e he contada pelos Au- thores, entre o número das Pintoras iljustres.

D. Isabel de Castro, Condessa d'Assumar, filha de D. João Mascarenhas Marquez de Fronteira, foi huma das Damas mais celebradas na Corte, teve grande talento para a Pintura, e faleceo em 1724.

D. Maria Magdalena Eufemia da Gloria, filha de D. Elena de Távora, professou no Convento da Esperança em 1690, e alli pintou vários painéis para huma capella sua, publicou também algumas obras litteratas, debaixo do nome supposto de Leonarda Gil da Gama.

D. Anna de Lorena Camareira Mór das Rainhas D. Ma- rianna de Áustria, e D. Marianna Victoria, retratava bem, e pintou com perfeição vários painéis para a sua Ermida de S. Joaquim ao Calvário. Também dizem ser seu hum bom painel de S. Vicente de Paulo que está na Igreja dos Padres de Rilhafoles. Vieira, no seu Pintor Insigne a com- para á Serani, e a Rosalba, famosas Pintoras Italianas; e José Gomes da Cruz, na Carta Apologética chama-lhe » Sábia Professora desta grande sciencia.

Ao Senhor José Viale somos devedores da nota, e conhe- 3

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cimentos, que a Excellentissima Senhora Condessa d' Alva possLie nas bellas Artes, e esta noticia a publicamos da mesma sorte que sahio da hábil penna do mesmo Senhor Viale.»

Mas não podemos de sorte nenhuma deixar em silencio a Excellentissima Senhora Condessa d'Alva, a qual, to- mando o exemplo que por alguns séculos lhe hão dado seus nobilíssimos Progenitores, proteje da maneira a mais distincta as bellas Artes. Hum Pintor, hum Escultor, hum Arquitecto, diante desta Heroina, imagina estar no Templo da Gloria. Esta Senhora pintou, e pinta a óleo, e em mi- niatura, de figura, de paizes, e de flores, com muita intelli- gencia, e magistério: a sua conversação sobre as bellas Artes he interessantíssima, e além de mostrar o seu innato talento, também a conhecer que este he acompanhado de profunda lição litteraria. Devo dizer que esta Senhora pensa como pensarão e escreverão em suas obras immor- taes, os bem conhecidos Escriptores, Bellori, e o Abbade Lanzi; e vem a ser, que para sahir hum mediano Pintor requer-se maior talento, que para sahir hum famoso Es- criptor: e baste esta por muitas 111.'"'''^ Senhoras que por brevidade omittimos.»

Se podessemos estender os limites desta pequena obra, faríamos também menção de alguns Fidalgos, que como os Senhores Marquezes de Marialva, de Borba, e de Bellas íkc, se applicárão com proveito ao desenho, ou á pintura.

Muitas pessoas Religiosas de ambos os sexos, se distin- guirão também pelos preciosos livros que illuminárão, ou pelas agradáveis pinturas que fizerao.

D. Heliodoro de Paiva, Cónego Regrante em Santa Cruz

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de Coimbra, foi famoso em Sciencias, e bellas A-rtes, e muito acreditado na da Pintura. Regeitou Mitras, e faleceo em IDD2.

O Padre Manoel Alves, Jesuíta, pintou alguns quadros para o Collegio de Coimbra, aonde entrou em 1549.

Fr. Bento Contreiras Religioso Carmelita, illuminou os livros do Coro para o Carmo de Lisboa pelos annos iSiy.

Fr. Carlos, de Nação Flamengo, foi Monge de S. Jero- nymo no Convento do Espinheiro, aonde professou em iSiy, sendo primeiramente leigo, e depois Sacerdote. Naquelle Convento junto a Évora, existem, e estimão-se ainda muito, quatro painéis seus representando passagens da vida do seu Santo Doutor Máximo.

Fr. Henrique Religioso Dominico em Évora pintou o quadro da Transfiguração, que está sobre a porta da Igreja do seu Convento: o Senhor com a canna verde na casa do Capitulo, e outros.

Fr. Domingos Rodrigues, Religioso calçado de Santo Agostinho, ainda que Portuguez, foi conventual em Sala- manca pelos annos 1680, aonde pintou alguns painéis que ornão o Claustro do seu Convento.

Fr. Simão de S. José Religioso Paulista, illuminou o livro da Armaria para a Torre do Tombo.

Fr. Luiz de Bastos, se dermos crédito ao que nos diz a chronica dos Carmelitas Calçados, foi o Pintor mais insigne do Reino no seu tempo; mas hum bom Chronista não he sempre hum bom conhecedor desta sorte de curio- sidades. Este Padre entrou na Irmandade de S. Lucas em 29 de Janeiro de 17 18.

Fr. Filippe das Chagas sendo arançado em idade pro-

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fessou no Convento de S. Domingos de Lisboa em lôgi. Era sábio, e muito curioso de Pinturas, e illuminações, de que escreveo hum livrinho, que corre impresso com o titulo de Arte de Pintura Por Filippe Nunes, natural de Villa Real.

Fr, Eusébio de Mattos Jesuita, natural da Bahia, passou em 1677 para a Religião do Carmo Calçado: foi grande litterato, óptimo Arithmetico, e bom Desenhador, morreo em 1692 de 63 annos.

Fr. José de Santa Maria, Padre Thomarista, chamado no século José de Oliveira, fui Irmão de Ignacio de Oh- veira, e discipulo de seu Pae António de Oliveira Bernar- des: ainda era secular em 21 de Outubro de 1731, quando entrou na Irmandade de S. Lucas. Vimos ha poucos annos em casa de seu sobrinho João Pedro, dous quadros seus, Nossa Senhora do Carmo, e da Soledade, morreo em 22 de Fevereiro de 1781, com 81 annos.

Os Cónegos seculares de S. João Evangelista tiverão dous Artistas muito bons. O Padre Manoel da Purificação, que illuminou, e escreveo perfeitamente livros de Coro, e de Armaria, no principio do século 17, e o Padre Ignacio da Piedade e Vasconcellos, que esculpio em barro estatuas de grandeza natural, cujos pannos erão excellentes, princi- palmente os buréis. Compoz o livro intitulado «Artefactos Symetriacos, e Geométricos que publicou em 1732.

Estevão Gonçalves Neto, Cónego na de Viseu, illu- minou hum precioso Missal que se guarda na livraria do Convento de Jesus: floreceo por 1622.

O Padre Francisco Lino de Mattos Gastão, natural de Porto de Mós aonde vio a luz em 24 de Outubro de 1739,

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conta entre os seus parentes nauitos homens Doutorados. Seu tio Padre Theatino, de quem elle dependia, e de cujo Breviário tirou hum registo de S. Caetano para o copiar a furto, vio com admiração o grande génio que tinha para a Arte. Proseguindo os seus estudos Htterarios, hia também fazendo progressos no desenho. Vindo para Lisboa teve UçÕes do Josepino; applicou-se á miniatura, e tinha vista agudíssima, e paciência para acabar as cousas mais miúdas e delicadas : quasi toda a Corte tem obras suas. Fez o retrato do Principe D. António que foi remettido, e cercado de brilhantes, á Rainha de Hespanha. Miniou também o da Marqueza de Pombal, retratando-a em muitas Cortes, e teve hum premio de 68 peças : a mesma Senhora, também lhe offereceo a Parochia das Mercês, que elle não acceitou. He Capellão das Religiosas de Santa Joanna.

O Beneficiado José Pereira Soares La Rocha, natural de Lisboa, applicou-se ao estudo das linguas sábias, e vul- gares, e também ao Desenho e Pintura. Em Roma fez boas cópias de Rafael &:c. Havia pinturas suas nas Collecções de Seabra, Angeja, e Borba. Faleceo em Lisboa a i6 de Novembro de 1818, contando de idade 62 annos 9 mezes e 4 dias. Existe o seu retrato grandemente pintado por Pellegrini.

Soror Maria da Cruz, Religiosa no Convento das Chagas em Lamego, pintou dous quadros de Nossa Senhora e S. José para huma Capella sua. Era tida por Santa quando faleceo em 1619.

Soror Maria dos Anjos, Religiosa Dominicana em Évora, pintou muitas imagens devotas, que forao applaudidas.

Os Historiadores, e a fama pública também celebrao

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algumas damas seculares, que usarão felizmente da Pin- tura.

Umbelina Joanna Mendes de Távora, foi sábia em letras humanas e sagradas, em Mathematica, e Arquitectura: morreo de hum accidente na idade de 3"o annos em 1677.

Rita Joanna de Souza, na curta idade de 28 annos que' teve de vida, fez tão grandes progressos na Pintura como na Filosofia: foi natural d'01inda, e falleceo em 1719.

Thomazia Nunes natural da Cidade da Guarda, soube escrever com acerto, e pintar com perfeição. Florecia no principio do século 17.

Joaquina Volkmar nasceo em Lisboa, com génio decidido para o Desenho, e Pintura, a que se applicou por inter- vallos ; ha muitas obras suas em vários Gabinetes, e Col- lecções, e hum painel público na Igreja do Coração de Maria no Campo grande, collocado em 1787: representa elle Nossa Senhora com o Menino Jesus, e Santa Isabel, e S. Francisco que os adorão. As figuras são de grandeza natural. Cinco annos depois também fez em grandes qua- dros a historia de Isaac, para o Oratório de José Francisco Prené, Capitão de Mar e Guerra.

PINTORES.

O Grão Vasco de Viseu.

As memorias que nos restao deste antigo, e famoso Pintor, são ás vezes incertas, ás vezes contraditórias, e concordão em que existia em 1480, pois que naquella época comprara huns moinhos em hum lugar visinho á Cidade de Viseu que se chamou o lugar do Pintor, por elle ter alli nascido, (dizem alguns), sendo filho de hum Lavrador abastado.

Alguns pertendem que fosse discípulo de Pedro Peru- gino, ou de Rafael, o que no i.° caso he pouco verosímil, e no 2.° impossível; pois que Rafael nasceo em 1483. Pôde ser que fosse condiscípulo do seu Coevo Pedro Perugino na escola d' André Verrochio, Florentino, que também foi Mestre de Leonardo de Vinci, e era muito hábil na Pintura, Architectura, e Perspectiva, cousas todas em que o nosso Vasco foi excellente.

Lê-se mais nas ditas tradições, que ElRei D. Manoel o mandara estudar a Roma ; e aqui ha duas incoherencias : a i.^, que a Escola Romana he mais moderna que o nosso Pintor, porque foi fundada pelo grande Rafael: 2.^ que se

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o Vasco fosse mandado á Itália por algum dos nossos Reis, deveria ser por D. Affonso 5.", visto que elle era bom Pintor em 1481, quando D. João 2." começou a reinar.

He certo porém, que se Vasco estudou na Ittlia como parece pelas suas cabeças das Virgens, que não cedem ás do Perugino, e mesmo ás dos primeiros tempos de Rafael ; he verdade também que nas roupas, e nos Corpos nús, principalmente de mininos, seguio como bem notou Ber- mudes, a maneira assas gothica dos Alemães.

Este estilo misto, entre Italiano, e Tudesco parece que sessou naquelle tempo em grande parte da Hespanha, pois sabemos que Fernão Galhegos de Salamanca, pintava muitas cousas no gosto d'Alberto Durer, e que João Nunes em Sevilha fazia painéis, com bellos pannos, e colorido vivis- simo; bordaduras delicadas, e carnes, ainda que gothicas, tão estimáveis pelo bem acabado, como as de Alberto. Pareceo-nos quando lemos estas particularidades, que está- vamos vendo as pinturas do Grão Vasco.

São também incertas as noticias que temos sobre o lugar da sua sepultura. ))£*/« Thomar, dizem algumas Pessoas, passado o i Claustro, junto á Sacristia, está a sepultura do Grão Vasco, que foi Jeito Commendador da Ordem de Christo por ElRei D. ManoeU Está enterrado no Con- vento de Thomar; dizem outras, com letreiro muito gasto; ?nas ainda se devisa a Cru^ da Ordem de Christo, em que foi professo, gravada na mesma pedra.» Porem mandando nós alli saber se se verificava alguma destas tradições, tivemos em resposta: i>Neste Convento de Tho- mar não ha noticia de que nelle este/a enterrado o grande Pintor Vasco, '>^

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Em quanto ás suas pinturas, consta que ornara com ellas muitas Igrejas, Mosteiros, e Palácios Reaes, e que entre os seus quadros mais famosos entravão os da de Viseu, e os de Thomar: os primeiros não sabemos se existem: os segundos, como estiverão expostos na invasão de 1811 á brutalidade dos Soldados de Massena, he de crer que pelo menos ficassem mui deteriorados. He fama, que Igna- cio de Oliveira, tendo-os visto, confessava ser a cousa melhor daquelle género, em que havia posto os olhos.

Eis-aqui a informação que delles nos mandou hum Padre Thomarista. nXa Igreja deste Convento se achão muitas pinturas de Vasco : primeiramente do\e painéis que terão 20 palmos de alto, e de^ de largo, e representão o Baptismo de Jesu Christo; a Sinagoga; a Ressurreição de Lazaro; o Triunfo de Jerusalém; a Prisão; a Ressurreição; a Des- cida aos Infernos; a Ascenção; a Soledade de Nossa Se- nhora; os Apóstolos no Cenáculo; o Jui\oJínal; e a SS. Trin- dade. Ha outros mais pequenos que ornão os altares collate- raes, e vem a ser: S. Gregório Magno celebrando Pontifical; Santa Maria Magdalena, (pintura insigne); S. Sebastião; S. Bernardo, e a Conquista de Santarém; o Senhor morto. Na Capella da Senhora da Graça estão os do Baptista, e Evangelista, o de Santo Antão, e o de S. Jeronymo.

Na Igreja de S. João Baptista, ha quatro pinturas suas, e na da Misericórdia a de Santo António pregando aos peixes, e a do Descimento da CrUy.T Alguns destes painéis forão retocados em 1802, por João Jorge Esmcador, o qual nos disse que erao pintados em taboas, e a óleo ; mas ape- ralhados a tempera, e dourados.

No Beatc António tivemos o gosto de ver 11 ou 12 ta-

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boas, na cella do Geral, superiormente pintadas com o seu estilo, e continhão: a Fugida para o Egypto, os Reis Magos, a Annunciação, o Nascimento, a Circumcisão, e outros assumptos, todos sacros.

Na Igreja de S. Bento estão outras quatro pinturas, que dizem ser deste mesmo Author, representão ellas a Annun- ciação, os Reis, a Apresentação, e o Menino entre os Dou- tores.

Em Évora ha grande número de Pinturas da escola do Grão- Vasco, e muitas do seu punho. No Convento de S. Francisco, he muito venerada huma Senhora da Con- ceição, com belíssimos grupos de Anjos tocando, e can- tando. No Dormitório está o Juizo de Salomão; cuja cabeça se conhece ser o retrato de ElRei D. Manoel.

Na Sacristia o Transito de Nossa Senhora, e nas Ca- pellas colateraes S. Jeronymo, Santo António, S. Francisco,' e outro Santo Eremita.

No Convento d-o Espinheiro he famosa a taboa da As- sumpção de Nossa Senhora. Ha mais hum Presépio, hum Calvário, e huma Ressurreição de Jesus Christo. Também se crê serem de Vasco o Senhor Ressuscitado, e a Invenção da Santa Cruz, que estão na na casa aonde se revestem os Cónegos ; como também o Baptista penitente na Sacristia das Bernardas. Também fazem menção de alguns painéis delle, que se achao nas Gollecções de Valença, Borba, e Penalva.

Pelo grande número de quadros que se espalharão com maneira dirivadá da sua, podemos conjecturar que tevç muitos discípulos imitadores. Indicaremos alguns dos que se achão pelas Igrejas, e Palácios de Lisboa. Na Igreja do

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Paraíso estão 8 da vida de Nossa Senhora, que poderião ser do seu punho ; mas como estão repintados, não o po- demos affirmar. No interior do Convento da SS. Trindade, também ha oito taboas grandes dos mesmos assumptos. Na Sacristia da Madre de Deos sobre os caixões, estão duas taboinhas preciosas feitas naquelles tempos. Na Er- mida dos Remédios debaixo do Coro temos outras duas taboas muito boas, com meios Corpos de Santas, etc. Na Capella Mór de Odivellas estão quatro taboas com corpos inteiros de Santas. Ha também huma Adoração dos Magos no antigo Coro da Luz, que ora serve de Sacristia. Na do Beato António estavão quatro da vida de S. João Evange- lista, e S. Francisco recebendo as Chagas.

No melhor estilo daquelle século são pintadas as famosas taboas da casa dos Condes da Figueira aos Paulistas, e a da Sacristia da Bemposta. Esta representa Nossa Senhora com o Menino Jesus, e muitas Virgens. Ouvimos dizer que as cabeças erão ratratos da familia de Thomaz Moro, pin- tados por Holbein : observamos porém na dita obra huma particularidade, que se encontra nas do Pinturrichio ; isto he, os ornatos dos vestidos de relevo ; mas seja de quem for, he óptimo quadro na sua maneira.

Acabaremos o elogio do Grão Vasco, dizendo com hum bom Artista dos nossos dias, que elle pintou com verdade, e sciencia, principalmente cabeças, pannos, arquitectura, e paizagens, e acabou tudo com huma delicadeza incompa- rável.

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Duarte D' Armas.

Foi Creado debuxador de ElRei D. Manoel, e por elle mandou este Monarcha desenhar a estatua equestre de mármore, que foi achada na Ilha do Corvo, ou do Marco, quando a descobrimos : estava ella no cume da serra que serve de marco, ou baliza aos navegantes; e era hum ho- mem acavallo, e moço, coberto com huma sorte de capa, com a cabeça descoberta, tendo huma das mãos na coma do cavallo, e com a outra, que era a direita, apontava para o poente : hum braço do cavallo estava dobrado, e outro levantado. Parece por esta descripção, que a estatua teria notada alguma similhança com a de Marco Aurélio; ainda que devemos suppôr que em perfeição lhe seria muito infe- rior. Vendo ElRei o debuxo, mandou hum Engenheiro do Porto com apparelhos, e tudo o mais que era necessário para a apear, e trazer; porem elle quebrou-a, e trouxe alguns pedaços, que se perderão. Damião de Góes falia deste Pintor na Chronica de ElRei D. Manoel, e na do Príncipe D. João.

António Campelo.

Temos visto qual fosse a superioridade de génio do nosso Grão Vasco; mas se Campelo não o excedeo nessa parte, teve ao menos a fortuna de alcançar hum século muito mais illustrado. O estilo do i.°, que era o de todos

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daquelle tempo, ainda tinha muito do gothico ; quero dizer, seco, magro, mesquinho, chato, carregado de ornamentos, e de trabalho superíluo, tanto nos Corpos avançados como nos remotos ; mas a maneira do 2.° era nobre, e grandiosa : ex-aqui como se explica Félix da Costa : ^ Entre os Pintores que merecerão grandes prémios, (não /aliando nos que seguirão a maneira gothica), forão notáveis os seguintes: i.° António Campelo seguia elle o estilo de Miguel An- gelo na força do desenho, e com mais intelligencia de colo- rido.— Ha obras suas 110 Claustro de Belém, e hum pre- cioso painel do Senhor com a Cru^ ás Costas, que merecia outro trato, e outro lugar. Ha varias outras pinturas suas pelas Igi^ejas Floreceo no tempo de D. João 3.°

Reflexões sobre esta Memoria.

No Reinado de D. João 3.° teve Portugal muito bons Pintores ; mas parece que entre todos se dava a este a primazia.- D. Francisco Manoel de Mello, fallando dos mais illustres Pormguezes em diversas prerogativas, a palma a Camões entre os Poetas, a Vieira entre os Pregadores, ao nosso Thaumaturgo entre os Santos, e a Campelo entre os Pintores ; de que se infere, que essa era a opinião geral. Sobre esta bem fundada conjectura temos as suas obras, que plenamente nos convencem. A Rua da Amargura, que está na escada de Belém, não obstante ter sido muitas vezes retocada, e mal, depõe ainda a favor da sua prima- zia, principalmente na opinião daquelles, que como nós, chegarão a ver aquelle painel em muito melhor estado.

Em quanto aos do Claustro, o nosso Author não diz

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quaes sejão os seus ; mas dizendo que seguia a maneira de Miguel Angelo com melhor colorido, quem não que hão de ser os da Coroação de espinhos, e do Senhor Re- suscitado? Lembramo-nos de ter visto este ultimo painel muito bem conservado, á excepção da taboa, que começava em parte a apodrecer. O Corpo do Senhor era bellissimo, com a cintura larguinha segundo o costume de Bonarota; e senão parecia obra do seu punho, era por ser mais deli- cada do que elle a teria feito.

Luiz Carache chamava ao Tibaldi o seu Miguel Angelo reformado, porque soubera moderar a fereza do desenho deste grande Mestre, e tornallo mais agradável, sem pre- judicar a sublimidade da sua maneira. Parece que este mesmo elogio se deve applicar ao nosso Campelo: ambos o melhorarão em parte, ficando com tudo inferiores no todo ao seu incomparável modelo.

Gaspar Dias.

y>Floreceo este famoso Pintor (diz Félix da Costa) pelo mesmo tempo de Campelo. Foi génio admirapel, imitai^a 7miito a Rajael, e a Pqi^me^ão. Áprendeo na Itália, e foi nas proporções mais delicado que Campelo. Tinha espirito superior, as suas figuras paredão respirar, e muitas se assemelhão ás de Rafael. Entre outros, pintou o painel da Capella de S. Roque na Casa professa da Companhia de Jesus, (hoje Misericórdia), em Lisboa. i) Pedro Guarenti faz menção de outro painel seu da vinda do Espirito Santo

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pintado em i534, que estava na boca da tribuna da Antiga Misericórdia.

Reflexões sobre as pinturas de Gaspar Dias.

Sendo deste Artista o painel de S. Roque, que felizmente existe, por elle se vê, que era hum Pintor de muito talento; inda que, apezar de toda a delicadeza, que lhe attribue o nosso Author, não mostra igualar o mencionado Campelo. Se no Claustro de Belém ha pintura delle, como he fama, parece que deve ser a do Senhor no Horto, cujo Anjo tem muita analogia em desenho, caracter, e colorido com o Anjo do painel de S. Roque.

Gregório Lopes.

Teve carta de Pintor d'ElRei D. João 3.° passada' em i522, o seu epitáfio na Igreja antiga de S. Domingos estava na nave esquerda defronte da pia, e dizia <íAqni ja^ Gre- gório Lopes Cavalleiro do Habito de S. Tiago: Pintor d' El Rei Nosso Senhor, e de seus herdeiros. Álvaro Pires, e Gaspar Cam servirão também os Reis de Portugal, como Pintores. Ao primeiro, que falleceo em lôSc), succedeo o segundo que era seu filho. Serião talvez Pintores da Casa das Obras ; emprego, que se poderia exercer sem grande pericia, e comprova esta conjectura o uso de ser como hereditário, passando de pães a filhos.

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Vanegas.

y>Foi Pintor espirituoso, diz Feliz da Costa, elevado nas suas idéas, e mui correcto no desenho. Era Castelhano, tnas viveo sempre em Lisboa: foi prijneiramente Ourives, porem como era bom debuxante poude passar facilmente d Pintura. Dadmelo debuxador, (di:{ia elle) que yo telo darê Pintor. Imitava o Parmesão: he seu o painel do retábulo na Capella Mor de Nossa Senhora da Lu:{.y> Este painel existe, ou copia delle, e he muito grande. Tem em sima Nossa Senhora e o Menino Jesus, que abençoa os Santos Padres do Limbo, os quaes estão em baixo, como metidos n'huma masmorra, apparecendo a metade dos seus corpos. A Senhora, e o Menino tem muita força de claro escuro, e bom colorido, e toda a gloria inda que mui clara tem bastante armonia. Os corpos nús são menos vigorosos ; mas não deixão de ter sciencia de anatomia, e consonância de tons.

António, e Francisco de Hollanda.

António de Hollanda foi excellente Illuminador do Sé- culo de 5oo principalmente na miniatura de branco, e preto com toque de ouro, a que chamão camafeo ou de claro-es- curo. Dizem que Carlos 5.° não presava menos o seu pequeno retrato feito por elle em Toledo, que o grande, executado em Bolonka pelo Ticiano! Se nesta paridade

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não ha encarecimento, he o maior elogio que se lhe pôde fazer.

Francisco de Hollanda, seu filho, aprendeo com elle a miniar, e a modelar em barro; e sem aprender gravou ao buril de chapa, e de encavo, esculpio em pedra, e madeira, pintou em esmalte, e a óleo ; escreveo em prosa, e verso sobre a Pintura, Architectura, e outras Matérias. Costu- mava desenhar á penna sem apontar primeiro com o lápis, ou carvão, cousa que até alli, diz elle, ninguém tinha feito: inventou em Portugal a miniatura de pontinhos, ao mesmo tempo, que D. Júlio Clovio a inventava em Roma. Sendo ainda moço ensinou a desenhar os Infantes filhos de ElRei D. Manoel.

Foi duas vezes a Roma, a primeira na sua junventude, sendo criado dos Infantes D. Fernando, e D. Aífonso Car- deal; e a segunda vez por mandado de El-Rei D. João 3.'' foi não a Roma, mas a quasi toda a Itália, Hespanha, e França, a fim de observar, e copiar as boas cousas da Architetura e Pintura, e conversar com os Artistas, e Sá- bios. Elle communicou familiarmente em Veneza com Serlio que lhe fez presente do seu livro das 5 Ordens ; e em Roma com o Bonarote, Clovio, Lactancio,- sobrinho do Cardeal de Sena, mui versado nas Letras, Gregas e Hebraicas, e com Victoria Colona, viuva do Marquez Fernando d'Avalos, Dona mui celebrada na Republica das Letras, e boas Artes.

Viajava com decência como pessoa de espirito elevado,

e protegida por hum grande Rei. Neste giro gastou 9 ou

10 annos : achando-se em Roma no de iSSg. ».Vc7 Igreja

de S. Pedro, diz elle mesmo no seu livro da Pintura, e no

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altar onde o Santo está sepultado, recebi o Corpo de N. S. J. C. pelas mãos do Papa Paulo 3." dia de Páscoa, no anno de iSSg ante todos os Car deães, e a Corte, com os Embaxadores dos Reis Christãos, e alguns Senhores Romanos somente.y>-

Restituído á Pátria em 1548 escreveo o seu tratado de Pintura antiga, que oftereceo a El-Rei. Faltava-lhe ainda a romaria de S. Tiago de Galiza, e aproveitou a occasião que teve de a fazer no mesmo anno, em companhia do Infante D. Luiz.

Braz Pereira, filho de Fernando Brandão, guarda-roupa do Infante D. Fernando, tinha com elle muito grande ami- zade, por se haverem criado ambos em casa daquelle Prín- cipe. Era hum Fidalgo mui prendado, tendo grande génio para Pintura, e Architetura; vivia no Porto, e tendo-o por hospede huns poucos de dias, gastavão parte das noutes em conversar sobre estas Artes, daquelle entretenimento resultou o Tratado de bem retratar, ou de tirar pelo na- tural. Este opúsculo he cheio de reflexões, e preceitos admiráveis ■» Alguns dos quaes, diz elle, nascerão comigo; outros aprendi-os de Miguel Angelo, e de outros grandes Desenhadores, e do antigo.

Também foi Author de hum Tratado da Fabrica, que falece á Cidade de Lisboa, pelos annos i568.

Como a sua vida foi mais de Cortezao viajante, que de Artista, as obras que fez da Arte não podião ser muito numerosas : ellas se reduzem a algumas mmiaturas para o Breviário de D. João 3.° aos livros do Coro para Thomar, a outro livro de Desenhos, e Architeturas, feito nas suas viagens, que está no Escurial ; a hum retrato d'ElRei para

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mandar á sua rilha D. Maria, mulher de Filippe 2." &c. 0 poucas outras cousas.

Em quanto á pintura de Óleo, ingenuamente confessa clle mesmo não a ter aprendido ; e de Obra sua neste género, faz menção da copia do Salvador do Mundo feita em Roma, para a Rainha D. Catharina. Não he com tudo impossível que nos deixasse mais algumas, e que huma delias seja a que possue a Familia de Saldanha ao Passadiço representando o Baptismo de Santo Agos- tinho.

Manoel Diniz, Pintor nascido em Portugal, e estabelecido na Hespanha traduzio em Hespanhol o tratado da Pintura antiga de Francisco de Hollanda em i563, segundo dizem; mas poderia haver erro nesta data, porque aquelle M. S. que se conservava na Livraria Real, ouvimos dizer, passou a Hespanha no reinado dos Filippes, pelos annos i58o, ou depois.

António Moro.

Nasceu em Utreclt ou Utreque, foi discípulo de João Schoorel, e depois estudou na Itália as obras de Rafael, e Miguel Angelo. O Cardeal Granvela admirando a raridade dos seus talentos o apresentou a Carlos V. que lhe deo o titulo de seu Pintor, e o enviou a Portugal para retratar D. João 3.°, a Rainha D. Catharina, e sua filha D. Maria i.''', mulher de Filippe 2.°, por cujos retratos teve huma grati- ficação de 600 escudos, e outros ricos presentes, entre os quaes hum annel do valor de iC^ florins dado pelos Estados

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destes Reinos ; e tendo aqui retratado muitos Fidalgos cada hum lhe deo loo ducados, e hum annel, mais ou menos rico ; era somma muito avultada naquellas eras.

Sérvio depois Filippe II. e foi tão valido, que, dando-se então muito credito a encantamentos, e suspeitando os da Inquisição que elle lhe havia dado feitiços, o terião encar- cerado, se o Cardeal, que o soube a tempo, não o tivesse posto logo em seguro fora do Reino. O Rei inda que nunca soubesse o motivo, (cousa incrível mas dada por certa), porque se havia retirado, não deixava de lhe escrever muitas cartas, protestando a estima, que fazia da sua pessoa, e dos seus talentos ; e de fazer grandes mercês a seus filhos, e filhas.

Christovão d' Utreque seu Discípulo veio á Corte de Por- tugal pelo meado do século i6.°, ou com elle, como dizem huns, ou com hum Embaxador Portuguez, como outros querem. Sérvio D. João 3." pintando não excellentes retratos, mas também alguns quadros de historia. Os bellis- simos painelinhos, que estão sobre os Caixões da Sacristia da Madre de Deos serão talvez da sua escola. Os seus talentos forão remunerados liberalmente com boas sommas de dinheiro, e com o Habito de Christo. Acabou os seus dias em iSôy, na idade de 69 annos.

Onze annos depois morreo António Moro em Anvers, tendo 56 annos. N. Se estas datas, que são de hum Au- thor respeitável fossem exactas teria o Discípulo 14 annos mais que o Mestre, cousa impossível não, mas pouco vero- símil.

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Affonso Sanches Coelho.

Foi hum dos mais illustres Pintores Portuguezes, e assim o confessarão os mesmos Biógrafos da Hespanha até ao fim do ultimo século; mas Bermudes o reclamou, dizendo ter achado documentos por onde constava ser Valenciano. Podemos suppôr que haja alguma equivocação nas provas. Affonso Sanches estudou António Moro na Hespanha, e Rafael em Roma : sérvio o Principe D. João ; e depois da sua morte passou ao serviço de Filippe 2.°, Grande esti- mador da Arte, com quem privou tanto como havia feito António Moro, com a felicidade porem de o não suspeitarem de bruxaria.

A' imitação do Rei, todos os Grandes, Seculares, e Eccle- siasticos, com D. João de Áustria, e o mesmo Principe D. Carlos o visitavão, e honravão muito. S. Magestade nas Cartas que lhe escrevia o exaltava com os titulos de Ticiano Portuguez, e de seu amado filho.

Fez muitos quadros de historia, e retratos de Pessoas Reaes, para o Retiro, e Escurial, imitando também a ma- neira do Ticiano que se equivocavão com os delle.

Isabel Sanches, sua filha, nascida na Hespanha em 1564, aprendeo com elle a retratar, e a desenhar perfeitamente, e casou com hum dos primeiros Magistrados de Madrid : morreo dous annos depois do falecimento de seu pae, que foi em 1600 tendo qb annos, outros querem, que elle morresse 10 annos antes; isto he em 1390, deixou rendas para a manu- tenção de huma Casa Pia de meninas órfãs em Valladolid.

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Chrí6tovÃo Lopes.

Filho de Gregório Lopes, e Discípulo de Aííbnso Sanches, (se he verdade o que nos diz Palominoj foi Pintor da Ca- mera d'ElRei D. João 3.°, de quem recebeo entre muitas mercês a do Habito de Aviz. Retratou muitas vezes a Familia Real. Também pintou quadros de historia com maneira boa, e larga; e dizem que na Capella Mór de Belém ha alguns seus. Por seu falecimento em 1594 succe- deo-lhe Fernão Gomes no lugar de Pintor do Rei.

Diogo Teixeira.

Este Artista, diz Felix da Costa, fez cousas excellentes no tempo de D. Sebastião, e crê-se que foi Discípulo dos mencionados, D. António filho do Infante D. Luiz, e neto d'ElRei D. Manoel, o fez Fidalgo da Sua Casa. Na Luz, ao das de Vanegas estão pinturas suas.

Fernão Gomes.

Foi Discípulo de Blockland, Flamengo, pintava, diz Felix da Costa, com muita destreza, e valentia, e era excellente debuxante. Pintou o tecto da Capella Mór do Hospital

Real, e o quadro da Transfiguração de Jesus Christo na Igreja de S. Julião, e muitos em varias Igrejas. Sérvio na Irmandade de S. Lucas 1602, e foi hum dos nove, de que se compunha a Mesa daquelle anno, que em 17 de Outubro comprou ás Religiosas da Annunciada huma Capella por 400^ réis para nella collocarem as Imagens de S. Lucas em pintura, e em escultura ; e isto por Escriptura lavrada pelo Tabellião Marcos de Oliveira, de que ha copia no Livro do Compromisso da mesma Irmandade. Em 1394 succedeo a Christovao Lopes no lugar de Pintor d"ElRei. Vasco Pereira, inda que Portuguez, estabeleceo-se em Sevilha, e em 1394 concertou o famoso painel da Rua da Amargura, de Luiz de Vargas. Fez outras obras no prin- cipio do século seguinte.

Simão Rodrigues.

Na serie dos Pintores Portuguezes, que florecêrão nos séculos 16 e 17, não podemos achar outra guia, que melhor nos conduzisse, e encaminhasse, que o tantas vezes men- cionado Félix da Costa, delle sabemos que Simão Rodri- gues, entre os muitos, e bons quadros que fez, pintara também o do Nascimento para o Refeitório de Belém, o qual era reputado o melhor de todos elles. Foi hum dos que em 1602 comprarão a Capella de S. Lucas na Igreja da Annunciada.

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Bartholomeo de Cardenas.

Foi para Madrid com Aífonso Sanches Coelho, de quem era discípulo. Entendia bem o nú, e era por consequência assas correcto no desenho: nas roupas era grandioso. Com- punha com muito espirito, e coloria com perfeição. Foi bem acceito na Corte de Filippe 3.° Pintou huma gloria de 5o e mais palmos eiji quadro na Igreja de S. Paulo em A^alla- dolid; a vida de S. Domingos no Claustro do Convento d'Atocha em Madrid, e muitas outras bellissimas cousas. Morreo de 59 annos de idade, no de 1606. Palomino diz que era oriundo de Hespanha, mas nascido em Portugal.

Amaro do Valle.

Aprendeo em Roma, aonde era celebrado, e conservou sempre a maneira Italiana vaga, e doce. Imaginando que em Lisboa, sua Pátria, teria a mesma acceitaçao, regressou a ella, aonde morreo bastante pobre. Pintou a Capella Mór da Igreja de Santa Maria, desprezada pela ignorância, sendo a sua melhor obra: fez também o painel de S. Lucas para a Capella dos Pintores, e muitas outras cousas. Foi Pintor de Filippe 2.° de Portugal, e 3.° de Hespanha, lugar em que por sua morte succedeo Domingos Vieira Serrão no i.° de Junho de 161 9. O Painel de S. Lucas escapou aos estragos do terremoto de 1755, e está na Igreja de

Santa Joanna na Capella do mesmo Santo, que ainda per- tence aos Pintores, como consta de huma escriptura lavrada em 2 3 de Julho de 1793, pelo Tabelliao Francisco Xavier de Souza Henrique, cuja cópia também está no livro do Compromisso da Irmandade.

Ainda que este quadro esteja assas desfigurado pelo tempo, e pelos muitos, e máos retoques, ainda se na figura do Santo, e na de Nossa Senhora, que tinha muita correcção de desenho com força, e agrado de colorido.

Domingos Vieira Serrão.

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»Fez cousas excellentes, diz o nosso guiador, com muita » doçura, modéstia, fidalguia, e bom debuxo. Entendeo bem »a perspectiva, como se no tecto do Hospital Real, «invenção sua. Recebeo muitas honras de Filippe 3.° e 4.'' »por quem foi chamado a Madrid para pintar no Retiro, «aonde tem cousas admiráveis.» Desenhou o desembarque de Filippe 2.° em Lisboa, que foi gravado por João Schorc- quens. Em 1608 sérvio de Juiz na Meza de S. Lucas; e crê-se que morrera no de 1641, anno em que lhe succedeo Miguel de Paiva, no lugar do Pintor do Rei. Na Portaria de S. Bento está pintada em grande painel a Arvore Ge- nealógica Religiosa de S. Bento, e S. Bernardo, e tem em letras grandes o nome de Domingos Vieira, com a era de i652; mas se a firma não he supposta, podemos inferir que será de outro Pintor do mesmo nome.

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Luiz Alvares de Andrade.

Foi natural desta Cidade de Lisboa, e ficando muito cedo órfão de Pae, sua Mãe lhe fez dar huma educação muito própria para fazer progressos na Arte, e mais nas virtudes, nestas teve por mestres Fr. Francisco de Bova- dillas, (que também o foi das primeiras letras) e Fr. Luiz de Granada, naquella ignoramos quem fossem ; consta po- rem que era perito, e que sendo muito devoto da SS. Trin- dade, pintava painéis deste Altíssimo Mysterio, e os fazia expor nas Igrejas á veneração dos Fieis. Foi o principal Instituidor da Procissão dos Passos da Graça, começada em 1587. Os bons Artistas seus Collegas 0 estimavão, pois vemos ser hum dos quatro que assignárão o Compro- misso da Irmandade de S. Lucas: assignou mais hum acórdão em 161 3, entrou também no número dos que com- prarão a Capella do dito Santo em 1602, e dos que seis annos depois comprarão os covaes pelo painel do retábulo da Capella da Cruz, que estava na Annunciada da parte do Evangelho; talvez, o que ainda se em Santa Joanna. Terminou seus dias nesta mesma Cidade em 3 de Abril de i63i.

Francisco Nunes, natural de Évora, floreceo por estes tempos. Aprendeo em Roma, teve grande maneira, e bom estilo. Na sua pátria estavão as suas melhores obras, e nesta Cidade hum Apostolado em meios corpos.

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Domingos da Cunha.

pstudoLi a Arte em Madrid com Eugénio Caxas, Caste- lhano, filho de hum Pintor, Arquitecto Florentino, e colorio muito bem, imitando com perfeição, ainda que servilmente a natureza, quero dizer, sem a melhorar quando ella era susceptível de maior elegância. Nasceo em Lisboa em lõSg, e tendo 84 annos entrou na Companhia de Jesus. Fazem menção delle muitos Escriptores ; alguns dos quaes elo- giarão as suas obras, perdidas quasi todas pelo terremoto de 1755. Morreo em opinião de Santidade. Na Collecção de Duarte de Souza, Correio Mór do Reino, existião, diz Félix da Costa, hum Santo António, e hum S. Diogo pin- tados por elle.

André' Reinoso.

»Foi discípulo de Simão Rodrigues, cuja maneira, diz o Bnosso Author, não quiz seguir, inclinando-se com muito «acerto ao estilo Italiano. Sem ter a melhor escolha do «natural, fez cousas admiráveis pela sua viveza. Entre as «melhores se conta a vida de S. Francisco Xavier em «S. Roque, sobre os caixões da Sacristia, da parte direita: «e na Capella do Menino perdido, o dos Reis, e o do Nas- » cimento.» Foi eleito Juiz da Irmandade de S. Lucas para a Meza de 1641, mas não acceitou. Sempre lhe ouvimos chamar Diogo, e não André, mas era tradição errada, porque além da authoridade de Félix da Costa, que vivco

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no mesmo século 17 temos os livros da Irmandade, que he incontestável.

Diogo Pereira.

«Aprendeo sem Mestre, e pela communicaçao que »teve com Pintores:» A sua falta de estudos bem se conhe- cia na dureza com que pintava, e na ignorância da perspe- ctiva, architectura, e desenho que se observa nas suas melhores obras. Pintou incêndios, dilúvios, tempestades, etc; e parece, diz hum Author daquelle tempo, que as desgraças que representava lhe espantavão a fortuna. Deo- Ihe a Natureza hum génio raro, e original, principalmente para os fogos, cujos painéis se estimao na Itália, França, e Inglaterra. O Patriarca D. Thomaz de Almeida, teve hum gabinete ornado com 60 painéis seus, contendo não fogos, e batalhas, mas também frutos, flores, paizagens, bambochatas, &c. Não he raro achar pinturas suas; na CoUecção de Borba estão duas das melhores representando Troya, e Sodoma, firmadas por elle, e na de Penalva está o seu famoso Inferno, com as figuras de Vieira Lusitano. Morreo Septuagenário, e pobríssimo em 1640, diz hum Biografo Italiano, mas he engano, porque em i658 sérvio de Escrivão na Meza de S. Lucas.

Jose' d'Avelar Rebello.

))Foi homem de grande talento, (diz Félix da Gosta) e »de grande discripção, e engenho. Sem Mestre, e por

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«génio superior, graça particular, e muito exercicio, foi Mcapaz de pintar o Menino entre os Doutores, que está em ))S. Roque, e outros bons painéis que lhe merecerão hum «Habito de Aviz.)) No antigo Palácio Real pintou a fresco o Salão da musica, e fez muitos quadros para a livraria Arcebispal. ElRei D. João o 4.° gostava de o ver pintar, e de conversar com elle, quando lhe deo o Habito, dizia no Alvará que lho dava por ser o melhor Pintor do seu tempo. Desde o anno ibSg até o de 48, fez os 72 grandes painéis da vida de Jesus Christo, que apainelavão todo o tecto dos Martyres, e a tomada de Lisboa sobre o arco da Capella Mór. Em 5o pintou outros para o tecto debaixo do Coro; mas em 1746 tirárão-se os ditos para levantar o tecto da Igreja, que foi feito de estuque por João Grossí, e enrequecido com o famoso painel de Vieira Lusitano, de que ha desenhos. He tido em bastante estimação o S. Jero- nymo firmado por elle, que está na livraria de Belém. Na portaria de S. Bento ha hum grandíssimo painel do triunfo de Nossa Senhora pintado em i656, e ouvimos dizer a Pedro Alexandrino, que no friso da architectura tinha o nome de Avelar. Em quanto aos dos Caetanos feitos, se- gundo alli se lê, em i655, parecem de mão muito menos hábil, e menos antiga. Foi Juiz na Irmandade de S. Lucas em 1644.

Josefa de Óbidos.

He muito grande a variedade de opiniões que seguem os Historiadores a respeito da célebre Pintora Josefa d'Ayala,

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(que este era o seu verdadeiro nome.) Félix da Costa diz ser filha do Sevilhano, famoso em paizes, principalmente nos pertos; e falia delle como de pessoa que todos conhe- cião. O Malhão no livro que escreveo da sua vida, também a celebra como filha de Óbidos, e filha, que fazia muita honra á sua pátria. Alguns querem que nascesse em Sevi- lha, e fosse filha de Balthazar Gomes Figueira; outros a fazem discípula do dito Balthazar Figueira, ou de Figuei- redo, de quem vimos bons painéis de objectos inanimados com a sua firma: encostamo-nos ao parecer de que era Portugueza filha de Hespanhoes. As obras que existem delia são de dous géneros, i." de painéis históricos; 2.° de objectos naturaes, e artificiaes como fructos, doces, aves, etc. Muitos deste género, reputados por seus, não são bons; estimão-se porém os cordeirinhos, que se achão em quasi todas as collecções de Lisboa.

Em quanto aos seus painéis de figuras, temos ouvido celebrar os da Igreja de Valbemfeito dos Padres Jeronymos, e os que estavão na Misericórdia d'Obidos sobre o arco da Capella Mór, e na Freguezia de S. João. Aqui temos visto alguns, e muito bons; hum dos quaes representando os Desposorios de Santa Catharina, era pintado n'huma chapa de cobre de 2 palmos de alto, e pertencia á familia de Gonçalo José da Silveira Preto, passou depois ás mãos de Francisco Cypriano, contratador de painéis, que em 1810 o vendeo a hum Inglez por 8 moedas; tinha a sua firma, e era de 1Õ47. Outro era de huma Coroação de Nossa Senhora também em cobre, pintada com extrema delicadeza, e em certos adornos com a paciência dos Gothicos, também tem o seu nome, e a era lóSy, e pertence ao Cónego de

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Evora Miguel Remigio. Retratava bem, e fez o retrato da Princeza D. Isabel que foi enviado a Victor Amadêo. Morreo em 22 de Julho de 1684. Os seus quadros de Historia sus- tentavão-se ao dos bons daquelle tempo.

João Gresbante.

Era hum Pintor Inglez estabelecido em Lisboa. Tinha grande génio, e idéas sublimes; mas como a execução da sua obra não correspondesse ás suas idéas, nunca era con- tente com o que executava, parecendo-se nisto com hum certo Artista da antiguidade. Não obstante, os conhecedores admiravão o Concilio de S. Dâmaso, que pintou na Capella Real, o painel da boca da tribuna da Magdalena com bom desenho, e colorido, e outros muitos que se queimarão no incêndio de lySS. Sérvio muitos lugares na Meza de S. Lucas desde i65i até i665, e ainda vivia em 1680.

Marcos da Cruz.

Foi homem de mais arte que engenho, disse hum Es- criptor do seu tempo, e como não tivesse Mestre sufficiente seguio primeiro hum errado caminho, que tratou depois de emendar, e adquirio muitas cousas essenciaes como a intelli- gencia das massas do claro-escuro, a perspectiva aérea, e outras. Os seus painéis que estavão em S. Paulo, na Ca- pella Real, na boca da tribuna de S. Nicoláo, e em outras

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Igrejas, quasi todos se queimarão em ijõb. Dizem ser obra dos seus pincéis a Santa Maria Magdalena de Pazzi no Carmo, e os painéis do Cruzeiro de Jesus. Ouvimos dizer também a Pintores antigos que fora Mestre de Bento Coelho, e com eífeito em algumas das cabeças destes quadros acha-se muita analogia com as que fazia o seu supposto discípulo. Sérvio na Meza da Irmandade de S. Lucas desde 1649 ^^^ 1674. Em 57 foi Juiz, e em 78 deo esmola avultada para a Missa quotidiana.

Feleciano de Almeida.

He este o ultimo Pintor de que falia Félix da Costa, e diz elle, que por huma singularidade inconcebível quizera imitar os Pintores Gothicos sem dar relevo, ou força aos seus objectos, enfarinhando muito os claros com alvaiades, e usando de sombras imperceptíveis; mas que, como decli- nava o gosto e o saber, a ignorância applaudia muito aquelles defeitos.

Sérvio de Escrivão na Meza do Santo em 1684, e de Juiz no anno seguinte. Na Ermida de Nossa Senhora Madre de Deos do Secretario de Guerra ha painéis pintados, pouco mais ou menos, no seu estilo.

Manoel de Castro.

Estudou a Arte em Madrid na escola de Cláudio Coelho, Pintor célebre, oriundo de Portugal. Carlos 2.° de Hespa-

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nha mui satisfeito com a Gloria, e Redempçao de captivos, e outras pinturas, que fez nos Conventos da Trindade, e das Mercês, o nomeou seu Pintor por morte de Bartholo- meu Peres em 1698.

D. Cláudio seu Mestre era filho de Faustino Coelho, Portuguez, excellente bronzista, o qual vivia em Madrid onde Cláudio nasceo. Este applicou-se á pintura, e fez nella grandes progressos. Foi Pintor d.e Camará, e Archi- tecto do Rei. Entre as muitas, e boas cousas que fez foi mui celebrado o painel das Sagradas Formas que está na Sacristia do Escurial, do qual temos huma estampa gra- vada em Lisboa por Conti, e Bartolozzi, morreo em 1698. Palomino, diz delle, que em perspectivas podia competir com Bibiena. Manoel de Castro sobreviveo-lhe 19 annos.

O Marquez de Monte Bello.

Félix Machado da Silva Castro e Vasconcellos foi mui versado nas Artes, e Sciencias, e muito bem acceito a Filippe 4.°, que em premio de relevantes serviços lhe deo o titulo de Marquez em i63o. Dez annos depois aconte- cendo a revolução de Portugal, e achando-se na Corte de Hespanha seguio o seu partido, talvez por necessidade: mas vendo-se naquelle Reino sem meios suíficientes para subsistir com decência, fez profissão pública da Pintura, em que era perito, parecendo-se nisto com o Imperador Constantino Porphirogeneto. Foi casado com D. Violante d'Orosco, filha do Marquez de Mortara, e Dama da Rainha 5

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D. Margarida de Áustria. O Duque de Viedro seu descen- dente ainda conservava com satisfação em 1730 a sua pa- lheta, e os seus pincéis.

Félix da Costa Meesen.

Devemos a este Artista, e Escriptor huma serie de Me- morias de 19 Pintores, sem as quaes teríamos de começar o espectáculo deste Theatro Pintoresco no 2.° ou 3.° acto. Não temos noticias das suas obras, mas acha-se o seu nome nos livros da Irmandade de S. Lucas, aonde consta sérvio nas Mezas de lyoB e 1706.

Escreveo as Memorias em 1696, e diz no fim delias »0s Homens famosos o forão, porque frequentarão Aca- «demias, e obtiverão honras, e prémios dos Príncipes, muitos dos nossos sem estudos grandes, e sem protecção, ainda que não fizessem tanto, merecem com tudo honra, veneração, e applauso.

Aonde acabão as noticias deste Author, começão feliz- mente as de Pedro Alexandrino, escriptas por elle mesmo, e as de Lobo, as quaes seguiremos, sem desprezar as de outros Escriptores que merecem attenção, e crédito. Félix da Costa assentou por Irmão em 11 de Novembro de 1674, e faleceo em 1712. Na Demonstração Histórica se faz menção de huma antiga Imagem dos Passos de que falia, (diz o Author em hum dos seus escriptos), o insigne pintor Félix da Costa.

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Bento Coelho da Silveira.

A funestíssima derrota que soífrêrao os nossos exércitos no anno de 1678 em Alcacerquivir foi a origem de toda a nossa desgraça, por ella passou o Reino a hum dominio estrangeiro; por ella perdemos quasi todas as PosseçÕes da Ásia, e muitas da America, e por consequência as Armadas que nos daváo o Senhorio dos mares, e as grandes riquezas que nos vinhão das índias, Japão, China, &c. Reduzido o Reino a huma Província, declinarão entre nós as Sciencias, e muito mais as bellas Artes ; porque não tendo Monarcha próprio que as protegesse forão ellas abandonadas á indigência, ou á ignorância dos povos. De- pois de hum captiveiro de 60 annos em que os empregados, e cobiçosos tiravão o ouro do corpo do Estado, como as sanguexugas tirão o sangue do corpo do enfermo onde são lançadas; seguirão-se as guerras da restauração, achando-se o Reino em tal pobreza, que o mesmo Rei se sustentava com as rendas da sua antiga Casa de Bragança. Estas guerras durarão até 1668, e ainda se resentírão as calami- dades delias renovadas pela guerra da Successão até á Paz de Utreclt em 171 5.

Os Reis conservarão sempre hum Pintor seu, mas era como hum Mestre da Casa de Obras, tendo de salário 5 ou õííooo réis annuaes, hum moio de trigo, e os prós, e precalços, que muitos annos seriao nullos ; e este officio passava de pães a filhos, quando os havia, como cousa para a qual a sciencia não era necessária, inda que ás

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vezes recahia por acaso sobre homens hábeis. Restava por tanto a Religião que podesse manter algum Pintor, mas como ? Pintando muito por muito pouco dinheiro, e he o que aconteceo a alguns Pintores nomeados, e mais ainda a Bento Coelho, de quem se diz que fizera tantos quadros quantos forao os dias que vivera.

Não fallando nos muitos painéis seus, que se queimarão pelo terremoto, nem nos que fez para outras terras do Reino, e Dominios Ultramarinos, ainda existem bastantes em quasi todas as Igrejas de Lisboa, que escaparão do incêndio de 1755. Este Pintor occupou vários lugares na Meza de S. Lucas desde 1648, até 1698, sendo muitas vezes Juiz. Ainda existia muito velho no principio do sé- culo 18; e na Sacristia de S. Pedro em Alcântara ha hum painel da Invenção da Santa Cruz, firmado por elle em 1702, crê-se que morrera em 1708. Teve discipulos que quizerão imitar a sua maneira, mas fizerão-no tão mal, que ficarão sem nome.

Reflexões sobre as Obras de Bento Coelho.

Este grande Pintor, teve como o Tintoreto 3 sortes de pincéis ; o de ouro, o de prata, e o de ferro. Pintada como de ouro vimos huma chapa de cobre representando- Judith, e Holofernes, que tinha pouca inveja ás obras de Vandeick; com o pincel de prata são feitos os painéis da Sacristia da Penha, os de S. Jorge, os da Madre de Deos, e das Commendadeiras da Encarnação, os de S. Bento, Francezinhas, e outros. Estes são pintados com grande empaste, e bellas tintas, que se conservão vivas, e frescas,

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com toques resolutos, e virgens. Em geral os fundos dos seus quadros são assas escuros, e as figuras campão por mais, ou menos claras, segundo os pavimentos em que estão. Tinha bellissimas cores de carnes vivas e mortas, mas como pintava de pratica, e quasi sempre improvisando havia necessariamente ser muito maneirado e incorrecto. Lourenço da Silva Pa{. ]\ p. 3g.

António Machado Sapeiro.

Quiz imitar Bento Coelho na maneira franca, e presteza de execução ; mas succedeo-lhe o que succede de ordinário a todos os imitadores, que foi ficar inferior ao seu modelo. As suas obras publicas são o tecto da Sacristia do Loreto. o S. Christovão da Sé, que he muito máo, e está todo repintado, alguns painéis na Igreja da Saúde, e na dos Anjos, em Santa Martha, na Sacristia dos Capuchos, e o Santo António nas Trinas do Rato, que parece ser o me- lhor de todos. Os 8 sobre as Capellas da Freguezia de Santos são pintados no seu estilo, assim como os 4 na Capella Mór da Ermida do Secretario de Guerra. Era, também retratista, e teve a fortuna de retratar El-Rei D. João o 5.°, e de ser o seu retrato o mais applaudido de todos quantos até alli se havião feito, pelo qual recebeo huma gratificação proporcionada ao grande espirito daquelle Monarcha. Assentou por Irmão de S. Lucas em 23 de Se- tembro de 1704. Sérvio na Meza pela ultima vez em 17 12, e morreo em 24 de Junho de 1740.

o Lobo na sua Silva Laudatoria diz delle :

)jO Machado imitou a Natureza

No Retrato, com óptima destreza,

Teve a felicidade

De exprimir mais que outro a Magestade

Do quinto João perfeito Soberano

Que deixou seu pincel mais nobre, e ufano.»

Henrique Ferreira Pintor medíocre, também fazia retra- tos, e pintou quasi todos os que estão em Belém na Casa dos Reis. Assentou por Irmão de S. Lucas em 24 de Outu- bro de 1700.

André' Gonçalves.

Foi Discípulo de D. Júlio César de Femine, bom Pintor Genovez, que viveo em Lisboa, aonde pintou muitos qua- dros para o Convento da Graça, e outros lugares Sacros, e profanos. Entrou na Irmandade de S. Lucas em 18 de Ou'tubro de 1720. Em 1786 era falecido tendo servido na Meza em 1721, anno em que foi Juiz. O Discípulo não seguio a sua maneira, adoptando outra mais branda, e mais agradável, que imitava no colorido a de Conca, e Massucci, e nas roupas a de Marata, de cujas estampas, de que tinha grande copia se sérvio muito na composição dos seus painéis, muitos dos quaes se queimarão nas Igrejas pelo terremoto. Os que escaparão, ou forão feitos depois estão no Convento das Commendadeiras de Santos, e no de Santa Anna. Na Igreja do CoUegio dos Nobres está o

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S. Pedro e S. Paulo, e ó da Converçao deste grande Apos- tolo. Existem muitos nas Capellas do Menino Deos, e nas Capellas Mores de S. Lourenço, Santa Joanna, Santa Martha, S. Martinho, Mercês, Paulistas: os das Capellas da Bemposta, que passarão, pela renovação da Igreja para a Sacristia : os da Capellas de Queluz, o da Conceição que se queimou na Ajuda, e era, diz Pedro Alexandrino, admi- ravelmente bem pintado, pela esperança do premio, o qual não correspondeo á obra pelo limitado animo do louvado, que o avaliou, (deveria ser Mattheus Vicente). Na Portaria de S. Domingos tem este Santo, e S. Francisco : os das Igrejas das Trinas dos Cardaes, e do- Mocambo também são seus ; assim como o S. Pedro e S. Paulo na Freguezia da Pena de óptimo colorido, e os da vida de Christo que estavão sobre as Capellas, e forão grandemente retocados por Pedro Alexandrino; mas ainda seVião collocárão: os de S. Bento na Capela de Santo Amaro, e o Santo Ere- mita, que esteve na escada, e está hoje na Sacristia; he o único original que elle fez, e merece grandíssima estima- ção. No Hospício da Conceição da Carreira, e em Rilhafoles ha obras suas ; também lhe pertencem os quadros da vida de S. João' Baptista na freguezia do Lumiar, e a Senhora do Carmo na Igreja desta Invocação, e alguns em Mafra na Capella dos sete Altares; os da Ermida do Marquez de Pombal em Oeyras, e os da Rua formosa que estão na Igreginha chamada do Mariola Mór, os quaes ficarão mui deteriorados pela retirada dos Francezes em 1808, e tendo sido repintados, parecem agora de outra mão. Na Madre de Deos tem a grande gloria sobre a Capella Mór, e algu- mas outras cousas, como são a Santa Clara, e S. Francisco,

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e a vida de José do Egypto na Sacristia. Em S. Vicente tem o da Sacristia, e o da Capella da Annunciaçao. Tam- bém são seus os do Coro de S. Domingos de Bemfica. Fez muitas pinturas para Santa Cruz de Coimbra, e para todos os Conventos dos Cruzios, decorou vários Coros, e Capellas interiores em Conventos de Freiras. Na Capella Mór de S. Pedro de Alcântara ha trez quadros seus, e outros na de S. Bento da Estrella, &c. &c.

Entrou na Irmandade de S. Lucas no i.° de Novembro de 171 1, e sérvio na Meza desde 17 12 até 1764 sendo duas vezes Juiz, pelos livros consta que morrera em i5 de Junho de 1762, tendo de idade 70 annos 6 mezes e i5 dias. Jaz no Convento dos Mariannos.

O Lobo diz que o André levava aos mais a palma, ins- pirando os pincéis nas tintas alma.

Existem dois retratos seus, hum na Collecçao de Penalva, feito por Guilhard, na sua idade juvenil, outro na Collecçao de Borba em idade avançada, feito por Pedro Alexandrino. Teve muitos e bons discípulos ; e forao, seu filho Manoel José Gonçalves, João dos Santos Ala, Joaquim Manoel da Rocha, José da Costa Negreiros, Francisco Xavier Lobo, o Padre Manoel José, de quem fallaremos adia*nte. Pedro Alexandrino não foi seu discípulo, mas aproveitou muito frequentando a sua casa, e a sua escola.

Manoel José Gonçalves fez o painel, que está no Collegio dos Nobres do Senhor dando as chaves a S. Pedro, feito pela estampa de Rafael, e muito bem colorido, e executado. Gravou a agua forte em 1762 a estampa que se acha na Carta Apologética pela ingenuidade da Pintura, inventada por seu Pae. Morreo desgraçadamente no dia do terremoto

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de 55, malogrando-se desse modo as bellas esperanças que nos dava.

De João dos Santos Ala existe o painel de S. Domingos em Soriano em huma das Gapellas do Claustro de S. Do- mingos, e os do Rosário que sahem em procissão: o quadro do tecto da Igreja das Commendadeiras da Encarnação, dous da vida de Nossa Senhora em Jesus ; vários retratos de Veneráveis na Cartuxa, e outros. Imitava a maneira de seu Mestre, mas era mais franco. Sérvio na Meza do Santo de 1733 35.

Lourenço da Silva Paz, he apenas conhecido por ter succedido a Bento Coelho no lugar de Pintor da Casa das Obras em 1608, e ter sido Juiz da Meza do Santo em 1704, e outras vezes; Morreo em 10 de Março de 171 8. Julgamos que fosse Pintor de huma das classes mais rasteiras tendo bastante fortuna, e protecção, como teve nos nossos dias o Cavalleiro Ignacio Meireles, e tem tido outros.

Ignacio de Oliveir.\ Bernardes.

Na familia deste Pintor contão-se muitos Artistas. Seu Avô Manoel Rodrigues, natural de Beja, mas nascido casual- mente em Moura, era Pintor, e foi pae de António de Oli- veira Bernardes. Este casou com Francisca Xavier neta de hum Ministro, e filha de Francisco Ferreira, que seguia também os Lugares de Letras, porem depois applicou-se á Pintura, e forão os Paes de Ignacio de Oliveira, de Fr. José de Santa Maria, Padre Thomarista, e de Policarpo

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de Oliveira, todos Pintores, e discípulos de seu Pae. Antó- nio de Oliveira entrou na Irmandade de S. Lucas em 7 de Agosto de 1684. Policarpo de Oliveira Bernardes em 19 de Outubro de 1728, e José de Oliveira em 21 de Outubro de 1731, sendo ainda secular; os dois primeiros servirão lugares na Meza, e António de Oliveira foi Juiz em 1679.

Policarpo de Oliveira Bernardes fez o painel de Santo António que está na Igreja da Lapa. Nasceo em 1695, e morreo em 1778. Fr.' José, de quem falíamos fez quadros devotos de cavalete, morreo em 22 de Fevereiro de 1781 tendo 81 annos de idade. Ignacio de Oliveira nasceo em Lisboa no i.° de Fevereiro de 1695, e foi hum dos estu- dantes,'que D. João o 5." mandou a Roma aonde quiz fundar huma Academia Portugueza da Arte; e ainda em 1776 alli vimos vestígios de huma grande casa com padrão das Armas Reaes Portugueza sobre a entrada, e era chamada pelos Italianos a Academia de Portugal. Forão com elle, Ignacio Xavier, natural de Santarém, o qual chegou aqui a pintar hum medalhão para a Procissão do Corpo de Deos, e morreo logo. Domingos Nunes, e José de Almeida. Ignacio foi Escolar de Benedito Lutti, e por sua morte passou para a Escola de Paulo Mathei, Director do dito CoUegio ou Academia, e fez progressos na Pintura e na Architetura: adquirio hum colorido por extremo vago, e agradável, mas brandinho, e hum modo de desenhar elegante. Servia-se de estampas, segundo o costume do nosso paiz, mas com- punha com intelligencia sabendo bem a Perspectiva, a Ano- tomia, Symetria, &c. e outras partes fundamentaes da Arte.

Empregou-se em Lisboa como Architecto Civil, e como

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Architecto Decorador, e como Pintor. Como Architecto Civil fez desenhos para parte da Igreja de S. Francisco de Paula, do Palácio de Queluz, e da Casa, e Quinta de Gerardo Devisme. Como Decorador teve a direcção dos Theatros de Queluz, e dos Theatros Régios, depois da falta da Bibiena até a introducçao de Jacomo Azzolini. Também dirigio, antes do terremoto, o Theatro dos Con- gregados do Espirito Santo, e o da Rua dos Condes. Como Pintor tem Mafra os dous painéis dos Oratórios do Paço que representão S. José, e Nossa Senhora do Livramento. Nas Aulas hum de Santo António. Na Sacristia o de S. Francisco recebendo as Chagas, e na Portaria Mór o de Santo António diante de Nossa Senhora, que he muito grande, e o menos bom de quantos fez.

Em S. Francisco de Paula estão nas Capellas o de S. José, e o da SS. Trindade, e no tecto o de S. Miguel, hum dos melhores, e mais vigorosos que conhecemos delle. Em Santa Isabel tem a Senhora da Arrábida, no Refeitório de S. Bento o Castello d'Emaúz, e nas Necessidades o Calvário, e a SS. Trindade. São também seus os quadros da Capella Mór das Freiras de Carnide, o de S. Francisco recebendo as Chagas, do Menino Deos, o da Piedade em S. Vicente, o que está na Igreja do Rato, o Neptuno em hum dos tectos da casa do Provedor dos Armazães, e dous na Cartuxa &c.

Forão seus discípulos, Francisco Xavier, natural de Évora, que vivia em 1773, e de quem vimos varias copias muito bem feitas.

D. Michaela Arcangela Romaneti, sua filha, boa Minia- dora que nasceo em 1740, e era falecida em 181 5.

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João Pedro de Oliveira, seu filho que vio a luz em Lisboa no anno de 1752, fez hum quadro do Senhor dos Passos para as Religiosas dos .Cardaes : hum painel grande da Coroação de Nossa Senhora para huma Capella interior das Freiras do Sacramento, e outros.

Ignacio de Oliveira entrou na Irmandade do Santo em 16 de Janeiro de 171 8. Em 1780 foi eleito, com Francisco Vieira, Director da Academia do estabelecida de novo a S. José, e poz alli hum acto. Morreo em 18 de Janeiro de 1781. Faz menção delle o nosso Lobo na sua Silva, dizendo que no colorido imitava a Vandeick. Não sabemos se comparou bem.

Jeronymo da silva.

Temos deste Artista o S. Francisco de Sales na Igreja das Necessidades, o painel da Capella Mór das Commen- dadeiras da Encarnação que he de grande maneira; o grande quadro, e as virtudes do tecto do Menino Deos ; os da Capella Mór da Igreja da Pena, os que estão debaixo do Coro em S. Sebastião, os retratos na Portaria de S. Vi- cente, e os da Casa do Capitulo na Graça que são de Papas, Cardeaes, Bispos, e Veneráveis da Ordem, sendo alguns de André Gonçalves. Entrou na Irmandade de S. Lucas em 18 de Outubro de 171 1, e sérvio vários lugares na Meza desde 1713 até 1732. O Lobo louva-o em dous versos dizendo que entre muitos figuristas fora hum dos melhores. Ouvimos dizer estudou em Roma.

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Pedro António Quillard.

Nasceo em Paris, e contava apenas 12 annos quando fez huns desenhos tão b.ellos, que o Abbade Fleury, depois Cardeal, os apresentou a Luiz i5 seu discípulo, o qual lhe concedeo logo huma certa pensão para o animar. Entre tanto hum tal Merveilleux, Medico Suisso, que devia passar a Lisboa para escrever a Historia Natural destes Reinos, e era seu amigo, o induzio a acompanhallo para lhe dese- nhar os objectos que elle havia de escrever. Quillard tinha talentos superiores; retratava bem; pintava com lindo estilo as festas galantes no gosto de Wateau, de quem parecia ser discípulo, e era também forte no grande género como deixou ver nos painéis da Cêa, e Lava-pés que pintou para Mafra, e estão, o i.° no altar do Campo Santo e o 2.° na Portaria mór; nos tectos que pintou no antigo Palácio Real ; nas Fabulas que possuía o Marquez de Valença, e em outros muitos que se achavão nas collecçÕes de Mr. Mangié, do Marquez de Alegrete, e do Conde da Ericeira. Na casa de Cadaval sempre foi famoso o retrato do Duque D. Ja3'me a cavallo ; como também se celebravão as func- çóes da Luz, e da Nazareth, cujas copias pintadas por Joaquim Marques possuio Architecto Manoel Caetano de Sousa.

Logo que chegou a Lisboa foi acceito para Pintor do Rei, e Desenhador da Real Academia da Historia com õoí&ooo réis mensaes, mas sendo atacado de cólica, morreo apressadamente em 25 de Novembro de lySS. Gravou a agua forte o S. Lucas para as antigas patentes da Irman-

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dade do Santo, huma estampa mui laboriosa da marcha fúnebre do Duque de Cadaval, e outras cousas.

João Ranc, que em 1724 fora nomeado Pintor de Fi- lippe 5.° veio por este tempo a Lisboa a fim de retratar a Familia Real. Alguns dos seus retratos forão abertos a agua forte por Gabriel Franco Luiz Debrie, Abridor da Academia Real, em lySg. Elle morreo em lySS, de 61 annos

Pedro Guariente.

Tendo onze annos de idade começou a estudar a Arte em Verona, três annos depois, protegido pelo Marquez Albergatti foi a Bolonha aonde frequentou a escola de José Maria Crespi, desejando ser, não bom Pintor, mas também bom conhecedor de pinturas, e dos seus Authores) começou a comtemplar, a observar, e mesmo a copiar as obras dos grandes Mestres, a fim de imprimir bem na memoria o caracter de cada hum.

Em 1723 foi feito Académico Clementino em Bolonha: viajou depois em vários Reinos da Europa, e esteve também em Portugal, aonde recolheo memorias de alguns Pintores nossos com que ampleou o Abecedario Pictorio do Padre Orlandi, que reimprimio em Veneza em 1753 e offereceo-o ao Eleitor de Saxonia, de cuja Regia Galaria era Inspector. Elle achava-se em Lisboa pelos annos 1730, aonde limpou, e retocou painéis de Igrejas, e os das Collecçóes particulares; e fez a descoberta da famosa taboa de Rafael representando £1 Sagrada Familia, que se acha na Collecção de Penalva.

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Na Casa de Tancos ha também huma attestaçao sua em que affirma a originalidade dos célebres painéis do Bassano e de outros Authores. Quando se retirou, deixou o segredo da sua agua de limpeza a Caetano Alberto do qual passou a seu filho Jacintho de Almeida, que limpou, e retocou quasi todas as CollecçÕes de Lisboa, e também a de Sua Magestade, de quem obteve em premio huma pensão vita- lícia.

Francisco Vieira Lusitano.

Eis-aqui hum Pintor Portuguez, que pôde competir com muitos dos mais egrégios das Nações Estrangeiras. Nasceo em Lisboa em 4 de Outubro de 1699, e apenas tinha pas- sado os annos da puericia quando deo signaes de que viria a ser tão extremoso amante, como insigne Pintor. Parece, que a Natureza infundio nelle ao mesmo tempo estas duas raridades para o fazer duas vezes famoso. Como, e quando começou amar a sua D. Ignez ; como se recebeo com ella a furto dos seus parentes ; como estes cheios de furor a clausurarão logo no Convento de Santa Anna, aonde a obrigarão a professar, inda que ella protestasse, que era casada, e como passados annos pôde sahir para viver com elle ; são cousas que não por mui sabidas, mas por exactamente contadas no Livro do Pintor Insigne nos po- demos dispensar de repetir. Diremos com tudo alguma cousa a respeito dos seus progressos na Arte.

O Marquez de Abrantes tendo visto o muito, que o seu génio estava promettendo, com beneplácito de seus pães o

conduzío a Roma aonde foi como Embaxador Extraordi- nário de D. João o 5.° ao Papa Clemente XI. Alli foi dis- cípulo de Lutti, e depois de Trevisani. Esteve 7 annos, e no fim delles ganhou hum i.° premio da Academia, na I .^ classe. Quando veio mandou-lhe El-Rei fazer hum grande painel do Santíssimo Sacramento para servir na Procissão do Corpo de Deos, e outros para a Patriarchal, os quaes não acabou; e sem se despedir partio segunda vez para Roma a procurar o recurso, que lhe não valeo, para tirar a mulher do Convento. No seu primeiro estylo, menos acabado, e mais pintoresco, são feitos os dous painéis que estão em S. Roque de Santo António pregando aos peixes, e prostado diante de Nossa Senhora. Pedro Alexandrino louvava muito a distribuição das luzes deste quadro. O corpo de Lúcifer he huma bellissima Academia pintada com grande franqueza, e intelligencia de Anatomia.

Antes de fazer a segunda viagem tinha elle em 22 de Outubro de 1719 entrado na Irmandade de S. Lucas, e vê-se no Livro dos assentos, que o seu nome era Francisco Vieira de Mattos. No anno seguinte sérvio na Meza. Esteve mais 6 annos em Roma, e foi feito Académico de mérito na Academia de S. Lucas. Voltou, e conseguio a suspirada posse da Esposa que sahio da Clausura vestida de homem; mas foi gravemente ferido com hum tiro de pistola pelo Irmão delia. O agressor sahio do Reino soffreo os males da pobreza, e veio por fim a mendigar o pão daquelle a quem havia tão atrozmente maltratado (1). Vieira receoso

(i) Sabemos este facto da boca do mesmo Vieira.

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de algum novo insulto retirou-sc por algum tempo para o Convento dos Paulistas, aonde em 1780 e 3i, pintou os fa- mosos Eremitas para o Cruzeiro da sua Igreja. Para viver tranquilo resolveo a terceira viagem de Roma, e chegou até Sevilha em lySS. Dali, sendo chamado, tornou a esta Corte como Pintor do Rei com ordenado de 60^ réis cada mez, e as obras pagas. Muitos dos seus painéis queimá- rão-se pelo terremoto; mas ainda restão o Santo Agostinho da Portaria da Graça, painel famoso, pintado em lySõ; os bellissimos quadros de Povolide que representão Santo Antó- nio, S. Pedro, S. Paulo, a Familia Sagrada, e Santa Barbara, e forão executados desde lySb até 1740. A celebre Sacra Fa- milia do Conde d'A^umar. O grande painel de S. Francisco despojado dos hábitos seculares, que está no Menino Deos; o quadro também respeitável da Capella Mór da Cartuxa. Em S. Francisco de Paula tem o quadro do mesmo Santo na Capella Mór; e nas Capellas menores o da Se- nhora da Conceição, o da Sagrada Familia, e o de Santo António, que forão feitos por 1765. Em Mafra, na Capella dos sette altares está outra Familia Sagrada em grande painel, regeitado pelas intrigas dos seus emulos. Na Casa de Cadaval havia huma réplica desta pintura. Na Ermida de S. Joaquim ao Calvário ha varias pinturas suas, bri- lhando muito a da Sagrada Familia que está sobre o Altar. O Conde de Lipe por 176Í visitou Vieira, e obteve delle hum Santo António que levou para Alemanha. Guilherme Hudson também conduzio a Inglaterra o celeberrimo ori- ginal da Adoração dos Reis. Também he sua a Conceição que está na Junta do Commercio. Braz Toscano de Mello, Escultor empregado em Mafra possuia outro Santo António 6

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de Vieira; e Pedro Alexandrino falia em hum painel do mesnio Santo, e do mesmo Author que se acha na Collecção de Borba. Entre os quadros deste Author, que devorou o incêndio de 1755 era assas famoso o do tecto dos Mártires, pintado em 1750 de que nos restão os desenhos: represen- tava a tomada de Lisboa aos Mouros por D. Afíonso 1.°, e Guilherme de Longa espada, protegidos por Nossa Se- nhora dos Mártires. Custou i:ooo3í) rs. Pelos gabinetes dos Curiosos ha vários esbocetos seus. Fez hum número pro- digioso de óptimos desenhos, dos quaes a maior parte delles possue a Inglaterra, aonde os Amadores da Arte os pagavão muito bem, e muitos forão alli estampados : tam- bém abrio elle mesmo alguns a agua forte, contandose entre os melhores o de Neptuno e Goronis, e o das Parcas cortando o fio vital de seu Irmão. Foi igualmente sábio em Architectura como se em muitas das suas obras, e no desenho que fez para huma fonte de Neptuno entre duas Casas de prazer para hum jardim de Alexandre de Gusmão. Vimos em Roma painéis seus, e estampas copiadas pelas suas invenções.

Vieira professou na Ordem Militar de S. Tiago em 1744. Em 75 enviuvou, e deo então fim á sua carreira pinturesca. Deixando Mafra, onde D. Ignez espirou, veio viver para o sitio do Beato António, cheio de mágoa, e saudades ; dese- jando muito sahir desta vida para ir fazer companhia á sua idolatrada esposa. Publicou em 1780 o seu livro do Pintor Insigne, e leal Amante, assistio a hum acto da Academia do a S. José, e três annos depois acabou õs seus dias, tendo vivido exemplarmente soccorrendo os pobres, e fre- quentando com muita devoção os Santuários.

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Vieira teve alguns discípulos, e bastantes imitadores. Estes forilo Joaquim Manoel da Rocha, o qual em matéria de composição preferia ao mesmo Rafael, (parece grande excesso), António Joaquim Padrão, Pedro Mattheus, e ou- tros.

Entre os seus discípulos podemos contar sua Irmã Catha- rina Vieira, e o Morgado de Setúbal.

De Catharina Vieira existem dous painéis no Oratório da Casa nobre de Moreira Dias na rua da Fé, hum repre- sentando S. Lucas, outro S. João Evangelista; ambos fir- mados por ella. Seu Irmão a celebra no seu livro pag. 295. Ouvimos dizer a Pintores antigos, que ella, e D. Anna de Lorena havião pintado parte dos quadros para a Ermida de S. Joaquim, cujas invenções são quasi todas de Vieira.

Alguns Pintores o ajudarão por vezes a pintar os seus painéis, e entre outros D. André Rubira que trouxe comsigo de Sevilha, o qual o ajudou no painel da Cartuxa, e fez o S. José, e o transito de S. Francisco para o Menino Deos.

João Pedro Volkmar.

Nasceo em Lisboa pelos annos 1712, com bastante génio para as artes de imitação. Seu Pae, que tinha o mesmo nome, era Alemão, filho de Paes Lutheranos, mas inclina- va-se muito á Religião Romana, e tendo visto de noite, no seu quarto, hum raio de luz, e huma Imagem que se lhe representou ser de Nossa Senhora, deixou a casa paterna, e foi viajar para se fazer Catholico. Casou em Lisboa onde

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teve bastantes filhos, e huma filha. Como amasse muito a Santa Religião que abraçava, desejava que os seus filhos se dedicassem á Igreja, e fez património ao mais velho, que morreo antes de se ordenar. O 2." João Pedro estava acceito para o Convento da Graça; mas tendo hido á Ba- talha assistir á entrada do 3.° filho, Fr. Francisco da Ex- pectação, que vestio o habito de S. Domingos, tomou em tanto a resolução de ficar no século, e de se applicar á Pintura. A filha Maria Rosa casou cora Manoel Machado Ferreira, que pertencia á familia dos Machados, honrados Lavradores do termo de Setúbal, e por morte de seu tio o Padre AíTonso Machado devia herdar bastante fazenda; mas o Padre sobrevivendo- lhe muitos annos, porque viveo hum século, teve tempo para deixar cahir as casas, decepar as vinhas, e arrazar os arvoredos.

João Pedro como gastasse os annos da adolescência nos estudos da Filosofia, quando se decidio a querer estudar a Arte, era hum pouco tarde. Foi a Roma á custa da sua casa, e alli frequentou a escola do famoso Corrado. Tornando á Pátria por 1740 pintou, em concurso com Be- rardo Pereira alguns painéis da vida de João Abbade de Lorvão, e outros : também fez varias remessas de quadros para o Brazil. Depois do terremoto pintou hum número- incrível de pequenos quadros do Santo Borja, que as gentes devotas invocarão contra aquelle terrível flagello. Seguio-se a moda dos pannos pintados a tempera para ornamento das casas; e nisso, e em painéis de cavalete se occupou o resto da sua vida, que durou até o dia 8 de Março de 1782. As Obras publicas que restão delle são »Em S. Miguel d'Alfama o Senhor curando os hydropicos. A SS. Trindade

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coroando Nossa Senhora no Coro dos Padres Trinos. Hum Calvário no Oratório junto ao Chafariz da Rua Formosa. Vários Eremitas pintados a fresco eni casa de D. José Lobo á Boa vista, e poucas outras.

Teve por discipulo i." seu irmão Henrique Pedro de quem era tutor. 2." Simão dos Santos que se occupou em cousas de ornamentos, e morreo moço: 3.° Cyrillo Volkmar Machado, seu sobrinho, filho de sua irmã.

Henrique Pedro Voli^mar tendo desavenças com seu irmão, e mestre, retalhou huma dúzia de painéis que esta- vão promptos a embarcar, e ausentou-se, viajou pela Hes- panha; e tornando adiantado, mas pobre e doente pelos annos 1769, foi morrer a sua casa, sendo ainda muito moço.

Peregrino Parodi.

Filho de Domingos Parodi, excellente Pintor Genovez, que fez os dous painéis da Circumcisão, e Desposorios para a Capella Mór dos Barbadinhos Italianos em Lisboa. Nasceo em Génova; frequentou as aulas dos Jesuítas nos seus primeiros annos, e depois os estudos da Pintura na Escola de seu Pae. Fez retratos com muita semelhança, e concorrião Senhores de ambos os sexos, tanto naturaes do paiz, como estrangeiros, e pedir-lhe para que elle os retra- tasse. Em 1741 retratou o Doge Nicoláo Spinola, cuja pin- tura foi gravada em Florença pelo Gregori. Passou depois a Lisboa aonde fez hum número prodigioso de retratos, § adquirio sommas avultadíssimas, que despendia logo com

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jogo, boa meza, e cocheira, sem reservar nada para o dia seguinte : de modo, que chegando a ser bastante velho, e invahdo, morreo muito pobre, mas bem tratado na enfer- maria dos Creados de ElRei, pelos annos 1785.

Além dos retratos, fez também o painel da Cêa que está em Santa Isabel. Como tinha muito que fazer, occupou em qualidade de Ajudantes alguns Pintores, e forão Roque Vicente, o Rocha, o Bruno, e Cyrillo muito nos seus prin- cípios. Era Poeta, e muito jovial. Mandando-lhe huma dama pedir setim azul ferrete para hum vestido, respondeo-lhe «Menina, setim asul ferrete não ha; veja se o quer mais claro ?

Francisco Pinto Pereira.

Foi hum Retratista tão acreditado no seu tempo, que pôde sustentar hum estado opulento. O Lobo o elogia neste ramo da Arte dizendo ))0 Pinto alto voou por seus disvelos: retratos muitos fez, e muito bellos.» Os seus painéis de Historia são poucos, e máos. O seu forte, diz Pedro Alexandrino, era pôr grandes massas escuras muito ao dos realces, sem a suavidade das meias tintas. Esta- vão alguns delles na Igreja do Senhor do Bom fim em Setúbal. Também se seu o de Jesus Maria José na Fre- guezia do Coração de Jesus. O melhor he de Santo António na Igreja das Necessidades, e tanto que não parece da mesma mão. Entrou na Irmandade de S. Lucas em 1720, e sérvio na Meza quasi todos os annos, até o de 53, sendo Juiz em 33, 34, e 35, e morreo em 27 de Outubro de 1752.

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Florão seus discípulos Miguel António do Amaral, e Domin- gos da Rosa.

Miguel António era natural de Castello branco. Fez em Lisboa quantidade de retratos, que lhe derao para se tratar com hum certo fausto : os mais notáveis forao os da Família Real, encommendados por hum Agente da Imperatriz da Rússia, de quem foi liberalmente recompensado. Fez tam- bém painéis de Historia : os da vida de S. Francisco, que estiverão sobre as Capellas da Igreja de Xabregas, feitos por desenhos de Vieira, apodrecerão com a humidade, e estão alli outros. No Carmo tem o Santo António feito pela estampa de Marata : são seus alguns meios corpos nas Sacristias da Trindade, e das Commendadeiras da Encarnação. Pedro Alexandrino falia em outros quatro que estão no Cruzeiro de Belém, e vem a ser o Maná; os Triunfos de Nossa Senhora, e o do Santíssimo Sacramento, e outros. Entrou na Irmandade em 28 de Abril de 1734: morreo em 1780 tendo quasi 70 annos. Foi mestre de Jero- nymo de Barros, e de Manoel de Matos. O Lobo o com- para com Aparicio, e não sabe y>qiial tem nas coínpetencias a victoria.y>

O Abbade Apparicio.

Francisco José Apparicio, era natural de Villa-Franca. Estudou em Paris aonde frequentou a escola de Mr. Urry, e copiou também algumas obras de Jacintho Rigaud, porque se inclinou para o género de retratos. He seu o do Senhor D. José que está na Casa dos Reis em Belém, inda que

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retocado por André Gonçalves, e tem alguma cousa do estylo do seu modelo. O Painel da Sagrada Familia, copia de Rafael que está na Igreja das Necessidades he também dos seus pincéis. Costumou-se em França a trajar a TAbbé, trajo de que usou sempre. Morreo de 8o ou mais annos no de 1787. Usava da Arte mais como curioso grave, que como Professor.

Domingos da Rosa.

Teve a honra de ser Mestre de Desenho, e Pintura de SS. AA., e de retratar muitas vezes as Pessoas Reaes para ficarem aqui os Retratos, e para hirem para Hespanha. Pintou também alguns painéis de Historia, como o de S. Miguel e Almas para Santa Isabel, e o de Nossa Se- nhora para a Capella do Sacramento no Carmo.

Fr. Martinho da Costa, Monge de S. Bernardo, da Fa- milia dos Amieiros Mores, tradruzio do Latim, por elle lho pedir, o Poema de Fresno}^ sobre a Pintura, e mandou-lhe a traducção, com huma carta, em que lhe diz, que olhando para as suas admiráveis producçÕes, e egrégios quadros, cuja poesia deixa nelles de ser muda, lhe parece supérflua a efficacia com que havia solicitado aquella traducção. Que se os Heróes da Pintura de quem falia o Author resur- gissem, e viessem observar os seus excellentes painéis, se admirarião de vêr reunidos em hum Artista todos os raros dotes que elles possuirão divididos ; de modo tal, que sem lhe ser preciso como fora aos mais soífrer a morte para ter applausos, em vida merece que seja gravado, e esculpido s-eu nome em letras de bronze &c.

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Teve a Mercê do Habito de Christo, que não chegou a pro- fessar. Entrou na Irmandade de S. Lucas em 22 de Abril de 1754, e falleceo em Lisboa em 1796 com 67 annos de idade.

José da Rosa, seu filho e discípulo succedeo-lhe nos empregos que tinha no Paço ; tendo a honra não de preparar as palhetas para SS. AA., mas também de exe- cutar aquellas cousas de maior fadiga, que as mesmas Augustas Senhoras lhe determinavão.

José' da Costa Negreiros.

Foi discípulo de André Gonçalves, cujo estylo seguia com mais sisudeza, mas com menos agrado. O Lobo diz delle »qne não era aífectado, e que entre o sisudo, e o pezado seguia sempre o meio termo.» Pintou o painel da Conceição para o Erário Régio, outro para o Senado da Camera, hum terceiro para os Armazães da Fundição, e huma Santa Anna para o Oratório da mesma Casa. O S. Roque para a Capella da Ribeira das Náos ; e o Tran- sito de Santa Thereza para as Carmelitas de Carnide. He também sua a Senhora da Piedade que está em huma das Capellas da por de traz do Coro, e outra que está, diz Pedro Alexandrino, na Ermida do Resgate, e a Imagem do Santo Christo que está na Casa do Despacho do Menino Deos. (i) Fez alguns tectos em Loires na Quinta do Correio Mór, o da Casa do Capitulo em S. Domingos de Bemfica,

(i) O Publico tem dado vários Authores a este famoso painel; mas consta-nos que he do Negreiros.

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cuja Architectura he de Lourenço da Cunha: os painéis em hum coche rico para os Senhores de Palhavã, e outros ; e faria mais senão se distrahisse tanto com o divertimento da caça, e tivesse vivido mais tempo. Entrou na Irmandade de S. Lucas em 24 de Outubro de 1745, e sendo solteiro faleceo em 1759, de 4S annos de idade. Forao seus disci- pulos Bruno José do Valle, Simão Baptista, que se applicou depois aos ornatos, e refrescou o tecto da Capella Mór dos Paulistas, obra do Pimenta.

Este homem hábil era descendente de huma antiga e illustre familia, da qual sahirao outros Artistas benemé- ritos, de quem adiante faremos menção.

Roque Vicente.

Foi discípulo de Joaquim Manoel da Rocha escola de Domingos Nunes. Vimos em casa de Parodi alguns retratos copiados por elle, e entre outros os do Marquez, e Mar- queza de Pombal, que tinhão bello estado de cores, e suavi- dade de pincel. Existem três painéis seus na Igreja de Santa Isabel, feitos pelos annos de 1764, e são o de Jesus Maria José, o de Santa Anna, e o de Santo António. Nos dous' últimos ha humas figuras de Pedro Alexandrino, que tam- bém se distinguem.

António Joaquim Padrão.

Pintou o S. José que está no Mosteiro dos Bentos, á Estrella ; Nossa Senhora do Carmo para a Capella do

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Arcebispo dAdrianopoli; o painel chamado da competência porque o fez n'hiima espécie de concurso com o Rocha : he a Annunciação Nossa Senhora feita pela estampa do Baroccio, e bem se vê. que poz alli todo o seu saber, con- seguindo talvez igualar o seu modelo, no colorido, graça, suavidade, e expressão. Este quadro está na Galeria de Borba. Também soube pintar com magistério paizes, e retratos, e faz-lhe muita honra o de D. Fr. Manoel do Cenáculo Arcebispo de Évora, que está em Jesus. Na Sacristia da Ermida da Piedade, á Boa-Morte, está outra pintura sua feita para a bandeira do Terço, e foi huma das ultimas cousas que fez; assim como o Menino Jesus representado na idade adolescente para o P. António Luiz, bem conhecido pelo zelo, e caridade com que educava os órfãos ; o qual passou para a coUecção do Marquez d'Angeja. Fez os esbocetos, que forão para França para por elles se executar o grande retrato do Marquez de Pombal expul- sando os Jesuítas. Abrio muito bem a agua forte. Morreo moço, e tisico pelos annos 1760. .

O Lobo o elogia muito e diz, que era melancólico, e estudioso ; que não poupava deligencia alguma para se aperfeiçoar, e que sabia abrir os Livros com gosto raro. Foi mestre de João Silvério Carpineti, e de José Caetano Syriaco.

João Silvério Carpineti, que também estudou com Vieira, foi bom desenhador, e gravou a agua forte os retratos das Pessoas Reaes, do Marquez de Pombal, e outras cousas. Desenhou toda a Marinha de Belém, e o embarque dos Jesuítas para servirem de modelo á que se gravou em França, por ordem de Gerardo de Visme na famosa es-

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tampa do Marquez de Pombal, bem conhecida dos curiosos. Teve amisade com Gildemeestre Cônsul de Hollanda, e com o sen crédito entrou em especulações mercantis, em que não foi sempre afortunado.

José Caetano Syriaco pintou no seu principio ornatos, paisagens, e quadraturas nos Theatros Régios ; tempos em que Pedro Alexandrino pintava alli as figuras; e como alcançou a moda dos pannos pintados para adorno das casas fez grande número deiles com boa acceitaçao; pin- tando também nos Theatros da Corte figuras, e paizes. A óleo pintou o painel da Capella Mór das Freiras dos Cardaes; os da Ermida de D. Christovao a Arroios, o de Santa Gertrudes em S. Bento da Estrella, o do Terreiro, e alguns mais. Inda que não fosse rico, era assas maltra- tado pela gota, e morreo da idade de 6o annos por 1800 pelos fins do século.

Joaquim Manoel da Rocha.

Nasceo em Lisboa, e foi discipulo de André Gonçalves, e de Domingos Nunes : era também admirador enthusiasta, e imitador de Vieira.

Domingos Nunes foi hum dos que El-Rei D. João o 5." mandou a Roma, e quando veio fez hum painel que se queimou pelo terremoto, e alguns lindos esbocetos para outras obras ; depois por falta de vista não pôde pintar mais.

O Rocha teve no principio colorido agradável, depois usou muito de preto de marfim a que chamava preto santo.

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e da terra rossa, que na côr de tijolo. Copiou quantos desenhos pôde de Vieira; e copiava-os também que se equivocavão muito com os originaes. Pelos annos 1760 pintou o panno da embocadura para o Theatro do Bairro alto, aonde representou Apollo ^om as Musas, e hum bellissimo Tejo. Gustou-lhe muito a manejar as tintas, e não quiz pintar mais nada a tempera. Como não fazia pannos para ornar casas, e não queria ir pintar em tectos, nem em lugar algum fora da sua casa, achava-se ás vezes sem encommendas, e nesses intervalos pintava fogos, bú- zios, conxas, e outros objectos da natureza morta, tudo com a maior verdade, óptima composição, e toque magistral. Também gravou mui pintorescamente a agua forte. O seu costume era pintar de manha, e passear de tarde, até que sendo admittido como Lente na Aula Regia do Desenho, que então se estabeleceo, dahi por diante empregou as tardes nas lições da sua escola. Fez 'bastantes quadros para Igrejas, e são »o da Sagrada P^amilia para o Carmo; os da Ultima Cêa na Conceição dos Freires, e no Loreto, os da Senhora da Conceição em Santa Isabel, na Sacristia dos Paulistas, e nas Sete Casas. O da Ermida do Morgado da Alagoa, o S. Paulo Eremita na Portaria dos Paulistas. Annunciação do Baroccio, e hum Apostolado na Ermida de Feliciano Velho. Para os Oratórios dos Jooens hum Jordão, e a Senhora do Rosário. Estes commerciantes ins- peccionarão as obras da Igreja de S. Paulo, para onde fez o Rocha o famoso painel de S. Pedro e S. Paulo. Os 4 Arcanjos para a Capella do Senhor da Paciência na Con- valecença. Hum S. Jorge para Paulo Jorge, hum que está na Capella Mór, e dous na Sacristia de S. Pedro d'Alcan-

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tara. Sete painéis também de Igreja para a Ilha Terceira. O de S. João Evangelista na Capella Mór do Beato António, e dous em huma das outras Capellas; e outros mais.

Também fez retratos : o seu, o de sua Mãe, o de Fran- cisco Vieira Lusitano, como a cabeça de hum Monge, e a Senhora de Trevisani, todos pintados por elle, estão na CoUecção de Borba. No ante-côro de Jesus está o de Mayne, e outros 5 seus successores, e Bispos. Em 1780 concorreo para a Academia do a S. José; e depois também ajudou 3. dirigir a da rua dos Camillos. Entrou na Irmandade de S. Lucas em 22 de Outubro de 1752, e morreo em 28 de .Setembro de 1786. Pedro Alexandrino diz que desenhava bem, mas que em os seus nus usava muito das linhas rectas, ou quasi rectas ; cousa que conduz ao estylo magro. O Lobo o louva muito, e diz mais, que era sisudo na cor, e forte no claro-escuro. (i) Forão seus discípulos Bernar- dino da Costa Lemos, natural de Porto de Mós, o qual copiou painéis de cousas naturaes que estão na Col.lecção de Mayne em Jesus, tendo cada hum delles duas pequenas mós, que lhe servem como de firma, ou divisa. Fez também a Conceição para a Igreja de Santo André, os Reis, e o Nascimento para debaixo do Goro de Jesus. Descontente da fortuna foi para a sua pátria servir hum officio de Escrivão. -

(i) O Rocha sendo aliás hum homem de grande probidade, teve a fraqueza, induzido pelo seu amigo João Rosado Villalobos, Professor de Rhctorica, de satirizar os painéis, e a conducta de Batoni que não o merecia, e de lhe enviar a sátira traduzida em Italiano. porque Pompêo Batoni foi incumbido de fazer os painéis para a Basílica Real -do Coração de Jesus. Obra que elle tinha requerido para si.

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Joaquim Leonardo da Rocha, seu primeiro filho nasceo em Lisboa em lySG, e alem dos progressos que fez na Pintura, e na Gravura d'agua forte, tocava cravo, e era muito bem acceito em casa d'Alorna, Pelos annos 1780 foi para a China com D. Fr. Alexandre de Gouvêa Bispo de Pekin. Alli soube que se entrasse no Império não tor- naria a sahir, e não quiz entrar. Depois que veio casou, e teve hum partido do Marquez d'Alorna, a titulo de seu Pintor. Pelos annos 1808 passou á Ilha da Madeira, aonde dirigia huma Aula de Desenho, e para uso dos seus Esco- lares publicou y)Medidas geraes do Corpo humano para uso da Real Academia de Desenho, e Pintura da Ilha da Madeira em 181 o.» Dedicadas ao Governador Pedro Fa- gundes Bacellar.

João Franco Rocha seu segundo filho, nasceo em 1760. Aproveitou menos, e foi mui pouco feliz : faleceo bastante pobre pelos annos 1816. Teve outro discipulo José Jacintho que foi Cónego em Évora.

Pedro Alexandrino de Carvalho.

Teve, como André Gonçalves o talento de saber agradar ao Público, de sorte que não tinha as encommendas de quasi todos os painéis de Igreja, que se fazião de novo ; mas tiravão-se muitos mais antigos dos seus lugares para se collocarem os delle. Nasceo em Lisboa em 1730, e começou a estudar a Arte com João de Mesquita, Pintor de ornatos. Passou depois á Escola de Berardo Pereira

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Pegado, que sem ser bom Pintor gosava d'huma certa reputação em virtude da qual fez os painéis do Santo Es- tevão d'Alfama, e outros. Teve alli por condiscipulo o Sobrinho de seu Mestre Manoel Pereira Pegado, que dese- nhava bem, e chegou a fazer boas cópias.

Pedro Alexandrino teve grandes desejos de ir a Roma, mas não o conseguio : sendo porem visinho, e amigo de André Gonçalves podemos dizer que deveo a elle, e ao seu natural engenho os progressos que fez. Pintou com admirável facilidade a óleo, a tempera, a fresco; em grande, e em pequeno, por estampas, pelo natural, e de prática. Fez muitos painéis em carruagens ricas, com Génios, Deoses, e Deosas da Fabula, verdadeiramente encantadores; e huma delias foi mandada de presente ao Rei de Marrocos. Pintou com igual graça a tempera, pannos de ornar casas, e esta- tuas, e quadros nos Theatros. Até hum certo tempo julga- va-se que os seus talentos erao limitados a objectos de galantaria; e para os painéis grandes lhes preferião Ignacio de Oliveira, o Negreiros, o Roque, o Rocha, e o Bruno; mas quando por 1778 fez o grandíssimo quadro do Salvador do Mundo, para a Sé, tudo o mais ficou de parte.

Ainda que conhecesse o grande crédito que tinha, fazia todos os esforços para agradar, hindo a tectos, e a toda a. parte aonde achava que fazer, e não rejeitava cousa alguma por barata que fosse ; seguindo nesta parte o systema de Bento Coelho. Nós o vimos começar hum grandíssimo quadro no tecto de huma Igreja, pela pequena cabecinha de hum Serafim, e proseguilo até o fim, sem precisar tornar atrás para correcção, affinação, ou accordo ; cousa verda- deiramente rara; mas que foi causa de que o seu colorido

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muitas vezes desmaiasse com o tempo por pouco em- pastado.

Iriamos muito, e muito longe se quizessemos indicar todos os quadros que fez, e observaremos que assim como não ha Igreja antiga aonde senão ache alguma cousa de Bento Coelho, assim não ha Templo, ou Convento moderno aonde senão encontrem muitas cousas de Pedro Alexandrino. Por divertimento, para adorno da sua casa, pintou alguns lindissimo*s e preciosos quadros de flores, e fructos. Foi hum dos Directores da Academia do na rua dos Camillos. Os seus discipulos são José António Parodi, seu cunhado. Vasco José Vieira, e hum certo Theo- doro, que se applicou ás miniaturas, e morreo moço. Joa- quim José de S. Payo, ajudou a pintar varias cousas dirigidas por seu Mestre : inclinou-se para o concerto de painéis, e tem retocado muitos.

He Mestre de seu filho José Ignacio de S. Payo, o qual se applica ao género histórico, e ao dos retratos, como se applicou seu Avô Miguel António. Henrique José da Silva nasceu também em Lisboa em 1772. Estudou o desenho 'na Aula Regia por 5 annos depois com o Rocha, e três com Eleuterio Manoel de Barros, que lhe succedeo, em 1790 passou para a escola de Pedro Alexandrino, que fre- quentou por alguns annos. Tem pintado muito nos Theatros, e feito tectos, e paredes a fresco com figuras, e ornatos. Tem igualmente executado não quadros de cavalete a óleo, mas também alguns para Oratórios, e para Igrejas, imitando em todos o agradável estylo de seu Mestre. Tam- bém tem feito retratos, &c. Em 1819 passou ao Rio de Janeiro. Felisberto António Botelho.

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Pedro Alexandrino pintou até aos últimos dias da sua vida, que se terminou em 27 de Janeiro de 1810 com 80 annos de idade. Jaz na Igreja de S. José sem epitáfio, segundo o uso do paiz. O seu retrato, pintado por elle mesmo pelos annos 1776 existe na collecçao de Borba.

Bruno Jose' do Valle.

Teve grande génio para a Pintura, mas pouca vontade de se applicar a ella, e vindo a ser sócio de João Gomes Varella na Empreza do Theatro do Bairro Alto, pelo que tocou em dote a sua mulher, pôz de parte os pincéis, e não tornou a usar delles senão quando a urgência o obrigou a isso. Gompetio com Pedro Alexandrino, e até aos annos 1762 davão-lhe a perferencia, porque no tecto da escada da Fundição, o Pedro, e o Berardo fizerão nos lados as 4 partes do Mundo, e elle fez o grande quadro do meio. Gontinuou depois com a casa das pistolas, aonde colorio outros painéis allegoricos. Para Santa Isabel pintou S. Se- bastião, copia em parte da estampa do Dominichino. A figura do Santo tirada pelo natural não foi muito feliz, faltando-lhe aquella elegância, e fidalguia, que se costuma dar a este Santo. He também seu o quadro da Gapella Mór da Trindade, o da Sagrada Familia na Sacristia de Santo António da Sé, e os da Piedade, e S. Miguel na Gonceição dos Freires. Ao Duque de Gadaval de quem era Gompadre pintou grandemente duas riquíssimas carrua- gens. Imitava seu Mestre José da Gosta Negreiros, mas

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tinha mais fogo, mais força, e menos suavidade. Teve génio mui superior para os retratos, e na Fundição por divertimento retratou António Caetano, e José Carvalho, ambos Pintores bons, o i.° de ornatos, e o 2.° de flores, e fez duas cabeças de grande Mestre com todo o requisito de bem parecidas, sem a timidez ordinária em obras desta natureza. Faleceo em Lisboa sua pátria pelos annos 1780 andando por meia idade. Teve por discípulos Manoel An- tónio; e seus Irmãos António José do Valle, e Anastácio José do Valle, e Francisco de Setúbal.

Francisco dk Setúbal.

Era natural de Valença do Minho. Desejava muito passar por doudo, e não conhecia que o era: o seu nome era Francisco José, a que elle acrescentava ás vezes o apelido de Rocha, e ás vezes de Máo génio. O de Setúbal foi-lhe dado pelo vulgo, porque vivera alguns annos naquella Villa para onde foi por 1767. A natureza lhe tinha dado bastante talento material, junto com hum génio dos mais extrava- gantes. Não reconhecia por amigos senão aquelles que o elevavão a par de Rafael, ou mais acima, e precipitavão todos os outros nos abismos da ignorância. Recebia hoje a visita de alguns com muitos abraços, instando que a repetisse muitas vezes, e no outro dia dizia-lhe elle mesmo que não estava em casa. Odiava mortalmente a lição dos Livros, e aquelles que lhe fallavão em preceitos da Arte. Quando queria fazer huma composição, buscava na fanta-

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zia, ou nas suas estampas, não o que era mais necessário e conveniente, mas o que lhe parecia mais bonito, ou mais extraordinário. Tendo visto n'huma estampa da Caridade Romana, aquelles dous Soldados que a espreitao, e se admirão do amor com que ella alimenta seu velho pae com o próprio leite, parecerao-lhe tão bonitos, que os foi pôr em hum painel de Judith, admirando a intrepidez com que cortava a cabeça de Holofernes. O quadro ficou lin- díssimo, e todos os que tinhão vista aguda, e entendimento rombo gostarão muito delle. Amava as danças altas, e as mascaradas, e por isso levou comsigo a Setúbal o Anastá- cio, que o ajudava na Pintura, e o ensinava a dançar: alli fizerão amisade com António Dias Carrilho, Boticário, e Pintor de flores, &c. Tornando a Lisboa por 77 deo-se a pintar pannos a tempera, huns de figuras, outros de mari- nhas, cousa, que lhe produzio sommas avultadas. Pintava também painéis de cavallete, de flores, luares, fogos, mari- nhas, &c. e ornou com muitos delles hum gabinete no palácio de João Ferreira, cujos tectos também elle dirigio, sendo os desenhos de Eleuterio Manoel de Barros. Nesta obra o ajudarão Domingos António de Sequeira que era então seu discípulo, Jeron3^mo de Andrade, Francisco Go- mes, e outros. Em 1780 concorreo para a Academia de S. José, e em 86 teve lugar entre os Ditectores da que se fazia na rua dos Camillos. Tendo dado principio ao tecto do Picadeiro Régio em Belém, adoeceo gravemente por excessos, dizem, de intemperança, e foi morrer nas Caldas em 1792 tendo 46 annos de idade.

Nos Templos tem o Naufrágio da náo Ajuda na Sacristia da Penha. Em S. João da Praça repintou a tempera o

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painel do tecto do Baptismo de Jesus Christo, e dous nas paredes, pintados primeiro a fresco pelo Figueiredo. Na Sacristia da Encarnação fez as cabeças de dous Evange- listas, cujos corpos pintou João Thomaz, também pintou a Senhora da Conceição em huma Capella interior na Trin- dade, e outra Senhora também em Capella no Claustro de S. Francisco, e alguns mais.

Francisco José, seu collega na obra do Picadeiro, ficou continuando-a com Joaquim José Bugre, por tempo de oito annos. He natural da Villa da Chamusca onde nasceo em 1750. Creou-se porem nesta Capital, e tem aqui pintado muitos painéis grandes, e de cavallete. Ha obras suas em S. Pedro em Alcântara, na Igreja das Bernardas á Espe- rança, em S. Caetano, em Rilhafoles, &.c. Foi seu Mestre o P. Manoel José, natural da Covilhã, o qual professou em Santa Cruz de Coimbra; e vindo para Lisboa aperfei- çoou-se na Escola André Gonçalves, e pintou 8 painéis que estão na Capella Mór de S. Vicente, com passagens da Vida do mesmo Santo, e das de S. Sebastião, S. Theo- tonio, e Santo Agostinho. Também he seu o da Conceição (copia de Conca), que está na Capella do Santíssimo. Joaquim José, chamado o Bugre, porque, tendo cabello louro, e olhos azues, parecia estrangeiro, pintava muito bem ornatos: morreo em 1819 contando 70 e tantos annos.

Jeronvmo de Barros Ferreira.

Nasceo em Guimarães em 3 de Setembro de 1750, mas viveo em Lisboa aonde estudou a Arte com Miguel António

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do Amaral. Quando Pedro Alexandrino hia deixando as pinturas de seges para fazer cousas maiores, elle o supprio naquelle género de trabalhos com boa acceitação, e colo- rindo bem os meninos, os Deoses da fabula, e as Virtudes, &c. Também se applicou aos ornamentos, aos retratos, bambochatas, e gravuras de agua forte ; e neste ramo foi o primeiro Mestre de Gregório Franco de Queiroz. Era dado á lição dos Livros, e traduzio do Italiano a Arte da Pintura de Mr. Fuduresnoy, que se imprimio na officina do Arco de Cego em 1801. Também descreveo hum tecto pintado por elle na casa de Nisa. Os seus painéis públicos vem a ser, o do tecto da Capella Mór das Trinas do Rato," o de Santa Erigida na Freguezia do Lumiar, algumas figu- ras no tecto da Livraria de S. Domingos &c. Morreo em Lisboa em 3o de Outubro de i8o3. A sua Viuva conser- vava o seu retrato feito por elle mesmo. Concorreo á Aca- demia de S. José, e alli conduzio huma noute José Basilio da Gama seu discípulo de desenho, Brazileiro famoso que está em Official da Secretaria de Estado, o qual desenhou hum acto que deixou ficar na Salla.

José' Throno.

Nasceo em Turin em 1789, e descendia de huma familia illustre da Cidade de Cumes. Foi discípulo de seu Pae Alexandre Throno, de quem conservava excellentes qua- dros, pintados alguns no est3'lo de Solimena, outros no gosto de Vouet. adiantado passou a Roma, aonde esteve

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mais de 7 annos pintando retratos a óleo, e em miniatura. Foi também a Nápoles, e alli, depois de retratar a maior parte da Corte em painéis de meia, de huma, e de muitas figuras, retratou por íim a Familia Real. Em todo este giro gastou 20 annos.

Tornando á Pátria em 1782 fez os retratos das Pessoas Reaes, e foi acceito Pintor de Victor Amadeo, com mó- dica penção, e obras pagas. Neste tempo José Pereira de S. Thiago Encarregado dos Negócios em Roma, e José Agostinho de Sousa Secretario de José de Sá, tiverao em Roma ordem da nossa Corte para ajustarem hum Pintor retratista, e dirigirão-se a Mr. Marron, Alemão, genro de Mengs, homem famosíssimo naquelle género, o qual pedio o mesmo salário que o Senhor D. José i.° havia dado a Gessielli, e a Cafarelli (36 mil cruzados cada anno.) Pare- cendo-lhes o preço exorbitante escreverão ao Throno ; e D. Rodrigo de Sousa Coutinho que estava então Embaxador de Turin, acabou de fazer o ajuste. EUe tinha aUi bens seus, e herdades; e dispondo de tudo o melhor que pôde, passou a Lisboa em 1785 e fez muitos retratos das Pessoas Reaes. Pelo do Príncipe D. José recebeo da Princeza sua Esposa, em huma caixa, generosa gratificação.

Em 1783, aportando casualmente nesta Capital F. Hickey Retratista Inglez, que hia para as Jndias Orientaes, demo- rou-se aqui hum anno, e lucrou mil moedas nos retratos que fez de Pori, Devisme, e outros commerciantes, e Fidal- gos, e por fim retratou também a Senhora Rainha D. Maria em meio corpo, de que ha estampas abertas por Gaspar Fróes Machado. Throno copiou a cabeça para o retrato que fez de corpo inteiro da mesma Senhora. Também re-

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tratou a Família Real no painel da Conceição para a Capella Mór da Bemposta em 1793. Alem dos retratos tinha feito, tanto em miniaturas, como a óleo, primorosas copias de Rafael, Ticiano, e outros Authores, algumas das quaes forão fielmente recopiadas por D. Maria Leonor Rouks. Como esta illustre Lisbonense he tão celebrada pelos seus talentos pictóricos diremos delia que pelos annos 1778 con- tando i3 de idade, e morando na Quinta dos Aciprestes, succedeo, que Faustino José Rodrigues seu visinho, que frequentava a Aula da Escultura, levou alli hum dos seus desenhos, que ella facilmente copiou com huma penna de lápis. Assim começou a curiosidade que foi proseguindo mais regularmente com aproveitamento prodigioso. Passou ao estudo dos gêços, e depois ao de copiar pinturas, sempre dirigida pelo mesmo Mestre. Seus pães mudarão de casa para o Bairro alto, aonde ella copiou seis esbocetos de Corrado. Pelos annos 1780 chegou de Inglaterra Mr. Ser- vang, que fez o seu retrato, e lhe ensinou a pôr a palheta para retratar. Retratou elle também alguns Fidalgos, e Negociantes, o Author destas memorias, hum Bispo em S. Domingos, e finalmente a Senhora Princeza do Brazil. Também era paisista, e pintou hum bosque no Theatro do Salitre em 1782.

Vivia com elle Matheus Doret natural de Lião, bom Canteiro, e Desenhador de figuras, e ornatos, o qual escul- pio em pedra certos florões no Palácio de Alpriate, fre- quentou a Academia do nú, e copiou em grande o painel de S. Carlos do Loreto, cuja copia sendo offerecida ao Senhor Rei D. Pedro, este a deo aos Padres de S. Camillo que a collocárão na sua Igreja. Dirigio depois o arco de

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triunfo, e toda a decoração do Palácio do Rocio pelo casa- mento de Sua Magestade, cujos desenhos erao de Thimoteo Verdier. Retirou-se passando por Coimbra, e foi também alli occupado pelo Bispo em objectos de Pintura, e Archi- tectura. Servang foi daqui para Cadiz aonde morreo. Erao amigos de Nicolao Roulhs, grande amador das Artes tendo conhecimentos práticos da Architectura, e Musica, e todos frequentarão a casa da nossa Heroina como admiradores dos seus talentos ; o que também faziao o Author destas Memorias, Manoel da Costa, o Desembargador Geraldes, e outros Artistas, e Estimadores da Pintura.

Excederíamos a brevidade que temos seguido, se quizes- semos dizer quantas obras sahírão dos seus pincéis, muitas das quaes ornão a sala, e gabinetes da sua casa: na de Geraldes havião 14 ou i5 painéis seus, alguns dos quaes passarão por sua morte para casa de Bandeira. Na de Franco á Annunciada está a Santa Maria Magdalena, que he bellissima. Fez em chapa de cobre por estampa de Rafael a Cêa do Senhor para o Convento da Santa Cruz na Serra de Cintra, e muitas outras cousas. Em tanto hia ensinando sua irmã Margarida Theotonia (i), que nasceo em 72, de quem também temos huma linda Magdalena, huma Sibila, Lucrécia, e outras cousas muito bem exe- cutadas.

Em 1787, tendo 22 annos casou com o mencionado Roulks Visconsul da Hollanda, e de outras Nações do Norte, e começou a ser doente, de sorte que poucas mais

(i) Nesta obra temos suprimido muitas vezes os dons, por brevi- dade, e por evitar fastidiosas repetições.

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pinturas fez; vive felizmente. Throno quiz em 1808 reti- rar-se para a sua Pátria ; mas achando embaraçada a pas- sagem da Hespanha retrocedeo, e acabou aqui os seus dias em 181 o. Nicoláo Roulks, foi hum dos seus Testa- menteiros. Ha em Italiano alguns elogios impressos feitos a elle, a sua Mae Thereza Grassi, e a seus Irmãos que também erao Pintores.

A JoANNA DO Salitre.

Assim chamava o vulgo a huma Pintora Lisbonense, que morava no Salitre, e foi bastante applaudida no seu tempo. Era Irmã do Major José António Monteiro de Car- valho, chamado o bota abaixo, porque inspeccionava sobre as barracas que se devião demolir. Foi casada duas vezes a 1.^ com hum homem de certa idade, que possuía hum pequeno morgado, ou capella, e a 2.* com hum soldado, ou official inferior. O seu verdadeiro nome era D. Joanna Ignacia. Fez retratos, e painéis pequenos para Terços, e Capellas de Igrejas, principalmente para as Províncias. O seu estylo sem ser bom, he tolerável attendendo ao seu sexo. Existem delia, na Conceição velha o painel da Se- nhora da Pureza, pintado em 1770, alguns retratos em Oeiras (i), e outras cousas. Teve lições, dizem, de André Gonçalves.

(i) Fez para Oeyras os Retratos de Paulo de Carvalho, e Francisco Xavier, e nessa occasião obteve baixa para o Marido. Morreo de 70 annos pouco mais ou menos.

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Manoel de Mattos.

Vio a luz no Sardoal em lySo. Seus Paes, que o destí- navão para o Estado Ecclesiastico lhe mandarão estudar o Latim, e o Francez; mas sentindo em si muita inclinação para as boas Artes veio a Lisboa em 1768, e em S. Bento estudou Elementos de Euclides com Filippe Rodrigues. Dous annos depois passou para o laboratório do Escultor Joaquim Bernardo Galinha, aonde fez em barro, de idéa ísua, o Triunfo da Conceição, em figuras somente esboçadas. Para os estudos da Pintura, frequentou a Casa de Rocha, e a de Miguel António, de quem foi Discípulo. Pelos annos 1784 transportoU'Se á Bahia aonde fez painéis de igreja, fruteiros com as producções do paiz, e retratos. Retratou a Marqueza de Valença, e D. Rodrigo de Menezes que succedeo naquelle Governo a D. Affonso Marquez de Va- lença. Fez também hum quadro de familia com 8 ou 9 figuras. Voltou a esta Corte em 1791 aonde não foi muito feliz. O seu modo de pintar era bastante duro, e desagra- dável, cheio de grandes escuros, e grandes claros, sem meias tintas sufíicientes. Vivia solitário; e no seu trajo se assemelhava a hum Filosofo, ou antes a hum Misantropo. Faleceo em 17 18.

João Clama Strebel ou Strabile'.

Sabemos, pelo ter ouvido dizer a pessoas antigas em a nossa adolescência, que entre os Creados que acompa-

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nhárão a Lisboa a Senhora Rainha D. Marianna de Áustria viera hum Alemão chamado Joáo Armando Clama, o qual casou aqui, e teve hum filho que se applicou á Pintura, e foi depois a Roma pensionado por seu Pae ; mas morrendo este, sua Mãe conseguio dos Alemães estabelecidos nesta Corte, a continuação das mezadas para elle poder acabar os seus estudos.

João Clama, que julgamos ser o mesmo de que se trata, fez alli progressos, e ganhou hum i.° premio no concurso da Academia ; sendo o assumpto a morte dos Machabêos. O seu desenho he feito a lápis vermelho no estylo do* Benefiale.

Restituído á Pátria recommendou-se ao nosso Vieira Lisbonense para o introduzir na Corte ; mas não tendo hum prompto effeito a sua pertenção, partio para o Porto aonde teve sempre grande crédito. Entre os seus discípulos distinguio-se Francisco Vieira Portuense.

O Throno Pequeno.

Assim chama o vulgo a Bernardino Gagliardini de Voucar, Italiano, Pintor de retratos. Discípulo de José Throno. Veio para Lisboa pelos annos 1785 tendo de idade 25 annos. Tem retratado em miniatura toda a Família Real, e grande número de Senhoras da Corte. Também fez a óleo, e em grande, os retratos dos Patriarchas para a Camará Eccle- siastica, e o do General D. António de Noronha.

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Domingos Pellegrini.

Nasceo em Veneza em 1764. Aprendeo a desenhar na Galeria de Farsete, homem nobre, e bom conhecedor, que tinha grande coUecção de quadros originaes, gêços do An- tigo, etc. e deixava copiar tudo. Passou depois para a Escola de hum certo Galina, que deixou de pressa por não ser boa. Conduzio-se a Roma em 89, e não quiz ser Discí- pulo de Domingos Corvi, ainda que muito acreditado em desenho, e composição, porque o seu colorido não lhe agradou. Quatro annos depois passou a Paris donde re- gressou a Veneza, e de foi a Londres aonde não fez grandes interesses. Tornou a Paris para conhecer David, e nelle lhe pareceo achar mais sabedoria que génio. Visitou a LeBrun, famoso Retratista, que no mérito igualava, dizia elle, Luiz Vanlóo, inda que o seu estylo fosse differente : encontrou alli o seu Patrício António Canova. Voltou se- gunda vez a Londres onde fez varias composições, gravadas pelos Schiaveneti, (dous Irmãos Venesianos), e por outros; nessa occasião retratou a Familia do Marquez de Bellas.

Veio a Lisboa em i8o3 onde fez grande número de retratos, sendo o melhor o d'ElRei o Senhor D. João VL qne foi gravado por Bartolozzi. Pelas Viagens hia pintando hum quadro de Vénus, e Adónis ; que possuio o Secretario d'Estado Araújo, depois Conde da Barca. Em 1810 sahio de Lisboa por ordem do Governo na fragata Amazona, com Urbino Pizzete, Pintor Piemontez, e outros muitos que se fizerao suspeitos ao Governo, e de na Laviniâ

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regressou pela terceira vez a Inglaterra, com os seus ca- bedaes que erão avultados.

Felisberto António Botelho.

He natural de Lisboa aonde nasceo em 1760. Estudou a Arte na Escola de Pedro Alexandrino, e tem pintado a óleo, a tempera, e a fresco, para os Gabinetes, Theatros, e Igrejas. Fez o painel da Cêa de 20 palmos para o refei- tório dos Padres Cruzios nos Subúrbios de Lima. O da Conceição de 14 palmos para huma Ermida nas Praias. O quadro de Jordão para a Freguezia do Sacramento. A Senhora de Monserrate, e Santo António para outra Ermida no termo d'Almada. A Senhora das Dores para outra pe- quena Igreja. Em 1806 pintou todas as figuras, tanto as coloridas como as de claro-escuro no tecto chamado do Costa no Paço de Nossa Senhora da Ajuda.

Na Ermida das Mercês, junto a Carnide tem o painel da mesma invocação, outros da vida de Nossa Senhora, e alguns com Anjos. São também producções do seu engenho os de Nossa Senhora, e do Santíssimo Nome de Jesus, que se venerão na Freguezia de Odivellas.

Começou a estudar a Pintura em 1776, e proseguio sem interrupção até 1808, sendo a ultima obra que fez o Retrato de Sua Magestade, então Príncipe Regente. Depois disso, achando-se falto de vista, tem dirigido algumas cousas executadas por seu filho e Discípulo, António José Faustino Botelho.

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Francisco Vieira Portuense.

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Principiou a cultivar a Arte da Pintura na Cidade do Porto sua Pátria, e applicou-se á figura, e aos paizes. Neste género teve por Mestre seu mesmo Pae Domingos Francisco Vieira, que era droguista, e também Pintor de paizagens, e imitava o estylo de Pilement, depois que alli esteve pelos annos 82. João Glama foi seu Mestre na figura. Tendo feito progressos, conseguio da Companhia do Alto Douro em 89 huma pensão de Sooíí' rs. para se ir aperfei- çoar em Roma, e alli elegeo por Mestre Domingos Corvi, desenhador correcto, mas frio no colorido; e escolheria melhor se houvesse então mesmo alli em Roma, aonde escolher. Em 91 ganhou hum i.° premio em^ roupas, sendo Director Vicente Pacceli, Escultor Romano. Fez depois a viagem de Parma para estudar o colorido do Corregio: alli foi recebido naquella Capital entre os Directores de Academia, deo lições de desenho a huma das filhas do Duque, e copiou a famosa Magdalena, cuja cópia possuio depois Luiz Pinto Balsemão. Em 94 voltou para Roma donde tornou a sahir três annos depois com Bartholomeo Gallisto. Girarão parte da Alemanha, e separárão-se em Dresda aonde Vieira ficou copiando muitas cousas daquella famosa Galaria. De passou a Hamburgo, e a Londres. Naquella Cidade fez grande amizade com Bartolozzi, retra- tou-o, e começou a gravar a agua forte huma grande, e laboriosa chapa que não acabou. Pintou o Viriato que foi estampado pelo mesmo Bartolozzi e offerecido ao Príncipe

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Regente de Portugal, ElRei o Senhor D. João VI. Fez também hum quadro grande da Senhora da Piedade, ou Descimento da Cruz para a Capella do Ministro de Por- tugal, que era D. João de Almeida, depois Conde das Galvêas. Alli casou com huma joven viuva Italiana, que tinha avultado dote, e pertencia á familia daquelle célebre Gravador, e a conduzio a Lisboa em 1802, tempo em que se havia publicado a Paz com a França, por cujo motivo o Senado fez huma grande festividade em S. Domingos, aonde appareceo o painel, que lhe foi positivamente encom- mendado para essa funcção. Representava elle a Monarchia Lusitana acompanhada de Virtudes, Artes, Fama, &c. e tendo pendente sobre o peito o retrato do Principe Regente. Convidado pela Companhia dos Vinhos do Alto Douro, passou ao Porto para succeder a António Froes Jacomo na direcção da Academia, com 6ooíJ de ordenado. Em tanto, D. João d' Almeida, e o Visconde d'Anadia represen- tarão a S. A. R. quão subido era o seu merecimento ; e em virtude desta representação foi nomeado por Decreto de 28 de Junho de 1802 primeiro Pintor da Camera com 2:oooí(í réis de ordenado, tendo obrigação de dirigir, e executar juntamente com Domingos António Sequeira seu coUega, as pinturas que se havião de fazer no Palácio Real de Nossa Senhora d' Ajuda. Todos virão os lindos painéis que fez de D. Ignez de Castro, e de outros assumptos, cuja individuação não cabe na brevidade destas Memorias. Adoeceo gravemente quando estava fazendo o quadro de Duarte Pacheco deffendendo o passo de Cambalam em Cochim para a Casa das Descubertas no Paço de Mafra. Os Médicos o mandarão embarcar: foi para a Ilha da

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Madeira aonde chegou, e morreo em i8o5 tendo Sg ou 40 annos de idade, quando começava a tirar fructo dos penosos trabalhos porque havia passado. Na collecçao de Borba ha hum S. Sebastião feito por elle. Não sabemos dizer se as poucas cousas que deixou nos servem de recreio quando as vemos, pela graça com que são feitas, ou de mágoa pela renovação da saudade, que temos do seu Author. A sua Viuva ficou rica; e passou a S.'"*^ núpcias com hum Militar Inglez, e parece, que desgraçadamente cooperou para a morte que desejava, em 1817.

A Cidade do Porto tem produzido em todos os tempos bons Artistas de profissão, e de curiosidade de ambos os Sexos; e aproveitamos com gosto esta occasião, para dizer- mos neste particular o pouco de que temos noticia.

D. Bernarda Ferreira de Lacerda, chamada a Decima Musa, era filha do Chanceller Mór do Reino, e versada em linguas sabias, e vulgares. Não teve na Hespanha quem a igualasse, dizem, na Arte de bem escrever e debuxar á penna. Também compoz entre outras obras em verso e prosa «a Hespajiha libertada-» a que Lopo da Vega no seu Laurel de Apollo, diz*

Se pudiera tener la F"ama augmento,

Y gloria Lusitana,

Dona Bernarda de Ferreira fuera. Acuyo Portuguez entendimiento.

Y pluma castellana

La Hespanha libertada Hespanha deve.

Acabou a sua gloriosa carreira em Lisboa no i.° de Outu- bro de 1645. 8

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Jorge da Gamara filho do Commendador Martim Gon- çalves da Gamara, abraçou o estado ecclesiastico, era bem instruído, e pintava, e debuxava muito bem: também fez poesias, que não teve tempo de publicar, por que morreo quando tratava de as dar ao prelo, em 1649.

Isabel Maria Rita, filha de Francisco Pequerin, Inglez, baptizada na Freguezia de S. Nicoláo, foi por simples curiosidade excellente Pintora de miniaturas. Floreceo no ultimo século.

Isabel Broune, filha de Duarte Pequerin, casada com o Medico Pedro Broune, fazia bem os retratos a óleo: era nascida era Inglaterra, mas estava como naturalizada no Porto desde o principio do século 18.

Luzia Maria Rosa, que vivia também por aquelles tempos fez publica profissão da Pintura, mas não sabemos quaes fossem os seus talentos.

Joaquim Rafael, discípulo dos Vieiras, tem painéis em S. Grispim, na Lapa, e em outras Igrejas, e Palácios. Também tem feito scenarios no Theatro.

Luiz Augusto Gorrêa Leal, foi discípulo de Francisco Vieira, Theodoro de Sousa Maldonado, Doutor em Mathe- maticas, desenhava á penna, e pintava de miniatura: floreceo no fim do passado século.

Domingos Teixeira, Pintor Theatral e Maquinista, foi pae de José Teixeira Barreto, de quem adiante faremos menção.

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Bartholomeu António Calisto.

Natural de Lisboa, aprendeo a desenhar na Aula Regia, dirigida por Joaquim Manoel da Rocha, e depois foi para Roma com outros pensionados da Aula do Castello, aonde foi discípulo de Labruzzi. Sahio dalli em 97 com Francisco Vieira de quem se separou em Dresda, para ir a HaiTiburgo embarcar para Lisboa. Neste transito foi tomado pelos Francezes, que o tiverão prezo em Nantes por tempo de três mezes. Logo que o soltarão partio por terra para Lisboa, aonde chegou no fim do mesmo anno. Em Abril de 8o3, havendo-se detreminado a pintura no Palácio de Nossa Senhora d' Ajuda, que devia ser dirigida, e executada na parte mais essencial, por Domingos António de Sequeira, e Francisco Vieira Portoense, Ordenou Sua Alteza Real que fossem admitidos mais três Pintores de Historia como seus Ajudantes, e que serião escolhidos d'entre os que tinhão estudado em Roma. Estes lugares se puzerao a con- curso, deixando o mesmo Senhor ao arbítrio dos dous Directores a escolha, e o ordenado delles. Calisto foi acceito com 6ooíf>ooo réis annuaes, e depois daquella época tem pintado vários painéis para adorno deste Régio Palácio, e do de Mafra, morreo a 9 de Junho de 1821. Jaz na Ermida das Dores em Belém.

ArCANGELO FOSCHINI.

Seu Pai Francisco Foschini, Bolonhez, Pintor de Historia, estabeleceo-se em Lisboa aonde acabou a sua existência na

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idade de 71 annos na de i8o5. Em 1771 vio a luz seu filho, e sendo destinado para os estudos da Arte, começou i3 annos depois a estudar os primeiros rudimentos delia na Aula de que era Lente Joaquim Manoel da Rocha. Em 88 obteve a pensão para ir a Roma onde foi discípulo de Labruzzi. Alli ganhou hum premio do ; mas tendo inva- dido os Francezes aquelles Estados, partio para Florença, e de no anno seguinte, que foi o de 92, para a Pátria aonde foi acceito para Mestre do Senhor Infante D. Pedro Carlos com 240^5000 réis de pensão, moço, e dous cavallos. No concurso de Abril de i8o3 foi recebido com iroooíZC) de réis de ordenado para se empregar no Palácio de Nossa Senhora d'Ajuda, com as condições referidas, e tem executado vários painéis. He professo na Ordem de Christo.

José' da Cunha Taborda.

Este Pintor nasceo na Villa do Fundão, Bispado da Guarda, em 28 de Abril de 1766. O Desembargador Ge- raldes, conhecido dos seus parentes, o recebeo em sua casa em Lisboa, e o protegeo efíicazmente. Frequentou por 5 annos a Aula Regia do Desenho, aonde estudou as figuras, debaixo da disciplina de Joaquim Manoel da Rocha, e a Architectura com José da Costa e Silva. Em 88 foi para Roma como pensionado da casa do Castello, gover- nada pelo Intendente Geral da Policia, e teve por Mestre de Labruzzy, que o era por então de todos os Pensionados; mas logo que chegou o novo Ministro de Portugal, junto

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da Santa Sé, D. João de Almeida, lhes deo licença para escolherem Directores á sua vontade, e elle escolheo An- tónio Cavallucci. O Embaxador retirou-se, e succedeo-lhe D. Alexandre de Sousa Calhariz, o qual fundou huma sorte de Academia com gêços, nú, livros, e painéis, sendo Director delia o Poeta João Geraldes de Rossi! cousa singular.

Receando-se em Roma a entrada dos Francezes, foi o primeiro que pedio licença para se retirar, e chegou a Lisboa em Maio de 96 ou 97. Dous annos depois, estabeleceo o Intendente no Castello huma nova Escola de Pintura, e elegeo-o para Professor delia, com huma gratificação de 200Í5Í) réis annuaes. Os gêços da Academia de Roma, forão conduzidos a Lisboa por José Viale : tinhão elles feitos parte das famosas collecçÔes de Mengs, e de Pickler. Man- dárão-se para a escola do Castello, e por fim encherão os Francezes com elles alguns caboucos para se fortificarem. Em i8o3 foi também admittido com Calisto, e Fosquini como Pintor Régio com 70o5!> réis. Tem feito vários painéis e tectos, assim como os seus collegas, para os Palácios Reaes, e para o Publico. Entre os seus Discípulos, he Dis- cípulas, e assas celebrada D. Leonor Pilar Perpigna, por saber dar á miniatura, seja no género histórico, ou no dos retratos, a força, o vulto, e suavidade da pintura a óleo. Nesta sorte de Pintura, tem sua Irmãa D. Susana Marga- rida Pilar executado vários painéis bastante delicados. São ambas nascidas em Lisboa, e filhas do falecido Gaspar Beltrão Pilar, bem conhecido nesta Corte pelo seu Emprego Diplomático, e pela boa coUecção que tinha de cousas raras, e curiosas. D. Maria Arriaga filha, também foi sua disci-

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pula, assim como o Yis-Conde da Bahia, e o da Lapa, Thimoteo Verdié filho, Norberto José Ribeiro, Máximo Paulino do Reis, António José Santos, e outros.

Norberto José Ribeiro, natural da Villa de Alhos Vedros, teve as primeiras lições de desenho na Aula do Castello com António Fernandes, e depois com José da Cunha Ta- borda, de quem actualmente he Ajudante nas obras do Real Palácio d'Ajuda. Na Casa do Despacho da Irmandade do Bentinho existe hum painel de sua mão, que representa D. Nuno Alves Pereira entregando o Convento aos Reli- giosos. ^

Domingos António de Sequeira.

Em Belém, Régio, e soberbo arrabalde da famosa Lisboa, teve o seu nascimento Domingos António de pais, humildes sim, porem honrados; tendo isto de commum com Xisto 5.°, e Maximino, para ter como elles a gloria de vir a ser, não hum Papa, ou Imperador; mas hum Pintor muito illustre, e ter a honra de empregar dignamente os seus talentos no serviço de hum Rei tal como o Senhor D. João VI.

Foi Sequeira hum dos primeiros, que frequentarão a Aula Regia do Desenho, aberta em 1781, e no decurso de 5 annos ganhou alguns prémios. Depois esteve aprendendo a Pintar com Francisco de Setúbal, e ajudou-o a fazer alguns tectos no Palácio de João Ferreira, rico çapateiro, mercador de couro, e sola. Protegido pelos Senhores Ma- rialvas obteve huma pensão de 3ooíí) rs. paga pelo bolcinho para estudar em Roma aonde chegou em 88, e elegeo para

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seus mestres Cavalluci, e la Picola. Em 91 obteve hum primeiro premio da Academia, sendo o assumpto, o Milagre dos pães e peixes. Em 94 foi recebido Académico de mérito, e deo a Degolação do Baptista por peça de recepção. Pintou alli dous tectos, a Batalha do Campo de Ourique, e o painel muito grande para o Intendente. Perlustrou parte da Itália em alguns mezes, e regressou á Pátria em Abril de 96.

Chegado a Lisboa visitou Pedro Alexandrino, e Cyrillo; e lastimou-se do abatimento da Arte, propondo que se unissem todos para a. exaltar, dando-lhe mais estimação, e maior valor ás obras. Tinha toda a razão; mas quem pôde fazer mudar de repente hum antigo cosmme ? Elle mesmo o experimentou. O Conde de Vai de Reis recusou dar-lhe iC5 moedas que exigia por 10 batalhas para huma das suas ante-camaras. Todos pertendião ter alguma obra do novo Artista, mas admiravão-se dos preços, de sorte que cahindo em melancolia quiz ir fazer vida eremitica na serra de Bussaco, e por fim foi ser Monge na Cartuxa. Parecia hum homem perdido para o século, quando D. Rodrigo de Souza Coutinho, que o estimava, lhe acudio: fallou nelle ao Principe Regente, e S. A. R. por Decreto de 28 de Junho de 1802 o nomeou seu primeiro Pintor da Camará, e Corte, com 2:oooí5 rs. sobre os ordenados que tinha, com obrigação de dirigir, e executar com o seu Collega Francisco Vieira, a melhor parte das Pinturas do novo Palácio de Nossa Senhora da Ajuda.

Em Setembro de i8o3 foi acceito para Mestre da Sene- nissima Senhora D. Maria Thereza, e derão-lhe sege, e Habito de Christo. Tem feito algumas obras para os Pala-

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cios Reaes, e sérvio Sua Magestade não como Pintor, mas também dirigio os trabalhos exquisitos da preciosa baxella que Sua Magestade mandou dar a Lord Wellington. Em premio tem recebido por vezes honras, e novas pen- sões para si, e sua filha. Teve também o Beneplácito Régio para arbitrar ordenados aos seus Discipulos, que erão Joaquim Gregório Rato, que vive empregado no Palácio Real, António Faustino que morreo cm 1818, e outros.

José' Viale.

Teve o seu nascimento na rica, vasta, e bellissima Cidade de Génova. Seu Irmão, de quem dependia, o fez applicar ao Commercio, concedendo-lhe huma parte de cada dia, para estudar o Desenho nos esmdos da Academia, e na Escola de Carlos José Ratti. Applicou-se depois a retratar em miniatura, e a limpar, e retocar painéis a óleo. Vindo a Lisboa pelos tempos em que Sequeira foi admitido como primeiro Pintor, a seu requerimento tornou á Itália por ordem da Corte, a fim de escolher as melhores tintas, e óleos para a Obra do novo Real Palácio, e de transportar a boa collecção de gêços da nossa, por então extincta, Academia de Roma. Tendo desempenhado bem a sua com- missão ficou pensionado da Corte com 6ooaf> rs. annuaes como Comprador das tintas para as Pinturas do novo Palá- cio Real no sitio de Nossa Senhora d'Ajuda.

Começava a retratar em miniatura a Real Familia em 1807 quando entrarão os Francezes. Antes disso tinha retra-

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tado o Secretario de Estado Araújo, depois Conde da Barca, e feito o retrato do Príncipe para elle dar ao Embaxador de Inglaterra.

No anno de 1821 aos 27 de Setembro Sua Magestade Fidelíssima mandou participar, por via de João Lourenço de Andrade, a José Viale tê-lo nomeado para Mestre de Desenho, e Pintura de Miniatura do Sereníssimo Senhor Infante D. Sebastião, Neto do mesmo Real Senhor, e no dia seguinte a Sereníssima Senhora Princeza D. Maria Thereza, Mãe do dito Sereníssimo Senhor Infante, quiz honrar ao mencionado Viale, dando com elle lição de Dese- nho. Aos 23 de Março do anno de 1822 começarão também a dar lição de Desenho com o mesmo Viale as Sereníssimas Senhoras Infantas D. Maria da Assumpção, e D. Anna de Jesus Maria. E no dia 3o de Julho seguinte Sua Magestade se dignou mandar passar ao referido Viale hum muito hon- roso Alvará, no qual o declara Mestre de Desenho, e Pin- tura de Miniatura das Príncezas suas muito Amadas e prezadas Filhas, como também do Sereníssimo Senhor Infante D. Sebastião.

João Castagnola.

Era natural de Lisboa, mas filho de Italianos. Foi para Roma em 1795 coni o Cardeal Belishome, Núncio em Lis- boa. Aqui tinha sido Discípulo de Eleuterío Manoel de Barros, na Aula Regia do Desenho; estudou com José Cadiz, e applícou-se á miniatura.

Quando os Francezes entrarão em Roma obrigarão a

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elle e aos seus Collegas, a que, ou se naturalizassem, e fossem para Paris, ou se ausentassem. Elle tomou, assim como todos os mais, este ultimo partido, e chegou a esta Capital em Novembro de 98.

Em i8o5 foi para Madrid com o Embaxador Conde da Ega, como Mestre de Desenho de suas filhas, e morreo no anno seguinte contando 3i de sua idade.

Luiz José' Pereira Rezende.

A Natureza, esta grande Mestra do Caravagio, do André Esclavonio, e do Grimoux, também admitio na sua Escola o nosso Pintor Lisbonense, e lhe ensinou o modo de bem retratar, principalmente em miniatura. O Público, que es- tima as suas obras, paga-as com bastante liberalidade. Tem pintado igualmente a óleo, e feito quadros históricos. Foi baptizado na Freguezia dos Reis no Campo grande.

Máximo Paulino dos Reis.

A vida deste Artista he cheia de anecdotas curiosas: elle nasceo em Penafiel em 1781, e alli viveo alguns annos sem conhecer os seus parentes. Por causa de hum incêndio o seu Tutor o transportou para Lisboa, aonde aprendeo a desenhar na Aula do Castello com António Fernandes Ro- drigues, e a pintar de miniatura com José da Cunha Taborda.

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Pelos annos de 1802 foi para Roma protegido por D. Ale- xandre de Souza Holstein, e alli teve por Mestre o Caval- leiro Gaspar, donde em 1804 obteve huma pensão do Prín- cipe Regente, que recebeo até o tempo da invasão dos Francezes em Roma: em 1812 pedio hum passaporte, e o pôde obter para Tunes ; e com eíFeito sahio de Roma em i8i3. No seu transito teve de arrostar o furor das ondas, o fogo das Esquadras inimigas, e mais que tudo o terrível aspecto da indigência, achando sempre na Divina Providen- cia, por meio da sua Arte, opportunos soccorros. Regressou finalmente a Lisboa aonde por intercessão do Visconde de Santarém obteve de Sua Magestade huma pensão de 600^ rs. para ser empregado como Pintor no Real Palácio de Nossa Senhora d'Ajuda. Tem pintado vários quadros grandes, e pequenos, entre os quaes o Retrato de Sua Magestade, que está na Casa Pia, huma degolação do Baptista, e outros.

PARTE II.

Architectura, Pintores Architectos, &c.

Breve discurso sobre o principio, e progressos da Architectura.

ESTA dicção Architectura não he menos equivoca que a Pintura, e os melhores Escriptores a tem confun- dido muitas vezes com a arte de edificar. Hum edifício pôde ter vastidão, magnificência, solidez, riqueza de orna- mentos, e de preciosos materiaes, boas commodidades, e muitas outras cousas plausíveis, e admiráveis; mas senão tiver aquella belleza, e armonia, que os Gregos dos melhores séculos, e os seus bons imitadores lhe souberão dar, nunca merecerá o nome de Architectura, nem podendo ella aperfeiçoar-se senão por meio da boa Pintura, e Escul- tura, claro está que havia de começar bastante tarde.

Mas se quizermos fazer abstração das bellezas archi- tectoricas diremos, que a origem desta Arte, assim como a de suas irmãs, remonta até ao principio do mundo. Adãp

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havia de edificar huma casa, Gain fundou a Cidade de Henoch. Pouco depois do diluvio se construio a Torre de Babel, obra que, por dizello assim, causou assombro ao mesmo Deos. As Pirâmides, e Obeliscos do Egypto; os milhares de columnas de grandeza desmarcada, qne ainda se achão nas suas ruinas, fazem pasmar os viajantes. Os pórticos, os muros de Babilónia forão sempre tidos por obras maravilhosas. As ruinas de Persépolis attestão qual fosse a magnificência, inda que barbara, dos antigos Persas: até nos que hoje são desertos da Tartaria se achão restos de soberbos edifícios.

Em quanto á simples, è bella Architectura podemos ter por certo, que os Gregos a criarão mais pelos dictames do seu feliz génio apurado com os progressos, que tinhão feito no desenho, que pelos monumentos que virão na Ásia, e no Egypto: também não poderião achar nos exemplares do seu paiz, que erão barracas de madeira, cousa alguma que parecesse digna de se imitar em hum templo, ou outro edifício da ultima magnifícencia e perfeição, senão tivessem tido a habilidade de transformar o tronco de huma arvore em huma elegantíssima columna, e o madeiramento do tecto em hum magestoso frontão.

Doro Rei de Achaya, e de todo o Peloponeso, levantou, (dizem), hum templo a Juno na Cidade de Argos, e a ordem que nelle usou, foi do seu nome chamada Dórica. Elle deo ás proporções desta ordem a força, e robustez de hum Hercules.

Jon, sahindo de Athenas com huma colónia foi-se esta- belecer naquella parte da Ásia, que do seu nome se chamou Jonia, e a nova ordem empregada no templo que dedicou

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a Diana com ornamentos, que na columna, e capitel, pare- cem mulheris, chamarão Jónica.

Calimaco celebre Pintor, e Escultor de Corintho inventou alguns séculos depois a ordem Corinthia de incomparável formosura, e delicadeza, e estas três ordens fornecem tudo quanto he necessário para as decorações, e mesmo para a solidez dos bons edifícios.

No tempo de Phidias florecêrão Jetino, e Callicrates, e fizerão o famoso templo de Minerva no Castello de Athenas por ordem de Péricles que também era muito sábio em Architectura, e por desenhos seus mandou fazer o Odeon espécie de Theatro para divertimentos do ouvido.

Depois das conquistas de Alexandre, a Arte se aperfei- çoou muito na Ásia, Egypto, e em toda a parte aonde se estabalecerão os Gregos, como ainda se em Alexandria, nas ruinas de Balbek, ou Heleopolis, e em outros muitos kigares.

Quando os Romanos invadirão a Grécia muitos Artistas Gregos se forão estabelecer em Roma, e erão alli, e em todo o Império empregados em obras de que ha vestígios ; também em Portugal existe em Évora huma parte do templo de Minerva Diana, edificado por Sertório, de ordem de Corinthia, e muito elegante, he huma ruina das mais pre- ciosas que nos restão.

Sérvio Lúpus Lusitano também fez hum templo na embo- cadura do rio Corumno, de de que ha memoria.

O melhor tempo para as boas artes em Roma foi o de Augusto, e os restos do Pantheon, do Theatro de Marcelo, e as três columnas do Templo de Júpiter Stator bem o comprovão. Elles servirão de modelos ao Brunelleschi,

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Bramante, Paládio, Vinhola, e aos melhores Mestres por quem todos estudarão. A sciencia, e elegância do desenho sustentou-se alli até o tempo dos Anotoninos, mas no de Constantino estava mui degenerada.

Quando dominarão os Bárbaros, a ignorância introduzio a Architectura Gothica, que não he Architectura. Foi ella de duas sortes ; a antiga, era baixa, e pezada, e a moderna pelo contrario magra, e muito alta, tendo assas de gosto Árabe. Admira, que alguns escriptores do Norte digão que taes obras são superiormente dignas da nossa attenção, e nos convidem, e exortem para imitalos; quando Artistas bons, e os bons conhecedores geralmente as detestão, e os Romanos, cujos olhos delicados não as podião soífrer, mascararão-nas com fachadas da verdadeira Architectura para as poderem conservar, como se observa em Santa Maria Maior, S. João de Laterano, e outras. Livre Deos, (diz Vasarí), toda a nação fiel da tentação de imitar simi- Ihante estylo.

No i3.° século floreceo S. Gonçalo de Amarante, Portu- guez, que he recebido entre os Architectos pelos Authores Italianos, e Francezes, porque edificou huma ponte sobre o Tamaga, e huma Igreja ao delia.

Desde o principio da nossa Monarchia mandarão edificar os nossos Monarchas muitos templos. Conventos, e outras obras de grande magnificência, tanto no estylo Gothico, como no Grego, (segundo o uso dos tempos em que viverão), dos quaes inda existe grande parte. Entre os Architectos que empregarão distinguirão-se Balthasar Alvares, Afíbnso Alvares,, e Nicoláo de Frias, que forão premiados com Cruzes Militares.

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Filippe Terzo, Italiano, sérvio como Pintor o Cardeal Rei, e como Architecto a Filippe 2.°, que mandou por elle edificar a parte do Real Palácio de Lisboa, chamada o forte, ou torreão da Casa da índia. O primeiro o premiou com o Habito de Christoj e o segundo com huma Com- menda.

D. Guarini de Modena, P. Theatino, e Architecto do Duque de Sabóia, fez em Lisboa o Convento dos Caetanos, florecia pelo meado do século 17.

Carlos Fontana, discípulo de Bernini teve mesmo em Itália o titulo de Architecto de D. Pedro 2.°, que o creou Cavalleiro de Christo. O Senhor D. João o 5.° também o empregou, encarregando-o da Pompa fúnebre de seu Au- gusto Pae, feita em 1707 na Igreja de Santo António dos Portuguezes em Roma com grande sumptuosidade, como se delineada em 12 grandes estampas.

O Insigne Portuguez Manoel Rodrigues dos Santos, que em Roma, e Nápoles grangeou aplausos de perfeito Archi- tecto, (são palavras formaes do Author, que assim nos noticia delle), dirigio o appàrato das Exéquias do Senhor D. João o 5.°, celebradas na mesma Igreja em 1751 com igual, ou maior magnificência, como se manifesta em mais de 20 bem gravadas estampas em que estão representadas.

Entre os mais notáveis edificios de Portugal, podemos pela grandeza dar a primazia ao famoso aqueducto de Lisboa, e pelo primor da Arte a obra de Mafra, a de S. Vicente de fora, e a do Collegio de Santo Antão também tem muita formosura e magestade ; e he pena que esta ultima senão restaure, visto estar quasi inteira.

O Senhor D. João o 5.° quiz fazer de Mafra hum segundo, 9

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e talvez melhor Escurial, edificado também por voto, o Sumptuoso Palácio, Collegio, e Convento, que alli admi- ramos. A fachada tem i^ e mais palmos de extenção, e he flanqueada por dous soberbos pavilhões. No meio delia está a Basílica, ou Capella Real dedicada a Nossa Senhora, e a Santo António. Entre esta Igreja, e os pavilhões estão as duas entradas do Palácio, a da parte do Norte conduz ao pavilhão, ou quarto d'ElRei, e a da parte do Sul ao da Rainha. Cada entrada tem hum átrio magnifico decorado com arcadas, e columnas da ordem Dórica, aonde os coches que entrão podem dar volta, e demorar-se alli a coberto. A cúpula da Igreja, as elevadíssimas torres, e as bellas estatuas chamão a attenção do Expectador admirado.

O Bramante, Buonarota, Peruzi, Rafael, Palladio, e ou- tros quinhentistas tinhão felizmente desterrado a maneira Gótica, e restaurado o bello estilo dos Gregos. Este gosto estava ainda muito em uso, bem que hum pouco alterado pelas liberdades do Borromini, e de outros grandes homens, a quem todos querião imitar: o Architecto de Mafra Fre- derico seguio o gosto do século, tomando porem liberdades assas decretadas, e moderadas; se nas torres, e na cúpula usou superficies curvas como o Borromini, foi de hum modo tão feliz, que ellas contentão igualmente os olhos, e a intelligencia dos conhecedores. Quando quiz ser imitador, soube escolher bem os seus modelos: a bellissima Igreja de Santo Ignacio, inventada pelo Domenichino, lhe forneceo a idéa para o interior da Basílica. No adro, e fachada soube dar em ponto mais pequeno huma grande idéa do Vaticano, e ao desenhar as torres teve em vista as de Santa Ignez da Praça Navona, e parece que as excedeo, pois quem as

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avista ao longe cré vêr dous elegantíssimos obeliscos que dominão todo aquelle edifício collossal.

As ordens d'Architectura são regulares, nobres, elegantes, e pouco alteradas. Na Jónica moderna da fachada seguio o author a modinatura de Vinhola (i), á excepção das bazes, e da faxa dos denticulos, em que imitou a do Collocio, e accrescentou alguns ornatos ao Capitel do Scamozi. Deo ao entablamento a 5.* parte de toda a columna, segundo o systema de Palladio.

Na ordem superior, que he a compósita, também seguio o Vinhola, trocando somente os lugares do oviculo, e gola reversa. Esta ordem decora também as torres, e todo o circuito da Igreja; mas quando chega ao frontão faz huma discreta mudança em toda aquella magestosa peça, apre- sentando em vez dos dentellos, lisos modilhões, os quaes não sahem á frente da coroa, mas occupão somente a metade do seu soffito : cousa de que ha hum exemplo antigo no Frontispício de Nero, imitado em parte pelo Palladio, e Scamozzi.

Seria supérfluo, e enfadonho fazer huma analyse de todas as ordens, bastará dizer que a Dórica dos átrios poderia sustentar-se ao das boas cousas antigas. Ella imita em todas as molduras, e nas geraes proporções, o que Vinhola extrahio do Theatro de Marcello. He muito para notar a excessiva, e escrupulosa attenção que os ho- mens grandes tem dado a todas estas cousas, e o pouco caso que fazem delias aquelles que nem são grandes, nem pequenos.

(i) modini v. Branca p, 5o.

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'- A Basílica de Mafra he muito rica de esculturas, tendo mais de 6o grandes estatuas, e muitos baixos relevos de Giusti, Mayne, Rusconi, e autros homens famosos. Ha também alli boas pinturas de Trevisani, Vieira, Corrado, Massucci, Conca, Solimena, Pedro Bianchi, Quilhard, Igna- cio de Oliveira, e outros muitos.

Depois do terremoto fizerao-se obras grandes, sendo as mais notáveis a de Runa, e a do Theatro de S. Carlos. Projectarão-se também três vastos edifícios, que senão executarão: o i.° foi o Palácio Real em Campolide, cujos riscos forão feitos por hum João Antinori, subordinado a Eugénio dos Santos, e outro por Carlos Mardel. O 2.° o Erário Régio, e o 3.° o Pallacio da Relação, e a Cadêa.

O Conde (depois Marquez), Regedor representou á Se- nhora Rainha D. Maria 1., a necessidade que havia de huma boa prizão pública, e Casa de Supplicação, e obteve para isso a promessa de huma consignação sufíiciente. Mandou por tanto fazer hum desenho a Francisco António Cangalhas; e depois pedio outro a Cyrillo Volkmar, recebeo este de S. Ex.^ muitas instrucçÕes, e advertências, leo Leis, tratados de saúde, e de segurança; entrou nas Cadêas para examinar os defeitos que tinhão; e fizerão-se em fim os desenhos muito a contanto do Regedor, e também do Mar- quez de Ponte de Lima Inspector das Obras publicas, e forão approvados por Sua Magestade.

A Natureza depravada, a educação inspirão em alguns homens a brutalidade das feras, e he preciso privalos de huma liberdade funesta; mas como os olhos dos Juizes não podem penetrar até o fundo do coração, corre-se ás vezes o risco de opprimir a innocencia quando se intenta

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reprimir o crime: e como se procede á segurança da pessoa antes que haja a prova do delicto, deve haver na Casa de força huma parte que sirva de seguro deposito sim, mas não de castigo áquelles que se não sabe ainda se são delin- quentes ; e se he justo que se pratique com os homens esta equidade, he mais necessário ainda, que ella se use com as mulheres ; por tanto que hade haver prizão, deve ella ser ampla, commoda, salubre ; capaz não de ter seguros, mas também occupados muitos indivíduos de todas as ida- des. Era assim que a Piedade se exprimia pela boca de Sua Magestade, e o desenho foi concebido debaixo destes princípios, quasi os mesmos que tem agora adoptado os Francezes. A nossa Soberana teve a gloria de os adoptar primeiro, elles tiverão a fortuna de os pôr em prática.

A planta geral formava hum retangulo de 270 palmos de frente por 607 de fundo, devidido em duas partes desi- guaes, isto he em Palácio, e Cadêa. O Palácio se subdividia em outras duas partes separadas pelas escadas, e vinhão a ser anteriormente a Casa da Supplicação ás salas de respeito, archivo, gabinetes, &c. e posteriormente o grande átrio, tendo de hum lado as 7 casas, para as audiências, e outro os commodos para o Guarda Mór, Carcereiro, Guarda-livros, e outros. O resto do terreno era também hum quadrilongo de 370 palmos de largo, e 404 de fundo, e comprehendia a cadêa, tendo dentro em si hum pateo quasi quadrado de 200, e mais palmos por cada lado, cer- cado por 4 galarias, ou dormitórios de mais de 60 palmos de largo, com corredor pelo meio, e tarimbas de hum e outro lado na enxovia, e camarotes no i.° e 2.° andar. Nos seus ângulos externos se formarião dous Salões quadrados

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em cada andar, com escadas de caracol nos centros para os Carcereiros, ou Soldados poderem subir, e descer n'hum momento a todos os andares.

A entrada para a cadêa fazia meio a hum dos lados, e junto a ella estaria a sala, a casa do Guarda-livros, a de fazer perguntas, e o dormitório dos rapazes para poderem receber ensino de trabalho, e de boa educação. Em hum dos Salões angulares poderião de ter-se os prezos da ronda, ou de culpas ligeiras, o outro seria para casa de passeio.

Dentro desta prizão haveria outra mais apertada para os perturbadores do socego, ou para os convencidos de grandes delictos, como também- enfermarias, oratórios, cozi- nhas, boticas, cadêa para mulheres, &c. &c. A conservação de hum ar puro, c sempre ventilado não foi negligenciada. A facilidade para a limpeza, a altura das galarias, quanti- dade de despejos, correspondência de ar para todas as partes, e o cuidado de dar passagem livre para o ambiente commum aos vapores dos despejos, e dos corpos sãos, e doentes poderião conseguir este importante requisito. Sobre os salões dos ângulos haveria mais hum andar para os convalescentes.

Em quanto á decoração, a fachada do Palácio era sus- tentada sobre hum pórtico de 1 1 arcadas de 26 partes de alto em razão dupla: a cimalha geral do Palácio descançava sobre 8 pilastras, e 4 columnas Jónicas ; e ainda que os denticulos sejão particularmente affectados a esta ordem; como n'hum edifício vasto parecerião muito pequenos, o author lhes preferio os modilhões, authorizado com o exem- plo do Palladio, do Scamozzi, do Vinhola, &c. Entre as pilastras, havia sobre cada arcada huma janela de balcão

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coroada com frontão semicircular, e sobre elle huma mas- cara leonina com garras, e mais acima o mezanino redondo do qual pendia huma festonada de laurel, que descia até as extremidades do frontão. As cimalhas dos pedestaes tornejavão formando as impostas dos arcos. Sobre a cima- Iha geral havia balaustrada com acroterios, e estatuas.

Apresentava-se no meio o corpo saliente formando huma varanda coberta com o frontão sustentado por 4 columnas da mesma ordem, e pelas suas pilastras correspondentos. As 3 arcadas da frente, e as duas lateraes que sustentavão o pavimento da varanda davão entrada para o Palácio por huma grande loja do tamanho de toda a Casa da Supplica- ção ; no fim da qual á direita, e á esquerda se apresentavão as escadas que conduzião ao andar nobre, e em frente o átrio, cercado de pórticos por onde se passava á Capella, ou Igreja.

A Casa da Supplicação era vasta, e rica, mas severa, tendo o tecto em cúpula com lanternino. Desta casa pela varanda coberta sobre o pórtico do átrio se passava para a tribuna da Igreja ; também pelo corredor que cercava a dita Capella, e penetrava a cadêa até o grande pateo seria a passagem para a casa da visita, que alli faz o Regedor todos os mezes, a fim de inspeccionar sobre o estado dos prezos, e das prizões.

A Capella ou Igreja que era de forma extraordinária, formava hum retangulo rematando em semicírculo, e o seu tecto apoiava-se sobre pilastras, havendo entre ellas painéis de Mártires, e Confessores, e também vidraças, e grades por onde podia penetrar a vista, mas não o corpo, nem o álito dos prezos. Tinha hum único altar insulado, e posto

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em tal altura, e tal sitio, que podia ser visto de todos os andares da cadêa, e mesmo das casas fortes.

Em hum vasto edifício principalmente de abobadas ha duas cousas oppostas, que se devem conciliar com muita attenção, e vem a ser a solidez, e a economia, a solidez consiste nos bons alicerces, bons materiaes, cortes de pedra, e pés direitos que possao bem resistir á empurraçao das abobadas, e aos aballos da terra.

Se o Architecto faltar nesta parte ao necessário, pôde cahir o edifício, se exceder consumirá inutilmente sommas avultadas, e fará as casas, pela excessiva grossura das paredes, húmidas, sombrias, e mal sãs. O Author consultou sobre esta matéria delicada não os Authores mais acre- ditados, mas também os bons práticos, porque he muito attendivel a qualidade dos materiaes, que são diversos em todos os paizes, e muitas outras interessantes observações.

Se este edifício, que tentalo fez muita honra á Piedade da Senhora Rainha D. Maria I., não se executou, nem se acabou o do Erário, não deixarão por isso os seus Authores de ser premiados pelo Príncipe Regente com muita gene- rosidade. O do Erário teve huma gratificação pecuniária, e huma pensão vitalícia, e o da cadêa teve pensão só, mas avultada a titulo de Pintor do Rei, e obteve a licença que pedio para fazer algumas pinturas nos tectos, e paredes do Real Palácio de Mafra.

Mal poderíamos trazer á memoria todos os templos, palácios, e outros edifícios magnifícos de Lisboa, e diremos que o da Capella de S. João Baptista em S. Ro- que, architectura de Vanvitelli, excede no seu género tudo quanto ha no mundo, e mesmo a celeberrima Capella de

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Santo Ignacio em Roma. A riqueza de metaes, e pedras preciosas he excessiva, mas excedida muitas vezes pelas bellezas da Arte. Tem excellente escultura, e três painéis de Massucci optimamente executados em mosaico, o mesmo pavimento também de mosaico, he admirável.

O Palácio Real, que actualmente se está edificando he obra digna de hum D. João, assim como a Real Basilica do Coração de Jesus faz honra á memoria da Senhora Rainha D. Maria I.

Em quanto á architectura pintada sabemos que o seu uso he antigo. Agatharco pintava as decorações para as tragedias de Eschvles, compôs hum tratado de perspectiva; e depois delle Anaxágoras, e Demócrito se explicarão com maior clareza, e mais precisão : Apatecrio fez admiráveis scenarios na Lybia antes da era vulgar, e Serapion Pintor Grego também entendia superiormente as decorações do Theatro, o mesmo poderíamos dizer de outros muitos.

Depois da restauração das Artes, Paulo Ucello Floren- tino fez grandes estudos sobre a perspectiva. Bruneleschi deo-lhe mais exacção usando da planta, e perfil. Pedro de la Francesca, e Bonoso Pintor Florentino também do sé- culo i5 excedêrão-no. Depois que se começarão a escrerer, e representar Comedias modernas foi a Architectura pin- tada, fazendo grandes progressos até chegar á ultima per- feição. O Serlio, o Padre Pozzo, e o Bibiena escreverão sobre as scenas theatraes : o Vignola, e o Pozzo ensinando as duas regras de perspectiva facilitarão muito a prática desta arte, e o tecto da Igreja de Santo Ignacio em Roma, obra do século 17 feita pelo mesmo Padre Pozzo, levou á ultima perfeição a perspectiva chamada de soto in sa. Fer-

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nando Galli Bibiena no ultimo século deixou pouco a desejar nas magnificas decorações theatraes, que fez em Vienna de Áustria, assim como João Carlos Bibiena, da mesma fami- lia no Theatro Régio de Lisboa que se incendiou com a Cidade em lySô.

Também nos Theatros públicos desta Capital se exhibírao decorações maravilhosas feitas algumas por Italianos, outras por Portuguezes, todas dignas dos altos preços da platéa, e camarotes.

Pelo meado do ultimo século os Galliari, e os Gonzagas introduzirão hum estylo mais prompto, mas pouco asseado, e muito imperfeito, para ser usado nos Theatros das feiras, aonde se entra por poucos batocos. Infelizmente este máo estylo foi aqui introduzido no fim do século, e desde então tem este género de Architectura declinado tanto, que o podemos considerar como quasi perdido.

No género dos ornatos, que fazem hum ramo assas inte- ressante da Architectura, temos tido muito bons Pintores desde o século i6. Na Torre do Tombo, no i.° livro mys- tico de ElRei D. Manoel, ha hum frontispício, pintado naquelle tempo, e muito bem. O D grande he cheio de ornatos, flores, e aves tocado tudo de ouro, aonde se admira a cauda de hum pavão, e os delicados insectos que sorvem o suco das flores : as folhas do ornato são ainda no gosto gothico, defeito que se não acha no Livro da Beira da mesma collecção de ElRei D. Manoel.

No livro da Armaria feito no reinado de D. João 3.°, faz cercadura ao prologo huma Architectura caprichosa com columnas de três cores, no gosto arabesco, com capiteis compósitos, frizo de ultramar com arabescos de ouro admi-

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raveis, os do sub-basamento são verdades com fundo de ouro.

Do século seguinte temos o bello frontispício no Com- promisso da Irmandade de S. Lucas, pintado por Eugénio de Frias em 1609. He huma espécie de retábulo de ordem Jónica, feito pelo mesmo estylo, tendo no centro hum painel colorido de S. Lucas retratando Nossa Senhora, tudo exe- cutado com grande primor, e tocado de ouro na ultima perfeição.

Antes de passarmos ao Cathalogo dos Professores d"Ar- chitectura, faremos justiça ao grande merecimento de hum Fidalgo Portuguez Rodrigo Annes de Sá, Marquez de Abrantes, he celebrado na historia da Arte, como sábio em vários ramos delia. Alguns o tem collocado entre os Pin- tores, mas parece que o seu talento decidido era para a Architectura, em a qual, como o Imperador Hadriano, não cedia aos melhores Professores. Assim o affirmou, (muito depois do seu falecimento, que foi em lySS), o nosso Vieira Lusitano, que o conheceo perfeitamente, e quando lhe fallou a primeira vez, diz elle, estava no seu gabinete delineando a planta para hum. régio edifício: e continua:

Pois todas as circunstancias De singular Architecto, Como então era notório, Possuia em gráo perfeito.

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João Frederico Ludovice.

Era Alemão, posto que a sua família fosse de origem Italiana. O Barão de Schomberg em 1787 disse aos seus parentes, que era seu patrício, nascido em Ratisbona, onde o conhecera Militar Engenheiro, e que cessando o serviço por occasião da paz fora viajar na Itália aonde adquirira grande aproveitamento tanto na Arte, como em litteratura; porque, ou fosse então, ou que nos seus primeiros annos se applicasse á Jurisprudência, ha na livraria de seu neto alguns livros de Direito annotados por elle, e muitas vezes consultados pelo Doutor Garcia, e por outros letrados. A sua erudição na historia, física, mathematica, e historia natural lhe grangeou a amisade dos Jesuítas, a qual lhe valeo muito, (diz a fama pública), para na direcção da Obra de Mafra, ser preferido a Filippe Juvara, e a António Canevari. Teve também amizade com os Padres do Ora- tório, aonde professou hum de seus filhos do seu mesmo nome, que faleceo em 1755.

Frederico chegou a Lisboa no principio do século 18, e em 1707 foi empregado como Architecto por D. João o 5.° para a factura da Obra de Mafra, cuja i.^ pedra se lançou em Novembro de 17 17. Esta grande Obra, cuja Basílica foi sagrada em 22 de Outubro de 1730, he digna de hum D. João, e foi fortuna para tanta magnificência, encontrar hum Architecto hábil, e com espirito proporcionado ao seu. O primeiro ordenado que teve foi de i:oooíí) rs. quantia assas avultada naquelle século de ouro. Foi também grati-

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ficado com a Cruz da Ordem de Christo, menos vulgar então de que he agora. Alem de muitos desenhos que deli- neou para Obras Reaes, alguns dos quaes não se executarão pela morte do Rei, outros não se acabarão pela parlezia de que elle mesmo foi atacado. Fez a Capella Mór de S. Do- mingos, que foi acabada pelo Pádua; a Capella Mór da de Évora, que he sumptuosa, e bella; a sua ermida em Bemfica, notável, ainda que em ponto pequeno; a porta da Capella Real que está hoje na Igreja de S. Domingos, e o seu palácio no cimo da Calçada da gloria.. Faleceo em Janeiro de 1732 tendo 80, e mais annos de idade. Sérvio na Meza de S. Lucas em 17 18. Casou duas vezes, ai.'' em Nápoles com huma formosa e honesta Senhora, que morreo de parto do seu filho João Pedro Ludovice, pae de José Joaquim Ludovice, Escrivão da Camará no Desembargo do Paço. A 2."' em Lisboa em 1720 com D. Anna Maria Verney, de quem teve seis filhos, dous dos quaes ti verão grande engenho para a Arte. O i.° Caetano Ludovice que morreo na idade de 27 ou 28 annos ; e o 2.° José Joaquim Ludovice, que fez o risco para a Igreja, e Convento dos Padres do Espirito Santo, e morreo nas Caldas em 22 de Julho de i8o3 sendo septuagenário.

João Frederico não foi bem acceito ao Senhor D. João o 5.°. mas também ao Senhor Rei D. José i.°, o qual por Decreto de 1750 declarou que pela grande capacidade com que servira por tempo de 48 annos ao Senhor Rei D. João, desenhando, e fazendo modelos com tal acerto, que execu- tados deixão bem vêr a magnificência de quem os mandara pôr em execução, e instruindo os operários empregados em taes obras com tanto zelo, que á sua doutrina se deve o

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grande adiantamento em que se achão as Artes nestes Reinos, o declara Architecto Mór do Reino com Patente, soldo, e graduação de Brigadeiro de Infantaria, na i/ plana da Corte, &c.

Este Artista benemérito modelava, esculpia em prata, e outros metaes, e desenhava ornatos, e figuras com grande magistério. Quem olhar para a sua obra de Mafra com attenção, e intelligencia verá o quanto era sábio em perspe- ctiva. Na Architectura seguio o estylo dos Seiscentistas, quero dizer, do Bernine, do Borromini, e principalmente do Padre Pozzo, moderando-se mais nas liberdades que elles tomarão. O modo de lavrar bem os ornatos de pedra data do seu tempo, e bem se deixa vêr nos capiteis, e ornatos da Porta da Igreja de S. Vicente, nos do CoUegio de Santo Antão, nos do Menino Deos, de Nossa Senhora da Luz, e em todos os outros edifícios mais antigos que o de Mafra, que a pedra era mal cortada, e toda a mão d'obra pouco elegante.

O Abbade d. Filippe Juvara.

Nasceo em Messina, de huma familia destincta, mas muito pobre, e applicou-se ao desenho de figura, á Pintura, á Gra\aira, e á Architectura : tomou o habito ecclesiastico, e foi a Roma para estudar na escola do Cavalheiro Fon- tana; mas achando-se falto de meios, hum certo machinista seu patrício o induzio a pintar algumas decorações theatraes, o que elle não fez, mas também as gravou a agua forte. O Duque de Sabóia sendo Rei de Sicilia, o acceitou para

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seu Architeto com 600 escudos de pensão, e deo-lhe mais em Turim a rica Abbadia da Selva. Alli fez a escada sem palácio, assim chamada pelo vulgo, porque o edifício não correspondia á grandeza, e magnificência que ella tinha; a bellissima rotunda sustentada sobre oito columnas; e outras obras. Victor Amadeo para condescender com os desejos do Senhor D. João o 5.°, que o pertendia para Architecto de Mafra, o enviou a Portugal. Aqui fez os desenhos para huma Patriarchal, e para o Palácio, Convento, e Basilica Mafrense, que senão executou, apezar da sua magnificência e elegância, porque os Jesuitas fizerão dar a preferencia ao Frederico. Não obstante, o Rei lhe deo Habito de Christo, e a insignia delle cravejada de ricos brilhantes, com huma pensão de 6í5 cruzados. Morreo em Madrid começando o Palácio Real em lySô, tendo 5o annos.

António Canevari, Romano, também fez hum desenho para Mafra o qual teve a mesma sorte que o de Juvara. Depois de fazer construir em Lisboa a celebrada torre do Relógio, e algumas outras cousas, foi acabar os seus dias no Reino de Nápoles.

Mr. Larre.

Ouvimos dizer a Fernando de Larre, o ultimo Provedor dos Armazéns que era neto deste Architecto, e que elle fizera o Pórtico da Fundição, e o seu Palácio a S. Sebas- tião da pedreira.

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Vicente Baccarelli.

Pintor de Historia, e Perspectiva, Italiano, veio a Lisboa nos fins do século 17, ou no principio do seguinte; e para deixar ver a sua habilidade pintou gratuitamente o retábulo d'huma Capella que tinhao os Pretos na Igreja da Trin- dade. Esta obra o acreditou de modo, que teve logo as encommendas de outras muitas. Das que existem são as mais notáveis o tecto da escada de hum palácio no Campo pequeno, pintado a fresco, e o da Portaria de S. Vicente feito a óleo em 17 10. He huma das melhores cousas, ou antes a melhor que deste género temos em Lisboa. A com- posição, a armonia de cores, o effeito da perspectiva, os partidos de luz, e de sombra, o manejo precioso do pincel, tudo concorre para o fazer admirável. O painel era igual- mente bello, elle o pintou, e executou todo o tecto, á excepção das festonadas de flores, que forão feitas pelo Serra, Mestre de José Bernardes, e são primorosas. Pelo terremoto de 55 cahio o reboco, que continha o painel. Quando foi a Patriarcal para S. Vicente, mandarão os ignorantíssimos Mestres caiar o tecto todo, e logo a casa, que até alli parecia huma das mais bellas, e regulares de toda a cidade, ficou parecendo a mais defeituosa, baixa, e irregular. Quando os Cónegos tornarão de Mafra o man- darão restaurar, o que foi feito, e muito bem, por Manoel da Costa em 1796, e se o painel, que elle também fez, não fosse bom teria alguma desculpa, visto não ser essa a sua profissão.

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Baccarelli sérvio na Mesa de S. Lucas em lyiS: depois de fazer muitas, e excellentes obras tornou á pátria, dizendo que o seu discipulo era bem capaz de supprir a sua falta. Este discipulo era António Lobo, pae de Francisco Xavier Lobo, o qual pintou de perspectiva o tecto da Igreja da Pena antes do Terremoto. Entrou na Irmandade em Outu- bro de 171 1. Sérvio na Mesa, e morreo em 1719. Foi Mestre de António Pimenta, de Braz de Oliveira, e de António Simões. António Pimenta Rolin pintou tectos nos palácios, e Igrejas de Lisboa usando de industria para não dar conta das engras nos Corpos de Architectura, os quaes ornatava para adoçar a aspereza das sombras, era pobre de invenções, e quasi se repetia em todas as obras. He seu o tecto da Capella Mór dos Paulistas, repintado por Simão Baptista, e Jeronymo de Barros em 1770. Entrou na Irman- dade de S. Lucas em 171 5, sérvio na Mesa em 27, e 36, e inda vivia em 1750. Braz de Oliveira Velho competia com António Simões, e Lobo lhes chama Gigantes da Arte na Architectura pintada, e em outros ramos ; mas diz que o seu rival o excedia nas figuras a tempera. Entrou na Irman- dade em 22 de Outubro de 171 3, e sérvio na Mesa desde o mesmo anno até o de 1741, sendo varias vezes Juiz.

João Xunes de Abreu.

Chamado ^^algarmente do Castello, porque alli fazia a sua morada. Era Pintor quasi universal, mas o seu forte foi a perspectiva, e ornatos : pintou o tecto do Menino 10

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Deos, o da Portaria da Graça, e outros. No da Graça fez também as figuras, e José Bernardes, e o Serra fizerão as flores. Foi Mestre de Feliciano Narciso. Entrou na Irman- dade em 22 de Outubro de 1719, sérvio na Mesa desde 1724, até 34, morreo em 38, e diz o Lobo que de muito estudar.

Francisco da Silva.

Foi soldado de hum antigo regimento chamado do Mon- teiro Mór. Pintou ruinas de Architectura, paisagens, e lindas figurinhas, tudo de grande mancha, com muito eífeito, e pouco trabalho. Fez algumas cousas no estylo do Cláudio. Esteve em Sevilha, e em 1775 vimos alli em casa de D. Francisco Ximenes, hum dos Directores da Academia, painéis seus de architecturas, e paizes, tidos por elle em bastante estimação, e louvava muito os seus talentos porque o conheceo pessoalmente. Francisco Xavier Lobo também o elogiou tanto nos Diálogos como na Silva Laudatoria, dizendo que tinha grande escolha de luzes, de sitios, de figuras, muita franqueza, pintando com modo liberto e generoso, colhendo muito fructo de pouco trabalho. » Fazia, wprosegue elle, deliciosos arvoredos, cujas folhas parecião «meneadas pelo Zéfiro. A sua luz, ou branda, ou forte, » sempre era luz. Cada pincelada exprimia exactamente, e «magistralmente o que queria, e devia dizer. Sabia bem a » perspectiva, e todo o fundamento da Arte.»

h:

Os Serras moço, e velho.

Estes dous Pintores, Pae, e Filho tiveráo grande génio para pintar ornatos, e quadraturas, ou architecturas, porem como não dirigissem obras suas, e pintassem quasi sempre nas alheias como ajudantes, viverão em grande pobreza.

António da Serra, chamado o Velho, entrou na irman- dade de S. Lucas em i8 de Outubro de 1688, e sérvio na Mesa desde 1699 até 1720. Faleceo em Novembro de 1728. Foi mestre de seu Filho Victorino Manoel da Serra, que teve maior crédito que seu Pae. Entrou na Irmandade do Santo Evangelista em 23 de Janeiro de 17 18. Sérvio na Mesa desde 17 19 até 46. Morreo em Abril do anno seguinte, de idade 55 annos, e jaz na Igreja de Nossa Senhora do Soccorro. O seu panegirista Manoel Ferreira, diz ser seu o tecto do Menino Deos, e o do Rato ; mas José António Narciso, e Pedro Alexandrino nos affirmárao que o i." era de João Nunes; e em quanto ao 2.° sabemos que tem es- cripto em letras bem grandes o nome de Bochecha, (José António), Pintor que chegamos a conhecer pelos annos 1769, quando pintou os ornatos no tecto da Igreja de Xa- bregas. Era velho, e morreo alli mesmo.

O Lobo faz grandes elogios aos toques admiráveis do Victorino, ás suas flores, e fructos, e ás suas perspectivas; e os nomes dos Serras forão sempre em muita estimação entre os Artistas, e Conhecedores.

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o Cavalheiro Nicolao Servandoni.

Foi hum génio dos mais extraordinários que tem appa- recido tanto em talentos, como em grandeza d'alma, sem lhe faltar a vêa pintoresca: sérvio os Maiores Soberanos da Europa, e excedeo-os ás vezes em idéas de magnificência. Despendia ora como Principe, ora como indigente, hoje occupava hum soberbo palácio, amanhã hia morar n'huma agua furtada. Este homem raro nasceo em Florença em 1695, e applicou-se á Pintura, á Architectura, e á Mecha- nica. A' Pintura (diz hum dos escriptores da sua vida), a esta Arte tão nobre, e tão difficil, he que elle deveo os effeitos pintorescos que fazião todo o encantamento das suas composições maquinosas. Elle estudou a Architectura em Roma, pelas ruinas antigas, as quaes não desenhava, e media como Architecto, mas também copiava em painéis como Pintor.

Passando depois a Paris foi recebido na Academia em qualidade de Pintor de paisagens, e tendo feito para os Theatros maravilhosos scenarios, o Rei o nomeou seu Architecto Decorador. A sua fama tanto se espalhou que os Reis de Inglaterra, Polónia, e Portugal, e o Duque de Wurtemberg lhe derão o mesmo titulo. Gomo Architecto Civil fez a fachada da Igreja de S. Sulpicio, architectura famosa que se pôs a concurso em lySi, fez mais i3 ou 14 obras notáveis em Paris, e muitas em Bruxellas, Madrid, etc. Dirigio o Theatro da opera em Paris 18 annos; e existião desenhos de 60 decorações soberbas feitas para

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elle, sem fallar em grande número de outras para Dresda, e Londres.

Mas nos espectáculos excedeo Servandoni, tudo quanto se tinha visto, ou imaginado, no do triunfo d'hum conquis- tador, fez apparecer na scena mais de 400 cavallos que fizerão as suas evoluções com a maior facilidade. No que deo á Cidade de Paris pelo casamento de Madama com o Infante D. Filippe, toda a ponte nova, e todo o lago até ponte Real forão decorados, e assistirão a esta festa o Rei, toda a sua Corte, e mais de Sooí? espectadores. Dirigio outros espectáculos, igualmente apparatosos em Londres, Viena, e Stutgard : em Lisboa fez huma festa para os In- giezes pela victoria do Duque de Cumberland em CuUoden na Escócia, e muitos desenhos para ElRei.

O projecto que elle deo para decorar a Praça de Luiz i5 era tão bello, e tão grandioso, que os Francezes não se atreverão a executalo, assim como as festas, que propoz para a ultima paz, pela immensidade das sommas que terião custado. Acabou os seus dias em Paris no armo 1766. Simão Caetano Nunes disse-nos que o tinha conhecido, e tinha visto em Lisboa alguns dos seus espectáculos, e não acabava de os encarecer.

João Carlos Bibiena.

Depois da paz de Utrecht em lyiS começou este Reino a respirar, e D. João o 5.'^ pôde deitar as vistas sobre as sciencias, e boas Artes: a da Musica não ficou esquecida:

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veio para a Patriarchal, entre outros Cantores o Anniba- linho, que era também grande Pintor de perspectivas, e fez huma decoração magnifica para servir no Loreto pela Semana Santa, aonde se jfigurava o Imperador Heraclio conduzindo o Santo Lenho sobre os seus hombros. Naquelle tempo havia huma espécie de Theatro no Paço, onde se representavão dramas em musica, e alli se fez Madama Glanna no Carnaval de 1740. Petronio Manzoni, o mesmo que foi depois Machinista nos Theatros Régios, fez o da Rua dos Condes. Vierão as Paquetas, famosas cantarinas, que repretentárão Alexandre na índia, para cuja peça fez o Annibalinho o Templo de Baccho com columnas de verde-antigo ao meio, e duas escalinatas aos lados que conduzião as 3 galarias cobertas de abobadas. Elle deo para a execução desta magestosa scena hum modelinho pintado, e teve grandíssimo applauso. Com as Paquetas vierão Salvador Cornelio, e o Clericé, ambos Pintores: o primeiro veio em qualidade de Architecto Decorador, e fez decorações admiráveis. No Desertor representado por 1770 no tempo de Zamperini ainda appareceo na rua dos Condes o seu famoso Cárcere. Os Padres do Oratório também tinhão hum Theatro, em que os seus estudantes represen- tavão pelo Carnaval, cujo Architecto Decorador era Ignacio de Oliveira, sendo os seus desenhos executados por Victo- rino da Serra, José Bernardes, e outros.

João Carlos Bibiena, Italiano, veio também servir no Theatro do Senhor D. José i.° pelos annos 1763. Com elle vierão o Marcos muito hábil nas figuras pintadas a tempera; e o Paulo, famoso em batalhas, e paizes. João Berardi que estava, também pintou huma gruta no Theatro Régio,

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e ficou depois pintando as paisagens quando o Paulo se retirou. Em quanto se preparava o grandíssimo Theatro que fez João Carlos, arranjou elle hum Theatrinho na casa da índia, aonde em lySS se representou o Heroe Ghinez. No Theatro grande fez-se com magnificência verdadeira- mente Real. Tito, e Olympiada, Alexandre, e Artaxerxes. Os scenarios erao os mais soberbos, e os livretes que erao grandes tinhão as scenas estampadas abertas a agua forte por João Berardi. Este vasto edifício queimou-se no geral incêndio de 55. Bibiena, depois do terremoto, fez a Gapella Real, e Paço d'Ajuda, tudo abarracado. O risco para a Igreja da Memoria também era seu, mas o fim da obra^ feito depois da sua morte, não correspondeo ao principio. Deo o desenho para o Theatro d' Ajuda, e antes de vir tinha mandado o de Salvaterra. Morreo pelos annos 1760, e sucedeo-lhe interinamente Ignacio de Oliveira.

Jacome Azzolini.

Veio da Itália, sua pátria, convidado pelo Bibiena, para o ajudar a riscar no Theatro Régio. Sobrevindo o terremoto de 55 foi para Coimbra aonde se occupou como Architecto Civil para acabar o seminário. Em 67 ou 68 foi chamado a Lisboa para dirigir os Scenarios do Theatro Régio d"Ajuda, emprego em que proseguio até os annos 1786 ou 87, tempo em que faleceo, tendo quasi 70 annos. '

Em Lisboa, alem das decorações theatraes fez as torres de S. Francisco de Paula, e hum desenho para o Picadeiro

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Régio. Achando-se doente no tempo em que se fez a Opera de Assur, propoz elle que cada hum dos seus discí- pulos fizesse hum scenario, para Sua Magestade poder julgar qual delles era o mais capaz de o substituir.' José Carlos Binheti fez o Templo, e Manoel Piolti a Regia. Estas obras forão igualmente applaudidas, e a cousa ficou indecisa até depois da morte do Mestre.

Eugénio dos Santos de Carvalho.

Foi o Architecto da nova Lisboa, e do Palácio Real que se devia fazer em Campolide, e arco do Carvalhão, emprezas ambas de tal ponderação, que se deverião incumbir não ao melhor Architecto do Reino, caso de o haver capaz; mas ao maior do universo; o nosso sem carecer de talentos, não era para tanto.

Em quanto ao Palácio, vimos em Roma em casa de João Antinori, o risco delle, e pareceo-nos grande, e nobre. Este Artista esteve em Lisboa aonde casou com huma Por- tugueza, e foi empregado na casa do risco como Ajudante de Eugénio dos Santos; jactava-se porem de que o desenho do Palácio era de sua invenção. Aqui fallava com alguma liberdade contra o Marquez de Pombal, e teve por isso de fugir para escapar da prizao. Pelos annos 1776 gosava em Roma d'huma certa reputação, e tinha bastantes discípulos.

Fez-se também famoso na Mechanica quando deo volta ás Estatuas Collossaes de Monte Cavallo juntamente com o seu pedestal. Em quanto á Cidade seguio Eugénio dos

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Santos muito ao da letra a discripçao da nova Salento de Fenelon, sem reflectir que hum sábio, pôde ser máo Architecto. Mr. Palte também adoptou similhante systema no seu tratado d'Architectura, o qual posto em praxe produz hum etfeito monótono, e triste. Todos os nossos sentidos aborrecem as repetições, e ver a mesma cousa nos arrua- mentos, nas praças, nos palácios, e até nos templos ?

Eugénio dos Santos, Cavalheiro da Ordem de Christo, era natural da Villa de Aljubarrota, e pertencia á illustre familia dos Carvalhos, e Negreiros, sendo descendente de D. Gil Fernandes de Carvalho, Mestre da Ordem de S. Tiago. Casou com D. Francisca Thereza de Jesus, filha de Manoel da Costa Negreiros ; foi Capitão Engenheiro, Ajudante de Manoel da Maya : foi primeiro Architecto das Obras Publicas, e dirigio a escola de Architectura em Lisboa, chamada casa do risco, que foi estabelecida depois do terremoto, e segundo dos Passos Reaes. Hum dos seus melhores Ajudantes foi o Capitão António Carlos Andreis, o qual se malquistou com o Marquez de Pombal, e esteve muitos annos prezo, porque pela guerra de 62 sendo man- dado em qualidade de Engenheiro para defender Almeida, desobedeceo ao Rei, que por hum Decreto lhe mandava entregasse a praça aos Hespanhoes, e depois faltando-lhe os meios de a defender a entregou sem que lho mandassem. Eugénio, fez o Arsenal da Marinha, a Praça do Commer- cio, a Alfandega, e o perspecto da Cidade, o CoUeginho da Graça, e Convento da Conceição da Luz ; tudo tirado a limpo pelo dito António Carlos. Entrou na Irmandade de S. Lucas em 6 de Julho de 1746, e morreo em 1760, tendo de idade 60 annos.

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Carlos Mardel.

Era natural de Hungria, veio para Portugal no anno 1733 com patente de Capitão Engenheiro, e sérvio depois o posto de Coronel que conservou até o mez de Setembro de 1763, tempo em que faleceo, vencendo sempre soldo dobrado, alem das extraordinárias gratificações, que recebia como Architecto das aguas livres, (seu primeiro cargo), da Casa das Obras, do Almoxarifado do Sal de Setúbal, &c. Fez o Palácio de Salvaterra, o Convento de S. Domingos, o Collegio dos Nobres, o Palácio do Marquez de Pombal em Oeiras, o Chafariz da Rua formosa, e o da Esperança, o Convento de S. João Nepumoceno, a sua própria casa a Santa Isabel, e o risco para o Palácio que o Senhor Rei D. José quiz fazer no Campo de Ourique, &c. &c.

Por aquelles tempos forão também estimados como bons Architectos Manoel da Maya, que foi Marechal General, Engenheiro Mór do Reino, e teve em 56 de dar a planta de Lisboa de que incumbio o Tenente Coronel Carlos Mardel, o Capitão Eugénio dos Santos, o Capitão Elias Sebastião Poppe, António Carlos, José Carlos da Silva, &c.

A casa de Obras Publicas foi instituída pouco depois do terremoto pelo Senhor Rei D. José para a reedificação da Cidade. D. Miguel Angelo de Velasques foi o terceiro Ar- quitecto de Obras Publicas, e a elle se seguio Reynaldo Manoel dos Santos.

Pedro Gualter foi Engenheiro, e Architecto da Casa das Obras Reaes.

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Francisco António Ferreira Cangalhas Ajudante da Casa do Risco das Obras Publicas, encarregado do risco da Cidade, e Architecto das aguas livres.

Joaquim de Oliveira Architecto do Conselho da Fazenda, e da Junta do Gommercio.

Remigio Francisco Ajudante da Casa do risco das Obras Publicas, e Architecto do Senado.

Feliciano Narciso.

Discípulo de João Nunes, foi hum dos famosos allumnos da antiga escola de Baccarelli, pintando optimamente archi- tecmras, e ornatos. Antes do terremoto tinha feito o tecto da casa do Despacho em S. Nicoláo; e no Theatro Régio dirigio, subordinado a Bibiena, o partido dos Pintores Por- tuguezes que alli se occupavão. Depois do terremoto dese- nhou, e dirigio os ornamentos no grande tecto da casa das pistolas na Fundição, os quaes forão excetuados por elle mesmo, por António Caetano da Silva (i), António dos Santos Joaquim (2), e por outros. José Carvalho Rosa pintou as flores. O nosso Feliciano entrou na Confraria do Santo em Outubro de 1732, e sérvio lugares da Meza desde

(i) António Caetano da Silva entrou na Confraria em 3o de Outu- bro de 1744, e sérvio na Mesa de Secretario, e falleceo em 7 de Maio de 1775.

(2) António dos Santos Joaquim entrou por Irmão em 4 de Agosto de 1746, e morreo em 1777.

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37 até 54 sendo então Juiz. Morreo em idade avançada pelos annos 1776, ou 77. O Lobo o exalta muito, e com razão. Quando pintou o grande tecto na Fundição estava muito convulso, o que não obstante distingue-se o seu toque de ouro de todos os mais pela limpeza, elegância, e perfeição com que he feito.

Jose' Bernardes.

Foi discipulo dos Serras, e Francisco Xavier Lobo louva muito a arte com que elle grupava as flores, e sabia diffundir a luz sobre ellas; como também a verdade, e magistério com que pintava os fructos, os ornatos, e Architectura, cousas todas que elle ensinou ao Genro, e discipulo bem aproveitado Jeronymo Gomes Teixeira. Também foi Mestre de Francisco Gomes Teixeira, e de Bento de Souza Cam- pelo que pintava flores, e ornatos, e morreo velho pelos annos 1780 e tantos.

Lourenço da Cunha.

Foi o maior Pintor Portuguez que temos tido no género de Architectura, e perspectiva, igualou talvez BaccareUi na pratica, e excedendo-o na theorica: vingando-se com a sua pericia em Arte tão liberal da sem razão da sorte, que o havia condemnado á condição servil. Foi a Roma com huma pessoa da familia dos seus patronos, e alli avançou muito:

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quando voltou, que seria pelos annos 1744, como não era conhecido, foi pedir que fazer a Ignacio de Oliveira, que regia o Theatro dos Congregados do Espirito Santo come- çou a pintar com acanhamento, mas pouco depois deixou ver o grande homem que era.

Quando Bibiena cançava o Erário para admirar os es- pectadores com os magníficos scenarios do Theatro Régio, ousou elle ser seu competidor na Rua dos Condes, inda que em ponto pequeno qual he o que exige hum theatrinho de bonecos ; e diziao os bons pintores, que virão as suas obras, que no seu tanto não cedião ás do seu rival. Fez o Theatro do Bairro Alto, e pintou para elle alguns scena- rios. Também pintou huma capella da Igreja dos Clérigos Pobres, outra perspectiva na dos Inglezinhos, o Coro das Trinas do Mocambo; o tecto da casa do Capitulo em S. Domingos de Bemfica, o de Nossa Senhora do Cabo, hum retábulo na barraca de S. Julião, que não existe, e era excellente. Assentou por Irmão de S. Lucas em de Outubro de 1744, e sérvio na Meza desde 46 até 53 sendo duas vezes Juiz. Foi Mestre de Mathematica de seu filho José Anastácio da Cunha, Lente de Geometria na Univer- sidade de Coimbra. Morreo em Lisboa pelos annos 1760.

Depois da sua morte dirigio o Theatro do Bairro Alto Silvério Manoel Duarte, discípulo de Bento de Souza, que morreo dous annos depois. Seguio-se António Stopani, Bolonhez, e a elle, pelos annos 1767 Joaquim dos Santos de Araújo, dahi a pouco tempo tornou Stepani,

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Mattheus Vicente.

No tempo da Obra de Mafra creárao-se alli debaixo da direcção de Frederico bom Mestre d'Obras, e Officiaes de relevo. Alguns dos mais habilidosos entrarão na Casa do risco, e derão-se a delinear as 5 ordens, aprendendo também alguma Geometria pratica, e forão finalmente empregados como Architectos.

Hum dos que mais se distinguirão foi o Major Mattheus Vicente, natural do lugar de Barcarena, foi Architecto da Casa do Infantado, e Senado da Gamara. Fez parte do Palácio de Queluz, sendo a outra parte com as decorações dos jardins, de João Baptista Robilhon. Gomo Architecto do Senado teve de reedificar a Igreja de Santo António da arruinada pelo terremoto.

Não podem ás vezes os Artistas fazer o que entendem e desejão, porque os donos das obras não querem despender, mas naquella não poderia allegar-se essa desculpa, nem se pode entender a razão porque tendo Mattheus Vicente carregado de ornamentos supérfluos a fachada da Igreja, e mesmo o lado delia pela parte exterior, fez tão pouco caso da Cúpula que mais parece o mirante de huma quinta, que o Zimbório de huma Igreja, quando todos sabem que as cúpulas, quando as ha, são as peças mais importantes dos edifícios, e aonde os melhores Architectos tem posto todo o seu saber.

Fez também o Convento, e Basílica do Coração de Jesus, obra sumptuosa, apezar de que transluz por entre a magni- ficência da Soberana- que a mandou fazer, o espirito mes-

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quinho do homem que a desenhou. Morreo pelos annos 1786 sendo velho.

Gregório de Barros e Vasconcellos.

Este Fidalgo, descendente de illustres famílias, era muito estudioso, hábil Mathematico, e estimador das bellas Artes. Em 1780 cedeo gratuitamente ao Editor destes opúsculos as melhores salas do seu palácio a S. José, para elle esta- belecer nellas huma Academia do nú, a primeira que houve em Lisboa. Alem disso quiz contribuir igualmente com os outros Directores para as despezas, que se fazião com o estudo.

A entrada da Casa era ampla e nobre, havia sala para principiantes de desenho, outra para Geometria, Perspe- ctiva, e Architectura, huma terceira para ^êços, e para o era a maior de todas. Alli concorrerão Francisco Vieira Lusitano, Ignacio de Oliveira, Joaquim Machado de Castro, Joaquim Carneiro, o Rocha, o Barros, o Padre João Chri- sostomo, Simão Caetano, e outros que entre os Directores, e Alumnos excederão o niímero de 5o pessoas. Continuou elle generosamente aquelle beneficio público até o tempo da sua morte que foi dous annos depois, tendo de idade quasi 70 annos. (i)

(i) Pouco antes do seu fallecimento separou da sua biblioteca, que era numerosa, cousa de 100 volumes, tratando de Mathematicas, que queria logo entregar ao Erector da Academia a quem os dava, o qual não acceitou antevendo que ella presistiria pouco tempo.

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Como, por seu falecimento faltasse a casa, cessou o estudo até o anno 1785, em que o Intendente Geral da Policia Diogo Ignacio de Pina Manique com beneplácito Régio transferio somente o estudo do ntí para a rua dos Camilos, aonde durou até 1807, tempo em que os Fran- cezes invadirão esta Corte.

Reynaldo Manoel.

No tempo de Eugénio dos Santos entre outros Ajudantes da Casa do risco havia Remigio Francisco, que era o mais antigo, e Reynaldo Manoel que era o mais Cortezão. Quando alli hia o Marquez de Pombal, Remigio a quem pela sua antiguidade tocava fazer-lhe a Corte, sendo de génio aca- nhado escondia-se, e mandava o Reynaldo em seu lugar. Este que juntava a huma figura vantajosa maneiras agra- dáveis, e insinuantes, de tal modo soube captar a benevo- lência do Primeiro Ministro, que quando morreo Miguel Angelo de Velasques entrou elle, e foi provido no seu lugar de Architecto das Obras Publicas. Nesta qualidade con- correo para a factura da escalinata, e pedestaes da Estatua Equestre pelos annos 1775, quando Joaquim Machado de Castro fez alli collocar a sua escultura ; e ambos forão premiados com Hábitos de Christo,

O Major Reynaldo, fez também a Igreja dos Martyres, e acabou a Basilica do Coração de Jesus, e fez o Chafariz das Janelas verdes, e terminou os seus dias em 1789, ou 90.

Da mesma escola de Mafra sahírão João Ferreira Can-

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galhas, Pae, e Mestre de Francisco António Cangalhas, Architecto da Cidade, e da Igreja de S. Francisco, irmão de. João Pedro Cangalhas sábio em Mathematicas; Caetano Thomaz, Pae, e Mestre de Manoel Caetano de Souza, António Baptista Garbo, e outros.

Simão Caetano Nunes.

Depois de Lourenço da Cunha foi o Architecto Decorador mais accreditado de Lisboa. O Lobo diz delle :

«Despreza o que he inútil na sua Obra, »E com pouco trabalho ensina, e obra.

Em quanto Silvério, e Stopani se occupavão no Bairro Alto, regia elle a casa da Rua dos Condes; mas quando as duas companhias se ajuntarão em cima, foi elle allí preferido; e alem dos scenarios fez as tramóias para o Magico de Salerno. D. João de Spina, e outras obras ma- gicas. Pelos annos 1782 fez o Theatro do Salitre para Tersi fazer os seus equilíbrios. Dirigio também o Theatro da Graça. Pintou muitos tectos, e outras cousas na quinta de Devisme em Bemíica, e na de LaRocha em Cintra. Em 1781 fez os ornamentos do tecto da Sacristia da Encarnação. Concorreo para a manutenção da Academia de S. José, e deo nella lições publicas de Geometria, e Perspectiva. Os seus discípulos forão Joaquim dos Santos de Araújo, Ma- noel da Costa, Gaspar José Raposo, Simão Caetano da Cunha, e outros.

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Joaquim de Araújo soube muito bem a Perspectiva; mas os seus ornamentos erão de péssimo gosto. No tempo em que o Bruno foi também Emprezario, dirigio alguns mezes o Theatro do Bairo Alto. Entrou como Noviço no Convento de Jesus da 3.* Ordem de S. Francisco; mas sahio antes de professar, tendo pintado varias cousas na Cella do Padre Mayne, Confessor do Rei. Casou, e a vida desordenada que teve o conduzio á extrema pobreza, em que morreo de dolorosas enfermidades pelos annos 1795 com 54 de sua idade.

Gaspar José Raposo, nasceo em Lisboa com talento natural para a Pintura. Tinha juizo claro, e huma pratica continuada nas obras de seu Mestre, e nas suas. Quando Simão Caetano adoeceo, dirigia a Pintura nos Theatros da Rua dos Condes, cujo Emprezario era Paulino José da Silva, e do Salitre que pertencia a João Gomes Varella. Para supprirem a sua falta mandou elle Gaspar para o i.°, e Costa para o 2.°, os quaes ficarão, por morte do Mestre, regendo cada hum a sua casa. Gaspar pintou a architectura, e ornatos do tecto da Capella Mór da freguezia da Encar- nação, vários tectos em casa de Jacintho Fernandes Ban- deira, e outras cousas. A fraqueza que teve de se abandonar incautamente aos attractivos do bello sexo lhe occasionou huma enfermidade, que sendo mal curada lhe fez perder totalmente o uso das pernas por alguns annos : assim mesmo assentado n'hum carrinho dirigio os scenarios no Theatro, e pintou no picadeiro do Collegio dos Nobres algumas carruagens para a Casa Real. Contra toda a esperança do famoso Cornelio, e de outros Físicos foi radicalmente curado por Manoel Lopes Cirurgião da Camará, que tinha também

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prolongado os dias de Agostinho da Silva, creado muito estimado do Senhor Rei D. Pedro, depois de o desampa- rarem todos os Médicos. Em 1798 dirigio as soberbas lumi- nárias que mandou fazer Anselmo José da Cruz Sobral pelo nascimento da Senhora Princeza D. Maria Thereza.

Pintou muitos scenarios para o Theatro de S. Carlos, e todos para o Salitre, não no tempo em que Paulino foi Emprezario deste Theatro; mas também quando a Com- panhia tomou a si a empreza, e quando a teve António José de Paula. Emtanto engolfando-se cada vez mais no deleite para que era tão propenso, augmentou a moléstia primitiva até o ponto de ganhar huma putrefação nos ossos da cabeça, de que morreo em Bellas no dia 4 de Janeiro de i8o3 com 41 annos de idade.

André Monteiro, seu discípulo, além de ornamentos, e quadraturas, também pinta paizagens, gados, caças, e outros objectos curiosos, com muita acceitação do Publico, e pre- sentemente está feito Mestre das Obras Publicas.

Simão Caetano, sem estar muito doente, deo demasiado crédito a hum mesinheiro, que promettia puriíicar-lhe o sangue, e tomou successivamente 17, ou 18 medicamentos purgantes, que lhe causarão huma inflamação interna de que morreo em 1788 com 64 annos de idade. Era melan- cólico, e tinha muita probidade, e desinteresse. Dos Thea- tros nunca tirou maiores lucros, que os que dava aos seus Ajudantes. Existe o seu retrato pintado por Domingos da Rosa.

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Major Manoel da Costa Negreiros.

Era Irmão do Pintor José da Costa Negreiros, de quem falíamos a pag. Ambos entrarão na Irmandade de S. Lucas em 1745. Sabia a perspectiva, e fez profissão de Archi- tectura. Fez a Ermida do Senhor Jesus da Boa nova junto á Fundição, que he da Ordem Jónica, e tem huma planta assas regular. Também he sua a muito elegante torre do relógio da Graça, a qual tem columnas nichadas nos ângu- los. Foi natural de Lisboa, e Architecto da Casa do Infan- tado como seu pae. Morreo, sendo casado, em lySo. Fez a porta do Sacramento, e o Palácio de Barbacena.

Luiz Baptista.

Teve por Mestre hum homem que lhe não soube ensinar nada, mas Thomaz Gomes achando-lhe habilidade empres- tou-lhe estampas, deo-lhe lições, e introduzio-o primeira- mente com Francisco de Moura, a quem ajudou a pintar as tarjas dos dóceis nas capellas do Carmo, e depois com Lourenço da Cunha no Theatro do Bairro Alto, e por fim estava pintando, e riscando eífectivamente na Ribeira das Náos debaixo do commando de Ignacio Meireles, porque naquelle tempo ainda se usava manobrarem os Majores, e Commandarem os cabos de esquadra. Pelos annos 1781 pintou a perspectiva no tecto da freguezia da Pena: morreo

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4 annos depois tendo quasi óo de idade. As reprezas forão pintadas por elle, por José Thomaz Gomes, e por Jerónimo de Andrade. Os baixos relevos, e as cabeças nas repre- zas por José Caetano Cyriaco. João de Rhodes pintava o corpo amarellado, quando adoecendo repentinamente mor- reo pouco tempo depois. As flores são de Thomaz Gomes. Luiz Baptista foi Mestre de Manoel Macário, que pintou as flores no tecto da Capella Mór da Bemposta, e morreo muito moço, e de seu Irmão Eusébio Lopes, que dirigia as pinturas dos escaleres na Ribeira das Náos, o qual morreo de 5o annos a 6 de Setembro de i8i8. Jaz na Fre- guezia da Pena.

Jerónimo de Akdrade.

Foi hum exceliente Pintor de Ornatos, e Architectura : Achou-se sempre entre os que executavao no seu tempo as melhores obras da Corte. Desenhou, executou, e dirigio o tecto da Igreja de S. Paulo, que he de perspectiva, sendo ajudado por José Thomaz Gomes, Vicente Paulo, e Gaspar José Raposo. Nasceo em Lisboa em 171 5, entrou na Irman- dade do Santo em 23 de Outubro de 1746, e faleceo pelo Natal de 1801.

Por estes tempos florecêrão outros Pintores notáveis destes mesmos géneros. Thomaz Gomes foi exceliente em ornatos, flores, paizagens, e ruinas, que pintava com bello gosto de cores, e toque de pincel, nas cercaduras, e nos meios das seges. Era por extremo acanhado, e modesto, e nunca quiz dirigir obras. Os seus discípulos forão seus

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filhos José Thomaz Gomes que morreo em... e Pedro António Gomes que faleceo nos primeiros de Setembro de 1819 de 60 annos. O Pae morreo de 69, ou 70 annos por 1783.

Francisco Gomes Teixeira, Irmão de Jerónimo Gomes, e seu condiscipulo na Escola de José Bernardes, também pintava flores, fructos, ornatos, &c.

Thomaz de Brito de Souza natural da Bahia, era hum dos que escurecião bem o ouro na Ribeira das Náos. Ajudou o Bochecha a pintar os ornatos no tecto de Xabregas, e Manoel da Costa nos de Domingos Mendes. Tinha mulher, filhos, vivia cheio de desgostos, e desappareceo de Lisboa pelos annos 1788, tendo quasi 60 annos. Entrou na Irman- dade em 53.

José Carvalho Rosa sérvio os Senhores Infantes de Palhavã em qualidade de Porteiro da Cana, e teve occasiao, e commodo para copiar as preciosas flores que se creavão naquelle vasto jardim, de sorte que no seu tempo teve a reputação de ser o melhor naquelle género. Pintava-as grandemente a óleo, mas ainda melhor de illuminação. Ignacio José de Azevedo Coutinho possuia algumas, que erão impagáveis. Entrou na Irmandade em 3o de Outubro de 1744. Morreo pelos annos 78 sendo velho.

Franxisco Xavier Lobo.

Nasced em Lisboa, e foi filho de António Lobo, de quem fizemos menção a pag. Estudou a Ai te na escola de

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André Gonçalves. Pintou figuras, paizagens, ornamentos, fructos, e objectos naturaes, tudo mediocremente. Tinha espirito filosófico, e mordaz; e sem ser grande Poeta fez alguns epigramas que tinhão sal. Collocando-se em sitio muito elevado huma estatua de bronze, cujo metal tinha sido de hum sino, e fazendo elle n'huma decima hum elo- gio ao Heroe, dizia:

Abatello a Inveja fora ! Náo, que por sua bondade Aqui, e na eternidade Alto está, e alto mora.

Huma mulher que deitara em seu marido huma ajuda d'agua forte, disse-lhe no fim de hum Soneto:

Vai fazer aos hereges essa esmola Serás a estirpaçáo das herezias.

A João Xavier de Mattos, que se queixava muito nos seus versos dos desdéns da sua Olaia, enviou hum Soneto que terminava com os seguintes máos conselhos :

Amigo, se queres que ella caia

Põe de parte os teus mimos de Poeta

Da-lhe o lenço, ã fita, o pente, a saia;

Esta escola de amar he mais discreta: E escusarás de andar atrás d'01aia Toda a vida a gemer feito pateta.

Passando por hum beco solitário aonde vio á janella huma meretriz que olhava para elle com attençao, pergun- tou-lhe: ha que lidar? Traduzia Comedias Italianas; e huma

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que compoz em Portuguez, chamada vulgarmente a Gale- gada, teve muito applauso. Fez o papel de satírico, e gra- cioso da Missa mal ouvida das mulheres. Escreveo diálogos sobre a pintura em que boas instrucções, e propõem também certas difficuldades, de que desejaria a solução. Ms. Breve Tratado da Pintura prática, e especulativa. Sylva Laudatoria aos Pintores, Escultores, e Architectos do seu século, feita á imitação da que fez em Hespanha a simi- Ihante assumpto Lopo Félix da Veiga Carpio. Louvor á sublime Arte da Pintura : diz delia que tudo imita

a voz não se pinta, mas que importa? Quando as acções de quantos alli vemos Pintados, mostráo o que a voz não disse. Relincháo os cavallos com soberba; Os donos seus contrários amedrentao; O General as ordens determina; O ferido se queixa; o fraco treme. ...

Desta mesma familia tivemos mais dous Pintores. Joaquim José Lobo, irmão de Francisco Xavier, e José Joaquim Lobo, seu sobrinho, ambos figuristas, o i.° morreo pelo terremoto, e o 2.° terminou os seus dias pelos annos 1793 de 60 annos, ou mais.

João Pillement.

Famoso Pintor Francez de paizagens, gados, e decora- ções de gabinetes. Costumou-se a viajar, e esteve três vezes em Lisboa: a i.'"» antes do terremoto de 55, a 2.^ pelos annos 1766, e a ultima 14 annos depois. Desta ultima vez

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demorou-se, e fez muitos, e hellos paizes, huns a pastel, (género em que se excedia), outros a óleo, e todos se acháo pelos gabinetes dos curiosos. Antes de se retirar fez apres- sadamente hum certo número delles que dividio em lotes, e organisou huma loteria de mil moedas. Pintou para casa de Gerardo Devisme em Bemfica dous pequenos gabinetes por 220 moedas.

Tinha em sua companhia M.'^ Louvete sua sobrinha, que foi ao Paço fazer alguns retratos de miniatura, e tam- bém gravava a agua forte.

Os seus discipulos em Lisboa forao Joaquim da Costa, Irmão de Manoel da Costa, e Joaquim Mellisent, que se applicou a desenhar flores : abria de agua forte, e foi em- pregado nas estampas para o papel moeda, por 1797.

Pillement quando deixou Lisboa era mais que septuage- nário.

Francisco de Figueiredo.

Se a perícia da Arte andasse sempre annexa, como al- guns cuidão, a hum génio lunático, e extravagante, este Artista poderia competir na perspectiva com o Padre Pozzo, na figura com o Corregio, e no ornato com Albertoli, por- que em todos estes géneros nos deixou obras, mas muito más, como se pode vêr nos tectos de S. João da Praça, e das Chagas. Porém senão tinha letras, sabia impor muito bem com as suas tretas. Sempre fallava na Academia de S. Fernando, e em muitas outras aonde fora, dizia elle, Académico: jactava-se de improvisador, ás vezes queria

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apostar que havia de compor alguma cousa grande em quanto se deitasse hum foguete, e com effeito como elle riscava, e fingia com o som da sua voz os estoiros do foguete acabava tudo ao mesmo tempo. Não lhe esqueciao os cinco pontinhos no papel para irem tocar nelles a cabeça, pés, e mãos de qualquer figura humana que se pedisse, aqui he que elle se fazia admirar não da multidão, mas até de alguns entendedores ?

Francisco de Figueiredo era natural do Porto, fez algu- mas viagens, e foi a Évora aonde pintou vários painéis no Convento de Santo Eloi: de passou a Lisboa, e fez grande amizade com Francisco de Setúbal, que lhe retocou a tempera os painéis do tecto, e paredes de S. João da Praça, que elle havia pintado a fresco.

O muito uso que fazia de licores espirituosos augmen- tava ás vezes a sua loucura ordinária. Os Padres Vicentes o recolherão, e occupárão nos fins da sua vida, que foi pelos últimos annos do século passado, sendo velho.

Mr. Rosa.

Foi hum Pintor do ultimo século muito notável no género 'de gados, e paizagens, esteve em Roma, e em outros paizes, e crê-se que também em Lisboa aonde na collecção do Marquez de Lavradio, e em outros gabinetes, deixou bas- tantes painéis seus, pintados com boa maneira, e grande pasta de tinta.

Francisco Paes, muito bom Pintor de fructos, flores, etc.

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e protegido pela Casa de Abrantes copiou alli com grande franqueza alguns dos seus painéis. Pintou o tecto de S. Fran- cisco de Paula, e outros na Patriarchal incendiada logo depois do terremoto. Ainda vivia contando bastantes annos.

Diogo Magina, e outros Pintores DO Algarve.

He muito para acreditar que no R.eino do Algarve tenhao florecido alguns Artistas dignos de memoria ; entre elles deve occupar hum bom lugar Diogo Magina natural de Tavira, o qual esteve em Lisboa pelos annos 1766, e pintou os painéis da Vida de Nossa Senhora, que estão sobre as Capellas na Penha de França. Tinha estado em Sevilha, e estudado naquella Cidade pelas pinturas de Murillo. Quando em 1775 passamos por Aiamonte estava elle alli fazendo algumas obras, e parecia ter 5o annos. Foi discípulo de Diogo de Souza de Loulé, (pae de hum Lente da L'niver- sidade de Coimbra), o qual fez algumas pinturas na Fre- guezia de Castro Verde, e as batalhas de D. Affonso Henriques na Igreja dos Remédios.

Pelos annos 181 1 vivia em Faro Joaquim José Rasquinho, tendo cousa de 60 e tantos annos, depois de ter feito varias obras de pintura no Alemtéjo, e no Algarve, sendo huma delias o tecto de Architectura com hum painel da Virgem Immaculada na Conceição de Loulé.

Seu filho o Cónego Rasquinho em Faro também sabe pintar muito bem figuras, e paizagens.

Temos noticia de outro Pintor de Tavira, João Rodri- gues Andrinos, que foi Pae e Mestre de Theodora Maria, a qual morreo em 1761, tendo 24 annos de idade.

No ultimo século viverão em Lisboa outros Pintores, e Escultores do Algarve. Pedro de Alcântara pintou com muita valentia as paizagens, tanto a óleo em painéis, como a tempera em pannos de casas, e nos Theatros. O Medico da Gamara Alberto de Azevedo possuia hum certo número de quadros seus com lindas figurinhas de Pedro Alexan- drino. Entrou na Irmandade de S. Lucas em o i.° de Outubro de 1747, ainda vivia pelos annos 1763.

Nicoláo Monteiro pintava com galantaria certas bambo- chatas de anões que comião, bebião, e jogavão ás vezes as cartas, ás vezes pancadas. Inventou depois hum novo modo de estofar, e encarnar as Imagens de Escultura, com grande perfeição, e foi imitado por seu filho Manoel Francisco Mon- teiro, José Antunes dos Reis, Theodoro da Fonseca, e outros.

Gregório Madeira não se podendo sustentar no género histórico em que começara, applicou-se á Architectura, e Ornato, pintava-o muito bem a óleo, e a tempera. Entrou na Irmandade de S. Lucas no i.° de Fevereiro de 1748, e existia ainda por

António dos Santos da Gruz, Escultor, natural de Faro. v. p.

Jerónimo Gomes Teixeira,

Nasceo em Lisboa, e foi discípulo de José Bernardes, que pintou as flores no tecto da Portaria da Graça, e de

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quem falíamos a pag. Casou a i.^ vez com a filha de seu Mestre, que morreo no terremoto de 55. Depois de huma viuvez de 27 annos, sendo velho tornou a casar como huma donzella de poucos annos, cunhada de seu filho, que casou pelo mesmo tempo.

Pintava grandemente os objectos de Architectura, orna- tos, e perspectiva; e tinha na combinação das cores hum gosto particular. He seu o tecto de Santa Justa, e o da Capella Mór dos Martyres : fez quantidade de outras obras em que lucrava pouco, porque as fazia muito baratas ; e mesmo ás vezes não tirava para as despezas. Tinha grande geito para ensinar praticamente os seus discípulos, com modos sempre risonhos, de maneira que nas grandes obras sempre o veríeis cercado de rapazes principiantes, alguns dos quaes avultavão mais do que elle, que era muito baixo, e muito magro, ainda que de agradável presença. Teve por discípulos seu filho José Joaquim Gomes que lhe foi inferior em talentos, e morreo pelos annos.... Vicente Paulo da Rocha natural da Alhandra, sugeito de grande mérito, porque não executa bem qualquer desenho de ornato, ou quadratura, mas tem o dom de alegrar a com- panhia, arremedando com propriedade alguns homens, e animaes.

Eugénio Joaquim Alves também tem ajudado a executar desenhos alheios, e seus, e tem feito de sua invenção bons scenarios no Theatro do Salitre, etc. He Mestre de seu filho.

FeUx José Fernandes nascido também em Lisboa come- çou a estudar em 1788, quando seu Mestre fazia o tecto de Santa Justa. Em 1806, e 1807 regia os The atros áç

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Salitre, e da Boa hora em Belém. Sobrevindo-lhe ao pes- coço alguns tumores scrofulosos morreo delles em 1811 contando 38 annos de idade.

MoNsiEUR Bernardo Foit.

Era natural de Pau Freguezia de S. João da Luz, e foi Pintor de historia, e de perspectiva, e em ambos os géneros tem obras publicas na Igreja dos Barbadinhos Francezes, onde fez o retábulo, e painel da Capella Mór, e em Santa Isabel, para onde pintou o de S. Gonçalo. Em as Ermidas junto ao Lumiar tem também Nossa Senhora do Carmo, e Nossa Senhora da Conceição. Tinha igualmente uso de fazer retratos. Obteve huma pensão, e o titulo de Pintor do Senhor Rei D. José. Faleceo de mais de 80 annos de idade em 1791, ou 92, deixando muitas, e boas estam- pas, e painéis ao seu discípulo António Manoel Ferreira Lima, o qual alem da pintura, também he Professor de Quimica.

Por aquelles tempos a rogo de Mr. la Croix veio de França para dirigir as pinturas na Fabrica das caxas, e carruagens, Mr. Gerard Pintor de bello comportamento, mas de mediocre habilidade, o qual em 1770 pintou o painel da Senhora d'Atalaia, que está na Conceição dos Freires. Casou em Lisboa, e terminou os seus dias.

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Jose' António Narciso.

Vio a luz em Lisboa em lySi. Tendo lo, ou ii annos começou a desenhar perspectivas, e ornatos debaixo da direcção de Simão Gomes dos Reis, filho do Capitão José Pinhão de Mattos, que pintou a óleo as vistas de Lisboa, e de Goa, cujos painéis estiverão no Collegio dos Nobres. Ambos erão naturaes de Pernambuco.

Passou depois a escurecer ouro na Ribeira das Náos, onde sub o commando de Ignacio Meireles se pintavão os escaleres, e outras embarcações do Rei ornado tudo rica, e artistamente com delfins, conchas, busios, espadanas, de ouro escurecido, sobre fundo azul celeste', tendo elle huma certa primazia sobre os seus collegas. Isto durou até os annos de lySõ, tempo em que entrou Luiz Baptista, de quem não era amigo, o qual ficou supprindo o seu lugar.

Achando-se o tecto da Igreja do Cabo, que era pintado por Lourenço da Cunha, muito damnificado, elle por ordem, e á custa do Rei o foi pintar, superintendendo á obra Pedro Teixeira.

Em quanto Ignacio de Oliveira foi Architecto Decorador do Theatro Régio, José António dirigia a pintura dos sce- narios que elle inventava, e ainda depois da vinda de Azzo- lini, foi dirigir em Salvaterra a pintura da burleta determi- nada pelo mesmo Ignacio. No tempo de Azzolini pintou hum bosque em competência com outro pintado por Jeró- nimo Gomes.

Ignacio de Oliveira foi sempre o Architecto dos Theatros^

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que pelas festas se armavão, e desarmavão em Queluz, e dos scenarios que alli se executarão, de cuja pintura costu- mava incumbir o nosso Narciso. Este sendo compadre, e muito amigo de Manoel Caetano de Souza imaginava, e desenhava a maior parte dos ornamentos, e quadraturas que elle fez executar nas suas obras, o que era feito com grande magistério, sim, mas no máo gosto Alemão, que ainda por se usava. Pintou os ornatos, e architecturas de muitos tectos em Igrejas, e Palácios taes como os da Casa de Barbacena, o do Loreto, Martyres, Conceição, S. Domingos, e Bemposta; o de S. Julião feito em 1800, e mcendiado 16 annos depois, o do Sacramento, &c. Tam- bém tinha pintado o de Santa Quitéria, para onde se retirou em 1809, occupando-se alli com módico estipendio; mas quando nos fins de Setembro entrou o exercito de Massena teve de abandonar o pouco que tinha, e retirar-se precipi- tadamente a com a sua familia, achando-se na pátria como emigrado, e precisando aproveitar a sopa económica Morreo em 181 1. Foi Mestre de seu filho Anacleto José Narciso, Joaquim Romão, e de João de Deos.

O Morgado de Setúbal.

José Amónio Benedicto de Barros, de huma familia assas distincta, e fecunda em homens sábios, creou-se em Mafra aonde teve lições do grande Vieira, cuja casa frequentava. Foz-se depois a pintar de curiosidade toda a sorte de obje- ctos, que lhe parecião pinturescos, como aves, animaes,

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utencilios de cozinha, fructos, labregos notáveis, ortaliças, &c.; e apezar da extrema secura, e dureza do seu pincel, c da composição dos seus painéis, ha em muitos delles cousas tão naturaes, que agradão aos mesmos Artistas. Retratou também alguns amigos, e entre outros António José de Paula, famoso Actor Portuguez. Vivia em Setúbal aonde nutria huma paixão irregular, e como os allimentos que seu pae lhe dava não bastassem para as despezas que fazia, usou da Arte como professor até os annos 1804, tempo em que pela morte de seu pae herdou a casa que rendia 10 a 12 mil cruzados. Amava as bellas letras, e lia livros Latinos, Francezes, Italianos, &c. Depois da herança vivia com os seus amigos tão familiarmente como d'antes. Levou sempre huma vida mui sedentária, e morreo celiba- tário de hum insulto appopletico pelos annos 1809, não tendo ainda 60 de idade. Desejou muito legitimar huma filha para ser sua herdeira, mas não o conseguio pela ter havido em mulher casada. Assim passou o vinculo a seu sobrinho, filho de sua irmã, e do famoso Mathematico José Joaquim de Barros seu tio.

Manoel Caetano de Souza.

Filho e discípulo de Caetano Thomaz. Por morte de Matheus Vicente succedeo-lhe no lugar de Architecto do Infantado, e pela de Reynaldo foi nomeado Archilecto das Obras Publicas, e teve Patente de Coronel de Artelharia. Reedificou de novo a Freguezia da Encarnação, a Igreja

lyS

de S. Domingos, a Real Capella da Bemposta, e fez a sua casa nobre, a de Domingos Mendes, e a torre da Capella Real da Ajuda, &c.

Foi Mestre de seu filho Francisco António de Souza, Cavalheiro da Ordem de Christo, que lhe succedeo nos lugares de Architecto do Infantado, da Patriarchal, e das Três Ordens Militares. Pela morte da Senhora D. Maria 1/ fez o seu apparato fúnebre na Basílica do Coração de Jesus.

Manoel Caetano teve o Habito de Aviz, e morreo mesmo no Paço em 1802 com 64 annos.

Quando os Fidalgos fizerão as Cavalhadas no Terreiro do Paço, foi elle o Architecto do Anfitheatro, e nessa occa- sião Eusébio de Oliveira, natural de Benavente, fez em perspectiva a decoração do camarote, ou varanda Real. Teve muito uso de riscar, e pintar quadraturas no Theatro Régio, e nos outros, assim como em tectos. Morreo em Lisboa em 1814 tendo mais de 60 annos, depois de ter sido muito maltratado pela gota.

NicoLAO Luiz Alberto de la Riva.

Descendia de antigos Hespanhoes, que se estabelecerão em Lilla, aonde elle nasceo em 1755. Alli mesmo começou a estudar a Arte com Heinsius retratista Alemão, dese- nhando o na Academia; mas em 76 desejando melhores estudos sahio da Pátria, e esteve dous annos em Artois com o Conde de Neuville, cançou-se pouco julgando-se, dizia elle mesmo, bastante sábio, mas quando chegou a

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Paris fez de si bem diverso conceito. Tendo-se inclinado ao género das batalhas, e ao das bambochatas, frequentou a escola de Casanova,' Pintor Italiano destes objectos, e sahia ás praças, e aos campos a desenhar, e a pintar arvo- res, animaes, paizanos, etc. : e Luiz Wateau Director da Academia de Lilla, (Primo do famoso António Wateau), o recebeo como Académico de mérito em composições de combates: casou, e esteve alli.até á revolução de 1790. Em 92 veio a Lisboa donde 5 annos depois voltou a Hes- panha, deixando a mulher; alli retratou em corpos in- teiros o Duque dei Infantado, e a Marqueza de Santa Cruz, que pintava com magistério, e protegia eíficazmente os Artistas. Tornou a esta Corte em 1800. Retratou o Prin- cipe Regente em meio, e inteiro corpo. Três annos depois, por intervenção de João Diogo de Barros, obteve huma pensão he 6ooííí) réis para pintar no Picadeiro Régio todos os objectos de picaria. Retratou ElRei em grande a cavallo, mas o seu talento próprio era para cousas pequenas. Em 1809 comprou na feira por quatro moedas huma taboa da Annunciação de Pintor Portuguez antigo, imitador de Gaspar Dias. Não se sabe como este quadro passou por hum Rafael, he certo porém que hum General ínglez lhe deo por elle o equivalente de 2o3í) cruzados. Morreo em Lisboa em Junho de 18 18.

Manoel da Costa.

Natural de Abrantes, parente de Manoel Constâncio, que foi Lente de Anatomia, nasceu quasi no tempo do

terremoto de 55, vindo para Lisboa, foi estudar a Arte na escola de Simão Caetano Nunes, quando elle regia também o Theatro da Graça, aonde podemos dizer que se creou, e teve occasião de aprender o mecanismo das tramóias que alli fazia hum bom Maquinista H espanhol. Tendo aca- bado os seus estudos em 76 ou 77, agregou-se a Veríssimo António de Souza, que dirigia as pinturas das carruagens para a Casa Real. Em 1783, por morte de seu Mestre succedeo-lhe na direcção da pintura do Salitre, como dis- semos na vida de Simão Caetano. Pouco tempo depois fez os tectos de Domingos Mendes, aonde mudou a palheta, segundo o Sj^stema de Pillement, isto he usando geralmente dos escuros cinzentos em todas as cores, e até nas flores, cousa que lhe tirava a transparência, e o agrado. Em 87 foi Emprezario na Rua dos Condes com Domingos de Almeida; largando depois a empreza ficou como Pintor, e teve grandes altercações com Sebastião da Cruz Sobral que protegia o Almeida, e governava o Theatro, de que se seguio pôr elle de parte os Pintores Portuguezes, e mandar vir de Itália primeiramente o Mignola, e depois o Baila. Nesta época começou em Lisboa a decadência deste ramo da Arte, que se havia conservado com bastante perfeição, sendo os Theatros a grande escola dos ornatos, e perspe- ctivas, e os altos preços da entrada davão bem para a despeza.

Os novos vindos trazião a pasta bem fornecida de bons desenhos seus, ou alheios, mas a execução era péssima, e tal como o fazião nos pobres Theatros da Itália, aonde se entra por 40 ou 5o réis. Depois de Baila que pintava bem as grutas, e fez huma boa cazinha, veio o Cavalheiro Vi*

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cente Manzoneschi, Architecto Civil, e decorador, Dese- nhava grandes pedaços de perspectiva; mas não sabia pintar; de sorte que a nossa escola hindo sempre de mal a peor, veio a precipitar-se de todo. Manzoneschi fez o Theatro do Porto, e morreo em Lisboa de 6o annos de idade.

Manoel da Costa fez muitas obras, e entre ellas alguns tectos no Paço de Nossa Senhora d'Ajuda, e de Queluz; e retirou-se para o Rio de Janeiro em 1811, depois de perder a formosa mulher com quem foi casado.

Seu irmão, e discípulo Joaquim da Gosta, nascido também em Abrantes em 1783, estudou com elle 8 ou 9 annos, (teve também lições de Pilliment), começou a ser seu ajudante nos tectos de Domingos Mendes. Em 97 por intervenção de Manoel Constâncio conseguio ser Pintor das carruagens da Casa Real, lugar em que presistio pouco tempo. Em i8o3, sendo emprezario do Salitre Manoel de Faria, es- cripturou-se para Pintor daquelle Theatro : depois passou para a Rua dos Condes, donde sahira seu irmão por desa- vença que teve com Manoel Baptista de Paula, e alli se conservou até 1812, tempo em que entrou João Chiari. Fez depois o novo Theatrinho do Bairro Alto.

Chiari tinha entrado para Pintor do Theatro de S. Carlos ainda no tempo de Manzoneschi, mas fechando-se aquella casa por 1809 foi para Londres; tornou em 1812, e ficou sendo Pintor não do mesmo Theatro, mas também do da Rua dos Condes, donde forão excluídos os Portuguezes.

Pelos annos 1787, tempo em que Manoel da Costa con- tentava tanto o publico com as lindas tramóias que fazia para os elogios na Rua dos Condes, o Gaspar não era fehz com as suas no Salitre, por cujo motivo Paulino José da

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Silva encarregado da empreza, mandou virTheodoro Bianchi famoso maquinista Italiano por intervenção de Marafe, que era o Mestre dos bailes, e muito seu amigo.

Bianchi fez as tramóias para a Artemisa, para a Rabi- cortena, e para outras peças: era natural de Modena, e começou a estudar alli mesmo a perspectiva : depois elle, e seu Mestre ajudarão a pintar os scenarios, que António Galli Bibiena, irmão de João Carlos, hia alli fazer pelo tempo da feira. Os três irmãos Galliari em Milão, e Gon- zaga em Veneza tinhão introduzido o uso de pintar tudo no chão; estvlo hum pouco mais breve, mas muito imper- feito, e enxovalhado. António Galli, Minhoia, Baila, o se- guião ; e hoje infelizmente está de todo introduzido. Bianchi fez muitas tramóias nos Theatros da Hespanha: esteve 8 annos em Barcelona, alguns em Valença, 3o em Lisboa aonde depois de soffrer muito por huma retenção de ouri- nas, morreo em.. . .

Em quanto elle estava addito á Rua dos Condes, (tendo mudado de Theatro), hum certo Scopeta Marcineiro fez algumas obras magicas no Salitre, que por fim lhe vierão a custar a vida, morrendo entalado em hum alçapão. Do- mingos Scopeta seu filho. Pintor Theatral de ornato, e figura, foi discípulo de Manzoneschi, e também de Felis- berto.

Francisco Xavier Fabri.

O Bispo do Algarve D. Francisco Gomes de Avelar, tendo hido a Roma com o Núncio, trouxe em sua compa-

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nhia Francisco Xavier Fabri, Architecto Italiano, dando-lhe huma pensão de 2ooí? rs. para lhe fazer, ou reedificar a Igreja da sua Sé. Chegando a Lisboa, franqueou-lhe a entrada em casa do Conde de Óbidos aonde teve cama, e meza, dalh hia dar HçÕes de desenho a hum filho do Mar- quez de Abrantes, e recebia por isso outra igual pensão de 2ooítt> rs.

Quando se cuidou em fazer de novo o Palácio Real de Nossa Senhora da Ajuda, que se havia incendiado em parte, o Marquez de Ponte de Lima Inspector das Obras Publicas pedio hum risco para elle a José da Costa e Silva: Fabri altamente protegido pelo Conde de Óbidos, que era genro do Marquez, apresentou outro risco que foi logo preterido, e depois preferido. Entretanto representou Manoel Caetano que como Architecto de Obras Publicas e Reaes, lhe per- tencia a execução daquella Obra, e como pratico do Paço sabia as casas da etiqueta que nelle devião de haver, e que se não achavão no risco ; motivo porque foi elle encarre- gado da execução de toda a obra, e de fazer no desenho todas as mudanças, que lhe parecessem necessárias. Estas mudanças que erão muitas, parecerão mal a D. Rodrigo de Souza Coutinho (i); e disse-lhe no Paço diante de Sua Alteza Real cousa de que se apaixonou tanto, que morreo logo em 1802. Os riscos forão de novo entregues aos seus authores, para por elles dirigirem ambos a obra, como fizerão até o tempo em que José da Costa foi chamado á

(i) D. Rodrigo tinha succedido ao Marquez de Ponte de Lima na inspecção das Obras Públicas, e Reaes.

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Corte do Brazil, ficando Fabri incumbido de toda a direcção da Obra.

Em Lisboa havia hum Architecto de Obras Publicas, mas depois da morte de Manoel Caetano, duplicou-se o lugar o favor de Fabri, e de José da Costa. Fabri fez o Palácio, e Igreja do Marquez de Castello Melhor: era pro- fesso no Ordem de Chrisío, e morreo em 1807. Por sua morte ficarão incumbidos da execução do risco os seus Ajudantes, António Francisco da Rosa, Joaquim Marcos de Abreu, Manoel Caetano da Silva Girão, Martinho José Peixoto, Pedro António de Oliveira.

Fabri imaginava, e apontava com facilidade vários dese- nhos de Architectura, e varias vezes valeo-se de Felisberto, para nelles lhe desenhar as figuras.

Joaquim Marques.

Nasceo em Lisboa pelo tempo do terremoto : depois dos primeiros estudos nas Aulas, applicou-se á Pintura na Fa- brica das caixas, ramo de que era director José Francisco dei Cusco. Depois de passar os 5 annos de aprendizagem, continuou mais dez, até o de 1784, a empregar-se alli mesmo como ajudante para pintar seges, bandejas, &c. Por aqueles tempos achava-se Pillement em Lisboa, e era seu visinho; fez amizade com elle, e entrou no empenho de o imitar nas paisagens, e naquelles agradáveis caprichos, a que elle chamava a sua botânica imaginaria, porque se compunhão de flores, e plantas ideaes : cousa que pareceo

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muito bonita em quanto era rara. O nosso Marques soube imitar tão bem aquellas galantarias, que todos os curiosos quizerão ter alguma cousa da sua mão, ou fosse em tectos, ou em paredes, ou em painéis, ou em carruagens ; nem seria fácil fazer menção de todas : seu Mestre José Fran- cisco, se valia delle quando tinha a fazer cousas de maior empenho.

José Francisco dei Cusco era Napolitano, foi Pintor de esmalte, e pintou em Madrid, para Carlos 3.° alguma loiça esmaltada. Casualmente veio depois a Lisboa por 1763 hum certo LaCroix fabricante de pentes, tinha achado o modo de dissolver o copal, e queria estabelecer huma fa- brica de caixas, fez sociedade emi 66, ou 67, estabeleceo-se a fábrica aos Aciprestes, e teve vários discípulos, que forão:

Miguel Francisco dei Cusco, filho de José Francisco, que succedeo a seu pae na administração da fábrica. Flo- rindo, que morreo moço. João Lopes, Sebastião Clemente Schiapapietra, Manoel dos Santos Freitas, José Pereira, e Luiz António.

Manoel dos Santos Freitas foi hum dos de maior habili- dade, e era bastante empregado ; mas dando-lhe a mania para ser admirador enthusiasta dos Francezes que invadirão este Reino, esteve prezo, e na cadêa com as saúdes que fez a Napoleão, escandalizou de tal modo os mesmos faci- norosos, que hum delles o ferio gravemente no rosto com a navalha que lhe hia deitar ao pescoço. Foi por tanto degradado para hum presidio da Africa.

Luiz António pertence a huma familia oriunda da Ásia, chamada dos Chinas. Alexandre Metello tendo ido como Embaxador á China no tempo do Senhor D. João o 5.°,

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fez conhecimento em Macáo com Alexandre Geraldes, Chinez de Nação, e o induzio a que se baptizasse, e viesse com elle para Lisboa. Aqui teve nove filhos de ambos os sexos. António da Silva Geraldes, hum dos mais velhos, aprendeo a pintar com hum estrangeiro, e foi Mestre de seu filho João, e de seu filho Ambrósio José. Fez hum painel para a Ermida do Resgate, e pintava laminas de cobre para os devotos, teve discípulos que pintavão em vidro.

Luiz António, que era neto de Alexandre Geraldes, e ficou sem pae em 1736, começou a estudar a Arte com hum certo Nicoláo Tolentino Botelho, homem de cor, que fora discípulo de seu tio António da Silva. Da escola do Nicoláo passou para a de José Francisco dei Cusco na fábrica das caixas, e nella permaneceo constantemente ape- zar do partido que por intriga do dito LaCroix se levantou contra José Francisco, a favor de Monsieur Gerarde, novo Mestre de Desenho. Por estes annos veio para a fábrica mais outro Pintor estrangeiro, por appelido o Carobene, que era muito bom, mas esteve pouco tempo.

Manoel Caetano desejou, e conseguio ter inspecção sobre muitos Pintores dos que se empregavão em Queluz, e os poz, mesmo os bons, no predicamento de jornaleiros, mas em recompensa lhe fazia grandes interesses, contando ás vezes, segundo o excesso que fingia exigir, hum dia por 2, 3, 4, e mesmo 5 dias. Joaquim Marques que era como Vice-Inspector, e dirigia tudo, utilisava frequentemente 12, 16, 20-:^' rs. cada dia. Nunca a Arte da Pintura foi tão mecânica, nem a d'Arquitectura tão liberal. Morreo a 21 de Maio de 1822. Jaz na Igreja de S. José de Lisboa.

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José' da Costa e Silva.

Nasceo na Villa de Povos em dia de S. Thiago no anno 1747. Estudou em Lisboa a Engenharia com Filippe Ro- drigues, e o desenho de figura com Carlos Maria Ponzoni, Milanez, que era Mestre de debuxo no Collegio dos Nobres, ainda que tivesse vindo a Lisboa com outro destino, quando o Senhor D. João o 5." chamou a esta Corte os Doutores Angelo Brunelli, e Miguel Ciera, e outros Astrónomos, Engenheiros, Lani Architecto Bolonhez, e hum Desenhador que era Ponzoni, para irem todos fazer as demarcações na Colónia do Sacramento. Chegarão a Lisboa em 1760 de- pois da morte do Rei, e não partirão senão em 53. Alguns forão para o Pará, Ponzoni ficou na Bahia, Brunelli nave- gou 600 léguas pelo rio das Amazonas quasi até o Peru, e demorou-se 8 annos, quando veio quiz tomar á sua conta a educação de José da Costa, e o fez começar os estudos que dissemos, de engenharia, e desenho.

Desejando depois ir a Bolonha, sua pátria, para abraçar seus pães antes que morressem, o levou comsigo para estudar, tendo-lhe alcançado huma pensão da Corte de 200ílf) rs. Partirão em Março de 1769. O gosto bom da Architectura tinha- se alli corrompido como nas outras Ci- dades. Mauro Tezí, que foi considerado como restaurador da boa maneira, teve por discípulo Petronio Fancelli, ex- cellente Pintor de perspectiva, que José da Costa elegeo para ser seu Mestre, mas frequentou a sua escola anno e meio, porque elle passou a Veneza. O seu 2.° Mestre foi

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Carlos Bianchoni, grande Desenhador, Archítecto civil, e Pintor de historia. Como fazia progressos, obteve primeira- mente hum premio de 2/ classe, e no anno seguinte outro da I.*, mas proseguindo os estudos com muita efficacia, foi recebido 3 annos depois, isto he, em 1775 entre os Académicos de honra, e de mérito daquella Universidade.

No fim do mesmo anno, que era o do grande Jubilêo, passou a Roma aonde esteve alguns mezes, vendo, e dese- nhando as bellissimas cousas que alli se admirão: foi tam- bém a Nápoles ver as antiguidades do Pozzuollo, Herculano, &c.; a Vicenza, e Veneza famosas pelas obras de Palladio; a Verona, recommendavel pelo amphitheatro dos Romanos; a Florença, Liorne, Pisa, célebres por tantas obras primo- rosas.

Em Setembro de 1779 achando-se vaga em Coimbra a Cadeira de Architectura, que pelos novos estudos devia haver na Universidade, recebeo huma carta do Conselheiro Joaquim Ignacio da Cruz Sobral, em que o convidava, da parte do Ministério, para a ir occupar, mercê que não acceitou.

Chegando a Lisboa foi convidado pelos Italianos para acabar a Capella Mór do Loreto, que Manoel Caetano tinha começado. A Senhora Rainha D. Maria por Alvará de 23 de Agosto de 1781 mandou criar pela Meza Censória huma nova Aula de Desenho: José da Costa foi provido na Cadeira d' Architectura com /\.bo!tP rs. de ordenado, tendo por Substituto Joaquim Carneiro da Silva.

Em 8g fez os seus desenhos para o novo Erário, e teve em premio hum donativo de 600^ rs. com huma pensão de 400 pela direcção da obra, e a promessa de succeder a

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Reynaldo nas Obras Publicas, o qual estava enfermo, e viveo poucos mezes mais ; em tanto adoeceo a Senhora Rainha, e Manoel Caetano pedio, e obteve o lugar de Reynaldo.

Em 92 fez os desenhos para o Theatro de S. Carlos, que se começou no anno seguinte debaixo da inspecção de Sebastião António da Cruz Sobral. No mesmo anno foi começada a obra de Runa por ordem da Serenissima Se- nhora D. Maria Francisca Benedita. Em hum plano rectan- gular de 456 palmos de frente, e por 280 de fundo se contêm hum Hospital para Militares inválidos, hum Pala- ceto para habitação de S. A. R., e no cemro a Igreja, cuja Planta he huma Cruz latina com remates semicircula- res ; he toda de pedras de cortes, incrustada por dentro de finos mármores manchados de varias cores ; enrequecida com estatuas, algum.as vindas de Itália, algumas feitas pelo Leal. la-se acabar em 1807 quando entrarão os Francezes. Os corpos de logis tem 3 andares, e cousa de 70 palmos de alto.

Tendo-se incendiado pelos annos 1796 o Real Palácio de Nossa Senhora da Ajuda, feito á pressa logo depois do terremoto, cuidou-se em novo plano para ser reedificado com maior solidez, e José da Costa foi incumbido dos desenhos. Fabri achava-se então em Lisboa muito protegido pelo Conde de Óbidos, e conseguio poder também apre- sentar riscos para a mesma obra, os quaes forão primeira- mente desaprovados, e depois bem acceitos. Manoel Caetano requereo, como sendo-lhe divida, a execução do risco, e corrigio-a, podendo até emendar ; mas foi-lhe tirada pouco antes da sua morte em 1802, e entregue o risco a Costa^

Igo

e a Fabri, cada hum dos quaes teve então mais 600^ réis annuaes como Architectos das Obras Públicas, e Reaes. Quasi pelo tempo do estabelecimento da Aula, isto he por 81 enviou elle á Academia de S. Lucas de Roma alguus desenhos, e em recompensa recebeo a patente de Acadé- mico de mérito datada de Roma de 23 de Novembro de 1781. Aqui, entre outros prémios teve Habito de Christo, e foi em 18 12 chamado á Corte do Rio de Janeiro, aonde morreo em 21 de Março de 1819. Jáz no Capitulo dos Antonicos da mesma Cidade.

Manoel Piolti, e José' Carlos Binhetl

Carlos Ridolfi, Palomino, e muitos outros Escritores disserão que os Artistas de ordinário erão pouco felizes, quaudo os Príncipes, e grandes Senhores os não protegião. Se esta verdade ainda precisasse de nova demonstração, teríamos huma prova incontestável na sorte destes dous Architectos Decorador es:ambos tiverão parentes Italianos, ainda que nascessem em Lisboa, ambos com talento raro, e discípulos do mesmo Mestre, (Jacome Azzolini), e cor- rendo no caminho da Arte a passos agigantados, mas tão iguaes, que para descobrir qual delles excederia o seu collega, lhe mandarão fazer para a Opera de Assur as duas famosas scenas chamadas as da competência, e assim mesmo ficou a cousa indicisa.

Até ali tudo era igualdade de mérito, e de fortuna, apenas Manoel Piolti foi admitido no Serviço, e José Carlos ficou

tgt

fóra delle, que differença? Tal disparidade passou por similhante motivo entre o Ticiano, e André Esclavonio em Veneza, e entre o Rubens, e Brouvver nos Paizes Baixos. Para saber alguma cousa he preciso frequentar as Escolas, mas para ter fortuna convém muito agradar aos Senhores. São dous requisitos necessários, porem sempre o 2." será mais efficaz que o i.° José Carlos morreo pelos annos 1816 de repente [ij.

Entre aquelles que no fim do Século passado se appli- cárão á Arte, distinguirao-se Joaquim Fortunato de Novaes, natural de Lisboa aonde aprendeo a desenhar na Aula do Gastello, dirigida por António Fernandes Rodrigues. Foi a Roma pela Intendência, aonde teve por Mestre João Anti- nori. Veio em 1794, e foi para Villa nova da Rainha, po- voação do Intendente, pensionado por elle, aonde presistia em 1907.

Manoel Lourenço nascido também nesta Capital, sobri- nho do Padre Fr. Rodrigo, Franciscano famoso, que com o seu peditório, liberaUdade, e boas maneiras fez o Con- vento de Xabregas, e o que está feito na Igreja de S. Fran- cisco da Cidade. Aqui foi discipulo da Aula do Rocha, em 1787 mandou-o seu tio a Roma aonde no sábado desenhava a Academia tão perfeitamente como os mais em toda a semana. Por morte de seu tio faltavão-lhe os subsídios, e eonseguio entrar para o Collegio dos pensionados : quiz casar, e frequentava pouco os estudos, não era hum crime,

[i] José Gaflos traduzio o Vinhola que se impflmlo em Lisboa eit) 1787 e abrio as estampas para elle.

mas D. João de Almeida mandou-o prezo para Lisboa em 92 : esteve na Torre de S. Gião aonde se applicou á Enge- nharia. Entretanto desenhou a olho, com grande perfeição, todas as vistas da Barra para o Coronel da Artelharia Nogar, com quem foi para Évora em 1804 com praça de Sargento tendo 33 annos.

Sebastião Nogar também esteve em Roma pensionado pela Intendência, e applicou-se á Architetura na Escola de João Antinori, veio em 97 com José da Cunha Taborda, quando Roma estava ameaçada pelos Francezes.

António Joaquim de Sousa, inda que estudou em Roma, esteve fora do Collegio com Manoel Lourenço, com quem tinha ido; foi discípulo de Antinori.

João Thomaz da Fonceca.

Temos visto deste Artista obras publicas em pintura, escultura, e architectura pintada. As pinturas existem na Freguezia de Carnide, em Jesus, e n'outras Igrejas, e Pa- lácios do Continente, e d'Ultramar. De architectura fez o Templo da Immortalidade logo depois da restauração para as luminárias do Pescado, obra grande, e magnifica, deco- rada com columnas da Ordem Corinthia, com estátuas coUossaes, e com hum grande obelisco. João Thomaz nasceo em Lisboa em 1764. Estudou os elementos da Arte na Aula de João Grossi, e depois frequentou a casa de Joa- quim Manoel da Rocha, e a do Abbade Apparicio. Fez desenhos para algumas estampas das Noites Josephinas,

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Forão seus discípulos Joaquim Gregório, e António Faus- tino que passarão depois para a escola de Sequeira, e ensinou também seus filhos.

Jose' Manoel de Carvalho e Negreiros

Filho de Eugénio dos Santos, nasceo em Lisboa, e viajou muitos annos em Reinos estrangeiros para se aperfeiçoar nos estudos da architectura : tornando á Pátria pelos annos de 1776 foi empregado como segundo Architecto da Casa das Obras; e passou a primeiro em i8o3 por morte de Pedro Gualter da Fonceca, Tenente Coronel Engenheiro; vencendo d'ordenado SSoííí) réis, prós, percalços e privilé- gios ; foi casado com D. Maria Ignacia Xavier de Antas e Negreiros.

Em 1804 abrio a Subscrição para huma obra periódica intitulada o Engenheiro Civil Portuguez, em diálogos. Foi empregado em concertos dos Palácios Reaes, e no recen- ceamento, ou cadastro do Reino, e teve em premio a Pa- tente de Major Engenheiro com o Habito de Aviz.

Diogo Luiz Velozo de Barros, Fidalgo da Casa attesta, que elle era Sexto neto da Cristóvão Fernandes de' Carva- lho, Capitão Mór de S. Vicente da Beira, e descendente de D. Gil Fernandes de Carvalho, Mestre da Ordem de S. Tiago, que se achou na batalha do Salado com D. Af- fonço 4.° A Senhora D. Maria i.^ Decretou que usasse das armas dos Carvalhos Ferreiras Sáas e Negreiros. Em 1684 Francisco Luiz Ferreira Portugal, Rei d'armas, deo licença i3

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aos seus ascendentes eni nome de D. Pedro 2." para as usarem. Era Architecto Geral dos Paços, e do Senado.

Morreo em Lisboa em 8 de Janeiro de i8i5 de idade 64 annos.

O Tribunal da Real Casa das Obras he tão antigo como o Reino, e manda que o Architecto ensine 4 aprendizes, e isto foi confirmado por Alvará em 1754. O Príncipe D. João mandou a José Manoel fazer para isso hum curso de Archi- tectura Civil, o qual parou por sua morte, indo no prin- cipio do 8.° tomo.

Na mesma Casa das Obras sempre ouve hum certo numero de Architectos debaixo de diversos titulos. Custodio Vieira, Major Engenheiro foi Architecto. José Sanxes da Silva, Rodrigo Franco, Negreiros etc. erão medidores dos empreiteiros : por morte do Capitão José Sanches vagou o officio de aprendiz de Architectura Civil, e deo-se a pro- priedade delle a Elias Sebastião Pope. Quando o Briga- deiro Manoel da Maia passou a Architecto supra numerário. Succedeo-lhe nesta praça Francisco Xavier Paes.

José' Francisco Ferreira.

Nasceo em Belém com génio muito propenso para a pintura: Seu Pae, que tinha o mesmo nome lhe deo as primeiras lições desta Arte. Applicou-se com muito pro- veito ao género das flores, ao das paisagens, e ao dos ornamentos, vive felismente.

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António Francisco Rosa.

Natural da Villa de Oeiras, estudou as regras, e preceitos da Architectura com José Joaquim Ludovice, filho do fa- moso Frederico, foi Architecto Ajudame das Obras Publi- cas, e do Paço de Nossa Senhora da Ajuda. Por morte de Fabri passou a primeiro, dirigindo a mesma Obra, e deo-se-lhe o Habito de Christo. Em 1821 foi feito Sub- Inspector do dito Palácio.

Germano António Xavier de Magalhães.

Professor de Architecmra Civil na Aula Publica do De- senho, de que percebe de ordenado 460^ réis annuaes ; natural de Lisboa da idade 56 annos, o qual tem dado diversos desenhos para muitas Obras de particulares, e também para reedificação da Igreja da de Guimarães, por cujo serviço foi remunerado com huma ajuda de custo annual de i2o:tt> réis por Decreto de 14 de Junho do anno de 1796. Foi varias vezes consultado, com outros Archi- tectos, pelo lUustrissimo Inspector da Obra do Real Palá- cio, o Conselheiro Joaquim da Costa e Silva nos annos 1819, e 1820 sobre problemas de Architectura concernentes ao dito Palácio.

igô

.Thimoteo Verdier Filho.

Nasceo em 1792 em a Villa de Thomar. Aprendeo o desenho com o Pintor José da Cunha Taborda, e depois em Paris aprendeo com o Pintor Mr. le Gros, insigne nas batalhas, e victorias.

Não tem feito Obras para o Público porque não lhe resta tempo dos seus negócios; mas tem em sua Casa quadros de sua mão que bem dão a conhecer a sua grande habilidade; tanto a óleo em grande, como em miniatura.

João de Deos Moreira.

Nasceo nesta Cidade de Lisboa, foi discípulo de José António Narcizo. Tem sido sempre empregado nas Obras dos Paços Reaes, Fundições, Theatros, Carruagens, tanto no salgado em Alcântara, como no Collegio dos Nobres. Existe pintando no novo Paço de Nossa Senhora da Ajuda.

Honorato José' Correia de Macedo e Sa',

Nasceo em Lisboa a 22 de Desembro de 17Õ4, e tendo 9 annos de idade foi admittido na Casa do risco do Arcenal Real do Exercito, onde seu pae Ignacio Correia de Macedo

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era empregado como entalhador, e abridor de relevo. Foi alli seu Mestre Manoel Ferreira, que também era entalha- dor, e lavrante do dito Arcenal, e depois de estudar com elle 9 annos, passou a aperfeiçoar-se no desenho de His- toria com João de Figueiredo, e com seu pae Ignacio Cor- reia, até que em 1772 entrou por aprendiz, de canteito de relevo de João Ferreira Cangalhas, Mestre Geral das Obras Públicas, e concluindo o tempo de 5 annos da Lei, passou a ser discípulo de Francisco António Cangalhas Architecto Geral da Cidade e aguas Livres, de quem o fizerao Aju- dante com o ordenado de iSocJ réis por anno.

Se fizéssemos menção de todos os Riscos, Plantas, Al- çados, Cortes, e Retábulos, que este Artista tem feito para Prédios, Palácios, e Templos, iriamos muito longe do que pede a brevidade destas Memorias ; por isso diremos que em 1785 fez o risco, e planta geral desta Cidade, cujos desenhos existem na Typograíia Regia. Em 1812 oftereceo á Regência do Reino huma memoria para ser colocada na Praça do Rocio com os retratos de Sua Mages- tade o Senhor D. João 6°, e Jorge Rei da Grã-Bretanha, o qual risco ficou no Governo. Por 1819 deu o pensamento em dous ditferentes gostos, para o Retábulo da Capella Mór de Santa Engracia; e o anno passado próximo perte- rito, fez o risco para o Chafariz da Cordoaria, o que se está fazendo neste presente anno de 1821,

Honorato José foi promovido ao lugar de seu Mestre Francisco António Cangalhas, mas com Sooít réis de ordenado por anno.

PARTE III.

Escultores, e Gravadores.

André' Contucci de SANso\aNO.

A Escultura floreceo muito entre as mais famosas Na- ções da antiguidade, e na Grécia chegou ao maior auge a que podia subir, desde o tempo de Péricles até ao do grande Alexandre, conservando-se também com muito esplendor, mesmo em Roma, até ao Reinado dos Antoninos, e de Adriano. Na antiguidade o numero dos Escultores era muito maior, que o dos Pintores. Os Príncipes, os Sábios, os Vencedores nos Jogos Olympicoa, os Heroes, e os innu- meraveis Deoses maiores, e menores. Lares, e Penates, todos tinhão muitas, e muitas estatuas, de sorte que na Grécia, e em Roma o numero das que havia em mármore, bronze, prata, marfim, etc. excedia o numero dos homens. Nos Séculos gothicos, ou bárbaros, mesmo no tempo em que não havia pintura vemos usada a escultura nos portaes das Igrejas, se he que se pôde chamar escultura áquelles

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tristes feitios de pedra. Depois da restauração da Arte, tbi-se usando mais a pintura, e em Portugal foi ella fazendo maiores progressos que a escultura. Francisco de Hollanda nomeia hum Pintor muito bom do tempo de D. Aífonço 5.°, (era Nuno Gonsalves), ao mesmo tempo que a escultura contemporânea era tão disforme como se na estatua do mesmo Rei que está na sobre o seu tumulo, nada me- lhor que a de D. Diniz, que se conserva em Odivellas. A do Infante D. Henrique no Portal de Belém, sendo tão má, he do tempo do Grão Vasco. Dos nossos escultores antigos bons, ou máos temos pouca noticia. Vasari porém faz menção de André Contucci Sansovino Escultor, e Archi- tecto Florentino, que veio a Portugal em 1481, tendo pouco mais de 20 annos, servir o Senhor D. João 2.° que o pedio a Lourenço de Medicis, o velho, em cujo jardim, que foi a melhor Academia de Florença, tinha aprendido a desenhar. Foi também aonde aprendeo o Buonarota, o Torregiani, e outros grandes homens. Aqui fez hum bellissimo S. Marcos de mármore, e modelou em barro huma batalha, que El-Rei ganhou aos Mouros, terrível pelos movimentos dos cavallos, estrago de mortos, e fúria de soldados, (seria talvez a da tomada d' Arzila), e voltou á pátria em i5oo reinando El Rei D. Manoel.

Manoel Pereira.

Se André Sansovino foi hum Artista estrangeiro, que viveo e trabalhou em Portugal, Manoel Pereira pelo con- trario foi hum Portuguez que viveo, e deixou as suas obras

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em hum Reino estrangeiro, honrando-se muito com elle a Corte de Madrid. Pallomino falia dos seus talentos com o maior applauso, e faz menção das priciosas estatuas, que fez, dando a primazia ao S. Bruno do Pórtico da Cartuxa, que Filipe 4." grande conhecedor, não se cançava de admi- rar: Já cego modelou a figura de S. João de Deos para o Convento do mesmo Santo. Era rico, e de familia nobre ; e casou huma filha com D. José Mendieta Cavalleiro de S. Tiago, Ajuda de Camera de El-Rei e ]^edor das Obras Reaes. Morreo em 1667 com 63 de idade.

Por este tempo fallão alguns authores de Braz de Men- donça Escultor Lisbonense, e também Pintor, talvez de estofos, e encarnações, a qual escreveo, e fez imprimir alguns tratados sobre a Geometria.

Outro Escultor Portuguez estabelecido na Hespanha foi Caetano da Costa, que nasceo em 17 10, e fez as duas esta- tuas de mármore, muito toleráveis, que estão sobre co- lumnas na alameda de Sevilha. Quando estivemos naquella Cidade em 1775 falíamos com seu filho também Escultor, nascido na Hespanha.

João António de Pádua.

Os Escultores Portuguezes applicárão-se ao trabalho de madeira, e barro, de sorte, que as estamas de mármore que temos dos Séculos 17, e 18 são más, e quasi todas feitas por estrangeiros. Hum certo Fancé fez o S. Pedro e o S. Paulo, que estão na frontaria do Loreto. João Antó- nio de Pádua, Italiano, deixou-nos bastantes obras deste

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género, mas pouco boas, e vem a ser: as estatuas da Ca- pella Mór da de Évora, Obra Sumptuosa, feita por desenhos de Frederico, a escultura da Capella Mór de S. Domingos, também do mesmo author, os púlpitos na Igreja do Collegio de S. Antão: os serafins no oratório da Moeda : o S. João Nepomuceno da ponte de Alcântara feito em 1743, e varias outras.

Pedro António Luquez era seu ajudante desbastador, e passou em 1762 para ajudante de Giusti em Mafra. Pelos mesmos tempos estiverão cm Lisboa Cláudio la Prada, e João Bernardes Escorpio, Italianos: o fez a Conceição da Pena, e o o Santo Elias do Carmo.

Ignacio da Piedade e Vasconcellos.

Esculpio em barro muitas estatuas, e também as sabia fundir em metaes. O Padre João Chrisostomo affirma que vira figuras delle, de grandeza natural, cujos pannos erão excellentes, principalmente os buréis. Foi Cónego secular de S. João Evangelista, e compôs o livro bem conhecido, intitulado. Artefactos Symmetriacos, e Geométricos, que dedicou á Senhora D. Marianna de Áustria em 1782. Como não conhecemos outra Obra sua, fazemos menção delle como curioso respeitável, e como escritor. No seu Livro encostou-se muito a João d'Arfe, e diz na Dedicatória ser o primeiro que sobre esta matéria sahe á luz da estampa em lingua Portugueza. - '

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José' de Almeida.

Foi sem duvida o primeiro Portuguez do Século i8 que soube esculpir bem em pedra, e não obstante ser a sua maneira ás vezes hum pouco magra, os seus nús são tam- bém desenhados, que podem sustentar-se ao das melho- res estatuas. Nos pannos quiz imitar hum certo amarrotado de que muito usarão Pedro de Cortona, e Cyro Ferro, que também se acha em algumas estatuas de Carlos Monaldi. Protegido, e pensionado pelo Senhor Rei D. João o S.° foi estudar a Roma em companhia de Ignacio de Oliveira, e de outros mais, que alli estiverao no principio daquelle Século.

Em Lisboa as suas Obras em mármore são o S. Paulo, e outras estatuas nas Necessidades, e as de Santa Isabel, e S. João Baptista na Bemposta, as quaes ficando por acabar forão muito depois concluídas em i8i3 por Joaquim José de Barros. Em madeira, fez o Santo Onofre, e o Christo da Trindade, os Passos da Paixão, que sahem na procissão do Carmo, a Senhora Mae dos homens, e o S. José em Xabregas; as duas Conceições dos Freires, e do Collegio dos Nobres; o S. Camillo para a sua Igreja, a de Nossa Senhora da Victoria, e a da Senhora das Vir- tudes em S. Domingos, cujas cabeças forão acabadas depois da sua morte por seus discipulos António Machado, e Fran- cisco António; fez também. o Christo, e Anjos de adoração para a Capella Mór de Mafra, que servirão em quanto se não fizerão os de mármore, depois collocarão-se em Santo Estevão d'Alfama, aonde existem.

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Os seus discípulos forão Francisco Xavier, Francisco António, António Machado.

Francisco António fez em madeira as estatuas de Marte, Vulcaqo, e outras que se achão nas casas d'armas da Fun- dição, executou alli muitas outras cousas em cera, e metaes. Tinha também estudado a musica, e cantava em contra- baixo. Em 1790 entrou na Irmandade de Santa Cecilia, e em 91, e 92, dirigio a festa de S. Lucas dos Pintores em Santa Joanna. Morreo alguns annos depois, tendo 60 de idade, e succedeo-lhe como Escultor da Fundição João José de Aguiar.

António Machado filho de Remigio, fhum dos que estu- darão a architectura na Casa do risco em Mafra), fez muitas Obras em pedra, tanto de Escultura, como de relevo. No principio do reinado da Senhora D. Maria i.^ fez a Vénus para o chafariz das Janelas verdes : fez o S. Pedroj e o seu companheiro para a fachada da Igreja de J. Paulo: Em 98 esculpio outras estatuas para J. Julião: também executou o Tejo, e o Nilo para corresponderem ao Ganges, e Eufrates feitos por Alexandre Gomes: erão estatuas de 12 palmos mandadas fazer pelo Intendente Diogo Ignacio para huma fonte publica em Lisboa, que nunca se fez. Faleceo no i.° de Abril de 1810 tendo... Os modelos das suas Obras erão feitos por Nicoláo Villela, o qual foi sempre procurado pelos Escultores para inventar attitudes, e fazer em barro os modelos delias ; e deste modo ninguém conhece Obras, suas tendo aliás deixado grande numero de producçÕes do seu engenho, que são attribuidas áquelles que as executarão; e como não utilisava senão o pouco que por elles lhe davão os Escultores, viveo sempre pobre, e assim morreo por....

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José de Almeida foi aparentado com muitos, e bons Ar. tistas: era irmão de Feliz Vicente, famoso Architecto, e Entalhador da Casa Real, o qual foi genro de Ignacio de Oliveira, e cunhado de Silvestre de Faria, também Ente- Ihador, e Architecto, discípulo do Frederico. Morreo por 1769 de 60 e tantos annos de idade.

António Ferreira.

Não parece possível ver modeladas em barro melhores figuras campestres que as que conhecemos deste Artista raro, do ultimo Século. Seu pae Dionizio Ferreira, também era pratico na plástica. As Obras do filho são os presépios da Cartuxa, da Madre de Deos, do Coração de Jesus, e outros. Na Ermida do Senhor da Serra em Bellas está huma gloria de serafins que circundão a imagem de Christo, e dizem ser delle. Também fazia grandemente as paisagens, e combates de cavallaria; e o Lobo na Silva laudatoria

diz-lhe.

Eu vejo, eu vejo, dando a terra abalos,

Espumarem ferinos os cavallos, D'hum pedaço de barro por ti feitos.. . .

e porsegue com grandes encómios.

Entre as Obras de barro também se faz, dizem, bastante caso da que fez Fr. Manoel Teixeira no seu Convento da Trindade em Santarém; he o retábulo de huma Capella de architectura com muita escultura representando a SS. Trin- dade, Nossa Senhora, S. José, e outros Patriarchas tudo

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muito bem executado: o author morreo nos fins do ultimo Século.

O P. João Chrisostomo Policarpo da Silva.

Este Professor curioso natural da Merceana, inda que não teve mestre, pode-se dizer que foi discípulo de José de Almeida. Ferquentando os estudos do CoUegio de Santo Antão, aproveitava o tempo que podia em modelar figuras de barro de tal modo, que não tendo sido Clérigo, como seus parentes querião, veio a fazer modo de vida do que era simples curiosidade. A matéria em que melhor traba- lhava era o barro; mas fez também muitas estatuas de madeira que erao de ordinário cheias de crescenças, e supplementos ; porem, como sahião de sua casa pintadas, e estofadas sempre agradavão muito aos devotos : também fez muitas figuras em pasta para os carros de triunfo que apparecerão na Praça do Commercio pela inauguração da Estatua Equestre do Senhor Rei D. José, em lyyS, e para outros objectos. Fez grande numero de imagens de Santos para Lisboa, e para as províncias, e entre ellas as do andor de Scotto que sahe na procissão de S. Francisco: as dos Passos para as Capelinhas de Santo António dos Capuchos, principalmente a do Senhor com a Cruz ás Costas, que he muito venerada, e applaudida das pessoas piedosas.

Ajudou a dirigir, e a sustentar a Academia do a S. José em 1780, 81, e 82: e sendo eleito em 87 para ser hum dos Directores da mesma escolla transferida pelo In- tendente para a rua dos Camillos, recusou o lugar, cousa

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que deo motivo a hum tal Discurso Apologético, Obra Satyrica de hum anónimo, a que elle respondeo seriamente, e também com mordacidade, porque suppoz conhecelo.

Amava a pintura com tanto excesso, que sem ser rico gastou sommas consideráveis em compras, e concertos de painéis, e sem saber desenhar teve discipulos Pintores, e pintou hum quadro da Cêa para huma Igreja. Morreo celibatário, e jáz na Capella do Senhor Resuscitado em Santo António com o epitáfio seguinte i>Aqiii já^ o Padre João Chrisosíomo^ que fe^ estas Santas Imagens aqui colo- cadas. Morreo em 20 de Janeiro de 1798 com 64 annos de idade.

Temos delle. Memorias de alguns Pintores, e Escultores Portuguezes. M. S. Por estes tempos viverão em Lisboa alguns Escultores em madeira, que tinhão laboratório pu- blico na Calçada de Santo André, e forão.

Manoel Vieira, natural da Cidade do Porto : viajou na Hespanha, e antes do terremoto de 55 veio estabelecer-se em Lisboa aonde fez o S. Sebastião, e o S. Vicente para o baldaquino, ou maquineta de S. Vicente de fora, e outras muitas cousas, sempre com boa acceitação do Publico.

Manoel Dias, discípulo de Manoel de Andrade: chama- vão-lhe o pae dos Christos, porque fazia muitos Crucifixos. Era seu o da Capella Mór da de Évora, o S. Miguel da Pena, o S. Francisco da procissão de Mafra, e outros muitos. Entrou na Irmandade de S. Lucas em 171 3, e morreo em 20.de Março de 1754.

Jerónimo da Costa, natural de Braga, discípulo de Ma- noel de Andrade, esculpio a Senhora da Conceição de S. Francisco da Cidade, e ajudou José de Almeida a fazer

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o Santo Christo, e Anjos de adoração para Mafra, que agora estão em Santo Estevão d'Alfama.

António dos Santos da Cruz, nasceo em Faro, e foi dis- cipulo de Manoel Vieira, fez a Senhora do Rosário, e o S. Roxas na Trindade: morreo em i8o5 de 6o e tantos annos.

Nicoláo Pinto, Portuense fez a Senhora do Rosário que se venera na Portaria de S. Domingos, o Santo Estevão para a Igreja do mesmo Santo, &c.

Valentim dos Santos de Carvalho, discípulo de outro Valentim fez o S. Sebastião da Pena, e outras imagens, e morreo em 1806 de õi ou 62 annos.

Valentim. . . seu mestre fez a Senhora Mãe dos homens da Bemposta, o Senhor dos Perdões da Magdalena, &c. Elle punha em pratica toda a sorte de industria para dar grande idéa das suas producçÕes, principalmiente áquelles que lhas encommendavão.

Alexandre Giusti.

Este egrégio Estatuário nasceo em Roma em 171 5. Até os 16 ou 17 annos frequentou a escola do Cavalleiro Conca, applicando-se ao desenho, e á pintura, passou depois ao estudo da escultura com João Baptista Mayne, aonde fez grandes progressos, e executou huma parte da escultura dos 4 requissimos Relicários da Capella de S. João. Quando esta Capella, que foi executada com singular magnificência pelos desenhos de Vanvitelli, esteve acabada, o Ministro

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de Portugal junto da Santa Sé, escripturou Giusti por dous annos para a vir assentar, o que teve eífeito em 1747 e 48.

Depois fez a Estatua do Senhor D. João o 5.° para a livraria das Necessidades, e as Estatuas para a Igreja, que vem a ser »os Santos Neri, Carlos, e Sales, e o S. Pedro do Portici, forão ellas acabadas em 1753, a tempo, que tendo-se damnificado os painéis da Igreja de Mafra pela humidade do sitio, determinou o Senhor Rei D. José que fossem substituidos por outros de mármore, em baixos-rele- vos ; e para os fazer admittio Giusti, como seu Escultor com 6oíí)000 réis por mez, e huma gratificação no fim de cada quadro. O nosso Artista, quando veio tinha deixado o seu casamento justo em Roma, mas como ficou cá, ajus- tou-se com a filha de Pecoraro, Musico da Capella Real, e casou com ella em 1749.

Indo pois para Mafra com a sua familia agregou a si dous desbastadores ; Pedro António Luquez, que tinha andado com o Pádua e o Fancé, e Francisco Alves Canada, e com elles fez os SS. Bispos, que collocou em 1755 antes do terremoto. Cada dous annos acabava mais hum, e fo- rão-se seguindo, o Santo Christo, Nossa Senhora do Rosá- rio, as Santas Virgens, os Santos Mart}Tes, os Confessores, a Sagrada Familia, e a Coroação de Nossa Senhora. Antes de acabar este ultimo, acabou de perder a vista, que lhe foi faltando por degráos, talvez pelo uso de trabalhar de noite. Como esta foi a i.'', e a mais numerosa escola de escultura, que temos tido no Reino, cumpre dar noticia do seu principio, e dos seus progressos.

O i.° discípulo desta Aula foi António Pecoraro, cunhado 14

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de Giusti, que estudou 9 annos, e depois, inclinando-se á Musica foi estudala em Nápoles.

Roberto Luiz da Silva natural de Lisboa.

Salvador Franco, de Mafra, o qual tendo estudado 12 ou i3 annos foi despedido por travessuras: deo-se ao estudo da Engenharia, e morreo em Matogrosso sendo Tenente Coronel.

Lourenço Lopes, de Mafra, afilhado de João Pedro Ludo- vice, estudou 16 annos, trabalhou no quadro da Sagrada Família, e ajudava bem quando faleceo.

Alexandre Gomes, da Picanceira, termo de Mafra, morreo em 10.81

José Joaquim Leitão, de Mafra, acabou os seus dias em i8o5.

Em 1756 forão admittidos.

João José Elveni, filho de hum Alemão, mas nascido em Lisboa.

Braz Toscano de Mello, natural de Alvito.

Francisco Leal Garcia, de Santarém, que morreo em Setembro de 18 14.

Joaquim Machado de Castro entrou não para aprender, mas para ajudar a modelar. -

Joaquim António de Macedo entrou por 65, e estaria 10 ou 12 annos, morreo em 21 de Janeiro de 1820, tendo 70 annos, jáz na Igreja de S. Mamede.

José Patrício, Mafrense, filho de Pedro António Luquez foi admittido em 67. Deixou o Século em 1708, e entrou no Convento de S. Vicente.

Silvério Martins, natural de Linha a Pastora morreo em 95.

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João da Silva Pevides, de Mafra, começou os estudos em 66, e faleceo em

Esta escola presistio unida até 1770, tempo em que se começou a modelar em grande em Lisboa a Estatua Eques- tre do Senhor Rei D. José. Nessa época dividio-se em duas, e vierão para Lisboa Joaquim Machado de Castro, como Director; José Joaquim Leitão, João José Elveni, Alexandre Gomes, e Francisco Leal como ajudantes: como a obra era muito laboriosa, o Director admittio outros Escultores de fora, e forão Nicoláo Villela, e Valentim, António Machado, e Manoel Lourenço. Entretanto os que ficarão em Mafra forão fazendo o baixo relevo da Senhora da Conceição pelo modelo de Roberto Luiz da Silva, acabado em 88, e algu- mas lunetas modeladas pelo Leal.

Da escola de Lisboa sahirão muitas estatuas, principal- mente a Estatua Equestre com toda a escultura adjacente: a Arethusa, e Alpheo para a quinta de Carvalho em Oeiras: toda a escultura da Basílica do Coração de Jesus feita em 6 annos, e acabada por 1783: a para a Inquisição, e muitas outras.

Entretanto a cegueira de Giusti, se completou em 78, consternou o coração do Senhor Rei D. José, e este grande Monarcha mandou-o a França não com decência, mas até com fausto, e grandes recommendaçÕes, a fim de se lhe fazer a operação das cataratas ; mas não se atrevendo os Oculistas a curalo, voltou aqui tão cego como tinha ido ; muito apezar de Sua Magestade que lhe deo sempre a mesmas provas de benignidade, e estimação, prevenindo-o na diligencia que elle fazia para lhe beijar a mão, conser- vando-lhe inteiro o seu ordenado, que Sua Magestade tam-

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bem lhe mandou sempre pagar até que cedendo a hum insulto apopletico acabou a sua existência em Fevereiro de 1 799. Depois de cego ainda compunha baixo relevos em cera, que os seus discípulos acabavão.

Joaquim Machado de Castro.

A vida deste famoso Estatuário, elle mesmo a poderia escrever exacta, e dignamente, diremos porém o que temos ouvido aos nossos coevos sem garantir a verdade de todos os factos.

Nasceo em Coimbra pelos annos 1782, e alli mesmo começou a apprender na escola de seu pae Manoel Ma- chado, que modelava com perfeição : veio depois para Lis- boa, e frequentou o estudo de José de Almeida, entre as cousas que fez para o publico, todas com boa acceitação he notável o S. Pedro de Alcântara que está no seu con- vento sobre a porta do carro. Entrou em Mafra como ajudante de Giusti em 1756. Quando se cuidou em fazer a Estatua Equestre, o Marquez Estribeiro Mór, que era ex- cellente picador, teve a inspecção sobre ella, e pedia dese- nhos a Francisco Vieira, este fez alguns, que não contentarão plenamente ao Marquez, porque os escorços no desenho sempre parecerão aleijões a picadores. Para evitar este inconveniente propoz elie Marquez a factura de hum mode- linho em barro, e inculcou para isso Joaquim Machado, que com effeito o fez muito a contento de S. Exc. e á satisfação de El-Rei, e da Corte. Teve elle por tanto, a

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incumbência de fazer a obra em grande, e deo principio a ella em 1770. Esta he a tradição, que ouvimos aos Escul- tores de Mafra, mas não parece exacta porque o Author na sua Descripção Analytica a conta de outra sorte.

A estatua do Rei foi fundida em bronze por Bartholomeu da Costa, Tenente Coronel Engenheiro, que teve em premio a Patente de Brigadeiro. O Escultor Machado de Castro, e o Architecto Reynaldo, tiverão Hábitos de Christo.A escultura adjacente toda modelada por Machado, foi posta em execução por João José Elveni, Alexandre Gomes, pelo Leal, e por José Joaquim Leitão, os quaes executarão tam- bém em 73 a estatua da Fé. He também de Machado toda a escultura da Basilica do Coração de Jesus : João José, e Alexandre Gomes executarão o Santo Elias, Santa Theresa, Nossa Senhora, os Serafins nas Capellas coUateraes, o baixo relevo do Frontispício, a Adoração, a Liberalidade, S. João da Cruz, Santa Magdalena de Pazzi, S. José, e a Gratidão forão feitas por José Joaquim Leitão, e José Pa- trício. Esta obra foi começada em 77, e concluída em 83. As estatuas de Alpheo, e Arethusa para Oeiras executadas por- Leal, e João José também são de invenção de Machado, assim como o modelo do Neptuno para o chafariz do Lou- reto, executado em Garrara por 1771, o retrato da Senhora Rainha D. Maria para a quinta do Marquez de Ponte de Lima em Mafra, executado em 83 por Faustino, e Feliciano; agora está na Livraria publica. Machado dirigio também a escultura do baldaquino de S. Vicente : Manoel Vieira exe- cutou o S. Sebastião, S. Vicente, e os Anjos sobre as portas, António dos Santos, e Alexandre Gomes fizerão as outras. Em i8o3 fez a Senhora da Encarnação para a sua Igreja.

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Além destas obras fez Joaquim Machado outras muitas, entre as quaes merece hum distincto lugar o Presépio do Beneficiado Oliveira, que elle do-ou á Patriarchal.

Estabelecido em Lisboa o estudo da escultura, entrarão nelle em diversos tempos vários discípulos. Luiz José F^er- reira, e José Caetano Gayão em 71, Faustino José em 72, e Feliciano José Lopes em 76, o qual em 98 se deo á pin- tura. Em Belchior.

Em 1804 António dos Santos, Em 1806 Constantino... todos naturaes de Lisboa.

Joaquim Machado foi sempre dado a lição dos Livros, e á conversação das Musas. Pelo motivo de Inauguração da Estatua Equestre do Senhor Rei D. José fez huma Ode ao mesmo Soberano, que corre impressa desde 1775. A carta escripta a hum Alumno da Escultura imprimio-se em 80: o discurso sobre as Utilidades do desenho vio luz da Estampa em 88. Em i8o5 foi impressa a Analyse Grafico-Ortodoxa ; e em -cinco annos depois a Discripção Analítica da Execução da Estatua Equestre.

Em 1780 ajudou a dirigir a Academia do a S. José, e como também a que se abrio depois na rua dos Camillos. O Senhor Rei D. José o nomeou Escultor da Casa Real, e Obras Publicas ; e Sua Magestade Director da Escultura das Obras Reaes. Morreo a 3 de Dezembro de 1822, com 91 annos jaz sepultado na Freguezia dos Martyres de Lisboa.

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João Grossi.

Gomo a Escultura feita em estuque tenha muita analogia com a que se faz em barro, não parecerá impróprio que façamos aqui menção deste estucador, tanto mais, quanto elle presidio em huma Aula Regia de desenho, e foi o pri- meiro Mestre de alguns Pintores, e Escultores.

Em Portugal tinha-se usado pouco o estuque até o tempo do terremoto. Na quinta chamada dos bichos havia, dizem, huma casinha de estuque feita no Século 17. Do mesmo tempo era a pequena Capella no Convento da Esperança com bellissimos ornatos, e baixos relevos. No tempo do Architecto Larre estiverão aqui Salla, e Bill, que fizerão alguns estuques no seu palácio chamado vulgarmente do Provedor: fazião ornato, e figura. Depois veio o Plura que estucou huma casa na torre da pólvora, e huma Ermida ao da Sé. Francisco Gommassa, mero ornatista também trabalhou em casa do Provedor, e fez a fachada da Ermida dos Soldados em Alcântara.

João Grossi, nascido em Milão por 17 19 aprendeo a modelar em cera, e barro; e depois sérvio Fernando 6.° no exercito, como desenhador: alli, tendo-se desafiado com o sobrinho do seu Coronel succedeo matallo no duello ; mas como era protegido pôde-se ausentar, escapando do quartel aonde estava prezo, disfarçado com o traje da sua Lavadeira. Veio para Lisboa, e foi morar para a Bica com Domingos Lepori, commerciante, seu primo, o qual lhe procurou a grande Obra do tecto da Igreja dos Martyres,

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feito de novo em 1748, ou 49 que elle executou, (inda que nunca tivesse trabalhado em estuque), ajudado pelo Plura, e pelo Gommassa, usando de formas para florões, e outros ornamentos. Fez também huma casa no Palácio de Cintra, outra em casa do Provedor dos Armazéns, que o introduzio com o Marquez de Pombal. Este o occupou nas suas casas da rua Forniosa, e das Janelas verdes. Por 1755 estucou as casas do Machadinho, e nessa occasião veio Pedro Chan- toforo, e também Agostinho de Guadri, parente de Grossi, e seu patrício. Tinha elle viajado na Alemanha, Prússia, e Hollanda, e trouxe o methodo de trabalhar o estuque em fresco, e lustrallo, misturando-lhe cola. Logo depois do terremoto fizerão a Capella dos Terceiros de Jesus. Se- guio-se o tecto dos Paulistas, cujo painel, e baixos relevos forâo primorosamente feitos pelo Toscanelli, primo de Grossi, o qual era Pintor, discípulo de Corrado, e tinha ganhado prémios em desenho na Academia de S. Fernando de Madrid.

No Collegio dos Nobres admittio João Grossi o Falcão, e dous Brasileiros, que tinhão estudado em Roma, erão Felis da Rocha, Pintor de miniatura, e José Tenório, seu primo, que desenhava alli pilastras, capiteis, e outros ob- jectos de Architectura, para ganhar alguma cousa. Felis trabalhou no baixo relevo de Nossa Senhora, e nas meda- lhas ; e fez outras cousas na Conceição Velha, e na Inqui- sição.

Os Verdes, também Estucadores, estavão trabalhando no Palácio novo de Madrid, e o Embaixador de Hespanha quiz aqui escriturar o Grossi promettendo-lhe o perdão do crime, e avultada recompensa, mas o Marquez de Pombal

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o reteve, e por 66 abrio-Ihe huma Aula ao Rato, e deu-lhe 6ooC!> réis annuaes para ensinar lo discipulos, entre os quaes entrou João Paulo da Silva, que se fez bem conhe- cido pelas muitas obras que depois executou, e dirigio. Morreo a 28 de Dezembro de 1821, jaz na Freguezia de S. Mamede de Lisboa com 70 annos de idade.

Pouco depois da abertura da Aula casou João Grossi com Rosa Bernarda, creada muito valida de Sor Maria Magdalena, irmã do Marquez de Pombal, Prelada pei^etua no Convento de Santa Joanna. EUe foi excessivamente pro- tegido pelo Marquez, que lhe dava, ou pedia lhe dessem a fazer todas as grandes Obras que então se construião, que erão muitas, e pagas por altos preços; e admira que adqui- rindo cabedaes tão avultados, morresse em tanta pobreza pelos annos de 1781, tendo cegado antes de morrer.

Felis Salla.

O dominio de João Grossi, e os progressos da sua Aula, sentirão muita diminuição pela morte do Senhor Rei D. José, e retirada do Marquez para Pombal em 1777. quando se fez a Obra da estavão os Estucadores divididos em dous partidos, e erão muitos; por que aos discipulos da Aula se tinhão agregado pedreiros, e quadratores. Os mais bem acceitos ao Publico erão João Paulo de Silva, Paulo Botelho, Manoel José o Escultor, José Francisco Espaventa, Domingos Lourenço &c. Quando Joaquim Pedro Quintela fez o seu palácio nas Larangeiras debaixo da direcção de

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seu tio o Padre Bartholomeu Quintela da Congregação do Oratório, fez João Paulo a maior parte dos tectos, por desenhos do mesmo Padre. quasi no fim da Obra appa- receo o Salla; e o seu gosto de desenho, e modo de traba- lhar agradou por estremo ao dito Padre. Era elle discípulo do celebre Albertoli, Milanez, que renovou na Itália o gosto dos bellos ornamentos usados no tempo de Augusto, e dos Gregos. Os que se havião introduzido nos últimos tempos, e se estavão usando, erão os chamados Francezes, e Ale- mães, cheios de tarJÕes, ornados com búzios, conxas, &c. e algumas ervas muito amarrotadas.

Salla fez todos os tectos do palácio de Quintela em Lis- boa; depois foi a Cadiz com Domingos Lourenço, e José Eloi a fazer o salão dos bailes, e de Cadiz regressou a Milão sua pátria tendo pouco mais de 3o annos.

Vicente Tacquesi

Suisso: veio por i8o5 e dizia ser discípulo de Canova: foi aqui protegido por Vandeli, e por N. Soares Secretario da Junta do Commercio, em cuja escada fez alguns baixos relevos : também fez as 4 partes do Mundo na quinta dos bichos. Requereo o restabelecimento da Aula dos estuques para elle dirigir, tendo por sócio, para a direcção dos or- natos José Francisco Espaventa. a Junta das Fabricas lhe tinha dado casas para morar, quando entrarão os Fran- cezes, com quem teve bastante familiaridade. Para os lison- gear fez hum baixo relevo em cera, com boa composição,

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e bem desenhado, representando a entrada de Junot em Lisboa, cujo Estado Maior era precedido por hum Génio revolucionário, que ao som da trombeta o incitava á rapina, e expulsava muitas pessoas nuas para fora do Reino. Depois da restauração foi prezo i.^ e 2.^ vez; e por fim desterrado em 1810.

Os bons estuques forão usados pelos antigos, perdidos muitos Séculos, e tornados a achar por João de Udine, discipulo de Rafael, no Século de õoo quando apparecerão pela i.^ vez as Camarás de Tito. EUes tem tido, e merecem ter estimação; mas entre nós usarão-se com furor como huma moda, e assim acabarão; de sorte que alguns estu- cadores moços applicarão-se á pintura; outros buscarão outros modos de vida. Hoje está aqui esta Arte quasi extincta.

Joaquim José' de Barros LaborÃo.

Nasceo em Lisboa em 1762, e tinha 10 annos quando entrou como alumno na Aula de João Grossi, aonde pre- sistio 4 annos debuxando, e modelando. Passou depois para a escola de João Paulo, Escultor em madeira. Em quali- dade de ajudante esteve com Raymundo da Costa, com o Padre João Chrisostomo, e ultimamente 5 annos com Ma- noel Vieira, aonde modelava, e acabava muitas Obras. Estabelecido em sua casa fez os modelos de Santa Clara, e S. Francisco, executados por Francisco Xavier, discipulo de José de Almeida, e por António Machado. O numero das obras que tem feito he tão grande, que não o poderia-

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mos aqui relatar, faremos menção do baixo relevo em mármore que está no t3^mpano da Igreja da Bemposta, e da Fama, com os retratos de Suas Magestades no obelisco de Bellas.

O Marquez Regedor, muito aífeiçoado ás boas Artes, ficou tão satisfeito com a sua obra de Bellas, que alem da recompensa pecuniária, lhe solicitou o Habito de S. Tiago, fez-lhe todas as despezas para as habilitações, e quiz ser seu padrinho na profissão.

Sua Magestade o premiou liberalmente, dando-lhe o lugar que Giusti occupava em Mafra, com o mesmo ordenado. Estava aquelle estudo quasi extincto, quando para alli forão os Padres Vicentes, estes mandarão continuar lentamente a escultura das lunetas por modelos do Leal, executados por Braz Toscano de Mello, Roberto Luiz da Silva, e seu filho. Barros deo-lhe mais algum movimento ; porem acon- teceo a invasão dos Francezes que o paralisou. Enpre- gou-se depois nas estatuas para o Palácio de Nossa Senhora da Ajuda, e fez a Honestidade, a Diligencia, o Desejo, e o Decoro, em cujas Obras o ajudarão seus filhos, e discipulos Manoel Joaquim, e José Pedro de Barros, e Gaspar Joa- quim da Fonseca, natural de Viseu [i]. Morreo em 3o de Março de 1820 contando 58 annos. Jaz na Casa do Capitulo de Santo António dos Capuchos.

Carlos Amatucci, Italiano, também fez em 1818 para o mesmo Paço a estatua da Liberalidade. Veio para Lisboa pelos annos 1804, retratava em cera: em 807 estando

[i] Veio de 7 annos para Lisboa, e estudou com o Barros 7 annos.

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admitido no Real Serviço, com 40036000 rs. annuaes, fez a medalha do Principe para os órgãos de Mafra. Era muito moço, e bem disposto, quando no anno 1809 morreo repen- tinamente de Iiuma aneurisma no peito, que o suffocou.

João José' de Aguiar.

Natural de Bellas, estudou o desenho em Lisboa na Aula do Castello, e indo para Roma em 1786 com Joaquim Fortunato de Novaes, e José Alvez de Oliveira pensionados todos pela Intendência, foi alli discipulo do Labruzzi no desenho, e de José Angelini na escultura; porém este tendo endoudecido, passou Aguiar, para o estudo de António Canova. Em Agosto de 98 regressou á pátria. Sendo fale- cido Francisco António, Escultor da Fundição, entrou no seu lugar, e fez a escultura em bronze de humas banquetas que alli se íizerão para Mafra. Em i8o5 foi nomeado substi- mto de Joaquim Machado, com preferencia a Francisco Leal, que occupava aquelle lugar, vencendo 40035)000 réis, elle teve 600. Fez a Estatua de El-Rei que está no Arsenal na casa das formas, e actualmente emprega-se em escul- turas para o Palácio da Ajuda.

João Gomes Baptista.

A gravura em ôcco, ou de medalhas, tem muita correla- ção com a escultura, ou he huma escultura feita ás avessas,

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e o seu uso he antiquíssimo, como se pôde vêr nos tratados de antiguidade ; e nas collecções de medalhas. Esta Arte chegou também á uhima perfeição na Grécia, e em Roma, depois decahio com as mais, mas nunca se extinguio de todo, por que sempre se cunhou dinheiro, e se usou delia bem, ou mal.

Em quanto á gravura de chapa a sua. invenção he mo- derna, e foi achada casualmente por hum lavrante Floren- tino, Thomas Finiguerra, em 1430.

Desde o principio da nossa Monarchia se cunhavão em Portugal Soldos de prata, e de ouro, que tinhão não quaesquer lavores, mas lavor de figura acavallo com espada na mão. Ignoramos os nomes dos que abrirão os cunhos para a nossa moeda até o tempo do Cardeal Rei. Depois correo a moeda H espanhola desde i58o até 1640. No tempo do Senhor D. João o 5." esteve aqui o insigne Mangem, a quem forão succedendo os seus discípulos : hum delles foi João Gomes Baptista, de quem temos visto excellentes medalhas, e abrio cunhos na Casa da Moeda ; porem abu- sando da confidencia que delle se fazia, e achando-se cri- minoso, se ausentou para o Rio de Janeiro, aonde viveo debaixo do nome supposto de Thomaz Xavier de Andrade. Gomes Freire, Conde de Bobadela, Governador no Brasil, e grande estimador dos homens de talento, lhe deo o em- prego de Abridor da Casa da Fundição em Villa Rica. Morreo em_ Minas Geraes pelos annos 1754.

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João de Figueiredo.

Era natural da Cidade de Aveiro, aonde aprendeo a desenhar, modelar, e a trabalhar em prata. Pelos annos 1749 tendo 24 de idade veio para Lisboa, e pouco depois entrou para a Fundição como Abridor de armas. Foi creando discípulos, e cujo numero com o tempo, veio a ser grande. Aprendião a desenhar, a abrir ao boril, em chapa, e em ôcco, e a lavrar metaes. Seu filho Francisco Xavier de Figueiredo, e Cypriano da Silva entrarão para a Casa da Moeda. Manoel Tavares, José Joaquim Freire, António José dos Santos, Vicente Jorge, forão para Belém como desenhadores de Historia natural, additos ao Museo.

João de Figueiredo, em 1773, abrio huma medalha de 3 polegadas de diâmetro representando a Estatua Equestre do Senhor D. José I.° e foi impressada em vários metaes, e em porçolana de Bartholomeu da Costa, a qual sendo tão clara, e diáfana como a da China, resistia muito mais que ella ao ferro, e ao fogo. Em 82 fez o punção do Retrato da Senhora D. Maria I.^ para os Camafeos de porçolana do mesmo Bartholomeu, que se usarão em anneis. Para a i.^ pedra da Basílica do Coração de Jesus, lançada em 83, fez huma medalha de duas polegadas com as effigies da Rainha, e de ElRei, que se cunharão em vários metaes. Para a Academia das Sciencias em 85 gravou em medalha a Rainha sentada dando a Minerva huma Coroa de louro para premiar os Académicos beneméritos. Em 90 abrio a Senhora da Conceição para as medalhas dos Allumnos do

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CoUegio dos Nobres ; e no anno seguinte S. João Baptista para os do Seminário do Crato. Começou vencendo hum salário de i.3f)2oo réis diários, sem desconto algum; o que foi depois augmentado com looíttooo réis annuaes. Morreo em Lisboa em lo de Janeiro de 1809 com 84 annos de idade.

Succedeo-lhe na direcção da Aula seu filho António Joa- quim de Figueiredo, e Gaspar de Figueiredo, 3.° filho, he Contramestre na mesma Fundição. Francisco Xavier de Figueiredo, Abridor da moeda, morreo em 1818.

Cypriano da Silva Moreira, natural de Lisboa, foi cha- mado da Fundição para o Erário, a fim de alli abrir os sellos para o papel, d'onde passou depois para a moeda com o mesmo salário que recebia no Erário de iítt>2oo réis por dia, e as Obras pagas separadamente. Francisco de Borges Freire foi praticante de Xavier de Figueiredo, donde passou para ajudante de seu Tio Cypriano da Silva.

Simão Francisco dos Santos.

Natural de Lisboa, e discípulo de José Gaspar, de Nação Flamenga, que succedeo no lugar do insigne Mangem 1.° Abridor da Casa da Moeda, com o ordenado de 48oí!t)00o réis, e as Obras pagas, cujo lugar inda não foi provido depois da sua morte, que foi por 181 2 tendo 85 annos de idade. Simão Francisco ficou suprindo este emprego, mas sem augmento no ordenado, que tinha de 2ooCÍ> réis annuaes, casas para assistir, e as Obras pagas separada-

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mente. Em 1802, por desenho do Sequeira, abrirão, José Gaspar, António José do Valle, Xavier de Figueiredo, e Simão Francisco o punção do retrato do Principe Regente para as peças, e medalhões de bronze. Este hábil Artista tem feito, alem das Obras da Casa da Moeda, grande numero de outras, tanto em metaes como em pedras finas para a maior parte dos grandes do Reino, e para os Tri- bunaes da Corte; e mesmo até para os Reinos Estrangeiros, tem aberto muitas Armas, Escudos, e Sellos. São seus discipulos Caetano Alberto Nunes de Almeida, Luiz Gon- zaga Pereira, e Domingos António Cândido,

Joaquim Carneiro da Silva.

dissemos em outro lugar, que o desastrado fim da nossa gente em Africa seguido de huma espécie de capti- veiro de 60 annos, e das guerras da Restauração, e Succes- são obstou muito aos progressos das boas Artes ; a da gravura de estampas foi huma das que menos florecerão; e que depois da Paz de Utrechk em 171 5 cuidou o Senhor D. João o 5.° em animar as Artes, e Sciencias. Em 1720 fundou elle a Academia Real da Historia; e em 22 a Academia Problemática de Geometria em Setúbal. Estas fundações requerião Gravadores de estampas, e vierão para isso alguns Gravadores estrangeiros por intervenção de D. João da Silva, Conde de Tarouca, Embaixador na Haya. Gabriel Francisco Luiz Debrié era Francez, gravou muitas pranchas para a Historia Geneleogica, e em 1789 i5

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àbrio os retratos do Rei e da Rainha que Ranc havia pin- tado. Teve hum filho nascido em Lisboa também Gravador.

Francisco Harrewyn, Abridor Régio em Bruxellas gravou os retratos dos Senhores D. João o 4.**, D. Affonso 6.°, D. Pedro 2.", e D. João o 5.° em corpos inteiros.

Alexandre de Gusmão da Companhia de Jesus, da Pro- vinda do Brasil abrio huma estampa da Natividade com boa maneira.

Francisco Vieira, e Quilhard também gravarão bastantes chapas, e o 2.° abrio huma náo que foi ao mar em 1727 com todo o povo dentro, e fora delia, e o mesmo Rei, a quem a dedicou. Erg^ gravada no estilo de le Clerc. Fez outra chapa igualmente laboriosa da marcha fúnebre do Duque de Cadaval.

Rochefort, e Miguel Le Boiteux também forão aqui em- pregados, do i.° temos o Baptista de D. João o 5.°, e do 2.° a fachada de Mafra em estamipa de 4 palmos aberta em 1752. Depois disso alguns Portuguezes se applicarão á gravura, os Rochas, pae, e filho; Padrão; e João Silvério Carpinchi, seu discípulo, que abrio os retratos do Senhor D. José i.°, e da Senhora Rainha D. Marianna Victoria: Jerónimo de Barros, o Cavalleiro Faria, grande desenhador á penna, abrio a agua forte hum bello Santo António pre- gando aos peixes. Francisco Vieira Portuense, José Lúcio, e outros muitos.

Em 1769 se estabeleceo em Lisboa huma Aula de gra- vura, addita á Impressão Regia, dirigida por Joaquim Car- neiro da Silva, natural do Porto, onde vio a luz em 1727. Era lavrante : foi de 12 annos para o Rio de Janeiro, e alli a,prendep a desenhar com João Gomes, natural de Lisboa,

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abridor de cunhos da Casa da Moeda : Amava a musica, e tocava frauta, achando-se frequentemente em concertos de instrumentos com João Henriques de Sousa, que depois veio a ser Tliesoureiro Mór do Erário. Tendo estado alli 17 annos veio para Lisboa em lySõ, no anno seguinte foi para Roma, e frequentou para o desenho a escolla de Ludovico Sterni, que era bom Pintor. Em 1760 mandou o nosso Ministro D. Francisco d'Almeida por Ordem Regia a todos os Portuguezes que sahissem de Roma. EUe foi então para Florença acabar os seus estudos, e não acceitou hum lugar na Casa da Moeda, que o Marquez de Pombal lhe offerecia.

Entrando para a Impressão Regia, como fica dito, teve 4GOví>ooo réis de ordenado, e huma gratificação de looíí&ooo réis por cada discípulo aproveitado que ensinasse ; ensinou António Sisenando, que endoudeceo em Roma ; Ventura da Silva seu sobrinho. Gaspar Froes Machado, Eleuterio Manoel de Barros : Nicoláo José Baptista Cordeiro, que se applicou depois á pintura, e morreo tisico em fresca idade : Joaquim José Ramalho, que morreo moço em 1795, sendo também Pintor: José Galdino de Mattos começava a flore- cer quando por paixão de ciúme se matou com hum boril. Manoel da Silva Godinho que gravou muitas estampinhas devotas ; José Pedro Xavier, filho de Januário António Xavier, bom Gravador de letra, não prosegmo, e foi servir no exercito, hoje he Tenente Coronel da Brigada Real.

Quando Ponzoni, que era Mestre de desenho no CoUe- gio dos Nobres, se retirou ficou Joaquim Carneiro em seu lugar com 60 moedas. Fez os Estatutos para a Aula Regia do desenho, que se abrio em. . . sendo Director do estudo

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de figura Joaquim Manoel da Rocha, e de Architectura José da Costa: Joaquim Carneiro foi substituto de Rocha com 2oo3!;ooo réis. Por morte de Rocha em. . . succedeo-lhe Eleuterio Manoel de Barros, que leu na Aula até 1811: então, impossibilitado por moléstia, foi substituido por Faustino José Rodrigues. O lugar de José da Costa he occupado pelo seu discipulo Germano.

Joaquim Carneiro, logo que veio, (seria por 62), abrio hum S. José em com o menino ao cóUo. Em 67 fez a Senhora do Rosário no estilo de Maratte, em 76 gravou a Estatua Equestre em chapa de 3 palmos, e fez muitas outras cousas antes, e depois. Desenhou as setenta e tantas estampas para a Arte de Picaria de Manoel Carlos de Car- valho, abrio muitas aqui, e foi a Madrid para fazer gravar as outras. Acabada a Obra em. 90 voltou a Lisboa. Fez o retrato do Príncipe D. José, algumas estampas, copias de invenções da Senhora Princeza do Brasil, viuva, e da Se- nhora Infanta D. Marianna. Antes de ir para Madrid de- mittio-se da Aula da gravura que ficou anniquilada.

Traduzio do Francez Elementos de Geometria de Mr. Clairaut. Lisboa 1772. Tratado Theorico das Letras Typo- graficas 1802. O dia, a noute, e o crepúsculo, M. S., e outros. Fez muitos, e bellos desenhos a lápis, á penna, á tinta da China, e a bistre, a Acclamação da Senhora D. Maria i.'' de 5 palmos, está na CoUecção de Borba; e a Embaixada da Polónia ac Papa na de Pilar. Morreo em i8 de Outubro de 181 8 com 91 annos de idade, Jaz no Convento do Carmo,

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Gaspar Frois Machado.

De Santarém: era irmão lo annos mais moço de Fran- cisco Leal. Começou a estudar na escoUa de Giusti em Mafra, e proseguio por tempo de 4 annos : depois esteve na Fabrica das caixas, e por fim hum Padre leigo de Mafra, Fr. António de S. Joaquim o introduzio em casa de Estevão Pinto; o qual vendo que desenhava bem o fez entrar na Aula da Gravura de Joaquim Carneiro aberta de novo. Alli adiantou-se muito, e ganhou o i.° premio. Pelos annos 1780, Pagliarina que se tinha aqui refugiado, pelo crime capital de imprimir em Roma, sem licença, a Tentativa Theologica obteve o perdão, tornou para Roma, e levou comsigo o Gaspar ; porem tendo-o desamparou-o. D. Diogo de Noronha o recebeo em sua casa. Poz-se a estudar com fervor, e proveito na escolla de Volpato; quando voltou conduzio alguns painéis de Batoni para o Real Convento da Estrella, e o seu Mecenas o recommendou a seu pae o Marquez d'Angeja. Sua Magestade ; (porque elle lhe disse que não tinha casa em Lisboa), o mandou para a Casa de Pasto da Piemonteza, pagando i3í)200 réis por dia, os quaes requereo elle depois, e obteve, como pensão.

Gravou o retrato da Rainha, pintado por Hickey, em chapa grande. Abrio em 1798 também em grande prancha huma alegoria composta por seu irmão Francisco Leal, e representava Suas Magestades no throno, o Anjo Tutelar ao lado do Rei, então Principe Regente, apresentando a Sereníssima Senhora D. Maria Thereza, recemnascida á

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Lusitânia, que a recebe com respeito, e ternura, em quanto o Tejo a contempla com muito prazer. Elle distribuio as estampas pelos Senhores da Corte, que as receberão com applauso.

Também gravou a Torre de Belém que Niel offereceo ao Duque de Alafôes em lySS; e oífereceo-a ao seu Patrono D. Diogo de Noronha, depois Conde de Villa Verde. D. Ro- drigo de Sousa Coutinho o persuadio a que fosse a Ingla- terra acabar de se aperfeiçoar com Bartolozzi. A este tempo era elle casado com a filha de Francisco Manoel Pires, o que estampou a Estatua Equestre, e conseguio que ficasse á mulher a pensão dos 4oo;jí)Ooo réis, e obteve para si 2ilí>4oo réis cada dia, e loo moedas de ajuda de custo. Partio em 1796, e desgraçadamente naufragou, sem se saber como, nem aonde, tendo vivido Sy annos ou pouco mais.

António Fernandes Rodrigues.

Nasceo na Cidade de Marianna no' Brasil de hum pae Portuguez, e de huma sua crioula, cousa muito usada naquelles paizes. Estudou no Rio de Janeiro a grammatica latina com seu Tio o Padre José Fernandes, Jesuita; a Musica com o Mestre António do Carmo; e o desenho com João Gomes Baptista Abridor de Cunhos, que também o ensinou a modelar. Em 1758 veio a Lisboa, e no anno seguinte passou a Roma aonde teve por Mestre Filippe de Ja Valle, Escultor, até que em 3 de Julho de 1760 mandou o Ministro de Portugal que sahissem de Roma os Portu-

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guezes. Publicou-se no Almanach, como he costume, o numero dos estudantes da Arte de todas as Nações, em grande numero; mas de Portugal, dizia elle, trez, e não mais, e pensionados de sua casa. Os trez erao elle, Joaquim Carneiro da Silva, e Felis José da Rocha, Pintor de mi- niaturas, natural da Bahia. Todos trez partirão para Flo- rença, aonde elle Fernandes se applicou a desenhar figuras, e architectura. Veio de todo para Lisboa em 62 aonde sérvio o Publico como Gravador, e Archictecto. Fez o risco para a Igreja de S. Vicente da Cidade da Guarda. Inventou, e desenhou o elogio ao Marquez de Pombal que foi gra- vado em França por Stefano Tassard. Diogo Ignacio de Pina Manique querendo abrir huma Aula de desenho na Casa Pia do Castello o convidou para a dirigir, e fez-se a abertura delia em 23 de Abril de 1781, vencendo por isso Sooíitooo réis. Esta Aula ficou extincta pela invasão dòs Francezes em 807, e António Fernandes morreo em 17 de Maio de 1804, tendo quasi 80 annos de idade.

Francisco Bartolozzi.

Franco, e bravo desenhador, como diz João Gori Gan- dellini, e qualquer o pôde vêr nas suas obras. Nasceo em Florença pelos annos de 1727. Foi discípulo de Wagner, e gravou em Veneza, e em outros lugares da Itália grande numero de chapas todas limpas, e agradáveis, mas com diíferentes grãos de merecimento.

Em 62 foi para Londres aonde executou muitos pensa-

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mentos da Angélica Kauífmann, de Vieira Portuense, e de outros; algumas destas obras são assas triviaes, outras de grande mestre. Entrão no numero das melhores Achilles, a morte de Lord Chatham, e o Viriato de Vieira dedicado a Sua Magestade. D. Rodrigo de Sousa Coutinho tendo a inspecção da Officina Regia quiz fazer huma magnifica edicção dos Lusiadas de Camões, e para esse fim attrahio a Lisboa o nosso Bartolozzi em 1802 com õooííooo réis de pensão, casas, e obras pagas ; e renovou com elle a escola de gravura que estava extincta pela demissão de Joaquim Carneiro. Francisco Vieira fez muitos esbocetos pintados a óleo para as estampas da dita obra, e erão bem compostos; mas tendo-se D. Rodrigo demittido dos seus empregos, tudo ficou sem effeito.

Quando Napoleão quiz estampar o grande Museu da França, fructo das suas rapinas, repartio a gravura das estampas pelos melhores incisores da Europa. Bartolozzi gravou a morte dos Innocentes do Guido, obra de grande magistério. Abrio também o retrato delElRei Nosso Senhor pintado pelo Pellegrini. A ultima obra que fez foi a Pro- cissão das Sagradas Formas de Cláudio Coelho.

Teve por discipulos. Domingos José da Silva, natural de Lisboa, que primeiro estudou o desenho na Aula de Eleu- terio Manoel de Barros, o qual também lhe deo lições de pintura, depois applicou-se á gravura com Joaquim Carneiro, d'onde passou em i8o5, ou 6 para discípulo de Bartolozzi, até ao tempo da sua morte, ficando recebendo a pensão annual de 170 e tantos mil réis que lhe foi concedida para estudar. Este artista vive com seu irmão Simão Francisco dos Santos, Abridor da Casa da Moeda, de quem fizemos

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menção. Domingos José abrio hum quadro de Nossa Se- nhora de Carlos Maratte dedicado a Araújo, então Ministro da Guerra. Hum Santo António de invenção de Pedro Alexandrino, o qual foi dedicado a Sua Magestade, então Príncipe Regente. O retrato do Bispo Inquisidor. Algumas chapas para os Breviários, impressos na Impressão Regia. O retrato do Padre José Agostinho para o seu Livro, e outras cousas mais : pinta também a óleo, e em miniatura.

João Vicente Priaz regressou ao Piemonte, pátria de seu pae. Theodoro António de Lima, natural de Lisboa appren- deo com o Figueiredo na Fundição, e depois com Barto- lozzi, he substituto da Aula do desenho no Collegio dos Nobres.

António Maria de Oliveira Monteiro, namrai de Lisboa, estudou o desenho na Aula de Eleuterio, e dahi passou para discipulo de Bartolozzi.

Francisco Thomaz de Almeida, natural de Lisboa, pas- sou da Aula da Fundição onde apprendeo o desenho, para discipulo de Bartolozzi, está empregado na Impressão Regia.

Francisco António da Silva, applicou-se á pintura.

Francisco Bartolozzi terminou a sua longa, e illustre carreira em Lisboa no anno de i8i5 com 88 de idade.

O COXINHO.

Assim chama o ^-ulgo a José Lúcio da Costa, natural de Lisboa, nascido em 1763, o qual aos 9 annos de sua idade

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foi estudar o desenho na Aula de Joaquim Manoel da Rocha até aos 14 annos, a cuja idade seu pae o passou para a Aula do Calhariz, a fim de se applicar á Sciencia de Ma- thematica, Engenharia, e Fortificação; porem, andando nestes estudos teve a infelicidade de huma paralesia na perna esquerda, que apezar das grandes diligencias de seu pae, e dos muitos remédios que se lhe applicarão os mais hábeis facultativos, ficou coxo da dita perna. Vendo-se por este motivo inhabilitado a proseguir os seus estudos de Engenharia, principiou por curiosidade a abrir algumas estampas ; e como a natureza o tinha dotado de muita habilidade, ellas forão recebidas com tal acceitação, que principiou a fazer profissão de Abridor de chapa ; fazendo todas as Obras de gravura para a Secretaria dos Negócios da Guerra; todas as da Biblia de Jorge Bertrand; as chapas das Obras de Joaquim Machado, Escultor da chapa de S. Lucas para as Patentes dos Irmãos daquella confraria, e muitas outras mais ; não fallando nos retratos para me- dalhas, caixas, e anneis feitos por elle á miniatura; assim como tudo que he mechanismo, porque tudo faz, e com tal presteza como se tivesse muita pratica.

Nicoláo José Corrêa, e Manoel Luiz Rodrigues Vianna, também são Abridores do mesmo tempo, naturaes de Lis- boa, e discípulos do Figueiredo, em a Aula da Fundição, da qual o 1.° sahio por Aviso de D. Rodrigo, para a Offi- cina do Padre Vellozo ao Arco do Cego: desta passou para a Impressão Regia,. e morreo em 1 1 de Dezembro de 1814. O 2.° existe na mesma Impressão Regia.

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Gregório Francisco Queirós.

Natural desta Corte, teve por i.° Mestre em desenho, e gravura d'agua forte Jerónimo de Barros Ferreira. Em 1796 foi pensionado da Corte para Londres com 6oo©ooo réis annuaes, e alli esteve 3 annos como discípulo de Bartolozzi, e outros 3, dirigindo elle mesmo os seus estudos. A Junta Provisória suspendeo as pensões aos que estavão fora do Reino; mas D. Rodrigo, Conde de Cavalleiros, e seu filho D. Gregório, que o protegião, lha continuarão generosa- . mente por 3 annos, até que foi chamado com Bartolozzi para ser seu substituto, com 600ÍÍ000 réis de ordenado, e Obras pagas.

Muitas são as chapas que gravou em Inglaterra, e tem gravado em Lisboa, sendo huma das mais laboriosas a da sopa económica, que se distribuía aos emigrados das Pro- víncias por ordem do Governo, no tempo da invasão de Massena.

Eleuterio Manoel de Barros.

Nascido também nesta Cidade, frequentou a Aula de gravura de Joaquim Carneiro da Silva, e abrio muito bem algumas estampas para os Missaes. Passou a Roma, aonde teve por Mestre o mesmo Ludovico Esterni, que o fora do dito Silva. Alli esteve em casa do nosso Ministro Almada, .para quem levou recomendação de Soror Maria Magdalena,

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Irmã do Marquez de Pombal, e Religiosa no Convento de Santa Joanna. Quando veio conduzio o painel de Batoni do Coração de Jesus para a Basilica da Estrella, em cujo Convento ha hum painel seu de Elias deitando a capa a Eliseu: Obra que foi criticada por Manoel de Mattos, e deífendida em parte por huma apologia de Joaquim Car- neiro. Fez os desenhos para os tectos da casa nobre de João Ferreira, executados por Francisco de Setúbal, Do- mingos de Sequeira, Joaquim José Bugre, e outros. Entrou como hum dos Directores na Academia do aos Camillos. Por morte de Joaquim Manoel da Rocha, succedeo-lhe no lugar de Lente da Aula do Desenho, até que sendo atacado de paralesia foi substituído por Faustino José Rodrigues, conservando-lhe Sua Magestade, todo o ordenado.

João Caetano Rivara.

Sendo filho de estrangeiros nasceo em Lisboa, aonde frequentou a Aula do Castello. Foi para Roma em 1788 pensionado pela Intendência, e alli por 3 annos foi escolar de Labruzzi. Passou depois para a Escola de Pedro VitaH, Veneziano, frequentando também o estudo de Volpato, Gravador famoso. Rivara gravou huma Sacra Familia do Ticiano de palmo e meio, dous ouvados de Teniers repre- sentando hum pastor, e huma pastora, em meios corpos; o busto de Antenori em ovado pequeno &c. Voltou a Lisboa em 99, e depois foi a Londres estudar com Bartolozzi, tendo de pensão eoo^fooo réis. Alli gravou os retratos da

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Senhora Rainha, e do Príncipe Regente de Portugal. Se- guio o estilo de Strange, e nesse mesmo estilo desenhou á penna hum Fauno, e huma Bachante, que estiveráo no gabinete do Secretario de Estado, António de Araújo e Azevedo. Em i8o3 regressou a Lisboa, e foi ser Professor de gravura no Jardim Botânico, aonde tem aberto plantas, e outros objectos de Historia Natural.

António Sisenando.

Foi em Lisboa discípulo de Joaquim Carneiro, e em 1788 indo para Roma pensionado pela Intendência teve por Mes- tre Labruzzi. Em 90 enviou ao Intendente em desenho o Jeremias do Guercino da Galaria Altieri. Endoudeceo era 91 estando para entrar na escola de Volpato, e no anno seguinte foi reconduzido a Lisboa.

Manoel Marques d'Aguillar.

Na Cidade do Porto se estabeleceo huma sorte de Aca- demia, ou Aula de desenho pelos fins do reinado do Senhor D. José, sustentada pela Companhia dos vinhos, sendo o seu primeiro Director António Fernandes Jacome, natural de entre Douro e Minho, o qual tinha feito em Roma os seus estudos. Succedeo-lhe Francisco Vieira na direcção delia, e nessa occasião recitou hum breve discurso, que se

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estampou na Impressão Regia em i8o3. Lembra nelle o Aiithor muitas das utilidades do desenho, e pintura, e o quanto importa ao Pintor ser sábio, e erudito : attribue a falta que temos tido de grandes Artistas ao não haver escolas fornecidas de muitos, e bons exemplares; e de nenhuma sorte á dos talentos naturaes. Agora espera gran- des resultados desta feliz combinação &c.

Nesta escola estudou Manoel Marques de Aguillar até o anno lygS, e depois partio para Londres com huma pensão de 6ooí?)ooo réis para estudar a pratica da gravura com Thomaz Milton, parente do Poeta, o qual abria muito bem paisagens, e figuras. Voltou em 96 ou 97, e foi pensionado Com 48oc3:)Ooo réis para no Jardim Botânico fazer costumes da Ásia, e objectos de Historia Natural. Gravou também os -retratos de Suas Magesíades. Nasceo na mesma Cidade do Porto em 17Õ7 ou 1768.

José' Teixeira Barreto.

Também nasceo no Porto pelos annos 1767, Tendo i5 annos tomou o habito dos Benedictinos no Convento de Tibaens, e com elle o nome de Fr. José da Apresentação. Quatro annos depois passou para S. Bento da Saúde de Lisboa, e os Prelados o mandarão á Aula do Rocha estudar o desenho; e em 1790 o inviarão a Roma, aonde foi discí- pulo de José Cadiz, e de Mr. Gagneraux, Pintor de Histo- ria;, pensionado Francez, que se havia alli estabelecido. Por intervenção de D. Alexandre de Sousa secularisou-se

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em 91. Applicou-se então á gravura, e abrio, em con^ tornos as estampas para Scher\\i poetici de Rossi; e por painéis de sua invenção gravou Moyscs nas aguas; a mulher de Dário diante de Alexandre; o repouso do Egypto; Vénus com algumas Nimfas; &c. &c. Veio em 97, e 8 annos depois pela morte de Vieira, succedeo-lhe no lugar de Director da Academia Portuense. Pelo seu falecimento subio á Cadeira o seu substituto Raimundo, e foi admittido como substituto, João Baptista hum dos Alumnos da mesma Escola.

Benjamin Comte.

Nasceo em Payerne na Suissa pelos annos 1760. Estudou em Londres na Escola de João Landseer, Gravador do Rei, e ãpplicou-se aos géneros da paisagem, e da architectura. Em 1806 por intervenção de D. Rodrigo de Sousa Coutinho foi chamado á Corte de Lisboa com 5ooCíooo réis de orde- nado. Aqui tem gravado dous grandes, e bellos arvoredos, em hum dos quaes está Narciso vendo-se nas aguas, e no outro Leda; pensamentos ambos de Vieira Portuense. Abrio também o Prospecto do Convento da Batalha, e outras cousas.

Faustino José' Rodrigues.

He natural de Lisboa, e frequentou a Aula de Joaquim Machado de Castro^ e foi declarado por seu Mestre, de

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maneira authentica, pelo mais benemérito de todos os seus discipulos : também intentou, e conseguio que elle fosse Seu substituto na mesma Aula. O mesmo Joaquim Machado não se dedignou de pôr o seu nome no busto de mármore do Duque de Alafões, que elle esculpio para a Academia das Sciencias. Também fez o retrato do Senhor Infante D. Pedro Carlos para o seu Mausoléo que foi para o Rio de Janeiro. O retrato da Senhora Rainha D. Maria, Pri- meira, que se acha em huma piramede colocada no Campo de Ourique em memoria da grande Batalha que ah se deo. Fez também a Pia Baptismal ; e outras muitas obras para os Senhores Marquezes de Bellas, e de Borba. Não tem feito Obras de Escultura, mas também de Pintura, e com boa acceitação. Quando Eleuterio Manoel de Barros soffreo o insulto da paralesia, elle foi substituir o seu lugar de Lente da Aula do Desenho.

Conta actualmente 60 annos de idade, e 46 de applicaçao á Arte.

JoÂo Teixeira Pinto.

Natural desta Cidade de Lisboa, logo nos annos de sua mfancia deo signaes de ter génio, e gosto para a Pintura, ^ e Escultura, começando a copiar estampas, modelando, e applicando-se em Obras de Escultura; de maneira, que a sua habilidade o fez Artista conhecido do Publico, sendo chamado para trabalhar em muitas Obras de Escultura, principalmente para a Casa Real, para a qual fez hum S. Pedro de Alcantra, e hum S. Miguel, ambos de prata,

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para os Baptisados do Príncipe D. Pedro de Alcantra e do Infante D. Miguel. Também trabalhou nas Banquetas de prata para os Oratórios de Suas Magestades. Entrou por Ajudante na Aula de Escultura de Joaquim Machado. Fez algumas cousas no Palácio de Queluz no tempo de El-Rei D. Pedro, e presentemente está trabalhando no novo Palá- cio de Nossa Senhora da Ajuda.

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MEMORIAS C0NCERNF:NTES

a' vida e algumas obras

DE

CYRILLO VOLKMAR MACHADO,

ESCRIPTAS POR ELLE MESMO.

EU amo a Nobreza, mas não tive a vantagem de nascer nobre. Meu Pae aprendeo, e professou a Arte da Cirurgia, e os seus parentes nada mais erão que honrados lavradores do termo de Setúbal ; alguns dos quaes servirão com boa reputação na Camará daquella Yilla, alguns se- guirão os postes Militares, outros em fim se dedicarão ás funções Sacerdotaes. EUe estabeleceo-se em Lisboa aonde casou ; e eu fui o 4.° dos seus 6 filhos, tendo nascido em 9 de Julho de 1748. Fui baptisado na Freguezia de S. Ni- coláo. O seu intento era fazerme entrar na Aula do Com- mercio, cousa em que eu convinha, por condescendência, porque o meu génio propendia para a pintura, com huma força irresiswvel.

Ficando órfão consegui que meu tio João Pedro Volkmar quizesse ensinarme a Arte, e appliqueime a ella de dia, e

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de noute, com huma espécie de furor, que me tolhia o somno. Em muito pouco tempo desenhei grande numero de estampas, parte das quaes forão também copiadas por Joaquina Isabel, a ultima de minhas irmãs; porque he naturalmente dotada de talento raríssimo para a imitação, tanto em desenho, como em pintura.

Passei a colorir; e quando me pareceo, que tinha copiado bastantes quadros, desejei inventar, este desejo era intem- pestivo, mas eu não o podia conter; fiz diversas tentativas, que servirão para darme a entender as diííiculdades da empreza. Elias com tudo não me desanimarão inteiramente, antes fizerão augmentar a vontade que tinha de ir a Roma. Em tanto com alguma habilidade natural, e pouca sabedoria, fiz bastante fortuna ; pintei a tempera, a fresco, a óleo, e de aguarelas sobre panno branco; fiz grandes, e pequenos painéis em Igrejas, Palácios, e edifícios públicos, não em Lisboa, mas nas Províncias ; pintei Carruagens ricas ; huma das quaes foi para o Senhor Rei D. José. Também em casa de Parodi copiei, e vesti retratos, e depois tirei alguns pelo natural.

Como o ócio total fosse incompatível com o meu génio, appliqueime nas horas vagas á leitura, á dança, e á musica, frequentando os Theatros, e honestas sociedades; grangiei bons amigos, mesmo entre a classe das gentes distintas, que nos bellos dias do anno me convidavão, e conduzião, para ir gozar o recreio, e toda a sorte de bons tratamentos nas suas quintas, e casas de prazer.

No melhor desta serie de agradáveis passatempos, quiz o destino, que eu me fosse incautamente enredar em hum daquelles encantadores laços, que a juventude parece não

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ser capaz de evitar senão por milagre; sondo o resultado, tomar eu huma prompta resolução de partir para Roma. Passei por Évora aonde fui generosamente hospedado por João de Mesquita: alli me demorei sempre occupado, 14 ou i5 mezes, e demorarme-ia muitos mais se quizesse acceitar as encommendas que se me ofterecião ; não naquella Cidade, mas também em outras povoações da mesma Provinda. De Évora transporteime a Sevilha, aonde, a requerimento <^o Intendente da Policia Francisco Xavier Larumbe, se havia eregido huma Academia de Desenho dotada pelo Rei, tendo por Director Geral D. Pedro dei Pozzo, Pintor parente do dito Larumbe, que era Fiscal. Os Pintores D. João de Espinal [i] D. Francisco Ximenes e D. Francisco Cano, e alguns Escultores dirigião os estu- dos do desenho. Alli debuxei o nu pela i.^ vez, e estudei os Elementos de Euclides com D. Pedro Miguel, que era o Director da Geometria. Depois de passar o inverno naquella Cidade, que he huma das mais consideráveis da Hespanha, e em cujas Igrejas se. admirão as Obras de Murillo, e de outros famosos Pintores, conduzime a Cadiz, aonde encontrei Fr. António Cotrin, Monge de Alcobaça, e Fr. Alexandre, Padre de Brancanes, depois Bispo de Malaca, e em fim de Angra. Todos três embarcamos para Génova, e dalli para Liorne, aonde tomamos Caleças para Roma.

O que he Roma, a respeito das bellas Artes, pode-se vêr, e entender, mas não se sabe exphcar. Alli me despedi

t] Era o Pedro Alexandrino de Sevilha: Bermudes f^la nelle.

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de todos os outros divertimentos para me entregar inteira- mente aos da minha profissão; e para meus directores em pintura, e architectura elegi os Mestres dos maiores Mes- tres; isto he, Rafael, o Antigo, a Natureza, e as Ruinas da antiga Roma; sem desprezar as advertências dos mais, e menos sábios quando ellas me parecião acertadas. Apezar da minha assiduidade ao trabalho; o tempo me deixou vêr, que para conseguir o meu desejo era preciso ter pensão, e protecção da Corte ; e voltei a Lisboa para vêr se as alcan- çava.

Chegado a esta Capital no Outubro de 1777 fui convi- dado pelo Bispo de Coimbra, Reitor da Universidade, para me empregar nas Obras de que elle podia dispor, tanto de pintura, como de architectura, promettendome também solicitar a meu favor a Cadeira destas Artes, que estava vaga. Eu não acceitei, mas annuí a outro convite que me erão fiz os meus amigos de Alemtejo, e occupeime em Évora, e Elvas até o S. João de 79. Logo que voltei a casa fui atacado de cezões : no tempo da convalescença tratei da erecção da Academia do nu a S. José; requeri, por intervenção do Marquez d'Angeja, a 2.* viagem de Roma, a qual não consegui pela não saber solicitar com eííicacia. Sem perder a esperança, fui acceitando as encommendas, que se me fazião, e não tive razão para me queixar da fortuna, antes admirei o capricho com que ella me fez sustentar a concorrência com o celebre Pedro Alexandrino. Pintei carruagens riquíssimas para a Casa Real, tectos, e painéis nas Igrejas, Palácios, e casas nobres como a de Domingos Mendes, Bandeira, Devisme &:c. Em hum dos tectos de Quintela figurei, entre muitas, e varias composi-

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çÕes, o Concilio dos Deoses, de Camões, sobre o Império dos Portuguezes na Ásia : o instante que escolhi foi o do fim do Concilio. Em quanto os outros Deoses se vão reti- rando Vénus de joelhos agradece ao seu Omnipotente Pae o favor que quer fazer aos Lusitanos, e recebe delle hum beijo tão expressivo como o que o mesmo Jove deo no Cupido, pintado pelo insigne Rafael no Palácio de Farneze. Bacho cheio de furor, apertando a barba com a mão faz huma despedida anieaçadora, e o travesso filho da Deosa para mais o irritar movendo circularmente a mãosinha direita sobre a esquerda lhe diz que hade remoer.

Nos tectos do Palácio da Senhora Marqueza de Bellas, pintei o Valor Portuguez, a Idade de ouro, o triunfo das Artes, e tantos outros objectos, que forão elegantemente descriptos pelo Padre Caldas, Secretario da mesma Excel- lentissima Senhora, [i] No Paço do Duque de Alafões executei vários pensamentos poéticos de sua invenção, rece- bendo daquelle generoso Principe afifáveis modos, attenções, e liberalidades, franqueando-me casa, cama, mesa, moços, e carruagem effectiva. No do Marquez de Loulé colori entre muitas cousas, o grande Salão em cujo tecto figurei hum baile dos Deoses. No da escada fingi huma espécie de varanda octagona pintada na concavidade, ou huma meia esfera, que era notável pelo desmancho da superficie. Para o Theatro fiz scenarios, estatuas, figuras coloridas, e pannos

[i] Confessem aqui a verdade e a gratidão as urbanas attenções, amizade, e protecção, que sempre devi ao Senhor Regedor, e a toda a sua illuslre Família.

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de embocadura, comprehendido também o do novo Theatro de S. Carlos quando se abrio em 87. O Gaspar, sendo Architecto decorador no Theatro do Salitre, e indo para os banhos das Caldas, supri a rogos seus o seu lugar, e fiz o templo para Sezostres, com a fortuna de ser extraordi- nariamente applaudido todas as vezes que appareceo, que forão muitas. No anno seguinte, para a dança de Marafe, compuz e executei a derrota de Dário, que foi muito bem acceita.

Risquei também vários projectos de architectura civil, sendo o mais considerável de todos o do Palácio da Rela- ção, e Cadea, e tive em recompensa, e por grande mercê huma pensão de 'j2oítt>ooo réis a titulo de Pintor de S. A. R., pagos pela folha de Mafra [i]; obtive também a licença que pedi para ali fazer algumas pinturas ; por cujo motivo se me deu hum quarto no Palácio, hum Servente, e hum Ajudante &c. Transportado áquella real Villa em Maio de 1796 fui pintando alguns tectos, cuja descripção não cabe na brevidade destas memorias: direi, que quando fiz o Phaetonte, tive em vistas o precipicio que parecia estar destinado a hum mancebo menos illustre que o filho do Sol; mas tão audaz como elle até áquelle tempo.

[1] Até áquelle tempo não se havia dado maior ordenado aos Pin- tores do Rei, nem mesmo ao insigne Vieira Lusitano; mas era dom gratuito, e quando se lhes pedia qualquer trabalho recebião por elle huma gratificação, depois deráo-se a alguns mais avultadas pensões, sendo consideradas como recompensa das Obras que fizessem; cousas ambas praticadas na P>ança, Hespanha, e outros Paizes da Europa para dar alento ás boas Artes.

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Eu vivia tão solitário em Mafra [i] como hum anacoreta no seu cremitorio, e para bem passar as noutes entreti- nhame com os meus livros, e com os que me emprestava o Padre Bibliothecario, tendo para isso licença superior. Recopilei grande numero de Authores de Architectura, copiando o que havia mais interessante em cada hum, e comparando os huns com os outros, de sorte que, sem ser esse o meu intento, vim a compor hum tratado, que se se publicasse poderia ser útil aos principiantes, e servir tam- bém como promptuario aos mais avançados.

As encommendas continuavao, e inda que, segundo a pratica, eu as podesse acceitar, não o quiz fazer.

Em quanto eu me occupava em Mafra, foi Sua Mages- tade servido nomear Domingos António de Sequeira, e Francisco Vieira para dirigirem, e executarem a melhor parte das pinturas no Paço da Ajuda; mas tendo Vieira falecido ficou o seu collega: este fez para huma das sallas algumas passagens da historia de D. Affonso Henri- ques, as quaes forão com razão muito applaudidas: também fez alguns tectos que não tiverão a mesma fortuna, porque desagradarão a varias pessoas da Corte, e principalmente a João Diogo de Barros, depois Visconde de Santarém,

[i] Estando o Author em Mafra, foi convidado para ser Alumno da Sociedade Litteraria Tubeciana, estabelecida na Villa de Abrantes, composta de Varões conspicuos, da qual foi também Membro o Excel- lentissimo Senhor Filippe Ferreira de Araújo, actual Secretario dos Negócios do Reino.

Esta Sociedade tinha por objecto promover o augmento, e melhoria das Sciencias, e das Aries. Os Estatutos se imprimirão, e merecerão a Real Approvação em 3i de Julho de 1802.

2DO

inda que elle fosse muito amigo de Sequeira, e grande admirador dos seus raros talentos, de sorte que Manoel da Gosta foi alli pintar hum tecto, e teve bastante applauso. No tempo da invasão tendo eu cahido em*huma sorte de apathia fiz grandes diligencias por hum passaporte, e não o consegui; em tanto, para me distrahir, tracei humas taboas chronologicas, a fim de combinar, por meio delias, a historia da Arte com a historia universal, e entender melhor às causas dos seus progressos, e decadencias.

Restaurado felizmente o Reino, o povo miúdo de Belém se levantou contra o Sequeira, porque o suspeitava de inconfidência: elle conseguio poder-se justificar, sem em- bargo disso, o dito João Diogo, sendo Fiscal da Obra do Palácio com poderes muito amplos, não o quiz admitir na pintura dos novos tectos, receando, que a rapaziada daquel- les sitios o tornasse a insultar se alli apparecesse.

Em tanto restituído eu á Capital, depois d'huma ausência de 10, ou II annos ainda achei no Publico a mesma dispo- sição para me favorecer, fiz muitos painéis para Igrejas, e para os Theatros. [i] Em Setembro de 1808 tendo Manoel

[ij No meio de suas laboriosas occupações, não deixava applicar-se á leitura, principalmente dos livros próprios da sua profissão. Em 1810 publicou hum Opúsculo intitulado as Honras da Pintura, Escultura, e Architectura ohra, e composição do celebre João Pedro Bellori, e que verteu do Italiano para a nossa lingoagem. O Traductor lhe ajun- tou eruditas annotações. No anno de M.DCCL XXXXIV. fez imprimir Conversações sobre a Pintura, Escultura, e Architectura—. Escritas, e dedicadas aos Professores, e Amadores das Bellas Artes. Esta Obra he mui interessante aos Artistas, e as notas aonde reluz a erudição, o gosto, e huma critica judiciosa; nada ha mais, que desejar. Em 1817

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Baptista de Paula, e toda a sociedade dos Actores Portu- guezes festejado a Restauração com magnificas luminárias, pintei para ellas em grandes quadros transparentes, de huma parte a Inglaterra empunhando o Tridente, da outra a Hespanha incitando o Leão, e no centro, em painel muito maior, a Monarchia Lusitana, que opprimia com os pés a cabeça do Furor Revolucionário, cingido com pezadas cadeas. Esta pintura foi copiada em desenho pelo filho de Felisberto, e aberta ao buril por Theodoro José de Lima, discípulo de Bartolozzi. Para a festa do Desagravo feita pela mesma sociedade na Igreja do Sacramento, cuja arma- ção era riquíssima, fiz hum painel oval de 12 palmos de alto, pintado a tempera, muitos espíritos celestes sustenta- vão, e adoravão a custodia, diante da qual também estava Lisia, porfunda, e amorosamente prostrada, em quanto hum Anjo vibrando a espada de fogo fulminava os sacrí- legos, erão estes representados, i.*' pelo Atheismo que fazia grande, mas inútil esforço para despedaçar o Alpha, e o Omega; letras, que entrelaçadas, representão, como todos sabem, o Nome de Deos, 2.° pela Insurreição regicida, e pelo sacrilégio, que disparavão em vão contra o Ceo tiros de settas, e bailas, os quaes tornavão a cahir sobre as cabeças dos aggressores. Fiz outro grandíssimo, transpa-

publicou Nova Academia da Pintura . Neste Opúsculo o Author não só, huma idéa dos progressos, e aperfeiçoamento, que teve a Pin- tura d'esde o Século 11 até o Século 16, mas recopilou sobre a com- posição relativa, [como se explica o Author], ao grande Género tudo quanto a este objecto se acha de mais interesse em grossos volumes. Em nenhuma destas obras accusou o seu nome.

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rente, para o espectáculo que deu a Companhia em obse- quio do Príncipe Regente de Inglaterra. Estava elle em pé, sobre as margens da sua Ilha, recebendo das mãos de Marte a espada, enviada por Júpiter, ao mesmo tempo, que os Deoses marítimos lhe rendíão vassalagem. Tritão o abraçava peíos pés; as Nereidas lhe beijavão a mão; e Thetis lhe offerecia pérolas, coraes, &c. Para outro appa- rato scenico, também em grande quadro transparente figurei os Desposorios de S. A. R. com o Senhor Infante D. Pedro Carlos. No panno de divisão para o grande Theatro, exe- cutei hum pensamento de Pato Monis, Poeta dramático, em louvor do Lord Wellinghton. A óleo pintei 5 painéis dos Passos para o Algarve, hum quadro da Cea para S. Sebastião, e outros mais.

Em 1814 fui convidado pelo mesmo Inspector, Visconde de Santarém, para executar, e dirigir varias pinturas no Palácio da Ajuda, e desde então tornei a regeitar as encom- mendas do Publico, que continuavão com bastante frequên- cia. Em hum dos tectos figurei a Aurora, esta figura foi pedida pelo Inspector, como annunciando a tornada do Sol, e com ella a felicidade publica seguida de abundância. Em outra pintura para a Salla do Docel representei a saudade das filhas do Tejo mitigada pela presença da Real Família, que regressava a esta Capital em marítimo triunfo. No quadro apparecia o Deos dos mares sentado em grande carroça de madre pérola, cedendo nella o lugar de honra ao nosso Augusto Soberano, a quem conduzia, e a quem a Victoria punha a Coroa de louro na cabeça. O carro era puxado pelos Tritões, e Nereidas, e cortejado pelas Tágides, que fazião pura offerla ao Monarcha, dos seus corações.

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O Tejo o recebe de joelhos, e muitas das suas Nymphas, humas o contemplao com pasmo, outras com acclamaçÕes. Seguia-se também em carro triunfal, a Excelsa Princeza vestida como Amazona, os Deoses, e Deosas do Mar, e do Tejo beijão-lhe a Real Mão, e exprimem a saudade que tinhão, e o ardente desejo com que esperavão tamanha felicidade. Mas ao longe começavão a apparecer diversos carros aonde vinhão outras Pessoas Reaes. Em 2 menores painéis aos lados deste, imaginei a America despedindo-se enternecida dos Augustos Viajantes, e a Lusitânia esten- dendo alegre ambos seus braços para os receber. No meio do tecto está a Paz conseguida pelo valor heróico, ao redor delia danção de mãos dadas, cheias de prazer as Artes do Desenho, da Poesia, Musica, Astronomia, &c. 8 por todas. Nas 4 sobre portas estão a Filosofia, a Medicina, o Com- mercio, e a Agricultura: no rodapé as Artes de Palias. As figuras forão executadas por Joaquim Gregório, e os ornatos por André Monteiro, e outros hábeis ornatistas. Em quanto estas obras se executavão na Ajuda pelos meus desenhos, cartões, e esbocetos, pintei na minha casa em Lisboa as 8 sobreportas para a Salla do Docel, e acabei-as em 1817. Representâo ellas as deprecaçÕes e votos, que fazem as filhas do Tejo ás Divindades marítimas para que sejSo propicias, ao desejado regresso de Sua Magestade, figurado, como disse, no triunfo marítimo.

Como as agoas das chuvas penetrassem alguns dos tectos, e detiriorassem as pinturas, que são feitas a tempera, o do dito triunfo padeceo bastante, e foi retocada por Joaquim Gregório, e José da Cunha.

Tendo eu acabado as obras Reaes de que estava encar-

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regado, o Publico constante sempre em me fazer favor, tornou a visitar-me, e entre outras requisições, tive a do Barão do Quintella que exigia 4 grandes painéis, sem preço hmitado; mas o pezo dos meus dias se deixava sobeja- mente sentir; e de todos os convites que se me fizerão pude acceitar o do grande painel da Natividade de Nossa Senhora para a Real Collegiada de Alcáçova de Santarém, o de S. Bernardo, para a Capella do Commendador de Malta Bernardino Paez, em Mangoalde ; e o de Santa Mar- garida de Cortona, em pequeno panno para o Thesoureiro Mór de Santa Maria d'Alcaçova de Santarém, com elles dei fim á minha carreira pinturesca, porque entrei a expe- rimentar os tristes effeitos de huma enfermidade espasmó- dica, sobre a avançada idade de 70 annos.

Depois de relatar o favor, que devo ao Publico, e a Corte, seria ingrato senão confessase algumas das muitas mercês, que devo a Sua Magestade e a toda a Familia Real, apezar do meu modo pouco agradável, e assas aca- nhado, porque em attenção aos meus annos sempre se dignou de me conceder hum dos primeiros lugares entre os meus digníssimos Collegas, em Mafra.

Eu levava os meus ordenados pelas folhas de Mafra, e por omissão do pagador estava em grande atrazamento ao tempo da retirada de Suas Magestades, e Altezas para o Brazil. Dos Francezes nada recebi, antes fui dimittido por elles, mas por Aviso Régio de 23 de Agosto de 1809 to^^nei a entrar na dita folha, e por outra Real Ordem recebi todos os atrazados, o que publico, porque faz honra ao Animo recto, e generoso de Sua Magestade, e a integridade do Excellentissímo Marquez de Borba.

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Em virtude de outro Aviso Régio, remetido pela Repar- tição do Particular, com data de i5 de Maio de 1819, fui consultado sobre objectos de Pintura, e Architectura, rela- tivos ao Real Palácio, em Conferencias de Artistas ; presi- dindo a ellas o lUustrissimo Inspector.

Hum dos casos discutidos foi o remate da Fachada, que se está acabando da parte do levante: o meu parecer agradou, e foi executado em modelo, por ordem do Pre- sidente.

A antiga composição formava hum contorno quasi qua- drilátero ; o da minha era piramidal : a Escultura que naquella estava dispersa, nesta formava hum grupo com- posto de 5 estatuas, o Génio da boa Fama no cume de pequena pirâmide tocava o Clarim da Deosa ; dous Génios da Victoria sustentavão o escudo das Armas Reaes, e o ornavão com palmas. Marte, e Bellona sentadas nos acro- terios o enfeitavão com festonadas do laurel. O espaço que ficava entre as pilastras do meio, e fazia hum rectângulo de 20 palmos de alto por 26 de largo, era enrequecido com hum baixo-relevo, aonde se via o pertendido Anjo da Vi- ctoria ser expulso das margens do Tejo pelo Anjo tutelar da Nação Portugueza [1]. Este corpo central era coroado com hum pequeno frontão em proporção de circulo : a escultura foi m(^delada pelo Cavalleiro Barros com aquella agraça, e elegância que lhe são peculiares; mas esta obra não agradou a todos os censores ; huns não gostarão .do

[i] Rafael executou semilhante pensamento no Attila, no Eliodoro, na Batalha de Goustantino.

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pensamento delia, outros da distribuição. Manoel Caetano disse que não era solida: eu nego, e elle affirma qual de nós se enganará?. . .

Concedido por Sua Magcstade, tive por meu Ajudante nas Obras Reaes, de Mafra, e Ajuda, Bernardo António d'01iveira Góes, filho de Manoel António Góes, natural do lugar da Lobageira Freguezia de S. Domingos da Fanga da Fé, termo da Villa de Torres Vedras : seu pae também foi Pintor de figura empregado pelo Marquez de Pombal na fabrica dos azulejos, da qual se retirou para as Provin- das por desgosto de intrigas: pintou, em Torres Vedras na casa do Despacho da Irmandade dos Clérigos Pobres na Igreja de S. Pedro, os 4 Evangehstas na Villa da Eri- ceira, e em Mortágua existem obras suas; porem depois que casou deu- se ao trabalho de cuidar nas suas fazendas, e em huma dizimaria que alcançou, por cujas occupações, se deixou totalmente da Arte. Era natural de Lisboa, bapti- sado na freguezia do Soccorro. Morreo em 1789, de idade de 54 annos. Jaz na sobredita Igreja de S. Domingos da Fanga da Fé. Deixou 10 filhos vivos, o meu Ajudante Ber- nardo António foi o mais novo; e quando seu pae lhe faltou andava elle nos estudos do Latim; mas não podendo por morte de seu pae continuar aquelles estudos, veio para a Casa Pia, onde se applicou ao desenho da figura na Aula de António Fernandes, em que deo mostras do génio natu- ral para a pintura; porém moléstia do peito o fez abandonar aquelle estudo, sahindo no cabo de 9, ou 10 mezes para fora da Casa Pia para hir tomar os ares pátrios, e não tornando para a dita, se conservou 3 annos no Linhou ao de Cintra, e a!i teve lições de hum Joaquim José da

I

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Roxa, Pintor de ornatos, e escaiolas, e retirando-se para a Villa da Ericeira ahi pintou muitas casas a fresco, e huma Capella de Nossa Senhora do Carmo, onde o vierao con- vidar para a Villa de Torres Vedras, na qual também fez varias Obras, e huma delias foi hum painel do Senhor com a Cruz ás Costas, para os Paços da paixão daquella Villa, painel que estava fazendo quando eu, em 1796, fui para Mafra; do que elle tendo a noticia, e conhecendo o quanto precisava de saber, e estudar n'uma Arte, que apenas tinha principiado, veio-me fallar a Mafra, e gostando eu do seu comportamento, gravidade, e maneiras, o aconselhei que requeresse : com effeito o Superintendente Rapozo, com consentimento de Sua Magestade, lhe concedeo o lugar de meu Ajudante, que até ao fazer destas Memorias, em que muito me tem ajudado nas indagações, lhe tem sido con- servado, com justiça ao seu trabalho, e desempenho com que sempre tem servido.

Forão meus Discípulos.

João Baptista, Portuguez, era bom Desenhador, e Mathe- matico, empregou-se alguns annos nas pinturas dos tectos que fiz ao Regedor, Conde de Vai de Reis, e ao Duque de AlafÓes : também »e occupou muito tempo nas Carruagens do Rei. Assentou praça de Soldado no Regimento da Bri- gada Real : o Marquez de Bellas o occupou finalmente em outras pinturas, e conseguio que lhe dessem baixa: elle tinha entrado em huma vida muito regular sendo confessado dos Padres da Congregação do Oratório. Falleceo ainda moço nos princípios deste Século. •7

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Thomás António de Bulhões [i], natural de Lisboa em- pregou-se alguns annos debaixo da minha direcção nas mesmas obras : casou depois com a filha do Cavalleiro Alberto Magno, que também dirigia obras de pintura: com elle foi a Évora para executar algumas cousas deste género, o que fez muito a contento dos curiosos, e Senhores daquelle paiz, aonde tem feito grande numero de Obras : ultima- mente fez o grande quadro que appareceo na Casa da Camera daquella Cidade no dia i3 de Maio deste anno de 1821. A discripção podem vê-la os curiosos em hum dos números da Mnemosyne.

Joaquim Manoel da Silva, natural da Villa de Monte-mór, o Novo, principiou a apprender o Desenho na Aula Regia desta Cidade, e alli estudou 2 annos, e depois passou a apprender a Pintura na minha escolla, e por meu Conselho transportou-se a Roma onde se applicou no espaço de 4 annos e meio na Academia de S. Lucas, na qual era Pro- fessor Gaspar Landi. No fim do dito tempo regressou a esta Capital, onde tem feito algumas obras com boa acceita- ção, e foi empregado nas obras do Palácio d'AJuda.

Ensinei mais alguns que se empregarão depois em cousas diversas.

De outros muitos poderíamos fazer menção, se circuns- tancias imperiosas não nos obrigassem a dar por acabada a nossa tarefa; porem nomearei somente os nomes de

[i] Morreo a 9 de Março de 1822, em Badajos, onde jaz sepultado.

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alguns, aplicados ao género de ornatos, quradraturas, flo- res, &c. &c. que vivem com boa reputação do publico ; e são os seguintes.

Maurício de Oliveira, e seu filho João de Deos ; José Botelho, Santa Martha, Narciso, Marcelo José, Luiz Antó- nio, Leonês, Luiz de Aguiar, e outros mais, que não nomeio pelas sobreditas circunstancias.

Finalizarão as Memorias de Cyrillo Volkmar Machado, as quaes elle não pôde limar, nem aperfeiçoar como algu- mas vezes nos asseverou. Todavia ellas dão bem a conhecer a instrucção, e profj/(ndo saber, que o Author possuio na sua Arte. O estillo, e linguagem corrente em que estão concebidas dão bem a conhecer, que ao Escriptor não lhe faltava a lição dos nossos bons clássicos : defeito ordinário era muitos Litteratos, principalmente nos Artistas mais versados em saberem manejar com destreza o pincel, do que a penna.

Entre as muitas virtudes e qualidades, que formavão o excellente caracter deste Artista podemos accrescentar ca- ber-lhe em sorte hum génio suavissimo, pois o trato poli- tico, e cortezão unido a huma conversação Judiciosa lhe grangeárão a estima de muitos Sábios, e de pessoas da mais alta Gerarchia. Com tudo a inveja sempre persegui- dora do solido, e verdadeiro merecimento não deixou a de assestar contra elle os seus tiros. Inimigo jurado da lisonja e adulação nunca procurou adoptar aquellas maneiras estu- dadas para insinuàr-se no animo daquelles, que acreditando artifícios estão todavia muito longe da verdade ; pois se a fama deste grande Artista não se estendeu, e vulgarisou tanto, como a de alguns seus contemporâneos: não era

26o

porque estes lhe fossem superiores, mas porque a Arte da impostura sempre lhe foi desconhecida.

Sensivel aos gritos da indigência repartia a terça parte de seus ordenados por familias pobres, honestas, e reco- lhidas, e se nos fosse licito rasgar o veo do silencio mos- traríamos provas inegáveis desta verdade, e podemos affirmar, que a sua ardente caridade era discreta, e bem ordenada. Depois, que foi assaltado da moléstia a mais doloroza, os últimos quatro annos, que mediarão até á sua morte foráo hum continuado martyrio. A natural iaclinação, que temos ás bellas Artes nos ligou por muitos annos á amizade deste Insigne Professor. Muitas vezes o visitamos em sua longa enfermidade, e recebíamos as mais edificantes lições de huma resignação, e paciência verdadeiramente christã, e a Religião bem gravada em seu coração he quem poderia vigorar o seu soffrimento em tão longo pa- decer. Rendido á força de huma moléstia penozissima, que os soccorros da medicina não poderão atalhar, as Artes o perderão em 12 de Abril de i823 contando setenta e quatro annos de idade, o seu Cadáver jáz sepultado na Parochial Igreja do Coração de Jesus, possuidora de huma das me- lhores Obras do seu pincel, qual he o grande painel da Capella Mór, que pela invenção, desenho, beleza, e graça do Collorido seria para a posteridade hum dos maiores monumentos do merecimento de seu Author, quando não deixasse outras Obras, que igualmente imortalizão a sua memoria. O Editor.

FIM.

NOTAS

NOTAS Grão VascO; de Viseu

A notícia que acerca deste pintor insere Volkmar Machado, com- pendia todas as vagas informações que, em seu tempo, corriam a respeito do artista, e enumera a vasta série de quadros, ainda no começo do século XIX atribuídos a Grão Vasco, de Viseu. Crítico de arte de seguro juízo e gosto, sentindo a impossibilidade de um autor ter produzido as centenas de obras cuja paternidade prodigamente era concedida ao artista viziense, Cyrilo Volkmar Machado resolveu a dificuldade guindando-o à categoria de chefe de escola, e, sem mais preocupações, relacionou a produção do mestre gótico e seus discí- pulos. Tal enumeração teve a vantagem de nos indicar onde se encon- travam numerosos quadros primitivos, dos quais, infelizmente, muitos desapareceram depois.

l Gomo se teria formado essa curiosa lenda de um Grão Vasco briaraico, enchendo igrejas, mosteiros e solares de Portugal de painéis sagrados, encarnando em si toda a pintura portuguesa primitiva ?

Ainda hoje o ignoro e me custa a compreender que os nomes dos pintores dos reis, das cidades, dos conventos e das ordens militares, se perdessem em tão completa obscuridade no silêncio dos arquivos, de onde agora lentamente e fadigosamente os estamos exumando, i Por- que não se examinavam os quadros .'' ^ Porque a medíocre cultura artística dos escritores contemporâneos não lhes permitia que se ocupassem das suas vidas e obras ?

Possivelmente. Por infelicidade o único historiógrafo da arte por- tuguesa do século XVI, Francisco de Olanda. com a sua preocupação

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inovadora e exclusivista do Renascimento, apenas nos deixou a menção, aliás preciosa, do autor dos painéis de S. Vicente. A sua parte os cronistas monásticos incidental e imprecisamente se referem aos artistas que enriqueciam de perduráveis obras os edifícios das Ordens. O saudoso comentador desta obra, o Dr. Teixeira de Carvalho, que na busca exaustiva de elementos utilisáveis nos seus estudos de história da arte, os leu todos, desolada e espirituosamente se queixava com fre- quência, da improfiqúidade desse esforço.

ao século xix havia de caber a glória de iniciar o estudo metó- dico da documentação referente aos artistas, único elemento seguro e completo em que pode firmar-sc a atribuição de autoria das obras de arte. Esse estudo levou, entre outras, à descoberta da personalidade real e verdadeira sobre que assentavam o qualificativo e a obra fabu- losa de Grão Vasco. Foi o Dr. Maximiano de Aragão que após os ensaios de triagem de Raczinski, Justi e outros, definitivamente clau- sulou o período das hipóteses com a publicação de um livro onde se acumulam dezenas de documentos referentes à vida privada do pintor. Elementos valiosos, recolhidos por Sousa Viterbo e publicados na Noticia de Alguns Pintores, vieram por fim tornar possível a correla- cionação da carreira e produção artística do pintor de Viseu com os mestres de Lisboa, e, atravez deles, com as escolas europeias. A bene- ficiação das tábuas quinhentistas existentes na capital da Beira, quási todas reunidas hoje no Museu Regional, realizada pelo professor Luciano Freire, de Lisboa, tem concorrido igualmente para a iden- tificação da obra do pintor.

A face dos documentos a vida do artista pode traçar-se da seguinte maneira. Nasceu em Viseu ou nos arredores em época indeterminada, mas decerto anteriormente ao ano de 1490, visto que testemunhando em i5i5 como «pintor, morador em Viseu» num documento de emprazamento feito pelo convento de S. Domingos de Lisboa, a favor de Jorge Afonso, ele não devia ter menos de 25 anos de idade. Foi casado com Joana Rodrigues, da qual hou^-e vários filhos, ainda imper- feitamente conhecidos. Segundo o sr. Dr. Maximiano de Aragão teve um filho de nome Gaspar, outro Miguel Vaz e uma filha, Beatriz, mulher em 1540, pois que nesse ano vai pagar ao Cabido da de Viseu o foro devido pela casa onde morava com sua família. Essa

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casa era situada na rua da Regueira e fera emprazada em três vidas, a Afonso de Mansilha, no ano de 1427, e a Pêro Vaz, lapidário e a Beatriz Lopes sua mulher, igualmente em três vidas, depois de 1489. Desde 1 5 1 2 até 1 543, nos Livros de Recebimentos de Prados, do Cabido, figura sempre a seguinte verba: «Vco frz pyntor, traz as casas que andavam no dafonso de mansilha com seu cortinhal e foram empra- zadas novamente ao lapidayro e a beatriz lopes em três vidas». Esta casa foi comprada, em Janeiro de 1572, por um Amadis Tavares, meirinho da correição. Nessa altura Vasco Fernandes deixara a morada e a vida.

O nome de Joana Roiz «mulher que foi de Vasco ffz, pintor» con- tinua a figurar nas contas do Cabido, durante mais alguns anos. Em i555 vai pagar o foro da nova casa em que vive, seu filho, Miguel Vaz. Do filho Gaspar é que o sr. Dr. Aragão nada acrescenta, o que é de lamentar, porque poderia muito bem acontecer que esse filho Gaspar houvesse, como Miguel, o apelido de Vaz. Esta hipótese de ser o pintor Gaspar Vaz filho de Vasco Fernandes, foi apresentada pela pri- meira vez pelo Dr. António Sardinha num interessante artigo intitulado A Autenticidade de Grão Vasco, publicado em 1906 (2 de Julho), na Ilustração Portuguesa.

O conhecimento das relações de parentesco entre os artistas vi- zienses da primeira metade do século xvi, apresenta um excepcional interesse para o aclaramento do problema da Escola de Viseu, em cujas obras se pode notar um mesmo estilo e feição, que impressionou Robinson e o fez escrever, ao referir-se às pinturas então na casa do Capítulo e sacristia da Sé: «a não ser que me enganasse a imaginação, achei entre todas bastante parecença para poder supor que houve em Vizeu uma sucessão de artistas conhecedores djs obras uns dos outros» (1). Seria curioso estabelecer em que relações de família se encontravam :

Pêro Faf, o lapidário, em cuja casa nos aparece, desde i5 12, Vasco Fernandes;

Gaspar Vaj, o pintor que em i5i5 figura como criado de Jorge Afonso ao lado de Vasco Fernandes no documento de emprazamento

(I) J. C. Robinson, .4 Antiga Escola Portuguesa de Pintura. Lisboa i8ó8, p. 40.

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do Convento de S. Domingos de Lisboa; o mesmo que em i53j era proprietário de um terreno em Casal do Campo e Eaçar, nos arredores de Viseu, e qiíe desde iSSg a 1569 se encontra como arrendatário de uma casa do Cabido, sita na Rua Direita. Estas indicações com algum trabalho as exumei dos tombos velhos do Cabido, tanto os que estão no esboço de Arquivo Distrital, como na Repartição de Finanças da. capital da Beira Alta (1);

Manuel Va^, pintor, que desde i554 a 1578 figura no Livro de Re- cebimentos como morador na Rua da Regueira, a mesma rua em que viveu Vasco Fernandes;

António Va^, pintor, que num contracto entre o bispo de Viseu, D. Miguel da Silva, e Martim Gonçalves, serralheiro, feito em iSSj, é citado como testemunha;

Francisco Fernandes, pintor, de que este assento de baptismo, de i552, descoberto por Berardo e transcrito e comentado imperfeita- mente desde Raczinski: «Aos 17 dias do mes de setembro de i552 anos bautisei Vasco filho de fico frz pintor e de m* amriques sua molher. fora padrinhos e madrinhas .s. egaas velho e lopes filho de do reguo e a°. madrinhas m" lopes molher de Gaspar Vaz e f (sic) pays molher de Jerónimo Tavares, todos moradores nesta cidade...» (2). Ora se atendermos ao apelido Fernandes, deste Fran- cisco, à sua qualidade de pintor, ao nome de Vasco dado ao filho, não será muito arriscado considerar Francisco Fernandes filho de Vasco Fernandes o que a data de i552 (já em 1540 tem uma filha mulher, Beatriz) consente perfeitamente. O aparecerem filhos com o apelido Vaz e outros com o Fernandes, nada quer dizer. A minha prática de tra- balhar com os nomes dos artistas do século de quinhentos ensinou-me que nessa época o apelido dos filhos não obedecia a regra fixa e que se uns guardavam os paternos, outros adoptavam os maternos e ainda outros os dos avós e dos padrinhos ou madrinhas. Se Vaz não pro- vier dos avós, pode ser uma espécie de patronímico de Vasco, abre- viatura de Vasques. No assento de bnptÍ5mo acima transcrito figura

(i) Vergílio Correia, A pintura quatrocentista e quinhentista em Portugal— Novos Documentos, no Boletim de Arte e Arqueologia, n." i, Lisboa 192J, p. 70. (3^ Maximiano de Aragão, Grão Vasco. Viseu, 1900.

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como madrinha, Maria Lopes, mulher de Gaspar Vaz, o.pintor, note-se bem, o que nos permite estreitar mais a teia de relações familiares entre os artistas visienses. O mesmo Gaspar Vaz, pintor, serve em 1540, de padrinho a Manuel, filho de João Denis pintor e de Maria Correia. João Denis era, possivelmente seu oficial. Este Manuel veiu a ser, na opinião de Sanchez Canton o talentoso e moço comentador da tradução castelhana do manuscrito Da Pintura antiga, de Olanda, o autor dessa versão (1).

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Quanto à obra do pintor, o que até agora a meu ver, está assente, é o que segue. A sua actividade artística vai, pelo n:enos de i5i2 a 1542, ou sejam 3o anos. Durante esse espaço de tempo Vasco Fer- nandes trabalhou não para as igrejas de Viseu, mas para terras dis- tantes, como Coimbra e Tarouca. É seu, inegavelmente, o S. Pedro da igreja do Mosteiro de S. João de Tarouca, atribuído por Emile Bertaux a um vago mestre de Tarouca que a sua imaginação creara. O S. Pedro da catedral de Viseu, que um assento de 1607, no Livro das Contas, da Confraria de S. Pedro, considera da mão de Vasco Fer- nandes — «que não mandei pintar de novo por ser feito por mão de Vasco frz», como reza textualmente a nota manuscrita (2), é uma réplica desse original.

Pertence-lhe com toda a certeza o Pentecostes da sacristia de Santa Cruz de Coimbra que está assinado Velascus e não Velasco, como Ro- binson e outros nas suas pegadas leram. Velascus é, sem possível contradição, a forma latina de Vasco. Em numerosos documentos do arquivo do Cabido de Viseu encontrei assinaturas de Velascus Fernandes personagens homónimos e contemporâneos do pintor. no século XVII nos aparece correntemente a forma erudita Velascus significando Vaz. A assinatura quer pois dizer Vasco e os documentos publicados pelo Dr. Reinaldo dos Santos veera, quanto a mim, tirar todas as dúvidas. Num livro de contas do convanto de Santa Cruz

(i) De la Pintura Antigua por Francisco de Holanda, version castellana de Manuel Denis, i56í. Edição da Academia de S. Fernando, p. xxviii do prefácio, (2) Maximiano de Aragão, Grão Vasco, Viseu, 1900, p. 63-

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que da Biblioteca, onde esteve largo tempo desconhecido e desapro- veitado, passou para a Torre do Tombo com vários massos de títulos de aforamentos, encontra-se a nota de que Vasco Fernandes recebera em Junho de i535 determinada importância pelo feitio de quatro painéis para o convento referido (i): «pagou a Vasco Fernandez, pintor em parte de pago dos quatro retabolos que faz para o mosteiro três mill rs.».

Aparece portanto um quadro assinado Vasco, e um documento que atribue a Vasco Fernandes, em época que condiz com a do quadro (2), a autoria de painéis para o, mosteiro. Apezar disso opõem-se às lógicas conclusões que de tais factos se podem extrair, razões tiradas da técnica do quadro, que, na opinião do eminente artista e restaurador Luciano Freire, não é a mesma dos painéis até agora atribuídos ao pintor visiense.

Mas pode ter-se confiança absoluta nas chamadas razões técnicas e digo isto sem desejar melindrar, ao de leve sequer, o professor Freire, laborioso e obscuro trabalhador, voluntariamente enclausurado dentro do plano que se propôs de restituir ao seu fácies primitivo os exemplares de pintura portuguesa antiga , se a cada passo, quási a cada novo painel reintegrado, as opiniões variam, as atribuições diver- gem .-*

Em minha modesta opinião na investigação e historiografia artística, a apreciação do documento é fundamental. quando ele não exista se deve recorrer à chamada técnica, palavra cujo sentido se alargou demasiadamente, porque, literalmente, a técnica não abrangeria a figu- ração nem o estilo, mas somente o processo da preparação das tábuas e das tintas e esse, por assim dizer uniforme no século xvi, poucos ele- mentos de interesse e diferenciação apresenta.

Ora neste caso o documento existe, e não é justo nem razoável partir do incerto para o real, quando esse real se patenteia tão clara- mente.

(i) Reinaldo dos Santos, Os Grandes Artistas Portugueses, no Diário de Noticias de 10 de Setembro de 192 1.

(2) J. C. Robinson, em A Antiga Escola Portuguesa de Pintura, p. 45, aponta também para a factura deste quadro o decénio 1 53o- 1540.

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Consignem-se agora, acerca do quadro, as opiniões concordantes de três notáveis críticos de arte, Robinson, Bertaux e o sr. Dr. José de Figueiredo, uma de iS65, as outras de entre 1910 e 191 3.

Para Robinson, em seu tempo consideradissimo crítico de arte, art-rejeree no Museu do South Kensington que ajudou a formar, o Pentecostes da sacristia de Santa Cruz de Coimbra era da mesma mão que havia pintado o S. Pedro e o Baptismo de Viseu (i).

Para Emílio Bertaux e para o sr. Dr. José de Figueiredo, o autor do Pentecostes de Coimbra é o mesmo do S. Pedro e do S. Miguel de S. João de Tarouca, sendo portanto Velascus o célebre mestre de Tarouca, que Vasco Fernandes imitou, segundo os mesmos críticos, no seu S. Pedro de Viseu (2). Esse mestre fora primeiro considerado pelo sr. Dr. José de Figueiredo, o pintor Gaspar Vaz(3j. Posterior- mente distribuiu-se, de acordo entre os dois ilustres críticos, opoliptico da Virgem da igreja de S. João de Tarouca, para Gaspar Vaz, e o S. Pedro e o S. Miguel para Velascus. Na opinião do sr. Dr. Figuei- redo, o Pentecostes de Coimbra era inferior ao de Viseu (4).

Ora estando hoje demonstrado que o 5. Pedro de Viseu é de Vasco Fernandes, Robinson atribuindo o Pentecostes, de Velascus, ao autor do S. Pedro de Viseu, atribuiu-o a Vasco Fernandes.

Ora estando hoje reconhecida e pelo próprio sr. Dr. Figueiredo, a identidade do mestre de Tarouca e de Vasco Fernandes (5), logica- mente se conclue pela identidade de Velascus e Vasco Fernandes.

E não é necessário mais. A lição do documento foi plenamente confirmada pelos críticos

A Vasco Fernandes são também atribuídos com toda a verosimi- lhança, os quadros que compunham a série da sacristia da de Viseu,

(i) J. C. Robinson, Obra citada, p. 42.

(2) Emile Bertaux Hisloire de l'Art (Publicação André Michei), t. iv, p. 890 e Almeida Moreira, Os quadros da de Viseu. Lisboa, 1916, p. 23 e 27.

(3) José de Figueiredo, Comunicação à Academia de Belas Artes, no Século de 2 de Março de 1910 e Alguns esclarecimentos sobre os quadros da Beira, no Século de 14 de Março de 1910.

(4) Artigo citado.

(5) José de Figueiredo, Introdução a um ensaio sobre a pintura portuguesa século XVI, no Boletim de Arte e Arqueologia, n." i, p. 16.

270

hoje no Museu Region<iI Grão Vasco : o Calvár'o, S. Sebastião, Bap- tismo, Pentecostes e 5. Pedro (1).

A obra do pintor, a sua influência sobre o grupo escolhido de cola- boradores e outros artistas locais que formaram a chamada Escola de Viseu, esperam ainda o seu monogratista. Limito por isso estas notas ao que fica, sem pretender que com elas fizesse mais do que fixar alguns pontos essenciais para o estudo biográfico e artístico do pintor.

V.C. .

Duarte D'armas

Taborda, abonando-se com a autoridade de Damião de Gois {Chro- nica de D. Manoel, Parte II, Gap. 27), diz apenas de Duarte d' Armas que florescera no reinado de D. Manuel, sendo nesse tempo de grande reputação e fora mandado por este Soberano à Cidade de A^amor na Armada de D. João de Meneses, Camareiro mór do Príncipe D. João, com o intento de delinear as barras da mesma Cidade de A^amor, de Salé e de Larache (p. i52).

A notícia de Cirilo acrescenta a estes dados biográficos e com a autoridade ainda de Damião de Gois (Chronica do Príncipe D. João) que fora também mandado por D. Manuel à ilha do Corvo ou do Marco desenhar a estátua equestre que ali /ora achada.. ., quando a desco- brimos.

D. Francisco de S. Luís (Lista) citou os dois textos de Damião de Gois, arquivou a referência que Faria e Sousa faz {Afr. Port., cap. 7, num. 3 0 à expedição de D. João de Meneses, mencionando entre os que o acompanhavam Duarte D'armas, grande desenhador.

Como observação original atribui ainda a Duarte Darmas o livro das fortalei^as que vira na Torre do Tombo e de que é o primeiro a fazer uma detalhada descrição, gabando exacção, desempenho, aceio e grande

(i) Almeida Moreira, O pintor Vasco Fernandes, Viseu, 1921, p. 10 e Catálogo e Cuia Sumário do Museu Regional de Grão Vasco, Porto, 1921, p. 43 e segg.

27Í '

perícia do Artista e qualificando a obra de digna de singular apreço, ou se considere com relação à história, ou com respeito à Arte (p. 32').

Nem Raczinski, nem Sousa Vitervo, nem o sr. Cristóvão Aires de Magalhães Sepúlveda acrescentaram nada à biografia que o Patriarca traçou de Duarte Darmas, nem as descrições minuciosas que fazem do manuscrito das fortalezas são superiores em exactidão à do benemérito D. Francisco de S. Luís.

O abade de Castro cita Duarte d'Armas como colaborador de Fran- cisco Danzilla e Jorge Afonso na pintura da sala dos brasões no palácio de Sintra, sem mencionar documentos a favor da sua assersão.

No tempo de Raczinski, atribuía-se a Duarte d'Armas o livro do amieiro que se conserva ainda na Torre do Tombo, erro que emen- daram ele e Juromenha {Lettres, p. 23 1, 434, Dict., p. 73).

Racpnski viu também o livro das fortalezas errando, como todos os biógrafos que se lhe seguiram, a lista {Dict., p. 74) dos castelos dese- nhados.

Sousa Viterbo {Dicc, vol. I, p. 45) nada acrescentou ao que disseram os biógrafos anteriores. Tentou uma descrição do livro das forta- lezas que é confusa e errada.

O sr. Cristóvão Aires de Magalhães Sepúlveda (Historia do Exer- cito Portugue^, vol. VÍIÍ, p. 273-355) que apresenta como novidade a confrontação do livro das fortalezas da Torre do Tombo com um códice análogo existente na Biblioteca Nacional de Madrid e descrito por o sr. M. Gonçalvez Simancas na Revista de Archivos, Bibliothecas y Miiseos (números de Maio e Junho de 1910 a Julho e Agosto de 191 1), errou a relação das fortalezas (p. 274).

A sua descrição do códice da Torre do Tombo é bibliográfica- mente, apesar da sua extensão, um trabalho incompleto.

Analisemos as asserções dos biógrafos.

Expedição de D. João de Meneses. E admitida por todos os bió- grafos, comquanto conste da ida e missão de Duarte d' Armas apenas pelo texto de Damião de Gois, sem até hoje se ter encontrado nos arquivos nacionais outra base documental.

A estátua da ilha do Corvo. A existência desta estátua tem sido negada por muitos autores, embora a meu ver, com pouco funda- mento.

272

o texto de Damião de Gois {Chronica do Príncipe dom loam, cap. ix) não pede oferecer dúvidas:

aDeflas Ilhas ha q mais ftá aho norte he do Coruo, que terá hua legoa de terra, hosmarcãtes lhe chamam Ilha do marquo, porque com ella (por ter hua ferra alta) fe demarqua, quando ve demandar qualquer das outras. No cume defta ferra, da pte do norefte, fe achou hua ftatua de pedra pofta fobre hua lagea, q era home encima de cauallo e oflo, & ho home veílido de húa capa quomo bedem, fem barrete, com húa mão na coma do cauallo, & ho braço direito ílendido, & hos dedos da mão encolhidos, íaluo ho dedo segundo, a que hos Latinos chamam index, com que apontaua contra ho ponete. Eíla imagem q toda faia maciça da mefma lugea (lágea) mãdou elrei por hum feu criado debuxador, que fe chamaua Duarte darmas, & depois que vio ho debuxo mãdou hum home engenhofo, natural da cidade do Porto, q andara muito em França, & Itália, q fofle a efta Ilha pêra aparelhos q leuou, tirar aqlla antigualha, ho qual quãdo delia tornou dixe a elRei q ha acham desfeita de húa tormenta q fezera ho inuerno paflado. Mas ha verdade foi q ha quebrara per máo azo, & trouxera pedaços delia .f. a cabeça do home, & ho braço direito ha mão, & húa perna, ho q tudo fteue na guarda roupa dclRei algils dias, mas ho que fe depois fez deitas coufas, ou onde se poferam eu nam pude faber. Erta Ilha do Coruo, & Sandantam foram de loam dafonfeca fcriuam da fazenda delRei dom Emanuel, & delle has herdou feu filho Pêro dafonseca, fcriuão da chancelaria do mefmo Rei, & delRei dom loam terceiro feu filho, ho qual Pêro dafonseca no Anno de Mil oxxix, has foi ver, & foube dos moradores que na rocha, abaxo donde fteuera ha ftatua, ílauã talhadas na mefma pedra da rocha húas letras, & por ho lugar fer perigofo pêra se poder ir onde ho letreiro íla, fez abaxar algus homes per cordas bem atadas, hos quaes imprimiram has letras, que ainda ha antiguidade de todo nam tinha cegas, em cera que pêra iflo leuaram : com tudo as que trouxeram impreflas na cera era muí gaitadas, & quafi fem forma, afsi que por ferem taes, ou por vêtura por na cõpanhia haver pefloa que teuefle conheciméto mais q de letras Latinas, & eíle imperfecto nhú dos q fe alli acharam prefentes foube dar reza, nem do q has letras dizia, ainda poderá conhecer q letras fofle».

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o texto de Diimiáo de Gois não pode sofrer contestações nem dar lugar a dúvidas. Damião de Gois foi guarda-roupa de D. Manuel, como o foi também seu irmão Frutuoso de Gois, era Cronista-mór do reino, escrevia para uma sociedade que tinha conhecimento dos factos e que procuraria verificá-los.

O seu artigo está de acordo com todos os factos de que ficaram documentos oficiais. Pêro da Fonseca a que ele se refere, donatário das ilhas das Flores e do Corvo por carta de 6 de Agosto de iSaS, visitou a ilha do Corvo, segundo o testemunho de outros cronistas.

As crónicas de Damião de Gois foram sempre muito discutidas e sujeitas à mais severa crítica. Como admitir que pudesse faltar à ver- dade, com tão pormenorizada narração um historiador que nunca sacrificou a verdade nem à adulação dos reis nem aos preconceitos da corte (i) ?

Todavia o facto foi negado pelo conde Vargas de Bedemar (iSSy), o Barão de Humboldt, António Homem da Gosta Noronha e na esteira destes por o sr. Ernesto do Canto e ultimamente num excelente livro por o sr. E. A. de Bethencourt.

Não motivo para duvidar do texto de Góis que todos os docu- mentos oficiais teem mostrado perfeitamente exacto. A estátua tem tão difícil explicação como as armas e moedas de ouro e prata ali encontradas e que remontam a épocas alguns séculos anteriores à des- coberta daquela ilha pelos portugueses.

Deve por isso ficar como historicamente demonstrado, na biografia de Duarte d'Armas a ida à ilha do Corvo para desenhar a estátua que se encontrara (2).

O livro das Fortalezas. Foi a primeira vez descrito pelo Patriarca (Lista) e depois disso por todos os historiadores da Pintura Portuguesa, sempre com incorrecções.

(i) Edgar Prestage, Critica Contemporânea da Crónica de D. Manuel, in Arquivo Histórico, tom. x.

(2) O Sr. António Ferreira de Serpa demonstra os erros de argumentação dos que negam a existência da estátua da Ilha do Corvo, nimi excelente artigo publicado no voi.óy de O Instituto com título de Dois inéditos acerca das ilhas do Faial, Pico, Flores e Corvo. E um artigo que merece ser lido pela originalidade da documentação e pelo alto e seguro critério histórico do seu autor. 18

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Procuraremos dar uma idea exacta do notável códice da Jorre do Tombo.

O livro das fortalezas abre por quatro folhas em branco. A seguir, numa folha sem numeração o título:

Este livro lie das fortalezas que sam setuadas / no estremo de por- tugall e Casíella feyto por / Duarte darmas escudeyro da casa do muyto I alto e poderoso e serenjsimo Rey e Sõr j dom tJtatniell hopry- meyro Rey de / portugall e dos algarues daquem e / dallem maar em Afryca, senhor de j Guinee e da conquista e nauegaçaaom / e comercyo de Ethiopia, Arábia, Pérsia e da índia, &tc.

Ao título segue-se, sem numeração de folhas, o índice.

Os desenhos das fortalezas ocup;im as fls. i a i33 v, por esta ordem :

Castromarjm {da banda do norte, fl. i, da parte do sull, ú. 2), Alçou tim [da banda do sull, fl. 3, da banda do norte, fl. 4), Mertolla {da banda do sueste, fl. 5, da banda do nordeste, fl. 6), Serpa {da banda do oeste, fl. 7, da banda de leste, fl. 8), Moura {da banda do oeste, fl.^, da banda de leste, fl. 10), Noudell {da banda do sult, fl. 11, da banda do norte, fl. 12), Mourom {da banda de leste, fl. i3, da banda do oeste, fl. 14), Monsaraz {da banda do oeste, fl. i5, da banda do leste, fl. 16), Terena {da banda do sueste, fl. 17, da banda do nordeste, fl. 18), Alandroall {da banda do sull, fl. ig, da banda do norte, fl. 20), Julhamenha {da banda do norte, fl. 21, da banda do sull, fl. 22), Oliuença {da banda do sull, fl' 23, da banda do norte, fl. 24), Eluas {da banda do sull, fl. 25, da banda do norte, fl. 26), Campo mayor {da banda do sull, fl. 27, da banda do norte, fl. 28), Ougella {da banda do sull, fl. 29, da banda do norte, fl. 3o), Arronches {da banda de leste, fl. 3i, da banda do oeste, fl. 32), Mon- forte (da banda de leste, fl. 33, da banda do oeste, fl. 3^), Açumar {da banda do sueste, fl. 35, da banda do noroeste, fl. 36).

Estão em branco as folhas 37, 3S, 3g, 40, continuando depois com as vistas de :

Alpalham {da banda do sudueste, fl. 41, da banda do nordeste, fl. 42), Castello de Vide [da banda do nordeste, fl. 43, da banda do sueste, fl. 44), em branco as folhas 45, 46, 47, Nisa yda banda do sull, fl. 48, da banda do norte, M. 49), Monte aluaaom {da banda do sull, fl. 5o, da banda do norte, fl. 5i), Castello Branco {da banda do sueste, fl. 52, da banda do noroeste, fl. 53), Idanha a Nova {da banda do norte, fl. 54, da

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banda do siill, fl. 55), Segura (da banda do siill, 11. 5ó, da banda do norte, fl. 56 (sic), Siiiua terra [da banda do oesle, fl. 5-j, da banda do leste, fl. 58), Penagarcya {da banda do oeste, fl. 59, da banda de leste^ fl. 60), Monsanto {da banda de leste, fl. 61, da banda do norte, fl. ('12), Penamacor {da banda do sull, fl. 63, da banda do norte, fl. 64), Sabugall (da banda do oeste, fl. 65, da banda de leste, fl. 66), Villar mayor {da banda do sull^ fl. 67, da banda do norte, fl. 68), Castello mendo {da banda de leste, fl. 60, da parte do norte, fl. 70), Castello bõo (da banda do hoeste, fl. 71, Jii parte de leste, fl. 72), Almeyda {da banda do sull, fl. 73, da banda do nordeste, fl. 74), Castello Rodrigo {da parte do sull, fl. 75, da banda do noroeste, fl. 76), Freixo despadacynta (da parte do sull, fl. 77, da parte do norte, fl. 78), Mogadoyro (da banda do oeste, fl. 79, da parte de leste, fl. 80), Pena roya (da parte do sull, fl. 81, da parte do norte, fl. 82), Miranda do Doyro (da parte do noroeste, fl. 83, da banda de leste, fl. 84), Vimioso {dn parte do sueste, fl. 85, da banda do noroeste, fl. 86), Outeyro {da parte do oeste^ fl. 87, de lesnordeste, fl. 88), Bragança (da parte de oeste, fl. 89, da banda de leste, fl. 90), Vinhais (da parte de noroeste, fl. 91, da banda de sueste, fl. 92), Mõforte de rio liure (da parte do sudueste^ fl. 93. da parte de nordeste, fl. 94), Chaues {da parte de leste, fl. 95, da parte doeste, fl. 96), Monte alegre {da parte do sull, fl. 97, da banda do norte, fl. 98), Portello (da parte do sull, fl. 99, da banda do norte, fl. 100), Piconha, (da parte do norte, fl. loi, da banda do sull, fl. 102), Crasto leboreyro {da parte do norte, fl. io3, da banda do sull, fl. 104), Melgaço {da parte do leste, fl. io5, da banda doeste^ fl. 106), Monçaão {da parte de leste, fl. 107, da parte do oeste^ fl. 108), Lapeella {da parle do leste, fl. 109, da parte do oeste, fl. 1 10), Valença do Minho (da banda do norte, fl. 1 1 1, <ij parte do sull, fl. 1 12), Vila noua de Cerueyra (da parte de leste, fl. 11 3, da banda do este, fl. 114), Caminha (da parte de leste, fl. 1 1 5, da parte do sudoeste, fl. 1 16), Barcellos (da parte do sull, fl. 1 17), Cintra (da parte do sull, fl. 1 18, da parte de leste sueste, fl. 1 20) .

No verso da fl. 120 lê-se:

daqui se começa a prata-forma das /fortalezas atrras debuxadas com I suas alturas e larguras de muros, / e barreyras, etc.

Seguem-se as plantas das fortalezas (prata- formas), duas em cada naeia folha: Castro marym e Alcoutim, fl. 121, Mertolla e Serpa,

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fl. 121 v.", Aloura e Nofidall^ fl. 122^ Mourom e Monsara^^ fl. 122 v.", Tercna e o Alandroall, fl. i23, Juramenha e Olhieça^ II i23 v.", Eluas e Campo mayor^ fl. 124, Oiigela e Arronches, fl. 124 v.°, Monforte e Alpalhaõo^ fl. i25, Castello de Vide e Míít, fl. (25 v.", Castello branco e Idanha a nona, fl. 126, Segura e Salualerra, fl. 126 v.", Pe»*.? ^arya e Monsanto, fl. 127, Penamacor e A'o Sabugall, fl. 127 v.", Vi ti ar Maior e Castello mendo, fl. 128, Castello boom e Almeyda, R. 128 v.», Cítí- /e//o Rodriguo e Freyxo de espada cynta, fl. 129, /20 Mogadoyro e Pe«c7 roj^íT, fl. 129 v.°, Miranda do Doyro e Ao Vimioso, fl. i3o. Outeiro e Bargança, fl. i3o v.°, Portello e Picotiha^ fl. i32, Castro Leboreiro e Melgaço, fl. i32 v.", Monçavom e lapella^íi. i33, Caminha, fl. i33 v."

A fl. 1 36 : Tauoada das fortalezas do estremo / ífe purtugall e cas- tella. I

Duarte d'Armas parece não ter acabado a obra. Assim o a entender o índice que nele anda e que marca duas vistas do castelo de Marvão para as folhas 45 e 46 que estão em branco.

As folhas 37, 38 e 39 foram cortadas e deveriam ter, segundo o mesmo índice, as vistas do Castelo de Alegrete {2 desenhos), do de Portalegre (2 desenhos) sem indicação do lado donde deveriam ser tiradas, como se também com o castelo de Marvão, o que nos leva a admitir a hipótese do sr. Cristóvão Aires que supõe tivessem sido arrancadas para se aproveitar o pergaminho por estar em branco.

Na Biblioteca Nacional de Madrid um códice de Duarte d'Armas análogo ao da Torre do Tombo.

No códice madrileno faltam as vistas panorâmicas de Castro Ma- rim, Alcoutim, Mértola, Serpa, Moura, Nondar, Mourão, Monsara^, Terena, Alandroal, Juromenha, Olivença, Elvas, Campo Maior, Oii- guela, Arronches, Monforte, Assuntar, Castelo de Vide (metade direita), Marvão, Ni^^a, Montalvão, Castelo Branco, Idanha a Nova, Segura, Salvaterra, Pena Garcia, Monsanto, Pena Maior (metade esquerda do sul), Barcelos e Cintra.

Alguns dos castelos são representados nos dois códices por desenhos tirados de pontos de vista diferentes.

Nos da Torre do Tombo o pavilhão português tem sempre borlas que lhe faltam no códice madrileno.

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também no códice da Torre do Tombo detalhes pitorescos que faltam no códice madrileno, como as figuras de um cavaleiro e um peão armados de lanças que nunca aparecem no códice madrileno e se vêem muitas vezes nos desenhos do Livro da Torre do Tombo, um caçador acompanhado dos cães, a forca, armas e outros detalhes.

O livro de Duarte d'Arnias é acompanhado de tais minúcias que o sr. Simancas pretende que ele foi feito para indicar ao inimigo, que não podia ser senão o castelhano, os pontos de ataque dos castelos.

A hipótese, rebatida pelo sr. Cristóvão Aires, é absurda (i).

O que deve depreender-se do exame dos dois códices é que Duarte d'Armas fora encarregado de inspeccionar os diversos castelos portu- gueses para indicar as reformas a fazer (2).

A pintura da Sala dos Brasões no Paço de Sintra

O abade de Castro foi o primeiro a atribuir a Duarte d'Armas de colaboração com Jorge Afonso e Francisco Danzilla (Descripção do Palácio Real na Villa de Cintra, p. 20). Esta asserção do abade de Castro não tem fundamento documental e é por tanto para pôr de lado.

É possível que do nome do nosso artista viesse a idea ao abade de Castro de lhe atribuir a pintura da sala dos brasões, como outros, ao tempo de Raczinski (Lettres, p. 23i, 434; Dicí., p. yS) lhe atribuíram as iluminuras do livro do armeiro mór existente na Torre do Totnbo

(i) O sr. Cristóvão Aires de Magalhães Sepúlveda fez um estudo minucioso do Livro de Duarte d*Armas, comparando-o com o códice existente em Madrid. Cf. Cristóvão Aires de M. Sepúlveda, Historia orgânica e politica do Exercito Porlugue^. Provas. Vol. VIII, p. 273-355. Neste estudo o autor menciona no número dos castelos re- presentados o de Marvão que, como acima dissemos figura apenas no índice que o sr. Cristóvão Aires inadvertidamente copiou.

(2) O códice madrileno foi estudado por o sr. Gonçalvez Simancas na Revista de Ar- chivos, Bibliothecas e Miiseos de Madrid (n."' de .Maio e Junho de 1910 a Julho e Agosto de 1911).

O sr. Cristóvão Aires fez ura estudo comparado dos dois códices, forçadamente in- completo pois não teve outra fonte de informação que não fosse o artigo do sr. Gonçalvez Simaucas que reproduziu parte dos desenhos do códice madrileno, e não cotejou os dois códices.

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e que é, como verificaram Juromenha e Raczinski {Dict., p. 11 3) uma cópia do livro do armeiro mor de Arriet feita por António Go- dinho.

No título deste manuscrito feito em letras tão decoradas que o tornam quási ilegível, leu o autor da «História Genealógica» Fernão das Minas de que fez um iluminador do tempo de D. Manuel.

O que D. António Caetano de Sousa leu Fernão das Minas deve ler-se perfeiçani das armas e daí viria um novo erro para alguém que lendo apenas a última pai te da inscrição interpretasse a outra Duarte como Caetano de Sousa lera Fernão.

Como pontos bem seguros da biografia de Duarte d'Armas ficam a sua ida na expedição de D. João de Meneses, e a sua estada na ilha do Corvo para desenhar por ordem de D. Manuel a estátua que nela encontraram os primeiros navegadores portugueses.

Como obra sua conservam-se apenas os dois livros das fortalecias.

Contém as vistas panorâmicas de Castro Marim, Alcoutim, Mer- tolla, Serpa, Moura, Noudall, Mourom, Monsara^, Terena, Alandroall, Jiilhamenha, Oliuença, Fluas, Campo Mayor, Ougella, Arronches., Monforte, Açumar, Alpallhvn, Castello de Vide, Nisa, Monte aluaaom^ Castello Branco., Idanha a Noua, Segura, Saluaterra, Penagarcya, Monsanto, Penamacor, Sabugall., Villa mayor, Castello mendo, Cas- tello bõo, Almeyda., Castello Rodrigo, Freyxo despadacynta, Moga- doyro, Pena roya, Miranda do Doyrc, Vimioso, Outeyro, Bragança, Vinhaes, Mõforte de rio liure, Chaues., Monte alegre, Portello, Piconha, Crasto laboreyro, Melgaço, Monsaão, Lapeella, Valença do Minho^ Villa noua de Cerueyra, Caminha, Barcellos, Sintra.

Erraram esta lista de fortalezas : Raczinski (Dict., p. 73-74), que menciona a mais Alegrete, Portalegre e Marvão., Sousa Viterbo [Dic. dos Arch-, vol. í, pág. 45-46), que cometeu o mesmo erro, e o sr. Cris- tóvão Aires de Magalhães Sepúlveda {Hist. do Exerc. Port , vol. VII que inclui a mais apenas Marvão.

O erro de Raczinski e Sousa Viterbo proveio de se terem regulado pelo índice oa Tauoada das fo?-ta!e^as do eí^tremo de purtugall e cas- tella em que vem mencionados na verdade os castelos de Alegrete., Portalegre e Marvão que não existem no manuscrito e que provavel- mente nunca existiram.

279

Campelo

Taborda deu uma redacção sua ao texto que encontrara no Abce- dario Pictórico de Guarienti:

«Campello, cosi chiamato nelle memorie antiche di Portogallo, fu pittore nativo di quel Regno. Mandato a Roma negli anni di sua . gioventú a studiar la pittura sotto Michelangelo Buonaroti, tai pro- gressi fece neirarte, che tornato alia pátria fu dichiarato pittore dei Re dom Giovanni III e servi ancora il Re dom Emanuelle. Nel claustro grande delia chiesa Eetlemme distante un miglio da Lisbona, dipinse varj mister] delle Passione di Cristo conbuon disegno e stile grandioso, scorgendovisi in essi la maniera dei Maestro. Vivea circa gli ani 1540».

Taborda falseou o texto de Guarienti traduzindo fu dichiarato pit- tore dei Re dom Giovanni III e servi ancora il Re dom Emanuele por teve a honra de ser nomeado Pintor do Senhor Rei D. João III^ graça que lhe havia concedido seu augusto pai.

Servir D. Manuel não é o mesmo que ser pintor de D. Manuel. Todas as cartas de pintor d'el rei começam por alegar os bons ser- viços anteriores do pintor. Servia-se portanto o rei, sem para isso ser necessário ter carta de pintor d'el rei.

Guarienti não diz claramente qual o monarca que mandou Cam- pelo à Itália, deve porém depreender-se que foi D. Manuel pois essa viagem se fez negli anni di su gioventii seria por isso verosímil que D. Manuel o nomeasse seu pintor se a causa da nomeação fossem os progressi neWarte feitos durante os seus estudos.

Se Campelo tivesse tido carta de pintor régio passada por D. Ma- nuel, seria confirmado no mesmo lugar, segundo a prática então se- guida, sem necessidade de outros serviços.

Assim se fez com Jorge Afonso que tendo sido nomeado pintor régio por D. Manuel em 9 de Agosto de i5o8, houve confirmação do mesmo lugar por D. João III, em carta de 9 de Dezembro de iSag, e com Gregório Lopes que tivera um alvará de lembrança de D.Manuel

28o

e foi confirmado no lugar de pintor régio por carta de D. João III, datada em 25 de Abril de i522.

Quanto ao aprendizado com Michael Angelo que os autores dão a este e a outros pintores do tempo, parece-me pouco provável, aten- dendo a que nos Diálogos do Holanda se não encontra referência a nenhum destes factos que tanta honra fariam aos soberanos.

Deve a confusão partir da viagem do próprio Holanda, generalizada por os autores a todos os artistas que a tradição dizia.

Bem avisadamente andou Cirilo em não fazer de Campelo um pintor régio.

Quanto ao nome próprio deste artista estranha Taborda que Gua- rienti o ignorasse (p. i68) e afirma ser Manuel. Cirilo, na de Félix da Costa, crisma-o António. Ainda neste ponto nos parece preferível a opinião de Cirilo à de Taborda.

Quanto aos quadros que lhe são atribuídos: Guarienti escreve, iVe/ claustro grande delia chiesa Bethlemme distante um miglio de Lisbona, dipinse varj misterj delia passio di Cristo con buon disegno e stile grandioso scorgendovisi in essi la maniera dei Maestro.

Taborda seguiu na atribuição a forma vaga de Guarienti, acrescen- tando: ... forão (os quadros do claustro grande de Belém) repin- tados, e muito mudados de sua forma primitiva; e por isso hoje em parte não encantão cabalmente a vista de um observador intelligente. Qual seria a sua graça, e a sua grandeza quando estavao na sua ori- ginal conservação, não pode conjecturar-se, porque não resta entre nós uma obra sua intacta, e sem alteração (p. 167).

Cirilo atribui-lhe a Coroação de Espinhos e o Senhor Ressuscitado do claustro grande e a Rua da Amargura, que estava na escada do mesmo mosteiro, quadro em que julgou encontrar talvez o precioso painel do Senhor com a Cru^ às costas que, segundo Félix da Costa, merecia outro trato, e outro lugar.

Taborda atribui porém o Senhor Ressuscitado a Gaspar Dias (p. i59).

A Gaspar Dias se deveria também atribuir a Rua da Amargura se diz a verdade o letreiro que lhe poseram no ângulo inferior, lado direito, quando o restauraram : gaspar dias luzitano, | inventou e

PINTOU, NO SÉCULO XV | ESTE SINGULAR CHEFE d'0BRA, QUE, | MEIO DES-

28l

TRUIDO PELO TEMPO, A IM | PERÍCIA DOS MÃOS ARTISTAS ) ACABOU DE PERDER. 1 PELA SOLICITUDE DO R.>'0 P.E F.E BER- | NARDO DO CARMO E S.* D.OR OPPOZITOR I EM THEOLOGIA, D. ABBADE PRELADO DES- | TL: MOSTEIRO DE SELEM, E INSTAN- | CIAS DOS MAIS MONGES, AMADORES DAS | BELLAS ARTES I COM INCANSÁVEL DESVELO RESTAU- | ROU NO ANNO DE 1819 | IGACIO DA S.'^ C. VALENTE. |

Taborda, citando a Corografia de Carvalho (Tomo III, p. 66o) atribui o quadro da Rua da Amargura a Brás do Avelar ou ao Arre- rino (p. i53).

Gaspar Dias

Todas as biografias de Gaspar Dias assentam sobre este texto de Guarienti :

Gasparo Dies fsic) celebre pittor porthoghese, inviato a Roma dei re dom Emanuele per perfezionarsi nella pittura, nella scuola di Miche- langelo fece grandi progressi. Ritornato in pátria, d'ordine dei re, opero ad oglio molte pitture nel chiostro delia chiesa di Belém, ed in altri luoghi eretti da quel monarca. Nella chiesa delia Misericórdia, fece la famosa Tavol-a delia Venuta dello Spirito Santo, segnata col suo nome, et colPanno i334, la qual tavola nel 1734 fu da me ristaurata.

Taborda cita Guarienti alterando- lhe o sentido: Sabemos pelo tes- temunho de Guarienti, que vivia pelos annos de i534; porque cita na Igreja da Misericórdia o quadro da Tribuna, da vinda do Espirito, marcado com o seu próprio nome, e feito naquelle anno : dizendo igual- mente, que elle o restaurara em i-34-

Ora Guarienti não diz que a pintura em madeira que restaurara, estivesse na Tribuna e pelo texto parece referir-se a um quadro de pequenas dimensões.

Cirilo não reparou na alteração do texto de Guarienti, feita por Taborda, e escreveu : Pedro Guarienti fa^ menção de outro painel seu da vinda do Espirito Santo pintado em i534, que estava na tribuna da Antiga Misericórdia.

2«2

Raczinski que não conhecia o texto de Guarienti, por não ter podido encontrar a edição da obra de Orlandi, tendo sido informado pelo visconde de Balsemão de que o cónego Vilela da Silva afirmava que Guarienti ficara frappé d'etonetnent à la vu d'un tableau representam la descente du Saint-Esprit, par Gaspar Dia^ qui se troiive dans la tribime de la chapelle principale de iéglise de Saint Rock, comenta : Je dois dire relativement à ce tableau, qiiil est d'une composition sage, et quil n'est pas tout à fait dépourvu de style, mais aiissi est-ce tout ce que l'on peut en dire, car il a éte repeint dhine maniere barbare; je ne sais pas si cela a jamais été un Gaspard Diaj et si cela a été bon, maisje sais que ce n'est plus qu'une croute (Letlres, p. igB).

Vilela Machado repetira Cirilo, que repetira Taborda, que repetira Guarienti alterando, como na conhecida história de A formiga e a neve.

Vilela Machado nunca fez senão repetir Cirilo.

Raczinski, com vontade de achar em S. Roque o quadro da tribuna da antiga Misericórdia, deu com uma Vinda do Espirito Santo qu'on voit à certains jours de/ète au-dessus de maítre-autel et qui est attribué a Gaspar Dia:^, torna a escrever {Lettres, p. 291) : . . . n'a jamais pu avoir une grande valeiír artistique. Le style de ce tableau n'a aucune analogie ni avec le saint Roch de cette église ni avec les tableaux de Belém du même auteur, com o propósito evidente de corrigir o que escrevera irritado pelas opiniões de Vilela que ouvia citar muitas vezes e tinham o condão de o pôr de mau humor.

Quando, mais tarde Raczinski obteve o Guarienti e comunicou as opiniões deste pintor à Sociedade Artística e Scientífica de Berlim, comentou em nota : Malgré ce qu'en dit Guarienti, je ne puis retracter ce que je vaus ai communiqué dans ma onpème lettre au sujet de la descente du Saint Esprií de Véglise de Saint-Roch, sem ver que o texto de Guarienti se não podia aplicar à pintura que éle estudara em S. Roque.

No artigo do Dict., Raczinski parece ter notado as origens dos erros em que caíra e escreve : ce tableau n'est peint sur toile, n^est pas signé, e c'est un bien faible ouvrage, acabando por admitir que seja uma cópia e que o original tenha desaparecido {Dict., p. 70).

A Gaieta de Lisboa de 17 de Fevereiro de 1735, noticiando a estada

283

de Pedro Guaiienti em Lisboa cita entre os últimos trabalhos do pintor o restauro dos quadros da Misericórdia especialmente o famoso Retabolo da capella da insigne Bemfeitora daquella Casa Dona Simoa Godinho, e ali tem achado admiráveis originaes de Pintores Portu- gueses do glorioso século dei Rei D. Manuel e de et Rei D. João III, nos quaes floreceram na arle da pintura Gaspar Dias, Christovam Lopes, Bra^ de Prado e também Fernando Gallegos, insigne pintor hespanhol, de que na Misericórdia ha talve^ tantos originaes como no Escurial.

De tudo isto se conclui apenas que em 1734, havia na igreja da Misericórdia de Lisboa uma pintura em madeira, representando a Descida do Espírito-Santo, datado em i534 e assinado por Gaspar Dias. Este quadro foi restaurado por Guarienti que leu a assinatura e a data e a qualificou de famosa.

Este quadro desapareceu, naturalmente destruído pelo terremoto, sendo por isso para regeitar a hipótese de Raczinski de ser cópia daquele uma pintura em tela que, ao seu tempo se punha na tribuna da igreja de [S. Roque e que Taborda atribuíra a Gaspar Dias, por uma interpretação não justificada do texto de Guarienti.

Gregório Lopes

Taborda publicou a carta passada por D. João III a G. Lopes filhando-o por seu pintor, como o tinha feito D. Manuel por um alvará de lembrança (p. t 54-1 55).

Alude à sua nomeação com outros para pintar em obras régias e cita os documentos comprovativos que, ao tempo em que ele escrevia se encontravam na Torre do Tombo Gav. 20^ Maço i3, Num. 73 (p. 154).

Os esclarecimentos que Cirilo neste artigo sobre Álvaro Pires e Gaspar Cão encontrou-os em Taborda (p. 1 59-160).

A este respeito escreve Cirilo : Ao primeiro (Álvaro Pires), que falleceo em i53g, succedeo o segundo que era seu filho.

284 -

Ora Taborda não diz que Álvaro Pires tivesse morrido em i339, mas sim apenas que D. João III lhe (a Diogo Cão) mandou passar em data de ig de Fevereiro de i55g Carta de seu Pintor em lugar de Álvaro Pires seu' pai, a quem o Senhor D. Manoel tinha Jeito a mesma tnercê.

Sousa Viterbo publicou {Noticia, Primeira série, p. 40) a carta de Gaspar Cão datada em 19 de Fevereiro de iSSq onde se lê: em lugar de Álvaro Pire^, seupay, que ate ora foy meu pintor^ o que parece indicar a morte recente de Álvaro Pires.

Assim o entenderam Cirilo, Raczinski {Dic, p. lyS) e Sousa Viterbo.

É original também de Cirilo o lugar e a inscrição da sepultura de Gregório Lopes, que Raczinski não aproveitou para o seu dicionário.

O visconde de Juromenha encontrou e comunicou a Raczinski os documentos seguintes: extracto da carta de nomeação do pintor, publicada por Taborda (25 de Abril de i522, p. lyS), concedendo um moio de trigo ao pintor, a título de pensão (26 de Junho de 1541), uma nota de que este moio de trigo lhe fora pago em 1541, nota de lhe haverem sido pagos 16.000 réis por um Santo António, um S. Ber- nardo, uma Madalena na charola e dois retávolos na capela de Nosso Senhor (p. 177).

Marcou também Juromenha a morte de Cristóvão Lopes em i55i, année ou son fils lui fut substitua (p. 177).

Juromenha forneceu também a Raczinski um longo extracto dum documento que se refere às obras de G. Lopes no Armarem {Lettres, p. 206). Sousa Viterbo publicou estes e outros documentos que per- mitem fazer a sua biografia.

Foi discípulo de Jorge Afonso e casou com uma filha deste cha- mada Isabel Jorge (Noticia, Primeira série, p. 104), pintor de D. Ma- nuel por alvará de lembrança que não ficou registado e de D. João III por carta de 25 de Abril de i522 publicada por Taborda.

Em 7 de Julho de 1514 era discípulo de Jorge Afonso e casado com Isabel Jorge filha deste, e com ele vivia, pintando na oficina do sogro.

Em i536 trabalhava no convento de Tomar e pintava na charola: S. António, S. Sebastião, S. Bernardo e a Madalena, além de dois quadros na capela de Nossa Senhora.

285

Pintou também para a capela de S. Quintino na igreja de Nossa Senhora do Monte- Agraço um retavoUo dos mariirios do dito santo.

Era falecido era 19 de Outubro de i35o pois nessa data D. João III mandou dar a Isabel Jorge sua mulher /era ajuda de sua manutença e criação de suas jUlias o moio de trigo que recebia de sua tença Gre- gório Lope^i que foy meu pintor.

O filho Cristóvão Lopes sucedeu-lhe no lugar de pintor do rei em 18 de Agosto de i55i.

Vanegas

Taborda confessa (p. 166) conhecer deste pintor apenas o nome Francisco Vanegas e ter ido estudar à Itália no tempo de D. Manuel.

O nome está errado; é Francisco Venegas. Floresceu em tempo de D. Sebastião e Felipe II de Espanha, não podia por isso ter ido à Itália por conta de D. Manuel.

Girilo, que parece não lhe ter conhecido o nome próprio, encostou-se à autoridade de Félix da Costa Meesen, não menciona a sua viagem à Itália por conta de D. Manuel e atribui-lhe o quadro do altar-mór da Luz.

O quadro na verdade dele e está assinado Francisco Venegas Regius pictor o que prova que era pintor régio em tempo de D. Se- bastião pois que as pinturas do altar-mór da Luz foram mandados fazer pela infanta D. Maria em óyS.

Foi também pintor de Felipe II de Espanha (Sousa Viterbo, No- iicia, Primeira série, p. i53).

Cirilo, na impossibilidade de harmonizar a ida à Itália em tempo de D. Manuel, mencionada por Taborda com a atribuição do quadro da Luz, escreveu prudentemente, falando do quadro da Luz: aEste painel existe, ou copia delíe, e he muito grande (p. 48).

António e Francisco de Holanda

A biografia de António de Holanda é muito breve em todos os his- toriadores. A glória do filho prejudicou a memória do pai, apesar de

286

todo o encarecimento que Francisco de Holanda faz nas suas obras do talento de seu pai, pondo-o entre os artistas a quem pela sua cele- bridade dera o cognome de Águias.

Taborda não sabia de António de Holanda mais do que as refe- rências de seu filho à invenção da iluminura a preto e branco, e ao retrato de Carlos V que encontrara no Dicc. Hist. de Bermudez e transcreveu em espanhol.

Cirilo seguiu Taborda, sem o citar, nem acrescentar nada de novo, O Patriarca não lhe dedicou artigo especial.

O artigo de Raczinski {Dic, p. 134- 136) devido à colaboração de Juromenha é quási uma biografia definitiva.

Sousa Viterbo não dedicou ao nosso artista artigo especial. O sr. Joaquim de Vasconcelos e Vieira Guimarães (A Ordem de Cristo) não acrescentaram documentos novos.

António de Holanda devia gozar grande crédito no tempo de D. Manuel que o nomeou seu passavante, na vaga deixada por o pintor Francisco Henriques, morto de peste em i5i8^ apesar de haver pro- metido o lugar ao pintor Garcia Fernandes com a condição de casar com uma filha de Francisco Henriques. Continuou no mesmo lugar em tempo de D. João III.

D. João III por carta de 5 de Março de 1527 deu-lhe uma pensão anual de 10.000 reais.

Para o infante D.Fernando fez uns desenhos que foram iluminados por Simão de Bruges.

D. Isabel, a irmã de D. João III que casou com Carlos V mandou-o ir a Toledo de propósito para retratar o imperador. Nessa viagem, em que foi acompanhado por seu filho Francisco de Holanda fez as miniaturas do imperador Carlos V, da imperatriz D. Isabel e do infante que mais tarde devia ser Felipe II, ao colo de sua mãe. Deve por isso a viagem de Holanda ter sido depois de 21 de Maio de 1527, data do nascimento de Felipe II.

Em Novembro de i533, i534, i5j5 e i536 trabalhou para o con- vento de Tomar, para onde iluminou dois volumes de Dominicaes e um Psaltério.

Vivia ainda em i55i. Ignora-se a época da sua morte. Era porém falecido em 1571.

287

Francisco de Holanda

Girilo supôs erradamente que F. de Holanda fizera duas viagens à Itália uma na sua juventude sendo criado do infante D. Fernando e do Cardial D. Afonso, e outra por mandado de D. João III.

Este erro é uma interpretação do texto de Holanda feito por monsenhor Guido.

«... eu fui o primeiro que neste Reino, escreve o iluminador, louvei e apregoei ser perfeita a Antiguidade, e não haver outro, primor nas obras, e isto em tempo que todos quási querião zombar d'isso, sendo eu moço e servindo ao Ifante Dom Fernando e ao sereníssimo Cardeal Dom Affonso, meu senhor. E o conhecer isto me fez desejar de ir ver Roma, e quando delia tornei, não conhecia esta terra, como quer que não achei pedreiro nem pintor que não dixesse que o antigo (a que elles chamão modo de Itália) que esse levava a tudo; e achei-os a todos tão senhores disso, que não ficou nenhuma lembrança de mi».

Este texto porém o que quer dizer é que, antes da viagem ã Itália^ Francisco de Holanda estava convencido da excelência da arte an- tiga e isso lhe fizera desde então desejar uma viagem a Roma, e quando voltara encontrara toda voltada para o antigo a opinião que deixara tão contrária a ele.

Antes dessa viagem, mostrara êle a André de Resende as inscrições romanas do jardim do Paço de Santos que o douto humanista e anti- quário não conhecia.

O talento de Francisco de Holanda fôra muito precoce. André de Resende chamava-o juvenis, admirabili ingenio, <£• Lusitanus Apelies.

A mudança que se deu na opinião portuguesa sobre o valor da antiguidade não se explicaria com uma viagem pequena, como não poderia deixar de ser a primeira, que teria além disso de pôr-se, sem probabilidades de acertar, antes dos seus 20 anos em que fez a sua viagem à Itália por mandado de D. João III.

Taborda tem várias citações que o sr. Joaquim de Vasconcelos qualifica de originais e me parecem muito sujeitas a contestação.

288

É de Taborda a atribuição das iluminuras dos livros de coro do convento de Tomar a Francisco de Holanda.

Nos livros de despesa do convento não se acham referencias senão a António de Holanda seu pai.

Parte desses livros pertencem ao sr. Joaquim de Vasconcelos que não publicou trabalho algum sôbre eles e os atribui aos dois Bolandas numa citação acidental.

Atribui também Taborda a Francisco de Holanda um retrato da infanta D. Maria que mereceu um epigrama de Manuel da Costa, publicado com outros versos seus em Coimbra em i552.

Os epigramas de Manuel da Costa fazem referência aos projectos anteriores de casamento da infanta (seis ut consortem iam dudum fata laboram \ Huic Maricá, et dignum vix reperire queant?), o monarca a quem o retrato se destinava era D. Felipe II (summi principis).

As negociações do casamento duraram de 1549 a i552 época em que Francisco de Holanda estava em toda a celebridade da sua viagem recente a Itália.

Parece depreender-se do epigrama de Manuel da Costa que o re- trato fora pintado em madeira (tabula), mas não nos parece que tais versos possam excluir formalmente a hipótese de uma miniatura em pergaminho.

Cirilo, na de Taborda atribui ao pintor o Baptismo de Santo Agostinho que, no seu tempo possuía a família Saldanha.

Raczinski supõe que seja este o único quadro que possa atribuir-se a Francisco de Holanda.

Este quadro é atribuído ao pintor pelo testemunho de D. Fernando Alvares de Castro (4 de Maio de 1641), e existia ainda no tempo de Raczmski que escreveu dele : 11 faut aussije crois, ajouter foi ã ce que le document (testamento) rapporte sur le Francois de Hollande. Je ne saurais enjuger par anahgie, car je ne connais aucun autre oiivrage de cet artiste, et je ne sache p as qu'il en ait Jaite d'autres, mais c'est d'un faire qui atteste lepeu d^habitude qu'il avait de peindre à l'liuile et de trailer des sujeis historiques; il montre clairement Vinfluence de 1'Italie; ti est en même iemps évidemment Vceuvre d'un artiste qui a consacré sa vie á l'étude des arts, et qui avait les grands exemples de Vépoque dassique, présens à la viemoire. Ce tableau represente le

289

baptême de de saint Augustin,/'crr saiiit Ambfoise, en prósence de sainte Monique et d'autres saints. Les physiorwmies ne vianquent pas d'ex- pression [Lettres^ p. 277).

Numa nota e analizando o texto de Guarienti que diz de F. de Holanda inolto dipinse non meno palagi reali, che nelle chiese, es- creveu Raczinski : Un enlumineur /^ei// avoir fait des tableaux á Vhuile et des fresques dans de grandes dimensions, et d' enlumineur être devemi peinire d'histoire, mais cela n'est pas vraisemblable [Letíres, p. 323).

Cirilo mantém sobre as pinturas possíveis de Holanda, a mesma prudente reserva.

O sr. Joaquim de Vasconcelos atribui a Francisco de Holanda um quadro em que está representada toda a família de D. João III sol;) o manto de Nossa Senhora, existente no mosteiro de Belém e que repro- duziu na última edição dos Diálogos (p. 240, f. -5) sem apresentar provas e não me parece que as possa ter concludentes.

«9

índice alfabético

Pintores, Architectos, Esculptores,

E Gravadores mais insignes de que se faz menção

nestas Memorias, notando-se cada hum delles com a letra

INICIAL da sua Arte.

Paginas

Affonso Sanches Coelho, P. . 53

Alexandre Giusti, E 208

Amaro do Valle, P 56

André Reinozo, P 59

André Gonsalves, P -o

André Contucci Sansovino, E 199

António Campelo, P 44 e 279

António de Holanda, P 48 e 285

António Moro, P 5i

António Machado Sapeiro, P 69

António Joaquim Padrão, P 90

António Francisco Roza, A 195

António Ferreira, E 2o5

António Fernandes Rodrigues, G 23o

António Sesinando, G 237

Abbade Apparicio, P 87

Archangelo Foschini, P ii5

Bartholomeo António Calisto, P »

Bartholomeo de Cardenas, P 56

292

Paginas

Benjamin Comte, G 23 1

Bento Coelho da Silveira, P 67

Mr. Bernardo Foit, P 174

Bruno José do Valle, P 98

Carlos Mardel, A 154

Christovão Lopes, P 54

O Coxinho, G 233

Cyrillo Volkmar, P 243

Diogo Pereira, P 60

Diogo Magina, P 171

Diogo Teixeira, P 54

Domingos Vieira Serrão, P. . 57

Domingos da Cunha, P Sg

Domingos da Roza, P 88

Domingos Peligrini, P 109

Domingos António de Sequeira, P ' 118

Duarte d'Armas, P 44 e 270

Eleuterio Manoel de Barros, G 235

Eugénio dos Santos de Carvalho. A i52

Faustino José Rodrigues, E 239

Feliciano Narciza, P i55

Feliciano de Almeida, P 64

Abbade D. Filipe de Juvara, A 142

Fernão Gomez, P 84

Felis Salla, E 217

Felis da Costa Meesen, P 66

Felisberto António Botelho, P iio

Francisco de Holanda, P , . 48 e 285

Francisco Vieira Lusitano, P 79

Francisco Pinto Pereira, P 86

Francisco de Setúbal, P '59

Francisco Vieira Portuense, P iii

Francisco da Silva, P 146

Francisco Xavier Lobo, P 166

Francisco de Figueiredo, P 169

Francisco Xavier Fabri, A 1S2

293

Paginns

Francisco Bartolozzi, G 23i

Gaspar Dias. P 46 e 2S1

Gaspar Froes Machado, G 229

Gregório de Barros Vasconcelos Amador das Bellas Artes ... 159

Gregório Francisco Queirós. G 235

Gregório Lopes, P 4- e 283

Germano António Xavier de Magalhães, A iq5

Honorato José Corrêa de Macedo e Sá, A iy6

Jacome .^nzolini, A i5i

Jerónimo da Silva, P 76

Jerónimo de Barros Ferreira, P 10 1

Jerónimo de Andrade, P i65

Jerónimo Gomes Teixeira, P 172

Ignacio de Oliveira Bernardes, P 78

Ignacio da Piedade e Vasconcelos, E 202

Joanna do Salitre, P 106

João Pedro Volkmar, P 83

João Gresbante, P 63

João Clama Strabile, P , . 107

João Castagnola, Pr 12 r

João Frederico Ludovice, A 140

João Nunes de Abreu, P 145

João Carlos Bibiena, A 149

João Pillement, P 168

João Thomaz da Fonseca, P 192

João de Deos IMoreira, P 196

João António de Pádua, E 201

O Padre João Chrisostomo Policarpo da Silva, E 20Õ

João Grossi, E 2i5

João José de Aguiar, E 221

João Gomes Baptista, G »

João de Figueiredo, G 223

João Caetano Rivara, G 236

João Teixeira Pinto, E 240

Joaquim Machado de Castro, E 212

Joaquim José de Barros Laborão, E 219

294

Paginas

Joaquim Carneiro da Silva, G 225

Joaquim Marques, P 184

Joaquim Manoel da Rocha, P 92

José de Avelar Rebello, P 60

José da Costa Negreiros, P 89

José Throno, P 102

José da Cunha Taborda, P 116

José Viale, P 120

José Bernardes, P i56

José António Narciso, P 175

José da Costa e Silva, A 187

José Carlos Binheti, A 190

José Manoel de Carvalho e Negreiros, A 193

José Francisco Ferreira, P 194

José de Almeida, E ^ 2o3

José Teixeira Barreto, G 238

Josefa de Óbidos, P 61

Mr. Larre, A 143

Lourenço da Cunha, P i56

Luiz Alves de Andrade, P 58

Luiz Baptista, P 164

Luiz José Pereira Resende, P 122

Manoel de Castro, P 64

Manoel de Matos, P 107

Manoel Caetano de Sousa, A 177

Manoel da Costa, P 179

Manoel Piolti, A 190

Manoel Pereira, E 200

Manoel Marques de Aguilar, G 237

O Major Manoel da Costa Negreiros, A 164

Marcos da Cruz, P 63

Marquez de Monte Bello, P 65

Matheus Vicente, A i58

Máximo Paulino dos Reis, P 122

Morgado de Setúbal, P 176

Nicoláo Luiz Alberto de la Riva, P 178

295

Paginas

O Cav. Nicoláo Servandoni, P 148

Pedro Alexandrino de Carvalho, P 95

Pedro António Quillard, P 77

Pedro Guariente, P 78

Perigrino Parodi, P 85

Reynaldo Manoel, A 160

Roque Vicente, P 90

Mr. Rosa, P 170

Simão Caetano Nunes, A 161

Simão Francisco dos Santos, G 224

Simão Rodrigues, P 55

Os Serras, P 147

Timotheo Verdier, P 196

Throno pequeno, P 108

Vanegas, P 48 e 285

Gr. Vasco de Viseu, P 89 e 263

Vicente Baccareli, P 144

Vicente Tacquesi, E 218

Paginas.

Erros.

Emendas.

2

dois

dous.

4

correto

correcto.

IO

Salvagens

Selvagens.

IO

Zeuis

Zeuxis.

II

despostos

dispostos.

i3

compuserão

composerão.

16

Murilho

Murillo.

'9

portuguezes

Portuguezes.

5i

Utrectt

Utrecht.

67

Utrectt

Utrecht.

72

Gaillard

Quillard.

74

Portugueza*

Portuguezes.

75

Jacomo

Jacome.

86

se

he.

92

sen

seu.

102

Fuduresnoy

du Fresnoy.

io5

Roulhs

Roulks.

112

Froes Jacome

Fernandes Jacome.

117

he

e.

117

e

he.

l32

contanto

contento.

i55

excetuados

executados.

i58

bom Mestre

bons Mestres.

205

Feliz

Felis.

234

se lhe

lhe.

239

Nimfas

Ninfas.

246

erão fiz

fizerão.

Alguns outros descuidos de virgulas, pontos, faltas, ou trocas de letras supprirá o Leitor.

8

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'_• Machado, Cyrillo Volkmar JJ32 Colecção de memorias rela- i^3 tivas as vicias, do-s- pintores ..