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Full text of "Collecção de memorias relativas ás vidas dos pintores, e escultores, architetos, e gravadores portuguezes, e dos estrangeiros, que estiverão em Portugal, recolhidas e ordenadas"

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COLLECÇÃO  DE  MEMORIAS 


SUBSÍDIOS 
PARA  A  HISTÓRIA  DA  ARTE  PORTUGUESA 

I-VERGiLlO    CORREIA -Un.  túmuio  Renascença.    A  sepultura  de  D.  Luís  da 

t::rz"'''-  ~  '-^  --^  ^^""^°  ^  ^^-  ''^-^  ^^  ^—  -"vi 

n  -  D   CAROLINA  MICHAELIS  DE  VASCONCELOS -Algumas  palavras  a  respeito 
de  púcaros  de  Portugal.  -  Edição  refundida  e  ilustrada.  -  Li.  ZTsZo. 

m  -  Index  da  Fazenda  do  mosteiro  de  Celas.    Manuscrito  de  Fr.  Bernardo  J-Assunçáo 
pubhcado  e  revisto  pelo  Dr.  Teixeira  de  Carvalho.-  .  vol.  broch    4C 

IV-JOSÉ  DA  CUNHA  TABORDA  -  Regras  da  arte  da  pintura,  com  breves  refle- 
xões cr.t.cas  sobre  os  caracteres  distintivos  das  suas  escolas,  vidas  equadros 
dos  s         .a,s  Célebres  professores.    Escritas  na  língua  italiana  por  Tchae 
Angelo  Prunett,  e  acrescida  duma  Memória  dos  mais  famosos  pintores  por  u 
gueses  e  dos  melhores  quadros  seus.  -  .  vol.  broch.  Tiragem  especial  I  :oZ 
Em  papel  de  algodão  -  5^oo.  "^^' 

V-CYRILLO   VOLK.MAR  -MACHADO  -  Collecção  de  Memorias,  relativas  ás  vidas 
dos   pmtores,  e   escultores,  architectos,  e  gravadores  por.uguezes,  e  est  an.e    os 

^gnS  C^er  "^'"^"     "^"^  ^  ---  --  -•  ---  -^-  e 

A  sair: 

"Z  ™''^^   '^^"^  -  ^-^"  -  -'-    -  -'^^o,  re^ndida  e  rev.ta 
JOAQUIM  MACHADO  DE  CASTRO  -  Opúsculos.    ~ 

D.  JOSÉ  PESSANHA -Subsídios  para  a  História  das  artes  industriais  em  Portuga, 
"  tino'Lncr"^^  "  '^  ^"^'■"  ^"--  -"-  'e  --  oPÍ"ion   de,   obispo 

'  '06TS>r'cont\''''^-^°'°  '-''-''^  ^"-^-  ^--^"^^  ^°  Século  xv„. 
(.6.8  ,(:&)  -  Contribuição  para  a  História  da  Gravura  em  Portugal. 

VERGÍLIO  CORREIA : 

Artistas  de  Lamego. 

Santa  Cruz  de  Coimbra.  -  Artistas  e  obras  de  arte. 

Artistas  portugueses  em  Itália. 

ANTÓNIO  AUGUSTO  GONCAI  Vfq   c-  ♦  .  •   ,  - 


Ens  o  exímio  IPiiNTO]R,D©iirT®   Cyriljlo»   i 


M.   Scrvam.  Pintou  em  17,9Í 


Queiroz  G.   dt  S.  A/a^fídc/' seu/p  'rmí8i3    ' 

Keprodnção  do  retmio  que  acompanha  a  i.»  edição 


SUBSÍDIOS  PARA  A  HISTÓRIA  DA  ARTE  PORTUGUESA 


\^ 


COLLECCÃO  DE  MEMORIAS 

RELATIVAS  ÁS  VIDAS  DOS  PINTORES, 

E  ESCULTORES,  ARCHITETOS,  E  GRAVADORES 

PORTUGUEZES, 

E  DOS  ESTRANGEIROS, 

QUE  ESTIVERÂO  EM  PORTUGAL 

RECOLHIDAS    E    ORDENADAS 
POR 

CYRILLO  VOLKMAR  MACHADO 

SEGUIDAS  DE  NOTAS 

PELOS 

Dr.  J.  M.  Teixeira  de   Carvalho 

E 

Dr.  Vergílio    Correia 


COIMBRA 

IMPRENSA  DA  UNIVERSIDADE 
1922 


^ 


EDIÇÕES 

DA 

IMPRENSA  DA  UNIVERSIDADE 

(extracto  do  CATÁ'-0G0) 

Publicadas; 

ANSELMO  BRAAMCAMP  FREIRE  -  Livro  primeiro  dos  Brasões  da  Sala  de  Sintra. 
vo!.  I.  , 

Em  papel  Vergé ''','/  ,'/    .  ^    - 

DR.  ANTÓNIO  DK  VASCONCELOS  -  Evolução  do  culto  de  Dona  Isabel  de  Aragão, 
esposa  do  rei  lavrador  D.  Dinis  de  PortugaL  2  vols.  broch.  i4;!!>jo. 

COELHO  DA  ROCH.V  — Ensaio  sobre  a  história  do  Governo  e  legislação  de  Portugal, 
para  servir  de  introdução  ao  estudo  do  direito  pátrio.  7.'  ed.,  1  vol.  broch.  i*5o. 

DR.  ANTÓNIO  JOSÉ  TEIXEIRA—  Documentos  para  a  história  dos  jesuítas  em  Por- 
tugal. I  vol.  broch.  2Í)5o. 

António  Homem  e  a  inquisição,  i  vol.  broch.  iíi>5o. 

MOTA  VEIGA  -  Esboço  histórico-literário  da  Faculdade  de  Teologia  da  Universidade 
de  Coimbra  em  comemoração  do  centenário,  reforma  e  restauração  da  mesma  Univer- 
sidade efectuada  p'los  sábios  Estatutos  de  17^2.  1872,  i  vol.  broch.  Jbgo. 

SIMÕES    DE   CARVALHO  —  Memória    Histórica  da  Faculdade  de  Filosofia.   1872. 

!  vol.  broch.  j^90. 
C.\S  I  RO   KREIRE  -  Memória  histórica  da  Faculdade  de  Matemática  nos  cem  anos 
decorridos  desde  a  reforma  da  Universidade  em  1772  até  o  presente.  1872,  i  vol. 

bioch   â>6o.  . 

MiRABEAU  —  Memória  histórica  e  comemorativa  da  Faculdade  de  Medicina  nos  cem 
anos  decorridos  desde  a  reforma  da  Universidade  até  o  presente.  1872,  i  vol.  broch. 

090.  .  . 

CAVALEIRO  DE  OLIVEIRA  —  Discours  pathétique  au  sujet  des  calamites  presentes 
arrivées  en  Portugal.  Em  linho,  7;8>oo;  em  papel  de  algodão.  2;S>3o 

A  sair: 

DAMIAM  DE  GÓES  —  Chronica  do  Felicíssimo  Rei  Dom  Emanvel.  Conforme  a  ed. 
princeps,  vols  i  e  11. 

Chronica  do  Príncipe  Dom  loam.  Conforme  a  ed.  princeps. 

ANSELMO  BRAAMCAMP  FREIRE  —  Livro  Segundo  dos  Brasões  da  Sala  de  Sintra. 
D.   CAROLINA   MICHAÊLIS  DE  VASCONCELOS- Estudos  sobre  a  Lírica  Camo- 

niana.   I  —  O  Cancioneiro  Fernandes  Thomaz. 
JOSÉ  FÉLIX  HENRIQUES  NOGUEIRA  —  Estudos  sobre  a  reforma  em  Portugal. 
FERNÃO  LOPES  DE  CASTANHEDA-  Historia  do  descobrimento,  e  conquista  da 

índia.  Rev.  pelo  sr.  Pedro  d"  Azevedo. 
CoMMENTARios  DO  Grande  Afonso  d' ALBUQUERQUE.  Couforme  a  2.»  ed.  Rev.  e  prefaciada 

pelo  Dr.  António  Baião. 
BERNALDIM  RIBEYRO  —  Hystoria  de  Menina  e  Moça.  Conforme  a  ed.  de  Ferrara. 

Ed.  prep.  por  Anselmo  Braamcamp  Freire  e  prefaciada  por  D.  Carolina  Micaélis  de 

Vasconcelos.  r    ■   j  i 

Itinerários  Quinhentistas  da  Índia  a  Portugal  por  Terra  -  Rev.  e  prefaciados  pelo 

Dr.  António  Baião. 
GUILHERME  DE  AZEVEDO  —  Alma  Nova. 
RIBEIRO  S.\NCHES  -  Cartas  sobre  a  educação  da  mocidade.  Rev.  e  prefaciada  pelo 

Dr.  Maximiano  de  Lemos. 

Pedidos  á-IMPRENSA   DA   UNIVERSIDADE 

COIMBRA 


subsídios  para  a  historia  da  arte  portuguesa 

V 


COLLECÇÃO  DE  MEMORIAS 

RELATIVAS  ÁS  VIDAS  DOS  PINTORES, 

E   ESCULTORES,  ARCHITETOS,  E  GRAVADORES 

PORTUGUEZES, 

E  DOS  ESTRANGEIROS, 

QUE  ESTIVERÂO  EM  PORTUGAL 

RECOLHIDAS    E    ORDENADAS 
POR 

CYRILLO    VOLKMAR  MACHADO 

SEGUIDAS  DE  NOTAS 
PELOS 

Dr.  J.  M.   Teixeira  de   Carvalho 

E 

Dr.   Vergílio   Correia 


COIMBRA 

IMPRENSA  DA  UNIVERSIDADE 
1922 


esta  edição  fez-se  uma  tirageni  especial 

de  loo  exemplares, 

numerados  e  rubricados 


COLLECÇÃO   DE   MEMORIAS, 

relativas 

a's  vidas  dos  pintores,  e  escultores, 
architetos  ,    e  gravadores   portuguezes  , 

E  dos   Estrangeiros ,  que   esiiverão   em   Portugal , 
recolhidas,  e  ordenadas 

POR 

CYRILLO    VOLKMAR    MACHADO, 

Pintor  ao  Serviço  de  S.  Magestade. 

O  SENHOR  D.  JOÃ(3  VI. 


LISBOA, 
Na  Imp.  DE  VicTORiNO  Rodrigues  da  Silva. 

ANNO    DE    1823. 


Calçada  do  Colleg-io  N.°  6. 


Eeproclução  do  Frontispício  da  1.*  edição 


AVISO    DO    EDITOR. 

PUBLicÁo-SE  as  Memorias,  que  á  cerca  dos  Pintores,  Es- 
cultores, Architectos,  e  Gravadores  Portuguezes,  e 
dos  Estrangeiros  que  estiverão  em  Portugal;  forão  escritas 
por  Cyrillo  Volkmar  Machado,  a  quem  a  natureza  dotou 
de  hum  talento  raro  para  exercitar  a  nobre  Arte  da  Pin- 
tura, e  por  onde  veio  a  conseguir  aquelles  fins,  a  que  huma 
irresistivel  inclinação  chama  muitas  vezes  os  talentos 
extraordinários  a  seguirem  as  applicações  para  que  forão 
destinados.  Julgamos  fazer  á  Pátria,  e  á  Gloria  Nacional 
algum  serviço  publicando  estas  Memorias,  que  seu  Author 
recolheo  com  summo  trabalho,  e  que  a  sua  modéstia,  e 
natural  encolhimento  não  ousou  publicar  em  sua  vida. 
Ninguém  poderá  duvidar,  que  são  entre  nós  mui  escassas, 
e  até  eneditas  as  noticias  de  todos  aquelles  Artistas,  que 
ennobrecêrão  a  Nação  por  meio  de  suas  Obras,  e  quando 
os  Vasaris,  Rafaeis  Sopranes,  Rossis,  Leonardos  d'Vinci, 
e  Palominos  se  occupárão  em  deixarem  á  posteridade  hum 
monumento  precioso,  e  durável  de  todos  aquelles  homens, 


que  honrarão  as  Artes;  tem  havido  entre  nós  o  mais 
ingrato  silencio,  não  perpetuando  a  memoria  de  muitos 
Portuguezes  nellas  insignes.  Não  alteramos  em  nada  a 
substancia,  e  a  ordem  destas  Memorias,  á  excepção  de 
algumas  pe^quenas  observações  á  vida  do  Author,  escrita 
por  elle  mesmo.  Os  Sábios  Artistas,  os  homens  de  gosto, 
e  amadores  das  bellas  Artes  não  poderão  deixar  de  ter  em 
grande  conta  huma  obra  que  pelo  seu  objecto,  e  novidade 
se  faz  merecedora  da  acceitação  publica. 


A 


PREFACIO. 


ESTIMAÇÃO  que  as  gentes  polidas,  e  de  gosto  delicado 
tem  feito  sempre  das  boas  pinturas,  e  d^outros  objectos 
da  Arte,  conduz  naturalmente  ao  desejo  de  conhecer  os  seus 
authores,  e  para  os  fazer  conhecidos,  e  celebrados,  tem-se 
posto  em  uso  todos  os  meios  possíveis,  sem  exceptuar  as 
apotheoses.  Elles  tem  sido  louvados  em  verso,  e  em  prosa, 
e  incensados  com  os  epítetos  de  divinos;  tem-se-lhes  levan- 
tado estatuas,  e  multiplicado  retratos  em  estampas,  meda- 
lhas, pinturas,  e  esculturas;  tem-se-lhes  prodigalisado  há- 
bitos, commendas,  titulos,  magistraturas,  e  cargos  os  mais 
honoriticos;  ricas  prebendas,  rendas  avultadíssimas,  e  toda 
a  sorte  de  prémios.  Os  homens  mais  doutos,  e  ás  vezes  os 
mais  eminentes  em  dignidades,  tem  composto  em  seu  louvor 
dísticos,  epitáfios,  elogios,  e  orações  fúnebres:  os  funeraes 
de  alguns  tiverão  singular  pompa  e  magnificência,   e   os 
mausoléos   de   muitos  excedem   em  riqueza,  e  primor  de 
desenho  os  dos  das  maiores  personagens. 

Mas  persuadidos  os  seus  admiradores  de  que  tantas 
honras  não  compensarião  bem  a  que  delles  recebião;  e 
querendo  talvez  evitar  para  o  futuro  contendas,  como  as 


que  tiverão  os  Gregos  sobre  a  verdadeira  pátria  de  Homero, 
costumáram-se  a  trocar  seus  próprios  appelidos  pelos  das 
suas  pátrias,  chamando-lhes  Rafael  d'Urbino,  Ticiano  de 
Cador,  Paulo  Veronez,  o  Corregio,  Pedro  de  Gortona, 
Vasco  de  Viseu;  Vieira  Lusitano,  &c.  &c. 

Não  contentes  ainda  com  estes,  que  a  muitos  parecerão 
excessos,  quizerão  também  primeiro  reconhecer,  e  depois 
indicar  os  caminhos  por  onde  elles  havião  subido  ao  templo 
da  Immortalidade;  a  fim  de  que  os  vindouros  pudessem 
chegar  com  mais  facilidade  ao  cume  daquelle  monte,  ou 
ao  menos  aproximareni-se  muito  a  elle;  e  para  esse  fim 
escreverão  as  suas  vidas,  e  descreverão  as  suas  obras. 

Muitos  forão  os  antigos  que  nisto  se  occupárão.:  Parrha- 
sio,  Antigono,  Senocrates,  Pomponio  Attico,  Varrão,  Juba 
2.°  Plinio,  Plutarco,  Laércio,  Philostrato,  Aristodemo  de 
Caria,  Gallicrates,  e  outros. 

Paulo  Jovio  foi  hum  dos  primeiros  entre  os  modernos 
que  intentou  metter  mão  ao  mesmo  trabalho,  e  para  o 
fazer  com  acerto  tinha  dois  grandes  requesitos ;  muita  ele- 
quencia,  e  muita  sabedoria;  mas  como  lhe  faltava  o  mais 
indispensável,  isto  he,  a  prática  da  Arte,  de  que  era  pre- 
ciso fallar  com  critica,  magistério,  e  linguagem  particular, 
desistio  da  empreza,  e  reconheceo  que  Jorge  Vasari,  como 
bom  artista,  ainda  que  menos  litterato,  era  mais  capaz  de 
que  elle  para  aquelle  desempenho. 

Gom  effeito  Vasari  escreveo  as  vidas  dos  mais  notáveis 
pintores,  escultores,  e  architetos  que  fíorecêrao  desde  o 
meado  do  i3.°  século  até  o  anno  iSôy,  e  publicou  as  suas 
memorias  em  Florença  em  3  volumes  de  4.°  com  retratos. 
Esta  obra,  apezar  de  alguns  defeitos,  teve  logo,  e  tem  tido 


—  3  — 

sempre  grande  acceitação;  e  ibi  continuada  por  João  Pedro 
Bellori,  Octávio  Leoni,  Leão  Pascoli,  e  alguns  mais. 

Filippe  Baldinucci,  Florentino,  também  escreveo  as  vidas 
dos  pintores,  e  gravadores  até  1670.  Carlos  Gesar  Malvasia, 
António  Lambertini,  José  Guiduloti,  João  Pedro  Zanoti,  e 
outros,  escreverão  dos  pintores  Bolonhezes,  e  fizerão  estam- 
par os  seus  retratos.  Rafael  Soprani,  e  Carlos  José  Ratti 
tratarão  dos  artistas  Genovezes;  Bernardo  Dominice  dos 
Napolitanos;  Santagostini  dos  Milaneses.  Redolíi  dos  Vene- 
zianos. 

Nem  somente  cada  nação,  mas  cada  cidade  da  Itália 
quiz  prezar-se  de  ter  ^■isto  nascer  no  seu  seio  alguns  artistas 
famosos;  e  Luiz  Vedriani  escreveo  dos  Modenezes,  José 
Montani  dos  de  Pesaro,  e  Urbino;  Leão  Pascoli  dos  Peru- 
ginos;  Maífei,  e  Bartholomeo  dei  Pozzo  dos  de  Verona; 
Agostinho  Superbi  dos  Ferrazeres;  sem  fallar  d'outros 
muitos  por  não  abusar  da  paciência  dos  Leitores. 

He  muito  para  notar  que  só  a  Itália,  ainda  que  circuns- 
cripta  por  limites  bastantes  estreitos,  tem  creado  mais,  e 
melhores  artistas  que  todo  o  resto  do  mundo;  e  os  authores 
que  tem  dado  o  nome  de  escollas  aos  modos  de  pintar  das 
diversas  nações,  reconhecem  fora  da  Itália  só  quatro  es- 
collas, que  são  a  Alemã,  a  Flamenga,  a  Hollandeza,  e  a 
Franceza;  e  dentro  delia  seis:  a  Romana,  a  Florentina,  a 
Veneziana,  a  Lombarda,  a  Genoveza,  e  a  Napolitana.  Elles' 
unem  a  Hespanhola  com  a  de  Nápoles,  e  a  Ingleza  com  a 
de  Flandes. 

Cada  huma  destas  escollas  tem  certos  signaes  caracte- 
rísticos :  a  Romana,  que  reconhece  por  chete  a  Rafael,  e 
em  cujo  território  se  conservão  ainda  os  soberbos,  e  bellis- 


—  4  — 

simos  restos  da  grandeza  Romana,  e  da  sciencia  dos  Gregos, 
destingue-se  pela  elevação,  e  nobreza  das  idéas,  magnificas 
composições,  grandioso,  elegante,  e  correto  desenho.  Flo- 
rença, que  foi  o  berço  da  arte  na  sua  segunda  infância,  e 
que  deo  o  ser  a  tantos"  homens  famosos,  e  ao  Bonarota ; 
que  vale  por  muitos,  também  se  distingue  na  magestade 
das  suas  invenções,  e  na  regularidade,  e  sciencia  do  dese- 
nho. A  escola  Veneziana,  que  reconhece  por  seu  mestre 
o  Ticiano,  tem-se  como  elle,  singularisado  pela  belleza  do 
colorido;  engenhosas  invenções,  e  toque  espirituoso.  A 
Lombarda,  bafejada  sempre  pela  graça  do  Corregio,  he 
estimada  pelos  contornos  correntes,  e  elegantes;  pela  scien- 
cia do  claro-escuro;  bello  colorido;  nobre  expressão;  e 
tem  sido  a  mais  fecunda  em  grandes  homens.  Os  Pintores 
Genovezes,  e  Napolitanos,  variavão  muito  os  seus  estilos, 
seguindo  cada  hum  aquella  escoUa  que  melhor  lhe  parecia. 

Lucas  Cambiaso,  e  o  Baccici  fazem  muita  honra  a  Gé- 
nova, assim  como  Salvador  Rosa,  Lucas  Jordão,  Solemena, 
e  Conca  dão  muito  credito  a  Nápoles. 

Em  quanto  ás  escolas  d'aquem  dos  montes,  o  signal 
característico  da  Alemã,  fundada  por  Alberto  Durer,  he  a 
imitação  da  natureza,  tal  como  ella  se  appresenta  á  nossa 
vista,  sem  fazer  escolha  do  que  he  mais  digno  de  ser  pin- 
tado. A  Escola  Flamenga,  que  se  jacta  de  ter  visto  florecer 
hum  Rubens,  e  hum  Vandyk,  he  forte  no  colorido,  na 
sciencia  do  claro-escuro,  n'hum  pincel  pastoso,  e  suave ; 
mas  copiando  também  o  natural  do  seu  paiz  sem  a  melhor 
escolha.  A  HoUandeza  destingue-se  mais  pelo  asseio,  e 
excessiva  paciência,  que  pela  nobreza,  e  dignidade  dos 
assumptos ;  mas  o  collorido  de  Rembrandt  acredita  muito 


—  5  — 

esta  escola.  A  Ingleza  he  tão  pequena,  principalmente  em 
Pintores  do  grande  género,  que  á  maior  parte  dos  Biógrafos 
esqueceo  de  a  nomear :  o  seu  forte  são  os  retratos ;  e  Rey- 
nolds, e  Owest.  são  os  seus  Pintores  mais  acreditados.  A 
Escola  Franceza  póde-se  vangloriar  de  haver  creado  hum 
Poussin,  e  hum  LeBrun ;  assim  como  a  Hespanha  hum 
Valasques,  e  hum  Murillo.  Sandrart,  Vander-Meulen,  Des- 
camps,  Houbraken,  Wauwermans,  S.  Palmer,  Malone,  e 
outros,  escreverão  as  vidas  dos  Pintores  do  Norte:  Felibien 
d'Argenville,  De  Pilles,  etc.  as  dos  Francezes ;  Palomino, 
Ponz,  Bermudez,  as  dos  Hespanhoes. 

Temos  dado  huma  breve  noticia  das  diversas  Escolas, 
e  dos  Authores,  que  escreverão  as  vidas  dos  seus  allumnos; 
mas  nenhum  escriptor  tem  fallado  atégora  da  Escola  Por- 
tugueza.  Este  vácuo  que  se  acha  na  historia  geral  da  Arte, 
pareceo  mal  ao  Arcebispo  d'Evora  D.  Fr.  Manoel  do  Cená- 
culo, e  parece  segundo  o  seu  modo  de  se  exprimir  em  algu- 
mas das  suas  obras,  que  de  boa  vontade  o  encheria  senão 
se  achasse  embaraçado  nas  mesmas  difficuldades,  que  ser- 
virão de  obstáculo  a  Paulo  Jovio. 

Outro  sábio,  o  Desembargador  António  Ribeiro  dos 
Santos,  Bibliothecario  Régio  na  Livraria  Pública,  animado 
pelo  mesmo  espirito,  recolheo  as  memorias  que  pôde  en- 
contrar dos  nossos  Artistas;  e  no  fim  do  ultimo  século, 
sabendo  que  nós  faziamos  as  mesmas  diligencias,  nos  man- 
dou generosamente  offerecer  a  sua  collecção. 

He  também  muito  digno  dos  nossos  elogios  outro  Varão 
tão  conhecido  dos  sábios,  como  presado  dos  Artistas :  O 
Thesourefro  Mór  da  Insigne  e  Real  Collegiada  de  Santa- 
rém, Luiz  Duarte  Villela  da  Silva,  tem  feito  resurgir  dos 


—  6  — 

Cartórios  do  Reino  muitas  memorias  sobre  esta  matéria, 
que  alli  jazião  como  sepultadas. 

Hum  Artista  bem  conhecido,  José  da  Cunha  Taborda, 
Pintor  ao  Real  Serviço  de  Sua  Magestade,  também  fez 
grande  sacriticio  de  tempo  precioso,  penosos  trabalhos,  e 
consideráveis  despezas  para  dar  ao  prelo  as  Memorias  que 
publicou  em  i8i5. 

Ha  3o  ou  mais  annos  que,  desejando  nós  satisfazer  a 
própria  curiosidade,  e  também  a  dos  estimadores  da  Arte, 
que  nos  consultavao  sobre  esta  matéria,  começamos  a  en- 
trar nestas  indagações;  e  já  em  1794  tínhamos  hum  Catha- 
logo  sufficiente  para  que  hum  sábio,  e  grande  da  Corte, 
nos  persuadisse  a  que  o  mandássemos  imprimir :  Fazendo 
depois  novas  acquisições,  e  tendo  amontuado  hum  certo 
volume  de  materiaes,  que  dispersos,  e  perdidos,  não  se 
tornarião  facilmente  a  reunir,  tomámos  a  resolução,  (pelo 
amor  que  professamos  á  Arte,  e  á  Pátria)  de  os  publicar 
na  melhor  ordem  possível,  para  que  no  tempo  futuro  possão 
servir  de  guia  a  algum  Artista  mais  aballisado,  que  intente 
aperfeiçoar  este  trabalho. 

Parece-nos  justo  indicar  as  fontes  d'onde  derivarão  estas 
noticias :  Alem  de  Palomino,  Bermudes,  Abecedario  pictó- 
rico, e  outros  livros  que  todos  conhecem,  consultamos 
alguns  M.  S.  menos  conhecidos;  e  vem  a  ser:  Antiguidade 
e  nobreza  da  Pintura  por  Félix  da  Costa  1696.  O  Tratado 
da  Pintura  de  Francisco  d"Hollanda.  Relação  dos  Pintores 
e  Escultores  que  florecêrão  no  século  de  1700,  de  que  ha 
obras  publicas,  escripta  por  Pedro  Alexandrino  de  Car- 
valho.. Este  cathalogo  foi  solicitado  por  D.  José  Cornide, 
da  Real  Academia  da  Historia  de  Madrid;  e  pelos  DD.  Nar- 


—  1  — 

ciso  Heredea,  e  D.  Manoel  Carrilho,  que  nos  fins  do  século 
viajarão  em  Portugal  por  ordem  da  Corte  de  Hespanha, 
para  recolher  meniorias  de  Artistas,  e  de  obras  notáveis 
das  boas  artes.  Sylva  laudatoria  da  Pintura,  em  que  Fran- 
cisco Xavier  Lobo  elogia  os  bons  Pintores,  Escultores,  e 
Architetos  do  século  i8.  Noticia  de  todos  os  Pintores,  etc, 
que  com  Protecção  Regia  forao  estudar  em  Roma,  por 
intervenção  do  Intendente  Geral  da  Policia,  Diogo  Ignacio 
de  Pina  Manique  nos  fins  do  século  i8,  escrita  por  José 
da  Cunha  Taborda.  Outra  noticia  sobre  a  mesma  matéria, 
dada  pelo  Cavalheiro  Arcangelo  Fosquini.  Memorias  de 
muitos  pintores,  cujos  nomes  se  achão  nos  livros  da  Irman- 
dade de  S.  Lucas,  com  as  datas  do  tempo  em  que  assen- 
tarão por  Irmãos,  em  que  servirão  em  meza,  e  ás  vezes 
do  em  que  fallecêrão;  começando  em  1607,  e  acabando 
em  1794.  Por  estes  livros  verificámos  os  verdadeiros  nomes 
de  algnns  que  andavão  errados  na  tradição,  e  os  tempos 
em  que  quasi  todos  florecêrão. 

Além  das  noticias  escriptas  tivemos  outras,  que  nos 
derão  de  viva  voz  os  Pintores  antigos,  como  José  Carvalho 
Rosa,  Jeronymo  de  Andrade,  Simão  Caetano,  Pedro  Ale- 
xandrino, José  António  Narciso,  Francisco  Gomes,  e  ou- 
tros. Joaquim  Carneiro  deo-nos  todas  as  noções  relativas 
á  instituição  das  aulas  do  desenho,  e  gravura  que  elle 
dirigio.  João  Paulo  fez-nos  scientes  do  que  tocava  á  aula 
dos  estuques.  António  Joaquim  de  Figueiredo,  do  que  per- 
tencia á  aula  do  desenho,  e  gravura  do  Arsenal  Real  do 
Exercito.  António  Fernandes  Rodrigues  da  aula  do  desenho 
do  Castello;  Joaquim  Marques,  e  Luiz  António  da  escola 
da  fábrica  das  caixas.  Alexandre  Giusti,  Alexandre  Gomes, 


—  8  — 

o  caTalleiro  Barros,  Braz  Toscano,  e  Joaquim  António  de 
Macedo  derão-nos  noticias  das  aulas  de  desenho  e  escul- 
tura, estabelecidas  em  Mafra,  e  em  Lisboa;  nem  ha  Artista 
que  não  tenha  alguma  parte  nesta  pequena  obra,  porque 
todos  nos  derão  de  muito  bom  grado  as  informações  que 
estavão  ao  seu  alcance,  sobre  esta  matéria  de  que  se  trata. 
Esta  obra  será  dividida  em  3  partes.  Na  i.*  trataremos 
dos  Pintores  propriamente  ditos.  Na  2.*  faremos  menção 
dos  Architectos,  e  Pintores  de  arquitetura,  e  ornatos,  de 
paizagens  etc.  Na  3.^  fallaremos  dos  Escultores,  e  Grava- 
dores, etc. 


PARTE  PRIMEIRA. 

Das  Vidas   dos   Puitores. 

ESTA  divisão  pareceo-nos  commoda,  e  natural,  e  por 
isso  a  seguimos;  e  nem  se  entenda  que  damos  preferen- 
cia aos  que  vão  na  i. aparte  sobre  os  da  2.*  ou  3.*  A  Arte 
he  similhante  a  huma  frondosa  arvore,  tem  tronco,  e  tem 
ramos  mais,  e  menos  elevados,  e  vemos  ás  vezes  dos  menos 
altos  sahirem  dos  ramos  mais  rasteiros  fructos  preciosos. 
Hum  Bacarelli,  hum  Lourenço  da  Cunha  hum  Piilement 
que  collocamos  na  2.*  parte.  Manoel  Pereira,  José  de  Al- 
meida, Joaquim  Carneiro,  e  Bartolozzi  que  vão  na  3.*,  são 
mui  superiores  em  merecimento  a  Francisco  Pinto,  José 
Caetano,  Francisco  de  Setúbal,  e  muitos  outros  que  acharão 
lugar  na  i.**  parte. 

Brevíssimas  observações  sobre  a  origem 
e  progressos  da  Pintura. 

Os  Historiadores  não  concordão  sobre  o  tempo  em  que 
a  pintura  fora  inventada;  mas  podemos  suppôr  que  no  es- 
tado de  grande  imperfeição  nunca  deixou  de  existir.  Bem 


—     IO    

sabem  todos  que  os  viajantes  modernos  a  tem  achado  entre 
os  mesmos  povos  brutos,  e  sal  vagens. 

Os  Egypcios,  desde  os  tempos  mais  remotos  fizerao  uso 
da  Arte;  e  ainda  se  encontrão  naquelles  paizes,  columnas, 
paredes,  e  múmias  ornadas  com  pinturas,  e  doiraduras, 
conservando-se  as  tintas  frescas,  e  brilhantes.  Elles  conhe- 
cião  seis  cores;  branca,  azul,  amarella,  preta,  encarnada, 
e  verde,  perfilavão  com  preto  sobre  apparelho  branco,  e 
usavão  as  tintas  inteiras. 

No  Palácio  d'Osimandias  estava  pintada  a  sua  expedição 
contra  os  Bactrianos,  e  outros  combates,  e  triunfos. 

Também  fallão  os  Authores  em  painéis  esmaltados,  que 
Simiramis  mandara  pintar  nos  muros  de  Babilónia. 

Nas  ruinas  de  Ispahan  ainda  se  via,  ha  poucos  tempos, 
hum  moisaico  com  i8  ou  19  figuras,  de  que  temos  o  dese- 
nho, representando  a  marcha  para  hum  sacrifício. 

Cleantho,  e  Aristides  de  Gorintho,  e  Thelefano  de  Si- 
cyonia,  que  viviao  antes  da  guerra  de  Troj^a,  forão  talvez 
os  primeiros  Pintores  Gregos  de  que  as  historias  fazem 
menção;  mas  Pintores  taes,  que  sem  hum  letreiro  nimguem 
adevinharia  se  a  figura  pintada  por  elles  era  de  homem  ou 
de  mulher.  De  tão  baixos  princípios  foi  a  Arte  subindo 
pouco  a  pouco  até  a  94. '"^  Olimpiada;  tempo  em  que  Apo- 
lodoro  abrio  a  porta  aos  belos  dias  da  Pintura,  excedendo 
muito  os  seus  antecessores;  e  o  que  mais  he,  louvando 
sem  inveja,  e  sem  ciúme  Zeuis,  seu  rival,  que  o  excedia. 
Depois  delle  florecêrão  os  mais  raros  Pintores  que  vio  o 
Universo ;  Thimantes  estabeleceo  a  perfeita  Symmetria,  e 
deu  mais  vida  e  acção  ás  figuras ;  Parrhasio  animou  as 
expressões;  Zeuis  excedeo  a  todos  no  colorido;  Pamphilio 


—   II   — 

na  composição ;  Eufranor  no  caracter  competente  a  cada 
personagem;  Aristides  nas  paixões  d'alma;  Necophanes  na 
sábia  destribuição  da  scena  do  quadro;  e  Apelies  na  reu- 
nião de  todas  as  bellezas  combinadas  com  a  graça.  Este 
homem  único  confessava  ingenuamente,  que  muitos  dos 
seus  competidores  o  excediao  em  alguma  parte  essencial 
da  Arte ;  mas  nenhum  possuio  tantas  em  gráo  tão  superior 
como  elle. 

Os  progressos  das  sciencias  fazem-se  por  degráos  des- 
postos  em  linha  circular:  quando  se  chega  ao  mais  alto 
todos  os  outros  passos  tendem  para  a  decadência;  e  assim 
aconteceo  aos  successores  de  Apelies,  que  querendo  passar 
adiante  introduzirão  brilhantes  falsos,  e  novidades  inúteis; 
e  quanto  derão  ao  supérfluo  tirarão  ao  essencial. 

Na  Grécia  porem,  apezar  da  declinação,  conservou-se  a 
Arte  bastante  tempo  com  muito  esplendor,  e  communicou 
as  suas  luzes  ao  Império  Romano,  á  Ásia,  e  ao  Egvpto. 

Seguio-se  depois  o  domínio  das  Nações  Barbaras,  que 
sendo  feridas  de  cegueira  pela  mais  crassa  ignorância ;  pa- 
rece que  lhes  faltou  a  visão  intencional,  como  falta  aos 
brutos ;  de  sorte  que  a  perícia  na  Arte  chegou  a  perder-se 
de  todo:  bem  se  entende  que  esta  perda  não  procedeo 
tanto  da  inércia  dos  artífices,  como  da  estupidez  do  vulgo 
a  quem  elles  percisavão  agradar  para  subsistir.  Quando 
o  publico  he  illustrado,  cada  hum  trabalha  para  ser  o  mais 
sábio;  mas  quando  o  não  he,  estuda  cada  qual  o  modo  de 
ser  o  melhor  impostor. 

A  restauração  da  Arte  começou  pelo  mesmo  tempo  em 
que  principiou  a  Monarchia  Portugueza ;  e  os  nossos  His- 
toriadores fazem  menção  não  só  de  algumas  ílluminações. 


—     12    — 

e  retratos  do  tempo  de  D.  Afíonso  I.,  mas  também  de  hum 
painel  da  tomada  de  Lisboa,  que  se  conservou  na  Igreja 
dos  Martyres  até  o  tempo  do  terremoto. 

A  Pintura,  mesmo  na  Itália  aonde  renasceo,  hia  fazendo 
vagarosos  progressos.  João  Gimabue  pelo  meado  do  sé- 
culo i3.°  excedeo  alguma  cousa  os  seus  ignorantíssimos 
Mestres,  que  de  Constantinopla  tinhao  sido  chamados  a 
Florença;  e  teve  a  fortuna  de  achar  hum  efficaz  protector 
na  pessoa  de  Carlos  d'Anjou  Rei  de  Nápoles,  o  qual  se 
dignou  de  ir  a  sua  casa  ver  o  quadro  de  Nossa  Senhora, 
que  elle  estava  pintando  para  a  Igreja  de  Santa  Maria  a 
Nova;  para  onde  o  fez  conduzir  em  pompa  triumfal  que 
acompanhou,  com  todo  o  povo,  ao  som  de  bellicos  instru- 
mentos: e  a  esta  honra,  dizem  os  Escriptores,  deveo  a  Pin- 
tura boa  parte  da  estimação  que  depois  teve ;  e  por  conse- 
quência dos  progressos  que  fez. 

Giotto,  seu  discípulo,  pintou  bem  os  retratos,  e  deitando 
as  roupas  nas  figuras  com  melhor  gosto,  lhe  deo  tal,  ou 
qual  movimento  próprio  das  acções  que  devião  representar. 

Estevão  de  Florença,  e  Pedro  Laurati  íizerão  menção 
das  formas  do  nú  debaixo  dos  vestidos :  Thaddeo  Gadi 
colorio  melhor,  e  exprimio  as  paixões  d'alma. 

Massolino  deo  ás  suas  figuras  mais  graça,  vida,  e  ex- 
pressão; e  Massaccio,  seu  escolar,  no  século  i5.°  fez  sahir 
a  arte  da  infância  em  que  tinha  estado,  e  inventou  hum 
estilo  novo;  tanto  pela  escolha  das  attitudes,  verdade,  e 
poucas  dobras  nos  pannos,  como  pela  sciencia,  e  elegância 
do  desenho,  e  correcção  dos  escorços :  sendo  o  primeiro 
que  plantou  bem  as  figuras,  escorçando  os  pés,  para  que 
assentassem  no  chão.  Fez  pouco  apreço  de  si  em  quanto 


—  i3  — 

viveo;  mas  depois  de  morto,  Annibal  Caro,  e  Fábio  Segni 
lhe  compuzerão  lisongeiros  epitáfios ;  dizendo  o  primeiro 
—  a  Bonarota  que  ensinasse  embora  a  todos  os  mais,  mas 
que  aprendesse  delle ;  e  o  segundo  reprehendendo  a  Parca, 
porque  cortando  a  vida  daquelle  Pintor  tirava  o  ser  a  muitos 
Apelles,  e  apagando  aquella  luminária  extinguia  a  luz  de 
todos  os  outros. 

Entretanto  tinhao  os  Florentinos  eregido  liuma  Confraria, 
que  era  juntamente  Academia;  novidade  que  foi  mal  imi- 
tada pelos  artífices  Francezes  em  iSgi  (dizemos  artifices 
porque  não  havia  alli  naquelle  tempo  professor  algum  de 
desenho,  que  merecesse  ser  chamado  Artista.)  Elles  se 
encorporárão  debaixo  de  huma  bandeira,  e  depois  obtiverao 
grandes  privilégios  de  Carlos  7.*',  e  Henrique  3.*^ 

João  de  Bruges,  Pintor  Flamengo,  e  Conselheiro  do 
Duque  de  Borgonha,  pelos  fins  do  Século  xiv.  achou  o 
modo  de  pintar  a  óleo;  e  esta  invenção  foi  huma  das  mais 
vantajosas  para  a  Arte. 

Em  quanto  a  Pintura  se  divulgava  pela  Europa,  também 
hia  fazendo  algum  progresso  em  Portugal ;  e  Fr.  Luiz  de 
Souza  falia  de  huma  adoração  dos  Reis  mandada  fazer  por 
ElRei  D.  Diniz  para  o  Convento  de  S.  Domingos  de  Lisboa. 
Ao  retrato  de  D.  Aftbnso  4.°  disse  Faria  e  Sousa,  que  se 
devia  dar  credito,  porque  elle  mesmo  se  havia  mandado 
retratar  ao  natural,  com  os  seus  Antecessores.  Estes  e 
outros  retratos  dos  nossos  Monarcas  passarão  para  a  Hes- 
panha  no  tempo  dos  Filippes. 

A  Bandeira  de  Lisboa  no  Reinado  de  D.  João  1 .°  tinha 
huma  pintura  de  S.  Vicente,  Protector  da  nossa  Capital ; 
e  consta  que  esta  Bandeira  fora  arvorada  por  João  Vas- 


—   í4  — 

quês  de  Almada  no  Castello  de  Ceuta,  quando  o  mesmo 
Rei  tomou  aquella  Cidade.  O  Infante  D.  Henrique  mandou 
retratar  D.  Fernando  o  Santo,  seu  Irmão,  no  retábulo  da 
sua  Capella  na  Batalha.  No  Convento  de  S.  Eloy  em  Lis- 
boa esteve  muitos  annos  hum  retrato  pintado  em  taboa, 
da  Infanta  D.  Catharina  filha  de  ElRei  D.  Duarte,  que  fal- 
lecêra  em  1436,  mandado  pôr  alli  sobre  o  seu  tumulo,  pelo 
Cardeal  d'Alpedrinha  de  que  fora  Discípula,  e  Confessada. 

Nuno  Gonçalves,  ainda  que  em  tempo  mui  bárbaro,  diz 
Francisco  d'Hollanda,  pintou  com  louvável  diligencia  o 
altar  de  S.  Vicente  na  Sé  de  Lisboa,  e  hum  Senhor  atado 
á  columna  na  Trindade.  Hum  certo  João  Annes,  teve  Carta 
de  Pintor  do  Rei  D.  AtTonso  5."  em  1454.  Gonçallo  Gomes, 
Braz  d' Avelar  N.  Danzilha,  André  Gonçalves,  e  outros 
servirão  D.  Manoel,  e  D.  João  3."  António  Maciel  Pintor 
de  Vianna,  retratou  em  iSgo.  D.  Fr.  Bartholomeu  dos 
Martyres ;  mas  se  he  seu,  como  se  diz,  o  retrato  daquelle 
Prelado,  que  está  na  Portaria  de  S.  Domingos,  era  muito 
máo  Pintor. 

Também  fazem  menção  os  Historiadores  de  dous  Por- 
tuguezes  illustres  que  por  curiosidade  se  dedicarão  com 
feliz  êxito  á  nossa  Arte,  naquellas  eras:  forão  estes  Garcia 
de  Re.sendo  moço  da  Camará  de  D.  João  2.°,  que  foi  bom 
desenhador;  e  Braz  Pereira  filho  de  Fernando  Brandão, 
Guardaroupa  do  Infante  D.  Fernando. 

Por  aquelles  mesmos  tempos  se  illuminárão  na  Itália 
huns  livros,  que  ElRei  D.  Manoel  deo  aos  Padres  de 
Bellem. 

Na  Itália  continuavão  os  rápidos  progressos.  Domingos 
Ghirlandaro,  Florentino  achou  os  princípios  da  boa  dispo- 


I  D    

siçâo,  e  do  desenho  mais  correcto.  O  colorido  hia  melho- 
rando muito  na  Lombardia,  e  em  Veneza,  por  meio  dos 
Bellini,  e  do  Mantenha,  o  Perugino  tinha  graça,  e  facilidade: 
só  faltava  passar  da  natureza  vulgar  á  sublime,  e  Miguel 
Angelo  estudando  algumas  obras  dos  antigos,  ousou  arvo- 
rar o  estandarte  para  conduzir  os  Artistas  por  aquelle 
magestoso  caminho.  Quiz  a  boa  sorte,  que  os  talentos  mais 
raros  encontrassem  os  Principes  mais  magníficos,  e  illus- 
trados  para  os  empregarem  em  obras  de  grande  sciencia, 
e  vastidão. 

Rafael,  na  Escola  de  Athenas  reunio  quasi  todas  as 
perfeições,  que  ainda  se  podiao  ajuntar  á  Arte;  e  se  algu- 
mas lhe  faltarão  forão  postas  em  uso  pelo  Ticiano,  e  pelo 
Corregio :  de  sorte  que  desde  o  melhor  século  dos  Gregos, 
que  foi  o  de  Alexandre,  nunca  a  sciencia  do  Pintor  tinha 
subido  a  hum  gráo  tão  eminente;  mas  conservou-se  pouco 
tempo  naquella  ellevação;  e  teria  cahido  de  todo,  se  os 
Caraches  lhe  não  dessem  a  mão  para  a  sustentar.  Como 
a  imitação  daquelles  grandes  homens,  era  a  mais  bella,  e 
mais  nobre  que  a  realidade,  começarão  os  seus  discipulos 
a  estudallos  tanto,  que  se  apartarão  muito  da  imitação  da 
Natureza,  e  vierão  a  cahir  em  maneiras  affectadas :  os 
sequazes  de  Miguel  Angelo  imitarão  apenas  a  arrogância  do 
seu  estilo;  e  cada  hum  dos  discipulos  de  Rafael,  se  o  igualou 
em  alguma  parte,  íicou-lhe  inferior  em  muitas  outras. 

Naquella  época  introduzirão  também  o  estilo  grandioso 
Affonso  Berrugheto  na  Hespanha,  e  António  Campelo  em^ 
Portugal ;  porque  o  Vasco,  ainda  que  grande  no  saber, 
sempre  usou  o  estilo  seco,  e  mesquinho  dos  Góticos.  Co- 
meçávamos  a  florecer  muito  quando   aconteceo   a  perda 


—  i6  — 

desgraçada  de  ElRei  D.  Sebastião,  a  que  se  seguio  o  capti- 
veiro  de  6o  annos,  e  as  guerras  obstinadas  da  Restauração 
que  nos  reduzirão  a  maior  indigência.  Os  Francezes  en- 
tretanto fundarão  a  sua  famosa  Academia  de  Pintura,  para 
evitar  a  perseguição  dos  pertendidos  artistas,  successores 
daquelles  que  se  havião  embandeirado  em  iBgi;  os  quaes, 
em  virtude  dos  seus  privilégios,  pertendião  que  LeBrun,  e 
os  outros  grandes  homens,  ou  não  usassem,  ou  se  encor- 
porassem  com  elles. 

Na  mesma  era  deitava  Murilho  os  fundamentos  da  Aca- 
demia de  Sevilha,  bastante  fértil  em  génios  felices;  mas  os 
tristes  Portuguezes  tinhão  de  ir  buscar  fortuna  na  Corte 
de  Hespanha,  e  talvez  não  teriamos  noticia  delles  se  Palo- 
mino,  e  outros  Biógrafos  Castelhanos  não  no-los  dessem 
a  conhecer.  Os  que  cá  ficarão  erigirão  a  Irmandade  de 
S.  Lucas  na  Annunciada  aonde  vivia  Soror  Margarida  de 
S.  Paulo,  famosa  em  virtudes,  letras,  e  bellas  Artes.  Simão 
Rodrigues,  Luiz  Alvares  de  Andrade,  Fernão  Gomes,  Do- 
mingos Vieira,  e  outros,  que  erão  Juiz,  Mordomos,  e  Ir- 
mãos do  dito  Santo,  (de  que  se  collige  que  havia  já  huma 
espécie  de  Confraria),  comprarão  ás  Religiosas  daquelle 
Convento  huma  Capella  por  400Í?  réis,  de  que  ha  escri- 
ptura  feita  pelo  Tabellião  Marcos  de  Oliveira.  Fez-se  o 
Compromisso  em  26  Capítulos,  que  foi  assignado  por  Gre- 
gório Antunes,  Luiz  Alves  de  Andrade,  António  Soares,  e 
António  Simões  de  Solis;  e  approvado  pelo  Arcebispo  de 
Lisboa  D.  Miguel  de  Castro,  em  6  de  Outubro  de  i6og. 

No  Capitulo  i.°  mandava-se  acceitar  por  irmãos  Pinto- 
res, Escultores,  Architetos,  e  Desenhadores,  sendo  pessoas 
de  bom  comportamento.  O  2.°  e  os  quatro  seguintes  tra- 


—   17  — 

taviÃo  de  devoções  e  regimen.  O  7.°  mandava  apaziguar 
contendas,  e  evitar  demandas  entre  os  irmãos,  condemnando 
os  obstinados  em  alguns  arráteis  de  cera.  O  g.*'  e  o  10.'^ 
indicavâo  os  meios  para  haver  dinheiro,  e  o  modo  de  o 
bem  guardar.  O  11."  mandava  que  se  visitassem  os  enfer- 
mos para  os  exortar  a  que  se  confessassem,  e  soccorrêlos 
se  fossem  pobres.  Pelo  12.°  se  mandava  pagar  até  12  cru- 
zados, se  algum  irmão,  pelos  dever,  estivesse  prezo.  O  i3.° 
ordenava  que  se  soccoressem  as  viuvas,  e  casassem  as 
órfãs,  dando-lhes  a  Meza  10  cruzados,  e  cada  irmão  hum 
cruzado.  O  14.°  e  seguintes  tratavao  de  suffragios :  Os 
17-22  erão  relativos  ao  regimen  da  Irmandade.  O  23.''  or- 
dena a  festa  da  Senhora  do  Populo.  O  24."  e  25. '^  trata- 
vao de  covaes;  e  o  ultimo  condemnava  o  procurador  a 
pagar  a  metade  das  dividas,  que  por  sua  omissão  senão 
cobrassem.  Não  tratavao  de  Academia  nem  de  melhora- 
mento da  Arte;  e  esta  he  a  maior  prova  do  abatimento 
em  que  ella  se  achava. 

A  guerra  da  successão  seguio  de  perto  a  da  independên- 
cia, e  só  depois  da  paz  de  Utreck  em  1713  he  que  se  pôde 
cuidar  em  sciencias,  e  bellas  artes;  e  com  eífeito  estabele- 
cêrão-se  no  Reino  algumas  Academias  de  Historia,  Poesia, 
e  Geometria.  A  pintura  não  esqueceo,  e  ElRei  mandou  a 
Roma  alguns  estudantes;  outros  forão  á  sua  custa,  ou 
encostados  a  grandes  personagens. 

Faltava  porém  huma  Academia  da  Arte  em  Lisboa,  e 
ouvimos  dizer  que  Francisco  Vieira,  e  André  Golçalves 
quizerão  dar  principio  a  ella;  mas  o  povo  rústico  sabendo 
que  se  havia  de  expor  alli  hum  homem  nú  para  ser  co- 
piado, apedrejou  as  janellas  da  casa,  e  foi  preciso  ceder. 


—  i8  — 

Pelos  annos  1780,  tendo  nós  desejado  ter  em  Lisboa  hum 
estudo  do  nú  como  tínhamos  visto  em  Sevilha  e  Roma, 
pedimos,  e  obtivemos  algumas  salas  do  Palácio  de  Gregório 
de  Barros  e  Vasconcellos,  junto  á  Igreja  de  S.  José,  e  as 
mobiliámos  com  quanto  era  necessário  para  o  intento;  e 
convidámos  os  mais  Sábios  Artistas  para  dirigirem  os  es- 
tudos, e  a  todos  os  outros  mais  para  se  aproveitarem 
delles.  Achar  hum  homem  que  se  quizesse  despir  para 
estar  a  modelo  foi  empreza  dificultosa :  falíamos  nisso  a 
muitos,  mas  como  o  convite  lhes  parecia  huma  affronta,  as 
respostas  erao  não  só  negativas,  mas  também  insolentes. 
Com  maneiras  estudadas,  e  offertas  liberaes  se  ajustou  hum 
homem  de  ganhar,  o  qual  cumprio  três  ou  quatro  noites; 
mas  quando  os  seus  camaradas  o  souberão,  derão-lhe  taes 
vaias,  e  tratárão-no  tão  mal,  que  o  pobre  homem  desappa- 
receo;  mas  achou-se  outro,  e  o  estudo  proseguio  sem  inter- 
rupção. O  novo  estabelecimento  foi  muito  applaudido  de 
huns,  e  perseguido  por  outros,  como  tem  acontecido  em 
toda  a  parte.  O  Duque  de  Lafões  mandou  alli  o  Abbade 
Corrêa,  e  seu  irmão  Joaquim  José  Corrêa  (i),  a  offerecer 
a  sua  alta  protecção,  e  tudo  quanto  estivesse  em  seu  poder, 
a  fim  de  cimentar,  e  conservar  aquella  Academia.  Iguaes 
offertas  fez  também  Joaquim  Leonardo  da  Rocha,  da  parte 
do  Marquez  d'Alorna:  em  geral,  toda  a  Corte  se  mostrou 
propicia  ao  melhoramento  da  Arte. 

A  abertura  da  dita  fez-se  no  dia  16  de  Maio  de  1780,  e 


(1)  Era  Desenhador,  Arquitecto  Civil  e  Militar,  pelos  annos  1700 
foi  para  o  Brazil  com  patente  de  Major  de  Engenharia,  e  lá  morreo 
sendo  ainda  raoço. 


—   19  — 

nessa  occasiao  repetio  o  Erector  hum  breve  discurso  exhor- 
tatorio,  eni  que  dizia  em  substancia  aos  seus  Collegas  «Se 
nós,  que  professamos  e  amamos  estas  bellas  Artes,  não  as 
socorrermos,  e  exaltarmos  quem  devemos  esperar  que  o 
faça  ?  os  que  as  ignorão,  ou  as  desestimão  ?  —  Somos  pou- 
cos, e  débeis,  mas  se  começarmos  a  vencer  os  obstáculos, 
o  partido  que  vence  sempre  acha  sequazes,  e  protectores, 
e  em  pouco  tempo  as  veremos  triumfar.  —  Se  formos  tão 
felices  que  o  consigamos,  a  Pátria  nos  reconhecerá  por  seus 
filhos  beneméritos;  a  honra,  e  o  interesse  Nacional  nos 
ficará  em  grande  obrigação;  e  a  Historia  celebrará  com 
applauso,  e  com  justiça  os  nossos  nomes;  os  vindouros  nos 
serão  devedores  dos  progressos  que  bem  lhes  podemos 
prognosticar,  supposto  o  grande  talento  natural  que  ha  nos 
portuguezes. 

Tudo  se  nos  facilita,  e  nos  enche  das  mais  bem  fundadas 
esperanças:  hum  Fidalgo  generoso,  e  sábio  lhes  abre  as 
portas  para  as  receber  em  sua  casa;  os  Grandes  lhes  offe- 
recem  protecção,  e  subsídios;  a  Nossa  Soberana,  e  suas 
Augustas  Irmãs,  se  entretém  tanto  com  ellas  como  se  as 
professassem:  e  poderíamos  nós  desejar  mais  felices  aus- 
pícios, mais  ditosos  presagios? —  Se  fizermos  progressos, 
se  nos  conduzirmos  com  zelo,  e  patriotismo,  havemos  de 
achar  muito  favor  em  Sua  Magestade.  íkc.  &c. 

Achárão-se  na  Academia  Joaquim  Manoel  da  Rocha, 
Joaquim  Carneiro  da  Silva,  Joaquim  Machado  de  Castro, 
e  muitos  outros  Professores  e  Alumnos  das  três  Artes,  e 
também  alguns  Amadores,  entre  os  quaes  Thimotheo  Ver- 
dier.  Sábio  em  Arquitectura,  Guilherme  Hudson,  e  outros 
Inglezes,  e  Francezes :  o  número  total  foi  de  5i  pessoas. 


—    20    — 

Joaquim  Carneiro,  por  insinuação  do  Padre  Mestre  Fr. 
José  da  Rocha,  Dominico,  que  tinha  toda  a  influencia  na 
Meza  Censória,  traçava  então,  como  depois  soubemos,  hum 
plano  para  a  Aula  do  Desenho,  que  veio  a  abrir-se  no  anno 
seguinte:  contava  elle  já  com  Joaquim  Manoel  da  Rocha, 
para  occupar  a  cadeira  da  Figura,  e  por  esse  motivo  rece- 
beo  mal  o  convite  que  lhe  fizemos  para  entrar  em  a  nova 
Academia,  e  até  parece  que  não  fora  a  ella  senão  a  fim  de 
a  derrubar;  porque  pouco  tempo  depois  da  abertura,  ale- 
gando pretextos  mui  frívolos,  declarou  aos  seus  amigos,  e 
discípulos,  que  não  tornaria  mais  áquella  casa,  e  todos 
elles  o  imitarão;  e  como  as  despezas  das  luzes,  e  salário 
do  modelo,  erão  feitas  á  custa  dos  que  frequentavão,  con- 
tribuindo cada  hum  com  Soo  rs.  mensaes;  faltando  as  con- 
tribuições acabava-se  a  Academia. 

Tinha-se  determinado  que  os  mezes  de  Julho,  e  Agosto 
fossem  de  ferias;  e  ainda  que  o  Erector  na  sua  tentativa 
não  tivesse  em  vista  mais  que  o  estabelecimento  de  hum 
estudo  bom,  e  necessário,  agora  achava  também  a  sua 
honra  compromettida  naquella  desordem :  Huma  Acade- 
mia fallecida  em  tão  tenra  idade,  deveria  parecer  hum 
aborto;  e  para  conservar-lhe  a  vida  resolveose  a  acceitar 
os  donativos  que  os  Fidalgos,  e  as  pessoas  ricas,  e  gene- 
rosas tinhão  offerecido,  e  abrio  a  subscripçao;  declarando 
porém  que  senão  acceitaria  a  cada  assignante  mais  dos 
36oo  rs.  annuaes,  que  pagavão  os  Artistas.  Assignárão 
Manoel  de  Lorena,  o  Conde  de  Villa  Nova,  o  Marquez 
dAlorna,  o  Conde  de  Assumar,  o  Marquez  de  Gouvêa,  o 
Conde  d'Atalaya,  o  Principal  Miranda,  o  Conde,  e  a  Con- 
deça  de  Vimieiro,  Agostinho  Francisco  de  Larre,  Anselmo 


21     — 

José  da  Cruz,  Guilherme  Hudson,  e  assignarião  todos, 
porque  todos  querião  concorrer  para  aquelle  público  bem, 
mas  Pedro  Alexandrino  fallou  com  energia  contra  esta 
medida,  dizendo  ser  cousa  vergonhosa  para  os  Artistas  não 
se  atreverem  elles  a  fazer  huma  despeza  tão  limitada,  e  ser 
para  isso  necessário  incommodar  os  Grandes  da  Corte; 
que  se  escolhessem  tantos  Professores  quantos  fossem  os 
mezes  de  estudo  annual,  e  cada  hum  delles  governasse,  e 
fizesse  a  despeza  no  seu  mez. 

Este  parecer  foi  desapprovado  pelo  maior  número,  e 
tivemos  de  proseguir  nas  assignaturas;  porém  espalhou-se 
o  boato  de  que  os  administi  adores  da  Academia  poderião 
utilizar-se  de  algum  dinheiro,  íoi  então  que  o  Erector  fez 
propósito  de  não  acceitar  nada  a  ninguém,  e  de  sustentar 
a  Academia  á  sua  custa  em  quanto  pudesse :  com  effeito 
fez  a  nova  abertura  no  dia  18  de  Setembro,  e  a  ella  assis- 
tirão Francisco  Vieira  Lusitano,  e  Ignacio  de  Oliveira  Ber- 
nardes, como  Directores  do  desenho,  e  estudos  do  nú,  e 
Simão  Caetano  Nunes  como  Director  da  Perspectiva,  Geo- 
metria, e  Arquitectura:  perparou-se  também  huma  sala 
para  nella  se  desenharem  gêços,  e  estampas  de  figura,  e 
ornato. 

Os  estudos  sendo  então  mais  amplos,  e  mais  variados 
concorrião  a  elles  não  só  Pintores,  Escultores,  Arquitectos, 
e  Abridores;  mas  também  Entalhadores,  Ourives,  Mestres 
d'obras.  &:c.  &c.. 

O  Padre  João  Chrisostomo  desapprovou  hum  procedi- 
mento que  tornava  particular,  e  de  hum  só,  huma  Acade- 
mia que  devia  ser,  e  chamar-se  de  todos;  e  offereceo-se  ao 
-Erector  para  associar  com  elle:  o  mesmo  fizerão  Simão 


—    22    — 

Caetano  Nunes,  e  o  Fidalgo  dono  da  casa.  Como  se  hia 
seguir,  pouco  mais  ou  menos,  o  S3-stema  proposto  por  Pe- 
dro Alexandrino,  pareceo  justo  convidallo  de  novo  para  a 
sociedade,  porém  elle  receando  ficar  mal  com  o  partido  da 
opposição,  não  quiz  acceitar. 

O  Erector,  com  approvação  dos  seus  Sócios,  convidou 
também  Francisco  José  de  Setúbal,  e  Jerónimo  de  Barros: 
ambos  acceitárão;  mas  não  forão  úteis  á  sociedade,  o  pri- 
meiro contribuio  com  a  sua  quota  parte;  mas  sendo  amigo 
de  intrigas  usou  delias  com  ambos  os  partidos,  e  retirou-se 
intempestivamente,  o  segundo  tratou  a  cousa  com  muito 
pouca  seriedade.  Esta  associação  começou  em  23  de  Outu^ 
bro,  e  durou  hum  anno. 

A  Academia  era  cada  vez  mais  frequentada,  e  mais 
applaudida,  porem  no  melhor  tempo,  morrendo  Gregório 
de  Barros,  faltou  a  casa,  e  foi  preciso  suspender  os  estudos. 

Antes  do  nosso  estabelecimento  parecia  aquella  erapreza 
a  huns  impossível,  e  a  outros  difficultosa;  mas  depois  faci- 
litou-se  tanto,  que  se  fez  o  estudo  nú,  também  em  Mafra, 
na  Fabrica  das  caixas,  em  casa  do  Intendente  aos  Anjos, 
e  ultimamente  na  rua  dos  Camillos. 

Diogo  Ignacio  de  Pina  Manique  tinha  fundado,  com  Bene- 
plácito Régio,  a  Casa  Pia  do  Castello,  aonde  entre  outros 
estudos  teve  lugar  o  Desenho,  e  escolheo  para  Professor 
delle  António  Fernandes  Rodrigues,  o  qual  no  dia  23  de 
Abril  de  1781,  dia  da  abertura  da  sua  Aula,  recitou  huma 
Oração  Académica. 

Nella  felicitava  a  Nação  Portugueza,  e  os  -Alumnos  da 
Aula;  aquella,  porque  entre  os  tumultos  da  guerra  em  que 
se  achavão  envolvidas  outras  Nações,  gosava  as  vantagens 


—    23    — 

de  huma  tranquilla  paz;  e  estes  porque  felizmente  vivião  á 
sombra  de  tão  boa  protecção.  Dava-lhes  depois  huma  idéa 
da  Arte,  e  trazia  á  memoria  alguns  dos  muitos  que  por 
ella  havião  subido  a  grandes  honras  e  felicidades.  » A'  vista 
pois  destes  exemplos  concluía  elle,  enchei-vos  de  esperan- 
ças. Tendes  Mecenas,  tendes  Mãe  Protectora,  compassiva 
e  liberal,  de  quem  deveis  esperar  todo  o  favor,  se  fizerdes 
na  Arte  aquelles  progressos  que  anciosamente  vos  desejo.» 

Tentou  depois  o  mesmo  Magistrado,  o  restabelecimento 
da  Academia  do  nii;  e  para  a  direcção  delia  foi  elle  mesmo 
pessoalmente  convidar  os  Lentes  do  Desenho  das  Aulas 
Regias,  que  erão  Joaquim  Manoel  da  Rocha,  Joaquim  Ma- 
chado de  Castro,  e  Joaquim  Carneiro  da  Silva.  Também 
convidou  o  da  Aula  do  Castello;  e  recebendo  algum  tempo 
de  visita  a  Pedro  Alexandrino,  lhe  fez  o  mesmo  convite. 

Abrio-se  pois  a  Academia  pela  terceira  vez  em  casa  do 
mesmo  Intendente,  aos  Anjos,  em  a  noute  da  Segunda 
Feira  17  de  Outubro  de  lySS,  e  alli  se  fez  huma  espécie 
de  ensaio  por  duas  semanas,  em  quanto  se  preparava  na 
Rua  dos  Camillos  o  sallão  que  tinha  servido  de  livraria 
aos  ditos  Padres, 

No  espolio  de  Joaquim  Carneiro,  achou-se  hum  manus- 
crito feito  por  elle,  com  duas  datas  differentes,  que  pare- 
cem suppostas.  O  seu  titulo  he  «Estatutos  da  Regia  Aca:. 
demia  Ulyssiponense  de  Pintura,  Esculptura,  e  Architectura, 
debaixo  do  Patrocinio  do  Evangelista  S.  Lucas»  Julgamos 
terem  sido  feitos  para  esta  Escola,  tanto  mais,  quanto 
havíamos  ouvido  dizer  a  António  Fernandes  alguma  cousa 
a  esse  respeito. 

Por  aquelle  tempo  chegou  de  Roma  Eleuterio  Manoel 


—   24  — 

de  Barros,  conduzindo  o  grande  painel  de  Battoni,  e  entrou 
também  no  corpo  da  Direcção.  Em  tanto  falleceo  Joaquim 
Manoel  da  Rocha  em  Dezembro  de  1786,  e  juntando-se  os 
Directores,  por  convite  do  Intendente  para  lhe  darem  hum 
successor,  votarão  no  Author  destas  memorias.  Na  mesma 
conferencia  propoz  Pedro  Alexandrino,  que  se  repartisse  o 
trabalho  da  Direcção  por  mais  alguns,  e  lembrou  o  Padre 
João  Chrysostomo  para  Director  em  Escultura,  e  Joaquim 
José  de  Barros,  então  principiante,  mas  já  bom  Escultor, 
para  substituto.  Joaquim  Machado  de  Castro  também  pro- 
poz Francisco  de  Setúbal  para  Director,  e  Faustirwo  José 
seu  Discípulo  para  Substituto. 

Estas  eleições  forão  noticiadas  aos  eleitos  por  huma  cir- 
cular datada  de  19  de  Dezembro  de  1787,  pela  qual  José 
Rodrigues  Lisboa,  Administrador  da  Casa  Pia  os  convidava 
em  nome  de  Intendente,  no  caso  de  acceitarem,  para  assis- 
tirem á  Secção  Académica,  que  no  dia  24  se  havia  de  cele- 
brar na  mesma  Casa  diante  da  Nobreza,  e  Corte.  Todos 
acceitárão,  á  excepção  do  Padre  João  Chr3^sostomo,  o  qual 
para  se  escuzar  allegou  razoes  que  derão  motivos  ao  Dis- 
curso Apologético,  escripto,  e  espalhado  por  hum  Anónimo, 
em  que  affirmava  que  sendo  o  Padre  prudente,  e  discreto 
não  podia  ser  author  daquella  escusa,  que  algum  génio 
maligno  calumniosamente  lhe  queria  imputar.  O  Padre 
deo  a  esta  satyra  huma  resposta  também  satyrica.  Fez-se 
a  Secção  Académica  no  Castello,  aonde  Joaquim  Machado 
pronunciou  de  tarde  o  Discurso  sobre  as  utilidades  do  De- 
senho, que  corre  impresso,  e  á  noute  poz  o  grupo,  que  foi 
desenhado  também  por  alguns  Fidalgos. 

Como  o  Intendente  quizesse  crear  na  Casa  Pia  não  só 


->    25    — 

Manufactores  mais  também  Sábios  e  Artistas,  mandou  a 
Roma  em  lySS  José  Alves  de  Oliveira,  Joaquim  Fortunato 
de  Novaes,  e  João  José  de  Aguiar,  para  alli  se  instruírem, 
o  i.°  na  Pintura,  o  2.°  na  Arquitectura.  Entretanto  chegou 
á  noticia  de  Joaquim  Carneiro,  que  Francisco  de  Setúbal 
intrigava  com  António  Fernandes,  e  Nicoláo  Preto  (i)  para 
refutarem  o  novo  Regulamento  da  Academia,  que  (talvez 
por  isso)  ficou  sem  effeito:  por  esse  motivo  compoz  hum 
discurso  allegorico  intutulado.  »0  dia,  o  crepúsculo,  e  a 
noute,  ao  mesmo  tempo,  phenomeno  raríssimo  visto  em 
Lisboa  por  Joaquim  Carneiro  da  Silva»  Jazião,  dizia  elle 
em  substancia,  em  confuso  cháos  as  Artes  liberaes  em  Por- 
tugal, quando  hum  Zeloso  Magistrado  as  quiz  tirar  daquella 
escuridão,  e  convidou  para  isso  Professores  beneméritos; 
entre  estes  aparecerão  o  dia,  o  crepúsculo,  e  a  noute;  oh 
que  triste  aspecto!  que  infausto  agouro!  Mordidos  pela 
inveja,  movidos  pela  ignorância,  e  fustigados  pela  fúria  da 
discórdia  conspirarão  contra  o  novo  estabelecimento  »se- 
guia-se  aqui  huma  interlocução  cujo  resultado  foi  formarem 
elles  hum  triunvirato  em  que  cada  hum  prometia  de  sacri- 
ficar o  seu  amigo  ao  ódio  do  companheiro.  » Conseguirão 
em  fim  estes  malévolos,  proseguia  elle,  cortar  em  fior  a 
arvore  que  se  cultivava  para  dar  fructos  proveitosos;  vários 
Professores,  e  Exercitantes  deixarão  de  frequentar  huma 
Aiila. aonde  mais  se  detrahe  que  se  desenha.  Hum  digno 
Professor  (falia  aqui  do  Padre  João  Chrysostomo)  sendo 
nomeado  para   ser  hum  dos  Directores   delia,  em   huma 


(i)  Este  foi  Porteiro  da  Aula  pouco  tempo. 


—    26     - 

carta,  que  dirigio  aos  mais  Directores,  entre  outras  razões 
com  que  se  escusou,  disse  «que  sabia  ser  tal  a  desunião, 
e  murmúrio,  que  ainda  os  mesmos  Directores,  principal- 
mente aquelles  a  quem  a  mocidade  Portugueza  deve  as 
maiores  luzes,  não  escapavão  não  só  de  huma  continua 
critica,  mas  também  de  rigorosas  e  cruéis  sat^^as  —  A' 
carta  do  Professor,  que  se  escusou  se  respondeo  com  outra 
picante,  e  teve  igual  resposta  —  sahio  certo  o  funesto  pre- 
sagio^ — »  Não  sabemos  se  Joaquim  Carneiro  estava  bem 
informado;  mas  he  certo  que  pouco  tempo  depois  via-se 
a  Aula  do  nú  abandonada  aos  rapazes  que  hião,  em  vez 
de  desenhar,  atirar  com  bailas  de  papel  huns  aos  outros. 

Muitos  estudantes  d'outras  escolas  se  recommendavão  á 
protecção  do  Intendente,  e  Senhores  da  Corte  para  irem 
também  a  Roma;  forao  enviados  em  87,  88,  e  nos  annos 
seguintes  até  o  de  g5  huns  18  ou  20;  e  alli  estiverão  quasi 
todos  até  o  tempo  em  que  os  Francezes  invadirão  os  Es- 
tados da  Igreja. 

A  antiga  Irmandade  de  S.  Lucas  continuou  a  festejar 
este  Santo  Evangelista  até  o  anno  1755 ;  mas  sobrevindo 
o  terremoto,  e  cahindo  parte  da  Igreja,  ficou  seu  culto 
interrompido.  Salvarão-se  porem  algumas  cousas.  A  Es- 
tatua do  Santo  esteve  depositada  em  casa  de  Gregório 
Madeira:  a  alampada,  e  o  painel  da  Capella  ficarão  em 
poder  das  Religiosas,  que  os  transportarão  depois  para 
Santa  Joanna;  o  resto  da  prata,  e  as  jóias  ficarão  na  mão 
de  Bento  de  Sousa,  d'onde  passarão  para  a  de  Jeronymo 
Gomes,  e  depois  para  as  de  Manoel  Gonçalves  Vital,  e  de 
Pedro  Alexandrino. 

Em  1777  juntárão-se  alguns  Irmãos,  fizerao  nova  meza, 


—    27   — 

e  elegerão  por  Juiz  Simão  Caetano  Nunes:  collocou-se  a 
Estatua  do  Santo  em  Santa  Justa,  a  tempo,  que  o  Inspector 
da  nova  Igreja  dos  Martjres  offerecia  aos  Pintores  huma 
das  suas  Capellas.  Pedro  Alexandrino  queria,  que  se  accei- 
tasse  a  oíferta,  outros  impugnarão,  alienárão-se  os  espíritos, 
a  Irmandade  íicou  outra  vez  desorganisada,  e  Manoel  Gon- 
çalves Vital,  que  tinha  em  seu  poder  as  jóias  avaliadas  em 
']q^']So  morreo  entre  tanto  sem  as  poder  entregar. 

A  Irmandade  tinha  dado  a  juro  certa  quantia  de  dinheiro 
sobre  a  hypotheca  de  humas  casas,  e  os  bens  de  hum  abo- 
nado fiador:  as  casas  tinhão  cahido  pelo  terremoto;  e  Je- 
ronyno  Gomes,  que  era  o  Procurador  da  Confraria  solo- 
citou  muito  o  seu  restabelecimento  para  obrigar  o  fiador 
a  pagar  a  divida;  mas  só  conseguio,  que  o  Santo  passasse 
de  Santa  Justa  para  Santa  Joanna  aonde  foi  festejado  em 
1789,  e  no  anno  seguinte.  Em  91  dicidio-se  a  votos  que 
se  restabelecesse  alli  outra  vez  a  Irmandade,  e  as  Religiosas 
reconhecerão  os  Pintores  por  Senhores  da  Capella,  alam- 
pada,  e  painel  de  S.  Lucas,  e  derão-lhe  faculdade  para  que 
aos  lados  da  dita  Capella  podessem  collocar  bustos,  retra- 
tos, e  epitáfios  dos  seus  Artistas  mais  illustres,  e  isto  por 
escriptura  de  23  de  Julho  de  1793  lançada  nas  notas  do 
Tabellião  Francisco  Xavier  de  Sousa  Henriques;  cuja  copia 
está  no  Compromisso.  Festejou  a  nova  Confraria  o  Santo 
com  muita  solemnidade  nos  annos  1791,  92,  e  93,  sendo 
Juiz  Pedro  Alexandrino,  Cyrillo,  e  Manoel  Caetano  de 
Sousa. 

Como  o  antigo  Compromisso  parecesse  pouco  adaptado 
ao  tempo  presente,  tratou-se  de  fazer  outro  melhor,  e  nós 
•requeremos,  que  nelle,  depois  dos  objectos  de  devoção,  e 


—    28    — 

caridade  se  tratasse  também  de  estudos,  e  interesses  da 
Arte,  dispondo  as  cousas  de  modo,  que  para  o  futuro  po- 
dessemos  ter  huma  boa,  e  verdadeira  Academia,  cujo  corpo 
de  Directores  tivesse  voto  juntamente  com  o  dos  Mesarios 
no  governo  da  Confraria;  sendo  preciso  desde  logo  nomear 
hum  Director  Geral.  Este  parecer  foi  admittido  em  i6  de 
Outubro  de  1791,  e  todos  votarão  em  Pedro  Alexandrino 
para  Director  Geral.  Em  outra  Assembléa  do  anno  seguinte 
se  elegerão  a  votos  os  Deputados  para  a  composição  do 
Compromisso,  e  forão  eleitos,  Pedro  Alexandrino,  Domin.- 
gos  da  Costa  Barreto,  Gaspar,  Jeronymo  d'Andrade,  Jero- 
nymo  Gomes,  Felisberto,  Manoel  da  Costa,  José  António 
Narciso,  José  Francisco  dei  Cuveo,  e  Cyrillo.  Este  ultimo 
foi  também  Secretario  desta  Deputação,  e  do  futuro  Corpo 
de  direcção,  e  em  sua  casa,  na  Rua  da  Fé  se  fazião  as 
conferencias.  Derão  os  seus  pareceres  por  escripto  Pedro 
Alexandrino,  José  António  Narciso,  e  Manoel  da  Costa; 
os  outros  disserão  de  viva  voz  o  que  melhor  lhes  parecia, 
e  recolhendo-se  de  huns,  e  outros  o  que  mais  contentava 
a  todos,  se  foi  proseguindo  vagarosamente  a  obra. 

A  principal  recommendação  do  maior  numero  era  hum 
remédio  contra  o  abuso  de  se  incumbirem  das  obras  de 
Pintura  aquelles  que  nunca  professarão  a  Arte;  visto  que 
as  outras  profissões  nobres,  como  a  Advocacia,  Medicina, 
e  Musica,  tem  privilégios  que  excluem  os  intrusos.  Aca- 
bou-se  em  fim  a  nossa  tarefa  em  16  de  Fevereiro  de  1794, 
e  a  primeira  leitura  delia  ifoi  feita  em  9  de  Março  diante 
de  26  pessoas,  que  todas  applaudirão,  e  assignarão. 

Este  novo  Compromisso  examinava  primeiramente  quaes 
erão  os  abusos,  e  demonstrava  pela  experiência  de  todas 


—    29   — 

as  Nações  civilisadas  que  só  a  Academia  seria  capaz  de  os 
combater,  e  aftastar.  Dizia  depois,  que  qualquer  individuo 
poderia  pintar  o  que  quizesse,  bem  ou  mal,  de  graça  ou 
por  dinheiro,  inda  que  nunca  aprendesse ;  mas  as  grandes 
obras,  feitas  por  muitos,  os  que  as  houvessem  de  dirigir, 
e  ajudar  a  fazer,  deverião  ser  hábeis  naquelles  géneros,  e 
agregados  á  Academia;  porque  ella  seria  obrigada  a  reco- 
nhecer como  Directores  ou  Ajudantes,  todos  aquelles,  que 
não  sendo  incorporados  em  alhêas  profissões,  vivessem 
actualmente  do  producto  da  pintura. 

Todos  os  que  pertendessem  a  direcção  de  obras,  que 
lhes  não  competissem,  serião  admoestados  pela  Academia; 
se  desprezassem  a  admoestação,  o  dono  da  obra  seria 
advertido  daquella  fraude;  se  o  dono  insistisse,  o  intruso 
poderia  fazer  a  obra;  mas  seria  prohibido  a  todos  os  Artis- 
tas, o  poderem-no  ajudar,  sobpena  de  serem  excluidos  das 
obras  dirigidas  pelos  legitimos  Professores,  e  de  darem 
alguma  cera  para  a  Gapella  do  Santo.  O  resto  do  Com- 
promisso tratava  do  regimen  da  Irmandade,  e  da  Academia. 

Entretanto  hum  bom  número  de  intrusos  se  encarrega- 
vão  das  decorações  das  casas,  e  convidavão  para  lhas  faze- 
rem. Pintores  menos  acreditados,  pagando-lhes  com  bastante 
liberalidade.  Estes  a  quem  o  abuso  vinha  a  ser  útil,  come- 
çarão a  espalhar  boatos,  que  ainda  que  falsos,  e  absurdos, 
forão  cridos,  não  só  pelos  que  não  tinhão  ainda  ouvido 
ler  o  Compromisso;  mas  também  por  alguns  dos  que  já 
o  havião  assignado,  chegando  a  parecer  pelas  sandices  que 
íizerão,  que  tinhão  perdido  o  uso  da  razão. 

Assim  as  débeis  tentativas  que  se  fazião  em  Lisboa  para 
melhorar  a  Arte,  ficarão  todas  sem  eífeito. 


—  3o  — 

Jeronymo  Gomes  havia  entregado  em  Meza  no  dia  26 
de  Dezembro  de  1792,  a  prata  que  tinha  em  seu  poder, 
pezando  22  marcos,  a  qual  se  metteo  no  cofre  que  ficou 
em  casa  de  Pedro  Alexandrino  até  o  dia  28  de  Janeiro  de 
1808.  Nesta  época,  achando-se  a  Irmandade  quasi  extincta, 
e  receando  os  Irmãos  que  os  Francezes  intrusos  então  no 
Reino,  tendo  noticia  delia,  a  pedissem,  como  pedirão  a  da 
alampada  que  estava  em  Santa  Joanna,  requererão  a  Pedro 
Alexandrino  que  deixasse  abrir  o  cofre,  e  repartisse  pelos 
Irmãos  que  existião  a  quantia  que  se  achasse  dentro;  o  que 
elle  fez  sem  a  menor  repugnância.  Erão  ainda  bastantes  os 
Confrades,  e  tocou  a  cada  hum  o  que  havia  dado  pela  sua 
patente,  e  desde  então  ficou  a  Irmandade  totalmente  anni- 
quilada. 


Antes  que  passemos  a  fallar  das  pessoas  que  fizerão 
profissão  pública  da  Arte,  e  se  houverão  com  ella,  parece 
justo  elogiar  aquellas  que  a  tem  honrado  muito  com  o  seu 
exercicio,  e  protecção. 

ElRei  o  Senhor  D.  João  VI.  tem-se  dignado  de  conceder 
ás  bellas  Artes,  o  que  ellas  exigem,  e  requerem  dos  Mo- 
narchas,  que  he  Real  Munificência,  e  Protecção.  Nenhum 
JMonarcha  dispende  talvez  com  ellas  tanto  como  o  nosso. 

He  bem  sabido  de  todos  o  raríssimo  talento  que  tem 
a  Rainha  a  Senhora  D.  Carlota  Joaquina,  para  as  sciencias, 
e  bellas  Artes.  Com  poucas  lições  fez  grandes  progressos 
no  desenho,  e  pintura  de  óleo,  e  de  pastel,  e  senão  execu- 
tou muitas  obras  desta  natureza,  foi  porque  empregava  o 
tempo  ainda  melhor  na  excellente  educação  que  soube  dar 


—  3i  — 

ás  suas  Augustas  Filhas,  que  também  aprenderão  a  dese- 
nhar; e  a  Senhora  Princeza  D.  Maria  Thereza  recortava 
optimamente  á  thesoura  sem  aprender. 

Também  nos  consta  que  a  Senhora  Archiduqueza,  e 
Princeza  Real  conta  esta  entre  as  muitas  prendas  de  que 
he  dotada.  A  Senljora  Princeza  do  Brazil  fez  da  pintura  o 
seu  mais  delicioso  recreio,  e  entretinimento,  em  quanto 
não  sentio  o  golpe  da  Viuvez.  Nas  mesmas  jornadas  sempre 
a  acompanhavão  as  cores,  e  os  pincéis.  Empregou  em  qua- 
dros escolhidos  somas  muito  avultadas.  Pintou  para  a  Real 
Basílica  do  Coração  de  Jesus,  o  devotíssimo  painel  do 
Coração  de  Maria.  Inventou  outras  composições,  todas 
mysticas,  que  forao  gravadas  pelos  melhores  Abridores. 
Tem  feito  gíoria  de  proteger,  e  honrar  os  sábios,  e  os 
Artistas. 

Da  Senhora  D.  Marianna,  Infanta,  temos  os  painéis  das 
Capellas  no  seu  Convento  do  Desagravo,  e  alguns  objectos 
de  devoção  gravados  por  Carmona,  e  por  Carneiro  da 
Silva. 

A  Senhora  Rainha  D.  Maria  I.  também  foi  muito  affei- 
çoada  á  Arte  da  Pintura,  protegeo-a,  e  recreava-se  com  o 
seu  exercício. 

A  Senhora  Rainha  D.  Marianna  de  Áustria  bordava, 
dizem,  com  tanta  perfeição  que  as  suas  obras  parecião 
pintadas;  e  bordou  as  cortinas  do  Sacrário  para  Igreja 
do  seu  Hospício  de  S.  João  Nepomuceno.  A  Infanta  D.  Fi- 
lippa  filha  do  Infante  D.  Pedro  Duque  de  Coimbra,  e  Re- 
gente do  Reino,  traduzio  do  latim  hum  livro  de  Homílias, 
e  Evangelhos  para  todo  o  anno  ornado  com  as  imagens 
dos  Santos,  e  figuras  dos  Mysterios  de  que  fallava  o  texto, 


—    32    — 

tudo  debuxado  á  penna  com  grande  primor  da  Arte,  se- 
gundo o  século  em  que  foi  feito.  Gonservou-se  com  muita 
veneração  no  Mosteiro  de  Odivelas  aonde  a  sua  Authora 
viveo  17  annos  como  Religiosa  observante,  ainda  que  não 
fosse  ligada  a  algum  voto. 

Nas  Cortes  de  Lisboa,  e  do  Rio  de  Janeiro  existe  actual- 
mente grande  número  de  Senhoras,  e  Fidalgos  com  génio 
não  vulgar  para  as  bellas  Artes. 

A  Senhora  Marqueza  de  Bellas,  D.  Maria  Rita  de  Cas- 
tello-branco,  ainda  que  exercesse  praticamente  a  pintura 
tinha  hum  gosto  tão  delicado  para  as  composições,  enfeites, 
e  decorações,  que  as  Senhoras  da  Corte  a  tomarão  por 
modelo,  e  os  Artistas  achavão-se  muito  bem  com  os  seus 
conselhos.  Alguns  dos  mais  felices  pensamentos,  attribuidos 
ao  Author  destas  memorias,  forão-lhe  sugeridos  por  aquella 
Senhora,  nem  he  a  única  pessoa  da  sua  Illustre  Familia, 
que  seja  dotada  de  hum  génio  feliz  para  as  Artes  de  imi- 
tação. 

A  Senhora  Duqueza  de  Lafões,  e  o  Duque  quizerão 
honrar  a  nossa  Irmandade,  escrevendo  os  seus  Nomes  no 
livro  dos  Irmãos,  em  i5  de  Maio  de  1792. 

Também  se  achão  no  antigo  livro  os  nomes  de  D.  Ma- 
rianna  Isabel  das  Montanhas,  Soares,  e  de  D.  Luiza  Joa- 
quina, Lucas  de  Menezes,  que  assignárao  em  21  de  Outubro 
de  1753. 

D.  Maria  de  Guadalupe  Alencastre  e  Cardenas,  Duqueza 
de  Aveiro  &c.,  ornou  muitas  Igrejas  com  painéis  que  pintou; 
e  os  nossos  Pintores  a  elegerão  para  Juiz  da  Meza  de  S.  Lu- 
cas em  1659. 

D.    Margarida    de    Noronha,    ou    Soror   Margarida    de 


—  33  — 

S.  Paulo,  Filha  dos  Condes  de  Linhares,  deo  o  risco  para 
a  Igreja  da  Annunciada,  fundada,  ou  restaurada  por  seu 
Avô,  Fernão  Alves  de  Andrade.  Também  era  Pintora,  e 
atrahio  para  aquelle  Convento,  em  que  foi  muitas  vezes 
Prelada,  a  Irmandade  de  S.  Lucas.  Coníirmada  em  1609. 

D.  Leonor  de  Menezes  Condessa  de  Orem  e  d'Atouguia, 
pelo  meado  do  século  17,  tendo  apenas  14  annos,  dese- 
nhava, e  escrevia  perfeitamente. 

D.  Maria  Magdalena  de  Castro  filha  do  Correio  Mór  de 
Reino,  floreceo  no  mesmo  século,  e  he  contada  pelos  Au- 
thores,  entre  o  número  das  Pintoras  iljustres. 

D.  Isabel  de  Castro,  Condessa  d'Assumar,  filha  de 
D.  João  Mascarenhas  Marquez  de  Fronteira,  foi  huma  das 
Damas  mais  celebradas  na  Corte,  teve  grande  talento  para 
a  Pintura,  e  faleceo  em  1724. 

D.  Maria  Magdalena  Eufemia  da  Gloria,  filha  de  D.  Elena 
de  Távora,  professou  no  Convento  da  Esperança  em  1690, 
e  alli  pintou  vários  painéis  para  huma  capella  sua,  publicou 
também  algumas  obras  litteratas,  debaixo  do  nome  supposto 
de  Leonarda  Gil  da  Gama. 

D.  Anna  de  Lorena  Camareira  Mór  das  Rainhas  D.  Ma- 
rianna  de  Áustria,  e  D.  Marianna  Victoria,  retratava  bem, 
e  pintou  com  perfeição  vários  painéis  para  a  sua  Ermida 
de  S.  Joaquim  ao  Calvário.  Também  dizem  ser  seu  hum 
bom  painel  de  S.  Vicente  de  Paulo  que  está  na  Igreja  dos 
Padres  de  Rilhafoles.  Vieira,  no  seu  Pintor  Insigne  a  com- 
para á  Serani,  e  a  Rosalba,  famosas  Pintoras  Italianas;  e 
José  Gomes  da  Cruz,  na  Carta  Apologética  chama-lhe 
» Sábia  Professora  desta  grande  sciencia. 

Ao  Senhor  José  Viale  somos  devedores  da  nota,  e  conhe- 
3 


-  34- 

cimentos,  que  a  Excellentissima  Senhora  Condessa  d' Alva 
possLie  nas  bellas  Artes,  e  esta  noticia  a  publicamos  da 
mesma  sorte  que  sahio  da  hábil  penna  do  mesmo  Senhor 
Viale.» 

Mas  não  podemos  de  sorte  nenhuma  deixar  em  silencio 
a  Excellentissima  Senhora  Condessa  d'Alva,  a  qual,  to- 
mando o  exemplo  que  por  alguns  séculos  lhe  hão  dado 
seus  nobilíssimos  Progenitores,  proteje  da  maneira  a  mais 
distincta  as  bellas  Artes.  Hum  Pintor,  hum  Escultor,  hum 
Arquitecto,  diante  desta  Heroina,  imagina  estar  no  Templo 
da  Gloria.  Esta  Senhora  pintou,  e  pinta  a  óleo,  e  em  mi- 
niatura, de  figura,  de  paizes,  e  de  flores,  com  muita  intelli- 
gencia,  e  magistério:  a  sua  conversação  sobre  as  bellas 
Artes  he  interessantíssima,  e  além  de  mostrar  o  seu  innato 
talento,  dá  também  a  conhecer  que  este  he  acompanhado 
de  profunda  lição  litteraria.  Devo  dizer  que  esta  Senhora 
pensa  como  pensarão  e  escreverão  em  suas  obras  immor- 
taes,  os  bem  conhecidos  Escriptores,  Bellori,  e  o  Abbade 
Lanzi;  e  vem  a  ser,  que  para  sahir  hum  mediano  Pintor 
requer-se  maior  talento,  que  para  sahir  hum  famoso  Es- 
criptor:  e  baste  esta  por  muitas  111.'"'''^  Senhoras  que  por 
brevidade  omittimos.» 

Se  podessemos  estender  os  limites  desta  pequena  obra, 
faríamos  também  menção  de  alguns  Fidalgos,  que  como 
os  Senhores  Marquezes  de  Marialva,  de  Borba,  e  de  Bellas 
íkc,  se  applicárão  com  proveito  ao  desenho,  ou  á  pintura. 

Muitas  pessoas  Religiosas  de  ambos  os  sexos,  se  distin- 
guirão também  pelos  preciosos  livros  que  illuminárão,  ou 
pelas  agradáveis  pinturas  que  fizerao. 

D.  Heliodoro  de  Paiva,  Cónego  Regrante  em  Santa  Cruz 


—  35   — 

de  Coimbra,  foi  famoso  em  Sciencias,  e  bellas  A-rtes,  e 
muito  acreditado  na  da  Pintura.  Regeitou  Mitras,  e  faleceo 
em  IDD2. 

O  Padre  Manoel  Alves,  Jesuíta,  pintou  alguns  quadros 
para  o  Collegio  de  Coimbra,  aonde  entrou  em  1549. 

Fr.  Bento  Contreiras  Religioso  Carmelita,  illuminou  os 
livros  do  Coro  para  o  Carmo  de  Lisboa  pelos  annos  iSiy. 

Fr.  Carlos,  de  Nação  Flamengo,  foi  Monge  de  S.  Jero- 
nymo  no  Convento  do  Espinheiro,  aonde  professou  em  iSiy, 
sendo  primeiramente  leigo,  e  depois  Sacerdote.  Naquelle 
Convento  junto  a  Évora,  existem,  e  estimão-se  ainda  muito, 
quatro  painéis  seus  representando  passagens  da  vida  do 
seu  Santo  Doutor  Máximo. 

Fr.  Henrique  Religioso  Dominico  em  Évora  pintou  o 
quadro  da  Transfiguração,  que  está  sobre  a  porta  da  Igreja 
do  seu  Convento:  o  Senhor  com  a  canna  verde  na  casa  do 
Capitulo,  e  outros. 

Fr.  Domingos  Rodrigues,  Religioso  calçado  de  Santo 
Agostinho,  ainda  que  Portuguez,  foi  conventual  em  Sala- 
manca pelos  annos  1680,  aonde  pintou  alguns  painéis  que 
ornão  o  Claustro  do  seu  Convento. 

Fr.  Simão  de  S.  José  Religioso  Paulista,  illuminou  o 
livro  da  Armaria  para  a  Torre  do  Tombo. 

Fr.  Luiz  de  Bastos,  se  dermos  crédito  ao  que  nos  diz 
a  chronica  dos  Carmelitas  Calçados,  foi  o  Pintor  mais 
insigne  do  Reino  no  seu  tempo;  mas  hum  bom  Chronista 
não  he  sempre  hum  bom  conhecedor  desta  sorte  de  curio- 
sidades. Este  Padre  entrou  na  Irmandade  de  S.  Lucas  em 
29  de  Janeiro  de  17 18. 

Fr.  Filippe  das  Chagas  sendo  já  arançado  em  idade  pro- 


—  36  — 

fessou  no  Convento  de  S.  Domingos  de  Lisboa  em  lôgi. 
Era  sábio,  e  muito  curioso  de  Pinturas,  e  illuminações,  de 
que  escreveo  hum  livrinho,  que  corre  impresso  com  o  titulo 
de  —  Arte  de  Pintura  —  Por  Filippe  Nunes,  natural  de  Villa 
Real. 

Fr,  Eusébio  de  Mattos  Jesuita,  natural  da  Bahia,  passou 
em  1677  para  a  Religião  do  Carmo  Calçado:  foi  grande 
litterato,  óptimo  Arithmetico,  e  bom  Desenhador,  morreo 
em  1692  de  63  annos. 

Fr.  José  de  Santa  Maria,  Padre  Thomarista,  chamado 
no  século  José  de  Oliveira,  fui  Irmão  de  Ignacio  de  Oh- 
veira,  e  discipulo  de  seu  Pae  António  de  Oliveira  Bernar- 
des: ainda  era  secular  em  21  de  Outubro  de  1731,  quando 
entrou  na  Irmandade  de  S.  Lucas.  Vimos  ha  poucos  annos 
em  casa  de  seu  sobrinho  João  Pedro,  dous  quadros  seus, 
Nossa  Senhora  do  Carmo,  e  da  Soledade,  morreo  em  22 
de  Fevereiro  de  1781,  com  81  annos. 

Os  Cónegos  seculares  de  S.  João  Evangelista  tiverão 
dous  Artistas  muito  bons.  O  Padre  Manoel  da  Purificação, 
que  illuminou,  e  escreveo  perfeitamente  livros  de  Coro,  e 
de  Armaria,  no  principio  do  século  17,  e  o  Padre  Ignacio 
da  Piedade  e  Vasconcellos,  que  esculpio  em  barro  estatuas 
de  grandeza  natural,  cujos  pannos  erão  excellentes,  princi- 
palmente os  buréis.  Compoz  o  livro  intitulado  «Artefactos 
Symetriacos,  e  Geométricos  que  publicou  em  1732. 

Estevão  Gonçalves  Neto,  Cónego  na  Sé  de  Viseu,  illu- 
minou hum  precioso  Missal  que  se  guarda  na  livraria  do 
Convento  de  Jesus:  floreceo  por  1622. 

O  Padre  Francisco  Lino  de  Mattos  Gastão,  natural  de 
Porto  de  Mós  aonde  vio  a  luz  em  24  de  Outubro  de  1739, 


-  37  - 

conta  entre  os  seus  parentes  nauitos  homens  Doutorados. 
Seu  tio  Padre  Theatino,  de  quem  elle  dependia,  e  de  cujo 
Breviário  tirou  hum  registo  de  S.  Caetano  para  o  copiar  a 
furto,  vio  com  admiração  o  grande  génio  que  tinha  para  a 
Arte.  Proseguindo  os  seus  estudos  Htterarios,  hia  também 
fazendo  progressos  no  desenho.  Vindo  para  Lisboa  teve 
UçÕes  do  Josepino;  applicou-se  á  miniatura,  e  tinha  vista 
agudíssima,  e  paciência  para  acabar  as  cousas  mais  miúdas 
e  delicadas :  quasi  toda  a  Corte  tem  obras  suas.  Fez  o 
retrato  do  Principe  D.  António  que  foi  remettido,  e  cercado 
de  brilhantes,  á  Rainha  de  Hespanha.  Miniou  também  o 
da  Marqueza  de  Pombal,  retratando-a  em  muitas  Cortes, 
e  teve  hum  premio  de  68  peças  :  a  mesma  Senhora,  também 
lhe  offereceo  a  Parochia  das  Mercês,  que  elle  não  acceitou. 
He  Capellão  das  Religiosas  de  Santa  Joanna. 

O  Beneficiado  José  Pereira  Soares  La  Rocha,  natural 
de  Lisboa,  applicou-se  ao  estudo  das  linguas  sábias,  e  vul- 
gares, e  também  ao  Desenho  e  Pintura.  Em  Roma  fez  boas 
cópias  de  Rafael  &:c.  Havia  pinturas  suas  nas  Collecções 
de  Seabra,  Angeja,  e  Borba.  Faleceo  em  Lisboa  a  i6  de 
Novembro  de  1818,  contando  de  idade  62  annos  9  mezes 
e  4  dias.  Existe  o  seu  retrato  grandemente  pintado  por 
Pellegrini. 

Soror  Maria  da  Cruz,  Religiosa  no  Convento  das  Chagas 
em  Lamego,  pintou  dous  quadros  de  Nossa  Senhora  e 
S.  José  para  huma  Capella  sua.  Era  tida  por  Santa  quando 
faleceo  em  1619. 

Soror  Maria  dos  Anjos,  Religiosa  Dominicana  em  Évora, 
pintou  muitas  imagens  devotas,  que  forao  applaudidas. 

Os  Historiadores,  e   a  fama   pública  também  celebrao 


—  38  — 

algumas  damas  seculares,  que  usarão  felizmente  da  Pin- 
tura. 

Umbelina  Joanna  Mendes  de  Távora,  foi  sábia  em  letras 
humanas  e  sagradas,  em  Mathematica,  e  Arquitectura: 
morreo  de  hum  accidente  na  idade  de  3"o  annos  em  1677. 

Rita  Joanna  de  Souza,  na  curta  idade  de  28  annos  que' 
teve  de  vida,  fez  tão  grandes  progressos  na  Pintura  como 
na  Filosofia:  foi  natural  d'01inda,  e  falleceo  em  1719. 

Thomazia  Nunes  natural  da  Cidade  da  Guarda,  soube 
escrever  com  acerto,  e  pintar  com  perfeição.  Florecia  no 
principio  do  século  17. 

Joaquina  Volkmar  nasceo  em  Lisboa,  com  génio  decidido 
para  o  Desenho,  e  Pintura,  a  que  se  applicou  por  inter- 
vallos ;  ha  muitas  obras  suas  em  vários  Gabinetes,  e  Col- 
lecções,  e  hum  painel  público  na  Igreja  do  Coração  de 
Maria  no  Campo  grande,  collocado  em  1787:  representa 
elle  Nossa  Senhora  com  o  Menino  Jesus,  e  Santa  Isabel, 
e  S.  Francisco  que  os  adorão.  As  figuras  são  de  grandeza 
natural.  Cinco  annos  depois  também  fez  em  grandes  qua- 
dros a  historia  de  Isaac,  para  o  Oratório  de  José  Francisco 
Prené,  Capitão  de  Mar  e  Guerra. 


PINTORES. 

O  Grão  Vasco  de  Viseu. 

As  memorias  que  nos  restao  deste  antigo,  e  famoso 
Pintor,  são  ás  vezes  incertas,  ás  vezes  contraditórias, 
e  só  concordão  em  que  existia  em  1480,  pois  que  naquella 
época  comprara  huns  moinhos  em  hum  lugar  visinho  á 
Cidade  de  Viseu  que  se  chamou  o  lugar  do  Pintor,  por 
elle  ter  alli  nascido,  (dizem  alguns),  sendo  filho  de  hum 
Lavrador  abastado. 

Alguns  pertendem  que  fosse  discípulo  de  Pedro  Peru- 
gino,  ou  de  Rafael,  o  que  no  i.°  caso  he  pouco  verosímil, 
e  no  2.°  impossível;  pois  que  Rafael  nasceo  em  1483.  Pôde 
ser  que  fosse  condiscípulo  do  seu  Coevo  Pedro  Perugino 
na  escola  d' André  Verrochio,  Florentino,  que  também  foi 
Mestre  de  Leonardo  de  Vinci,  e  era  muito  hábil  na  Pintura, 
Architectura,  e  Perspectiva,  cousas  todas  em  que  o  nosso 
Vasco  foi  excellente. 

Lê-se  mais  nas  ditas  tradições,  que  ElRei  D.  Manoel  o 
mandara  estudar  a  Roma ;  e  aqui  ha  duas  incoherencias : 
a  i.^,  que  a  Escola  Romana  he  mais  moderna  que  o  nosso 
Pintor,  porque  foi  fundada  pelo  grande  Rafael:  2.^  que  se 


—  40  — 

o  Vasco  fosse  mandado  á  Itália  por  algum  dos  nossos  Reis, 
deveria  ser  por  D.  Affonso  5.",  visto  que  já  elle  era  bom 
Pintor  em  1481,  quando  D.  João  2."  começou  a  reinar. 

He  certo  porém,  que  se  Vasco  estudou  na  Ittlia  como 
parece  pelas  suas  cabeças  das  Virgens,  que  não  cedem  ás 
do  Perugino,  e  mesmo  ás  dos  primeiros  tempos  de  Rafael ; 
he  verdade  também  que  nas  roupas,  e  nos  Corpos  nús, 
principalmente  de  mininos,  seguio  como  bem  notou  Ber- 
mudes,  a  maneira  assas  gothica  dos  Alemães. 

Este  estilo  misto,  entre  Italiano,  e  Tudesco  parece  que 
sessou  naquelle  tempo  em  grande  parte  da  Hespanha,  pois 
sabemos  que  Fernão  Galhegos  de  Salamanca,  pintava  muitas 
cousas  no  gosto  d'Alberto  Durer,  e  que  João  Nunes  em 
Sevilha  fazia  painéis,  com  bellos  pannos,  e  colorido  vivis- 
simo;  bordaduras  delicadas,  e  carnes,  ainda  que  gothicas, 
tão  estimáveis  pelo  bem  acabado,  como  as  de  Alberto. 
Pareceo-nos  quando  lemos  estas  particularidades,  que  está- 
vamos vendo  as  pinturas  do  Grão  Vasco. 

São  também  incertas  as  noticias  que  temos  sobre  o  lugar 
da  sua  sepultura.  ))£*/«  Thomar,  dizem  algumas  Pessoas, 
passado  o  i .°  Claustro,  junto  á  Sacristia,  está  a  sepultura 
do  Grão  Vasco,  que  foi  Jeito  Commendador  da  Ordem  de 
Christo  por  ElRei  D.  ManoeU  Está  enterrado  no  Con- 
vento de  Thomar;  dizem  outras,  com  letreiro  já  muito 
gasto;  ?nas  ainda  se  devisa  a  Cru^  da  Ordem  de  Christo, 
em  que  foi  professo,  gravada  na  mesma  pedra.»  Porem 
mandando  nós  alli  saber  se  se  verificava  alguma  destas 
tradições,  tivemos  em  resposta:  i>Neste  Convento  de  Tho- 
mar não  ha  noticia  de  que  nelle  este/a  enterrado  o  grande 
Pintor  Vasco, '>^ 


—  41   — 

Em  quanto  ás  suas  pinturas,  consta  que  ornara  com  ellas 
muitas  Igrejas,  Mosteiros,  e  Palácios  Reaes,  e  que  entre 
os  seus  quadros  mais  famosos  entravão  os  da  Sé  de  Viseu, 
e  os  de  Thomar:  os  primeiros  não  sabemos  se  existem: 
os  segundos,  como  estiverão  expostos  na  invasão  de  1811 
á  brutalidade  dos  Soldados  de  Massena,  he  de  crer  que 
pelo  menos  ficassem  mui  deteriorados.  He  fama,  que  Igna- 
cio  de  Oliveira,  tendo-os  visto,  confessava  ser  a  cousa 
melhor  daquelle  género,  em  que  havia  posto  os  olhos. 

Eis-aqui  a  informação  que  delles  nos  mandou  hum  Padre 
Thomarista.  nXa  Igreja  deste  Convento  se  achão  muitas 
pinturas  de  Vasco :  primeiramente  do\e  painéis  que  terão 
20  palmos  de  alto,  e  de^  de  largo,  e  representão  o  Baptismo 
de  Jesu  Christo;  a  Sinagoga;  a  Ressurreição  de  Lazaro; 
o  Triunfo  de  Jerusalém;  a  Prisão;  a  Ressurreição;  a  Des- 
cida aos  Infernos;  a  Ascenção;  a  Soledade  de  Nossa  Se- 
nhora;  os  Apóstolos  no  Cenáculo;  o  Jui\oJínal;  e  a  SS.  Trin- 
dade. Ha  outros  mais  pequenos  que  ornão  os  altares  collate- 
raes,  e  vem  a  ser:  S.  Gregório  Magno  celebrando  Pontifical; 
Santa  Maria  Magdalena,  (pintura  insigne);  S.  Sebastião; 
S.  Bernardo,  e  a  Conquista  de  Santarém;  o  Senhor  morto. 
Na  Capella  da  Senhora  da  Graça  estão  os  do  Baptista, 
e  Evangelista,  o  de  Santo  Antão,  e  o  de  S.  Jeronymo. 

Na  Igreja  de  S.  João  Baptista,  ha  quatro  pinturas  suas, 
e  na  da  Misericórdia  a  de  Santo  António  pregando  aos 
peixes,  e  a  do  Descimento  da  CrUy.T  Alguns  destes  painéis 
forão  retocados  em  1802,  por  João  Jorge  Esmcador,  o  qual 
nos  disse  que  erao  pintados  em  taboas,  e  a  óleo ;  mas  ape- 
ralhados  a  tempera,  e  dourados. 

No  Beatc  António  tivemos  o  gosto  de  ver  11  ou  12  ta- 


—  42  — 

boas,  na  cella  do  Geral,  superiormente  pintadas  com  o  seu 
estilo,  e  continhão:  a  Fugida  para  o  Egypto,  os  Reis  Magos, 
a  Annunciação,  o  Nascimento,  a  Circumcisão,  e  outros 
assumptos,  todos  sacros. 

Na  Igreja  de  S.  Bento  estão  outras  quatro  pinturas,  que 
dizem  ser  deste  mesmo  Author,  representão  ellas  a  Annun- 
ciação, os  Reis,  a  Apresentação,  e  o  Menino  entre  os  Dou- 
tores. 

Em  Évora  ha  grande  número  de  Pinturas  da  escola  do 
Grão- Vasco,  e  muitas  do  seu  punho.  No  Convento  de 
S.  Francisco,  he  muito  venerada  huma  Senhora  da  Con- 
ceição, com  belíssimos  grupos  de  Anjos  tocando,  e  can- 
tando. No  Dormitório  está  o  Juizo  de  Salomão;  cuja  cabeça 
se  conhece  ser  o  retrato  de  ElRei  D.  Manoel. 

Na  Sacristia  o  Transito  de  Nossa  Senhora,  e  nas  Ca- 
pellas  colateraes  S.  Jeronymo,  Santo  António,  S.  Francisco,' 
e  outro  Santo  Eremita. 

No  Convento  d-o  Espinheiro  he  famosa  a  taboa  da  As- 
sumpção de  Nossa  Senhora.  Ha  mais  hum  Presépio,  hum 
Calvário,  e  huma  Ressurreição  de  Jesus  Christo.  Também 
se  crê  serem  de  Vasco  o  Senhor  Ressuscitado,  e  a  Invenção 
da  Santa  Cruz,  que  estão  na  Sé  na  casa  aonde  se  revestem 
os  Cónegos ;  como  também  o  Baptista  penitente  na  Sacristia 
das  Bernardas.  Também  fazem  menção  de  alguns  painéis 
delle,  que  se  achao  nas  Gollecções  de  Valença,  Borba,  e 
Penalva. 

Pelo  grande  número  de  quadros  que  se  espalharão  com 
maneira  dirivadá  da  sua,  podemos  conjecturar  que  tevç 
muitos  discípulos  imitadores.  Indicaremos  alguns  dos  que 
se  achão  pelas  Igrejas,  e  Palácios  de  Lisboa.  Na  Igreja  do 


-43  - 

Paraíso  estão  8  da  vida  de  Nossa  Senhora,  que  poderião 
ser  do  seu  punho ;  mas  como  estão  repintados,  não  o  po- 
demos affirmar.  No  interior  do  Convento  da  SS.  Trindade, 
também  ha  oito  taboas  grandes  dos  mesmos  assumptos. 
Na  Sacristia  da  Madre  de  Deos  sobre  os  caixões,  estão 
duas  taboinhas  preciosas  feitas  naquelles  tempos.  Na  Er- 
mida dos  Remédios  debaixo  do  Coro  temos  outras  duas 
taboas  muito  boas,  com  meios  Corpos  de  Santas,  etc.  Na 
Capella  Mór  de  Odivellas  estão  quatro  taboas  com  corpos 
inteiros  de  Santas.  Ha  também  huma  Adoração  dos  Magos 
no  antigo  Coro  da  Luz,  que  ora  serve  de  Sacristia.  Na  do 
Beato  António  estavão  quatro  da  vida  de  S.  João  Evange- 
lista, e  S.  Francisco  recebendo  as  Chagas. 

No  melhor  estilo  daquelle  século  são  pintadas  as  famosas 
taboas  da  casa  dos  Condes  da  Figueira  aos  Paulistas,  e  a 
da  Sacristia  da  Bemposta.  Esta  representa  Nossa  Senhora 
com  o  Menino  Jesus,  e  muitas  Virgens.  Ouvimos  dizer  que 
as  cabeças  erão  ratratos  da  familia  de  Thomaz  Moro,  pin- 
tados por  Holbein :  observamos  porém  na  dita  obra  huma 
particularidade,  que  se  encontra  nas  do  Pinturrichio ;  isto 
he,  os  ornatos  dos  vestidos  de  relevo ;  mas  seja  de  quem 
for,  he  óptimo  quadro  na  sua  maneira. 

Acabaremos  o  elogio  do  Grão  Vasco,  dizendo  com  hum 
bom  Artista  dos  nossos  dias,  que  elle  pintou  com  verdade, 
e  sciencia,  principalmente  cabeças,  pannos,  arquitectura,  e 
paizagens,  e  acabou  tudo  com  huma  delicadeza  incompa- 
rável. 


44  — 


Duarte  D' Armas. 

Foi  Creado  debuxador  de  ElRei  D.  Manoel,  e  por  elle 
mandou  este  Monarcha  desenhar  a  estatua  equestre  de 
mármore,  que  foi  achada  na  Ilha  do  Corvo,  ou  do  Marco, 
quando  a  descobrimos :  estava  ella  no  cume  da  serra  que 
serve  de  marco,  ou  baliza  aos  navegantes;  e  era  hum  ho- 
mem acavallo,  e  moço,  coberto  com  huma  sorte  de  capa, 
com  a  cabeça  descoberta,  tendo  huma  das  mãos  na  coma 
do  cavallo,  e  com  a  outra,  que  era  a  direita,  apontava  para 
o  poente :  hum  braço  do  cavallo  estava  dobrado,  e  outro 
levantado.  Parece  por  esta  descripção,  que  a  estatua  teria 
notada  alguma  similhança  com  a  de  Marco  Aurélio;  ainda 
que  devemos  suppôr  que  em  perfeição  lhe  seria  muito  infe- 
rior. Vendo  ElRei  o  debuxo,  mandou  hum  Engenheiro  do 
Porto  com  apparelhos,  e  tudo  o  mais  que  era  necessário 
para  a  apear,  e  trazer;  porem  elle  quebrou-a,  e  só  trouxe 
alguns  pedaços,  que  se  perderão.  Damião  de  Góes  falia 
deste  Pintor  na  Chronica  de  ElRei  D.  Manoel,  e  na  do 
Príncipe  D.  João. 


António  Campelo. 

Temos  visto  qual  fosse  a  superioridade  de  génio  do 
nosso  Grão  Vasco;  mas  se  Campelo  não  o  excedeo  nessa 
parte,  teve  ao  menos  a  fortuna  de  alcançar  hum  século 
muito  mais  illustrado.  O  estilo  do  i.°,  que  era  o  de  todos 


-  45  - 

daquelle  tempo,  ainda  tinha  muito  do  gothico  ;  quero  dizer, 
seco,  magro,  mesquinho,  chato,  carregado  de  ornamentos, 
e  de  trabalho  superíluo,  tanto  nos  Corpos  avançados  como 
nos  remotos  ;  mas  a  maneira  do  2.°  era  nobre,  e  grandiosa  : 
ex-aqui  como  se  explica  Félix  da  Costa  :  ^ Entre  os  Pintores 
que  merecerão  grandes  prémios,  (não  /aliando  nos  que 
seguirão  a  maneira  gothica),  forão  notáveis  os  seguintes: 
i.°  António  Campelo — seguia  elle  o  estilo  de  Miguel  An- 
gelo na  força  do  desenho,  e  com  mais  intelligencia  de  colo- 
rido.—  Ha  obras  suas  110  Claustro  de  Belém,  e  hum  pre- 
cioso painel  do  Senhor  com  a  Cru^  ás  Costas,  que  merecia 
outro  trato,  e  outro  lugar.  Ha  varias  outras  pinturas  suas 
pelas  Igi^ejas  —  Floreceo  no  tempo  de  D.  João  3.° 

Reflexões  sobre  esta  Memoria. 

No  Reinado  de  D.  João  3.°  teve  Portugal  muito  bons 
Pintores ;  mas  parece  que  entre  todos  se  dava  a  este  a 
primazia.-  D.  Francisco  Manoel  de  Mello,  fallando  dos  mais 
illustres  Pormguezes  em  diversas  prerogativas,  dá  a  palma 
a  Camões  entre  os  Poetas,  a  Vieira  entre  os  Pregadores, 
ao  nosso  Thaumaturgo  entre  os  Santos,  e  a  Campelo  entre 
os  Pintores ;  de  que  se  infere,  que  essa  era  a  opinião  geral. 
Sobre  esta  bem  fundada  conjectura  temos  as  suas  obras, 
que  plenamente  nos  convencem.  A  Rua  da  Amargura,  que 
está  na  escada  de  Belém,  não  obstante  ter  sido  muitas 
vezes  retocada,  e  mal,  depõe  ainda  a  favor  da  sua  prima- 
zia, principalmente  na  opinião  daquelles,  que  como  nós, 
chegarão  a  ver  aquelle  painel  em  muito  melhor  estado. 

Em  quanto   aos   do  Claustro,  o  nosso  Author  não  diz 


-46- 

quaes  sejão  os  seus ;  mas  dizendo  que  seguia  a  maneira 
de  Miguel  Angelo  com  melhor  colorido,  quem  não  vê  que 
hão  de  ser  os  da  Coroação  de  espinhos,  e  do  Senhor  Re- 
suscitado?  Lembramo-nos  de  ter  visto  este  ultimo  painel 
muito  bem  conservado,  á  excepção  da  taboa,  que  começava 
em  parte  a  apodrecer.  O  Corpo  do  Senhor  era  bellissimo, 
com  a  cintura  larguinha  segundo  o  costume  de  Bonarota; 
e  senão  parecia  obra  do  seu  punho,  era  por  ser  mais  deli- 
cada do  que  elle  a  teria  feito. 

Luiz  Carache  chamava  ao  Tibaldi  o  seu  Miguel  Angelo 
reformado,  porque  soubera  moderar  a  fereza  do  desenho 
deste  grande  Mestre,  e  tornallo  mais  agradável,  sem  pre- 
judicar a  sublimidade  da  sua  maneira.  Parece  que  este 
mesmo  elogio  se  deve  applicar  ao  nosso  Campelo:  ambos 
o  melhorarão  em  parte,  ficando  com  tudo  inferiores  no 
todo  ao  seu  incomparável  modelo. 


Gaspar  Dias. 

y>Floreceo  este  famoso  Pintor  (diz  Félix  da  Costa)  pelo 
mesmo  tempo  de  Campelo.  Foi  génio  admirapel,  imitai^a 
7miito  a  Rajael,  e  a  Pqi^me^ão.  Áprendeo  na  Itália,  e  foi 
nas  proporções  mais  delicado  que  Campelo.  Tinha  espirito 
superior,  as  suas  figuras  paredão  respirar,  e  muitas  se 
assemelhão  ás  de  Rafael.  Entre  outros,  pintou  o  painel  da 
Capella  de  S.  Roque  na  Casa  professa  da  Companhia  de 
Jesus,  (hoje  Misericórdia),  em  Lisboa. i)  Pedro  Guarenti  faz 
menção   de  outro  painel  seu  da  vinda  do  Espirito  Santo 


—  47  — 

pintado  em  i534,  que  estava  na  boca  da  tribuna  da  Antiga 
Misericórdia. 

Reflexões  sobre  as  pinturas  de  Gaspar  Dias. 

Sendo  deste  Artista  o  painel  de  S.  Roque,  que  felizmente 
existe,  por  elle  se  vê,  que  era  hum  Pintor  de  muito  talento; 
inda  que,  apezar  de  toda  a  delicadeza,  que  lhe  attribue  o 
nosso  Author,  não  mostra  igualar  o  mencionado  Campelo. 
Se  no  Claustro  de  Belém  ha  pintura  delle,  como  he  fama, 
parece  que  deve  ser  a  do  Senhor  no  Horto,  cujo  Anjo  tem 
muita  analogia  em  desenho,  caracter,  e  colorido  com  o 
Anjo  do  painel  de  S.  Roque. 


Gregório  Lopes. 

Teve  carta  de  Pintor  d'ElRei  D.  João  3.°  passada'  em 
i522,  o  seu  epitáfio  na  Igreja  antiga  de  S.  Domingos  estava 
na  nave  esquerda  defronte  da  pia,  e  dizia  <íAqni  ja^  Gre- 
gório Lopes  Cavalleiro  do  Habito  de  S.  Tiago:  Pintor 
d' El  Rei  Nosso  Senhor,  e  de  seus  herdeiros. y»  Álvaro  Pires, 
e  Gaspar  Cam  servirão  também  os  Reis  de  Portugal,  como 
Pintores.  Ao  primeiro,  que  falleceo  em  lôSc),  succedeo  o 
segundo  que  era  seu  filho.  Serião  talvez  Pintores  da  Casa 
das  Obras ;  emprego,  que  se  poderia  exercer  sem  grande 
pericia,  e  comprova  esta  conjectura  o  uso  de  ser  como 
hereditário,  passando  de  pães  a  filhos. 


48  - 


Vanegas. 

y>Foi  Pintor  espirituoso,  diz  Feliz  da  Costa,  elevado  nas 
suas  idéas,  e  mui  correcto  no  desenho.  Era  Castelhano, 
tnas  viveo  sempre  em  Lisboa:  foi  prijneiramente  Ourives, 
porem  como  era  bom  debuxante  poude  passar  facilmente 
d  Pintura.  Dadmelo  debuxador,  (di:{ia  elle)  que  yo  telo 
darê  Pintor.  Imitava  o  Parmesão:  he  seu  o  painel  do 
retábulo  na  Capella  Mor  de  Nossa  Senhora  da  Lu:{.y> 
Este  painel  existe,  ou  copia  delle,  e  he  muito  grande.  Tem 
em  sima  Nossa  Senhora  e  o  Menino  Jesus,  que  abençoa 
os  Santos  Padres  do  Limbo,  os  quaes  estão  em  baixo, 
como  metidos  n'huma  masmorra,  apparecendo  sò  a  metade 
dos  seus  corpos.  A  Senhora,  e  o  Menino  tem  muita  força 
de  claro  escuro,  e  bom  colorido,  e  toda  a  gloria  inda  que 
mui  clara  tem  bastante  armonia.  Os  corpos  nús  são  menos 
vigorosos ;  mas  não  deixão  de  ter  sciencia  de  anatomia,  e 
consonância  de  tons. 


António,  e  Francisco  de  Hollanda. 

António  de  Hollanda  foi  excellente  Illuminador  do  Sé- 
culo de  5oo  principalmente  na  miniatura  de  branco,  e  preto 
com  toque  de  ouro,  a  que  chamão  camafeo  ou  de  claro-es- 
curo.  Dizem  que  Carlos  5.°  não  presava  menos  o  seu 
pequeno  retrato  feito  por  elle  em  Toledo,  que  o  grande, 
executado   em  Bolonka  pelo  Ticiano!   Se  nesta  paridade 


—  49  — 

não  ha  encarecimento,  he  o  maior  elogio  que  se  lhe  pôde 
fazer. 

Francisco  de  Hollanda,  seu  filho,  aprendeo  com  elle  a 
miniar,  e  a  modelar  em  barro;  e  sem  aprender  gravou  ao 
buril  de  chapa,  e  de  encavo,  esculpio  em  pedra,  e  madeira, 
pintou  em  esmalte,  e  a  óleo ;  escreveo  em  prosa,  e  verso 
sobre  a  Pintura,  Architectura,  e  outras  Matérias.  Costu- 
mava desenhar  á  penna  sem  apontar  primeiro  com  o  lápis, 
ou  carvão,  cousa  que  até  alli,  diz  elle,  ninguém  tinha  cá 
feito:  inventou  em  Portugal  a  miniatura  de  pontinhos,  ao 
mesmo  tempo,  que  D.  Júlio  Clovio  a  inventava  em  Roma. 
Sendo  ainda  moço  ensinou  a  desenhar  os  Infantes  filhos 
de  ElRei  D.  Manoel. 

Foi  duas  vezes  a  Roma,  a  primeira  na  sua  junventude, 
sendo  criado  dos  Infantes  D.  Fernando,  e  D.  Aífonso  Car- 
deal; e  a  segunda  vez  por  mandado  de  El-Rei  D.  João  3.'' 
foi  não  só  a  Roma,  mas  a  quasi  toda  a  Itália,  Hespanha, 
e  França,  a  fim  de  observar,  e  copiar  as  boas  cousas  da 
Architetura  e  Pintura,  e  conversar  com  os  Artistas,  e  Sá- 
bios. Elle  communicou  familiarmente  em  Veneza  com  Serlio 
que  lhe  fez  presente  do  seu  livro  das  5  Ordens ;  e  em  Roma 
com  o  Bonarote,  Clovio,  Lactancio,-  sobrinho  do  Cardeal 
de  Sena,  mui  versado  nas  Letras,  Gregas  e  Hebraicas,  e 
com  Victoria  Colona,  viuva  do  Marquez  Fernando  d'Avalos, 
Dona  mui  celebrada  na  Republica  das  Letras,  e  boas 
Artes. 

Viajava  com  decência  como  pessoa  de  espirito  elevado, 

e  protegida  por  hum  grande  Rei.  Neste  giro  gastou  9  ou 

10  annos :  achando-se  em  Roma  no  de  iSSg.   ».Vc7  Igreja 

de  S.  Pedro,  diz  elle  mesmo  no  seu  livro  da  Pintura,  e  no 

4 


—  5o  — 

altar  onde  o  Santo  está  sepultado,  recebi  o  Corpo  de 
N.  S.  J.  C.  pelas  mãos  do  Papa  Paulo  3."  dia  de  Páscoa, 
no  anno  de  iSSg  ante  todos  os  Car deães,  e  a  Corte,  com 
os  Embaxadores  dos  Reis  Christãos,  e  alguns  Senhores 
Romanos  somente.y>- 

Restituído  á  Pátria  em  1548  escreveo  o  seu  tratado  de 
Pintura  antiga,  que  oftereceo  a  El-Rei.  Faltava-lhe  ainda 
a  romaria  de  S.  Tiago  de  Galiza,  e  aproveitou  a  occasião 
que  teve  de  a  fazer  no  mesmo  anno,  em  companhia  do 
Infante  D.  Luiz. 

Braz  Pereira,  filho  de  Fernando  Brandão,  guarda-roupa 
do  Infante  D.  Fernando,  tinha  com  elle  muito  grande  ami- 
zade, por  se  haverem  criado  ambos  em  casa  daquelle  Prín- 
cipe. Era  hum  Fidalgo  mui  prendado,  tendo  grande  génio 
para  Pintura,  e  Architetura;  vivia  no  Porto,  e  tendo-o  por 
hospede  huns  poucos  de  dias,  gastavão  parte  das  noutes 
em  conversar  sobre  estas  Artes,  daquelle  entretenimento 
resultou  o  Tratado  de  bem  retratar,  ou  de  tirar  pelo  na- 
tural. Este  opúsculo  he  cheio  de  reflexões,  e  preceitos 
admiráveis  ■» Alguns  dos  quaes,  diz  elle,  nascerão  comigo; 
outros  aprendi-os  de  Miguel  Angelo,  e  de  outros  grandes 
Desenhadores,  e  do  antigo. 

Também  foi  Author  de  hum  Tratado  da  Fabrica,  que 
falece  á  Cidade  de  Lisboa,  pelos  annos  i568. 

Como  a  sua  vida  foi  mais  de  Cortezao  viajante,  que  de 
Artista,  as  obras  que  fez  da  Arte  não  podião  ser  muito 
numerosas :  ellas  se  reduzem  a  algumas  mmiaturas  para  o 
Breviário  de  D.  João  3.°  aos  livros  do  Coro  para  Thomar, 
a  outro  livro  de  Desenhos,  e  Architeturas,  feito  nas  suas 
viagens,  que  está  no  Escurial ;  a  hum  retrato  d'ElRei  para 


—  5i  — 

mandar  á  sua  rilha  D.  Maria,  mulher  de  Filippe  2."  &c.  0 
poucas  outras  cousas. 

Em  quanto  á  pintura  de  Óleo,  ingenuamente  confessa 
clle  mesmo  não  a  ter  aprendido ;  e  de  Obra  sua  neste 
género,  só  faz  menção  da  copia  do  Salvador  do  Mundo 
feita  em  Roma,  para  a  Rainha  D.  Catharina.  Não  he  com 
tudo  impossível  que  nos  deixasse  mais  algumas,  e  que 
huma  delias  seja  a  que  possue  a  Familia  de  Saldanha 
ao  Passadiço  representando  o  Baptismo  de  Santo  Agos- 
tinho. 

Manoel  Diniz,  Pintor  nascido  em  Portugal,  e  estabelecido 
na  Hespanha  traduzio  em  Hespanhol  o  tratado  da  Pintura 
antiga  de  Francisco  de  Hollanda  em  i563,  segundo  dizem; 
mas  poderia  haver  erro  nesta  data,  porque  aquelle  M.  S. 
que  se  conservava  na  Livraria  Real,  ouvimos  dizer,  passou 
a  Hespanha  no  reinado  dos  Filippes,  pelos  annos  i58o,  ou 
depois. 


António  Moro. 

Nasceu  em  Utreclt  ou  Utreque,  foi  discípulo  de  João 
Schoorel,  e  depois  estudou  na  Itália  as  obras  de  Rafael,  e 
Miguel  Angelo.  O  Cardeal  Granvela  admirando  a  raridade 
dos  seus  talentos  o  apresentou  a  Carlos  V.  que  lhe  deo  o 
titulo  de  seu  Pintor,  e  o  enviou  a  Portugal  para  retratar 
D.  João  3.°,  a  Rainha  D.  Catharina,  e  sua  filha  D.  Maria  i.''', 
mulher  de  Filippe  2.°,  por  cujos  retratos  teve  huma  grati- 
ficação de  600  escudos,  e  outros  ricos  presentes,  entre  os 
quaes  hum  annel  do  valor  de  iC^  florins  dado  pelos  Estados 


—    52    — 

destes  Reinos ;  e  tendo  aqui  retratado  muitos  Fidalgos  cada 
hum  lhe  deo  loo  ducados,  e  hum  annel,  mais  ou  menos 
rico ;  era  somma  muito  avultada  naquellas  eras. 

Sérvio  depois  Filippe  II.  e  foi  tão  valido,  que,  dando-se 
então  muito  credito  a  encantamentos,  e  suspeitando  os  da 
Inquisição  que  elle  lhe  havia  dado  feitiços,  o  terião  encar- 
cerado, se  o  Cardeal,  que  o  soube  a  tempo,  não  o  tivesse 
posto  logo  em  seguro  fora  do  Reino.  O  Rei  inda  que  nunca 
soubesse  o  motivo,  (cousa  incrível  mas  dada  por  certa), 
porque  se  havia  retirado,  não  deixava  de  lhe  escrever  muitas 
cartas,  protestando  a  estima,  que  fazia  da  sua  pessoa,  e 
dos  seus  talentos ;  e  de  fazer  grandes  mercês  a  seus  filhos, 
e  filhas. 

Christovão  d' Utreque  seu  Discípulo  veio  á  Corte  de  Por- 
tugal pelo  meado  do  século  i6.°,  ou  com  elle,  como  dizem 
huns,  ou  com  hum  Embaxador  Portuguez,  como  outros 
querem.  Sérvio  D.  João  3."  pintando  não  só  excellentes 
retratos,  mas  também  alguns  quadros  de  historia.  Os  bellis- 
simos  painelinhos,  que  estão  sobre  os  Caixões  da  Sacristia 
da  Madre  de  Deos  serão  talvez  da  sua  escola.  Os  seus 
talentos  forão  remunerados  liberalmente  com  boas  sommas 
de  dinheiro,  e  com  o  Habito  de  Christo.  Acabou  os  seus 
dias  em  iSôy,  na  idade  de  69  annos. 

Onze  annos  depois  morreo  António  Moro  em  Anvers, 
tendo  56  annos.  N.  Se  estas  datas,  que  são  de  hum  Au- 
thor  respeitável  fossem  exactas  teria  o  Discípulo  14  annos 
mais  que  o  Mestre,  cousa  impossível  não,  mas  pouco  vero- 
símil. 


53 


Affonso  Sanches  Coelho. 

Foi  hum  dos  mais  illustres  Pintores  Portuguezes,  e  assim 
o  confessarão  os  mesmos  Biógrafos  da  Hespanha  até  ao 
fim  do  ultimo  século;  mas  Bermudes  o  reclamou,  dizendo 
ter  achado  documentos  por  onde  constava  ser  Valenciano. 
Podemos  suppôr  que  haja  alguma  equivocação  nas  provas. 
Affonso  Sanches  estudou  António  Moro  na  Hespanha,  e 
Rafael  em  Roma :  sérvio  o  Principe  D.  João ;  e  depois  da 
sua  morte  passou  ao  serviço  de  Filippe  2.°,  Grande  esti- 
mador da  Arte,  com  quem  privou  tanto  como  havia  feito 
António  Moro,  com  a  felicidade  porem  de  o  não  suspeitarem 
de  bruxaria. 

A'  imitação  do  Rei,  todos  os  Grandes,  Seculares,  e  Eccle- 
siasticos,  com  D.  João  de  Áustria,  e  o  mesmo  Principe 
D.  Carlos  o  visitavão,  e  honravão  muito.  S.  Magestade  nas 
Cartas  que  lhe  escrevia  o  exaltava  com  os  titulos  de  Ticiano 
Portuguez,  e  de  seu  amado  filho. 

Fez  muitos  quadros  de  historia,  e  retratos  de  Pessoas 
Reaes,  para  o  Retiro,  e  Escurial,  imitando  também  a  ma- 
neira do  Ticiano  que  se  equivocavão  com  os  delle. 

Isabel  Sanches,  sua  filha,  nascida  na  Hespanha  em  1564, 
aprendeo  com  elle  a  retratar,  e  a  desenhar  perfeitamente, 
e  casou  com  hum  dos  primeiros  Magistrados  de  Madrid : 
morreo  dous  annos  depois  do  falecimento  de  seu  pae,  que  foi 
em  1600  tendo  qb  annos,  outros  querem,  que  elle  morresse 
10  annos  antes;  isto  he  em  1390,  deixou  rendas  para  a  manu- 
tenção de  huma  Casa  Pia  de  meninas  órfãs  em  Valladolid. 


54  - 


Chrí6tovÃo  Lopes. 

Filho  de  Gregório  Lopes,  e  Discípulo  de  Aííbnso  Sanches, 
(se  he  verdade  o  que  nos  diz  Palominoj  foi  Pintor  da  Ca- 
mera  d'ElRei  D.  João  3.°,  de  quem  recebeo  entre  muitas 
mercês  a  do  Habito  de  Aviz.  Retratou  muitas  vezes  a 
Familia  Real.  Também  pintou  quadros  de  historia  com 
maneira  boa,  e  larga;  e  dizem  que  na  Capella  Mór  de 
Belém  ha  alguns  seus.  Por  seu  falecimento  em  1594  succe- 
deo-lhe  Fernão  Gomes  no  lugar  de  Pintor  do  Rei. 


Diogo  Teixeira. 

Este  Artista,  diz  Felix  da  Costa,  fez  cousas  excellentes 
no  tempo  de  D.  Sebastião,  e  crê-se  que  foi  Discípulo  dos 
já  mencionados,  D.  António  filho  do  Infante  D.  Luiz,  e 
neto  d'ElRei  D.  Manoel,  o  fez  Fidalgo  da  Sua  Casa.  Na 
Luz,  ao  pé  das  de  Vanegas  estão  pinturas  suas. 


Fernão  Gomes. 


Foi  Discípulo  de  Blockland,  Flamengo,  pintava,  diz  Felix 
da  Costa,  com  muita  destreza,  e  valentia,  e  era  excellente 
debuxante.   Pintou  o  tecto  da  Capella  Mór  do  Hospital 


Real,  e  o  quadro  da  Transfiguração  de  Jesus  Christo  na 
Igreja  de  S.  Julião,  e  muitos  em  varias  Igrejas.  Sérvio  na 
Irmandade  de  S.  Lucas  1602,  e  foi  hum  dos  nove,  de  que 
se  compunha  a  Mesa  daquelle  anno,  que  em  17  de  Outubro 
comprou  ás  Religiosas  da  Annunciada  huma  Capella  por 
400^  réis  para  nella  collocarem  as  Imagens  de  S.  Lucas 
em  pintura,  e  em  escultura ;  e  isto  por  Escriptura  lavrada 
pelo  Tabellião  Marcos  de  Oliveira,  de  que  ha  copia  no 
Livro  do  Compromisso  da  mesma  Irmandade.  Em  1394 
succedeo  a  Christovao  Lopes  no  lugar  de  Pintor  d"ElRei. 
Vasco  Pereira,  inda  que  Portuguez,  estabeleceo-se  em 
Sevilha,  e  em  1394  concertou  o  famoso  painel  da  Rua  da 
Amargura,  de  Luiz  de  Vargas.  Fez  outras  obras  no  prin- 
cipio  do  século   seguinte. 


Simão  Rodrigues. 

Na  serie  dos  Pintores  Portuguezes,  que  florecêrão  nos 
séculos  16  e  17,  não  podemos  achar  outra  guia,  que  melhor 
nos  conduzisse,  e  encaminhasse,  que  o  tantas  vezes  men- 
cionado Félix  da  Costa,  delle  sabemos  que  Simão  Rodri- 
gues, entre  os  muitos,  e  bons  quadros  que  fez,  pintara 
também  o  do  Nascimento  para  o  Refeitório  de  Belém,  o 
qual  era  reputado  o  melhor  de  todos  elles.  Foi  hum  dos 
que  em  1602  comprarão  a  Capella  de  S.  Lucas  na  Igreja 
da  Annunciada. 


—  56  — 


Bartholomeo  de  Cardenas. 

Foi  para  Madrid  com  Aífonso  Sanches  Coelho,  de  quem 
era  discípulo.  Entendia  bem  o  nú,  e  era  por  consequência 
assas  correcto  no  desenho:  nas  roupas  era  grandioso.  Com- 
punha com  muito  espirito,  e  coloria  com  perfeição.  Foi  bem 
acceito  na  Corte  de  Filippe  3.°  Pintou  huma  gloria  de  5o  e 
mais  palmos  eiji  quadro  na  Igreja  de  S.  Paulo  em  A^alla- 
dolid;  a  vida  de  S.  Domingos  no  Claustro  do  Convento 
d'Atocha  em  Madrid,  e  muitas  outras  bellissimas  cousas. 
Morreo  de  59  annos  de  idade,  no  de  1606.  Palomino  diz 
que  era  oriundo  de  Hespanha,  mas  nascido  em  Portugal. 


Amaro  do  Valle. 

Aprendeo  em  Roma,  aonde  era  celebrado,  e  conservou 
sempre  a  maneira  Italiana  vaga,  e  doce.  Imaginando  que 
em  Lisboa,  sua  Pátria,  teria  a  mesma  acceitaçao,  regressou 
a  ella,  aonde  morreo  bastante  pobre.  Pintou  a  Capella 
Mór  da  Igreja  de  Santa  Maria,  desprezada  pela  ignorância, 
sendo  a  sua  melhor  obra:  fez  também  o  painel  de  S.  Lucas 
para  a  Capella  dos  Pintores,  e  muitas  outras  cousas.  Foi 
Pintor  de  Filippe  2.°  de  Portugal,  e  3.°  de  Hespanha,  lugar 
em  que  por  sua  morte  succedeo  Domingos  Vieira  Serrão 
no  i.°  de  Junho  de  161 9.  O  Painel  de  S.  Lucas  escapou 
aos  estragos  do  terremoto  de  1755,  e  está  na  Igreja  de 


Santa  Joanna  na  Capella  do  mesmo  Santo,  que  ainda  per- 
tence aos  Pintores,  como  consta  de  huma  escriptura  lavrada 
em  2  3  de  Julho  de  1793,  pelo  Tabelliao  Francisco  Xavier 
de  Souza  Henrique,  cuja  cópia  também  está  no  livro  do 
Compromisso  da  Irmandade. 

Ainda  que  este  quadro  esteja  assas  desfigurado  pelo 
tempo,  e  pelos  muitos,  e  máos  retoques,  ainda  se  vê  na 
figura  do  Santo,  e  na  de  Nossa  Senhora,  que  tinha  muita 
correcção  de  desenho  com  força,  e  agrado  de  colorido. 


Domingos  Vieira  Serrão. 

* 

»Fez  cousas  excellentes,  diz  o  nosso  guiador,  com  muita 
» doçura,  modéstia,  fidalguia,  e  bom  debuxo.  Entendeo  bem 
»a  perspectiva,  como  se  vê  no  tecto  do  Hospital  Real, 
«invenção  sua.  Recebeo  muitas  honras  de  Filippe  3.°  e  4.'' 
»por  quem  foi  chamado  a  Madrid  para  pintar  no  Retiro, 
«aonde  tem  cousas  admiráveis.»  Desenhou  o  desembarque 
de  Filippe  2.°  em  Lisboa,  que  foi  gravado  por  João  Schorc- 
quens.  Em  1608  sérvio  de  Juiz  na  Meza  de  S.  Lucas;  e 
crê-se  que  morrera  no  de  1641,  anno  em  que  lhe  succedeo 
Miguel  de  Paiva,  no  lugar  do  Pintor  do  Rei.  Na  Portaria 
de  S.  Bento  está  pintada  em  grande  painel  a  Arvore  Ge- 
nealógica Religiosa  de  S.  Bento,  e  S.  Bernardo,  e  tem  em 
letras  grandes  o  nome  de  Domingos  Vieira,  com  a  era  de 
i652;  mas  se  a  firma  não  he  supposta,  podemos  inferir 
que  será  de  outro  Pintor  do  mesmo  nome. 


—  58  — 


Luiz  Alvares  de  Andrade. 

Foi  natural  desta  Cidade  de  Lisboa,  e  ficando  muito 
cedo  órfão  de  Pae,  sua  Mãe  lhe  fez  dar  huma  educação 
muito  própria  para  fazer  progressos  na  Arte,  e  mais  nas 
virtudes,  nestas  teve  por  mestres  Fr.  Francisco  de  Bova- 
dillas,  (que  também  o  foi  das  primeiras  letras)  e  Fr.  Luiz 
de  Granada,  naquella  ignoramos  quem  fossem ;  consta  po- 
rem que  era  perito,  e  que  sendo  muito  devoto  da  SS.  Trin- 
dade, pintava  painéis  deste  Altíssimo  Mysterio,  e  os  fazia 
expor  nas  Igrejas  á  veneração  dos  Fieis.  Foi  o  principal 
Instituidor  da  Procissão  dos  Passos  da  Graça,  começada 
em  1587.  Os  bons  Artistas  seus  Collegas  0  estimavão, 
pois  vemos  ser  hum  dos  quatro  que  assignárão  o  Compro- 
misso da  Irmandade  de  S.  Lucas:  assignou  mais  hum 
acórdão  em  161 3,  entrou  também  no  número  dos  que  com- 
prarão a  Capella  do  dito  Santo  em  1602,  e  dos  que  seis 
annos  depois  comprarão  os  covaes  pelo  painel  do  retábulo 
da  Capella  da  Cruz,  que  estava  na  Annunciada  da  parte 
do  Evangelho;  talvez,  o  que  ainda  se  vê  em  Santa  Joanna. 
Terminou  seus  dias  nesta  mesma  Cidade  em  3  de  Abril 
de  i63i. 

Francisco  Nunes,  natural  de  Évora,  floreceo  por  estes 
tempos.  Aprendeo  em  Roma,  teve  grande  maneira,  e  bom 
estilo.  Na  sua  pátria  estavão  as  suas  melhores  obras,  e 
nesta  Cidade  hum  Apostolado  em  meios  corpos. 


-  59  - 


Domingos  da  Cunha. 

pstudoLi  a  Arte  em  Madrid  com  Eugénio  Caxas,  Caste- 
lhano, filho  de  hum  Pintor,  Arquitecto  Florentino,  e  colorio 
muito  bem,  imitando  com  perfeição,  ainda  que  servilmente 
a  natureza,  quero  dizer,  sem  a  melhorar  quando  ella  era 
susceptível  de  maior  elegância.  Nasceo  em  Lisboa  em  lõSg, 
e  tendo  84  annos  entrou  na  Companhia  de  Jesus.  Fazem 
menção  delle  muitos  Escriptores ;  alguns  dos  quaes  elo- 
giarão as  suas  obras,  perdidas  quasi  todas  pelo  terremoto 
de  1755.  Morreo  em  opinião  de  Santidade.  Na  Collecção 
de  Duarte  de  Souza,  Correio  Mór  do  Reino,  existião,  diz 
Félix  da  Costa,  hum  Santo  António,  e  hum  S.  Diogo  pin- 
tados por  elle. 


André'  Reinoso. 

»Foi  discípulo  de  Simão  Rodrigues,  cuja  maneira,  diz  o 
Bnosso  Author,  não  quiz  seguir,  inclinando-se  com  muito 
«acerto  ao  estilo  Italiano.  Sem  ter  a  melhor  escolha  do 
«natural,  fez  cousas  admiráveis  pela  sua  viveza.  Entre  as 
«melhores  se  conta  a  vida  de  S.  Francisco  Xavier  em 
«S.  Roque,  sobre  os  caixões  da  Sacristia,  da  parte  direita: 
«e  na  Capella  do  Menino  perdido,  o  dos  Reis,  e  o  do  Nas- 
» cimento.»  Foi  eleito  Juiz  da  Irmandade  de  S.  Lucas  para 
a  Meza  de  1641,  mas  não  acceitou.  Sempre  lhe  ouvimos 
chamar  Diogo,  e  não  André,  mas  era  tradição  errada, 
porque  além  da  authoridade  de  Félix  da  Costa,  que  vivco 


—  6o  — 

no  mesmo  século  17  temos  os  livros  da  Irmandade,  que 
he  incontestável. 


Diogo  Pereira. 

«Aprendeo  sem  Mestre,  e  só  pela  communicaçao  que 
»teve  com  Pintores:»  A  sua  falta  de  estudos  bem  se  conhe- 
cia na  dureza  com  que  pintava,  e  na  ignorância  da  perspe- 
ctiva, architectura,  e  desenho  que  se  observa  nas  suas 
melhores  obras.  Pintou  incêndios,  dilúvios,  tempestades, 
etc;  e  parece,  diz  hum  Author  daquelle  tempo,  que  as 
desgraças  que  representava  lhe  espantavão  a  fortuna.  Deo- 
Ihe  a  Natureza  hum  génio  raro,  e  original,  principalmente 
para  os  fogos,  cujos  painéis  se  estimao  na  Itália,  França, 
e  Inglaterra.  O  Patriarca  D.  Thomaz  de  Almeida,  teve 
hum  gabinete  ornado  com  60  painéis  seus,  contendo  não 
só  fogos,  e  batalhas,  mas  também  frutos,  flores,  paizagens, 
bambochatas,  &c.  Não  he  raro  achar  pinturas  suas;  na 
CoUecção  de  Borba  estão  duas  das  melhores  representando 
Troya,  e  Sodoma,  firmadas  por  elle,  e  na  de  Penalva  está 
o  seu  famoso  Inferno,  com  as  figuras  de  Vieira  Lusitano. 
Morreo  Septuagenário,  e  pobríssimo  em  1640,  diz  hum 
Biografo  Italiano,  mas  he  engano,  porque  em  i658  sérvio 
de  Escrivão  na  Meza  de  S.  Lucas. 


Jose'  d'Avelar  Rebello. 

))Foi  homem  de  grande  talento,  (diz  Félix  da  Gosta)  e 
»de  grande  discripção,  e  engenho.  Sem  Mestre,  e  só  por 


—  6i  — 

«génio  superior,  graça  particular,  e  muito  exercicio,  foi 
Mcapaz  de  pintar  o  Menino  entre  os  Doutores,  que  está  em 
))S.  Roque,  e  outros  bons  painéis  que  lhe  merecerão  hum 
«Habito  de  Aviz.))  No  antigo  Palácio  Real  pintou  a  fresco 
o  Salão  da  musica,  e  fez  muitos  quadros  para  a  livraria 
Arcebispal.  ElRei  D.  João  o  4.°  gostava  de  o  ver  pintar, 
e  de  conversar  com  elle,  quando  lhe  deo  o  Habito,  dizia 
no  Alvará  que  lho  dava  por  ser  o  melhor  Pintor  do  seu 
tempo.  Desde  o  anno  ibSg  até  o  de  48,  fez  os  72  grandes 
painéis  da  vida  de  Jesus  Christo,  que  apainelavão  todo  o 
tecto  dos  Martyres,  e  a  tomada  de  Lisboa  sobre  o  arco  da 
Capella  Mór.  Em  5o  pintou  outros  para  o  tecto  debaixo 
do  Coro;  mas  em  1746  tirárão-se  os  ditos  para  levantar  o 
tecto  da  Igreja,  que  foi  feito  de  estuque  por  João  Grossí, 
e  enrequecido  com  o  famoso  painel  de  Vieira  Lusitano,  de 
que  ha  desenhos.  He  tido  em  bastante  estimação  o  S.  Jero- 
nymo  firmado  por  elle,  que  está  na  livraria  de  Belém.  Na 
portaria  de  S.  Bento  ha  hum  grandíssimo  painel  do  triunfo 
de  Nossa  Senhora  pintado  em  i656,  e  ouvimos  dizer  a 
Pedro  Alexandrino,  que  no  friso  da  architectura  tinha  o 
nome  de  Avelar.  Em  quanto  aos  dos  Caetanos  feitos,  se- 
gundo alli  se  lê,  em  i655,  parecem  de  mão  muito  menos 
hábil,  e  menos  antiga.  Foi  Juiz  na  Irmandade  de  S.  Lucas 
em  1644. 


Josefa  de  Óbidos. 

He  muito  grande  a  variedade  de  opiniões  que  seguem  os 
Historiadores  a  respeito  da  célebre  Pintora  Josefa  d'Ayala, 


—    62    — 

(que  este  era  o  seu  verdadeiro  nome.)  Félix  da  Costa  diz 
ser  filha  do  Sevilhano,  famoso  em  paizes,  principalmente 
nos  pertos;  e  falia  delle  como  de  pessoa  que  todos  conhe- 
cião.  O  Malhão  no  livro  que  escreveo  da  sua  vida,  também 
a  celebra  como  filha  de  Óbidos,  e  filha,  que  fazia  muita 
honra  á  sua  pátria.  Alguns  querem  que  nascesse  em  Sevi- 
lha, e  fosse  filha  de  Balthazar  Gomes  Figueira;  outros  a 
fazem  discípula  do  dito  Balthazar  Figueira,  ou  de  Figuei- 
redo, de  quem  já  vimos  bons  painéis  de  objectos  inanimados 
com  a  sua  firma:  encostamo-nos  ao  parecer  de  que  era 
Portugueza  filha  de  Hespanhoes.  As  obras  que  existem 
delia  são  de  dous  géneros,  i."  de  painéis  históricos;  2.°  de 
objectos  naturaes,  e  artificiaes  como  fructos,  doces,  aves, 
etc.  Muitos  deste  género,  reputados  por  seus,  não  são  bons; 
estimão-se  porém  os  cordeirinhos,  que  se  achão  em  quasi 
todas  as  collecções  de  Lisboa. 

Em  quanto  aos  seus  painéis  de  figuras,  temos  ouvido 
celebrar  os  da  Igreja  de  Valbemfeito  dos  Padres  Jeronymos, 
e  os  que  estavão  na  Misericórdia  d'Obidos  sobre  o  arco 
da  Capella  Mór,  e  na  Freguezia  de  S.  João.  Aqui  temos 
visto  alguns,  e  muito  bons;  hum  dos  quaes  representando 
os  Desposorios  de  Santa  Catharina,  era  pintado  n'huma 
chapa  de  cobre  de  2  palmos  de  alto,  e  pertencia  á  familia 
de  Gonçalo  José  da  Silveira  Preto,  passou  depois  ás  mãos 
de  Francisco  Cypriano,  contratador  de  painéis,  que  em  1810 
o  vendeo  a  hum  Inglez  por  8  moedas;  tinha  a  sua  firma, 
e  era  de  1Õ47.  Outro  era  de  huma  Coroação  de  Nossa 
Senhora  também  em  cobre,  pintada  com  extrema  delicadeza, 
e  em  certos  adornos  com  a  paciência  dos  Gothicos,  também 
tem  o  seu  nome,  e  a  era  lóSy,  e  pertence  ao  Cónego  de 


—  63  — 

Evora  Miguel  Remigio.  Retratava  bem,  e  fez  o  retrato  da 
Princeza  D.  Isabel  que  foi  enviado  a  Victor  Amadêo.  Morreo 
em  22  de  Julho  de  1684.  Os  seus  quadros  de  Historia  sus- 
tentavão-se  ao  pé  dos  bons  daquelle  tempo. 


João  Gresbante. 

Era  hum  Pintor  Inglez  estabelecido  em  Lisboa.  Tinha 
grande  génio,  e  idéas  sublimes;  mas  como  a  execução  da 
sua  obra  não  correspondesse  ás  suas  idéas,  nunca  era  con- 
tente com  o  que  executava,  parecendo-se  nisto  com  hum 
certo  Artista  da  antiguidade.  Não  obstante,  os  conhecedores 
admiravão  o  Concilio  de  S.  Dâmaso,  que  pintou  na  Capella 
Real,  o  painel  da  boca  da  tribuna  da  Magdalena  com  bom 
desenho,  e  colorido,  e  outros  muitos  que  se  queimarão  no 
incêndio  de  lySS.  Sérvio  muitos  lugares  na  Meza  de  S.  Lucas 
desde  i65i  até  i665,  e  ainda  vivia  em  1680. 


Marcos  da  Cruz. 

Foi  homem  de  mais  arte  que  engenho,  disse  hum  Es- 
criptor  do  seu  tempo,  e  como  não  tivesse  Mestre  sufficiente 
seguio  primeiro  hum  errado  caminho,  que  tratou  depois  de 
emendar,  e  adquirio  muitas  cousas  essenciaes  como  a  intelli- 
gencia  das  massas  do  claro-escuro,  a  perspectiva  aérea,  e 
outras.  Os  seus  painéis  que  estavão  em  S.  Paulo,  na  Ca- 
pella Real,  na  boca  da  tribuna  de  S.  Nicoláo,  e  em  outras 


-  64- 

Igrejas,  quasi  todos  se  queimarão  em  ijõb.  Dizem  ser  obra 
dos  seus  pincéis  a  Santa  Maria  Magdalena  de  Pazzi  no 
Carmo,  e  os  painéis  do  Cruzeiro  de  Jesus.  Ouvimos  dizer 
também  a  Pintores  antigos  que  fora  Mestre  de  Bento  Coelho, 
e  com  eífeito  em  algumas  das  cabeças  destes  quadros  acha-se 
muita  analogia  com  as  que  fazia  o  seu  supposto  discípulo. 
Sérvio  na  Meza  da  Irmandade  de  S.  Lucas  desde  1649  ^^^ 
1674.  Em  57  foi  Juiz,  e  em  78  deo  esmola  avultada  para 
a  Missa  quotidiana. 


Feleciano  de  Almeida. 

He  este  o  ultimo  Pintor  de  que  falia  Félix  da  Costa,  e 
diz  elle,  que  por  huma  singularidade  inconcebível  quizera 
imitar  os  Pintores  Gothicos  sem  dar  relevo,  ou  força  aos 
seus  objectos,  enfarinhando  muito  os  claros  com  alvaiades, 
e  usando  de  sombras  imperceptíveis;  mas  que,  como  decli- 
nava o  gosto  e  o  saber,  a  ignorância  applaudia  muito  aquelles 
defeitos. 

Sérvio  de  Escrivão  na  Meza  do  Santo  em  1684,  e  de 
Juiz  no  anno  seguinte.  Na  Ermida  de  Nossa  Senhora  Madre 
de  Deos  do  Secretario  de  Guerra  ha  painéis  pintados,  pouco 
mais  ou  menos,  no  seu  estilo. 


Manoel  de  Castro. 

Estudou  a  Arte  em  Madrid  na  escola  de  Cláudio  Coelho, 
Pintor  célebre,  oriundo  de  Portugal.  Carlos  2.°  de  Hespa- 


—  65  — 

nha  mui  satisfeito  com  a  Gloria,  e  Redempçao  de  captivos, 
e  outras  pinturas,  que  fez  nos  Conventos  da  Trindade,  e 
das  Mercês,  o  nomeou  seu  Pintor  por  morte  de  Bartholo- 
meu  Peres  em  1698. 

D.  Cláudio  seu  Mestre  era  filho  de  Faustino  Coelho, 
Portuguez,  excellente  bronzista,  o  qual  vivia  em  Madrid 
onde  Cláudio  nasceo.  Este  applicou-se  á  pintura,  e  fez 
nella  grandes  progressos.  Foi  Pintor  d.e  Camará,  e  Archi- 
tecto  do  Rei.  Entre  as  muitas,  e  boas  cousas  que  fez  foi 
mui  celebrado  o  painel  das  Sagradas  Formas  que  está  na 
Sacristia  do  Escurial,  do  qual  temos  huma  estampa  gra- 
vada em  Lisboa  por  Conti,  e  Bartolozzi,  morreo  em  1698. 
Palomino,  diz  delle,  que  em  perspectivas  podia  competir 
com  Bibiena.  Manoel  de  Castro  sobreviveo-lhe  19  annos. 


O  Marquez  de  Monte  Bello. 

Félix  Machado  da  Silva  Castro  e  Vasconcellos  foi  mui 
versado  nas  Artes,  e  Sciencias,  e  muito  bem  acceito  a 
Filippe  4.°,  que  em  premio  de  relevantes  serviços  lhe  deo 
o  titulo  de  Marquez  em  i63o.  Dez  annos  depois  aconte- 
cendo a  revolução  de  Portugal,  e  achando-se  na  Corte  de 
Hespanha  seguio  o  seu  partido,  talvez  por  necessidade: 
mas  vendo-se  naquelle  Reino  sem  meios  suíficientes  para 
subsistir  com  decência,  fez  profissão  pública  da  Pintura, 
em  que  era  perito,  parecendo-se  nisto  com  o  Imperador 
Constantino  Porphirogeneto.  Foi  casado  com  D.  Violante 
d'Orosco,  filha  do  Marquez  de  Mortara,  e  Dama  da  Rainha 
5 


—  66  — 

D.  Margarida  de  Áustria.  O  Duque  de  Viedro  seu  descen- 
dente ainda  conservava  com  satisfação  em  1730  a  sua  pa- 
lheta, e  os  seus  pincéis. 


Félix  da  Costa  Meesen. 

Devemos  a  este  Artista,  e  Escriptor  huma  serie  de  Me- 
morias de  19  Pintores,  sem  as  quaes  teríamos  de  começar 
o  espectáculo  deste  Theatro  Pintoresco  no  2.°  ou  3.°  acto. 
Não  temos  noticias  das  suas  obras,  mas  acha-se  o  seu 
nome  nos  livros  da  Irmandade  de  S.  Lucas,  aonde  consta 
sérvio  nas  Mezas  de  lyoB  e  1706. 

Escreveo  as  Memorias  em  1696,  e  diz  no  fim  delias 
»0s  Homens  famosos  o  forão,  porque  frequentarão  Aca- 
«demias,  e  obtiverão  honras,  e  prémios  dos  Príncipes, 
muitos  dos  nossos  sem  estudos  grandes,  e  sem  protecção, 
ainda  que  não  fizessem  tanto,  merecem  com  tudo  honra, 
veneração,  e  applauso. 

Aonde  acabão  as  noticias  deste  Author,  começão  feliz- 
mente as  de  Pedro  Alexandrino,  escriptas  por  elle  mesmo, 
e  as  de  Lobo,  as  quaes  seguiremos,  sem  desprezar  as  de 
outros  Escriptores  que  merecem  attenção,  e  crédito.  Félix 
da  Costa  assentou  por  Irmão  em  11  de  Novembro  de  1674, 
e  faleceo  em  1712.  Na  Demonstração  Histórica  se  faz 
menção  de  huma  antiga  Imagem  dos  Passos  de  que  falia, 
(diz  o  Author  em  hum  dos  seus  escriptos),  o  insigne  pintor 
Félix  da  Costa. 


6? 


Bento  Coelho  da  Silveira. 

A  funestíssima  derrota  que  soífrêrao  os  nossos  exércitos 
no  anno  de  1678  em  Alcacerquivir  foi  a  origem  de  toda  a 
nossa  desgraça,  por  ella  passou  o  Reino  a  hum  dominio 
estrangeiro;  por  ella  perdemos  quasi  todas  as  PosseçÕes 
da  Ásia,  e  muitas  da  America,  e  por  consequência  as 
Armadas  que  nos  daváo  o  Senhorio  dos  mares,  e  as  grandes 
riquezas  que  nos  vinhão  das  índias,  Japão,  China,  &c. 
Reduzido  o  Reino  a  huma  Província,  declinarão  entre  nós 
as  Sciencias,  e  muito  mais  as  bellas  Artes ;  porque  não 
tendo  Monarcha  próprio  que  as  protegesse  forão  ellas 
abandonadas  á  indigência,  ou  á  ignorância  dos  povos.  De- 
pois de  hum  captiveiro  de  60  annos  em  que  os  empregados, 
e  cobiçosos  tiravão  o  ouro  do  corpo  do  Estado,  como  as 
sanguexugas  tirão  o  sangue  do  corpo  do  enfermo  onde  são 
lançadas;  seguirão-se  as  guerras  da  restauração,  achando-se 
o  Reino  em  tal  pobreza,  que  o  mesmo  Rei  se  sustentava 
só  com  as  rendas  da  sua  antiga  Casa  de  Bragança.  Estas 
guerras  durarão  até  1668,  e  ainda  se  resentírão  as  calami- 
dades delias  renovadas  pela  guerra  da  Successão  até  á 
Paz  de  Utreclt  em  171 5. 

Os  Reis  conservarão  sempre  hum  Pintor  seu,  mas  era 
como  hum  Mestre  da  Casa  de  Obras,  tendo  de  salário 
5  ou  õííooo  réis  annuaes,  hum  moio  de  trigo,  e  os  prós,  e 
precalços,  que  muitos  annos  seriao  nullos ;  e  este  officio 
passava  de  pães  a  filhos,  quando  os  havia,  como  cousa 
para  a  qual  a  sciencia  não  era  necessária,  inda  que  ás 


>-  68  — 

vezes  recahia  por  acaso  sobre  homens  hábeis.  Restava  por 
tanto  só  a  Religião  que  podesse  manter  algum  Pintor,  mas 
como  ?  Pintando  muito  por  muito  pouco  dinheiro,  e  he  o 
que  aconteceo  a  alguns  Pintores  já  nomeados,  e  mais  ainda 
a  Bento  Coelho,  de  quem  se  diz  que  fizera  tantos  quadros 
quantos  forao  os  dias  que  vivera. 

Não  fallando  nos  muitos  painéis  seus,  que  se  queimarão 
pelo  terremoto,  nem  nos  que  fez  para  outras  terras  do 
Reino,  e  Dominios  Ultramarinos,  ainda  existem  bastantes 
em  quasi  todas  as  Igrejas  de  Lisboa,  que  escaparão  do 
incêndio  de  1755.  Este  Pintor  occupou  vários  lugares  na 
Meza  de  S.  Lucas  desde  1648,  até  1698,  sendo  muitas 
vezes  Juiz.  Ainda  existia  muito  velho  no  principio  do  sé- 
culo 18;  e  na  Sacristia  de  S.  Pedro  em  Alcântara  ha  hum 
painel  da  Invenção  da  Santa  Cruz,  firmado  por  elle  em 
1702,  crê-se  que  morrera  em  1708.  Teve  discipulos  que 
quizerão  imitar  a  sua  maneira,  mas  fizerão-no  tão  mal, 
que  ficarão  sem  nome. 

Reflexões  sobre  as  Obras  de  Bento  Coelho. 

Este  grande  Pintor,  teve  como  o  Tintoreto  3  sortes  de 
pincéis ;  o  de  ouro,  o  de  prata,  e  o  de  ferro.  Pintada  como 
de  ouro  só  vimos  huma  chapa  de  cobre  representando- 
Judith,  e  Holofernes,  que  tinha  pouca  inveja  ás  obras  de 
Vandeick;  com  o  pincel  de  prata  são  feitos  os  painéis  da 
Sacristia  da  Penha,  os  de  S.  Jorge,  os  da  Madre  de  Deos, 
e  das  Commendadeiras  da  Encarnação,  os  de  S.  Bento, 
Francezinhas,  e  outros.  Estes  são  pintados  com  grande 
empaste,  e  bellas  tintas,  que  se  conservão  vivas,  e  frescas, 


-  69  - 

com  toques  resolutos,  e  virgens.  Em  geral  os  fundos  dos 
seus  quadros  são  assas  escuros,  e  as  figuras  campão  por 
mais,  ou  menos  claras,  segundo  os  pavimentos  em  que 
estão.  Tinha  bellissimas  cores  de  carnes  vivas  e  mortas, 
mas  como  pintava  de  pratica,  e  quasi  sempre  improvisando 
havia  necessariamente  ser  muito  maneirado  e  incorrecto. 
Lourenço  da  Silva  Pa{.  ]\  p.  3g. 


António  Machado  Sapeiro. 

Quiz  imitar  Bento  Coelho  na  maneira  franca,  e  presteza 
de  execução ;  mas  succedeo-lhe  o  que  succede  de  ordinário 
a  todos  os  imitadores,  que  foi  ficar  inferior  ao  seu  modelo. 
As  suas  obras  publicas  são  o  tecto  da  Sacristia  do  Loreto. 
o  S.  Christovão  da  Sé,  que  he  muito  máo,  e  está  todo 
repintado,  alguns  painéis  na  Igreja  da  Saúde,  e  na  dos 
Anjos,  em  Santa  Martha,  na  Sacristia  dos  Capuchos,  e  o 
Santo  António  nas  Trinas  do  Rato,  que  parece  ser  o  me- 
lhor de  todos.  Os  8  sobre  as  Capellas  da  Freguezia  de 
Santos  são  pintados  no  seu  estilo,  assim  como  os  4  na 
Capella  Mór  da  Ermida  do  Secretario  de  Guerra.  Era, 
também  retratista,  e  teve  a  fortuna  de  retratar  El-Rei 
D.  João  o  5.°,  e  de  ser  o  seu  retrato  o  mais  applaudido 
de  todos  quantos  até  alli  se  havião  feito,  pelo  qual  recebeo 
huma  gratificação  proporcionada  ao  grande  espirito  daquelle 
Monarcha.  Assentou  por  Irmão  de  S.  Lucas  em  23  de  Se- 
tembro de  1704.  Sérvio  na  Meza  pela  ultima  vez  em  17 12, 
e  morreo  em  24  de  Junho  de  1740. 


o  Lobo  na  sua  Silva  Laudatoria  diz  delle : 

)jO  Machado  imitou  a  Natureza 

No  Retrato,  com  óptima  destreza, 

Teve  a  felicidade 

De  exprimir  mais  que  outro  a  Magestade 

Do  quinto  João  perfeito  Soberano 

Que  deixou  seu  pincel  mais  nobre,  e  ufano.» 

Henrique  Ferreira  Pintor  medíocre,  também  fazia  retra- 
tos, e  pintou  quasi  todos  os  que  estão  em  Belém  na  Casa 
dos  Reis.  Assentou  por  Irmão  de  S.  Lucas  em  24  de  Outu- 
bro de  1700. 


André'  Gonçalves. 

Foi  Discípulo  de  D.  Júlio  César  de  Femine,  bom  Pintor 
Genovez,  que  viveo  em  Lisboa,  aonde  pintou  muitos  qua- 
dros para  o  Convento  da  Graça,  e  outros  lugares  Sacros, 
e  profanos.  Entrou  na  Irmandade  de  S.  Lucas  em  18  de 
Ou'tubro  de  1720.  Em  1786  era  já  falecido  tendo  servido 
na  Meza  em  1721,  anno  em  que  foi  Juiz.  O  Discípulo  não 
seguio  a  sua  maneira,  adoptando  outra  mais  branda,  e 
mais  agradável,  que  imitava  no  colorido  a  de  Conca,  e 
Massucci,  e  nas  roupas  a  de  Marata,  de  cujas  estampas, 
de  que  tinha  grande  copia  se  sérvio  muito  na  composição 
dos  seus  painéis,  muitos  dos  quaes  se  queimarão  nas  Igrejas 
pelo  terremoto.  Os  que  escaparão,  ou  forão  feitos  depois 
estão  no  Convento  das  Commendadeiras  de  Santos,  e  no 
de  Santa  Anna.  Na  Igreja  do  CoUegio  dos  Nobres  está  o 


—  71   — 

S.  Pedro  e  S.  Paulo,  e  ó  da  Converçao  deste  grande  Apos- 
tolo.  Existem  muitos  nas  Capellas  do  Menino  Deos,  e  nas 
Capellas  Mores  de  S.  Lourenço,  Santa  Joanna,  Santa 
Martha,  S.  Martinho,  Mercês,  Paulistas:  os  das  Capellas 
da  Bemposta,  que  passarão,  pela  renovação  da  Igreja  para 
a  Sacristia :  os  da  Capellas  de  Queluz,  o  da  Conceição  que 
se  queimou  na  Ajuda,  e  era,  diz  Pedro  Alexandrino,  admi- 
ravelmente bem  pintado,  pela  esperança  do  premio,  o  qual 
não  correspondeo  á  obra  pelo  limitado  animo  do  louvado, 
que  o  avaliou,  (deveria  ser  Mattheus  Vicente).  Na  Portaria 
de  S.  Domingos  tem  este  Santo,  e  S.  Francisco :  os  das 
Igrejas  das  Trinas  dos  Cardaes,  e  do-  Mocambo  também 
são  seus ;  assim  como  o  S.  Pedro  e  S.  Paulo  na  Freguezia 
da  Pena  de  óptimo  colorido,  e  os  da  vida  de  Christo  que 
estavão  sobre  as  Capellas,  e  forão  grandemente  retocados 
por  Pedro  Alexandrino;  mas  ainda  seVião  collocárão:  os 
de  S.  Bento  na  Capela  de  Santo  Amaro,  e  o  Santo  Ere- 
mita, que  esteve  na  escada,  e  está  hoje  na  Sacristia;  he 
o  único  original  que  elle  fez,  e  merece  grandíssima  estima- 
ção. No  Hospício  da  Conceição  da  Carreira,  e  em  Rilhafoles 
ha  obras  suas ;  também  lhe  pertencem  os  quadros  da  vida 
de  S.  João'  Baptista  na  freguezia  do  Lumiar,  e  a  Senhora 
do  Carmo  na  Igreja  desta  Invocação,  e  alguns  em  Mafra 
na  Capella  dos  sete  Altares;  os  da  Ermida  do  Marquez 
de  Pombal  em  Oeyras,  e  os  da  Rua  formosa  que  estão  na 
Igreginha  chamada  do  Mariola  Mór,  os  quaes  ficarão  mui 
deteriorados  pela  retirada  dos  Francezes  em  1808,  e  tendo 
sido  repintados,  parecem  agora  de  outra  mão.  Na  Madre 
de  Deos  tem  a  grande  gloria  sobre  a  Capella  Mór,  e  algu- 
mas outras  cousas,  como  são  a  Santa  Clara,  e  S.  Francisco, 


—  72  — 

e  a  vida  de  José  do  Egypto  na  Sacristia.  Em  S.  Vicente 
tem  o  da  Sacristia,  e  o  da  Capella  da  Annunciaçao.  Tam- 
bém são  seus  os  do  Coro  de  S.  Domingos  de  Bemfica. 
Fez  muitas  pinturas  para  Santa  Cruz  de  Coimbra,  e  para 
todos  os  Conventos  dos  Cruzios,  decorou  vários  Coros,  e 
Capellas  interiores  em  Conventos  de  Freiras.  Na  Capella 
Mór  de  S.  Pedro  de  Alcântara  ha  trez  quadros  seus,  e 
outros  na  de  S.  Bento  da  Estrella,  &c.  &c. 

Entrou  na  Irmandade  de  S.  Lucas  no  i.°  de  Novembro 
de  171 1,  e  sérvio  na  Meza  desde  17 12  até  1764  sendo  duas 
vezes  Juiz,  pelos  livros  consta  que  morrera  em  i5  de  Junho 
de  1762,  tendo  de  idade  70  annos  6  mezes  e  i5  dias.  Jaz 
no  Convento  dos  Mariannos. 

O  Lobo  diz  que  o  André  levava  aos  mais  a  palma,  ins- 
pirando os  pincéis  nas  tintas  alma. 

Existem  dois  retratos  seus,  hum  na  Collecçao  de  Penalva, 
feito  por  Guilhard,  na  sua  idade  juvenil,  outro  na  Collecçao 
de  Borba  em  idade  avançada,  feito  por  Pedro  Alexandrino.  • 
Teve  muitos  e  bons  discípulos ;  e  forao,  seu  filho  Manoel 
José  Gonçalves,  João  dos  Santos  Ala,  Joaquim  Manoel  da 
Rocha,  José  da  Costa  Negreiros,  Francisco  Xavier  Lobo, 
o  Padre  Manoel  José,  de  quem  fallaremos  adia*nte.  Pedro 
Alexandrino  não  foi  seu  discípulo,  mas  aproveitou  muito 
frequentando  a  sua  casa,  e  a  sua  escola. 

Manoel  José  Gonçalves  fez  o  painel,  que  está  no  Collegio 
dos  Nobres  do  Senhor  dando  as  chaves  a  S.  Pedro,  feito 
pela  estampa  de  Rafael,  e  muito  bem  colorido,  e  executado. 
Gravou  a  agua  forte  em  1762  a  estampa  que  se  acha  na 
Carta  Apologética  pela  ingenuidade  da  Pintura,  inventada 
por  seu  Pae.  Morreo  desgraçadamente  no  dia  do  terremoto 


i 


-73  - 

de  55,  malogrando-se  desse  modo  as  bellas  esperanças  que 
nos  dava. 

De  João  dos  Santos  Ala  existe  o  painel  de  S.  Domingos 
em  Soriano  em  huma  das  Gapellas  do  Claustro  de  S.  Do- 
mingos, e  os  do  Rosário  que  sahem  em  procissão:  o  quadro 
do  tecto  da  Igreja  das  Commendadeiras  da  Encarnação, 
dous  da  vida  de  Nossa  Senhora  em  Jesus ;  vários  retratos 
de  Veneráveis  na  Cartuxa,  e  outros.  Imitava  a  maneira  de 
seu  Mestre,  mas  era  mais  franco.  Sérvio  na  Meza  do  Santo 
de  1733  —  35. 

Lourenço  da  Silva  Paz,  he  apenas  conhecido  por  ter 
succedido  a  Bento  Coelho  no  lugar  de  Pintor  da  Casa  das 
Obras  em  1608,  e  ter  sido  Juiz  da  Meza  do  Santo  em  1704, 
e  outras  vezes;  Morreo  em  10  de  Março  de  171 8.  Julgamos 
que  fosse  Pintor  de  huma  das  classes  mais  rasteiras  tendo 
bastante  fortuna,  e  protecção,  como  teve  nos  nossos  dias 
o  Cavalleiro  Ignacio  Meireles,  e  tem  tido  outros. 


Ignacio  de  Oliveir.\  Bernardes. 

Na  familia  deste  Pintor  contão-se  muitos  Artistas.  Seu 
Avô  Manoel  Rodrigues,  natural  de  Beja,  mas  nascido  casual- 
mente em  Moura,  era  Pintor,  e  foi  pae  de  António  de  Oli- 
veira Bernardes.  Este  casou  com  Francisca  Xavier  neta  de 
hum  Ministro,  e  filha  de  Francisco  Ferreira,  que  seguia 
também  os  Lugares  de  Letras,  porem  depois  applicou-se 
á  Pintura,  e  forão  os  Paes  de  Ignacio  de  Oliveira,  de 
Fr.  José  de  Santa  Maria,  Padre  Thomarista,  e  de  Policarpo 


—  74  — 

de  Oliveira,  todos  Pintores,  e  discípulos  de  seu  Pae.  Antó- 
nio de  Oliveira  entrou  na  Irmandade  de  S.  Lucas  em  7  de 
Agosto  de  1684.  Policarpo  de  Oliveira  Bernardes  em  19 
de  Outubro  de  1728,  e  José  de  Oliveira  em  21  de  Outubro 
de  1731,  sendo  ainda  secular;  os  dois  primeiros  servirão 
lugares  na  Meza,  e  António  de  Oliveira  foi  Juiz  em  1679. 

Policarpo  de  Oliveira  Bernardes  fez  o  painel  de  Santo 
António  que  está  na  Igreja  da  Lapa.  Nasceo  em  1695,  e 
morreo  em  1778.  Fr.' José,  de  quem  já  falíamos  fez  quadros 
devotos  de  cavalete,  morreo  em  22  de  Fevereiro  de  1781 
tendo  81  annos  de  idade.  Ignacio  de  Oliveira  nasceo  em 
Lisboa  no  i.°  de  Fevereiro  de  1695,  e  foi  hum  dos  estu- 
dantes,'que  D.  João  o  5."  mandou  a  Roma  aonde  quiz  fundar 
huma  Academia  Portugueza  da  Arte;  e  ainda  em  1776  alli 
vimos  vestígios  de  huma  grande  casa  com  padrão  das  Armas 
Reaes  Portugueza  sobre  a  entrada,  e  era  chamada  pelos 
Italianos  a  Academia  de  Portugal.  Forão  com  elle,  Ignacio 
Xavier,  natural  de  Santarém,  o  qual  chegou  aqui  a  pintar 
hum  medalhão  para  a  Procissão  do  Corpo  de  Deos,  e 
morreo  logo.  Domingos  Nunes,  e  José  de  Almeida.  Ignacio 
foi  Escolar  de  Benedito  Lutti,  e  por  sua  morte  passou  para 
a  Escola  de  Paulo  Mathei,  Director  do  dito  CoUegio  ou 
Academia,  e  fez  progressos  na  Pintura  e  na  Architetura: 
adquirio  hum  colorido  por  extremo  vago,  e  agradável,  mas 
brandinho,  e  hum  modo  de  desenhar  elegante.  Servia-se 
de  estampas,  segundo  o  costume  do  nosso  paiz,  mas  com- 
punha com  intelligencia  sabendo  bem  a  Perspectiva,  a  Ano- 
tomia,  Symetria,  &c.  e  outras  partes  fundamentaes  da 
Arte. 

Empregou-se  em  Lisboa  como  Architecto  Civil,  e  como 


-  75  - 

Architecto  Decorador,  e  como  Pintor.  Como  Architecto 
Civil  fez  desenhos  para  parte  da  Igreja  de  S.  Francisco  de 
Paula,  do  Palácio  de  Queluz,  e  da  Casa,  e  Quinta  de 
Gerardo  Devisme.  Como  Decorador  teve  a  direcção  dos 
Theatros  de  Queluz,  e  dos  Theatros  Régios,  depois  da 
falta  da  Bibiena  até  a  introducçao  de  Jacomo  Azzolini. 
Também  dirigio,  antes  do  terremoto,  o  Theatro  dos  Con- 
gregados do  Espirito  Santo,  e  o  da  Rua  dos  Condes.  Como 
Pintor  tem  Mafra  os  dous  painéis  dos  Oratórios  do  Paço 
que  representão  S.  José,  e  Nossa  Senhora  do  Livramento. 
Nas  Aulas  hum  de  Santo  António.  Na  Sacristia  o  de 
S.  Francisco  recebendo  as  Chagas,  e  na  Portaria  Mór  o 
de  Santo  António  diante  de  Nossa  Senhora,  que  he  muito 
grande,  e  o  menos  bom  de  quantos  fez. 

Em  S.  Francisco  de  Paula  estão  nas  Capellas  o  de 
S.  José,  e  o  da  SS.  Trindade,  e  no  tecto  o  de  S.  Miguel, 
hum  dos  melhores,  e  mais  vigorosos  que  conhecemos  delle. 
Em  Santa  Isabel  tem  a  Senhora  da  Arrábida,  no  Refeitório 
de  S.  Bento  o  Castello  d'Emaúz,  e  nas  Necessidades  o 
Calvário,  e  a  SS.  Trindade.  São  também  seus  os  quadros 
da  Capella  Mór  das  Freiras  de  Carnide,  o  de  S.  Francisco 
recebendo  as  Chagas,  do  Menino  Deos,  o  da  Piedade  em 
S.  Vicente,  o  que  está  na  Igreja  do  Rato,  o  Neptuno  em 
hum  dos  tectos  da  casa  do  Provedor  dos  Armazães,  e  dous 
na  Cartuxa  &c. 

Forão  seus  discípulos,  Francisco  Xavier,  natural  de  Évora, 
que  vivia  em  1773,  e  de  quem  vimos  varias  copias  muito 
bem  feitas. 

D.  Michaela  Arcangela  Romaneti,  sua  filha,  boa  Minia- 
dora  que  nasceo  em  1740,  e  já  era  falecida  em  181 5. 


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João  Pedro  de  Oliveira,  seu  filho  que  vio  a  luz  em  Lisboa 
no  anno  de  1752,  fez  hum  quadro  do  Senhor  dos  Passos 
para  as  Religiosas  dos  .Cardaes :  hum  painel  grande  da 
Coroação  de  Nossa  Senhora  para  huma  Capella  interior 
das  Freiras  do  Sacramento,  e  outros. 

Ignacio  de  Oliveira  entrou  na  Irmandade  do  Santo  em 
16  de  Janeiro  de  171 8.  Em  1780  foi  eleito,  com  Francisco 
Vieira,  Director  da  Academia  do  nú  estabelecida  de  novo 
a  S.  José,  e  poz  alli  hum  acto.  Morreo  em  18  de  Janeiro 
de  1781.  Faz  menção  delle  o  nosso  Lobo  na  sua  Silva, 
dizendo  que  no  colorido  imitava  a  Vandeick.  Não  sabemos 
se  comparou  bem. 


Jeronymo  da  silva. 

Temos  deste  Artista  o  S.  Francisco  de  Sales  na  Igreja 
das  Necessidades,  o  painel  da  Capella  Mór  das  Commen- 
dadeiras  da  Encarnação  que  he  de  grande  maneira;  o 
grande  quadro,  e  as  virtudes  do  tecto  do  Menino  Deos ; 
os  da  Capella  Mór  da  Igreja  da  Pena,  os  que  estão  debaixo 
do  Coro  em  S.  Sebastião,  os  retratos  na  Portaria  de  S.  Vi- 
cente, e  os  da  Casa  do  Capitulo  na  Graça  que  são  de  Papas, 
Cardeaes,  Bispos,  e  Veneráveis  da  Ordem,  sendo  alguns 
de  André  Gonçalves.  Entrou  na  Irmandade  de  S.  Lucas 
em  18  de  Outubro  de  171 1,  e  sérvio  vários  lugares  na 
Meza  desde  1713  até  1732.  O  Lobo  louva-o  em  dous  versos 
dizendo  que  entre  muitos  figuristas  fora  hum  dos  melhores. 
Ouvimos  dizer  estudou  em  Roma. 


—  11  - 


Pedro  António  Quillard. 

Nasceo  em  Paris,  e  contava  apenas  12  annos  quando  fez 
huns  desenhos  tão  b.ellos,  que  o  Abbade  Fleury,  depois 
Cardeal,  os  apresentou  a  Luiz  i5  seu  discípulo,  o  qual  lhe 
concedeo  logo  huma  certa  pensão  para  o  animar.  Entre 
tanto  hum  tal  Merveilleux,  Medico  Suisso,  que  devia  passar 
a  Lisboa  para  escrever  a  Historia  Natural  destes  Reinos, 
e  era  seu  amigo,  o  induzio  a  acompanhallo  para  lhe  dese- 
nhar os  objectos  que  elle  havia  de  escrever.  Quillard  tinha 
talentos  superiores;  retratava  bem;  pintava  com  lindo  estilo 
as  festas  galantes  no  gosto  de  Wateau,  de  quem  parecia 
ser  discípulo,  e  era  também  forte  no  grande  género  como 
deixou  ver  nos  painéis  da  Cêa,  e  Lava-pés  que  pintou  para 
Mafra,  e  estão,  o  i.°  no  altar  do  Campo  Santo  e  o  2.°  na 
Portaria  mór;  nos  tectos  que  pintou  no  antigo  Palácio 
Real ;  nas  Fabulas  que  possuía  o  Marquez  de  Valença,  e 
em  outros  muitos  que  se  achavão  nas  collecçÕes  de  Mr. 
Mangié,  do  Marquez  de  Alegrete,  e  do  Conde  da  Ericeira. 
Na  casa  de  Cadaval  sempre  foi  famoso  o  retrato  do  Duque 
D.  Ja3'me  a  cavallo ;  como  também  se  celebravão  as  func- 
çóes  da  Luz,  e  da  Nazareth,  cujas  copias  pintadas  por 
Joaquim  Marques  possuio  Architecto  Manoel  Caetano  de 
Sousa. 

Logo  que  chegou  a  Lisboa  foi  acceito  para  Pintor  do 
Rei,  e  Desenhador  da  Real  Academia  da  Historia  com 
õoí&ooo  réis  mensaes,  mas  sendo  atacado  de  cólica,  morreo 
apressadamente  em  25  de  Novembro  de  lySS.  Gravou  a 
agua  forte  o  S.  Lucas  para  as  antigas  patentes  da  Irman- 


-  78  - 

dade  do  Santo,  huma  estampa  mui  laboriosa  da  marcha 
fúnebre  do  Duque  de  Cadaval,  e  outras  cousas. 

João  Ranc,  que  em  1724  fora  nomeado  Pintor  de  Fi- 
lippe  5.°  veio  por  este  tempo  a  Lisboa  a  fim  de  retratar  a 
Familia  Real.  Alguns  dos  seus  retratos  forão  abertos  a 
agua  forte  por  Gabriel  Franco  Luiz  Debrie,  Abridor  da 
Academia  Real,  em  lySg.  Elle  morreo  em  lySS,  de  61 
annos 


Pedro  Guariente. 

Tendo  onze  annos  de  idade  começou  a  estudar  a  Arte 
em  Verona,  três  annos  depois,  protegido  pelo  Marquez 
Albergatti  foi  a  Bolonha  aonde  frequentou  a  escola  de  José 
Maria  Crespi,  desejando  ser,  não  só  bom  Pintor,  mas 
também  bom  conhecedor  de  pinturas,  e  dos  seus  Authores) 
começou  a  comtemplar,  a  observar,  e  mesmo  a  copiar  as 
obras  dos  grandes  Mestres,  a  fim  de  imprimir  bem  na 
memoria  o  caracter  de  cada  hum. 

Em  1723  foi  feito  Académico  Clementino  em  Bolonha: 
viajou  depois  em  vários  Reinos  da  Europa,  e  esteve  também 
em  Portugal,  aonde  recolheo  memorias  de  alguns  Pintores 
nossos  com  que  ampleou  o  Abecedario  Pictorio  do  Padre 
Orlandi,  que  reimprimio  em  Veneza  em  1753  e  offereceo-o 
ao  Eleitor  de  Saxonia,  de  cuja  Regia  Galaria  era  Inspector. 
Elle  achava-se  em  Lisboa  pelos  annos  1730,  aonde  limpou, 
e  retocou  painéis  de  Igrejas,  e  os  das  Collecçóes  particulares; 
e  fez  a  descoberta  da  famosa  taboa  de  Rafael  representando 
£1  Sagrada  Familia,  que  se  acha  na  Collecção  de  Penalva. 


—  79  — 

Na  Casa  de  Tancos  ha  também  huma  attestaçao  sua  em 
que  affirma  a  originalidade  dos  célebres  painéis  do  Bassano 
e  de  outros  Authores.  Quando  se  retirou,  deixou  o  segredo 
da  sua  agua  de  limpeza  a  Caetano  Alberto  do  qual  passou 
a  seu  filho  Jacintho  de  Almeida,  que  limpou,  e  retocou 
quasi  todas  as  CollecçÕes  de  Lisboa,  e  também  a  de  Sua 
Magestade,  de  quem  obteve  em  premio  huma  pensão  vita- 
lícia. 


Francisco  Vieira  Lusitano. 

Eis-aqui  hum  Pintor  Portuguez,  que  pôde  competir  com 
muitos  dos  mais  egrégios  das  Nações  Estrangeiras.  Nasceo 
em  Lisboa  em  4  de  Outubro  de  1699,  e  apenas  tinha  pas- 
sado os  annos  da  puericia  quando  deo  signaes  de  que  viria 
a  ser  tão  extremoso  amante,  como  insigne  Pintor.  Parece, 
que  a  Natureza  infundio  nelle  ao  mesmo  tempo  estas  duas 
raridades  para  o  fazer  duas  vezes  famoso.  Como,  e  quando 
começou  amar  a  sua  D.  Ignez ;  como  se  recebeo  com  ella 
a  furto  dos  seus  parentes ;  como  estes  cheios  de  furor  a 
clausurarão  logo  no  Convento  de  Santa  Anna,  aonde  a 
obrigarão  a  professar,  inda  que  ella  protestasse,  que  era 
casada,  e  como  passados  annos  pôde  sahir  para  viver  com 
elle ;  são  cousas  que  não  só  por  mui  sabidas,  mas  por 
exactamente  contadas  no  Livro  do  Pintor  Insigne  nos  po- 
demos dispensar  de  repetir.  Diremos  com  tudo  alguma 
cousa  a  respeito  dos  seus  progressos  na  Arte. 

O  Marquez  de  Abrantes  tendo  visto  o  muito,  que  o  seu 
génio  estava  promettendo,  com  beneplácito  de  seus  pães  o 


conduzío  a  Roma  aonde  foi  como  Embaxador  Extraordi- 
nário de  D.  João  o  5.°  ao  Papa  Clemente  XI.  Alli  foi  dis- 
cípulo de  Lutti,  e  depois  de  Trevisani.  Esteve  7  annos,  e 
no  fim  delles  ganhou  hum  i.°  premio  da  Academia,  na 
I  .^  classe.  Quando  veio  mandou-lhe  El-Rei  fazer  hum  grande 
painel  do  Santíssimo  Sacramento  para  servir  na  Procissão 
do  Corpo  de  Deos,  e  outros  para  a  Patriarchal,  os  quaes 
não  acabou;  e  sem  se  despedir  partio  segunda  vez  para 
Roma  a  procurar  o  recurso,  que  lhe  não  valeo,  para  tirar 
a  mulher  do  Convento.  No  seu  primeiro  estylo,  menos 
acabado,  e  mais  pintoresco,  são  feitos  os  dous  painéis  que 
estão  em  S.  Roque  de  Santo  António  pregando  aos  peixes, 
e  prostado  diante  de  Nossa  Senhora.  Pedro  Alexandrino 
louvava  muito  a  distribuição  das  luzes  deste  quadro.  O 
corpo  nú  de  Lúcifer  he  huma  bellissima  Academia  pintada 
com  grande  franqueza,  e  intelligencia  de  Anatomia. 

Antes  de  fazer  a  segunda  viagem  tinha  elle  em  22  de 
Outubro  de  1719  entrado  na  Irmandade  de  S.  Lucas,  e 
vê-se  no  Livro  dos  assentos,  que  o  seu  nome  era  Francisco 
Vieira  de  Mattos.  No  anno  seguinte  sérvio  na  Meza.  Esteve 
mais  6  annos  em  Roma,  e  foi  feito  Académico  de  mérito 
na  Academia  de  S.  Lucas.  Voltou,  e  conseguio  a  suspirada 
posse  da  Esposa  que  sahio  da  Clausura  vestida  de  homem; 
mas  foi  gravemente  ferido  com  hum  tiro  de  pistola  pelo 
Irmão  delia.  O  agressor  sahio  do  Reino  soffreo  os  males 
da  pobreza,  e  veio  por  fim  a  mendigar  o  pão  daquelle  a 
quem  havia  tão  atrozmente  maltratado  (1).  Vieira  receoso 


(i)  Sabemos  este  facto  da  boca  do  mesmo  Vieira. 


■     —  8i  — 

de  algum  novo  insulto  retirou-sc  por  algum  tempo  para  o 
Convento  dos  Paulistas,  aonde  em  1780  e  3i,  pintou  os  fa- 
mosos Eremitas  para  o  Cruzeiro  da  sua  Igreja.  Para  viver 
tranquilo  resolveo  a  terceira  viagem  de  Roma,  e  chegou 
até  Sevilha  em  lySS.  Dali,  sendo  chamado,  tornou  a  esta 
Corte  como  Pintor  do  Rei  com  ordenado  de  60^  réis  cada 
mez,  e  as  obras  pagas.  Muitos  dos  seus  painéis  queimá- 
rão-se  pelo  terremoto;  mas  ainda  restão  o  Santo  Agostinho 
da  Portaria  da  Graça,  painel  famoso,  pintado  em  lySõ;  os 
bellissimos  quadros  de  Povolide  que  representão  Santo  Antó- 
nio, S.  Pedro,  S.  Paulo,  a  Familia  Sagrada,  e  Santa  Barbara, 
e  forão  executados  desde  lySb  até  1740.  A  celebre  Sacra  Fa- 
milia do  Conde  d'A^umar.  O  grande  painel  de  S.  Francisco 
despojado  dos  hábitos  seculares,  que  está  no  Menino  Deos; 
o  quadro  também  respeitável  da  Capella  Mór  da  Cartuxa. 
Em  S.  Francisco  de  Paula  tem  o  quadro  do  mesmo 
Santo  na  Capella  Mór;  e  nas  Capellas  menores  o  da  Se- 
nhora da  Conceição,  o  da  Sagrada  Familia,  e  o  de  Santo 
António,  que  forão  feitos  por  1765.  Em  Mafra,  na  Capella 
dos  sette  altares  está  outra  Familia  Sagrada  em  grande 
painel,  regeitado  pelas  intrigas  dos  seus  emulos.  Na  Casa 
de  Cadaval  havia  huma  réplica  desta  pintura.  Na  Ermida 
de  S.  Joaquim  ao  Calvário  ha  varias  pinturas  suas,  bri- 
lhando muito  a  da  Sagrada  Familia  que  está  sobre  o  Altar. 
O  Conde  de  Lipe  por  176Í  visitou  Vieira,  e  obteve  delle 
hum  Santo  António  que  levou  para  Alemanha.  Guilherme 
Hudson  também  conduzio  a  Inglaterra  o  celeberrimo  ori- 
ginal da  Adoração  dos  Reis.  Também  he  sua  a  Conceição 
que  está  na  Junta  do  Commercio.  Braz  Toscano  de  Mello, 
Escultor  empregado  em  Mafra  possuia  outro  Santo  António 
6 


—    82    — 

de  Vieira;  e  Pedro  Alexandrino  falia  em  hum  painel  do 
mesnio  Santo,  e  do  mesmo  Author  que  se  acha  na  Collecção 
de  Borba.  Entre  os  quadros  deste  Author,  que  devorou  o 
incêndio  de  1755  era  assas  famoso  o  do  tecto  dos  Mártires, 
pintado  em  1750  de  que  nos  restão  os  desenhos:  represen- 
tava a  tomada  de  Lisboa  aos  Mouros  por  D.  Afíonso  1.°, 
e  Guilherme  de  Longa  espada,  protegidos  por  Nossa  Se- 
nhora dos  Mártires.  Custou  i:ooo3í)  rs.  Pelos  gabinetes  dos 
Curiosos  ha  vários  esbocetos  seus.  Fez  hum  número  pro- 
digioso de  óptimos  desenhos,  dos  quaes  a  maior  parte 
delles  possue  a  Inglaterra,  aonde  os  Amadores  da  Arte  os 
pagavão  muito  bem,  e  muitos  forão  alli  estampados :  tam- 
bém abrio  elle  mesmo  alguns  a  agua  forte,  contandose 
entre  os  melhores  o  de  Neptuno  e  Goronis,  e  o  das  Parcas 
cortando  o  fio  vital  de  seu  Irmão.  Foi  igualmente  sábio  em 
Architectura  como  se  vê  em  muitas  das  suas  obras,  e  no 
desenho  que  fez  para  huma  fonte  de  Neptuno  entre  duas 
Casas  de  prazer  para  hum  jardim  de  Alexandre  de  Gusmão. 
Vimos  em  Roma  painéis  seus,  e  estampas  copiadas  pelas 
suas  invenções. 

Vieira  professou  na  Ordem  Militar  de  S.  Tiago  em  1744. 
Em  75  enviuvou,  e  deo  então  fim  á  sua  carreira  pinturesca. 
Deixando  Mafra,  onde  D.  Ignez  espirou,  veio  viver  para  o 
sitio  do  Beato  António,  cheio  de  mágoa,  e  saudades ;  dese- 
jando muito  sahir  desta  vida  para  ir  fazer  companhia  á  sua 
idolatrada  esposa.  Publicou  em  1780  o  seu  livro  do  Pintor 
Insigne,  e  leal  Amante,  assistio  a  hum  acto  da  Academia 
do  nú  a  S.  José,  e  três  annos  depois  acabou  õs  seus  dias, 
tendo  vivido  exemplarmente  soccorrendo  os  pobres,  e  fre- 
quentando com  muita  devoção  os  Santuários. 


—  83  — 

Vieira  teve  alguns  discípulos,  e  bastantes  imitadores. 
Estes  forilo  Joaquim  Manoel  da  Rocha,  o  qual  em  matéria 
de  composição  preferia  ao  mesmo  Rafael,  (parece  grande 
excesso),  António  Joaquim  Padrão,  Pedro  Mattheus,  e  ou- 
tros. 

Entre  os  seus  discípulos  podemos  contar  sua  Irmã  Catha- 
rina  Vieira,  e  o  Morgado  de  Setúbal. 

De  Catharina  Vieira  existem  dous  painéis  no  Oratório 
da  Casa  nobre  de  Moreira  Dias  na  rua  da  Fé,  hum  repre- 
sentando S.  Lucas,  outro  S.  João  Evangelista;  ambos  fir- 
mados por  ella.  Seu  Irmão  a  celebra  no  seu  livro  pag.  295. 
Ouvimos  dizer  a  Pintores  antigos,  que  ella,  e  D.  Anna  de 
Lorena  havião  pintado  parte  dos  quadros  para  a  Ermida 
de  S.  Joaquim,  cujas  invenções  são  quasi  todas  de  Vieira. 

Alguns  Pintores  o  ajudarão  por  vezes  a  pintar  os  seus 
painéis,  e  entre  outros  D.  André  Rubira  que  trouxe  comsigo 
de  Sevilha,  o  qual  o  ajudou  no  painel  da  Cartuxa,  e  fez  o 
S.  José,  e  o  transito  de  S.  Francisco  para  o  Menino  Deos. 


João  Pedro  Volkmar. 

Nasceo  em  Lisboa  pelos  annos  1712,  com  bastante  génio 
para  as  artes  de  imitação.  Seu  Pae,  que  tinha  o  mesmo 
nome,  era  Alemão,  filho  de  Paes  Lutheranos,  mas  inclina- 
va-se  muito  á  Religião  Romana,  e  tendo  visto  de  noite,  no 
seu  quarto,  hum  raio  de  luz,  e  huma  Imagem  que  se  lhe 
representou  ser  de  Nossa  Senhora,  deixou  a  casa  paterna, 
e  foi  viajar  para  se  fazer  Catholico.  Casou  em  Lisboa  onde 


-  84  - 

teve  bastantes  filhos,  e  huma  filha.  Como  amasse  muito  a 
Santa  Religião  que  abraçava,  desejava  que  os  seus  filhos 
se  dedicassem  á  Igreja,  e  fez  património  ao  mais  velho, 
que  morreo  antes  de  se  ordenar.  O  2."  João  Pedro  estava 
acceito  para  o  Convento  da  Graça;  mas  tendo  hido  á  Ba- 
talha assistir  á  entrada  do  3.°  filho,  Fr.  Francisco  da  Ex- 
pectação, que  vestio  o  habito  de  S.  Domingos,  tomou  em 
tanto  a  resolução  de  ficar  no  século,  e  de  se  applicar  á 
Pintura.  A  filha  Maria  Rosa  casou  cora  Manoel  Machado 
Ferreira,  que  pertencia  á  familia  dos  Machados,  honrados 
Lavradores  do  termo  de  Setúbal,  e  por  morte  de  seu  tio 
o  Padre  AíTonso  Machado  devia  herdar  bastante  fazenda; 
mas  o  Padre  sobrevivendo- lhe  muitos  annos,  porque  viveo 
hum  século,  teve  tempo  para  deixar  cahir  as  casas,  decepar 
as  vinhas,  e  arrazar  os  arvoredos. 

João  Pedro  como  gastasse  os  annos  da  adolescência  nos 
estudos  da  Filosofia,  quando  se  decidio  a  querer  estudar 
a  Arte,  era  já  hum  pouco  tarde.  Foi  a  Roma  á  custa  da 
sua  casa,  e  alli  frequentou  a  escola  do  famoso  Corrado. 
Tornando  á  Pátria  por  1740  pintou,  em  concurso  com  Be- 
rardo  Pereira  alguns  painéis  da  vida  de  João  Abbade  de 
Lorvão,  e  outros :  também  fez  varias  remessas  de  quadros 
para  o  Brazil.  Depois  do  terremoto  pintou  hum  número- 
incrível  de  pequenos  quadros  do  Santo  Borja,  que  as  gentes 
devotas  invocarão  contra  aquelle  terrível  flagello.  Seguio-se 
a  moda  dos  pannos  pintados  a  tempera  para  ornamento 
das  casas;  e  nisso,  e  em  painéis  de  cavalete  se  occupou  o 
resto  da  sua  vida,  que  durou  até  o  dia  8  de  Março  de  1782. 
As  Obras  publicas  que  restão  delle  são  »Em  S.  Miguel 
d'Alfama  o  Senhor  curando  os  hydropicos.  A  SS.  Trindade 


—  85  — 

coroando  Nossa  Senhora  no  Coro  dos  Padres  Trinos.  Hum 
Calvário  no  Oratório  junto  ao  Chafariz  da  Rua  Formosa. 
Vários  Eremitas  pintados  a  fresco  eni  casa  de  D.  José 
Lobo  á  Boa  vista,  e  poucas  outras. 

Teve  por  discipulo  i."  seu  irmão  Henrique  Pedro  de 
quem  era  tutor.  2."  Simão  dos  Santos  que  se  occupou  em 
cousas  de  ornamentos,  e  morreo  moço:  3.°  Cyrillo  Volkmar 
Machado,  seu  sobrinho,  filho  de  sua  irmã. 

Henrique  Pedro  Voli^mar  tendo  desavenças  com  seu 
irmão,  e  mestre,  retalhou  huma  dúzia  de  painéis  que  esta- 
vão  promptos  a  embarcar,  e  ausentou-se,  viajou  pela  Hes- 
panha;  e  tornando  adiantado,  mas  pobre  e  doente  pelos 
annos  1769,  foi  morrer  a  sua  casa,  sendo  ainda  muito 
moço. 


Peregrino  Parodi. 

Filho  de  Domingos  Parodi,  excellente  Pintor  Genovez, 
que  fez  os  dous  painéis  da  Circumcisão,  e  Desposorios 
para  a  Capella  Mór  dos  Barbadinhos  Italianos  em  Lisboa. 
Nasceo  em  Génova;  frequentou  as  aulas  dos  Jesuítas  nos 
seus  primeiros  annos,  e  depois  os  estudos  da  Pintura  na 
Escola  de  seu  Pae.  Fez  retratos  com  muita  semelhança,  e 
concorrião  Senhores  de  ambos  os  sexos,  tanto  naturaes  do 
paiz,  como  estrangeiros,  e  pedir-lhe  para  que  elle  os  retra- 
tasse. Em  1741  retratou  o  Doge  Nicoláo  Spinola,  cuja  pin- 
tura foi  gravada  em  Florença  pelo  Gregori.  Passou  depois 
a  Lisboa  aonde  fez  hum  número  prodigioso  de  retratos, 
§  adquirio  sommas  avultadíssimas,  que  despendia  logo  com 


—  86  — 

jogo,  boa  meza,  e  cocheira,  sem  reservar  nada  para  o  dia 
seguinte :  de  modo,  que  chegando  a  ser  bastante  velho,  e 
invahdo,  morreo  muito  pobre,  mas  bem  tratado  na  enfer- 
maria dos  Creados  de  ElRei,  pelos  annos  1785. 

Além  dos  retratos,  fez  também  o  painel  da  Cêa  que  está 
em  Santa  Isabel.  Como  tinha  muito  que  fazer,  occupou  em 
qualidade  de  Ajudantes  alguns  Pintores,  e  forão  Roque 
Vicente,  o  Rocha,  o  Bruno,  e  Cyrillo  muito  nos  seus  prin- 
cípios. Era  Poeta,  e  muito  jovial.  Mandando-lhe  huma  dama 
pedir  setim  azul  ferrete  para  hum  vestido,  respondeo-lhe 
«Menina,  setim  asul  ferrete  não  ha;  veja  se  o  quer  mais 
claro  ? 


Francisco  Pinto  Pereira. 

Foi  hum  Retratista  tão  acreditado  no  seu  tempo,  que 
pôde  sustentar  hum  estado  opulento.  O  Lobo  o  elogia 
neste  ramo  da  Arte  dizendo  ))0  Pinto  alto  voou  por  seus 
disvelos:  retratos  muitos  fez,  e  muito  bellos.»  Os  seus 
painéis  de  Historia  são  poucos,  e  máos.  O  seu  forte,  diz 
Pedro  Alexandrino,  era  pôr  grandes  massas  escuras  muito 
ao  pê  dos  realces,  sem  a  suavidade  das  meias  tintas.  Esta- 
vão  alguns  delles  na  Igreja  do  Senhor  do  Bom  fim  em 
Setúbal.  Também  se  seu  o  de  Jesus  Maria  José  na  Fre- 
guezia  do  Coração  de  Jesus.  O  melhor  he  de  Santo  António 
na  Igreja  das  Necessidades,  e  tanto  que  não  parece  da 
mesma  mão.  Entrou  na  Irmandade  de  S.  Lucas  em  1720, 
e  sérvio  na  Meza  quasi  todos  os  annos,  até  o  de  53,  sendo 
Juiz  em  33,  34,  e  35,  e  morreo  em  27  de  Outubro  de  1752. 


—  87    - 

Florão  seus  discípulos  Miguel  António  do  Amaral,  e  Domin- 
gos da  Rosa. 

Miguel  António  era  natural  de  Castello  branco.  Fez  em 
Lisboa  quantidade  de  retratos,  que  lhe  derao  para  se  tratar 
com  hum  certo  fausto :  os  mais  notáveis  forao  os  da  Família 
Real,  encommendados  por  hum  Agente  da  Imperatriz  da 
Rússia,  de  quem  foi  liberalmente  recompensado.  Fez  tam- 
bém painéis  de  Historia :  os  da  vida  de  S.  Francisco,  que 
estiverão  sobre  as  Capellas  da  Igreja  de  Xabregas,  feitos 
por  desenhos  de  Vieira,  apodrecerão  com  a  humidade,  e 
estão  alli  outros.  No  Carmo  tem  o  Santo  António  feito 
pela  estampa  de  Marata :  são  seus  alguns  meios  corpos 
nas  Sacristias  da  Trindade,  e  das  Commendadeiras  da 
Encarnação.  Pedro  Alexandrino  falia  em  outros  quatro  que 
estão  no  Cruzeiro  de  Belém,  e  vem  a  ser  o  Maná;  os 
Triunfos  de  Nossa  Senhora,  e  o  do  Santíssimo  Sacramento, 
e  outros.  Entrou  na  Irmandade  em  28  de  Abril  de  1734: 
morreo  em  1780  tendo  quasi  70  annos.  Foi  mestre  de  Jero- 
nymo  de  Barros,  e  de  Manoel  de  Matos.  O  Lobo  o  com- 
para com  Aparicio,  e  não  sabe  y>qiial  tem  nas  coínpetencias 
a  victoria.y> 


O  Abbade  Apparicio. 

Francisco  José  Apparicio,  era  natural  de  Villa-Franca. 
Estudou  em  Paris  aonde  frequentou  a  escola  de  Mr.  Urry, 
e  copiou  também  algumas  obras  de  Jacintho  Rigaud,  porque 
se  inclinou  para  o  género  de  retratos.  He  seu  o  do  Senhor 
D.  José  que  está  na  Casa  dos  Reis  em  Belém,  inda  que 


—  88  — 

retocado  por  André  Gonçalves,  e  tem  alguma  cousa  do 
estylo  do  seu  modelo.  O  Painel  da  Sagrada  Familia,  copia 
de  Rafael  que  está  na  Igreja  das  Necessidades  he  também 
dos  seus  pincéis.  Costumou-se  em  França  a  trajar  a  TAbbé, 
trajo  de  que  usou  sempre.  Morreo  de  8o  ou  mais  annos  no 
de  1787.  Usava  da  Arte  mais  como  curioso  grave,  que 
como  Professor. 


Domingos  da  Rosa. 

Teve  a  honra  de  ser  Mestre  de  Desenho,  e  Pintura  de 
SS.  AA.,  e  de  retratar  muitas  vezes  as  Pessoas  Reaes  para 
ficarem  aqui  os  Retratos,  e  para  hirem  para  Hespanha. 
Pintou  também  alguns  painéis  de  Historia,  como  o  de 
S.  Miguel  e  Almas  para  Santa  Isabel,  e  o  de  Nossa  Se- 
nhora para  a  Capella  do  Sacramento  no  Carmo. 

Fr.  Martinho  da  Costa,  Monge  de  S.  Bernardo,  da  Fa- 
milia dos  Amieiros  Mores,  tradruzio  do  Latim,  por  elle  lho 
pedir,  o  Poema  de  Fresno}^  sobre  a  Pintura,  e  mandou-lhe 
a  traducção,  com  huma  carta,  em  que  lhe  diz,  que  olhando 
para  as  suas  admiráveis  producçÕes,  e  egrégios  quadros, 
cuja  poesia  deixa  nelles  de  ser  muda,  lhe  parece  supérflua 
a  efficacia  com  que  havia  solicitado  aquella  traducção.  Que 
se  os  Heróes  da  Pintura  de  quem  falia  o  Author  resur- 
gissem,  e  viessem  observar  os  seus  excellentes  painéis,  se 
admirarião  de  vêr  reunidos  em  hum  só  Artista  todos  os 
raros  dotes  que  elles  possuirão  divididos ;  de  modo  tal,  que 
sem  lhe  ser  preciso  como  fora  aos  mais  soífrer  a  morte 
para  ter  applausos,  já  em  vida  merece  que  seja  gravado, 
e  esculpido  s-eu  nome  em  letras  de  bronze  &c. 


-  89  - 

Teve  a  Mercê  do  Habito  de  Christo,  que  não  chegou  a  pro- 
fessar. Entrou  na  Irmandade  de  S.  Lucas  em  22  de  Abril  de 
1754,  e  falleceo  em  Lisboa  em  1796  com  67  annos  de  idade. 

José  da  Rosa,  seu  filho  e  discípulo  succedeo-lhe  nos 
empregos  que  tinha  no  Paço ;  tendo  a  honra  não  só  de 
preparar  as  palhetas  para  SS.  AA.,  mas  também  de  exe- 
cutar aquellas  cousas  de  maior  fadiga,  que  as  mesmas 
Augustas  Senhoras  lhe  determinavão. 


José'  da  Costa  Negreiros. 

Foi  discípulo  de  André  Gonçalves,  cujo  estylo  seguia 
com  mais  sisudeza,  mas  com  menos  agrado.  O  Lobo  diz 
delle  »qne  não  era  aífectado,  e  que  entre  o  sisudo,  e  o 
pezado  seguia  sempre  o  meio  termo.»  Pintou  o  painel  da 
Conceição  para  o  Erário  Régio,  outro  para  o  Senado  da 
Camera,  hum  terceiro  para  os  Armazães  da  Fundição,  e 
huma  Santa  Anna  para  o  Oratório  da  mesma  Casa.  O 
S.  Roque  para  a  Capella  da  Ribeira  das  Náos ;  e  o  Tran- 
sito de  Santa  Thereza  para  as  Carmelitas  de  Carnide.  He 
também  sua  a  Senhora  da  Piedade  que  está  em  huma  das 
Capellas  da  Sé  por  de  traz  do  Coro,  e  outra  que  está,  diz 
Pedro  Alexandrino,  na  Ermida  do  Resgate,  e  a  Imagem 
do  Santo  Christo  que  está  na  Casa  do  Despacho  do  Menino 
Deos.  (i)  Fez  alguns  tectos  em  Loires  na  Quinta  do  Correio 
Mór,  o  da  Casa  do  Capitulo  em  S.  Domingos  de  Bemfica, 


(i)  O  Publico   tem  dado  vários  Authores   a  este  famoso  painel; 
mas  consta-nos  que  he  do  Negreiros. 


—  90  — 

cuja  Architectura  he  de  Lourenço  da  Cunha:  os  painéis  em 
hum  coche  rico  para  os  Senhores  de  Palhavã,  e  outros ;  e 
faria  mais  senão  se  distrahisse  tanto  com  o  divertimento 
da  caça,  e  tivesse  vivido  mais  tempo.  Entrou  na  Irmandade 
de  S.  Lucas  em  24  de  Outubro  de  1745,  e  sendo  solteiro 
faleceo  em  1759,  de  4S  annos  de  idade.  Forao  seus  disci- 
pulos  Bruno  José  do  Valle,  Simão  Baptista,  que  se  applicou 
depois  aos  ornatos,  e  refrescou  o  tecto  da  Capella  Mór  dos 
Paulistas,  obra  do  Pimenta. 

Este  homem  hábil  era  descendente  de  huma  antiga  e 
illustre  familia,  da  qual  sahirao  outros  Artistas  benemé- 
ritos, de  quem  adiante  faremos  menção. 


Roque  Vicente. 

Foi  discípulo  de  Joaquim  Manoel  da  Rocha  nà  escola  de 
Domingos  Nunes.  Vimos  em  casa  de  Parodi  alguns  retratos 
copiados  por  elle,  e  entre  outros  os  do  Marquez,  e  Mar- 
queza  de  Pombal,  que  tinhão  bello  estado  de  cores,  e  suavi- 
dade de  pincel.  Existem  três  painéis  seus  na  Igreja  de  Santa 
Isabel,  feitos  pelos  annos  de  1764,  e  são  o  de  Jesus  Maria 
José,  o  de  Santa  Anna,  e  o  de  Santo  António.  Nos  dous' 
últimos  ha  humas  figuras  de  Pedro  Alexandrino,  que  tam- 
bém se  distinguem. 

António  Joaquim  Padrão. 

Pintou  o  S.  José  que  está  no  Mosteiro  dos  Bentos,  á 
Estrella ;   Nossa   Senhora   do  Carmo  para  a  Capella  do 


—  91   — 

Arcebispo  dAdrianopoli;  o  painel  chamado  da  competência 
porque  o  fez  n'hiima  espécie  de  concurso  com  o  Rocha : 
he  a  Annunciação  Nossa  Senhora  feita  pela  estampa  do 
Baroccio,  e  bem  se  vê. que  poz  alli  todo  o  seu  saber,  con- 
seguindo talvez  igualar  o  seu  modelo,  no  colorido,  graça, 
suavidade,  e  expressão.  Este  quadro  está  na  Galeria  de 
Borba.  Também  soube  pintar  com  magistério  paizes,  e 
retratos,  e  faz-lhe  muita  honra  o  de  D.  Fr.  Manoel  do 
Cenáculo  Arcebispo  de  Évora,  que  está  em  Jesus.  Na 
Sacristia  da  Ermida  da  Piedade,  á  Boa-Morte,  está  outra 
pintura  sua  feita  para  a  bandeira  do  Terço,  e  foi  huma 
das  ultimas  cousas  que  fez;  assim  como  o  Menino  Jesus 
representado  na  idade  adolescente  para  o  P.  António  Luiz, 
bem  conhecido  pelo  zelo,  e  caridade  com  que  educava  os 
órfãos ;  o  qual  passou  para  a  coUecção  do  Marquez  d'Angeja. 
Fez  os  esbocetos,  que  forão  para  França  para  por  elles  se 
executar  o  grande  retrato  do  Marquez  de  Pombal  expul- 
sando os  Jesuítas.  Abrio  muito  bem  a  agua  forte.  Morreo 
moço,  e  tisico  pelos  annos  1760.   . 

O  Lobo  o  elogia  muito  e  diz,  que  era  melancólico,  e 
estudioso ;  que  não  poupava  deligencia  alguma  para  se 
aperfeiçoar,  e  que  sabia  abrir  os  Livros  com  gosto  raro. 
Foi  mestre  de  João  Silvério  Carpineti,  e  de  José  Caetano 
Syriaco. 

João  Silvério  Carpineti,  que  também  estudou  com  Vieira, 
foi  bom  desenhador,  e  gravou  a  agua  forte  os  retratos  das 
Pessoas  Reaes,  do  Marquez  de  Pombal,  e  outras  cousas. 
Desenhou  toda  a  Marinha  de  Belém,  e  o  embarque  dos 
Jesuítas  para  servirem  de  modelo  á  que  se  gravou  em 
França,  por  ordem  de  Gerardo  de  Visme  na  famosa  es- 


—  92  — 

tampa  do  Marquez  de  Pombal,  bem  conhecida  dos  curiosos. 
Teve  amisade  com  Gildemeestre  Cônsul  de  Hollanda,  e 
com  o  sen  crédito  entrou  em  especulações  mercantis,  em 
que  não  foi  sempre  afortunado. 

José  Caetano  Syriaco  pintou  no  seu  principio  ornatos, 
paisagens,  e  quadraturas  nos  Theatros  Régios ;  tempos  em 
que  Pedro  Alexandrino  pintava  alli  as  figuras;  e  como 
alcançou  a  moda  dos  pannos  pintados  para  adorno  das 
casas  fez  grande  número  deiles  com  boa  acceitaçao;  pin- 
tando também  nos  Theatros  da  Corte  figuras,  e  paizes. 
A  óleo  pintou  o  painel  da  Capella  Mór  das  Freiras  dos 
Cardaes;  os  da  Ermida  de  D.  Christovao  a  Arroios,  o 
de  Santa  Gertrudes  em  S.  Bento  da  Estrella,  o  do  Terreiro, 
e  alguns  mais.  Inda  que  não  fosse  rico,  era  assas  maltra- 
tado pela  gota,  e  morreo  da  idade  de  6o  annos  por  1800 
pelos  fins  do  século. 


Joaquim  Manoel  da  Rocha. 

Nasceo  em  Lisboa,  e  foi  discipulo  de  André  Gonçalves, 
e  de  Domingos  Nunes :  era  também  admirador  enthusiasta, 
e  imitador  de  Vieira. 

Domingos  Nunes  foi  hum  dos  que  El-Rei  D.  João  o  5." 
mandou  a  Roma,  e  quando  veio  fez  hum  painel  que  se 
queimou  pelo  terremoto,  e  alguns  lindos  esbocetos  para 
outras  obras ;  depois  por  falta  de  vista  não  pôde  pintar 
mais. 

O  Rocha  teve  no  principio  colorido  agradável,  depois 
usou  muito  de  preto  de  marfim  a  que  chamava  preto  santo. 


—  93  - 

e  da  terra  rossa,  que  dá  na  côr  de  tijolo.  Copiou  quantos 
desenhos  pôde  de  Vieira;  e  copiava-os  também  que  se 
equivocavão  muito  com  os  originaes.  Pelos  annos  1760 
pintou  o  panno  da  embocadura  para  o  Theatro  do  Bairro 
alto,  aonde  representou  Apollo  ^om  as  Musas,  e  hum 
bellissimo  Tejo.  Gustou-lhe  muito  a  manejar  as  tintas,  e 
não  quiz  pintar  mais  nada  a  tempera.  Como  não  fazia 
pannos  para  ornar  casas,  e  não  queria  ir  pintar  em  tectos, 
nem  em  lugar  algum  fora  da  sua  casa,  achava-se  ás  vezes 
sem  encommendas,  e  nesses  intervalos  pintava  fogos,  bú- 
zios, conxas,  e  outros  objectos  da  natureza  morta,  tudo 
com  a  maior  verdade,  óptima  composição,  e  toque  magistral. 
Também  gravou  mui  pintorescamente  a  agua  forte.  O  seu 
costume  era  pintar  de  manha,  e  passear  de  tarde,  até  que 
sendo  admittido  como  Lente  na  Aula  Regia  do  Desenho, 
que  então  se  estabeleceo,  dahi  por  diante  empregou  as 
tardes  nas  lições  da  sua  escola.  Fez  'bastantes  quadros 
para  Igrejas,  e  são  »o  da  Sagrada  P^amilia  para  o  Carmo; 
os  da  Ultima  Cêa  na  Conceição  dos  Freires,  e  no  Loreto, 
os  da  Senhora  da  Conceição  em  Santa  Isabel,  na  Sacristia 
dos  Paulistas,  e  nas  Sete  Casas.  O  da  Ermida  do  Morgado 
da  Alagoa,  o  S.  Paulo  Eremita  na  Portaria  dos  Paulistas. 
Annunciação  do  Baroccio,  e  hum  Apostolado  na  Ermida 
de  Feliciano  Velho.  Para  os  Oratórios  dos  Jooens  hum 
Jordão,  e  a  Senhora  do  Rosário.  Estes  commerciantes  ins- 
peccionarão as  obras  da  Igreja  de  S.  Paulo,  para  onde  fez 
o  Rocha  o  famoso  painel  de  S.  Pedro  e  S.  Paulo.  Os  4 
Arcanjos  para  a  Capella  do  Senhor  da  Paciência  na  Con- 
valecença.  Hum  S.  Jorge  para  Paulo  Jorge,  hum  que  está 
na  Capella  Mór,  e  dous  na  Sacristia  de  S.  Pedro  d'Alcan- 


—  94  — 

tara.  Sete  painéis  também  de  Igreja  para  a  Ilha  Terceira. 
O  de  S.  João  Evangelista  na  Capella  Mór  do  Beato  António, 
e  dous  em  huma  das  outras  Capellas;  e  outros  mais. 

Também  fez  retratos :  o  seu,  o  de  sua  Mãe,  o  de  Fran- 
cisco Vieira  Lusitano,  como  a  cabeça  de  hum  Monge,  e  a 
Senhora  de  Trevisani,  todos  pintados  por  elle,  estão  na 
CoUecção  de  Borba.  No  ante-côro  de  Jesus  está  o  de  Mayne, 
e  outros  5  seus  successores,  e  Bispos.  Em  1780  concorreo 
para  a  Academia  do  nú  a  S.  José;  e  depois  também  ajudou 
3.  dirigir  a  da  rua  dos  Camillos.  Entrou  na  Irmandade  de 
S.  Lucas  em  22  de  Outubro  de  1752,  e  morreo  em  28  de 
.Setembro  de  1786.  Pedro  Alexandrino  diz  que  desenhava 
bem,  mas  que  em  os  seus  nus  usava  muito  das  linhas 
rectas,  ou  quasi  rectas ;  cousa  que  conduz  ao  estylo  magro. 
O  Lobo  o  louva  muito,  e  diz  mais,  que  era  sisudo  na  cor, 
e  forte  no  claro-escuro.  (i)  Forão  seus  discípulos  Bernar- 
dino da  Costa  Lemos,  natural  de  Porto  de  Mós,  o  qual 
copiou  painéis  de  cousas  naturaes  que  estão  na  Col.lecção 
de  Mayne  em  Jesus,  tendo  cada  hum  delles  duas  pequenas 
mós,  que  lhe  servem  como  de  firma,  ou  divisa.  Fez  também 
a  Conceição  para  a  Igreja  de  Santo  André,  os  Reis,  e  o 
Nascimento  para  debaixo  do  Goro  de  Jesus.  Descontente  da 
fortuna  foi  para  a  sua  pátria  servir  hum  officio  de  Escrivão. - 


(i)  O  Rocha  sendo  aliás  hum  homem  de  grande  probidade,  teve  a 
fraqueza,  induzido  pelo  seu  amigo  João  Rosado  Villalobos,  Professor 
de  Rhctorica,  de  satirizar  os  painéis,  e  a  conducta  de  Batoni  que  não 
o  merecia,  e  de  lhe  enviar  a  sátira  traduzida  em  Italiano.  Só  porque 
Pompêo  Batoni  foi  incumbido  de  fazer  os  painéis  para  a  Basílica  Real 
-do  Coração  de  Jesus.  Obra  que  elle  tinha  requerido  para  si. 


-  95  - 

Joaquim  Leonardo  da  Rocha,  seu  primeiro  filho  nasceo 
em  Lisboa  em  lySG,  e  alem  dos  progressos  que  fez  na 
Pintura,  e  na  Gravura  d'agua  forte,  tocava  cravo,  e  era 
muito  bem  acceito  em  casa  d'Alorna,  Pelos  annos  1780 
foi  para  a  China  com  D.  Fr.  Alexandre  de  Gouvêa  Bispo 
de  Pekin.  Alli  soube  que  se  entrasse  no  Império  não  tor- 
naria a  sahir,  e  não  quiz  entrar.  Depois  que  veio  casou,  e 
teve  hum  partido  do  Marquez  d'Alorna,  a  titulo  de  seu 
Pintor.  Pelos  annos  1808  passou  á  Ilha  da  Madeira,  aonde 
dirigia  huma  Aula  de  Desenho,  e  para  uso  dos  seus  Esco- 
lares publicou  y)Medidas  geraes  do  Corpo  humano  para 
uso  da  Real  Academia  de  Desenho,  e  Pintura  da  Ilha  da 
Madeira  em  181  o.»  Dedicadas  ao  Governador  Pedro  Fa- 
gundes Bacellar. 

João  Franco  Rocha  seu  segundo  filho,  nasceo  em  1760. 
Aproveitou  menos,  e  foi  mui  pouco  feliz :  faleceo  bastante 
pobre  pelos  annos  1816.  Teve  outro  discipulo  José  Jacintho 
que  foi  Cónego  em  Évora. 


Pedro  Alexandrino  de  Carvalho. 

Teve,  como  André  Gonçalves  o  talento  de  saber  agradar 
ao  Público,  de  sorte  que  não  só  tinha  as  encommendas  de 
quasi  todos  os  painéis  de  Igreja,  que  se  fazião  de  novo ; 
mas  tiravão-se  muitos  mais  antigos  dos  seus  lugares  para 
se  collocarem  os  delle.  Nasceo  em  Lisboa  em  1730,  e 
começou  a  estudar  a  Arte  com  João  de  Mesquita,  Pintor 
de  ornatos.   Passou  depois   á  Escola  de  Berardo  Pereira 


-  96  - 

Pegado,  que  sem  ser  bom  Pintor  gosava  d'huma  certa 
reputação  em  virtude  da  qual  fez  os  painéis  do  Santo  Es- 
tevão d'Alfama,  e  outros.  Teve  alli  por  condiscipulo  o 
Sobrinho  de  seu  Mestre  Manoel  Pereira  Pegado,  que  dese- 
nhava bem,  e  chegou  a  fazer  boas  cópias. 

Pedro  Alexandrino  teve  grandes  desejos  de  ir  a  Roma, 
mas  não  o  conseguio :  sendo  porem  visinho,  e  amigo  de 
André  Gonçalves  podemos  dizer  que  deveo  a  elle,  e  ao 
seu  natural  engenho  os  progressos  que  fez.  Pintou  com 
admirável  facilidade  a  óleo,  a  tempera,  a  fresco;  em  grande, 
e  em  pequeno,  por  estampas,  pelo  natural,  e  de  prática. 
Fez  muitos  painéis  em  carruagens  ricas,  com  Génios,  Deoses, 
e  Deosas  da  Fabula,  verdadeiramente  encantadores;  e  huma 
delias  foi  mandada  de  presente  ao  Rei  de  Marrocos.  Pintou 
com  igual  graça  a  tempera,  pannos  de  ornar  casas,  e  esta- 
tuas, e  quadros  nos  Theatros.  Até  hum  certo  tempo  julga- 
va-se  que  os  seus  talentos  erao  limitados  a  objectos  de 
galantaria;  e  para  os  painéis  grandes  lhes  preferião  Ignacio 
de  Oliveira,  o  Negreiros,  o  Roque,  o  Rocha,  e  o  Bruno; 
mas  quando  por  1778  fez  o  grandíssimo  quadro  do  Salvador 
do  Mundo,  para  a  Sé,  tudo  o  mais  ficou  de  parte. 

Ainda  que  conhecesse  o  grande  crédito  que  tinha,  fazia 
todos  os  esforços  para  agradar,  hindo  a  tectos,  e  a  toda  a. 
parte  aonde  achava  que  fazer,  e  não  rejeitava  cousa  alguma 
por  barata  que  fosse ;  seguindo  nesta  parte  o  systema  de 
Bento  Coelho.  Nós  o  vimos  começar  hum  grandíssimo 
quadro  no  tecto  de  huma  Igreja,  pela  pequena  cabecinha 
de  hum  Serafim,  e  proseguilo  até  o  fim,  sem  precisar  tornar 
atrás  para  correcção,  affinação,  ou  accordo ;  cousa  verda- 
deiramente rara;  mas  que  foi  causa  de  que  o  seu  colorido 


—  97  — 

muitas  vezes  desmaiasse  com  o  tempo  por  pouco  em- 
pastado. 

Iriamos  muito,  e  muito  longe  se  quizessemos  indicar 
todos  os  quadros  que  fez,  e  só  observaremos  que  assim 
como  não  ha  Igreja  antiga  aonde  senão  ache  alguma  cousa 
de  Bento  Coelho,  assim  não  ha  Templo,  ou  Convento 
moderno  aonde  senão  encontrem  muitas  cousas  de  Pedro 
Alexandrino.  Por  divertimento,  para  adorno  da  sua  casa, 
pintou  alguns  lindissimo*s  e  preciosos  quadros  de  flores,  e 
fructos.  Foi  hum  dos  Directores  da  Academia  do  nú  na 
rua  dos  Camillos.  Os  seus  discipulos  são  José  António 
Parodi,  seu  cunhado.  Vasco  José  Vieira,  e  hum  certo  Theo- 
doro,  que  se  applicou  ás  miniaturas,  e  morreo  moço.  Joa- 
quim José  de  S.  Payo,  ajudou  a  pintar  varias  cousas 
dirigidas  por  seu  Mestre :  inclinou-se  para  o  concerto  de 
painéis,  e  tem  retocado  muitos. 

He  Mestre  de  seu  filho  José  Ignacio  de  S.  Payo,  o  qual 
se  applica  ao  género  histórico,  e  ao  dos  retratos,  como  se 
applicou  seu  Avô  Miguel  António.  Henrique  José  da  Silva 
nasceu  também  em  Lisboa  em  1772.  Estudou  o  desenho 
'na  Aula  Regia  por  5  annos  depois  com  o  Rocha,  e  três 
com  Eleuterio  Manoel  de  Barros,  que  lhe  succedeo,  em 
1790  passou  para  a  escola  de  Pedro  Alexandrino,  que  fre- 
quentou por  alguns  annos.  Tem  pintado  muito  nos  Theatros, 
e  feito  tectos,  e  paredes  a  fresco  com  figuras,  e  ornatos. 
Tem  igualmente  executado  não  só  quadros  de  cavalete  a 
óleo,  mas  também  alguns  para  Oratórios,  e  para  Igrejas, 
imitando  em  todos  o  agradável  estylo  de  seu  Mestre.  Tam- 
bém tem  feito  retratos,  &c.  Em  1819  passou  ao  Rio  de 
Janeiro.  Felisberto  António  Botelho. 

7 


-98  - 

Pedro  Alexandrino  pintou  até  aos  últimos  dias  da  sua 
vida,  que  se  terminou  em  27  de  Janeiro  de  1810  com  80 
annos  de  idade.  Jaz  na  Igreja  de  S.  José  sem  epitáfio, 
segundo  o  uso  do  paiz.  O  seu  retrato,  pintado  por  elle 
mesmo  pelos  annos  1776  existe  na  collecçao  de  Borba. 


Bruno  Jose'  do  Valle. 

Teve  grande  génio  para  a  Pintura,  mas  pouca  vontade 
de  se  applicar  a  ella,  e  vindo  a  ser  sócio  de  João  Gomes 
Varella  na  Empreza  do  Theatro  do  Bairro  Alto,  pelo  que 
tocou  em  dote  a  sua  mulher,  pôz  de  parte  os  pincéis,  e 
não  tornou  a  usar  delles  senão  quando  a  urgência  o  obrigou 
a  isso.  Gompetio  com  Pedro  Alexandrino,  e  até  aos  annos 
1762  davão-lhe  a  perferencia,  porque  no  tecto  da  escada 
da  Fundição,  o  Pedro,  e  o  Berardo  fizerão  nos  lados  as 
4  partes  do  Mundo,  e  elle  fez  o  grande  quadro  do  meio. 
Gontinuou  depois  com  a  casa  das  pistolas,  aonde  colorio 
outros  painéis  allegoricos.  Para  Santa  Isabel  pintou  S.  Se- 
bastião, copia  em  parte  da  estampa  do  Dominichino.  A 
figura  do  Santo  tirada  pelo  natural  não  foi  muito  feliz, 
faltando-lhe  aquella  elegância,  e  fidalguia,  que  se  costuma 
dar  a  este  Santo.  He  também  seu  o  quadro  da  Gapella 
Mór  da  Trindade,  o  da  Sagrada  Familia  na  Sacristia  de 
Santo  António  da  Sé,  e  os  da  Piedade,  e  S.  Miguel  na 
Gonceição  dos  Freires.  Ao  Duque  de  Gadaval  de  quem  era 
Gompadre  pintou  grandemente  duas  riquíssimas  carrua- 
gens. Imitava  seu  Mestre  José  da  Gosta  Negreiros,  mas 


i 


—  99  — 

tinha  mais  fogo,  mais  força,  e  menos  suavidade.  Teve 
génio  mui  superior  para  os  retratos,  e  na  Fundição  por 
divertimento  retratou  António  Caetano,  e  José  Carvalho, 
ambos  Pintores  bons,  o  i.°  de  ornatos,  e  o  2.°  de  flores,  e 
fez  duas  cabeças  de  grande  Mestre  com  todo  o  requisito 
de  bem  parecidas,  sem  a  timidez  ordinária  em  obras  desta 
natureza.  Faleceo  em  Lisboa  sua  pátria  pelos  annos  1780 
andando  por  meia  idade.  Teve  por  discípulos  Manoel  An- 
tónio; e  seus  Irmãos  António  José  do  Valle,  e  Anastácio 
José  do  Valle,  e  Francisco  de  Setúbal. 


Francisco  dk  Setúbal. 

Era  natural  de  Valença  do  Minho.  Desejava  muito  passar 
por  doudo,  e  não  conhecia  que  o  era:  o  seu  nome  era 
Francisco  José,  a  que  elle  acrescentava  ás  vezes  o  apelido 
de  Rocha,  e  ás  vezes  de  Máo  génio.  O  de  Setúbal  foi-lhe 
dado  pelo  vulgo,  porque  vivera  alguns  annos  naquella  Villa 
para  onde  foi  por  1767.  A  natureza  lhe  tinha  dado  bastante 
talento  material,  junto  com  hum  génio  dos  mais  extrava- 
gantes. Não  reconhecia  por  amigos  senão  aquelles  que  o 
elevavão  a  par  de  Rafael,  ou  mais  acima,  e  precipitavão 
todos  os  outros  nos  abismos  da  ignorância.  Recebia  hoje 
a  visita  de  alguns  com  muitos  abraços,  instando  que  a 
repetisse  muitas  vezes,  e  no  outro  dia  dizia-lhe  elle  mesmo 
que  não  estava  em  casa.  Odiava  mortalmente  a  lição  dos 
Livros,  e  aquelles  que  lhe  fallavão  em  preceitos  da  Arte. 
Quando  queria  fazer  huma  composição,  buscava  na  fanta- 


100 


zia,  ou  nas  suas  estampas,  não  o  que  era  mais  necessário 
e  conveniente,  mas  o  que  lhe  parecia  mais  bonito,  ou  mais 
extraordinário.  Tendo  visto  n'huma  estampa  da  Caridade 
Romana,  aquelles  dous  Soldados  que  a  espreitao,  e  se 
admirão  do  amor  com  que  ella  alimenta  seu  velho  pae 
com  o  próprio  leite,  parecerao-lhe  tão  bonitos,  que  os  foi 
pôr  em  hum  painel  de  Judith,  admirando  a  intrepidez  com 
que  cortava  a  cabeça  de  Holofernes.  O  quadro  ficou  lin- 
díssimo, e  todos  os  que  tinhão  vista  aguda,  e  entendimento 
rombo  gostarão  muito  delle.  Amava  as  danças  altas,  e  as 
mascaradas,  e  por  isso  levou  comsigo  a  Setúbal  o  Anastá- 
cio, que  o  ajudava  na  Pintura,  e  o  ensinava  a  dançar:  alli 
fizerão  amisade  com  António  Dias  Carrilho,  Boticário,  e 
Pintor  de  flores,  &c.  Tornando  a  Lisboa  por  77  deo-se  a 
pintar  pannos  a  tempera,  huns  de  figuras,  outros  de  mari- 
nhas, cousa,  que  lhe  produzio  sommas  avultadas.  Pintava 
também  painéis  de  cavallete,  de  flores,  luares,  fogos,  mari- 
nhas, &c.  e  ornou  com  muitos  delles  hum  gabinete  no 
palácio  de  João  Ferreira,  cujos  tectos  também  elle  dirigio, 
sendo  os  desenhos  de  Eleuterio  Manoel  de  Barros.  Nesta 
obra  o  ajudarão  Domingos  António  de  Sequeira  que  era 
então  seu  discípulo,  Jeron3^mo  de  Andrade,  Francisco  Go- 
mes, e  outros.  Em  1780  concorreo  para  a  Academia  de 
S.  José,  e  em  86  teve  lugar  entre  os  Ditectores  da  que  se 
fazia  na  rua  dos  Camillos.  Tendo  dado  principio  ao  tecto 
do  Picadeiro  Régio  em  Belém,  adoeceo  gravemente  por 
excessos,  dizem,  de  intemperança,  e  foi  morrer  nas  Caldas 
em  1792  tendo  46  annos  de  idade. 

Nos  Templos  tem  o  Naufrágio  da  náo  Ajuda  na  Sacristia 
da  Penha.  Em  S.  João  da  Praça  repintou  a  tempera  o 


lOI     

painel  do  tecto  do  Baptismo  de  Jesus  Christo,  e  dous  nas 
paredes,  pintados  primeiro  a  fresco  pelo  Figueiredo.  Na 
Sacristia  da  Encarnação  fez  as  cabeças  de  dous  Evange- 
listas, cujos  corpos  pintou  João  Thomaz,  também  pintou  a 
Senhora  da  Conceição  em  huma  Capella  interior  na  Trin- 
dade, e  outra  Senhora  também  em  Capella  no  Claustro  de 
S.  Francisco,  e  alguns  mais. 

Francisco  José,  seu  collega  na  obra  do  Picadeiro,  ficou 
continuando-a  com  Joaquim  José  Bugre,  por  tempo  de  oito 
annos.  He  natural  da  Villa  da  Chamusca  onde  nasceo  em 
1750.  Creou-se  porem  nesta  Capital,  e  tem  aqui  pintado 
muitos  painéis  grandes,  e  de  cavallete.  Ha  obras  suas  em 
S.  Pedro  em  Alcântara,  na  Igreja  das  Bernardas  á  Espe- 
rança, em  S.  Caetano,  em  Rilhafoles,  &.c.  Foi  seu  Mestre 
o  P.  Manoel  José,  natural  da  Covilhã,  o  qual  professou 
em  Santa  Cruz  de  Coimbra;  e  vindo  para  Lisboa  aperfei- 
çoou-se  na  Escola  André  Gonçalves,  e  pintou  8  painéis 
que  estão  na  Capella  Mór  de  S.  Vicente,  com  passagens 
da  Vida  do  mesmo  Santo,  e  das  de  S.  Sebastião,  S.  Theo- 
tonio,  e  Santo  Agostinho.  Também  he  seu  o  da  Conceição 
(copia  de  Conca),  que  está  na  Capella  do  Santíssimo. 
Joaquim  José,  chamado  o  Bugre,  porque,  tendo  cabello 
louro,  e  olhos  azues,  parecia  estrangeiro,  pintava  muito 
bem  ornatos:  morreo  em  1819  contando  70  e  tantos  annos. 


Jeronvmo  de  Barros  Ferreira. 

Nasceo  em  Guimarães  em  3  de  Setembro  de  1750,  mas 
viveo  em  Lisboa  aonde  estudou  a  Arte  com  Miguel  António 


102    

do  Amaral.  Quando  Pedro  Alexandrino  hia  deixando  as 
pinturas  de  seges  para  fazer  cousas  maiores,  elle  o  supprio 
naquelle  género  de  trabalhos  com  boa  acceitação,  e  colo- 
rindo bem  os  meninos,  os  Deoses  da  fabula,  e  as  Virtudes, 
&c.  Também  se  applicou  aos  ornamentos,  aos  retratos, 
bambochatas,  e  gravuras  de  agua  forte ;  e  neste  ramo  foi 
o  primeiro  Mestre  de  Gregório  Franco  de  Queiroz.  Era 
dado  á  lição  dos  Livros,  e  traduzio  do  Italiano  a  Arte  da 
Pintura  de  Mr.  Fuduresnoy,  que  se  imprimio  na  officina  do 
Arco  de  Cego  em  1801.  Também  descreveo  hum  tecto 
pintado  por  elle  na  casa  de  Nisa.  Os  seus  painéis  públicos 
vem  a  ser,  o  do  tecto  da  Capella  Mór  das  Trinas  do  Rato," 
o  de  Santa  Erigida  na  Freguezia  do  Lumiar,  algumas  figu- 
ras no  tecto  da  Livraria  de  S.  Domingos  &c.  Morreo  em 
Lisboa  em  3o  de  Outubro  de  i8o3.  A  sua  Viuva  conser- 
vava o  seu  retrato  feito  por  elle  mesmo.  Concorreo  á  Aca- 
demia de  S.  José,  e  alli  conduzio  huma  noute  José  Basilio 
da  Gama  seu  discípulo  de  desenho,  Brazileiro  famoso  que 
está  em  Official  da  Secretaria  de  Estado,  o  qual  desenhou 
hum  acto  que  deixou  ficar  na  Salla. 


José'  Throno. 

Nasceo  em  Turin  em  1789,  e  descendia  de  huma  familia 
illustre  da  Cidade  de  Cumes.  Foi  discípulo  de  seu  Pae 
Alexandre  Throno,  de  quem  conservava  excellentes  qua- 
dros, pintados  alguns  no  est3'lo  de  Solimena,  outros  no 
gosto  de  Vouet.  Já  adiantado  passou  a  Roma,  aonde  esteve 


—   io3  — 

mais  de  7  annos  pintando  retratos  a  óleo,  e  em  miniatura. 
Foi  também  a  Nápoles,  e  alli,  depois  de  retratar  a  maior 
parte  da  Corte  em  painéis  de  meia,  de  huma,  e  de  muitas 
figuras,  retratou  por  íim  a  Familia  Real.  Em  todo  este  giro 
gastou  20  annos. 

Tornando  á  Pátria  em  1782  fez  os  retratos  das  Pessoas 
Reaes,  e  foi  acceito  Pintor  de  Victor  Amadeo,  com  mó- 
dica penção,  e  obras  pagas.  Neste  tempo  José  Pereira  de 
S.  Thiago  Encarregado  dos  Negócios  em  Roma,  e  José 
Agostinho  de  Sousa  Secretario  de  José  de  Sá,  tiverao  em 
Roma  ordem  da  nossa  Corte  para  ajustarem  hum  Pintor 
retratista,  e  dirigirão-se  a  Mr.  Marron,  Alemão,  genro  de 
Mengs,  homem  famosíssimo  naquelle  género,  o  qual  pedio 
o  mesmo  salário  que  o  Senhor  D.  José  i.°  havia  dado  a 
Gessielli,  e  a  Cafarelli  (36  mil  cruzados  cada  anno.)  Pare- 
cendo-lhes  o  preço  exorbitante  escreverão  ao  Throno ;  e 
D.  Rodrigo  de  Sousa  Coutinho  que  estava  então  Embaxador 
de  Turin,  acabou  de  fazer  o  ajuste.  EUe  tinha  aUi  bens 
seus,  e  herdades;  e  dispondo  de  tudo  o  melhor  que  pôde, 
passou  a  Lisboa  em  1785  e  fez  muitos  retratos  das  Pessoas 
Reaes.  Pelo  do  Príncipe  D.  José  recebeo  da  Princeza  sua 
Esposa,  em  huma  caixa,  generosa  gratificação. 

Em  1783,  aportando  casualmente  nesta  Capital  F.  Hickey 
Retratista  Inglez,  que  hia  para  as  Jndias  Orientaes,  demo- 
rou-se  aqui  hum  anno,  e  lucrou  mil  moedas  nos  retratos 
que  fez  de  Pori,  Devisme,  e  outros  commerciantes,  e  Fidal- 
gos, e  por  fim  retratou  também  a  Senhora  Rainha  D.  Maria 
em  meio  corpo,  de  que  ha  estampas  abertas  por  Gaspar 
Fróes  Machado.  Throno  copiou  a  cabeça  para  o  retrato 
que  fez  de  corpo  inteiro  da  mesma  Senhora.  Também  re- 


—   104  — 

tratou  a  Família  Real  no  painel  da  Conceição  para  a  Capella 
Mór  da  Bemposta  em  1793.  Alem  dos  retratos  tinha  feito, 
tanto  em  miniaturas,  como  a  óleo,  primorosas  copias  de 
Rafael,  Ticiano,  e  outros  Authores,  algumas  das  quaes 
forão  fielmente  recopiadas  por  D.  Maria  Leonor  Rouks. 
Como  esta  illustre  Lisbonense  he  tão  celebrada  pelos  seus 
talentos  pictóricos  diremos  delia  que  pelos  annos  1778  con- 
tando i3  de  idade,  e  morando  na  Quinta  dos  Aciprestes, 
succedeo,  que  Faustino  José  Rodrigues  seu  visinho,  que 
frequentava  a  Aula  da  Escultura,  levou  alli  hum  dos  seus 
desenhos,  que  ella  facilmente  copiou  com  huma  penna  de 
lápis.  Assim  começou  a  curiosidade  que  foi  proseguindo 
mais  regularmente  com  aproveitamento  prodigioso.  Passou 
ao  estudo  dos  gêços,  e  depois  ao  de  copiar  pinturas,  sempre 
dirigida  pelo  mesmo  Mestre.  Seus  pães  mudarão  de  casa 
para  o  Bairro  alto,  aonde  ella  copiou  seis  esbocetos  de 
Corrado.  Pelos  annos  1780  chegou  de  Inglaterra  Mr.  Ser- 
vang,  que  fez  o  seu  retrato,  e  lhe  ensinou  a  pôr  a  palheta 
para  retratar.  Retratou  elle  também  alguns  Fidalgos,  e 
Negociantes,  o  Author  destas  memorias,  hum  Bispo  em 
S.  Domingos,  e  finalmente  a  Senhora  Princeza  do  Brazil. 
Também  era  paisista,  e  pintou  hum  bosque  no  Theatro  do 
Salitre  em  1782. 

Vivia  com  elle  Matheus  Doret  natural  de  Lião,  bom 
Canteiro,  e  Desenhador  de  figuras,  e  ornatos,  o  qual  escul- 
pio  em  pedra  certos  florões  no  Palácio  de  Alpriate,  fre- 
quentou a  Academia  do  nú,  e  copiou  em  grande  o  painel 
de  S.  Carlos  do  Loreto,  cuja  copia  sendo  offerecida  ao 
Senhor  Rei  D.  Pedro,  este  a  deo  aos  Padres  de  S.  Camillo 
que  a  collocárão  na  sua  Igreja.  Dirigio  depois  o  arco  de 


103    

triunfo,  e  toda  a  decoração  do  Palácio  do  Rocio  pelo  casa- 
mento de  Sua  Magestade,  cujos  desenhos  erao  de  Thimoteo 
Verdier.  Retirou-se  passando  por  Coimbra,  e  foi  também 
alli  occupado  pelo  Bispo  em  objectos  de  Pintura,  e  Archi- 
tectura.  Servang  foi  daqui  para  Cadiz  aonde  morreo.  Erao 
amigos  de  Nicolao  Roulhs,  grande  amador  das  Artes  tendo 
conhecimentos  práticos  da  Architectura,  e  Musica,  e  todos 
frequentarão  a  casa  da  nossa  Heroina  como  admiradores 
dos  seus  talentos ;  o  que  também  faziao  o  Author  destas 
Memorias,  Manoel  da  Costa,  o  Desembargador  Geraldes, 
e  outros  Artistas,  e  Estimadores  da  Pintura. 

Excederíamos  a  brevidade  que  temos  seguido,  se  quizes- 
semos  dizer  quantas  obras  sahírão  dos  seus  pincéis,  muitas 
das  quaes  ornão  a  sala,  e  gabinetes  da  sua  casa:  na  de 
Geraldes  havião  14  ou  i5  painéis  seus,  alguns  dos  quaes 
passarão  por  sua  morte  para  casa  de  Bandeira.  Na  de 
Franco  á  Annunciada  está  a  Santa  Maria  Magdalena,  que 
he  bellissima.  Fez  em  chapa  de  cobre  por  estampa  de 
Rafael  a  Cêa  do  Senhor  para  o  Convento  da  Santa  Cruz 
na  Serra  de  Cintra,  e  muitas  outras  cousas.  Em  tanto  hia 
ensinando  sua  irmã  Margarida  Theotonia  (i),  que  nasceo 
em  72,  de  quem  também  temos  huma  linda  Magdalena, 
huma  Sibila,  Lucrécia,  e  outras  cousas  muito  bem  exe- 
cutadas. 

Em  1787,  tendo  22  annos  casou  com  o  já  mencionado 
Roulks  Visconsul  da  Hollanda,  e  de  outras  Nações  do 
Norte,  e  começou  a  ser  doente,  de  sorte  que  poucas  mais 


(i)  Nesta  obra  temos  suprimido  muitas  vezes  os  dons,  por  brevi- 
dade, e  por  evitar  fastidiosas  repetições. 


-    .  —  io6  — 

pinturas  fez;  vive  felizmente.  Throno  quiz  em  1808  reti- 
rar-se  para  a  sua  Pátria ;  mas  achando  embaraçada  a  pas- 
sagem da  Hespanha  retrocedeo,  e  acabou  aqui  os  seus 
dias  em  181  o.  Nicoláo  Roulks,  foi  hum  dos  seus  Testa- 
menteiros. Ha  em  Italiano  alguns  elogios  impressos  feitos 
a  elle,  a  sua  Mae  Thereza  Grassi,  e  a  seus  Irmãos  que 
também  erao  Pintores. 


A  JoANNA  DO  Salitre. 

Assim  chamava  o  vulgo  a  huma  Pintora  Lisbonense, 
que  morava  no  Salitre,  e  foi  bastante  applaudida  no  seu 
tempo.  Era  Irmã  do  Major  José  António  Monteiro  de  Car- 
valho, chamado  o  bota  abaixo,  porque  inspeccionava  sobre 
as  barracas  que  se  devião  demolir.  Foi  casada  duas  vezes 
a  1.^  com  hum  homem  de  certa  idade,  que  possuía  hum 
pequeno  morgado,  ou  capella,  e  a  2.*  com  hum  soldado, 
ou  official  inferior.  O  seu  verdadeiro  nome  era  D.  Joanna 
Ignacia.  Fez  retratos,  e  painéis  pequenos  para  Terços,  e 
Capellas  de  Igrejas,  principalmente  para  as  Províncias.  O 
seu  estylo  sem  ser  bom,  he  tolerável  attendendo  ao  seu 
sexo.  Existem  delia,  na  Conceição  velha  o  painel  da  Se- 
nhora da  Pureza,  pintado  em  1770,  alguns  retratos  em 
Oeiras  (i),  e  outras  cousas.  Teve  lições,  dizem,  de  André 
Gonçalves. 


(i)  Fez  para  Oeyras  os  Retratos  de  Paulo  de  Carvalho,  e  Francisco 
Xavier,  e  nessa  occasião  obteve  baixa  para  o  Marido.  Morreo  de  70 
annos  pouco  mais  ou  menos. 


—  loy  — 


Manoel  de  Mattos. 

Vio  a  luz  no  Sardoal  em  lySo.  Seus  Paes,  que  o  destí- 
navão  para  o  Estado  Ecclesiastico  lhe  mandarão  estudar  o 
Latim,  e  o  Francez;  mas  sentindo  em  si  muita  inclinação 
para  as  boas  Artes  veio  a  Lisboa  em  1768,  e  em  S.  Bento 
estudou  Elementos  de  Euclides  com  Filippe  Rodrigues. 
Dous  annos  depois  passou  para  o  laboratório  do  Escultor 
Joaquim  Bernardo  Galinha,  aonde  fez  em  barro,  de  idéa 
ísua,  o  Triunfo  da  Conceição,  em  figuras  somente  esboçadas. 
Para  os  estudos  da  Pintura,  frequentou  a  Casa  de  Rocha, 
e  a  de  Miguel  António,  de  quem  foi  Discípulo.  Pelos  annos 
1784  transportoU'Se  á  Bahia  aonde  fez  painéis  de  igreja, 
fruteiros  com  as  producções  do  paiz,  e  retratos.  Retratou 
a  Marqueza  de  Valença,  e  D.  Rodrigo  de  Menezes  que 
succedeo  naquelle  Governo  a  D.  Affonso  Marquez  de  Va- 
lença. Fez  também  hum  quadro  de  familia  com  8  ou  9 
figuras.  Voltou  a  esta  Corte  em  1791  aonde  não  foi  muito 
feliz.  O  seu  modo  de  pintar  era  bastante  duro,  e  desagra- 
dável, cheio  de  grandes  escuros,  e  grandes  claros,  sem 
meias  tintas  sufíicientes.  Vivia  solitário;  e  no  seu  trajo  se 
assemelhava  a  hum  Filosofo,  ou  antes  a  hum  Misantropo. 
Faleceo  em  17 18. 


João  Clama  Strebel  ou  Strabile'. 

Sabemos,  pelo  ter  ouvido  dizer  a  pessoas  antigas  em  a 
nossa   adolescência,  que  entre  os  Creados   que   acompa- 


—  io8  — 

nhárão  a  Lisboa  a  Senhora  Rainha  D.  Marianna  de  Áustria 
viera  hum  Alemão  chamado  Joáo  Armando  Clama,  o  qual 
casou  aqui,  e  teve  hum  filho  que  se  applicou  á  Pintura,  e 
foi  depois  a  Roma  pensionado  por  seu  Pae ;  mas  morrendo 
este,  sua  Mãe  conseguio  dos  Alemães  estabelecidos  nesta 
Corte,  a  continuação  das  mezadas  para  elle  poder  acabar 
os  seus  estudos. 

João  Clama,  que  julgamos  ser  o  mesmo  de  que  se  trata, 
fez  alli  progressos,  e  ganhou  hum  i.°  premio  no  concurso 
da  Academia ;  sendo  o  assumpto  a  morte  dos  Machabêos. 
O  seu   desenho  he   feito    a  lápis   vermelho  no  estylo  do* 
Benefiale. 

Restituído  á  Pátria  recommendou-se  ao  nosso  Vieira 
Lisbonense  para  o  introduzir  na  Corte ;  mas  não  tendo 
hum  prompto  effeito  a  sua  pertenção,  partio  para  o  Porto 
aonde  teve  sempre  grande  crédito.  Entre  os  seus  discípulos 
distinguio-se  Francisco  Vieira  Portuense. 


O  Throno  Pequeno. 

Assim  chama  o  vulgo  a  Bernardino  Gagliardini  de  Voucar, 
Italiano,  Pintor  de  retratos.  Discípulo  de  José  Throno.  Veio 
para  Lisboa  pelos  annos  1785  tendo  de  idade  25  annos. 
Tem  retratado  em  miniatura  toda  a  Família  Real,  e  grande 
número  de  Senhoras  da  Corte.  Também  fez  a  óleo,  e  em 
grande,  os  retratos  dos  Patriarchas  para  a  Camará  Eccle- 
siastica,  e  o  do  General  D.  António  de  Noronha. 


lOQ    


Domingos  Pellegrini. 

Nasceo  em  Veneza  em  1764.  Aprendeo  a  desenhar  na 
Galeria  de  Farsete,  homem  nobre,  e  bom  conhecedor,  que 
tinha  grande  coUecção  de  quadros  originaes,  gêços  do  An- 
tigo, etc.  e  deixava  copiar  tudo.  Passou  depois  para  a 
Escola  de  hum  certo  Galina,  que  deixou  de  pressa  por  não 
ser  boa.  Conduzio-se  a  Roma  em  89,  e  não  quiz  ser  Discí- 
pulo de  Domingos  Corvi,  ainda  que  muito  acreditado  em 
desenho,  e  composição,  porque  o  seu  colorido  não  lhe 
agradou.  Quatro  annos  depois  passou  a  Paris  donde  re- 
gressou a  Veneza,  e  de  lá  foi  a  Londres  aonde  não  fez 
grandes  interesses.  Tornou  a  Paris  para  conhecer  David, 
e  nelle  lhe  pareceo  achar  mais  sabedoria  que  génio.  Visitou 
a  LeBrun,  famoso  Retratista,  que  no  mérito  igualava,  dizia 
elle,  Luiz  Vanlóo,  inda  que  o  seu  estylo  fosse  differente : 
encontrou  alli  o  seu  Patrício  António  Canova.  Voltou  se- 
gunda vez  a  Londres  onde  fez  varias  composições,  gravadas 
pelos  Schiaveneti,  (dous  Irmãos  Venesianos),  e  por  outros; 
nessa  occasião  retratou  a  Familia  do  Marquez  de  Bellas. 

Veio  a  Lisboa  em  i8o3  onde  fez  grande  número  de 
retratos,  sendo  o  melhor  o  d'ElRei  o  Senhor  D.  João  VL 
qne  foi  gravado  por  Bartolozzi.  Pelas  Viagens  hia  pintando 
hum  quadro  de  Vénus,  e  Adónis ;  que  possuio  o  Secretario 
d'Estado  Araújo,  depois  Conde  da  Barca.  Em  1810  sahio 
de  Lisboa  por  ordem  do  Governo  na  fragata  Amazona, 
com  Urbino  Pizzete,  Pintor  Piemontez,  e  outros  muitos 
que  se  fizerao  suspeitos  ao  Governo,  e  de  lá  na  Laviniâ 


—   lio  


regressou  pela  terceira  vez  a  Inglaterra,  com  os  seus  ca- 
bedaes  que  erão  avultados. 


Felisberto  António  Botelho. 

He  natural  de  Lisboa  aonde  nasceo  em  1760.  Estudou 
a  Arte  na  Escola  de  Pedro  Alexandrino,  e  tem  pintado  a 
óleo,  a  tempera,  e  a  fresco,  para  os  Gabinetes,  Theatros, 
e  Igrejas.  Fez  o  painel  da  Cêa  de  20  palmos  para  o  refei- 
tório dos  Padres  Cruzios  nos  Subúrbios  de  Lima.  O  da 
Conceição  de  14  palmos  para  huma  Ermida  nas  Praias. 
O  quadro  de  Jordão  para  a  Freguezia  do  Sacramento.  A 
Senhora  de  Monserrate,  e  Santo  António  para  outra  Ermida 
no  termo  d'Almada.  A  Senhora  das  Dores  para  outra  pe- 
quena Igreja.  Em  1806  pintou  todas  as  figuras,  tanto  as 
coloridas  como  as  de  claro-escuro  no  tecto  chamado  do 
Costa  no  Paço  de  Nossa  Senhora  da  Ajuda. 

Na  Ermida  das  Mercês,  junto  a  Carnide  tem  o  painel 
da  mesma  invocação,  outros  da  vida  de  Nossa  Senhora,  e 
alguns  com  Anjos.  São  também  producções  do  seu  engenho 
os  de  Nossa  Senhora,  e  do  Santíssimo  Nome  de  Jesus, 
que  se  venerão  na  Freguezia  de  Odivellas. 

Começou  a  estudar  a  Pintura  em  1776,  e  proseguio  sem 
interrupção  até  1808,  sendo  a  ultima  obra  que  fez  o  Retrato 
de  Sua  Magestade,  então  Príncipe  Regente.  Depois  disso, 
achando-se  falto  de  vista,  só  tem  dirigido  algumas  cousas 
executadas  por  seu  filho  e  Discípulo,  António  José  Faustino 
Botelho. 


1 1 1 


Francisco  Vieira  Portuense. 


^ 


Principiou  a  cultivar  a  Arte  da  Pintura  na  Cidade  do 
Porto  sua  Pátria,  e  applicou-se  á  figura,  e  aos  paizes. 
Neste  género  teve  por  Mestre  seu  mesmo  Pae  Domingos 
Francisco  Vieira,  que  era  droguista,  e  também  Pintor  de 
paizagens,  e  imitava  o  estylo  de  Pilement,  depois  que  alli 
esteve  pelos  annos  82.  João  Glama  foi  seu  Mestre  na  figura. 
Tendo  feito  progressos,  conseguio  da  Companhia  do  Alto 
Douro  em  89  huma  pensão  de  Sooíí'  rs.  para  se  ir  aperfei- 
çoar em  Roma,  e  alli  elegeo  por  Mestre  Domingos  Corvi, 
desenhador  correcto,  mas  frio  no  colorido;  e  escolheria 
melhor  se  houvesse  então  mesmo  alli  em  Roma,  aonde 
escolher.  Em  91  ganhou  hum  i.°  premio  em^  roupas,  sendo 
Director  Vicente  Pacceli,  Escultor  Romano.  Fez  depois  a 
viagem  de  Parma  para  estudar  o  colorido  do  Corregio: 
alli  foi  recebido  naquella  Capital  entre  os  Directores  de 
Academia,  deo  lições  de  desenho  a  huma  das  filhas  do 
Duque,  e  copiou  a  famosa  Magdalena,  cuja  cópia  possuio 
depois  Luiz  Pinto  Balsemão.  Em  94  voltou  para  Roma 
donde  tornou  a  sahir  três  annos  depois  com  Bartholomeo 
Gallisto.  Girarão  parte  da  Alemanha,  e  separárão-se  em 
Dresda  aonde  Vieira  ficou  copiando  muitas  cousas  daquella 
famosa  Galaria.  De  lá  passou  a  Hamburgo,  e  a  Londres. 
Naquella  Cidade  fez  grande  amizade  com  Bartolozzi,  retra- 
tou-o,  e  começou  a  gravar  a  agua  forte  huma  grande,  e 
laboriosa  chapa  que  não  acabou.  Pintou  o  Viriato  que  foi 
estampado  pelo  mesmo  Bartolozzi  e  offerecido  ao  Príncipe 


112    — 

Regente  de  Portugal,  ElRei  o  Senhor  D.  João  VI.  Fez 
também  hum  quadro  grande  da  Senhora  da  Piedade,  ou 
Descimento  da  Cruz  para  a  Capella  do  Ministro  de  Por- 
tugal, que  era  D.  João  de  Almeida,  depois  Conde  das 
Galvêas.  Alli  casou  com  huma  joven  viuva  Italiana,  que 
tinha  avultado  dote,  e  pertencia  á  familia  daquelle  célebre 
Gravador,  e  a  conduzio  a  Lisboa  em  1802,  tempo  em  que 
se  havia  publicado  a  Paz  com  a  França,  por  cujo  motivo 
o  Senado  fez  huma  grande  festividade  em  S.  Domingos, 
aonde  appareceo  o  painel,  que  lhe  foi  positivamente  encom- 
mendado  para  essa  funcção.  Representava  elle  a  Monarchia 
Lusitana  acompanhada  de  Virtudes,  Artes,  Fama,  &c.  e 
tendo  pendente  sobre  o  peito  o  retrato  do  Principe  Regente. 
Convidado  pela  Companhia  dos  Vinhos  do  Alto  Douro, 
passou  ao  Porto  para  succeder  a  António  Froes  Jacomo 
na  direcção  da  Academia,  com  6ooíJ  de  ordenado.  Em 
tanto,  D.  João  d' Almeida,  e  o  Visconde  d'Anadia  represen- 
tarão a  S.  A.  R.  quão  subido  era  o  seu  merecimento ;  e 
em  virtude  desta  representação  foi  nomeado  por  Decreto 
de  28  de  Junho  de  1802  primeiro  Pintor  da  Camera  com 
2:oooí(í  réis  de  ordenado,  tendo  obrigação  de  dirigir,  e 
executar  juntamente  com  Domingos  António  Sequeira  seu 
coUega,  as  pinturas  que  se  havião  de  fazer  no  Palácio  Real 
de  Nossa  Senhora  d' Ajuda.  Todos  virão  os  lindos  painéis 
que  fez  de  D.  Ignez  de  Castro,  e  de  outros  assumptos, 
cuja  individuação  não  cabe  na  brevidade  destas  Memorias. 
Adoeceo  gravemente  quando  estava  fazendo  o  quadro  de 
Duarte  Pacheco  deffendendo  o  passo  de  Cambalam  em 
Cochim  para  a  Casa  das  Descubertas  no  Paço  de  Mafra. 
Os  Médicos  o  mandarão  embarcar:   foi  para  a  Ilha  da 


—  ii3  — 

Madeira  aonde  chegou,  e  morreo  em  i8o5  tendo  Sg  ou  40 
annos  de  idade,  quando  começava  a  tirar  fructo  dos  penosos 
trabalhos  porque  havia  passado.  Na  collecçao  de  Borba  ha 
hum  S.  Sebastião  feito  por  elle.  Não  sabemos  dizer  se  as 
poucas  cousas  que  deixou  nos  servem  de  recreio  quando 
as  vemos,  pela  graça  com  que  são  feitas,  ou  de  mágoa 
pela  renovação  da  saudade,  que  temos  do  seu  Author.  A 
sua  Viuva  ficou  rica;  e  passou  a  S.'"*^  núpcias  com  hum 
Militar  Inglez,  e  parece,  que  desgraçadamente  cooperou 
para  a  morte  que  desejava,  em  1817. 

A  Cidade  do  Porto  tem  produzido  em  todos  os  tempos 
bons  Artistas  de  profissão,  e  de  curiosidade  de  ambos  os 
Sexos;  e  aproveitamos  com  gosto  esta  occasião,  para  dizer- 
mos neste  particular  o  pouco  de  que  temos  noticia. 

D.  Bernarda  Ferreira  de  Lacerda,  chamada  a  Decima 
Musa,  era  filha  do  Chanceller  Mór  do  Reino,  e  versada 
em  linguas  sabias,  e  vulgares.  Não  teve  na  Hespanha  quem 
a  igualasse,  dizem,  na  Arte  de  bem  escrever  e  debuxar  á 
penna.  Também  compoz  entre  outras  obras  em  verso  e 
prosa  «a  Hespajiha  libertada-»  a  que  Lopo  da  Vega  no  seu 
Laurel  de  Apollo,  diz* 

Se  pudiera  tener  la  F"ama  augmento, 

Y  gloria  Lusitana, 

Dona  Bernarda  de  Ferreira  fuera. 
Acuyo  Portuguez  entendimiento. 

Y  pluma  castellana 

La  Hespanha  libertada  Hespanha  deve. 

Acabou  a  sua  gloriosa  carreira  em  Lisboa  no  i.°  de  Outu- 
bro de  1645. 
8 


—   114  — 

Jorge  da  Gamara  filho  do  Commendador  Martim  Gon- 
çalves da  Gamara,  abraçou  o  estado  ecclesiastico,  era  bem 
instruído,  e  pintava,  e  debuxava  muito  bem:  também  fez 
poesias,  que  não  teve  tempo  de  publicar,  por  que  morreo 
quando  tratava  de  as  dar  ao  prelo,  em  1649. 

Isabel  Maria  Rita,  filha  de  Francisco  Pequerin,  Inglez, 
baptizada  na  Freguezia  de  S.  Nicoláo,  foi  por  simples 
curiosidade  excellente  Pintora  de  miniaturas.  Floreceo  no 
ultimo  século. 

Isabel  Broune,  filha  de  Duarte  Pequerin,  casada  com  o 
Medico  Pedro  Broune,  fazia  bem  os  retratos  a  óleo:  era 
nascida  era  Inglaterra,  mas  estava  como  naturalizada  no 
Porto  desde  o  principio  do  século  18. 

Luzia  Maria  Rosa,  que  vivia  também  por  aquelles  tempos 
fez  publica  profissão  da  Pintura,  mas  não  sabemos  quaes 
fossem  os  seus  talentos. 

Joaquim  Rafael,  discípulo  dos  Vieiras,  tem  painéis  em 
S.  Grispim,  na  Lapa,  e  em  outras  Igrejas,  e  Palácios. 
Também  tem  feito  scenarios  no  Theatro. 

Luiz  Augusto  Gorrêa  Leal,  foi  discípulo  de  Francisco 
Vieira,  Theodoro  de  Sousa  Maldonado,  Doutor  em  Mathe- 
maticas,  desenhava  á  penna,  e  pintava  de  miniatura:  floreceo 
no  fim  do  passado  século. 

Domingos  Teixeira,  Pintor  Theatral  e  Maquinista,  foi 
pae  de  José  Teixeira  Barreto,  de  quem  adiante  faremos 
menção. 


—  ii5  — 


Bartholomeu  António  Calisto. 

Natural  de  Lisboa,  aprendeo  a  desenhar  na  Aula  Regia, 
dirigida  por  Joaquim  Manoel  da  Rocha,  e  depois  foi  para 
Roma  com  outros  pensionados  da  Aula  do  Castello,  aonde 
foi  discípulo  de  Labruzzi.  Sahio  dalli  em  97  com  Francisco 
Vieira  de  quem  se  separou  em  Dresda,  para  ir  a  HaiTiburgo 
embarcar  para  Lisboa.  Neste  transito  foi  tomado  pelos 
Francezes,  que  o  tiverão  prezo  em  Nantes  por  tempo  de 
três  mezes.  Logo  que  o  soltarão  partio  por  terra  para 
Lisboa,  aonde  chegou  no  fim  do  mesmo  anno.  Em  Abril 
de  8o3,  havendo-se  detreminado  a  pintura  no  Palácio  de 
Nossa  Senhora  d' Ajuda,  que  devia  ser  dirigida,  e  executada 
na  parte  mais  essencial,  por  Domingos  António  de  Sequeira, 
e  Francisco  Vieira  Portoense,  Ordenou  Sua  Alteza  Real 
que  fossem  admitidos  mais  três  Pintores  de  Historia  como 
seus  Ajudantes,  e  que  serião  escolhidos  d'entre  os  que 
tinhão  estudado  em  Roma.  Estes  lugares  se  puzerao  a  con- 
curso, deixando  o  mesmo  Senhor  ao  arbítrio  dos  dous 
Directores  a  escolha,  e  o  ordenado  delles.  Calisto  foi  acceito 
com  6ooíf>ooo  réis  annuaes,  e  depois  daquella  época  tem 
pintado  vários  painéis  para  adorno  deste  Régio  Palácio,  e 
do  de  Mafra,  morreo  a  9  de  Junho  de  1821.  Jaz  na  Ermida 
das  Dores  em  Belém. 


ArCANGELO    FOSCHINI. 

Seu  Pai  Francisco  Foschini,  Bolonhez,  Pintor  de  Historia, 
estabeleceo-se  em  Lisboa  aonde  acabou  a  sua  existência  na 


—  ii6  — 

idade  de  71  annos  na  de  i8o5.  Em  1771  vio  a  luz  seu  filho, 
e  sendo  destinado  para  os  estudos  da  Arte,  começou  i3 
annos  depois  a  estudar  os  primeiros  rudimentos  delia  na 
Aula  de  que  era  Lente  Joaquim  Manoel  da  Rocha.  Em  88 
obteve  a  pensão  para  ir  a  Roma  onde  foi  discípulo  de 
Labruzzi.  Alli  ganhou  hum  premio  do  nú ;  mas  tendo  inva- 
dido os  Francezes  aquelles  Estados,  partio  para  Florença, 
e  de  lá  no  anno  seguinte,  que  foi  o  de  92,  para  a  Pátria 
aonde  foi  acceito  para  Mestre  do  Senhor  Infante  D.  Pedro 
Carlos  com  240^5000  réis  de  pensão,  moço,  e  dous  cavallos. 
No  concurso  de  Abril  de  i8o3  foi  recebido  com  iroooíZC) 
de  réis  de  ordenado  para  se  empregar  no  Palácio  de  Nossa 
Senhora  d'Ajuda,  com  as  condições  já  referidas,  e  tem 
executado  vários  painéis.  He  professo  na  Ordem  de  Christo. 


José'  da  Cunha  Taborda. 

Este  Pintor  nasceo  na  Villa  do  Fundão,  Bispado  da 
Guarda,  em  28  de  Abril  de  1766.  O  Desembargador  Ge- 
raldes, conhecido  dos  seus  parentes,  o  recebeo  em  sua 
casa  em  Lisboa,  e  o  protegeo  efíicazmente.  Frequentou 
por  5  annos  a  Aula  Regia  do  Desenho,  aonde  estudou  as 
figuras,  debaixo  da  disciplina  de  Joaquim  Manoel  da  Rocha, 
e  a  Architectura  com  José  da  Costa  e  Silva.  Em  88  foi 
para  Roma  como  pensionado  da  casa  do  Castello,  gover- 
nada pelo  Intendente  Geral  da  Policia,  e  teve  por  Mestre 
de  Labruzzy,  que  o  era  por  então  de  todos  os  Pensionados; 
mas  logo  que  chegou  o  novo  Ministro  de  Portugal,  junto 


—  117  — 

da  Santa  Sé,  D.  João  de  Almeida,  lhes  deo  licença  para 
escolherem  Directores  á  sua  vontade,  e  elle  escolheo  An- 
tónio Cavallucci.  O  Embaxador  retirou-se,  e  succedeo-lhe 
D.  Alexandre  de  Sousa  Calhariz,  o  qual  fundou  huma 
sorte  de  Academia  com  gêços,  nú,  livros,  e  painéis,  sendo 
Director  delia  o  Poeta  João  Geraldes  de  Rossi!  cousa 
singular. 

Receando-se  em  Roma  a  entrada  dos  Francezes,  foi  o 
primeiro  que  pedio  licença  para  se  retirar,  e  chegou  a  Lisboa 
em  Maio  de  96  ou  97.  Dous  annos  depois,  estabeleceo  o 
Intendente  no  Castello  huma  nova  Escola  de  Pintura,  e 
elegeo-o  para  Professor  delia,  com  huma  gratificação  de 
200Í5Í)  réis  annuaes.  Os  gêços  da  Academia  de  Roma,  forão 
conduzidos  a  Lisboa  por  José  Viale :  tinhão  elles  feitos 
parte  das  famosas  collecçÔes  de  Mengs,  e  de  Pickler.  Man- 
dárão-se  para  a  escola  do  Castello,  e  por  fim  encherão  os 
Francezes  com  elles  alguns  caboucos  para  se  fortificarem. 
Em  i8o3  foi  também  admittido  com  Calisto,  e  Fosquini 
como  Pintor  Régio  com  70o5!>  réis.  Tem  feito  vários  painéis 
e  tectos,  assim  como  os  seus  collegas,  para  os  Palácios 
Reaes,  e  para  o  Publico.  Entre  os  seus  Discípulos,  he  Dis- 
cípulas, e  assas  celebrada  D.  Leonor  Pilar  Perpigna,  por 
saber  dar  á  miniatura,  seja  no  género  histórico,  ou  no  dos 
retratos,  a  força,  o  vulto,  e  suavidade  da  pintura  a  óleo. 
Nesta  sorte  de  Pintura,  tem  sua  Irmãa  D.  Susana  Marga- 
rida Pilar  executado  vários  painéis  bastante  delicados.  São 
ambas  nascidas  em  Lisboa,  e  filhas  do  falecido  Gaspar 
Beltrão  Pilar,  bem  conhecido  nesta  Corte  pelo  seu  Emprego 
Diplomático,  e  pela  boa  coUecção  que  tinha  de  cousas  raras, 
e  curiosas.  D.  Maria  Arriaga  filha,  também  foi  sua  disci- 


—  ii8  — 

pula,  assim  como  o  Yis-Conde  da  Bahia,  e  o  da  Lapa, 
Thimoteo  Verdié  filho,  Norberto  José  Ribeiro,  Máximo 
Paulino  do  Reis,  António  José  Santos,  e  outros. 

Norberto  José  Ribeiro,  natural  da  Villa  de  Alhos  Vedros, 
teve  as  primeiras  lições  de  desenho  na  Aula  do  Castello 
com  António  Fernandes,  e  depois  com  José  da  Cunha  Ta- 
borda, de  quem  actualmente  he  Ajudante  nas  obras  do 
Real  Palácio  d'Ajuda.  Na  Casa  do  Despacho  da  Irmandade 
do  Bentinho  existe  hum  painel  de  sua  mão,  que  representa 
D.  Nuno  Alves  Pereira  entregando  o  Convento  aos  Reli- 
giosos. ^ 


Domingos  António  de  Sequeira. 

Em  Belém,  Régio,  e  soberbo  arrabalde  da  famosa  Lisboa, 
teve  o  seu  nascimento  Domingos  António  de  pais,  humildes 
sim,  porem  honrados;  tendo  isto  de  commum  com  Xisto  5.°, 
e  Maximino,  para  ter  como  elles  a  gloria  de  vir  a  ser,  não 
hum  Papa,  ou  Imperador;  mas  hum  Pintor  muito  illustre, 
e  ter  a  honra  de  empregar  dignamente  os  seus  talentos  no 
serviço  de  hum  Rei  tal  como  o  Senhor  D.  João  VI. 

Foi  Sequeira  hum  dos  primeiros,  que  frequentarão  a 
Aula  Regia  do  Desenho,  aberta  em  1781,  e  no  decurso  de 
5  annos  ganhou  alguns  prémios.  Depois  esteve  aprendendo 
a  Pintar  com  Francisco  de  Setúbal,  e  ajudou-o  a  fazer 
alguns  tectos  no  Palácio  de  João  Ferreira,  rico  çapateiro, 
mercador  de  couro,  e  sola.  Protegido  pelos  Senhores  Ma- 
rialvas obteve  huma  pensão  de  3ooíí)  rs.  paga  pelo  bolcinho 
para  estudar  em  Roma  aonde  chegou  em  88,  e  elegeo  para 


—   119  — 

seus  mestres  Cavalluci,  e  la  Picola.  Em  91  obteve  hum 
primeiro  premio  da  Academia,  sendo  o  assumpto,  o  Milagre 
dos  pães  e  peixes.  Em  94  foi  recebido  Académico  de  mérito, 
e  deo  a  Degolação  do  Baptista  por  peça  de  recepção.  Pintou 
alli  dous  tectos,  a  Batalha  do  Campo  de  Ourique,  e  o 
painel  muito  grande  para  o  Intendente.  Perlustrou  parte 
da  Itália  em  alguns  mezes,  e  regressou  á  Pátria  em  Abril 
de  96. 

Chegado  a  Lisboa  visitou  Pedro  Alexandrino,  e  Cyrillo; 
e  lastimou-se  do  abatimento  da  Arte,  propondo  que  se 
unissem  todos  para  a.  exaltar,  dando-lhe  mais  estimação, 
e  maior  valor  ás  obras.  Tinha  toda  a  razão;  mas  quem 
pôde  fazer  mudar  de  repente  hum  antigo  cosmme  ?  Elle 
mesmo  o  experimentou.  O  Conde  de  Vai  de  Reis  recusou 
dar-lhe  iC5  moedas  que  exigia  por  10  batalhas  para  huma 
das  suas  ante-camaras.  Todos  pertendião  ter  alguma  obra 
do  novo  Artista,  mas  admiravão-se  dos  preços,  de  sorte 
que  cahindo  em  melancolia  quiz  ir  fazer  vida  eremitica  na 
serra  de  Bussaco,  e  por  fim  foi  ser  Monge  na  Cartuxa. 
Parecia  hum  homem  Já  perdido  para  o  século,  quando 
D.  Rodrigo  de  Souza  Coutinho,  que  o  estimava,  lhe  acudio: 
fallou  nelle  ao  Principe  Regente,  e  S.  A.  R.  por  Decreto 
de  28  de  Junho  de  1802  o  nomeou  seu  primeiro  Pintor  da 
Camará,  e  Corte,  com  2:oooí5  rs.  sobre  os  ordenados  que 
já  tinha,  com  obrigação  de  dirigir,  e  executar  com  o  seu 
Collega  Francisco  Vieira,  a  melhor  parte  das  Pinturas  do 
novo  Palácio  de  Nossa  Senhora  da  Ajuda. 

Em  Setembro  de  i8o3  foi  acceito  para  Mestre  da  Sene- 
nissima  Senhora  D.  Maria  Thereza,  e  derão-lhe  sege,  e 
Habito  de  Christo.  Tem  feito  algumas  obras  para  os  Pala- 


120    


cios  Reaes,  e  sérvio  Sua  Magestade  não  só  como  Pintor, 
mas  também  dirigio  os  trabalhos  exquisitos  da  preciosa 
baxella  que  Sua  Magestade  mandou  dar  a  Lord  Wellington. 
Em  premio  tem  recebido  por  vezes  honras,  e  novas  pen- 
sões para  si,  e  sua  filha.  Teve  também  o  Beneplácito  Régio 
para  arbitrar  ordenados  aos  seus  Discipulos,  que  erão 
Joaquim  Gregório  Rato,  que  vive  empregado  no  Palácio 
Real,  António  Faustino  que  morreo  cm  1818,  e  outros. 


José'  Viale. 

Teve  o  seu  nascimento  na  rica,  vasta,  e  bellissima  Cidade 
de  Génova.  Seu  Irmão,  de  quem  dependia,  o  fez  applicar 
ao  Commercio,  concedendo-lhe  huma  parte  de  cada  dia, 
para  estudar  o  Desenho  nos  esmdos  da  Academia,  e  na 
Escola  de  Carlos  José  Ratti.  Applicou-se  depois  a  retratar 
em  miniatura,  e  a  limpar,  e  retocar  painéis  a  óleo.  Vindo 
a  Lisboa  pelos  tempos  em  que  Sequeira  foi  admitido  como 
primeiro  Pintor,  a  seu  requerimento  tornou  á  Itália  por 
ordem  da  Corte,  a  fim  de  escolher  as  melhores  tintas,  e 
óleos  para  a  Obra  do  novo  Real  Palácio,  e  de  transportar 
a  boa  collecção  de  gêços  da  nossa,  por  então  já  extincta, 
Academia  de  Roma.  Tendo  desempenhado  bem  a  sua  com- 
missão  ficou  pensionado  da  Corte  com  6ooaf>  rs.  annuaes 
como  Comprador  das  tintas  para  as  Pinturas  do  novo  Palá- 
cio Real  no  sitio  de  Nossa  Senhora  d'Ajuda. 

Começava  a  retratar  em  miniatura  a  Real  Familia  em 
1807  quando  entrarão  os  Francezes.  Antes  disso  tinha  retra- 


121    

tado  o  Secretario  de  Estado  Araújo,  depois  Conde  da  Barca, 
e  feito  o  retrato  do  Príncipe  para  elle  dar  ao  Embaxador 
de  Inglaterra. 

No  anno  de  1821  aos  27  de  Setembro  Sua  Magestade 
Fidelíssima  mandou  participar,  por  via  de  João  Lourenço 
de  Andrade,  a  José  Viale  tê-lo  nomeado  para  Mestre  de 
Desenho,  e  Pintura  de  Miniatura  do  Sereníssimo  Senhor 
Infante  D.  Sebastião,  Neto  do  mesmo  Real  Senhor,  e  no 
dia  seguinte  a  Sereníssima  Senhora  Princeza  D.  Maria 
Thereza,  Mãe  do  dito  Sereníssimo  Senhor  Infante,  quiz 
honrar  ao  mencionado  Viale,  dando  com  elle  lição  de  Dese- 
nho. Aos  23  de  Março  do  anno  de  1822  começarão  também 
a  dar  lição  de  Desenho  com  o  mesmo  Viale  as  Sereníssimas 
Senhoras  Infantas  D.  Maria  da  Assumpção,  e  D.  Anna  de 
Jesus  Maria.  E  no  dia  3o  de  Julho  seguinte  Sua  Magestade 
se  dignou  mandar  passar  ao  referido  Viale  hum  muito  hon- 
roso Alvará,  no  qual  o  declara  Mestre  de  Desenho,  e  Pin- 
tura de  Miniatura  das  Príncezas  suas  muito  Amadas  e 
prezadas  Filhas,  como  também  do  Sereníssimo  Senhor 
Infante  D.  Sebastião. 


João  Castagnola. 

Era  natural  de  Lisboa,  mas  filho  de  Italianos.  Foi  para 
Roma  em  1795  coni  o  Cardeal  Belishome,  Núncio  em  Lis- 
boa. Aqui  tinha  sido  Discípulo  de  Eleuterío  Manoel  de 
Barros,  na  Aula  Regia  do  Desenho;  lá  estudou  com  José 
Cadiz,  e  applícou-se  á  miniatura. 

Quando  os  Francezes  entrarão  em  Roma  obrigarão  a 


122 


elle  e  aos  seus  Collegas,  a  que,  ou  se  naturalizassem,  e 
fossem  para  Paris,  ou  se  ausentassem.  Elle  tomou,  assim 
como  todos  os  mais,  este  ultimo  partido,  e  chegou  a  esta 
Capital  em  Novembro  de  98. 

Em  i8o5  foi  para  Madrid  com  o  Embaxador  Conde  da 
Ega,  como  Mestre  de  Desenho  de  suas  filhas,  e  morreo  no 
anno  seguinte  contando  3i  de  sua  idade. 


Luiz  José'  Pereira  Rezende. 

A  Natureza,  esta  grande  Mestra  do  Caravagio,  do  André 
Esclavonio,  e  do  Grimoux,  também  admitio  na  sua  Escola 
o  nosso  Pintor  Lisbonense,  e  lhe  ensinou  o  modo  de  bem 
retratar,  principalmente  em  miniatura.  O  Público,  que  es- 
tima as  suas  obras,  paga-as  com  bastante  liberalidade.  Tem 
pintado  igualmente  a  óleo,  e  feito  quadros  históricos.  Foi 
baptizado  na  Freguezia  dos  Reis  no  Campo  grande. 


Máximo  Paulino  dos  Reis. 

A  vida  deste  Artista  he  cheia  de  anecdotas  curiosas: 
elle  nasceo  em  Penafiel  em  1781,  e  alli  viveo  alguns  annos 
sem  conhecer  os  seus  parentes.  Por  causa  de  hum  incêndio 
o  seu  Tutor  o  transportou  para  Lisboa,  aonde  aprendeo  a 
desenhar  na  Aula  do  Castello  com  António  Fernandes  Ro- 
drigues, e  a  pintar  de  miniatura  com  José  da  Cunha  Taborda. 


—    123    — 

Pelos  annos  de  1802  foi  para  Roma  protegido  por  D.  Ale- 
xandre de  Souza  Holstein,  e  alli  teve  por  Mestre  o  Caval- 
leiro  Gaspar,  donde  em  1804  obteve  huma  pensão  do  Prín- 
cipe Regente,  que  recebeo  até  o  tempo  da  invasão  dos 
Francezes  em  Roma:  em  1812  pedio  hum  passaporte,  e  só 
o  pôde  obter  para  Tunes ;  e  com  eíFeito  sahio  de  Roma  em 
i8i3.  No  seu  transito  teve  de  arrostar  o  furor  das  ondas, 
o  fogo  das  Esquadras  inimigas,  e  mais  que  tudo  o  terrível 
aspecto  da  indigência,  achando  sempre  na  Divina  Providen- 
cia, por  meio  da  sua  Arte,  opportunos  soccorros.  Regressou 
finalmente  a  Lisboa  aonde  por  intercessão  do  Visconde  de 
Santarém  obteve  de  Sua  Magestade  huma  pensão  de  600^  rs. 
para  ser  empregado  como  Pintor  no  Real  Palácio  de  Nossa 
Senhora  d'Ajuda.  Tem  pintado  vários  quadros  grandes,  e 
pequenos,  entre  os  quaes  o  Retrato  de  Sua  Magestade, 
que  está  na  Casa  Pia,  huma  degolação  do  Baptista,  e 
outros. 


PARTE  II. 

Architectura,  Pintores  Architectos,  &c. 


Breve  discurso  sobre  o  principio,  e  progressos 
da  Architectura. 


ESTA  dicção  Architectura  não  he  menos  equivoca  que 
a  Pintura,  e  os  melhores  Escriptores  a  tem  confun- 
dido muitas  vezes  com  a  arte  de  edificar.  Hum  edifício 
pôde  ter  vastidão,  magnificência,  solidez,  riqueza  de  orna- 
mentos, e  de  preciosos  materiaes,  boas  commodidades,  e 
muitas  outras  cousas  plausíveis,  e  admiráveis;  mas  senão 
tiver  aquella  belleza,  e  armonia,  que  só  os  Gregos  dos 
melhores  séculos,  e  os  seus  bons  imitadores  lhe  souberão 
dar,  nunca  merecerá  o  nome  de  Architectura,  nem  podendo 
ella  aperfeiçoar-se  senão  por  meio  da  boa  Pintura,  e  Escul- 
tura, claro  está  que  havia  de  começar  bastante  tarde. 

Mas  se  quizermos  fazer  abstração  das  bellezas  archi- 
tectoricas  diremos,  que  a  origem  desta  Arte,  assim  como 
a  de  suas  irmãs,  remonta  até  ao  principio  do  mundo.  Adãp 


126    — 

havia  de  edificar  huma  casa,  Gain  fundou  a  Cidade  de 
Henoch.  Pouco  depois  do  diluvio  se  construio  a  Torre  de 
Babel,  obra  que,  por  dizello  assim,  causou  assombro  ao 
mesmo  Deos.  As  Pirâmides,  e  Obeliscos  do  Egypto;  os 
milhares  de  columnas  de  grandeza  desmarcada,  qne  ainda 
se  achão  nas  suas  ruinas,  fazem  pasmar  os  viajantes.  Os 
pórticos,  os  muros  de  Babilónia  forão  sempre  tidos  por 
obras  maravilhosas.  As  ruinas  de  Persépolis  attestão  qual 
fosse  a  magnificência,  inda  que  barbara,  dos  antigos  Persas: 
até  nos  que  hoje  são  desertos  da  Tartaria  se  achão  restos 
de  soberbos  edifícios. 

Em  quanto  á  simples,  è  bella  Architectura  podemos  ter 
por  certo,  que  os  Gregos  a  criarão  mais  pelos  dictames  do 
seu  feliz  génio  apurado  com  os  progressos,  que  tinhão  feito 
no  desenho,  que  pelos  monumentos  que  virão  na  Ásia,  e 
no  Egypto:  também  não  poderião  achar  nos  exemplares 
do  seu  paiz,  que  erão  barracas  de  madeira,  cousa  alguma 
que  parecesse  digna  de  se  imitar  em  hum  templo,  ou  outro 
edifício  da  ultima  magnifícencia  e  perfeição,  senão  tivessem 
tido  a  habilidade  de  transformar  o  tronco  de  huma  arvore 
em  huma  elegantíssima  columna,  e  o  madeiramento  do 
tecto  em  hum  magestoso  frontão. 

Doro  Rei  de  Achaya,  e  de  todo  o  Peloponeso,  levantou, 
(dizem),  hum  templo  a  Juno  na  Cidade  de  Argos,  e  a  ordem 
que  nelle  usou,  foi  do  seu  nome  chamada  Dórica.  Elle  deo 
ás  proporções  desta  ordem  a  força,  e  robustez  de  hum 
Hercules. 

Jon,  sahindo  de  Athenas  com  huma  colónia  foi-se  esta- 
belecer naquella  parte  da  Ásia,  que  do  seu  nome  se  chamou 
Jonia,  e  a  nova  ordem  empregada  no  templo  que  dedicou 


—  127  — 

a  Diana  com  ornamentos,  que  na  columna,  e  capitel,  pare- 
cem mulheris,  chamarão  Jónica. 

Calimaco  celebre  Pintor,  e  Escultor  de  Corintho  inventou 
alguns  séculos  depois  a  ordem  Corinthia  de  incomparável 
formosura,  e  delicadeza,  e  estas  três  ordens  fornecem  tudo 
quanto  he  necessário  para  as  decorações,  e  mesmo  para  a 
solidez  dos  bons  edifícios. 

No  tempo  de  Phidias  florecêrão  Jetino,  e  Callicrates,  e 
fizerão  o  famoso  templo  de  Minerva  no  Castello  de  Athenas 
por  ordem  de  Péricles  que  também  era  muito  sábio  em 
Architectura,  e  por  desenhos  seus  mandou  fazer  o  Odeon 
espécie  de  Theatro  para  divertimentos  do  ouvido. 

Depois  das  conquistas  de  Alexandre,  a  Arte  se  aperfei- 
çoou muito  na  Ásia,  Egypto,  e  em  toda  a  parte  aonde  se 
estabalecerão  os  Gregos,  como  ainda  se  vê  em  Alexandria, 
nas  ruinas  de  Balbek,  ou  Heleopolis,  e  em  outros  muitos 
kigares. 

Quando  os  Romanos  invadirão  a  Grécia  muitos  Artistas 
Gregos  se  forão  estabelecer  em  Roma,  e  erão  alli,  e  em 
todo  o  Império  empregados  em  obras  de  que  ha  vestígios ; 
também  em  Portugal  existe  em  Évora  huma  parte  do  templo 
de  Minerva  Diana,  edificado  por  Sertório,  de  ordem  de 
Corinthia,  e  muito  elegante,  he  huma  ruina  das  mais  pre- 
ciosas que  nos  restão. 

Sérvio  Lúpus  Lusitano  também  fez  hum  templo  na  embo- 
cadura do  rio  Corumno,  de  de  que  ha  memoria. 

O  melhor  tempo  para  as  boas  artes  em  Roma  foi  o  de 
Augusto,  e  os  restos  do  Pantheon,  do  Theatro  de  Marcelo, 
e  as  três  columnas  do  Templo  de  Júpiter  Stator  bem  o 
comprovão.   Elles   servirão  de  modelos   ao  Brunelleschi, 


—    128    — 

Bramante,  Paládio,  Vinhola,  e  aos  melhores  Mestres  por 
quem  todos  estudarão.  A  sciencia,  e  elegância  do  desenho 
sustentou-se  alli  até  o  tempo  dos  Anotoninos,  mas  já  no  de 
Constantino  estava  mui  degenerada. 

Quando  dominarão  os  Bárbaros,  a  ignorância  introduzio 
a  Architectura  Gothica,  que  não  he  Architectura.  Foi  ella 
de  duas  sortes ;  a  antiga,  era  baixa,  e  pezada,  e  a  moderna 
pelo  contrario  magra,  e  muito  alta,  tendo  assas  de  gosto 
Árabe.  Admira,  que  alguns  escriptores  do  Norte  digão  que 
taes  obras  são  superiormente  dignas  da  nossa  attenção,  e 
nos  convidem,  e  exortem  para  imitalos;  quando  Artistas 
bons,  e  os  bons  conhecedores  geralmente  as  detestão,  e  os 
Romanos,  cujos  olhos  delicados  não  as  podião  soífrer, 
mascararão-nas  com  fachadas  da  verdadeira  Architectura 
para  as  poderem  conservar,  como  se  observa  em  Santa 
Maria  Maior,  S.  João  de  Laterano,  e  outras.  Livre  Deos, 
(diz  Vasarí),  toda  a  nação  fiel  da  tentação  de  imitar  simi- 
Ihante  estylo. 

No  i3.°  século  floreceo  S.  Gonçalo  de  Amarante,  Portu- 
guez,  que  he  recebido  entre  os  Architectos  pelos  Authores 
Italianos,  e  Francezes,  porque  edificou  huma  ponte  sobre 
o  Tamaga,  e  huma  Igreja  ao  pé  delia. 

Desde  o  principio  da  nossa  Monarchia  mandarão  edificar 
os  nossos  Monarchas  muitos  templos.  Conventos,  e  outras 
obras  de  grande  magnificência,  tanto  no  estylo  Gothico, 
como  no  Grego,  (segundo  o  uso  dos  tempos  em  que  viverão), 
dos  quaes  inda  existe  grande  parte.  Entre  os  Architectos 
que  empregarão  distinguirão-se  Balthasar  Alvares,  Afíbnso 
Alvares,,  e  Nicoláo  de  Frias,  que  forão  premiados  com 
Cruzes  Militares. 


—  129  — 

Filippe  Terzo,  Italiano,  sérvio  como  Pintor  o  Cardeal 
Rei,  e  como  Architecto  a  Filippe  2.°,  que  mandou  por  elle 
edificar  a  parte  do  Real  Palácio  de  Lisboa,  chamada  o 
forte,  ou  torreão  da  Casa  da  índia.  O  primeiro  o  premiou 
com  o  Habito  de  Christoj  e  o  segundo  com  huma  Com- 
menda. 

D.  Guarini  de  Modena,  P.  Theatino,  e  Architecto  do 
Duque  de  Sabóia,  fez  em  Lisboa  o  Convento  dos  Caetanos, 
florecia  pelo  meado  do  século  17. 

Carlos  Fontana,  discípulo  de  Bernini  teve  mesmo  em 
Itália  o  titulo  de  Architecto  de  D.  Pedro  2.°,  que  o  creou 
Cavalleiro  de  Christo.  O  Senhor  D.  João  o  5.°  também  o 
empregou,  encarregando-o  da  Pompa  fúnebre  de  seu  Au- 
gusto Pae,  feita  em  1707  na  Igreja  de  Santo  António  dos 
Portuguezes  em  Roma  com  grande  sumptuosidade,  como 
se  vê  delineada  em  12  grandes  estampas. 

O  Insigne  Portuguez  Manoel  Rodrigues  dos  Santos,  que 
em  Roma,  e  Nápoles  grangeou  aplausos  de  perfeito  Archi- 
tecto, (são  palavras  formaes  do  Author,  que  assim  nos  dá 
noticia  delle),  dirigio  o  appàrato  das  Exéquias  do  Senhor 
D.  João  o  5.°,  celebradas  na  mesma  Igreja  em  1751  com 
igual,  ou  maior  magnificência,  como  se  manifesta  em  mais 
de  20  bem  gravadas  estampas  em  que  estão  representadas. 

Entre  os  mais  notáveis  edificios  de  Portugal,  podemos 
pela  grandeza  dar  a  primazia  ao  famoso  aqueducto  de 
Lisboa,  e  pelo  primor  da  Arte  a  obra  de  Mafra,  a  de 
S.  Vicente  de  fora,  e  a  do  Collegio  de  Santo  Antão  também 
tem  muita  formosura  e  magestade ;  e  he  pena  que  esta 
ultima  senão  restaure,  visto  estar  quasi  inteira. 

O  Senhor  D.  João  o  5.°  quiz  fazer  de  Mafra  hum  segundo, 
9 


—  i3o  — 

e  talvez  melhor  Escurial,  edificado  também  por  voto,  o 
Sumptuoso  Palácio,  Collegio,  e  Convento,  que  alli  admi- 
ramos. A  fachada  tem  i^  e  mais  palmos  de  extenção,  e 
he  flanqueada  por  dous  soberbos  pavilhões.  No  meio  delia 
está  a  Basílica,  ou  Capella  Real  dedicada  a  Nossa  Senhora, 
e  a  Santo  António.  Entre  esta  Igreja,  e  os  pavilhões  estão 
as  duas  entradas  do  Palácio,  a  da  parte  do  Norte  conduz 
ao  pavilhão,  ou  quarto  d'ElRei,  e  a  da  parte  do  Sul  ao  da 
Rainha.  Cada  entrada  tem  hum  átrio  magnifico  decorado 
com  arcadas,  e  columnas  da  ordem  Dórica,  aonde  os  coches 
que  entrão  podem  dar  volta,  e  demorar-se  alli  a  coberto. 
A  cúpula  da  Igreja,  as  elevadíssimas  torres,  e  as  bellas 
estatuas  chamão  a  attenção  do  Expectador  admirado. 

O  Bramante,  Buonarota,  Peruzi,  Rafael,  Palladio,  e  ou- 
tros quinhentistas  tinhão  felizmente  desterrado  a  maneira 
Gótica,  e  restaurado  o  bello  estilo  dos  Gregos.  Este  gosto 
estava  ainda  muito  em  uso,  bem  que  hum  pouco  alterado 
pelas  liberdades  do  Borromini,  e  de  outros  grandes  homens, 
a  quem  todos  querião  imitar:  o  Architecto  de  Mafra  Fre- 
derico seguio  o  gosto  do  século,  tomando  porem  liberdades 
assas  decretadas,  e  moderadas;  se  nas  torres,  e  na  cúpula 
usou  superficies  curvas  como  o  Borromini,  foi  de  hum 
modo  tão  feliz,  que  ellas  contentão  igualmente  os  olhos,  e 
a  intelligencia  dos  conhecedores.  Quando  quiz  ser  imitador, 
soube  escolher  bem  os  seus  modelos:  a  bellissima  Igreja 
de  Santo  Ignacio,  inventada  pelo  Domenichino,  lhe  forneceo 
a  idéa  para  o  interior  da  Basílica.  No  adro,  e  fachada  soube 
dar  em  ponto  mais  pequeno  huma  grande  idéa  do  Vaticano, 
e  ao  desenhar  as  torres  teve  em  vista  as  de  Santa  Ignez 
da  Praça  Navona,  e  parece  que  as  excedeo,  pois  quem  as 


—  i3i  — 

avista  ao  longe  cré  vêr  dous  elegantíssimos  obeliscos  que 
dominão  todo  aquelle  edifício  collossal. 

As  ordens  d'Architectura  são  regulares,  nobres,  elegantes, 
e  pouco  alteradas.  Na  Jónica  moderna  da  fachada  seguio 
o  author  a  modinatura  de  Vinhola  (i),  á  excepção  das  bazes, 
e  da  faxa  dos  denticulos,  em  que  imitou  a  do  Collocio,  e 
accrescentou  alguns  ornatos  ao  Capitel  do  Scamozi.  Deo 
ao  entablamento  a  5.*  parte  de  toda  a  columna,  segundo  o 
systema  de  Palladio. 

Na  ordem  superior,  que  he  a  compósita,  também  seguio 
o  Vinhola,  trocando  somente  os  lugares  do  oviculo,  e  gola 
reversa.  Esta  ordem  decora  também  as  torres,  e  todo  o 
circuito  da  Igreja;  mas  quando  chega  ao  frontão  faz  huma 
discreta  mudança  em  toda  aquella  magestosa  peça,  apre- 
sentando em  vez  dos  dentellos,  lisos  modilhões,  os  quaes 
não  sahem  á  frente  da  coroa,  mas  occupão  somente  a 
metade  do  seu  soffito :  cousa  de  que  ha  hum  exemplo  antigo 
no  Frontispício  de  Nero,  imitado  em  parte  pelo  Palladio, 
e  Scamozzi. 

Seria  supérfluo,  e  enfadonho  fazer  huma  analyse  de 
todas  as  ordens,  bastará  dizer  que  a  Dórica  dos  átrios 
poderia  sustentar-se  ao  pé  das  boas  cousas  antigas.  Ella 
imita  em  todas  as  molduras,  e  nas  geraes  proporções,  o 
que  Vinhola  extrahio  do  Theatro  de  Marcello.  He  muito 
para  notar  a  excessiva,  e  escrupulosa  attenção  que  os  ho- 
mens grandes  tem  dado  a  todas  estas  cousas,  e  o  pouco 
caso  que  fazem  delias  aquelles  que  nem  são  grandes,  nem 
pequenos. 


(i)  modini  v.  Branca  p,  5o. 


—     l32    

'-  A  Basílica  de  Mafra  he  muito  rica  de  esculturas,  tendo 
mais  de  6o  grandes  estatuas,  e  muitos  baixos  relevos  de 
Giusti,  Mayne,  Rusconi,  e  autros  homens  famosos.  Ha 
também  alli  boas  pinturas  de  Trevisani,  Vieira,  Corrado, 
Massucci,  Conca,  Solimena,  Pedro  Bianchi,  Quilhard,  Igna- 
cio  de  Oliveira,  e  outros  muitos. 

Depois  do  terremoto  fizerao-se  obras  grandes,  sendo  as 
mais  notáveis  a  de  Runa,  e  a  do  Theatro  de  S.  Carlos. 
Projectarão-se  também  três  vastos  edifícios,  que  senão 
executarão:  o  i.°  foi  o  Palácio  Real  em  Campolide,  cujos 
riscos  forão  feitos  por  hum  João  Antinori,  subordinado  a 
Eugénio  dos  Santos,  e  outro  por  Carlos  Mardel.  O  2.°  o 
Erário  Régio,  e  o  3.°  o  Pallacio  da  Relação,  e  a  Cadêa. 

O  Conde  (depois  Marquez),  Regedor  representou  á  Se- 
nhora Rainha  D.  Maria  1.,  a  necessidade  que  havia  de 
huma  boa  prizão  pública,  e  Casa  de  Supplicação,  e  obteve 
para  isso  a  promessa  de  huma  consignação  sufíiciente. 
Mandou  por  tanto  fazer  hum  desenho  a  Francisco  António 
Cangalhas;  e  depois  pedio  outro  a  Cyrillo  Volkmar,  recebeo 
este  de  S.  Ex.^  muitas  instrucçÕes,  e  advertências,  leo  Leis, 
tratados  de  saúde,  e  de  segurança;  entrou  nas  Cadêas  para 
examinar  os  defeitos  que  tinhão;  e  fizerão-se  em  fim  os 
desenhos  muito  a  contanto  do  Regedor,  e  também  do  Mar- 
quez de  Ponte  de  Lima  Inspector  das  Obras  publicas,  e 
forão  approvados  por  Sua  Magestade. 

A  Natureza  depravada,  a  má  educação  inspirão  em  alguns 
homens  a  brutalidade  das  feras,  e  he  preciso  privalos  de 
huma  liberdade  funesta;  mas  como  os  olhos  dos  Juizes 
não  podem  penetrar  até  o  fundo  do  coração,  corre-se  ás 
vezes  o  risco  de  opprimir  a  innocencia  quando  se  intenta 


—   i33  — 

reprimir  o  crime:  e  como  se  procede  á  segurança  da  pessoa 
antes  que  haja  a  prova  do  delicto,  deve  haver  na  Casa  de 
força  huma  parte  que  sirva  de  seguro  deposito  sim,  mas 
não  de  castigo  áquelles  que  se  não  sabe  ainda  se  são  delin- 
quentes ;  e  se  he  justo  que  se  pratique  com  os  homens  esta 
equidade,  he  mais  necessário  ainda,  que  ella  se  use  com 
as  mulheres ;  por  tanto  já  que  hade  haver  prizão,  deve  ella 
ser  ampla,  commoda,  salubre ;  capaz  não  só  de  ter  seguros, 
mas  também  occupados  muitos  indivíduos  de  todas  as  ida- 
des. Era  assim  que  a  Piedade  se  exprimia  pela  boca  de 
Sua  Magestade,  e  o  desenho  foi  concebido  debaixo  destes 
princípios,  quasi  os  mesmos  que  tem  agora  adoptado  os 
Francezes.  A  nossa  Soberana  teve  a  gloria  de  os  adoptar 
primeiro,  elles  tiverão  a  fortuna  de  os  pôr  em  prática. 

A  planta  geral  formava  hum  retangulo  de  270  palmos 
de  frente  por  607  de  fundo,  devidido  em  duas  partes  desi- 
guaes,  isto  he  em  Palácio,  e  Cadêa.  O  Palácio  se  subdividia 
em  outras  duas  partes  separadas  pelas  escadas,  e  vinhão 
a  ser  anteriormente  a  Casa  da  Supplicação  ás  salas  de 
respeito,  archivo,  gabinetes,  &c.  e  posteriormente  o  grande 
átrio,  tendo  de  hum  lado  as  7  casas,  para  as  audiências,  e 
dô  outro  os  commodos  para  o  Guarda  Mór,  Carcereiro, 
Guarda-livros,  e  outros.  O  resto  do  terreno  era  também 
hum  quadrilongo  de  370  palmos  de  largo,  e  404  de  fundo, 
e  comprehendia  a  cadêa,  tendo  dentro  em  si  hum  pateo 
quasi  quadrado  de  200,  e  mais  palmos  por  cada  lado,  cer- 
cado por  4  galarias,  ou  dormitórios  de  mais  de  60  palmos 
de  largo,  com  corredor  pelo  meio,  e  tarimbas  de  hum  e 
outro  lado  na  enxovia,  e  camarotes  no  i.°  e  2.°  andar.  Nos 
seus  ângulos  externos  se  formarião  dous  Salões  quadrados 


—   i34  — 

em  cada  andar,  com  escadas  de  caracol  nos  centros  para 
os  Carcereiros,  ou  Soldados  poderem  subir,  e  descer  n'hum 
momento  a  todos  os  andares. 

A  entrada  para  a  cadêa  fazia  meio  a  hum  dos  lados,  e 
junto  a  ella  estaria  a  sala,  a  casa  do  Guarda-livros,  a  de 
fazer  perguntas,  e  o  dormitório  dos  rapazes  para  poderem 
receber  ensino  de  trabalho,  e  de  boa  educação.  Em  hum 
dos  Salões  angulares  poderião  de  ter-se  os  prezos  da  ronda, 
ou  de  culpas  ligeiras,  o  outro  seria  para  casa  de  passeio. 

Dentro  desta  prizão  haveria  outra  mais  apertada  para 
os  perturbadores  do  socego,  ou  para  os  já  convencidos  de 
grandes  delictos,  como  também- enfermarias,  oratórios,  cozi- 
nhas, boticas,  cadêa  para  mulheres,  &c.  &c.  A  conservação 
de  hum  ar  puro,  c  sempre  ventilado  não  foi  negligenciada. 
A  facilidade  para  a  limpeza,  a  altura  das  galarias,  quanti- 
dade de  despejos,  correspondência  de  ar  para  todas  as 
partes,  e  o  cuidado  de  dar  passagem  livre  para  o  ambiente 
commum  aos  vapores  dos  despejos,  e  dos  corpos  sãos,  e 
doentes  poderião  conseguir  este  importante  requisito.  Sobre 
os  salões  dos  ângulos  haveria  mais  hum  andar  para  os 
convalescentes. 

Em  quanto  á  decoração,  a  fachada  do  Palácio  era  sus- 
tentada sobre  hum  pórtico  de  1 1  arcadas  de  26  partes  de 
alto  em  razão  dupla:  a  cimalha  geral  do  Palácio  descançava 
sobre  8  pilastras,  e  4  columnas  Jónicas ;  e  ainda  que  os 
denticulos  sejão  particularmente  affectados  a  esta  ordem; 
como  n'hum  edifício  vasto  parecerião  muito  pequenos,  o 
author  lhes  preferio  os  modilhões,  authorizado  com  o  exem- 
plo do  Palladio,  do  Scamozzi,  do  Vinhola,  &c.  Entre  as 
pilastras,  havia  sobre  cada  arcada  huma  janela  de  balcão 


—  i35  — 

coroada  com  frontão  semicircular,  e  sobre  elle  huma  mas- 
cara leonina  com  garras,  e  mais  acima  o  mezanino  redondo 
do  qual  pendia  huma  festonada  de  laurel,  que  descia  até 
as  extremidades  do  frontão.  As  cimalhas  dos  pedestaes 
tornejavão  formando  as  impostas  dos  arcos.  Sobre  a  cima- 
Iha  geral  havia  balaustrada  com  acroterios,  e  estatuas. 

Apresentava-se  no  meio  o  corpo  saliente  formando  huma 
varanda  coberta  com  o  frontão  sustentado  por  4  columnas 
da  mesma  ordem,  e  pelas  suas  pilastras  correspondentos. 
As  3  arcadas  da  frente,  e  as  duas  lateraes  que  sustentavão 
o  pavimento  da  varanda  davão  entrada  para  o  Palácio  por 
huma  grande  loja  do  tamanho  de  toda  a  Casa  da  Supplica- 
ção ;  no  fim  da  qual  á  direita,  e  á  esquerda  se  apresentavão 
as  escadas  que  conduzião  ao  andar  nobre,  e  em  frente  o 
átrio,  cercado  de  pórticos  por  onde  se  passava  á  Capella, 
ou  Igreja. 

A  Casa  da  Supplicação  era  vasta,  e  rica,  mas  severa, 
tendo  o  tecto  em  cúpula  com  lanternino.  Desta  casa  pela 
varanda  coberta  sobre  o  pórtico  do  átrio  se  passava  para 
a  tribuna  da  Igreja ;  também  pelo  corredor  que  cercava  a 
dita  Capella,  e  penetrava  a  cadêa  até  o  grande  pateo  seria 
a  passagem  para  a  casa  da  visita,  que  alli  faz  o  Regedor 
todos  os  mezes,  a  fim  de  inspeccionar  sobre  o  estado  dos 
prezos,  e  das  prizões. 

A  Capella  ou  Igreja  que  era  de  forma  extraordinária, 
formava  hum  retangulo  rematando  em  semicírculo,  e  o  seu 
tecto  apoiava-se  sobre  pilastras,  havendo  entre  ellas  painéis 
de  Mártires,  e  Confessores,  e  também  vidraças,  e  grades 
por  onde  podia  penetrar  a  vista,  mas  não  o  corpo,  nem  o 
álito  dos  prezos.  Tinha  hum  único  altar  insulado,  e  posto 


—   i36  — 

em  tal  altura,  e  tal  sitio,  que  podia  ser  visto  de  todos  os 
andares  da  cadêa,  e  mesmo  das  casas  fortes. 

Em  hum  vasto  edifício  principalmente  de  abobadas  ha 
duas  cousas  oppostas,  que  se  devem  conciliar  com  muita 
attenção,  e  vem  a  ser  a  solidez,  e  a  economia,  a  solidez 
consiste  nos  bons  alicerces,  bons  materiaes,  cortes  de  pedra, 
e  pés  direitos  que  possao  bem  resistir  á  empurraçao  das 
abobadas,  e  aos  aballos  da  terra. 

Se  o  Architecto  faltar  nesta  parte  ao  necessário,  pôde 
cahir  o  edifício,  se  exceder  consumirá  inutilmente  sommas 
avultadas,  e  fará  as  casas,  pela  excessiva  grossura  das 
paredes,  húmidas,  sombrias,  e  mal  sãs.  O  Author  consultou 
sobre  esta  matéria  delicada  não  só  os  Authores  mais  acre- 
ditados, mas  também  os  bons  práticos,  porque  he  muito 
attendivel  a  qualidade  dos  materiaes,  que  são  diversos  em 
todos  os  paizes,  e  muitas  outras  interessantes  observações. 

Se  este  edifício,  que  só  tentalo  fez  muita  honra  á  Piedade 
da  Senhora  Rainha  D.  Maria  I.,  não  se  executou,  nem  se 
acabou  o  do  Erário,  não  deixarão  por  isso  os  seus  Authores 
de  ser  premiados  pelo  Príncipe  Regente  com  muita  gene- 
rosidade. O  do  Erário  teve  huma  gratificação  pecuniária, 
e  huma  pensão  vitalícia,  e  o  da  cadêa  teve  pensão  só,  mas 
avultada  a  titulo  de  Pintor  do  Rei,  e  obteve  a  licença  que 
pedio  para  fazer  algumas  pinturas  nos  tectos,  e  paredes  do 
Real  Palácio  de  Mafra. 

Mal  poderíamos  trazer  á  memoria  todos  os  templos, 
palácios,  e  outros  edifícios  magnifícos  de  Lisboa,  e  só 
diremos  que  o  da  Capella  de  S.  João  Baptista  em  S.  Ro- 
que, architectura  de  Vanvitelli,  excede  no  seu  género  tudo 
quanto  ha  no  mundo,  e  mesmo  a  celeberrima  Capella  de 


-  i37  - 

Santo  Ignacio  em  Roma.  A  riqueza  de  metaes,  e  pedras 
preciosas  he  excessiva,  mas  excedida  muitas  vezes  pelas 
bellezas  da  Arte.  Tem  excellente  escultura,  e  três  painéis 
de  Massucci  optimamente  executados  em  mosaico,  o  mesmo 
pavimento  também  de  mosaico,  he  admirável. 

O  Palácio  Real,  que  actualmente  se  está  edificando  he 
obra  digna  de  hum  D.  João,  assim  como  a  Real  Basilica 
do  Coração  de  Jesus  faz  honra  á  memoria  da  Senhora 
Rainha  D.  Maria  I. 

Em  quanto  á  architectura  pintada  sabemos  que  o  seu 
uso  he  antigo.  Agatharco  pintava  as  decorações  para  as 
tragedias  de  Eschvles,  compôs  hum  tratado  de  perspectiva; 
e  depois  delle  Anaxágoras,  e  Demócrito  se  explicarão  com 
maior  clareza,  e  mais  precisão :  Apatecrio  fez  admiráveis 
scenarios  na  Lybia  antes  da  era  vulgar,  e  Serapion  Pintor 
Grego  também  entendia  superiormente  as  decorações  do 
Theatro,  o  mesmo  poderíamos  dizer  de  outros  muitos. 

Depois  da  restauração  das  Artes,  Paulo  Ucello  Floren- 
tino fez  grandes  estudos  sobre  a  perspectiva.  Bruneleschi 
deo-lhe  mais  exacção  usando  da  planta,  e  perfil.  Pedro  de 
la  Francesca,  e  Bonoso  Pintor  Florentino  também  do  sé- 
culo i5  excedêrão-no.  Depois  que  se  começarão  a  escrerer, 
e  representar  Comedias  modernas  foi  a  Architectura  pin- 
tada, fazendo  grandes  progressos  até  chegar  á  ultima  per- 
feição. O  Serlio,  o  Padre  Pozzo,  e  o  Bibiena  escreverão 
sobre  as  scenas  theatraes :  o  Vignola,  e  o  Pozzo  ensinando 
as  duas  regras  de  perspectiva  facilitarão  muito  a  prática 
desta  arte,  e  o  tecto  da  Igreja  de  Santo  Ignacio  em  Roma, 
obra  do  século  17  feita  pelo  mesmo  Padre  Pozzo,  levou  á 
ultima  perfeição  a  perspectiva  chamada  de  soto  in  sa.  Fer- 


—   i38  — 

nando  Galli  Bibiena  no  ultimo  século  deixou  pouco  a  desejar 
nas  magnificas  decorações  theatraes,  que  fez  em  Vienna  de 
Áustria,  assim  como  João  Carlos  Bibiena,  da  mesma  fami- 
lia  no  Theatro  Régio  de  Lisboa  que  se  incendiou  com  a 
Cidade  em  lySô. 

Também  nos  Theatros  públicos  desta  Capital  se  exhibírao 
decorações  maravilhosas  feitas  algumas  por  Italianos,  outras 
por  Portuguezes,  todas  dignas  dos  altos  preços  da  platéa, 
e  camarotes. 

Pelo  meado  do  ultimo  século  os  Galliari,  e  os  Gonzagas 
introduzirão  hum  estylo  mais  prompto,  mas  pouco  asseado, 
e  muito  imperfeito,  para  ser  usado  nos  Theatros  das  feiras, 
aonde  se  entra  por  poucos  batocos.  Infelizmente  este  máo 
estylo  foi  aqui  introduzido  no  fim  do  século,  e  desde  então 
tem  este  género  de  Architectura  declinado  tanto,  que  o 
podemos  considerar  como  quasi  perdido. 

No  género  dos  ornatos,  que  fazem  hum  ramo  assas  inte- 
ressante da  Architectura,  temos  tido  muito  bons  Pintores 
desde  o  século  i6.  Na  Torre  do  Tombo,  no  i.°  livro  mys- 
tico  de  ElRei  D.  Manoel,  ha  hum  frontispício,  pintado 
naquelle  tempo,  e  muito  bem.  O  D  grande  he  cheio  de 
ornatos,  flores,  e  aves  tocado  tudo  de  ouro,  aonde  se  admira 
a  cauda  de  hum  pavão,  e  os  delicados  insectos  que  sorvem 
o  suco  das  flores :  só  as  folhas  do  ornato  são  ainda  no 
gosto  gothico,  defeito  que  já  se  não  acha  no  Livro  da  Beira 
da  mesma  collecção  de  ElRei  D.  Manoel. 

No  livro  da  Armaria  feito  no  reinado  de  D.  João  3.°,  faz 
cercadura  ao  prologo  huma  Architectura  caprichosa  com 
columnas  de  três  cores,  no  gosto  arabesco,  com  capiteis 
compósitos,  frizo  de  ultramar  com  arabescos  de  ouro  admi- 


—  iSg  — 

raveis,  os  do  sub-basamento  são  verdades  com  fundo  de 
ouro. 

Do  século  seguinte  temos  o  bello  frontispício  no  Com- 
promisso da  Irmandade  de  S.  Lucas,  pintado  por  Eugénio 
de  Frias  em  1609.  He  huma  espécie  de  retábulo  de  ordem 
Jónica,  feito  pelo  mesmo  estylo,  tendo  no  centro  hum  painel 
colorido  de  S.  Lucas  retratando  Nossa  Senhora,  tudo  exe- 
cutado com  grande  primor,  e  tocado  de  ouro  na  ultima 
perfeição. 

Antes  de  passarmos  ao  Cathalogo  dos  Professores  d"Ar- 
chitectura,  faremos  justiça  ao  grande  merecimento  de  hum 
Fidalgo  Portuguez  Rodrigo  Annes  de  Sá,  Marquez  de 
Abrantes,  he  celebrado  na  historia  da  Arte,  como  sábio  em 
vários  ramos  delia.  Alguns  o  tem  collocado  entre  os  Pin- 
tores, mas  parece  que  o  seu  talento  decidido  era  para  a 
Architectura,  em  a  qual,  como  o  Imperador  Hadriano,  não 
cedia  aos  melhores  Professores.  Assim  o  affirmou,  (muito 
depois  do  seu  falecimento,  que  foi  em  lySS),  o  nosso  Vieira 
Lusitano,  que  o  conheceo  perfeitamente,  e  quando  lhe  fallou 
a  primeira  vez,  diz  elle,  estava  no  seu  gabinete  delineando 
a  planta  para  hum.  régio  edifício:  e  continua: 

Pois  todas  as  circunstancias 
De  singular  Architecto, 
Como  então  era  notório, 
Possuia  em  gráo  perfeito. 


—   140  — 


João  Frederico  Ludovice. 

Era  Alemão,  posto  que  a  sua  família  fosse  de  origem 
Italiana.  O  Barão  de  Schomberg  em  1787  disse  aos  seus 
parentes,  que  era  seu  patrício,  nascido  em  Ratisbona,  onde 
o  conhecera  Militar  Engenheiro,  e  que  cessando  o  serviço 
por  occasião  da  paz  fora  viajar  na  Itália  aonde  adquirira 
grande  aproveitamento  tanto  na  Arte,  como  em  litteratura; 
porque,  ou  fosse  então,  ou  que  nos  seus  primeiros  annos 
se  applicasse  á  Jurisprudência,  ha  na  livraria  de  seu  neto 
alguns  livros  de  Direito  annotados  por  elle,  e  muitas  vezes 
consultados  pelo  Doutor  Garcia,  e  por  outros  letrados.  A 
sua  erudição  na  historia,  física,  mathematica,  e  historia 
natural  lhe  grangeou  a  amisade  dos  Jesuítas,  a  qual  lhe 
valeo  muito,  (diz  a  fama  pública),  para  na  direcção  da 
Obra  de  Mafra,  ser  preferido  a  Filippe  Juvara,  e  a  António 
Canevari.  Teve  também  amizade  com  os  Padres  do  Ora- 
tório, aonde  professou  hum  de  seus  filhos  do  seu  mesmo 
nome,  que  faleceo  em  1755. 

Frederico  chegou  a  Lisboa  no  principio  do  século  18,  e 
em  1707  foi  empregado  como  Architecto  por  D.  João  o  5.° 
para  a  factura  da  Obra  de  Mafra,  cuja  i.^  pedra  se  lançou 
em  Novembro  de  17 17.  Esta  grande  Obra,  cuja  Basílica 
foi  sagrada  em  22  de  Outubro  de  1730,  he  digna  de  hum 
D.  João,  e  foi  fortuna  para  tanta  magnificência,  encontrar 
hum  Architecto  hábil,  e  com  espirito  proporcionado  ao  seu. 
O  primeiro  ordenado  que  teve  foi  de  i:oooíí)  rs.  quantia 
assas  avultada  naquelle  século  de  ouro.  Foi  também  grati- 


—   Hl   — 

ficado  com  a  Cruz  da  Ordem  de  Christo,  menos  vulgar 
então  de  que  he  agora.  Alem  de  muitos  desenhos  que  deli- 
neou para  Obras  Reaes,  alguns  dos  quaes  não  se  executarão 
pela  morte  do  Rei,  outros  não  se  acabarão  pela  parlezia  de 
que  elle  mesmo  foi  atacado.  Fez  a  Capella  Mór  de  S.  Do- 
mingos, que  foi  acabada  pelo  Pádua;  a  Capella  Mór  da 
Sé  de  Évora,  que  he  sumptuosa,  e  bella;  a  sua  ermida  em 
Bemfica,  notável,  ainda  que  em  ponto  pequeno;  a  porta  da 
Capella  Real  que  está  hoje  na  Igreja  de  S.  Domingos,  e  o 
seu  palácio  no  cimo  da  Calçada  da  gloria..  Faleceo  em 
Janeiro  de  1732  tendo  80,  e  mais  annos  de  idade.  Sérvio 
na  Meza  de  S.  Lucas  em  17 18.  Casou  duas  vezes,  ai.''  em 
Nápoles  com  huma  formosa  e  honesta  Senhora,  que  morreo 
de  parto  do  seu  filho  João  Pedro  Ludovice,  pae  de  José 
Joaquim  Ludovice,  Escrivão  da  Camará  no  Desembargo 
do  Paço.  A  2."'  em  Lisboa  em  1720  com  D.  Anna  Maria 
Verney,  de  quem  teve  seis  filhos,  dous  dos  quaes  ti  verão 
grande  engenho  para  a  Arte.  O  i.°  Caetano  Ludovice  que 
morreo  na  idade  de  27  ou  28  annos ;  e  o  2.°  José  Joaquim 
Ludovice,  que  fez  o  risco  para  a  Igreja,  e  Convento  dos 
Padres  do  Espirito  Santo,  e  morreo  nas  Caldas  em  22  de 
Julho  de  i8o3  sendo  já  septuagenário. 

João  Frederico  não  só  foi  bem  acceito  ao  Senhor  D.  João 
o  5.°.  mas  também  ao  Senhor  Rei  D.  José  i.°,  o  qual  por 
Decreto  de  1750  declarou  que  pela  grande  capacidade  com 
que  servira  por  tempo  de  48  annos  ao  Senhor  Rei  D.  João, 
desenhando,  e  fazendo  modelos  com  tal  acerto,  que  execu- 
tados deixão  bem  vêr  a  magnificência  de  quem  os  mandara 
pôr  em  execução,  e  instruindo  os  operários  empregados  em 
taes  obras  com  tanto  zelo,  que  á  sua  doutrina  se  deve  o 


—    142   — 

grande  adiantamento  em  que  se  achão  as  Artes  nestes 
Reinos,  o  declara  Architecto  Mór  do  Reino  com  Patente, 
soldo,  e  graduação  de  Brigadeiro  de  Infantaria,  na  i/  plana 
da  Corte,  &c. 

Este  Artista  benemérito  modelava,  esculpia  em  prata,  e 
outros  metaes,  e  desenhava  ornatos,  e  figuras  com  grande 
magistério.  Quem  olhar  para  a  sua  obra  de  Mafra  com 
attenção,  e  intelligencia  verá  o  quanto  era  sábio  em  perspe- 
ctiva. Na  Architectura  seguio  o  estylo  dos  Seiscentistas, 
quero  dizer,  do  Bernine,  do  Borromini,  e  principalmente 
do  Padre  Pozzo,  moderando-se  mais  nas  liberdades  que 
elles  tomarão.  O  modo  de  lavrar  bem  os  ornatos  de  pedra 
data  do  seu  tempo,  e  bem  se  deixa  vêr  nos  capiteis,  e 
ornatos  da  Porta  da  Igreja  de  S.  Vicente,  nos  do  CoUegio 
de  Santo  Antão,  nos  do  Menino  Deos,  de  Nossa  Senhora 
da  Luz,  e  em  todos  os  outros  edifícios  mais  antigos  que  o 
de  Mafra,  que  a  pedra  era  mal  cortada,  e  toda  a  mão 
d'obra  pouco  elegante. 


O  Abbade  d.  Filippe  Juvara. 

Nasceo  em  Messina,  de  huma  familia  destincta,  mas 
muito  pobre,  e  applicou-se  ao  desenho  de  figura,  á  Pintura, 
á  Gra\aira,  e  á  Architectura :  tomou  o  habito  ecclesiastico, 
e  foi  a  Roma  para  estudar  na  escola  do  Cavalheiro  Fon- 
tana; mas  achando-se  falto  de  meios,  hum  certo  machinista 
seu  patrício  o  induzio  a  pintar  algumas  decorações  theatraes, 
o  que  elle  não  só  fez,  mas  também  as  gravou  a  agua  forte. 
O  Duque  de  Sabóia  sendo  Rei  de  Sicilia,  o  acceitou  para 


—   143  — 

seu  Architeto  com  600  escudos  de  pensão,  e  deo-lhe  mais 
em  Turim  a  rica  Abbadia  da  Selva.  Alli  fez  a  escada  sem 
palácio,  assim  chamada  pelo  vulgo,  porque  o  edifício  não 
correspondia  á  grandeza,  e  magnificência  que  ella  tinha;  a 
bellissima  rotunda  sustentada  sobre  oito  columnas;  e  outras 
obras.  Victor  Amadeo  para  condescender  com  os  desejos 
do  Senhor  D.  João  o  5.°,  que  o  pertendia  para  Architecto 
de  Mafra,  o  enviou  a  Portugal.  Aqui  fez  os  desenhos  para 
huma  Patriarchal,  e  para  o  Palácio,  Convento,  e  Basilica 
Mafrense,  que  senão  executou,  apezar  da  sua  magnificência 
e  elegância,  porque  os  Jesuitas  fizerão  dar  a  preferencia 
ao  Frederico.  Não  obstante,  o  Rei  lhe  deo  Habito  de 
Christo,  e  a  insignia  delle  cravejada  de  ricos  brilhantes, 
com  huma  pensão  de  6í5  cruzados.  Morreo  em  Madrid 
começando  o  Palácio  Real  em  lySô,  tendo  5o  annos. 

António  Canevari,  Romano,  também  fez  hum  desenho 
para  Mafra  o  qual  teve  a  mesma  sorte  que  o  de  Juvara. 
Depois  de  fazer  construir  em  Lisboa  a  celebrada  torre  do 
Relógio,  e  algumas  outras  cousas,  foi  acabar  os  seus  dias 
no  Reino  de  Nápoles. 


Mr.   Larre. 

Ouvimos  dizer  a  Fernando  de  Larre,  o  ultimo  Provedor 
dos  Armazéns  que  era  neto  deste  Architecto,  e  que  elle 
fizera  o  Pórtico  da  Fundição,  e  o  seu  Palácio  a  S.  Sebas- 
tião da  pedreira. 


—  144  — 


Vicente  Baccarelli. 

Pintor  de  Historia,  e  Perspectiva,  Italiano,  veio  a  Lisboa 
nos  fins  do  século  17,  ou  no  principio  do  seguinte;  e  para 
deixar  ver  a  sua  habilidade  pintou  gratuitamente  o  retábulo 
d'huma  Capella  que  tinhao  os  Pretos  na  Igreja  da  Trin- 
dade. Esta  obra  o  acreditou  de  modo,  que  teve  logo  as 
encommendas  de  outras  muitas.  Das  que  existem  são  as 
mais  notáveis  o  tecto  da  escada  de  hum  palácio  no  Campo 
pequeno,  pintado  a  fresco,  e  o  da  Portaria  de  S.  Vicente 
feito  a  óleo  em  17 10.  He  huma  das  melhores  cousas,  ou 
antes  a  melhor  que  deste  género  temos  em  Lisboa.  A  com- 
posição, a  armonia  de  cores,  o  effeito  da  perspectiva,  os 
partidos  de  luz,  e  de  sombra,  o  manejo  precioso  do  pincel, 
tudo  concorre  para  o  fazer  admirável.  O  painel  era  igual- 
mente bello,  elle  o  pintou,  e  executou  todo  o  tecto,  á 
excepção  das  festonadas  de  flores,  que  forão  feitas  pelo 
Serra,  Mestre  de  José  Bernardes,  e  são  primorosas.  Pelo 
terremoto  de  55  cahio  só  o  reboco,  que  continha  o  painel. 
Quando  foi  a  Patriarcal  para  S.  Vicente,  mandarão  os 
ignorantíssimos  Mestres  caiar  o  tecto  todo,  e  logo  a  casa, 
que  até  alli  parecia  huma  das  mais  bellas,  e  regulares  de 
toda  a  cidade,  ficou  parecendo  a  mais  defeituosa,  baixa,  e 
irregular.  Quando  os  Cónegos  tornarão  de  Mafra  o  man- 
darão restaurar,  o  que  foi  feito,  e  muito  bem,  por  Manoel 
da  Costa  em  1796,  e  se  o  painel,  que  elle  também  fez,  não 
fosse  bom  teria  alguma  desculpa,  visto  não  ser  essa  a  sua 
profissão. 


1 


-  .45  - 

Baccarelli  sérvio  na  Mesa  de  S.  Lucas  em  lyiS:  depois 
de  fazer  muitas,  e  excellentes  obras  tornou  á  pátria,  dizendo 
que  o  seu  discipulo  era  bem  capaz  de  supprir  a  sua  falta. 
Este  discipulo  era  António  Lobo,  pae  de  Francisco  Xavier 
Lobo,  o  qual  pintou  de  perspectiva  o  tecto  da  Igreja  da 
Pena  antes  do  Terremoto.  Entrou  na  Irmandade  em  Outu- 
bro de  171 1.  Sérvio  na  Mesa,  e  morreo  em  1719.  Foi 
Mestre  de  António  Pimenta,  de  Braz  de  Oliveira,  e  de 
António  Simões.  António  Pimenta  Rolin  pintou  tectos  nos 
palácios,  e  Igrejas  de  Lisboa  usando  de  industria  para  não 
dar  conta  das  engras  nos  Corpos  de  Architectura,  os  quaes 
ornatava  para  adoçar  a  aspereza  das  sombras,  era  pobre 
de  invenções,  e  quasi  se  repetia  em  todas  as  obras.  He  seu 
o  tecto  da  Capella  Mór  dos  Paulistas,  repintado  por  Simão 
Baptista,  e  Jeronymo  de  Barros  em  1770.  Entrou  na  Irman- 
dade de  S.  Lucas  em  171 5,  sérvio  na  Mesa  em  27,  e  36, 
e  inda  vivia  em  1750.  Braz  de  Oliveira  Velho  competia  com 
António  Simões,  e  Lobo  lhes  chama  Gigantes  da  Arte  na 
Architectura  pintada,  e  em  outros  ramos ;  mas  diz  que  o 
seu  rival  o  excedia  nas  figuras  a  tempera.  Entrou  na  Irman- 
dade em  22  de  Outubro  de  171 3,  e  sérvio  na  Mesa  desde 
o  mesmo  anno  até  o  de  1741,  sendo  varias  vezes  Juiz. 


João  Xunes  de  Abreu. 

Chamado  ^^algarmente  do  Castello,  porque  alli  fazia  a 
sua  morada.  Era  Pintor  quasi  universal,  mas  o  seu  forte 
foi  a  perspectiva,  e   ornatos :  pintou  o  tecto  do  Menino 
10 


—   146  — 

Deos,  o  da  Portaria  da  Graça,  e  outros.  No  da  Graça  fez 
também  as  figuras,  e  José  Bernardes,  e  o  Serra  fizerão  as 
flores.  Foi  Mestre  de  Feliciano  Narciso.  Entrou  na  Irman- 
dade em  22  de  Outubro  de  1719,  sérvio  na  Mesa  desde 
1724,  até  34,  morreo  em  38,  e  diz  o  Lobo  que  de  muito 
estudar. 


Francisco  da  Silva. 

Foi  soldado  de  hum  antigo  regimento  chamado  do  Mon- 
teiro Mór.  Pintou  ruinas  de  Architectura,  paisagens,  e  lindas 
figurinhas,  tudo  de  grande  mancha,  com  muito  eífeito,  e 
pouco  trabalho.  Fez  algumas  cousas  no  estylo  do  Cláudio. 
Esteve  em  Sevilha,  e  em  1775  vimos  alli  em  casa  de 
D.  Francisco  Ximenes,  hum  dos  Directores  da  Academia, 
painéis  seus  de  architecturas,  e  paizes,  tidos  por  elle  em 
bastante  estimação,  e  louvava  muito  os  seus  talentos  porque 
o  conheceo  pessoalmente.  Francisco  Xavier  Lobo  também 
o  elogiou  tanto  nos  Diálogos  como  na  Silva  Laudatoria, 
dizendo  que  tinha  grande  escolha  de  luzes,  de  sitios,  de 
figuras,  muita  franqueza,  pintando  com  modo  liberto  e 
generoso,  colhendo  muito  fructo  de  pouco  trabalho.  » Fazia, 
wprosegue  elle,  deliciosos  arvoredos,  cujas  folhas  parecião 
«meneadas  pelo  Zéfiro.  A  sua  luz,  ou  branda,  ou  forte, 
» sempre  era  luz.  Cada  pincelada  exprimia  exactamente,  e 
«magistralmente  o  que  queria,  e  devia  dizer.  Sabia  bem  a 
» perspectiva,  e  todo  o  fundamento  da  Arte.» 


—  h: 


Os  Serras  moço,  e  velho. 

Estes  dous  Pintores,  Pae,  e  Filho  tiveráo  grande  génio 
para  pintar  ornatos,  e  quadraturas,  ou  architecturas,  porem 
como  não  dirigissem  obras  suas,  e  pintassem  quasi  sempre 
nas  alheias  como  ajudantes,  viverão  em  grande  pobreza. 

António  da  Serra,  chamado  o  Velho,  entrou  na  irman- 
dade de  S.  Lucas  em  i8  de  Outubro  de  1688,  e  sérvio  na 
Mesa  desde  1699  até  1720.  Faleceo  em  Novembro  de  1728. 
Foi  mestre  de  seu  Filho  Victorino  Manoel  da  Serra,  que 
teve  maior  crédito  que  seu  Pae.  Entrou  na  Irmandade  do 
Santo  Evangelista  em  23  de  Janeiro  de  17 18.  Sérvio  na 
Mesa  desde  17 19  até  46.  Morreo  em  Abril  do  anno  seguinte, 
de  idade  55  annos,  e  jaz  na  Igreja  de  Nossa  Senhora  do 
Soccorro.  O  seu  panegirista  Manoel  Ferreira,  diz  ser  seu 
o  tecto  do  Menino  Deos,  e  o  do  Rato ;  mas  José  António 
Narciso,  e  Pedro  Alexandrino  nos  affirmárao  que  o  i."  era 
de  João  Nunes;  e  em  quanto  ao  2.°  sabemos  que  tem  es- 
cripto  em  letras  bem  grandes  o  nome  de  Bochecha,  (José 
António),  Pintor  que  chegamos  a  conhecer  pelos  annos 
1769,  quando  pintou  os  ornatos  no  tecto  da  Igreja  de  Xa- 
bregas. Era  já  velho,  e  morreo  alli  mesmo. 

O  Lobo  faz  grandes  elogios  aos  toques  admiráveis  do 
Victorino,  ás  suas  flores,  e  fructos,  e  ás  suas  perspectivas; 
e  os  nomes  dos  Serras  forão  sempre  em  muita  estimação 
entre  os  Artistas,  e  Conhecedores. 


—  148  — 


o  Cavalheiro  Nicolao  Servandoni. 

Foi  hum  génio  dos  mais  extraordinários  que  tem  appa- 
recido  tanto  em  talentos,  como  em  grandeza  d'alma,  sem 
lhe  faltar  a  vêa  pintoresca:  sérvio  os  Maiores  Soberanos 
da  Europa,  e  excedeo-os  ás  vezes  em  idéas  de  magnificência. 
Despendia  ora  como  Principe,  ora  como  indigente,  hoje 
occupava  hum  soberbo  palácio,  amanhã  hia  morar  n'huma 
agua  furtada.  Este  homem  raro  nasceo  em  Florença  em 
1695,  e  applicou-se  á  Pintura,  á  Architectura,  e  á  Mecha- 
nica.  A'  Pintura  (diz  hum  dos  escriptores  da  sua  vida), 
a  esta  Arte  tão  nobre,  e  tão  difficil,  he  que  elle  deveo  os 
effeitos  pintorescos  que  fazião  todo  o  encantamento  das 
suas  composições  maquinosas.  Elle  estudou  a  Architectura 
em  Roma,  pelas  ruinas  antigas,  as  quaes  não  só  desenhava, 
e  media  como  Architecto,  mas  também  copiava  em  painéis 
como  Pintor. 

Passando  depois  a  Paris  foi  recebido  na  Academia  em 
qualidade  de  Pintor  de  paisagens,  e  tendo  feito  para  os 
Theatros  maravilhosos  scenarios,  o  Rei  o  nomeou  seu 
Architecto  Decorador.  A  sua  fama  tanto  se  espalhou  que 
os  Reis  de  Inglaterra,  Polónia,  e  Portugal,  e  o  Duque  de 
Wurtemberg  lhe  derão  o  mesmo  titulo.  Gomo  Architecto 
Civil  fez  a  fachada  da  Igreja  de  S.  Sulpicio,  architectura 
famosa  que  se  pôs  a  concurso  em  lySi,  fez  mais  i3  ou  14 
obras  notáveis  em  Paris,  e  muitas  em  Bruxellas,  Madrid, 
etc.  Dirigio  o  Theatro  da  opera  em  Paris  18  annos;  e 
existião  desenhos  de  60  decorações  soberbas  feitas  para 


—   149  ~ 

elle,  sem  fallar  em  grande  número  de  outras  para  Dresda, 
e  Londres. 

Mas  nos  espectáculos  excedeo  Servandoni,  tudo  quanto 
se  tinha  visto,  ou  imaginado,  no  do  triunfo  d'hum  conquis- 
tador, fez  apparecer  na  scena  mais  de  400  cavallos  que 
fizerão  as  suas  evoluções  com  a  maior  facilidade.  No  que 
deo  á  Cidade  de  Paris  pelo  casamento  de  Madama  com  o 
Infante  D.  Filippe,  toda  a  ponte  nova,  e  todo  o  lago  até 
ponte  Real  forão  decorados,  e  assistirão  a  esta  festa  o  Rei, 
toda  a  sua  Corte,  e  mais  de  Sooí?  espectadores.  Dirigio 
outros  espectáculos,  igualmente  apparatosos  em  Londres, 
Viena,  e  Stutgard :  em  Lisboa  fez  huma  festa  para  os  In- 
giezes  pela  victoria  do  Duque  de  Cumberland  em  CuUoden 
na  Escócia,  e  muitos  desenhos  para  ElRei. 

O  projecto  que  elle  deo  para  decorar  a  Praça  de  Luiz  i5 
era  tão  bello,  e  tão  grandioso,  que  os  Francezes  não  se 
atreverão  a  executalo,  assim  como  as  festas,  que  propoz 
para  a  ultima  paz,  pela  immensidade  das  sommas  que 
terião  custado.  Acabou  os  seus  dias  em  Paris  no  armo  1766. 
Simão  Caetano  Nunes  disse-nos  que  o  tinha  conhecido, 
e  tinha  visto  em  Lisboa  alguns  dos  seus  espectáculos,  e 
não  acabava  de  os  encarecer. 


João  Carlos  Bibiena. 

Depois  da  paz  de  Utrecht  em  lyiS  começou  este  Reino 
a  respirar,  e  D.  João  o  5.'^  pôde  deitar  as  vistas  sobre  as 
sciencias,  e  boas  Artes:  a  da  Musica  não  ficou  esquecida: 


—   i5o  — 

veio  para  a  Patriarchal,  entre  outros  Cantores  o  Anniba- 
linho,  que  era  também  grande  Pintor  de  perspectivas,  e 
fez  huma  decoração  magnifica  para  servir  no  Loreto  pela 
Semana  Santa,  aonde  se  jfigurava  o  Imperador  Heraclio 
conduzindo  o  Santo  Lenho  sobre  os  seus  hombros.  Naquelle 
tempo  havia  huma  espécie  de  Theatro  no  Paço,  onde  se 
representavão  dramas  em  musica,  e  alli  se  fez  Madama 
Glanna  no  Carnaval  de  1740.  Petronio  Manzoni,  o  mesmo 
que  foi  depois  Machinista  nos  Theatros  Régios,  fez  o  da 
Rua  dos  Condes.  Vierão  as  Paquetas,  famosas  cantarinas, 
que  repretentárão  Alexandre  na  índia,  para  cuja  peça  fez 
o  Annibalinho  o  Templo  de  Baccho  com  columnas  de 
verde-antigo  ao  meio,  e  duas  escalinatas  aos  lados  que 
conduzião  as  3  galarias  cobertas  de  abobadas.  Elle  deo 
para  a  execução  desta  magestosa  scena  hum  modelinho 
pintado,  e  teve  grandíssimo  applauso.  Com  as  Paquetas 
vierão  Salvador  Cornelio,  e  o  Clericé,  ambos  Pintores:  o 
primeiro  veio  em  qualidade  de  Architecto  Decorador,  e  fez 
decorações  admiráveis.  No  Desertor  representado  por  1770 
no  tempo  de  Zamperini  ainda  appareceo  na  rua  dos  Condes 
o  seu  famoso  Cárcere.  Os  Padres  do  Oratório  também 
tinhão  hum  Theatro,  em  que  os  seus  estudantes  represen- 
tavão pelo  Carnaval,  cujo  Architecto  Decorador  era  Ignacio 
de  Oliveira,  sendo  os  seus  desenhos  executados  por  Victo- 
rino  da  Serra,  José  Bernardes,  e  outros. 

João  Carlos  Bibiena,  Italiano,  veio  também  servir  no 
Theatro  do  Senhor  D.  José  i.°  pelos  annos  1763.  Com  elle 
vierão  o  Marcos  muito  hábil  nas  figuras  pintadas  a  tempera; 
e  o  Paulo,  famoso  em  batalhas,  e  paizes.  João  Berardi  que 
já  cá  estava,  também  pintou  huma  gruta  no  Theatro  Régio, 


—   i5i   — 

e  ficou  depois  pintando  as  paisagens  quando  o  Paulo  se 
retirou.  Em  quanto  se  preparava  o  grandíssimo  Theatro 
que  fez  João  Carlos,  arranjou  elle  hum  Theatrinho  na  casa 
da  índia,  aonde  em  lySS  se  representou  o  Heroe  Ghinez. 
No  Theatro  grande  fez-se  com  magnificência  verdadeira- 
mente Real.  Tito,  e  Olympiada,  Alexandre,  e  Artaxerxes. 
Os  scenarios  erao  os  mais  soberbos,  e  os  livretes  que  erao 
grandes  tinhão  as  scenas  estampadas  abertas  a  agua  forte 
por  João  Berardi.  Este  vasto  edifício  queimou-se  no  geral 
incêndio  de  55.  Bibiena,  depois  do  terremoto,  fez  a  Gapella 
Real,  e  Paço  d'Ajuda,  tudo  abarracado.  O  risco  para  a 
Igreja  da  Memoria  também  era  seu,  mas  o  fim  da  obra^ 
feito  depois  da  sua  morte,  não  correspondeo  ao  principio. 
Deo  o  desenho  para  o  Theatro  d' Ajuda,  e  antes  de  vir 
tinha  mandado  o  de  Salvaterra.  Morreo  pelos  annos  1760, 
e  sucedeo-lhe  interinamente  Ignacio  de  Oliveira. 


Jacome  Azzolini. 

Veio  da  Itália,  sua  pátria,  convidado  pelo  Bibiena,  para 
o  ajudar  a  riscar  no  Theatro  Régio.  Sobrevindo  o  terremoto 
de  55  foi  para  Coimbra  aonde  se  occupou  como  Architecto 
Civil  para  acabar  o  seminário.  Em  67  ou  68  foi  chamado  a 
Lisboa  para  dirigir  os  Scenarios  do  Theatro  Régio  d"Ajuda, 
emprego  em  que  proseguio  até  os  annos  1786  ou  87,  tempo 
em  que  faleceo,  tendo  quasi  70  annos.   ' 

Em  Lisboa,  alem  das  decorações  theatraes  fez  as  torres 
de  S.  Francisco  de  Paula,  e  hum  desenho  para  o  Picadeiro 


—     l52     — 

Régio.  Achando-se  já  doente  no  tempo  em  que  se  fez  a 
Opera  de  Assur,  propoz  elle  que  cada  hum  dos  seus  discí- 
pulos fizesse  hum  scenario,  para  Sua  Magestade  poder  julgar 
qual  delles  era  o  mais  capaz  de  o  substituir.'  José  Carlos 
Binheti  fez  o  Templo,  e  Manoel  Piolti  a  Regia.  Estas  obras 
forão  igualmente  applaudidas,  e  a  cousa  ficou  indecisa  até 
depois  da  morte  do  Mestre. 


Eugénio  dos  Santos  de  Carvalho. 

Foi  o  Architecto  da  nova  Lisboa,  e  do  Palácio  Real  que 
se  devia  fazer  em  Campolide,  e  arco  do  Carvalhão,  emprezas 
ambas  de  tal  ponderação,  que  se  deverião  incumbir  não  só 
ao  melhor  Architecto  do  Reino,  caso  de  o  haver  capaz; 
mas  ao  maior  do  universo;  o  nosso  sem  carecer  de  talentos, 
não  era  para  tanto. 

Em  quanto  ao  Palácio,  vimos  em  Roma  em  casa  de 
João  Antinori,  o  risco  delle,  e  pareceo-nos  grande,  e  nobre. 
Este  Artista  esteve  em  Lisboa  aonde  casou  com  huma  Por- 
tugueza,  e  foi  empregado  na  casa  do  risco  como  Ajudante 
de  Eugénio  dos  Santos;  jactava-se  porem  de  que  o  desenho 
do  Palácio  era  de  sua  invenção.  Aqui  fallava  com  alguma 
liberdade  contra  o  Marquez  de  Pombal,  e  teve  por  isso  de 
fugir  para  escapar  da  prizao.  Pelos  annos  1776  gosava  em 
Roma  d'huma  certa  reputação,  e  tinha  bastantes  discípulos. 

Fez-se  também  famoso  na  Mechanica  quando  deo  volta 
ás  Estatuas  Collossaes  de  Monte  Cavallo  juntamente  com 
o  seu  pedestal.  Em  quanto  á  Cidade  seguio  Eugénio  dos 


—   i53  — 

Santos  muito  ao  pé  da  letra  a  discripçao  da  nova  Salento 
de  Fenelon,  sem  reflectir  que  hum  sábio,  pôde  ser  máo 
Architecto.  Mr.  Palte  também  adoptou  similhante  systema 
no  seu  tratado  d'Architectura,  o  qual  posto  em  praxe  produz 
hum  etfeito  monótono,  e  triste.  Todos  os  nossos  sentidos 
aborrecem  as  repetições,  e  ver  a  mesma  cousa  nos  arrua- 
mentos, nas  praças,  nos  palácios,  e  até  nos  templos  ? 

Eugénio  dos  Santos,  Cavalheiro  da  Ordem  de  Christo, 
era  natural  da  Villa  de  Aljubarrota,  e  pertencia  á  illustre 
familia  dos  Carvalhos,  e  Negreiros,  sendo  descendente  de 
D.  Gil  Fernandes  de  Carvalho,  Mestre  da  Ordem  de 
S.  Tiago.  Casou  com  D.  Francisca  Thereza  de  Jesus,  filha 
de  Manoel  da  Costa  Negreiros ;  foi  Capitão  Engenheiro, 
Ajudante  de  Manoel  da  Maya :  foi  primeiro  Architecto  das 
Obras  Publicas,  e  dirigio  a  escola  de  Architectura  em 
Lisboa,  chamada  casa  do  risco,  que  foi  estabelecida  depois 
do  terremoto,  e  segundo  dos  Passos  Reaes.  Hum  dos  seus 
melhores  Ajudantes  foi  o  Capitão  António  Carlos  Andreis, 
o  qual  se  malquistou  com  o  Marquez  de  Pombal,  e  esteve 
muitos  annos  prezo,  porque  pela  guerra  de  62  sendo  man- 
dado em  qualidade  de  Engenheiro  para  defender  Almeida, 
desobedeceo  ao  Rei,  que  por  hum  Decreto  lhe  mandava 
entregasse  a  praça  aos  Hespanhoes,  e  depois  faltando-lhe 
os  meios  de  a  defender  a  entregou  sem  que  lho  mandassem. 
Eugénio,  fez  o  Arsenal  da  Marinha,  a  Praça  do  Commer- 
cio,  a  Alfandega,  e  o  perspecto  da  Cidade,  o  CoUeginho 
da  Graça,  e  Convento  da  Conceição  da  Luz ;  tudo  tirado  a 
limpo  pelo  dito  António  Carlos.  Entrou  na  Irmandade  de 
S.  Lucas  em  6  de  Julho  de  1746,  e  morreo  em  1760,  tendo 
de  idade  60  annos. 


i54 


Carlos  Mardel. 

Era  natural  de  Hungria,  veio  para  Portugal  no  anno  1733 
com  patente  de  Capitão  Engenheiro,  e  sérvio  depois  o  posto 
de  Coronel  que  conservou  até  o  mez  de  Setembro  de  1763, 
tempo  em  que  faleceo,  vencendo  sempre  soldo  dobrado, 
alem  das  extraordinárias  gratificações,  que  recebia  como 
Architecto  das  aguas  livres,  (seu  primeiro  cargo),  da  Casa 
das  Obras,  do  Almoxarifado  do  Sal  de  Setúbal,  &c.  Fez 
o  Palácio  de  Salvaterra,  o  Convento  de  S.  Domingos,  o 
Collegio  dos  Nobres,  o  Palácio  do  Marquez  de  Pombal  em 
Oeiras,  o  Chafariz  da  Rua  formosa,  e  o  da  Esperança,  o 
Convento  de  S.  João  Nepumoceno,  a  sua  própria  casa  a 
Santa  Isabel,  e  o  risco  para  o  Palácio  que  o  Senhor  Rei 
D.  José  quiz  fazer  no  Campo  de  Ourique,  &c.  &c. 

Por  aquelles  tempos  forão  também  estimados  como  bons 
Architectos  Manoel  da  Maya,  que  foi  Marechal  General, 
Engenheiro  Mór  do  Reino,  e  teve  em  56  de  dar  a  planta 
de  Lisboa  de  que  incumbio  o  Tenente  Coronel  Carlos 
Mardel,  o  Capitão  Eugénio  dos  Santos,  o  Capitão  Elias 
Sebastião  Poppe,  António  Carlos,  José  Carlos  da  Silva,  &c. 

A  casa  de  Obras  Publicas  foi  instituída  pouco  depois  do 
terremoto  pelo  Senhor  Rei  D.  José  para  a  reedificação  da 
Cidade.  D.  Miguel  Angelo  de  Velasques  foi  o  terceiro  Ar- 
quitecto de  Obras  Publicas,  e  a  elle  se  seguio  Reynaldo 
Manoel  dos  Santos. 

Pedro  Gualter  foi  Engenheiro,  e  Architecto  da  Casa  das 
Obras  Reaes. 


—   i55  — 

Francisco  António  Ferreira  Cangalhas  Ajudante  da  Casa 
do  Risco  das  Obras  Publicas,  encarregado  do  risco  da 
Cidade,  e  Architecto  das  aguas  livres. 

Joaquim  de  Oliveira  Architecto  do  Conselho  da  Fazenda, 
e  da  Junta  do  Gommercio. 

Remigio  Francisco  Ajudante  da  Casa  do  risco  das  Obras 
Publicas,  e  Architecto  do  Senado. 


Feliciano  Narciso. 

Discípulo  de  João  Nunes,  foi  hum  dos  famosos  allumnos 
da  antiga  escola  de  Baccarelli,  pintando  optimamente  archi- 
tecmras,  e  ornatos.  Antes  do  terremoto  tinha  feito  o  tecto 
da  casa  do  Despacho  em  S.  Nicoláo;  e  no  Theatro  Régio 
dirigio,  subordinado  a  Bibiena,  o  partido  dos  Pintores  Por- 
tuguezes  que  alli  se  occupavão.  Depois  do  terremoto  dese- 
nhou, e  dirigio  os  ornamentos  no  grande  tecto  da  casa  das 
pistolas  na  Fundição,  os  quaes  forão  excetuados  por  elle 
mesmo,  por  António  Caetano  da  Silva  (i),  António  dos 
Santos  Joaquim  (2),  e  por  outros.  José  Carvalho  Rosa 
pintou  as  flores.  O  nosso  Feliciano  entrou  na  Confraria  do 
Santo  em  Outubro  de  1732,  e  sérvio  lugares  da  Meza  desde 


(i)  António  Caetano  da  Silva  entrou  na  Confraria  em  3o  de  Outu- 
bro de  1744,  e  sérvio  na  Mesa  de  Secretario,  e  falleceo  em  7  de  Maio 
de  1775. 

(2)  António  dos  Santos  Joaquim  entrou  por  Irmão  em  4  de  Agosto 
de  1746,  e  morreo  em  1777. 


—  i56  — 

37  até  54  sendo  então  Juiz.  Morreo  em  idade  avançada 
pelos  annos  1776,  ou  77.  O  Lobo  o  exalta  muito,  e  com 
razão.  Quando  pintou  o  grande  tecto  na  Fundição  estava 
já  muito  convulso,  o  que  não  obstante  distingue-se  o  seu 
toque  de  ouro  de  todos  os  mais  pela  limpeza,  elegância,  e 
perfeição  com  que  he  feito. 


Jose'  Bernardes. 

Foi  discipulo  dos  Serras,  e  Francisco  Xavier  Lobo  louva 
muito  a  arte  com  que  elle  grupava  as  flores,  e  sabia  diffundir 
a  luz  sobre  ellas;  como  também  a  verdade,  e  magistério 
com  que  pintava  os  fructos,  os  ornatos,  e  Architectura, 
cousas  todas  que  elle  ensinou  ao  Genro,  e  discipulo  bem 
aproveitado  Jeronymo  Gomes  Teixeira.  Também  foi  Mestre 
de  Francisco  Gomes  Teixeira,  e  de  Bento  de  Souza  Cam- 
pelo que  pintava  flores,  e  ornatos,  e  morreo  velho  pelos 
annos  1780  e  tantos. 


Lourenço  da  Cunha. 

Foi  o  maior  Pintor  Portuguez  que  temos  tido  no  género 
de  Architectura,  e  perspectiva,  igualou  talvez  BaccareUi  na 
pratica,  e  excedendo-o  na  theorica:  vingando-se  com  a  sua 
pericia  em  Arte  tão  liberal  da  sem  razão  da  sorte,  que  o 
havia  condemnado  á  condição  servil.  Foi  a  Roma  com  huma 
pessoa  da  familia  dos  seus  patronos,  e  alli  avançou  muito: 


—  07  — 

quando  voltou,  que  seria  pelos  annos  1744,  como  não  era 
conhecido,  foi  pedir  que  fazer  a  Ignacio  de  Oliveira,  que 
regia  o  Theatro  dos  Congregados  do  Espirito  Santo  come- 
çou a  pintar  com  acanhamento,  mas  pouco  depois  deixou 
ver  o  grande  homem  que  era. 

Quando  Bibiena  cançava  o  Erário  para  admirar  os  es- 
pectadores com  os  magníficos  scenarios  do  Theatro  Régio, 
ousou  elle  ser  seu  competidor  na  Rua  dos  Condes,  inda 
que  em  ponto  pequeno  qual  he  o  que  exige  hum  theatrinho 
de  bonecos ;  e  diziao  os  bons  pintores,  que  virão  as  suas 
obras,  que  no  seu  tanto  não  cedião  ás  do  seu  rival.  Fez  o 
Theatro  do  Bairro  Alto,  e  pintou  para  elle  alguns  scena- 
rios. Também  pintou  huma  capella  da  Igreja  dos  Clérigos 
Pobres,  outra  perspectiva  na  dos  Inglezinhos,  o  Coro  das 
Trinas  do  Mocambo;  o  tecto  da  casa  do  Capitulo  em 
S.  Domingos  de  Bemfica,  o  de  Nossa  Senhora  do  Cabo, 
hum  retábulo  na  barraca  de  S.  Julião,  que  não  existe,  e 
era  excellente.  Assentou  por  Irmão  de  S.  Lucas  em  iõ  de 
Outubro  de  1744,  e  sérvio  na  Meza  desde  46  até  53  sendo 
duas  vezes  Juiz.  Foi  Mestre  de  Mathematica  de  seu  filho 
José  Anastácio  da  Cunha,  Lente  de  Geometria  na  Univer- 
sidade de  Coimbra.  Morreo  em  Lisboa  pelos  annos  1760. 

Depois  da  sua  morte  dirigio  o  Theatro  do  Bairro  Alto 
Silvério  Manoel  Duarte,  discípulo  de  Bento  de  Souza,  que 
morreo  dous  annos  depois.  Seguio-se  António  Stopani, 
Bolonhez,  e  a  elle,  pelos  annos  1767  Joaquim  dos  Santos 
de  Araújo,  dahi  a  pouco  tempo  tornou  Stepani, 


—   i58  — 


Mattheus  Vicente. 

No  tempo  da  Obra  de  Mafra  creárao-se  alli  debaixo  da 
direcção  de  Frederico  bom  Mestre  d'Obras,  e  Officiaes  de 
relevo.  Alguns  dos  mais  habilidosos  entrarão  na  Casa  do 
risco,  e  derão-se  a  delinear  as  5  ordens,  aprendendo  também 
alguma  Geometria  pratica,  e  forão  finalmente  empregados 
como  Architectos. 

Hum  dos  que  mais  se  distinguirão  foi  o  Major  Mattheus 
Vicente,  natural  do  lugar  de  Barcarena,  foi  Architecto  da 
Casa  do  Infantado,  e  Senado  da  Gamara.  Fez  parte  do 
Palácio  de  Queluz,  sendo  a  outra  parte  com  as  decorações 
dos  jardins,  de  João  Baptista  Robilhon.  Gomo  Architecto 
do  Senado  teve  de  reedificar  a  Igreja  de  Santo  António  da 
Sé  arruinada  pelo  terremoto. 

Não  podem  ás  vezes  os  Artistas  fazer  o  que  entendem  e 
desejão,  porque  os  donos  das  obras  não  querem  despender, 
mas  naquella  não  poderia  allegar-se  essa  desculpa,  nem 
se  pode  entender  a  razão  porque  tendo  Mattheus  Vicente 
carregado  de  ornamentos  supérfluos  a  fachada  da  Igreja,  e 
mesmo  o  lado  delia  pela  parte  exterior,  fez  tão  pouco  caso 
da  Cúpula  que  mais  parece  o  mirante  de  huma  quinta,  que 
o  Zimbório  de  huma  Igreja,  quando  todos  sabem  que  as 
cúpulas,  quando  as  ha,  são  as  peças  mais  importantes  dos 
edifícios,  e  aonde  os  melhores  Architectos  tem  posto  todo 
o  seu  saber. 

Fez  também  o  Convento,  e  Basílica  do  Coração  de  Jesus, 
obra  sumptuosa,  apezar  de  que  transluz  por  entre  a  magni- 
ficência da  Soberana-  que  a  mandou  fazer,  o  espirito  mes- 


—  iSg  — 

quinho  do  homem  que  a  desenhou.  Morreo  pelos  annos  1786 
sendo  já  velho. 


Gregório  de  Barros  e  Vasconcellos. 

Este  Fidalgo,  descendente  de  illustres  famílias,  era  muito 
estudioso,  hábil  Mathematico,  e  estimador  das  bellas  Artes. 
Em  1780  cedeo  gratuitamente  ao  Editor  destes  opúsculos 
as  melhores  salas  do  seu  palácio  a  S.  José,  para  elle  esta- 
belecer nellas  huma  Academia  do  nú,  a  primeira  que  houve 
em  Lisboa.  Alem  disso  quiz  contribuir  igualmente  com  os 
outros  Directores  para  as  despezas,  que  se  fazião  com  o 
estudo. 

A  entrada  da  Casa  era  ampla  e  nobre,  havia  sala  para 
principiantes  de  desenho,  outra  para  Geometria,  Perspe- 
ctiva, e  Architectura,  huma  terceira  para  ^êços,  e  para  o 
nú  era  a  maior  de  todas.  Alli  concorrerão  Francisco  Vieira 
Lusitano,  Ignacio  de  Oliveira,  Joaquim  Machado  de  Castro, 
Joaquim  Carneiro,  o  Rocha,  o  Barros,  o  Padre  João  Chri- 
sostomo,  Simão  Caetano,  e  outros  que  entre  os  Directores, 
e  Alumnos  excederão  o  niímero  de  5o  pessoas.  Continuou 
elle  generosamente  aquelle  beneficio  público  até  o  tempo 
da  sua  morte  que  foi  dous  annos  depois,  tendo  de  idade 
quasi  70  annos.  (i) 


(i)  Pouco  antes  do  seu  fallecimento  separou  da  sua  biblioteca,  que 
era  numerosa,  cousa  de  100  volumes,  tratando  de  Mathematicas,  que 
queria  logo  entregar  ao  Erector  da  Academia  a  quem  os  dava,  o  qual 
não  acceitou  antevendo  que  ella  presistiria  pouco  tempo. 


—  t6o  — 

Como,  por  seu  falecimento  faltasse  a  casa,  cessou  o 
estudo  até  o  anno  1785,  em  que  o  Intendente  Geral  da 
Policia  Diogo  Ignacio  de  Pina  Manique  com  beneplácito 
Régio  transferio  somente  o  estudo  do  ntí  para  a  rua  dos 
Camilos,  aonde  durou  até  1807,  tempo  em  que  os  Fran- 
cezes  invadirão  esta  Corte. 


Reynaldo  Manoel. 

No  tempo  de  Eugénio  dos  Santos  entre  outros  Ajudantes 
da  Casa  do  risco  havia  Remigio  Francisco,  que  era  o  mais 
antigo,  e  Reynaldo  Manoel  que  era  o  mais  Cortezão.  Quando 
alli  hia  o  Marquez  de  Pombal,  Remigio  a  quem  pela  sua 
antiguidade  tocava  fazer-lhe  a  Corte,  sendo  de  génio  aca- 
nhado escondia-se,  e  mandava  o  Reynaldo  em  seu  lugar. 
Este  que  juntava  a  huma  figura  vantajosa  maneiras  agra- 
dáveis, e  insinuantes,  de  tal  modo  soube  captar  a  benevo- 
lência do  Primeiro  Ministro,  que  quando  morreo  Miguel 
Angelo  de  Velasques  entrou  elle,  e  foi  provido  no  seu  lugar 
de  Architecto  das  Obras  Publicas.  Nesta  qualidade  con- 
correo  para  a  factura  da  escalinata,  e  pedestaes  da  Estatua 
Equestre  pelos  annos  1775,  quando  Joaquim  Machado  de 
Castro  fez  alli  collocar  a  sua  escultura ;  e  ambos  forão 
premiados  com  Hábitos  de  Christo, 

O  Major  Reynaldo,  fez  também  a  Igreja  dos  Martyres, 
e  acabou  a  Basilica  do  Coração  de  Jesus,  e  fez  o  Chafariz 
das  Janelas  verdes,  e  terminou  os  seus  dias  em  1789,  ou  90. 

Da  mesma  escola  de  Mafra  sahírão  João  Ferreira  Can- 


—  i6i  — 

galhas,  Pae,  e  Mestre  de  Francisco  António  Cangalhas, 
Architecto  da  Cidade,  e  da  Igreja  de  S.  Francisco,  irmão 
de. João  Pedro  Cangalhas  sábio  em  Mathematicas;  Caetano 
Thomaz,  Pae,  e  Mestre  de  Manoel  Caetano  de  Souza, 
António  Baptista  Garbo,  e  outros. 


Simão  Caetano  Nunes. 

Depois  de  Lourenço  da  Cunha  foi  o  Architecto  Decorador 
mais  accreditado  de  Lisboa.  O  Lobo  diz  delle : 

«Despreza  o  que  he  inútil  na  sua  Obra, 
»E  com  pouco  trabalho  ensina,  e  obra. 

Em  quanto  Silvério,  e  Stopani  se  occupavão  no  Bairro 
Alto,  regia  elle  a  casa  da  Rua  dos  Condes;  mas  quando 
as  duas  companhias  se  ajuntarão  lá  em  cima,  foi  elle  allí 
preferido;  e  alem  dos  scenarios  fez  as  tramóias  para  o 
Magico  de  Salerno.  D.  João  de  Spina,  e  outras  obras  ma- 
gicas. Pelos  annos  1782  fez  o  Theatro  do  Salitre  para 
Tersi  fazer  os  seus  equilíbrios.  Dirigio  também  o  Theatro 
da  Graça.  Pintou  muitos  tectos,  e  outras  cousas  na  quinta 
de  Devisme  em  Bemíica,  e  na  de  LaRocha  em  Cintra.  Em 
1781  fez  os  ornamentos  do  tecto  da  Sacristia  da  Encarnação. 
Concorreo  para  a  manutenção  da  Academia  de  S.  José,  e 
deo  nella  lições  publicas  de  Geometria,  e  Perspectiva.  Os 
seus  discípulos  forão  Joaquim  dos  Santos  de  Araújo,  Ma- 
noel da  Costa,  Gaspar  José  Raposo,  Simão  Caetano  da 
Cunha,  e  outros. 


—    l62    — 

Joaquim  de  Araújo  soube  muito  bem  a  Perspectiva;  mas 
os  seus  ornamentos  erão  de  péssimo  gosto.  No  tempo  em 
que  o  Bruno  foi  também  Emprezario,  dirigio  alguns  mezes 
o  Theatro  do  Bairo  Alto.  Entrou  como  Noviço  no  Convento 
de  Jesus  da  3.*  Ordem  de  S.  Francisco;  mas  sahio  antes 
de  professar,  tendo  pintado  varias  cousas  na  Cella  do  Padre 
Mayne,  Confessor  do  Rei.  Casou,  e  a  vida  desordenada 
que  teve  o  conduzio  á  extrema  pobreza,  em  que  morreo 
de  dolorosas  enfermidades  pelos  annos  1795  com  54  de 
sua  idade. 

Gaspar  José  Raposo,  nasceo  em  Lisboa  com  talento 
natural  para  a  Pintura.  Tinha  juizo  claro,  e  huma  pratica 
continuada  nas  obras  de  seu  Mestre,  e  nas  suas.  Quando 
Simão  Caetano  adoeceo,  dirigia  a  Pintura  nos  Theatros  da 
Rua  dos  Condes,  cujo  Emprezario  era  Paulino  José  da 
Silva,  e  do  Salitre  que  pertencia  a  João  Gomes  Varella. 
Para  supprirem  a  sua  falta  mandou  elle  Gaspar  para  o  i.°, 
e  Costa  para  o  2.°,  os  quaes  ficarão,  por  morte  do  Mestre, 
regendo  cada  hum  a  sua  casa.  Gaspar  pintou  a  architectura, 
e  ornatos  do  tecto  da  Capella  Mór  da  freguezia  da  Encar- 
nação, vários  tectos  em  casa  de  Jacintho  Fernandes  Ban- 
deira, e  outras  cousas.  A  fraqueza  que  teve  de  se  abandonar 
incautamente  aos  attractivos  do  bello  sexo  lhe  occasionou 
huma  enfermidade,  que  sendo  mal  curada  lhe  fez  perder 
totalmente  o  uso  das  pernas  por  alguns  annos :  assim  mesmo 
assentado  n'hum  carrinho  dirigio  os  scenarios  no  Theatro, 
e  pintou  no  picadeiro  do  Collegio  dos  Nobres  algumas 
carruagens  para  a  Casa  Real.  Contra  toda  a  esperança  do 
famoso  Cornelio,  e  de  outros  Físicos  foi  radicalmente  curado 
por  Manoel  Lopes  Cirurgião  da  Camará,  que  tinha  também 


--   i63  — 

prolongado  os  dias  de  Agostinho  da  Silva,  creado  muito 
estimado  do  Senhor  Rei  D.  Pedro,  depois  de  o  desampa- 
rarem todos  os  Médicos.  Em  1798  dirigio  as  soberbas  lumi- 
nárias que  mandou  fazer  Anselmo  José  da  Cruz  Sobral 
pelo  nascimento  da  Senhora  Princeza  D.  Maria  Thereza. 

Pintou  muitos  scenarios  para  o  Theatro  de  S.  Carlos, 
e  todos  para  o  Salitre,  não  só  no  tempo  em  que  Paulino 
foi  Emprezario  deste  Theatro;  mas  também  quando  a  Com- 
panhia tomou  a  si  a  empreza,  e  quando  a  teve  António 
José  de  Paula.  Emtanto  engolfando-se  cada  vez  mais  no 
deleite  para  que  era  tão  propenso,  augmentou  a  moléstia 
primitiva  até  o  ponto  de  ganhar  huma  putrefação  nos  ossos 
da  cabeça,  de  que  morreo  em  Bellas  no  dia  4  de  Janeiro 
de  i8o3  com  41  annos  de  idade. 

André  Monteiro,  seu  discípulo,  além  de  ornamentos,  e 
quadraturas,  também  pinta  paizagens,  gados,  caças,  e  outros 
objectos  curiosos,  com  muita  acceitação  do  Publico,  e  pre- 
sentemente está  feito  Mestre  das  Obras  Publicas. 

Simão  Caetano,  sem  estar  muito  doente,  deo  demasiado 
crédito  a  hum  mesinheiro,  que  promettia  puriíicar-lhe  o 
sangue,  e  tomou  successivamente  17,  ou  18  medicamentos 
purgantes,  que  lhe  causarão  huma  inflamação  interna  de 
que  morreo  em  1788  com  64  annos  de  idade.  Era  melan- 
cólico, e  tinha  muita  probidade,  e  desinteresse.  Dos  Thea- 
tros  nunca  tirou  maiores  lucros,  que  os  que  dava  aos  seus 
Ajudantes.  Existe  o  seu  retrato  pintado  por  Domingos  da 
Rosa. 


—  164  — 


Major  Manoel  da  Costa  Negreiros. 

Era  Irmão  do  Pintor  José  da  Costa  Negreiros,  de  quem 
falíamos  a  pag. — Ambos  entrarão  na  Irmandade  de  S.  Lucas 
em  1745.  Sabia  a  perspectiva,  e  fez  profissão  de  Archi- 
tectura.  Fez  a  Ermida  do  Senhor  Jesus  da  Boa  nova  junto 
á  Fundição,  que  he  da  Ordem  Jónica,  e  tem  huma  planta 
assas  regular.  Também  he  sua  a  muito  elegante  torre  do 
relógio  da  Graça,  a  qual  tem  columnas  nichadas  nos  ângu- 
los. Foi  natural  de  Lisboa,  e  Architecto  da  Casa  do  Infan- 
tado como  seu  pae.  Morreo,  sendo  casado,  em  lySo.  Fez 
a  porta  do  Sacramento,  e  o  Palácio  de  Barbacena. 


Luiz  Baptista. 

Teve  por  Mestre  hum  homem  que  lhe  não  soube  ensinar 
nada,  mas  Thomaz  Gomes  achando-lhe  habilidade  empres- 
tou-lhe  estampas,  deo-lhe  lições,  e  introduzio-o  primeira- 
mente com  Francisco  de  Moura,  a  quem  ajudou  a  pintar 
as  tarjas  dos  dóceis  nas  capellas  do  Carmo,  e  depois  com 
Lourenço  da  Cunha  no  Theatro  do  Bairro  Alto,  e  por  fim 
estava  pintando,  e  riscando  eífectivamente  na  Ribeira  das 
Náos  debaixo  do  commando  de  Ignacio  Meireles,  porque 
naquelle  tempo  ainda  se  usava  manobrarem  os  Majores,  e 
Commandarem  os  cabos  de  esquadra.  Pelos  annos  1781 
pintou  a  perspectiva  no  tecto  da  freguezia  da  Pena:  morreo 


—   i65  — 

4  annos  depois  tendo  quasi  óo  de  idade.  As  reprezas  forão 
pintadas  por  elle,  por  José  Thomaz  Gomes,  e  por  Jerónimo 
de  Andrade.  Os  baixos  relevos,  e  as  cabeças  nas  repre- 
zas por  José  Caetano  Cyriaco.  João  de  Rhodes  pintava  o 
corpo  amarellado,  quando  adoecendo  repentinamente  mor- 
reo  pouco  tempo  depois.  As  flores  são  de  Thomaz  Gomes. 
Luiz  Baptista  foi  Mestre  de  Manoel  Macário,  que  pintou 
as  flores  no  tecto  da  Capella  Mór  da  Bemposta,  e  morreo 
muito  moço,  e  de  seu  Irmão  Eusébio  Lopes,  que  dirigia 
as  pinturas  dos  escaleres  na  Ribeira  das  Náos,  o  qual 
morreo  de  5o  annos  a  6  de  Setembro  de  i8i8.  Jaz  na  Fre- 
guezia  da  Pena. 


Jerónimo  de  Akdrade. 

Foi  hum  exceliente  Pintor  de  Ornatos,  e  Architectura : 
Achou-se  sempre  entre  os  que  executavao  no  seu  tempo 
as  melhores  obras  da  Corte.  Desenhou,  executou,  e  dirigio 
o  tecto  da  Igreja  de  S.  Paulo,  que  he  de  perspectiva,  sendo 
ajudado  por  José  Thomaz  Gomes,  Vicente  Paulo,  e  Gaspar 
José  Raposo.  Nasceo  em  Lisboa  em  171 5,  entrou  na  Irman- 
dade do  Santo  em  23  de  Outubro  de  1746,  e  faleceo  pelo 
Natal  de  1801. 

Por  estes  tempos  florecêrão  outros  Pintores  notáveis 
destes  mesmos  géneros.  Thomaz  Gomes  foi  exceliente  em 
ornatos,  flores,  paizagens,  e  ruinas,  que  pintava  com  bello 
gosto  de  cores,  e  toque  de  pincel,  nas  cercaduras,  e  nos 
meios  das  seges.  Era  por  extremo  acanhado,  e  modesto,  e 
nunca  quiz  dirigir  obras.   Os   seus  discípulos   forão  seus 


—   i66  — 

filhos  José  Thomaz  Gomes  que  morreo  em...  e  Pedro 
António  Gomes  que  faleceo  nos  primeiros  de  Setembro  de 
1819  de  60  annos.  O  Pae  morreo  de  69,  ou  70  annos  por 
1783. 

Francisco  Gomes  Teixeira,  Irmão  de  Jerónimo  Gomes, 
e  seu  condiscipulo  na  Escola  de  José  Bernardes,  também 
pintava  flores,  fructos,  ornatos,  &c. 

Thomaz  de  Brito  de  Souza  natural  da  Bahia,  era  hum 
dos  que  escurecião  bem  o  ouro  na  Ribeira  das  Náos.  Ajudou 
o  Bochecha  a  pintar  os  ornatos  no  tecto  de  Xabregas,  e 
Manoel  da  Costa  nos  de  Domingos  Mendes.  Tinha  mulher, 
filhos,  vivia  cheio  de  desgostos,  e  desappareceo  de  Lisboa 
pelos  annos  1788,  tendo  quasi  60  annos.  Entrou  na  Irman- 
dade em  53. 

José  Carvalho  Rosa  sérvio  os  Senhores  Infantes  de 
Palhavã  em  qualidade  de  Porteiro  da  Cana,  e  teve  occasiao, 
e  commodo  para  copiar  as  preciosas  flores  que  se  creavão 
naquelle  vasto  jardim,  de  sorte  que  no  seu  tempo  teve  a 
reputação  de  ser  o  melhor  naquelle  género.  Pintava-as 
grandemente  a  óleo,  mas  ainda  melhor  de  illuminação. 
Ignacio  José  de  Azevedo  Coutinho  possuia  algumas,  que 
erão  impagáveis.  Entrou  na  Irmandade  em  3o  de  Outubro 
de  1744.  Morreo  pelos  annos  78  sendo  já  velho. 


Franxisco  Xavier  Lobo. 

Nasced  em  Lisboa,  e  foi  filho  de  António  Lobo,  de  quem 
fizemos  menção   a  pag.  —  Estudou   a   Ai  te   na  escola   de 


—   167  — 

André  Gonçalves.  Pintou  figuras,  paizagens,  ornamentos, 
fructos,  e  objectos  naturaes,  tudo  mediocremente.  Tinha 
espirito  filosófico,  e  mordaz;  e  sem  ser  grande  Poeta  fez 
alguns  epigramas  que  tinhão  sal.  Collocando-se  em  sitio 
muito  elevado  huma  estatua  de  bronze,  cujo  metal  tinha 
sido  de  hum  sino,  e  fazendo  elle  n'huma  decima  hum  elo- 
gio ao  Heroe,  dizia: 

Abatello  a  Inveja  fora  ! 
Náo,  que  por  sua  bondade 
Aqui,  e  na  eternidade 
Alto  está,  e  alto  mora. 

Huma  mulher  que  deitara  em  seu  marido  huma  ajuda 
d'agua  forte,  disse-lhe  no  fim  de  hum  Soneto: 

Vai  fazer  aos  hereges  essa  esmola 
Serás  a  estirpaçáo  das  herezias. 

A  João  Xavier  de  Mattos,  que  se  queixava  muito  nos 
seus  versos  dos  desdéns  da  sua  Olaia,  enviou  hum  Soneto 
que  terminava  com  os  seguintes  máos  conselhos : 

Amigo,  se  queres  que  ella  caia 

Põe  de  parte  os  teus  mimos  de  Poeta 

Da-lhe  o  lenço,  ã  fita,  o  pente,  a  saia; 

Esta  escola  de  amar  he  mais  discreta: 
E  escusarás  de  andar  atrás  d'01aia 
Toda  a  vida  a  gemer  feito  pateta. 

Passando  por  hum  beco  solitário  aonde  vio  á  janella 
huma  meretriz  que  olhava  para  elle  com  attençao,  pergun- 
tou-lhe:  ha  que  lidar?  Traduzia  Comedias  Italianas;  e  huma 


—  i68  — 

que  compoz  em  Portuguez,  chamada  vulgarmente  a  Gale- 
gada,  teve  muito  applauso.  Fez  o  papel  de  satírico,  e  gra- 
cioso da  Missa  mal  ouvida  das  mulheres.  Escreveo  diálogos 
sobre  a  pintura  em  que  dá  boas  instrucções,  e  propõem 
também  certas  difficuldades,  de  que  desejaria  a  solução. 
Ms.  Breve  Tratado  da  Pintura  prática,  e  especulativa.  Sylva 
Laudatoria  aos  Pintores,  Escultores,  e  Architectos  do  seu 
século,  feita  á  imitação  da  que  fez  em  Hespanha  a  simi- 
Ihante  assumpto  Lopo  Félix  da  Veiga  Carpio.  Louvor  á 
sublime  Arte  da  Pintura :  diz  delia  que  tudo  imita 

Só  a  voz  não  se  pinta,  mas  que  importa? 
Quando  as  acções  de  quantos  alli  vemos 
Pintados,  mostráo  o  que  a  voz  não  disse. 
Relincháo  os  cavallos  com  soberba; 
Os  donos  seus  contrários  amedrentao; 
O  General  as  ordens  determina; 
O  ferido  se  queixa;  o  fraco  treme. ... 

Desta  mesma  familia  tivemos  mais  dous  Pintores.  Joaquim 
José  Lobo,  irmão  de  Francisco  Xavier,  e  José  Joaquim  Lobo, 
seu  sobrinho,  ambos  figuristas,  o  i.°  morreo  pelo  terremoto, 
e  o  2.°  terminou  os  seus  dias  pelos  annos  1793  de  60  annos, 
ou  mais. 


João  Pillement. 

Famoso  Pintor  Francez  de  paizagens,  gados,  e  decora- 
ções de  gabinetes.  Costumou-se  a  viajar,  e  esteve  três  vezes 
em  Lisboa:  a  i.'"»  antes  do  terremoto  de  55,  a  2.^  pelos 
annos  1766,  e  a  ultima  14  annos  depois.  Desta  ultima  vez 


—  169  — 

demorou-se,  e  fez  muitos,  e  hellos  paizes,  huns  a  pastel, 
(género  em  que  se  excedia),  outros  a  óleo,  e  todos  se  acháo 
pelos  gabinetes  dos  curiosos.  Antes  de  se  retirar  fez  apres- 
sadamente hum  certo  número  delles  que  dividio  em  lotes, 
e  organisou  huma  loteria  de  mil  moedas.  Pintou  para  casa 
de  Gerardo  Devisme  em  Bemfica  dous  pequenos  gabinetes 
por  220  moedas. 

Tinha  em  sua  companhia  M.'^  Louvete  sua  sobrinha, 
que  foi  ao  Paço  fazer  alguns  retratos  de  miniatura,  e  tam- 
bém gravava  a  agua  forte. 

Os  seus  discipulos  em  Lisboa  forao  Joaquim  da  Costa, 
Irmão  de  Manoel  da  Costa,  e  Joaquim  Mellisent,  que  se 
applicou  a  desenhar  flores :  abria  de  agua  forte,  e  foi  em- 
pregado nas  estampas  para  o  papel  moeda,  por  1797. 

Pillement  quando  deixou  Lisboa  era  mais  que  septuage- 
nário. 


Francisco  de  Figueiredo. 

Se  a  perícia  da  Arte  andasse  sempre  annexa,  como  al- 
guns cuidão,  a  hum  génio  lunático,  e  extravagante,  este 
Artista  poderia  competir  na  perspectiva  com  o  Padre  Pozzo, 
na  figura  com  o  Corregio,  e  no  ornato  com  Albertoli,  por- 
que em  todos  estes  géneros  nos  deixou  obras,  mas  muito 
más,  como  se  pode  vêr  nos  tectos  de  S.  João  da  Praça,  e 
das  Chagas.  Porém  senão  tinha  letras,  sabia  impor  muito 
bem  com  as  suas  tretas.  Sempre  fallava  na  Academia  de 
S.  Fernando,  e  em  muitas  outras  aonde  fora,  dizia  elle, 
Académico:   jactava-se   de  improvisador,  ás   vezes  queria 


—  170  — 

apostar  que  havia  de  compor  alguma  cousa  grande  em 
quanto  se  deitasse  hum  foguete,  e  com  effeito  como  elle 
riscava,  e  fingia  com  o  som  da  sua  voz  os  estoiros  do 
foguete  acabava  tudo  ao  mesmo  tempo.  Não  lhe  esqueciao 
os  cinco  pontinhos  no  papel  para  irem  tocar  nelles  a  cabeça, 
pés,  e  mãos  de  qualquer  figura  humana  que  se  pedisse, 
aqui  he  que  elle  se  fazia  admirar  não  só  da  multidão,  mas 
até  de  alguns  entendedores  ? 

Francisco  de  Figueiredo  era  natural  do  Porto,  fez  algu- 
mas viagens,  e  foi  a  Évora  aonde  pintou  vários  painéis  no 
Convento  de  Santo  Eloi:  de  lá  passou  a  Lisboa,  e  fez 
grande  amizade  com  Francisco  de  Setúbal,  que  lhe  retocou 
a  tempera  os  painéis  do  tecto,  e  paredes  de  S.  João  da 
Praça,  que  elle  havia  pintado  a  fresco. 

O  muito  uso  que  fazia  de  licores  espirituosos  augmen- 
tava  ás  vezes  a  sua  loucura  ordinária.  Os  Padres  Vicentes 
o  recolherão,  e  occupárão  nos  fins  da  sua  vida,  que  foi 
pelos  últimos  annos  do  século  passado,  sendo  já  velho. 


Mr.  Rosa. 

Foi  hum  Pintor  do  ultimo  século  muito  notável  no  género 
'de  gados,  e  paizagens,  esteve  em  Roma,  e  em  outros  paizes, 
e  crê-se  que  também  em  Lisboa  aonde  na  collecção  do 
Marquez  de  Lavradio,  e  em  outros  gabinetes,  deixou  bas- 
tantes painéis  seus,  pintados  com  boa  maneira,  e  grande 
pasta  de  tinta. 

Francisco  Paes,  muito  bom  Pintor  de  fructos,  flores,  etc. 


—  171  — 

e  protegido  pela  Casa  de  Abrantes  copiou  alli  com  grande 
franqueza  alguns  dos  seus  painéis.  Pintou  o  tecto  de  S.  Fran- 
cisco de  Paula,  e  outros  na  Patriarchal  incendiada  logo 
depois  do  terremoto.  Ainda  vivia  contando  bastantes  annos. 


Diogo  Magina,  e  outros  Pintores 
DO  Algarve. 

He  muito  para  acreditar  que  no  R.eino  do  Algarve  tenhao 
florecido  alguns  Artistas  dignos  de  memoria ;  entre  elles 
deve  occupar  hum  bom  lugar  Diogo  Magina  natural  de 
Tavira,  o  qual  esteve  em  Lisboa  pelos  annos  1766,  e  pintou 
os  painéis  da  Vida  de  Nossa  Senhora,  que  estão  sobre  as 
Capellas  na  Penha  de  França.  Tinha  estado  em  Sevilha,  e 
estudado  naquella  Cidade  pelas  pinturas  de  Murillo.  Quando 
em  1775  passamos  por  Aiamonte  estava  elle  alli  fazendo 
algumas  obras,  e  parecia  ter  5o  annos.  Foi  discípulo  de 
Diogo  de  Souza  de  Loulé,  (pae  de  hum  Lente  da  L'niver- 
sidade  de  Coimbra),  o  qual  fez  algumas  pinturas  na  Fre- 
guezia  de  Castro  Verde,  e  as  batalhas  de  D.  Affonso 
Henriques  na  Igreja  dos  Remédios. 

Pelos  annos  181 1  vivia  em  Faro  Joaquim  José  Rasquinho, 
tendo  cousa  de  60  e  tantos  annos,  depois  de  ter  feito  varias 
obras  de  pintura  no  Alemtéjo,  e  no  Algarve,  sendo  huma 
delias  o  tecto  de  Architectura  com  hum  painel  da  Virgem 
Immaculada  na  Conceição  de  Loulé. 

Seu  filho  o  Cónego  Rasquinho  em  Faro  também  sabe 
pintar  muito  bem  figuras,  e  paizagens. 


Temos  noticia  de  outro  Pintor  de  Tavira,  João  Rodri- 
gues Andrinos,  que  foi  Pae  e  Mestre  de  Theodora  Maria, 
a  qual  morreo  em  1761,  tendo  24  annos  de  idade. 

No  ultimo  século  viverão  em  Lisboa  outros  Pintores,  e 
Escultores  do  Algarve.  Pedro  de  Alcântara  pintou  com 
muita  valentia  as  paizagens,  tanto  a  óleo  em  painéis,  como 
a  tempera  em  pannos  de  casas,  e  nos  Theatros.  O  Medico 
da  Gamara  Alberto  de  Azevedo  possuia  hum  certo  número 
de  quadros  seus  com  lindas  figurinhas  de  Pedro  Alexan- 
drino. Entrou  na  Irmandade  de  S.  Lucas  em  o  i.°  de 
Outubro  de  1747,  ainda  vivia  pelos  annos  1763. 

Nicoláo  Monteiro  pintava  com  galantaria  certas  bambo- 
chatas de  anões  que  comião,  bebião,  e  jogavão  ás  vezes  as 
cartas,  ás  vezes  pancadas.  Inventou  depois  hum  novo  modo 
de  estofar,  e  encarnar  as  Imagens  de  Escultura,  com  grande 
perfeição,  e  foi  imitado  por  seu  filho  Manoel  Francisco  Mon- 
teiro, José  Antunes  dos  Reis,  Theodoro  da  Fonseca,  e  outros. 

Gregório  Madeira  não  se  podendo  sustentar  no  género 
histórico  em  que  começara,  applicou-se  á  Architectura,  e 
Ornato,  pintava-o  muito  bem  a  óleo,  e  a  tempera.  Entrou 
na  Irmandade  de  S.  Lucas  no  i.°  de  Fevereiro  de  1748,  e 
existia  ainda  por  — 

António  dos  Santos  da  Gruz,  Escultor,  natural  de  Faro. 
v.  p. 


Jerónimo  Gomes  Teixeira, 

Nasceo  em  Lisboa,  e  foi  discípulo  de  José  Bernardes, 
que  pintou  as  flores  no  tecto  da  Portaria  da  Graça,  e  de 


*  —  173  — 

quem  falíamos  a  pag.  —  Casou  a  i.^  vez  com  a  filha  de 
seu  Mestre,  que  morreo  no  terremoto  de  55.  Depois  de 
huma  viuvez  de  27  annos,  sendo  já  velho  tornou  a  casar 
como  huma  donzella  de  poucos  annos,  cunhada  de  seu 
filho,  que  casou  pelo  mesmo  tempo. 

Pintava  grandemente  os  objectos  de  Architectura,  orna- 
tos, e  perspectiva;  e  tinha  na  combinação  das  cores  hum 
gosto  particular.  He  seu  o  tecto  de  Santa  Justa,  e  o  da 
Capella  Mór  dos  Martyres :  fez  quantidade  de  outras  obras 
em  que  lucrava  pouco,  porque  as  fazia  muito  baratas ;  e 
mesmo  ás  vezes  não  tirava  para  as  despezas.  Tinha  grande 
geito  para  ensinar  praticamente  os  seus  discípulos,  com 
modos  sempre  risonhos,  de  maneira  que  nas  grandes  obras 
sempre  o  veríeis  cercado  de  rapazes  principiantes,  alguns 
dos  quaes  avultavão  mais  do  que  elle,  que  era  muito  baixo, 
e  muito  magro,  ainda  que  de  agradável  presença.  Teve 
por  discípulos  seu  filho  José  Joaquim  Gomes  que  lhe  foi 
inferior  em  talentos,  e  morreo  pelos  annos....  Vicente 
Paulo  da  Rocha  natural  da  Alhandra,  sugeito  de  grande 
mérito,  porque  não  só  executa  bem  qualquer  desenho  de 
ornato,  ou  quadratura,  mas  tem  o  dom  de  alegrar  a  com- 
panhia, arremedando  com  propriedade  alguns  homens,  e 
animaes. 

Eugénio  Joaquim  Alves  também  tem  ajudado  a  executar 
desenhos  alheios,  e  seus,  e  tem  feito  de  sua  invenção  bons 
scenarios  no  Theatro  do  Salitre,  etc.  He  Mestre  de  seu 
filho. 

FeUx  José  Fernandes  nascido  também  em  Lisboa  come- 
çou a  estudar  em  1788,  quando  seu  Mestre  fazia  o  tecto 
de  Santa  Justa.  Em  1806,  e  1807  regia  os  The  atros  áç 


—   174  — 

Salitre,  e  da  Boa  hora  em  Belém.  Sobrevindo-lhe  ao  pes- 
coço alguns  tumores  scrofulosos  morreo  delles  em  1811 
contando  38  annos  de  idade. 


MoNsiEUR  Bernardo  Foit. 

Era  natural  de  Pau  Freguezia  de  S.  João  da  Luz,  e  foi 
Pintor  de  historia,  e  de  perspectiva,  e  em  ambos  os  géneros 
tem  obras  publicas  na  Igreja  dos  Barbadinhos  Francezes, 
onde  fez  o  retábulo,  e  painel  da  Capella  Mór,  e  em  Santa 
Isabel,  para  onde  pintou  o  de  S.  Gonçalo.  Em  as  Ermidas 
junto  ao  Lumiar  tem  também  Nossa  Senhora  do  Carmo, 
e  Nossa  Senhora  da  Conceição.  Tinha  igualmente  uso  de 
fazer  retratos.  Obteve  huma  pensão,  e  o  titulo  de  Pintor 
do  Senhor  Rei  D.  José.  Faleceo  de  mais  de  80  annos  de 
idade  em  1791,  ou  92,  deixando  muitas,  e  boas  estam- 
pas, e  painéis  ao  seu  discípulo  António  Manoel  Ferreira 
Lima,  o  qual  alem  da  pintura,  também  he  Professor  de 
Quimica. 

Por  aquelles  tempos  a  rogo  de  Mr.  la  Croix  veio  de 
França  para  dirigir  as  pinturas  na  Fabrica  das  caxas,  e 
carruagens,  Mr.  Gerard  Pintor  de  bello  comportamento, 
mas  de  mediocre  habilidade,  o  qual  em  1770  pintou  o 
painel  da  Senhora  d'Atalaia,  que  está  na  Conceição  dos 
Freires.  Casou  em  Lisboa,  e  cá  terminou  os  seus  dias. 


-  175  - 


Jose'  António  Narciso. 

Vio  a  luz  em  Lisboa  em  lySi.  Tendo  lo,  ou  ii  annos 
começou  a  desenhar  perspectivas,  e  ornatos  debaixo  da 
direcção  de  Simão  Gomes  dos  Reis,  filho  do  Capitão  José 
Pinhão  de  Mattos,  que  pintou  a  óleo  as  vistas  de  Lisboa, 
e  de  Goa,  cujos  painéis  estiverão  no  Collegio  dos  Nobres. 
Ambos  erão  naturaes  de  Pernambuco. 

Passou  depois  a  escurecer  ouro  na  Ribeira  das  Náos, 
onde  sub  o  commando  de  Ignacio  Meireles  se  pintavão  os 
escaleres,  e  outras  embarcações  do  Rei  ornado  tudo  rica, 
e  artistamente  com  delfins,  conchas,  busios,  espadanas,  de 
ouro  escurecido,  sobre  fundo  azul  celeste',  tendo  elle  huma 
certa  primazia  sobre  os  seus  collegas.  Isto  durou  até  os 
annos  de  lySõ,  tempo  em  que  entrou  Luiz  Baptista,  de 
quem  não  era  amigo,  o  qual  ficou  supprindo  o  seu  lugar. 

Achando-se  o  tecto  da  Igreja  do  Cabo,  que  era  pintado 
por  Lourenço  da  Cunha,  muito  damnificado,  elle  por  ordem, 
e  á  custa  do  Rei  o  foi  pintar,  superintendendo  á  obra  Pedro 
Teixeira. 

Em  quanto  Ignacio  de  Oliveira  foi  Architecto  Decorador 
do  Theatro  Régio,  José  António  dirigia  a  pintura  dos  sce- 
narios  que  elle  inventava,  e  ainda  depois  da  vinda  de  Azzo- 
lini,  foi  dirigir  em  Salvaterra  a  pintura  da  burleta  determi- 
nada pelo  mesmo  Ignacio.  No  tempo  de  Azzolini  pintou 
hum  bosque  em  competência  com  outro  pintado  por  Jeró- 
nimo Gomes. 

Ignacio  de  Oliveira  foi  sempre  o  Architecto  dos  Theatros^ 


—  176  — 

que  pelas  festas  se  armavão,  e  desarmavão  em  Queluz,  e 
dos  scenarios  que  alli  se  executarão,  de  cuja  pintura  costu- 
mava incumbir  o  nosso  Narciso.  Este  sendo  compadre,  e 
muito   amigo   de  Manoel  Caetano  de  Souza  imaginava,  e 
desenhava  a  maior  parte  dos  ornamentos,  e  quadraturas 
que  elle  fez  executar  nas  suas  obras,  o  que  era  feito  com 
grande  magistério,  sim,  mas  no  máo  gosto  Alemão,  que 
ainda  por  cá  se  usava.  Pintou  os  ornatos,  e  architecturas 
de  muitos  tectos  em  Igrejas,  e  Palácios  taes  como  os  da 
Casa   de  Barbacena,   o   do  Loreto,  Martyres,  Conceição, 
S.  Domingos,  e  Bemposta;  o  de  S.  Julião  feito  em  1800, 
e  mcendiado  16  annos  depois,  o  do  Sacramento,  &c.  Tam- 
bém tinha  pintado  o  de  Santa  Quitéria,  para  onde  se  retirou 
em  1809,  occupando-se  alli  com  módico  estipendio;  mas 
quando  nos  fins  de  Setembro  entrou  o  exercito  de  Massena 
teve  de  abandonar  o  pouco  que  tinha,  e  retirar-se  precipi- 
tadamente a  pé  com  a  sua  familia,  achando-se  na  pátria 
como  emigrado,  e  precisando  aproveitar  a  sopa  económica 
Morreo  em  181 1.  Foi  Mestre  de  seu  filho  Anacleto  José 
Narciso,  Joaquim  Romão,  e  de  João  de  Deos. 


O  Morgado  de  Setúbal. 

José  Amónio  Benedicto  de  Barros,  de  huma  familia  assas 
distincta,  e  fecunda  em  homens  sábios,  creou-se  em  Mafra 
aonde  teve  lições  do  grande  Vieira,  cuja  casa  frequentava. 
Foz-se  depois  a  pintar  de  curiosidade  toda  a  sorte  de  obje- 
ctos, que  lhe  parecião  pinturescos,  como  aves,  animaes, 


—  177  — 

utencilios  de  cozinha,  fructos,  labregos  notáveis,  ortaliças, 
&c.;  e  apezar  da  extrema  secura,  e  dureza  do  seu  pincel, 
c  da  má  composição  dos  seus  painéis,  ha  em  muitos  delles 
cousas  tão  naturaes,  que  agradão  aos  mesmos  Artistas. 
Retratou  também  alguns  amigos,  e  entre  outros  António 
José  de  Paula,  famoso  Actor  Portuguez.  Vivia  em  Setúbal 
aonde  nutria  huma  paixão  irregular,  e  como  os  allimentos 
que  seu  pae  lhe  dava  não  bastassem  para  as  despezas  que 
fazia,  usou  da  Arte  como  professor  até  os  annos  1804, 
tempo  em  que  pela  morte  de  seu  pae  herdou  a  casa  que 
rendia  10  a  12  mil  cruzados.  Amava  as  bellas  letras,  e  lia 
livros  Latinos,  Francezes,  Italianos,  &c.  Depois  da  herança 
vivia  com  os  seus  amigos  tão  familiarmente  como  d'antes. 
Levou  sempre  huma  vida  mui  sedentária,  e  morreo  celiba- 
tário de  hum  insulto  appopletico  pelos  annos  1809,  não 
tendo  ainda  60  de  idade.  Desejou  muito  legitimar  huma 
filha  para  ser  sua  herdeira,  mas  não  o  conseguio  pela  ter 
havido  em  mulher  casada.  Assim  passou  o  vinculo  a  seu 
sobrinho,  filho  de  sua  irmã,  e  do  famoso  Mathematico  José 
Joaquim  de  Barros  seu  tio. 


Manoel  Caetano  de  Souza. 


Filho  e  discípulo  de  Caetano  Thomaz.  Por  morte  de 
Matheus  Vicente  succedeo-lhe  no  lugar  de  Architecto  do 
Infantado,  e  pela  de  Reynaldo  foi  nomeado  Archilecto  das 
Obras  Publicas,  e  teve  Patente  de  Coronel  de  Artelharia. 
Reedificou  de  novo  a  Freguezia  da  Encarnação,  a  Igreja 


—   lyS  — 

de  S.  Domingos,  a  Real  Capella  da  Bemposta,  e  fez  a  sua 
casa  nobre,  a  de  Domingos  Mendes,  e  a  torre  da  Capella 
Real  da  Ajuda,  &c. 

Foi  Mestre  de  seu  filho  Francisco  António  de  Souza, 
Cavalheiro  da  Ordem  de  Christo,  que  lhe  succedeo  nos 
lugares  de  Architecto  do  Infantado,  da  Patriarchal,  e  das 
Três  Ordens  Militares.  Pela  morte  da  Senhora  D.  Maria  1/ 
fez  o  seu  apparato  fúnebre  na  Basílica  do  Coração  de  Jesus. 

Manoel  Caetano  teve  o  Habito  de  Aviz,  e  morreo  mesmo 
no  Paço  em  1802  com  64  annos. 

Quando  os  Fidalgos  fizerão  as  Cavalhadas  no  Terreiro 
do  Paço,  foi  elle  o  Architecto  do  Anfitheatro,  e  nessa  occa- 
sião  Eusébio  de  Oliveira,  natural  de  Benavente,  fez  em 
perspectiva  a  decoração  do  camarote,  ou  varanda  Real. 
Teve  muito  uso  de  riscar,  e  pintar  quadraturas  no  Theatro 
Régio,  e  nos  outros,  assim  como  em  tectos.  Morreo  em 
Lisboa  em  1814  tendo  mais  de  60  annos,  depois  de  ter  sido 
muito  maltratado  pela  gota. 


NicoLAO  Luiz  Alberto  de  la  Riva. 

Descendia  de  antigos  Hespanhoes,  que  se  estabelecerão 
em  Lilla,  aonde  elle  nasceo  em  1755.  Alli  mesmo  começou 
a  estudar  a  Arte  com  Heinsius  retratista  Alemão,  dese- 
nhando o  nú  na  Academia;  mas  em  76  desejando  melhores 
estudos  sahio  da  Pátria,  e  esteve  dous  annos  em  Artois 
com  o  Conde  de  Neuville,  cançou-se  pouco  julgando-se, 
dizia  elle  mesmo,  bastante   sábio,  mas  quando  chegou   a 


—   179  — 

Paris  fez  de  si  bem  diverso  conceito.  Tendo-se  inclinado 
ao  género  das  batalhas,  e  ao  das  bambochatas,  frequentou 
a  escola  de  Casanova,' Pintor  Italiano  destes  objectos,  e 
sahia  ás  praças,  e  aos  campos  a  desenhar,  e  a  pintar  arvo- 
res, animaes,  paizanos,  etc. :  e  Luiz  Wateau  Director  da 
Academia  de  Lilla,  (Primo  do  famoso  António  Wateau), 
o  recebeo  como  Académico  de  mérito  em  composições  de 
combates:  casou,  e  esteve  alli.até  á  revolução  de  1790. 
Em  92  veio  a  Lisboa  donde  5  annos  depois  voltou  a  Hes- 
panha,  deixando  cá  a  mulher;  alli  retratou  em  corpos  in- 
teiros o  Duque  dei  Infantado,  e  a  Marqueza  de  Santa  Cruz, 
que  pintava  com  magistério,  e  protegia  eíficazmente  os 
Artistas.  Tornou  a  esta  Corte  em  1800.  Retratou  o  Prin- 
cipe  Regente  em  meio,  e  inteiro  corpo.  Três  annos  depois, 
por  intervenção  de  João  Diogo  de  Barros,  obteve  huma 
pensão  he  6ooííí)  réis  para  pintar  no  Picadeiro  Régio  todos 
os  objectos  de  picaria.  Retratou  ElRei  em  grande  a  cavallo, 
mas  o  seu  talento  próprio  era  para  cousas  pequenas.  Em 
1809  comprou  na  feira  por  quatro  moedas  huma  taboa  da 
Annunciação  de  Pintor  Portuguez  antigo,  imitador  de  Gaspar 
Dias.  Não  se  sabe  como  este  quadro  passou  por  hum  Rafael, 
he  certo  porém  que  hum  General  ínglez  lhe  deo  por  elle 
o  equivalente  de  2o3í)  cruzados.  Morreo  em  Lisboa  em 
Junho  de  18 18. 


Manoel  da  Costa. 

Natural   de  Abrantes,  parente   de  Manoel  Constâncio, 
que   foi  Lente   de   Anatomia,   nasceu  quasi  no  tempo  do 


terremoto  de  55,  vindo  para  Lisboa,  foi  estudar  a  Arte  na 
escola  de  Simão  Caetano  Nunes,  quando  elle  regia  também 
o  Theatro  da  Graça,  aonde  podemos  dizer  que  se  creou, 
e  teve  occasião  de  aprender  o  mecanismo  das  tramóias 
que  alli  fazia  hum  bom  Maquinista  H espanhol.  Tendo  aca- 
bado os  seus  estudos  em  76  ou  77,  agregou-se  a  Veríssimo 
António  de  Souza,  que  dirigia  as  pinturas  das  carruagens 
para  a  Casa  Real.  Em  1783,  por  morte  de  seu  Mestre 
succedeo-lhe  na  direcção  da  pintura  do  Salitre,  como  dis- 
semos na  vida  de  Simão  Caetano.  Pouco  tempo  depois  fez 
os  tectos  de  Domingos  Mendes,  aonde  mudou  a  palheta, 
segundo  o  Sj^stema  de  Pillement,  isto  he  usando  geralmente 
dos  escuros  cinzentos  em  todas  as  cores,  e  até  nas  flores, 
cousa  que  lhe  tirava  a  transparência,  e  o  agrado.  Em  87 
foi  Emprezario  na  Rua  dos  Condes  com  Domingos  de 
Almeida;  largando  depois  a  empreza  ficou  como  Pintor,  e 
teve  grandes  altercações  com  Sebastião  da  Cruz  Sobral 
que  protegia  o  Almeida,  e  governava  o  Theatro,  de  que  se 
seguio  pôr  elle  de  parte  os  Pintores  Portuguezes,  e  mandar 
vir  de  Itália  primeiramente  o  Mignola,  e  depois  o  Baila. 
Nesta  época  começou  em  Lisboa  a  decadência  deste  ramo 
da  Arte,  que  se  havia  conservado  com  bastante  perfeição, 
sendo  os  Theatros  a  grande  escola  dos  ornatos,  e  perspe- 
ctivas, e  os  altos  preços  da  entrada  davão  bem  para  a 
despeza. 

Os  novos  vindos  trazião  a  pasta  bem  fornecida  de  bons 
desenhos  seus,  ou  alheios,  mas  a  execução  era  péssima,  e 
tal  como  o  fazião  nos  pobres  Theatros  da  Itália,  aonde  se 
entra  por  40  ou  5o  réis.  Depois  de  Baila  que  pintava  bem 
as  grutas,  e  fez  huma  boa  cazinha,  veio  o  Cavalheiro  Vi* 


—  I«I  — 

cente  Manzoneschi,  Architecto  Civil,  e  decorador,  Dese- 
nhava grandes  pedaços  de  perspectiva;  mas  não  sabia  pintar; 
de  sorte  que  a  nossa  escola  hindo  sempre  de  mal  a  peor, 
veio  a  precipitar-se  de  todo.  Manzoneschi  fez  o  Theatro  do 
Porto,  e  morreo  em  Lisboa  de  6o  annos  de  idade. 

Manoel  da  Costa  fez  muitas  obras,  e  entre  ellas  alguns 
tectos  no  Paço  de  Nossa  Senhora  d'Ajuda,  e  de  Queluz; 
e  retirou-se  para  o  Rio  de  Janeiro  em  1811,  depois  de 
perder  a  formosa  mulher  com  quem  foi  casado. 

Seu  irmão,  e  discípulo  Joaquim  da  Gosta,  nascido  também 
em  Abrantes  em  1783,  estudou  com  elle  8  ou  9  annos,  (teve 
também  lições  de  Pilliment),  começou  a  ser  seu  ajudante 
nos  tectos  de  Domingos  Mendes.  Em  97  por  intervenção 
de  Manoel  Constâncio  conseguio  ser  Pintor  das  carruagens 
da  Casa  Real,  lugar  em  que  presistio  pouco  tempo.  Em 
i8o3,  sendo  emprezario  do  Salitre  Manoel  de  Faria,  es- 
cripturou-se  para  Pintor  daquelle  Theatro :  depois  passou 
para  a  Rua  dos  Condes,  donde  sahira  seu  irmão  por  desa- 
vença que  teve  com  Manoel  Baptista  de  Paula,  e  alli  se 
conservou  até  1812,  tempo  em  que  entrou  João  Chiari.  Fez 
depois  o  novo  Theatrinho  do  Bairro  Alto. 

Chiari  tinha  entrado  para  Pintor  do  Theatro  de  S.  Carlos 
ainda  no  tempo  de  Manzoneschi,  mas  fechando-se  aquella 
casa  por  1809  foi  para  Londres;  tornou  em  1812,  e  ficou 
sendo  Pintor  não  só  do  mesmo  Theatro,  mas  também  do 
da  Rua  dos  Condes,  donde  forão  excluídos  os  Portuguezes. 

Pelos  annos  1787,  tempo  em  que  Manoel  da  Costa  con- 
tentava tanto  o  publico  com  as  lindas  tramóias  que  fazia 
para  os  elogios  na  Rua  dos  Condes,  o  Gaspar  não  era  fehz 
com  as  suas  no  Salitre,  por  cujo  motivo  Paulino  José  da 


.—    l82    — 

Silva  encarregado  da  empreza,  mandou  virTheodoro  Bianchi 
famoso  maquinista  Italiano  por  intervenção  de  Marafe,  que 
era  o  Mestre  dos  bailes,  e  muito  seu  amigo. 

Bianchi  fez  as  tramóias  para  a  Artemisa,  para  a  Rabi- 
cortena,  e  para  outras  peças:  era  natural  de  Modena,  e 
começou  a  estudar  alli  mesmo  a  perspectiva :  depois  elle, 
e  seu  Mestre  ajudarão  a  pintar  os  scenarios,  que  António 
Galli  Bibiena,  irmão  de  João  Carlos,  hia  alli  fazer  pelo 
tempo  da  feira.  Os  três  irmãos  Galliari  em  Milão,  e  Gon- 
zaga em  Veneza  tinhão  introduzido  o  uso  de  pintar  tudo 
no  chão;  estvlo  hum  pouco  mais  breve,  mas  muito  imper- 
feito, e  enxovalhado.  António  Galli,  Minhoia,  Baila,  o  se- 
guião ;  e  hoje  infelizmente  está  de  todo  introduzido.  Bianchi 
fez  muitas  tramóias  nos  Theatros  da  Hespanha:  esteve 
8  annos  em  Barcelona,  alguns  em  Valença,  3o  em  Lisboa 
aonde  depois  de  soffrer  muito  por  huma  retenção  de  ouri- 
nas,  morreo  em.. . . 

Em  quanto  elle  estava  addito  á  Rua  dos  Condes,  (tendo 
mudado  de  Theatro),  hum  certo  Scopeta  Marcineiro  fez 
algumas  obras  magicas  no  Salitre,  que  por  fim  lhe  vierão 
a  custar  a  vida,  morrendo  entalado  em  hum  alçapão.  Do- 
mingos Scopeta  seu  filho.  Pintor  Theatral  de  ornato,  e 
figura,  foi  discípulo  de  Manzoneschi,  e  também  de  Felis- 
berto. 


Francisco  Xavier  Fabri. 

O  Bispo  do  Algarve   D.  Francisco  Gomes   de  Avelar, 
tendo  hido  a  Roma  com  o  Núncio,  trouxe  em  sua  compa- 


—  i83  — 

nhia  Francisco  Xavier  Fabri,  Architecto  Italiano,  dando-lhe 
huma  pensão  de  2ooí?  rs.  para  lhe  fazer,  ou  reedificar  a 
Igreja  da  sua  Sé.  Chegando  a  Lisboa,  franqueou-lhe  a 
entrada  em  casa  do  Conde  de  Óbidos  aonde  teve  cama,  e 
meza,  dalh  hia  dar  HçÕes  de  desenho  a  hum  filho  do  Mar- 
quez de  Abrantes,  e  recebia  por  isso  outra  igual  pensão 
de  2ooítt>  rs. 

Quando  se  cuidou  em  fazer  de  novo  o  Palácio  Real  de 
Nossa  Senhora  da  Ajuda,  que  se  havia  incendiado  em  parte, 
o  Marquez  de  Ponte  de  Lima  Inspector  das  Obras  Publicas 
pedio  hum  risco  para  elle  a  José  da  Costa  e  Silva:  Fabri 
altamente  protegido  pelo  Conde  de  Óbidos,  que  era  genro 
do  Marquez,  apresentou  outro  risco  que  foi  logo  preterido, 
e  depois  preferido.  Entretanto  representou  Manoel  Caetano 
que  como  Architecto  de  Obras  Publicas  e  Reaes,  lhe  per- 
tencia a  execução  daquella  Obra,  e  como  pratico  do  Paço 
sabia  as  casas  da  etiqueta  que  nelle  devião  de  haver,  e  que 
se  não  achavão  no  risco ;  motivo  porque  foi  elle  encarre- 
gado da  execução  de  toda  a  obra,  e  de  fazer  no  desenho 
todas  as  mudanças,  que  lhe  parecessem  necessárias.  Estas 
mudanças  que  erão  muitas,  parecerão  mal  a  D.  Rodrigo 
de  Souza  Coutinho  (i);  e  disse-lhe  no  Paço  diante  de  Sua 
Alteza  Real  cousa  de  que  se  apaixonou  tanto,  que  morreo 
logo  em  1802.  Os  riscos  forão  de  novo  entregues  aos  seus 
authores,  para  por  elles  dirigirem  ambos  a  obra,  como 
fizerão  até  o  tempo  em  que  José  da  Costa  foi  chamado  á 


(i)  D.  Rodrigo  tinha  succedido  ao  Marquez  de  Ponte  de  Lima  na 
inspecção  das  Obras  Públicas,  e  Reaes. 


—  i84  — 

Corte  do  Brazil,  ficando  Fabri  só  incumbido  de  toda  a 
direcção  da  Obra. 

Em  Lisboa  havia  hum  Architecto  de  Obras  Publicas, 
mas  depois  da  morte  de  Manoel  Caetano,  duplicou-se  o 
lugar  o  favor  de  Fabri,  e  de  José  da  Costa.  Fabri  fez  o 
Palácio,  e  Igreja  do  Marquez  de  Castello  Melhor:  era  pro- 
fesso no  Ordem  de  Chrisío,  e  morreo  em  1807.  Por  sua 
morte  ficarão  incumbidos  da  execução  do  risco  os  seus 
Ajudantes,  António  Francisco  da  Rosa,  Joaquim  Marcos 
de  Abreu,  Manoel  Caetano  da  Silva  Girão,  Martinho  José 
Peixoto,  Pedro  António  de  Oliveira. 

Fabri  imaginava,  e  apontava  com  facilidade  vários  dese- 
nhos de  Architectura,  e  varias  vezes  valeo-se  de  Felisberto, 
para  nelles  lhe  desenhar  as  figuras. 


Joaquim  Marques. 

Nasceo  em  Lisboa  pelo  tempo  do  terremoto :  depois  dos 
primeiros  estudos  nas  Aulas,  applicou-se  á  Pintura  na  Fa- 
brica das  caixas,  ramo  de  que  era  director  José  Francisco 
dei  Cusco.  Depois  de  passar  os  5  annos  de  aprendizagem, 
continuou  mais  dez,  até  o  de  1784,  a  empregar-se  alli 
mesmo  como  ajudante  para  pintar  seges,  bandejas,  &c. 
Por  aqueles  tempos  achava-se  Pillement  em  Lisboa,  e  era 
seu  visinho;  fez  amizade  com  elle,  e  entrou  no  empenho 
de  o  imitar  nas  paisagens,  e  naquelles  agradáveis  caprichos, 
a  que  elle  chamava  a  sua  botânica  imaginaria,  porque  se 
compunhão  de  flores,  e  plantas  ideaes :  cousa  que  pareceo 


—  i85  — 

muito  bonita  em  quanto  era  rara.  O  nosso  Marques  soube 
imitar  tão  bem  aquellas  galantarias,  que  todos  os  curiosos 
quizerão  ter  alguma  cousa  da  sua  mão,  ou  fosse  em  tectos, 
ou  em  paredes,  ou  em  painéis,  ou  em  carruagens ;  nem 
seria  fácil  fazer  menção  de  todas :  seu  Mestre  José  Fran- 
cisco, se  valia  delle  quando  tinha  a  fazer  cousas  de  maior 
empenho. 

José  Francisco  dei  Cusco  era  Napolitano,  foi  Pintor  de 
esmalte,  e  pintou  em  Madrid,  para  Carlos  3.°  alguma  loiça 
esmaltada.  Casualmente  veio  depois  a  Lisboa  por  1763 
hum  certo  LaCroix  fabricante  de  pentes,  tinha  achado  o 
modo  de  dissolver  o  copal,  e  queria  estabelecer  huma  fa- 
brica de  caixas,  fez  sociedade  emi  66,  ou  67,  estabeleceo-se 
a  fábrica  aos  Aciprestes,  e  teve  vários  discípulos,  que  forão: 

Miguel  Francisco  dei  Cusco,  filho  de  José  Francisco, 
que  succedeo  a  seu  pae  na  administração  da  fábrica.  Flo- 
rindo, que  morreo  moço.  João  Lopes,  Sebastião  Clemente 
Schiapapietra,  Manoel  dos  Santos  Freitas,  José  Pereira,  e 
Luiz  António. 

Manoel  dos  Santos  Freitas  foi  hum  dos  de  maior  habili- 
dade, e  era  bastante  empregado ;  mas  dando-lhe  a  mania 
para  ser  admirador  enthusiasta  dos  Francezes  que  invadirão 
este  Reino,  esteve  prezo,  e  na  cadêa  com  as  saúdes  que 
fez  a  Napoleão,  escandalizou  de  tal  modo  os  mesmos  faci- 
norosos, que  hum  delles  o  ferio  gravemente  no  rosto  com 
a  navalha  que  lhe  hia  deitar  ao  pescoço.  Foi  por  tanto 
degradado  para  hum  presidio  da  Africa. 

Luiz  António  pertence  a  huma  familia  oriunda  da  Ásia, 
chamada  dos  Chinas.  Alexandre  Metello  tendo  ido  como 
Embaxador  á  China  no  tempo  do  Senhor  D.  João  o  5.°, 


—   i86  — 

fez  conhecimento  em  Macáo  com  Alexandre  Geraldes, 
Chinez  de  Nação,  e  o  induzio  a  que  se  baptizasse,  e  viesse 
com  elle  para  Lisboa.  Aqui  teve  nove  filhos  de  ambos  os 
sexos.  António  da  Silva  Geraldes,  hum  dos  mais  velhos, 
aprendeo  a  pintar  com  hum  estrangeiro,  e  foi  Mestre  de 
seu  filho  João,  e  de  seu  filho  Ambrósio  José.  Fez  hum 
painel  para  a  Ermida  do  Resgate,  e  pintava  laminas  de 
cobre  para  os  devotos,  teve  discípulos  que  pintavão  em 
vidro. 

Luiz  António,  que  era  neto  de  Alexandre  Geraldes,  e 
ficou  sem  pae  em  1736,  começou  a  estudar  a  Arte  com 
hum  certo  Nicoláo  Tolentino  Botelho,  homem  de  cor,  que 
fora  discípulo  de  seu  tio  António  da  Silva.  Da  escola  do 
Nicoláo  passou  para  a  de  José  Francisco  dei  Cusco  na 
fábrica  das  caixas,  e  nella  permaneceo  constantemente  ape- 
zar  do  partido  que  por  intriga  do  dito  LaCroix  se  levantou 
contra  José  Francisco,  a  favor  de  Monsieur  Gerarde,  novo 
Mestre  de  Desenho.  Por  estes  annos  veio  para  a  fábrica 
mais  outro  Pintor  estrangeiro,  por  appelido  o  Carobene, 
que  era  muito  bom,  mas  esteve  pouco  tempo. 

Manoel  Caetano  desejou,  e  conseguio  ter  inspecção  sobre 
muitos  Pintores  dos  que  se  empregavão  em  Queluz,  e  os 
poz,  mesmo  os  bons,  no  predicamento  de  jornaleiros,  mas 
em  recompensa  lhe  fazia  grandes  interesses,  contando  ás 
vezes,  segundo  o  excesso  que  fingia  exigir,  hum  dia  por  2, 
3,  4,  e  mesmo  5  dias.  Joaquim  Marques  que  era  como 
Vice-Inspector,  e  dirigia  tudo,  utilisava  frequentemente  12, 
16,  20-:^'  rs.  cada  dia.  Nunca  a  Arte  da  Pintura  foi  tão 
mecânica,  nem  a  d'Arquitectura  tão  liberal.  Morreo  a  21 
de  Maio  de  1822.  Jaz  na  Igreja  de  S.  José  de  Lisboa. 


I 


José'  da  Costa  e  Silva. 

Nasceo  na  Villa  de  Povos  em  dia  de  S.  Thiago  no  anno 
1747.  Estudou  em  Lisboa  a  Engenharia  com  Filippe  Ro- 
drigues, e  o  desenho  de  figura  com  Carlos  Maria  Ponzoni, 
Milanez,  que  era  Mestre  de  debuxo  no  Collegio  dos  Nobres, 
ainda  que  tivesse  vindo  a  Lisboa  com  outro  destino,  quando 
o  Senhor  D.  João  o  5."  chamou  a  esta  Corte  os  Doutores 
Angelo  Brunelli,  e  Miguel  Ciera,  e  outros  Astrónomos, 
Engenheiros,  Lani  Architecto  Bolonhez,  e  hum  Desenhador 
que  era  Ponzoni,  para  irem  todos  fazer  as  demarcações  na 
Colónia  do  Sacramento.  Chegarão  a  Lisboa  em  1760  de- 
pois da  morte  do  Rei,  e  não  partirão  senão  em  53.  Alguns 
forão  para  o  Pará,  Ponzoni  ficou  na  Bahia,  Brunelli  nave- 
gou 600  léguas  pelo  rio  das  Amazonas  quasi  até  o  Peru, 
e  demorou-se  8  annos,  quando  veio  quiz  tomar  á  sua  conta 
a  educação  de  José  da  Costa,  e  o  fez  começar  os  estudos 
que  dissemos,  de  engenharia,  e  desenho. 

Desejando  depois  ir  a  Bolonha,  sua  pátria,  para  abraçar 
seus  pães  antes  que  morressem,  o  levou  comsigo  para  lá 
estudar,  tendo-lhe  alcançado  huma  pensão  da  Corte  de 
200ílf)  rs.  Partirão  em  Março  de  1769.  O  gosto  bom  da 
Architectura  tinha- se  alli  corrompido  como  nas  outras  Ci- 
dades. Mauro  Tezí,  que  foi  considerado  como  restaurador 
da  boa  maneira,  teve  por  discípulo  Petronio  Fancelli,  ex- 
cellente  Pintor  de  perspectiva,  que  José  da  Costa  elegeo 
para  ser  seu  Mestre,  mas  frequentou  a  sua  escola  só  anno 
e  meio,  porque  elle  passou  a  Veneza.  O  seu  2.°  Mestre  foi 


—  i88  — . 

Carlos  Bianchoni,  grande  Desenhador,  Archítecto  civil,  e 
Pintor  de  historia.  Como  fazia  progressos,  obteve  primeira- 
mente hum  premio  de  2/  classe,  e  no  anno  seguinte  outro 
da  I.*,  mas  proseguindo  os  estudos  com  muita  efficacia, 
foi  recebido  3  annos  depois,  isto  he,  em  1775  entre  os 
Académicos  de  honra,  e  de  mérito  daquella  Universidade. 

No  fim  do  mesmo  anno,  que  era  o  do  grande  Jubilêo, 
passou  a  Roma  aonde  esteve  alguns  mezes,  vendo,  e  dese- 
nhando as  bellissimas  cousas  que  alli  se  admirão:  foi  tam- 
bém a  Nápoles  ver  as  antiguidades  do  Pozzuollo,  Herculano, 
&c.;  a  Vicenza,  e  Veneza  famosas  pelas  obras  de  Palladio; 
a  Verona,  recommendavel  pelo  amphitheatro  dos  Romanos; 
a  Florença,  Liorne,  Pisa,  célebres  por  tantas  obras  primo- 
rosas. 

Em  Setembro  de  1779  achando-se  vaga  em  Coimbra  a 
Cadeira  de  Architectura,  que  pelos  novos  estudos  devia 
haver  na  Universidade,  recebeo  huma  carta  do  Conselheiro 
Joaquim  Ignacio  da  Cruz  Sobral,  em  que  o  convidava,  da 
parte  do  Ministério,  para  a  ir  occupar,  mercê  que  não 
acceitou. 

Chegando  a  Lisboa  foi  convidado  pelos  Italianos  para 
acabar  a  Capella  Mór  do  Loreto,  que  Manoel  Caetano 
tinha  começado.  A  Senhora  Rainha  D.  Maria  por  Alvará 
de  23  de  Agosto  de  1781  mandou  criar  pela  Meza  Censória 
huma  nova  Aula  de  Desenho:  José  da  Costa  foi  provido 
na  Cadeira  d' Architectura  com  /\.bo!tP  rs.  de  ordenado,  tendo 
por  Substituto  Joaquim  Carneiro  da  Silva. 

Em  8g  fez  os  seus  desenhos  para  o  novo  Erário,  e  teve 
em  premio  hum  donativo  de  600^  rs.  com  huma  pensão 
de  400  pela  direcção  da  obra,  e  a  promessa  de  succeder  a 


—  189  — 

Reynaldo  nas  Obras  Publicas,  o  qual  estava  enfermo,  e 
viveo  poucos  mezes  mais ;  em  tanto  adoeceo  a  Senhora 
Rainha,  e  Manoel  Caetano  pedio,  e  obteve  o  lugar  de 
Reynaldo. 

Em  92  fez  os  desenhos  para  o  Theatro  de  S.  Carlos, 
que  se  começou  no  anno  seguinte  debaixo  da  inspecção  de 
Sebastião  António  da  Cruz  Sobral.  No  mesmo  anno  foi 
começada  a  obra  de  Runa  por  ordem  da  Serenissima  Se- 
nhora D.  Maria  Francisca  Benedita.  Em  hum  plano  rectan- 
gular de  456  palmos  de  frente,  e  por  280  de  fundo  se 
contêm  hum  Hospital  para  Militares  inválidos,  hum  Pala- 
ceto  para  habitação  de  S.  A.  R.,  e  no  cemro  a  Igreja, 
cuja  Planta  he  huma  Cruz  latina  com  remates  semicircula- 
res ;  he  toda  de  pedras  de  cortes,  incrustada  por  dentro 
de  finos  mármores  manchados  de  varias  cores ;  enrequecida 
com  estatuas,  algum.as  vindas  de  Itália,  algumas  feitas  pelo 
Leal.  la-se  acabar  em  1807  quando  entrarão  os  Francezes. 
Os  corpos  de  logis  tem  3  andares,  e  cousa  de  70  palmos 
de  alto. 

Tendo-se  incendiado  pelos  annos  1796  o  Real  Palácio 
de  Nossa  Senhora  da  Ajuda,  feito  á  pressa  logo  depois  do 
terremoto,  cuidou-se  em  novo  plano  para  ser  reedificado 
com  maior  solidez,  e  José  da  Costa  foi  incumbido  dos 
desenhos.  Fabri  achava-se  então  em  Lisboa  muito  protegido 
pelo  Conde  de  Óbidos,  e  conseguio  poder  também  apre- 
sentar riscos  para  a  mesma  obra,  os  quaes  forão  primeira- 
mente desaprovados,  e  depois  bem  acceitos.  Manoel  Caetano 
requereo,  como  sendo-lhe  divida,  a  execução  do  risco,  e 
corrigio-a,  podendo  até  emendar ;  mas  foi-lhe  tirada  pouco 
antes  da  sua  morte  em  1802,  e  entregue  o  risco  a  Costa^ 


—   Igo  — 

e  a  Fabri,  cada  hum  dos  quaes  teve  então  mais  600^  réis 
annuaes  como  Architectos  das  Obras  Públicas,  e  Reaes. 
Quasi  pelo  tempo  do  estabelecimento  da  Aula,  isto  he 
por  81  enviou  elle  á  Academia  de  S.  Lucas  de  Roma  alguus 
desenhos,  e  em  recompensa  recebeo  a  patente  de  Acadé- 
mico de  mérito  datada  de  Roma  de  23  de  Novembro  de 
1781.  Aqui,  entre  outros  prémios  teve  Habito  de  Christo, 
e  foi  em  18 12  chamado  á  Corte  do  Rio  de  Janeiro,  aonde 
morreo  em  21  de  Março  de  1819.  Jáz  no  Capitulo  dos 
Antonicos  da  mesma  Cidade. 


Manoel  Piolti,  e  José'  Carlos  Binhetl 

Carlos  Ridolfi,  Palomino,  e  muitos  outros  Escritores 
disserão  que  os  Artistas  de  ordinário  erão  pouco  felizes, 
quaudo  os  Príncipes,  e  grandes  Senhores  os  não  protegião. 
Se  esta  verdade  ainda  precisasse  de  nova  demonstração, 
teríamos  huma  prova  incontestável  na  sorte  destes  dous 
Architectos  Decorador  es:ambos  tiverão  parentes  Italianos, 
ainda  que  nascessem  em  Lisboa,  ambos  com  talento  raro, 
e  discípulos  do  mesmo  Mestre,  (Jacome  Azzolini),  e  cor- 
rendo no  caminho  da  Arte  a  passos  agigantados,  mas  tão 
iguaes,  que  para  descobrir  qual  delles  excederia  o  seu 
collega,  lhe  mandarão  fazer  para  a  Opera  de  Assur  as 
duas  famosas  scenas  chamadas  as  da  competência,  e  assim 
mesmo  ficou  a  cousa  indicisa. 

Até  ali  tudo  era  igualdade  de  mérito,  e  de  fortuna,  apenas 
Manoel  Piolti  foi  admitido  no  Serviço,  e  José  Carlos  ficou 


—    tgt   — 

fóra  delle,  que  differença?  Tal  disparidade  passou  já  por 
similhante  motivo  entre  o  Ticiano,  e  André  Esclavonio  em 
Veneza,  e  entre  o  Rubens,  e  Brouvver  nos  Paizes  Baixos. 
Para  saber  alguma  cousa  he  preciso  frequentar  as  Escolas, 
mas  para  ter  fortuna  convém  muito  agradar  aos  Senhores. 
São  dous  requisitos  necessários,  porem  sempre  o  2."  será 
mais  efficaz  que  o  i.°  José  Carlos  morreo  pelos  annos  1816 
de  repente  [ij. 

Entre  aquelles  que  no  fim  do  Século  passado  se  appli- 
cárão  á  Arte,  distinguirao-se  Joaquim  Fortunato  de  Novaes, 
natural  de  Lisboa  aonde  aprendeo  a  desenhar  na  Aula  do 
Gastello,  dirigida  por  António  Fernandes  Rodrigues.  Foi  a 
Roma  pela  Intendência,  aonde  teve  por  Mestre  João  Anti- 
nori.  Veio  em  1794,  e  foi  para  Villa  nova  da  Rainha,  po- 
voação do  Intendente,  pensionado  por  elle,  aonde  presistia 
em  1907. 

Manoel  Lourenço  nascido  também  nesta  Capital,  sobri- 
nho do  Padre  Fr.  Rodrigo,  Franciscano  famoso,  que  com 
o  seu  peditório,  liberaUdade,  e  boas  maneiras  fez  o  Con- 
vento de  Xabregas,  e  o  que  está  feito  na  Igreja  de  S.  Fran- 
cisco da  Cidade.  Aqui  foi  discipulo  da  Aula  do  Rocha,  em 
1787  mandou-o  seu  tio  a  Roma  aonde  no  sábado  desenhava 
a  Academia  tão  perfeitamente  como  os  mais  em  toda  a 
semana.  Por  morte  de  seu  tio  faltavão-lhe  os  subsídios,  e 
eonseguio  entrar  para  o  Collegio  dos  pensionados :  quiz 
casar,  e  frequentava  pouco  os  estudos,  não  era  hum  crime, 


[i]  José  Gaflos  traduzio  o  Vinhola  que  se  impflmlo  em  Lisboa  eit) 
1787  e  abrio  as  estampas  para  elle. 


mas  D.  João  de  Almeida  mandou-o  prezo  para  Lisboa  em 
92 :  esteve  na  Torre  de  S.  Gião  aonde  se  applicou  á  Enge- 
nharia. Entretanto  desenhou  a  olho,  com  grande  perfeição, 
todas  as  vistas  da  Barra  para  o  Coronel  da  Artelharia 
Nogar,  com  quem  foi  para  Évora  em  1804  com  praça  de 
Sargento  tendo  33  annos. 

Sebastião  Nogar  também  esteve  em  Roma  pensionado 
pela  Intendência,  e  applicou-se  á  Architetura  na  Escola  de 
João  Antinori,  veio  em  97  com  José  da  Cunha  Taborda, 
quando  Roma  estava  já  ameaçada  pelos  Francezes. 

António  Joaquim  de  Sousa,  inda  que  estudou  em  Roma, 
esteve  fora  do  Collegio  com  Manoel  Lourenço,  com  quem 
tinha  ido;  foi  discípulo  de  Antinori. 


João  Thomaz  da  Fonceca. 

Temos  visto  deste  Artista  obras  publicas  em  pintura, 
escultura,  e  architectura  pintada.  As  pinturas  existem  na 
Freguezia  de  Carnide,  em  Jesus,  e  n'outras  Igrejas,  e  Pa- 
lácios do  Continente,  e  d'Ultramar.  De  architectura  fez  o 
Templo  da  Immortalidade  logo  depois  da  restauração  para 
as  luminárias  do  Pescado,  obra  grande,  e  magnifica,  deco- 
rada com  columnas  da  Ordem  Corinthia,  com  estátuas 
coUossaes,  e  com  hum  grande  obelisco.  João  Thomaz  nasceo 
em  Lisboa  em  1764.  Estudou  os  elementos  da  Arte  na 
Aula  de  João  Grossi,  e  depois  frequentou  a  casa  de  Joa- 
quim Manoel  da  Rocha,  e  a  do  Abbade  Apparicio.  Fez 
desenhos  para  algumas  estampas  das  Noites  Josephinas, 


—  193  — 

Forão  seus  discípulos  Joaquim  Gregório,  e  António  Faus- 
tino que  passarão  depois  para  a  escola  de  Sequeira,  e 
ensinou  também  seus  filhos. 


Jose'  Manoel  de  Carvalho  e  Negreiros 

Filho  de  Eugénio  dos  Santos,  nasceo  em  Lisboa,  e  viajou 
muitos  annos  em  Reinos  estrangeiros  para  se  aperfeiçoar 
nos  estudos  da  architectura :  tornando  á  Pátria  pelos  annos 
de  1776  foi  empregado  como  segundo  Architecto  da  Casa 
das  Obras;  e  passou  a  primeiro  em  i8o3  por  morte  de 
Pedro  Gualter  da  Fonceca,  Tenente  Coronel  Engenheiro; 
vencendo  d'ordenado  SSoííí)  réis,  prós,  percalços  e  privilé- 
gios ;  foi  casado  com  D.  Maria  Ignacia  Xavier  de  Antas  e 
Negreiros. 

Em  1804  abrio  a  Subscrição  para  huma  obra  periódica 
intitulada  o  Engenheiro  Civil  Portuguez,  em  diálogos.  Foi 
empregado  em  concertos  dos  Palácios  Reaes,  e  no  recen- 
ceamento,  ou  cadastro  do  Reino,  e  teve  em  premio  a  Pa- 
tente de  Major  Engenheiro  com  o  Habito  de  Aviz. 

Diogo  Luiz  Velozo  de  Barros,  Fidalgo  da  Casa  attesta, 
que  elle  era  Sexto  neto  da  Cristóvão  Fernandes  de' Carva- 
lho, Capitão  Mór  de  S.  Vicente  da  Beira,  e  descendente 
de  D.  Gil  Fernandes  de  Carvalho,  Mestre  da  Ordem  de 
S.  Tiago,  que  se  achou  na  batalha  do  Salado  com  D.  Af- 
fonço  4.°  A  Senhora  D.  Maria  i.^  Decretou  que  usasse  das 
armas  dos  Carvalhos  Ferreiras  Sáas  e  Negreiros.  Em  1684 
Francisco  Luiz  Ferreira  Portugal,  Rei  d'armas,  deo  licença 
i3 


—   194  — 

aos  seus  ascendentes  eni  nome  de  D.  Pedro  2."  para  as 
usarem.  Era  Architecto  Geral  dos  Paços,  e  do  Senado. 

Morreo  em  Lisboa  em  8  de  Janeiro  de  i8i5  de  idade 
64  annos. 

O  Tribunal  da  Real  Casa  das  Obras  he  tão  antigo  como 
o  Reino,  e  manda  que  o  Architecto  ensine  4  aprendizes,  e 
isto  foi  confirmado  por  Alvará  em  1754.  O  Príncipe  D.  João 
mandou  a  José  Manoel  fazer  para  isso  hum  curso  de  Archi- 
tectura  Civil,  o  qual  parou  por  sua  morte,  indo  já  no  prin- 
cipio do  8.°  tomo. 

Na  mesma  Casa  das  Obras  sempre  ouve  hum  certo 
numero  de  Architectos  debaixo  de  diversos  titulos.  Custodio 
Vieira,  Major  Engenheiro  foi  Architecto.  José  Sanxes  da 
Silva,  Rodrigo  Franco,  Negreiros  etc.  erão  medidores  dos 
empreiteiros :  por  morte  do  Capitão  José  Sanches  vagou  o 
officio  de  aprendiz  de  Architectura  Civil,  e  deo-se  a  pro- 
priedade delle  a  Elias  Sebastião  Pope.  Quando  o  Briga- 
deiro Manoel  da  Maia  passou  a  Architecto  supra  numerário. 
Succedeo-lhe  nesta  praça  Francisco  Xavier  Paes. 


José'  Francisco  Ferreira. 

Nasceo  em  Belém  com  génio  muito  propenso  para  a 
pintura:  Seu  Pae,  que  tinha  o  mesmo  nome  lhe  deo  as 
primeiras  lições  desta  Arte.  Applicou-se  com  muito  pro- 
veito ao  género  das  flores,  ao  das  paisagens,  e  ao  dos 
ornamentos,  vive  felismente. 


195  — 


António  Francisco  Rosa. 

Natural  da  Villa  de  Oeiras,  estudou  as  regras,  e  preceitos 
da  Architectura  com  José  Joaquim  Ludovice,  filho  do  fa- 
moso Frederico,  foi  Architecto  Ajudame  das  Obras  Publi- 
cas, e  do  Paço  de  Nossa  Senhora  da  Ajuda.  Por  morte 
de  Fabri  passou  a  primeiro,  dirigindo  a  mesma  Obra,  e 
deo-se-lhe  o  Habito  de  Christo.  Em  1821  foi  feito  Sub- 
Inspector  do  dito  Palácio. 


Germano  António  Xavier  de  Magalhães. 

Professor  de  Architecmra  Civil  na  Aula  Publica  do  De- 
senho, de  que  percebe  de  ordenado  460^  réis  annuaes ; 
natural  de  Lisboa  da  idade  56  annos,  o  qual  tem  dado 
diversos  desenhos  para  muitas  Obras  de  particulares,  e 
também  para  reedificação  da  Igreja  da  Sé  de  Guimarães, 
por  cujo  serviço  foi  remunerado  com  huma  ajuda  de  custo 
annual  de  i2o:tt>  réis  por  Decreto  de  14  de  Junho  do  anno 
de  1796.  Foi  varias  vezes  consultado,  com  outros  Archi- 
tectos,  pelo  lUustrissimo  Inspector  da  Obra  do  Real  Palá- 
cio, o  Conselheiro  Joaquim  da  Costa  e  Silva  nos  annos 
1819,  e  1820  sobre  problemas  de  Architectura  concernentes 
ao  dito  Palácio. 


igô  — 


.Thimoteo  Verdier  Filho. 

Nasceo  em  1792  em  a  Villa  de  Thomar.  Aprendeo  o 
desenho  com  o  Pintor  José  da  Cunha  Taborda,  e  depois 
em  Paris  aprendeo  com  o  Pintor  Mr.  le  Gros,  insigne  nas 
batalhas,  e  victorias. 

Não  tem  feito  Obras  para  o  Público  porque  não  lhe 
resta  tempo  dos  seus  negócios;  mas  tem  em  sua  Casa 
quadros  de  sua  mão  que  bem  dão  a  conhecer  a  sua  grande 
habilidade;  tanto  a  óleo  em  grande,  como  em  miniatura. 


João  de  Deos  Moreira. 

Nasceo  nesta  Cidade  de  Lisboa,  foi  discípulo  de  José 
António  Narcizo.  Tem  sido  sempre  empregado  nas  Obras 
dos  Paços  Reaes,  Fundições,  Theatros,  Carruagens,  tanto 
no  salgado  em  Alcântara,  como  no  Collegio  dos  Nobres. 
Existe  pintando  no  novo  Paço  de  Nossa  Senhora  da  Ajuda. 


Honorato  José'  Correia  de  Macedo  e  Sa', 


Nasceo  em  Lisboa  a  22  de  Desembro  de  17Õ4,  e  tendo 
9  annos  de  idade  foi  admittido  na  Casa  do  risco  do  Arcenal 
Real  do  Exercito,  onde  seu  pae  Ignacio  Correia  de  Macedo 


—   197  — 

era  empregado  como  entalhador,  e  abridor  de  relevo.  Foi 
alli  seu  Mestre  Manoel  Ferreira,  que  também  era  entalha- 
dor, e  lavrante  do  dito  Arcenal,  e  depois  de  estudar  com 
elle  9  annos,  passou  a  aperfeiçoar-se  no  desenho  de  His- 
toria com  João  de  Figueiredo,  e  com  seu  pae  Ignacio  Cor- 
reia, até  que  em  1772  entrou  por  aprendiz,  de  canteito  de 
relevo  de  João  Ferreira  Cangalhas,  Mestre  Geral  das  Obras 
Públicas,  e  concluindo  o  tempo  de  5  annos  da  Lei,  passou 
a  ser  discípulo  de  Francisco  António  Cangalhas  Architecto 
Geral  da  Cidade  e  aguas  Livres,  de  quem  o  fizerao  Aju- 
dante com  o  ordenado  de  iSocJ  réis  por  anno. 

Se  fizéssemos  menção  de  todos  os  Riscos,  Plantas,  Al- 
çados, Cortes,  e  Retábulos,  que  este  Artista  tem  feito  para 
Prédios,  Palácios,  e  Templos,  iriamos  muito  longe  do  que 
pede  a  brevidade  destas  Memorias ;  por  isso  só  diremos 
que  em  1785  fez  o  risco,  e  planta  geral  desta  Cidade, 
cujos  desenhos  existem  na  Typograíia  Regia.  Em  1812 
oftereceo  á  Regência  do  Reino  huma  memoria  para  ser 
colocada  na  Praça  do  Rocio  com  os  retratos  de  Sua  Mages- 
tade  o  Senhor  D.  João  6°,  e  Jorge  3°  Rei  da  Grã-Bretanha, 
o  qual  risco  ficou  no  Governo.  Por  1819  deu  o  pensamento 
em  dous  ditferentes  gostos,  para  o  Retábulo  da  Capella 
Mór  de  Santa  Engracia;  e  o  anno  passado  próximo  perte- 
rito,  fez  o  risco  para  o  Chafariz  da  Cordoaria,  o  que  se 
está  fazendo  neste  presente  anno  de  1821, 

Honorato  José  foi  promovido  ao  lugar  de  seu  Mestre 
Francisco  António  Cangalhas,  mas  só  com  Sooít  réis  de 
ordenado  por  anno. 


PARTE  III. 

Escultores,  e  Gravadores. 


André'  Contucci  de  SANso\aNO. 

A  Escultura  floreceo  muito  entre  as  mais  famosas  Na- 
ções da  antiguidade,  e  na  Grécia  chegou  ao  maior 
auge  a  que  podia  subir,  desde  o  tempo  de  Péricles  até  ao 
do  grande  Alexandre,  conservando-se  também  com  muito 
esplendor,  mesmo  em  Roma,  até  ao  Reinado  dos  Antoninos, 
e  de  Adriano.  Na  antiguidade  o  numero  dos  Escultores  era 
muito  maior,  que  o  dos  Pintores.  Os  Príncipes,  os  Sábios, 
os  Vencedores  nos  Jogos  Olympicoa,  os  Heroes,  e  os  innu- 
meraveis  Deoses  maiores,  e  menores.  Lares,  e  Penates, 
todos  tinhão  muitas,  e  muitas  estatuas,  de  sorte  que  na 
Grécia,  e  em  Roma  o  numero  das  que  havia  em  mármore, 
bronze,  prata,  marfim,  etc.  excedia  o  numero  dos  homens. 
Nos  Séculos  gothicos,  ou  bárbaros,  mesmo  no  tempo  em 
que  não  havia  pintura  vemos  usada  a  escultura  nos  portaes 
das  Igrejas,  se  he  que  se  pôde  chamar  escultura  áquelles 


200    

tristes  feitios  de  pedra.  Depois  da  restauração  da  Arte, 
tbi-se  usando  mais  a  pintura,  e  em  Portugal  foi  ella  fazendo 
maiores  progressos  que  a  escultura.  Francisco  de  Hollanda 
nomeia  hum  Pintor  muito  bom  do  tempo  de  D.  Aífonço  5.°, 
(era  Nuno  Gonsalves),  ao  mesmo  tempo  que  a  escultura 
contemporânea  era  tão  disforme  como  se  vê  na  estatua  do 
mesmo  Rei  que  está  na  Sé  sobre  o  seu  tumulo,  nada  me- 
lhor que  a  de  D.  Diniz,  que  se  conserva  em  Odivellas.  A 
do  Infante  D.  Henrique  no  Portal  de  Belém,  sendo  tão  má, 
he  do  tempo  do  Grão  Vasco.  Dos  nossos  escultores  antigos 
bons,  ou  máos  temos  pouca  noticia.  Vasari  porém  faz 
menção  de  André  Contucci  Sansovino  Escultor,  e  Archi- 
tecto  Florentino,  que  veio  a  Portugal  em  1481,  tendo  pouco 
mais  de  20  annos,  servir  o  Senhor  D.  João  2.°  que  o  pedio 
a  Lourenço  de  Medicis,  o  velho,  em  cujo  jardim,  que  foi  a 
melhor  Academia  de  Florença,  tinha  aprendido  a  desenhar. 
Foi  também  aonde  aprendeo  o  Buonarota,  o  Torregiani,  e 
outros  grandes  homens.  Aqui  fez  hum  bellissimo  S.  Marcos 
de  mármore,  e  modelou  em  barro  huma  batalha,  que  El-Rei 
ganhou  aos  Mouros,  terrível  pelos  movimentos  dos  cavallos, 
estrago  de  mortos,  e  fúria  de  soldados,  (seria  talvez  a  da 
tomada  d' Arzila),  e  voltou  á  pátria  em  i5oo  reinando  já 
El  Rei  D.  Manoel. 


Manoel  Pereira. 

Se  André  Sansovino  foi  hum  Artista  estrangeiro,  que 
viveo  e  trabalhou  em  Portugal,  Manoel  Pereira  pelo  con- 
trario foi  hum  Portuguez  que  viveo,  e  deixou  as  suas  obras 


201     

em  hum  Reino  estrangeiro,  honrando-se  muito  com  elle  a 
Corte  de  Madrid.  Pallomino  falia  dos  seus  talentos  com  o 
maior  applauso,  e  faz  menção  das  priciosas  estatuas,  que 
fez,  dando  a  primazia  ao  S.  Bruno  do  Pórtico  da  Cartuxa, 
que  Filipe  4."  grande  conhecedor,  não  se  cançava  de  admi- 
rar: Já  cego  modelou  a  figura  de  S.  João  de  Deos  para  o 
Convento  do  mesmo  Santo.  Era  rico,  e  de  familia  nobre ; 
e  casou  huma  filha  com  D.  José  Mendieta  Cavalleiro  de 
S.  Tiago,  Ajuda  de  Camera  de  El-Rei  e  ]^edor  das  Obras 
Reaes.  Morreo  em  1667  com  63  de  idade. 

Por  este  tempo  fallão  alguns  authores  de  Braz  de  Men- 
donça Escultor  Lisbonense,  e  também  Pintor,  talvez  de 
estofos,  e  encarnações,  a  qual  escreveo,  e  fez  imprimir 
alguns  tratados  sobre  a  Geometria. 

Outro  Escultor  Portuguez  estabelecido  na  Hespanha  foi 
Caetano  da  Costa,  que  nasceo  em  17 10,  e  fez  as  duas  esta- 
tuas de  mármore,  muito  toleráveis,  que  estão  sobre  co- 
lumnas  na  alameda  de  Sevilha.  Quando  estivemos  naquella 
Cidade  em  1775  falíamos  com  seu  filho  também  Escultor, 
nascido  na  Hespanha. 


João  António  de  Pádua. 

Os  Escultores  Portuguezes  applicárão-se  ao  trabalho  de 
madeira,  e  barro,  de  sorte,  que  as  estamas  de  mármore 
que  temos  dos  Séculos  17,  e  18  são  más,  e  quasi  todas 
feitas  por  estrangeiros.  Hum  certo  Fancé  fez  o  S.  Pedro 
e  o  S.  Paulo,  que  estão  na  frontaria  do  Loreto.  João  Antó- 
nio de  Pádua,  Italiano,  deixou-nos  bastantes  obras  deste 


202    — 

género,  mas  pouco  boas,  e  vem  a  ser:  as  estatuas  da  Ca- 
pella  Mór  da  Sé  de  Évora,  Obra  Sumptuosa,  feita  por 
desenhos  de  Frederico,  a  escultura  da  Capella  Mór  de 
S.  Domingos,  também  do  mesmo  author,  os  púlpitos  na 
Igreja  do  Collegio  de  S.  Antão:  os  serafins  no  oratório  da 
Moeda :  o  S.  João  Nepomuceno  da  ponte  de  Alcântara 
feito  em  1743,  e  varias  outras. 

Pedro  António  Luquez  era  seu  ajudante  desbastador,  e 
passou  em  1762  para  ajudante  de  Giusti  em  Mafra.  Pelos 
mesmos  tempos  estiverão  cm  Lisboa  Cláudio  la  Prada,  e 
João  Bernardes  Escorpio,  Italianos:  o  1°  fez  a  Conceição 
da  Pena,  e  o  2°  o  Santo  Elias  do  Carmo. 


Ignacio  da  Piedade  e  Vasconcellos. 

Esculpio  em  barro  muitas  estatuas,  e  também  as  sabia 
fundir  em  metaes.  O  Padre  João  Chrisostomo  affirma  que 
vira  figuras  delle,  de  grandeza  natural,  cujos  pannos  erão 
excellentes,  principalmente  os  buréis.  Foi  Cónego  secular 
de  S.  João  Evangelista,  e  compôs  o  livro  bem  conhecido, 
intitulado.  Artefactos  Symmetriacos,  e  Geométricos,  que 
dedicou  á  Senhora  D.  Marianna  de  Áustria  em  1782.  Como 
não  conhecemos  outra  Obra  sua,  só  fazemos  menção  delle 
como  curioso  respeitável,  e  como  escritor.  No  seu  Livro 
encostou-se  muito  a  João  d'Arfe,  e  diz  na  Dedicatória  ser 
o  primeiro  que  sobre  esta  matéria  sahe  á  luz  da  estampa 
em  lingua  Portugueza.  -  ' 


203    — 


José'  de  Almeida. 

Foi  sem  duvida  o  primeiro  Portuguez  do  Século  i8  que 
soube  esculpir  bem  em  pedra,  e  não  obstante  ser  a  sua 
maneira  ás  vezes  hum  pouco  magra,  os  seus  nús  são  tam- 
bém desenhados,  que  podem  sustentar-se  ao  pé  das  melho- 
res estatuas.  Nos  pannos  quiz  imitar  hum  certo  amarrotado 
de  que  muito  usarão  Pedro  de  Cortona,  e  Cyro  Ferro,  que 
também  se  acha  em  algumas  estatuas  de  Carlos  Monaldi. 
Protegido,  e  pensionado  pelo  Senhor  Rei  D.  João  o  S.°  foi 
estudar  a  Roma  em  companhia  de  Ignacio  de  Oliveira,  e  de 
outros  mais,  que  alli  estiverao  no  principio  daquelle  Século. 

Em  Lisboa  as  suas  Obras  em  mármore  são  o  S.  Paulo, 
e  outras  estatuas  nas  Necessidades,  e  as  de  Santa  Isabel, 
e  S.  João  Baptista  na  Bemposta,  as  quaes  ficando  por 
acabar  forão  muito  depois  concluídas  em  i8i3  por  Joaquim 
José  de  Barros.  Em  madeira,  fez  o  Santo  Onofre,  e  o 
Christo  da  Trindade,  os  Passos  da  Paixão,  que  sahem  na 
procissão  do  Carmo,  a  Senhora  Mae  dos  homens,  e  o 
S.  José  em  Xabregas;  as  duas  Conceições  dos  Freires,  e 
do  Collegio  dos  Nobres;  o  S.  Camillo  para  a  sua  Igreja, 
a  de  Nossa  Senhora  da  Victoria,  e  a  da  Senhora  das  Vir- 
tudes em  S.  Domingos,  cujas  cabeças  forão  acabadas  depois 
da  sua  morte  por  seus  discipulos  António  Machado,  e  Fran- 
cisco António;  fez  também. o  Christo,  e  Anjos  de  adoração 
para  a  Capella  Mór  de  Mafra,  que  servirão  em  quanto  se 
não  fizerão  os  de  mármore,  depois  collocarão-se  em  Santo 
Estevão  d'Alfama,  aonde  existem. 


—    204- — 

Os  seus  discípulos  forão  Francisco  Xavier,  Francisco 
António,  António  Machado. 

Francisco  António  fez  em  madeira  as  estatuas  de  Marte, 
Vulcaqo,  e  outras  que  se  achão  nas  casas  d'armas  da  Fun- 
dição, executou  alli  muitas  outras  cousas  em  cera,  e  metaes. 
Tinha  também  estudado  a  musica,  e  cantava  em  contra- 
baixo. Em  1790  entrou  na  Irmandade  de  Santa  Cecilia,  e 
em  91,  e  92,  dirigio  a  festa  de  S.  Lucas  dos  Pintores  em 
Santa  Joanna.  Morreo  alguns  annos  depois,  tendo  60  de 
idade,  e  succedeo-lhe  como  Escultor  da  Fundição  João  José 
de  Aguiar. 

António  Machado  filho  de  Remigio,  fhum  dos  que  estu- 
darão a  architectura  na  Casa  do  risco  em  Mafra),  fez  muitas 
Obras  em  pedra,  tanto  de  Escultura,  como  de  relevo.  No 
principio  do  reinado  da  Senhora  D.  Maria  i.^  fez  a  Vénus 
para  o  chafariz  das  Janelas  verdes :  fez  o  S.  Pedroj  e  o  seu 
companheiro  para  a  fachada  da  Igreja  de  J.  Paulo:  Em  98 
esculpio  outras  estatuas  para  J.  Julião:  também  executou 
o  Tejo,  e  o  Nilo  para  corresponderem  ao  Ganges,  e  Eufrates 
feitos  por  Alexandre  Gomes:  erão  estatuas  de  12  palmos 
mandadas  fazer  pelo  Intendente  Diogo  Ignacio  para  huma 
fonte  publica  em  Lisboa,  que  nunca  se  fez.  Faleceo  no  i.° 
de  Abril  de  1810  tendo...  Os  modelos  das  suas  Obras 
erão  feitos  por  Nicoláo  Villela,  o  qual  foi  sempre  procurado 
pelos  Escultores  para  inventar  attitudes,  e  fazer  em  barro 
os  modelos  delias ;  e  deste  modo  ninguém  conhece  Obras, 
suas  tendo  aliás  deixado  grande  numero  de  producçÕes  do 
seu  engenho,  que  são  attribuidas  áquelles  que  as  executarão; 
e  como  não  utilisava  senão  o  pouco  que  por  elles  lhe  davão 
os  Escultores,  viveo  sempre  pobre,  e  assim  morreo  por.... 


205    — 

José  de  Almeida  foi  aparentado  com  muitos,  e  bons  Ar. 
tistas:  era  irmão  de  Feliz  Vicente,  famoso  Architecto,  e 
Entalhador  da  Casa  Real,  o  qual  foi  genro  de  Ignacio  de 
Oliveira,  e  cunhado  de  Silvestre  de  Faria,  também  Ente- 
Ihador,  e  Architecto,  discípulo  do  Frederico.  Morreo  por 
1769  de  60  e  tantos  annos  de  idade. 


António  Ferreira. 

Não  parece  possível  ver  modeladas  em  barro  melhores 
figuras  campestres  que  as  que  conhecemos  deste  Artista 
raro,  do  ultimo  Século.  Seu  pae  Dionizio  Ferreira,  também 
era  pratico  na  plástica.  As  Obras  do  filho  são  os  presépios 
da  Cartuxa,  da  Madre  de  Deos,  do  Coração  de  Jesus,  e 
outros.  Na  Ermida  do  Senhor  da  Serra  em  Bellas  está 
huma  gloria  de  serafins  que  circundão  a  imagem  de  Christo, 
e  dizem  ser  delle.  Também  fazia  grandemente  as  paisagens, 
e  combates  de  cavallaria;   e   o  Lobo  na  Silva  laudatoria 

diz-lhe. 

Eu  vejo,  eu  vejo,  dando  a  terra  abalos, 

Espumarem  ferinos  os  cavallos, 
D'hum  pedaço  de  barro  por  ti  feitos.. . . 

e  porsegue  com  grandes  encómios. 

Entre  as  Obras  de  barro  também  se  faz,  dizem,  bastante 
caso  da  que  fez  Fr.  Manoel  Teixeira  no  seu  Convento  da 
Trindade  em  Santarém;  he  o  retábulo  de  huma  Capella  de 
architectura  com  muita  escultura  representando  a  SS.  Trin- 
dade, Nossa  Senhora,  S.  José,  e  outros  Patriarchas  tudo 


206 


muito  bem  executado:  o  author  morreo  nos  fins  do  ultimo 
Século. 


O  P.  João  Chrisostomo  Policarpo  da  Silva. 

Este  Professor  curioso  natural  da  Merceana,  inda  que 
não  teve  mestre,  pode-se  dizer  que  foi  discípulo  de  José 
de  Almeida.  Ferquentando  os  estudos  do  CoUegio  de  Santo 
Antão,  aproveitava  o  tempo  que  podia  em  modelar  figuras 
de  barro  de  tal  modo,  que  não  tendo  sido  Clérigo,  como 
seus  parentes  querião,  veio  a  fazer  modo  de  vida  do  que 
era  simples  curiosidade.  A  matéria  em  que  melhor  traba- 
lhava era  o  barro;  mas  fez  também  muitas  estatuas  de 
madeira  que  erao  de  ordinário  cheias  de  crescenças,  e 
supplementos ;  porem,  como  sahião  de  sua  casa  pintadas, 
e  estofadas  sempre  agradavão  muito  aos  devotos :  também 
fez  muitas  figuras  em  pasta  para  os  carros  de  triunfo  que 
apparecerão  na  Praça  do  Commercio  pela  inauguração  da 
Estatua  Equestre  do  Senhor  Rei  D.  José,  em  lyyS,  e  para 
outros  objectos.  Fez  grande  numero  de  imagens  de  Santos 
para  Lisboa,  e  para  as  províncias,  e  entre  ellas  as  do  andor 
de  Scotto  que  sahe  na  procissão  de  S.  Francisco:  as  dos 
Passos  para  as  Capelinhas  de  Santo  António  dos  Capuchos, 
principalmente  a  do  Senhor  com  a  Cruz  ás  Costas,  que  he 
muito  venerada,  e  applaudida  das  pessoas  piedosas. 

Ajudou  a  dirigir,  e  a  sustentar  a  Academia  do  nú  a 
S.  José  em  1780,  81,  e  82:  e  sendo  eleito  em  87  para  ser 
hum  dos  Directores  da  mesma  escolla  transferida  pelo  In- 
tendente para  a  rua  dos  Camillos,  recusou  o  lugar,  cousa 


—    207    — 

que  deo  motivo  a  hum  tal  Discurso  Apologético,  Obra 
Satyrica  de  hum  anónimo,  a  que  elle  respondeo  seriamente, 
e  também  com  mordacidade,  porque  suppoz  conhecelo. 

Amava  a  pintura  com  tanto  excesso,  que  sem  ser  rico 
gastou  sommas  consideráveis  em  compras,  e  concertos  de 
painéis,  e  sem  saber  desenhar  teve  discipulos  Pintores, 
e  pintou  hum  quadro  da  Cêa  para  huma  Igreja.  Morreo 
celibatário,  e  jáz  na  Capella  do  Senhor  Resuscitado  em 
Santo  António  com  o  epitáfio  seguinte  i>Aqiii  já^  o  Padre 
João  Chrisosíomo^  que  fe^  estas  Santas  Imagens  aqui  colo- 
cadas. Morreo  em  20  de  Janeiro  de  1798  com  64  annos 
de  idade. 

Temos  delle.  Memorias  de  alguns  Pintores,  e  Escultores 
Portuguezes.  M.  S.  Por  estes  tempos  viverão  em  Lisboa 
alguns  Escultores  em  madeira,  que  tinhão  laboratório  pu- 
blico na  Calçada  de  Santo  André,  e  forão. 

Manoel  Vieira,  natural  da  Cidade  do  Porto :  viajou  na 
Hespanha,  e  antes  do  terremoto  de  55  veio  estabelecer-se 
em  Lisboa  aonde  fez  o  S.  Sebastião,  e  o  S.  Vicente  para 
o  baldaquino,  ou  maquineta  de  S.  Vicente  de  fora,  e  outras 
muitas  cousas,  sempre  com  boa  acceitação  do  Publico. 

Manoel  Dias,  discípulo  de  Manoel  de  Andrade:  chama- 
vão-lhe  o  pae  dos  Christos,  porque  fazia  muitos  Crucifixos. 
Era  seu  o  da  Capella  Mór  da  Sé  de  Évora,  o  S.  Miguel 
da  Pena,  o  S.  Francisco  da  procissão  de  Mafra,  e  outros 
muitos.  Entrou  na  Irmandade  de  S.  Lucas  em  171 3,  e 
morreo  em  20.de  Março  de  1754. 

Jerónimo  da  Costa,  natural  de  Braga,  discípulo  de  Ma- 
noel de  Andrade,  esculpio  a  Senhora  da  Conceição  de 
S.  Francisco  da  Cidade,  e  ajudou  José  de  Almeida  a  fazer 


—    208    — 

o  Santo  Christo,  e  Anjos  de  adoração  para  Mafra,  que 
agora  estão  em  Santo  Estevão  d'Alfama. 

António  dos  Santos  da  Cruz,  nasceo  em  Faro,  e  foi  dis- 
cipulo  de  Manoel  Vieira,  fez  a  Senhora  do  Rosário,  e  o 
S.  Roxas  na  Trindade:  morreo  em  i8o5  de  6o  e  tantos 
annos. 

Nicoláo  Pinto,  Portuense  fez  a  Senhora  do  Rosário  que 
se  venera  na  Portaria  de  S.  Domingos,  o  Santo  Estevão 
para  a  Igreja  do  mesmo  Santo,  &c. 

Valentim  dos  Santos  de  Carvalho,  discípulo  de  outro 
Valentim  fez  o  S.  Sebastião  da  Pena,  e  outras  imagens,  e 
morreo  em  1806  de  õi  ou  62  annos. 

Valentim. . .  seu  mestre  fez  a  Senhora  Mãe  dos  homens 
da  Bemposta,  o  Senhor  dos  Perdões  da  Magdalena,  &c. 
Elle  punha  em  pratica  toda  a  sorte  de  industria  para  dar 
grande  idéa  das  suas  producçÕes,  principalmiente  áquelles 
que  lhas  encommendavão. 


Alexandre  Giusti. 

Este  egrégio  Estatuário  nasceo  em  Roma  em  171 5.  Até 
os  16  ou  17  annos  frequentou  a  escola  do  Cavalleiro  Conca, 
applicando-se  ao  desenho,  e  á  pintura,  passou  depois  ao 
estudo  da  escultura  com  João  Baptista  Mayne,  aonde  fez 
grandes  progressos,  e  executou  huma  parte  da  escultura 
dos  4  requissimos  Relicários  da  Capella  de  S.  João.  Quando 
esta  Capella,  que  foi  executada  com  singular  magnificência 
pelos  desenhos   de  Vanvitelli,  esteve   acabada,  o  Ministro 


—  2og  — 

de  Portugal  junto  da  Santa  Sé,  escripturou  Giusti  por 
dous  annos  para  a  vir  assentar,  o  que  teve  eífeito  em  1747 
e  48. 

Depois  fez  a  Estatua  do  Senhor  D.  João  o  5.°  para  a 
livraria  das  Necessidades,  e  as  Estatuas  para  a  Igreja,  que 
vem  a  ser  »os  Santos  Neri,  Carlos,  e  Sales,  e  o  S.  Pedro 
do  Portici,  forão  ellas  acabadas  em  1753,  a  tempo,  que 
tendo-se  damnificado  os  painéis  da  Igreja  de  Mafra  pela 
humidade  do  sitio,  determinou  o  Senhor  Rei  D.  José  que 
fossem  substituidos  por  outros  de  mármore,  em  baixos-rele- 
vos ;  e  para  os  fazer  admittio  Giusti,  como  seu  Escultor 
com  6oíí)000  réis  por  mez,  e  huma  gratificação  no  fim  de 
cada  quadro.  O  nosso  Artista,  quando  veio  tinha  deixado 
o  seu  casamento  justo  em  Roma,  mas  como  ficou  cá,  ajus- 
tou-se  com  a  filha  de  Pecoraro,  Musico  da  Capella  Real, 
e  casou  com  ella  em  1749. 

Indo  pois  para  Mafra  com  a  sua  familia  agregou  a  si 
dous  desbastadores ;  Pedro  António  Luquez,  que  tinha 
andado  com  o  Pádua  e  o  Fancé,  e  Francisco  Alves  Canada, 
e  com  elles  fez  os  SS.  Bispos,  que  collocou  em  1755  antes 
do  terremoto.  Cada  dous  annos  acabava  mais  hum,  e  fo- 
rão-se  seguindo,  o  Santo  Christo,  Nossa  Senhora  do  Rosá- 
rio, as  Santas  Virgens,  os  Santos  Mart}Tes,  os  Confessores, 
a  Sagrada  Familia,  e  a  Coroação  de  Nossa  Senhora.  Antes 
de  acabar  este  ultimo,  acabou  de  perder  a  vista,  que  lhe 
foi  faltando  por  degráos,  talvez  pelo  uso  de  trabalhar  de 
noite.  Como  esta  foi  a  i.'',  e  a  mais  numerosa  escola  de 
escultura,  que  temos  tido  no  Reino,  cumpre  dar  noticia  do 
seu  principio,  e  dos  seus  progressos. 

O  i.°  discípulo  desta  Aula  foi  António  Pecoraro,  cunhado 
14 


—    210    — 

de  Giusti,  que  estudou  9  annos,  e  depois,  inclinando-se  á 
Musica  foi  estudala  em  Nápoles. 

Roberto  Luiz  da  Silva  natural  de  Lisboa. 

Salvador  Franco,  de  Mafra,  o  qual  tendo  estudado  12 
ou  i3  annos  foi  despedido  por  travessuras:  deo-se  ao  estudo 
da  Engenharia,  e  morreo  em  Matogrosso  sendo  Tenente 
Coronel. 

Lourenço  Lopes,  de  Mafra,  afilhado  de  João  Pedro  Ludo- 
vice,  estudou  16  annos,  trabalhou  no  quadro  da  Sagrada 
Família,  e  já  ajudava  bem  quando  faleceo. 

Alexandre  Gomes,  da  Picanceira,  termo  de  Mafra,  morreo 
em  10.81 

José  Joaquim  Leitão,  de  Mafra,  acabou  os  seus  dias  em 
i8o5. 

Em  1756  forão  admittidos. 

João  José  Elveni,  filho  de  hum  Alemão,  mas  nascido  em 
Lisboa. 

Braz  Toscano  de  Mello,  natural  de  Alvito. 

Francisco  Leal  Garcia,  de  Santarém,  que  morreo  em 
Setembro  de  18 14. 

Joaquim  Machado  de  Castro  entrou  não  para  aprender, 
mas  para  ajudar  a  modelar.  - 

Joaquim  António  de  Macedo  entrou  por  65,  e  estaria  10 
ou  12  annos,  morreo  em  21  de  Janeiro  de  1820,  tendo  70 
annos,  jáz  na  Igreja  de  S.  Mamede. 

José  Patrício,  Mafrense,  filho  de  Pedro  António  Luquez 
foi  admittido  em  67.  Deixou  o  Século  em  1708,  e  entrou 
no  Convento  de  S.  Vicente. 

Silvério  Martins,  natural  de  Linha  a  Pastora  morreo 
em  95. 


—    211    

João  da  Silva  Pevides,  de  Mafra,  começou  os  estudos 
em  66,  e  faleceo  em 

Esta  escola  presistio  unida  até  1770,  tempo  em  que  se 
começou  a  modelar  em  grande  em  Lisboa  a  Estatua  Eques- 
tre do  Senhor  Rei  D.  José.  Nessa  época  dividio-se  em  duas, 
e  vierão  para  Lisboa  Joaquim  Machado  de  Castro,  como 
Director;  José  Joaquim  Leitão,  João  José  Elveni,  Alexandre 
Gomes,  e  Francisco  Leal  como  ajudantes:  como  a  obra  era 
muito  laboriosa,  o  Director  admittio  outros  Escultores  de 
fora,  e  forão  Nicoláo  Villela,  e  Valentim,  António  Machado, 
e  Manoel  Lourenço.  Entretanto  os  que  ficarão  em  Mafra 
forão  fazendo  o  baixo  relevo  da  Senhora  da  Conceição  pelo 
modelo  de  Roberto  Luiz  da  Silva,  acabado  em  88,  e  algu- 
mas lunetas  modeladas  pelo  Leal. 

Da  escola  de  Lisboa  sahirão  muitas  estatuas,  principal- 
mente a  Estatua  Equestre  com  toda  a  escultura  adjacente: 
a  Arethusa,  e  Alpheo  para  a  quinta  de  Carvalho  em  Oeiras: 
toda  a  escultura  da  Basílica  do  Coração  de  Jesus  feita  em 
6  annos,  e  acabada  por  1783:  a  Fé  para  a  Inquisição,  e 
muitas  outras. 

Entretanto  a  cegueira  de  Giusti,  se  completou  em  78, 
consternou  o  coração  do  Senhor  Rei  D.  José,  e  este  grande 
Monarcha  mandou-o  a  França  não  só  com  decência,  mas 
até  com  fausto,  e  grandes  recommendaçÕes,  a  fim  de  se 
lhe  fazer  a  operação  das  cataratas ;  mas  não  se  atrevendo 
os  Oculistas  a  curalo,  voltou  aqui  tão  cego  como  tinha  ido ; 
muito  apezar  de  Sua  Magestade  que  lhe  deo  sempre  a 
mesmas  provas  de  benignidade,  e  estimação,  prevenindo-o 
na  diligencia  que  elle  fazia  para  lhe  beijar  a  mão,  conser- 
vando-lhe  inteiro  o  seu  ordenado,  que  Sua  Magestade  tam- 


212 


bem  lhe  mandou  sempre  pagar  até  que  cedendo  a  hum 
insulto  apopletico  acabou  a  sua  existência  em  Fevereiro 
de  1 799.  Depois  de  cego  ainda  compunha  baixo  relevos  em 
cera,  que  os  seus  discípulos  acabavão. 


Joaquim  Machado  de  Castro. 

A  vida  deste  famoso  Estatuário,  só  elle  mesmo  a  poderia 
escrever  exacta,  e  dignamente,  diremos  porém  o  que  temos 
ouvido  aos  nossos  coevos  sem  garantir  a  verdade  de  todos 
os  factos. 

Nasceo  em  Coimbra  pelos  annos  1782,  e  alli  mesmo 
começou  a  apprender  na  escola  de  seu  pae  Manoel  Ma- 
chado, que  modelava  com  perfeição :  veio  depois  para  Lis- 
boa, e  frequentou  o  estudo  de  José  de  Almeida,  entre  as 
cousas  que  fez  para  o  publico,  todas  com  boa  acceitação 
he  notável  o  S.  Pedro  de  Alcântara  que  está  no  seu  con- 
vento sobre  a  porta  do  carro.  Entrou  em  Mafra  como 
ajudante  de  Giusti  em  1756.  Quando  se  cuidou  em  fazer  a 
Estatua  Equestre,  o  Marquez  Estribeiro  Mór,  que  era  ex- 
cellente  picador,  teve  a  inspecção  sobre  ella,  e  pedia  dese- 
nhos a  Francisco  Vieira,  este  fez  alguns,  que  não  contentarão 
plenamente  ao  Marquez,  porque  os  escorços  no  desenho 
sempre  parecerão  aleijões  a  picadores.  Para  evitar  este 
inconveniente  propoz  elie  Marquez  a  factura  de  hum  mode- 
linho  em  barro,  e  inculcou  para  isso  Joaquim  Machado, 
que  com  effeito  o  fez  muito  a  contento  de  S.  Exc.  e  á 
satisfação  de  El-Rei,  e   da  Corte.  Teve  elle  por  tanto,  a 


—    2l3    — 

incumbência  de  fazer  a  obra  em  grande,  e  deo  principio  a 
ella  em  1770.  Esta  he  a  tradição,  que  ouvimos  aos  Escul- 
tores de  Mafra,  mas  não  parece  exacta  porque  o  Author 
na  sua  Descripção  Analytica  a  conta  de  outra  sorte. 

A  estatua  do  Rei  foi  fundida  em  bronze  por  Bartholomeu 
da  Costa,  Tenente  Coronel  Engenheiro,  que  teve  em  premio 
a  Patente  de  Brigadeiro.  O  Escultor  Machado  de  Castro, 
e  o  Architecto  Reynaldo,  tiverão  Hábitos  de  Christo.A 
escultura  adjacente  toda  modelada  por  Machado,  foi  posta 
em  execução  por  João  José  Elveni,  Alexandre  Gomes,  pelo 
Leal,  e  por  José  Joaquim  Leitão,  os  quaes  executarão  tam- 
bém em  73  a  estatua  da  Fé.  He  também  de  Machado  toda 
a  escultura  da  Basilica  do  Coração  de  Jesus :  João  José,  e 
Alexandre  Gomes  executarão  o  Santo  Elias,  Santa  Theresa, 
Nossa  Senhora,  os  Serafins  nas  Capellas  coUateraes,  o 
baixo  relevo  do  Frontispício,  a  Adoração,  a  Liberalidade, 
S.  João  da  Cruz,  Santa  Magdalena  de  Pazzi,  S.  José,  e  a 
Gratidão  forão  feitas  por  José  Joaquim  Leitão,  e  José  Pa- 
trício. Esta  obra  foi  começada  em  77,  e  concluída  em  83. 
As  estatuas  de  Alpheo,  e  Arethusa  para  Oeiras  executadas 
por- Leal,  e  João  José  também  são  de  invenção  de  Machado, 
assim  como  o  modelo  do  Neptuno  para  o  chafariz  do  Lou- 
reto,  executado  em  Garrara  por  1771,  o  retrato  da  Senhora 
Rainha  D.  Maria  para  a  quinta  do  Marquez  de  Ponte  de 
Lima  em  Mafra,  executado  em  83  por  Faustino,  e  Feliciano; 
agora  está  na  Livraria  publica.  Machado  dirigio  também  a 
escultura  do  baldaquino  de  S.  Vicente :  Manoel  Vieira  exe- 
cutou o  S.  Sebastião,  S.  Vicente,  e  os  Anjos  sobre  as  portas, 
António  dos  Santos,  e  Alexandre  Gomes  fizerão  as  outras. 
Em  i8o3  fez  a  Senhora  da  Encarnação  para  a  sua  Igreja. 


—    214   — 

Além  destas  obras  fez  Joaquim  Machado  outras  muitas, 
entre  as  quaes  merece  hum  distincto  lugar  o  Presépio  do 
Beneficiado  Oliveira,  que  elle  do-ou  á  Patriarchal. 

Estabelecido  em  Lisboa  o  estudo  da  escultura,  entrarão 
nelle  em  diversos  tempos  vários  discípulos.  Luiz  José  F^er- 
reira,  e  José  Caetano  Gayão  em  71,  Faustino  José  em  72, 
e  Feliciano  José  Lopes  em  76,  o  qual  em  98  se  deo  á  pin- 
tura. Em Belchior. 

Em  1804  António  dos  Santos,  Em  1806  Constantino... 
todos  naturaes  de  Lisboa. 

Joaquim  Machado  foi  sempre  dado  a  lição  dos  Livros, 
e  á  conversação  das  Musas.  Pelo  motivo  de  Inauguração 
da  Estatua  Equestre  do  Senhor  Rei  D.  José  fez  huma  Ode 
ao  mesmo  Soberano,  que  corre  impressa  desde  1775.  A 
carta  escripta  a  hum  Alumno  da  Escultura  imprimio-se 
em  80:  o  discurso  sobre  as  Utilidades  do  desenho  vio  luz 
da  Estampa  em  88.  Em  i8o5  foi  impressa  a  Analyse 
Grafico-Ortodoxa ;  e  em  -cinco  annos  depois  a  Discripção 
Analítica  da  Execução  da  Estatua  Equestre. 

Em  1780  ajudou  a  dirigir  a  Academia  do  nú  a  S.  José, 
e  como  também  a  que  se  abrio  depois  na  rua  dos  Camillos. 
O  Senhor  Rei  D.  José  o  nomeou  Escultor  da  Casa  Real, 
e  Obras  Publicas ;  e  Sua  Magestade  Director  da  Escultura 
das  Obras  Reaes.  Morreo  a  3  de  Dezembro  de  1822,  com 
91  annos  jaz  sepultado  na  Freguezia  dos  Martyres  de 
Lisboa. 


21  D    — 


João  Grossi. 


Gomo  a  Escultura  feita  em  estuque  tenha  muita  analogia 
com  a  que  se  faz  em  barro,  não  parecerá  impróprio  que 
façamos  aqui  menção  deste  estucador,  tanto  mais,  quanto 
elle  presidio  em  huma  Aula  Regia  de  desenho,  e  foi  o  pri- 
meiro Mestre  de  alguns  Pintores,  e  Escultores. 

Em  Portugal  tinha-se  usado  pouco  o  estuque  até  o  tempo 
do  terremoto.  Na  quinta  chamada  dos  bichos  havia,  dizem, 
huma  casinha  de  estuque  feita  no  Século  17.  Do  mesmo 
tempo  era  a  pequena  Capella  no  Convento  da  Esperança 
com  bellissimos  ornatos,  e  baixos  relevos.  No  tempo  do 
Architecto  Larre  estiverão  aqui  Salla,  e  Bill,  que  fizerão 
alguns  estuques  no  seu  palácio  chamado  vulgarmente  do 
Provedor:  fazião  ornato,  e  figura.  Depois  veio  o  Plura  que 
estucou  huma  casa  na  torre  da  pólvora,  e  huma  Ermida 
ao  pé  da  Sé.  Francisco  Gommassa,  mero  ornatista  também 
trabalhou  em  casa  do  Provedor,  e  fez  a  fachada  da  Ermida 
dos  Soldados  em  Alcântara. 

João  Grossi,  nascido  em  Milão  por  17 19  aprendeo  a 
modelar  em  cera,  e  barro;  e  depois  sérvio  Fernando  6.° 
no  exercito,  como  desenhador:  alli,  tendo-se  desafiado  com 
o  sobrinho  do  seu  Coronel  succedeo  matallo  no  duello ; 
mas  como  era  protegido  pôde-se  ausentar,  escapando  do 
quartel  aonde  estava  prezo,  disfarçado  com  o  traje  da  sua 
Lavadeira.  Veio  para  Lisboa,  e  foi  morar  para  a  Bica  com 
Domingos  Lepori,  commerciante,  seu  primo,  o  qual  lhe 
procurou  a  grande  Obra  do  tecto  da  Igreja  dos  Martyres, 


2l6    

feito  de  novo  em  1748,  ou  49  que  elle  executou,  (inda  que 
nunca  tivesse  trabalhado  em  estuque),  ajudado  pelo  Plura, 
e  pelo  Gommassa,  usando  de  formas  para  florões,  e  outros 
ornamentos.  Fez  também  huma  casa  no  Palácio  de  Cintra, 
outra  em  casa  do  Provedor  dos  Armazéns,  que  o  introduzio 
com  o  Marquez  de  Pombal.  Este  o  occupou  nas  suas  casas 
da  rua  Forniosa,  e  das  Janelas  verdes.  Por  1755  estucou 
as  casas  do  Machadinho,  e  nessa  occasião  veio  Pedro  Chan- 
toforo,  e  também  Agostinho  de  Guadri,  parente  de  Grossi, 
e  seu  patrício.  Tinha  elle  viajado  na  Alemanha,  Prússia,  e 
Hollanda,  e  trouxe  o  methodo  de  trabalhar  o  estuque  em 
fresco,  e  lustrallo,  misturando-lhe  cola.  Logo  depois  do 
terremoto  fizerão  a  Capella  dos  Terceiros  de  Jesus.  Se- 
guio-se  o  tecto  dos  Paulistas,  cujo  painel,  e  baixos  relevos 
forâo  primorosamente  feitos  pelo  Toscanelli,  primo  de 
Grossi,  o  qual  era  Pintor,  discípulo  de  Corrado,  e  tinha 
ganhado  prémios  em  desenho  na  Academia  de  S.  Fernando 
de  Madrid. 

No  Collegio  dos  Nobres  admittio  João  Grossi  o  Falcão, 
e  dous  Brasileiros,  que  tinhão  estudado  em  Roma,  erão 
Felis  da  Rocha,  Pintor  de  miniatura,  e  José  Tenório,  seu 
primo,  que  desenhava  alli  pilastras,  capiteis,  e  outros  ob- 
jectos de  Architectura,  para  ganhar  alguma  cousa.  Felis 
trabalhou  no  baixo  relevo  de  Nossa  Senhora,  e  nas  meda- 
lhas ;  e  fez  outras  cousas  na  Conceição  Velha,  e  na  Inqui- 
sição. 

Os  Verdes,  também  Estucadores,  estavão  trabalhando 
no  Palácio  novo  de  Madrid,  e  o  Embaixador  de  Hespanha 
quiz  aqui  escriturar  o  Grossi  promettendo-lhe  o  perdão  do 
crime,  e  avultada  recompensa,  mas  o  Marquez  de  Pombal 


—   217   — 

o  reteve,  e  por  66  abrio-Ihe  huma  Aula  ao  Rato,  e  deu-lhe 
6ooC!>  réis  annuaes  para  ensinar  lo  discipulos,  entre  os 
quaes  entrou  João  Paulo  da  Silva,  que  se  fez  bem  conhe- 
cido pelas  muitas  obras  que  depois  executou,  e  dirigio. 
Morreo  a  28  de  Dezembro  de  1821,  jaz  na  Freguezia  de 
S.  Mamede  de  Lisboa  com  70  annos  de  idade. 

Pouco  depois  da  abertura  da  Aula  casou  João  Grossi 
com  Rosa  Bernarda,  creada  muito  valida  de  Sor  Maria 
Magdalena,  irmã  do  Marquez  de  Pombal,  Prelada  pei^etua 
no  Convento  de  Santa  Joanna.  EUe  foi  excessivamente  pro- 
tegido pelo  Marquez,  que  lhe  dava,  ou  pedia  lhe  dessem  a 
fazer  todas  as  grandes  Obras  que  então  se  construião,  que 
erão  muitas,  e  pagas  por  altos  preços;  e  admira  que  adqui- 
rindo cabedaes  tão  avultados,  morresse  em  tanta  pobreza 
pelos  annos  de  1781,  tendo  cegado  antes  de  morrer. 


Felis  Salla. 

O  dominio  de  João  Grossi,  e  os  progressos  da  sua  Aula, 
sentirão  muita  diminuição  pela  morte  do  Senhor  Rei  D.  José, 
e  retirada  do  Marquez  para  Pombal  em  1777.  Já  quando 
se  fez  a  Obra  da  Sé  estavão  os  Estucadores  divididos  em 
dous  partidos,  e  erão  muitos;  por  que  aos  discipulos  da 
Aula  se  tinhão  agregado  pedreiros,  e  quadratores.  Os  mais 
bem  acceitos  ao  Publico  erão  João  Paulo  de  Silva,  Paulo 
Botelho,  Manoel  José  o  Escultor,  José  Francisco  Espaventa, 
Domingos  Lourenço  &c.  Quando  Joaquim  Pedro  Quintela 
fez  o  seu  palácio  nas  Larangeiras  debaixo  da  direcção  de 


—    2l8    — 

seu  tio  o  Padre  Bartholomeu  Quintela  da  Congregação  do 
Oratório,  fez  João  Paulo  a  maior  parte  dos  tectos,  por 
desenhos  do  mesmo  Padre.  Já  quasi  no  fim  da  Obra  appa- 
receo  o  Salla;  e  o  seu  gosto  de  desenho,  e  modo  de  traba- 
lhar agradou  por  estremo  ao  dito  Padre.  Era  elle  discípulo 
do  celebre  Albertoli,  Milanez,  que  renovou  na  Itália  o  gosto 
dos  bellos  ornamentos  usados  no  tempo  de  Augusto,  e  dos 
Gregos.  Os  que  se  havião  introduzido  nos  últimos  tempos, 
e  se  estavão  usando,  erão  os  chamados  Francezes,  e  Ale- 
mães, cheios  de  tarJÕes,  ornados  com  búzios,  conxas,  &c. 
e  algumas  ervas  muito  amarrotadas. 

Salla  fez  todos  os  tectos  do  palácio  de  Quintela  em  Lis- 
boa; depois  foi  a  Cadiz  com  Domingos  Lourenço,  e  José 
Eloi  a  fazer  o  salão  dos  bailes,  e  de  Cadiz  regressou  a 
Milão  sua  pátria  tendo  pouco  mais  de  3o  annos. 


Vicente  Tacquesi 

Suisso:  veio  por  i8o5  e  dizia  ser  discípulo  de  Canova: 
foi  aqui  protegido  por  Vandeli,  e  por  N.  Soares  Secretario 
da  Junta  do  Commercio,  em  cuja  escada  fez  alguns  baixos 
relevos :  também  fez  as  4  partes  do  Mundo  na  quinta  dos 
bichos.  Requereo  o  restabelecimento  da  Aula  dos  estuques 
para  elle  dirigir,  tendo  por  sócio,  para  a  direcção  dos  or- 
natos José  Francisco  Espaventa.  Já  a  Junta  das  Fabricas 
lhe  tinha  dado  casas  para  morar,  quando  entrarão  os  Fran- 
cezes, com  quem  teve  bastante  familiaridade.  Para  os  lison- 
gear  fez  hum  baixo  relevo  em  cera,  com  boa  composição, 


—    219   — 

e  bem  desenhado,  representando  a  entrada  de  Junot  em 
Lisboa,  cujo  Estado  Maior  era  precedido  por  hum  Génio 
revolucionário,  que  ao  som  da  trombeta  o  incitava  á  rapina, 
e  expulsava  muitas  pessoas  nuas  para  fora  do  Reino.  Depois 
da  restauração  foi  prezo  i.^  e  2.^  vez;  e  por  fim  desterrado 
em  1810. 

Os  bons  estuques  forão  usados  pelos  antigos,  perdidos 
muitos  Séculos,  e  tornados  a  achar  por  João  de  Udine, 
discipulo  de  Rafael,  no  Século  de  õoo  quando  apparecerão 
pela  i.^  vez  as  Camarás  de  Tito.  EUes  tem  tido,  e  merecem 
ter  estimação;  mas  entre  nós  usarão-se  com  furor  como 
huma  moda,  e  assim  acabarão;  de  sorte  que  alguns  estu- 
cadores  moços  applicarão-se  á  pintura;  outros  buscarão 
outros  modos  de  vida.  Hoje  está  aqui  esta  Arte  quasi 
extincta. 


Joaquim  José'  de  Barros  LaborÃo. 

Nasceo  em  Lisboa  em  1762,  e  tinha  só  10  annos  quando 
entrou  como  alumno  na  Aula  de  João  Grossi,  aonde  pre- 
sistio  4  annos  debuxando,  e  modelando.  Passou  depois  para 
a  escola  de  João  Paulo,  Escultor  em  madeira.  Em  quali- 
dade de  ajudante  esteve  com  Raymundo  da  Costa,  com  o 
Padre  João  Chrisostomo,  e  ultimamente  5  annos  com  Ma- 
noel Vieira,  aonde  modelava,  e  acabava  muitas  Obras. 
Estabelecido  Já  em  sua  casa  fez  os  modelos  de  Santa  Clara, 
e  S.  Francisco,  executados  por  Francisco  Xavier,  discipulo 
de  José  de  Almeida,  e  por  António  Machado.  O  numero 
das  obras  que  tem  feito  he  tão  grande,  que  não  o  poderia- 


220    — ^ 

mos  aqui  relatar,  só  faremos  menção  do  baixo  relevo  em 
mármore  que  está  no  t3^mpano  da  Igreja  da  Bemposta,  e 
da  Fama,  com  os  retratos  de  Suas  Magestades  no  obelisco 
de  Bellas. 

O  Marquez  Regedor,  muito  aífeiçoado  ás  boas  Artes, 
ficou  tão  satisfeito  com  a  sua  obra  de  Bellas,  que  alem  da 
recompensa  pecuniária,  lhe  solicitou  o  Habito  de  S.  Tiago, 
fez-lhe  todas  as  despezas  para  as  habilitações,  e  quiz  ser 
seu  padrinho  na  profissão. 

Sua  Magestade  o  premiou  liberalmente,  dando-lhe  o  lugar 
que  Giusti  occupava  em  Mafra,  com  o  mesmo  ordenado. 
Estava  aquelle  estudo  quasi  extincto,  quando  para  alli  forão 
os  Padres  Vicentes,  estes  mandarão  continuar  lentamente 
a  escultura  das  lunetas  por  modelos  do  Leal,  executados 
por  Braz  Toscano  de  Mello,  Roberto  Luiz  da  Silva,  e  seu 
filho.  Barros  deo-lhe  mais  algum  movimento ;  porem  acon- 
teceo  a  invasão  dos  Francezes  que  o  paralisou.  Enpre- 
gou-se  depois  nas  estatuas  para  o  Palácio  de  Nossa  Senhora 
da  Ajuda,  e  fez  a  Honestidade,  a  Diligencia,  o  Desejo,  e  o 
Decoro,  em  cujas  Obras  o  ajudarão  seus  filhos,  e  discipulos 
Manoel  Joaquim,  e  José  Pedro  de  Barros,  e  Gaspar  Joa- 
quim da  Fonseca,  natural  de  Viseu  [i].  Morreo  em  3o  de 
Março  de  1820  contando  58  annos.  Jaz  na  Casa  do  Capitulo 
de  Santo  António  dos  Capuchos. 

Carlos  Amatucci,  Italiano,  também  fez  em  1818  para  o 
mesmo  Paço  a  estatua  da  Liberalidade.  Veio  para  Lisboa 
pelos  annos  1804,  retratava  em  cera:  em  807  estando  já 


[i]  Veio  de  7  annos  para  Lisboa,  e  estudou  com  o  Barros  7  annos. 


—    221    — 


admitido  no  Real  Serviço,  com  40036000  rs.  annuaes,  fez 
a  medalha  do  Principe  para  os  órgãos  de  Mafra.  Era  muito 
moço,  e  bem  disposto,  quando  no  anno  1809  morreo  repen- 
tinamente de  Iiuma  aneurisma  no  peito,  que  o  suffocou. 


João  José'  de  Aguiar. 

Natural  de  Bellas,  estudou  o  desenho  em  Lisboa  na  Aula 
do  Castello,  e  indo  para  Roma  em  1786  com  Joaquim 
Fortunato  de  Novaes,  e  José  Alvez  de  Oliveira  pensionados 
todos  pela  Intendência,  foi  alli  discipulo  do  Labruzzi  no 
desenho,  e  de  José  Angelini  na  escultura;  porém  este  tendo 
endoudecido,  passou  Aguiar,  para  o  estudo  de  António 
Canova.  Em  Agosto  de  98  regressou  á  pátria.  Sendo  fale- 
cido Francisco  António,  Escultor  da  Fundição,  entrou  no 
seu  lugar,  e  fez  a  escultura  em  bronze  de  humas  banquetas 
que  alli  se  íizerão  para  Mafra.  Em  i8o5  foi  nomeado  substi- 
mto  de  Joaquim  Machado,  com  preferencia  a  Francisco 
Leal,  que  já  occupava  aquelle  lugar,  vencendo  40035)000  réis, 
elle  teve  600.  Fez  a  Estatua  de  El-Rei  que  está  no  Arsenal 
na  casa  das  formas,  e  actualmente  emprega-se  em  escul- 
turas para  o  Palácio  da  Ajuda. 


João  Gomes  Baptista. 

A  gravura  em  ôcco,  ou  de  medalhas,  tem  muita  correla- 
ção com  a  escultura,  ou  he  huma  escultura  feita  ás  avessas, 


-^    222    — 

e  o  seu  uso  he  antiquíssimo,  como  se  pôde  vêr  nos  tratados 
de  antiguidade ;  e  nas  collecções  de  medalhas.  Esta  Arte 
chegou  também  á  uhima  perfeição  na  Grécia,  e  em  Roma, 
depois  decahio  com  as  mais,  mas  nunca  se  extinguio  de 
todo,  por  que  sempre  se  cunhou  dinheiro,  e  se  usou  delia 
bem,  ou  mal. 

Em  quanto  á  gravura  de  chapa  a  sua.  invenção  he  mo- 
derna, e  foi  achada  casualmente  por  hum  lavrante  Floren- 
tino, Thomas  Finiguerra,  em  1430. 

Desde  o  principio  da  nossa  Monarchia  se  cunhavão  em 
Portugal  Soldos  de  prata,  e  de  ouro,  que  tinhão  não  só 
quaesquer  lavores,  mas  lavor  de  figura  acavallo  com  espada 
na  mão.  Ignoramos  os  nomes  dos  que  abrirão  os  cunhos 
para  a  nossa  moeda  até  o  tempo  do  Cardeal  Rei.  Depois 
correo  a  moeda  H  espanhola  desde  i58o  até  1640.  No  tempo 
do  Senhor  D.  João  o  5."  esteve  aqui  o  insigne  Mangem,  a 
quem  forão  succedendo  os  seus  discípulos :  hum  delles  foi 
João  Gomes  Baptista,  de  quem  temos  visto  excellentes 
medalhas,  e  abrio  cunhos  na  Casa  da  Moeda ;  porem  abu- 
sando da  confidencia  que  delle  se  fazia,  e  achando-se  cri- 
minoso, se  ausentou  para  o  Rio  de  Janeiro,  aonde  viveo 
debaixo  do  nome  supposto  de  Thomaz  Xavier  de  Andrade. 
Gomes  Freire,  Conde  de  Bobadela,  Governador  no  Brasil, 
e  grande  estimador  dos  homens  de  talento,  lhe  deo  o  em- 
prego de  Abridor  da  Casa  da  Fundição  em  Villa  Rica. 
Morreo  em_  Minas  Geraes  pelos  annos  1754. 


=—    223    


João  de  Figueiredo. 

Era  natural  da  Cidade  de  Aveiro,  aonde  aprendeo  a 
desenhar,  modelar,  e  a  trabalhar  em  prata.  Pelos  annos 
1749  tendo  24  de  idade  veio  para  Lisboa,  e  pouco  depois 
entrou  para  a  Fundição  como  Abridor  de  armas.  Foi  creando 
discípulos,  e  cujo  numero  com  o  tempo,  veio  a  ser  grande. 
Aprendião  a  desenhar,  a  abrir  ao  boril,  em  chapa,  e  em 
ôcco,  e  a  lavrar  metaes.  Seu  filho  Francisco  Xavier  de 
Figueiredo,  e  Cypriano  da  Silva  entrarão  para  a  Casa  da 
Moeda.  Manoel  Tavares,  José  Joaquim  Freire,  António 
José  dos  Santos,  Vicente  Jorge,  forão  para  Belém  como 
desenhadores  de  Historia  natural,  additos  ao  Museo. 

João  de  Figueiredo,  em  1773,  abrio  huma  medalha  de 
3  polegadas  de  diâmetro  representando  a  Estatua  Equestre 
do  Senhor  D.  José  I.°  e  foi  impressada  em  vários  metaes, 
e  em  porçolana  de  Bartholomeu  da  Costa,  a  qual  sendo 
tão  clara,  e  diáfana  como  a  da  China,  resistia  muito  mais 
que  ella  ao  ferro,  e  ao  fogo.  Em  82  fez  o  punção  do  Retrato 
da  Senhora  D.  Maria  I.^  para  os  Camafeos  de  porçolana 
do  mesmo  Bartholomeu,  que  se  usarão  em  anneis.  Para  a 
i.^  pedra  da  Basílica  do  Coração  de  Jesus,  lançada  em  83, 
fez  huma  medalha  de  duas  polegadas  com  as  effigies  da 
Rainha,  e  de  ElRei,  que  se  cunharão  em  vários  metaes. 
Para  a  Academia  das  Sciencias  em  85  gravou  em  medalha 
a  Rainha  sentada  dando  a  Minerva  huma  Coroa  de  louro 
para  premiar  os  Académicos  beneméritos.  Em  90  abrio  a 
Senhora  da  Conceição  para  as  medalhas  dos  Allumnos  do 


—   024  — 

CoUegio  dos  Nobres ;  e  no  anno  seguinte  S.  João  Baptista 
para  os  do  Seminário  do  Crato.  Começou  vencendo  hum 
salário  de  i.3f)2oo  réis  diários,  sem  desconto  algum;  o  que 
foi  depois  augmentado  com  looíttooo  réis  annuaes.  Morreo 
em  Lisboa  em  lo  de  Janeiro  de  1809  com  84  annos  de 
idade. 

Succedeo-lhe  na  direcção  da  Aula  seu  filho  António  Joa- 
quim de  Figueiredo,  e  Gaspar  de  Figueiredo,  3.°  filho,  he 
Contramestre  na  mesma  Fundição.  Francisco  Xavier  de 
Figueiredo,  Abridor  da  moeda,  morreo  em  1818. 

Cypriano  da  Silva  Moreira,  natural  de  Lisboa,  foi  cha- 
mado da  Fundição  para  o  Erário,  a  fim  de  alli  abrir  os 
sellos  para  o  papel,  d'onde  passou  depois  para  a  moeda 
com  o  mesmo  salário  que  recebia  no  Erário  de  iítt>2oo  réis 
por  dia,  e  as  Obras  pagas  separadamente.  Francisco  de 
Borges  Freire  foi  praticante  de  Xavier  de  Figueiredo,  donde 
passou  para  ajudante  de  seu  Tio  Cypriano  da  Silva. 


Simão  Francisco  dos  Santos. 

Natural  de  Lisboa,  e  discípulo  de  José  Gaspar,  de  Nação 
Flamenga,  que  succedeo  no  lugar  do  insigne  Mangem 
1.°  Abridor  da  Casa  da  Moeda,  com  o  ordenado  de  48oí!t)00o 
réis,  e  as  Obras  pagas,  cujo  lugar  inda  não  foi  provido 
depois  da  sua  morte,  que  foi  por  181 2  tendo  85  annos  de 
idade.  Simão  Francisco  ficou  suprindo  este  emprego,  mas 
sem  augmento  no  ordenado,  que  já  tinha  de  2ooCÍ>  réis 
annuaes,  casas  para  assistir,  e  as  Obras  pagas  separada- 


—    225    — 

mente.  Em  1802,  por  desenho  do  Sequeira,  abrirão,  José 
Gaspar,  António  José  do  Valle,  Xavier  de  Figueiredo,  e 
Simão  Francisco  o  punção  do  retrato  do  Principe  Regente 
para  as  peças,  e  medalhões  de  bronze.  Este  hábil  Artista 
tem  feito,  alem  das  Obras  da  Casa  da  Moeda,  grande 
numero  de  outras,  tanto  em  metaes  como  em  pedras  finas 
para  a  maior  parte  dos  grandes  do  Reino,  e  para  os  Tri- 
bunaes  da  Corte;  e  mesmo  até  para  os  Reinos  Estrangeiros, 
tem  aberto  muitas  Armas,  Escudos,  e  Sellos.  São  seus 
discipulos  Caetano  Alberto  Nunes  de  Almeida,  Luiz  Gon- 
zaga Pereira,  e  Domingos  António  Cândido, 


Joaquim  Carneiro  da  Silva. 

Já  dissemos  em  outro  lugar,  que  o  desastrado  fim  da 
nossa  gente  em  Africa  seguido  de  huma  espécie  de  capti- 
veiro  de  60  annos,  e  das  guerras  da  Restauração,  e  Succes- 
são  obstou  muito  aos  progressos  das  boas  Artes ;  a  da 
gravura  de  estampas  foi  huma  das  que  menos  florecerão; 
e  que  só  depois  da  Paz  de  Utrechk  em  171 5  cuidou  o 
Senhor  D.  João  o  5.°  em  animar  as  Artes,  e  Sciencias. 
Em  1720  fundou  elle  a  Academia  Real  da  Historia;  e  em 
22  a  Academia  Problemática  de  Geometria  em  Setúbal. 
Estas  fundações  requerião  Gravadores  de  estampas,  e  vierão 
para  isso  alguns  Gravadores  estrangeiros  por  intervenção 
de  D.  João  da  Silva,  Conde  de  Tarouca,  Embaixador  na 
Haya.  Gabriel  Francisco  Luiz  Debrié  era  Francez,  gravou 
muitas  pranchas  para  a  Historia  Geneleogica,  e  em  1789 
i5 


226    — 

àbrio  os  retratos  do  Rei  e  da  Rainha  que  Ranc  havia  pin- 
tado. Teve  hum  filho  nascido  em  Lisboa  também  Gravador. 

Francisco  Harrewyn,  Abridor  Régio  em  Bruxellas  gravou 
os  retratos  dos  Senhores  D.  João  o  4.**,  D.  Affonso  6.°, 
D.  Pedro  2.",  e  D.  João  o  5.°  em  corpos  inteiros. 

Alexandre  de  Gusmão  da  Companhia  de  Jesus,  da  Pro- 
vinda do  Brasil  abrio  huma  estampa  da  Natividade  com 
boa  maneira. 

Francisco  Vieira,  e  Quilhard  também  gravarão  bastantes 
chapas,  e  o  2.°  abrio  huma  náo  que  foi  ao  mar  em  1727 
com  todo  o  povo  dentro,  e  fora  delia,  e  o  mesmo  Rei,  a 
quem  a  dedicou.  Erg^  gravada  no  estilo  de  le  Clerc.  Fez 
outra  chapa  igualmente  laboriosa  da  marcha  fúnebre  do 
Duque  de  Cadaval. 

Rochefort,  e  Miguel  Le  Boiteux  também  forão  aqui  em- 
pregados, do  i.°  temos  o  Baptista  de  D.  João  o  5.°,  e  do 
2.°  a  fachada  de  Mafra  em  estamipa  de  4  palmos  aberta 
em  1752.  Depois  disso  alguns  Portuguezes  se  applicarão  á 
gravura,  os  Rochas,  pae,  e  filho;  Padrão;  e  João  Silvério 
Carpinchi,  seu  discípulo,  que  abrio  os  retratos  do  Senhor 
D.  José  i.°,  e  da  Senhora  Rainha  D.  Marianna  Victoria: 
Jerónimo  de  Barros,  o  Cavalleiro  Faria,  grande  desenhador 
á  penna,  abrio  a  agua  forte  hum  bello  Santo  António  pre- 
gando aos  peixes.  Francisco  Vieira  Portuense,  José  Lúcio, 
e  outros  muitos. 

Em  1769  se  estabeleceo  em  Lisboa  huma  Aula  de  gra- 
vura, addita  á  Impressão  Regia,  dirigida  por  Joaquim  Car- 
neiro da  Silva,  natural  do  Porto,  onde  vio  a  luz  em  1727. 
Era  lavrante :  foi  de  12  annos  para  o  Rio  de  Janeiro,  e  alli 
a,prendep  a  desenhar  com  João  Gomes,  natural  de  Lisboa, 


—    227    — ' 

abridor  de  cunhos  da  Casa  da  Moeda :  Amava  a  musica, 
e  tocava  frauta,  achando-se  frequentemente  em  concertos 
de  instrumentos  com  João  Henriques  de  Sousa,  que  depois 
veio  a  ser  Tliesoureiro  Mór  do  Erário.  Tendo  estado  alli 
17  annos  veio  para  Lisboa  em  lySõ,  no  anno  seguinte  foi 
para  Roma,  e  frequentou  para  o  desenho  a  escolla  de 
Ludovico  Sterni,  que  era  bom  Pintor.  Em  1760  mandou  o 
nosso  Ministro  D.  Francisco  d'Almeida  por  Ordem  Regia 
a  todos  os  Portuguezes  que  sahissem  de  Roma.  EUe  foi 
então  para  Florença  acabar  os  seus  estudos,  e  não  acceitou 
hum  lugar  na  Casa  da  Moeda,  que  o  Marquez  de  Pombal 
lhe  offerecia. 

Entrando  para  a  Impressão  Regia,  como  fica  dito,  teve 
4GOví>ooo  réis  de  ordenado,  e  huma  gratificação  de  looíí&ooo 
réis  por  cada  discípulo  aproveitado  que  ensinasse ;  ensinou 
António  Sisenando,  que  endoudeceo  em  Roma ;  Ventura 
da  Silva  seu  sobrinho.  Gaspar  Froes  Machado,  Eleuterio 
Manoel  de  Barros :  Nicoláo  José  Baptista  Cordeiro,  que  se 
applicou  depois  á  pintura,  e  morreo  tisico  em  fresca  idade : 
Joaquim  José  Ramalho,  que  morreo  moço  em  1795,  sendo 
também  Pintor:  José  Galdino  de  Mattos  começava  a  flore- 
cer  quando  por  paixão  de  ciúme  se  matou  com  hum  boril. 
Manoel  da  Silva  Godinho  que  gravou  muitas  estampinhas 
devotas ;  José  Pedro  Xavier,  filho  de  Januário  António 
Xavier,  bom  Gravador  de  letra,  não  prosegmo,  e  foi  servir 
no  exercito,  hoje  he  Tenente  Coronel  da  Brigada  Real. 

Quando  Ponzoni,  que  era  Mestre  de  desenho  no  CoUe- 
gio  dos  Nobres,  se  retirou  ficou  Joaquim  Carneiro  em  seu 
lugar  com  60  moedas.  Fez  os  Estatutos  para  a  Aula  Regia 
do  desenho,  que  se  abrio  em. . .  sendo  Director  do  estudo 


—    228    — 

de  figura  Joaquim  Manoel  da  Rocha,  e  de  Architectura 
José  da  Costa:  Joaquim  Carneiro  foi  substituto  de  Rocha 
com  2oo3!;ooo  réis.  Por  morte  de  Rocha  em. . .  succedeo-lhe 
Eleuterio  Manoel  de  Barros,  que  leu  na  Aula  até  1811: 
então,  impossibilitado  por  moléstia,  foi  substituido  por 
Faustino  José  Rodrigues.  O  lugar  de  José  da  Costa  he 
occupado  pelo  seu  discipulo  Germano. 

Joaquim  Carneiro,  logo  que  veio,  (seria  por  62),  abrio 
hum  S.  José  em  pé  com  o  menino  ao  cóUo.  Em  67  fez  a 
Senhora  do  Rosário  no  estilo  de  Maratte,  em  76  gravou  a 
Estatua  Equestre  em  chapa  de  3  palmos,  e  fez  muitas 
outras  cousas  antes,  e  depois.  Desenhou  as  setenta  e  tantas 
estampas  para  a  Arte  de  Picaria  de  Manoel  Carlos  de  Car- 
valho, abrio  muitas  aqui,  e  foi  a  Madrid  para  fazer  gravar 
as  outras.  Acabada  a  Obra  em.  90  voltou  a  Lisboa.  Fez  o 
retrato  do  Príncipe  D.  José,  algumas  estampas,  copias  de 
invenções  da  Senhora  Princeza  do  Brasil,  viuva,  e  da  Se- 
nhora Infanta  D.  Marianna.  Antes  de  ir  para  Madrid  de- 
mittio-se  da  Aula  da  gravura  que  ficou  anniquilada. 

Traduzio  do  Francez  Elementos  de  Geometria  de  Mr. 
Clairaut.  Lisboa  1772.  Tratado  Theorico  das  Letras  Typo- 
graficas  1802.  O  dia,  a  noute,  e  o  crepúsculo,  M.  S.,  e 
outros.  Fez  muitos,  e  bellos  desenhos  a  lápis,  á  penna,  á 
tinta  da  China,  e  a  bistre,  a  Acclamação  da  Senhora 
D.  Maria  i.''  de  5  palmos,  está  na  CoUecção  de  Borba;  e  a 
Embaixada  da  Polónia  ac  Papa  na  de  Pilar.  Morreo  em 
i8  de  Outubro  de  181 8  com  91  annos  de  idade,  Jaz  no 
Convento  do  Carmo, 


'229 


Gaspar  Frois  Machado. 

De  Santarém:  era  irmão  lo  annos  mais  moço  de  Fran- 
cisco Leal.  Começou  a  estudar  na  escoUa  de  Giusti  em 
Mafra,  e  proseguio  por  tempo  de  4  annos :  depois  esteve 
na  Fabrica  das  caixas,  e  por  fim  hum  Padre  leigo  de  Mafra, 
Fr.  António  de  S.  Joaquim  o  introduzio  em  casa  de  Estevão 
Pinto;  o  qual  vendo  que  desenhava  bem  o  fez  entrar  na 
Aula  da  Gravura  de  Joaquim  Carneiro  aberta  de  novo. 
Alli  adiantou-se  muito,  e  ganhou  o  i.°  premio.  Pelos  annos 
1780,  Pagliarina  que  se  tinha  aqui  refugiado,  pelo  crime 
capital  de  imprimir  em  Roma,  sem  licença,  a  Tentativa 
Theologica  obteve  o  perdão,  tornou  para  Roma,  e  levou 
comsigo  o  Gaspar ;  porem  tendo-o  lá  desamparou-o.  D.  Diogo 
de  Noronha  o  recebeo  em  sua  casa.  Poz-se  a  estudar  com 
fervor,  e  proveito  na  escolla  de  Volpato;  quando  voltou 
conduzio  alguns  painéis  de  Batoni  para  o  Real  Convento 
da  Estrella,  e  o  seu  Mecenas  o  recommendou  a  seu  pae  o 
Marquez  d'Angeja.  Sua  Magestade ;  (porque  elle  lhe  disse 
que  não  tinha  casa  em  Lisboa),  o  mandou  para  a  Casa  de 
Pasto  da  Piemonteza,  pagando  i3í)200  réis  por  dia,  os  quaes 
requereo  elle  depois,  e  obteve,  como  pensão. 

Gravou  o  retrato  da  Rainha,  pintado  por  Hickey,  em 
chapa  grande.  Abrio  em  1798  também  em  grande  prancha 
huma  alegoria  composta  por  seu  irmão  Francisco  Leal,  e 
representava  Suas  Magestades  no  throno,  o  Anjo  Tutelar 
ao  lado  do  Rei,  então  Principe  Regente,  apresentando  a 
Sereníssima  Senhora  D.  Maria  Thereza,  recemnascida  á 


—  23o  

Lusitânia,  que  a  recebe  com  respeito,  e  ternura,  em  quanto 
o  Tejo  a  contempla  com  muito  prazer.  Elle  distribuio  as 
estampas  pelos  Senhores  da  Corte,  que  as  receberão  com 
applauso. 

Também  gravou  a  Torre  de  Belém  que  Niel  offereceo 
ao  Duque  de  Alafôes  em  lySS;  e  oífereceo-a  ao  seu  Patrono 
D.  Diogo  de  Noronha,  depois  Conde  de  Villa  Verde.  D.  Ro- 
drigo de  Sousa  Coutinho  o  persuadio  a  que  fosse  a  Ingla- 
terra acabar  de  se  aperfeiçoar  com  Bartolozzi.  A  este  tempo 
era  elle  Já  casado  com  a  filha  de  Francisco  Manoel  Pires, 
o  que  estampou  a  Estatua  Equestre,  e  conseguio  que  ficasse 
á  mulher  a  pensão  dos  4oo;jí)Ooo  réis,  e  obteve  para  si 
2ilí>4oo  réis  cada  dia,  e  loo  moedas  de  ajuda  de  custo. 
Partio  em  1796,  e  desgraçadamente  naufragou,  sem  se 
saber  como,  nem  aonde,  tendo  vivido  só  Sy  annos  ou  pouco 
mais. 


António  Fernandes  Rodrigues. 

Nasceo  na  Cidade  de  Marianna  no'  Brasil  de  hum  pae 
Portuguez,  e  de  huma  sua  crioula,  cousa  muito  usada 
naquelles  paizes.  Estudou  no  Rio  de  Janeiro  a  grammatica 
latina  com  seu  Tio  o  Padre  José  Fernandes,  Jesuita;  a 
Musica  com  o  Mestre  António  do  Carmo;  e  o  desenho  com 
João  Gomes  Baptista  Abridor  de  Cunhos,  que  também  o 
ensinou  a  modelar.  Em  1758  veio  a  Lisboa,  e  no  anno 
seguinte  passou  a  Roma  aonde  teve  por  Mestre  Filippe  de 
Ja  Valle,  Escultor,  até  que  em  3  de  Julho  de  1760  mandou 
o  Ministro  de  Portugal  que  sahissem  de  Roma  os  Portu- 


—    23l     — 

guezes.  Publicou-se  no  Almanach,  como  he  costume,  o 
numero  dos  estudantes  da  Arte  de  todas  as  Nações,  em 
grande  numero;  mas  de  Portugal,  dizia  elle,  trez,  e  não 
mais,  e  pensionados  de  sua  casa.  Os  trez  erao  elle,  Joaquim 
Carneiro  da  Silva,  e  Felis  José  da  Rocha,  Pintor  de  mi- 
niaturas, natural  da  Bahia.  Todos  trez  partirão  para  Flo- 
rença, aonde  elle  Fernandes  se  applicou  a  desenhar  figuras, 
e  architectura.  Veio  de  todo  para  Lisboa  em  62  aonde 
sérvio  o  Publico  como  Gravador,  e  Archictecto.  Fez  o  risco 
para  a  Igreja  de  S.  Vicente  da  Cidade  da  Guarda.  Inventou, 
e  desenhou  o  elogio  ao  Marquez  de  Pombal  que  foi  gra- 
vado em  França  por  Stefano  Tassard.  Diogo  Ignacio  de 
Pina  Manique  querendo  abrir  huma  Aula  de  desenho  na 
Casa  Pia  do  Castello  o  convidou  para  a  dirigir,  e  fez-se  a 
abertura  delia  em  23  de  Abril  de  1781,  vencendo  por  isso 
Sooíitooo  réis.  Esta  Aula  ficou  extincta  pela  invasão  dòs 
Francezes  em  807,  e  António  Fernandes  morreo  em  17  de 
Maio  de  1804,  tendo  quasi  80  annos  de  idade. 


Francisco  Bartolozzi. 

Franco,  e  bravo  desenhador,  como  diz  João  Gori  Gan- 
dellini,  e  qualquer  o  pôde  vêr  nas  suas  obras.  Nasceo  em 
Florença  pelos  annos  de  1727.  Foi  discípulo  de  Wagner, 
e  gravou  em  Veneza,  e  em  outros  lugares  da  Itália  grande 
numero  de  chapas  todas  limpas,  e  agradáveis,  mas  com 
diíferentes  grãos  de  merecimento. 

Em  62  foi  para  Londres  aonde  executou  muitos  pensa- 


232    

mentos  da  Angélica  Kauífmann,  de  Vieira  Portuense,  e  de 
outros;  algumas  destas  obras  são  assas  triviaes,  outras  de 
grande  mestre.  Entrão  no  numero  das  melhores  Achilles, 
a  morte  de  Lord  Chatham,  e  o  Viriato  de  Vieira  dedicado 
a  Sua  Magestade.  D.  Rodrigo  de  Sousa  Coutinho  tendo  a 
inspecção  da  Officina  Regia  quiz  fazer  huma  magnifica 
edicção  dos  Lusiadas  de  Camões,  e  para  esse  fim  attrahio 
a  Lisboa  o  nosso  Bartolozzi  em  1802  com  õooííooo  réis  de 
pensão,  casas,  e  obras  pagas ;  e  renovou  com  elle  a  escola 
de  gravura  que  estava  extincta  pela  demissão  de  Joaquim 
Carneiro.  Francisco  Vieira  fez  muitos  esbocetos  pintados  a 
óleo  para  as  estampas  da  dita  obra,  e  erão  bem  compostos; 
mas  tendo-se  D.  Rodrigo  demittido  dos  seus  empregos, 
tudo  ficou  sem  effeito. 

Quando  Napoleão  quiz  estampar  o  grande  Museu  da 
França,  fructo  das  suas  rapinas,  repartio  a  gravura  das 
estampas  pelos  melhores  incisores  da  Europa.  Bartolozzi 
gravou  a  morte  dos  Innocentes  do  Guido,  obra  de  grande 
magistério.  Abrio  também  o  retrato  delElRei  Nosso  Senhor 
pintado  pelo  Pellegrini.  A  ultima  obra  que  fez  foi  a  Pro- 
cissão das  Sagradas  Formas  de  Cláudio  Coelho. 

Teve  por  discipulos.  Domingos  José  da  Silva,  natural  de 
Lisboa,  que  primeiro  estudou  o  desenho  na  Aula  de  Eleu- 
terio  Manoel  de  Barros,  o  qual  também  lhe  deo  lições  de 
pintura,  depois  applicou-se  á  gravura  com  Joaquim  Carneiro, 
d'onde  passou  em  i8o5,  ou  6  para  discípulo  de  Bartolozzi, 
até  ao  tempo  da  sua  morte,  ficando  recebendo  a  pensão 
annual  de  170  e  tantos  mil  réis  que  lhe  foi  concedida  para 
estudar.  Este  artista  vive  com  seu  irmão  Simão  Francisco 
dos  Santos,  Abridor  da  Casa  da  Moeda,  de  quem  já  fizemos 


—  233  — 

menção.  Domingos  José  abrio  hum  quadro  de  Nossa  Se- 
nhora de  Carlos  Maratte  dedicado  a  Araújo,  então  Ministro 
da  Guerra.  Hum  Santo  António  de  invenção  de  Pedro 
Alexandrino,  o  qual  foi  dedicado  a  Sua  Magestade,  então 
Príncipe  Regente.  O  retrato  do  Bispo  Inquisidor.  Algumas 
chapas  para  os  Breviários,  impressos  na  Impressão  Regia. 
O  retrato  do  Padre  José  Agostinho  para  o  seu  Livro,  e 
outras  cousas  mais :  pinta  também  a  óleo,  e  em  miniatura. 

João  Vicente  Priaz  regressou  ao  Piemonte,  pátria  de  seu 
pae.  Theodoro  António  de  Lima,  natural  de  Lisboa  appren- 
deo  com  o  Figueiredo  na  Fundição,  e  depois  com  Barto- 
lozzi,  he  substituto  da  Aula  do  desenho  no  Collegio  dos 
Nobres. 

António  Maria  de  Oliveira  Monteiro,  namrai  de  Lisboa, 
estudou  o  desenho  na  Aula  de  Eleuterio,  e  dahi  passou 
para  discipulo  de  Bartolozzi. 

Francisco  Thomaz  de  Almeida,  natural  de  Lisboa,  pas- 
sou da  Aula  da  Fundição  onde  apprendeo  o  desenho,  para 
discipulo  de  Bartolozzi,  está  empregado  na  Impressão 
Regia. 

Francisco  António  da  Silva,  applicou-se  á  pintura. 

Francisco  Bartolozzi  terminou  a  sua  longa,  e  illustre 
carreira  em  Lisboa  no  anno  de  i8i5  com  88  de  idade. 


O    COXINHO. 

Assim  chama  o  ^-ulgo  a  José  Lúcio  da  Costa,  natural  de 
Lisboa,  nascido  em  1763,  o  qual  aos  9  annos  de  sua  idade 


—  234  — 

foi  estudar  o  desenho  na  Aula  de  Joaquim  Manoel  da  Rocha 
até  aos  14  annos,  a  cuja  idade  seu  pae  o  passou  para  a 
Aula  do  Calhariz,  a  fim  de  se  applicar  á  Sciencia  de  Ma- 
thematica,  Engenharia,  e  Fortificação;  porem,  andando 
nestes  estudos  teve  a  infelicidade  de  huma  paralesia  na 
perna  esquerda,  que  apezar  das  grandes  diligencias  de  seu 
pae,  e  dos  muitos  remédios  que  se  lhe  applicarão  os  mais 
hábeis  facultativos,  ficou  coxo  da  dita  perna.  Vendo-se  por 
este  motivo  inhabilitado  a  proseguir  os  seus  estudos  de 
Engenharia,  principiou  por  curiosidade  a  abrir  algumas 
estampas ;  e  como  a  natureza  o  tinha  dotado  de  muita 
habilidade,  ellas  forão  recebidas  com  tal  acceitação,  que 
principiou  a  fazer  profissão  de  Abridor  de  chapa ;  fazendo 
todas  as  Obras  de  gravura  para  a  Secretaria  dos  Negócios 
da  Guerra;  todas  as  da  Biblia  de  Jorge  Bertrand;  as  chapas 
das  Obras  de  Joaquim  Machado,  Escultor  da  chapa  de 
S.  Lucas  para  as  Patentes  dos  Irmãos  daquella  confraria, 
e  muitas  outras  mais ;  não  fallando  nos  retratos  para  me- 
dalhas, caixas,  e  anneis  feitos  por  elle  á  miniatura;  assim 
como  tudo  que  he  mechanismo,  porque  tudo  faz,  e  com 
tal  presteza  como  se  tivesse  muita  pratica. 

Nicoláo  José  Corrêa,  e  Manoel  Luiz  Rodrigues  Vianna, 
também  são  Abridores  do  mesmo  tempo,  naturaes  de  Lis- 
boa, e  discípulos  do  Figueiredo,  em  a  Aula  da  Fundição, 
da  qual  o  1.°  sahio  por  Aviso  de  D.  Rodrigo,  para  a  Offi- 
cina  do  Padre  Vellozo  ao  Arco  do  Cego:  desta  passou 
para  a  Impressão  Regia,. e  morreo  em  1 1  de  Dezembro  de 
1814.  O  2.°  existe  na  mesma  Impressão  Regia. 


235 


Gregório  Francisco  Queirós. 

Natural  desta  Corte,  teve  por  i.°  Mestre  em  desenho,  e 
gravura  d'agua  forte  Jerónimo  de  Barros  Ferreira.  Em  1796 
foi  pensionado  da  Corte  para  Londres  com  6oo©ooo  réis 
annuaes,  e  alli  esteve  3  annos  como  discípulo  de  Bartolozzi, 
e  outros  3,  dirigindo  elle  mesmo  os  seus  estudos.  A  Junta 
Provisória  suspendeo  as  pensões  aos  que  estavão  fora  do 
Reino;  mas  D.  Rodrigo,  Conde  de  Cavalleiros,  e  seu  filho 
D.  Gregório,  que  o  protegião,  lha  continuarão  generosa- 
. mente  por  3  annos,  até  que  foi  chamado  com  Bartolozzi 
para  ser  seu  substituto,  com  600ÍÍ000  réis  de  ordenado,  e 
Obras  pagas. 

Muitas  são  as  chapas  que  gravou  em  Inglaterra,  e  tem 
gravado  em  Lisboa,  sendo  huma  das  mais  laboriosas  a  da 
sopa  económica,  que  se  distribuía  aos  emigrados  das  Pro- 
víncias por  ordem  do  Governo,  no  tempo  da  invasão  de 
Massena. 


Eleuterio  Manoel  de  Barros. 

Nascido  também  nesta  Cidade,  frequentou  a  Aula  de 
gravura  de  Joaquim  Carneiro  da  Silva,  e  abrio  muito  bem 
algumas  estampas  para  os  Missaes.  Passou  a  Roma,  aonde 
teve  por  Mestre  o  mesmo  Ludovico  Esterni,  que  o  fora  do 
dito  Silva.  Alli  esteve  em  casa  do  nosso  Ministro  Almada, 
.para  quem  levou  recomendação  de  Soror  Maria  Magdalena, 


—  236  — 

Irmã  do  Marquez  de  Pombal,  e  Religiosa  no  Convento  de 
Santa  Joanna.  Quando  veio  conduzio  o  painel  de  Batoni  do 
Coração  de  Jesus  para  a  Basilica  da  Estrella,  em  cujo 
Convento  ha  hum  painel  seu  de  Elias  deitando  a  capa  a 
Eliseu:  Obra  que  foi  criticada  por  Manoel  de  Mattos,  e 
deífendida  em  parte  por  huma  apologia  de  Joaquim  Car- 
neiro. Fez  os  desenhos  para  os  tectos  da  casa  nobre  de 
João  Ferreira,  executados  por  Francisco  de  Setúbal,  Do- 
mingos de  Sequeira,  Joaquim  José  Bugre,  e  outros.  Entrou 
como  hum  dos  Directores  na  Academia  do  nú  aos  Camillos. 
Por  morte  de  Joaquim  Manoel  da  Rocha,  succedeo-lhe  no 
lugar  de  Lente  da  Aula  do  Desenho,  até  que  sendo  atacado 
de  paralesia  foi  substituído  por  Faustino  José  Rodrigues, 
conservando-lhe  Sua  Magestade,  todo  o  ordenado. 


João  Caetano  Rivara. 

Sendo  filho  de  estrangeiros  nasceo  em  Lisboa,  aonde 
frequentou  a  Aula  do  Castello.  Foi  para  Roma  em  1788 
pensionado  pela  Intendência,  e  alli  por  3  annos  foi  escolar 
de  Labruzzi.  Passou  depois  para  a  Escola  de  Pedro  VitaH, 
Veneziano,  frequentando  também  o  estudo  de  Volpato, 
Gravador  famoso.  Rivara  gravou  huma  Sacra  Familia  do 
Ticiano  de  palmo  e  meio,  dous  ouvados  de  Teniers  repre- 
sentando hum  pastor,  e  huma  pastora,  em  meios  corpos; 
o  busto  de  Antenori  em  ovado  pequeno  &c.  Voltou  a  Lisboa 
em  99,  e  depois  foi  a  Londres  estudar  com  Bartolozzi, 
tendo  de  pensão  eoo^fooo  réis.  Alli  gravou  os  retratos  da 


—  237  — 

Senhora  Rainha,  e  do  Príncipe  Regente  de  Portugal.  Se- 
guio  o  estilo  de  Strange,  e  nesse  mesmo  estilo  desenhou  á 
penna  hum  Fauno,  e  huma  Bachante,  que  estiveráo  no 
gabinete  do  Secretario  de  Estado,  António  de  Araújo  e 
Azevedo.  Em  i8o3  regressou  a  Lisboa,  e  foi  ser  Professor 
de  gravura  no  Jardim  Botânico,  aonde  tem  aberto  plantas, 
e  outros  objectos  de  Historia  Natural. 


António  Sisenando. 

Foi  em  Lisboa  discípulo  de  Joaquim  Carneiro,  e  em  1788 
indo  para  Roma  pensionado  pela  Intendência  teve  por  Mes- 
tre Labruzzi.  Em  90  enviou  ao  Intendente  em  desenho  o 
Jeremias  do  Guercino  da  Galaria  Altieri.  Endoudeceo  era 
91  estando  para  entrar  na  escola  de  Volpato,  e  no  anno 
seguinte  foi  reconduzido  a  Lisboa. 


Manoel  Marques  d'Aguillar. 

Na  Cidade  do  Porto  se  estabeleceo  huma  sorte  de  Aca- 
demia, ou  Aula  de  desenho  pelos  fins  do  reinado  do  Senhor 
D.  José,  sustentada  pela  Companhia  dos  vinhos,  sendo  o 
seu  primeiro  Director  António  Fernandes  Jacome,  natural 
de  entre  Douro  e  Minho,  o  qual  tinha  feito  em  Roma  os 
seus  estudos.  Succedeo-lhe  Francisco  Vieira  na  direcção 
delia,  e  nessa  occasião  recitou  hum  breve  discurso,  que  se 


—  238  — 

estampou  na  Impressão  Regia  em  i8o3.  Lembra  nelle  o 
Aiithor  muitas  das  utilidades  do  desenho,  e  pintura,  e  o 
quanto  importa  ao  Pintor  ser  sábio,  e  erudito :  attribue  a 
falta  que  temos  tido  de  grandes  Artistas  ao  não  haver 
escolas  fornecidas  de  muitos,  e  bons  exemplares;  e  de 
nenhuma  sorte  á  dos  talentos  naturaes.  Agora  espera  gran- 
des resultados  desta  feliz  combinação  &c. 

Nesta  escola  estudou  Manoel  Marques  de  Aguillar  até  o 
anno  lygS,  e  depois  partio  para  Londres  com  huma  pensão 
de  6ooí?)ooo  réis  para  estudar  a  pratica  da  gravura  com 
Thomaz  Milton,  parente  do  Poeta,  o  qual  abria  muito  bem 
paisagens,  e  figuras.  Voltou  em  96  ou  97,  e  foi  pensionado 
Com  48oc3:)Ooo  réis  para  no  Jardim  Botânico  fazer  costumes 
da  Ásia,  e  objectos  de  Historia  Natural.  Gravou  também 
os -retratos  de  Suas  Magesíades.  Nasceo  na  mesma  Cidade 
do  Porto  em  17Õ7  ou  1768. 


José'  Teixeira  Barreto. 

Também  nasceo  no  Porto  pelos  annos  1767,  Tendo  i5 
annos  tomou  o  habito  dos  Benedictinos  no  Convento  de 
Tibaens,  e  com  elle  o  nome  de  Fr.  José  da  Apresentação. 
Quatro  annos  depois  passou  para  S.  Bento  da  Saúde  de 
Lisboa,  e  os  Prelados  o  mandarão  á  Aula  do  Rocha  estudar 
o  desenho;  e  em  1790  o  inviarão  a  Roma,  aonde  foi  discí- 
pulo de  José  Cadiz,  e  de  Mr.  Gagneraux,  Pintor  de  Histo- 
ria;, pensionado  Francez,  que  se  havia  alli  estabelecido. 
Por  intervenção  de  D.  Alexandre  de  Sousa  secularisou-se 


—  239  — 

em  91.  Applicou-se  então  á  gravura,  e  abrio,  só  em  con^ 
tornos  as  estampas  para  Scher\\i  poetici  de  Rossi;  e  por 
painéis  de  sua  invenção  gravou  Moyscs  nas  aguas;  a  mulher 
de  Dário  diante  de  Alexandre;  o  repouso  do  Egypto;  Vénus 
com  algumas  Nimfas;  &c.  &c.  Veio  em  97,  e  8  annos 
depois  pela  morte  de  Vieira,  succedeo-lhe  no  lugar  de 
Director  da  Academia  Portuense.  Pelo  seu  falecimento 
subio  á  Cadeira  o  seu  substituto  Raimundo,  e  foi  admittido 
como  substituto,  João  Baptista  hum  dos  Alumnos  da  mesma 
Escola. 


Benjamin  Comte. 

Nasceo  em  Payerne  na  Suissa  pelos  annos  1760.  Estudou 
em  Londres  na  Escola  de  João  Landseer,  Gravador  do  Rei, 
e  ãpplicou-se  aos  géneros  da  paisagem,  e  da  architectura. 
Em  1806  por  intervenção  de  D.  Rodrigo  de  Sousa  Coutinho 
foi  chamado  á  Corte  de  Lisboa  com  5ooCíooo  réis  de  orde- 
nado. Aqui  tem  gravado  dous  grandes,  e  bellos  arvoredos, 
em  hum  dos  quaes  está  Narciso  vendo-se  nas  aguas,  e  no 
outro  Leda;  pensamentos  ambos  de  Vieira  Portuense.  Abrio 
também  o  Prospecto  do  Convento  da  Batalha,  e  outras 
cousas. 


Faustino  José'  Rodrigues. 

He  natural  de  Lisboa,  e  frequentou  a  Aula  de  Joaquim 
Machado  de  Castro^  e  foi  declarado  por  seu  Mestre,  de 


—  240  — 

maneira  authentica,  pelo  mais  benemérito  de  todos  os  seus 
discipulos :  também  intentou,  e  conseguio  que  elle  fosse  Seu 
substituto  na  mesma  Aula.  O  mesmo  Joaquim  Machado 
não  se  dedignou  de  pôr  o  seu  nome  no  busto  de  mármore 
do  Duque  de  Alafões,  que  elle  esculpio  para  a  Academia 
das  Sciencias.  Também  fez  o  retrato  do  Senhor  Infante 
D.  Pedro  Carlos  para  o  seu  Mausoléo  que  foi  para  o  Rio 
de  Janeiro.  O  retrato  da  Senhora  Rainha  D.  Maria,  Pri- 
meira, que  se  acha  em  huma  piramede  colocada  no  Campo 
de  Ourique  em  memoria  da  grande  Batalha  que  ah  se  deo. 
Fez  também  a  Pia  Baptismal ;  e  outras  muitas  obras  para 
os  Senhores  Marquezes  de  Bellas,  e  de  Borba.  Não  só  tem 
feito  Obras  de  Escultura,  mas  também  de  Pintura,  e  com 
boa  acceitação.  Quando  Eleuterio  Manoel  de  Barros  soffreo 
o  insulto  da  paralesia,  elle  foi  substituir  o  seu  lugar  de 
Lente  da  Aula  do  Desenho. 

Conta  actualmente  60  annos  de  idade,  e  46  de  applicaçao 
á  Arte. 


JoÂo  Teixeira  Pinto. 

Natural  desta  Cidade  de  Lisboa,  logo  nos  annos  de  sua 
mfancia  deo  signaes  de  ter  génio,  e  gosto  para  a  Pintura,  ^ 
e  Escultura,  começando  a  copiar  estampas,  modelando,  e 
applicando-se  em  Obras  de  Escultura;  de  maneira,  que  a 
sua  habilidade  o  fez  Artista  conhecido  do  Publico,  sendo 
chamado  para  trabalhar  em  muitas  Obras  de  Escultura, 
principalmente  para  a  Casa  Real,  para  a  qual  fez  hum 
S.  Pedro  de  Alcantra,  e  hum  S.  Miguel,  ambos  de  prata, 


—  241  — 

para  os  Baptisados  do  Príncipe  D.  Pedro  de  Alcantra  e  do 
Infante  D.  Miguel.  Também  trabalhou  nas  Banquetas  de 
prata  para  os  Oratórios  de  Suas  Magestades.  Entrou  por 
Ajudante  na  Aula  de  Escultura  de  Joaquim  Machado.  Fez 
algumas  cousas  no  Palácio  de  Queluz  no  tempo  de  El-Rei 
D.  Pedro,  e  presentemente  está  trabalhando  no  novo  Palá- 
cio de  Nossa  Senhora  da  Ajuda. 


16 


MEMORIAS  C0NCERNF:NTES 

a'  vida  e  algumas  obras 

DE 

CYRILLO  VOLKMAR  MACHADO, 

ESCRIPTAS   POR  ELLE   MESMO. 

EU  amo  a  Nobreza,  mas  não  tive  a  vantagem  de  nascer 
nobre.  Meu  Pae  aprendeo,  e  professou  a  Arte  da 
Cirurgia,  e  os  seus  parentes  nada  mais  erão  que  honrados 
lavradores  do  termo  de  Setúbal ;  alguns  dos  quaes  servirão 
com  boa  reputação  na  Camará  daquella  Yilla,  alguns  se- 
guirão os  postes  Militares,  outros  em  fim  se  dedicarão  ás 
funções  Sacerdotaes.  EUe  estabeleceo-se  em  Lisboa  aonde 
casou ;  e  eu  fui  o  4.°  dos  seus  6  filhos,  tendo  nascido  em 
9  de  Julho  de  1748.  Fui  baptisado  na  Freguezia  de  S.  Ni- 
coláo.  O  seu  intento  era  fazerme  entrar  na  Aula  do  Com- 
mercio,  cousa  em  que  eu  convinha,  só  por  condescendência, 
porque  o  meu  génio  propendia  para  a  pintura,  com  huma 
força  irresiswvel. 

Ficando  órfão  consegui  que  meu  tio  João  Pedro  Volkmar 
quizesse  ensinarme  a  Arte,  e  appliqueime  a  ella  de  dia,  e 


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de  noute,  com  huma  espécie  de  furor,  que  me  tolhia  o 
somno.  Em  muito  pouco  tempo  desenhei  grande  numero 
de  estampas,  parte  das  quaes  forão  também  copiadas  por 
Joaquina  Isabel,  a  ultima  de  minhas  irmãs;  porque  he 
naturalmente  dotada  de  talento  raríssimo  para  a  imitação, 
tanto  em  desenho,  como  em  pintura. 

Passei  a  colorir;  e  quando  me  pareceo,  que  tinha  copiado 
bastantes  quadros,  desejei  inventar,  este  desejo  era  intem- 
pestivo, mas  eu  não  o  podia  conter;  fiz  diversas  tentativas, 
que  só  servirão  para  darme  a  entender  as  diííiculdades  da 
empreza.  Elias  com  tudo  não  me  desanimarão  inteiramente, 
antes  fizerão  augmentar  a  vontade  que  já  tinha  de  ir  a 
Roma.  Em  tanto  com  alguma  habilidade  natural,  e  pouca 
sabedoria,  fiz  bastante  fortuna ;  pintei  a  tempera,  a  fresco, 
a  óleo,  e  de  aguarelas  sobre  panno  branco;  fiz  grandes,  e 
pequenos  painéis  em  Igrejas,  Palácios,  e  edifícios  públicos, 
não  só  em  Lisboa,  mas  nas  Províncias ;  pintei  Carruagens 
ricas ;  huma  das  quaes  foi  para  o  Senhor  Rei  D.  José. 
Também  em  casa  de  Parodi  copiei,  e  vesti  retratos,  e 
depois  tirei  alguns  pelo  natural. 

Como  o  ócio  total  fosse  incompatível  com  o  meu  génio, 
appliqueime  nas  horas  vagas  á  leitura,  á  dança,  e  á  musica, 
frequentando  os  Theatros,  e  honestas  sociedades;  grangiei 
bons  amigos,  mesmo  entre  a  classe  das  gentes  distintas, 
que  nos  bellos  dias  do  anno  me  convidavão,  e  conduzião, 
para  ir  gozar  o  recreio,  e  toda  a  sorte  de  bons  tratamentos 
nas  suas  quintas,  e  casas  de  prazer. 

No  melhor  desta  serie  de  agradáveis  passatempos,  quiz 
o  destino,  que  eu  me  fosse  incautamente  enredar  em  hum 
daquelles  encantadores  laços,  que  a  juventude  parece  não 


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ser  capaz  de  evitar  senão  por  milagre;  sondo  o  resultado, 
tomar  eu  huma  prompta  resolução  de  partir  para  Roma. 
Passei  por  Évora  aonde  fui  generosamente  hospedado  por 
João  de  Mesquita:  alli  me  demorei  sempre  occupado,  14 
ou  i5  mezes,  e  demorarme-ia  muitos  mais  se  quizesse 
acceitar  as  encommendas  que  se  me  ofterecião ;  não  só 
naquella  Cidade,  mas  também  em  outras  povoações  da 
mesma  Provinda.  De  Évora  transporteime  a  Sevilha,  aonde, 
a  requerimento  <^o  Intendente  da  Policia  Francisco  Xavier 
Larumbe,  se  havia  eregido  huma  Academia  de  Desenho 
dotada  pelo  Rei,  tendo  por  Director  Geral  D.  Pedro  dei 
Pozzo,  Pintor  parente  do  dito  Larumbe,  que  era  Fiscal. 
Os  Pintores  D.  João  de  Espinal  [i]  D.  Francisco  Ximenes 
e  D.  Francisco  Cano,  e  alguns  Escultores  dirigião  os  estu- 
dos do  desenho.  Alli  debuxei  o  nu  pela  i.^  vez,  e  estudei 
os  Elementos  de  Euclides  com  D.  Pedro  Miguel,  que  era 
o  Director  da  Geometria.  Depois  de  passar  o  inverno 
naquella  Cidade,  que  he  huma  das  mais  consideráveis  da 
Hespanha,  e  em  cujas  Igrejas  se.  admirão  as  Obras  de 
Murillo,  e  de  outros  famosos  Pintores,  conduzime  a  Cadiz, 
aonde  encontrei  Fr.  António  Cotrin,  Monge  de  Alcobaça, 
e  Fr.  Alexandre,  Padre  de  Brancanes,  depois  Bispo  de 
Malaca,  e  em  fim  de  Angra.  Todos  três  embarcamos  para 
Génova,  e  dalli  para  Liorne,  aonde  tomamos  Caleças  para 
Roma. 

O  que  he  Roma,  a  respeito  das  bellas  Artes,  pode-se 
vêr,  e  entender,  mas  não  se  sabe  exphcar.  Alli  me  despedi 


t]  Era  o  Pedro  Alexandrino  de  Sevilha:  Bermudes  f^la  nelle. 


—  246  — 

de  todos  os  outros  divertimentos  para  me  entregar  inteira- 
mente aos  da  minha  profissão;  e  para  meus  directores  em 
pintura,  e  architectura  elegi  os  Mestres  dos  maiores  Mes- 
tres; isto  he,  Rafael,  o  Antigo,  a  Natureza,  e  as  Ruinas  da 
antiga  Roma;  sem  desprezar  as  advertências  dos  mais,  e 
menos  sábios  quando  ellas  me  parecião  acertadas.  Apezar 
da  minha  assiduidade  ao  trabalho;  o  tempo  me  deixou  vêr, 
que  para  conseguir  o  meu  desejo  era  preciso  ter  pensão,  e 
protecção  da  Corte ;  e  voltei  a  Lisboa  para  vêr  se  as  alcan- 
çava. 

Chegado  a  esta  Capital  no  Outubro  de  1777  fui  convi- 
dado pelo  Bispo  de  Coimbra,  Reitor  da  Universidade,  para 
me  empregar  nas  Obras  de  que  elle  podia  dispor,  tanto 
de  pintura,  como  de  architectura,  promettendome  também 
solicitar  a  meu  favor  a  Cadeira  destas  Artes,  que  estava 
vaga.  Eu  não  acceitei,  mas  annuí  a  outro  convite  que  me 
erão  fiz  os  meus  amigos  de  Alemtejo,  e  occupeime  em 
Évora,  e  Elvas  até  o  S.  João  de  79.  Logo  que  voltei  a  casa 
fui  atacado  de  cezões :  no  tempo  da  convalescença  tratei 
da  erecção  da  Academia  do  nu  a  S.  José;  requeri,  por 
intervenção  do  Marquez  d'Angeja,  a  2.*  viagem  de  Roma, 
a  qual  não  consegui  pela  não  saber  solicitar  com  eííicacia. 
Sem  perder  a  esperança,  fui  acceitando  as  encommendas, 
que  se  me  fazião,  e  não  tive  razão  para  me  queixar  da 
fortuna,  antes  admirei  o  capricho  com  que  ella  me  fez 
sustentar  a  concorrência  com  o  celebre  Pedro  Alexandrino. 
Pintei  carruagens  riquíssimas  para  a  Casa  Real,  tectos,  e 
painéis  nas  Igrejas,  Palácios,  e  casas  nobres  como  a  de 
Domingos  Mendes,  Bandeira,  Devisme  &:c.  Em  hum  dos 
tectos  de  Quintela  figurei,  entre  muitas,  e  varias  composi- 


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çÕes,  o  Concilio  dos  Deoses,  de  Camões,  sobre  o  Império 
dos  Portuguezes  na  Ásia :  o  instante  que  escolhi  foi  o  do 
fim  do  Concilio.  Em  quanto  os  outros  Deoses  se  vão  reti- 
rando Vénus  de  joelhos  agradece  ao  seu  Omnipotente  Pae 
o  favor  que  quer  fazer  aos  Lusitanos,  e  recebe  delle  hum 
beijo  tão  expressivo  como  o  que  o  mesmo  Jove  deo  no 
Cupido,  pintado  pelo  insigne  Rafael  no  Palácio  de  Farneze. 
Bacho  cheio  de  furor,  apertando  a  barba  com  a  mão  faz 
huma  despedida  anieaçadora,  e  o  travesso  filho  da  Deosa 
para  mais  o  irritar  movendo  circularmente  a  mãosinha 
direita  sobre  a  esquerda  lhe  diz  que  hade  remoer. 

Nos  tectos  do  Palácio  da  Senhora  Marqueza  de  Bellas, 
pintei  o  Valor  Portuguez,  a  Idade  de  ouro,  o  triunfo  das 
Artes,  e  tantos  outros  objectos,  que  forão  elegantemente 
descriptos  pelo  Padre  Caldas,  Secretario  da  mesma  Excel- 
lentissima  Senhora,  [i]  No  Paço  do  Duque  de  Alafões 
executei  vários  pensamentos  poéticos  de  sua  invenção,  rece- 
bendo daquelle  generoso  Principe  afifáveis  modos,  attenções, 
e  liberalidades,  franqueando-me  casa,  cama,  mesa,  moços, 
e  carruagem  effectiva.  No  do  Marquez  de  Loulé  colori 
entre  muitas  cousas,  o  grande  Salão  em  cujo  tecto  figurei 
hum  baile  dos  Deoses.  No  da  escada  fingi  huma  espécie  de 
varanda  octagona  pintada  na  concavidade,  ou  huma  meia 
esfera,  que  era  notável  pelo  desmancho  da  superficie.  Para 
o  Theatro  fiz  scenarios,  estatuas,  figuras  coloridas,  e  pannos 


[i]  Confessem  aqui  a  verdade  e  a  gratidão  as  urbanas  attenções, 
amizade,  e  protecção,  que  sempre  devi  ao  Senhor  Regedor,  e  a  toda 
a  sua  illuslre  Família. 


_  248  — 

de  embocadura,  comprehendido  também  o  do  novo  Theatro 
de  S.  Carlos  quando  se  abrio  em  87.  O  Gaspar,  sendo 
Architecto  decorador  no  Theatro  do  Salitre,  e  indo  para 
os  banhos  das  Caldas,  supri  a  rogos  seus  o  seu  lugar,  e 
fiz  o  templo  para  Sezostres,  com  a  fortuna  de  ser  extraordi- 
nariamente applaudido  todas  as  vezes  que  appareceo,  que 
forão  muitas.  No  anno  seguinte,  para  a  dança  de  Marafe, 
compuz  e  executei  a  derrota  de  Dário,  que  foi  muito  bem 
acceita. 

Risquei  também  vários  projectos  de  architectura  civil, 
sendo  o  mais  considerável  de  todos  o  do  Palácio  da  Rela- 
ção, e  Cadea,  e  tive  em  recompensa,  e  por  grande  mercê 
huma  pensão  de  'j2oítt>ooo  réis  a  titulo  de  Pintor  de  S.  A.  R., 
pagos  pela  folha  de  Mafra  [i];  obtive  também  a  licença 
que  pedi  para  ali  fazer  algumas  pinturas ;  por  cujo  motivo 
se  me  deu  hum  quarto  no  Palácio,  hum  Servente,  e  hum 
Ajudante  &c.  Transportado  áquella  real  Villa  em  Maio  de 
1796  fui  pintando  alguns  tectos,  cuja  descripção  não  cabe 
na  brevidade  destas  memorias:  só  direi,  que  quando  fiz 
o  Phaetonte,  tive  em  vistas  o  precipicio  que  parecia  estar 
destinado  a  hum  mancebo  menos  illustre  que  o  filho  do 
Sol;  mas  tão  audaz  como  elle  até  áquelle  tempo. 


[1]  Até  áquelle  tempo  não  se  havia  dado  maior  ordenado  aos  Pin- 
tores do  Rei,  nem  mesmo  ao  insigne  Vieira  Lusitano;  mas  era  dom 
gratuito,  e  quando  se  lhes  pedia  qualquer  trabalho  recebião  por  elle 
huma  gratificação,  depois  deráo-se  a  alguns  mais  avultadas  pensões, 
sendo  consideradas  como  recompensa  das  Obras  que  fizessem;  cousas 
ambas  praticadas  na  P>ança,  Hespanha,  e  outros  Paizes  da  Europa 
para  dar  alento  ás  boas  Artes. 


—  249  — 

Eu  vivia  tão  solitário  em  Mafra  [i]  como  hum  anacoreta 
no  seu  cremitorio,  e  para  bem  passar  as  noutes  entreti- 
nhame  com  os  meus  livros,  e  com  os  que  me  emprestava 
o  Padre  Bibliothecario,  tendo  para  isso  licença  superior. 
Recopilei  grande  numero  de  Authores  de  Architectura, 
copiando  o  que  havia  mais  interessante  em  cada  hum,  e 
comparando  os  huns  com  os  outros,  de  sorte  que,  sem  ser 
esse  o  meu  intento,  vim  a  compor  hum  tratado,  que  se  se 
publicasse  poderia  ser  útil  aos  principiantes,  e  servir  tam- 
bém como  promptuario  aos  mais  avançados. 

As  encommendas  continuavao,  e  inda  que,  segundo  a 
pratica,  eu  as  podesse  acceitar,  não  o  quiz  fazer. 

Em  quanto  eu  me  occupava  em  Mafra,  foi  Sua  Mages- 
tade  servido  nomear  Domingos  António  de  Sequeira,  e 
Francisco  Vieira  para  dirigirem,  e  executarem  a  melhor 
parte  das  pinturas  no  Paço  da  Ajuda;  mas  tendo  Vieira 
falecido  ficou  só  o  seu  collega:  este  fez  para  huma  das 
sallas  algumas  passagens  da  historia  de  D.  Affonso  Henri- 
ques, as  quaes  forão  com  razão  muito  applaudidas:  também 
fez  alguns  tectos  que  não  tiverão  a  mesma  fortuna,  porque 
desagradarão  a  varias  pessoas  da  Corte,  e  principalmente 
a  João  Diogo   de  Barros,  depois  Visconde   de   Santarém, 


[i]  Estando  o  Author  em  Mafra,  foi  convidado  para  ser  Alumno 
da  Sociedade  Litteraria  Tubeciana,  estabelecida  na  Villa  de  Abrantes, 
composta  de  Varões  conspicuos,  da  qual  foi  também  Membro  o  Excel- 
lentissimo  Senhor  Filippe  Ferreira  de  Araújo,  actual  Secretario  dos 
Negócios  do  Reino. 

Esta  Sociedade  tinha  por  objecto  promover  o  augmento,  e  melhoria 
das  Sciencias,  e  das  Aries.  Os  Estatutos  se  imprimirão,  e  merecerão 
a  Real  Approvação  em  3i  de  Julho  de  1802. 


2DO    


inda  que  elle  fosse  muito  amigo  de  Sequeira,  e  grande 
admirador  dos  seus  raros  talentos,  de  sorte  que  Manoel 
da  Gosta  foi  alli  pintar  hum  tecto,  e  teve  bastante  applauso. 
No  tempo  da  invasão  tendo  eu  cahido  em*huma  sorte  de 
apathia  fiz  grandes  diligencias  por  hum  passaporte,  e  não 
o  consegui;  em  tanto,  para  me  distrahir,  tracei  humas 
taboas  chronologicas,  a  fim  de  combinar,  por  meio  delias, 
a  historia  da  Arte  com  a  historia  universal,  e  entender 
melhor  às  causas  dos  seus  progressos,  e  decadencias. 

Restaurado  felizmente  o  Reino,  o  povo  miúdo  de  Belém 
se  levantou  contra  o  Sequeira,  porque  o  suspeitava  de 
inconfidência:  elle  conseguio  poder-se  justificar,  sem  em- 
bargo disso,  o  dito  João  Diogo,  sendo  Fiscal  da  Obra  do 
Palácio  com  poderes  muito  amplos,  não  o  quiz  admitir  na 
pintura  dos  novos  tectos,  receando,  que  a  rapaziada  daquel- 
les  sitios  o  tornasse  a  insultar  se  alli  apparecesse. 

Em  tanto  restituído  eu  á  Capital,  depois  d'huma  ausência 
de  10,  ou  II  annos  ainda  achei  no  Publico  a  mesma  dispo- 
sição para  me  favorecer,  fiz  muitos  painéis  para  Igrejas,  e 
para  os  Theatros.  [i]  Em  Setembro  de  1808  tendo  Manoel 


[ij  No  meio  de  suas  laboriosas  occupações,  não  deixava  applicar-se 
á  leitura,  principalmente  dos  livros  próprios  da  sua  profissão.  Em  1810 
publicou  hum  Opúsculo  intitulado  —  as  Honras  da  Pintura,  Escultura, 
e  Architectura  —  ohra,  e  composição  do  celebre  João  Pedro  Bellori,  e 
que  verteu  do  Italiano  para  a  nossa  lingoagem.  O  Traductor  lhe  ajun- 
tou eruditas  annotações.  No  anno  de  M.DCCL  XXXXIV.  fez  imprimir 
—  Conversações  sobre  a  Pintura,  Escultura,  e  Architectura—.  Escritas, 
e  dedicadas  aos  Professores,  e  Amadores  das  Bellas  Artes.  Esta  Obra 
he  mui  interessante  aos  Artistas,  e  as  notas  aonde  reluz  a  erudição,  o 
gosto,  e  huma  critica  judiciosa;  nada  ha  mais,  que  desejar.  Em  1817 


—    25l    — 

Baptista  de  Paula,  e  toda  a  sociedade  dos  Actores  Portu- 
guezes  festejado  a  Restauração  com  magnificas  luminárias, 
pintei  para  ellas  em  grandes  quadros  transparentes,  de 
huma  parte  a  Inglaterra  empunhando  o  Tridente,  da  outra 
a  Hespanha  incitando  o  Leão,  e  no  centro,  em  painel  muito 
maior,  a  Monarchia  Lusitana,  que  opprimia  com  os  pés  a 
cabeça  do  Furor  Revolucionário,  já  cingido  com  pezadas 
cadeas.  Esta  pintura  foi  copiada  em  desenho  pelo  filho  de 
Felisberto,  e  aberta  ao  buril  por  Theodoro  José  de  Lima, 
discípulo  de  Bartolozzi.  Para  a  festa  do  Desagravo  feita 
pela  mesma  sociedade  na  Igreja  do  Sacramento,  cuja  arma- 
ção era  riquíssima,  fiz  hum  painel  oval  de  12  palmos  de 
alto,  pintado  a  tempera,  muitos  espíritos  celestes  sustenta- 
vão,  e  adoravão  a  custodia,  diante  da  qual  também  estava 
Lisia,  porfunda,  e  amorosamente  prostrada,  em  quanto 
hum  Anjo  vibrando  a  espada  de  fogo  fulminava  os  sacrí- 
legos, erão  estes  representados,  i.*'  pelo  Atheismo  que  fazia 
grande,  mas  inútil  esforço  para  despedaçar  o  Alpha,  e  o 
Omega;  letras,  que  entrelaçadas,  representão,  como  todos 
sabem,  o  Nome  de  Deos,  2.°  pela  Insurreição  regicida,  e 
pelo  sacrilégio,  que  disparavão  em  vão  contra  o  Ceo  tiros 
de  settas,  e  bailas,  os  quaes  tornavão  a  cahir  sobre  as 
cabeças  dos  aggressores.  Fiz  outro  grandíssimo,  transpa- 


publicou  —  Nova  Academia  da  Pintura  — .  Neste  Opúsculo  dá  o  Author 
não  só,  huma  idéa  dos  progressos,  e  aperfeiçoamento,  que  teve  a  Pin- 
tura d'esde  o  Século  11  até  o  Século  16,  mas  recopilou  sobre  a  com- 
posição relativa,  [como  se  explica  o  Author],  ao  grande  Género  tudo 
quanto  a  este  objecto  se  acha  de  mais  interesse  em  grossos  volumes. 
Em  nenhuma  destas  obras  accusou  o  seu  nome. 


252    

rente,  para  o  espectáculo  que  deu  a  Companhia  em  obse- 
quio do  Príncipe  Regente  de  Inglaterra.  Estava  elle  em  pé, 
sobre  as  margens  da  sua  Ilha,  recebendo  das  mãos  de 
Marte  a  espada,  enviada  por  Júpiter,  ao  mesmo  tempo, 
que  os  Deoses  marítimos  lhe  rendíão  vassalagem.  Tritão 
o  abraçava  peíos  pés;  as  Nereidas  lhe  beijavão  a  mão;  e 
Thetis  lhe  offerecia  pérolas,  coraes,  &c.  Para  outro  appa- 
rato  scenico,  também  em  grande  quadro  transparente  figurei 
os  Desposorios  de  S.  A.  R.  com  o  Senhor  Infante  D.  Pedro 
Carlos.  No  panno  de  divisão  para  o  grande  Theatro,  exe- 
cutei hum  pensamento  de  Pato  Monis,  Poeta  dramático, 
em  louvor  do  Lord  Wellinghton.  A  óleo  pintei  5  painéis 
dos  Passos  para  o  Algarve,  hum  quadro  da  Cea  para 
S.  Sebastião,  e  outros  mais. 

Em  1814  fui  convidado  pelo  mesmo  Inspector,  Visconde 
de  Santarém,  para  executar,  e  dirigir  varias  pinturas  no 
Palácio  da  Ajuda,  e  desde  então  tornei  a  regeitar  as  encom- 
mendas  do  Publico,  que  continuavão  com  bastante  frequên- 
cia. Em  hum  dos  tectos  figurei  a  Aurora,  esta  figura  foi 
•  pedida  pelo  Inspector,  como  annunciando  a  tornada  do 
Sol,  e  com  ella  a  felicidade  publica  seguida  de  abundância. 
Em  outra  pintura  para  a  Salla  do  Docel  representei  a 
saudade  das  filhas  do  Tejo  mitigada  pela  presença  da  Real 
Família,  que  regressava  a  esta  Capital  em  marítimo  triunfo. 
No  quadro  apparecia  o  Deos  dos  mares  sentado  em  grande 
carroça  de  madre  pérola,  cedendo  nella  o  lugar  de  honra 
ao  nosso  Augusto  Soberano,  a  quem  conduzia,  e  a  quem 
a  Victoria  punha  a  Coroa  de  louro  na  cabeça.  O  carro  era 
puxado  pelos  Tritões,  e  Nereidas,  e  cortejado  pelas  Tágides, 
que  fazião  pura  offerla  ao  Monarcha,  dos  seus  corações. 


—  253  — 

O  Tejo  o  recebe  de  joelhos,  e  muitas  das  suas  Nymphas, 
humas  o  contemplao  com  pasmo,  outras  com  acclamaçÕes. 
Seguia-se  também  em  carro  triunfal,  a  Excelsa  Princeza 
vestida  como  Amazona,  os  Deoses,  e  Deosas  do  Mar,  e  do 
Tejo  beijão-lhe  a  Real  Mão,  e  exprimem  a  saudade  que 
tinhão,  e  o  ardente  desejo  com  que  esperavão  tamanha 
felicidade.  Mas  ao  longe  começavão  a  apparecer  diversos 
carros  aonde  vinhão  outras  Pessoas  Reaes.  Em  2  menores 
painéis  aos  lados  deste,  imaginei  a  America  despedindo-se 
enternecida  dos  Augustos  Viajantes,  e  a  Lusitânia  esten- 
dendo alegre  ambos  seus  braços  para  os  receber.  No  meio 
do  tecto  está  a  Paz  conseguida  pelo  valor  heróico,  ao  redor 
delia  danção  de  mãos  dadas,  cheias  de  prazer  as  Artes  do 
Desenho,  da  Poesia,  Musica,  Astronomia,  &c.  8  por  todas. 
Nas  4  sobre  portas  estão  a  Filosofia,  a  Medicina,  o  Com- 
mercio,  e  a  Agricultura:  no  rodapé  as  Artes  de  Palias.  As 
figuras  forão  executadas  por  Joaquim  Gregório,  e  os  ornatos 
por  André  Monteiro,  e  outros  hábeis  ornatistas.  Em  quanto 
estas  obras  se  executavão  na  Ajuda  pelos  meus  desenhos, 
cartões,  e  esbocetos,  pintei  na  minha  casa  em  Lisboa  as 
8  sobreportas  para  a  Salla  do  Docel,  e  acabei-as  em  1817. 
Representâo  ellas  as  deprecaçÕes  e  votos,  que  fazem  as 
filhas  do  Tejo  ás  Divindades  marítimas  para  que  sejSo 
propicias,  ao  desejado  regresso  de  Sua  Magestade,  figurado, 
como  já  disse,  no  triunfo  marítimo. 

Como  as  agoas  das  chuvas  penetrassem  alguns  dos  tectos, 
e  detiriorassem  as  pinturas,  que  são  feitas  a  tempera,  o  do 
dito  triunfo  padeceo  bastante,  e  foi  retocada  por  Joaquim 
Gregório,  e  José  da  Cunha. 

Tendo  eu  acabado  as  obras  Reaes  de  que  estava  encar- 


—  254  — 

regado,  o  Publico  constante  sempre  em  me  fazer  favor, 
tornou  a  visitar-me,  e  entre  outras  requisições,  tive  a  do 
Barão  do  Quintella  que  exigia  4  grandes  painéis,  sem  preço 
hmitado;  mas  o  pezo  dos  meus  dias  já  se  deixava  sobeja- 
mente sentir;  e  de  todos  os  convites  que  se  me  fizerão  só 
pude  acceitar  o  do  grande  painel  da  Natividade  de  Nossa 
Senhora  para  a  Real  Collegiada  de  Alcáçova  de  Santarém, 
o  de  S.  Bernardo,  para  a  Capella  do  Commendador  de 
Malta  Bernardino  Paez,  em  Mangoalde ;  e  o  de  Santa  Mar- 
garida de  Cortona,  em  pequeno  panno  para  o  Thesoureiro 
Mór  de  Santa  Maria  d'Alcaçova  de  Santarém,  com  elles 
dei  fim  á  minha  carreira  pinturesca,  porque  entrei  a  expe- 
rimentar os  tristes  effeitos  de  huma  enfermidade  espasmó- 
dica, sobre  a  avançada  idade  de  70  annos. 

Depois  de  relatar  o  favor,  que  devo  ao  Publico,  e  a 
Corte,  seria  ingrato  senão  confessase  algumas  das  muitas 
mercês,  que  devo  a  Sua  Magestade  e  a  toda  a  Familia 
Real,  apezar  do  meu  modo  pouco  agradável,  e  assas  aca- 
nhado, porque  em  attenção  aos  meus  annos  sempre  se 
dignou  de  me  conceder  hum  dos  primeiros  lugares  entre 
os  meus  digníssimos  Collegas,  em  Mafra. 

Eu  levava  os  meus  ordenados  pelas  folhas  de  Mafra,  e 
por  omissão  do  pagador  estava  em  grande  atrazamento  ao 
tempo  da  retirada  de  Suas  Magestades,  e  Altezas  para  o 
Brazil.  Dos  Francezes  nada  recebi,  antes  fui  dimittido  por 
elles,  mas  por  Aviso  Régio  de  23  de  Agosto  de  1809  to^^nei 
a  entrar  na  dita  folha,  e  por  outra  Real  Ordem  recebi 
todos  os  atrazados,  o  que  publico,  porque  faz  honra  ao 
Animo  recto,  e  generoso  de  Sua  Magestade,  e  a  integridade 
do  Excellentissímo  Marquez  de  Borba. 


—  255  — 

Em  virtude  de  outro  Aviso  Régio,  remetido  pela  Repar- 
tição do  Particular,  com  data  de  i5  de  Maio  de  1819,  fui 
consultado  sobre  objectos  de  Pintura,  e  Architectura,  rela- 
tivos ao  Real  Palácio,  em  Conferencias  de  Artistas ;  presi- 
dindo a  ellas  o  lUustrissimo  Inspector. 

Hum  dos  casos  discutidos  foi  o  remate  da  Fachada, 
que  se  está  acabando  da  parte  do  levante:  o  meu  parecer 
agradou,  e  foi  executado  em  modelo,  por  ordem  do  Pre- 
sidente. 

A  antiga  composição  formava  hum  contorno  quasi  qua- 
drilátero ;  o  da  minha  era  piramidal :  a  Escultura  que 
naquella  estava  dispersa,  nesta  formava  hum  grupo  com- 
posto de  5  estatuas,  o  Génio  da  boa  Fama  no  cume  de 
pequena  pirâmide  tocava  o  Clarim  da  Deosa ;  dous  Génios 
da  Victoria  sustentavão  o  escudo  das  Armas  Reaes,  e  o 
ornavão  com  palmas.  Marte,  e  Bellona  sentadas  nos  acro- 
terios  o  enfeitavão  com  festonadas  do  laurel.  O  espaço  que 
ficava  entre  as  pilastras  do  meio,  e  fazia  hum  rectângulo 
de  20  palmos  de  alto  por  26  de  largo,  era  enrequecido  com 
hum  baixo-relevo,  aonde  se  via  o  pertendido  Anjo  da  Vi- 
ctoria ser  expulso  das  margens  do  Tejo  pelo  Anjo  tutelar 
da  Nação  Portugueza  [1].  Este  corpo  central  era  coroado 
com  hum  pequeno  frontão  em  proporção  de  circulo :  a 
escultura  foi  m(^delada  pelo  Cavalleiro  Barros  com  aquella 
agraça,  e  elegância  que  lhe  são  peculiares;  mas  esta  obra 
não  agradou  a  todos  os  censores ;  huns  não  gostarão  .do 


[i]  Rafael  executou  semilhante  pensamento  no  Attila,  no  Eliodoro, 
na  Batalha  de  Goustantino. 


—  256  — 

pensamento  delia,  outros  da  distribuição.  Manoel  Caetano 
disse  que  não  era  solida:  eu  nego,  e  elle  affirma  qual  de 
nós  se  enganará?. . . 

Concedido  por  Sua  Magcstade,  tive  por  meu  Ajudante 
nas  Obras  Reaes,  de  Mafra,  e  Ajuda,  Bernardo  António 
d'01iveira  Góes,  filho  de  Manoel  António  Góes,  natural  do 
lugar  da  Lobageira  Freguezia  de  S.  Domingos  da  Fanga 
da  Fé,  termo  da  Villa  de  Torres  Vedras :  seu  pae  também 
foi  Pintor  de  figura  empregado  pelo  Marquez  de  Pombal 
na  fabrica  dos  azulejos,  da  qual  se  retirou  para  as  Provin- 
das por  desgosto  de  intrigas:  pintou,  em  Torres  Vedras 
na  casa  do  Despacho  da  Irmandade  dos  Clérigos  Pobres 
na  Igreja  de  S.  Pedro,  os  4  Evangehstas  na  Villa  da  Eri- 
ceira, e  em  Mortágua  existem  obras  suas;  porem  depois 
que  casou  deu- se  ao  trabalho  de  cuidar  nas  suas  fazendas, 
e  em  huma  dizimaria  que  alcançou,  por  cujas  occupações, 
se  deixou  totalmente  da  Arte.  Era  natural  de  Lisboa,  bapti- 
sado  na  freguezia  do  Soccorro.  Morreo  em  1789,  de  idade 
de  54  annos.  Jaz  na  sobredita  Igreja  de  S.  Domingos  da 
Fanga  da  Fé.  Deixou  10  filhos  vivos,  o  meu  Ajudante  Ber- 
nardo António  foi  o  mais  novo;  e  quando  seu  pae  lhe  faltou 
andava  elle  nos  estudos  do  Latim;  mas  não  podendo  por 
morte  de  seu  pae  continuar  aquelles  estudos,  veio  para  a 
Casa  Pia,  onde  se  applicou  ao  desenho  da  figura  na  Aula 
de  António  Fernandes,  em  que  deo  mostras  do  génio  natu- 
ral para  a  pintura;  porém  moléstia  do  peito  o  fez  abandonar 
aquelle  estudo,  sahindo  no  cabo  de  9,  ou  10  mezes  para 
fora  da  Casa  Pia  para  hir  tomar  os  ares  pátrios,  e  não 
tornando  para  a  dita,  se  conservou  3  annos  no  Linhou  ao 
pé  de  Cintra,  e   a!i  teve  lições   de  hum  Joaquim  José  da 


I 


—  257  — 

Roxa,  Pintor  de  ornatos,  e  escaiolas,  e  retirando-se  para  a 
Villa  da  Ericeira  ahi  pintou  muitas  casas  a  fresco,  e  huma 
Capella  de  Nossa  Senhora  do  Carmo,  onde  o  vierao  con- 
vidar para  a  Villa  de  Torres  Vedras,  na  qual  também  fez 
varias  Obras,  e  huma  delias  foi  hum  painel  do  Senhor  com 
a  Cruz  ás  Costas,  para  os  Paços  da  paixão  daquella  Villa, 
painel  que  estava  fazendo  quando  eu,  em  1796,  fui  para 
Mafra;  do  que  elle  tendo  a  noticia,  e  conhecendo  o  quanto 
precisava  de  saber,  e  estudar  n'uma  Arte,  que  apenas  tinha 
principiado,  veio-me  fallar  a  Mafra,  e  gostando  eu  do  seu 
comportamento,  gravidade,  e  maneiras,  o  aconselhei  que 
requeresse :  com  effeito  o  Superintendente  Rapozo,  com 
consentimento  de  Sua  Magestade,  lhe  concedeo  o  lugar  de 
meu  Ajudante,  que  até  ao  fazer  destas  Memorias,  em  que 
muito  me  tem  ajudado  nas  indagações,  lhe  tem  sido  con- 
servado, com  justiça  ao  seu  trabalho,  e  desempenho  com 
que  sempre  tem  servido. 

Forão  meus  Discípulos. 

João  Baptista,  Portuguez,  era  bom  Desenhador,  e  Mathe- 
matico,  empregou-se  alguns  annos  nas  pinturas  dos  tectos 
que  fiz  ao  Regedor,  Conde  de  Vai  de  Reis,  e  ao  Duque  de 
AlafÓes :  também  »e  occupou  muito  tempo  nas  Carruagens 
do  Rei.  Assentou  praça  de  Soldado  no  Regimento  da  Bri- 
gada Real :  o  Marquez  de  Bellas  o  occupou  finalmente  em 
outras  pinturas,  e  conseguio  que  lhe  dessem  baixa:  elle 
tinha  entrado  em  huma  vida  muito  regular  sendo  confessado 
dos  Padres  da  Congregação  do  Oratório.  Falleceo  ainda 
moço  nos  princípios  deste  Século. 
•7 


—  258  — 

Thomás  António  de  Bulhões  [i],  natural  de  Lisboa  em- 
pregou-se  alguns  annos  debaixo  da  minha  direcção  nas 
mesmas  obras :  casou  depois  com  a  filha  do  Cavalleiro 
Alberto  Magno,  que  também  dirigia  obras  de  pintura:  com 
elle  foi  a  Évora  para  executar  algumas  cousas  deste  género, 
o  que  fez  muito  a  contento  dos  curiosos,  e  Senhores  daquelle 
paiz,  aonde  tem  feito  grande  numero  de  Obras :  ultima- 
mente fez  o  grande  quadro  que  appareceo  na  Casa  da 
Camera  daquella  Cidade  no  dia  i3  de  Maio  deste  anno 
de  1821.  A  discripção  podem  vê-la  os  curiosos  em  hum 
dos  números  da  Mnemosyne. 

Joaquim  Manoel  da  Silva,  natural  da  Villa  de  Monte-mór, 
o  Novo,  principiou  a  apprender  o  Desenho  na  Aula  Regia 
desta  Cidade,  e  alli  estudou  2  annos,  e  depois  passou  a 
apprender  a  Pintura  na  minha  escolla,  e  por  meu  Conselho 
transportou-se  a  Roma  onde  se  applicou  no  espaço  de  4 
annos  e  meio  na  Academia  de  S.  Lucas,  na  qual  era  Pro- 
fessor Gaspar  Landi.  No  fim  do  dito  tempo  regressou  a 
esta  Capital,  onde  tem  feito  algumas  obras  com  boa  acceita- 
ção,  e  foi  empregado  nas  obras  do  Palácio  d'AJuda. 

Ensinei  mais  alguns  que  se  empregarão  depois  em  cousas 
diversas. 


De  outros  muitos  poderíamos  fazer  menção,  se  circuns- 
tancias imperiosas  não  nos  obrigassem  a  dar  por  acabada 
a  nossa  tarefa;  porem  nomearei   somente   os  nomes   de 


[i]  Morreo  a  9  de  Março  de  1822,  em  Badajos,  onde  jaz  sepultado. 


—  259  *^ 

alguns,  aplicados  ao  género  de  ornatos,  quradraturas,  flo- 
res, &c.  &c.  que  vivem  com  boa  reputação  do  publico ;  e 
são  os  seguintes. 

Maurício  de  Oliveira,  e  seu  filho  João  de  Deos ;  José 
Botelho,  Santa  Martha,  Narciso,  Marcelo  José,  Luiz  Antó- 
nio, Leonês,  Luiz  de  Aguiar,  e  outros  mais,  que  não  nomeio 
pelas  sobreditas  circunstancias. 

Finalizarão  as  Memorias  de  Cyrillo  Volkmar  Machado, 
as  quaes  elle  não  pôde  limar,  nem  aperfeiçoar  como  algu- 
mas vezes  nos  asseverou.  Todavia  ellas  dão  bem  a  conhecer 
a  instrucção,  e  profj/(ndo  saber,  que  o  Author  possuio  na 
sua  Arte.  O  estillo,  e  linguagem  corrente  em  que  estão 
concebidas  dão  bem  a  conhecer,  que  ao  Escriptor  não  lhe 
faltava  a  lição  dos  nossos  bons  clássicos :  defeito  ordinário 
era  muitos  Litteratos,  principalmente  nos  Artistas  mais 
versados  em  saberem  manejar  com  destreza  o  pincel,  do 
que  a  penna. 

Entre  as  muitas  virtudes  e  qualidades,  que  formavão  o 
excellente  caracter  deste  Artista  podemos  accrescentar  ca- 
ber-lhe  em  sorte  hum  génio  suavissimo,  pois  o  trato  poli- 
tico, e  cortezão  unido  a  huma  conversação  Judiciosa  lhe 
grangeárão  a  estima  de  muitos  Sábios,  e  de  pessoas  da 
mais  alta  Gerarchia.  Com  tudo  a  inveja  sempre  persegui- 
dora do  solido,  e  verdadeiro  merecimento  não  deixou  a  de 
assestar  contra  elle  os  seus  tiros.  Inimigo  jurado  da  lisonja 
e  adulação  nunca  procurou  adoptar  aquellas  maneiras  estu- 
dadas para  insinuàr-se  no  animo  daquelles,  que  acreditando 
artifícios  estão  todavia  muito  longe  da  verdade ;  pois  se  a 
fama  deste  grande  Artista  não  se  estendeu,  e  vulgarisou 
tanto,  como  a  de  alguns  seus  contemporâneos:  não  era 


—  26o  

porque  estes  lhe  fossem  superiores,  mas  porque  a  Arte  da 
impostura  sempre  lhe  foi  desconhecida. 

Sensivel  aos  gritos  da  indigência  repartia  a  terça  parte 
de  seus  ordenados  por  familias  pobres,  honestas,  e  reco- 
lhidas, e  se  nos  fosse  licito  rasgar  o  veo  do  silencio  mos- 
traríamos provas  inegáveis  desta  verdade,  e  só  podemos 
affirmar,  que  a  sua  ardente  caridade  era  discreta,  e  bem 
ordenada.  Depois,  que  foi  assaltado  da  moléstia  a  mais 
doloroza,  os  últimos  quatro  annos,  que  mediarão  até  á  sua 
morte  foráo  hum  continuado  martyrio.  A  natural  iaclinação, 
que  temos  ás  bellas  Artes  nos  ligou  por  muitos  annos  á 
amizade  deste  Insigne  Professor.  Muitas  vezes  o  visitamos 
em  sua  longa  enfermidade,  e  recebíamos  as  mais  edificantes 
lições  de  huma  resignação,  e  paciência  verdadeiramente 
christã,  e  só  a  Religião  bem  gravada  em  seu  coração  he 
quem  poderia  vigorar  o  seu  soffrimento  em  tão  longo  pa- 
decer. Rendido  á  força  de  huma  moléstia  penozissima,  que 
os  soccorros  da  medicina  não  poderão  atalhar,  as  Artes  o 
perderão  em  12  de  Abril  de  i823  contando  setenta  e  quatro 
annos  de  idade,  o  seu  Cadáver  jáz  sepultado  na  Parochial 
Igreja  do  Coração  de  Jesus,  possuidora  de  huma  das  me- 
lhores Obras  do  seu  pincel,  qual  he  o  grande  painel  da 
Capella  Mór,  que  pela  invenção,  desenho,  beleza,  e  graça 
do  Collorido  seria  para  a  posteridade  hum  dos  maiores 
monumentos  do  merecimento  de  seu  Author,  quando  não 
deixasse  outras  Obras,  que  igualmente  imortalizão  a  sua 
memoria.  O  Editor. 


FIM. 


NOTAS 


NOTAS 
Grão  VascO;  de  Viseu 


A  notícia  que  acerca  deste  pintor  insere  Volkmar  Machado,  com- 
pendia todas  as  vagas  informações  que,  em  seu  tempo,  corriam  a 
respeito  do  artista,  e  enumera  a  vasta  série  de  quadros, ainda  no  começo 
do  século  XIX  atribuídos  a  Grão  Vasco,  de  Viseu.  Crítico  de  arte  de 
seguro  juízo  e  gosto,  sentindo  a  impossibilidade  de  um  só  autor  ter 
produzido  as  centenas  de  obras  cuja  paternidade  prodigamente  era 
concedida  ao  artista  viziense,  Cyrilo  Volkmar  Machado  resolveu  a 
dificuldade  guindando-o  à  categoria  de  chefe  de  escola,  e,  sem  mais 
preocupações,  relacionou  a  produção  do  mestre  gótico  e  seus  discí- 
pulos. Tal  enumeração  teve  a  vantagem  de  nos  indicar  onde  se  encon- 
travam numerosos  quadros  primitivos,  dos  quais,  infelizmente,  muitos 
desapareceram  depois. 

l  Gomo  se  teria  formado  essa  curiosa  lenda  de  um  Grão  Vasco 
briaraico,  enchendo  igrejas,  mosteiros  e  solares  de  Portugal  de  painéis 
sagrados,  encarnando  em  si  toda  a  pintura  portuguesa  primitiva  ? 

Ainda  hoje  o  ignoro  e  me  custa  a  compreender  que  os  nomes  dos 
pintores  dos  reis,  das  cidades,  dos  conventos  e  das  ordens  militares,  se 
perdessem  em  tão  completa  obscuridade  no  silêncio  dos  arquivos,  de 
onde  agora  lentamente  e  fadigosamente  os  estamos  exumando,  i  Por- 
que não  se  examinavam  os  quadros  .''  ^  Porque  a  medíocre  cultura 
artística  dos  escritores  contemporâneos  não  lhes  permitia  que  se 
ocupassem  das  suas  vidas  e  obras  ? 

Possivelmente.  Por  infelicidade  o  único  historiógrafo  da  arte  por- 
tuguesa do  século  XVI,  Francisco  de  Olanda.  com  a  sua  preocupação 


—  264  — 

inovadora  e  exclusivista  do  Renascimento,  apenas  nos  deixou  a  menção, 
aliás  preciosa,  do  autor  dos  painéis  de  S.  Vicente.  A  sua  parte  os 
cronistas  monásticos  só  incidental  e  imprecisamente  se  referem  aos 
artistas  que  enriqueciam  de  perduráveis  obras  os  edifícios  das  Ordens. 
O  saudoso  comentador  desta  obra,  o  Dr.  Teixeira  de  Carvalho,  que 
na  busca  exaustiva  de  elementos  utilisáveis  nos  seus  estudos  de  história 
da  arte,  os  leu  todos,  desolada  e  espirituosamente  se  queixava  com  fre- 
quência, da  improfiqúidade  desse  esforço. 

Só  ao  século  xix  havia  de  caber  a  glória  de  iniciar  o  estudo  metó- 
dico da  documentação  referente  aos  artistas,  único  elemento  seguro  e 
completo  em  que  pode  firmar-sc  a  atribuição  de  autoria  das  obras  de 
arte.  Esse  estudo  levou,  entre  outras,  à  descoberta  da  personalidade 
real  e  verdadeira  sobre  que  assentavam  o  qualificativo  e  a  obra  fabu- 
losa de  Grão  Vasco.  Foi  o  Dr.  Maximiano  de  Aragão  que  após  os 
ensaios  de  triagem  de  Raczinski,  Justi  e  outros,  definitivamente  clau- 
sulou o  período  das  hipóteses  com  a  publicação  de  um  livro  onde  se 
acumulam  dezenas  de  documentos  referentes  à  vida  privada  do  pintor. 
Elementos  valiosos,  recolhidos  por  Sousa  Viterbo  e  publicados  na 
Noticia  de  Alguns  Pintores,  vieram  por  fim  tornar  possível  a  correla- 
cionação  da  carreira  e  produção  artística  do  pintor  de  Viseu  com  os 
mestres  de  Lisboa,  e,  atravez  deles,  com  as  escolas  europeias.  A  bene- 
ficiação das  tábuas  quinhentistas  existentes  na  capital  da  Beira,  quási 
todas  reunidas  hoje  no  Museu  Regional,  realizada  pelo  professor 
Luciano  Freire,  de  Lisboa,  tem  concorrido  igualmente  para  a  iden- 
tificação da  obra  do  pintor. 

A  face  dos  documentos  a  vida  do  artista  pode  traçar-se  da  seguinte 
maneira.  Nasceu  em  Viseu  ou  nos  arredores  em  época  indeterminada, 
mas  decerto  anteriormente  ao  ano  de  1490,  visto  que  testemunhando 
já  em  i5i5  como  «pintor,  morador  em  Viseu»  num  documento  de 
emprazamento  feito  pelo  convento  de  S.  Domingos  de  Lisboa,  a  favor 
de  Jorge  Afonso,  ele  não  devia  ter  menos  de  25  anos  de  idade.  Foi 
casado  com  Joana  Rodrigues,  da  qual  hou^-e  vários  filhos,  ainda  imper- 
feitamente conhecidos.  Segundo  o  sr.  Dr.  Maximiano  de  Aragão  teve 
um  filho  de  nome  Gaspar,  outro  Miguel  Vaz  e  uma  filha,  Beatriz,  já 
mulher  em  1540,  pois  que  nesse  ano  vai  pagar  ao  Cabido  da  Sé  de 
Viseu  o  foro  devido  pela  casa  onde  morava  com  sua  família.    Essa 


—  265  — 

casa  era  situada  na  rua  da  Regueira  e  fera  emprazada  em  três  vidas, 
a  Afonso  de  Mansilha,  no  ano  de  1427,  e  a  Pêro  Vaz,  lapidário  e  a 
Beatriz  Lopes  sua  mulher,  igualmente  em  três  vidas,  depois  de  1489. 
Desde  1 5 1 2  até  1 543,  nos  Livros  de  Recebimentos  de  Prados,  do  Cabido, 
figura  sempre  a  seguinte  verba:  «Vco  frz  pyntor,  traz  as  casas  que 
andavam  no  t°  dafonso  de  mansilha  com  seu  cortinhal  e  foram  empra- 
zadas  novamente  ao  lapidayro  e  a  beatriz  lopes  em  três  vidas».  Esta 
casa  foi  comprada,  em  Janeiro  de  1572,  por  um  Amadis  Tavares, 
meirinho  da  correição.  Nessa  altura  já  Vasco  Fernandes  deixara  a 
morada  e  a  vida. 

O  nome  de  Joana  Roiz  «mulher  que  foi  de  Vasco  ffz,  pintor»  con- 
tinua a  figurar  nas  contas  do  Cabido,  durante  mais  alguns  anos.  Em 
i555  vai  pagar  o  foro  da  nova  casa  em  que  vive,  seu  filho,  Miguel  Vaz. 
Do  filho  Gaspar  é  que  o  sr.  Dr.  Aragão  nada  acrescenta,  o  que  é  de 
lamentar,  porque  poderia  muito  bem  acontecer  que  esse  filho  Gaspar 
houvesse,  como  Miguel,  o  apelido  de  Vaz.  Esta  hipótese  de  ser  o 
pintor  Gaspar  Vaz  filho  de  Vasco  Fernandes,  foi  apresentada  pela  pri- 
meira vez  pelo  Dr.  António  Sardinha  num  interessante  artigo  intitulado 
A  Autenticidade  de  Grão  Vasco,  publicado  em  1906  (2  de  Julho),  na 
Ilustração  Portuguesa. 

O  conhecimento  das  relações  de  parentesco  entre  os  artistas  vi- 
zienses  da  primeira  metade  do  século  xvi,  apresenta  um  excepcional 
interesse  para  o  aclaramento  do  problema  da  Escola  de  Viseu,  em 
cujas  obras  se  pode  notar  um  mesmo  estilo  e  feição,  que  impressionou 
Robinson  e  o  fez  escrever,  ao  referir-se  às  pinturas  então  na  casa  do 
Capítulo  e  sacristia  da  Sé:  «a  não  ser  que  me  enganasse  a  imaginação, 
achei  entre  todas  bastante  parecença  para  poder  supor  que  houve  em 
Vizeu  uma  sucessão  de  artistas  conhecedores  djs  obras  uns  dos 
outros»  (1).  Seria  curioso  estabelecer  em  que  relações  de  família  se 
encontravam : 

Pêro  Faf,  o  lapidário,  em  cuja  casa  nos  aparece,  desde  i5 12,  Vasco 
Fernandes; 

Gaspar  Vaj,  o  pintor  que  em  i5i5  figura  como  criado  de  Jorge 
Afonso  ao  lado  de  Vasco  Fernandes  no  documento  de  emprazamento 


(I)  J.  C.  Robinson,  .4  Antiga  Escola  Portuguesa  de  Pintura.   Lisboa  i8ó8,  p.  40. 


—  266  — 

do  Convento  de  S.  Domingos  de  Lisboa;  o  mesmo  que  em  i53j  era 
proprietário  de  um  terreno  em  Casal  do  Campo  e  Eaçar,  nos  arredores 
de  Viseu,  e  qiíe  desde  iSSg  a  1569  se  encontra  como  arrendatário  de 
uma  casa  do  Cabido,  sita  na  Rua  Direita.  Estas  indicações  com  algum 
trabalho  as  exumei  dos  tombos  velhos  do  Cabido,  tanto  os  que  estão 
no  esboço  de  Arquivo  Distrital,  como  na  Repartição  de  Finanças  da. 
capital  da  Beira  Alta  (1); 

Manuel  Va^,  pintor,  que  desde  i554  a  1578  figura  no  Livro  de  Re- 
cebimentos como  morador  na  Rua  da  Regueira,  a  mesma  rua  em  que 
viveu  Vasco  Fernandes; 

António  Va^,  pintor,  que  num  contracto  entre  o  bispo  de  Viseu, 
D.  Miguel  da  Silva,  e  Martim  Gonçalves,  serralheiro,  feito  em  iSSj,  é 
citado  como  testemunha; 

Francisco  Fernandes,  pintor,  de  que  dá  fé  este  assento  de  baptismo, 
de  i552,  descoberto  por  Berardo  e  transcrito  e  comentado  imperfeita- 
mente desde  Raczinski:  «Aos  17  dias  do  mes  de  setembro  de  i552 
anos  bautisei  Vasco  filho  de  fico  frz  pintor  e  de  m*  amriques  sua 
molher.  fora  padrinhos  e  madrinhas  .s.  egaas  velho  e  p»  lopes  filho  de 
a°  do  reguo  e  r°  a°.  madrinhas  m"  lopes  molher  de  Gaspar  Vaz  e  c»  f 
(sic)  pays  molher  de  Jerónimo  Tavares,  todos  moradores  nesta 
cidade...»  (2).  Ora  se  atendermos  ao  apelido  Fernandes,  deste  Fran- 
cisco, à  sua  qualidade  de  pintor,  ao  nome  de  Vasco  dado  ao  filho, 
não  será  muito  arriscado  considerar  Francisco  Fernandes  filho  de  Vasco 
Fernandes  —  o  que  a  data  de  i552  (já  em  1540  tem  uma  filha  mulher, 
Beatriz)  consente  perfeitamente.  O  aparecerem  filhos  com  o  apelido 
Vaz  e  outros  com  o  Fernandes,  nada  quer  dizer.  A  minha  prática  de  tra- 
balhar com  os  nomes  dos  artistas  do  século  de  quinhentos  ensinou-me 
que  nessa  época  o  apelido  dos  filhos  não  obedecia  a  regra  fixa  e  que 
se  uns  guardavam  os  paternos,  outros  adoptavam  os  maternos  e  ainda 
outros  os  dos  avós  e  dos  padrinhos  ou  madrinhas.  Se  Vaz  não  pro- 
vier dos  avós,  pode  ser  uma  espécie  de  patronímico  de  Vasco,  abre- 
viatura de  Vasques.    No  assento  de  bnptÍ5mo  acima  transcrito  figura 


(i)  Vergílio  Correia,  A  pintura  quatrocentista  e  quinhentista  em  Portugal— Novos 
Documentos,  no  Boletim  de  Arte  e  Arqueologia,  n."  i,  Lisboa  192J,  p.  70. 
(3^  Maximiano  de  Aragão,  Grão  Vasco.    Viseu,  1900. 


-  267  - 

como  madrinha,  Maria  Lopes,  mulher  de  Gaspar  Vaz,  o.pintor,  note-se 
bem,  o  que  nos  permite  estreitar  mais  a  teia  de  relações  familiares 
entre  os  artistas  visienses.  O  mesmo  Gaspar  Vaz,  pintor,  serve  em 
1540,  de  padrinho  a  Manuel,  filho  de  João  Denis  pintor  e  de  Maria 
Correia.  João  Denis  era,  possivelmente  seu  oficial.  Este  Manuel  veiu 
a  ser,  na  opinião  de  Sanchez  Canton  o  talentoso  e  moço  comentador 
da  tradução  castelhana  do  manuscrito  Da  Pintura  antiga,  de  Olanda, 
o  autor  dessa  versão  (1). 

# 

Quanto  à  obra  do  pintor,  o  que  até  agora  a  meu  ver,  está  assente, 
é  o  que  segue.  A  sua  actividade  artística  vai,  pelo  n:enos  de  i5i2 
a  1542,  ou  sejam  3o  anos.  Durante  esse  espaço  de  tempo  Vasco  Fer- 
nandes trabalhou  não  só  para  as  igrejas  de  Viseu,  mas  para  terras  dis- 
tantes, como  Coimbra  e  Tarouca.  É  seu,  inegavelmente,  o  S.  Pedro 
da  igreja  do  Mosteiro  de  S.  João  de  Tarouca,  atribuído  por  Emile 
Bertaux  a  um  vago  mestre  de  Tarouca  que  a  sua  imaginação  creara. 
O  S.  Pedro  da  catedral  de  Viseu,  que  um  assento  de  1607,  no  Livro  das 
Contas,  da  Confraria  de  S.  Pedro,  considera  da  mão  de  Vasco  Fer- 
nandes —  «que  não  mandei  pintar  de  novo  por  ser  feito  por  mão  de 
Vasco  frz»,  como  reza  textualmente  a  nota  manuscrita  (2),  é  uma 
réplica  desse  original. 

Pertence-lhe  com  toda  a  certeza  o  Pentecostes  da  sacristia  de  Santa 
Cruz  de  Coimbra  que  está  assinado  Velascus  e  não  Velasco,  como  Ro- 
binson  e  outros  nas  suas  pegadas  leram.  Velascus  é,  sem  possível 
contradição,  a  forma  latina  de  Vasco.  Em  numerosos  documentos 
do  arquivo  do  Cabido  de  Viseu  encontrei  assinaturas  de  Velascus 
Fernandes  personagens  homónimos  e  contemporâneos  do  pintor.  Só 
no  século  XVII  nos  aparece  correntemente  a  forma  erudita  Velascus 
significando  Vaz.  A  assinatura  quer  pois  dizer  Vasco  e  os  documentos 
publicados  pelo  Dr.  Reinaldo  dos  Santos  veera,  quanto  a  mim,  tirar 
todas  as  dúvidas.     Num  livro  de  contas  do  convanto  de  Santa  Cruz 


(i)  De  la  Pintura  Antigua  por  Francisco  de  Holanda,  version  castellana  de  Manuel 
Denis,  i56í.    Edição  da  Academia  de  S.  Fernando,  p.  xxviii  do  prefácio, 
(2)  Maximiano  de  Aragão,  Grão  Vasco,  Viseu,  1900,  p.  63- 


—  268  — 

que  da  Biblioteca,  onde  esteve  largo  tempo  desconhecido  e  desapro- 
veitado, passou  para  a  Torre  do  Tombo  com  vários  massos  de  títulos 
de  aforamentos,  encontra-se  a  nota  de  que  Vasco  Fernandes  recebera 
em  Junho  de  i535  determinada  importância  pelo  feitio  de  quatro 
painéis  para  o  convento  referido  (i):  —  «pagou  a  Vasco  Fernandez, 
pintor  em  parte  de  pago  dos  quatro  retabolos  que  faz  para  o  mosteiro 
três  mill  rs.». 

Aparece  portanto  um  quadro  assinado  Vasco,  e  um  documento  que 
atribue  a  Vasco  Fernandes,  em  época  que  condiz  com  a  do  quadro  (2), 
a  autoria  de  painéis  para  o, mosteiro.  Apezar  disso  opõem-se  às  lógicas 
conclusões  que  de  tais  factos  se  podem  extrair,  razões  tiradas  da  técnica 
do  quadro,  que,  na  opinião  do  eminente  artista  e  restaurador  Luciano 
Freire,  não  é  a  mesma  dos  painéis  até  agora  atribuídos  ao  pintor 
visiense. 

Mas  pode  ter-se  confiança  absoluta  nas  chamadas  razões  técnicas 
—  e  digo  isto  sem  desejar  melindrar,  ao  de  leve  sequer,  o  professor 
Freire,  laborioso  e  obscuro  trabalhador,  voluntariamente  enclausurado 
dentro  do  plano  que  se  propôs  de  restituir  ao  seu  fácies  primitivo  os 
exemplares  de  pintura  portuguesa  antiga  — ,  se  a  cada  passo,  quási  a 
cada  novo  painel  reintegrado,  as  opiniões  variam,  as  atribuições  diver- 
gem .-* 

Em  minha  modesta  opinião  na  investigação  e  historiografia  artística, 
a  apreciação  do  documento  é  fundamental.  Só  quando  ele  não  exista 
se  deve  recorrer  à  chamada  técnica,  palavra  cujo  sentido  se  alargou 
demasiadamente,  porque,  literalmente,  a  técnica  não  abrangeria  a  figu- 
ração nem  o  estilo,  mas  somente  o  processo  da  preparação  das  tábuas 
e  das  tintas  e  esse,  por  assim  dizer  uniforme  no  século  xvi,  poucos  ele- 
mentos de  interesse  e  diferenciação  apresenta. 

Ora  neste  caso  o  documento  existe,  e  não  é  justo  nem  razoável 
partir  do  incerto  para  o  real,  quando  esse  real  se  patenteia  tão  clara- 
mente. 


(i)  Reinaldo  dos  Santos,  Os  Grandes  Artistas  Portugueses,  no  Diário  de  Noticias 
de  10  de  Setembro  de  192 1. 

(2)  J.  C.  Robinson,  em  A  Antiga  Escola  Portuguesa  de  Pintura,  p.  45,  aponta  também 
para  a  factura  deste  quadro  o  decénio  1 53o- 1540. 


—  269  — 

Consignem-se  agora,  acerca  do  quadro,  as  opiniões  concordantes 
de  três  notáveis  críticos  de  arte,  Robinson,  Bertaux  e  o  sr.  Dr.  José  de 
Figueiredo,  uma  de  iS65,  as  outras  de  entre  1910  e  191 3. 

Para  Robinson,  em  seu  tempo  consideradissimo  crítico  de  arte, 
art-rejeree  no  Museu  do  South  Kensington  que  ajudou  a  formar,  o 
Pentecostes  da  sacristia  de  Santa  Cruz  de  Coimbra  era  da  mesma  mão 
que  havia  pintado  o  S.  Pedro  e  o  Baptismo  de  Viseu  (i). 

Para  Emílio  Bertaux  e  para  o  sr.  Dr.  José  de  Figueiredo,  o  autor 
do  Pentecostes  de  Coimbra  é  o  mesmo  do  S.  Pedro  e  do  S.  Miguel 
de  S.  João  de  Tarouca,  sendo  portanto  Velascus  o  célebre  mestre  de 
Tarouca,  que  Vasco  Fernandes  imitou,  segundo  os  mesmos  críticos,  no 
seu  S.  Pedro  de  Viseu  (2).  Esse  mestre  fora  primeiro  considerado 
pelo  sr.  Dr.  José  de  Figueiredo,  o  pintor  Gaspar  Vaz(3j.  Posterior- 
mente distribuiu-se,  de  acordo  entre  os  dois  ilustres  críticos,  opoliptico 
da  Virgem  da  igreja  de  S.  João  de  Tarouca,  para  Gaspar  Vaz,  e  o 
S.  Pedro  e  o  S.  Miguel  para  Velascus.  Na  opinião  do  sr.  Dr.  Figuei- 
redo, o  Pentecostes  de  Coimbra  era  inferior  ao  de  Viseu  (4). 

Ora  estando  hoje  demonstrado  que  o  5.  Pedro  de  Viseu  é  de  Vasco 
Fernandes,  Robinson  atribuindo  o  Pentecostes,  de  Velascus,  ao  autor 
do  S.  Pedro  de  Viseu,  atribuiu-o  a  Vasco  Fernandes. 

Ora  estando  hoje  reconhecida  —  e  pelo  próprio  sr.  Dr.  Figueiredo, 
a  identidade  do  mestre  de  Tarouca  e  de  Vasco  Fernandes  (5),  logica- 
mente se  conclue  pela  identidade  de  Velascus  e  Vasco  Fernandes. 

E  não  é  necessário  mais.  A  lição  do  documento  foi  plenamente 
confirmada  pelos  críticos 

A  Vasco  Fernandes  são  também  atribuídos  com  toda  a  verosimi- 
lhança, os  quadros  que  compunham  a  série  da  sacristia  da  Sé  de  Viseu, 


(i)  J.  C.  Robinson,  Obra  citada,  p.  42. 

(2)  Emile  Bertaux  Hisloire  de  l'Art  (Publicação  André  Michei),  t.  iv,  p.  890  e  Almeida 
Moreira,  Os  quadros  da  Sé  de  Viseu.    Lisboa,  1916,  p.  23  e  27. 

(3)  José  de  Figueiredo,  Comunicação  à  Academia  de  Belas  Artes,  no  Século  de  2 
de  Março  de  1910  e  Alguns  esclarecimentos  sobre  os  quadros  da  Beira,  no  Século  de 
14  de  Março  de  1910. 

(4)  Artigo  citado. 

(5)  José  de  Figueiredo,  Introdução  a  um  ensaio  sobre  a  pintura  portuguesa  dç 
século  XVI,  no  Boletim  de  Arte  e  Arqueologia,  n."  i,  p.  16. 


—  270  — 

hoje  no  Museu  Region<iI  Grão  Vasco :  o  Calvár'o,  S.  Sebastião,  Bap- 
tismo, Pentecostes  e  5.  Pedro  (1). 

A  obra  do  pintor,  a  sua  influência  sobre  o  grupo  escolhido  de  cola- 
boradores e  outros  artistas  locais  que  formaram  a  chamada  Escola  de 
Viseu,  esperam  ainda  o  seu  monogratista.  Limito  por  isso  estas  notas 
ao  que  fica,  sem  pretender  que  com  elas  fizesse  mais  do  que  fixar 
alguns  pontos  essenciais  para  o  estudo  biográfico  e  artístico  do 
pintor. 

V.C.       . 


Duarte  D'armas 


Taborda,  abonando-se  com  a  autoridade  de  Damião  de  Gois  {Chro- 
nica  de  D.  Manoel,  Parte  II,  Gap.  27),  diz  apenas  de  Duarte  d' Armas 
que  florescera  no  reinado  de  D.  Manuel,  sendo  nesse  tempo  de  grande 
reputação  e  fora  mandado  por  este  Soberano  à  Cidade  de  A^amor  na 
Armada  de  D.  João  de  Meneses,  Camareiro  mór  do  Príncipe  D.  João, 
com  o  intento  de  delinear  as  barras  da  mesma  Cidade  de  A^amor,  de 
Salé  e  de  Larache  (p.  i52). 

A  notícia  de  Cirilo  acrescenta  a  estes  dados  biográficos  e  com  a 
autoridade  ainda  de  Damião  de  Gois  (Chronica  do  Príncipe  D.  João) 
que  fora  também  mandado  por  D.  Manuel  à  ilha  do  Corvo  ou  do  Marco 
desenhar  a  estátua  equestre  que  ali /ora  achada.. .,  quando  a  desco- 
brimos. 

D.  Francisco  de  S.  Luís  (Lista)  citou  os  dois  textos  de  Damião  de 
Gois,  arquivou  a  referência  que  Faria  e  Sousa  faz  {Afr.  Port.,  cap.  7, 
num.  3  0  à  expedição  de  D.  João  de  Meneses,  mencionando  entre  os 
que  o  acompanhavam  Duarte  D'armas,  grande  desenhador. 

Como  observação  original  atribui  ainda  a  Duarte  Darmas  o  livro  das 
fortalei^as  que  vira  na  Torre  do  Tombo  e  de  que  é  o  primeiro  a  fazer 
uma  detalhada  descrição,  gabando  exacção,  desempenho,  aceio  e  grande 


(i)  Almeida  Moreira,  O  pintor  Vasco  Fernandes,  Viseu,  1921,  p.  10  e  Catálogo  e 
Cuia  Sumário  do  Museu  Regional  de  Grão  Vasco,  Porto,  1921,  p.  43  e  segg. 


— ■  27Í  — ' 

perícia  do  Artista  e  qualificando  a  obra  de  digna  de  singular  apreço, 
ou  se  considere  com  relação  à  história,  ou  com  respeito  à  Arte  (p.  32'). 

Nem  Raczinski,  nem  Sousa  Vitervo,  nem  o  sr.  Cristóvão  Aires  de 
Magalhães  Sepúlveda  acrescentaram  nada  à  biografia  que  o  Patriarca 
traçou  de  Duarte  Darmas,  nem  as  descrições  minuciosas  que  fazem  do 
manuscrito  das  fortalezas  são  superiores  em  exactidão  à  do  benemérito 
D.  Francisco  de  S.  Luís. 

O  abade  de  Castro  cita  Duarte  d'Armas  como  colaborador  de  Fran- 
cisco Danzilla  e  Jorge  Afonso  na  pintura  da  sala  dos  brasões  no  palácio 
de  Sintra,  sem  mencionar  documentos  a  favor  da  sua  assersão. 

No  tempo  de  Raczinski,  atribuía-se  a  Duarte  d'Armas  o  livro  do 
amieiro  que  se  conserva  ainda  na  Torre  do  Tombo,  erro  que  emen- 
daram ele  e  Juromenha  {Lettres,  p.  23 1,  434,  Dict.,  p.  73). 

Racpnski  viu  também  o  livro  das  fortalezas  errando,  como  todos  os 
biógrafos  que  se  lhe  seguiram,  a  lista  {Dict.,  p.  74)  dos  castelos  dese- 
nhados. 

Sousa  Viterbo  {Dicc,  vol.  I,  p.  45)  nada  acrescentou  ao  que  disseram 
os  biógrafos  anteriores.  Tentou  uma  descrição  do  livro  das  forta- 
lezas que  é  confusa  e  errada. 

O  sr.  Cristóvão  Aires  de  Magalhães  Sepúlveda  (Historia  do  Exer- 
cito Portugue^,  vol.  VÍIÍ,  p.  273-355)  que  apresenta  como  novidade  a 
confrontação  do  livro  das  fortalezas  da  Torre  do  Tombo  com  um 
códice  análogo  existente  na  Biblioteca  Nacional  de  Madrid  e  descrito 
por  o  sr.  M.  Gonçalvez  Simancas  na  Revista  de  Archivos,  Bibliothecas 
y  Miiseos  (números  de  Maio  e  Junho  de  1910  a  Julho  e  Agosto  de 
191 1),  errou  a  relação  das  fortalezas  (p.  274). 

A  sua  descrição  do  códice  da  Torre  do  Tombo  é  bibliográfica- 
mente,  apesar  da  sua  extensão,  um  trabalho  incompleto. 

Analisemos  as  asserções  dos  biógrafos. 

Expedição  de  D.  João  de  Meneses.  E  admitida  por  todos  os  bió- 
grafos, comquanto  conste  da  ida  e  missão  de  Duarte  d' Armas  apenas 
pelo  texto  de  Damião  de  Gois,  sem  até  hoje  se  ter  encontrado  nos 
arquivos  nacionais  outra  base  documental. 

A  estátua  da  ilha  do  Corvo.  A  existência  desta  estátua  tem  sido 
negada  por  muitos  autores,  embora  a  meu  ver,  com  pouco  funda- 
mento. 


—  272  — 

o  texto  de  Damião  de  Gois  {Chronica  do  Príncipe  dom  loam, 
cap.  ix)  não  pede  oferecer  dúvidas: 

aDeflas  Ilhas  ha  q  mais  ftá  aho  norte  he  hà  do  Coruo,  que  terá 
hua  legoa  de  terra,  hosmarcãtes  lhe  chamam  Ilha  do  marquo,  porque 
com  ella  (por  ter  hua  ferra  alta)  fe  demarqua,  quando  ve  demandar 
qualquer  das  outras.  No  cume  defta  ferra,  da  pte  do  norefte,  fe  achou 
hua  ftatua  de  pedra  pofta  fobre  hua  lagea,  q  era  hú  home  encima  de 
hú  cauallo  e  oflo,  &  ho  home  veílido  de  húa  capa  quomo  bedem,  fem 
barrete,  com  húa  mão  na  coma  do  cauallo,  &  ho  braço  direito  ílendido, 
&  hos  dedos  da  mão  encolhidos,  íaluo  ho  dedo  segundo,  a  que  hos 
Latinos  chamam  index,  com  que  apontaua  contra  ho  ponete.  Eíla 
imagem  q  toda  faia  maciça  da  mefma  lugea  (lágea)  mãdou  elrei  por 
hum  feu  criado  debuxador,  que  fe  chamaua  Duarte  darmas,  &  depois 
que  vio  ho  debuxo  mãdou  hum  home  engenhofo,  natural  da  cidade  do 
Porto,  q  andara  muito  em  França,  &  Itália,  q  fofle  a  efta  Ilha  pêra  cõ 
aparelhos  q  leuou,  tirar  aqlla  antigualha,  ho  qual  quãdo  delia  tornou 
dixe  a  elRei  q  ha  acham  desfeita  de  húa  tormenta  q  fezera  ho  inuerno 
paflado.  Mas  ha  verdade  foi  q  ha  quebrara  per  máo  azo,  &  trouxera 
pedaços  delia  .f.  a  cabeça  do  home,  &  ho  braço  direito  cõ  ha  mão,  & 
húa  perna,  ho  q  tudo  fteue  na  guarda  roupa  dclRei  algils  dias,  mas  ho 
que  fe  depois  fez  deitas  coufas,  ou  onde  se  poferam  eu  nam  pude  faber. 
Erta  Ilha  do  Coruo,  &  Sandantam  foram  de  loam  dafonfeca  fcriuam 
da  fazenda  delRei  dom  Emanuel,  &  delle  has  herdou  feu  filho  Pêro 
dafonseca,  fcriuão  da  chancelaria  do  mefmo  Rei,  &  delRei  dom  loam 
terceiro  feu  filho,  ho  qual  Pêro  dafonseca  no  Anno  de  Mil  oxxix,  has 
foi  ver,  &  foube  dos  moradores  que  na  rocha,  abaxo  donde  fteuera  ha 
ftatua,  ílauã  talhadas  na  mefma  pedra  da  rocha  húas  letras,  &  por  ho 
lugar  fer  perigofo  pêra  se  poder  ir  onde  ho  letreiro  íla,  fez  abaxar 
algus  homes  per  cordas  bem  atadas,  hos  quaes  imprimiram  has  letras, 
que  ainda  ha  antiguidade  de  todo  nam  tinha  cegas,  em  cera  que  pêra 
iflo  leuaram :  com  tudo  as  que  trouxeram  impreflas  na  cera  era  já  muí 
gaitadas,  &  quafi  fem  forma,  afsi  que  por  ferem  taes,  ou  por  vêtura 
por  na  cõpanhia  nã  haver  pefloa  que  teuefle  conheciméto  mais  q  de 
letras  Latinas,  &  eíle  imperfecto  nhú  dos  q  fe  alli  acharam  prefentes 
foube  dar  reza,  nem  do  q  has  letras  dizia,  nê  ainda  poderá  conhecer 
q  letras  fofle». 


—  273  — 

o  texto  de  Diimiáo  de  Gois  não  pode  sofrer  contestações  nem  dar 
lugar  a  dúvidas.  Damião  de  Gois  foi  guarda-roupa  de  D.  Manuel,  como 
o  foi  também  seu  irmão  Frutuoso  de  Gois,  era  Cronista-mór  do  reino, 
escrevia  para  uma  sociedade  que  tinha  conhecimento  dos  factos  e  que 
procuraria  verificá-los. 

O  seu  artigo  está  de  acordo  com  todos  os  factos  de  que  ficaram 
documentos  oficiais.  Pêro  da  Fonseca  a  que  ele  se  refere,  donatário 
das  ilhas  das  Flores  e  do  Corvo  por  carta  de  6  de  Agosto  de  iSaS, 
visitou  a  ilha  do  Corvo,  segundo  o  testemunho  de  outros  cronistas. 

As  crónicas  de  Damião  de  Gois  foram  sempre  muito  discutidas  e 
sujeitas  à  mais  severa  crítica.  Como  admitir  que  pudesse  faltar  à  ver- 
dade, com  tão  pormenorizada  narração  um  historiador  que  nunca 
sacrificou  a  verdade  nem  à  adulação  dos  reis  nem  aos  preconceitos  da 
corte  (i)  ? 

Todavia  o  facto  foi  negado  pelo  conde  Vargas  de  Bedemar  (iSSy), 
o  Barão  de  Humboldt,  António  Homem  da  Gosta  Noronha  e  na  esteira 
destes  por  o  sr.  Ernesto  do  Canto  e  ultimamente  num  excelente  livro 
por  o  sr.  E.  A.  de  Bethencourt. 

Não  há  motivo  para  duvidar  do  texto  de  Góis  que  todos  os  docu- 
mentos oficiais  teem  mostrado  perfeitamente  exacto.  A  estátua  tem 
tão  difícil  explicação  como  as  armas  e  moedas  de  ouro  e  prata  ali 
encontradas  e  que  remontam  a  épocas  alguns  séculos  anteriores  à  des- 
coberta daquela  ilha  pelos  portugueses. 

Deve  por  isso  ficar  como  historicamente  demonstrado,  na  biografia 
de  Duarte  d'Armas  a  ida  à  ilha  do  Corvo  para  desenhar  a  estátua  que 
lá  se  encontrara  (2). 

O  livro  das  Fortalezas.  Foi  a  primeira  vez  descrito  pelo  Patriarca 
(Lista)  e  depois  disso  por  todos  os  historiadores  da  Pintura  Portuguesa, 
sempre  com  incorrecções. 


(i)  Edgar  Prestage,  Critica  Contemporânea  da  Crónica  de  D.  Manuel,  in  Arquivo 
Histórico,  tom.  x. 

(2)  O  Sr.  António  Ferreira  de  Serpa  demonstra  os  erros  de  argumentação  dos  que 
negam  a  existência  da  estátua  da  Ilha  do  Corvo, nimi  excelente  artigo  publicado  no  voi.óy 
de  O  Instituto  com  título  de  Dois  inéditos  acerca  das  ilhas  do  Faial,  Pico,  Flores  e 
Corvo.  E  um  artigo  que  merece  ser  lido  pela  originalidade  da  documentação  e  pelo  alto 
e  seguro  critério  histórico  do  seu  autor. 
18 


—  274  — 

Procuraremos  dar  uma  idea  exacta  do  notável  códice  da  Jorre  do 
Tombo. 

O  livro  das  fortalezas  abre  por  quatro  folhas  em  branco.  A  seguir, 
numa  folha  sem  numeração  o  título: 

Este  livro  lie  das  fortalezas  que  sam  setuadas  /  no  estremo  de  por- 
tugall  e  Casíella  feyto  por  /  Duarte  darmas  escudeyro  da  casa  do 
muyto  I  alto  e  poderoso  e  serenjsimo  Rey  e  Sõr  j  dom  tJtatniell  hopry- 
meyro  Rey  de  /  portugall  e  dos  algarues  daquem  e  /  dallem  maar  em 
Afryca,  senhor  de  j  Guinee  e  da  conquista  e  nauegaçaaom  /  e  comercyo 
de  Ethiopia,  Arábia,  Pérsia  e  da  índia,  &tc. 

Ao  título  segue-se,  sem  numeração  de  folhas,  o  índice. 

Os  desenhos  das  fortalezas  ocup;im  as  fls.  i  a  i33  v,  por  esta  ordem  : 

Castromarjm  {da  banda  do  norte,  fl.  i,  da  parte  do  sull,  ú.  2),  Alçou  • 
tim  [da  banda  do  sull,  fl.  3,  da  banda  do  norte,  fl.  4),  Mertolla  {da  banda 
do  sueste,  fl.  5,  da  banda  do  nordeste,  fl.  6),  Serpa  {da  banda  do  oeste, 
fl.  7,  da  banda  de  leste,  fl.  8),  Moura  {da  banda  do  oeste,  fl.^,  da  banda 
de  leste,  fl.  10),  Noudell  {da  banda  do  sult,  fl.  11,  da  banda  do  norte, 
fl.  12),  Mourom  {da  banda  de  leste,  fl.  i3,  da  banda  do  oeste,  fl.  14), 
Monsaraz  {da  banda  do  oeste,  fl.  i5,  da  banda  do  leste,  fl.  16),  Terena 
{da  banda  do  sueste,  fl.  17,  da  banda  do  nordeste,  fl.  18),  Alandroall  {da 
banda  do  sull,  fl.  ig,  da  banda  do  norte,  fl.  20),  Julhamenha  {da  banda 
do  norte,  fl.  21,  da  banda  do  sull,  fl.  22),  Oliuença  {da  banda  do  sull, 
fl'  23,  da  banda  do  norte,  fl.  24),  Eluas  {da  banda  do  sull,  fl.  25,  da  banda 
do  norte,  fl.  26),  Campo  mayor  {da  banda  do  sull,  fl.  27,  da  banda  do 
norte,  fl.  28),  Ougella  {da  banda  do  sull,  fl.  29,  da  banda  do  norte,  fl.  3o), 
Arronches  {da  banda  de  leste,  fl.  3i,  da  banda  do  oeste,  fl.  32),  Mon- 
forte (da  banda  de  leste,  fl.  33,  da  banda  do  oeste,  fl.  3^),  Açumar  {da 
banda  do  sueste,  fl.  35,  da  banda  do  noroeste,  fl.  36). 

Estão  em  branco  as  folhas  37,  3S,  3g,  40,  continuando  depois  com 
as  vistas  de : 

Alpalham  {da  banda  do  sudueste,  fl.  41,  da  banda  do  nordeste,  fl.  42), 
Castello  de  Vide  [da  banda  do  nordeste,  fl.  43,  da  banda  do  sueste, 
fl.  44),  em  branco  as  folhas  45,  46,  47,  Nisa  yda  banda  do  sull,  fl.  48, 
da  banda  do  norte,  M.  49),  Monte  aluaaom  {da  banda  do  sull,  fl.  5o,  da 
banda  do  norte,  fl.  5i),  Castello  Branco  {da  banda  do  sueste,  fl.  52,  da 
banda  do  noroeste,  fl.  53),  Idanha  a  Nova  {da  banda  do  norte,  fl.  54,  da 


—  275  — 

banda  do  siill,  fl.  55),  Segura  (da  banda  do  siill,  11.  5ó,  da  banda  do 
norte,  fl.  56  (sic),  Siiiua terra  [da  banda  do  oesle,  fl.  5-j,  da  banda  do 
leste,  fl.  58),  Penagarcya  {da  banda  do  oeste,  fl.  59,  da  banda  de  leste^ 
fl.  60),  Monsanto  {da  banda  de  leste,  fl.  61,  da  banda  do  norte,  fl.  ('12), 
Penamacor  {da  banda  do  sull,  fl.  63,  da  banda  do  norte,  fl.  64),  Sabugall 
(da  banda  do  oeste,  fl.  65,  da  banda  de  leste,  fl.  66),  Villar  mayor  {da 
banda  do  sull^  fl.  67,  da  banda  do  norte,  fl.  68),  Castello  mendo  {da  banda 
de  leste,  fl.  60,  da  parte  do  norte,  fl.  70),  Castello  bõo  (da  banda  do 
hoeste,  fl.  71,  Jii  parte  de  leste,  fl.  72),  Almeyda  {da  banda  do  sull,  fl.  73, 
da  banda  do  nordeste,  fl.  74),  Castello  Rodrigo  {da  parte  do  sull,  fl.  75, 
da  banda  do  noroeste,  fl.  76),  Freixo  despadacynta  (da  parte  do  sull, 
fl.  77,  da  parte  do  norte,  fl.  78),  Mogadoyro  (da  banda  do  oeste,  fl.  79, 
da  parte  de  leste,  fl.  80),  Pena  roya  (da  parte  do  sull,  fl.  81,  da  parte 
do  norte,  fl.  82),  Miranda  do  Doyro  (da  parte  do  noroeste,  fl.  83,  da 
banda  de  leste,  fl.  84),  Vimioso  {dn  parte  do  sueste,  fl.  85,  da  banda  do 
noroeste,  fl.  86),  Outeyro  {da parte  do  oeste^  fl.  87,  de  lesnordeste,  fl.  88), 
Bragança  (da  parte  de  oeste,  fl.  89,  da  banda  de  leste,  fl.  90),  Vinhais 
(da  parte  de  noroeste,  fl.  91,  da  banda  de  sueste,  fl.  92),  Mõforte  de  rio 
liure  (da  parte  do  sudueste^  fl.  93.  da  parte  de  nordeste,  fl.  94),  Chaues 
{da  parte  de  leste,  fl.  95,  da  parte  doeste,  fl.  96),  Monte  alegre  {da  parte 
do  sull,  fl.  97,  da  banda  do  norte,  fl.  98),  Portello  (da  parte  do  sull, 
fl.  99,  da  banda  do  norte,  fl.  100),  Piconha,  (da parte  do  norte,  fl.  loi, 
da  banda  do  sull,  fl.  102),  Crasto  leboreyro  {da  parte  do  norte,  fl.  io3, 
da  banda  do  sull,  fl.  104),  Melgaço  {da  parte  do  leste,  fl.  io5,  da  banda 
doeste^  fl.  106),  Monçaão  {da  parte  de  leste,  fl.  107,  da  parte  do  oeste^ 
fl.  108),  Lapeella  {da  parle  do  leste,  fl.  109,  da  parte  do  oeste,  fl.  1 10), 
Valença  do  Minho  (da  banda  do  norte,  fl.  1 1 1,  <ij  parte  do  sull,  fl.  1 12), 
Vila  noua  de  Cerueyra  (da  parte  de  leste,  fl.  11 3,  da  banda  do  este, 
fl.  114),  Caminha  (da parte  de  leste,  fl.  1 1 5,  da  parte  do  sudoeste,  fl.  1 16), 
Barcellos  (da  parte  do  sull,  fl.  1 17),  Cintra  (da  parte  do  sull,  fl.  1 18,  da 
parte  de  leste  sueste,  fl.  1 20) . 

No  verso  da  fl.  120  lê-se: 

daqui  se  começa  a  prata-forma  das  /fortalezas  atrras  debuxadas 
com  I  suas  alturas  e  larguras  de  muros,  /  e  barreyras,  etc. 

Seguem-se  as  plantas  das  fortalezas  (prata- formas),  duas  em  cada 
naeia  folha:     Castro  marym  e  Alcoutim,  fl.  121,  Mertolla  e  Serpa, 


—  276  — 

fl.  121  v.",  Aloura  e  Nofidall^  fl.  122^  Mourom  e  Monsara^^  fl.  122  v.", 
Tercna  e  o  Alandroall,  fl.  i23,  Juramenha  e  Olhieça^  II  i23  v.",  Eluas 
e  Campo  mayor^  fl.  124,  Oiigela  e  Arronches,  fl.  124  v.°,  Monforte  e 
Alpalhaõo^  fl.  i25,  Castello  de  Vide  e  Míít,  fl.  (25  v.",  Castello  branco 
e  Idanha  a  nona,  fl.  126,  Segura  e  Salualerra,  fl.  126  v.",  Pe»*.?  ^arya 
e  Monsanto,  fl.  127,  Penamacor  e  A'o  Sabugall,  fl.  127  v.",  Vi  ti  ar  Maior 
e  Castello  mendo,  fl.  128,  Castello  boom  e  Almeyda,  R.  128  v.»,  Cítí- 
/e//o  Rodriguo  e  Freyxo  de  espada  cynta,  fl.  129,  /20  Mogadoyro 
e  Pe«c7  roj^íT,  fl.  129  v.°,  Miranda  do  Doyro  e  Ao  Vimioso,  fl.  i3o. 
Outeiro  e  Bargança,  fl.  i3o  v.°,  Portello  e  Picotiha^  fl.  i32,  Castro 
Leboreiro  e  Melgaço,  fl.  i32  v.",  Monçavom  e  lapella^íi.  i33,  Caminha, 
fl.  i33  v." 

A  fl.  1 36 :  Tauoada  das  fortalezas  do  estremo  /  ífe  purtugall  e  cas- 
tella.  I 

Duarte  d'Armas  parece  não  ter  acabado  a  obra.  Assim  o  dá  a 
entender  o  índice  que  nele  anda  e  que  marca  duas  vistas  do  castelo 
de  Marvão  para  as  folhas  45  e  46  que  estão  em  branco. 

As  folhas  37,  38  e  39  foram  cortadas  e  deveriam  ter,  segundo  o 
mesmo  índice,  as  vistas  do  Castelo  de  Alegrete  {2  desenhos),  do  de 
Portalegre  (2  desenhos)  sem  indicação  do  lado  donde  deveriam  ser 
tiradas,  como  se  dá  também  com  o  castelo  de  Marvão,  o  que  nos  leva 
a  admitir  a  hipótese  do  sr.  Cristóvão  Aires  que  supõe  tivessem  sido 
arrancadas  para  se  aproveitar  o  pergaminho  por  estar  em  branco. 

Na  Biblioteca  Nacional  de  Madrid  há  um  códice  de  Duarte  d'Armas 
análogo  ao  da  Torre  do  Tombo. 

No  códice  madrileno  faltam  as  vistas  panorâmicas  de  Castro  Ma- 
rim, Alcoutim,  Mértola,  Serpa,  Moura,  Nondar,  Mourão,  Monsara^, 
Terena,  Alandroal,  Juromenha,  Olivença,  Elvas,  Campo  Maior,  Oii- 
guela,  Arronches,  Monforte,  Assuntar,  Castelo  de  Vide  (metade  direita), 
Marvão,  Ni^^a,  Montalvão,  Castelo  Branco,  Idanha  a  Nova,  Segura, 
Salvaterra,  Pena  Garcia,  Monsanto,  Pena  Maior  (metade  esquerda  do 
sul),  Barcelos  e  Cintra. 

Alguns  dos  castelos  são  representados  nos  dois  códices  por  desenhos 
tirados  de  pontos  de  vista  diferentes. 

Nos  da  Torre  do  Tombo  o  pavilhão  português  tem  sempre  borlas 
que  lhe  faltam  no  códice  madrileno. 


—  277  — 

Há  também  no  códice  da  Torre  do  Tombo  detalhes  pitorescos  que 
faltam  no  códice  madrileno,  como  as  figuras  de  um  cavaleiro  e  um 
peão  armados  de  lanças  que  nunca  aparecem  no  códice  madrileno  e 
se  vêem  muitas  vezes  nos  desenhos  do  Livro  da  Torre  do  Tombo,  um 
caçador  acompanhado  dos  cães,  a  forca,  armas  e  outros  detalhes. 

O  livro  de  Duarte  d'Arnias  é  acompanhado  de  tais  minúcias  que  o 
sr.  Simancas  pretende  que  ele  foi  feito  para  indicar  ao  inimigo,  que 
não  podia  ser  senão  o  castelhano,  os  pontos  de  ataque  dos  castelos. 

A  hipótese,  já  rebatida  pelo  sr.  Cristóvão  Aires,  é  absurda  (i). 

O  que  deve  depreender-se  do  exame  dos  dois  códices  é  que  Duarte 
d'Armas  fora  encarregado  de  inspeccionar  os  diversos  castelos  portu- 
gueses para  indicar  as  reformas  a  fazer  (2). 

A  pintura  da  Sala  dos  Brasões  no  Paço  de  Sintra 

O  abade  de  Castro  foi  o  primeiro  a  atribuir  a  Duarte  d'Armas  de 
colaboração  com  Jorge  Afonso  e  Francisco  Danzilla  (Descripção  do 
Palácio  Real  na  Villa  de  Cintra,  p.  20).  Esta  asserção  do  abade  de 
Castro  não  tem  fundamento  documental  e  é  por  tanto  para  pôr  de 
lado. 

É  possível  que  do  nome  do  nosso  artista  viesse  a  idea  ao  abade  de 
Castro  de  lhe  atribuir  a  pintura  da  sala  dos  brasões,  como  outros,  ao 
tempo  de  Raczinski  (Lettres,  p.  23i,  434;  Dicí.,  p.  yS)  lhe  atribuíram 
as  iluminuras  do  livro  do  armeiro  mór  existente  na  Torre  do  Totnbo 


(i)  O  sr.  Cristóvão  Aires  de  Magalhães  Sepúlveda  fez  um  estudo  minucioso  do  Livro 
de  Duarte  d*Armas,  comparando-o  com  o  códice  existente  em  Madrid.  Cf.  Cristóvão 
Aires  de  M.  Sepúlveda,  Historia  orgânica  e  politica  do  Exercito  Porlugue^.  Provas. 
Vol.  VIII,  p.  273-355.  Neste  estudo  o  autor  menciona  no  número  dos  castelos  re- 
presentados o  de  Marvão  que,  como  acima  dissemos  figura  apenas  no  índice  que  o 
sr.  Cristóvão  Aires  inadvertidamente  copiou. 

(2)  O  códice  madrileno  foi  estudado  por  o  sr.  Gonçalvez  Simancas  na  Revista  de  Ar- 
chivos,  Bibliothecas  e  Miiseos  de  Madrid  (n."'  de  .Maio  e  Junho  de  1910  a  Julho  e  Agosto 
de  1911). 

O  sr.  Cristóvão  Aires  fez  ura  estudo  comparado  dos  dois  códices,  forçadamente  in- 
completo pois  não  teve  outra  fonte  de  informação  que  não  fosse  o  artigo  do  sr.  Gonçalvez 
Simaucas  que  só  reproduziu  parte  dos  desenhos  do  códice  madrileno,  e  não  cotejou  os 
dois  códices. 


—  278  — 

e  que  é,  como  verificaram  já  Juromenha  e  Raczinski  {Dict.,  p.  11 3) 
uma  cópia  do  livro  do  armeiro  mor  de  Arriet  feita  por  António  Go- 
dinho. 

No  título  deste  manuscrito  feito  em  letras  tão  decoradas  que  o 
tornam  quási  ilegível,  leu  o  autor  da  «História  Genealógica»  Fernão 
das  Minas  de  que  fez  um  iluminador  do  tempo  de  D.  Manuel. 

O  que  D.  António  Caetano  de  Sousa  leu  Fernão  das  Minas  deve 
ler-se  perfeiçani  das  armas  e  daí  viria  um  novo  erro  para  alguém  que 
lendo  apenas  a  última  pai  te  da  inscrição  interpretasse  a  outra  Duarte 
como  Caetano  de  Sousa  lera  Fernão. 

Como  pontos  bem  seguros  da  biografia  de  Duarte  d'Armas  ficam 
a  sua  ida  na  expedição  de  D.  João  de  Meneses,  e  a  sua  estada  na  ilha 
do  Corvo  para  desenhar  por  ordem  de  D.  Manuel  a  estátua  que  nela 
encontraram  os  primeiros  navegadores  portugueses. 

Como  obra  sua  conservam-se  apenas  os  dois  livros  das  fortalecias. 

Contém  as  vistas  panorâmicas  de  Castro  Marim,  Alcoutim,  Mer- 
tolla,  Serpa,  Moura,  Noudall,  Mourom,  Monsara^,  Terena,  Alandroall, 
Jiilhamenha,  Oliuença,  Fluas,  Campo  Mayor,  Ougella,  Arronches., 
Monforte,  Açumar,  Alpallhvn,  Castello  de  Vide,  Nisa,  Monte  aluaaom^ 
Castello  Branco.,  Idanha  a  Noua,  Segura,  Saluaterra,  Penagarcya, 
Monsanto,  Penamacor,  Sabugall.,  Villa  mayor,  Castello  mendo,  Cas- 
tello bõo,  Almeyda.,  Castello  Rodrigo,  Freyxo  despadacynta,  Moga- 
doyro,  Pena  roya,  Miranda  do  Doyrc,  Vimioso,  Outeyro,  Bragança, 
Vinhaes,  Mõforte  de  rio  liure,  Chaues.,  Monte  alegre,  Portello,  Piconha, 
Crasto  laboreyro,  Melgaço,  Monsaão,  Lapeella,  Valença  do  Minho^ 
Villa  noua  de  Cerueyra,  Caminha,  Barcellos,  Sintra. 

Erraram  esta  lista  de  fortalezas :  Raczinski  (Dict.,  p.  73-74),  que 
menciona  a  mais  Alegrete,  Portalegre  e  Marvão.,  Sousa  Viterbo  [Dic. 
dos  Arch-,  vol.  í,  pág.  45-46),  que  cometeu  o  mesmo  erro,  e  o  sr.  Cris- 
tóvão Aires  de  Magalhães  Sepúlveda  {Hist.  do  Exerc.  Port ,  vol.  VII 
que  inclui  a  mais  apenas  Marvão. 

O  erro  de  Raczinski  e  Sousa  Viterbo  proveio  de  se  terem  regulado 
pelo  índice  oa  Tauoada  das  fo?-ta!e^as  do  eí^tremo  de  purtugall  e  cas- 
tella  em  que  vem  mencionados  na  verdade  os  castelos  de  Alegrete., 
Portalegre  e  Marvão  que  não  existem  no  manuscrito  e  que  provavel- 
mente nunca  existiram. 


—  279 


Campelo 

Taborda  deu  uma  redacção  sua  ao  texto  que  encontrara  no  Abce- 
dario  Pictórico  de  Guarienti: 

«Campello,  cosi  chiamato  nelle  memorie  antiche  di  Portogallo,  fu 
pittore  nativo  di  quel  Regno.  Mandato  a  Roma  negli  anni  di  sua 
.  gioventú  a  studiar  la  pittura  sotto  Michelangelo  Buonaroti,  tai  pro- 
gressi  fece  neirarte,  che  tornato  alia  pátria  fu  dichiarato  pittore  dei 
Re  dom  Giovanni  III  e  servi  ancora  il  Re  dom  Emanuelle.  Nel  claustro 
grande  delia  chiesa  Eetlemme  distante  un  miglio  da  Lisbona,  dipinse 
varj  mister]  delle  Passione  di  Cristo  conbuon  disegno  e  stile  grandioso, 
scorgendovisi  in  essi  la  maniera  dei  Maestro.    Vivea  circa  gli  ani  1540». 

Taborda  falseou  o  texto  de  Guarienti  traduzindo  fu  dichiarato  pit- 
tore dei  Re  dom  Giovanni  III  e  servi  ancora  il  Re  dom  Emanuele  por 
teve  a  honra  de  ser  nomeado  Pintor  do  Senhor  Rei  D.  João  III^  graça 
que  lhe  havia  concedido  Já  seu  augusto  pai. 

Servir  D.  Manuel  não  é  o  mesmo  que  ser  pintor  de  D.  Manuel. 
Todas  as  cartas  de  pintor  d'el  rei  começam  por  alegar  os  bons  ser- 
viços anteriores  do  pintor.  Servia-se  portanto  o  rei,  sem  para  isso  ser 
necessário  ter  carta  de  pintor  d'el  rei. 

Guarienti  não  diz  claramente  qual  o  monarca  que  mandou  Cam- 
pelo à  Itália,  deve  porém  depreender-se  que  foi  D.  Manuel  pois  essa 
viagem  se  fez  negli  anni  di  su  gioventii  seria  por  isso  verosímil  que 
D.  Manuel  o  nomeasse  seu  pintor  se  a  causa  da  nomeação  fossem  os 
progressi  neWarte  feitos  durante  os  seus  estudos. 

Se  Campelo  tivesse  tido  carta  de  pintor  régio  passada  por  D.  Ma- 
nuel, seria  confirmado  no  mesmo  lugar,  segundo  a  prática  então  se- 
guida, sem  necessidade  de  outros  serviços. 

Assim  se  fez  com  Jorge  Afonso  que  tendo  sido  nomeado  pintor 
régio  por  D.  Manuel  em  9  de  Agosto  de  i5o8,  houve  confirmação  do 
mesmo  lugar  por  D.  João  III,  em  carta  de  9  de  Dezembro  de  iSag,  e 
com  Gregório  Lopes  que  tivera  um  alvará  de  lembrança  de  D.Manuel 


—  28o  — 

e  foi  confirmado  no  lugar  de  pintor  régio  por  carta  de  D.  João  III, 
datada  em  25  de  Abril  de  i522. 

Quanto  ao  aprendizado  com  Michael  Angelo  que  os  autores  dão  a 
este  e  a  outros  pintores  do  tempo,  parece-me  pouco  provável,  aten- 
dendo a  que  nos  Diálogos  do  Holanda  se  não  encontra  referência  a 
nenhum  destes  factos  que  tanta  honra  fariam  aos  soberanos. 

Deve  a  confusão  partir  da  viagem  do  próprio  Holanda,  generalizada 
por  os  autores  a  todos  os  artistas  que  a  tradição  dizia. 

Bem  avisadamente  andou  Cirilo  em  não  fazer  de  Campelo  um 
pintor  régio. 

Quanto  ao  nome  próprio  deste  artista  estranha  Taborda  que  Gua- 
rienti  o  ignorasse  (p.  i68)  e  afirma  ser  Manuel.  Cirilo,  na  fé  de  Félix 
da  Costa,  crisma-o  António.  Ainda  neste  ponto  nos  parece  preferível 
a  opinião  de  Cirilo  à  de  Taborda. 

Quanto  aos  quadros  que  lhe  são  atribuídos:  Guarienti  escreve, 
iVe/  claustro  grande  delia  chiesa  Bethlemme  distante  um  miglio  de 
Lisbona,  dipinse  varj  misterj  delia  passio  di  Cristo  con  buon  disegno 
e  stile  grandioso  scorgendovisi  in  essi  la  maniera  dei  Maestro. 

Taborda  seguiu  na  atribuição  a  forma  vaga  de  Guarienti,  acrescen- 
tando: ...  forão  (os  quadros  do  claustro  grande  de  Belém)  repin- 
tados, e  muito  mudados  de  sua  forma  primitiva;  e  por  isso  Já  hoje  em 
parte  não  encantão  cabalmente  a  vista  de  um  observador  intelligente. 
Qual  seria  a  sua  graça,  e  a  sua  grandeza  quando  estavao  na  sua  ori- 
ginal conservação,  não  pode  conjecturar-se,  porque  não  resta  entre 
nós  uma  só  obra  sua  intacta,  e  sem  alteração  (p.  167). 

Cirilo  atribui-lhe  a  Coroação  de  Espinhos  e  o  Senhor  Ressuscitado 
do  claustro  grande  e  a  Rua  da  Amargura,  que  estava  na  escada  do 
mesmo  mosteiro,  quadro  em  que  julgou  encontrar  talvez  o  precioso 
painel  do  Senhor  com  a  Cru^  às  costas  que,  segundo  Félix  da  Costa, 
merecia  outro  trato,  e  outro  lugar. 

Taborda  atribui  porém  o  Senhor  Ressuscitado  a  Gaspar  Dias 
(p.  i59). 

A  Gaspar  Dias  se  deveria  também  atribuir  a  Rua  da  Amargura  se 
diz  a  verdade  o  letreiro  que  lhe  poseram  no  ângulo  inferior,  lado 
direito,  quando  o  restauraram :    gaspar  dias  luzitano,  |  inventou  e 

PINTOU,  NO    SÉCULO  XV  |  ESTE   SINGULAR   CHEFE   d'0BRA,   QUE,  |  MEIO    DES- 


28l 


TRUIDO  PELO  TEMPO,  A  IM  |  PERÍCIA  DOS  MÃOS  ARTISTAS  )  ACABOU  DE 
PERDER.  1  PELA  SOLICITUDE  DO  R.>'0  P.E  F.E  BER-  |  NARDO  DO  CARMO  E  S.* 
D.OR  OPPOZITOR  I  EM  THEOLOGIA,  D.  ABBADE  PRELADO  DES-  |  TL:  MOSTEIRO 
DE  SELEM,  E  INSTAN-  |  CIAS  DOS  MAIS  MONGES,  AMADORES  DAS  |  BELLAS 
ARTES  I  COM  INCANSÁVEL  DESVELO  RESTAU-  |  ROU  NO  ANNO  DE  1819  | 
IGACIO  DA  S.'^  C.  VALENTE.   | 

Taborda,  citando  a  Corografia  de  Carvalho  (Tomo  III,  p.  66o) 
atribui  o  quadro  da  Rua  da  Amargura  a  Brás  do  Avelar  ou  ao  Arre- 
rino  (p.  i53). 


Gaspar  Dias 

Todas  as  biografias  de  Gaspar  Dias  assentam  sobre  este  texto  de 
Guarienti : 

Gasparo  Dies  fsic)  celebre  pittor  porthoghese,  inviato  a  Roma  dei 
re  dom  Emanuele  per  perfezionarsi  nella  pittura,  nella  scuola  di  Miche- 
langelo  fece  grandi  progressi.  Ritornato  in  pátria,  d'ordine  dei  re, 
opero  ad  oglio  molte  pitture  nel  chiostro  delia  chiesa  di  Belém,  ed  in 
altri  luoghi  eretti  da  quel  monarca.  Nella  chiesa  delia  Misericórdia, 
fece  la  famosa  Tavol-a  delia  Venuta  dello  Spirito  Santo,  segnata  col  suo 
nome,  et  colPanno  i334,  la  qual  tavola  nel  1734  fu  da  me  ristaurata. 

Taborda  cita  Guarienti  alterando- lhe  o  sentido:  Sabemos  pelo  tes- 
temunho de  Guarienti,  que  vivia  pelos  annos  de  i534;  porque  cita  na 
Igreja  da  Misericórdia  o  quadro  da  Tribuna,  da  vinda  do  Espirito, 
marcado  com  o  seu  próprio  nome,  e  feito  naquelle  anno :  dizendo  igual- 
mente, que  elle  o  restaurara  em  i-34- 

Ora  Guarienti  não  diz  que  a  pintura  em  madeira  que  restaurara, 
estivesse  na  Tribuna  e  pelo  texto  parece  referir-se  a  um  quadro  de 
pequenas  dimensões. 

Cirilo  não  reparou  na  alteração  do  texto  de  Guarienti,  feita  por 
Taborda,  e  escreveu  :  Pedro  Guarienti  fa^  menção  de  outro  painel  seu 
da  vinda  do  Espirito  Santo  pintado  em  i534,  que  estava  na  tribuna  da 
Antiga  Misericórdia. 


—    2«2    — 

Raczinski  que  não  conhecia  o  texto  de  Guarienti,  por  não  ter  podido 
encontrar  a  edição  da  obra  de  Orlandi,  tendo  sido  informado  pelo 
visconde  de  Balsemão  de  que  o  cónego  Vilela  da  Silva  afirmava  que 
Guarienti  ficara  frappé  d'etonetnent  à  la  vu  d'un  tableau  representam 
la  descente  du  Saint-Esprit,  par  Gaspar  Dia^  qui  se  troiive  dans  la 
tribime  de  la  chapelle  principale  de  iéglise  de  Saint  Rock,  comenta : 
Je  dois  dire  relativement  à  ce  tableau,  qiiil  est  d'une  composition  sage, 
et  quil  n'est  pas  tout  à  fait  dépourvu  de  style,  mais  aiissi  est-ce  là  tout 
ce  que  l'on  peut  en  dire,  car  il  a  éte  repeint  dhine  maniere  barbare;  je 
ne  sais  pas  si  cela  a  jamais  été  un  Gaspard  Diaj  et  si  cela  a  été  bon, 
maisje  sais  que  ce  n'est  plus  qu'une  croute  (Letlres,  p.  igB). 

Vilela  Machado  repetira  Cirilo,  que  repetira  Taborda,  que  repetira 
Guarienti  alterando,  como  na  conhecida  história  de  A  formiga  e  a 
neve. 

Vilela  Machado  nunca  fez  senão  repetir  Cirilo. 

Raczinski,  com  vontade  de  achar  em  S.  Roque  o  quadro  da  tribuna 
da  antiga  Misericórdia,  deu  com  uma  Vinda  do  Espirito  Santo  qu'on 
voit  à  certains  jours  de/ète  au-dessus  de  maítre-autel  et  qui  est  attribué 
a  Gaspar  Dia:^,  torna  a  escrever  {Lettres,  p.  291) :  . . .  n'a  jamais  pu 
avoir  une  grande  valeiír  artistique.  Le  style  de  ce  tableau  n'a  aucune 
analogie  ni  avec  le  saint  Roch  de  cette  église  ni  avec  les  tableaux  de 
Belém  du  même  auteur,  com  o  propósito  evidente  de  corrigir  o  que 
escrevera  irritado  pelas  opiniões  de  Vilela  que  ouvia  citar  muitas  vezes 
e  tinham  o  condão  de  o  pôr  de  mau  humor. 

Quando,  mais  tarde  Raczinski  obteve  o  Guarienti  e  comunicou  as 
opiniões  deste  pintor  à  Sociedade  Artística  e  Scientífica  de  Berlim, 
comentou  em  nota :  Malgré  ce  qu'en  dit  Guarienti,  je  ne  puis  retracter 
ce  que  je  vaus  ai  communiqué  dans  ma  onpème  lettre  au  sujet  de  la 
descente  du  Saint  Esprií  de  Véglise  de  Saint-Roch,  sem  ver  que  o 
texto  de  Guarienti  se  não  podia  aplicar  à  pintura  que  éle  estudara  em 
S.  Roque. 

No  artigo  do  Dict.,  Raczinski  parece  ter  notado  as  origens  dos  erros 
em  que  caíra  e  escreve  :  ce  tableau  n'est  peint  sur  toile,  n^est  pas  signé, 
e  c'est  un  bien  faible  ouvrage,  acabando  por  admitir  que  seja  uma 
cópia  e  que  o  original  tenha  desaparecido  {Dict.,  p.  70). 

A  Gaieta  de  Lisboa  de  17  de  Fevereiro  de  1735,  noticiando  a  estada 


—  283  — 

de  Pedro  Guaiienti  em  Lisboa  cita  entre  os  últimos  trabalhos  do 
pintor  o  restauro  dos  quadros  da  Misericórdia  especialmente  o  famoso 
Retabolo  da  capella  da  insigne  Bemfeitora  daquella  Casa  Dona  Simoa 
Godinho,  e  ali  tem  achado  admiráveis  originaes  de  Pintores  Portu- 
gueses do  glorioso  século  dei  Rei  D.  Manuel  e  de  et  Rei  D.  João  III, 
nos  quaes  floreceram  na  arle  da  pintura  Gaspar  Dias,  Christovam 
Lopes,  Bra^  de  Prado  e  também  Fernando  Gallegos,  insigne  pintor 
hespanhol,  de  que  na  Misericórdia  ha  talve^  tantos  originaes  como  no 
Escurial. 

De  tudo  isto  se  conclui  apenas  que  em  1734,  havia  na  igreja  da 
Misericórdia  de  Lisboa  uma  pintura  em  madeira,  representando  a 
Descida  do  Espírito-Santo,  datado  em  i534  e  assinado  por  Gaspar 
Dias.  Este  quadro  foi  restaurado  por  Guarienti  que  leu  a  assinatura 
e  a  data  e  a  qualificou  de  famosa. 

Este  quadro  desapareceu,  naturalmente  destruído  pelo  terremoto, 
sendo  por  isso  para  regeitar  a  hipótese  de  Raczinski  de  ser  cópia 
daquele  uma  pintura  em  tela  que,  ao  seu  tempo  se  punha  na  tribuna 
da  igreja  de  [S.  Roque  e  que  Taborda  atribuíra  a  Gaspar  Dias,  por 
uma  interpretação  não  justificada  do  texto  de  Guarienti. 


Gregório  Lopes 

Taborda  publicou  a  carta  passada  por  D.  João  III  a  G.  Lopes 
filhando-o  por  seu  pintor,  como  o  já  tinha  feito  D.  Manuel  por  um 
alvará  de  lembrança  (p.  t  54-1 55). 

Alude  à  sua  nomeação  com  outros  para  pintar  em  obras  régias  e 
cita  os  documentos  comprovativos  que,  ao  tempo  em  que  ele  escrevia 
se  encontravam  na  Torre  do  Tombo  Gav.  20^  Maço  i3,  Num.  73 
(p.  154). 

Os  esclarecimentos  que  Cirilo  dá  neste  artigo  sobre  Álvaro  Pires 
e  Gaspar  Cão  encontrou-os  em  Taborda  (p.  1 59-160). 

A  este  respeito  escreve  Cirilo :  Ao  primeiro  (Álvaro  Pires),  que 
falleceo  em  i53g,  succedeo  o  segundo  que  era  seu  filho. 


—  284  - 

Ora  Taborda  não  diz  que  Álvaro  Pires  tivesse  morrido  em  i339, 
mas  sim  apenas  que  D.  João  III  lhe  (a  Diogo  Cão)  mandou  passar  em 
data  de  ig  de  Fevereiro  de  i55g  Carta  de  seu  Pintor  em  lugar  de 
Álvaro  Pires  seu' pai,  a  quem  o  Senhor  D.  Manoel  tinha  Jeito  a  mesma 
tnercê. 

Sousa  Viterbo  publicou  {Noticia,  Primeira  série,  p.  40)  a  carta  de 
Gaspar  Cão  datada  em  19  de  Fevereiro  de  iSSq  onde  se  lê:  em  lugar 
de  Álvaro  Pire^,  seupay,  que  ate  ora  foy  meu  pintor^  o  que  parece 
indicar  a  morte  recente  de  Álvaro  Pires. 

Assim  o  entenderam  Cirilo,  Raczinski  {Dic,  p.  lyS)  e  Sousa  Viterbo. 

É  original  também  de  Cirilo  o  lugar  e  a  inscrição  da  sepultura  de 
Gregório  Lopes,  que  Raczinski  não  aproveitou  para  o  seu  dicionário. 

O  visconde  de  Juromenha  encontrou  e  comunicou  a  Raczinski  os 
documentos  seguintes:  extracto  da  carta  de  nomeação  do  pintor,  já 
publicada  por  Taborda  (25  de  Abril  de  i522,  p.  lyS),  concedendo  um 
moio  de  trigo  ao  pintor,  a  título  de  pensão  (26  de  Junho  de  1541), 
uma  nota  de  que  este  moio  de  trigo  lhe  fora  pago  em  1541,  nota  de 
lhe  haverem  sido  pagos  16.000  réis  por  um  Santo  António,  um  S.  Ber- 
nardo, uma  Madalena  na  charola  e  dois  retávolos  na  capela  de  Nosso 
Senhor  (p.  177). 

Marcou  também  Juromenha  a  morte  de  Cristóvão  Lopes  em  i55i, 
année  ou  son  fils  lui  fut  substitua  (p.  177). 

Juromenha  forneceu  também  a  Raczinski  um  longo  extracto  dum 
documento  que  se  refere  às  obras  de  G.  Lopes  no  Armarem  {Lettres, 
p.  206).  Sousa  Viterbo  publicou  estes  e  outros  documentos  que  per- 
mitem fazer  a  sua  biografia. 

Foi  discípulo  de  Jorge  Afonso  e  casou  com  uma  filha  deste  cha- 
mada Isabel  Jorge  (Noticia,  Primeira  série,  p.  104),  pintor  de  D.  Ma- 
nuel por  alvará  de  lembrança  que  não  ficou  registado  e  de  D.  João  III 
por  carta  de  25  de  Abril  de  i522  publicada  por  Taborda. 

Em  7  de  Julho  de  1514  era  já  discípulo  de  Jorge  Afonso  e  casado 
com  Isabel  Jorge  filha  deste,  e  com  ele  vivia,  pintando  na  oficina  do 
sogro. 

Em  i536  trabalhava  no  convento  de  Tomar  e  pintava  na  charola: 
S.  António,  S.  Sebastião,  S.  Bernardo  e  a  Madalena,  além  de  dois 
quadros  na  capela  de  Nossa  Senhora. 


—  285  — 

Pintou  também  para  a  capela  de  S.  Quintino  na  igreja  de  Nossa 
Senhora  do  Monte- Agraço  um  retavoUo  dos  mariirios  do  dito  santo. 

Era  já  falecido  era  19  de  Outubro  de  i35o  pois  nessa  data  D.  João  III 
mandou  dar  a  Isabel  Jorge  sua  mulher /era  ajuda  de  sua  manutença 
e  criação  de  suas  jUlias  o  moio  de  trigo  que  recebia  de  sua  tença  Gre- 
gório Lope^i  que  foy  meu  pintor. 

O  filho  Cristóvão  Lopes  sucedeu-lhe  no  lugar  de  pintor  do  rei  em 
18  de  Agosto  de  i55i. 


Vanegas 


Taborda  confessa  (p.  166)  conhecer  deste  pintor  apenas  o  nome  — 
Francisco  Vanegas  e  ter  ido  estudar  à  Itália  no  tempo  de  D.  Manuel. 

O  nome  está  errado;  é  Francisco  Venegas.  Floresceu  em  tempo 
de  D.  Sebastião  e  Felipe  II  de  Espanha,  não  podia  por  isso  ter  ido  à 
Itália  por  conta  de  D.  Manuel. 

Girilo,  que  parece  não  lhe  ter  conhecido  o  nome  próprio,  encostou-se 
à  autoridade  de  Félix  da  Costa  Meesen,  não  menciona  a  sua  viagem  à 
Itália  por  conta  de  D.  Manuel  e  atribui-lhe  o  quadro  do  altar-mór 
da  Luz. 

O  quadro 'é  na  verdade  dele  e  está  assinado  Francisco  Venegas 
Regius  pictor  o  que  prova  que  já  era  pintor  régio  em  tempo  de  D.  Se- 
bastião pois  que  as  pinturas  do  altar-mór  da  Luz  foram  mandados 
fazer  pela  infanta  D.  Maria  em  óyS. 

Foi  também  pintor  de  Felipe  II  de  Espanha  (Sousa  Viterbo,  No- 
iicia,  Primeira  série,  p.  i53). 

Cirilo,  na  impossibilidade  de  harmonizar  a  ida  à  Itália  em  tempo 
de  D.  Manuel,  mencionada  por  Taborda  com  a  atribuição  do  quadro 
da  Luz,  escreveu  prudentemente,  falando  do  quadro  da  Luz:  aEste 
painel  existe,  ou  copia  delíe,  e  he  muito  grande  (p.  48). 


António  e  Francisco  de  Holanda 

A  biografia  de  António  de  Holanda  é  muito  breve  em  todos  os  his- 
toriadores.   A  glória  do  filho  prejudicou  a  memória  do  pai,  apesar  de 


—  286  — 

todo  o  encarecimento  que  Francisco  de  Holanda  faz  nas  suas  obras 
do  talento  de  seu  pai,  pondo-o  entre  os  artistas  a  quem  pela  sua  cele- 
bridade dera  o  cognome  de  Águias. 

Taborda  não  sabia  de  António  de  Holanda  mais  do  que  as  refe- 
rências de  seu  filho  à  invenção  da  iluminura  a  preto  e  branco,  e  ao 
retrato  de  Carlos  V  que  encontrara  no  Dicc.  Hist.  de  Bermudez  e 
transcreveu  em  espanhol. 

Cirilo  seguiu  Taborda,  sem  o  citar,  nem  acrescentar  nada  de  novo, 
O  Patriarca  não  lhe  dedicou  artigo  especial. 

O  artigo  de  Raczinski  {Dic,  p.  134- 136)  devido  à  colaboração  de 
Juromenha  é  quási  uma  biografia  definitiva. 

Sousa  Viterbo  não  dedicou  ao  nosso  artista  artigo  especial.  O 
sr.  Joaquim  de  Vasconcelos  e  Vieira  Guimarães  (A  Ordem  de  Cristo) 
não  acrescentaram  documentos  novos. 

António  de  Holanda  devia  gozar  já  grande  crédito  no  tempo  de 
D.  Manuel  que  o  nomeou  seu  passavante,  na  vaga  deixada  por  o  pintor 
Francisco  Henriques,  morto  de  peste  em  i5i8^  apesar  de  haver  pro- 
metido o  lugar  ao  pintor  Garcia  Fernandes  com  a  condição  de  casar 
com  uma  filha  de  Francisco  Henriques.  Continuou  no  mesmo  lugar 
em  tempo  de  D.  João  III. 

D.  João  III  por  carta  de  5  de  Março  de  1527  deu-lhe  uma  pensão 
anual  de  10.000  reais. 

Para  o  infante  D.Fernando  fez  uns  desenhos  que  foram  iluminados 
por  Simão  de  Bruges. 

D.  Isabel,  a  irmã  de  D.  João  III  que  casou  com  Carlos  V  mandou-o 
ir  a  Toledo  de  propósito  para  retratar  o  imperador.  Nessa  viagem, 
em  que  foi  acompanhado  por  seu  filho  Francisco  de  Holanda  fez  as 
miniaturas  do  imperador  Carlos  V,  da  imperatriz  D.  Isabel  e  do  infante 
que  mais  tarde  devia  ser  Felipe  II,  ao  colo  de  sua  mãe.  Deve  por 
isso  a  viagem  de  Holanda  ter  sido  depois  de  21  de  Maio  de  1527,  data 
do  nascimento  de  Felipe  II. 

Em  Novembro  de  i533,  i534,  i5j5  e  i536  trabalhou  para  o  con- 
vento de  Tomar,  para  onde  iluminou  dois  volumes  de  Dominicaes  e 
um  Psaltério. 

Vivia  ainda  em  i55i.  Ignora-se  a  época  da  sua  morte.  Era  porém 
já  falecido  em  1571. 


—  287  — 


Francisco  de  Holanda 

Girilo  supôs  erradamente  que  F.  de  Holanda  fizera  duas  viagens  à 
Itália  uma  na  sua  juventude  sendo  criado  do  infante  D.  Fernando  e  do 
Cardial  D.  Afonso,  e  outra  por  mandado  de  D.  João  III. 

Este  erro  é  uma  má  interpretação  do  texto  de  Holanda  feito  por 
monsenhor  Guido. 

«...  eu  fui  o  primeiro  que  neste  Reino,  escreve  o  iluminador,  louvei 
e  apregoei  ser  perfeita  a  Antiguidade,  e  não  haver  outro,  primor  nas 
obras,  e  isto  em  tempo  que  todos  quási  querião  zombar  d'isso,  sendo  eu 
moço  e  servindo  ao  Ifante  Dom  Fernando  e  ao  sereníssimo  Cardeal 
Dom  Affonso,  meu  senhor.  E  o  conhecer  isto  me  fez  desejar  de  ir 
ver  Roma,  e  quando  delia  tornei,  não  conhecia  esta  terra,  como  quer 
que  não  achei  pedreiro  nem  pintor  que  não  dixesse  que  o  antigo  (a 
que  elles  chamão  modo  de  Itália)  que  esse  levava  a  tudo;  e  achei-os 
a  todos  tão  senhores  disso,  que  não  ficou  nenhuma  lembrança  de 
mi». 

Este  texto  porém  o  que  quer  dizer  é  que,  antes  da  viagem  ã  Itália^ 
já  Francisco  de  Holanda  estava  convencido  da  excelência  da  arte  an- 
tiga e  isso  lhe  fizera  desde  então  desejar  uma  viagem  a  Roma,  e  quando 
voltara  encontrara  já  toda  voltada  para  o  antigo  a  opinião  que  deixara 
tão  contrária  a  ele. 

Antes  dessa  viagem,  mostrara  êle  a  André  de  Resende  as  inscrições 
romanas  do  jardim  do  Paço  de  Santos  que  o  douto  humanista  e  anti- 
quário não  conhecia. 

O  talento  de  Francisco  de  Holanda  fôra  muito  precoce.  André  de 
Resende  chamava-o  juvenis,  admirabili  ingenio,  <£•  Lusitanus  Apelies. 

A  mudança  que  se  deu  na  opinião  portuguesa  sobre  o  valor  da 
antiguidade  não  se  explicaria  com  uma  viagem  pequena,  como  não 
poderia  deixar  de  ser  a  primeira,  que  teria  além  disso  de  pôr-se,  sem 
probabilidades  de  acertar,  antes  dos  seus  20  anos  em  que  fez  a  sua 
viagem  à  Itália  por  mandado  de  D.  João  III. 

Taborda  tem  várias  citações  que  o  sr.  Joaquim  de  Vasconcelos 
qualifica  de  originais  e  me  parecem  muito  sujeitas  a  contestação. 


—  288  — 

É  de  Taborda  a  atribuição  das  iluminuras  dos  livros  de  coro  do 
convento  de  Tomar  a  Francisco  de  Holanda. 

Nos  livros  de  despesa  do  convento  não  se  acham  referencias  senão 
a  António  de  Holanda  seu  pai. 

Parte  desses  livros  pertencem  ao  sr.  Joaquim  de  Vasconcelos  que 
não  publicou  trabalho  algum  sôbre  eles  e  os  atribui  aos  dois  Bolandas 
numa  citação  acidental. 

Atribui  também  Taborda  a  Francisco  de  Holanda  um  retrato  da 
infanta  D.  Maria  que  mereceu  um  epigrama  de  Manuel  da  Costa, 
publicado  com  outros  versos  seus  em  Coimbra  em  i552. 

Os  epigramas  de  Manuel  da  Costa  fazem  referência  aos  projectos 
anteriores  de  casamento  da  infanta  (seis  ut  consortem  iam  dudum  fata 
laboram  \  Huic  Maricá,  et  dignum  vix  reperire  queant?),  o  monarca  a 
quem  o  retrato  se  destinava  era  D.  Felipe  II  (summi  principis). 

As  negociações  do  casamento  duraram  de  1549  a  i552  época  em 
que  Francisco  de  Holanda  estava  em  toda  a  celebridade  da  sua  viagem 
recente  a  Itália. 

Parece  depreender-se  do  epigrama  de  Manuel  da  Costa  que  o  re- 
trato fora  pintado  em  madeira  (tabula),  mas  não  nos  parece  que  tais 
versos  possam  excluir  formalmente  a  hipótese  de  uma  miniatura  em 
pergaminho. 

Cirilo,  na  fé  de  Taborda  atribui  ao  pintor  o  Baptismo  de  Santo 
Agostinho  que,  no  seu  tempo  possuía  a  família  Saldanha. 

Raczinski  supõe  que  seja  este  o  único  quadro  que  possa  atribuir-se 
a  Francisco  de  Holanda. 

Este  quadro  é  atribuído  ao  pintor  pelo  testemunho  de  D.  Fernando 
Alvares  de  Castro  (4  de  Maio  de  1641),  e  existia  ainda  no  tempo  de 
Raczmski  que  escreveu  dele :  11  faut  aussije  crois,  ajouter  foi  ã  ce  que 
le  document  (testamento)  rapporte  sur  le  Francois  de  Hollande.  Je  ne 
saurais  enjuger  par  anahgie,  car  je  ne  connais  aucun  autre  oiivrage 
de  cet  artiste,  et  je  ne  sache  p as  qu'il  en  ait  Jaite  d'autres,  mais  c'est 
d'un  faire  qui  atteste  lepeu  d^habitude  qu'il  avait  de  peindre  à  l'liuile  et 
de  trailer  des  sujeis  historiques;  il  montre  clairement  Vinfluence  de 
1'Italie;  ti  est  en  même  iemps  évidemment  Vceuvre  d'un  artiste  qui  a 
consacré  sa  vie  á  l'étude  des  arts,  et  qui  avait  les  grands  exemples  de 
Vépoque  dassique,  présens  à  la  viemoire.    Ce  tableau  represente  le 


—  289  — 

baptême  de  de  saint  Augustin,/'crr  saiiit  Ambfoise,  en  prósence  de  sainte 
Monique  et  d'autres  saints.  Les  physiorwmies  ne  vianquent  pas  d'ex- 
pression  [Lettres^  p.  277). 

Numa  nota  e  analizando  o  texto  de  Guarienti  que  diz  de  F.  de 
Holanda  inolto  dipinse  non  meno  né  palagi  reali,  che  nelle  chiese,  es- 
creveu Raczinski :  Un  enlumineur /^ei//  avoir  fait  des  tableaux  á  Vhuile 
et  des  fresques  dans  de  grandes  dimensions,  et  d' enlumineur  être  devemi 
peinire  d'histoire,  mais  cela  n'est  pas  vraisemblable  [Letíres,  p.  323). 

Cirilo  mantém  sobre  as  pinturas  possíveis  de  Holanda,  a  mesma 
prudente  reserva. 

O  sr.  Joaquim  de  Vasconcelos  atribui  a  Francisco  de  Holanda  um 
quadro  em  que  está  representada  toda  a  família  de  D.  João  III  sol;)  o 
manto  de  Nossa  Senhora,  existente  no  mosteiro  de  Belém  e  que  repro- 
duziu na  última  edição  dos  Diálogos  (p.  240,  f.  -5)  sem  apresentar 
provas  e  não  me  parece  que  as  possa  ter  concludentes. 


«9 


índice  alfabético 


Pintores,  Architectos,  Esculptores, 

E  Gravadores  mais  insignes  de  que  se  faz  menção 

nestas  Memorias,  notando-se  cada  hum  delles  com  a  letra 

INICIAL  da  sua  Arte. 

Paginas 

Affonso  Sanches  Coelho,  P.    . 53 

Alexandre  Giusti,  E 208 

Amaro  do  Valle,  P 56 

André  Reinozo,  P 59 

André  Gonsalves,  P -o 

André  Contucci  Sansovino,  E 199 

António  Campelo,  P 44  e  279 

António  de  Holanda,  P 48  e  285 

António  Moro,  P 5i 

António  Machado  Sapeiro,  P 69 

António  Joaquim  Padrão,  P 90 

António  Francisco  Roza,  A 195 

António  Ferreira,  E 2o5 

António  Fernandes  Rodrigues,  G 23o 

António  Sesinando,  G 237 

Abbade  Apparicio,  P 87 

Archangelo  Foschini,  P ii5 

Bartholomeo  António  Calisto,  P » 

Bartholomeo  de  Cardenas,  P 56 


—  292  — 

Paginas 

Benjamin  Comte,  G 23 1 

Bento  Coelho  da  Silveira,  P 67 

Mr.  Bernardo  Foit,  P 174 

Bruno  José  do  Valle,  P 98 

Carlos  Mardel,  A 154 

Christovão  Lopes,  P 54 

O  Coxinho,  G 233 

Cyrillo  Volkmar,  P 243 

Diogo  Pereira,  P 60 

Diogo  Magina,  P 171 

Diogo  Teixeira,  P 54 

Domingos  Vieira  Serrão,  P.    . 57 

Domingos  da  Cunha,  P Sg 

Domingos  da  Roza,  P 88 

Domingos  Peligrini,  P 109 

Domingos  António  de  Sequeira,  P ' 118 

Duarte  d'Armas,  P •   •   •      44  e  270 

Eleuterio  Manoel  de  Barros,  G 235 

Eugénio  dos  Santos  de  Carvalho.  A i52 

Faustino  José  Rodrigues,  E 239 

Feliciano  Narciza,  P i55 

Feliciano  de  Almeida,  P 64 

Abbade  D.  Filipe  de  Juvara,  A 142 

Fernão  Gomez,  P 84 

Felis  Salla,  E 217 

Felis  da  Costa  Meesen,  P 66 

Felisberto  António  Botelho,  P iio 

Francisco  de  Holanda,  P ,   .      48  e  285 

Francisco  Vieira  Lusitano,  P 79 

Francisco  Pinto  Pereira,  P 86 

Francisco  de  Setúbal,  P '59 

Francisco  Vieira  Portuense,  P iii 

Francisco  da  Silva,  P 146 

Francisco  Xavier  Lobo,  P 166 

Francisco  de  Figueiredo,  P 169 

Francisco  Xavier  Fabri,  A 1S2 


—  293  — 

Paginns 

Francisco  Bartolozzi,  G 23i 

Gaspar  Dias.  P 46  e  2S1 

Gaspar  Froes  Machado,  G 229 

Gregório  de  Barros  Vasconcelos  Amador  das  Bellas  Artes  ...  159 

Gregório  Francisco  Queirós.  G 235 

Gregório  Lopes,  P 4-  e  283 

Germano  António  Xavier  de  Magalhães,  A iq5 

Honorato  José  Corrêa  de  Macedo  e  Sá,  A iy6 

Jacome  .^nzolini,  A i5i 

Jerónimo  da  Silva,  P 76 

Jerónimo  de  Barros  Ferreira,  P 10 1 

Jerónimo  de  Andrade,  P i65 

Jerónimo  Gomes  Teixeira,  P 172 

Ignacio  de  Oliveira  Bernardes,  P 78 

Ignacio  da  Piedade  e  Vasconcelos,  E 202 

Joanna  do  Salitre,  P 106 

João  Pedro  Volkmar,  P 83 

João  Gresbante,  P 63 

João  Clama  Strabile,  P ,  .  107 

João  Castagnola,  Pr 12 r 

João  Frederico  Ludovice,  A 140 

João  Nunes  de  Abreu,  P 145 

João  Carlos  Bibiena,  A 149 

João  Pillement,  P 168 

João  Thomaz  da  Fonseca,  P 192 

João  de  Deos  IMoreira,  P 196 

João  António  de  Pádua,  E 201 

O  Padre  João  Chrisostomo  Policarpo  da  Silva,  E 20Õ 

João  Grossi,  E 2i5 

João  José  de  Aguiar,  E 221 

João  Gomes  Baptista,  G » 

João  de  Figueiredo,  G 223 

João  Caetano  Rivara,  G 236 

João  Teixeira  Pinto,  E 240 

Joaquim  Machado  de  Castro,  E 212 

Joaquim  José  de  Barros  Laborão,  E 219 


—  294  — 

Paginas 

Joaquim  Carneiro  da  Silva,  G 225 

Joaquim  Marques,  P 184 

Joaquim  Manoel  da  Rocha,  P 92 

José  de  Avelar  Rebello,  P 60 

José  da  Costa  Negreiros,  P 89 

José  Throno,  P 102 

José  da  Cunha  Taborda,  P 116 

José  Viale,  P 120 

José  Bernardes,  P i56 

José  António  Narciso,  P 175 

José  da  Costa  e  Silva,  A 187 

José  Carlos  Binheti,  A 190 

José  Manoel  de  Carvalho  e  Negreiros,  A 193 

José  Francisco  Ferreira,  P 194 

José  de  Almeida,  E ^ 2o3 

José  Teixeira  Barreto,  G 238 

Josefa  de  Óbidos,  P 61 

Mr.  Larre,  A 143 

Lourenço  da  Cunha,  P i56 

Luiz  Alves  de  Andrade,  P 58 

Luiz  Baptista,  P 164 

Luiz  José  Pereira  Resende,  P 122 

Manoel  de  Castro,  P 64 

Manoel  de  Matos,  P 107 

Manoel  Caetano  de  Sousa,  A 177 

Manoel  da  Costa,  P 179 

Manoel  Piolti,  A 190 

Manoel  Pereira,  E 200 

Manoel  Marques  de  Aguilar,  G 237 

O  Major  Manoel  da  Costa  Negreiros,  A 164 

Marcos  da  Cruz,  P 63 

Marquez  de  Monte  Bello,  P 65 

Matheus  Vicente,  A i58 

Máximo  Paulino  dos  Reis,  P 122 

Morgado  de  Setúbal,  P 176 

Nicoláo  Luiz  Alberto  de  la  Riva,  P 178 


—  295  — 

Paginas 

O  Cav.  Nicoláo  Servandoni,  P 148 

Pedro  Alexandrino  de  Carvalho,  P 95 

Pedro  António  Quillard,  P 77 

Pedro  Guariente,  P 78 

Perigrino  Parodi,  P 85 

Reynaldo  Manoel,  A 160 

Roque  Vicente,  P 90 

Mr.  Rosa,  P 170 

Simão  Caetano  Nunes,  A 161 

Simão  Francisco  dos  Santos,  G 224 

Simão  Rodrigues,  P 55 

Os  Serras,  P 147 

Timotheo  Verdier,  P 196 

Throno  pequeno,  P 108 

Vanegas,  P 48  e  285 

Gr.  Vasco  de  Viseu,  P 89  e  263 

Vicente  Baccareli,  P 144 

Vicente  Tacquesi,  E 218 


Paginas. 

Erros. 

Emendas. 

2 

dois 

dous. 

4 

correto 

correcto. 

IO 

Salvagens 

Selvagens. 

IO 

Zeuis 

Zeuxis. 

II 

despostos 

dispostos. 

i3 

compuserão 

composerão. 

16 

Murilho 

Murillo. 

'9 

portuguezes 

Portuguezes. 

5i 

Utrectt 

Utrecht. 

67 

Utrectt 

Utrecht. 

72 

Gaillard 

Quillard. 

74 

Portugueza* 

Portuguezes. 

75 

Jacomo 

Jacome. 

86 

se 

he. 

92 

sen 

seu. 

102 

Fuduresnoy 

du  Fresnoy. 

io5 

Roulhs 

Roulks. 

112 

Froes  Jacome 

Fernandes  Jacome. 

117 

he 

e. 

117 

e 

he. 

l32 

contanto 

contento. 

i55 

excetuados 

executados. 

i58 

bom  Mestre 

bons  Mestres. 

205 

Feliz 

Felis. 

234 

se  lhe 

lhe. 

239 

Nimfas 

Ninfas. 

246 

erão  fiz 

fizerão. 

Alguns  outros  descuidos  de  virgulas,  pontos,  faltas,  ou  trocas  de 
letras  supprirá  o  Leitor. 


8 


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'_•       Machado,  Cyrillo  Volkmar 
JJ32       Colecção  de  memorias  rela- 
i^3      tivas  as  vicias,  do-s-  pintores  ..