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COLLECÇÃO DE MEMORIAS
SUBSÍDIOS
PARA A HISTÓRIA DA ARTE PORTUGUESA
I-VERGiLlO CORREIA -Un. túmuio Renascença. A sepultura de D. Luís da
t::rz"'''- ~ '-^ --^ ^^""^° ^ ^^- ''^-^ ^^ ^— -"vi
n - D CAROLINA MICHAELIS DE VASCONCELOS -Algumas palavras a respeito
de púcaros de Portugal. - Edição refundida e ilustrada. - Li. ZTsZo.
m - Index da Fazenda do mosteiro de Celas. Manuscrito de Fr. Bernardo J-Assunçáo
pubhcado e revisto pelo Dr. Teixeira de Carvalho.- . vol. broch 4C
IV-JOSÉ DA CUNHA TABORDA - Regras da arte da pintura, com breves refle-
xões cr.t.cas sobre os caracteres distintivos das suas escolas, vidas equadros
dos s .a,s Célebres professores. Escritas na língua italiana por Tchae
Angelo Prunett, e acrescida duma Memória dos mais famosos pintores por u
gueses e dos melhores quadros seus. - . vol. broch. Tiragem especial I :oZ
Em papel de algodão - 5^oo. "^^'
V-CYRILLO VOLK.MAR -MACHADO - Collecção de Memorias, relativas ás vidas
dos pmtores, e escultores, architectos, e gravadores por.uguezes, e est an.e os
^gnS C^er "^'"^" "^"^ ^ --- -- -• --- -^- e
A sair:
"Z ™''^^ '^^"^ - ^-^" - -'- - -'^^o, re^ndida e rev.ta
JOAQUIM MACHADO DE CASTRO - Opúsculos. ~
D. JOSÉ PESSANHA -Subsídios para a História das artes industriais em Portuga,
" tino'Lncr"^^ " '^ ^"^'■" ^"-- -"- 'e -- oPÍ"ion de, obispo
' '06TS>r'cont\''''^-^°'° '-''-''^ ^"-^- ^--^"^^ ^° Século xv„.
(.6.8 ,(:&) - Contribuição para a História da Gravura em Portugal.
VERGÍLIO CORREIA :
Artistas de Lamego.
Santa Cruz de Coimbra. - Artistas e obras de arte.
Artistas portugueses em Itália.
ANTÓNIO AUGUSTO GONCAI Vfq c- ♦ . • , -
Ens o exímio IPiiNTO]R,D©iirT® Cyriljlo» i
M. Scrvam. Pintou em 17,9Í
Queiroz G. dt S. A/a^fídc/' seu/p 'rmí8i3 '
Keprodnção do retmio que acompanha a i.» edição
SUBSÍDIOS PARA A HISTÓRIA DA ARTE PORTUGUESA
\^
COLLECCÃO DE MEMORIAS
RELATIVAS ÁS VIDAS DOS PINTORES,
E ESCULTORES, ARCHITETOS, E GRAVADORES
PORTUGUEZES,
E DOS ESTRANGEIROS,
QUE ESTIVERÂO EM PORTUGAL
RECOLHIDAS E ORDENADAS
POR
CYRILLO VOLKMAR MACHADO
SEGUIDAS DE NOTAS
PELOS
Dr. J. M. Teixeira de Carvalho
E
Dr. Vergílio Correia
COIMBRA
IMPRENSA DA UNIVERSIDADE
1922
^
EDIÇÕES
DA
IMPRENSA DA UNIVERSIDADE
(extracto do CATÁ'-0G0)
Publicadas;
ANSELMO BRAAMCAMP FREIRE - Livro primeiro dos Brasões da Sala de Sintra.
vo!. I. ,
Em papel Vergé ''','/ ,'/ . ^ -
DR. ANTÓNIO DK VASCONCELOS - Evolução do culto de Dona Isabel de Aragão,
esposa do rei lavrador D. Dinis de PortugaL 2 vols. broch. i4;!!>jo.
COELHO DA ROCH.V — Ensaio sobre a história do Governo e legislação de Portugal,
para servir de introdução ao estudo do direito pátrio. 7.' ed., 1 vol. broch. i*5o.
DR. ANTÓNIO JOSÉ TEIXEIRA— Documentos para a história dos jesuítas em Por-
tugal. I vol. broch. 2Í)5o.
António Homem e a inquisição, i vol. broch. iíi>5o.
MOTA VEIGA - Esboço histórico-literário da Faculdade de Teologia da Universidade
de Coimbra em comemoração do centenário, reforma e restauração da mesma Univer-
sidade efectuada p'los sábios Estatutos de 17^2. 1872, i vol. broch. Jbgo.
SIMÕES DE CARVALHO — Memória Histórica da Faculdade de Filosofia. 1872.
! vol. broch. j^90.
C.\S I RO KREIRE - Memória histórica da Faculdade de Matemática nos cem anos
decorridos desde a reforma da Universidade em 1772 até o presente. 1872, i vol.
bioch â>6o. .
MiRABEAU — Memória histórica e comemorativa da Faculdade de Medicina nos cem
anos decorridos desde a reforma da Universidade até o presente. 1872, i vol. broch.
090. . .
CAVALEIRO DE OLIVEIRA — Discours pathétique au sujet des calamites presentes
arrivées en Portugal. Em linho, 7;8>oo; em papel de algodão. 2;S>3o
A sair:
DAMIAM DE GÓES — Chronica do Felicíssimo Rei Dom Emanvel. Conforme a ed.
princeps, vols i e 11.
Chronica do Príncipe Dom loam. Conforme a ed. princeps.
ANSELMO BRAAMCAMP FREIRE — Livro Segundo dos Brasões da Sala de Sintra.
D. CAROLINA MICHAÊLIS DE VASCONCELOS- Estudos sobre a Lírica Camo-
niana. I — O Cancioneiro Fernandes Thomaz.
JOSÉ FÉLIX HENRIQUES NOGUEIRA — Estudos sobre a reforma em Portugal.
FERNÃO LOPES DE CASTANHEDA- Historia do descobrimento, e conquista da
índia. Rev. pelo sr. Pedro d" Azevedo.
CoMMENTARios DO Grande Afonso d' ALBUQUERQUE. Couforme a 2.» ed. Rev. e prefaciada
pelo Dr. António Baião.
BERNALDIM RIBEYRO — Hystoria de Menina e Moça. Conforme a ed. de Ferrara.
Ed. prep. por Anselmo Braamcamp Freire e prefaciada por D. Carolina Micaélis de
Vasconcelos. r ■ j i
Itinerários Quinhentistas da Índia a Portugal por Terra - Rev. e prefaciados pelo
Dr. António Baião.
GUILHERME DE AZEVEDO — Alma Nova.
RIBEIRO S.\NCHES - Cartas sobre a educação da mocidade. Rev. e prefaciada pelo
Dr. Maximiano de Lemos.
Pedidos á-IMPRENSA DA UNIVERSIDADE
COIMBRA
subsídios para a historia da arte portuguesa
V
COLLECÇÃO DE MEMORIAS
RELATIVAS ÁS VIDAS DOS PINTORES,
E ESCULTORES, ARCHITETOS, E GRAVADORES
PORTUGUEZES,
E DOS ESTRANGEIROS,
QUE ESTIVERÂO EM PORTUGAL
RECOLHIDAS E ORDENADAS
POR
CYRILLO VOLKMAR MACHADO
SEGUIDAS DE NOTAS
PELOS
Dr. J. M. Teixeira de Carvalho
E
Dr. Vergílio Correia
COIMBRA
IMPRENSA DA UNIVERSIDADE
1922
esta edição fez-se uma tirageni especial
de loo exemplares,
numerados e rubricados
COLLECÇÃO DE MEMORIAS,
relativas
a's vidas dos pintores, e escultores,
architetos , e gravadores portuguezes ,
E dos Estrangeiros , que esiiverão em Portugal ,
recolhidas, e ordenadas
POR
CYRILLO VOLKMAR MACHADO,
Pintor ao Serviço de S. Magestade.
O SENHOR D. JOÃ(3 VI.
LISBOA,
Na Imp. DE VicTORiNO Rodrigues da Silva.
ANNO DE 1823.
Calçada do Colleg-io N.° 6.
Eeproclução do Frontispício da 1.* edição
AVISO DO EDITOR.
PUBLicÁo-SE as Memorias, que á cerca dos Pintores, Es-
cultores, Architectos, e Gravadores Portuguezes, e
dos Estrangeiros que estiverão em Portugal; forão escritas
por Cyrillo Volkmar Machado, a quem a natureza dotou
de hum talento raro para exercitar a nobre Arte da Pin-
tura, e por onde veio a conseguir aquelles fins, a que huma
irresistivel inclinação chama muitas vezes os talentos
extraordinários a seguirem as applicações para que forão
destinados. Julgamos fazer á Pátria, e á Gloria Nacional
algum serviço publicando estas Memorias, que seu Author
recolheo com summo trabalho, e que a sua modéstia, e
natural encolhimento não ousou publicar em sua vida.
Ninguém poderá duvidar, que são entre nós mui escassas,
e até eneditas as noticias de todos aquelles Artistas, que
ennobrecêrão a Nação por meio de suas Obras, e quando
os Vasaris, Rafaeis Sopranes, Rossis, Leonardos d'Vinci,
e Palominos se occupárão em deixarem á posteridade hum
monumento precioso, e durável de todos aquelles homens,
que honrarão as Artes; tem havido entre nós o mais
ingrato silencio, não perpetuando a memoria de muitos
Portuguezes nellas insignes. Não alteramos em nada a
substancia, e a ordem destas Memorias, á excepção de
algumas pe^quenas observações á vida do Author, escrita
por elle mesmo. Os Sábios Artistas, os homens de gosto,
e amadores das bellas Artes não poderão deixar de ter em
grande conta huma obra que pelo seu objecto, e novidade
se faz merecedora da acceitação publica.
A
PREFACIO.
ESTIMAÇÃO que as gentes polidas, e de gosto delicado
tem feito sempre das boas pinturas, e d^outros objectos
da Arte, conduz naturalmente ao desejo de conhecer os seus
authores, e para os fazer conhecidos, e celebrados, tem-se
posto em uso todos os meios possíveis, sem exceptuar as
apotheoses. Elles tem sido louvados em verso, e em prosa,
e incensados com os epítetos de divinos; tem-se-lhes levan-
tado estatuas, e multiplicado retratos em estampas, meda-
lhas, pinturas, e esculturas; tem-se-lhes prodigalisado há-
bitos, commendas, titulos, magistraturas, e cargos os mais
honoriticos; ricas prebendas, rendas avultadíssimas, e toda
a sorte de prémios. Os homens mais doutos, e ás vezes os
mais eminentes em dignidades, tem composto em seu louvor
dísticos, epitáfios, elogios, e orações fúnebres: os funeraes
de alguns tiverão singular pompa e magnificência, e os
mausoléos de muitos excedem em riqueza, e primor de
desenho os dos das maiores personagens.
Mas persuadidos os seus admiradores de que tantas
honras não compensarião bem a que delles recebião; e
querendo talvez evitar para o futuro contendas, como as
que tiverão os Gregos sobre a verdadeira pátria de Homero,
costumáram-se a trocar seus próprios appelidos pelos das
suas pátrias, chamando-lhes Rafael d'Urbino, Ticiano de
Cador, Paulo Veronez, o Corregio, Pedro de Gortona,
Vasco de Viseu; Vieira Lusitano, &c. &c.
Não contentes ainda com estes, que a muitos parecerão
excessos, quizerão também primeiro reconhecer, e depois
indicar os caminhos por onde elles havião subido ao templo
da Immortalidade; a fim de que os vindouros pudessem
chegar com mais facilidade ao cume daquelle monte, ou
ao menos aproximareni-se muito a elle; e para esse fim
escreverão as suas vidas, e descreverão as suas obras.
Muitos forão os antigos que nisto se occupárão.: Parrha-
sio, Antigono, Senocrates, Pomponio Attico, Varrão, Juba
2.° Plinio, Plutarco, Laércio, Philostrato, Aristodemo de
Caria, Gallicrates, e outros.
Paulo Jovio foi hum dos primeiros entre os modernos
que intentou metter mão ao mesmo trabalho, e para o
fazer com acerto tinha dois grandes requesitos ; muita ele-
quencia, e muita sabedoria; mas como lhe faltava o mais
indispensável, isto he, a prática da Arte, de que era pre-
ciso fallar com critica, magistério, e linguagem particular,
desistio da empreza, e reconheceo que Jorge Vasari, como
bom artista, ainda que menos litterato, era mais capaz de
que elle para aquelle desempenho.
Gom effeito Vasari escreveo as vidas dos mais notáveis
pintores, escultores, e architetos que fíorecêrao desde o
meado do i3.° século até o anno iSôy, e publicou as suas
memorias em Florença em 3 volumes de 4.° com retratos.
Esta obra, apezar de alguns defeitos, teve logo, e tem tido
— 3 —
sempre grande acceitação; e ibi continuada por João Pedro
Bellori, Octávio Leoni, Leão Pascoli, e alguns mais.
Filippe Baldinucci, Florentino, também escreveo as vidas
dos pintores, e gravadores até 1670. Carlos Gesar Malvasia,
António Lambertini, José Guiduloti, João Pedro Zanoti, e
outros, escreverão dos pintores Bolonhezes, e fizerão estam-
par os seus retratos. Rafael Soprani, e Carlos José Ratti
tratarão dos artistas Genovezes; Bernardo Dominice dos
Napolitanos; Santagostini dos Milaneses. Redolíi dos Vene-
zianos.
Nem somente cada nação, mas cada cidade da Itália
quiz prezar-se de ter ^■isto nascer no seu seio alguns artistas
famosos; e Luiz Vedriani escreveo dos Modenezes, José
Montani dos de Pesaro, e Urbino; Leão Pascoli dos Peru-
ginos; Maífei, e Bartholomeo dei Pozzo dos de Verona;
Agostinho Superbi dos Ferrazeres; sem fallar d'outros
muitos por não abusar da paciência dos Leitores.
He muito para notar que só a Itália, ainda que circuns-
cripta por limites bastantes estreitos, tem creado mais, e
melhores artistas que todo o resto do mundo; e os authores
que tem dado o nome de escollas aos modos de pintar das
diversas nações, reconhecem fora da Itália só quatro es-
collas, que são a Alemã, a Flamenga, a Hollandeza, e a
Franceza; e dentro delia seis: a Romana, a Florentina, a
Veneziana, a Lombarda, a Genoveza, e a Napolitana. Elles'
unem a Hespanhola com a de Nápoles, e a Ingleza com a
de Flandes.
Cada huma destas escollas tem certos signaes caracte-
rísticos : a Romana, que reconhece por chete a Rafael, e
em cujo território se conservão ainda os soberbos, e bellis-
— 4 —
simos restos da grandeza Romana, e da sciencia dos Gregos,
destingue-se pela elevação, e nobreza das idéas, magnificas
composições, grandioso, elegante, e correto desenho. Flo-
rença, que foi o berço da arte na sua segunda infância, e
que deo o ser a tantos" homens famosos, e ao Bonarota ;
que vale por muitos, também se distingue na magestade
das suas invenções, e na regularidade, e sciencia do dese-
nho. A escola Veneziana, que reconhece por seu mestre
o Ticiano, tem-se como elle, singularisado pela belleza do
colorido; engenhosas invenções, e toque espirituoso. A
Lombarda, bafejada sempre pela graça do Corregio, he
estimada pelos contornos correntes, e elegantes; pela scien-
cia do claro-escuro; bello colorido; nobre expressão; e
tem sido a mais fecunda em grandes homens. Os Pintores
Genovezes, e Napolitanos, variavão muito os seus estilos,
seguindo cada hum aquella escoUa que melhor lhe parecia.
Lucas Cambiaso, e o Baccici fazem muita honra a Gé-
nova, assim como Salvador Rosa, Lucas Jordão, Solemena,
e Conca dão muito credito a Nápoles.
Em quanto ás escolas d'aquem dos montes, o signal
característico da Alemã, fundada por Alberto Durer, he a
imitação da natureza, tal como ella se appresenta á nossa
vista, sem fazer escolha do que he mais digno de ser pin-
tado. A Escola Flamenga, que se jacta de ter visto florecer
hum Rubens, e hum Vandyk, he forte no colorido, na
sciencia do claro-escuro, n'hum pincel pastoso, e suave ;
mas copiando também o natural do seu paiz sem a melhor
escolha. A HoUandeza destingue-se mais pelo asseio, e
excessiva paciência, que pela nobreza, e dignidade dos
assumptos ; mas o collorido de Rembrandt acredita muito
— 5 —
esta escola. A Ingleza he tão pequena, principalmente em
Pintores do grande género, que á maior parte dos Biógrafos
esqueceo de a nomear : o seu forte são os retratos ; e Rey-
nolds, e Owest. são os seus Pintores mais acreditados. A
Escola Franceza póde-se vangloriar de haver creado hum
Poussin, e hum LeBrun ; assim como a Hespanha hum
Valasques, e hum Murillo. Sandrart, Vander-Meulen, Des-
camps, Houbraken, Wauwermans, S. Palmer, Malone, e
outros, escreverão as vidas dos Pintores do Norte: Felibien
d'Argenville, De Pilles, etc. as dos Francezes ; Palomino,
Ponz, Bermudez, as dos Hespanhoes.
Temos dado huma breve noticia das diversas Escolas,
e dos Authores, que escreverão as vidas dos seus allumnos;
mas nenhum escriptor tem fallado atégora da Escola Por-
tugueza. Este vácuo que se acha na historia geral da Arte,
pareceo mal ao Arcebispo d'Evora D. Fr. Manoel do Cená-
culo, e parece segundo o seu modo de se exprimir em algu-
mas das suas obras, que de boa vontade o encheria senão
se achasse embaraçado nas mesmas difficuldades, que ser-
virão de obstáculo a Paulo Jovio.
Outro sábio, o Desembargador António Ribeiro dos
Santos, Bibliothecario Régio na Livraria Pública, animado
pelo mesmo espirito, recolheo as memorias que pôde en-
contrar dos nossos Artistas; e no fim do ultimo século,
sabendo que nós faziamos as mesmas diligencias, nos man-
dou generosamente offerecer a sua collecção.
He também muito digno dos nossos elogios outro Varão
tão conhecido dos sábios, como presado dos Artistas : O
Thesourefro Mór da Insigne e Real Collegiada de Santa-
rém, Luiz Duarte Villela da Silva, tem feito resurgir dos
— 6 —
Cartórios do Reino muitas memorias sobre esta matéria,
que alli jazião como sepultadas.
Hum Artista bem conhecido, José da Cunha Taborda,
Pintor ao Real Serviço de Sua Magestade, também fez
grande sacriticio de tempo precioso, penosos trabalhos, e
consideráveis despezas para dar ao prelo as Memorias que
publicou em i8i5.
Ha 3o ou mais annos que, desejando nós satisfazer a
própria curiosidade, e também a dos estimadores da Arte,
que nos consultavao sobre esta matéria, começamos a en-
trar nestas indagações; e já em 1794 tínhamos hum Catha-
logo sufficiente para que hum sábio, e grande da Corte,
nos persuadisse a que o mandássemos imprimir : Fazendo
depois novas acquisições, e tendo amontuado hum certo
volume de materiaes, que dispersos, e perdidos, não se
tornarião facilmente a reunir, tomámos a resolução, (pelo
amor que professamos á Arte, e á Pátria) de os publicar
na melhor ordem possível, para que no tempo futuro possão
servir de guia a algum Artista mais aballisado, que intente
aperfeiçoar este trabalho.
Parece-nos justo indicar as fontes d'onde derivarão estas
noticias : Alem de Palomino, Bermudes, Abecedario pictó-
rico, e outros livros que todos conhecem, consultamos
alguns M. S. menos conhecidos; e vem a ser: Antiguidade
e nobreza da Pintura por Félix da Costa 1696. O Tratado
da Pintura de Francisco d"Hollanda. Relação dos Pintores
e Escultores que florecêrão no século de 1700, de que ha
obras publicas, escripta por Pedro Alexandrino de Car-
valho.. Este cathalogo foi solicitado por D. José Cornide,
da Real Academia da Historia de Madrid; e pelos DD. Nar-
— 1 —
ciso Heredea, e D. Manoel Carrilho, que nos fins do século
viajarão em Portugal por ordem da Corte de Hespanha,
para recolher meniorias de Artistas, e de obras notáveis
das boas artes. Sylva laudatoria da Pintura, em que Fran-
cisco Xavier Lobo elogia os bons Pintores, Escultores, e
Architetos do século i8. Noticia de todos os Pintores, etc,
que com Protecção Regia forao estudar em Roma, por
intervenção do Intendente Geral da Policia, Diogo Ignacio
de Pina Manique nos fins do século i8, escrita por José
da Cunha Taborda. Outra noticia sobre a mesma matéria,
dada pelo Cavalheiro Arcangelo Fosquini. Memorias de
muitos pintores, cujos nomes se achão nos livros da Irman-
dade de S. Lucas, com as datas do tempo em que assen-
tarão por Irmãos, em que servirão em meza, e ás vezes
do em que fallecêrão; começando em 1607, e acabando
em 1794. Por estes livros verificámos os verdadeiros nomes
de algnns que andavão errados na tradição, e os tempos
em que quasi todos florecêrão.
Além das noticias escriptas tivemos outras, que nos
derão de viva voz os Pintores antigos, como José Carvalho
Rosa, Jeronymo de Andrade, Simão Caetano, Pedro Ale-
xandrino, José António Narciso, Francisco Gomes, e ou-
tros. Joaquim Carneiro deo-nos todas as noções relativas
á instituição das aulas do desenho, e gravura que elle
dirigio. João Paulo fez-nos scientes do que tocava á aula
dos estuques. António Joaquim de Figueiredo, do que per-
tencia á aula do desenho, e gravura do Arsenal Real do
Exercito. António Fernandes Rodrigues da aula do desenho
do Castello; Joaquim Marques, e Luiz António da escola
da fábrica das caixas. Alexandre Giusti, Alexandre Gomes,
— 8 —
o caTalleiro Barros, Braz Toscano, e Joaquim António de
Macedo derão-nos noticias das aulas de desenho e escul-
tura, estabelecidas em Mafra, e em Lisboa; nem ha Artista
que não tenha alguma parte nesta pequena obra, porque
todos nos derão de muito bom grado as informações que
estavão ao seu alcance, sobre esta matéria de que se trata.
Esta obra será dividida em 3 partes. Na i.* trataremos
dos Pintores propriamente ditos. Na 2.* faremos menção
dos Architectos, e Pintores de arquitetura, e ornatos, de
paizagens etc. Na 3.^ fallaremos dos Escultores, e Grava-
dores, etc.
PARTE PRIMEIRA.
Das Vidas dos Puitores.
ESTA divisão pareceo-nos commoda, e natural, e por
isso a seguimos; e nem se entenda que damos preferen-
cia aos que vão na i. aparte sobre os da 2.* ou 3.* A Arte
he similhante a huma frondosa arvore, tem tronco, e tem
ramos mais, e menos elevados, e vemos ás vezes dos menos
altos sahirem dos ramos mais rasteiros fructos preciosos.
Hum Bacarelli, hum Lourenço da Cunha hum Piilement
que collocamos na 2.* parte. Manoel Pereira, José de Al-
meida, Joaquim Carneiro, e Bartolozzi que vão na 3.*, são
mui superiores em merecimento a Francisco Pinto, José
Caetano, Francisco de Setúbal, e muitos outros que acharão
lugar na i.** parte.
Brevíssimas observações sobre a origem
e progressos da Pintura.
Os Historiadores não concordão sobre o tempo em que
a pintura fora inventada; mas podemos suppôr que no es-
tado de grande imperfeição nunca deixou de existir. Bem
— IO
sabem todos que os viajantes modernos a tem achado entre
os mesmos povos brutos, e sal vagens.
Os Egypcios, desde os tempos mais remotos fizerao uso
da Arte; e ainda se encontrão naquelles paizes, columnas,
paredes, e múmias ornadas com pinturas, e doiraduras,
conservando-se as tintas frescas, e brilhantes. Elles conhe-
cião seis cores; branca, azul, amarella, preta, encarnada,
e verde, perfilavão com preto sobre apparelho branco, e
usavão as tintas inteiras.
No Palácio d'Osimandias estava pintada a sua expedição
contra os Bactrianos, e outros combates, e triunfos.
Também fallão os Authores em painéis esmaltados, que
Simiramis mandara pintar nos muros de Babilónia.
Nas ruinas de Ispahan ainda se via, ha poucos tempos,
hum moisaico com i8 ou 19 figuras, de que temos o dese-
nho, representando a marcha para hum sacrifício.
Cleantho, e Aristides de Gorintho, e Thelefano de Si-
cyonia, que viviao antes da guerra de Troj^a, forão talvez
os primeiros Pintores Gregos de que as historias fazem
menção; mas Pintores taes, que sem hum letreiro nimguem
adevinharia se a figura pintada por elles era de homem ou
de mulher. De tão baixos princípios foi a Arte subindo
pouco a pouco até a 94. '"^ Olimpiada; tempo em que Apo-
lodoro abrio a porta aos belos dias da Pintura, excedendo
muito os seus antecessores; e o que mais he, louvando
sem inveja, e sem ciúme Zeuis, seu rival, que o excedia.
Depois delle florecêrão os mais raros Pintores que vio o
Universo ; Thimantes estabeleceo a perfeita Symmetria, e
deu mais vida e acção ás figuras ; Parrhasio animou as
expressões; Zeuis excedeo a todos no colorido; Pamphilio
— II —
na composição ; Eufranor no caracter competente a cada
personagem; Aristides nas paixões d'alma; Necophanes na
sábia destribuição da scena do quadro; e Apelies na reu-
nião de todas as bellezas combinadas com a graça. Este
homem único confessava ingenuamente, que muitos dos
seus competidores o excediao em alguma parte essencial
da Arte ; mas nenhum possuio tantas em gráo tão superior
como elle.
Os progressos das sciencias fazem-se por degráos des-
postos em linha circular: quando se chega ao mais alto
todos os outros passos tendem para a decadência; e assim
aconteceo aos successores de Apelies, que querendo passar
adiante introduzirão brilhantes falsos, e novidades inúteis;
e quanto derão ao supérfluo tirarão ao essencial.
Na Grécia porem, apezar da declinação, conservou-se a
Arte bastante tempo com muito esplendor, e communicou
as suas luzes ao Império Romano, á Ásia, e ao Egvpto.
Seguio-se depois o domínio das Nações Barbaras, que
sendo feridas de cegueira pela mais crassa ignorância ; pa-
rece que lhes faltou a visão intencional, como falta aos
brutos ; de sorte que a perícia na Arte chegou a perder-se
de todo: bem se entende que esta perda não procedeo
tanto da inércia dos artífices, como da estupidez do vulgo
a quem elles percisavão agradar para subsistir. Quando
o publico he illustrado, cada hum trabalha para ser o mais
sábio; mas quando o não he, estuda cada qual o modo de
ser o melhor impostor.
A restauração da Arte começou pelo mesmo tempo em
que principiou a Monarchia Portugueza ; e os nossos His-
toriadores fazem menção não só de algumas ílluminações.
— 12 —
e retratos do tempo de D. Afíonso I., mas também de hum
painel da tomada de Lisboa, que se conservou na Igreja
dos Martyres até o tempo do terremoto.
A Pintura, mesmo na Itália aonde renasceo, hia fazendo
vagarosos progressos. João Gimabue pelo meado do sé-
culo i3.° excedeo alguma cousa os seus ignorantíssimos
Mestres, que de Constantinopla tinhao sido chamados a
Florença; e teve a fortuna de achar hum efficaz protector
na pessoa de Carlos d'Anjou Rei de Nápoles, o qual se
dignou de ir a sua casa ver o quadro de Nossa Senhora,
que elle estava pintando para a Igreja de Santa Maria a
Nova; para onde o fez conduzir em pompa triumfal que
acompanhou, com todo o povo, ao som de bellicos instru-
mentos: e a esta honra, dizem os Escriptores, deveo a Pin-
tura boa parte da estimação que depois teve ; e por conse-
quência dos progressos que fez.
Giotto, seu discípulo, pintou bem os retratos, e deitando
as roupas nas figuras com melhor gosto, lhe deo tal, ou
qual movimento próprio das acções que devião representar.
Estevão de Florença, e Pedro Laurati íizerão menção
das formas do nú debaixo dos vestidos : Thaddeo Gadi
colorio melhor, e exprimio as paixões d'alma.
Massolino deo ás suas figuras mais graça, vida, e ex-
pressão; e Massaccio, seu escolar, no século i5.° fez sahir
a arte da infância em que tinha estado, e inventou hum
estilo novo; tanto pela escolha das attitudes, verdade, e
poucas dobras nos pannos, como pela sciencia, e elegância
do desenho, e correcção dos escorços : sendo o primeiro
que plantou bem as figuras, escorçando os pés, para que
assentassem no chão. Fez pouco apreço de si em quanto
— i3 —
viveo; mas depois de morto, Annibal Caro, e Fábio Segni
lhe compuzerão lisongeiros epitáfios ; dizendo o primeiro
— a Bonarota que ensinasse embora a todos os mais, mas
que aprendesse delle ; e o segundo reprehendendo a Parca,
porque cortando a vida daquelle Pintor tirava o ser a muitos
Apelles, e apagando aquella luminária extinguia a luz de
todos os outros.
Entretanto tinhao os Florentinos eregido liuma Confraria,
que era juntamente Academia; novidade que foi mal imi-
tada pelos artífices Francezes em iSgi (dizemos artifices
porque não havia alli naquelle tempo professor algum de
desenho, que merecesse ser chamado Artista.) Elles se
encorporárão debaixo de huma bandeira, e depois obtiverao
grandes privilégios de Carlos 7.*', e Henrique 3.*^
João de Bruges, Pintor Flamengo, e Conselheiro do
Duque de Borgonha, pelos fins do Século xiv. achou o
modo de pintar a óleo; e esta invenção foi huma das mais
vantajosas para a Arte.
Em quanto a Pintura se divulgava pela Europa, também
hia fazendo algum progresso em Portugal ; e Fr. Luiz de
Souza falia de huma adoração dos Reis mandada fazer por
ElRei D. Diniz para o Convento de S. Domingos de Lisboa.
Ao retrato de D. Aftbnso 4.° disse Faria e Sousa, que se
devia dar credito, porque elle mesmo se havia mandado
retratar ao natural, com os seus Antecessores. Estes e
outros retratos dos nossos Monarcas passarão para a Hes-
panha no tempo dos Filippes.
A Bandeira de Lisboa no Reinado de D. João 1 .° tinha
huma pintura de S. Vicente, Protector da nossa Capital ;
e consta que esta Bandeira fora arvorada por João Vas-
— í4 —
quês de Almada no Castello de Ceuta, quando o mesmo
Rei tomou aquella Cidade. O Infante D. Henrique mandou
retratar D. Fernando o Santo, seu Irmão, no retábulo da
sua Capella na Batalha. No Convento de S. Eloy em Lis-
boa esteve muitos annos hum retrato pintado em taboa,
da Infanta D. Catharina filha de ElRei D. Duarte, que fal-
lecêra em 1436, mandado pôr alli sobre o seu tumulo, pelo
Cardeal d'Alpedrinha de que fora Discípula, e Confessada.
Nuno Gonçalves, ainda que em tempo mui bárbaro, diz
Francisco d'Hollanda, pintou com louvável diligencia o
altar de S. Vicente na Sé de Lisboa, e hum Senhor atado
á columna na Trindade. Hum certo João Annes, teve Carta
de Pintor do Rei D. AtTonso 5." em 1454. Gonçallo Gomes,
Braz d' Avelar N. Danzilha, André Gonçalves, e outros
servirão D. Manoel, e D. João 3." António Maciel Pintor
de Vianna, retratou em iSgo. D. Fr. Bartholomeu dos
Martyres ; mas se he seu, como se diz, o retrato daquelle
Prelado, que está na Portaria de S. Domingos, era muito
máo Pintor.
Também fazem menção os Historiadores de dous Por-
tuguezes illustres que por curiosidade se dedicarão com
feliz êxito á nossa Arte, naquellas eras: forão estes Garcia
de Re.sendo moço da Camará de D. João 2.°, que foi bom
desenhador; e Braz Pereira filho de Fernando Brandão,
Guardaroupa do Infante D. Fernando.
Por aquelles mesmos tempos se illuminárão na Itália
huns livros, que ElRei D. Manoel deo aos Padres de
Bellem.
Na Itália continuavão os rápidos progressos. Domingos
Ghirlandaro, Florentino achou os princípios da boa dispo-
I D
siçâo, e do desenho mais correcto. O colorido hia melho-
rando muito na Lombardia, e em Veneza, por meio dos
Bellini, e do Mantenha, o Perugino tinha graça, e facilidade:
só faltava passar da natureza vulgar á sublime, e Miguel
Angelo estudando algumas obras dos antigos, ousou arvo-
rar o estandarte para conduzir os Artistas por aquelle
magestoso caminho. Quiz a boa sorte, que os talentos mais
raros encontrassem os Principes mais magníficos, e illus-
trados para os empregarem em obras de grande sciencia,
e vastidão.
Rafael, na Escola de Athenas reunio quasi todas as
perfeições, que ainda se podiao ajuntar á Arte; e se algu-
mas lhe faltarão forão postas em uso pelo Ticiano, e pelo
Corregio : de sorte que desde o melhor século dos Gregos,
que foi o de Alexandre, nunca a sciencia do Pintor tinha
subido a hum gráo tão eminente; mas conservou-se pouco
tempo naquella ellevação; e teria cahido de todo, se os
Caraches lhe não dessem a mão para a sustentar. Como
a imitação daquelles grandes homens, era a mais bella, e
mais nobre que a realidade, começarão os seus discipulos
a estudallos tanto, que se apartarão muito da imitação da
Natureza, e vierão a cahir em maneiras affectadas : os
sequazes de Miguel Angelo imitarão apenas a arrogância do
seu estilo; e cada hum dos discipulos de Rafael, se o igualou
em alguma parte, íicou-lhe inferior em muitas outras.
Naquella época introduzirão também o estilo grandioso
Affonso Berrugheto na Hespanha, e António Campelo em^
Portugal ; porque o Vasco, ainda que grande no saber,
sempre usou o estilo seco, e mesquinho dos Góticos. Co-
meçávamos a florecer muito quando aconteceo a perda
— i6 —
desgraçada de ElRei D. Sebastião, a que se seguio o capti-
veiro de 6o annos, e as guerras obstinadas da Restauração
que nos reduzirão a maior indigência. Os Francezes en-
tretanto fundarão a sua famosa Academia de Pintura, para
evitar a perseguição dos pertendidos artistas, successores
daquelles que se havião embandeirado em iBgi; os quaes,
em virtude dos seus privilégios, pertendião que LeBrun, e
os outros grandes homens, ou não usassem, ou se encor-
porassem com elles.
Na mesma era deitava Murilho os fundamentos da Aca-
demia de Sevilha, bastante fértil em génios felices; mas os
tristes Portuguezes tinhão de ir buscar fortuna na Corte
de Hespanha, e talvez não teriamos noticia delles se Palo-
mino, e outros Biógrafos Castelhanos não no-los dessem
a conhecer. Os que cá ficarão erigirão a Irmandade de
S. Lucas na Annunciada aonde vivia Soror Margarida de
S. Paulo, famosa em virtudes, letras, e bellas Artes. Simão
Rodrigues, Luiz Alvares de Andrade, Fernão Gomes, Do-
mingos Vieira, e outros, que erão Juiz, Mordomos, e Ir-
mãos do dito Santo, (de que se collige que havia já huma
espécie de Confraria), comprarão ás Religiosas daquelle
Convento huma Capella por 400Í? réis, de que ha escri-
ptura feita pelo Tabellião Marcos de Oliveira. Fez-se o
Compromisso em 26 Capítulos, que foi assignado por Gre-
gório Antunes, Luiz Alves de Andrade, António Soares, e
António Simões de Solis; e approvado pelo Arcebispo de
Lisboa D. Miguel de Castro, em 6 de Outubro de i6og.
No Capitulo i.° mandava-se acceitar por irmãos Pinto-
res, Escultores, Architetos, e Desenhadores, sendo pessoas
de bom comportamento. O 2.° e os quatro seguintes tra-
— 17 —
taviÃo de devoções e regimen. O 7.° mandava apaziguar
contendas, e evitar demandas entre os irmãos, condemnando
os obstinados em alguns arráteis de cera. O g.*' e o 10.'^
indicavâo os meios para haver dinheiro, e o modo de o
bem guardar. O 11." mandava que se visitassem os enfer-
mos para os exortar a que se confessassem, e soccorrêlos
se fossem pobres. Pelo 12.° se mandava pagar até 12 cru-
zados, se algum irmão, pelos dever, estivesse prezo. O i3.°
ordenava que se soccoressem as viuvas, e casassem as
órfãs, dando-lhes a Meza 10 cruzados, e cada irmão hum
cruzado. O 14.° e seguintes tratavao de suffragios : Os
17-22 erão relativos ao regimen da Irmandade. O 23.'' or-
dena a festa da Senhora do Populo. O 24." e 25. '^ trata-
vao de covaes; e o ultimo condemnava o procurador a
pagar a metade das dividas, que por sua omissão senão
cobrassem. Não tratavao de Academia nem de melhora-
mento da Arte; e esta he a maior prova do abatimento
em que ella se achava.
A guerra da successão seguio de perto a da independên-
cia, e só depois da paz de Utreck em 1713 he que se pôde
cuidar em sciencias, e bellas artes; e com eífeito estabele-
cêrão-se no Reino algumas Academias de Historia, Poesia,
e Geometria. A pintura não esqueceo, e ElRei mandou a
Roma alguns estudantes; outros forão á sua custa, ou
encostados a grandes personagens.
Faltava porém huma Academia da Arte em Lisboa, e
ouvimos dizer que Francisco Vieira, e André Golçalves
quizerão dar principio a ella; mas o povo rústico sabendo
que se havia de expor alli hum homem nú para ser co-
piado, apedrejou as janellas da casa, e foi preciso ceder.
— i8 —
Pelos annos 1780, tendo nós desejado ter em Lisboa hum
estudo do nú como tínhamos visto em Sevilha e Roma,
pedimos, e obtivemos algumas salas do Palácio de Gregório
de Barros e Vasconcellos, junto á Igreja de S. José, e as
mobiliámos com quanto era necessário para o intento; e
convidámos os mais Sábios Artistas para dirigirem os es-
tudos, e a todos os outros mais para se aproveitarem
delles. Achar hum homem que se quizesse despir para
estar a modelo foi empreza dificultosa : falíamos nisso a
muitos, mas como o convite lhes parecia huma affronta, as
respostas erao não só negativas, mas também insolentes.
Com maneiras estudadas, e offertas liberaes se ajustou hum
homem de ganhar, o qual cumprio três ou quatro noites;
mas quando os seus camaradas o souberão, derão-lhe taes
vaias, e tratárão-no tão mal, que o pobre homem desappa-
receo; mas achou-se outro, e o estudo proseguio sem inter-
rupção. O novo estabelecimento foi muito applaudido de
huns, e perseguido por outros, como tem acontecido em
toda a parte. O Duque de Lafões mandou alli o Abbade
Corrêa, e seu irmão Joaquim José Corrêa (i), a offerecer
a sua alta protecção, e tudo quanto estivesse em seu poder,
a fim de cimentar, e conservar aquella Academia. Iguaes
offertas fez também Joaquim Leonardo da Rocha, da parte
do Marquez d'Alorna: em geral, toda a Corte se mostrou
propicia ao melhoramento da Arte.
A abertura da dita fez-se no dia 16 de Maio de 1780, e
(1) Era Desenhador, Arquitecto Civil e Militar, pelos annos 1700
foi para o Brazil com patente de Major de Engenharia, e lá morreo
sendo ainda raoço.
— 19 —
nessa occasiao repetio o Erector hum breve discurso exhor-
tatorio, eni que dizia em substancia aos seus Collegas «Se
nós, que professamos e amamos estas bellas Artes, não as
socorrermos, e exaltarmos quem devemos esperar que o
faça ? os que as ignorão, ou as desestimão ? — Somos pou-
cos, e débeis, mas se começarmos a vencer os obstáculos,
o partido que vence sempre acha sequazes, e protectores,
e em pouco tempo as veremos triumfar. — Se formos tão
felices que o consigamos, a Pátria nos reconhecerá por seus
filhos beneméritos; a honra, e o interesse Nacional nos
ficará em grande obrigação; e a Historia celebrará com
applauso, e com justiça os nossos nomes; os vindouros nos
serão devedores dos progressos que bem lhes podemos
prognosticar, supposto o grande talento natural que ha nos
portuguezes.
Tudo se nos facilita, e nos enche das mais bem fundadas
esperanças: hum Fidalgo generoso, e sábio lhes abre as
portas para as receber em sua casa; os Grandes lhes offe-
recem protecção, e subsídios; a Nossa Soberana, e suas
Augustas Irmãs, se entretém tanto com ellas como se as
professassem: e poderíamos nós desejar mais felices aus-
pícios, mais ditosos presagios? — Se fizermos progressos,
se nos conduzirmos com zelo, e patriotismo, havemos de
achar muito favor em Sua Magestade. íkc. &c.
Achárão-se na Academia Joaquim Manoel da Rocha,
Joaquim Carneiro da Silva, Joaquim Machado de Castro,
e muitos outros Professores e Alumnos das três Artes, e
também alguns Amadores, entre os quaes Thimotheo Ver-
dier. Sábio em Arquitectura, Guilherme Hudson, e outros
Inglezes, e Francezes : o número total foi de 5i pessoas.
— 20 —
Joaquim Carneiro, por insinuação do Padre Mestre Fr.
José da Rocha, Dominico, que tinha toda a influencia na
Meza Censória, traçava então, como depois soubemos, hum
plano para a Aula do Desenho, que veio a abrir-se no anno
seguinte: contava elle já com Joaquim Manoel da Rocha,
para occupar a cadeira da Figura, e por esse motivo rece-
beo mal o convite que lhe fizemos para entrar em a nova
Academia, e até parece que não fora a ella senão a fim de
a derrubar; porque pouco tempo depois da abertura, ale-
gando pretextos mui frívolos, declarou aos seus amigos, e
discípulos, que não tornaria mais áquella casa, e todos
elles o imitarão; e como as despezas das luzes, e salário
do modelo, erão feitas á custa dos que frequentavão, con-
tribuindo cada hum com Soo rs. mensaes; faltando as con-
tribuições acabava-se a Academia.
Tinha-se determinado que os mezes de Julho, e Agosto
fossem de ferias; e ainda que o Erector na sua tentativa
não tivesse em vista mais que o estabelecimento de hum
estudo bom, e necessário, agora achava também a sua
honra compromettida naquella desordem : Huma Acade-
mia fallecida em tão tenra idade, deveria parecer hum
aborto; e para conservar-lhe a vida resolveose a acceitar
os donativos que os Fidalgos, e as pessoas ricas, e gene-
rosas tinhão offerecido, e abrio a subscripçao; declarando
porém que senão acceitaria a cada assignante mais dos
36oo rs. annuaes, que pagavão os Artistas. Assignárão
Manoel de Lorena, o Conde de Villa Nova, o Marquez
dAlorna, o Conde de Assumar, o Marquez de Gouvêa, o
Conde d'Atalaya, o Principal Miranda, o Conde, e a Con-
deça de Vimieiro, Agostinho Francisco de Larre, Anselmo
21 —
José da Cruz, Guilherme Hudson, e assignarião todos,
porque todos querião concorrer para aquelle público bem,
mas Pedro Alexandrino fallou com energia contra esta
medida, dizendo ser cousa vergonhosa para os Artistas não
se atreverem elles a fazer huma despeza tão limitada, e ser
para isso necessário incommodar os Grandes da Corte;
que se escolhessem tantos Professores quantos fossem os
mezes de estudo annual, e cada hum delles governasse, e
fizesse a despeza no seu mez.
Este parecer foi desapprovado pelo maior número, e
tivemos de proseguir nas assignaturas; porém espalhou-se
o boato de que os administi adores da Academia poderião
utilizar-se de algum dinheiro, íoi então que o Erector fez
propósito de não acceitar nada a ninguém, e de sustentar
a Academia á sua custa em quanto pudesse : com effeito
fez a nova abertura no dia 18 de Setembro, e a ella assis-
tirão Francisco Vieira Lusitano, e Ignacio de Oliveira Ber-
nardes, como Directores do desenho, e estudos do nú, e
Simão Caetano Nunes como Director da Perspectiva, Geo-
metria, e Arquitectura: perparou-se também huma sala
para nella se desenharem gêços, e estampas de figura, e
ornato.
Os estudos sendo então mais amplos, e mais variados
concorrião a elles não só Pintores, Escultores, Arquitectos,
e Abridores; mas também Entalhadores, Ourives, Mestres
d'obras. &:c. &c..
O Padre João Chrisostomo desapprovou hum procedi-
mento que tornava particular, e de hum só, huma Acade-
mia que devia ser, e chamar-se de todos; e offereceo-se ao
-Erector para associar com elle: o mesmo fizerão Simão
— 22 —
Caetano Nunes, e o Fidalgo dono da casa. Como se hia
seguir, pouco mais ou menos, o S3-stema proposto por Pe-
dro Alexandrino, pareceo justo convidallo de novo para a
sociedade, porém elle receando ficar mal com o partido da
opposição, não quiz acceitar.
O Erector, com approvação dos seus Sócios, convidou
também Francisco José de Setúbal, e Jerónimo de Barros:
ambos acceitárão; mas não forão úteis á sociedade, o pri-
meiro contribuio com a sua quota parte; mas sendo amigo
de intrigas usou delias com ambos os partidos, e retirou-se
intempestivamente, o segundo tratou a cousa com muito
pouca seriedade. Esta associação começou em 23 de Outu^
bro, e durou hum anno.
A Academia era cada vez mais frequentada, e mais
applaudida, porem no melhor tempo, morrendo Gregório
de Barros, faltou a casa, e foi preciso suspender os estudos.
Antes do nosso estabelecimento parecia aquella erapreza
a huns impossível, e a outros difficultosa; mas depois faci-
litou-se tanto, que se fez o estudo nú, também em Mafra,
na Fabrica das caixas, em casa do Intendente aos Anjos,
e ultimamente na rua dos Camillos.
Diogo Ignacio de Pina Manique tinha fundado, com Bene-
plácito Régio, a Casa Pia do Castello, aonde entre outros
estudos teve lugar o Desenho, e escolheo para Professor
delle António Fernandes Rodrigues, o qual no dia 23 de
Abril de 1781, dia da abertura da sua Aula, recitou huma
Oração Académica.
Nella felicitava a Nação Portugueza, e os -Alumnos da
Aula; aquella, porque entre os tumultos da guerra em que
se achavão envolvidas outras Nações, gosava as vantagens
— 23 —
de huma tranquilla paz; e estes porque felizmente vivião á
sombra de tão boa protecção. Dava-lhes depois huma idéa
da Arte, e trazia á memoria alguns dos muitos que por
ella havião subido a grandes honras e felicidades. » A' vista
pois destes exemplos concluía elle, enchei-vos de esperan-
ças. Tendes Mecenas, tendes Mãe Protectora, compassiva
e liberal, de quem deveis esperar todo o favor, se fizerdes
na Arte aquelles progressos que anciosamente vos desejo.»
Tentou depois o mesmo Magistrado, o restabelecimento
da Academia do nii; e para a direcção delia foi elle mesmo
pessoalmente convidar os Lentes do Desenho das Aulas
Regias, que erão Joaquim Manoel da Rocha, Joaquim Ma-
chado de Castro, e Joaquim Carneiro da Silva. Também
convidou o da Aula do Castello; e recebendo algum tempo
de visita a Pedro Alexandrino, lhe fez o mesmo convite.
Abrio-se pois a Academia pela terceira vez em casa do
mesmo Intendente, aos Anjos, em a noute da Segunda
Feira 17 de Outubro de lySS, e alli se fez huma espécie
de ensaio por duas semanas, em quanto se preparava na
Rua dos Camillos o sallão que tinha servido de livraria
aos ditos Padres,
No espolio de Joaquim Carneiro, achou-se hum manus-
crito feito por elle, com duas datas differentes, que pare-
cem suppostas. O seu titulo he «Estatutos da Regia Aca:.
demia Ulyssiponense de Pintura, Esculptura, e Architectura,
debaixo do Patrocinio do Evangelista S. Lucas» Julgamos
terem sido feitos para esta Escola, tanto mais, quanto
havíamos ouvido dizer a António Fernandes alguma cousa
a esse respeito.
Por aquelle tempo chegou de Roma Eleuterio Manoel
— 24 —
de Barros, conduzindo o grande painel de Battoni, e entrou
também no corpo da Direcção. Em tanto falleceo Joaquim
Manoel da Rocha em Dezembro de 1786, e juntando-se os
Directores, por convite do Intendente para lhe darem hum
successor, votarão no Author destas memorias. Na mesma
conferencia propoz Pedro Alexandrino, que se repartisse o
trabalho da Direcção por mais alguns, e lembrou o Padre
João Chrysostomo para Director em Escultura, e Joaquim
José de Barros, então principiante, mas já bom Escultor,
para substituto. Joaquim Machado de Castro também pro-
poz Francisco de Setúbal para Director, e Faustirwo José
seu Discípulo para Substituto.
Estas eleições forão noticiadas aos eleitos por huma cir-
cular datada de 19 de Dezembro de 1787, pela qual José
Rodrigues Lisboa, Administrador da Casa Pia os convidava
em nome de Intendente, no caso de acceitarem, para assis-
tirem á Secção Académica, que no dia 24 se havia de cele-
brar na mesma Casa diante da Nobreza, e Corte. Todos
acceitárão, á excepção do Padre João Chr3^sostomo, o qual
para se escuzar allegou razoes que derão motivos ao Dis-
curso Apologético, escripto, e espalhado por hum Anónimo,
em que affirmava que sendo o Padre prudente, e discreto
não podia ser author daquella escusa, que algum génio
maligno calumniosamente lhe queria imputar. O Padre
deo a esta satyra huma resposta também satyrica. Fez-se
a Secção Académica no Castello, aonde Joaquim Machado
pronunciou de tarde o Discurso sobre as utilidades do De-
senho, que corre impresso, e á noute poz o grupo, que foi
desenhado também por alguns Fidalgos.
Como o Intendente quizesse crear na Casa Pia não só
-> 25 —
Manufactores mais também Sábios e Artistas, mandou a
Roma em lySS José Alves de Oliveira, Joaquim Fortunato
de Novaes, e João José de Aguiar, para alli se instruírem,
o i.° na Pintura, o 2.° na Arquitectura. Entretanto chegou
á noticia de Joaquim Carneiro, que Francisco de Setúbal
intrigava com António Fernandes, e Nicoláo Preto (i) para
refutarem o novo Regulamento da Academia, que (talvez
por isso) ficou sem effeito: por esse motivo compoz hum
discurso allegorico intutulado. »0 dia, o crepúsculo, e a
noute, ao mesmo tempo, phenomeno raríssimo visto em
Lisboa por Joaquim Carneiro da Silva» Jazião, dizia elle
em substancia, em confuso cháos as Artes liberaes em Por-
tugal, quando hum Zeloso Magistrado as quiz tirar daquella
escuridão, e convidou para isso Professores beneméritos;
entre estes aparecerão o dia, o crepúsculo, e a noute; oh
que triste aspecto! que infausto agouro! Mordidos pela
inveja, movidos pela ignorância, e fustigados pela fúria da
discórdia conspirarão contra o novo estabelecimento »se-
guia-se aqui huma interlocução cujo resultado foi formarem
elles hum triunvirato em que cada hum prometia de sacri-
ficar o seu amigo ao ódio do companheiro. » Conseguirão
em fim estes malévolos, proseguia elle, cortar em fior a
arvore que se cultivava para dar fructos proveitosos; vários
Professores, e Exercitantes deixarão de frequentar huma
Aiila. aonde mais se detrahe que se desenha. Hum digno
Professor (falia aqui do Padre João Chrysostomo) sendo
nomeado para ser hum dos Directores delia, em huma
(i) Este foi Porteiro da Aula pouco tempo.
— 26 -
carta, que dirigio aos mais Directores, entre outras razões
com que se escusou, disse «que sabia ser tal a desunião,
e murmúrio, que ainda os mesmos Directores, principal-
mente aquelles a quem a mocidade Portugueza deve as
maiores luzes, não escapavão não só de huma continua
critica, mas também de rigorosas e cruéis sat^^as — A'
carta do Professor, que se escusou se respondeo com outra
picante, e teve igual resposta — sahio certo o funesto pre-
sagio^ — » Não sabemos se Joaquim Carneiro estava bem
informado; mas he certo que pouco tempo depois via-se
a Aula do nú abandonada aos rapazes que hião, em vez
de desenhar, atirar com bailas de papel huns aos outros.
Muitos estudantes d'outras escolas se recommendavão á
protecção do Intendente, e Senhores da Corte para irem
também a Roma; forao enviados em 87, 88, e nos annos
seguintes até o de g5 huns 18 ou 20; e alli estiverão quasi
todos até o tempo em que os Francezes invadirão os Es-
tados da Igreja.
A antiga Irmandade de S. Lucas continuou a festejar
este Santo Evangelista até o anno 1755 ; mas sobrevindo
o terremoto, e cahindo parte da Igreja, ficou seu culto
interrompido. Salvarão-se porem algumas cousas. A Es-
tatua do Santo esteve depositada em casa de Gregório
Madeira: a alampada, e o painel da Capella ficarão em
poder das Religiosas, que os transportarão depois para
Santa Joanna; o resto da prata, e as jóias ficarão na mão
de Bento de Sousa, d'onde passarão para a de Jeronymo
Gomes, e depois para as de Manoel Gonçalves Vital, e de
Pedro Alexandrino.
Em 1777 juntárão-se alguns Irmãos, fizerao nova meza,
— 27 —
e elegerão por Juiz Simão Caetano Nunes: collocou-se a
Estatua do Santo em Santa Justa, a tempo, que o Inspector
da nova Igreja dos Martjres offerecia aos Pintores huma
das suas Capellas. Pedro Alexandrino queria, que se accei-
tasse a oíferta, outros impugnarão, alienárão-se os espíritos,
a Irmandade íicou outra vez desorganisada, e Manoel Gon-
çalves Vital, que tinha em seu poder as jóias avaliadas em
']q^']So morreo entre tanto sem as poder entregar.
A Irmandade tinha dado a juro certa quantia de dinheiro
sobre a hypotheca de humas casas, e os bens de hum abo-
nado fiador: as casas tinhão cahido pelo terremoto; e Je-
ronyno Gomes, que era o Procurador da Confraria solo-
citou muito o seu restabelecimento para obrigar o fiador
a pagar a divida; mas só conseguio, que o Santo passasse
de Santa Justa para Santa Joanna aonde foi festejado em
1789, e no anno seguinte. Em 91 dicidio-se a votos que
se restabelecesse alli outra vez a Irmandade, e as Religiosas
reconhecerão os Pintores por Senhores da Capella, alam-
pada, e painel de S. Lucas, e derão-lhe faculdade para que
aos lados da dita Capella podessem collocar bustos, retra-
tos, e epitáfios dos seus Artistas mais illustres, e isto por
escriptura de 23 de Julho de 1793 lançada nas notas do
Tabellião Francisco Xavier de Sousa Henriques; cuja copia
está no Compromisso. Festejou a nova Confraria o Santo
com muita solemnidade nos annos 1791, 92, e 93, sendo
Juiz Pedro Alexandrino, Cyrillo, e Manoel Caetano de
Sousa.
Como o antigo Compromisso parecesse pouco adaptado
ao tempo presente, tratou-se de fazer outro melhor, e nós
•requeremos, que nelle, depois dos objectos de devoção, e
— 28 —
caridade se tratasse também de estudos, e interesses da
Arte, dispondo as cousas de modo, que para o futuro po-
dessemos ter huma boa, e verdadeira Academia, cujo corpo
de Directores tivesse voto juntamente com o dos Mesarios
no governo da Confraria; sendo preciso desde logo nomear
hum Director Geral. Este parecer foi admittido em i6 de
Outubro de 1791, e todos votarão em Pedro Alexandrino
para Director Geral. Em outra Assembléa do anno seguinte
se elegerão a votos os Deputados para a composição do
Compromisso, e forão eleitos, Pedro Alexandrino, Domin.-
gos da Costa Barreto, Gaspar, Jeronymo d'Andrade, Jero-
nymo Gomes, Felisberto, Manoel da Costa, José António
Narciso, José Francisco dei Cuveo, e Cyrillo. Este ultimo
foi também Secretario desta Deputação, e do futuro Corpo
de direcção, e em sua casa, na Rua da Fé se fazião as
conferencias. Derão os seus pareceres por escripto Pedro
Alexandrino, José António Narciso, e Manoel da Costa;
os outros disserão de viva voz o que melhor lhes parecia,
e recolhendo-se de huns, e outros o que mais contentava
a todos, se foi proseguindo vagarosamente a obra.
A principal recommendação do maior numero era hum
remédio contra o abuso de se incumbirem das obras de
Pintura aquelles que nunca professarão a Arte; visto que
as outras profissões nobres, como a Advocacia, Medicina,
e Musica, tem privilégios que excluem os intrusos. Aca-
bou-se em fim a nossa tarefa em 16 de Fevereiro de 1794,
e a primeira leitura delia ifoi feita em 9 de Março diante
de 26 pessoas, que todas applaudirão, e assignarão.
Este novo Compromisso examinava primeiramente quaes
erão os abusos, e demonstrava pela experiência de todas
— 29 —
as Nações civilisadas que só a Academia seria capaz de os
combater, e aftastar. Dizia depois, que qualquer individuo
poderia pintar o que quizesse, bem ou mal, de graça ou
por dinheiro, inda que nunca aprendesse ; mas as grandes
obras, feitas por muitos, os que as houvessem de dirigir,
e ajudar a fazer, deverião ser hábeis naquelles géneros, e
agregados á Academia; porque ella seria obrigada a reco-
nhecer como Directores ou Ajudantes, todos aquelles, que
não sendo incorporados em alhêas profissões, vivessem
actualmente do producto da pintura.
Todos os que pertendessem a direcção de obras, que
lhes não competissem, serião admoestados pela Academia;
se desprezassem a admoestação, o dono da obra seria
advertido daquella fraude; se o dono insistisse, o intruso
poderia fazer a obra; mas seria prohibido a todos os Artis-
tas, o poderem-no ajudar, sobpena de serem excluidos das
obras dirigidas pelos legitimos Professores, e de darem
alguma cera para a Gapella do Santo. O resto do Com-
promisso tratava do regimen da Irmandade, e da Academia.
Entretanto hum bom número de intrusos se encarrega-
vão das decorações das casas, e convidavão para lhas faze-
rem. Pintores menos acreditados, pagando-lhes com bastante
liberalidade. Estes a quem o abuso vinha a ser útil, come-
çarão a espalhar boatos, que ainda que falsos, e absurdos,
forão cridos, não só pelos que não tinhão ainda ouvido
ler o Compromisso; mas também por alguns dos que já
o havião assignado, chegando a parecer pelas sandices que
íizerão, que tinhão perdido o uso da razão.
Assim as débeis tentativas que se fazião em Lisboa para
melhorar a Arte, ficarão todas sem eífeito.
— 3o —
Jeronymo Gomes havia entregado em Meza no dia 26
de Dezembro de 1792, a prata que tinha em seu poder,
pezando 22 marcos, a qual se metteo no cofre que ficou
em casa de Pedro Alexandrino até o dia 28 de Janeiro de
1808. Nesta época, achando-se a Irmandade quasi extincta,
e receando os Irmãos que os Francezes intrusos então no
Reino, tendo noticia delia, a pedissem, como pedirão a da
alampada que estava em Santa Joanna, requererão a Pedro
Alexandrino que deixasse abrir o cofre, e repartisse pelos
Irmãos que existião a quantia que se achasse dentro; o que
elle fez sem a menor repugnância. Erão ainda bastantes os
Confrades, e tocou a cada hum o que havia dado pela sua
patente, e desde então ficou a Irmandade totalmente anni-
quilada.
Antes que passemos a fallar das pessoas que fizerão
profissão pública da Arte, e se houverão com ella, parece
justo elogiar aquellas que a tem honrado muito com o seu
exercicio, e protecção.
ElRei o Senhor D. João VI. tem-se dignado de conceder
ás bellas Artes, o que ellas exigem, e requerem dos Mo-
narchas, que he Real Munificência, e Protecção. Nenhum
JMonarcha dispende talvez com ellas tanto como o nosso.
He bem sabido de todos o raríssimo talento que tem
a Rainha a Senhora D. Carlota Joaquina, para as sciencias,
e bellas Artes. Com poucas lições fez grandes progressos
no desenho, e pintura de óleo, e de pastel, e senão execu-
tou muitas obras desta natureza, foi porque empregava o
tempo ainda melhor na excellente educação que soube dar
— 3i —
ás suas Augustas Filhas, que também aprenderão a dese-
nhar; e a Senhora Princeza D. Maria Thereza recortava
optimamente á thesoura sem aprender.
Também nos consta que a Senhora Archiduqueza, e
Princeza Real conta esta entre as muitas prendas de que
he dotada. A Senljora Princeza do Brazil fez da pintura o
seu mais delicioso recreio, e entretinimento, em quanto
não sentio o golpe da Viuvez. Nas mesmas jornadas sempre
a acompanhavão as cores, e os pincéis. Empregou em qua-
dros escolhidos somas muito avultadas. Pintou para a Real
Basílica do Coração de Jesus, o devotíssimo painel do
Coração de Maria. Inventou outras composições, todas
mysticas, que forao gravadas pelos melhores Abridores.
Tem feito gíoria de proteger, e honrar os sábios, e os
Artistas.
Da Senhora D. Marianna, Infanta, temos os painéis das
Capellas no seu Convento do Desagravo, e alguns objectos
de devoção gravados por Carmona, e por Carneiro da
Silva.
A Senhora Rainha D. Maria I. também foi muito affei-
çoada á Arte da Pintura, protegeo-a, e recreava-se com o
seu exercício.
A Senhora Rainha D. Marianna de Áustria bordava,
dizem, com tanta perfeição que as suas obras parecião
pintadas; e bordou as cortinas do Sacrário para Igreja
do seu Hospício de S. João Nepomuceno. A Infanta D. Fi-
lippa filha do Infante D. Pedro Duque de Coimbra, e Re-
gente do Reino, traduzio do latim hum livro de Homílias,
e Evangelhos para todo o anno ornado com as imagens
dos Santos, e figuras dos Mysterios de que fallava o texto,
— 32 —
tudo debuxado á penna com grande primor da Arte, se-
gundo o século em que foi feito. Gonservou-se com muita
veneração no Mosteiro de Odivelas aonde a sua Authora
viveo 17 annos como Religiosa observante, ainda que não
fosse ligada a algum voto.
Nas Cortes de Lisboa, e do Rio de Janeiro existe actual-
mente grande número de Senhoras, e Fidalgos com génio
não vulgar para as bellas Artes.
A Senhora Marqueza de Bellas, D. Maria Rita de Cas-
tello-branco, ainda que exercesse praticamente a pintura
tinha hum gosto tão delicado para as composições, enfeites,
e decorações, que as Senhoras da Corte a tomarão por
modelo, e os Artistas achavão-se muito bem com os seus
conselhos. Alguns dos mais felices pensamentos, attribuidos
ao Author destas memorias, forão-lhe sugeridos por aquella
Senhora, nem he a única pessoa da sua Illustre Familia,
que seja dotada de hum génio feliz para as Artes de imi-
tação.
A Senhora Duqueza de Lafões, e o Duque quizerão
honrar a nossa Irmandade, escrevendo os seus Nomes no
livro dos Irmãos, em i5 de Maio de 1792.
Também se achão no antigo livro os nomes de D. Ma-
rianna Isabel das Montanhas, Soares, e de D. Luiza Joa-
quina, Lucas de Menezes, que assignárao em 21 de Outubro
de 1753.
D. Maria de Guadalupe Alencastre e Cardenas, Duqueza
de Aveiro &c., ornou muitas Igrejas com painéis que pintou;
e os nossos Pintores a elegerão para Juiz da Meza de S. Lu-
cas em 1659.
D. Margarida de Noronha, ou Soror Margarida de
— 33 —
S. Paulo, Filha dos Condes de Linhares, deo o risco para
a Igreja da Annunciada, fundada, ou restaurada por seu
Avô, Fernão Alves de Andrade. Também era Pintora, e
atrahio para aquelle Convento, em que foi muitas vezes
Prelada, a Irmandade de S. Lucas. Coníirmada em 1609.
D. Leonor de Menezes Condessa de Orem e d'Atouguia,
pelo meado do século 17, tendo apenas 14 annos, dese-
nhava, e escrevia perfeitamente.
D. Maria Magdalena de Castro filha do Correio Mór de
Reino, floreceo no mesmo século, e he contada pelos Au-
thores, entre o número das Pintoras iljustres.
D. Isabel de Castro, Condessa d'Assumar, filha de
D. João Mascarenhas Marquez de Fronteira, foi huma das
Damas mais celebradas na Corte, teve grande talento para
a Pintura, e faleceo em 1724.
D. Maria Magdalena Eufemia da Gloria, filha de D. Elena
de Távora, professou no Convento da Esperança em 1690,
e alli pintou vários painéis para huma capella sua, publicou
também algumas obras litteratas, debaixo do nome supposto
de Leonarda Gil da Gama.
D. Anna de Lorena Camareira Mór das Rainhas D. Ma-
rianna de Áustria, e D. Marianna Victoria, retratava bem,
e pintou com perfeição vários painéis para a sua Ermida
de S. Joaquim ao Calvário. Também dizem ser seu hum
bom painel de S. Vicente de Paulo que está na Igreja dos
Padres de Rilhafoles. Vieira, no seu Pintor Insigne a com-
para á Serani, e a Rosalba, famosas Pintoras Italianas; e
José Gomes da Cruz, na Carta Apologética chama-lhe
» Sábia Professora desta grande sciencia.
Ao Senhor José Viale somos devedores da nota, e conhe-
3
- 34-
cimentos, que a Excellentissima Senhora Condessa d' Alva
possLie nas bellas Artes, e esta noticia a publicamos da
mesma sorte que sahio da hábil penna do mesmo Senhor
Viale.»
Mas não podemos de sorte nenhuma deixar em silencio
a Excellentissima Senhora Condessa d'Alva, a qual, to-
mando o exemplo que por alguns séculos lhe hão dado
seus nobilíssimos Progenitores, proteje da maneira a mais
distincta as bellas Artes. Hum Pintor, hum Escultor, hum
Arquitecto, diante desta Heroina, imagina estar no Templo
da Gloria. Esta Senhora pintou, e pinta a óleo, e em mi-
niatura, de figura, de paizes, e de flores, com muita intelli-
gencia, e magistério: a sua conversação sobre as bellas
Artes he interessantíssima, e além de mostrar o seu innato
talento, dá também a conhecer que este he acompanhado
de profunda lição litteraria. Devo dizer que esta Senhora
pensa como pensarão e escreverão em suas obras immor-
taes, os bem conhecidos Escriptores, Bellori, e o Abbade
Lanzi; e vem a ser, que para sahir hum mediano Pintor
requer-se maior talento, que para sahir hum famoso Es-
criptor: e baste esta por muitas 111.'"'''^ Senhoras que por
brevidade omittimos.»
Se podessemos estender os limites desta pequena obra,
faríamos também menção de alguns Fidalgos, que como
os Senhores Marquezes de Marialva, de Borba, e de Bellas
íkc, se applicárão com proveito ao desenho, ou á pintura.
Muitas pessoas Religiosas de ambos os sexos, se distin-
guirão também pelos preciosos livros que illuminárão, ou
pelas agradáveis pinturas que fizerao.
D. Heliodoro de Paiva, Cónego Regrante em Santa Cruz
— 35 —
de Coimbra, foi famoso em Sciencias, e bellas A-rtes, e
muito acreditado na da Pintura. Regeitou Mitras, e faleceo
em IDD2.
O Padre Manoel Alves, Jesuíta, pintou alguns quadros
para o Collegio de Coimbra, aonde entrou em 1549.
Fr. Bento Contreiras Religioso Carmelita, illuminou os
livros do Coro para o Carmo de Lisboa pelos annos iSiy.
Fr. Carlos, de Nação Flamengo, foi Monge de S. Jero-
nymo no Convento do Espinheiro, aonde professou em iSiy,
sendo primeiramente leigo, e depois Sacerdote. Naquelle
Convento junto a Évora, existem, e estimão-se ainda muito,
quatro painéis seus representando passagens da vida do
seu Santo Doutor Máximo.
Fr. Henrique Religioso Dominico em Évora pintou o
quadro da Transfiguração, que está sobre a porta da Igreja
do seu Convento: o Senhor com a canna verde na casa do
Capitulo, e outros.
Fr. Domingos Rodrigues, Religioso calçado de Santo
Agostinho, ainda que Portuguez, foi conventual em Sala-
manca pelos annos 1680, aonde pintou alguns painéis que
ornão o Claustro do seu Convento.
Fr. Simão de S. José Religioso Paulista, illuminou o
livro da Armaria para a Torre do Tombo.
Fr. Luiz de Bastos, se dermos crédito ao que nos diz
a chronica dos Carmelitas Calçados, foi o Pintor mais
insigne do Reino no seu tempo; mas hum bom Chronista
não he sempre hum bom conhecedor desta sorte de curio-
sidades. Este Padre entrou na Irmandade de S. Lucas em
29 de Janeiro de 17 18.
Fr. Filippe das Chagas sendo já arançado em idade pro-
— 36 —
fessou no Convento de S. Domingos de Lisboa em lôgi.
Era sábio, e muito curioso de Pinturas, e illuminações, de
que escreveo hum livrinho, que corre impresso com o titulo
de — Arte de Pintura — Por Filippe Nunes, natural de Villa
Real.
Fr, Eusébio de Mattos Jesuita, natural da Bahia, passou
em 1677 para a Religião do Carmo Calçado: foi grande
litterato, óptimo Arithmetico, e bom Desenhador, morreo
em 1692 de 63 annos.
Fr. José de Santa Maria, Padre Thomarista, chamado
no século José de Oliveira, fui Irmão de Ignacio de Oh-
veira, e discipulo de seu Pae António de Oliveira Bernar-
des: ainda era secular em 21 de Outubro de 1731, quando
entrou na Irmandade de S. Lucas. Vimos ha poucos annos
em casa de seu sobrinho João Pedro, dous quadros seus,
Nossa Senhora do Carmo, e da Soledade, morreo em 22
de Fevereiro de 1781, com 81 annos.
Os Cónegos seculares de S. João Evangelista tiverão
dous Artistas muito bons. O Padre Manoel da Purificação,
que illuminou, e escreveo perfeitamente livros de Coro, e
de Armaria, no principio do século 17, e o Padre Ignacio
da Piedade e Vasconcellos, que esculpio em barro estatuas
de grandeza natural, cujos pannos erão excellentes, princi-
palmente os buréis. Compoz o livro intitulado «Artefactos
Symetriacos, e Geométricos que publicou em 1732.
Estevão Gonçalves Neto, Cónego na Sé de Viseu, illu-
minou hum precioso Missal que se guarda na livraria do
Convento de Jesus: floreceo por 1622.
O Padre Francisco Lino de Mattos Gastão, natural de
Porto de Mós aonde vio a luz em 24 de Outubro de 1739,
- 37 -
conta entre os seus parentes nauitos homens Doutorados.
Seu tio Padre Theatino, de quem elle dependia, e de cujo
Breviário tirou hum registo de S. Caetano para o copiar a
furto, vio com admiração o grande génio que tinha para a
Arte. Proseguindo os seus estudos Htterarios, hia também
fazendo progressos no desenho. Vindo para Lisboa teve
UçÕes do Josepino; applicou-se á miniatura, e tinha vista
agudíssima, e paciência para acabar as cousas mais miúdas
e delicadas : quasi toda a Corte tem obras suas. Fez o
retrato do Principe D. António que foi remettido, e cercado
de brilhantes, á Rainha de Hespanha. Miniou também o
da Marqueza de Pombal, retratando-a em muitas Cortes,
e teve hum premio de 68 peças : a mesma Senhora, também
lhe offereceo a Parochia das Mercês, que elle não acceitou.
He Capellão das Religiosas de Santa Joanna.
O Beneficiado José Pereira Soares La Rocha, natural
de Lisboa, applicou-se ao estudo das linguas sábias, e vul-
gares, e também ao Desenho e Pintura. Em Roma fez boas
cópias de Rafael &:c. Havia pinturas suas nas Collecções
de Seabra, Angeja, e Borba. Faleceo em Lisboa a i6 de
Novembro de 1818, contando de idade 62 annos 9 mezes
e 4 dias. Existe o seu retrato grandemente pintado por
Pellegrini.
Soror Maria da Cruz, Religiosa no Convento das Chagas
em Lamego, pintou dous quadros de Nossa Senhora e
S. José para huma Capella sua. Era tida por Santa quando
faleceo em 1619.
Soror Maria dos Anjos, Religiosa Dominicana em Évora,
pintou muitas imagens devotas, que forao applaudidas.
Os Historiadores, e a fama pública também celebrao
— 38 —
algumas damas seculares, que usarão felizmente da Pin-
tura.
Umbelina Joanna Mendes de Távora, foi sábia em letras
humanas e sagradas, em Mathematica, e Arquitectura:
morreo de hum accidente na idade de 3"o annos em 1677.
Rita Joanna de Souza, na curta idade de 28 annos que'
teve de vida, fez tão grandes progressos na Pintura como
na Filosofia: foi natural d'01inda, e falleceo em 1719.
Thomazia Nunes natural da Cidade da Guarda, soube
escrever com acerto, e pintar com perfeição. Florecia no
principio do século 17.
Joaquina Volkmar nasceo em Lisboa, com génio decidido
para o Desenho, e Pintura, a que se applicou por inter-
vallos ; ha muitas obras suas em vários Gabinetes, e Col-
lecções, e hum painel público na Igreja do Coração de
Maria no Campo grande, collocado em 1787: representa
elle Nossa Senhora com o Menino Jesus, e Santa Isabel,
e S. Francisco que os adorão. As figuras são de grandeza
natural. Cinco annos depois também fez em grandes qua-
dros a historia de Isaac, para o Oratório de José Francisco
Prené, Capitão de Mar e Guerra.
PINTORES.
O Grão Vasco de Viseu.
As memorias que nos restao deste antigo, e famoso
Pintor, são ás vezes incertas, ás vezes contraditórias,
e só concordão em que existia em 1480, pois que naquella
época comprara huns moinhos em hum lugar visinho á
Cidade de Viseu que se chamou o lugar do Pintor, por
elle ter alli nascido, (dizem alguns), sendo filho de hum
Lavrador abastado.
Alguns pertendem que fosse discípulo de Pedro Peru-
gino, ou de Rafael, o que no i.° caso he pouco verosímil,
e no 2.° impossível; pois que Rafael nasceo em 1483. Pôde
ser que fosse condiscípulo do seu Coevo Pedro Perugino
na escola d' André Verrochio, Florentino, que também foi
Mestre de Leonardo de Vinci, e era muito hábil na Pintura,
Architectura, e Perspectiva, cousas todas em que o nosso
Vasco foi excellente.
Lê-se mais nas ditas tradições, que ElRei D. Manoel o
mandara estudar a Roma ; e aqui ha duas incoherencias :
a i.^, que a Escola Romana he mais moderna que o nosso
Pintor, porque foi fundada pelo grande Rafael: 2.^ que se
— 40 —
o Vasco fosse mandado á Itália por algum dos nossos Reis,
deveria ser por D. Affonso 5.", visto que já elle era bom
Pintor em 1481, quando D. João 2." começou a reinar.
He certo porém, que se Vasco estudou na Ittlia como
parece pelas suas cabeças das Virgens, que não cedem ás
do Perugino, e mesmo ás dos primeiros tempos de Rafael ;
he verdade também que nas roupas, e nos Corpos nús,
principalmente de mininos, seguio como bem notou Ber-
mudes, a maneira assas gothica dos Alemães.
Este estilo misto, entre Italiano, e Tudesco parece que
sessou naquelle tempo em grande parte da Hespanha, pois
sabemos que Fernão Galhegos de Salamanca, pintava muitas
cousas no gosto d'Alberto Durer, e que João Nunes em
Sevilha fazia painéis, com bellos pannos, e colorido vivis-
simo; bordaduras delicadas, e carnes, ainda que gothicas,
tão estimáveis pelo bem acabado, como as de Alberto.
Pareceo-nos quando lemos estas particularidades, que está-
vamos vendo as pinturas do Grão Vasco.
São também incertas as noticias que temos sobre o lugar
da sua sepultura. ))£*/« Thomar, dizem algumas Pessoas,
passado o i .° Claustro, junto á Sacristia, está a sepultura
do Grão Vasco, que foi Jeito Commendador da Ordem de
Christo por ElRei D. ManoeU Está enterrado no Con-
vento de Thomar; dizem outras, com letreiro já muito
gasto; ?nas ainda se devisa a Cru^ da Ordem de Christo,
em que foi professo, gravada na mesma pedra.» Porem
mandando nós alli saber se se verificava alguma destas
tradições, tivemos em resposta: i>Neste Convento de Tho-
mar não ha noticia de que nelle este/a enterrado o grande
Pintor Vasco, '>^
— 41 —
Em quanto ás suas pinturas, consta que ornara com ellas
muitas Igrejas, Mosteiros, e Palácios Reaes, e que entre
os seus quadros mais famosos entravão os da Sé de Viseu,
e os de Thomar: os primeiros não sabemos se existem:
os segundos, como estiverão expostos na invasão de 1811
á brutalidade dos Soldados de Massena, he de crer que
pelo menos ficassem mui deteriorados. He fama, que Igna-
cio de Oliveira, tendo-os visto, confessava ser a cousa
melhor daquelle género, em que havia posto os olhos.
Eis-aqui a informação que delles nos mandou hum Padre
Thomarista. nXa Igreja deste Convento se achão muitas
pinturas de Vasco : primeiramente do\e painéis que terão
20 palmos de alto, e de^ de largo, e representão o Baptismo
de Jesu Christo; a Sinagoga; a Ressurreição de Lazaro;
o Triunfo de Jerusalém; a Prisão; a Ressurreição; a Des-
cida aos Infernos; a Ascenção; a Soledade de Nossa Se-
nhora; os Apóstolos no Cenáculo; o Jui\oJínal; e a SS. Trin-
dade. Ha outros mais pequenos que ornão os altares collate-
raes, e vem a ser: S. Gregório Magno celebrando Pontifical;
Santa Maria Magdalena, (pintura insigne); S. Sebastião;
S. Bernardo, e a Conquista de Santarém; o Senhor morto.
Na Capella da Senhora da Graça estão os do Baptista,
e Evangelista, o de Santo Antão, e o de S. Jeronymo.
Na Igreja de S. João Baptista, ha quatro pinturas suas,
e na da Misericórdia a de Santo António pregando aos
peixes, e a do Descimento da CrUy.T Alguns destes painéis
forão retocados em 1802, por João Jorge Esmcador, o qual
nos disse que erao pintados em taboas, e a óleo ; mas ape-
ralhados a tempera, e dourados.
No Beatc António tivemos o gosto de ver 11 ou 12 ta-
— 42 —
boas, na cella do Geral, superiormente pintadas com o seu
estilo, e continhão: a Fugida para o Egypto, os Reis Magos,
a Annunciação, o Nascimento, a Circumcisão, e outros
assumptos, todos sacros.
Na Igreja de S. Bento estão outras quatro pinturas, que
dizem ser deste mesmo Author, representão ellas a Annun-
ciação, os Reis, a Apresentação, e o Menino entre os Dou-
tores.
Em Évora ha grande número de Pinturas da escola do
Grão- Vasco, e muitas do seu punho. No Convento de
S. Francisco, he muito venerada huma Senhora da Con-
ceição, com belíssimos grupos de Anjos tocando, e can-
tando. No Dormitório está o Juizo de Salomão; cuja cabeça
se conhece ser o retrato de ElRei D. Manoel.
Na Sacristia o Transito de Nossa Senhora, e nas Ca-
pellas colateraes S. Jeronymo, Santo António, S. Francisco,'
e outro Santo Eremita.
No Convento d-o Espinheiro he famosa a taboa da As-
sumpção de Nossa Senhora. Ha mais hum Presépio, hum
Calvário, e huma Ressurreição de Jesus Christo. Também
se crê serem de Vasco o Senhor Ressuscitado, e a Invenção
da Santa Cruz, que estão na Sé na casa aonde se revestem
os Cónegos ; como também o Baptista penitente na Sacristia
das Bernardas. Também fazem menção de alguns painéis
delle, que se achao nas Gollecções de Valença, Borba, e
Penalva.
Pelo grande número de quadros que se espalharão com
maneira dirivadá da sua, podemos conjecturar que tevç
muitos discípulos imitadores. Indicaremos alguns dos que
se achão pelas Igrejas, e Palácios de Lisboa. Na Igreja do
-43 -
Paraíso estão 8 da vida de Nossa Senhora, que poderião
ser do seu punho ; mas como estão repintados, não o po-
demos affirmar. No interior do Convento da SS. Trindade,
também ha oito taboas grandes dos mesmos assumptos.
Na Sacristia da Madre de Deos sobre os caixões, estão
duas taboinhas preciosas feitas naquelles tempos. Na Er-
mida dos Remédios debaixo do Coro temos outras duas
taboas muito boas, com meios Corpos de Santas, etc. Na
Capella Mór de Odivellas estão quatro taboas com corpos
inteiros de Santas. Ha também huma Adoração dos Magos
no antigo Coro da Luz, que ora serve de Sacristia. Na do
Beato António estavão quatro da vida de S. João Evange-
lista, e S. Francisco recebendo as Chagas.
No melhor estilo daquelle século são pintadas as famosas
taboas da casa dos Condes da Figueira aos Paulistas, e a
da Sacristia da Bemposta. Esta representa Nossa Senhora
com o Menino Jesus, e muitas Virgens. Ouvimos dizer que
as cabeças erão ratratos da familia de Thomaz Moro, pin-
tados por Holbein : observamos porém na dita obra huma
particularidade, que se encontra nas do Pinturrichio ; isto
he, os ornatos dos vestidos de relevo ; mas seja de quem
for, he óptimo quadro na sua maneira.
Acabaremos o elogio do Grão Vasco, dizendo com hum
bom Artista dos nossos dias, que elle pintou com verdade,
e sciencia, principalmente cabeças, pannos, arquitectura, e
paizagens, e acabou tudo com huma delicadeza incompa-
rável.
44 —
Duarte D' Armas.
Foi Creado debuxador de ElRei D. Manoel, e por elle
mandou este Monarcha desenhar a estatua equestre de
mármore, que foi achada na Ilha do Corvo, ou do Marco,
quando a descobrimos : estava ella no cume da serra que
serve de marco, ou baliza aos navegantes; e era hum ho-
mem acavallo, e moço, coberto com huma sorte de capa,
com a cabeça descoberta, tendo huma das mãos na coma
do cavallo, e com a outra, que era a direita, apontava para
o poente : hum braço do cavallo estava dobrado, e outro
levantado. Parece por esta descripção, que a estatua teria
notada alguma similhança com a de Marco Aurélio; ainda
que devemos suppôr que em perfeição lhe seria muito infe-
rior. Vendo ElRei o debuxo, mandou hum Engenheiro do
Porto com apparelhos, e tudo o mais que era necessário
para a apear, e trazer; porem elle quebrou-a, e só trouxe
alguns pedaços, que se perderão. Damião de Góes falia
deste Pintor na Chronica de ElRei D. Manoel, e na do
Príncipe D. João.
António Campelo.
Temos visto qual fosse a superioridade de génio do
nosso Grão Vasco; mas se Campelo não o excedeo nessa
parte, teve ao menos a fortuna de alcançar hum século
muito mais illustrado. O estilo do i.°, que era o de todos
- 45 -
daquelle tempo, ainda tinha muito do gothico ; quero dizer,
seco, magro, mesquinho, chato, carregado de ornamentos,
e de trabalho superíluo, tanto nos Corpos avançados como
nos remotos ; mas a maneira do 2.° era nobre, e grandiosa :
ex-aqui como se explica Félix da Costa : ^ Entre os Pintores
que merecerão grandes prémios, (não /aliando nos que
seguirão a maneira gothica), forão notáveis os seguintes:
i.° António Campelo — seguia elle o estilo de Miguel An-
gelo na força do desenho, e com mais intelligencia de colo-
rido.— Ha obras suas 110 Claustro de Belém, e hum pre-
cioso painel do Senhor com a Cru^ ás Costas, que merecia
outro trato, e outro lugar. Ha varias outras pinturas suas
pelas Igi^ejas — Floreceo no tempo de D. João 3.°
Reflexões sobre esta Memoria.
No Reinado de D. João 3.° teve Portugal muito bons
Pintores ; mas parece que entre todos se dava a este a
primazia.- D. Francisco Manoel de Mello, fallando dos mais
illustres Pormguezes em diversas prerogativas, dá a palma
a Camões entre os Poetas, a Vieira entre os Pregadores,
ao nosso Thaumaturgo entre os Santos, e a Campelo entre
os Pintores ; de que se infere, que essa era a opinião geral.
Sobre esta bem fundada conjectura temos as suas obras,
que plenamente nos convencem. A Rua da Amargura, que
está na escada de Belém, não obstante ter sido muitas
vezes retocada, e mal, depõe ainda a favor da sua prima-
zia, principalmente na opinião daquelles, que como nós,
chegarão a ver aquelle painel em muito melhor estado.
Em quanto aos do Claustro, o nosso Author não diz
-46-
quaes sejão os seus ; mas dizendo que seguia a maneira
de Miguel Angelo com melhor colorido, quem não vê que
hão de ser os da Coroação de espinhos, e do Senhor Re-
suscitado? Lembramo-nos de ter visto este ultimo painel
muito bem conservado, á excepção da taboa, que começava
em parte a apodrecer. O Corpo do Senhor era bellissimo,
com a cintura larguinha segundo o costume de Bonarota;
e senão parecia obra do seu punho, era por ser mais deli-
cada do que elle a teria feito.
Luiz Carache chamava ao Tibaldi o seu Miguel Angelo
reformado, porque soubera moderar a fereza do desenho
deste grande Mestre, e tornallo mais agradável, sem pre-
judicar a sublimidade da sua maneira. Parece que este
mesmo elogio se deve applicar ao nosso Campelo: ambos
o melhorarão em parte, ficando com tudo inferiores no
todo ao seu incomparável modelo.
Gaspar Dias.
y>Floreceo este famoso Pintor (diz Félix da Costa) pelo
mesmo tempo de Campelo. Foi génio admirapel, imitai^a
7miito a Rajael, e a Pqi^me^ão. Áprendeo na Itália, e foi
nas proporções mais delicado que Campelo. Tinha espirito
superior, as suas figuras paredão respirar, e muitas se
assemelhão ás de Rafael. Entre outros, pintou o painel da
Capella de S. Roque na Casa professa da Companhia de
Jesus, (hoje Misericórdia), em Lisboa. i) Pedro Guarenti faz
menção de outro painel seu da vinda do Espirito Santo
— 47 —
pintado em i534, que estava na boca da tribuna da Antiga
Misericórdia.
Reflexões sobre as pinturas de Gaspar Dias.
Sendo deste Artista o painel de S. Roque, que felizmente
existe, por elle se vê, que era hum Pintor de muito talento;
inda que, apezar de toda a delicadeza, que lhe attribue o
nosso Author, não mostra igualar o mencionado Campelo.
Se no Claustro de Belém ha pintura delle, como he fama,
parece que deve ser a do Senhor no Horto, cujo Anjo tem
muita analogia em desenho, caracter, e colorido com o
Anjo do painel de S. Roque.
Gregório Lopes.
Teve carta de Pintor d'ElRei D. João 3.° passada' em
i522, o seu epitáfio na Igreja antiga de S. Domingos estava
na nave esquerda defronte da pia, e dizia <íAqni ja^ Gre-
gório Lopes Cavalleiro do Habito de S. Tiago: Pintor
d' El Rei Nosso Senhor, e de seus herdeiros. y» Álvaro Pires,
e Gaspar Cam servirão também os Reis de Portugal, como
Pintores. Ao primeiro, que falleceo em lôSc), succedeo o
segundo que era seu filho. Serião talvez Pintores da Casa
das Obras ; emprego, que se poderia exercer sem grande
pericia, e comprova esta conjectura o uso de ser como
hereditário, passando de pães a filhos.
48 -
Vanegas.
y>Foi Pintor espirituoso, diz Feliz da Costa, elevado nas
suas idéas, e mui correcto no desenho. Era Castelhano,
tnas viveo sempre em Lisboa: foi prijneiramente Ourives,
porem como era bom debuxante poude passar facilmente
d Pintura. Dadmelo debuxador, (di:{ia elle) que yo telo
darê Pintor. Imitava o Parmesão: he seu o painel do
retábulo na Capella Mor de Nossa Senhora da Lu:{.y>
Este painel existe, ou copia delle, e he muito grande. Tem
em sima Nossa Senhora e o Menino Jesus, que abençoa
os Santos Padres do Limbo, os quaes estão em baixo,
como metidos n'huma masmorra, apparecendo sò a metade
dos seus corpos. A Senhora, e o Menino tem muita força
de claro escuro, e bom colorido, e toda a gloria inda que
mui clara tem bastante armonia. Os corpos nús são menos
vigorosos ; mas não deixão de ter sciencia de anatomia, e
consonância de tons.
António, e Francisco de Hollanda.
António de Hollanda foi excellente Illuminador do Sé-
culo de 5oo principalmente na miniatura de branco, e preto
com toque de ouro, a que chamão camafeo ou de claro-es-
curo. Dizem que Carlos 5.° não presava menos o seu
pequeno retrato feito por elle em Toledo, que o grande,
executado em Bolonka pelo Ticiano! Se nesta paridade
— 49 —
não ha encarecimento, he o maior elogio que se lhe pôde
fazer.
Francisco de Hollanda, seu filho, aprendeo com elle a
miniar, e a modelar em barro; e sem aprender gravou ao
buril de chapa, e de encavo, esculpio em pedra, e madeira,
pintou em esmalte, e a óleo ; escreveo em prosa, e verso
sobre a Pintura, Architectura, e outras Matérias. Costu-
mava desenhar á penna sem apontar primeiro com o lápis,
ou carvão, cousa que até alli, diz elle, ninguém tinha cá
feito: inventou em Portugal a miniatura de pontinhos, ao
mesmo tempo, que D. Júlio Clovio a inventava em Roma.
Sendo ainda moço ensinou a desenhar os Infantes filhos
de ElRei D. Manoel.
Foi duas vezes a Roma, a primeira na sua junventude,
sendo criado dos Infantes D. Fernando, e D. Aífonso Car-
deal; e a segunda vez por mandado de El-Rei D. João 3.''
foi não só a Roma, mas a quasi toda a Itália, Hespanha,
e França, a fim de observar, e copiar as boas cousas da
Architetura e Pintura, e conversar com os Artistas, e Sá-
bios. Elle communicou familiarmente em Veneza com Serlio
que lhe fez presente do seu livro das 5 Ordens ; e em Roma
com o Bonarote, Clovio, Lactancio,- sobrinho do Cardeal
de Sena, mui versado nas Letras, Gregas e Hebraicas, e
com Victoria Colona, viuva do Marquez Fernando d'Avalos,
Dona mui celebrada na Republica das Letras, e boas
Artes.
Viajava com decência como pessoa de espirito elevado,
e protegida por hum grande Rei. Neste giro gastou 9 ou
10 annos : achando-se em Roma no de iSSg. ».Vc7 Igreja
de S. Pedro, diz elle mesmo no seu livro da Pintura, e no
4
— 5o —
altar onde o Santo está sepultado, recebi o Corpo de
N. S. J. C. pelas mãos do Papa Paulo 3." dia de Páscoa,
no anno de iSSg ante todos os Car deães, e a Corte, com
os Embaxadores dos Reis Christãos, e alguns Senhores
Romanos somente.y>-
Restituído á Pátria em 1548 escreveo o seu tratado de
Pintura antiga, que oftereceo a El-Rei. Faltava-lhe ainda
a romaria de S. Tiago de Galiza, e aproveitou a occasião
que teve de a fazer no mesmo anno, em companhia do
Infante D. Luiz.
Braz Pereira, filho de Fernando Brandão, guarda-roupa
do Infante D. Fernando, tinha com elle muito grande ami-
zade, por se haverem criado ambos em casa daquelle Prín-
cipe. Era hum Fidalgo mui prendado, tendo grande génio
para Pintura, e Architetura; vivia no Porto, e tendo-o por
hospede huns poucos de dias, gastavão parte das noutes
em conversar sobre estas Artes, daquelle entretenimento
resultou o Tratado de bem retratar, ou de tirar pelo na-
tural. Este opúsculo he cheio de reflexões, e preceitos
admiráveis ■» Alguns dos quaes, diz elle, nascerão comigo;
outros aprendi-os de Miguel Angelo, e de outros grandes
Desenhadores, e do antigo.
Também foi Author de hum Tratado da Fabrica, que
falece á Cidade de Lisboa, pelos annos i568.
Como a sua vida foi mais de Cortezao viajante, que de
Artista, as obras que fez da Arte não podião ser muito
numerosas : ellas se reduzem a algumas mmiaturas para o
Breviário de D. João 3.° aos livros do Coro para Thomar,
a outro livro de Desenhos, e Architeturas, feito nas suas
viagens, que está no Escurial ; a hum retrato d'ElRei para
— 5i —
mandar á sua rilha D. Maria, mulher de Filippe 2." &c. 0
poucas outras cousas.
Em quanto á pintura de Óleo, ingenuamente confessa
clle mesmo não a ter aprendido ; e de Obra sua neste
género, só faz menção da copia do Salvador do Mundo
feita em Roma, para a Rainha D. Catharina. Não he com
tudo impossível que nos deixasse mais algumas, e que
huma delias seja a que possue a Familia de Saldanha
ao Passadiço representando o Baptismo de Santo Agos-
tinho.
Manoel Diniz, Pintor nascido em Portugal, e estabelecido
na Hespanha traduzio em Hespanhol o tratado da Pintura
antiga de Francisco de Hollanda em i563, segundo dizem;
mas poderia haver erro nesta data, porque aquelle M. S.
que se conservava na Livraria Real, ouvimos dizer, passou
a Hespanha no reinado dos Filippes, pelos annos i58o, ou
depois.
António Moro.
Nasceu em Utreclt ou Utreque, foi discípulo de João
Schoorel, e depois estudou na Itália as obras de Rafael, e
Miguel Angelo. O Cardeal Granvela admirando a raridade
dos seus talentos o apresentou a Carlos V. que lhe deo o
titulo de seu Pintor, e o enviou a Portugal para retratar
D. João 3.°, a Rainha D. Catharina, e sua filha D. Maria i.''',
mulher de Filippe 2.°, por cujos retratos teve huma grati-
ficação de 600 escudos, e outros ricos presentes, entre os
quaes hum annel do valor de iC^ florins dado pelos Estados
— 52 —
destes Reinos ; e tendo aqui retratado muitos Fidalgos cada
hum lhe deo loo ducados, e hum annel, mais ou menos
rico ; era somma muito avultada naquellas eras.
Sérvio depois Filippe II. e foi tão valido, que, dando-se
então muito credito a encantamentos, e suspeitando os da
Inquisição que elle lhe havia dado feitiços, o terião encar-
cerado, se o Cardeal, que o soube a tempo, não o tivesse
posto logo em seguro fora do Reino. O Rei inda que nunca
soubesse o motivo, (cousa incrível mas dada por certa),
porque se havia retirado, não deixava de lhe escrever muitas
cartas, protestando a estima, que fazia da sua pessoa, e
dos seus talentos ; e de fazer grandes mercês a seus filhos,
e filhas.
Christovão d' Utreque seu Discípulo veio á Corte de Por-
tugal pelo meado do século i6.°, ou com elle, como dizem
huns, ou com hum Embaxador Portuguez, como outros
querem. Sérvio D. João 3." pintando não só excellentes
retratos, mas também alguns quadros de historia. Os bellis-
simos painelinhos, que estão sobre os Caixões da Sacristia
da Madre de Deos serão talvez da sua escola. Os seus
talentos forão remunerados liberalmente com boas sommas
de dinheiro, e com o Habito de Christo. Acabou os seus
dias em iSôy, na idade de 69 annos.
Onze annos depois morreo António Moro em Anvers,
tendo 56 annos. N. Se estas datas, que são de hum Au-
thor respeitável fossem exactas teria o Discípulo 14 annos
mais que o Mestre, cousa impossível não, mas pouco vero-
símil.
53
Affonso Sanches Coelho.
Foi hum dos mais illustres Pintores Portuguezes, e assim
o confessarão os mesmos Biógrafos da Hespanha até ao
fim do ultimo século; mas Bermudes o reclamou, dizendo
ter achado documentos por onde constava ser Valenciano.
Podemos suppôr que haja alguma equivocação nas provas.
Affonso Sanches estudou António Moro na Hespanha, e
Rafael em Roma : sérvio o Principe D. João ; e depois da
sua morte passou ao serviço de Filippe 2.°, Grande esti-
mador da Arte, com quem privou tanto como havia feito
António Moro, com a felicidade porem de o não suspeitarem
de bruxaria.
A' imitação do Rei, todos os Grandes, Seculares, e Eccle-
siasticos, com D. João de Áustria, e o mesmo Principe
D. Carlos o visitavão, e honravão muito. S. Magestade nas
Cartas que lhe escrevia o exaltava com os titulos de Ticiano
Portuguez, e de seu amado filho.
Fez muitos quadros de historia, e retratos de Pessoas
Reaes, para o Retiro, e Escurial, imitando também a ma-
neira do Ticiano que se equivocavão com os delle.
Isabel Sanches, sua filha, nascida na Hespanha em 1564,
aprendeo com elle a retratar, e a desenhar perfeitamente,
e casou com hum dos primeiros Magistrados de Madrid :
morreo dous annos depois do falecimento de seu pae, que foi
em 1600 tendo qb annos, outros querem, que elle morresse
10 annos antes; isto he em 1390, deixou rendas para a manu-
tenção de huma Casa Pia de meninas órfãs em Valladolid.
54 -
Chrí6tovÃo Lopes.
Filho de Gregório Lopes, e Discípulo de Aííbnso Sanches,
(se he verdade o que nos diz Palominoj foi Pintor da Ca-
mera d'ElRei D. João 3.°, de quem recebeo entre muitas
mercês a do Habito de Aviz. Retratou muitas vezes a
Familia Real. Também pintou quadros de historia com
maneira boa, e larga; e dizem que na Capella Mór de
Belém ha alguns seus. Por seu falecimento em 1594 succe-
deo-lhe Fernão Gomes no lugar de Pintor do Rei.
Diogo Teixeira.
Este Artista, diz Felix da Costa, fez cousas excellentes
no tempo de D. Sebastião, e crê-se que foi Discípulo dos
já mencionados, D. António filho do Infante D. Luiz, e
neto d'ElRei D. Manoel, o fez Fidalgo da Sua Casa. Na
Luz, ao pé das de Vanegas estão pinturas suas.
Fernão Gomes.
Foi Discípulo de Blockland, Flamengo, pintava, diz Felix
da Costa, com muita destreza, e valentia, e era excellente
debuxante. Pintou o tecto da Capella Mór do Hospital
Real, e o quadro da Transfiguração de Jesus Christo na
Igreja de S. Julião, e muitos em varias Igrejas. Sérvio na
Irmandade de S. Lucas 1602, e foi hum dos nove, de que
se compunha a Mesa daquelle anno, que em 17 de Outubro
comprou ás Religiosas da Annunciada huma Capella por
400^ réis para nella collocarem as Imagens de S. Lucas
em pintura, e em escultura ; e isto por Escriptura lavrada
pelo Tabellião Marcos de Oliveira, de que ha copia no
Livro do Compromisso da mesma Irmandade. Em 1394
succedeo a Christovao Lopes no lugar de Pintor d"ElRei.
Vasco Pereira, inda que Portuguez, estabeleceo-se em
Sevilha, e em 1394 concertou o famoso painel da Rua da
Amargura, de Luiz de Vargas. Fez outras obras no prin-
cipio do século seguinte.
Simão Rodrigues.
Na serie dos Pintores Portuguezes, que florecêrão nos
séculos 16 e 17, não podemos achar outra guia, que melhor
nos conduzisse, e encaminhasse, que o tantas vezes men-
cionado Félix da Costa, delle sabemos que Simão Rodri-
gues, entre os muitos, e bons quadros que fez, pintara
também o do Nascimento para o Refeitório de Belém, o
qual era reputado o melhor de todos elles. Foi hum dos
que em 1602 comprarão a Capella de S. Lucas na Igreja
da Annunciada.
— 56 —
Bartholomeo de Cardenas.
Foi para Madrid com Aífonso Sanches Coelho, de quem
era discípulo. Entendia bem o nú, e era por consequência
assas correcto no desenho: nas roupas era grandioso. Com-
punha com muito espirito, e coloria com perfeição. Foi bem
acceito na Corte de Filippe 3.° Pintou huma gloria de 5o e
mais palmos eiji quadro na Igreja de S. Paulo em A^alla-
dolid; a vida de S. Domingos no Claustro do Convento
d'Atocha em Madrid, e muitas outras bellissimas cousas.
Morreo de 59 annos de idade, no de 1606. Palomino diz
que era oriundo de Hespanha, mas nascido em Portugal.
Amaro do Valle.
Aprendeo em Roma, aonde era celebrado, e conservou
sempre a maneira Italiana vaga, e doce. Imaginando que
em Lisboa, sua Pátria, teria a mesma acceitaçao, regressou
a ella, aonde morreo bastante pobre. Pintou a Capella
Mór da Igreja de Santa Maria, desprezada pela ignorância,
sendo a sua melhor obra: fez também o painel de S. Lucas
para a Capella dos Pintores, e muitas outras cousas. Foi
Pintor de Filippe 2.° de Portugal, e 3.° de Hespanha, lugar
em que por sua morte succedeo Domingos Vieira Serrão
no i.° de Junho de 161 9. O Painel de S. Lucas escapou
aos estragos do terremoto de 1755, e está na Igreja de
Santa Joanna na Capella do mesmo Santo, que ainda per-
tence aos Pintores, como consta de huma escriptura lavrada
em 2 3 de Julho de 1793, pelo Tabelliao Francisco Xavier
de Souza Henrique, cuja cópia também está no livro do
Compromisso da Irmandade.
Ainda que este quadro esteja assas desfigurado pelo
tempo, e pelos muitos, e máos retoques, ainda se vê na
figura do Santo, e na de Nossa Senhora, que tinha muita
correcção de desenho com força, e agrado de colorido.
Domingos Vieira Serrão.
*
»Fez cousas excellentes, diz o nosso guiador, com muita
» doçura, modéstia, fidalguia, e bom debuxo. Entendeo bem
»a perspectiva, como se vê no tecto do Hospital Real,
«invenção sua. Recebeo muitas honras de Filippe 3.° e 4.''
»por quem foi chamado a Madrid para pintar no Retiro,
«aonde tem cousas admiráveis.» Desenhou o desembarque
de Filippe 2.° em Lisboa, que foi gravado por João Schorc-
quens. Em 1608 sérvio de Juiz na Meza de S. Lucas; e
crê-se que morrera no de 1641, anno em que lhe succedeo
Miguel de Paiva, no lugar do Pintor do Rei. Na Portaria
de S. Bento está pintada em grande painel a Arvore Ge-
nealógica Religiosa de S. Bento, e S. Bernardo, e tem em
letras grandes o nome de Domingos Vieira, com a era de
i652; mas se a firma não he supposta, podemos inferir
que será de outro Pintor do mesmo nome.
— 58 —
Luiz Alvares de Andrade.
Foi natural desta Cidade de Lisboa, e ficando muito
cedo órfão de Pae, sua Mãe lhe fez dar huma educação
muito própria para fazer progressos na Arte, e mais nas
virtudes, nestas teve por mestres Fr. Francisco de Bova-
dillas, (que também o foi das primeiras letras) e Fr. Luiz
de Granada, naquella ignoramos quem fossem ; consta po-
rem que era perito, e que sendo muito devoto da SS. Trin-
dade, pintava painéis deste Altíssimo Mysterio, e os fazia
expor nas Igrejas á veneração dos Fieis. Foi o principal
Instituidor da Procissão dos Passos da Graça, começada
em 1587. Os bons Artistas seus Collegas 0 estimavão,
pois vemos ser hum dos quatro que assignárão o Compro-
misso da Irmandade de S. Lucas: assignou mais hum
acórdão em 161 3, entrou também no número dos que com-
prarão a Capella do dito Santo em 1602, e dos que seis
annos depois comprarão os covaes pelo painel do retábulo
da Capella da Cruz, que estava na Annunciada da parte
do Evangelho; talvez, o que ainda se vê em Santa Joanna.
Terminou seus dias nesta mesma Cidade em 3 de Abril
de i63i.
Francisco Nunes, natural de Évora, floreceo por estes
tempos. Aprendeo em Roma, teve grande maneira, e bom
estilo. Na sua pátria estavão as suas melhores obras, e
nesta Cidade hum Apostolado em meios corpos.
- 59 -
Domingos da Cunha.
pstudoLi a Arte em Madrid com Eugénio Caxas, Caste-
lhano, filho de hum Pintor, Arquitecto Florentino, e colorio
muito bem, imitando com perfeição, ainda que servilmente
a natureza, quero dizer, sem a melhorar quando ella era
susceptível de maior elegância. Nasceo em Lisboa em lõSg,
e tendo 84 annos entrou na Companhia de Jesus. Fazem
menção delle muitos Escriptores ; alguns dos quaes elo-
giarão as suas obras, perdidas quasi todas pelo terremoto
de 1755. Morreo em opinião de Santidade. Na Collecção
de Duarte de Souza, Correio Mór do Reino, existião, diz
Félix da Costa, hum Santo António, e hum S. Diogo pin-
tados por elle.
André' Reinoso.
»Foi discípulo de Simão Rodrigues, cuja maneira, diz o
Bnosso Author, não quiz seguir, inclinando-se com muito
«acerto ao estilo Italiano. Sem ter a melhor escolha do
«natural, fez cousas admiráveis pela sua viveza. Entre as
«melhores se conta a vida de S. Francisco Xavier em
«S. Roque, sobre os caixões da Sacristia, da parte direita:
«e na Capella do Menino perdido, o dos Reis, e o do Nas-
» cimento.» Foi eleito Juiz da Irmandade de S. Lucas para
a Meza de 1641, mas não acceitou. Sempre lhe ouvimos
chamar Diogo, e não André, mas era tradição errada,
porque além da authoridade de Félix da Costa, que vivco
— 6o —
no mesmo século 17 temos os livros da Irmandade, que
he incontestável.
Diogo Pereira.
«Aprendeo sem Mestre, e só pela communicaçao que
»teve com Pintores:» A sua falta de estudos bem se conhe-
cia na dureza com que pintava, e na ignorância da perspe-
ctiva, architectura, e desenho que se observa nas suas
melhores obras. Pintou incêndios, dilúvios, tempestades,
etc; e parece, diz hum Author daquelle tempo, que as
desgraças que representava lhe espantavão a fortuna. Deo-
Ihe a Natureza hum génio raro, e original, principalmente
para os fogos, cujos painéis se estimao na Itália, França,
e Inglaterra. O Patriarca D. Thomaz de Almeida, teve
hum gabinete ornado com 60 painéis seus, contendo não
só fogos, e batalhas, mas também frutos, flores, paizagens,
bambochatas, &c. Não he raro achar pinturas suas; na
CoUecção de Borba estão duas das melhores representando
Troya, e Sodoma, firmadas por elle, e na de Penalva está
o seu famoso Inferno, com as figuras de Vieira Lusitano.
Morreo Septuagenário, e pobríssimo em 1640, diz hum
Biografo Italiano, mas he engano, porque em i658 sérvio
de Escrivão na Meza de S. Lucas.
Jose' d'Avelar Rebello.
))Foi homem de grande talento, (diz Félix da Gosta) e
»de grande discripção, e engenho. Sem Mestre, e só por
— 6i —
«génio superior, graça particular, e muito exercicio, foi
Mcapaz de pintar o Menino entre os Doutores, que está em
))S. Roque, e outros bons painéis que lhe merecerão hum
«Habito de Aviz.)) No antigo Palácio Real pintou a fresco
o Salão da musica, e fez muitos quadros para a livraria
Arcebispal. ElRei D. João o 4.° gostava de o ver pintar,
e de conversar com elle, quando lhe deo o Habito, dizia
no Alvará que lho dava por ser o melhor Pintor do seu
tempo. Desde o anno ibSg até o de 48, fez os 72 grandes
painéis da vida de Jesus Christo, que apainelavão todo o
tecto dos Martyres, e a tomada de Lisboa sobre o arco da
Capella Mór. Em 5o pintou outros para o tecto debaixo
do Coro; mas em 1746 tirárão-se os ditos para levantar o
tecto da Igreja, que foi feito de estuque por João Grossí,
e enrequecido com o famoso painel de Vieira Lusitano, de
que ha desenhos. He tido em bastante estimação o S. Jero-
nymo firmado por elle, que está na livraria de Belém. Na
portaria de S. Bento ha hum grandíssimo painel do triunfo
de Nossa Senhora pintado em i656, e ouvimos dizer a
Pedro Alexandrino, que no friso da architectura tinha o
nome de Avelar. Em quanto aos dos Caetanos feitos, se-
gundo alli se lê, em i655, parecem de mão muito menos
hábil, e menos antiga. Foi Juiz na Irmandade de S. Lucas
em 1644.
Josefa de Óbidos.
He muito grande a variedade de opiniões que seguem os
Historiadores a respeito da célebre Pintora Josefa d'Ayala,
— 62 —
(que este era o seu verdadeiro nome.) Félix da Costa diz
ser filha do Sevilhano, famoso em paizes, principalmente
nos pertos; e falia delle como de pessoa que todos conhe-
cião. O Malhão no livro que escreveo da sua vida, também
a celebra como filha de Óbidos, e filha, que fazia muita
honra á sua pátria. Alguns querem que nascesse em Sevi-
lha, e fosse filha de Balthazar Gomes Figueira; outros a
fazem discípula do dito Balthazar Figueira, ou de Figuei-
redo, de quem já vimos bons painéis de objectos inanimados
com a sua firma: encostamo-nos ao parecer de que era
Portugueza filha de Hespanhoes. As obras que existem
delia são de dous géneros, i." de painéis históricos; 2.° de
objectos naturaes, e artificiaes como fructos, doces, aves,
etc. Muitos deste género, reputados por seus, não são bons;
estimão-se porém os cordeirinhos, que se achão em quasi
todas as collecções de Lisboa.
Em quanto aos seus painéis de figuras, temos ouvido
celebrar os da Igreja de Valbemfeito dos Padres Jeronymos,
e os que estavão na Misericórdia d'Obidos sobre o arco
da Capella Mór, e na Freguezia de S. João. Aqui temos
visto alguns, e muito bons; hum dos quaes representando
os Desposorios de Santa Catharina, era pintado n'huma
chapa de cobre de 2 palmos de alto, e pertencia á familia
de Gonçalo José da Silveira Preto, passou depois ás mãos
de Francisco Cypriano, contratador de painéis, que em 1810
o vendeo a hum Inglez por 8 moedas; tinha a sua firma,
e era de 1Õ47. Outro era de huma Coroação de Nossa
Senhora também em cobre, pintada com extrema delicadeza,
e em certos adornos com a paciência dos Gothicos, também
tem o seu nome, e a era lóSy, e pertence ao Cónego de
— 63 —
Evora Miguel Remigio. Retratava bem, e fez o retrato da
Princeza D. Isabel que foi enviado a Victor Amadêo. Morreo
em 22 de Julho de 1684. Os seus quadros de Historia sus-
tentavão-se ao pé dos bons daquelle tempo.
João Gresbante.
Era hum Pintor Inglez estabelecido em Lisboa. Tinha
grande génio, e idéas sublimes; mas como a execução da
sua obra não correspondesse ás suas idéas, nunca era con-
tente com o que executava, parecendo-se nisto com hum
certo Artista da antiguidade. Não obstante, os conhecedores
admiravão o Concilio de S. Dâmaso, que pintou na Capella
Real, o painel da boca da tribuna da Magdalena com bom
desenho, e colorido, e outros muitos que se queimarão no
incêndio de lySS. Sérvio muitos lugares na Meza de S. Lucas
desde i65i até i665, e ainda vivia em 1680.
Marcos da Cruz.
Foi homem de mais arte que engenho, disse hum Es-
criptor do seu tempo, e como não tivesse Mestre sufficiente
seguio primeiro hum errado caminho, que tratou depois de
emendar, e adquirio muitas cousas essenciaes como a intelli-
gencia das massas do claro-escuro, a perspectiva aérea, e
outras. Os seus painéis que estavão em S. Paulo, na Ca-
pella Real, na boca da tribuna de S. Nicoláo, e em outras
- 64-
Igrejas, quasi todos se queimarão em ijõb. Dizem ser obra
dos seus pincéis a Santa Maria Magdalena de Pazzi no
Carmo, e os painéis do Cruzeiro de Jesus. Ouvimos dizer
também a Pintores antigos que fora Mestre de Bento Coelho,
e com eífeito em algumas das cabeças destes quadros acha-se
muita analogia com as que fazia o seu supposto discípulo.
Sérvio na Meza da Irmandade de S. Lucas desde 1649 ^^^
1674. Em 57 foi Juiz, e em 78 deo esmola avultada para
a Missa quotidiana.
Feleciano de Almeida.
He este o ultimo Pintor de que falia Félix da Costa, e
diz elle, que por huma singularidade inconcebível quizera
imitar os Pintores Gothicos sem dar relevo, ou força aos
seus objectos, enfarinhando muito os claros com alvaiades,
e usando de sombras imperceptíveis; mas que, como decli-
nava o gosto e o saber, a ignorância applaudia muito aquelles
defeitos.
Sérvio de Escrivão na Meza do Santo em 1684, e de
Juiz no anno seguinte. Na Ermida de Nossa Senhora Madre
de Deos do Secretario de Guerra ha painéis pintados, pouco
mais ou menos, no seu estilo.
Manoel de Castro.
Estudou a Arte em Madrid na escola de Cláudio Coelho,
Pintor célebre, oriundo de Portugal. Carlos 2.° de Hespa-
— 65 —
nha mui satisfeito com a Gloria, e Redempçao de captivos,
e outras pinturas, que fez nos Conventos da Trindade, e
das Mercês, o nomeou seu Pintor por morte de Bartholo-
meu Peres em 1698.
D. Cláudio seu Mestre era filho de Faustino Coelho,
Portuguez, excellente bronzista, o qual vivia em Madrid
onde Cláudio nasceo. Este applicou-se á pintura, e fez
nella grandes progressos. Foi Pintor d.e Camará, e Archi-
tecto do Rei. Entre as muitas, e boas cousas que fez foi
mui celebrado o painel das Sagradas Formas que está na
Sacristia do Escurial, do qual temos huma estampa gra-
vada em Lisboa por Conti, e Bartolozzi, morreo em 1698.
Palomino, diz delle, que em perspectivas podia competir
com Bibiena. Manoel de Castro sobreviveo-lhe 19 annos.
O Marquez de Monte Bello.
Félix Machado da Silva Castro e Vasconcellos foi mui
versado nas Artes, e Sciencias, e muito bem acceito a
Filippe 4.°, que em premio de relevantes serviços lhe deo
o titulo de Marquez em i63o. Dez annos depois aconte-
cendo a revolução de Portugal, e achando-se na Corte de
Hespanha seguio o seu partido, talvez por necessidade:
mas vendo-se naquelle Reino sem meios suíficientes para
subsistir com decência, fez profissão pública da Pintura,
em que era perito, parecendo-se nisto com o Imperador
Constantino Porphirogeneto. Foi casado com D. Violante
d'Orosco, filha do Marquez de Mortara, e Dama da Rainha
5
— 66 —
D. Margarida de Áustria. O Duque de Viedro seu descen-
dente ainda conservava com satisfação em 1730 a sua pa-
lheta, e os seus pincéis.
Félix da Costa Meesen.
Devemos a este Artista, e Escriptor huma serie de Me-
morias de 19 Pintores, sem as quaes teríamos de começar
o espectáculo deste Theatro Pintoresco no 2.° ou 3.° acto.
Não temos noticias das suas obras, mas acha-se o seu
nome nos livros da Irmandade de S. Lucas, aonde consta
sérvio nas Mezas de lyoB e 1706.
Escreveo as Memorias em 1696, e diz no fim delias
»0s Homens famosos o forão, porque frequentarão Aca-
«demias, e obtiverão honras, e prémios dos Príncipes,
muitos dos nossos sem estudos grandes, e sem protecção,
ainda que não fizessem tanto, merecem com tudo honra,
veneração, e applauso.
Aonde acabão as noticias deste Author, começão feliz-
mente as de Pedro Alexandrino, escriptas por elle mesmo,
e as de Lobo, as quaes seguiremos, sem desprezar as de
outros Escriptores que merecem attenção, e crédito. Félix
da Costa assentou por Irmão em 11 de Novembro de 1674,
e faleceo em 1712. Na Demonstração Histórica se faz
menção de huma antiga Imagem dos Passos de que falia,
(diz o Author em hum dos seus escriptos), o insigne pintor
Félix da Costa.
6?
Bento Coelho da Silveira.
A funestíssima derrota que soífrêrao os nossos exércitos
no anno de 1678 em Alcacerquivir foi a origem de toda a
nossa desgraça, por ella passou o Reino a hum dominio
estrangeiro; por ella perdemos quasi todas as PosseçÕes
da Ásia, e muitas da America, e por consequência as
Armadas que nos daváo o Senhorio dos mares, e as grandes
riquezas que nos vinhão das índias, Japão, China, &c.
Reduzido o Reino a huma Província, declinarão entre nós
as Sciencias, e muito mais as bellas Artes ; porque não
tendo Monarcha próprio que as protegesse forão ellas
abandonadas á indigência, ou á ignorância dos povos. De-
pois de hum captiveiro de 60 annos em que os empregados,
e cobiçosos tiravão o ouro do corpo do Estado, como as
sanguexugas tirão o sangue do corpo do enfermo onde são
lançadas; seguirão-se as guerras da restauração, achando-se
o Reino em tal pobreza, que o mesmo Rei se sustentava
só com as rendas da sua antiga Casa de Bragança. Estas
guerras durarão até 1668, e ainda se resentírão as calami-
dades delias renovadas pela guerra da Successão até á
Paz de Utreclt em 171 5.
Os Reis conservarão sempre hum Pintor seu, mas era
como hum Mestre da Casa de Obras, tendo de salário
5 ou õííooo réis annuaes, hum moio de trigo, e os prós, e
precalços, que muitos annos seriao nullos ; e este officio
passava de pães a filhos, quando os havia, como cousa
para a qual a sciencia não era necessária, inda que ás
>- 68 —
vezes recahia por acaso sobre homens hábeis. Restava por
tanto só a Religião que podesse manter algum Pintor, mas
como ? Pintando muito por muito pouco dinheiro, e he o
que aconteceo a alguns Pintores já nomeados, e mais ainda
a Bento Coelho, de quem se diz que fizera tantos quadros
quantos forao os dias que vivera.
Não fallando nos muitos painéis seus, que se queimarão
pelo terremoto, nem nos que fez para outras terras do
Reino, e Dominios Ultramarinos, ainda existem bastantes
em quasi todas as Igrejas de Lisboa, que escaparão do
incêndio de 1755. Este Pintor occupou vários lugares na
Meza de S. Lucas desde 1648, até 1698, sendo muitas
vezes Juiz. Ainda existia muito velho no principio do sé-
culo 18; e na Sacristia de S. Pedro em Alcântara ha hum
painel da Invenção da Santa Cruz, firmado por elle em
1702, crê-se que morrera em 1708. Teve discipulos que
quizerão imitar a sua maneira, mas fizerão-no tão mal,
que ficarão sem nome.
Reflexões sobre as Obras de Bento Coelho.
Este grande Pintor, teve como o Tintoreto 3 sortes de
pincéis ; o de ouro, o de prata, e o de ferro. Pintada como
de ouro só vimos huma chapa de cobre representando-
Judith, e Holofernes, que tinha pouca inveja ás obras de
Vandeick; com o pincel de prata são feitos os painéis da
Sacristia da Penha, os de S. Jorge, os da Madre de Deos,
e das Commendadeiras da Encarnação, os de S. Bento,
Francezinhas, e outros. Estes são pintados com grande
empaste, e bellas tintas, que se conservão vivas, e frescas,
- 69 -
com toques resolutos, e virgens. Em geral os fundos dos
seus quadros são assas escuros, e as figuras campão por
mais, ou menos claras, segundo os pavimentos em que
estão. Tinha bellissimas cores de carnes vivas e mortas,
mas como pintava de pratica, e quasi sempre improvisando
havia necessariamente ser muito maneirado e incorrecto.
Lourenço da Silva Pa{. ]\ p. 3g.
António Machado Sapeiro.
Quiz imitar Bento Coelho na maneira franca, e presteza
de execução ; mas succedeo-lhe o que succede de ordinário
a todos os imitadores, que foi ficar inferior ao seu modelo.
As suas obras publicas são o tecto da Sacristia do Loreto.
o S. Christovão da Sé, que he muito máo, e está todo
repintado, alguns painéis na Igreja da Saúde, e na dos
Anjos, em Santa Martha, na Sacristia dos Capuchos, e o
Santo António nas Trinas do Rato, que parece ser o me-
lhor de todos. Os 8 sobre as Capellas da Freguezia de
Santos são pintados no seu estilo, assim como os 4 na
Capella Mór da Ermida do Secretario de Guerra. Era,
também retratista, e teve a fortuna de retratar El-Rei
D. João o 5.°, e de ser o seu retrato o mais applaudido
de todos quantos até alli se havião feito, pelo qual recebeo
huma gratificação proporcionada ao grande espirito daquelle
Monarcha. Assentou por Irmão de S. Lucas em 23 de Se-
tembro de 1704. Sérvio na Meza pela ultima vez em 17 12,
e morreo em 24 de Junho de 1740.
o Lobo na sua Silva Laudatoria diz delle :
)jO Machado imitou a Natureza
No Retrato, com óptima destreza,
Teve a felicidade
De exprimir mais que outro a Magestade
Do quinto João perfeito Soberano
Que deixou seu pincel mais nobre, e ufano.»
Henrique Ferreira Pintor medíocre, também fazia retra-
tos, e pintou quasi todos os que estão em Belém na Casa
dos Reis. Assentou por Irmão de S. Lucas em 24 de Outu-
bro de 1700.
André' Gonçalves.
Foi Discípulo de D. Júlio César de Femine, bom Pintor
Genovez, que viveo em Lisboa, aonde pintou muitos qua-
dros para o Convento da Graça, e outros lugares Sacros,
e profanos. Entrou na Irmandade de S. Lucas em 18 de
Ou'tubro de 1720. Em 1786 era já falecido tendo servido
na Meza em 1721, anno em que foi Juiz. O Discípulo não
seguio a sua maneira, adoptando outra mais branda, e
mais agradável, que imitava no colorido a de Conca, e
Massucci, e nas roupas a de Marata, de cujas estampas,
de que tinha grande copia se sérvio muito na composição
dos seus painéis, muitos dos quaes se queimarão nas Igrejas
pelo terremoto. Os que escaparão, ou forão feitos depois
estão no Convento das Commendadeiras de Santos, e no
de Santa Anna. Na Igreja do CoUegio dos Nobres está o
— 71 —
S. Pedro e S. Paulo, e ó da Converçao deste grande Apos-
tolo. Existem muitos nas Capellas do Menino Deos, e nas
Capellas Mores de S. Lourenço, Santa Joanna, Santa
Martha, S. Martinho, Mercês, Paulistas: os das Capellas
da Bemposta, que passarão, pela renovação da Igreja para
a Sacristia : os da Capellas de Queluz, o da Conceição que
se queimou na Ajuda, e era, diz Pedro Alexandrino, admi-
ravelmente bem pintado, pela esperança do premio, o qual
não correspondeo á obra pelo limitado animo do louvado,
que o avaliou, (deveria ser Mattheus Vicente). Na Portaria
de S. Domingos tem este Santo, e S. Francisco : os das
Igrejas das Trinas dos Cardaes, e do- Mocambo também
são seus ; assim como o S. Pedro e S. Paulo na Freguezia
da Pena de óptimo colorido, e os da vida de Christo que
estavão sobre as Capellas, e forão grandemente retocados
por Pedro Alexandrino; mas ainda seVião collocárão: os
de S. Bento na Capela de Santo Amaro, e o Santo Ere-
mita, que esteve na escada, e está hoje na Sacristia; he
o único original que elle fez, e merece grandíssima estima-
ção. No Hospício da Conceição da Carreira, e em Rilhafoles
ha obras suas ; também lhe pertencem os quadros da vida
de S. João' Baptista na freguezia do Lumiar, e a Senhora
do Carmo na Igreja desta Invocação, e alguns em Mafra
na Capella dos sete Altares; os da Ermida do Marquez
de Pombal em Oeyras, e os da Rua formosa que estão na
Igreginha chamada do Mariola Mór, os quaes ficarão mui
deteriorados pela retirada dos Francezes em 1808, e tendo
sido repintados, parecem agora de outra mão. Na Madre
de Deos tem a grande gloria sobre a Capella Mór, e algu-
mas outras cousas, como são a Santa Clara, e S. Francisco,
— 72 —
e a vida de José do Egypto na Sacristia. Em S. Vicente
tem o da Sacristia, e o da Capella da Annunciaçao. Tam-
bém são seus os do Coro de S. Domingos de Bemfica.
Fez muitas pinturas para Santa Cruz de Coimbra, e para
todos os Conventos dos Cruzios, decorou vários Coros, e
Capellas interiores em Conventos de Freiras. Na Capella
Mór de S. Pedro de Alcântara ha trez quadros seus, e
outros na de S. Bento da Estrella, &c. &c.
Entrou na Irmandade de S. Lucas no i.° de Novembro
de 171 1, e sérvio na Meza desde 17 12 até 1764 sendo duas
vezes Juiz, pelos livros consta que morrera em i5 de Junho
de 1762, tendo de idade 70 annos 6 mezes e i5 dias. Jaz
no Convento dos Mariannos.
O Lobo diz que o André levava aos mais a palma, ins-
pirando os pincéis nas tintas alma.
Existem dois retratos seus, hum na Collecçao de Penalva,
feito por Guilhard, na sua idade juvenil, outro na Collecçao
de Borba em idade avançada, feito por Pedro Alexandrino. •
Teve muitos e bons discípulos ; e forao, seu filho Manoel
José Gonçalves, João dos Santos Ala, Joaquim Manoel da
Rocha, José da Costa Negreiros, Francisco Xavier Lobo,
o Padre Manoel José, de quem fallaremos adia*nte. Pedro
Alexandrino não foi seu discípulo, mas aproveitou muito
frequentando a sua casa, e a sua escola.
Manoel José Gonçalves fez o painel, que está no Collegio
dos Nobres do Senhor dando as chaves a S. Pedro, feito
pela estampa de Rafael, e muito bem colorido, e executado.
Gravou a agua forte em 1762 a estampa que se acha na
Carta Apologética pela ingenuidade da Pintura, inventada
por seu Pae. Morreo desgraçadamente no dia do terremoto
i
-73 -
de 55, malogrando-se desse modo as bellas esperanças que
nos dava.
De João dos Santos Ala existe o painel de S. Domingos
em Soriano em huma das Gapellas do Claustro de S. Do-
mingos, e os do Rosário que sahem em procissão: o quadro
do tecto da Igreja das Commendadeiras da Encarnação,
dous da vida de Nossa Senhora em Jesus ; vários retratos
de Veneráveis na Cartuxa, e outros. Imitava a maneira de
seu Mestre, mas era mais franco. Sérvio na Meza do Santo
de 1733 — 35.
Lourenço da Silva Paz, he apenas conhecido por ter
succedido a Bento Coelho no lugar de Pintor da Casa das
Obras em 1608, e ter sido Juiz da Meza do Santo em 1704,
e outras vezes; Morreo em 10 de Março de 171 8. Julgamos
que fosse Pintor de huma das classes mais rasteiras tendo
bastante fortuna, e protecção, como teve nos nossos dias
o Cavalleiro Ignacio Meireles, e tem tido outros.
Ignacio de Oliveir.\ Bernardes.
Na familia deste Pintor contão-se muitos Artistas. Seu
Avô Manoel Rodrigues, natural de Beja, mas nascido casual-
mente em Moura, era Pintor, e foi pae de António de Oli-
veira Bernardes. Este casou com Francisca Xavier neta de
hum Ministro, e filha de Francisco Ferreira, que seguia
também os Lugares de Letras, porem depois applicou-se
á Pintura, e forão os Paes de Ignacio de Oliveira, de
Fr. José de Santa Maria, Padre Thomarista, e de Policarpo
— 74 —
de Oliveira, todos Pintores, e discípulos de seu Pae. Antó-
nio de Oliveira entrou na Irmandade de S. Lucas em 7 de
Agosto de 1684. Policarpo de Oliveira Bernardes em 19
de Outubro de 1728, e José de Oliveira em 21 de Outubro
de 1731, sendo ainda secular; os dois primeiros servirão
lugares na Meza, e António de Oliveira foi Juiz em 1679.
Policarpo de Oliveira Bernardes fez o painel de Santo
António que está na Igreja da Lapa. Nasceo em 1695, e
morreo em 1778. Fr.' José, de quem já falíamos fez quadros
devotos de cavalete, morreo em 22 de Fevereiro de 1781
tendo 81 annos de idade. Ignacio de Oliveira nasceo em
Lisboa no i.° de Fevereiro de 1695, e foi hum dos estu-
dantes,'que D. João o 5." mandou a Roma aonde quiz fundar
huma Academia Portugueza da Arte; e ainda em 1776 alli
vimos vestígios de huma grande casa com padrão das Armas
Reaes Portugueza sobre a entrada, e era chamada pelos
Italianos a Academia de Portugal. Forão com elle, Ignacio
Xavier, natural de Santarém, o qual chegou aqui a pintar
hum medalhão para a Procissão do Corpo de Deos, e
morreo logo. Domingos Nunes, e José de Almeida. Ignacio
foi Escolar de Benedito Lutti, e por sua morte passou para
a Escola de Paulo Mathei, Director do dito CoUegio ou
Academia, e fez progressos na Pintura e na Architetura:
adquirio hum colorido por extremo vago, e agradável, mas
brandinho, e hum modo de desenhar elegante. Servia-se
de estampas, segundo o costume do nosso paiz, mas com-
punha com intelligencia sabendo bem a Perspectiva, a Ano-
tomia, Symetria, &c. e outras partes fundamentaes da
Arte.
Empregou-se em Lisboa como Architecto Civil, e como
- 75 -
Architecto Decorador, e como Pintor. Como Architecto
Civil fez desenhos para parte da Igreja de S. Francisco de
Paula, do Palácio de Queluz, e da Casa, e Quinta de
Gerardo Devisme. Como Decorador teve a direcção dos
Theatros de Queluz, e dos Theatros Régios, depois da
falta da Bibiena até a introducçao de Jacomo Azzolini.
Também dirigio, antes do terremoto, o Theatro dos Con-
gregados do Espirito Santo, e o da Rua dos Condes. Como
Pintor tem Mafra os dous painéis dos Oratórios do Paço
que representão S. José, e Nossa Senhora do Livramento.
Nas Aulas hum de Santo António. Na Sacristia o de
S. Francisco recebendo as Chagas, e na Portaria Mór o
de Santo António diante de Nossa Senhora, que he muito
grande, e o menos bom de quantos fez.
Em S. Francisco de Paula estão nas Capellas o de
S. José, e o da SS. Trindade, e no tecto o de S. Miguel,
hum dos melhores, e mais vigorosos que conhecemos delle.
Em Santa Isabel tem a Senhora da Arrábida, no Refeitório
de S. Bento o Castello d'Emaúz, e nas Necessidades o
Calvário, e a SS. Trindade. São também seus os quadros
da Capella Mór das Freiras de Carnide, o de S. Francisco
recebendo as Chagas, do Menino Deos, o da Piedade em
S. Vicente, o que está na Igreja do Rato, o Neptuno em
hum dos tectos da casa do Provedor dos Armazães, e dous
na Cartuxa &c.
Forão seus discípulos, Francisco Xavier, natural de Évora,
que vivia em 1773, e de quem vimos varias copias muito
bem feitas.
D. Michaela Arcangela Romaneti, sua filha, boa Minia-
dora que nasceo em 1740, e já era falecida em 181 5.
- 76 -
João Pedro de Oliveira, seu filho que vio a luz em Lisboa
no anno de 1752, fez hum quadro do Senhor dos Passos
para as Religiosas dos .Cardaes : hum painel grande da
Coroação de Nossa Senhora para huma Capella interior
das Freiras do Sacramento, e outros.
Ignacio de Oliveira entrou na Irmandade do Santo em
16 de Janeiro de 171 8. Em 1780 foi eleito, com Francisco
Vieira, Director da Academia do nú estabelecida de novo
a S. José, e poz alli hum acto. Morreo em 18 de Janeiro
de 1781. Faz menção delle o nosso Lobo na sua Silva,
dizendo que no colorido imitava a Vandeick. Não sabemos
se comparou bem.
Jeronymo da silva.
Temos deste Artista o S. Francisco de Sales na Igreja
das Necessidades, o painel da Capella Mór das Commen-
dadeiras da Encarnação que he de grande maneira; o
grande quadro, e as virtudes do tecto do Menino Deos ;
os da Capella Mór da Igreja da Pena, os que estão debaixo
do Coro em S. Sebastião, os retratos na Portaria de S. Vi-
cente, e os da Casa do Capitulo na Graça que são de Papas,
Cardeaes, Bispos, e Veneráveis da Ordem, sendo alguns
de André Gonçalves. Entrou na Irmandade de S. Lucas
em 18 de Outubro de 171 1, e sérvio vários lugares na
Meza desde 1713 até 1732. O Lobo louva-o em dous versos
dizendo que entre muitos figuristas fora hum dos melhores.
Ouvimos dizer estudou em Roma.
— 11 -
Pedro António Quillard.
Nasceo em Paris, e contava apenas 12 annos quando fez
huns desenhos tão b.ellos, que o Abbade Fleury, depois
Cardeal, os apresentou a Luiz i5 seu discípulo, o qual lhe
concedeo logo huma certa pensão para o animar. Entre
tanto hum tal Merveilleux, Medico Suisso, que devia passar
a Lisboa para escrever a Historia Natural destes Reinos,
e era seu amigo, o induzio a acompanhallo para lhe dese-
nhar os objectos que elle havia de escrever. Quillard tinha
talentos superiores; retratava bem; pintava com lindo estilo
as festas galantes no gosto de Wateau, de quem parecia
ser discípulo, e era também forte no grande género como
deixou ver nos painéis da Cêa, e Lava-pés que pintou para
Mafra, e estão, o i.° no altar do Campo Santo e o 2.° na
Portaria mór; nos tectos que pintou no antigo Palácio
Real ; nas Fabulas que possuía o Marquez de Valença, e
em outros muitos que se achavão nas collecçÕes de Mr.
Mangié, do Marquez de Alegrete, e do Conde da Ericeira.
Na casa de Cadaval sempre foi famoso o retrato do Duque
D. Ja3'me a cavallo ; como também se celebravão as func-
çóes da Luz, e da Nazareth, cujas copias pintadas por
Joaquim Marques possuio Architecto Manoel Caetano de
Sousa.
Logo que chegou a Lisboa foi acceito para Pintor do
Rei, e Desenhador da Real Academia da Historia com
õoí&ooo réis mensaes, mas sendo atacado de cólica, morreo
apressadamente em 25 de Novembro de lySS. Gravou a
agua forte o S. Lucas para as antigas patentes da Irman-
- 78 -
dade do Santo, huma estampa mui laboriosa da marcha
fúnebre do Duque de Cadaval, e outras cousas.
João Ranc, que em 1724 fora nomeado Pintor de Fi-
lippe 5.° veio por este tempo a Lisboa a fim de retratar a
Familia Real. Alguns dos seus retratos forão abertos a
agua forte por Gabriel Franco Luiz Debrie, Abridor da
Academia Real, em lySg. Elle morreo em lySS, de 61
annos
Pedro Guariente.
Tendo onze annos de idade começou a estudar a Arte
em Verona, três annos depois, protegido pelo Marquez
Albergatti foi a Bolonha aonde frequentou a escola de José
Maria Crespi, desejando ser, não só bom Pintor, mas
também bom conhecedor de pinturas, e dos seus Authores)
começou a comtemplar, a observar, e mesmo a copiar as
obras dos grandes Mestres, a fim de imprimir bem na
memoria o caracter de cada hum.
Em 1723 foi feito Académico Clementino em Bolonha:
viajou depois em vários Reinos da Europa, e esteve também
em Portugal, aonde recolheo memorias de alguns Pintores
nossos com que ampleou o Abecedario Pictorio do Padre
Orlandi, que reimprimio em Veneza em 1753 e offereceo-o
ao Eleitor de Saxonia, de cuja Regia Galaria era Inspector.
Elle achava-se em Lisboa pelos annos 1730, aonde limpou,
e retocou painéis de Igrejas, e os das Collecçóes particulares;
e fez a descoberta da famosa taboa de Rafael representando
£1 Sagrada Familia, que se acha na Collecção de Penalva.
— 79 —
Na Casa de Tancos ha também huma attestaçao sua em
que affirma a originalidade dos célebres painéis do Bassano
e de outros Authores. Quando se retirou, deixou o segredo
da sua agua de limpeza a Caetano Alberto do qual passou
a seu filho Jacintho de Almeida, que limpou, e retocou
quasi todas as CollecçÕes de Lisboa, e também a de Sua
Magestade, de quem obteve em premio huma pensão vita-
lícia.
Francisco Vieira Lusitano.
Eis-aqui hum Pintor Portuguez, que pôde competir com
muitos dos mais egrégios das Nações Estrangeiras. Nasceo
em Lisboa em 4 de Outubro de 1699, e apenas tinha pas-
sado os annos da puericia quando deo signaes de que viria
a ser tão extremoso amante, como insigne Pintor. Parece,
que a Natureza infundio nelle ao mesmo tempo estas duas
raridades para o fazer duas vezes famoso. Como, e quando
começou amar a sua D. Ignez ; como se recebeo com ella
a furto dos seus parentes ; como estes cheios de furor a
clausurarão logo no Convento de Santa Anna, aonde a
obrigarão a professar, inda que ella protestasse, que era
casada, e como passados annos pôde sahir para viver com
elle ; são cousas que não só por mui sabidas, mas por
exactamente contadas no Livro do Pintor Insigne nos po-
demos dispensar de repetir. Diremos com tudo alguma
cousa a respeito dos seus progressos na Arte.
O Marquez de Abrantes tendo visto o muito, que o seu
génio estava promettendo, com beneplácito de seus pães o
conduzío a Roma aonde foi como Embaxador Extraordi-
nário de D. João o 5.° ao Papa Clemente XI. Alli foi dis-
cípulo de Lutti, e depois de Trevisani. Esteve 7 annos, e
no fim delles ganhou hum i.° premio da Academia, na
I .^ classe. Quando veio mandou-lhe El-Rei fazer hum grande
painel do Santíssimo Sacramento para servir na Procissão
do Corpo de Deos, e outros para a Patriarchal, os quaes
não acabou; e sem se despedir partio segunda vez para
Roma a procurar o recurso, que lhe não valeo, para tirar
a mulher do Convento. No seu primeiro estylo, menos
acabado, e mais pintoresco, são feitos os dous painéis que
estão em S. Roque de Santo António pregando aos peixes,
e prostado diante de Nossa Senhora. Pedro Alexandrino
louvava muito a distribuição das luzes deste quadro. O
corpo nú de Lúcifer he huma bellissima Academia pintada
com grande franqueza, e intelligencia de Anatomia.
Antes de fazer a segunda viagem tinha elle em 22 de
Outubro de 1719 entrado na Irmandade de S. Lucas, e
vê-se no Livro dos assentos, que o seu nome era Francisco
Vieira de Mattos. No anno seguinte sérvio na Meza. Esteve
mais 6 annos em Roma, e foi feito Académico de mérito
na Academia de S. Lucas. Voltou, e conseguio a suspirada
posse da Esposa que sahio da Clausura vestida de homem;
mas foi gravemente ferido com hum tiro de pistola pelo
Irmão delia. O agressor sahio do Reino soffreo os males
da pobreza, e veio por fim a mendigar o pão daquelle a
quem havia tão atrozmente maltratado (1). Vieira receoso
(i) Sabemos este facto da boca do mesmo Vieira.
■ — 8i —
de algum novo insulto retirou-sc por algum tempo para o
Convento dos Paulistas, aonde em 1780 e 3i, pintou os fa-
mosos Eremitas para o Cruzeiro da sua Igreja. Para viver
tranquilo resolveo a terceira viagem de Roma, e chegou
até Sevilha em lySS. Dali, sendo chamado, tornou a esta
Corte como Pintor do Rei com ordenado de 60^ réis cada
mez, e as obras pagas. Muitos dos seus painéis queimá-
rão-se pelo terremoto; mas ainda restão o Santo Agostinho
da Portaria da Graça, painel famoso, pintado em lySõ; os
bellissimos quadros de Povolide que representão Santo Antó-
nio, S. Pedro, S. Paulo, a Familia Sagrada, e Santa Barbara,
e forão executados desde lySb até 1740. A celebre Sacra Fa-
milia do Conde d'A^umar. O grande painel de S. Francisco
despojado dos hábitos seculares, que está no Menino Deos;
o quadro também respeitável da Capella Mór da Cartuxa.
Em S. Francisco de Paula tem o quadro do mesmo
Santo na Capella Mór; e nas Capellas menores o da Se-
nhora da Conceição, o da Sagrada Familia, e o de Santo
António, que forão feitos por 1765. Em Mafra, na Capella
dos sette altares está outra Familia Sagrada em grande
painel, regeitado pelas intrigas dos seus emulos. Na Casa
de Cadaval havia huma réplica desta pintura. Na Ermida
de S. Joaquim ao Calvário ha varias pinturas suas, bri-
lhando muito a da Sagrada Familia que está sobre o Altar.
O Conde de Lipe por 176Í visitou Vieira, e obteve delle
hum Santo António que levou para Alemanha. Guilherme
Hudson também conduzio a Inglaterra o celeberrimo ori-
ginal da Adoração dos Reis. Também he sua a Conceição
que está na Junta do Commercio. Braz Toscano de Mello,
Escultor empregado em Mafra possuia outro Santo António
6
— 82 —
de Vieira; e Pedro Alexandrino falia em hum painel do
mesnio Santo, e do mesmo Author que se acha na Collecção
de Borba. Entre os quadros deste Author, que devorou o
incêndio de 1755 era assas famoso o do tecto dos Mártires,
pintado em 1750 de que nos restão os desenhos: represen-
tava a tomada de Lisboa aos Mouros por D. Afíonso 1.°,
e Guilherme de Longa espada, protegidos por Nossa Se-
nhora dos Mártires. Custou i:ooo3í) rs. Pelos gabinetes dos
Curiosos ha vários esbocetos seus. Fez hum número pro-
digioso de óptimos desenhos, dos quaes a maior parte
delles possue a Inglaterra, aonde os Amadores da Arte os
pagavão muito bem, e muitos forão alli estampados : tam-
bém abrio elle mesmo alguns a agua forte, contandose
entre os melhores o de Neptuno e Goronis, e o das Parcas
cortando o fio vital de seu Irmão. Foi igualmente sábio em
Architectura como se vê em muitas das suas obras, e no
desenho que fez para huma fonte de Neptuno entre duas
Casas de prazer para hum jardim de Alexandre de Gusmão.
Vimos em Roma painéis seus, e estampas copiadas pelas
suas invenções.
Vieira professou na Ordem Militar de S. Tiago em 1744.
Em 75 enviuvou, e deo então fim á sua carreira pinturesca.
Deixando Mafra, onde D. Ignez espirou, veio viver para o
sitio do Beato António, cheio de mágoa, e saudades ; dese-
jando muito sahir desta vida para ir fazer companhia á sua
idolatrada esposa. Publicou em 1780 o seu livro do Pintor
Insigne, e leal Amante, assistio a hum acto da Academia
do nú a S. José, e três annos depois acabou õs seus dias,
tendo vivido exemplarmente soccorrendo os pobres, e fre-
quentando com muita devoção os Santuários.
— 83 —
Vieira teve alguns discípulos, e bastantes imitadores.
Estes forilo Joaquim Manoel da Rocha, o qual em matéria
de composição preferia ao mesmo Rafael, (parece grande
excesso), António Joaquim Padrão, Pedro Mattheus, e ou-
tros.
Entre os seus discípulos podemos contar sua Irmã Catha-
rina Vieira, e o Morgado de Setúbal.
De Catharina Vieira existem dous painéis no Oratório
da Casa nobre de Moreira Dias na rua da Fé, hum repre-
sentando S. Lucas, outro S. João Evangelista; ambos fir-
mados por ella. Seu Irmão a celebra no seu livro pag. 295.
Ouvimos dizer a Pintores antigos, que ella, e D. Anna de
Lorena havião pintado parte dos quadros para a Ermida
de S. Joaquim, cujas invenções são quasi todas de Vieira.
Alguns Pintores o ajudarão por vezes a pintar os seus
painéis, e entre outros D. André Rubira que trouxe comsigo
de Sevilha, o qual o ajudou no painel da Cartuxa, e fez o
S. José, e o transito de S. Francisco para o Menino Deos.
João Pedro Volkmar.
Nasceo em Lisboa pelos annos 1712, com bastante génio
para as artes de imitação. Seu Pae, que tinha o mesmo
nome, era Alemão, filho de Paes Lutheranos, mas inclina-
va-se muito á Religião Romana, e tendo visto de noite, no
seu quarto, hum raio de luz, e huma Imagem que se lhe
representou ser de Nossa Senhora, deixou a casa paterna,
e foi viajar para se fazer Catholico. Casou em Lisboa onde
- 84 -
teve bastantes filhos, e huma filha. Como amasse muito a
Santa Religião que abraçava, desejava que os seus filhos
se dedicassem á Igreja, e fez património ao mais velho,
que morreo antes de se ordenar. O 2." João Pedro estava
acceito para o Convento da Graça; mas tendo hido á Ba-
talha assistir á entrada do 3.° filho, Fr. Francisco da Ex-
pectação, que vestio o habito de S. Domingos, tomou em
tanto a resolução de ficar no século, e de se applicar á
Pintura. A filha Maria Rosa casou cora Manoel Machado
Ferreira, que pertencia á familia dos Machados, honrados
Lavradores do termo de Setúbal, e por morte de seu tio
o Padre AíTonso Machado devia herdar bastante fazenda;
mas o Padre sobrevivendo- lhe muitos annos, porque viveo
hum século, teve tempo para deixar cahir as casas, decepar
as vinhas, e arrazar os arvoredos.
João Pedro como gastasse os annos da adolescência nos
estudos da Filosofia, quando se decidio a querer estudar
a Arte, era já hum pouco tarde. Foi a Roma á custa da
sua casa, e alli frequentou a escola do famoso Corrado.
Tornando á Pátria por 1740 pintou, em concurso com Be-
rardo Pereira alguns painéis da vida de João Abbade de
Lorvão, e outros : também fez varias remessas de quadros
para o Brazil. Depois do terremoto pintou hum número-
incrível de pequenos quadros do Santo Borja, que as gentes
devotas invocarão contra aquelle terrível flagello. Seguio-se
a moda dos pannos pintados a tempera para ornamento
das casas; e nisso, e em painéis de cavalete se occupou o
resto da sua vida, que durou até o dia 8 de Março de 1782.
As Obras publicas que restão delle são »Em S. Miguel
d'Alfama o Senhor curando os hydropicos. A SS. Trindade
— 85 —
coroando Nossa Senhora no Coro dos Padres Trinos. Hum
Calvário no Oratório junto ao Chafariz da Rua Formosa.
Vários Eremitas pintados a fresco eni casa de D. José
Lobo á Boa vista, e poucas outras.
Teve por discipulo i." seu irmão Henrique Pedro de
quem era tutor. 2." Simão dos Santos que se occupou em
cousas de ornamentos, e morreo moço: 3.° Cyrillo Volkmar
Machado, seu sobrinho, filho de sua irmã.
Henrique Pedro Voli^mar tendo desavenças com seu
irmão, e mestre, retalhou huma dúzia de painéis que esta-
vão promptos a embarcar, e ausentou-se, viajou pela Hes-
panha; e tornando adiantado, mas pobre e doente pelos
annos 1769, foi morrer a sua casa, sendo ainda muito
moço.
Peregrino Parodi.
Filho de Domingos Parodi, excellente Pintor Genovez,
que fez os dous painéis da Circumcisão, e Desposorios
para a Capella Mór dos Barbadinhos Italianos em Lisboa.
Nasceo em Génova; frequentou as aulas dos Jesuítas nos
seus primeiros annos, e depois os estudos da Pintura na
Escola de seu Pae. Fez retratos com muita semelhança, e
concorrião Senhores de ambos os sexos, tanto naturaes do
paiz, como estrangeiros, e pedir-lhe para que elle os retra-
tasse. Em 1741 retratou o Doge Nicoláo Spinola, cuja pin-
tura foi gravada em Florença pelo Gregori. Passou depois
a Lisboa aonde fez hum número prodigioso de retratos,
§ adquirio sommas avultadíssimas, que despendia logo com
— 86 —
jogo, boa meza, e cocheira, sem reservar nada para o dia
seguinte : de modo, que chegando a ser bastante velho, e
invahdo, morreo muito pobre, mas bem tratado na enfer-
maria dos Creados de ElRei, pelos annos 1785.
Além dos retratos, fez também o painel da Cêa que está
em Santa Isabel. Como tinha muito que fazer, occupou em
qualidade de Ajudantes alguns Pintores, e forão Roque
Vicente, o Rocha, o Bruno, e Cyrillo muito nos seus prin-
cípios. Era Poeta, e muito jovial. Mandando-lhe huma dama
pedir setim azul ferrete para hum vestido, respondeo-lhe
«Menina, setim asul ferrete não ha; veja se o quer mais
claro ?
Francisco Pinto Pereira.
Foi hum Retratista tão acreditado no seu tempo, que
pôde sustentar hum estado opulento. O Lobo o elogia
neste ramo da Arte dizendo ))0 Pinto alto voou por seus
disvelos: retratos muitos fez, e muito bellos.» Os seus
painéis de Historia são poucos, e máos. O seu forte, diz
Pedro Alexandrino, era pôr grandes massas escuras muito
ao pê dos realces, sem a suavidade das meias tintas. Esta-
vão alguns delles na Igreja do Senhor do Bom fim em
Setúbal. Também se seu o de Jesus Maria José na Fre-
guezia do Coração de Jesus. O melhor he de Santo António
na Igreja das Necessidades, e tanto que não parece da
mesma mão. Entrou na Irmandade de S. Lucas em 1720,
e sérvio na Meza quasi todos os annos, até o de 53, sendo
Juiz em 33, 34, e 35, e morreo em 27 de Outubro de 1752.
— 87 -
Florão seus discípulos Miguel António do Amaral, e Domin-
gos da Rosa.
Miguel António era natural de Castello branco. Fez em
Lisboa quantidade de retratos, que lhe derao para se tratar
com hum certo fausto : os mais notáveis forao os da Família
Real, encommendados por hum Agente da Imperatriz da
Rússia, de quem foi liberalmente recompensado. Fez tam-
bém painéis de Historia : os da vida de S. Francisco, que
estiverão sobre as Capellas da Igreja de Xabregas, feitos
por desenhos de Vieira, apodrecerão com a humidade, e
estão alli outros. No Carmo tem o Santo António feito
pela estampa de Marata : são seus alguns meios corpos
nas Sacristias da Trindade, e das Commendadeiras da
Encarnação. Pedro Alexandrino falia em outros quatro que
estão no Cruzeiro de Belém, e vem a ser o Maná; os
Triunfos de Nossa Senhora, e o do Santíssimo Sacramento,
e outros. Entrou na Irmandade em 28 de Abril de 1734:
morreo em 1780 tendo quasi 70 annos. Foi mestre de Jero-
nymo de Barros, e de Manoel de Matos. O Lobo o com-
para com Aparicio, e não sabe y>qiial tem nas coínpetencias
a victoria.y>
O Abbade Apparicio.
Francisco José Apparicio, era natural de Villa-Franca.
Estudou em Paris aonde frequentou a escola de Mr. Urry,
e copiou também algumas obras de Jacintho Rigaud, porque
se inclinou para o género de retratos. He seu o do Senhor
D. José que está na Casa dos Reis em Belém, inda que
— 88 —
retocado por André Gonçalves, e tem alguma cousa do
estylo do seu modelo. O Painel da Sagrada Familia, copia
de Rafael que está na Igreja das Necessidades he também
dos seus pincéis. Costumou-se em França a trajar a TAbbé,
trajo de que usou sempre. Morreo de 8o ou mais annos no
de 1787. Usava da Arte mais como curioso grave, que
como Professor.
Domingos da Rosa.
Teve a honra de ser Mestre de Desenho, e Pintura de
SS. AA., e de retratar muitas vezes as Pessoas Reaes para
ficarem aqui os Retratos, e para hirem para Hespanha.
Pintou também alguns painéis de Historia, como o de
S. Miguel e Almas para Santa Isabel, e o de Nossa Se-
nhora para a Capella do Sacramento no Carmo.
Fr. Martinho da Costa, Monge de S. Bernardo, da Fa-
milia dos Amieiros Mores, tradruzio do Latim, por elle lho
pedir, o Poema de Fresno}^ sobre a Pintura, e mandou-lhe
a traducção, com huma carta, em que lhe diz, que olhando
para as suas admiráveis producçÕes, e egrégios quadros,
cuja poesia deixa nelles de ser muda, lhe parece supérflua
a efficacia com que havia solicitado aquella traducção. Que
se os Heróes da Pintura de quem falia o Author resur-
gissem, e viessem observar os seus excellentes painéis, se
admirarião de vêr reunidos em hum só Artista todos os
raros dotes que elles possuirão divididos ; de modo tal, que
sem lhe ser preciso como fora aos mais soífrer a morte
para ter applausos, já em vida merece que seja gravado,
e esculpido s-eu nome em letras de bronze &c.
- 89 -
Teve a Mercê do Habito de Christo, que não chegou a pro-
fessar. Entrou na Irmandade de S. Lucas em 22 de Abril de
1754, e falleceo em Lisboa em 1796 com 67 annos de idade.
José da Rosa, seu filho e discípulo succedeo-lhe nos
empregos que tinha no Paço ; tendo a honra não só de
preparar as palhetas para SS. AA., mas também de exe-
cutar aquellas cousas de maior fadiga, que as mesmas
Augustas Senhoras lhe determinavão.
José' da Costa Negreiros.
Foi discípulo de André Gonçalves, cujo estylo seguia
com mais sisudeza, mas com menos agrado. O Lobo diz
delle »qne não era aífectado, e que entre o sisudo, e o
pezado seguia sempre o meio termo.» Pintou o painel da
Conceição para o Erário Régio, outro para o Senado da
Camera, hum terceiro para os Armazães da Fundição, e
huma Santa Anna para o Oratório da mesma Casa. O
S. Roque para a Capella da Ribeira das Náos ; e o Tran-
sito de Santa Thereza para as Carmelitas de Carnide. He
também sua a Senhora da Piedade que está em huma das
Capellas da Sé por de traz do Coro, e outra que está, diz
Pedro Alexandrino, na Ermida do Resgate, e a Imagem
do Santo Christo que está na Casa do Despacho do Menino
Deos. (i) Fez alguns tectos em Loires na Quinta do Correio
Mór, o da Casa do Capitulo em S. Domingos de Bemfica,
(i) O Publico tem dado vários Authores a este famoso painel;
mas consta-nos que he do Negreiros.
— 90 —
cuja Architectura he de Lourenço da Cunha: os painéis em
hum coche rico para os Senhores de Palhavã, e outros ; e
faria mais senão se distrahisse tanto com o divertimento
da caça, e tivesse vivido mais tempo. Entrou na Irmandade
de S. Lucas em 24 de Outubro de 1745, e sendo solteiro
faleceo em 1759, de 4S annos de idade. Forao seus disci-
pulos Bruno José do Valle, Simão Baptista, que se applicou
depois aos ornatos, e refrescou o tecto da Capella Mór dos
Paulistas, obra do Pimenta.
Este homem hábil era descendente de huma antiga e
illustre familia, da qual sahirao outros Artistas benemé-
ritos, de quem adiante faremos menção.
Roque Vicente.
Foi discípulo de Joaquim Manoel da Rocha nà escola de
Domingos Nunes. Vimos em casa de Parodi alguns retratos
copiados por elle, e entre outros os do Marquez, e Mar-
queza de Pombal, que tinhão bello estado de cores, e suavi-
dade de pincel. Existem três painéis seus na Igreja de Santa
Isabel, feitos pelos annos de 1764, e são o de Jesus Maria
José, o de Santa Anna, e o de Santo António. Nos dous'
últimos ha humas figuras de Pedro Alexandrino, que tam-
bém se distinguem.
António Joaquim Padrão.
Pintou o S. José que está no Mosteiro dos Bentos, á
Estrella ; Nossa Senhora do Carmo para a Capella do
— 91 —
Arcebispo dAdrianopoli; o painel chamado da competência
porque o fez n'hiima espécie de concurso com o Rocha :
he a Annunciação Nossa Senhora feita pela estampa do
Baroccio, e bem se vê. que poz alli todo o seu saber, con-
seguindo talvez igualar o seu modelo, no colorido, graça,
suavidade, e expressão. Este quadro está na Galeria de
Borba. Também soube pintar com magistério paizes, e
retratos, e faz-lhe muita honra o de D. Fr. Manoel do
Cenáculo Arcebispo de Évora, que está em Jesus. Na
Sacristia da Ermida da Piedade, á Boa-Morte, está outra
pintura sua feita para a bandeira do Terço, e foi huma
das ultimas cousas que fez; assim como o Menino Jesus
representado na idade adolescente para o P. António Luiz,
bem conhecido pelo zelo, e caridade com que educava os
órfãos ; o qual passou para a coUecção do Marquez d'Angeja.
Fez os esbocetos, que forão para França para por elles se
executar o grande retrato do Marquez de Pombal expul-
sando os Jesuítas. Abrio muito bem a agua forte. Morreo
moço, e tisico pelos annos 1760. .
O Lobo o elogia muito e diz, que era melancólico, e
estudioso ; que não poupava deligencia alguma para se
aperfeiçoar, e que sabia abrir os Livros com gosto raro.
Foi mestre de João Silvério Carpineti, e de José Caetano
Syriaco.
João Silvério Carpineti, que também estudou com Vieira,
foi bom desenhador, e gravou a agua forte os retratos das
Pessoas Reaes, do Marquez de Pombal, e outras cousas.
Desenhou toda a Marinha de Belém, e o embarque dos
Jesuítas para servirem de modelo á que se gravou em
França, por ordem de Gerardo de Visme na famosa es-
— 92 —
tampa do Marquez de Pombal, bem conhecida dos curiosos.
Teve amisade com Gildemeestre Cônsul de Hollanda, e
com o sen crédito entrou em especulações mercantis, em
que não foi sempre afortunado.
José Caetano Syriaco pintou no seu principio ornatos,
paisagens, e quadraturas nos Theatros Régios ; tempos em
que Pedro Alexandrino pintava alli as figuras; e como
alcançou a moda dos pannos pintados para adorno das
casas fez grande número deiles com boa acceitaçao; pin-
tando também nos Theatros da Corte figuras, e paizes.
A óleo pintou o painel da Capella Mór das Freiras dos
Cardaes; os da Ermida de D. Christovao a Arroios, o
de Santa Gertrudes em S. Bento da Estrella, o do Terreiro,
e alguns mais. Inda que não fosse rico, era assas maltra-
tado pela gota, e morreo da idade de 6o annos por 1800
pelos fins do século.
Joaquim Manoel da Rocha.
Nasceo em Lisboa, e foi discipulo de André Gonçalves,
e de Domingos Nunes : era também admirador enthusiasta,
e imitador de Vieira.
Domingos Nunes foi hum dos que El-Rei D. João o 5."
mandou a Roma, e quando veio fez hum painel que se
queimou pelo terremoto, e alguns lindos esbocetos para
outras obras ; depois por falta de vista não pôde pintar
mais.
O Rocha teve no principio colorido agradável, depois
usou muito de preto de marfim a que chamava preto santo.
— 93 -
e da terra rossa, que dá na côr de tijolo. Copiou quantos
desenhos pôde de Vieira; e copiava-os também que se
equivocavão muito com os originaes. Pelos annos 1760
pintou o panno da embocadura para o Theatro do Bairro
alto, aonde representou Apollo ^om as Musas, e hum
bellissimo Tejo. Gustou-lhe muito a manejar as tintas, e
não quiz pintar mais nada a tempera. Como não fazia
pannos para ornar casas, e não queria ir pintar em tectos,
nem em lugar algum fora da sua casa, achava-se ás vezes
sem encommendas, e nesses intervalos pintava fogos, bú-
zios, conxas, e outros objectos da natureza morta, tudo
com a maior verdade, óptima composição, e toque magistral.
Também gravou mui pintorescamente a agua forte. O seu
costume era pintar de manha, e passear de tarde, até que
sendo admittido como Lente na Aula Regia do Desenho,
que então se estabeleceo, dahi por diante empregou as
tardes nas lições da sua escola. Fez 'bastantes quadros
para Igrejas, e são »o da Sagrada P^amilia para o Carmo;
os da Ultima Cêa na Conceição dos Freires, e no Loreto,
os da Senhora da Conceição em Santa Isabel, na Sacristia
dos Paulistas, e nas Sete Casas. O da Ermida do Morgado
da Alagoa, o S. Paulo Eremita na Portaria dos Paulistas.
Annunciação do Baroccio, e hum Apostolado na Ermida
de Feliciano Velho. Para os Oratórios dos Jooens hum
Jordão, e a Senhora do Rosário. Estes commerciantes ins-
peccionarão as obras da Igreja de S. Paulo, para onde fez
o Rocha o famoso painel de S. Pedro e S. Paulo. Os 4
Arcanjos para a Capella do Senhor da Paciência na Con-
valecença. Hum S. Jorge para Paulo Jorge, hum que está
na Capella Mór, e dous na Sacristia de S. Pedro d'Alcan-
— 94 —
tara. Sete painéis também de Igreja para a Ilha Terceira.
O de S. João Evangelista na Capella Mór do Beato António,
e dous em huma das outras Capellas; e outros mais.
Também fez retratos : o seu, o de sua Mãe, o de Fran-
cisco Vieira Lusitano, como a cabeça de hum Monge, e a
Senhora de Trevisani, todos pintados por elle, estão na
CoUecção de Borba. No ante-côro de Jesus está o de Mayne,
e outros 5 seus successores, e Bispos. Em 1780 concorreo
para a Academia do nú a S. José; e depois também ajudou
3. dirigir a da rua dos Camillos. Entrou na Irmandade de
S. Lucas em 22 de Outubro de 1752, e morreo em 28 de
.Setembro de 1786. Pedro Alexandrino diz que desenhava
bem, mas que em os seus nus usava muito das linhas
rectas, ou quasi rectas ; cousa que conduz ao estylo magro.
O Lobo o louva muito, e diz mais, que era sisudo na cor,
e forte no claro-escuro. (i) Forão seus discípulos Bernar-
dino da Costa Lemos, natural de Porto de Mós, o qual
copiou painéis de cousas naturaes que estão na Col.lecção
de Mayne em Jesus, tendo cada hum delles duas pequenas
mós, que lhe servem como de firma, ou divisa. Fez também
a Conceição para a Igreja de Santo André, os Reis, e o
Nascimento para debaixo do Goro de Jesus. Descontente da
fortuna foi para a sua pátria servir hum officio de Escrivão. -
(i) O Rocha sendo aliás hum homem de grande probidade, teve a
fraqueza, induzido pelo seu amigo João Rosado Villalobos, Professor
de Rhctorica, de satirizar os painéis, e a conducta de Batoni que não
o merecia, e de lhe enviar a sátira traduzida em Italiano. Só porque
Pompêo Batoni foi incumbido de fazer os painéis para a Basílica Real
-do Coração de Jesus. Obra que elle tinha requerido para si.
- 95 -
Joaquim Leonardo da Rocha, seu primeiro filho nasceo
em Lisboa em lySG, e alem dos progressos que fez na
Pintura, e na Gravura d'agua forte, tocava cravo, e era
muito bem acceito em casa d'Alorna, Pelos annos 1780
foi para a China com D. Fr. Alexandre de Gouvêa Bispo
de Pekin. Alli soube que se entrasse no Império não tor-
naria a sahir, e não quiz entrar. Depois que veio casou, e
teve hum partido do Marquez d'Alorna, a titulo de seu
Pintor. Pelos annos 1808 passou á Ilha da Madeira, aonde
dirigia huma Aula de Desenho, e para uso dos seus Esco-
lares publicou y)Medidas geraes do Corpo humano para
uso da Real Academia de Desenho, e Pintura da Ilha da
Madeira em 181 o.» Dedicadas ao Governador Pedro Fa-
gundes Bacellar.
João Franco Rocha seu segundo filho, nasceo em 1760.
Aproveitou menos, e foi mui pouco feliz : faleceo bastante
pobre pelos annos 1816. Teve outro discipulo José Jacintho
que foi Cónego em Évora.
Pedro Alexandrino de Carvalho.
Teve, como André Gonçalves o talento de saber agradar
ao Público, de sorte que não só tinha as encommendas de
quasi todos os painéis de Igreja, que se fazião de novo ;
mas tiravão-se muitos mais antigos dos seus lugares para
se collocarem os delle. Nasceo em Lisboa em 1730, e
começou a estudar a Arte com João de Mesquita, Pintor
de ornatos. Passou depois á Escola de Berardo Pereira
- 96 -
Pegado, que sem ser bom Pintor gosava d'huma certa
reputação em virtude da qual fez os painéis do Santo Es-
tevão d'Alfama, e outros. Teve alli por condiscipulo o
Sobrinho de seu Mestre Manoel Pereira Pegado, que dese-
nhava bem, e chegou a fazer boas cópias.
Pedro Alexandrino teve grandes desejos de ir a Roma,
mas não o conseguio : sendo porem visinho, e amigo de
André Gonçalves podemos dizer que deveo a elle, e ao
seu natural engenho os progressos que fez. Pintou com
admirável facilidade a óleo, a tempera, a fresco; em grande,
e em pequeno, por estampas, pelo natural, e de prática.
Fez muitos painéis em carruagens ricas, com Génios, Deoses,
e Deosas da Fabula, verdadeiramente encantadores; e huma
delias foi mandada de presente ao Rei de Marrocos. Pintou
com igual graça a tempera, pannos de ornar casas, e esta-
tuas, e quadros nos Theatros. Até hum certo tempo julga-
va-se que os seus talentos erao limitados a objectos de
galantaria; e para os painéis grandes lhes preferião Ignacio
de Oliveira, o Negreiros, o Roque, o Rocha, e o Bruno;
mas quando por 1778 fez o grandíssimo quadro do Salvador
do Mundo, para a Sé, tudo o mais ficou de parte.
Ainda que conhecesse o grande crédito que tinha, fazia
todos os esforços para agradar, hindo a tectos, e a toda a.
parte aonde achava que fazer, e não rejeitava cousa alguma
por barata que fosse ; seguindo nesta parte o systema de
Bento Coelho. Nós o vimos começar hum grandíssimo
quadro no tecto de huma Igreja, pela pequena cabecinha
de hum Serafim, e proseguilo até o fim, sem precisar tornar
atrás para correcção, affinação, ou accordo ; cousa verda-
deiramente rara; mas que foi causa de que o seu colorido
— 97 —
muitas vezes desmaiasse com o tempo por pouco em-
pastado.
Iriamos muito, e muito longe se quizessemos indicar
todos os quadros que fez, e só observaremos que assim
como não ha Igreja antiga aonde senão ache alguma cousa
de Bento Coelho, assim não ha Templo, ou Convento
moderno aonde senão encontrem muitas cousas de Pedro
Alexandrino. Por divertimento, para adorno da sua casa,
pintou alguns lindissimo*s e preciosos quadros de flores, e
fructos. Foi hum dos Directores da Academia do nú na
rua dos Camillos. Os seus discipulos são José António
Parodi, seu cunhado. Vasco José Vieira, e hum certo Theo-
doro, que se applicou ás miniaturas, e morreo moço. Joa-
quim José de S. Payo, ajudou a pintar varias cousas
dirigidas por seu Mestre : inclinou-se para o concerto de
painéis, e tem retocado muitos.
He Mestre de seu filho José Ignacio de S. Payo, o qual
se applica ao género histórico, e ao dos retratos, como se
applicou seu Avô Miguel António. Henrique José da Silva
nasceu também em Lisboa em 1772. Estudou o desenho
'na Aula Regia por 5 annos depois com o Rocha, e três
com Eleuterio Manoel de Barros, que lhe succedeo, em
1790 passou para a escola de Pedro Alexandrino, que fre-
quentou por alguns annos. Tem pintado muito nos Theatros,
e feito tectos, e paredes a fresco com figuras, e ornatos.
Tem igualmente executado não só quadros de cavalete a
óleo, mas também alguns para Oratórios, e para Igrejas,
imitando em todos o agradável estylo de seu Mestre. Tam-
bém tem feito retratos, &c. Em 1819 passou ao Rio de
Janeiro. Felisberto António Botelho.
7
-98 -
Pedro Alexandrino pintou até aos últimos dias da sua
vida, que se terminou em 27 de Janeiro de 1810 com 80
annos de idade. Jaz na Igreja de S. José sem epitáfio,
segundo o uso do paiz. O seu retrato, pintado por elle
mesmo pelos annos 1776 existe na collecçao de Borba.
Bruno Jose' do Valle.
Teve grande génio para a Pintura, mas pouca vontade
de se applicar a ella, e vindo a ser sócio de João Gomes
Varella na Empreza do Theatro do Bairro Alto, pelo que
tocou em dote a sua mulher, pôz de parte os pincéis, e
não tornou a usar delles senão quando a urgência o obrigou
a isso. Gompetio com Pedro Alexandrino, e até aos annos
1762 davão-lhe a perferencia, porque no tecto da escada
da Fundição, o Pedro, e o Berardo fizerão nos lados as
4 partes do Mundo, e elle fez o grande quadro do meio.
Gontinuou depois com a casa das pistolas, aonde colorio
outros painéis allegoricos. Para Santa Isabel pintou S. Se-
bastião, copia em parte da estampa do Dominichino. A
figura do Santo tirada pelo natural não foi muito feliz,
faltando-lhe aquella elegância, e fidalguia, que se costuma
dar a este Santo. He também seu o quadro da Gapella
Mór da Trindade, o da Sagrada Familia na Sacristia de
Santo António da Sé, e os da Piedade, e S. Miguel na
Gonceição dos Freires. Ao Duque de Gadaval de quem era
Gompadre pintou grandemente duas riquíssimas carrua-
gens. Imitava seu Mestre José da Gosta Negreiros, mas
i
— 99 —
tinha mais fogo, mais força, e menos suavidade. Teve
génio mui superior para os retratos, e na Fundição por
divertimento retratou António Caetano, e José Carvalho,
ambos Pintores bons, o i.° de ornatos, e o 2.° de flores, e
fez duas cabeças de grande Mestre com todo o requisito
de bem parecidas, sem a timidez ordinária em obras desta
natureza. Faleceo em Lisboa sua pátria pelos annos 1780
andando por meia idade. Teve por discípulos Manoel An-
tónio; e seus Irmãos António José do Valle, e Anastácio
José do Valle, e Francisco de Setúbal.
Francisco dk Setúbal.
Era natural de Valença do Minho. Desejava muito passar
por doudo, e não conhecia que o era: o seu nome era
Francisco José, a que elle acrescentava ás vezes o apelido
de Rocha, e ás vezes de Máo génio. O de Setúbal foi-lhe
dado pelo vulgo, porque vivera alguns annos naquella Villa
para onde foi por 1767. A natureza lhe tinha dado bastante
talento material, junto com hum génio dos mais extrava-
gantes. Não reconhecia por amigos senão aquelles que o
elevavão a par de Rafael, ou mais acima, e precipitavão
todos os outros nos abismos da ignorância. Recebia hoje
a visita de alguns com muitos abraços, instando que a
repetisse muitas vezes, e no outro dia dizia-lhe elle mesmo
que não estava em casa. Odiava mortalmente a lição dos
Livros, e aquelles que lhe fallavão em preceitos da Arte.
Quando queria fazer huma composição, buscava na fanta-
100
zia, ou nas suas estampas, não o que era mais necessário
e conveniente, mas o que lhe parecia mais bonito, ou mais
extraordinário. Tendo visto n'huma estampa da Caridade
Romana, aquelles dous Soldados que a espreitao, e se
admirão do amor com que ella alimenta seu velho pae
com o próprio leite, parecerao-lhe tão bonitos, que os foi
pôr em hum painel de Judith, admirando a intrepidez com
que cortava a cabeça de Holofernes. O quadro ficou lin-
díssimo, e todos os que tinhão vista aguda, e entendimento
rombo gostarão muito delle. Amava as danças altas, e as
mascaradas, e por isso levou comsigo a Setúbal o Anastá-
cio, que o ajudava na Pintura, e o ensinava a dançar: alli
fizerão amisade com António Dias Carrilho, Boticário, e
Pintor de flores, &c. Tornando a Lisboa por 77 deo-se a
pintar pannos a tempera, huns de figuras, outros de mari-
nhas, cousa, que lhe produzio sommas avultadas. Pintava
também painéis de cavallete, de flores, luares, fogos, mari-
nhas, &c. e ornou com muitos delles hum gabinete no
palácio de João Ferreira, cujos tectos também elle dirigio,
sendo os desenhos de Eleuterio Manoel de Barros. Nesta
obra o ajudarão Domingos António de Sequeira que era
então seu discípulo, Jeron3^mo de Andrade, Francisco Go-
mes, e outros. Em 1780 concorreo para a Academia de
S. José, e em 86 teve lugar entre os Ditectores da que se
fazia na rua dos Camillos. Tendo dado principio ao tecto
do Picadeiro Régio em Belém, adoeceo gravemente por
excessos, dizem, de intemperança, e foi morrer nas Caldas
em 1792 tendo 46 annos de idade.
Nos Templos tem o Naufrágio da náo Ajuda na Sacristia
da Penha. Em S. João da Praça repintou a tempera o
lOI
painel do tecto do Baptismo de Jesus Christo, e dous nas
paredes, pintados primeiro a fresco pelo Figueiredo. Na
Sacristia da Encarnação fez as cabeças de dous Evange-
listas, cujos corpos pintou João Thomaz, também pintou a
Senhora da Conceição em huma Capella interior na Trin-
dade, e outra Senhora também em Capella no Claustro de
S. Francisco, e alguns mais.
Francisco José, seu collega na obra do Picadeiro, ficou
continuando-a com Joaquim José Bugre, por tempo de oito
annos. He natural da Villa da Chamusca onde nasceo em
1750. Creou-se porem nesta Capital, e tem aqui pintado
muitos painéis grandes, e de cavallete. Ha obras suas em
S. Pedro em Alcântara, na Igreja das Bernardas á Espe-
rança, em S. Caetano, em Rilhafoles, &.c. Foi seu Mestre
o P. Manoel José, natural da Covilhã, o qual professou
em Santa Cruz de Coimbra; e vindo para Lisboa aperfei-
çoou-se na Escola André Gonçalves, e pintou 8 painéis
que estão na Capella Mór de S. Vicente, com passagens
da Vida do mesmo Santo, e das de S. Sebastião, S. Theo-
tonio, e Santo Agostinho. Também he seu o da Conceição
(copia de Conca), que está na Capella do Santíssimo.
Joaquim José, chamado o Bugre, porque, tendo cabello
louro, e olhos azues, parecia estrangeiro, pintava muito
bem ornatos: morreo em 1819 contando 70 e tantos annos.
Jeronvmo de Barros Ferreira.
Nasceo em Guimarães em 3 de Setembro de 1750, mas
viveo em Lisboa aonde estudou a Arte com Miguel António
102
do Amaral. Quando Pedro Alexandrino hia deixando as
pinturas de seges para fazer cousas maiores, elle o supprio
naquelle género de trabalhos com boa acceitação, e colo-
rindo bem os meninos, os Deoses da fabula, e as Virtudes,
&c. Também se applicou aos ornamentos, aos retratos,
bambochatas, e gravuras de agua forte ; e neste ramo foi
o primeiro Mestre de Gregório Franco de Queiroz. Era
dado á lição dos Livros, e traduzio do Italiano a Arte da
Pintura de Mr. Fuduresnoy, que se imprimio na officina do
Arco de Cego em 1801. Também descreveo hum tecto
pintado por elle na casa de Nisa. Os seus painéis públicos
vem a ser, o do tecto da Capella Mór das Trinas do Rato,"
o de Santa Erigida na Freguezia do Lumiar, algumas figu-
ras no tecto da Livraria de S. Domingos &c. Morreo em
Lisboa em 3o de Outubro de i8o3. A sua Viuva conser-
vava o seu retrato feito por elle mesmo. Concorreo á Aca-
demia de S. José, e alli conduzio huma noute José Basilio
da Gama seu discípulo de desenho, Brazileiro famoso que
está em Official da Secretaria de Estado, o qual desenhou
hum acto que deixou ficar na Salla.
José' Throno.
Nasceo em Turin em 1789, e descendia de huma familia
illustre da Cidade de Cumes. Foi discípulo de seu Pae
Alexandre Throno, de quem conservava excellentes qua-
dros, pintados alguns no est3'lo de Solimena, outros no
gosto de Vouet. Já adiantado passou a Roma, aonde esteve
— io3 —
mais de 7 annos pintando retratos a óleo, e em miniatura.
Foi também a Nápoles, e alli, depois de retratar a maior
parte da Corte em painéis de meia, de huma, e de muitas
figuras, retratou por íim a Familia Real. Em todo este giro
gastou 20 annos.
Tornando á Pátria em 1782 fez os retratos das Pessoas
Reaes, e foi acceito Pintor de Victor Amadeo, com mó-
dica penção, e obras pagas. Neste tempo José Pereira de
S. Thiago Encarregado dos Negócios em Roma, e José
Agostinho de Sousa Secretario de José de Sá, tiverao em
Roma ordem da nossa Corte para ajustarem hum Pintor
retratista, e dirigirão-se a Mr. Marron, Alemão, genro de
Mengs, homem famosíssimo naquelle género, o qual pedio
o mesmo salário que o Senhor D. José i.° havia dado a
Gessielli, e a Cafarelli (36 mil cruzados cada anno.) Pare-
cendo-lhes o preço exorbitante escreverão ao Throno ; e
D. Rodrigo de Sousa Coutinho que estava então Embaxador
de Turin, acabou de fazer o ajuste. EUe tinha aUi bens
seus, e herdades; e dispondo de tudo o melhor que pôde,
passou a Lisboa em 1785 e fez muitos retratos das Pessoas
Reaes. Pelo do Príncipe D. José recebeo da Princeza sua
Esposa, em huma caixa, generosa gratificação.
Em 1783, aportando casualmente nesta Capital F. Hickey
Retratista Inglez, que hia para as Jndias Orientaes, demo-
rou-se aqui hum anno, e lucrou mil moedas nos retratos
que fez de Pori, Devisme, e outros commerciantes, e Fidal-
gos, e por fim retratou também a Senhora Rainha D. Maria
em meio corpo, de que ha estampas abertas por Gaspar
Fróes Machado. Throno copiou a cabeça para o retrato
que fez de corpo inteiro da mesma Senhora. Também re-
— 104 —
tratou a Família Real no painel da Conceição para a Capella
Mór da Bemposta em 1793. Alem dos retratos tinha feito,
tanto em miniaturas, como a óleo, primorosas copias de
Rafael, Ticiano, e outros Authores, algumas das quaes
forão fielmente recopiadas por D. Maria Leonor Rouks.
Como esta illustre Lisbonense he tão celebrada pelos seus
talentos pictóricos diremos delia que pelos annos 1778 con-
tando i3 de idade, e morando na Quinta dos Aciprestes,
succedeo, que Faustino José Rodrigues seu visinho, que
frequentava a Aula da Escultura, levou alli hum dos seus
desenhos, que ella facilmente copiou com huma penna de
lápis. Assim começou a curiosidade que foi proseguindo
mais regularmente com aproveitamento prodigioso. Passou
ao estudo dos gêços, e depois ao de copiar pinturas, sempre
dirigida pelo mesmo Mestre. Seus pães mudarão de casa
para o Bairro alto, aonde ella copiou seis esbocetos de
Corrado. Pelos annos 1780 chegou de Inglaterra Mr. Ser-
vang, que fez o seu retrato, e lhe ensinou a pôr a palheta
para retratar. Retratou elle também alguns Fidalgos, e
Negociantes, o Author destas memorias, hum Bispo em
S. Domingos, e finalmente a Senhora Princeza do Brazil.
Também era paisista, e pintou hum bosque no Theatro do
Salitre em 1782.
Vivia com elle Matheus Doret natural de Lião, bom
Canteiro, e Desenhador de figuras, e ornatos, o qual escul-
pio em pedra certos florões no Palácio de Alpriate, fre-
quentou a Academia do nú, e copiou em grande o painel
de S. Carlos do Loreto, cuja copia sendo offerecida ao
Senhor Rei D. Pedro, este a deo aos Padres de S. Camillo
que a collocárão na sua Igreja. Dirigio depois o arco de
103
triunfo, e toda a decoração do Palácio do Rocio pelo casa-
mento de Sua Magestade, cujos desenhos erao de Thimoteo
Verdier. Retirou-se passando por Coimbra, e foi também
alli occupado pelo Bispo em objectos de Pintura, e Archi-
tectura. Servang foi daqui para Cadiz aonde morreo. Erao
amigos de Nicolao Roulhs, grande amador das Artes tendo
conhecimentos práticos da Architectura, e Musica, e todos
frequentarão a casa da nossa Heroina como admiradores
dos seus talentos ; o que também faziao o Author destas
Memorias, Manoel da Costa, o Desembargador Geraldes,
e outros Artistas, e Estimadores da Pintura.
Excederíamos a brevidade que temos seguido, se quizes-
semos dizer quantas obras sahírão dos seus pincéis, muitas
das quaes ornão a sala, e gabinetes da sua casa: na de
Geraldes havião 14 ou i5 painéis seus, alguns dos quaes
passarão por sua morte para casa de Bandeira. Na de
Franco á Annunciada está a Santa Maria Magdalena, que
he bellissima. Fez em chapa de cobre por estampa de
Rafael a Cêa do Senhor para o Convento da Santa Cruz
na Serra de Cintra, e muitas outras cousas. Em tanto hia
ensinando sua irmã Margarida Theotonia (i), que nasceo
em 72, de quem também temos huma linda Magdalena,
huma Sibila, Lucrécia, e outras cousas muito bem exe-
cutadas.
Em 1787, tendo 22 annos casou com o já mencionado
Roulks Visconsul da Hollanda, e de outras Nações do
Norte, e começou a ser doente, de sorte que poucas mais
(i) Nesta obra temos suprimido muitas vezes os dons, por brevi-
dade, e por evitar fastidiosas repetições.
- . — io6 —
pinturas fez; vive felizmente. Throno quiz em 1808 reti-
rar-se para a sua Pátria ; mas achando embaraçada a pas-
sagem da Hespanha retrocedeo, e acabou aqui os seus
dias em 181 o. Nicoláo Roulks, foi hum dos seus Testa-
menteiros. Ha em Italiano alguns elogios impressos feitos
a elle, a sua Mae Thereza Grassi, e a seus Irmãos que
também erao Pintores.
A JoANNA DO Salitre.
Assim chamava o vulgo a huma Pintora Lisbonense,
que morava no Salitre, e foi bastante applaudida no seu
tempo. Era Irmã do Major José António Monteiro de Car-
valho, chamado o bota abaixo, porque inspeccionava sobre
as barracas que se devião demolir. Foi casada duas vezes
a 1.^ com hum homem de certa idade, que possuía hum
pequeno morgado, ou capella, e a 2.* com hum soldado,
ou official inferior. O seu verdadeiro nome era D. Joanna
Ignacia. Fez retratos, e painéis pequenos para Terços, e
Capellas de Igrejas, principalmente para as Províncias. O
seu estylo sem ser bom, he tolerável attendendo ao seu
sexo. Existem delia, na Conceição velha o painel da Se-
nhora da Pureza, pintado em 1770, alguns retratos em
Oeiras (i), e outras cousas. Teve lições, dizem, de André
Gonçalves.
(i) Fez para Oeyras os Retratos de Paulo de Carvalho, e Francisco
Xavier, e nessa occasião obteve baixa para o Marido. Morreo de 70
annos pouco mais ou menos.
— loy —
Manoel de Mattos.
Vio a luz no Sardoal em lySo. Seus Paes, que o destí-
navão para o Estado Ecclesiastico lhe mandarão estudar o
Latim, e o Francez; mas sentindo em si muita inclinação
para as boas Artes veio a Lisboa em 1768, e em S. Bento
estudou Elementos de Euclides com Filippe Rodrigues.
Dous annos depois passou para o laboratório do Escultor
Joaquim Bernardo Galinha, aonde fez em barro, de idéa
ísua, o Triunfo da Conceição, em figuras somente esboçadas.
Para os estudos da Pintura, frequentou a Casa de Rocha,
e a de Miguel António, de quem foi Discípulo. Pelos annos
1784 transportoU'Se á Bahia aonde fez painéis de igreja,
fruteiros com as producções do paiz, e retratos. Retratou
a Marqueza de Valença, e D. Rodrigo de Menezes que
succedeo naquelle Governo a D. Affonso Marquez de Va-
lença. Fez também hum quadro de familia com 8 ou 9
figuras. Voltou a esta Corte em 1791 aonde não foi muito
feliz. O seu modo de pintar era bastante duro, e desagra-
dável, cheio de grandes escuros, e grandes claros, sem
meias tintas sufíicientes. Vivia solitário; e no seu trajo se
assemelhava a hum Filosofo, ou antes a hum Misantropo.
Faleceo em 17 18.
João Clama Strebel ou Strabile'.
Sabemos, pelo ter ouvido dizer a pessoas antigas em a
nossa adolescência, que entre os Creados que acompa-
— io8 —
nhárão a Lisboa a Senhora Rainha D. Marianna de Áustria
viera hum Alemão chamado Joáo Armando Clama, o qual
casou aqui, e teve hum filho que se applicou á Pintura, e
foi depois a Roma pensionado por seu Pae ; mas morrendo
este, sua Mãe conseguio dos Alemães estabelecidos nesta
Corte, a continuação das mezadas para elle poder acabar
os seus estudos.
João Clama, que julgamos ser o mesmo de que se trata,
fez alli progressos, e ganhou hum i.° premio no concurso
da Academia ; sendo o assumpto a morte dos Machabêos.
O seu desenho he feito a lápis vermelho no estylo do*
Benefiale.
Restituído á Pátria recommendou-se ao nosso Vieira
Lisbonense para o introduzir na Corte ; mas não tendo
hum prompto effeito a sua pertenção, partio para o Porto
aonde teve sempre grande crédito. Entre os seus discípulos
distinguio-se Francisco Vieira Portuense.
O Throno Pequeno.
Assim chama o vulgo a Bernardino Gagliardini de Voucar,
Italiano, Pintor de retratos. Discípulo de José Throno. Veio
para Lisboa pelos annos 1785 tendo de idade 25 annos.
Tem retratado em miniatura toda a Família Real, e grande
número de Senhoras da Corte. Também fez a óleo, e em
grande, os retratos dos Patriarchas para a Camará Eccle-
siastica, e o do General D. António de Noronha.
lOQ
Domingos Pellegrini.
Nasceo em Veneza em 1764. Aprendeo a desenhar na
Galeria de Farsete, homem nobre, e bom conhecedor, que
tinha grande coUecção de quadros originaes, gêços do An-
tigo, etc. e deixava copiar tudo. Passou depois para a
Escola de hum certo Galina, que deixou de pressa por não
ser boa. Conduzio-se a Roma em 89, e não quiz ser Discí-
pulo de Domingos Corvi, ainda que muito acreditado em
desenho, e composição, porque o seu colorido não lhe
agradou. Quatro annos depois passou a Paris donde re-
gressou a Veneza, e de lá foi a Londres aonde não fez
grandes interesses. Tornou a Paris para conhecer David,
e nelle lhe pareceo achar mais sabedoria que génio. Visitou
a LeBrun, famoso Retratista, que no mérito igualava, dizia
elle, Luiz Vanlóo, inda que o seu estylo fosse differente :
encontrou alli o seu Patrício António Canova. Voltou se-
gunda vez a Londres onde fez varias composições, gravadas
pelos Schiaveneti, (dous Irmãos Venesianos), e por outros;
nessa occasião retratou a Familia do Marquez de Bellas.
Veio a Lisboa em i8o3 onde fez grande número de
retratos, sendo o melhor o d'ElRei o Senhor D. João VL
qne foi gravado por Bartolozzi. Pelas Viagens hia pintando
hum quadro de Vénus, e Adónis ; que possuio o Secretario
d'Estado Araújo, depois Conde da Barca. Em 1810 sahio
de Lisboa por ordem do Governo na fragata Amazona,
com Urbino Pizzete, Pintor Piemontez, e outros muitos
que se fizerao suspeitos ao Governo, e de lá na Laviniâ
— lio
regressou pela terceira vez a Inglaterra, com os seus ca-
bedaes que erão avultados.
Felisberto António Botelho.
He natural de Lisboa aonde nasceo em 1760. Estudou
a Arte na Escola de Pedro Alexandrino, e tem pintado a
óleo, a tempera, e a fresco, para os Gabinetes, Theatros,
e Igrejas. Fez o painel da Cêa de 20 palmos para o refei-
tório dos Padres Cruzios nos Subúrbios de Lima. O da
Conceição de 14 palmos para huma Ermida nas Praias.
O quadro de Jordão para a Freguezia do Sacramento. A
Senhora de Monserrate, e Santo António para outra Ermida
no termo d'Almada. A Senhora das Dores para outra pe-
quena Igreja. Em 1806 pintou todas as figuras, tanto as
coloridas como as de claro-escuro no tecto chamado do
Costa no Paço de Nossa Senhora da Ajuda.
Na Ermida das Mercês, junto a Carnide tem o painel
da mesma invocação, outros da vida de Nossa Senhora, e
alguns com Anjos. São também producções do seu engenho
os de Nossa Senhora, e do Santíssimo Nome de Jesus,
que se venerão na Freguezia de Odivellas.
Começou a estudar a Pintura em 1776, e proseguio sem
interrupção até 1808, sendo a ultima obra que fez o Retrato
de Sua Magestade, então Príncipe Regente. Depois disso,
achando-se falto de vista, só tem dirigido algumas cousas
executadas por seu filho e Discípulo, António José Faustino
Botelho.
1 1 1
Francisco Vieira Portuense.
^
Principiou a cultivar a Arte da Pintura na Cidade do
Porto sua Pátria, e applicou-se á figura, e aos paizes.
Neste género teve por Mestre seu mesmo Pae Domingos
Francisco Vieira, que era droguista, e também Pintor de
paizagens, e imitava o estylo de Pilement, depois que alli
esteve pelos annos 82. João Glama foi seu Mestre na figura.
Tendo feito progressos, conseguio da Companhia do Alto
Douro em 89 huma pensão de Sooíí' rs. para se ir aperfei-
çoar em Roma, e alli elegeo por Mestre Domingos Corvi,
desenhador correcto, mas frio no colorido; e escolheria
melhor se houvesse então mesmo alli em Roma, aonde
escolher. Em 91 ganhou hum i.° premio em^ roupas, sendo
Director Vicente Pacceli, Escultor Romano. Fez depois a
viagem de Parma para estudar o colorido do Corregio:
alli foi recebido naquella Capital entre os Directores de
Academia, deo lições de desenho a huma das filhas do
Duque, e copiou a famosa Magdalena, cuja cópia possuio
depois Luiz Pinto Balsemão. Em 94 voltou para Roma
donde tornou a sahir três annos depois com Bartholomeo
Gallisto. Girarão parte da Alemanha, e separárão-se em
Dresda aonde Vieira ficou copiando muitas cousas daquella
famosa Galaria. De lá passou a Hamburgo, e a Londres.
Naquella Cidade fez grande amizade com Bartolozzi, retra-
tou-o, e começou a gravar a agua forte huma grande, e
laboriosa chapa que não acabou. Pintou o Viriato que foi
estampado pelo mesmo Bartolozzi e offerecido ao Príncipe
112 —
Regente de Portugal, ElRei o Senhor D. João VI. Fez
também hum quadro grande da Senhora da Piedade, ou
Descimento da Cruz para a Capella do Ministro de Por-
tugal, que era D. João de Almeida, depois Conde das
Galvêas. Alli casou com huma joven viuva Italiana, que
tinha avultado dote, e pertencia á familia daquelle célebre
Gravador, e a conduzio a Lisboa em 1802, tempo em que
se havia publicado a Paz com a França, por cujo motivo
o Senado fez huma grande festividade em S. Domingos,
aonde appareceo o painel, que lhe foi positivamente encom-
mendado para essa funcção. Representava elle a Monarchia
Lusitana acompanhada de Virtudes, Artes, Fama, &c. e
tendo pendente sobre o peito o retrato do Principe Regente.
Convidado pela Companhia dos Vinhos do Alto Douro,
passou ao Porto para succeder a António Froes Jacomo
na direcção da Academia, com 6ooíJ de ordenado. Em
tanto, D. João d' Almeida, e o Visconde d'Anadia represen-
tarão a S. A. R. quão subido era o seu merecimento ; e
em virtude desta representação foi nomeado por Decreto
de 28 de Junho de 1802 primeiro Pintor da Camera com
2:oooí(í réis de ordenado, tendo obrigação de dirigir, e
executar juntamente com Domingos António Sequeira seu
coUega, as pinturas que se havião de fazer no Palácio Real
de Nossa Senhora d' Ajuda. Todos virão os lindos painéis
que fez de D. Ignez de Castro, e de outros assumptos,
cuja individuação não cabe na brevidade destas Memorias.
Adoeceo gravemente quando estava fazendo o quadro de
Duarte Pacheco deffendendo o passo de Cambalam em
Cochim para a Casa das Descubertas no Paço de Mafra.
Os Médicos o mandarão embarcar: foi para a Ilha da
— ii3 —
Madeira aonde chegou, e morreo em i8o5 tendo Sg ou 40
annos de idade, quando começava a tirar fructo dos penosos
trabalhos porque havia passado. Na collecçao de Borba ha
hum S. Sebastião feito por elle. Não sabemos dizer se as
poucas cousas que deixou nos servem de recreio quando
as vemos, pela graça com que são feitas, ou de mágoa
pela renovação da saudade, que temos do seu Author. A
sua Viuva ficou rica; e passou a S.'"*^ núpcias com hum
Militar Inglez, e parece, que desgraçadamente cooperou
para a morte que desejava, em 1817.
A Cidade do Porto tem produzido em todos os tempos
bons Artistas de profissão, e de curiosidade de ambos os
Sexos; e aproveitamos com gosto esta occasião, para dizer-
mos neste particular o pouco de que temos noticia.
D. Bernarda Ferreira de Lacerda, chamada a Decima
Musa, era filha do Chanceller Mór do Reino, e versada
em linguas sabias, e vulgares. Não teve na Hespanha quem
a igualasse, dizem, na Arte de bem escrever e debuxar á
penna. Também compoz entre outras obras em verso e
prosa «a Hespajiha libertada-» a que Lopo da Vega no seu
Laurel de Apollo, diz*
Se pudiera tener la F"ama augmento,
Y gloria Lusitana,
Dona Bernarda de Ferreira fuera.
Acuyo Portuguez entendimiento.
Y pluma castellana
La Hespanha libertada Hespanha deve.
Acabou a sua gloriosa carreira em Lisboa no i.° de Outu-
bro de 1645.
8
— 114 —
Jorge da Gamara filho do Commendador Martim Gon-
çalves da Gamara, abraçou o estado ecclesiastico, era bem
instruído, e pintava, e debuxava muito bem: também fez
poesias, que não teve tempo de publicar, por que morreo
quando tratava de as dar ao prelo, em 1649.
Isabel Maria Rita, filha de Francisco Pequerin, Inglez,
baptizada na Freguezia de S. Nicoláo, foi por simples
curiosidade excellente Pintora de miniaturas. Floreceo no
ultimo século.
Isabel Broune, filha de Duarte Pequerin, casada com o
Medico Pedro Broune, fazia bem os retratos a óleo: era
nascida era Inglaterra, mas estava como naturalizada no
Porto desde o principio do século 18.
Luzia Maria Rosa, que vivia também por aquelles tempos
fez publica profissão da Pintura, mas não sabemos quaes
fossem os seus talentos.
Joaquim Rafael, discípulo dos Vieiras, tem painéis em
S. Grispim, na Lapa, e em outras Igrejas, e Palácios.
Também tem feito scenarios no Theatro.
Luiz Augusto Gorrêa Leal, foi discípulo de Francisco
Vieira, Theodoro de Sousa Maldonado, Doutor em Mathe-
maticas, desenhava á penna, e pintava de miniatura: floreceo
no fim do passado século.
Domingos Teixeira, Pintor Theatral e Maquinista, foi
pae de José Teixeira Barreto, de quem adiante faremos
menção.
— ii5 —
Bartholomeu António Calisto.
Natural de Lisboa, aprendeo a desenhar na Aula Regia,
dirigida por Joaquim Manoel da Rocha, e depois foi para
Roma com outros pensionados da Aula do Castello, aonde
foi discípulo de Labruzzi. Sahio dalli em 97 com Francisco
Vieira de quem se separou em Dresda, para ir a HaiTiburgo
embarcar para Lisboa. Neste transito foi tomado pelos
Francezes, que o tiverão prezo em Nantes por tempo de
três mezes. Logo que o soltarão partio por terra para
Lisboa, aonde chegou no fim do mesmo anno. Em Abril
de 8o3, havendo-se detreminado a pintura no Palácio de
Nossa Senhora d' Ajuda, que devia ser dirigida, e executada
na parte mais essencial, por Domingos António de Sequeira,
e Francisco Vieira Portoense, Ordenou Sua Alteza Real
que fossem admitidos mais três Pintores de Historia como
seus Ajudantes, e que serião escolhidos d'entre os que
tinhão estudado em Roma. Estes lugares se puzerao a con-
curso, deixando o mesmo Senhor ao arbítrio dos dous
Directores a escolha, e o ordenado delles. Calisto foi acceito
com 6ooíf>ooo réis annuaes, e depois daquella época tem
pintado vários painéis para adorno deste Régio Palácio, e
do de Mafra, morreo a 9 de Junho de 1821. Jaz na Ermida
das Dores em Belém.
ArCANGELO FOSCHINI.
Seu Pai Francisco Foschini, Bolonhez, Pintor de Historia,
estabeleceo-se em Lisboa aonde acabou a sua existência na
— ii6 —
idade de 71 annos na de i8o5. Em 1771 vio a luz seu filho,
e sendo destinado para os estudos da Arte, começou i3
annos depois a estudar os primeiros rudimentos delia na
Aula de que era Lente Joaquim Manoel da Rocha. Em 88
obteve a pensão para ir a Roma onde foi discípulo de
Labruzzi. Alli ganhou hum premio do nú ; mas tendo inva-
dido os Francezes aquelles Estados, partio para Florença,
e de lá no anno seguinte, que foi o de 92, para a Pátria
aonde foi acceito para Mestre do Senhor Infante D. Pedro
Carlos com 240^5000 réis de pensão, moço, e dous cavallos.
No concurso de Abril de i8o3 foi recebido com iroooíZC)
de réis de ordenado para se empregar no Palácio de Nossa
Senhora d'Ajuda, com as condições já referidas, e tem
executado vários painéis. He professo na Ordem de Christo.
José' da Cunha Taborda.
Este Pintor nasceo na Villa do Fundão, Bispado da
Guarda, em 28 de Abril de 1766. O Desembargador Ge-
raldes, conhecido dos seus parentes, o recebeo em sua
casa em Lisboa, e o protegeo efíicazmente. Frequentou
por 5 annos a Aula Regia do Desenho, aonde estudou as
figuras, debaixo da disciplina de Joaquim Manoel da Rocha,
e a Architectura com José da Costa e Silva. Em 88 foi
para Roma como pensionado da casa do Castello, gover-
nada pelo Intendente Geral da Policia, e teve por Mestre
de Labruzzy, que o era por então de todos os Pensionados;
mas logo que chegou o novo Ministro de Portugal, junto
— 117 —
da Santa Sé, D. João de Almeida, lhes deo licença para
escolherem Directores á sua vontade, e elle escolheo An-
tónio Cavallucci. O Embaxador retirou-se, e succedeo-lhe
D. Alexandre de Sousa Calhariz, o qual fundou huma
sorte de Academia com gêços, nú, livros, e painéis, sendo
Director delia o Poeta João Geraldes de Rossi! cousa
singular.
Receando-se em Roma a entrada dos Francezes, foi o
primeiro que pedio licença para se retirar, e chegou a Lisboa
em Maio de 96 ou 97. Dous annos depois, estabeleceo o
Intendente no Castello huma nova Escola de Pintura, e
elegeo-o para Professor delia, com huma gratificação de
200Í5Í) réis annuaes. Os gêços da Academia de Roma, forão
conduzidos a Lisboa por José Viale : tinhão elles feitos
parte das famosas collecçÔes de Mengs, e de Pickler. Man-
dárão-se para a escola do Castello, e por fim encherão os
Francezes com elles alguns caboucos para se fortificarem.
Em i8o3 foi também admittido com Calisto, e Fosquini
como Pintor Régio com 70o5!> réis. Tem feito vários painéis
e tectos, assim como os seus collegas, para os Palácios
Reaes, e para o Publico. Entre os seus Discípulos, he Dis-
cípulas, e assas celebrada D. Leonor Pilar Perpigna, por
saber dar á miniatura, seja no género histórico, ou no dos
retratos, a força, o vulto, e suavidade da pintura a óleo.
Nesta sorte de Pintura, tem sua Irmãa D. Susana Marga-
rida Pilar executado vários painéis bastante delicados. São
ambas nascidas em Lisboa, e filhas do falecido Gaspar
Beltrão Pilar, bem conhecido nesta Corte pelo seu Emprego
Diplomático, e pela boa coUecção que tinha de cousas raras,
e curiosas. D. Maria Arriaga filha, também foi sua disci-
— ii8 —
pula, assim como o Yis-Conde da Bahia, e o da Lapa,
Thimoteo Verdié filho, Norberto José Ribeiro, Máximo
Paulino do Reis, António José Santos, e outros.
Norberto José Ribeiro, natural da Villa de Alhos Vedros,
teve as primeiras lições de desenho na Aula do Castello
com António Fernandes, e depois com José da Cunha Ta-
borda, de quem actualmente he Ajudante nas obras do
Real Palácio d'Ajuda. Na Casa do Despacho da Irmandade
do Bentinho existe hum painel de sua mão, que representa
D. Nuno Alves Pereira entregando o Convento aos Reli-
giosos. ^
Domingos António de Sequeira.
Em Belém, Régio, e soberbo arrabalde da famosa Lisboa,
teve o seu nascimento Domingos António de pais, humildes
sim, porem honrados; tendo isto de commum com Xisto 5.°,
e Maximino, para ter como elles a gloria de vir a ser, não
hum Papa, ou Imperador; mas hum Pintor muito illustre,
e ter a honra de empregar dignamente os seus talentos no
serviço de hum Rei tal como o Senhor D. João VI.
Foi Sequeira hum dos primeiros, que frequentarão a
Aula Regia do Desenho, aberta em 1781, e no decurso de
5 annos ganhou alguns prémios. Depois esteve aprendendo
a Pintar com Francisco de Setúbal, e ajudou-o a fazer
alguns tectos no Palácio de João Ferreira, rico çapateiro,
mercador de couro, e sola. Protegido pelos Senhores Ma-
rialvas obteve huma pensão de 3ooíí) rs. paga pelo bolcinho
para estudar em Roma aonde chegou em 88, e elegeo para
— 119 —
seus mestres Cavalluci, e la Picola. Em 91 obteve hum
primeiro premio da Academia, sendo o assumpto, o Milagre
dos pães e peixes. Em 94 foi recebido Académico de mérito,
e deo a Degolação do Baptista por peça de recepção. Pintou
alli dous tectos, a Batalha do Campo de Ourique, e o
painel muito grande para o Intendente. Perlustrou parte
da Itália em alguns mezes, e regressou á Pátria em Abril
de 96.
Chegado a Lisboa visitou Pedro Alexandrino, e Cyrillo;
e lastimou-se do abatimento da Arte, propondo que se
unissem todos para a. exaltar, dando-lhe mais estimação,
e maior valor ás obras. Tinha toda a razão; mas quem
pôde fazer mudar de repente hum antigo cosmme ? Elle
mesmo o experimentou. O Conde de Vai de Reis recusou
dar-lhe iC5 moedas que exigia por 10 batalhas para huma
das suas ante-camaras. Todos pertendião ter alguma obra
do novo Artista, mas admiravão-se dos preços, de sorte
que cahindo em melancolia quiz ir fazer vida eremitica na
serra de Bussaco, e por fim foi ser Monge na Cartuxa.
Parecia hum homem Já perdido para o século, quando
D. Rodrigo de Souza Coutinho, que o estimava, lhe acudio:
fallou nelle ao Principe Regente, e S. A. R. por Decreto
de 28 de Junho de 1802 o nomeou seu primeiro Pintor da
Camará, e Corte, com 2:oooí5 rs. sobre os ordenados que
já tinha, com obrigação de dirigir, e executar com o seu
Collega Francisco Vieira, a melhor parte das Pinturas do
novo Palácio de Nossa Senhora da Ajuda.
Em Setembro de i8o3 foi acceito para Mestre da Sene-
nissima Senhora D. Maria Thereza, e derão-lhe sege, e
Habito de Christo. Tem feito algumas obras para os Pala-
120
cios Reaes, e sérvio Sua Magestade não só como Pintor,
mas também dirigio os trabalhos exquisitos da preciosa
baxella que Sua Magestade mandou dar a Lord Wellington.
Em premio tem recebido por vezes honras, e novas pen-
sões para si, e sua filha. Teve também o Beneplácito Régio
para arbitrar ordenados aos seus Discipulos, que erão
Joaquim Gregório Rato, que vive empregado no Palácio
Real, António Faustino que morreo cm 1818, e outros.
José' Viale.
Teve o seu nascimento na rica, vasta, e bellissima Cidade
de Génova. Seu Irmão, de quem dependia, o fez applicar
ao Commercio, concedendo-lhe huma parte de cada dia,
para estudar o Desenho nos esmdos da Academia, e na
Escola de Carlos José Ratti. Applicou-se depois a retratar
em miniatura, e a limpar, e retocar painéis a óleo. Vindo
a Lisboa pelos tempos em que Sequeira foi admitido como
primeiro Pintor, a seu requerimento tornou á Itália por
ordem da Corte, a fim de escolher as melhores tintas, e
óleos para a Obra do novo Real Palácio, e de transportar
a boa collecção de gêços da nossa, por então já extincta,
Academia de Roma. Tendo desempenhado bem a sua com-
missão ficou pensionado da Corte com 6ooaf> rs. annuaes
como Comprador das tintas para as Pinturas do novo Palá-
cio Real no sitio de Nossa Senhora d'Ajuda.
Começava a retratar em miniatura a Real Familia em
1807 quando entrarão os Francezes. Antes disso tinha retra-
121
tado o Secretario de Estado Araújo, depois Conde da Barca,
e feito o retrato do Príncipe para elle dar ao Embaxador
de Inglaterra.
No anno de 1821 aos 27 de Setembro Sua Magestade
Fidelíssima mandou participar, por via de João Lourenço
de Andrade, a José Viale tê-lo nomeado para Mestre de
Desenho, e Pintura de Miniatura do Sereníssimo Senhor
Infante D. Sebastião, Neto do mesmo Real Senhor, e no
dia seguinte a Sereníssima Senhora Princeza D. Maria
Thereza, Mãe do dito Sereníssimo Senhor Infante, quiz
honrar ao mencionado Viale, dando com elle lição de Dese-
nho. Aos 23 de Março do anno de 1822 começarão também
a dar lição de Desenho com o mesmo Viale as Sereníssimas
Senhoras Infantas D. Maria da Assumpção, e D. Anna de
Jesus Maria. E no dia 3o de Julho seguinte Sua Magestade
se dignou mandar passar ao referido Viale hum muito hon-
roso Alvará, no qual o declara Mestre de Desenho, e Pin-
tura de Miniatura das Príncezas suas muito Amadas e
prezadas Filhas, como também do Sereníssimo Senhor
Infante D. Sebastião.
João Castagnola.
Era natural de Lisboa, mas filho de Italianos. Foi para
Roma em 1795 coni o Cardeal Belishome, Núncio em Lis-
boa. Aqui tinha sido Discípulo de Eleuterío Manoel de
Barros, na Aula Regia do Desenho; lá estudou com José
Cadiz, e applícou-se á miniatura.
Quando os Francezes entrarão em Roma obrigarão a
122
elle e aos seus Collegas, a que, ou se naturalizassem, e
fossem para Paris, ou se ausentassem. Elle tomou, assim
como todos os mais, este ultimo partido, e chegou a esta
Capital em Novembro de 98.
Em i8o5 foi para Madrid com o Embaxador Conde da
Ega, como Mestre de Desenho de suas filhas, e morreo no
anno seguinte contando 3i de sua idade.
Luiz José' Pereira Rezende.
A Natureza, esta grande Mestra do Caravagio, do André
Esclavonio, e do Grimoux, também admitio na sua Escola
o nosso Pintor Lisbonense, e lhe ensinou o modo de bem
retratar, principalmente em miniatura. O Público, que es-
tima as suas obras, paga-as com bastante liberalidade. Tem
pintado igualmente a óleo, e feito quadros históricos. Foi
baptizado na Freguezia dos Reis no Campo grande.
Máximo Paulino dos Reis.
A vida deste Artista he cheia de anecdotas curiosas:
elle nasceo em Penafiel em 1781, e alli viveo alguns annos
sem conhecer os seus parentes. Por causa de hum incêndio
o seu Tutor o transportou para Lisboa, aonde aprendeo a
desenhar na Aula do Castello com António Fernandes Ro-
drigues, e a pintar de miniatura com José da Cunha Taborda.
— 123 —
Pelos annos de 1802 foi para Roma protegido por D. Ale-
xandre de Souza Holstein, e alli teve por Mestre o Caval-
leiro Gaspar, donde em 1804 obteve huma pensão do Prín-
cipe Regente, que recebeo até o tempo da invasão dos
Francezes em Roma: em 1812 pedio hum passaporte, e só
o pôde obter para Tunes ; e com eíFeito sahio de Roma em
i8i3. No seu transito teve de arrostar o furor das ondas,
o fogo das Esquadras inimigas, e mais que tudo o terrível
aspecto da indigência, achando sempre na Divina Providen-
cia, por meio da sua Arte, opportunos soccorros. Regressou
finalmente a Lisboa aonde por intercessão do Visconde de
Santarém obteve de Sua Magestade huma pensão de 600^ rs.
para ser empregado como Pintor no Real Palácio de Nossa
Senhora d'Ajuda. Tem pintado vários quadros grandes, e
pequenos, entre os quaes o Retrato de Sua Magestade,
que está na Casa Pia, huma degolação do Baptista, e
outros.
PARTE II.
Architectura, Pintores Architectos, &c.
Breve discurso sobre o principio, e progressos
da Architectura.
ESTA dicção Architectura não he menos equivoca que
a Pintura, e os melhores Escriptores a tem confun-
dido muitas vezes com a arte de edificar. Hum edifício
pôde ter vastidão, magnificência, solidez, riqueza de orna-
mentos, e de preciosos materiaes, boas commodidades, e
muitas outras cousas plausíveis, e admiráveis; mas senão
tiver aquella belleza, e armonia, que só os Gregos dos
melhores séculos, e os seus bons imitadores lhe souberão
dar, nunca merecerá o nome de Architectura, nem podendo
ella aperfeiçoar-se senão por meio da boa Pintura, e Escul-
tura, claro está que havia de começar bastante tarde.
Mas se quizermos fazer abstração das bellezas archi-
tectoricas diremos, que a origem desta Arte, assim como
a de suas irmãs, remonta até ao principio do mundo. Adãp
126 —
havia de edificar huma casa, Gain fundou a Cidade de
Henoch. Pouco depois do diluvio se construio a Torre de
Babel, obra que, por dizello assim, causou assombro ao
mesmo Deos. As Pirâmides, e Obeliscos do Egypto; os
milhares de columnas de grandeza desmarcada, qne ainda
se achão nas suas ruinas, fazem pasmar os viajantes. Os
pórticos, os muros de Babilónia forão sempre tidos por
obras maravilhosas. As ruinas de Persépolis attestão qual
fosse a magnificência, inda que barbara, dos antigos Persas:
até nos que hoje são desertos da Tartaria se achão restos
de soberbos edifícios.
Em quanto á simples, è bella Architectura podemos ter
por certo, que os Gregos a criarão mais pelos dictames do
seu feliz génio apurado com os progressos, que tinhão feito
no desenho, que pelos monumentos que virão na Ásia, e
no Egypto: também não poderião achar nos exemplares
do seu paiz, que erão barracas de madeira, cousa alguma
que parecesse digna de se imitar em hum templo, ou outro
edifício da ultima magnifícencia e perfeição, senão tivessem
tido a habilidade de transformar o tronco de huma arvore
em huma elegantíssima columna, e o madeiramento do
tecto em hum magestoso frontão.
Doro Rei de Achaya, e de todo o Peloponeso, levantou,
(dizem), hum templo a Juno na Cidade de Argos, e a ordem
que nelle usou, foi do seu nome chamada Dórica. Elle deo
ás proporções desta ordem a força, e robustez de hum
Hercules.
Jon, sahindo de Athenas com huma colónia foi-se esta-
belecer naquella parte da Ásia, que do seu nome se chamou
Jonia, e a nova ordem empregada no templo que dedicou
— 127 —
a Diana com ornamentos, que na columna, e capitel, pare-
cem mulheris, chamarão Jónica.
Calimaco celebre Pintor, e Escultor de Corintho inventou
alguns séculos depois a ordem Corinthia de incomparável
formosura, e delicadeza, e estas três ordens fornecem tudo
quanto he necessário para as decorações, e mesmo para a
solidez dos bons edifícios.
No tempo de Phidias florecêrão Jetino, e Callicrates, e
fizerão o famoso templo de Minerva no Castello de Athenas
por ordem de Péricles que também era muito sábio em
Architectura, e por desenhos seus mandou fazer o Odeon
espécie de Theatro para divertimentos do ouvido.
Depois das conquistas de Alexandre, a Arte se aperfei-
çoou muito na Ásia, Egypto, e em toda a parte aonde se
estabalecerão os Gregos, como ainda se vê em Alexandria,
nas ruinas de Balbek, ou Heleopolis, e em outros muitos
kigares.
Quando os Romanos invadirão a Grécia muitos Artistas
Gregos se forão estabelecer em Roma, e erão alli, e em
todo o Império empregados em obras de que ha vestígios ;
também em Portugal existe em Évora huma parte do templo
de Minerva Diana, edificado por Sertório, de ordem de
Corinthia, e muito elegante, he huma ruina das mais pre-
ciosas que nos restão.
Sérvio Lúpus Lusitano também fez hum templo na embo-
cadura do rio Corumno, de de que ha memoria.
O melhor tempo para as boas artes em Roma foi o de
Augusto, e os restos do Pantheon, do Theatro de Marcelo,
e as três columnas do Templo de Júpiter Stator bem o
comprovão. Elles servirão de modelos ao Brunelleschi,
— 128 —
Bramante, Paládio, Vinhola, e aos melhores Mestres por
quem todos estudarão. A sciencia, e elegância do desenho
sustentou-se alli até o tempo dos Anotoninos, mas já no de
Constantino estava mui degenerada.
Quando dominarão os Bárbaros, a ignorância introduzio
a Architectura Gothica, que não he Architectura. Foi ella
de duas sortes ; a antiga, era baixa, e pezada, e a moderna
pelo contrario magra, e muito alta, tendo assas de gosto
Árabe. Admira, que alguns escriptores do Norte digão que
taes obras são superiormente dignas da nossa attenção, e
nos convidem, e exortem para imitalos; quando Artistas
bons, e os bons conhecedores geralmente as detestão, e os
Romanos, cujos olhos delicados não as podião soífrer,
mascararão-nas com fachadas da verdadeira Architectura
para as poderem conservar, como se observa em Santa
Maria Maior, S. João de Laterano, e outras. Livre Deos,
(diz Vasarí), toda a nação fiel da tentação de imitar simi-
Ihante estylo.
No i3.° século floreceo S. Gonçalo de Amarante, Portu-
guez, que he recebido entre os Architectos pelos Authores
Italianos, e Francezes, porque edificou huma ponte sobre
o Tamaga, e huma Igreja ao pé delia.
Desde o principio da nossa Monarchia mandarão edificar
os nossos Monarchas muitos templos. Conventos, e outras
obras de grande magnificência, tanto no estylo Gothico,
como no Grego, (segundo o uso dos tempos em que viverão),
dos quaes inda existe grande parte. Entre os Architectos
que empregarão distinguirão-se Balthasar Alvares, Afíbnso
Alvares,, e Nicoláo de Frias, que forão premiados com
Cruzes Militares.
— 129 —
Filippe Terzo, Italiano, sérvio como Pintor o Cardeal
Rei, e como Architecto a Filippe 2.°, que mandou por elle
edificar a parte do Real Palácio de Lisboa, chamada o
forte, ou torreão da Casa da índia. O primeiro o premiou
com o Habito de Christoj e o segundo com huma Com-
menda.
D. Guarini de Modena, P. Theatino, e Architecto do
Duque de Sabóia, fez em Lisboa o Convento dos Caetanos,
florecia pelo meado do século 17.
Carlos Fontana, discípulo de Bernini teve mesmo em
Itália o titulo de Architecto de D. Pedro 2.°, que o creou
Cavalleiro de Christo. O Senhor D. João o 5.° também o
empregou, encarregando-o da Pompa fúnebre de seu Au-
gusto Pae, feita em 1707 na Igreja de Santo António dos
Portuguezes em Roma com grande sumptuosidade, como
se vê delineada em 12 grandes estampas.
O Insigne Portuguez Manoel Rodrigues dos Santos, que
em Roma, e Nápoles grangeou aplausos de perfeito Archi-
tecto, (são palavras formaes do Author, que assim nos dá
noticia delle), dirigio o appàrato das Exéquias do Senhor
D. João o 5.°, celebradas na mesma Igreja em 1751 com
igual, ou maior magnificência, como se manifesta em mais
de 20 bem gravadas estampas em que estão representadas.
Entre os mais notáveis edificios de Portugal, podemos
pela grandeza dar a primazia ao famoso aqueducto de
Lisboa, e pelo primor da Arte a obra de Mafra, a de
S. Vicente de fora, e a do Collegio de Santo Antão também
tem muita formosura e magestade ; e he pena que esta
ultima senão restaure, visto estar quasi inteira.
O Senhor D. João o 5.° quiz fazer de Mafra hum segundo,
9
— i3o —
e talvez melhor Escurial, edificado também por voto, o
Sumptuoso Palácio, Collegio, e Convento, que alli admi-
ramos. A fachada tem i^ e mais palmos de extenção, e
he flanqueada por dous soberbos pavilhões. No meio delia
está a Basílica, ou Capella Real dedicada a Nossa Senhora,
e a Santo António. Entre esta Igreja, e os pavilhões estão
as duas entradas do Palácio, a da parte do Norte conduz
ao pavilhão, ou quarto d'ElRei, e a da parte do Sul ao da
Rainha. Cada entrada tem hum átrio magnifico decorado
com arcadas, e columnas da ordem Dórica, aonde os coches
que entrão podem dar volta, e demorar-se alli a coberto.
A cúpula da Igreja, as elevadíssimas torres, e as bellas
estatuas chamão a attenção do Expectador admirado.
O Bramante, Buonarota, Peruzi, Rafael, Palladio, e ou-
tros quinhentistas tinhão felizmente desterrado a maneira
Gótica, e restaurado o bello estilo dos Gregos. Este gosto
estava ainda muito em uso, bem que hum pouco alterado
pelas liberdades do Borromini, e de outros grandes homens,
a quem todos querião imitar: o Architecto de Mafra Fre-
derico seguio o gosto do século, tomando porem liberdades
assas decretadas, e moderadas; se nas torres, e na cúpula
usou superficies curvas como o Borromini, foi de hum
modo tão feliz, que ellas contentão igualmente os olhos, e
a intelligencia dos conhecedores. Quando quiz ser imitador,
soube escolher bem os seus modelos: a bellissima Igreja
de Santo Ignacio, inventada pelo Domenichino, lhe forneceo
a idéa para o interior da Basílica. No adro, e fachada soube
dar em ponto mais pequeno huma grande idéa do Vaticano,
e ao desenhar as torres teve em vista as de Santa Ignez
da Praça Navona, e parece que as excedeo, pois quem as
— i3i —
avista ao longe cré vêr dous elegantíssimos obeliscos que
dominão todo aquelle edifício collossal.
As ordens d'Architectura são regulares, nobres, elegantes,
e pouco alteradas. Na Jónica moderna da fachada seguio
o author a modinatura de Vinhola (i), á excepção das bazes,
e da faxa dos denticulos, em que imitou a do Collocio, e
accrescentou alguns ornatos ao Capitel do Scamozi. Deo
ao entablamento a 5.* parte de toda a columna, segundo o
systema de Palladio.
Na ordem superior, que he a compósita, também seguio
o Vinhola, trocando somente os lugares do oviculo, e gola
reversa. Esta ordem decora também as torres, e todo o
circuito da Igreja; mas quando chega ao frontão faz huma
discreta mudança em toda aquella magestosa peça, apre-
sentando em vez dos dentellos, lisos modilhões, os quaes
não sahem á frente da coroa, mas occupão somente a
metade do seu soffito : cousa de que ha hum exemplo antigo
no Frontispício de Nero, imitado em parte pelo Palladio,
e Scamozzi.
Seria supérfluo, e enfadonho fazer huma analyse de
todas as ordens, bastará dizer que a Dórica dos átrios
poderia sustentar-se ao pé das boas cousas antigas. Ella
imita em todas as molduras, e nas geraes proporções, o
que Vinhola extrahio do Theatro de Marcello. He muito
para notar a excessiva, e escrupulosa attenção que os ho-
mens grandes tem dado a todas estas cousas, e o pouco
caso que fazem delias aquelles que nem são grandes, nem
pequenos.
(i) modini v. Branca p, 5o.
— l32
'- A Basílica de Mafra he muito rica de esculturas, tendo
mais de 6o grandes estatuas, e muitos baixos relevos de
Giusti, Mayne, Rusconi, e autros homens famosos. Ha
também alli boas pinturas de Trevisani, Vieira, Corrado,
Massucci, Conca, Solimena, Pedro Bianchi, Quilhard, Igna-
cio de Oliveira, e outros muitos.
Depois do terremoto fizerao-se obras grandes, sendo as
mais notáveis a de Runa, e a do Theatro de S. Carlos.
Projectarão-se também três vastos edifícios, que senão
executarão: o i.° foi o Palácio Real em Campolide, cujos
riscos forão feitos por hum João Antinori, subordinado a
Eugénio dos Santos, e outro por Carlos Mardel. O 2.° o
Erário Régio, e o 3.° o Pallacio da Relação, e a Cadêa.
O Conde (depois Marquez), Regedor representou á Se-
nhora Rainha D. Maria 1., a necessidade que havia de
huma boa prizão pública, e Casa de Supplicação, e obteve
para isso a promessa de huma consignação sufíiciente.
Mandou por tanto fazer hum desenho a Francisco António
Cangalhas; e depois pedio outro a Cyrillo Volkmar, recebeo
este de S. Ex.^ muitas instrucçÕes, e advertências, leo Leis,
tratados de saúde, e de segurança; entrou nas Cadêas para
examinar os defeitos que tinhão; e fizerão-se em fim os
desenhos muito a contanto do Regedor, e também do Mar-
quez de Ponte de Lima Inspector das Obras publicas, e
forão approvados por Sua Magestade.
A Natureza depravada, a má educação inspirão em alguns
homens a brutalidade das feras, e he preciso privalos de
huma liberdade funesta; mas como os olhos dos Juizes
não podem penetrar até o fundo do coração, corre-se ás
vezes o risco de opprimir a innocencia quando se intenta
— i33 —
reprimir o crime: e como se procede á segurança da pessoa
antes que haja a prova do delicto, deve haver na Casa de
força huma parte que sirva de seguro deposito sim, mas
não de castigo áquelles que se não sabe ainda se são delin-
quentes ; e se he justo que se pratique com os homens esta
equidade, he mais necessário ainda, que ella se use com
as mulheres ; por tanto já que hade haver prizão, deve ella
ser ampla, commoda, salubre ; capaz não só de ter seguros,
mas também occupados muitos indivíduos de todas as ida-
des. Era assim que a Piedade se exprimia pela boca de
Sua Magestade, e o desenho foi concebido debaixo destes
princípios, quasi os mesmos que tem agora adoptado os
Francezes. A nossa Soberana teve a gloria de os adoptar
primeiro, elles tiverão a fortuna de os pôr em prática.
A planta geral formava hum retangulo de 270 palmos
de frente por 607 de fundo, devidido em duas partes desi-
guaes, isto he em Palácio, e Cadêa. O Palácio se subdividia
em outras duas partes separadas pelas escadas, e vinhão
a ser anteriormente a Casa da Supplicação ás salas de
respeito, archivo, gabinetes, &c. e posteriormente o grande
átrio, tendo de hum lado as 7 casas, para as audiências, e
dô outro os commodos para o Guarda Mór, Carcereiro,
Guarda-livros, e outros. O resto do terreno era também
hum quadrilongo de 370 palmos de largo, e 404 de fundo,
e comprehendia a cadêa, tendo dentro em si hum pateo
quasi quadrado de 200, e mais palmos por cada lado, cer-
cado por 4 galarias, ou dormitórios de mais de 60 palmos
de largo, com corredor pelo meio, e tarimbas de hum e
outro lado na enxovia, e camarotes no i.° e 2.° andar. Nos
seus ângulos externos se formarião dous Salões quadrados
— i34 —
em cada andar, com escadas de caracol nos centros para
os Carcereiros, ou Soldados poderem subir, e descer n'hum
momento a todos os andares.
A entrada para a cadêa fazia meio a hum dos lados, e
junto a ella estaria a sala, a casa do Guarda-livros, a de
fazer perguntas, e o dormitório dos rapazes para poderem
receber ensino de trabalho, e de boa educação. Em hum
dos Salões angulares poderião de ter-se os prezos da ronda,
ou de culpas ligeiras, o outro seria para casa de passeio.
Dentro desta prizão haveria outra mais apertada para
os perturbadores do socego, ou para os já convencidos de
grandes delictos, como também- enfermarias, oratórios, cozi-
nhas, boticas, cadêa para mulheres, &c. &c. A conservação
de hum ar puro, c sempre ventilado não foi negligenciada.
A facilidade para a limpeza, a altura das galarias, quanti-
dade de despejos, correspondência de ar para todas as
partes, e o cuidado de dar passagem livre para o ambiente
commum aos vapores dos despejos, e dos corpos sãos, e
doentes poderião conseguir este importante requisito. Sobre
os salões dos ângulos haveria mais hum andar para os
convalescentes.
Em quanto á decoração, a fachada do Palácio era sus-
tentada sobre hum pórtico de 1 1 arcadas de 26 partes de
alto em razão dupla: a cimalha geral do Palácio descançava
sobre 8 pilastras, e 4 columnas Jónicas ; e ainda que os
denticulos sejão particularmente affectados a esta ordem;
como n'hum edifício vasto parecerião muito pequenos, o
author lhes preferio os modilhões, authorizado com o exem-
plo do Palladio, do Scamozzi, do Vinhola, &c. Entre as
pilastras, havia sobre cada arcada huma janela de balcão
— i35 —
coroada com frontão semicircular, e sobre elle huma mas-
cara leonina com garras, e mais acima o mezanino redondo
do qual pendia huma festonada de laurel, que descia até
as extremidades do frontão. As cimalhas dos pedestaes
tornejavão formando as impostas dos arcos. Sobre a cima-
Iha geral havia balaustrada com acroterios, e estatuas.
Apresentava-se no meio o corpo saliente formando huma
varanda coberta com o frontão sustentado por 4 columnas
da mesma ordem, e pelas suas pilastras correspondentos.
As 3 arcadas da frente, e as duas lateraes que sustentavão
o pavimento da varanda davão entrada para o Palácio por
huma grande loja do tamanho de toda a Casa da Supplica-
ção ; no fim da qual á direita, e á esquerda se apresentavão
as escadas que conduzião ao andar nobre, e em frente o
átrio, cercado de pórticos por onde se passava á Capella,
ou Igreja.
A Casa da Supplicação era vasta, e rica, mas severa,
tendo o tecto em cúpula com lanternino. Desta casa pela
varanda coberta sobre o pórtico do átrio se passava para
a tribuna da Igreja ; também pelo corredor que cercava a
dita Capella, e penetrava a cadêa até o grande pateo seria
a passagem para a casa da visita, que alli faz o Regedor
todos os mezes, a fim de inspeccionar sobre o estado dos
prezos, e das prizões.
A Capella ou Igreja que era de forma extraordinária,
formava hum retangulo rematando em semicírculo, e o seu
tecto apoiava-se sobre pilastras, havendo entre ellas painéis
de Mártires, e Confessores, e também vidraças, e grades
por onde podia penetrar a vista, mas não o corpo, nem o
álito dos prezos. Tinha hum único altar insulado, e posto
— i36 —
em tal altura, e tal sitio, que podia ser visto de todos os
andares da cadêa, e mesmo das casas fortes.
Em hum vasto edifício principalmente de abobadas ha
duas cousas oppostas, que se devem conciliar com muita
attenção, e vem a ser a solidez, e a economia, a solidez
consiste nos bons alicerces, bons materiaes, cortes de pedra,
e pés direitos que possao bem resistir á empurraçao das
abobadas, e aos aballos da terra.
Se o Architecto faltar nesta parte ao necessário, pôde
cahir o edifício, se exceder consumirá inutilmente sommas
avultadas, e fará as casas, pela excessiva grossura das
paredes, húmidas, sombrias, e mal sãs. O Author consultou
sobre esta matéria delicada não só os Authores mais acre-
ditados, mas também os bons práticos, porque he muito
attendivel a qualidade dos materiaes, que são diversos em
todos os paizes, e muitas outras interessantes observações.
Se este edifício, que só tentalo fez muita honra á Piedade
da Senhora Rainha D. Maria I., não se executou, nem se
acabou o do Erário, não deixarão por isso os seus Authores
de ser premiados pelo Príncipe Regente com muita gene-
rosidade. O do Erário teve huma gratificação pecuniária,
e huma pensão vitalícia, e o da cadêa teve pensão só, mas
avultada a titulo de Pintor do Rei, e obteve a licença que
pedio para fazer algumas pinturas nos tectos, e paredes do
Real Palácio de Mafra.
Mal poderíamos trazer á memoria todos os templos,
palácios, e outros edifícios magnifícos de Lisboa, e só
diremos que o da Capella de S. João Baptista em S. Ro-
que, architectura de Vanvitelli, excede no seu género tudo
quanto ha no mundo, e mesmo a celeberrima Capella de
- i37 -
Santo Ignacio em Roma. A riqueza de metaes, e pedras
preciosas he excessiva, mas excedida muitas vezes pelas
bellezas da Arte. Tem excellente escultura, e três painéis
de Massucci optimamente executados em mosaico, o mesmo
pavimento também de mosaico, he admirável.
O Palácio Real, que actualmente se está edificando he
obra digna de hum D. João, assim como a Real Basilica
do Coração de Jesus faz honra á memoria da Senhora
Rainha D. Maria I.
Em quanto á architectura pintada sabemos que o seu
uso he antigo. Agatharco pintava as decorações para as
tragedias de Eschvles, compôs hum tratado de perspectiva;
e depois delle Anaxágoras, e Demócrito se explicarão com
maior clareza, e mais precisão : Apatecrio fez admiráveis
scenarios na Lybia antes da era vulgar, e Serapion Pintor
Grego também entendia superiormente as decorações do
Theatro, o mesmo poderíamos dizer de outros muitos.
Depois da restauração das Artes, Paulo Ucello Floren-
tino fez grandes estudos sobre a perspectiva. Bruneleschi
deo-lhe mais exacção usando da planta, e perfil. Pedro de
la Francesca, e Bonoso Pintor Florentino também do sé-
culo i5 excedêrão-no. Depois que se começarão a escrerer,
e representar Comedias modernas foi a Architectura pin-
tada, fazendo grandes progressos até chegar á ultima per-
feição. O Serlio, o Padre Pozzo, e o Bibiena escreverão
sobre as scenas theatraes : o Vignola, e o Pozzo ensinando
as duas regras de perspectiva facilitarão muito a prática
desta arte, e o tecto da Igreja de Santo Ignacio em Roma,
obra do século 17 feita pelo mesmo Padre Pozzo, levou á
ultima perfeição a perspectiva chamada de soto in sa. Fer-
— i38 —
nando Galli Bibiena no ultimo século deixou pouco a desejar
nas magnificas decorações theatraes, que fez em Vienna de
Áustria, assim como João Carlos Bibiena, da mesma fami-
lia no Theatro Régio de Lisboa que se incendiou com a
Cidade em lySô.
Também nos Theatros públicos desta Capital se exhibírao
decorações maravilhosas feitas algumas por Italianos, outras
por Portuguezes, todas dignas dos altos preços da platéa,
e camarotes.
Pelo meado do ultimo século os Galliari, e os Gonzagas
introduzirão hum estylo mais prompto, mas pouco asseado,
e muito imperfeito, para ser usado nos Theatros das feiras,
aonde se entra por poucos batocos. Infelizmente este máo
estylo foi aqui introduzido no fim do século, e desde então
tem este género de Architectura declinado tanto, que o
podemos considerar como quasi perdido.
No género dos ornatos, que fazem hum ramo assas inte-
ressante da Architectura, temos tido muito bons Pintores
desde o século i6. Na Torre do Tombo, no i.° livro mys-
tico de ElRei D. Manoel, ha hum frontispício, pintado
naquelle tempo, e muito bem. O D grande he cheio de
ornatos, flores, e aves tocado tudo de ouro, aonde se admira
a cauda de hum pavão, e os delicados insectos que sorvem
o suco das flores : só as folhas do ornato são ainda no
gosto gothico, defeito que já se não acha no Livro da Beira
da mesma collecção de ElRei D. Manoel.
No livro da Armaria feito no reinado de D. João 3.°, faz
cercadura ao prologo huma Architectura caprichosa com
columnas de três cores, no gosto arabesco, com capiteis
compósitos, frizo de ultramar com arabescos de ouro admi-
— iSg —
raveis, os do sub-basamento são verdades com fundo de
ouro.
Do século seguinte temos o bello frontispício no Com-
promisso da Irmandade de S. Lucas, pintado por Eugénio
de Frias em 1609. He huma espécie de retábulo de ordem
Jónica, feito pelo mesmo estylo, tendo no centro hum painel
colorido de S. Lucas retratando Nossa Senhora, tudo exe-
cutado com grande primor, e tocado de ouro na ultima
perfeição.
Antes de passarmos ao Cathalogo dos Professores d"Ar-
chitectura, faremos justiça ao grande merecimento de hum
Fidalgo Portuguez Rodrigo Annes de Sá, Marquez de
Abrantes, he celebrado na historia da Arte, como sábio em
vários ramos delia. Alguns o tem collocado entre os Pin-
tores, mas parece que o seu talento decidido era para a
Architectura, em a qual, como o Imperador Hadriano, não
cedia aos melhores Professores. Assim o affirmou, (muito
depois do seu falecimento, que foi em lySS), o nosso Vieira
Lusitano, que o conheceo perfeitamente, e quando lhe fallou
a primeira vez, diz elle, estava no seu gabinete delineando
a planta para hum. régio edifício: e continua:
Pois todas as circunstancias
De singular Architecto,
Como então era notório,
Possuia em gráo perfeito.
— 140 —
João Frederico Ludovice.
Era Alemão, posto que a sua família fosse de origem
Italiana. O Barão de Schomberg em 1787 disse aos seus
parentes, que era seu patrício, nascido em Ratisbona, onde
o conhecera Militar Engenheiro, e que cessando o serviço
por occasião da paz fora viajar na Itália aonde adquirira
grande aproveitamento tanto na Arte, como em litteratura;
porque, ou fosse então, ou que nos seus primeiros annos
se applicasse á Jurisprudência, ha na livraria de seu neto
alguns livros de Direito annotados por elle, e muitas vezes
consultados pelo Doutor Garcia, e por outros letrados. A
sua erudição na historia, física, mathematica, e historia
natural lhe grangeou a amisade dos Jesuítas, a qual lhe
valeo muito, (diz a fama pública), para na direcção da
Obra de Mafra, ser preferido a Filippe Juvara, e a António
Canevari. Teve também amizade com os Padres do Ora-
tório, aonde professou hum de seus filhos do seu mesmo
nome, que faleceo em 1755.
Frederico chegou a Lisboa no principio do século 18, e
em 1707 foi empregado como Architecto por D. João o 5.°
para a factura da Obra de Mafra, cuja i.^ pedra se lançou
em Novembro de 17 17. Esta grande Obra, cuja Basílica
foi sagrada em 22 de Outubro de 1730, he digna de hum
D. João, e foi fortuna para tanta magnificência, encontrar
hum Architecto hábil, e com espirito proporcionado ao seu.
O primeiro ordenado que teve foi de i:oooíí) rs. quantia
assas avultada naquelle século de ouro. Foi também grati-
— Hl —
ficado com a Cruz da Ordem de Christo, menos vulgar
então de que he agora. Alem de muitos desenhos que deli-
neou para Obras Reaes, alguns dos quaes não se executarão
pela morte do Rei, outros não se acabarão pela parlezia de
que elle mesmo foi atacado. Fez a Capella Mór de S. Do-
mingos, que foi acabada pelo Pádua; a Capella Mór da
Sé de Évora, que he sumptuosa, e bella; a sua ermida em
Bemfica, notável, ainda que em ponto pequeno; a porta da
Capella Real que está hoje na Igreja de S. Domingos, e o
seu palácio no cimo da Calçada da gloria.. Faleceo em
Janeiro de 1732 tendo 80, e mais annos de idade. Sérvio
na Meza de S. Lucas em 17 18. Casou duas vezes, ai.'' em
Nápoles com huma formosa e honesta Senhora, que morreo
de parto do seu filho João Pedro Ludovice, pae de José
Joaquim Ludovice, Escrivão da Camará no Desembargo
do Paço. A 2."' em Lisboa em 1720 com D. Anna Maria
Verney, de quem teve seis filhos, dous dos quaes ti verão
grande engenho para a Arte. O i.° Caetano Ludovice que
morreo na idade de 27 ou 28 annos ; e o 2.° José Joaquim
Ludovice, que fez o risco para a Igreja, e Convento dos
Padres do Espirito Santo, e morreo nas Caldas em 22 de
Julho de i8o3 sendo já septuagenário.
João Frederico não só foi bem acceito ao Senhor D. João
o 5.°. mas também ao Senhor Rei D. José i.°, o qual por
Decreto de 1750 declarou que pela grande capacidade com
que servira por tempo de 48 annos ao Senhor Rei D. João,
desenhando, e fazendo modelos com tal acerto, que execu-
tados deixão bem vêr a magnificência de quem os mandara
pôr em execução, e instruindo os operários empregados em
taes obras com tanto zelo, que á sua doutrina se deve o
— 142 —
grande adiantamento em que se achão as Artes nestes
Reinos, o declara Architecto Mór do Reino com Patente,
soldo, e graduação de Brigadeiro de Infantaria, na i/ plana
da Corte, &c.
Este Artista benemérito modelava, esculpia em prata, e
outros metaes, e desenhava ornatos, e figuras com grande
magistério. Quem olhar para a sua obra de Mafra com
attenção, e intelligencia verá o quanto era sábio em perspe-
ctiva. Na Architectura seguio o estylo dos Seiscentistas,
quero dizer, do Bernine, do Borromini, e principalmente
do Padre Pozzo, moderando-se mais nas liberdades que
elles tomarão. O modo de lavrar bem os ornatos de pedra
data do seu tempo, e bem se deixa vêr nos capiteis, e
ornatos da Porta da Igreja de S. Vicente, nos do CoUegio
de Santo Antão, nos do Menino Deos, de Nossa Senhora
da Luz, e em todos os outros edifícios mais antigos que o
de Mafra, que a pedra era mal cortada, e toda a mão
d'obra pouco elegante.
O Abbade d. Filippe Juvara.
Nasceo em Messina, de huma familia destincta, mas
muito pobre, e applicou-se ao desenho de figura, á Pintura,
á Gra\aira, e á Architectura : tomou o habito ecclesiastico,
e foi a Roma para estudar na escola do Cavalheiro Fon-
tana; mas achando-se falto de meios, hum certo machinista
seu patrício o induzio a pintar algumas decorações theatraes,
o que elle não só fez, mas também as gravou a agua forte.
O Duque de Sabóia sendo Rei de Sicilia, o acceitou para
— 143 —
seu Architeto com 600 escudos de pensão, e deo-lhe mais
em Turim a rica Abbadia da Selva. Alli fez a escada sem
palácio, assim chamada pelo vulgo, porque o edifício não
correspondia á grandeza, e magnificência que ella tinha; a
bellissima rotunda sustentada sobre oito columnas; e outras
obras. Victor Amadeo para condescender com os desejos
do Senhor D. João o 5.°, que o pertendia para Architecto
de Mafra, o enviou a Portugal. Aqui fez os desenhos para
huma Patriarchal, e para o Palácio, Convento, e Basilica
Mafrense, que senão executou, apezar da sua magnificência
e elegância, porque os Jesuitas fizerão dar a preferencia
ao Frederico. Não obstante, o Rei lhe deo Habito de
Christo, e a insignia delle cravejada de ricos brilhantes,
com huma pensão de 6í5 cruzados. Morreo em Madrid
começando o Palácio Real em lySô, tendo 5o annos.
António Canevari, Romano, também fez hum desenho
para Mafra o qual teve a mesma sorte que o de Juvara.
Depois de fazer construir em Lisboa a celebrada torre do
Relógio, e algumas outras cousas, foi acabar os seus dias
no Reino de Nápoles.
Mr. Larre.
Ouvimos dizer a Fernando de Larre, o ultimo Provedor
dos Armazéns que era neto deste Architecto, e que elle
fizera o Pórtico da Fundição, e o seu Palácio a S. Sebas-
tião da pedreira.
— 144 —
Vicente Baccarelli.
Pintor de Historia, e Perspectiva, Italiano, veio a Lisboa
nos fins do século 17, ou no principio do seguinte; e para
deixar ver a sua habilidade pintou gratuitamente o retábulo
d'huma Capella que tinhao os Pretos na Igreja da Trin-
dade. Esta obra o acreditou de modo, que teve logo as
encommendas de outras muitas. Das que existem são as
mais notáveis o tecto da escada de hum palácio no Campo
pequeno, pintado a fresco, e o da Portaria de S. Vicente
feito a óleo em 17 10. He huma das melhores cousas, ou
antes a melhor que deste género temos em Lisboa. A com-
posição, a armonia de cores, o effeito da perspectiva, os
partidos de luz, e de sombra, o manejo precioso do pincel,
tudo concorre para o fazer admirável. O painel era igual-
mente bello, elle o pintou, e executou todo o tecto, á
excepção das festonadas de flores, que forão feitas pelo
Serra, Mestre de José Bernardes, e são primorosas. Pelo
terremoto de 55 cahio só o reboco, que continha o painel.
Quando foi a Patriarcal para S. Vicente, mandarão os
ignorantíssimos Mestres caiar o tecto todo, e logo a casa,
que até alli parecia huma das mais bellas, e regulares de
toda a cidade, ficou parecendo a mais defeituosa, baixa, e
irregular. Quando os Cónegos tornarão de Mafra o man-
darão restaurar, o que foi feito, e muito bem, por Manoel
da Costa em 1796, e se o painel, que elle também fez, não
fosse bom teria alguma desculpa, visto não ser essa a sua
profissão.
1
- .45 -
Baccarelli sérvio na Mesa de S. Lucas em lyiS: depois
de fazer muitas, e excellentes obras tornou á pátria, dizendo
que o seu discipulo era bem capaz de supprir a sua falta.
Este discipulo era António Lobo, pae de Francisco Xavier
Lobo, o qual pintou de perspectiva o tecto da Igreja da
Pena antes do Terremoto. Entrou na Irmandade em Outu-
bro de 171 1. Sérvio na Mesa, e morreo em 1719. Foi
Mestre de António Pimenta, de Braz de Oliveira, e de
António Simões. António Pimenta Rolin pintou tectos nos
palácios, e Igrejas de Lisboa usando de industria para não
dar conta das engras nos Corpos de Architectura, os quaes
ornatava para adoçar a aspereza das sombras, era pobre
de invenções, e quasi se repetia em todas as obras. He seu
o tecto da Capella Mór dos Paulistas, repintado por Simão
Baptista, e Jeronymo de Barros em 1770. Entrou na Irman-
dade de S. Lucas em 171 5, sérvio na Mesa em 27, e 36,
e inda vivia em 1750. Braz de Oliveira Velho competia com
António Simões, e Lobo lhes chama Gigantes da Arte na
Architectura pintada, e em outros ramos ; mas diz que o
seu rival o excedia nas figuras a tempera. Entrou na Irman-
dade em 22 de Outubro de 171 3, e sérvio na Mesa desde
o mesmo anno até o de 1741, sendo varias vezes Juiz.
João Xunes de Abreu.
Chamado ^^algarmente do Castello, porque alli fazia a
sua morada. Era Pintor quasi universal, mas o seu forte
foi a perspectiva, e ornatos : pintou o tecto do Menino
10
— 146 —
Deos, o da Portaria da Graça, e outros. No da Graça fez
também as figuras, e José Bernardes, e o Serra fizerão as
flores. Foi Mestre de Feliciano Narciso. Entrou na Irman-
dade em 22 de Outubro de 1719, sérvio na Mesa desde
1724, até 34, morreo em 38, e diz o Lobo que de muito
estudar.
Francisco da Silva.
Foi soldado de hum antigo regimento chamado do Mon-
teiro Mór. Pintou ruinas de Architectura, paisagens, e lindas
figurinhas, tudo de grande mancha, com muito eífeito, e
pouco trabalho. Fez algumas cousas no estylo do Cláudio.
Esteve em Sevilha, e em 1775 vimos alli em casa de
D. Francisco Ximenes, hum dos Directores da Academia,
painéis seus de architecturas, e paizes, tidos por elle em
bastante estimação, e louvava muito os seus talentos porque
o conheceo pessoalmente. Francisco Xavier Lobo também
o elogiou tanto nos Diálogos como na Silva Laudatoria,
dizendo que tinha grande escolha de luzes, de sitios, de
figuras, muita franqueza, pintando com modo liberto e
generoso, colhendo muito fructo de pouco trabalho. » Fazia,
wprosegue elle, deliciosos arvoredos, cujas folhas parecião
«meneadas pelo Zéfiro. A sua luz, ou branda, ou forte,
» sempre era luz. Cada pincelada exprimia exactamente, e
«magistralmente o que queria, e devia dizer. Sabia bem a
» perspectiva, e todo o fundamento da Arte.»
— h:
Os Serras moço, e velho.
Estes dous Pintores, Pae, e Filho tiveráo grande génio
para pintar ornatos, e quadraturas, ou architecturas, porem
como não dirigissem obras suas, e pintassem quasi sempre
nas alheias como ajudantes, viverão em grande pobreza.
António da Serra, chamado o Velho, entrou na irman-
dade de S. Lucas em i8 de Outubro de 1688, e sérvio na
Mesa desde 1699 até 1720. Faleceo em Novembro de 1728.
Foi mestre de seu Filho Victorino Manoel da Serra, que
teve maior crédito que seu Pae. Entrou na Irmandade do
Santo Evangelista em 23 de Janeiro de 17 18. Sérvio na
Mesa desde 17 19 até 46. Morreo em Abril do anno seguinte,
de idade 55 annos, e jaz na Igreja de Nossa Senhora do
Soccorro. O seu panegirista Manoel Ferreira, diz ser seu
o tecto do Menino Deos, e o do Rato ; mas José António
Narciso, e Pedro Alexandrino nos affirmárao que o i." era
de João Nunes; e em quanto ao 2.° sabemos que tem es-
cripto em letras bem grandes o nome de Bochecha, (José
António), Pintor que chegamos a conhecer pelos annos
1769, quando pintou os ornatos no tecto da Igreja de Xa-
bregas. Era já velho, e morreo alli mesmo.
O Lobo faz grandes elogios aos toques admiráveis do
Victorino, ás suas flores, e fructos, e ás suas perspectivas;
e os nomes dos Serras forão sempre em muita estimação
entre os Artistas, e Conhecedores.
— 148 —
o Cavalheiro Nicolao Servandoni.
Foi hum génio dos mais extraordinários que tem appa-
recido tanto em talentos, como em grandeza d'alma, sem
lhe faltar a vêa pintoresca: sérvio os Maiores Soberanos
da Europa, e excedeo-os ás vezes em idéas de magnificência.
Despendia ora como Principe, ora como indigente, hoje
occupava hum soberbo palácio, amanhã hia morar n'huma
agua furtada. Este homem raro nasceo em Florença em
1695, e applicou-se á Pintura, á Architectura, e á Mecha-
nica. A' Pintura (diz hum dos escriptores da sua vida),
a esta Arte tão nobre, e tão difficil, he que elle deveo os
effeitos pintorescos que fazião todo o encantamento das
suas composições maquinosas. Elle estudou a Architectura
em Roma, pelas ruinas antigas, as quaes não só desenhava,
e media como Architecto, mas também copiava em painéis
como Pintor.
Passando depois a Paris foi recebido na Academia em
qualidade de Pintor de paisagens, e tendo feito para os
Theatros maravilhosos scenarios, o Rei o nomeou seu
Architecto Decorador. A sua fama tanto se espalhou que
os Reis de Inglaterra, Polónia, e Portugal, e o Duque de
Wurtemberg lhe derão o mesmo titulo. Gomo Architecto
Civil fez a fachada da Igreja de S. Sulpicio, architectura
famosa que se pôs a concurso em lySi, fez mais i3 ou 14
obras notáveis em Paris, e muitas em Bruxellas, Madrid,
etc. Dirigio o Theatro da opera em Paris 18 annos; e
existião desenhos de 60 decorações soberbas feitas para
— 149 ~
elle, sem fallar em grande número de outras para Dresda,
e Londres.
Mas nos espectáculos excedeo Servandoni, tudo quanto
se tinha visto, ou imaginado, no do triunfo d'hum conquis-
tador, fez apparecer na scena mais de 400 cavallos que
fizerão as suas evoluções com a maior facilidade. No que
deo á Cidade de Paris pelo casamento de Madama com o
Infante D. Filippe, toda a ponte nova, e todo o lago até
ponte Real forão decorados, e assistirão a esta festa o Rei,
toda a sua Corte, e mais de Sooí? espectadores. Dirigio
outros espectáculos, igualmente apparatosos em Londres,
Viena, e Stutgard : em Lisboa fez huma festa para os In-
giezes pela victoria do Duque de Cumberland em CuUoden
na Escócia, e muitos desenhos para ElRei.
O projecto que elle deo para decorar a Praça de Luiz i5
era tão bello, e tão grandioso, que os Francezes não se
atreverão a executalo, assim como as festas, que propoz
para a ultima paz, pela immensidade das sommas que
terião custado. Acabou os seus dias em Paris no armo 1766.
Simão Caetano Nunes disse-nos que o tinha conhecido,
e tinha visto em Lisboa alguns dos seus espectáculos, e
não acabava de os encarecer.
João Carlos Bibiena.
Depois da paz de Utrecht em lyiS começou este Reino
a respirar, e D. João o 5.'^ pôde deitar as vistas sobre as
sciencias, e boas Artes: a da Musica não ficou esquecida:
— i5o —
veio para a Patriarchal, entre outros Cantores o Anniba-
linho, que era também grande Pintor de perspectivas, e
fez huma decoração magnifica para servir no Loreto pela
Semana Santa, aonde se jfigurava o Imperador Heraclio
conduzindo o Santo Lenho sobre os seus hombros. Naquelle
tempo havia huma espécie de Theatro no Paço, onde se
representavão dramas em musica, e alli se fez Madama
Glanna no Carnaval de 1740. Petronio Manzoni, o mesmo
que foi depois Machinista nos Theatros Régios, fez o da
Rua dos Condes. Vierão as Paquetas, famosas cantarinas,
que repretentárão Alexandre na índia, para cuja peça fez
o Annibalinho o Templo de Baccho com columnas de
verde-antigo ao meio, e duas escalinatas aos lados que
conduzião as 3 galarias cobertas de abobadas. Elle deo
para a execução desta magestosa scena hum modelinho
pintado, e teve grandíssimo applauso. Com as Paquetas
vierão Salvador Cornelio, e o Clericé, ambos Pintores: o
primeiro veio em qualidade de Architecto Decorador, e fez
decorações admiráveis. No Desertor representado por 1770
no tempo de Zamperini ainda appareceo na rua dos Condes
o seu famoso Cárcere. Os Padres do Oratório também
tinhão hum Theatro, em que os seus estudantes represen-
tavão pelo Carnaval, cujo Architecto Decorador era Ignacio
de Oliveira, sendo os seus desenhos executados por Victo-
rino da Serra, José Bernardes, e outros.
João Carlos Bibiena, Italiano, veio também servir no
Theatro do Senhor D. José i.° pelos annos 1763. Com elle
vierão o Marcos muito hábil nas figuras pintadas a tempera;
e o Paulo, famoso em batalhas, e paizes. João Berardi que
já cá estava, também pintou huma gruta no Theatro Régio,
— i5i —
e ficou depois pintando as paisagens quando o Paulo se
retirou. Em quanto se preparava o grandíssimo Theatro
que fez João Carlos, arranjou elle hum Theatrinho na casa
da índia, aonde em lySS se representou o Heroe Ghinez.
No Theatro grande fez-se com magnificência verdadeira-
mente Real. Tito, e Olympiada, Alexandre, e Artaxerxes.
Os scenarios erao os mais soberbos, e os livretes que erao
grandes tinhão as scenas estampadas abertas a agua forte
por João Berardi. Este vasto edifício queimou-se no geral
incêndio de 55. Bibiena, depois do terremoto, fez a Gapella
Real, e Paço d'Ajuda, tudo abarracado. O risco para a
Igreja da Memoria também era seu, mas o fim da obra^
feito depois da sua morte, não correspondeo ao principio.
Deo o desenho para o Theatro d' Ajuda, e antes de vir
tinha mandado o de Salvaterra. Morreo pelos annos 1760,
e sucedeo-lhe interinamente Ignacio de Oliveira.
Jacome Azzolini.
Veio da Itália, sua pátria, convidado pelo Bibiena, para
o ajudar a riscar no Theatro Régio. Sobrevindo o terremoto
de 55 foi para Coimbra aonde se occupou como Architecto
Civil para acabar o seminário. Em 67 ou 68 foi chamado a
Lisboa para dirigir os Scenarios do Theatro Régio d"Ajuda,
emprego em que proseguio até os annos 1786 ou 87, tempo
em que faleceo, tendo quasi 70 annos. '
Em Lisboa, alem das decorações theatraes fez as torres
de S. Francisco de Paula, e hum desenho para o Picadeiro
— l52 —
Régio. Achando-se já doente no tempo em que se fez a
Opera de Assur, propoz elle que cada hum dos seus discí-
pulos fizesse hum scenario, para Sua Magestade poder julgar
qual delles era o mais capaz de o substituir.' José Carlos
Binheti fez o Templo, e Manoel Piolti a Regia. Estas obras
forão igualmente applaudidas, e a cousa ficou indecisa até
depois da morte do Mestre.
Eugénio dos Santos de Carvalho.
Foi o Architecto da nova Lisboa, e do Palácio Real que
se devia fazer em Campolide, e arco do Carvalhão, emprezas
ambas de tal ponderação, que se deverião incumbir não só
ao melhor Architecto do Reino, caso de o haver capaz;
mas ao maior do universo; o nosso sem carecer de talentos,
não era para tanto.
Em quanto ao Palácio, vimos em Roma em casa de
João Antinori, o risco delle, e pareceo-nos grande, e nobre.
Este Artista esteve em Lisboa aonde casou com huma Por-
tugueza, e foi empregado na casa do risco como Ajudante
de Eugénio dos Santos; jactava-se porem de que o desenho
do Palácio era de sua invenção. Aqui fallava com alguma
liberdade contra o Marquez de Pombal, e teve por isso de
fugir para escapar da prizao. Pelos annos 1776 gosava em
Roma d'huma certa reputação, e tinha bastantes discípulos.
Fez-se também famoso na Mechanica quando deo volta
ás Estatuas Collossaes de Monte Cavallo juntamente com
o seu pedestal. Em quanto á Cidade seguio Eugénio dos
— i53 —
Santos muito ao pé da letra a discripçao da nova Salento
de Fenelon, sem reflectir que hum sábio, pôde ser máo
Architecto. Mr. Palte também adoptou similhante systema
no seu tratado d'Architectura, o qual posto em praxe produz
hum etfeito monótono, e triste. Todos os nossos sentidos
aborrecem as repetições, e ver a mesma cousa nos arrua-
mentos, nas praças, nos palácios, e até nos templos ?
Eugénio dos Santos, Cavalheiro da Ordem de Christo,
era natural da Villa de Aljubarrota, e pertencia á illustre
familia dos Carvalhos, e Negreiros, sendo descendente de
D. Gil Fernandes de Carvalho, Mestre da Ordem de
S. Tiago. Casou com D. Francisca Thereza de Jesus, filha
de Manoel da Costa Negreiros ; foi Capitão Engenheiro,
Ajudante de Manoel da Maya : foi primeiro Architecto das
Obras Publicas, e dirigio a escola de Architectura em
Lisboa, chamada casa do risco, que foi estabelecida depois
do terremoto, e segundo dos Passos Reaes. Hum dos seus
melhores Ajudantes foi o Capitão António Carlos Andreis,
o qual se malquistou com o Marquez de Pombal, e esteve
muitos annos prezo, porque pela guerra de 62 sendo man-
dado em qualidade de Engenheiro para defender Almeida,
desobedeceo ao Rei, que por hum Decreto lhe mandava
entregasse a praça aos Hespanhoes, e depois faltando-lhe
os meios de a defender a entregou sem que lho mandassem.
Eugénio, fez o Arsenal da Marinha, a Praça do Commer-
cio, a Alfandega, e o perspecto da Cidade, o CoUeginho
da Graça, e Convento da Conceição da Luz ; tudo tirado a
limpo pelo dito António Carlos. Entrou na Irmandade de
S. Lucas em 6 de Julho de 1746, e morreo em 1760, tendo
de idade 60 annos.
i54
Carlos Mardel.
Era natural de Hungria, veio para Portugal no anno 1733
com patente de Capitão Engenheiro, e sérvio depois o posto
de Coronel que conservou até o mez de Setembro de 1763,
tempo em que faleceo, vencendo sempre soldo dobrado,
alem das extraordinárias gratificações, que recebia como
Architecto das aguas livres, (seu primeiro cargo), da Casa
das Obras, do Almoxarifado do Sal de Setúbal, &c. Fez
o Palácio de Salvaterra, o Convento de S. Domingos, o
Collegio dos Nobres, o Palácio do Marquez de Pombal em
Oeiras, o Chafariz da Rua formosa, e o da Esperança, o
Convento de S. João Nepumoceno, a sua própria casa a
Santa Isabel, e o risco para o Palácio que o Senhor Rei
D. José quiz fazer no Campo de Ourique, &c. &c.
Por aquelles tempos forão também estimados como bons
Architectos Manoel da Maya, que foi Marechal General,
Engenheiro Mór do Reino, e teve em 56 de dar a planta
de Lisboa de que incumbio o Tenente Coronel Carlos
Mardel, o Capitão Eugénio dos Santos, o Capitão Elias
Sebastião Poppe, António Carlos, José Carlos da Silva, &c.
A casa de Obras Publicas foi instituída pouco depois do
terremoto pelo Senhor Rei D. José para a reedificação da
Cidade. D. Miguel Angelo de Velasques foi o terceiro Ar-
quitecto de Obras Publicas, e a elle se seguio Reynaldo
Manoel dos Santos.
Pedro Gualter foi Engenheiro, e Architecto da Casa das
Obras Reaes.
— i55 —
Francisco António Ferreira Cangalhas Ajudante da Casa
do Risco das Obras Publicas, encarregado do risco da
Cidade, e Architecto das aguas livres.
Joaquim de Oliveira Architecto do Conselho da Fazenda,
e da Junta do Gommercio.
Remigio Francisco Ajudante da Casa do risco das Obras
Publicas, e Architecto do Senado.
Feliciano Narciso.
Discípulo de João Nunes, foi hum dos famosos allumnos
da antiga escola de Baccarelli, pintando optimamente archi-
tecmras, e ornatos. Antes do terremoto tinha feito o tecto
da casa do Despacho em S. Nicoláo; e no Theatro Régio
dirigio, subordinado a Bibiena, o partido dos Pintores Por-
tuguezes que alli se occupavão. Depois do terremoto dese-
nhou, e dirigio os ornamentos no grande tecto da casa das
pistolas na Fundição, os quaes forão excetuados por elle
mesmo, por António Caetano da Silva (i), António dos
Santos Joaquim (2), e por outros. José Carvalho Rosa
pintou as flores. O nosso Feliciano entrou na Confraria do
Santo em Outubro de 1732, e sérvio lugares da Meza desde
(i) António Caetano da Silva entrou na Confraria em 3o de Outu-
bro de 1744, e sérvio na Mesa de Secretario, e falleceo em 7 de Maio
de 1775.
(2) António dos Santos Joaquim entrou por Irmão em 4 de Agosto
de 1746, e morreo em 1777.
— i56 —
37 até 54 sendo então Juiz. Morreo em idade avançada
pelos annos 1776, ou 77. O Lobo o exalta muito, e com
razão. Quando pintou o grande tecto na Fundição estava
já muito convulso, o que não obstante distingue-se o seu
toque de ouro de todos os mais pela limpeza, elegância, e
perfeição com que he feito.
Jose' Bernardes.
Foi discipulo dos Serras, e Francisco Xavier Lobo louva
muito a arte com que elle grupava as flores, e sabia diffundir
a luz sobre ellas; como também a verdade, e magistério
com que pintava os fructos, os ornatos, e Architectura,
cousas todas que elle ensinou ao Genro, e discipulo bem
aproveitado Jeronymo Gomes Teixeira. Também foi Mestre
de Francisco Gomes Teixeira, e de Bento de Souza Cam-
pelo que pintava flores, e ornatos, e morreo velho pelos
annos 1780 e tantos.
Lourenço da Cunha.
Foi o maior Pintor Portuguez que temos tido no género
de Architectura, e perspectiva, igualou talvez BaccareUi na
pratica, e excedendo-o na theorica: vingando-se com a sua
pericia em Arte tão liberal da sem razão da sorte, que o
havia condemnado á condição servil. Foi a Roma com huma
pessoa da familia dos seus patronos, e alli avançou muito:
— 07 —
quando voltou, que seria pelos annos 1744, como não era
conhecido, foi pedir que fazer a Ignacio de Oliveira, que
regia o Theatro dos Congregados do Espirito Santo come-
çou a pintar com acanhamento, mas pouco depois deixou
ver o grande homem que era.
Quando Bibiena cançava o Erário para admirar os es-
pectadores com os magníficos scenarios do Theatro Régio,
ousou elle ser seu competidor na Rua dos Condes, inda
que em ponto pequeno qual he o que exige hum theatrinho
de bonecos ; e diziao os bons pintores, que virão as suas
obras, que no seu tanto não cedião ás do seu rival. Fez o
Theatro do Bairro Alto, e pintou para elle alguns scena-
rios. Também pintou huma capella da Igreja dos Clérigos
Pobres, outra perspectiva na dos Inglezinhos, o Coro das
Trinas do Mocambo; o tecto da casa do Capitulo em
S. Domingos de Bemfica, o de Nossa Senhora do Cabo,
hum retábulo na barraca de S. Julião, que não existe, e
era excellente. Assentou por Irmão de S. Lucas em iõ de
Outubro de 1744, e sérvio na Meza desde 46 até 53 sendo
duas vezes Juiz. Foi Mestre de Mathematica de seu filho
José Anastácio da Cunha, Lente de Geometria na Univer-
sidade de Coimbra. Morreo em Lisboa pelos annos 1760.
Depois da sua morte dirigio o Theatro do Bairro Alto
Silvério Manoel Duarte, discípulo de Bento de Souza, que
morreo dous annos depois. Seguio-se António Stopani,
Bolonhez, e a elle, pelos annos 1767 Joaquim dos Santos
de Araújo, dahi a pouco tempo tornou Stepani,
— i58 —
Mattheus Vicente.
No tempo da Obra de Mafra creárao-se alli debaixo da
direcção de Frederico bom Mestre d'Obras, e Officiaes de
relevo. Alguns dos mais habilidosos entrarão na Casa do
risco, e derão-se a delinear as 5 ordens, aprendendo também
alguma Geometria pratica, e forão finalmente empregados
como Architectos.
Hum dos que mais se distinguirão foi o Major Mattheus
Vicente, natural do lugar de Barcarena, foi Architecto da
Casa do Infantado, e Senado da Gamara. Fez parte do
Palácio de Queluz, sendo a outra parte com as decorações
dos jardins, de João Baptista Robilhon. Gomo Architecto
do Senado teve de reedificar a Igreja de Santo António da
Sé arruinada pelo terremoto.
Não podem ás vezes os Artistas fazer o que entendem e
desejão, porque os donos das obras não querem despender,
mas naquella não poderia allegar-se essa desculpa, nem
se pode entender a razão porque tendo Mattheus Vicente
carregado de ornamentos supérfluos a fachada da Igreja, e
mesmo o lado delia pela parte exterior, fez tão pouco caso
da Cúpula que mais parece o mirante de huma quinta, que
o Zimbório de huma Igreja, quando todos sabem que as
cúpulas, quando as ha, são as peças mais importantes dos
edifícios, e aonde os melhores Architectos tem posto todo
o seu saber.
Fez também o Convento, e Basílica do Coração de Jesus,
obra sumptuosa, apezar de que transluz por entre a magni-
ficência da Soberana- que a mandou fazer, o espirito mes-
— iSg —
quinho do homem que a desenhou. Morreo pelos annos 1786
sendo já velho.
Gregório de Barros e Vasconcellos.
Este Fidalgo, descendente de illustres famílias, era muito
estudioso, hábil Mathematico, e estimador das bellas Artes.
Em 1780 cedeo gratuitamente ao Editor destes opúsculos
as melhores salas do seu palácio a S. José, para elle esta-
belecer nellas huma Academia do nú, a primeira que houve
em Lisboa. Alem disso quiz contribuir igualmente com os
outros Directores para as despezas, que se fazião com o
estudo.
A entrada da Casa era ampla e nobre, havia sala para
principiantes de desenho, outra para Geometria, Perspe-
ctiva, e Architectura, huma terceira para ^êços, e para o
nú era a maior de todas. Alli concorrerão Francisco Vieira
Lusitano, Ignacio de Oliveira, Joaquim Machado de Castro,
Joaquim Carneiro, o Rocha, o Barros, o Padre João Chri-
sostomo, Simão Caetano, e outros que entre os Directores,
e Alumnos excederão o niímero de 5o pessoas. Continuou
elle generosamente aquelle beneficio público até o tempo
da sua morte que foi dous annos depois, tendo de idade
quasi 70 annos. (i)
(i) Pouco antes do seu fallecimento separou da sua biblioteca, que
era numerosa, cousa de 100 volumes, tratando de Mathematicas, que
queria logo entregar ao Erector da Academia a quem os dava, o qual
não acceitou antevendo que ella presistiria pouco tempo.
— t6o —
Como, por seu falecimento faltasse a casa, cessou o
estudo até o anno 1785, em que o Intendente Geral da
Policia Diogo Ignacio de Pina Manique com beneplácito
Régio transferio somente o estudo do ntí para a rua dos
Camilos, aonde durou até 1807, tempo em que os Fran-
cezes invadirão esta Corte.
Reynaldo Manoel.
No tempo de Eugénio dos Santos entre outros Ajudantes
da Casa do risco havia Remigio Francisco, que era o mais
antigo, e Reynaldo Manoel que era o mais Cortezão. Quando
alli hia o Marquez de Pombal, Remigio a quem pela sua
antiguidade tocava fazer-lhe a Corte, sendo de génio aca-
nhado escondia-se, e mandava o Reynaldo em seu lugar.
Este que juntava a huma figura vantajosa maneiras agra-
dáveis, e insinuantes, de tal modo soube captar a benevo-
lência do Primeiro Ministro, que quando morreo Miguel
Angelo de Velasques entrou elle, e foi provido no seu lugar
de Architecto das Obras Publicas. Nesta qualidade con-
correo para a factura da escalinata, e pedestaes da Estatua
Equestre pelos annos 1775, quando Joaquim Machado de
Castro fez alli collocar a sua escultura ; e ambos forão
premiados com Hábitos de Christo,
O Major Reynaldo, fez também a Igreja dos Martyres,
e acabou a Basilica do Coração de Jesus, e fez o Chafariz
das Janelas verdes, e terminou os seus dias em 1789, ou 90.
Da mesma escola de Mafra sahírão João Ferreira Can-
— i6i —
galhas, Pae, e Mestre de Francisco António Cangalhas,
Architecto da Cidade, e da Igreja de S. Francisco, irmão
de. João Pedro Cangalhas sábio em Mathematicas; Caetano
Thomaz, Pae, e Mestre de Manoel Caetano de Souza,
António Baptista Garbo, e outros.
Simão Caetano Nunes.
Depois de Lourenço da Cunha foi o Architecto Decorador
mais accreditado de Lisboa. O Lobo diz delle :
«Despreza o que he inútil na sua Obra,
»E com pouco trabalho ensina, e obra.
Em quanto Silvério, e Stopani se occupavão no Bairro
Alto, regia elle a casa da Rua dos Condes; mas quando
as duas companhias se ajuntarão lá em cima, foi elle allí
preferido; e alem dos scenarios fez as tramóias para o
Magico de Salerno. D. João de Spina, e outras obras ma-
gicas. Pelos annos 1782 fez o Theatro do Salitre para
Tersi fazer os seus equilíbrios. Dirigio também o Theatro
da Graça. Pintou muitos tectos, e outras cousas na quinta
de Devisme em Bemíica, e na de LaRocha em Cintra. Em
1781 fez os ornamentos do tecto da Sacristia da Encarnação.
Concorreo para a manutenção da Academia de S. José, e
deo nella lições publicas de Geometria, e Perspectiva. Os
seus discípulos forão Joaquim dos Santos de Araújo, Ma-
noel da Costa, Gaspar José Raposo, Simão Caetano da
Cunha, e outros.
— l62 —
Joaquim de Araújo soube muito bem a Perspectiva; mas
os seus ornamentos erão de péssimo gosto. No tempo em
que o Bruno foi também Emprezario, dirigio alguns mezes
o Theatro do Bairo Alto. Entrou como Noviço no Convento
de Jesus da 3.* Ordem de S. Francisco; mas sahio antes
de professar, tendo pintado varias cousas na Cella do Padre
Mayne, Confessor do Rei. Casou, e a vida desordenada
que teve o conduzio á extrema pobreza, em que morreo
de dolorosas enfermidades pelos annos 1795 com 54 de
sua idade.
Gaspar José Raposo, nasceo em Lisboa com talento
natural para a Pintura. Tinha juizo claro, e huma pratica
continuada nas obras de seu Mestre, e nas suas. Quando
Simão Caetano adoeceo, dirigia a Pintura nos Theatros da
Rua dos Condes, cujo Emprezario era Paulino José da
Silva, e do Salitre que pertencia a João Gomes Varella.
Para supprirem a sua falta mandou elle Gaspar para o i.°,
e Costa para o 2.°, os quaes ficarão, por morte do Mestre,
regendo cada hum a sua casa. Gaspar pintou a architectura,
e ornatos do tecto da Capella Mór da freguezia da Encar-
nação, vários tectos em casa de Jacintho Fernandes Ban-
deira, e outras cousas. A fraqueza que teve de se abandonar
incautamente aos attractivos do bello sexo lhe occasionou
huma enfermidade, que sendo mal curada lhe fez perder
totalmente o uso das pernas por alguns annos : assim mesmo
assentado n'hum carrinho dirigio os scenarios no Theatro,
e pintou no picadeiro do Collegio dos Nobres algumas
carruagens para a Casa Real. Contra toda a esperança do
famoso Cornelio, e de outros Físicos foi radicalmente curado
por Manoel Lopes Cirurgião da Camará, que tinha também
-- i63 —
prolongado os dias de Agostinho da Silva, creado muito
estimado do Senhor Rei D. Pedro, depois de o desampa-
rarem todos os Médicos. Em 1798 dirigio as soberbas lumi-
nárias que mandou fazer Anselmo José da Cruz Sobral
pelo nascimento da Senhora Princeza D. Maria Thereza.
Pintou muitos scenarios para o Theatro de S. Carlos,
e todos para o Salitre, não só no tempo em que Paulino
foi Emprezario deste Theatro; mas também quando a Com-
panhia tomou a si a empreza, e quando a teve António
José de Paula. Emtanto engolfando-se cada vez mais no
deleite para que era tão propenso, augmentou a moléstia
primitiva até o ponto de ganhar huma putrefação nos ossos
da cabeça, de que morreo em Bellas no dia 4 de Janeiro
de i8o3 com 41 annos de idade.
André Monteiro, seu discípulo, além de ornamentos, e
quadraturas, também pinta paizagens, gados, caças, e outros
objectos curiosos, com muita acceitação do Publico, e pre-
sentemente está feito Mestre das Obras Publicas.
Simão Caetano, sem estar muito doente, deo demasiado
crédito a hum mesinheiro, que promettia puriíicar-lhe o
sangue, e tomou successivamente 17, ou 18 medicamentos
purgantes, que lhe causarão huma inflamação interna de
que morreo em 1788 com 64 annos de idade. Era melan-
cólico, e tinha muita probidade, e desinteresse. Dos Thea-
tros nunca tirou maiores lucros, que os que dava aos seus
Ajudantes. Existe o seu retrato pintado por Domingos da
Rosa.
— 164 —
Major Manoel da Costa Negreiros.
Era Irmão do Pintor José da Costa Negreiros, de quem
falíamos a pag. — Ambos entrarão na Irmandade de S. Lucas
em 1745. Sabia a perspectiva, e fez profissão de Archi-
tectura. Fez a Ermida do Senhor Jesus da Boa nova junto
á Fundição, que he da Ordem Jónica, e tem huma planta
assas regular. Também he sua a muito elegante torre do
relógio da Graça, a qual tem columnas nichadas nos ângu-
los. Foi natural de Lisboa, e Architecto da Casa do Infan-
tado como seu pae. Morreo, sendo casado, em lySo. Fez
a porta do Sacramento, e o Palácio de Barbacena.
Luiz Baptista.
Teve por Mestre hum homem que lhe não soube ensinar
nada, mas Thomaz Gomes achando-lhe habilidade empres-
tou-lhe estampas, deo-lhe lições, e introduzio-o primeira-
mente com Francisco de Moura, a quem ajudou a pintar
as tarjas dos dóceis nas capellas do Carmo, e depois com
Lourenço da Cunha no Theatro do Bairro Alto, e por fim
estava pintando, e riscando eífectivamente na Ribeira das
Náos debaixo do commando de Ignacio Meireles, porque
naquelle tempo ainda se usava manobrarem os Majores, e
Commandarem os cabos de esquadra. Pelos annos 1781
pintou a perspectiva no tecto da freguezia da Pena: morreo
— i65 —
4 annos depois tendo quasi óo de idade. As reprezas forão
pintadas por elle, por José Thomaz Gomes, e por Jerónimo
de Andrade. Os baixos relevos, e as cabeças nas repre-
zas por José Caetano Cyriaco. João de Rhodes pintava o
corpo amarellado, quando adoecendo repentinamente mor-
reo pouco tempo depois. As flores são de Thomaz Gomes.
Luiz Baptista foi Mestre de Manoel Macário, que pintou
as flores no tecto da Capella Mór da Bemposta, e morreo
muito moço, e de seu Irmão Eusébio Lopes, que dirigia
as pinturas dos escaleres na Ribeira das Náos, o qual
morreo de 5o annos a 6 de Setembro de i8i8. Jaz na Fre-
guezia da Pena.
Jerónimo de Akdrade.
Foi hum exceliente Pintor de Ornatos, e Architectura :
Achou-se sempre entre os que executavao no seu tempo
as melhores obras da Corte. Desenhou, executou, e dirigio
o tecto da Igreja de S. Paulo, que he de perspectiva, sendo
ajudado por José Thomaz Gomes, Vicente Paulo, e Gaspar
José Raposo. Nasceo em Lisboa em 171 5, entrou na Irman-
dade do Santo em 23 de Outubro de 1746, e faleceo pelo
Natal de 1801.
Por estes tempos florecêrão outros Pintores notáveis
destes mesmos géneros. Thomaz Gomes foi exceliente em
ornatos, flores, paizagens, e ruinas, que pintava com bello
gosto de cores, e toque de pincel, nas cercaduras, e nos
meios das seges. Era por extremo acanhado, e modesto, e
nunca quiz dirigir obras. Os seus discípulos forão seus
— i66 —
filhos José Thomaz Gomes que morreo em... e Pedro
António Gomes que faleceo nos primeiros de Setembro de
1819 de 60 annos. O Pae morreo de 69, ou 70 annos por
1783.
Francisco Gomes Teixeira, Irmão de Jerónimo Gomes,
e seu condiscipulo na Escola de José Bernardes, também
pintava flores, fructos, ornatos, &c.
Thomaz de Brito de Souza natural da Bahia, era hum
dos que escurecião bem o ouro na Ribeira das Náos. Ajudou
o Bochecha a pintar os ornatos no tecto de Xabregas, e
Manoel da Costa nos de Domingos Mendes. Tinha mulher,
filhos, vivia cheio de desgostos, e desappareceo de Lisboa
pelos annos 1788, tendo quasi 60 annos. Entrou na Irman-
dade em 53.
José Carvalho Rosa sérvio os Senhores Infantes de
Palhavã em qualidade de Porteiro da Cana, e teve occasiao,
e commodo para copiar as preciosas flores que se creavão
naquelle vasto jardim, de sorte que no seu tempo teve a
reputação de ser o melhor naquelle género. Pintava-as
grandemente a óleo, mas ainda melhor de illuminação.
Ignacio José de Azevedo Coutinho possuia algumas, que
erão impagáveis. Entrou na Irmandade em 3o de Outubro
de 1744. Morreo pelos annos 78 sendo já velho.
Franxisco Xavier Lobo.
Nasced em Lisboa, e foi filho de António Lobo, de quem
fizemos menção a pag. — Estudou a Ai te na escola de
— 167 —
André Gonçalves. Pintou figuras, paizagens, ornamentos,
fructos, e objectos naturaes, tudo mediocremente. Tinha
espirito filosófico, e mordaz; e sem ser grande Poeta fez
alguns epigramas que tinhão sal. Collocando-se em sitio
muito elevado huma estatua de bronze, cujo metal tinha
sido de hum sino, e fazendo elle n'huma decima hum elo-
gio ao Heroe, dizia:
Abatello a Inveja fora !
Náo, que por sua bondade
Aqui, e na eternidade
Alto está, e alto mora.
Huma mulher que deitara em seu marido huma ajuda
d'agua forte, disse-lhe no fim de hum Soneto:
Vai fazer aos hereges essa esmola
Serás a estirpaçáo das herezias.
A João Xavier de Mattos, que se queixava muito nos
seus versos dos desdéns da sua Olaia, enviou hum Soneto
que terminava com os seguintes máos conselhos :
Amigo, se queres que ella caia
Põe de parte os teus mimos de Poeta
Da-lhe o lenço, ã fita, o pente, a saia;
Esta escola de amar he mais discreta:
E escusarás de andar atrás d'01aia
Toda a vida a gemer feito pateta.
Passando por hum beco solitário aonde vio á janella
huma meretriz que olhava para elle com attençao, pergun-
tou-lhe: ha que lidar? Traduzia Comedias Italianas; e huma
— i68 —
que compoz em Portuguez, chamada vulgarmente a Gale-
gada, teve muito applauso. Fez o papel de satírico, e gra-
cioso da Missa mal ouvida das mulheres. Escreveo diálogos
sobre a pintura em que dá boas instrucções, e propõem
também certas difficuldades, de que desejaria a solução.
Ms. Breve Tratado da Pintura prática, e especulativa. Sylva
Laudatoria aos Pintores, Escultores, e Architectos do seu
século, feita á imitação da que fez em Hespanha a simi-
Ihante assumpto Lopo Félix da Veiga Carpio. Louvor á
sublime Arte da Pintura : diz delia que tudo imita
Só a voz não se pinta, mas que importa?
Quando as acções de quantos alli vemos
Pintados, mostráo o que a voz não disse.
Relincháo os cavallos com soberba;
Os donos seus contrários amedrentao;
O General as ordens determina;
O ferido se queixa; o fraco treme. ...
Desta mesma familia tivemos mais dous Pintores. Joaquim
José Lobo, irmão de Francisco Xavier, e José Joaquim Lobo,
seu sobrinho, ambos figuristas, o i.° morreo pelo terremoto,
e o 2.° terminou os seus dias pelos annos 1793 de 60 annos,
ou mais.
João Pillement.
Famoso Pintor Francez de paizagens, gados, e decora-
ções de gabinetes. Costumou-se a viajar, e esteve três vezes
em Lisboa: a i.'"» antes do terremoto de 55, a 2.^ pelos
annos 1766, e a ultima 14 annos depois. Desta ultima vez
— 169 —
demorou-se, e fez muitos, e hellos paizes, huns a pastel,
(género em que se excedia), outros a óleo, e todos se acháo
pelos gabinetes dos curiosos. Antes de se retirar fez apres-
sadamente hum certo número delles que dividio em lotes,
e organisou huma loteria de mil moedas. Pintou para casa
de Gerardo Devisme em Bemfica dous pequenos gabinetes
por 220 moedas.
Tinha em sua companhia M.'^ Louvete sua sobrinha,
que foi ao Paço fazer alguns retratos de miniatura, e tam-
bém gravava a agua forte.
Os seus discipulos em Lisboa forao Joaquim da Costa,
Irmão de Manoel da Costa, e Joaquim Mellisent, que se
applicou a desenhar flores : abria de agua forte, e foi em-
pregado nas estampas para o papel moeda, por 1797.
Pillement quando deixou Lisboa era mais que septuage-
nário.
Francisco de Figueiredo.
Se a perícia da Arte andasse sempre annexa, como al-
guns cuidão, a hum génio lunático, e extravagante, este
Artista poderia competir na perspectiva com o Padre Pozzo,
na figura com o Corregio, e no ornato com Albertoli, por-
que em todos estes géneros nos deixou obras, mas muito
más, como se pode vêr nos tectos de S. João da Praça, e
das Chagas. Porém senão tinha letras, sabia impor muito
bem com as suas tretas. Sempre fallava na Academia de
S. Fernando, e em muitas outras aonde fora, dizia elle,
Académico: jactava-se de improvisador, ás vezes queria
— 170 —
apostar que havia de compor alguma cousa grande em
quanto se deitasse hum foguete, e com effeito como elle
riscava, e fingia com o som da sua voz os estoiros do
foguete acabava tudo ao mesmo tempo. Não lhe esqueciao
os cinco pontinhos no papel para irem tocar nelles a cabeça,
pés, e mãos de qualquer figura humana que se pedisse,
aqui he que elle se fazia admirar não só da multidão, mas
até de alguns entendedores ?
Francisco de Figueiredo era natural do Porto, fez algu-
mas viagens, e foi a Évora aonde pintou vários painéis no
Convento de Santo Eloi: de lá passou a Lisboa, e fez
grande amizade com Francisco de Setúbal, que lhe retocou
a tempera os painéis do tecto, e paredes de S. João da
Praça, que elle havia pintado a fresco.
O muito uso que fazia de licores espirituosos augmen-
tava ás vezes a sua loucura ordinária. Os Padres Vicentes
o recolherão, e occupárão nos fins da sua vida, que foi
pelos últimos annos do século passado, sendo já velho.
Mr. Rosa.
Foi hum Pintor do ultimo século muito notável no género
'de gados, e paizagens, esteve em Roma, e em outros paizes,
e crê-se que também em Lisboa aonde na collecção do
Marquez de Lavradio, e em outros gabinetes, deixou bas-
tantes painéis seus, pintados com boa maneira, e grande
pasta de tinta.
Francisco Paes, muito bom Pintor de fructos, flores, etc.
— 171 —
e protegido pela Casa de Abrantes copiou alli com grande
franqueza alguns dos seus painéis. Pintou o tecto de S. Fran-
cisco de Paula, e outros na Patriarchal incendiada logo
depois do terremoto. Ainda vivia contando bastantes annos.
Diogo Magina, e outros Pintores
DO Algarve.
He muito para acreditar que no R.eino do Algarve tenhao
florecido alguns Artistas dignos de memoria ; entre elles
deve occupar hum bom lugar Diogo Magina natural de
Tavira, o qual esteve em Lisboa pelos annos 1766, e pintou
os painéis da Vida de Nossa Senhora, que estão sobre as
Capellas na Penha de França. Tinha estado em Sevilha, e
estudado naquella Cidade pelas pinturas de Murillo. Quando
em 1775 passamos por Aiamonte estava elle alli fazendo
algumas obras, e parecia ter 5o annos. Foi discípulo de
Diogo de Souza de Loulé, (pae de hum Lente da L'niver-
sidade de Coimbra), o qual fez algumas pinturas na Fre-
guezia de Castro Verde, e as batalhas de D. Affonso
Henriques na Igreja dos Remédios.
Pelos annos 181 1 vivia em Faro Joaquim José Rasquinho,
tendo cousa de 60 e tantos annos, depois de ter feito varias
obras de pintura no Alemtéjo, e no Algarve, sendo huma
delias o tecto de Architectura com hum painel da Virgem
Immaculada na Conceição de Loulé.
Seu filho o Cónego Rasquinho em Faro também sabe
pintar muito bem figuras, e paizagens.
Temos noticia de outro Pintor de Tavira, João Rodri-
gues Andrinos, que foi Pae e Mestre de Theodora Maria,
a qual morreo em 1761, tendo 24 annos de idade.
No ultimo século viverão em Lisboa outros Pintores, e
Escultores do Algarve. Pedro de Alcântara pintou com
muita valentia as paizagens, tanto a óleo em painéis, como
a tempera em pannos de casas, e nos Theatros. O Medico
da Gamara Alberto de Azevedo possuia hum certo número
de quadros seus com lindas figurinhas de Pedro Alexan-
drino. Entrou na Irmandade de S. Lucas em o i.° de
Outubro de 1747, ainda vivia pelos annos 1763.
Nicoláo Monteiro pintava com galantaria certas bambo-
chatas de anões que comião, bebião, e jogavão ás vezes as
cartas, ás vezes pancadas. Inventou depois hum novo modo
de estofar, e encarnar as Imagens de Escultura, com grande
perfeição, e foi imitado por seu filho Manoel Francisco Mon-
teiro, José Antunes dos Reis, Theodoro da Fonseca, e outros.
Gregório Madeira não se podendo sustentar no género
histórico em que começara, applicou-se á Architectura, e
Ornato, pintava-o muito bem a óleo, e a tempera. Entrou
na Irmandade de S. Lucas no i.° de Fevereiro de 1748, e
existia ainda por —
António dos Santos da Gruz, Escultor, natural de Faro.
v. p.
Jerónimo Gomes Teixeira,
Nasceo em Lisboa, e foi discípulo de José Bernardes,
que pintou as flores no tecto da Portaria da Graça, e de
* — 173 —
quem falíamos a pag. — Casou a i.^ vez com a filha de
seu Mestre, que morreo no terremoto de 55. Depois de
huma viuvez de 27 annos, sendo já velho tornou a casar
como huma donzella de poucos annos, cunhada de seu
filho, que casou pelo mesmo tempo.
Pintava grandemente os objectos de Architectura, orna-
tos, e perspectiva; e tinha na combinação das cores hum
gosto particular. He seu o tecto de Santa Justa, e o da
Capella Mór dos Martyres : fez quantidade de outras obras
em que lucrava pouco, porque as fazia muito baratas ; e
mesmo ás vezes não tirava para as despezas. Tinha grande
geito para ensinar praticamente os seus discípulos, com
modos sempre risonhos, de maneira que nas grandes obras
sempre o veríeis cercado de rapazes principiantes, alguns
dos quaes avultavão mais do que elle, que era muito baixo,
e muito magro, ainda que de agradável presença. Teve
por discípulos seu filho José Joaquim Gomes que lhe foi
inferior em talentos, e morreo pelos annos.... Vicente
Paulo da Rocha natural da Alhandra, sugeito de grande
mérito, porque não só executa bem qualquer desenho de
ornato, ou quadratura, mas tem o dom de alegrar a com-
panhia, arremedando com propriedade alguns homens, e
animaes.
Eugénio Joaquim Alves também tem ajudado a executar
desenhos alheios, e seus, e tem feito de sua invenção bons
scenarios no Theatro do Salitre, etc. He Mestre de seu
filho.
FeUx José Fernandes nascido também em Lisboa come-
çou a estudar em 1788, quando seu Mestre fazia o tecto
de Santa Justa. Em 1806, e 1807 regia os The atros áç
— 174 —
Salitre, e da Boa hora em Belém. Sobrevindo-lhe ao pes-
coço alguns tumores scrofulosos morreo delles em 1811
contando 38 annos de idade.
MoNsiEUR Bernardo Foit.
Era natural de Pau Freguezia de S. João da Luz, e foi
Pintor de historia, e de perspectiva, e em ambos os géneros
tem obras publicas na Igreja dos Barbadinhos Francezes,
onde fez o retábulo, e painel da Capella Mór, e em Santa
Isabel, para onde pintou o de S. Gonçalo. Em as Ermidas
junto ao Lumiar tem também Nossa Senhora do Carmo,
e Nossa Senhora da Conceição. Tinha igualmente uso de
fazer retratos. Obteve huma pensão, e o titulo de Pintor
do Senhor Rei D. José. Faleceo de mais de 80 annos de
idade em 1791, ou 92, deixando muitas, e boas estam-
pas, e painéis ao seu discípulo António Manoel Ferreira
Lima, o qual alem da pintura, também he Professor de
Quimica.
Por aquelles tempos a rogo de Mr. la Croix veio de
França para dirigir as pinturas na Fabrica das caxas, e
carruagens, Mr. Gerard Pintor de bello comportamento,
mas de mediocre habilidade, o qual em 1770 pintou o
painel da Senhora d'Atalaia, que está na Conceição dos
Freires. Casou em Lisboa, e cá terminou os seus dias.
- 175 -
Jose' António Narciso.
Vio a luz em Lisboa em lySi. Tendo lo, ou ii annos
começou a desenhar perspectivas, e ornatos debaixo da
direcção de Simão Gomes dos Reis, filho do Capitão José
Pinhão de Mattos, que pintou a óleo as vistas de Lisboa,
e de Goa, cujos painéis estiverão no Collegio dos Nobres.
Ambos erão naturaes de Pernambuco.
Passou depois a escurecer ouro na Ribeira das Náos,
onde sub o commando de Ignacio Meireles se pintavão os
escaleres, e outras embarcações do Rei ornado tudo rica,
e artistamente com delfins, conchas, busios, espadanas, de
ouro escurecido, sobre fundo azul celeste', tendo elle huma
certa primazia sobre os seus collegas. Isto durou até os
annos de lySõ, tempo em que entrou Luiz Baptista, de
quem não era amigo, o qual ficou supprindo o seu lugar.
Achando-se o tecto da Igreja do Cabo, que era pintado
por Lourenço da Cunha, muito damnificado, elle por ordem,
e á custa do Rei o foi pintar, superintendendo á obra Pedro
Teixeira.
Em quanto Ignacio de Oliveira foi Architecto Decorador
do Theatro Régio, José António dirigia a pintura dos sce-
narios que elle inventava, e ainda depois da vinda de Azzo-
lini, foi dirigir em Salvaterra a pintura da burleta determi-
nada pelo mesmo Ignacio. No tempo de Azzolini pintou
hum bosque em competência com outro pintado por Jeró-
nimo Gomes.
Ignacio de Oliveira foi sempre o Architecto dos Theatros^
— 176 —
que pelas festas se armavão, e desarmavão em Queluz, e
dos scenarios que alli se executarão, de cuja pintura costu-
mava incumbir o nosso Narciso. Este sendo compadre, e
muito amigo de Manoel Caetano de Souza imaginava, e
desenhava a maior parte dos ornamentos, e quadraturas
que elle fez executar nas suas obras, o que era feito com
grande magistério, sim, mas no máo gosto Alemão, que
ainda por cá se usava. Pintou os ornatos, e architecturas
de muitos tectos em Igrejas, e Palácios taes como os da
Casa de Barbacena, o do Loreto, Martyres, Conceição,
S. Domingos, e Bemposta; o de S. Julião feito em 1800,
e mcendiado 16 annos depois, o do Sacramento, &c. Tam-
bém tinha pintado o de Santa Quitéria, para onde se retirou
em 1809, occupando-se alli com módico estipendio; mas
quando nos fins de Setembro entrou o exercito de Massena
teve de abandonar o pouco que tinha, e retirar-se precipi-
tadamente a pé com a sua familia, achando-se na pátria
como emigrado, e precisando aproveitar a sopa económica
Morreo em 181 1. Foi Mestre de seu filho Anacleto José
Narciso, Joaquim Romão, e de João de Deos.
O Morgado de Setúbal.
José Amónio Benedicto de Barros, de huma familia assas
distincta, e fecunda em homens sábios, creou-se em Mafra
aonde teve lições do grande Vieira, cuja casa frequentava.
Foz-se depois a pintar de curiosidade toda a sorte de obje-
ctos, que lhe parecião pinturescos, como aves, animaes,
— 177 —
utencilios de cozinha, fructos, labregos notáveis, ortaliças,
&c.; e apezar da extrema secura, e dureza do seu pincel,
c da má composição dos seus painéis, ha em muitos delles
cousas tão naturaes, que agradão aos mesmos Artistas.
Retratou também alguns amigos, e entre outros António
José de Paula, famoso Actor Portuguez. Vivia em Setúbal
aonde nutria huma paixão irregular, e como os allimentos
que seu pae lhe dava não bastassem para as despezas que
fazia, usou da Arte como professor até os annos 1804,
tempo em que pela morte de seu pae herdou a casa que
rendia 10 a 12 mil cruzados. Amava as bellas letras, e lia
livros Latinos, Francezes, Italianos, &c. Depois da herança
vivia com os seus amigos tão familiarmente como d'antes.
Levou sempre huma vida mui sedentária, e morreo celiba-
tário de hum insulto appopletico pelos annos 1809, não
tendo ainda 60 de idade. Desejou muito legitimar huma
filha para ser sua herdeira, mas não o conseguio pela ter
havido em mulher casada. Assim passou o vinculo a seu
sobrinho, filho de sua irmã, e do famoso Mathematico José
Joaquim de Barros seu tio.
Manoel Caetano de Souza.
Filho e discípulo de Caetano Thomaz. Por morte de
Matheus Vicente succedeo-lhe no lugar de Architecto do
Infantado, e pela de Reynaldo foi nomeado Archilecto das
Obras Publicas, e teve Patente de Coronel de Artelharia.
Reedificou de novo a Freguezia da Encarnação, a Igreja
— lyS —
de S. Domingos, a Real Capella da Bemposta, e fez a sua
casa nobre, a de Domingos Mendes, e a torre da Capella
Real da Ajuda, &c.
Foi Mestre de seu filho Francisco António de Souza,
Cavalheiro da Ordem de Christo, que lhe succedeo nos
lugares de Architecto do Infantado, da Patriarchal, e das
Três Ordens Militares. Pela morte da Senhora D. Maria 1/
fez o seu apparato fúnebre na Basílica do Coração de Jesus.
Manoel Caetano teve o Habito de Aviz, e morreo mesmo
no Paço em 1802 com 64 annos.
Quando os Fidalgos fizerão as Cavalhadas no Terreiro
do Paço, foi elle o Architecto do Anfitheatro, e nessa occa-
sião Eusébio de Oliveira, natural de Benavente, fez em
perspectiva a decoração do camarote, ou varanda Real.
Teve muito uso de riscar, e pintar quadraturas no Theatro
Régio, e nos outros, assim como em tectos. Morreo em
Lisboa em 1814 tendo mais de 60 annos, depois de ter sido
muito maltratado pela gota.
NicoLAO Luiz Alberto de la Riva.
Descendia de antigos Hespanhoes, que se estabelecerão
em Lilla, aonde elle nasceo em 1755. Alli mesmo começou
a estudar a Arte com Heinsius retratista Alemão, dese-
nhando o nú na Academia; mas em 76 desejando melhores
estudos sahio da Pátria, e esteve dous annos em Artois
com o Conde de Neuville, cançou-se pouco julgando-se,
dizia elle mesmo, bastante sábio, mas quando chegou a
— 179 —
Paris fez de si bem diverso conceito. Tendo-se inclinado
ao género das batalhas, e ao das bambochatas, frequentou
a escola de Casanova,' Pintor Italiano destes objectos, e
sahia ás praças, e aos campos a desenhar, e a pintar arvo-
res, animaes, paizanos, etc. : e Luiz Wateau Director da
Academia de Lilla, (Primo do famoso António Wateau),
o recebeo como Académico de mérito em composições de
combates: casou, e esteve alli.até á revolução de 1790.
Em 92 veio a Lisboa donde 5 annos depois voltou a Hes-
panha, deixando cá a mulher; alli retratou em corpos in-
teiros o Duque dei Infantado, e a Marqueza de Santa Cruz,
que pintava com magistério, e protegia eíficazmente os
Artistas. Tornou a esta Corte em 1800. Retratou o Prin-
cipe Regente em meio, e inteiro corpo. Três annos depois,
por intervenção de João Diogo de Barros, obteve huma
pensão he 6ooííí) réis para pintar no Picadeiro Régio todos
os objectos de picaria. Retratou ElRei em grande a cavallo,
mas o seu talento próprio era para cousas pequenas. Em
1809 comprou na feira por quatro moedas huma taboa da
Annunciação de Pintor Portuguez antigo, imitador de Gaspar
Dias. Não se sabe como este quadro passou por hum Rafael,
he certo porém que hum General ínglez lhe deo por elle
o equivalente de 2o3í) cruzados. Morreo em Lisboa em
Junho de 18 18.
Manoel da Costa.
Natural de Abrantes, parente de Manoel Constâncio,
que foi Lente de Anatomia, nasceu quasi no tempo do
terremoto de 55, vindo para Lisboa, foi estudar a Arte na
escola de Simão Caetano Nunes, quando elle regia também
o Theatro da Graça, aonde podemos dizer que se creou,
e teve occasião de aprender o mecanismo das tramóias
que alli fazia hum bom Maquinista H espanhol. Tendo aca-
bado os seus estudos em 76 ou 77, agregou-se a Veríssimo
António de Souza, que dirigia as pinturas das carruagens
para a Casa Real. Em 1783, por morte de seu Mestre
succedeo-lhe na direcção da pintura do Salitre, como dis-
semos na vida de Simão Caetano. Pouco tempo depois fez
os tectos de Domingos Mendes, aonde mudou a palheta,
segundo o Sj^stema de Pillement, isto he usando geralmente
dos escuros cinzentos em todas as cores, e até nas flores,
cousa que lhe tirava a transparência, e o agrado. Em 87
foi Emprezario na Rua dos Condes com Domingos de
Almeida; largando depois a empreza ficou como Pintor, e
teve grandes altercações com Sebastião da Cruz Sobral
que protegia o Almeida, e governava o Theatro, de que se
seguio pôr elle de parte os Pintores Portuguezes, e mandar
vir de Itália primeiramente o Mignola, e depois o Baila.
Nesta época começou em Lisboa a decadência deste ramo
da Arte, que se havia conservado com bastante perfeição,
sendo os Theatros a grande escola dos ornatos, e perspe-
ctivas, e os altos preços da entrada davão bem para a
despeza.
Os novos vindos trazião a pasta bem fornecida de bons
desenhos seus, ou alheios, mas a execução era péssima, e
tal como o fazião nos pobres Theatros da Itália, aonde se
entra por 40 ou 5o réis. Depois de Baila que pintava bem
as grutas, e fez huma boa cazinha, veio o Cavalheiro Vi*
— I«I —
cente Manzoneschi, Architecto Civil, e decorador, Dese-
nhava grandes pedaços de perspectiva; mas não sabia pintar;
de sorte que a nossa escola hindo sempre de mal a peor,
veio a precipitar-se de todo. Manzoneschi fez o Theatro do
Porto, e morreo em Lisboa de 6o annos de idade.
Manoel da Costa fez muitas obras, e entre ellas alguns
tectos no Paço de Nossa Senhora d'Ajuda, e de Queluz;
e retirou-se para o Rio de Janeiro em 1811, depois de
perder a formosa mulher com quem foi casado.
Seu irmão, e discípulo Joaquim da Gosta, nascido também
em Abrantes em 1783, estudou com elle 8 ou 9 annos, (teve
também lições de Pilliment), começou a ser seu ajudante
nos tectos de Domingos Mendes. Em 97 por intervenção
de Manoel Constâncio conseguio ser Pintor das carruagens
da Casa Real, lugar em que presistio pouco tempo. Em
i8o3, sendo emprezario do Salitre Manoel de Faria, es-
cripturou-se para Pintor daquelle Theatro : depois passou
para a Rua dos Condes, donde sahira seu irmão por desa-
vença que teve com Manoel Baptista de Paula, e alli se
conservou até 1812, tempo em que entrou João Chiari. Fez
depois o novo Theatrinho do Bairro Alto.
Chiari tinha entrado para Pintor do Theatro de S. Carlos
ainda no tempo de Manzoneschi, mas fechando-se aquella
casa por 1809 foi para Londres; tornou em 1812, e ficou
sendo Pintor não só do mesmo Theatro, mas também do
da Rua dos Condes, donde forão excluídos os Portuguezes.
Pelos annos 1787, tempo em que Manoel da Costa con-
tentava tanto o publico com as lindas tramóias que fazia
para os elogios na Rua dos Condes, o Gaspar não era fehz
com as suas no Salitre, por cujo motivo Paulino José da
.— l82 —
Silva encarregado da empreza, mandou virTheodoro Bianchi
famoso maquinista Italiano por intervenção de Marafe, que
era o Mestre dos bailes, e muito seu amigo.
Bianchi fez as tramóias para a Artemisa, para a Rabi-
cortena, e para outras peças: era natural de Modena, e
começou a estudar alli mesmo a perspectiva : depois elle,
e seu Mestre ajudarão a pintar os scenarios, que António
Galli Bibiena, irmão de João Carlos, hia alli fazer pelo
tempo da feira. Os três irmãos Galliari em Milão, e Gon-
zaga em Veneza tinhão introduzido o uso de pintar tudo
no chão; estvlo hum pouco mais breve, mas muito imper-
feito, e enxovalhado. António Galli, Minhoia, Baila, o se-
guião ; e hoje infelizmente está de todo introduzido. Bianchi
fez muitas tramóias nos Theatros da Hespanha: esteve
8 annos em Barcelona, alguns em Valença, 3o em Lisboa
aonde depois de soffrer muito por huma retenção de ouri-
nas, morreo em.. . .
Em quanto elle estava addito á Rua dos Condes, (tendo
mudado de Theatro), hum certo Scopeta Marcineiro fez
algumas obras magicas no Salitre, que por fim lhe vierão
a custar a vida, morrendo entalado em hum alçapão. Do-
mingos Scopeta seu filho. Pintor Theatral de ornato, e
figura, foi discípulo de Manzoneschi, e também de Felis-
berto.
Francisco Xavier Fabri.
O Bispo do Algarve D. Francisco Gomes de Avelar,
tendo hido a Roma com o Núncio, trouxe em sua compa-
— i83 —
nhia Francisco Xavier Fabri, Architecto Italiano, dando-lhe
huma pensão de 2ooí? rs. para lhe fazer, ou reedificar a
Igreja da sua Sé. Chegando a Lisboa, franqueou-lhe a
entrada em casa do Conde de Óbidos aonde teve cama, e
meza, dalh hia dar HçÕes de desenho a hum filho do Mar-
quez de Abrantes, e recebia por isso outra igual pensão
de 2ooítt> rs.
Quando se cuidou em fazer de novo o Palácio Real de
Nossa Senhora da Ajuda, que se havia incendiado em parte,
o Marquez de Ponte de Lima Inspector das Obras Publicas
pedio hum risco para elle a José da Costa e Silva: Fabri
altamente protegido pelo Conde de Óbidos, que era genro
do Marquez, apresentou outro risco que foi logo preterido,
e depois preferido. Entretanto representou Manoel Caetano
que como Architecto de Obras Publicas e Reaes, lhe per-
tencia a execução daquella Obra, e como pratico do Paço
sabia as casas da etiqueta que nelle devião de haver, e que
se não achavão no risco ; motivo porque foi elle encarre-
gado da execução de toda a obra, e de fazer no desenho
todas as mudanças, que lhe parecessem necessárias. Estas
mudanças que erão muitas, parecerão mal a D. Rodrigo
de Souza Coutinho (i); e disse-lhe no Paço diante de Sua
Alteza Real cousa de que se apaixonou tanto, que morreo
logo em 1802. Os riscos forão de novo entregues aos seus
authores, para por elles dirigirem ambos a obra, como
fizerão até o tempo em que José da Costa foi chamado á
(i) D. Rodrigo tinha succedido ao Marquez de Ponte de Lima na
inspecção das Obras Públicas, e Reaes.
— i84 —
Corte do Brazil, ficando Fabri só incumbido de toda a
direcção da Obra.
Em Lisboa havia hum Architecto de Obras Publicas,
mas depois da morte de Manoel Caetano, duplicou-se o
lugar o favor de Fabri, e de José da Costa. Fabri fez o
Palácio, e Igreja do Marquez de Castello Melhor: era pro-
fesso no Ordem de Chrisío, e morreo em 1807. Por sua
morte ficarão incumbidos da execução do risco os seus
Ajudantes, António Francisco da Rosa, Joaquim Marcos
de Abreu, Manoel Caetano da Silva Girão, Martinho José
Peixoto, Pedro António de Oliveira.
Fabri imaginava, e apontava com facilidade vários dese-
nhos de Architectura, e varias vezes valeo-se de Felisberto,
para nelles lhe desenhar as figuras.
Joaquim Marques.
Nasceo em Lisboa pelo tempo do terremoto : depois dos
primeiros estudos nas Aulas, applicou-se á Pintura na Fa-
brica das caixas, ramo de que era director José Francisco
dei Cusco. Depois de passar os 5 annos de aprendizagem,
continuou mais dez, até o de 1784, a empregar-se alli
mesmo como ajudante para pintar seges, bandejas, &c.
Por aqueles tempos achava-se Pillement em Lisboa, e era
seu visinho; fez amizade com elle, e entrou no empenho
de o imitar nas paisagens, e naquelles agradáveis caprichos,
a que elle chamava a sua botânica imaginaria, porque se
compunhão de flores, e plantas ideaes : cousa que pareceo
— i85 —
muito bonita em quanto era rara. O nosso Marques soube
imitar tão bem aquellas galantarias, que todos os curiosos
quizerão ter alguma cousa da sua mão, ou fosse em tectos,
ou em paredes, ou em painéis, ou em carruagens ; nem
seria fácil fazer menção de todas : seu Mestre José Fran-
cisco, se valia delle quando tinha a fazer cousas de maior
empenho.
José Francisco dei Cusco era Napolitano, foi Pintor de
esmalte, e pintou em Madrid, para Carlos 3.° alguma loiça
esmaltada. Casualmente veio depois a Lisboa por 1763
hum certo LaCroix fabricante de pentes, tinha achado o
modo de dissolver o copal, e queria estabelecer huma fa-
brica de caixas, fez sociedade emi 66, ou 67, estabeleceo-se
a fábrica aos Aciprestes, e teve vários discípulos, que forão:
Miguel Francisco dei Cusco, filho de José Francisco,
que succedeo a seu pae na administração da fábrica. Flo-
rindo, que morreo moço. João Lopes, Sebastião Clemente
Schiapapietra, Manoel dos Santos Freitas, José Pereira, e
Luiz António.
Manoel dos Santos Freitas foi hum dos de maior habili-
dade, e era bastante empregado ; mas dando-lhe a mania
para ser admirador enthusiasta dos Francezes que invadirão
este Reino, esteve prezo, e na cadêa com as saúdes que
fez a Napoleão, escandalizou de tal modo os mesmos faci-
norosos, que hum delles o ferio gravemente no rosto com
a navalha que lhe hia deitar ao pescoço. Foi por tanto
degradado para hum presidio da Africa.
Luiz António pertence a huma familia oriunda da Ásia,
chamada dos Chinas. Alexandre Metello tendo ido como
Embaxador á China no tempo do Senhor D. João o 5.°,
— i86 —
fez conhecimento em Macáo com Alexandre Geraldes,
Chinez de Nação, e o induzio a que se baptizasse, e viesse
com elle para Lisboa. Aqui teve nove filhos de ambos os
sexos. António da Silva Geraldes, hum dos mais velhos,
aprendeo a pintar com hum estrangeiro, e foi Mestre de
seu filho João, e de seu filho Ambrósio José. Fez hum
painel para a Ermida do Resgate, e pintava laminas de
cobre para os devotos, teve discípulos que pintavão em
vidro.
Luiz António, que era neto de Alexandre Geraldes, e
ficou sem pae em 1736, começou a estudar a Arte com
hum certo Nicoláo Tolentino Botelho, homem de cor, que
fora discípulo de seu tio António da Silva. Da escola do
Nicoláo passou para a de José Francisco dei Cusco na
fábrica das caixas, e nella permaneceo constantemente ape-
zar do partido que por intriga do dito LaCroix se levantou
contra José Francisco, a favor de Monsieur Gerarde, novo
Mestre de Desenho. Por estes annos veio para a fábrica
mais outro Pintor estrangeiro, por appelido o Carobene,
que era muito bom, mas esteve pouco tempo.
Manoel Caetano desejou, e conseguio ter inspecção sobre
muitos Pintores dos que se empregavão em Queluz, e os
poz, mesmo os bons, no predicamento de jornaleiros, mas
em recompensa lhe fazia grandes interesses, contando ás
vezes, segundo o excesso que fingia exigir, hum dia por 2,
3, 4, e mesmo 5 dias. Joaquim Marques que era como
Vice-Inspector, e dirigia tudo, utilisava frequentemente 12,
16, 20-:^' rs. cada dia. Nunca a Arte da Pintura foi tão
mecânica, nem a d'Arquitectura tão liberal. Morreo a 21
de Maio de 1822. Jaz na Igreja de S. José de Lisboa.
I
José' da Costa e Silva.
Nasceo na Villa de Povos em dia de S. Thiago no anno
1747. Estudou em Lisboa a Engenharia com Filippe Ro-
drigues, e o desenho de figura com Carlos Maria Ponzoni,
Milanez, que era Mestre de debuxo no Collegio dos Nobres,
ainda que tivesse vindo a Lisboa com outro destino, quando
o Senhor D. João o 5." chamou a esta Corte os Doutores
Angelo Brunelli, e Miguel Ciera, e outros Astrónomos,
Engenheiros, Lani Architecto Bolonhez, e hum Desenhador
que era Ponzoni, para irem todos fazer as demarcações na
Colónia do Sacramento. Chegarão a Lisboa em 1760 de-
pois da morte do Rei, e não partirão senão em 53. Alguns
forão para o Pará, Ponzoni ficou na Bahia, Brunelli nave-
gou 600 léguas pelo rio das Amazonas quasi até o Peru,
e demorou-se 8 annos, quando veio quiz tomar á sua conta
a educação de José da Costa, e o fez começar os estudos
que dissemos, de engenharia, e desenho.
Desejando depois ir a Bolonha, sua pátria, para abraçar
seus pães antes que morressem, o levou comsigo para lá
estudar, tendo-lhe alcançado huma pensão da Corte de
200ílf) rs. Partirão em Março de 1769. O gosto bom da
Architectura tinha- se alli corrompido como nas outras Ci-
dades. Mauro Tezí, que foi considerado como restaurador
da boa maneira, teve por discípulo Petronio Fancelli, ex-
cellente Pintor de perspectiva, que José da Costa elegeo
para ser seu Mestre, mas frequentou a sua escola só anno
e meio, porque elle passou a Veneza. O seu 2.° Mestre foi
— i88 — .
Carlos Bianchoni, grande Desenhador, Archítecto civil, e
Pintor de historia. Como fazia progressos, obteve primeira-
mente hum premio de 2/ classe, e no anno seguinte outro
da I.*, mas proseguindo os estudos com muita efficacia,
foi recebido 3 annos depois, isto he, em 1775 entre os
Académicos de honra, e de mérito daquella Universidade.
No fim do mesmo anno, que era o do grande Jubilêo,
passou a Roma aonde esteve alguns mezes, vendo, e dese-
nhando as bellissimas cousas que alli se admirão: foi tam-
bém a Nápoles ver as antiguidades do Pozzuollo, Herculano,
&c.; a Vicenza, e Veneza famosas pelas obras de Palladio;
a Verona, recommendavel pelo amphitheatro dos Romanos;
a Florença, Liorne, Pisa, célebres por tantas obras primo-
rosas.
Em Setembro de 1779 achando-se vaga em Coimbra a
Cadeira de Architectura, que pelos novos estudos devia
haver na Universidade, recebeo huma carta do Conselheiro
Joaquim Ignacio da Cruz Sobral, em que o convidava, da
parte do Ministério, para a ir occupar, mercê que não
acceitou.
Chegando a Lisboa foi convidado pelos Italianos para
acabar a Capella Mór do Loreto, que Manoel Caetano
tinha começado. A Senhora Rainha D. Maria por Alvará
de 23 de Agosto de 1781 mandou criar pela Meza Censória
huma nova Aula de Desenho: José da Costa foi provido
na Cadeira d' Architectura com /\.bo!tP rs. de ordenado, tendo
por Substituto Joaquim Carneiro da Silva.
Em 8g fez os seus desenhos para o novo Erário, e teve
em premio hum donativo de 600^ rs. com huma pensão
de 400 pela direcção da obra, e a promessa de succeder a
— 189 —
Reynaldo nas Obras Publicas, o qual estava enfermo, e
viveo poucos mezes mais ; em tanto adoeceo a Senhora
Rainha, e Manoel Caetano pedio, e obteve o lugar de
Reynaldo.
Em 92 fez os desenhos para o Theatro de S. Carlos,
que se começou no anno seguinte debaixo da inspecção de
Sebastião António da Cruz Sobral. No mesmo anno foi
começada a obra de Runa por ordem da Serenissima Se-
nhora D. Maria Francisca Benedita. Em hum plano rectan-
gular de 456 palmos de frente, e por 280 de fundo se
contêm hum Hospital para Militares inválidos, hum Pala-
ceto para habitação de S. A. R., e no cemro a Igreja,
cuja Planta he huma Cruz latina com remates semicircula-
res ; he toda de pedras de cortes, incrustada por dentro
de finos mármores manchados de varias cores ; enrequecida
com estatuas, algum.as vindas de Itália, algumas feitas pelo
Leal. la-se acabar em 1807 quando entrarão os Francezes.
Os corpos de logis tem 3 andares, e cousa de 70 palmos
de alto.
Tendo-se incendiado pelos annos 1796 o Real Palácio
de Nossa Senhora da Ajuda, feito á pressa logo depois do
terremoto, cuidou-se em novo plano para ser reedificado
com maior solidez, e José da Costa foi incumbido dos
desenhos. Fabri achava-se então em Lisboa muito protegido
pelo Conde de Óbidos, e conseguio poder também apre-
sentar riscos para a mesma obra, os quaes forão primeira-
mente desaprovados, e depois bem acceitos. Manoel Caetano
requereo, como sendo-lhe divida, a execução do risco, e
corrigio-a, podendo até emendar ; mas foi-lhe tirada pouco
antes da sua morte em 1802, e entregue o risco a Costa^
— Igo —
e a Fabri, cada hum dos quaes teve então mais 600^ réis
annuaes como Architectos das Obras Públicas, e Reaes.
Quasi pelo tempo do estabelecimento da Aula, isto he
por 81 enviou elle á Academia de S. Lucas de Roma alguus
desenhos, e em recompensa recebeo a patente de Acadé-
mico de mérito datada de Roma de 23 de Novembro de
1781. Aqui, entre outros prémios teve Habito de Christo,
e foi em 18 12 chamado á Corte do Rio de Janeiro, aonde
morreo em 21 de Março de 1819. Jáz no Capitulo dos
Antonicos da mesma Cidade.
Manoel Piolti, e José' Carlos Binhetl
Carlos Ridolfi, Palomino, e muitos outros Escritores
disserão que os Artistas de ordinário erão pouco felizes,
quaudo os Príncipes, e grandes Senhores os não protegião.
Se esta verdade ainda precisasse de nova demonstração,
teríamos huma prova incontestável na sorte destes dous
Architectos Decorador es:ambos tiverão parentes Italianos,
ainda que nascessem em Lisboa, ambos com talento raro,
e discípulos do mesmo Mestre, (Jacome Azzolini), e cor-
rendo no caminho da Arte a passos agigantados, mas tão
iguaes, que para descobrir qual delles excederia o seu
collega, lhe mandarão fazer para a Opera de Assur as
duas famosas scenas chamadas as da competência, e assim
mesmo ficou a cousa indicisa.
Até ali tudo era igualdade de mérito, e de fortuna, apenas
Manoel Piolti foi admitido no Serviço, e José Carlos ficou
— tgt —
fóra delle, que differença? Tal disparidade passou já por
similhante motivo entre o Ticiano, e André Esclavonio em
Veneza, e entre o Rubens, e Brouvver nos Paizes Baixos.
Para saber alguma cousa he preciso frequentar as Escolas,
mas para ter fortuna convém muito agradar aos Senhores.
São dous requisitos necessários, porem sempre o 2." será
mais efficaz que o i.° José Carlos morreo pelos annos 1816
de repente [ij.
Entre aquelles que no fim do Século passado se appli-
cárão á Arte, distinguirao-se Joaquim Fortunato de Novaes,
natural de Lisboa aonde aprendeo a desenhar na Aula do
Gastello, dirigida por António Fernandes Rodrigues. Foi a
Roma pela Intendência, aonde teve por Mestre João Anti-
nori. Veio em 1794, e foi para Villa nova da Rainha, po-
voação do Intendente, pensionado por elle, aonde presistia
em 1907.
Manoel Lourenço nascido também nesta Capital, sobri-
nho do Padre Fr. Rodrigo, Franciscano famoso, que com
o seu peditório, liberaUdade, e boas maneiras fez o Con-
vento de Xabregas, e o que está feito na Igreja de S. Fran-
cisco da Cidade. Aqui foi discipulo da Aula do Rocha, em
1787 mandou-o seu tio a Roma aonde no sábado desenhava
a Academia tão perfeitamente como os mais em toda a
semana. Por morte de seu tio faltavão-lhe os subsídios, e
eonseguio entrar para o Collegio dos pensionados : quiz
casar, e frequentava pouco os estudos, não era hum crime,
[i] José Gaflos traduzio o Vinhola que se impflmlo em Lisboa eit)
1787 e abrio as estampas para elle.
mas D. João de Almeida mandou-o prezo para Lisboa em
92 : esteve na Torre de S. Gião aonde se applicou á Enge-
nharia. Entretanto desenhou a olho, com grande perfeição,
todas as vistas da Barra para o Coronel da Artelharia
Nogar, com quem foi para Évora em 1804 com praça de
Sargento tendo 33 annos.
Sebastião Nogar também esteve em Roma pensionado
pela Intendência, e applicou-se á Architetura na Escola de
João Antinori, veio em 97 com José da Cunha Taborda,
quando Roma estava já ameaçada pelos Francezes.
António Joaquim de Sousa, inda que estudou em Roma,
esteve fora do Collegio com Manoel Lourenço, com quem
tinha ido; foi discípulo de Antinori.
João Thomaz da Fonceca.
Temos visto deste Artista obras publicas em pintura,
escultura, e architectura pintada. As pinturas existem na
Freguezia de Carnide, em Jesus, e n'outras Igrejas, e Pa-
lácios do Continente, e d'Ultramar. De architectura fez o
Templo da Immortalidade logo depois da restauração para
as luminárias do Pescado, obra grande, e magnifica, deco-
rada com columnas da Ordem Corinthia, com estátuas
coUossaes, e com hum grande obelisco. João Thomaz nasceo
em Lisboa em 1764. Estudou os elementos da Arte na
Aula de João Grossi, e depois frequentou a casa de Joa-
quim Manoel da Rocha, e a do Abbade Apparicio. Fez
desenhos para algumas estampas das Noites Josephinas,
— 193 —
Forão seus discípulos Joaquim Gregório, e António Faus-
tino que passarão depois para a escola de Sequeira, e
ensinou também seus filhos.
Jose' Manoel de Carvalho e Negreiros
Filho de Eugénio dos Santos, nasceo em Lisboa, e viajou
muitos annos em Reinos estrangeiros para se aperfeiçoar
nos estudos da architectura : tornando á Pátria pelos annos
de 1776 foi empregado como segundo Architecto da Casa
das Obras; e passou a primeiro em i8o3 por morte de
Pedro Gualter da Fonceca, Tenente Coronel Engenheiro;
vencendo d'ordenado SSoííí) réis, prós, percalços e privilé-
gios ; foi casado com D. Maria Ignacia Xavier de Antas e
Negreiros.
Em 1804 abrio a Subscrição para huma obra periódica
intitulada o Engenheiro Civil Portuguez, em diálogos. Foi
empregado em concertos dos Palácios Reaes, e no recen-
ceamento, ou cadastro do Reino, e teve em premio a Pa-
tente de Major Engenheiro com o Habito de Aviz.
Diogo Luiz Velozo de Barros, Fidalgo da Casa attesta,
que elle era Sexto neto da Cristóvão Fernandes de' Carva-
lho, Capitão Mór de S. Vicente da Beira, e descendente
de D. Gil Fernandes de Carvalho, Mestre da Ordem de
S. Tiago, que se achou na batalha do Salado com D. Af-
fonço 4.° A Senhora D. Maria i.^ Decretou que usasse das
armas dos Carvalhos Ferreiras Sáas e Negreiros. Em 1684
Francisco Luiz Ferreira Portugal, Rei d'armas, deo licença
i3
— 194 —
aos seus ascendentes eni nome de D. Pedro 2." para as
usarem. Era Architecto Geral dos Paços, e do Senado.
Morreo em Lisboa em 8 de Janeiro de i8i5 de idade
64 annos.
O Tribunal da Real Casa das Obras he tão antigo como
o Reino, e manda que o Architecto ensine 4 aprendizes, e
isto foi confirmado por Alvará em 1754. O Príncipe D. João
mandou a José Manoel fazer para isso hum curso de Archi-
tectura Civil, o qual parou por sua morte, indo já no prin-
cipio do 8.° tomo.
Na mesma Casa das Obras sempre ouve hum certo
numero de Architectos debaixo de diversos titulos. Custodio
Vieira, Major Engenheiro foi Architecto. José Sanxes da
Silva, Rodrigo Franco, Negreiros etc. erão medidores dos
empreiteiros : por morte do Capitão José Sanches vagou o
officio de aprendiz de Architectura Civil, e deo-se a pro-
priedade delle a Elias Sebastião Pope. Quando o Briga-
deiro Manoel da Maia passou a Architecto supra numerário.
Succedeo-lhe nesta praça Francisco Xavier Paes.
José' Francisco Ferreira.
Nasceo em Belém com génio muito propenso para a
pintura: Seu Pae, que tinha o mesmo nome lhe deo as
primeiras lições desta Arte. Applicou-se com muito pro-
veito ao género das flores, ao das paisagens, e ao dos
ornamentos, vive felismente.
195 —
António Francisco Rosa.
Natural da Villa de Oeiras, estudou as regras, e preceitos
da Architectura com José Joaquim Ludovice, filho do fa-
moso Frederico, foi Architecto Ajudame das Obras Publi-
cas, e do Paço de Nossa Senhora da Ajuda. Por morte
de Fabri passou a primeiro, dirigindo a mesma Obra, e
deo-se-lhe o Habito de Christo. Em 1821 foi feito Sub-
Inspector do dito Palácio.
Germano António Xavier de Magalhães.
Professor de Architecmra Civil na Aula Publica do De-
senho, de que percebe de ordenado 460^ réis annuaes ;
natural de Lisboa da idade 56 annos, o qual tem dado
diversos desenhos para muitas Obras de particulares, e
também para reedificação da Igreja da Sé de Guimarães,
por cujo serviço foi remunerado com huma ajuda de custo
annual de i2o:tt> réis por Decreto de 14 de Junho do anno
de 1796. Foi varias vezes consultado, com outros Archi-
tectos, pelo lUustrissimo Inspector da Obra do Real Palá-
cio, o Conselheiro Joaquim da Costa e Silva nos annos
1819, e 1820 sobre problemas de Architectura concernentes
ao dito Palácio.
igô —
.Thimoteo Verdier Filho.
Nasceo em 1792 em a Villa de Thomar. Aprendeo o
desenho com o Pintor José da Cunha Taborda, e depois
em Paris aprendeo com o Pintor Mr. le Gros, insigne nas
batalhas, e victorias.
Não tem feito Obras para o Público porque não lhe
resta tempo dos seus negócios; mas tem em sua Casa
quadros de sua mão que bem dão a conhecer a sua grande
habilidade; tanto a óleo em grande, como em miniatura.
João de Deos Moreira.
Nasceo nesta Cidade de Lisboa, foi discípulo de José
António Narcizo. Tem sido sempre empregado nas Obras
dos Paços Reaes, Fundições, Theatros, Carruagens, tanto
no salgado em Alcântara, como no Collegio dos Nobres.
Existe pintando no novo Paço de Nossa Senhora da Ajuda.
Honorato José' Correia de Macedo e Sa',
Nasceo em Lisboa a 22 de Desembro de 17Õ4, e tendo
9 annos de idade foi admittido na Casa do risco do Arcenal
Real do Exercito, onde seu pae Ignacio Correia de Macedo
— 197 —
era empregado como entalhador, e abridor de relevo. Foi
alli seu Mestre Manoel Ferreira, que também era entalha-
dor, e lavrante do dito Arcenal, e depois de estudar com
elle 9 annos, passou a aperfeiçoar-se no desenho de His-
toria com João de Figueiredo, e com seu pae Ignacio Cor-
reia, até que em 1772 entrou por aprendiz, de canteito de
relevo de João Ferreira Cangalhas, Mestre Geral das Obras
Públicas, e concluindo o tempo de 5 annos da Lei, passou
a ser discípulo de Francisco António Cangalhas Architecto
Geral da Cidade e aguas Livres, de quem o fizerao Aju-
dante com o ordenado de iSocJ réis por anno.
Se fizéssemos menção de todos os Riscos, Plantas, Al-
çados, Cortes, e Retábulos, que este Artista tem feito para
Prédios, Palácios, e Templos, iriamos muito longe do que
pede a brevidade destas Memorias ; por isso só diremos
que em 1785 fez o risco, e planta geral desta Cidade,
cujos desenhos existem na Typograíia Regia. Em 1812
oftereceo á Regência do Reino huma memoria para ser
colocada na Praça do Rocio com os retratos de Sua Mages-
tade o Senhor D. João 6°, e Jorge 3° Rei da Grã-Bretanha,
o qual risco ficou no Governo. Por 1819 deu o pensamento
em dous ditferentes gostos, para o Retábulo da Capella
Mór de Santa Engracia; e o anno passado próximo perte-
rito, fez o risco para o Chafariz da Cordoaria, o que se
está fazendo neste presente anno de 1821,
Honorato José foi promovido ao lugar de seu Mestre
Francisco António Cangalhas, mas só com Sooít réis de
ordenado por anno.
PARTE III.
Escultores, e Gravadores.
André' Contucci de SANso\aNO.
A Escultura floreceo muito entre as mais famosas Na-
ções da antiguidade, e na Grécia chegou ao maior
auge a que podia subir, desde o tempo de Péricles até ao
do grande Alexandre, conservando-se também com muito
esplendor, mesmo em Roma, até ao Reinado dos Antoninos,
e de Adriano. Na antiguidade o numero dos Escultores era
muito maior, que o dos Pintores. Os Príncipes, os Sábios,
os Vencedores nos Jogos Olympicoa, os Heroes, e os innu-
meraveis Deoses maiores, e menores. Lares, e Penates,
todos tinhão muitas, e muitas estatuas, de sorte que na
Grécia, e em Roma o numero das que havia em mármore,
bronze, prata, marfim, etc. excedia o numero dos homens.
Nos Séculos gothicos, ou bárbaros, mesmo no tempo em
que não havia pintura vemos usada a escultura nos portaes
das Igrejas, se he que se pôde chamar escultura áquelles
200
tristes feitios de pedra. Depois da restauração da Arte,
tbi-se usando mais a pintura, e em Portugal foi ella fazendo
maiores progressos que a escultura. Francisco de Hollanda
nomeia hum Pintor muito bom do tempo de D. Aífonço 5.°,
(era Nuno Gonsalves), ao mesmo tempo que a escultura
contemporânea era tão disforme como se vê na estatua do
mesmo Rei que está na Sé sobre o seu tumulo, nada me-
lhor que a de D. Diniz, que se conserva em Odivellas. A
do Infante D. Henrique no Portal de Belém, sendo tão má,
he do tempo do Grão Vasco. Dos nossos escultores antigos
bons, ou máos temos pouca noticia. Vasari porém faz
menção de André Contucci Sansovino Escultor, e Archi-
tecto Florentino, que veio a Portugal em 1481, tendo pouco
mais de 20 annos, servir o Senhor D. João 2.° que o pedio
a Lourenço de Medicis, o velho, em cujo jardim, que foi a
melhor Academia de Florença, tinha aprendido a desenhar.
Foi também aonde aprendeo o Buonarota, o Torregiani, e
outros grandes homens. Aqui fez hum bellissimo S. Marcos
de mármore, e modelou em barro huma batalha, que El-Rei
ganhou aos Mouros, terrível pelos movimentos dos cavallos,
estrago de mortos, e fúria de soldados, (seria talvez a da
tomada d' Arzila), e voltou á pátria em i5oo reinando já
El Rei D. Manoel.
Manoel Pereira.
Se André Sansovino foi hum Artista estrangeiro, que
viveo e trabalhou em Portugal, Manoel Pereira pelo con-
trario foi hum Portuguez que viveo, e deixou as suas obras
201
em hum Reino estrangeiro, honrando-se muito com elle a
Corte de Madrid. Pallomino falia dos seus talentos com o
maior applauso, e faz menção das priciosas estatuas, que
fez, dando a primazia ao S. Bruno do Pórtico da Cartuxa,
que Filipe 4." grande conhecedor, não se cançava de admi-
rar: Já cego modelou a figura de S. João de Deos para o
Convento do mesmo Santo. Era rico, e de familia nobre ;
e casou huma filha com D. José Mendieta Cavalleiro de
S. Tiago, Ajuda de Camera de El-Rei e ]^edor das Obras
Reaes. Morreo em 1667 com 63 de idade.
Por este tempo fallão alguns authores de Braz de Men-
donça Escultor Lisbonense, e também Pintor, talvez de
estofos, e encarnações, a qual escreveo, e fez imprimir
alguns tratados sobre a Geometria.
Outro Escultor Portuguez estabelecido na Hespanha foi
Caetano da Costa, que nasceo em 17 10, e fez as duas esta-
tuas de mármore, muito toleráveis, que estão sobre co-
lumnas na alameda de Sevilha. Quando estivemos naquella
Cidade em 1775 falíamos com seu filho também Escultor,
nascido na Hespanha.
João António de Pádua.
Os Escultores Portuguezes applicárão-se ao trabalho de
madeira, e barro, de sorte, que as estamas de mármore
que temos dos Séculos 17, e 18 são más, e quasi todas
feitas por estrangeiros. Hum certo Fancé fez o S. Pedro
e o S. Paulo, que estão na frontaria do Loreto. João Antó-
nio de Pádua, Italiano, deixou-nos bastantes obras deste
202 —
género, mas pouco boas, e vem a ser: as estatuas da Ca-
pella Mór da Sé de Évora, Obra Sumptuosa, feita por
desenhos de Frederico, a escultura da Capella Mór de
S. Domingos, também do mesmo author, os púlpitos na
Igreja do Collegio de S. Antão: os serafins no oratório da
Moeda : o S. João Nepomuceno da ponte de Alcântara
feito em 1743, e varias outras.
Pedro António Luquez era seu ajudante desbastador, e
passou em 1762 para ajudante de Giusti em Mafra. Pelos
mesmos tempos estiverão cm Lisboa Cláudio la Prada, e
João Bernardes Escorpio, Italianos: o 1° fez a Conceição
da Pena, e o 2° o Santo Elias do Carmo.
Ignacio da Piedade e Vasconcellos.
Esculpio em barro muitas estatuas, e também as sabia
fundir em metaes. O Padre João Chrisostomo affirma que
vira figuras delle, de grandeza natural, cujos pannos erão
excellentes, principalmente os buréis. Foi Cónego secular
de S. João Evangelista, e compôs o livro bem conhecido,
intitulado. Artefactos Symmetriacos, e Geométricos, que
dedicou á Senhora D. Marianna de Áustria em 1782. Como
não conhecemos outra Obra sua, só fazemos menção delle
como curioso respeitável, e como escritor. No seu Livro
encostou-se muito a João d'Arfe, e diz na Dedicatória ser
o primeiro que sobre esta matéria sahe á luz da estampa
em lingua Portugueza. - '
203 —
José' de Almeida.
Foi sem duvida o primeiro Portuguez do Século i8 que
soube esculpir bem em pedra, e não obstante ser a sua
maneira ás vezes hum pouco magra, os seus nús são tam-
bém desenhados, que podem sustentar-se ao pé das melho-
res estatuas. Nos pannos quiz imitar hum certo amarrotado
de que muito usarão Pedro de Cortona, e Cyro Ferro, que
também se acha em algumas estatuas de Carlos Monaldi.
Protegido, e pensionado pelo Senhor Rei D. João o S.° foi
estudar a Roma em companhia de Ignacio de Oliveira, e de
outros mais, que alli estiverao no principio daquelle Século.
Em Lisboa as suas Obras em mármore são o S. Paulo,
e outras estatuas nas Necessidades, e as de Santa Isabel,
e S. João Baptista na Bemposta, as quaes ficando por
acabar forão muito depois concluídas em i8i3 por Joaquim
José de Barros. Em madeira, fez o Santo Onofre, e o
Christo da Trindade, os Passos da Paixão, que sahem na
procissão do Carmo, a Senhora Mae dos homens, e o
S. José em Xabregas; as duas Conceições dos Freires, e
do Collegio dos Nobres; o S. Camillo para a sua Igreja,
a de Nossa Senhora da Victoria, e a da Senhora das Vir-
tudes em S. Domingos, cujas cabeças forão acabadas depois
da sua morte por seus discipulos António Machado, e Fran-
cisco António; fez também. o Christo, e Anjos de adoração
para a Capella Mór de Mafra, que servirão em quanto se
não fizerão os de mármore, depois collocarão-se em Santo
Estevão d'Alfama, aonde existem.
— 204- —
Os seus discípulos forão Francisco Xavier, Francisco
António, António Machado.
Francisco António fez em madeira as estatuas de Marte,
Vulcaqo, e outras que se achão nas casas d'armas da Fun-
dição, executou alli muitas outras cousas em cera, e metaes.
Tinha também estudado a musica, e cantava em contra-
baixo. Em 1790 entrou na Irmandade de Santa Cecilia, e
em 91, e 92, dirigio a festa de S. Lucas dos Pintores em
Santa Joanna. Morreo alguns annos depois, tendo 60 de
idade, e succedeo-lhe como Escultor da Fundição João José
de Aguiar.
António Machado filho de Remigio, fhum dos que estu-
darão a architectura na Casa do risco em Mafra), fez muitas
Obras em pedra, tanto de Escultura, como de relevo. No
principio do reinado da Senhora D. Maria i.^ fez a Vénus
para o chafariz das Janelas verdes : fez o S. Pedroj e o seu
companheiro para a fachada da Igreja de J. Paulo: Em 98
esculpio outras estatuas para J. Julião: também executou
o Tejo, e o Nilo para corresponderem ao Ganges, e Eufrates
feitos por Alexandre Gomes: erão estatuas de 12 palmos
mandadas fazer pelo Intendente Diogo Ignacio para huma
fonte publica em Lisboa, que nunca se fez. Faleceo no i.°
de Abril de 1810 tendo... Os modelos das suas Obras
erão feitos por Nicoláo Villela, o qual foi sempre procurado
pelos Escultores para inventar attitudes, e fazer em barro
os modelos delias ; e deste modo ninguém conhece Obras,
suas tendo aliás deixado grande numero de producçÕes do
seu engenho, que são attribuidas áquelles que as executarão;
e como não utilisava senão o pouco que por elles lhe davão
os Escultores, viveo sempre pobre, e assim morreo por....
205 —
José de Almeida foi aparentado com muitos, e bons Ar.
tistas: era irmão de Feliz Vicente, famoso Architecto, e
Entalhador da Casa Real, o qual foi genro de Ignacio de
Oliveira, e cunhado de Silvestre de Faria, também Ente-
Ihador, e Architecto, discípulo do Frederico. Morreo por
1769 de 60 e tantos annos de idade.
António Ferreira.
Não parece possível ver modeladas em barro melhores
figuras campestres que as que conhecemos deste Artista
raro, do ultimo Século. Seu pae Dionizio Ferreira, também
era pratico na plástica. As Obras do filho são os presépios
da Cartuxa, da Madre de Deos, do Coração de Jesus, e
outros. Na Ermida do Senhor da Serra em Bellas está
huma gloria de serafins que circundão a imagem de Christo,
e dizem ser delle. Também fazia grandemente as paisagens,
e combates de cavallaria; e o Lobo na Silva laudatoria
diz-lhe.
Eu vejo, eu vejo, dando a terra abalos,
Espumarem ferinos os cavallos,
D'hum pedaço de barro por ti feitos.. . .
e porsegue com grandes encómios.
Entre as Obras de barro também se faz, dizem, bastante
caso da que fez Fr. Manoel Teixeira no seu Convento da
Trindade em Santarém; he o retábulo de huma Capella de
architectura com muita escultura representando a SS. Trin-
dade, Nossa Senhora, S. José, e outros Patriarchas tudo
206
muito bem executado: o author morreo nos fins do ultimo
Século.
O P. João Chrisostomo Policarpo da Silva.
Este Professor curioso natural da Merceana, inda que
não teve mestre, pode-se dizer que foi discípulo de José
de Almeida. Ferquentando os estudos do CoUegio de Santo
Antão, aproveitava o tempo que podia em modelar figuras
de barro de tal modo, que não tendo sido Clérigo, como
seus parentes querião, veio a fazer modo de vida do que
era simples curiosidade. A matéria em que melhor traba-
lhava era o barro; mas fez também muitas estatuas de
madeira que erao de ordinário cheias de crescenças, e
supplementos ; porem, como sahião de sua casa pintadas,
e estofadas sempre agradavão muito aos devotos : também
fez muitas figuras em pasta para os carros de triunfo que
apparecerão na Praça do Commercio pela inauguração da
Estatua Equestre do Senhor Rei D. José, em lyyS, e para
outros objectos. Fez grande numero de imagens de Santos
para Lisboa, e para as províncias, e entre ellas as do andor
de Scotto que sahe na procissão de S. Francisco: as dos
Passos para as Capelinhas de Santo António dos Capuchos,
principalmente a do Senhor com a Cruz ás Costas, que he
muito venerada, e applaudida das pessoas piedosas.
Ajudou a dirigir, e a sustentar a Academia do nú a
S. José em 1780, 81, e 82: e sendo eleito em 87 para ser
hum dos Directores da mesma escolla transferida pelo In-
tendente para a rua dos Camillos, recusou o lugar, cousa
— 207 —
que deo motivo a hum tal Discurso Apologético, Obra
Satyrica de hum anónimo, a que elle respondeo seriamente,
e também com mordacidade, porque suppoz conhecelo.
Amava a pintura com tanto excesso, que sem ser rico
gastou sommas consideráveis em compras, e concertos de
painéis, e sem saber desenhar teve discipulos Pintores,
e pintou hum quadro da Cêa para huma Igreja. Morreo
celibatário, e jáz na Capella do Senhor Resuscitado em
Santo António com o epitáfio seguinte i>Aqiii já^ o Padre
João Chrisosíomo^ que fe^ estas Santas Imagens aqui colo-
cadas. Morreo em 20 de Janeiro de 1798 com 64 annos
de idade.
Temos delle. Memorias de alguns Pintores, e Escultores
Portuguezes. M. S. Por estes tempos viverão em Lisboa
alguns Escultores em madeira, que tinhão laboratório pu-
blico na Calçada de Santo André, e forão.
Manoel Vieira, natural da Cidade do Porto : viajou na
Hespanha, e antes do terremoto de 55 veio estabelecer-se
em Lisboa aonde fez o S. Sebastião, e o S. Vicente para
o baldaquino, ou maquineta de S. Vicente de fora, e outras
muitas cousas, sempre com boa acceitação do Publico.
Manoel Dias, discípulo de Manoel de Andrade: chama-
vão-lhe o pae dos Christos, porque fazia muitos Crucifixos.
Era seu o da Capella Mór da Sé de Évora, o S. Miguel
da Pena, o S. Francisco da procissão de Mafra, e outros
muitos. Entrou na Irmandade de S. Lucas em 171 3, e
morreo em 20.de Março de 1754.
Jerónimo da Costa, natural de Braga, discípulo de Ma-
noel de Andrade, esculpio a Senhora da Conceição de
S. Francisco da Cidade, e ajudou José de Almeida a fazer
— 208 —
o Santo Christo, e Anjos de adoração para Mafra, que
agora estão em Santo Estevão d'Alfama.
António dos Santos da Cruz, nasceo em Faro, e foi dis-
cipulo de Manoel Vieira, fez a Senhora do Rosário, e o
S. Roxas na Trindade: morreo em i8o5 de 6o e tantos
annos.
Nicoláo Pinto, Portuense fez a Senhora do Rosário que
se venera na Portaria de S. Domingos, o Santo Estevão
para a Igreja do mesmo Santo, &c.
Valentim dos Santos de Carvalho, discípulo de outro
Valentim fez o S. Sebastião da Pena, e outras imagens, e
morreo em 1806 de õi ou 62 annos.
Valentim. . . seu mestre fez a Senhora Mãe dos homens
da Bemposta, o Senhor dos Perdões da Magdalena, &c.
Elle punha em pratica toda a sorte de industria para dar
grande idéa das suas producçÕes, principalmiente áquelles
que lhas encommendavão.
Alexandre Giusti.
Este egrégio Estatuário nasceo em Roma em 171 5. Até
os 16 ou 17 annos frequentou a escola do Cavalleiro Conca,
applicando-se ao desenho, e á pintura, passou depois ao
estudo da escultura com João Baptista Mayne, aonde fez
grandes progressos, e executou huma parte da escultura
dos 4 requissimos Relicários da Capella de S. João. Quando
esta Capella, que foi executada com singular magnificência
pelos desenhos de Vanvitelli, esteve acabada, o Ministro
— 2og —
de Portugal junto da Santa Sé, escripturou Giusti por
dous annos para a vir assentar, o que teve eífeito em 1747
e 48.
Depois fez a Estatua do Senhor D. João o 5.° para a
livraria das Necessidades, e as Estatuas para a Igreja, que
vem a ser »os Santos Neri, Carlos, e Sales, e o S. Pedro
do Portici, forão ellas acabadas em 1753, a tempo, que
tendo-se damnificado os painéis da Igreja de Mafra pela
humidade do sitio, determinou o Senhor Rei D. José que
fossem substituidos por outros de mármore, em baixos-rele-
vos ; e para os fazer admittio Giusti, como seu Escultor
com 6oíí)000 réis por mez, e huma gratificação no fim de
cada quadro. O nosso Artista, quando veio tinha deixado
o seu casamento justo em Roma, mas como ficou cá, ajus-
tou-se com a filha de Pecoraro, Musico da Capella Real,
e casou com ella em 1749.
Indo pois para Mafra com a sua familia agregou a si
dous desbastadores ; Pedro António Luquez, que tinha
andado com o Pádua e o Fancé, e Francisco Alves Canada,
e com elles fez os SS. Bispos, que collocou em 1755 antes
do terremoto. Cada dous annos acabava mais hum, e fo-
rão-se seguindo, o Santo Christo, Nossa Senhora do Rosá-
rio, as Santas Virgens, os Santos Mart}Tes, os Confessores,
a Sagrada Familia, e a Coroação de Nossa Senhora. Antes
de acabar este ultimo, acabou de perder a vista, que lhe
foi faltando por degráos, talvez pelo uso de trabalhar de
noite. Como esta foi a i.'', e a mais numerosa escola de
escultura, que temos tido no Reino, cumpre dar noticia do
seu principio, e dos seus progressos.
O i.° discípulo desta Aula foi António Pecoraro, cunhado
14
— 210 —
de Giusti, que estudou 9 annos, e depois, inclinando-se á
Musica foi estudala em Nápoles.
Roberto Luiz da Silva natural de Lisboa.
Salvador Franco, de Mafra, o qual tendo estudado 12
ou i3 annos foi despedido por travessuras: deo-se ao estudo
da Engenharia, e morreo em Matogrosso sendo Tenente
Coronel.
Lourenço Lopes, de Mafra, afilhado de João Pedro Ludo-
vice, estudou 16 annos, trabalhou no quadro da Sagrada
Família, e já ajudava bem quando faleceo.
Alexandre Gomes, da Picanceira, termo de Mafra, morreo
em 10.81
José Joaquim Leitão, de Mafra, acabou os seus dias em
i8o5.
Em 1756 forão admittidos.
João José Elveni, filho de hum Alemão, mas nascido em
Lisboa.
Braz Toscano de Mello, natural de Alvito.
Francisco Leal Garcia, de Santarém, que morreo em
Setembro de 18 14.
Joaquim Machado de Castro entrou não para aprender,
mas para ajudar a modelar. -
Joaquim António de Macedo entrou por 65, e estaria 10
ou 12 annos, morreo em 21 de Janeiro de 1820, tendo 70
annos, jáz na Igreja de S. Mamede.
José Patrício, Mafrense, filho de Pedro António Luquez
foi admittido em 67. Deixou o Século em 1708, e entrou
no Convento de S. Vicente.
Silvério Martins, natural de Linha a Pastora morreo
em 95.
— 211
João da Silva Pevides, de Mafra, começou os estudos
em 66, e faleceo em
Esta escola presistio unida até 1770, tempo em que se
começou a modelar em grande em Lisboa a Estatua Eques-
tre do Senhor Rei D. José. Nessa época dividio-se em duas,
e vierão para Lisboa Joaquim Machado de Castro, como
Director; José Joaquim Leitão, João José Elveni, Alexandre
Gomes, e Francisco Leal como ajudantes: como a obra era
muito laboriosa, o Director admittio outros Escultores de
fora, e forão Nicoláo Villela, e Valentim, António Machado,
e Manoel Lourenço. Entretanto os que ficarão em Mafra
forão fazendo o baixo relevo da Senhora da Conceição pelo
modelo de Roberto Luiz da Silva, acabado em 88, e algu-
mas lunetas modeladas pelo Leal.
Da escola de Lisboa sahirão muitas estatuas, principal-
mente a Estatua Equestre com toda a escultura adjacente:
a Arethusa, e Alpheo para a quinta de Carvalho em Oeiras:
toda a escultura da Basílica do Coração de Jesus feita em
6 annos, e acabada por 1783: a Fé para a Inquisição, e
muitas outras.
Entretanto a cegueira de Giusti, se completou em 78,
consternou o coração do Senhor Rei D. José, e este grande
Monarcha mandou-o a França não só com decência, mas
até com fausto, e grandes recommendaçÕes, a fim de se
lhe fazer a operação das cataratas ; mas não se atrevendo
os Oculistas a curalo, voltou aqui tão cego como tinha ido ;
muito apezar de Sua Magestade que lhe deo sempre a
mesmas provas de benignidade, e estimação, prevenindo-o
na diligencia que elle fazia para lhe beijar a mão, conser-
vando-lhe inteiro o seu ordenado, que Sua Magestade tam-
212
bem lhe mandou sempre pagar até que cedendo a hum
insulto apopletico acabou a sua existência em Fevereiro
de 1 799. Depois de cego ainda compunha baixo relevos em
cera, que os seus discípulos acabavão.
Joaquim Machado de Castro.
A vida deste famoso Estatuário, só elle mesmo a poderia
escrever exacta, e dignamente, diremos porém o que temos
ouvido aos nossos coevos sem garantir a verdade de todos
os factos.
Nasceo em Coimbra pelos annos 1782, e alli mesmo
começou a apprender na escola de seu pae Manoel Ma-
chado, que modelava com perfeição : veio depois para Lis-
boa, e frequentou o estudo de José de Almeida, entre as
cousas que fez para o publico, todas com boa acceitação
he notável o S. Pedro de Alcântara que está no seu con-
vento sobre a porta do carro. Entrou em Mafra como
ajudante de Giusti em 1756. Quando se cuidou em fazer a
Estatua Equestre, o Marquez Estribeiro Mór, que era ex-
cellente picador, teve a inspecção sobre ella, e pedia dese-
nhos a Francisco Vieira, este fez alguns, que não contentarão
plenamente ao Marquez, porque os escorços no desenho
sempre parecerão aleijões a picadores. Para evitar este
inconveniente propoz elie Marquez a factura de hum mode-
linho em barro, e inculcou para isso Joaquim Machado,
que com effeito o fez muito a contento de S. Exc. e á
satisfação de El-Rei, e da Corte. Teve elle por tanto, a
— 2l3 —
incumbência de fazer a obra em grande, e deo principio a
ella em 1770. Esta he a tradição, que ouvimos aos Escul-
tores de Mafra, mas não parece exacta porque o Author
na sua Descripção Analytica a conta de outra sorte.
A estatua do Rei foi fundida em bronze por Bartholomeu
da Costa, Tenente Coronel Engenheiro, que teve em premio
a Patente de Brigadeiro. O Escultor Machado de Castro,
e o Architecto Reynaldo, tiverão Hábitos de Christo.A
escultura adjacente toda modelada por Machado, foi posta
em execução por João José Elveni, Alexandre Gomes, pelo
Leal, e por José Joaquim Leitão, os quaes executarão tam-
bém em 73 a estatua da Fé. He também de Machado toda
a escultura da Basilica do Coração de Jesus : João José, e
Alexandre Gomes executarão o Santo Elias, Santa Theresa,
Nossa Senhora, os Serafins nas Capellas coUateraes, o
baixo relevo do Frontispício, a Adoração, a Liberalidade,
S. João da Cruz, Santa Magdalena de Pazzi, S. José, e a
Gratidão forão feitas por José Joaquim Leitão, e José Pa-
trício. Esta obra foi começada em 77, e concluída em 83.
As estatuas de Alpheo, e Arethusa para Oeiras executadas
por- Leal, e João José também são de invenção de Machado,
assim como o modelo do Neptuno para o chafariz do Lou-
reto, executado em Garrara por 1771, o retrato da Senhora
Rainha D. Maria para a quinta do Marquez de Ponte de
Lima em Mafra, executado em 83 por Faustino, e Feliciano;
agora está na Livraria publica. Machado dirigio também a
escultura do baldaquino de S. Vicente : Manoel Vieira exe-
cutou o S. Sebastião, S. Vicente, e os Anjos sobre as portas,
António dos Santos, e Alexandre Gomes fizerão as outras.
Em i8o3 fez a Senhora da Encarnação para a sua Igreja.
— 214 —
Além destas obras fez Joaquim Machado outras muitas,
entre as quaes merece hum distincto lugar o Presépio do
Beneficiado Oliveira, que elle do-ou á Patriarchal.
Estabelecido em Lisboa o estudo da escultura, entrarão
nelle em diversos tempos vários discípulos. Luiz José F^er-
reira, e José Caetano Gayão em 71, Faustino José em 72,
e Feliciano José Lopes em 76, o qual em 98 se deo á pin-
tura. Em Belchior.
Em 1804 António dos Santos, Em 1806 Constantino...
todos naturaes de Lisboa.
Joaquim Machado foi sempre dado a lição dos Livros,
e á conversação das Musas. Pelo motivo de Inauguração
da Estatua Equestre do Senhor Rei D. José fez huma Ode
ao mesmo Soberano, que corre impressa desde 1775. A
carta escripta a hum Alumno da Escultura imprimio-se
em 80: o discurso sobre as Utilidades do desenho vio luz
da Estampa em 88. Em i8o5 foi impressa a Analyse
Grafico-Ortodoxa ; e em -cinco annos depois a Discripção
Analítica da Execução da Estatua Equestre.
Em 1780 ajudou a dirigir a Academia do nú a S. José,
e como também a que se abrio depois na rua dos Camillos.
O Senhor Rei D. José o nomeou Escultor da Casa Real,
e Obras Publicas ; e Sua Magestade Director da Escultura
das Obras Reaes. Morreo a 3 de Dezembro de 1822, com
91 annos jaz sepultado na Freguezia dos Martyres de
Lisboa.
21 D —
João Grossi.
Gomo a Escultura feita em estuque tenha muita analogia
com a que se faz em barro, não parecerá impróprio que
façamos aqui menção deste estucador, tanto mais, quanto
elle presidio em huma Aula Regia de desenho, e foi o pri-
meiro Mestre de alguns Pintores, e Escultores.
Em Portugal tinha-se usado pouco o estuque até o tempo
do terremoto. Na quinta chamada dos bichos havia, dizem,
huma casinha de estuque feita no Século 17. Do mesmo
tempo era a pequena Capella no Convento da Esperança
com bellissimos ornatos, e baixos relevos. No tempo do
Architecto Larre estiverão aqui Salla, e Bill, que fizerão
alguns estuques no seu palácio chamado vulgarmente do
Provedor: fazião ornato, e figura. Depois veio o Plura que
estucou huma casa na torre da pólvora, e huma Ermida
ao pé da Sé. Francisco Gommassa, mero ornatista também
trabalhou em casa do Provedor, e fez a fachada da Ermida
dos Soldados em Alcântara.
João Grossi, nascido em Milão por 17 19 aprendeo a
modelar em cera, e barro; e depois sérvio Fernando 6.°
no exercito, como desenhador: alli, tendo-se desafiado com
o sobrinho do seu Coronel succedeo matallo no duello ;
mas como era protegido pôde-se ausentar, escapando do
quartel aonde estava prezo, disfarçado com o traje da sua
Lavadeira. Veio para Lisboa, e foi morar para a Bica com
Domingos Lepori, commerciante, seu primo, o qual lhe
procurou a grande Obra do tecto da Igreja dos Martyres,
2l6
feito de novo em 1748, ou 49 que elle executou, (inda que
nunca tivesse trabalhado em estuque), ajudado pelo Plura,
e pelo Gommassa, usando de formas para florões, e outros
ornamentos. Fez também huma casa no Palácio de Cintra,
outra em casa do Provedor dos Armazéns, que o introduzio
com o Marquez de Pombal. Este o occupou nas suas casas
da rua Forniosa, e das Janelas verdes. Por 1755 estucou
as casas do Machadinho, e nessa occasião veio Pedro Chan-
toforo, e também Agostinho de Guadri, parente de Grossi,
e seu patrício. Tinha elle viajado na Alemanha, Prússia, e
Hollanda, e trouxe o methodo de trabalhar o estuque em
fresco, e lustrallo, misturando-lhe cola. Logo depois do
terremoto fizerão a Capella dos Terceiros de Jesus. Se-
guio-se o tecto dos Paulistas, cujo painel, e baixos relevos
forâo primorosamente feitos pelo Toscanelli, primo de
Grossi, o qual era Pintor, discípulo de Corrado, e tinha
ganhado prémios em desenho na Academia de S. Fernando
de Madrid.
No Collegio dos Nobres admittio João Grossi o Falcão,
e dous Brasileiros, que tinhão estudado em Roma, erão
Felis da Rocha, Pintor de miniatura, e José Tenório, seu
primo, que desenhava alli pilastras, capiteis, e outros ob-
jectos de Architectura, para ganhar alguma cousa. Felis
trabalhou no baixo relevo de Nossa Senhora, e nas meda-
lhas ; e fez outras cousas na Conceição Velha, e na Inqui-
sição.
Os Verdes, também Estucadores, estavão trabalhando
no Palácio novo de Madrid, e o Embaixador de Hespanha
quiz aqui escriturar o Grossi promettendo-lhe o perdão do
crime, e avultada recompensa, mas o Marquez de Pombal
— 217 —
o reteve, e por 66 abrio-Ihe huma Aula ao Rato, e deu-lhe
6ooC!> réis annuaes para ensinar lo discipulos, entre os
quaes entrou João Paulo da Silva, que se fez bem conhe-
cido pelas muitas obras que depois executou, e dirigio.
Morreo a 28 de Dezembro de 1821, jaz na Freguezia de
S. Mamede de Lisboa com 70 annos de idade.
Pouco depois da abertura da Aula casou João Grossi
com Rosa Bernarda, creada muito valida de Sor Maria
Magdalena, irmã do Marquez de Pombal, Prelada pei^etua
no Convento de Santa Joanna. EUe foi excessivamente pro-
tegido pelo Marquez, que lhe dava, ou pedia lhe dessem a
fazer todas as grandes Obras que então se construião, que
erão muitas, e pagas por altos preços; e admira que adqui-
rindo cabedaes tão avultados, morresse em tanta pobreza
pelos annos de 1781, tendo cegado antes de morrer.
Felis Salla.
O dominio de João Grossi, e os progressos da sua Aula,
sentirão muita diminuição pela morte do Senhor Rei D. José,
e retirada do Marquez para Pombal em 1777. Já quando
se fez a Obra da Sé estavão os Estucadores divididos em
dous partidos, e erão muitos; por que aos discipulos da
Aula se tinhão agregado pedreiros, e quadratores. Os mais
bem acceitos ao Publico erão João Paulo de Silva, Paulo
Botelho, Manoel José o Escultor, José Francisco Espaventa,
Domingos Lourenço &c. Quando Joaquim Pedro Quintela
fez o seu palácio nas Larangeiras debaixo da direcção de
— 2l8 —
seu tio o Padre Bartholomeu Quintela da Congregação do
Oratório, fez João Paulo a maior parte dos tectos, por
desenhos do mesmo Padre. Já quasi no fim da Obra appa-
receo o Salla; e o seu gosto de desenho, e modo de traba-
lhar agradou por estremo ao dito Padre. Era elle discípulo
do celebre Albertoli, Milanez, que renovou na Itália o gosto
dos bellos ornamentos usados no tempo de Augusto, e dos
Gregos. Os que se havião introduzido nos últimos tempos,
e se estavão usando, erão os chamados Francezes, e Ale-
mães, cheios de tarJÕes, ornados com búzios, conxas, &c.
e algumas ervas muito amarrotadas.
Salla fez todos os tectos do palácio de Quintela em Lis-
boa; depois foi a Cadiz com Domingos Lourenço, e José
Eloi a fazer o salão dos bailes, e de Cadiz regressou a
Milão sua pátria tendo pouco mais de 3o annos.
Vicente Tacquesi
Suisso: veio por i8o5 e dizia ser discípulo de Canova:
foi aqui protegido por Vandeli, e por N. Soares Secretario
da Junta do Commercio, em cuja escada fez alguns baixos
relevos : também fez as 4 partes do Mundo na quinta dos
bichos. Requereo o restabelecimento da Aula dos estuques
para elle dirigir, tendo por sócio, para a direcção dos or-
natos José Francisco Espaventa. Já a Junta das Fabricas
lhe tinha dado casas para morar, quando entrarão os Fran-
cezes, com quem teve bastante familiaridade. Para os lison-
gear fez hum baixo relevo em cera, com boa composição,
— 219 —
e bem desenhado, representando a entrada de Junot em
Lisboa, cujo Estado Maior era precedido por hum Génio
revolucionário, que ao som da trombeta o incitava á rapina,
e expulsava muitas pessoas nuas para fora do Reino. Depois
da restauração foi prezo i.^ e 2.^ vez; e por fim desterrado
em 1810.
Os bons estuques forão usados pelos antigos, perdidos
muitos Séculos, e tornados a achar por João de Udine,
discipulo de Rafael, no Século de õoo quando apparecerão
pela i.^ vez as Camarás de Tito. EUes tem tido, e merecem
ter estimação; mas entre nós usarão-se com furor como
huma moda, e assim acabarão; de sorte que alguns estu-
cadores moços applicarão-se á pintura; outros buscarão
outros modos de vida. Hoje está aqui esta Arte quasi
extincta.
Joaquim José' de Barros LaborÃo.
Nasceo em Lisboa em 1762, e tinha só 10 annos quando
entrou como alumno na Aula de João Grossi, aonde pre-
sistio 4 annos debuxando, e modelando. Passou depois para
a escola de João Paulo, Escultor em madeira. Em quali-
dade de ajudante esteve com Raymundo da Costa, com o
Padre João Chrisostomo, e ultimamente 5 annos com Ma-
noel Vieira, aonde modelava, e acabava muitas Obras.
Estabelecido Já em sua casa fez os modelos de Santa Clara,
e S. Francisco, executados por Francisco Xavier, discipulo
de José de Almeida, e por António Machado. O numero
das obras que tem feito he tão grande, que não o poderia-
220 — ^
mos aqui relatar, só faremos menção do baixo relevo em
mármore que está no t3^mpano da Igreja da Bemposta, e
da Fama, com os retratos de Suas Magestades no obelisco
de Bellas.
O Marquez Regedor, muito aífeiçoado ás boas Artes,
ficou tão satisfeito com a sua obra de Bellas, que alem da
recompensa pecuniária, lhe solicitou o Habito de S. Tiago,
fez-lhe todas as despezas para as habilitações, e quiz ser
seu padrinho na profissão.
Sua Magestade o premiou liberalmente, dando-lhe o lugar
que Giusti occupava em Mafra, com o mesmo ordenado.
Estava aquelle estudo quasi extincto, quando para alli forão
os Padres Vicentes, estes mandarão continuar lentamente
a escultura das lunetas por modelos do Leal, executados
por Braz Toscano de Mello, Roberto Luiz da Silva, e seu
filho. Barros deo-lhe mais algum movimento ; porem acon-
teceo a invasão dos Francezes que o paralisou. Enpre-
gou-se depois nas estatuas para o Palácio de Nossa Senhora
da Ajuda, e fez a Honestidade, a Diligencia, o Desejo, e o
Decoro, em cujas Obras o ajudarão seus filhos, e discipulos
Manoel Joaquim, e José Pedro de Barros, e Gaspar Joa-
quim da Fonseca, natural de Viseu [i]. Morreo em 3o de
Março de 1820 contando 58 annos. Jaz na Casa do Capitulo
de Santo António dos Capuchos.
Carlos Amatucci, Italiano, também fez em 1818 para o
mesmo Paço a estatua da Liberalidade. Veio para Lisboa
pelos annos 1804, retratava em cera: em 807 estando já
[i] Veio de 7 annos para Lisboa, e estudou com o Barros 7 annos.
— 221 —
admitido no Real Serviço, com 40036000 rs. annuaes, fez
a medalha do Principe para os órgãos de Mafra. Era muito
moço, e bem disposto, quando no anno 1809 morreo repen-
tinamente de Iiuma aneurisma no peito, que o suffocou.
João José' de Aguiar.
Natural de Bellas, estudou o desenho em Lisboa na Aula
do Castello, e indo para Roma em 1786 com Joaquim
Fortunato de Novaes, e José Alvez de Oliveira pensionados
todos pela Intendência, foi alli discipulo do Labruzzi no
desenho, e de José Angelini na escultura; porém este tendo
endoudecido, passou Aguiar, para o estudo de António
Canova. Em Agosto de 98 regressou á pátria. Sendo fale-
cido Francisco António, Escultor da Fundição, entrou no
seu lugar, e fez a escultura em bronze de humas banquetas
que alli se íizerão para Mafra. Em i8o5 foi nomeado substi-
mto de Joaquim Machado, com preferencia a Francisco
Leal, que já occupava aquelle lugar, vencendo 40035)000 réis,
elle teve 600. Fez a Estatua de El-Rei que está no Arsenal
na casa das formas, e actualmente emprega-se em escul-
turas para o Palácio da Ajuda.
João Gomes Baptista.
A gravura em ôcco, ou de medalhas, tem muita correla-
ção com a escultura, ou he huma escultura feita ás avessas,
-^ 222 —
e o seu uso he antiquíssimo, como se pôde vêr nos tratados
de antiguidade ; e nas collecções de medalhas. Esta Arte
chegou também á uhima perfeição na Grécia, e em Roma,
depois decahio com as mais, mas nunca se extinguio de
todo, por que sempre se cunhou dinheiro, e se usou delia
bem, ou mal.
Em quanto á gravura de chapa a sua. invenção he mo-
derna, e foi achada casualmente por hum lavrante Floren-
tino, Thomas Finiguerra, em 1430.
Desde o principio da nossa Monarchia se cunhavão em
Portugal Soldos de prata, e de ouro, que tinhão não só
quaesquer lavores, mas lavor de figura acavallo com espada
na mão. Ignoramos os nomes dos que abrirão os cunhos
para a nossa moeda até o tempo do Cardeal Rei. Depois
correo a moeda H espanhola desde i58o até 1640. No tempo
do Senhor D. João o 5." esteve aqui o insigne Mangem, a
quem forão succedendo os seus discípulos : hum delles foi
João Gomes Baptista, de quem temos visto excellentes
medalhas, e abrio cunhos na Casa da Moeda ; porem abu-
sando da confidencia que delle se fazia, e achando-se cri-
minoso, se ausentou para o Rio de Janeiro, aonde viveo
debaixo do nome supposto de Thomaz Xavier de Andrade.
Gomes Freire, Conde de Bobadela, Governador no Brasil,
e grande estimador dos homens de talento, lhe deo o em-
prego de Abridor da Casa da Fundição em Villa Rica.
Morreo em_ Minas Geraes pelos annos 1754.
=— 223
João de Figueiredo.
Era natural da Cidade de Aveiro, aonde aprendeo a
desenhar, modelar, e a trabalhar em prata. Pelos annos
1749 tendo 24 de idade veio para Lisboa, e pouco depois
entrou para a Fundição como Abridor de armas. Foi creando
discípulos, e cujo numero com o tempo, veio a ser grande.
Aprendião a desenhar, a abrir ao boril, em chapa, e em
ôcco, e a lavrar metaes. Seu filho Francisco Xavier de
Figueiredo, e Cypriano da Silva entrarão para a Casa da
Moeda. Manoel Tavares, José Joaquim Freire, António
José dos Santos, Vicente Jorge, forão para Belém como
desenhadores de Historia natural, additos ao Museo.
João de Figueiredo, em 1773, abrio huma medalha de
3 polegadas de diâmetro representando a Estatua Equestre
do Senhor D. José I.° e foi impressada em vários metaes,
e em porçolana de Bartholomeu da Costa, a qual sendo
tão clara, e diáfana como a da China, resistia muito mais
que ella ao ferro, e ao fogo. Em 82 fez o punção do Retrato
da Senhora D. Maria I.^ para os Camafeos de porçolana
do mesmo Bartholomeu, que se usarão em anneis. Para a
i.^ pedra da Basílica do Coração de Jesus, lançada em 83,
fez huma medalha de duas polegadas com as effigies da
Rainha, e de ElRei, que se cunharão em vários metaes.
Para a Academia das Sciencias em 85 gravou em medalha
a Rainha sentada dando a Minerva huma Coroa de louro
para premiar os Académicos beneméritos. Em 90 abrio a
Senhora da Conceição para as medalhas dos Allumnos do
— 024 —
CoUegio dos Nobres ; e no anno seguinte S. João Baptista
para os do Seminário do Crato. Começou vencendo hum
salário de i.3f)2oo réis diários, sem desconto algum; o que
foi depois augmentado com looíttooo réis annuaes. Morreo
em Lisboa em lo de Janeiro de 1809 com 84 annos de
idade.
Succedeo-lhe na direcção da Aula seu filho António Joa-
quim de Figueiredo, e Gaspar de Figueiredo, 3.° filho, he
Contramestre na mesma Fundição. Francisco Xavier de
Figueiredo, Abridor da moeda, morreo em 1818.
Cypriano da Silva Moreira, natural de Lisboa, foi cha-
mado da Fundição para o Erário, a fim de alli abrir os
sellos para o papel, d'onde passou depois para a moeda
com o mesmo salário que recebia no Erário de iítt>2oo réis
por dia, e as Obras pagas separadamente. Francisco de
Borges Freire foi praticante de Xavier de Figueiredo, donde
passou para ajudante de seu Tio Cypriano da Silva.
Simão Francisco dos Santos.
Natural de Lisboa, e discípulo de José Gaspar, de Nação
Flamenga, que succedeo no lugar do insigne Mangem
1.° Abridor da Casa da Moeda, com o ordenado de 48oí!t)00o
réis, e as Obras pagas, cujo lugar inda não foi provido
depois da sua morte, que foi por 181 2 tendo 85 annos de
idade. Simão Francisco ficou suprindo este emprego, mas
sem augmento no ordenado, que já tinha de 2ooCÍ> réis
annuaes, casas para assistir, e as Obras pagas separada-
— 225 —
mente. Em 1802, por desenho do Sequeira, abrirão, José
Gaspar, António José do Valle, Xavier de Figueiredo, e
Simão Francisco o punção do retrato do Principe Regente
para as peças, e medalhões de bronze. Este hábil Artista
tem feito, alem das Obras da Casa da Moeda, grande
numero de outras, tanto em metaes como em pedras finas
para a maior parte dos grandes do Reino, e para os Tri-
bunaes da Corte; e mesmo até para os Reinos Estrangeiros,
tem aberto muitas Armas, Escudos, e Sellos. São seus
discipulos Caetano Alberto Nunes de Almeida, Luiz Gon-
zaga Pereira, e Domingos António Cândido,
Joaquim Carneiro da Silva.
Já dissemos em outro lugar, que o desastrado fim da
nossa gente em Africa seguido de huma espécie de capti-
veiro de 60 annos, e das guerras da Restauração, e Succes-
são obstou muito aos progressos das boas Artes ; a da
gravura de estampas foi huma das que menos florecerão;
e que só depois da Paz de Utrechk em 171 5 cuidou o
Senhor D. João o 5.° em animar as Artes, e Sciencias.
Em 1720 fundou elle a Academia Real da Historia; e em
22 a Academia Problemática de Geometria em Setúbal.
Estas fundações requerião Gravadores de estampas, e vierão
para isso alguns Gravadores estrangeiros por intervenção
de D. João da Silva, Conde de Tarouca, Embaixador na
Haya. Gabriel Francisco Luiz Debrié era Francez, gravou
muitas pranchas para a Historia Geneleogica, e em 1789
i5
226 —
àbrio os retratos do Rei e da Rainha que Ranc havia pin-
tado. Teve hum filho nascido em Lisboa também Gravador.
Francisco Harrewyn, Abridor Régio em Bruxellas gravou
os retratos dos Senhores D. João o 4.**, D. Affonso 6.°,
D. Pedro 2.", e D. João o 5.° em corpos inteiros.
Alexandre de Gusmão da Companhia de Jesus, da Pro-
vinda do Brasil abrio huma estampa da Natividade com
boa maneira.
Francisco Vieira, e Quilhard também gravarão bastantes
chapas, e o 2.° abrio huma náo que foi ao mar em 1727
com todo o povo dentro, e fora delia, e o mesmo Rei, a
quem a dedicou. Erg^ gravada no estilo de le Clerc. Fez
outra chapa igualmente laboriosa da marcha fúnebre do
Duque de Cadaval.
Rochefort, e Miguel Le Boiteux também forão aqui em-
pregados, do i.° temos o Baptista de D. João o 5.°, e do
2.° a fachada de Mafra em estamipa de 4 palmos aberta
em 1752. Depois disso alguns Portuguezes se applicarão á
gravura, os Rochas, pae, e filho; Padrão; e João Silvério
Carpinchi, seu discípulo, que abrio os retratos do Senhor
D. José i.°, e da Senhora Rainha D. Marianna Victoria:
Jerónimo de Barros, o Cavalleiro Faria, grande desenhador
á penna, abrio a agua forte hum bello Santo António pre-
gando aos peixes. Francisco Vieira Portuense, José Lúcio,
e outros muitos.
Em 1769 se estabeleceo em Lisboa huma Aula de gra-
vura, addita á Impressão Regia, dirigida por Joaquim Car-
neiro da Silva, natural do Porto, onde vio a luz em 1727.
Era lavrante : foi de 12 annos para o Rio de Janeiro, e alli
a,prendep a desenhar com João Gomes, natural de Lisboa,
— 227 — '
abridor de cunhos da Casa da Moeda : Amava a musica,
e tocava frauta, achando-se frequentemente em concertos
de instrumentos com João Henriques de Sousa, que depois
veio a ser Tliesoureiro Mór do Erário. Tendo estado alli
17 annos veio para Lisboa em lySõ, no anno seguinte foi
para Roma, e frequentou para o desenho a escolla de
Ludovico Sterni, que era bom Pintor. Em 1760 mandou o
nosso Ministro D. Francisco d'Almeida por Ordem Regia
a todos os Portuguezes que sahissem de Roma. EUe foi
então para Florença acabar os seus estudos, e não acceitou
hum lugar na Casa da Moeda, que o Marquez de Pombal
lhe offerecia.
Entrando para a Impressão Regia, como fica dito, teve
4GOví>ooo réis de ordenado, e huma gratificação de looíí&ooo
réis por cada discípulo aproveitado que ensinasse ; ensinou
António Sisenando, que endoudeceo em Roma ; Ventura
da Silva seu sobrinho. Gaspar Froes Machado, Eleuterio
Manoel de Barros : Nicoláo José Baptista Cordeiro, que se
applicou depois á pintura, e morreo tisico em fresca idade :
Joaquim José Ramalho, que morreo moço em 1795, sendo
também Pintor: José Galdino de Mattos começava a flore-
cer quando por paixão de ciúme se matou com hum boril.
Manoel da Silva Godinho que gravou muitas estampinhas
devotas ; José Pedro Xavier, filho de Januário António
Xavier, bom Gravador de letra, não prosegmo, e foi servir
no exercito, hoje he Tenente Coronel da Brigada Real.
Quando Ponzoni, que era Mestre de desenho no CoUe-
gio dos Nobres, se retirou ficou Joaquim Carneiro em seu
lugar com 60 moedas. Fez os Estatutos para a Aula Regia
do desenho, que se abrio em. . . sendo Director do estudo
— 228 —
de figura Joaquim Manoel da Rocha, e de Architectura
José da Costa: Joaquim Carneiro foi substituto de Rocha
com 2oo3!;ooo réis. Por morte de Rocha em. . . succedeo-lhe
Eleuterio Manoel de Barros, que leu na Aula até 1811:
então, impossibilitado por moléstia, foi substituido por
Faustino José Rodrigues. O lugar de José da Costa he
occupado pelo seu discipulo Germano.
Joaquim Carneiro, logo que veio, (seria por 62), abrio
hum S. José em pé com o menino ao cóUo. Em 67 fez a
Senhora do Rosário no estilo de Maratte, em 76 gravou a
Estatua Equestre em chapa de 3 palmos, e fez muitas
outras cousas antes, e depois. Desenhou as setenta e tantas
estampas para a Arte de Picaria de Manoel Carlos de Car-
valho, abrio muitas aqui, e foi a Madrid para fazer gravar
as outras. Acabada a Obra em. 90 voltou a Lisboa. Fez o
retrato do Príncipe D. José, algumas estampas, copias de
invenções da Senhora Princeza do Brasil, viuva, e da Se-
nhora Infanta D. Marianna. Antes de ir para Madrid de-
mittio-se da Aula da gravura que ficou anniquilada.
Traduzio do Francez Elementos de Geometria de Mr.
Clairaut. Lisboa 1772. Tratado Theorico das Letras Typo-
graficas 1802. O dia, a noute, e o crepúsculo, M. S., e
outros. Fez muitos, e bellos desenhos a lápis, á penna, á
tinta da China, e a bistre, a Acclamação da Senhora
D. Maria i.'' de 5 palmos, está na CoUecção de Borba; e a
Embaixada da Polónia ac Papa na de Pilar. Morreo em
i8 de Outubro de 181 8 com 91 annos de idade, Jaz no
Convento do Carmo,
'229
Gaspar Frois Machado.
De Santarém: era irmão lo annos mais moço de Fran-
cisco Leal. Começou a estudar na escoUa de Giusti em
Mafra, e proseguio por tempo de 4 annos : depois esteve
na Fabrica das caixas, e por fim hum Padre leigo de Mafra,
Fr. António de S. Joaquim o introduzio em casa de Estevão
Pinto; o qual vendo que desenhava bem o fez entrar na
Aula da Gravura de Joaquim Carneiro aberta de novo.
Alli adiantou-se muito, e ganhou o i.° premio. Pelos annos
1780, Pagliarina que se tinha aqui refugiado, pelo crime
capital de imprimir em Roma, sem licença, a Tentativa
Theologica obteve o perdão, tornou para Roma, e levou
comsigo o Gaspar ; porem tendo-o lá desamparou-o. D. Diogo
de Noronha o recebeo em sua casa. Poz-se a estudar com
fervor, e proveito na escolla de Volpato; quando voltou
conduzio alguns painéis de Batoni para o Real Convento
da Estrella, e o seu Mecenas o recommendou a seu pae o
Marquez d'Angeja. Sua Magestade ; (porque elle lhe disse
que não tinha casa em Lisboa), o mandou para a Casa de
Pasto da Piemonteza, pagando i3í)200 réis por dia, os quaes
requereo elle depois, e obteve, como pensão.
Gravou o retrato da Rainha, pintado por Hickey, em
chapa grande. Abrio em 1798 também em grande prancha
huma alegoria composta por seu irmão Francisco Leal, e
representava Suas Magestades no throno, o Anjo Tutelar
ao lado do Rei, então Principe Regente, apresentando a
Sereníssima Senhora D. Maria Thereza, recemnascida á
— 23o
Lusitânia, que a recebe com respeito, e ternura, em quanto
o Tejo a contempla com muito prazer. Elle distribuio as
estampas pelos Senhores da Corte, que as receberão com
applauso.
Também gravou a Torre de Belém que Niel offereceo
ao Duque de Alafôes em lySS; e oífereceo-a ao seu Patrono
D. Diogo de Noronha, depois Conde de Villa Verde. D. Ro-
drigo de Sousa Coutinho o persuadio a que fosse a Ingla-
terra acabar de se aperfeiçoar com Bartolozzi. A este tempo
era elle Já casado com a filha de Francisco Manoel Pires,
o que estampou a Estatua Equestre, e conseguio que ficasse
á mulher a pensão dos 4oo;jí)Ooo réis, e obteve para si
2ilí>4oo réis cada dia, e loo moedas de ajuda de custo.
Partio em 1796, e desgraçadamente naufragou, sem se
saber como, nem aonde, tendo vivido só Sy annos ou pouco
mais.
António Fernandes Rodrigues.
Nasceo na Cidade de Marianna no' Brasil de hum pae
Portuguez, e de huma sua crioula, cousa muito usada
naquelles paizes. Estudou no Rio de Janeiro a grammatica
latina com seu Tio o Padre José Fernandes, Jesuita; a
Musica com o Mestre António do Carmo; e o desenho com
João Gomes Baptista Abridor de Cunhos, que também o
ensinou a modelar. Em 1758 veio a Lisboa, e no anno
seguinte passou a Roma aonde teve por Mestre Filippe de
Ja Valle, Escultor, até que em 3 de Julho de 1760 mandou
o Ministro de Portugal que sahissem de Roma os Portu-
— 23l —
guezes. Publicou-se no Almanach, como he costume, o
numero dos estudantes da Arte de todas as Nações, em
grande numero; mas de Portugal, dizia elle, trez, e não
mais, e pensionados de sua casa. Os trez erao elle, Joaquim
Carneiro da Silva, e Felis José da Rocha, Pintor de mi-
niaturas, natural da Bahia. Todos trez partirão para Flo-
rença, aonde elle Fernandes se applicou a desenhar figuras,
e architectura. Veio de todo para Lisboa em 62 aonde
sérvio o Publico como Gravador, e Archictecto. Fez o risco
para a Igreja de S. Vicente da Cidade da Guarda. Inventou,
e desenhou o elogio ao Marquez de Pombal que foi gra-
vado em França por Stefano Tassard. Diogo Ignacio de
Pina Manique querendo abrir huma Aula de desenho na
Casa Pia do Castello o convidou para a dirigir, e fez-se a
abertura delia em 23 de Abril de 1781, vencendo por isso
Sooíitooo réis. Esta Aula ficou extincta pela invasão dòs
Francezes em 807, e António Fernandes morreo em 17 de
Maio de 1804, tendo quasi 80 annos de idade.
Francisco Bartolozzi.
Franco, e bravo desenhador, como diz João Gori Gan-
dellini, e qualquer o pôde vêr nas suas obras. Nasceo em
Florença pelos annos de 1727. Foi discípulo de Wagner,
e gravou em Veneza, e em outros lugares da Itália grande
numero de chapas todas limpas, e agradáveis, mas com
diíferentes grãos de merecimento.
Em 62 foi para Londres aonde executou muitos pensa-
232
mentos da Angélica Kauífmann, de Vieira Portuense, e de
outros; algumas destas obras são assas triviaes, outras de
grande mestre. Entrão no numero das melhores Achilles,
a morte de Lord Chatham, e o Viriato de Vieira dedicado
a Sua Magestade. D. Rodrigo de Sousa Coutinho tendo a
inspecção da Officina Regia quiz fazer huma magnifica
edicção dos Lusiadas de Camões, e para esse fim attrahio
a Lisboa o nosso Bartolozzi em 1802 com õooííooo réis de
pensão, casas, e obras pagas ; e renovou com elle a escola
de gravura que estava extincta pela demissão de Joaquim
Carneiro. Francisco Vieira fez muitos esbocetos pintados a
óleo para as estampas da dita obra, e erão bem compostos;
mas tendo-se D. Rodrigo demittido dos seus empregos,
tudo ficou sem effeito.
Quando Napoleão quiz estampar o grande Museu da
França, fructo das suas rapinas, repartio a gravura das
estampas pelos melhores incisores da Europa. Bartolozzi
gravou a morte dos Innocentes do Guido, obra de grande
magistério. Abrio também o retrato delElRei Nosso Senhor
pintado pelo Pellegrini. A ultima obra que fez foi a Pro-
cissão das Sagradas Formas de Cláudio Coelho.
Teve por discipulos. Domingos José da Silva, natural de
Lisboa, que primeiro estudou o desenho na Aula de Eleu-
terio Manoel de Barros, o qual também lhe deo lições de
pintura, depois applicou-se á gravura com Joaquim Carneiro,
d'onde passou em i8o5, ou 6 para discípulo de Bartolozzi,
até ao tempo da sua morte, ficando recebendo a pensão
annual de 170 e tantos mil réis que lhe foi concedida para
estudar. Este artista vive com seu irmão Simão Francisco
dos Santos, Abridor da Casa da Moeda, de quem já fizemos
— 233 —
menção. Domingos José abrio hum quadro de Nossa Se-
nhora de Carlos Maratte dedicado a Araújo, então Ministro
da Guerra. Hum Santo António de invenção de Pedro
Alexandrino, o qual foi dedicado a Sua Magestade, então
Príncipe Regente. O retrato do Bispo Inquisidor. Algumas
chapas para os Breviários, impressos na Impressão Regia.
O retrato do Padre José Agostinho para o seu Livro, e
outras cousas mais : pinta também a óleo, e em miniatura.
João Vicente Priaz regressou ao Piemonte, pátria de seu
pae. Theodoro António de Lima, natural de Lisboa appren-
deo com o Figueiredo na Fundição, e depois com Barto-
lozzi, he substituto da Aula do desenho no Collegio dos
Nobres.
António Maria de Oliveira Monteiro, namrai de Lisboa,
estudou o desenho na Aula de Eleuterio, e dahi passou
para discipulo de Bartolozzi.
Francisco Thomaz de Almeida, natural de Lisboa, pas-
sou da Aula da Fundição onde apprendeo o desenho, para
discipulo de Bartolozzi, está empregado na Impressão
Regia.
Francisco António da Silva, applicou-se á pintura.
Francisco Bartolozzi terminou a sua longa, e illustre
carreira em Lisboa no anno de i8i5 com 88 de idade.
O COXINHO.
Assim chama o ^-ulgo a José Lúcio da Costa, natural de
Lisboa, nascido em 1763, o qual aos 9 annos de sua idade
— 234 —
foi estudar o desenho na Aula de Joaquim Manoel da Rocha
até aos 14 annos, a cuja idade seu pae o passou para a
Aula do Calhariz, a fim de se applicar á Sciencia de Ma-
thematica, Engenharia, e Fortificação; porem, andando
nestes estudos teve a infelicidade de huma paralesia na
perna esquerda, que apezar das grandes diligencias de seu
pae, e dos muitos remédios que se lhe applicarão os mais
hábeis facultativos, ficou coxo da dita perna. Vendo-se por
este motivo inhabilitado a proseguir os seus estudos de
Engenharia, principiou por curiosidade a abrir algumas
estampas ; e como a natureza o tinha dotado de muita
habilidade, ellas forão recebidas com tal acceitação, que
principiou a fazer profissão de Abridor de chapa ; fazendo
todas as Obras de gravura para a Secretaria dos Negócios
da Guerra; todas as da Biblia de Jorge Bertrand; as chapas
das Obras de Joaquim Machado, Escultor da chapa de
S. Lucas para as Patentes dos Irmãos daquella confraria,
e muitas outras mais ; não fallando nos retratos para me-
dalhas, caixas, e anneis feitos por elle á miniatura; assim
como tudo que he mechanismo, porque tudo faz, e com
tal presteza como se tivesse muita pratica.
Nicoláo José Corrêa, e Manoel Luiz Rodrigues Vianna,
também são Abridores do mesmo tempo, naturaes de Lis-
boa, e discípulos do Figueiredo, em a Aula da Fundição,
da qual o 1.° sahio por Aviso de D. Rodrigo, para a Offi-
cina do Padre Vellozo ao Arco do Cego: desta passou
para a Impressão Regia,. e morreo em 1 1 de Dezembro de
1814. O 2.° existe na mesma Impressão Regia.
235
Gregório Francisco Queirós.
Natural desta Corte, teve por i.° Mestre em desenho, e
gravura d'agua forte Jerónimo de Barros Ferreira. Em 1796
foi pensionado da Corte para Londres com 6oo©ooo réis
annuaes, e alli esteve 3 annos como discípulo de Bartolozzi,
e outros 3, dirigindo elle mesmo os seus estudos. A Junta
Provisória suspendeo as pensões aos que estavão fora do
Reino; mas D. Rodrigo, Conde de Cavalleiros, e seu filho
D. Gregório, que o protegião, lha continuarão generosa-
. mente por 3 annos, até que foi chamado com Bartolozzi
para ser seu substituto, com 600ÍÍ000 réis de ordenado, e
Obras pagas.
Muitas são as chapas que gravou em Inglaterra, e tem
gravado em Lisboa, sendo huma das mais laboriosas a da
sopa económica, que se distribuía aos emigrados das Pro-
víncias por ordem do Governo, no tempo da invasão de
Massena.
Eleuterio Manoel de Barros.
Nascido também nesta Cidade, frequentou a Aula de
gravura de Joaquim Carneiro da Silva, e abrio muito bem
algumas estampas para os Missaes. Passou a Roma, aonde
teve por Mestre o mesmo Ludovico Esterni, que o fora do
dito Silva. Alli esteve em casa do nosso Ministro Almada,
.para quem levou recomendação de Soror Maria Magdalena,
— 236 —
Irmã do Marquez de Pombal, e Religiosa no Convento de
Santa Joanna. Quando veio conduzio o painel de Batoni do
Coração de Jesus para a Basilica da Estrella, em cujo
Convento ha hum painel seu de Elias deitando a capa a
Eliseu: Obra que foi criticada por Manoel de Mattos, e
deífendida em parte por huma apologia de Joaquim Car-
neiro. Fez os desenhos para os tectos da casa nobre de
João Ferreira, executados por Francisco de Setúbal, Do-
mingos de Sequeira, Joaquim José Bugre, e outros. Entrou
como hum dos Directores na Academia do nú aos Camillos.
Por morte de Joaquim Manoel da Rocha, succedeo-lhe no
lugar de Lente da Aula do Desenho, até que sendo atacado
de paralesia foi substituído por Faustino José Rodrigues,
conservando-lhe Sua Magestade, todo o ordenado.
João Caetano Rivara.
Sendo filho de estrangeiros nasceo em Lisboa, aonde
frequentou a Aula do Castello. Foi para Roma em 1788
pensionado pela Intendência, e alli por 3 annos foi escolar
de Labruzzi. Passou depois para a Escola de Pedro VitaH,
Veneziano, frequentando também o estudo de Volpato,
Gravador famoso. Rivara gravou huma Sacra Familia do
Ticiano de palmo e meio, dous ouvados de Teniers repre-
sentando hum pastor, e huma pastora, em meios corpos;
o busto de Antenori em ovado pequeno &c. Voltou a Lisboa
em 99, e depois foi a Londres estudar com Bartolozzi,
tendo de pensão eoo^fooo réis. Alli gravou os retratos da
— 237 —
Senhora Rainha, e do Príncipe Regente de Portugal. Se-
guio o estilo de Strange, e nesse mesmo estilo desenhou á
penna hum Fauno, e huma Bachante, que estiveráo no
gabinete do Secretario de Estado, António de Araújo e
Azevedo. Em i8o3 regressou a Lisboa, e foi ser Professor
de gravura no Jardim Botânico, aonde tem aberto plantas,
e outros objectos de Historia Natural.
António Sisenando.
Foi em Lisboa discípulo de Joaquim Carneiro, e em 1788
indo para Roma pensionado pela Intendência teve por Mes-
tre Labruzzi. Em 90 enviou ao Intendente em desenho o
Jeremias do Guercino da Galaria Altieri. Endoudeceo era
91 estando para entrar na escola de Volpato, e no anno
seguinte foi reconduzido a Lisboa.
Manoel Marques d'Aguillar.
Na Cidade do Porto se estabeleceo huma sorte de Aca-
demia, ou Aula de desenho pelos fins do reinado do Senhor
D. José, sustentada pela Companhia dos vinhos, sendo o
seu primeiro Director António Fernandes Jacome, natural
de entre Douro e Minho, o qual tinha feito em Roma os
seus estudos. Succedeo-lhe Francisco Vieira na direcção
delia, e nessa occasião recitou hum breve discurso, que se
— 238 —
estampou na Impressão Regia em i8o3. Lembra nelle o
Aiithor muitas das utilidades do desenho, e pintura, e o
quanto importa ao Pintor ser sábio, e erudito : attribue a
falta que temos tido de grandes Artistas ao não haver
escolas fornecidas de muitos, e bons exemplares; e de
nenhuma sorte á dos talentos naturaes. Agora espera gran-
des resultados desta feliz combinação &c.
Nesta escola estudou Manoel Marques de Aguillar até o
anno lygS, e depois partio para Londres com huma pensão
de 6ooí?)ooo réis para estudar a pratica da gravura com
Thomaz Milton, parente do Poeta, o qual abria muito bem
paisagens, e figuras. Voltou em 96 ou 97, e foi pensionado
Com 48oc3:)Ooo réis para no Jardim Botânico fazer costumes
da Ásia, e objectos de Historia Natural. Gravou também
os -retratos de Suas Magesíades. Nasceo na mesma Cidade
do Porto em 17Õ7 ou 1768.
José' Teixeira Barreto.
Também nasceo no Porto pelos annos 1767, Tendo i5
annos tomou o habito dos Benedictinos no Convento de
Tibaens, e com elle o nome de Fr. José da Apresentação.
Quatro annos depois passou para S. Bento da Saúde de
Lisboa, e os Prelados o mandarão á Aula do Rocha estudar
o desenho; e em 1790 o inviarão a Roma, aonde foi discí-
pulo de José Cadiz, e de Mr. Gagneraux, Pintor de Histo-
ria;, pensionado Francez, que se havia alli estabelecido.
Por intervenção de D. Alexandre de Sousa secularisou-se
— 239 —
em 91. Applicou-se então á gravura, e abrio, só em con^
tornos as estampas para Scher\\i poetici de Rossi; e por
painéis de sua invenção gravou Moyscs nas aguas; a mulher
de Dário diante de Alexandre; o repouso do Egypto; Vénus
com algumas Nimfas; &c. &c. Veio em 97, e 8 annos
depois pela morte de Vieira, succedeo-lhe no lugar de
Director da Academia Portuense. Pelo seu falecimento
subio á Cadeira o seu substituto Raimundo, e foi admittido
como substituto, João Baptista hum dos Alumnos da mesma
Escola.
Benjamin Comte.
Nasceo em Payerne na Suissa pelos annos 1760. Estudou
em Londres na Escola de João Landseer, Gravador do Rei,
e ãpplicou-se aos géneros da paisagem, e da architectura.
Em 1806 por intervenção de D. Rodrigo de Sousa Coutinho
foi chamado á Corte de Lisboa com 5ooCíooo réis de orde-
nado. Aqui tem gravado dous grandes, e bellos arvoredos,
em hum dos quaes está Narciso vendo-se nas aguas, e no
outro Leda; pensamentos ambos de Vieira Portuense. Abrio
também o Prospecto do Convento da Batalha, e outras
cousas.
Faustino José' Rodrigues.
He natural de Lisboa, e frequentou a Aula de Joaquim
Machado de Castro^ e foi declarado por seu Mestre, de
— 240 —
maneira authentica, pelo mais benemérito de todos os seus
discipulos : também intentou, e conseguio que elle fosse Seu
substituto na mesma Aula. O mesmo Joaquim Machado
não se dedignou de pôr o seu nome no busto de mármore
do Duque de Alafões, que elle esculpio para a Academia
das Sciencias. Também fez o retrato do Senhor Infante
D. Pedro Carlos para o seu Mausoléo que foi para o Rio
de Janeiro. O retrato da Senhora Rainha D. Maria, Pri-
meira, que se acha em huma piramede colocada no Campo
de Ourique em memoria da grande Batalha que ah se deo.
Fez também a Pia Baptismal ; e outras muitas obras para
os Senhores Marquezes de Bellas, e de Borba. Não só tem
feito Obras de Escultura, mas também de Pintura, e com
boa acceitação. Quando Eleuterio Manoel de Barros soffreo
o insulto da paralesia, elle foi substituir o seu lugar de
Lente da Aula do Desenho.
Conta actualmente 60 annos de idade, e 46 de applicaçao
á Arte.
JoÂo Teixeira Pinto.
Natural desta Cidade de Lisboa, logo nos annos de sua
mfancia deo signaes de ter génio, e gosto para a Pintura, ^
e Escultura, começando a copiar estampas, modelando, e
applicando-se em Obras de Escultura; de maneira, que a
sua habilidade o fez Artista conhecido do Publico, sendo
chamado para trabalhar em muitas Obras de Escultura,
principalmente para a Casa Real, para a qual fez hum
S. Pedro de Alcantra, e hum S. Miguel, ambos de prata,
— 241 —
para os Baptisados do Príncipe D. Pedro de Alcantra e do
Infante D. Miguel. Também trabalhou nas Banquetas de
prata para os Oratórios de Suas Magestades. Entrou por
Ajudante na Aula de Escultura de Joaquim Machado. Fez
algumas cousas no Palácio de Queluz no tempo de El-Rei
D. Pedro, e presentemente está trabalhando no novo Palá-
cio de Nossa Senhora da Ajuda.
16
MEMORIAS C0NCERNF:NTES
a' vida e algumas obras
DE
CYRILLO VOLKMAR MACHADO,
ESCRIPTAS POR ELLE MESMO.
EU amo a Nobreza, mas não tive a vantagem de nascer
nobre. Meu Pae aprendeo, e professou a Arte da
Cirurgia, e os seus parentes nada mais erão que honrados
lavradores do termo de Setúbal ; alguns dos quaes servirão
com boa reputação na Camará daquella Yilla, alguns se-
guirão os postes Militares, outros em fim se dedicarão ás
funções Sacerdotaes. EUe estabeleceo-se em Lisboa aonde
casou ; e eu fui o 4.° dos seus 6 filhos, tendo nascido em
9 de Julho de 1748. Fui baptisado na Freguezia de S. Ni-
coláo. O seu intento era fazerme entrar na Aula do Com-
mercio, cousa em que eu convinha, só por condescendência,
porque o meu génio propendia para a pintura, com huma
força irresiswvel.
Ficando órfão consegui que meu tio João Pedro Volkmar
quizesse ensinarme a Arte, e appliqueime a ella de dia, e
— 244 —
de noute, com huma espécie de furor, que me tolhia o
somno. Em muito pouco tempo desenhei grande numero
de estampas, parte das quaes forão também copiadas por
Joaquina Isabel, a ultima de minhas irmãs; porque he
naturalmente dotada de talento raríssimo para a imitação,
tanto em desenho, como em pintura.
Passei a colorir; e quando me pareceo, que tinha copiado
bastantes quadros, desejei inventar, este desejo era intem-
pestivo, mas eu não o podia conter; fiz diversas tentativas,
que só servirão para darme a entender as diííiculdades da
empreza. Elias com tudo não me desanimarão inteiramente,
antes fizerão augmentar a vontade que já tinha de ir a
Roma. Em tanto com alguma habilidade natural, e pouca
sabedoria, fiz bastante fortuna ; pintei a tempera, a fresco,
a óleo, e de aguarelas sobre panno branco; fiz grandes, e
pequenos painéis em Igrejas, Palácios, e edifícios públicos,
não só em Lisboa, mas nas Províncias ; pintei Carruagens
ricas ; huma das quaes foi para o Senhor Rei D. José.
Também em casa de Parodi copiei, e vesti retratos, e
depois tirei alguns pelo natural.
Como o ócio total fosse incompatível com o meu génio,
appliqueime nas horas vagas á leitura, á dança, e á musica,
frequentando os Theatros, e honestas sociedades; grangiei
bons amigos, mesmo entre a classe das gentes distintas,
que nos bellos dias do anno me convidavão, e conduzião,
para ir gozar o recreio, e toda a sorte de bons tratamentos
nas suas quintas, e casas de prazer.
No melhor desta serie de agradáveis passatempos, quiz
o destino, que eu me fosse incautamente enredar em hum
daquelles encantadores laços, que a juventude parece não
— 245 —
ser capaz de evitar senão por milagre; sondo o resultado,
tomar eu huma prompta resolução de partir para Roma.
Passei por Évora aonde fui generosamente hospedado por
João de Mesquita: alli me demorei sempre occupado, 14
ou i5 mezes, e demorarme-ia muitos mais se quizesse
acceitar as encommendas que se me ofterecião ; não só
naquella Cidade, mas também em outras povoações da
mesma Provinda. De Évora transporteime a Sevilha, aonde,
a requerimento <^o Intendente da Policia Francisco Xavier
Larumbe, se havia eregido huma Academia de Desenho
dotada pelo Rei, tendo por Director Geral D. Pedro dei
Pozzo, Pintor parente do dito Larumbe, que era Fiscal.
Os Pintores D. João de Espinal [i] D. Francisco Ximenes
e D. Francisco Cano, e alguns Escultores dirigião os estu-
dos do desenho. Alli debuxei o nu pela i.^ vez, e estudei
os Elementos de Euclides com D. Pedro Miguel, que era
o Director da Geometria. Depois de passar o inverno
naquella Cidade, que he huma das mais consideráveis da
Hespanha, e em cujas Igrejas se. admirão as Obras de
Murillo, e de outros famosos Pintores, conduzime a Cadiz,
aonde encontrei Fr. António Cotrin, Monge de Alcobaça,
e Fr. Alexandre, Padre de Brancanes, depois Bispo de
Malaca, e em fim de Angra. Todos três embarcamos para
Génova, e dalli para Liorne, aonde tomamos Caleças para
Roma.
O que he Roma, a respeito das bellas Artes, pode-se
vêr, e entender, mas não se sabe exphcar. Alli me despedi
t] Era o Pedro Alexandrino de Sevilha: Bermudes f^la nelle.
— 246 —
de todos os outros divertimentos para me entregar inteira-
mente aos da minha profissão; e para meus directores em
pintura, e architectura elegi os Mestres dos maiores Mes-
tres; isto he, Rafael, o Antigo, a Natureza, e as Ruinas da
antiga Roma; sem desprezar as advertências dos mais, e
menos sábios quando ellas me parecião acertadas. Apezar
da minha assiduidade ao trabalho; o tempo me deixou vêr,
que para conseguir o meu desejo era preciso ter pensão, e
protecção da Corte ; e voltei a Lisboa para vêr se as alcan-
çava.
Chegado a esta Capital no Outubro de 1777 fui convi-
dado pelo Bispo de Coimbra, Reitor da Universidade, para
me empregar nas Obras de que elle podia dispor, tanto
de pintura, como de architectura, promettendome também
solicitar a meu favor a Cadeira destas Artes, que estava
vaga. Eu não acceitei, mas annuí a outro convite que me
erão fiz os meus amigos de Alemtejo, e occupeime em
Évora, e Elvas até o S. João de 79. Logo que voltei a casa
fui atacado de cezões : no tempo da convalescença tratei
da erecção da Academia do nu a S. José; requeri, por
intervenção do Marquez d'Angeja, a 2.* viagem de Roma,
a qual não consegui pela não saber solicitar com eííicacia.
Sem perder a esperança, fui acceitando as encommendas,
que se me fazião, e não tive razão para me queixar da
fortuna, antes admirei o capricho com que ella me fez
sustentar a concorrência com o celebre Pedro Alexandrino.
Pintei carruagens riquíssimas para a Casa Real, tectos, e
painéis nas Igrejas, Palácios, e casas nobres como a de
Domingos Mendes, Bandeira, Devisme &:c. Em hum dos
tectos de Quintela figurei, entre muitas, e varias composi-
— 247 —
çÕes, o Concilio dos Deoses, de Camões, sobre o Império
dos Portuguezes na Ásia : o instante que escolhi foi o do
fim do Concilio. Em quanto os outros Deoses se vão reti-
rando Vénus de joelhos agradece ao seu Omnipotente Pae
o favor que quer fazer aos Lusitanos, e recebe delle hum
beijo tão expressivo como o que o mesmo Jove deo no
Cupido, pintado pelo insigne Rafael no Palácio de Farneze.
Bacho cheio de furor, apertando a barba com a mão faz
huma despedida anieaçadora, e o travesso filho da Deosa
para mais o irritar movendo circularmente a mãosinha
direita sobre a esquerda lhe diz que hade remoer.
Nos tectos do Palácio da Senhora Marqueza de Bellas,
pintei o Valor Portuguez, a Idade de ouro, o triunfo das
Artes, e tantos outros objectos, que forão elegantemente
descriptos pelo Padre Caldas, Secretario da mesma Excel-
lentissima Senhora, [i] No Paço do Duque de Alafões
executei vários pensamentos poéticos de sua invenção, rece-
bendo daquelle generoso Principe afifáveis modos, attenções,
e liberalidades, franqueando-me casa, cama, mesa, moços,
e carruagem effectiva. No do Marquez de Loulé colori
entre muitas cousas, o grande Salão em cujo tecto figurei
hum baile dos Deoses. No da escada fingi huma espécie de
varanda octagona pintada na concavidade, ou huma meia
esfera, que era notável pelo desmancho da superficie. Para
o Theatro fiz scenarios, estatuas, figuras coloridas, e pannos
[i] Confessem aqui a verdade e a gratidão as urbanas attenções,
amizade, e protecção, que sempre devi ao Senhor Regedor, e a toda
a sua illuslre Família.
_ 248 —
de embocadura, comprehendido também o do novo Theatro
de S. Carlos quando se abrio em 87. O Gaspar, sendo
Architecto decorador no Theatro do Salitre, e indo para
os banhos das Caldas, supri a rogos seus o seu lugar, e
fiz o templo para Sezostres, com a fortuna de ser extraordi-
nariamente applaudido todas as vezes que appareceo, que
forão muitas. No anno seguinte, para a dança de Marafe,
compuz e executei a derrota de Dário, que foi muito bem
acceita.
Risquei também vários projectos de architectura civil,
sendo o mais considerável de todos o do Palácio da Rela-
ção, e Cadea, e tive em recompensa, e por grande mercê
huma pensão de 'j2oítt>ooo réis a titulo de Pintor de S. A. R.,
pagos pela folha de Mafra [i]; obtive também a licença
que pedi para ali fazer algumas pinturas ; por cujo motivo
se me deu hum quarto no Palácio, hum Servente, e hum
Ajudante &c. Transportado áquella real Villa em Maio de
1796 fui pintando alguns tectos, cuja descripção não cabe
na brevidade destas memorias: só direi, que quando fiz
o Phaetonte, tive em vistas o precipicio que parecia estar
destinado a hum mancebo menos illustre que o filho do
Sol; mas tão audaz como elle até áquelle tempo.
[1] Até áquelle tempo não se havia dado maior ordenado aos Pin-
tores do Rei, nem mesmo ao insigne Vieira Lusitano; mas era dom
gratuito, e quando se lhes pedia qualquer trabalho recebião por elle
huma gratificação, depois deráo-se a alguns mais avultadas pensões,
sendo consideradas como recompensa das Obras que fizessem; cousas
ambas praticadas na P>ança, Hespanha, e outros Paizes da Europa
para dar alento ás boas Artes.
— 249 —
Eu vivia tão solitário em Mafra [i] como hum anacoreta
no seu cremitorio, e para bem passar as noutes entreti-
nhame com os meus livros, e com os que me emprestava
o Padre Bibliothecario, tendo para isso licença superior.
Recopilei grande numero de Authores de Architectura,
copiando o que havia mais interessante em cada hum, e
comparando os huns com os outros, de sorte que, sem ser
esse o meu intento, vim a compor hum tratado, que se se
publicasse poderia ser útil aos principiantes, e servir tam-
bém como promptuario aos mais avançados.
As encommendas continuavao, e inda que, segundo a
pratica, eu as podesse acceitar, não o quiz fazer.
Em quanto eu me occupava em Mafra, foi Sua Mages-
tade servido nomear Domingos António de Sequeira, e
Francisco Vieira para dirigirem, e executarem a melhor
parte das pinturas no Paço da Ajuda; mas tendo Vieira
falecido ficou só o seu collega: este fez para huma das
sallas algumas passagens da historia de D. Affonso Henri-
ques, as quaes forão com razão muito applaudidas: também
fez alguns tectos que não tiverão a mesma fortuna, porque
desagradarão a varias pessoas da Corte, e principalmente
a João Diogo de Barros, depois Visconde de Santarém,
[i] Estando o Author em Mafra, foi convidado para ser Alumno
da Sociedade Litteraria Tubeciana, estabelecida na Villa de Abrantes,
composta de Varões conspicuos, da qual foi também Membro o Excel-
lentissimo Senhor Filippe Ferreira de Araújo, actual Secretario dos
Negócios do Reino.
Esta Sociedade tinha por objecto promover o augmento, e melhoria
das Sciencias, e das Aries. Os Estatutos se imprimirão, e merecerão
a Real Approvação em 3i de Julho de 1802.
2DO
inda que elle fosse muito amigo de Sequeira, e grande
admirador dos seus raros talentos, de sorte que Manoel
da Gosta foi alli pintar hum tecto, e teve bastante applauso.
No tempo da invasão tendo eu cahido em*huma sorte de
apathia fiz grandes diligencias por hum passaporte, e não
o consegui; em tanto, para me distrahir, tracei humas
taboas chronologicas, a fim de combinar, por meio delias,
a historia da Arte com a historia universal, e entender
melhor às causas dos seus progressos, e decadencias.
Restaurado felizmente o Reino, o povo miúdo de Belém
se levantou contra o Sequeira, porque o suspeitava de
inconfidência: elle conseguio poder-se justificar, sem em-
bargo disso, o dito João Diogo, sendo Fiscal da Obra do
Palácio com poderes muito amplos, não o quiz admitir na
pintura dos novos tectos, receando, que a rapaziada daquel-
les sitios o tornasse a insultar se alli apparecesse.
Em tanto restituído eu á Capital, depois d'huma ausência
de 10, ou II annos ainda achei no Publico a mesma dispo-
sição para me favorecer, fiz muitos painéis para Igrejas, e
para os Theatros. [i] Em Setembro de 1808 tendo Manoel
[ij No meio de suas laboriosas occupações, não deixava applicar-se
á leitura, principalmente dos livros próprios da sua profissão. Em 1810
publicou hum Opúsculo intitulado — as Honras da Pintura, Escultura,
e Architectura — ohra, e composição do celebre João Pedro Bellori, e
que verteu do Italiano para a nossa lingoagem. O Traductor lhe ajun-
tou eruditas annotações. No anno de M.DCCL XXXXIV. fez imprimir
— Conversações sobre a Pintura, Escultura, e Architectura—. Escritas,
e dedicadas aos Professores, e Amadores das Bellas Artes. Esta Obra
he mui interessante aos Artistas, e as notas aonde reluz a erudição, o
gosto, e huma critica judiciosa; nada ha mais, que desejar. Em 1817
— 25l —
Baptista de Paula, e toda a sociedade dos Actores Portu-
guezes festejado a Restauração com magnificas luminárias,
pintei para ellas em grandes quadros transparentes, de
huma parte a Inglaterra empunhando o Tridente, da outra
a Hespanha incitando o Leão, e no centro, em painel muito
maior, a Monarchia Lusitana, que opprimia com os pés a
cabeça do Furor Revolucionário, já cingido com pezadas
cadeas. Esta pintura foi copiada em desenho pelo filho de
Felisberto, e aberta ao buril por Theodoro José de Lima,
discípulo de Bartolozzi. Para a festa do Desagravo feita
pela mesma sociedade na Igreja do Sacramento, cuja arma-
ção era riquíssima, fiz hum painel oval de 12 palmos de
alto, pintado a tempera, muitos espíritos celestes sustenta-
vão, e adoravão a custodia, diante da qual também estava
Lisia, porfunda, e amorosamente prostrada, em quanto
hum Anjo vibrando a espada de fogo fulminava os sacrí-
legos, erão estes representados, i.*' pelo Atheismo que fazia
grande, mas inútil esforço para despedaçar o Alpha, e o
Omega; letras, que entrelaçadas, representão, como todos
sabem, o Nome de Deos, 2.° pela Insurreição regicida, e
pelo sacrilégio, que disparavão em vão contra o Ceo tiros
de settas, e bailas, os quaes tornavão a cahir sobre as
cabeças dos aggressores. Fiz outro grandíssimo, transpa-
publicou — Nova Academia da Pintura — . Neste Opúsculo dá o Author
não só, huma idéa dos progressos, e aperfeiçoamento, que teve a Pin-
tura d'esde o Século 11 até o Século 16, mas recopilou sobre a com-
posição relativa, [como se explica o Author], ao grande Género tudo
quanto a este objecto se acha de mais interesse em grossos volumes.
Em nenhuma destas obras accusou o seu nome.
252
rente, para o espectáculo que deu a Companhia em obse-
quio do Príncipe Regente de Inglaterra. Estava elle em pé,
sobre as margens da sua Ilha, recebendo das mãos de
Marte a espada, enviada por Júpiter, ao mesmo tempo,
que os Deoses marítimos lhe rendíão vassalagem. Tritão
o abraçava peíos pés; as Nereidas lhe beijavão a mão; e
Thetis lhe offerecia pérolas, coraes, &c. Para outro appa-
rato scenico, também em grande quadro transparente figurei
os Desposorios de S. A. R. com o Senhor Infante D. Pedro
Carlos. No panno de divisão para o grande Theatro, exe-
cutei hum pensamento de Pato Monis, Poeta dramático,
em louvor do Lord Wellinghton. A óleo pintei 5 painéis
dos Passos para o Algarve, hum quadro da Cea para
S. Sebastião, e outros mais.
Em 1814 fui convidado pelo mesmo Inspector, Visconde
de Santarém, para executar, e dirigir varias pinturas no
Palácio da Ajuda, e desde então tornei a regeitar as encom-
mendas do Publico, que continuavão com bastante frequên-
cia. Em hum dos tectos figurei a Aurora, esta figura foi
• pedida pelo Inspector, como annunciando a tornada do
Sol, e com ella a felicidade publica seguida de abundância.
Em outra pintura para a Salla do Docel representei a
saudade das filhas do Tejo mitigada pela presença da Real
Família, que regressava a esta Capital em marítimo triunfo.
No quadro apparecia o Deos dos mares sentado em grande
carroça de madre pérola, cedendo nella o lugar de honra
ao nosso Augusto Soberano, a quem conduzia, e a quem
a Victoria punha a Coroa de louro na cabeça. O carro era
puxado pelos Tritões, e Nereidas, e cortejado pelas Tágides,
que fazião pura offerla ao Monarcha, dos seus corações.
— 253 —
O Tejo o recebe de joelhos, e muitas das suas Nymphas,
humas o contemplao com pasmo, outras com acclamaçÕes.
Seguia-se também em carro triunfal, a Excelsa Princeza
vestida como Amazona, os Deoses, e Deosas do Mar, e do
Tejo beijão-lhe a Real Mão, e exprimem a saudade que
tinhão, e o ardente desejo com que esperavão tamanha
felicidade. Mas ao longe começavão a apparecer diversos
carros aonde vinhão outras Pessoas Reaes. Em 2 menores
painéis aos lados deste, imaginei a America despedindo-se
enternecida dos Augustos Viajantes, e a Lusitânia esten-
dendo alegre ambos seus braços para os receber. No meio
do tecto está a Paz conseguida pelo valor heróico, ao redor
delia danção de mãos dadas, cheias de prazer as Artes do
Desenho, da Poesia, Musica, Astronomia, &c. 8 por todas.
Nas 4 sobre portas estão a Filosofia, a Medicina, o Com-
mercio, e a Agricultura: no rodapé as Artes de Palias. As
figuras forão executadas por Joaquim Gregório, e os ornatos
por André Monteiro, e outros hábeis ornatistas. Em quanto
estas obras se executavão na Ajuda pelos meus desenhos,
cartões, e esbocetos, pintei na minha casa em Lisboa as
8 sobreportas para a Salla do Docel, e acabei-as em 1817.
Representâo ellas as deprecaçÕes e votos, que fazem as
filhas do Tejo ás Divindades marítimas para que sejSo
propicias, ao desejado regresso de Sua Magestade, figurado,
como já disse, no triunfo marítimo.
Como as agoas das chuvas penetrassem alguns dos tectos,
e detiriorassem as pinturas, que são feitas a tempera, o do
dito triunfo padeceo bastante, e foi retocada por Joaquim
Gregório, e José da Cunha.
Tendo eu acabado as obras Reaes de que estava encar-
— 254 —
regado, o Publico constante sempre em me fazer favor,
tornou a visitar-me, e entre outras requisições, tive a do
Barão do Quintella que exigia 4 grandes painéis, sem preço
hmitado; mas o pezo dos meus dias já se deixava sobeja-
mente sentir; e de todos os convites que se me fizerão só
pude acceitar o do grande painel da Natividade de Nossa
Senhora para a Real Collegiada de Alcáçova de Santarém,
o de S. Bernardo, para a Capella do Commendador de
Malta Bernardino Paez, em Mangoalde ; e o de Santa Mar-
garida de Cortona, em pequeno panno para o Thesoureiro
Mór de Santa Maria d'Alcaçova de Santarém, com elles
dei fim á minha carreira pinturesca, porque entrei a expe-
rimentar os tristes effeitos de huma enfermidade espasmó-
dica, sobre a avançada idade de 70 annos.
Depois de relatar o favor, que devo ao Publico, e a
Corte, seria ingrato senão confessase algumas das muitas
mercês, que devo a Sua Magestade e a toda a Familia
Real, apezar do meu modo pouco agradável, e assas aca-
nhado, porque em attenção aos meus annos sempre se
dignou de me conceder hum dos primeiros lugares entre
os meus digníssimos Collegas, em Mafra.
Eu levava os meus ordenados pelas folhas de Mafra, e
por omissão do pagador estava em grande atrazamento ao
tempo da retirada de Suas Magestades, e Altezas para o
Brazil. Dos Francezes nada recebi, antes fui dimittido por
elles, mas por Aviso Régio de 23 de Agosto de 1809 to^^nei
a entrar na dita folha, e por outra Real Ordem recebi
todos os atrazados, o que publico, porque faz honra ao
Animo recto, e generoso de Sua Magestade, e a integridade
do Excellentissímo Marquez de Borba.
— 255 —
Em virtude de outro Aviso Régio, remetido pela Repar-
tição do Particular, com data de i5 de Maio de 1819, fui
consultado sobre objectos de Pintura, e Architectura, rela-
tivos ao Real Palácio, em Conferencias de Artistas ; presi-
dindo a ellas o lUustrissimo Inspector.
Hum dos casos discutidos foi o remate da Fachada,
que se está acabando da parte do levante: o meu parecer
agradou, e foi executado em modelo, por ordem do Pre-
sidente.
A antiga composição formava hum contorno quasi qua-
drilátero ; o da minha era piramidal : a Escultura que
naquella estava dispersa, nesta formava hum grupo com-
posto de 5 estatuas, o Génio da boa Fama no cume de
pequena pirâmide tocava o Clarim da Deosa ; dous Génios
da Victoria sustentavão o escudo das Armas Reaes, e o
ornavão com palmas. Marte, e Bellona sentadas nos acro-
terios o enfeitavão com festonadas do laurel. O espaço que
ficava entre as pilastras do meio, e fazia hum rectângulo
de 20 palmos de alto por 26 de largo, era enrequecido com
hum baixo-relevo, aonde se via o pertendido Anjo da Vi-
ctoria ser expulso das margens do Tejo pelo Anjo tutelar
da Nação Portugueza [1]. Este corpo central era coroado
com hum pequeno frontão em proporção de circulo : a
escultura foi m(^delada pelo Cavalleiro Barros com aquella
agraça, e elegância que lhe são peculiares; mas esta obra
não agradou a todos os censores ; huns não gostarão .do
[i] Rafael executou semilhante pensamento no Attila, no Eliodoro,
na Batalha de Goustantino.
— 256 —
pensamento delia, outros da distribuição. Manoel Caetano
disse que não era solida: eu nego, e elle affirma qual de
nós se enganará?. . .
Concedido por Sua Magcstade, tive por meu Ajudante
nas Obras Reaes, de Mafra, e Ajuda, Bernardo António
d'01iveira Góes, filho de Manoel António Góes, natural do
lugar da Lobageira Freguezia de S. Domingos da Fanga
da Fé, termo da Villa de Torres Vedras : seu pae também
foi Pintor de figura empregado pelo Marquez de Pombal
na fabrica dos azulejos, da qual se retirou para as Provin-
das por desgosto de intrigas: pintou, em Torres Vedras
na casa do Despacho da Irmandade dos Clérigos Pobres
na Igreja de S. Pedro, os 4 Evangehstas na Villa da Eri-
ceira, e em Mortágua existem obras suas; porem depois
que casou deu- se ao trabalho de cuidar nas suas fazendas,
e em huma dizimaria que alcançou, por cujas occupações,
se deixou totalmente da Arte. Era natural de Lisboa, bapti-
sado na freguezia do Soccorro. Morreo em 1789, de idade
de 54 annos. Jaz na sobredita Igreja de S. Domingos da
Fanga da Fé. Deixou 10 filhos vivos, o meu Ajudante Ber-
nardo António foi o mais novo; e quando seu pae lhe faltou
andava elle nos estudos do Latim; mas não podendo por
morte de seu pae continuar aquelles estudos, veio para a
Casa Pia, onde se applicou ao desenho da figura na Aula
de António Fernandes, em que deo mostras do génio natu-
ral para a pintura; porém moléstia do peito o fez abandonar
aquelle estudo, sahindo no cabo de 9, ou 10 mezes para
fora da Casa Pia para hir tomar os ares pátrios, e não
tornando para a dita, se conservou 3 annos no Linhou ao
pé de Cintra, e a!i teve lições de hum Joaquim José da
I
— 257 —
Roxa, Pintor de ornatos, e escaiolas, e retirando-se para a
Villa da Ericeira ahi pintou muitas casas a fresco, e huma
Capella de Nossa Senhora do Carmo, onde o vierao con-
vidar para a Villa de Torres Vedras, na qual também fez
varias Obras, e huma delias foi hum painel do Senhor com
a Cruz ás Costas, para os Paços da paixão daquella Villa,
painel que estava fazendo quando eu, em 1796, fui para
Mafra; do que elle tendo a noticia, e conhecendo o quanto
precisava de saber, e estudar n'uma Arte, que apenas tinha
principiado, veio-me fallar a Mafra, e gostando eu do seu
comportamento, gravidade, e maneiras, o aconselhei que
requeresse : com effeito o Superintendente Rapozo, com
consentimento de Sua Magestade, lhe concedeo o lugar de
meu Ajudante, que até ao fazer destas Memorias, em que
muito me tem ajudado nas indagações, lhe tem sido con-
servado, com justiça ao seu trabalho, e desempenho com
que sempre tem servido.
Forão meus Discípulos.
João Baptista, Portuguez, era bom Desenhador, e Mathe-
matico, empregou-se alguns annos nas pinturas dos tectos
que fiz ao Regedor, Conde de Vai de Reis, e ao Duque de
AlafÓes : também »e occupou muito tempo nas Carruagens
do Rei. Assentou praça de Soldado no Regimento da Bri-
gada Real : o Marquez de Bellas o occupou finalmente em
outras pinturas, e conseguio que lhe dessem baixa: elle
tinha entrado em huma vida muito regular sendo confessado
dos Padres da Congregação do Oratório. Falleceo ainda
moço nos princípios deste Século.
•7
— 258 —
Thomás António de Bulhões [i], natural de Lisboa em-
pregou-se alguns annos debaixo da minha direcção nas
mesmas obras : casou depois com a filha do Cavalleiro
Alberto Magno, que também dirigia obras de pintura: com
elle foi a Évora para executar algumas cousas deste género,
o que fez muito a contento dos curiosos, e Senhores daquelle
paiz, aonde tem feito grande numero de Obras : ultima-
mente fez o grande quadro que appareceo na Casa da
Camera daquella Cidade no dia i3 de Maio deste anno
de 1821. A discripção podem vê-la os curiosos em hum
dos números da Mnemosyne.
Joaquim Manoel da Silva, natural da Villa de Monte-mór,
o Novo, principiou a apprender o Desenho na Aula Regia
desta Cidade, e alli estudou 2 annos, e depois passou a
apprender a Pintura na minha escolla, e por meu Conselho
transportou-se a Roma onde se applicou no espaço de 4
annos e meio na Academia de S. Lucas, na qual era Pro-
fessor Gaspar Landi. No fim do dito tempo regressou a
esta Capital, onde tem feito algumas obras com boa acceita-
ção, e foi empregado nas obras do Palácio d'AJuda.
Ensinei mais alguns que se empregarão depois em cousas
diversas.
De outros muitos poderíamos fazer menção, se circuns-
tancias imperiosas não nos obrigassem a dar por acabada
a nossa tarefa; porem nomearei somente os nomes de
[i] Morreo a 9 de Março de 1822, em Badajos, onde jaz sepultado.
— 259 *^
alguns, aplicados ao género de ornatos, quradraturas, flo-
res, &c. &c. que vivem com boa reputação do publico ; e
são os seguintes.
Maurício de Oliveira, e seu filho João de Deos ; José
Botelho, Santa Martha, Narciso, Marcelo José, Luiz Antó-
nio, Leonês, Luiz de Aguiar, e outros mais, que não nomeio
pelas sobreditas circunstancias.
Finalizarão as Memorias de Cyrillo Volkmar Machado,
as quaes elle não pôde limar, nem aperfeiçoar como algu-
mas vezes nos asseverou. Todavia ellas dão bem a conhecer
a instrucção, e profj/(ndo saber, que o Author possuio na
sua Arte. O estillo, e linguagem corrente em que estão
concebidas dão bem a conhecer, que ao Escriptor não lhe
faltava a lição dos nossos bons clássicos : defeito ordinário
era muitos Litteratos, principalmente nos Artistas mais
versados em saberem manejar com destreza o pincel, do
que a penna.
Entre as muitas virtudes e qualidades, que formavão o
excellente caracter deste Artista podemos accrescentar ca-
ber-lhe em sorte hum génio suavissimo, pois o trato poli-
tico, e cortezão unido a huma conversação Judiciosa lhe
grangeárão a estima de muitos Sábios, e de pessoas da
mais alta Gerarchia. Com tudo a inveja sempre persegui-
dora do solido, e verdadeiro merecimento não deixou a de
assestar contra elle os seus tiros. Inimigo jurado da lisonja
e adulação nunca procurou adoptar aquellas maneiras estu-
dadas para insinuàr-se no animo daquelles, que acreditando
artifícios estão todavia muito longe da verdade ; pois se a
fama deste grande Artista não se estendeu, e vulgarisou
tanto, como a de alguns seus contemporâneos: não era
— 26o
porque estes lhe fossem superiores, mas porque a Arte da
impostura sempre lhe foi desconhecida.
Sensivel aos gritos da indigência repartia a terça parte
de seus ordenados por familias pobres, honestas, e reco-
lhidas, e se nos fosse licito rasgar o veo do silencio mos-
traríamos provas inegáveis desta verdade, e só podemos
affirmar, que a sua ardente caridade era discreta, e bem
ordenada. Depois, que foi assaltado da moléstia a mais
doloroza, os últimos quatro annos, que mediarão até á sua
morte foráo hum continuado martyrio. A natural iaclinação,
que temos ás bellas Artes nos ligou por muitos annos á
amizade deste Insigne Professor. Muitas vezes o visitamos
em sua longa enfermidade, e recebíamos as mais edificantes
lições de huma resignação, e paciência verdadeiramente
christã, e só a Religião bem gravada em seu coração he
quem poderia vigorar o seu soffrimento em tão longo pa-
decer. Rendido á força de huma moléstia penozissima, que
os soccorros da medicina não poderão atalhar, as Artes o
perderão em 12 de Abril de i823 contando setenta e quatro
annos de idade, o seu Cadáver jáz sepultado na Parochial
Igreja do Coração de Jesus, possuidora de huma das me-
lhores Obras do seu pincel, qual he o grande painel da
Capella Mór, que pela invenção, desenho, beleza, e graça
do Collorido seria para a posteridade hum dos maiores
monumentos do merecimento de seu Author, quando não
deixasse outras Obras, que igualmente imortalizão a sua
memoria. O Editor.
FIM.
NOTAS
NOTAS
Grão VascO; de Viseu
A notícia que acerca deste pintor insere Volkmar Machado, com-
pendia todas as vagas informações que, em seu tempo, corriam a
respeito do artista, e enumera a vasta série de quadros, ainda no começo
do século XIX atribuídos a Grão Vasco, de Viseu. Crítico de arte de
seguro juízo e gosto, sentindo a impossibilidade de um só autor ter
produzido as centenas de obras cuja paternidade prodigamente era
concedida ao artista viziense, Cyrilo Volkmar Machado resolveu a
dificuldade guindando-o à categoria de chefe de escola, e, sem mais
preocupações, relacionou a produção do mestre gótico e seus discí-
pulos. Tal enumeração teve a vantagem de nos indicar onde se encon-
travam numerosos quadros primitivos, dos quais, infelizmente, muitos
desapareceram depois.
l Gomo se teria formado essa curiosa lenda de um Grão Vasco
briaraico, enchendo igrejas, mosteiros e solares de Portugal de painéis
sagrados, encarnando em si toda a pintura portuguesa primitiva ?
Ainda hoje o ignoro e me custa a compreender que os nomes dos
pintores dos reis, das cidades, dos conventos e das ordens militares, se
perdessem em tão completa obscuridade no silêncio dos arquivos, de
onde agora lentamente e fadigosamente os estamos exumando, i Por-
que não se examinavam os quadros .'' ^ Porque a medíocre cultura
artística dos escritores contemporâneos não lhes permitia que se
ocupassem das suas vidas e obras ?
Possivelmente. Por infelicidade o único historiógrafo da arte por-
tuguesa do século XVI, Francisco de Olanda. com a sua preocupação
— 264 —
inovadora e exclusivista do Renascimento, apenas nos deixou a menção,
aliás preciosa, do autor dos painéis de S. Vicente. A sua parte os
cronistas monásticos só incidental e imprecisamente se referem aos
artistas que enriqueciam de perduráveis obras os edifícios das Ordens.
O saudoso comentador desta obra, o Dr. Teixeira de Carvalho, que
na busca exaustiva de elementos utilisáveis nos seus estudos de história
da arte, os leu todos, desolada e espirituosamente se queixava com fre-
quência, da improfiqúidade desse esforço.
Só ao século xix havia de caber a glória de iniciar o estudo metó-
dico da documentação referente aos artistas, único elemento seguro e
completo em que pode firmar-sc a atribuição de autoria das obras de
arte. Esse estudo levou, entre outras, à descoberta da personalidade
real e verdadeira sobre que assentavam o qualificativo e a obra fabu-
losa de Grão Vasco. Foi o Dr. Maximiano de Aragão que após os
ensaios de triagem de Raczinski, Justi e outros, definitivamente clau-
sulou o período das hipóteses com a publicação de um livro onde se
acumulam dezenas de documentos referentes à vida privada do pintor.
Elementos valiosos, recolhidos por Sousa Viterbo e publicados na
Noticia de Alguns Pintores, vieram por fim tornar possível a correla-
cionação da carreira e produção artística do pintor de Viseu com os
mestres de Lisboa, e, atravez deles, com as escolas europeias. A bene-
ficiação das tábuas quinhentistas existentes na capital da Beira, quási
todas reunidas hoje no Museu Regional, realizada pelo professor
Luciano Freire, de Lisboa, tem concorrido igualmente para a iden-
tificação da obra do pintor.
A face dos documentos a vida do artista pode traçar-se da seguinte
maneira. Nasceu em Viseu ou nos arredores em época indeterminada,
mas decerto anteriormente ao ano de 1490, visto que testemunhando
já em i5i5 como «pintor, morador em Viseu» num documento de
emprazamento feito pelo convento de S. Domingos de Lisboa, a favor
de Jorge Afonso, ele não devia ter menos de 25 anos de idade. Foi
casado com Joana Rodrigues, da qual hou^-e vários filhos, ainda imper-
feitamente conhecidos. Segundo o sr. Dr. Maximiano de Aragão teve
um filho de nome Gaspar, outro Miguel Vaz e uma filha, Beatriz, já
mulher em 1540, pois que nesse ano vai pagar ao Cabido da Sé de
Viseu o foro devido pela casa onde morava com sua família. Essa
— 265 —
casa era situada na rua da Regueira e fera emprazada em três vidas,
a Afonso de Mansilha, no ano de 1427, e a Pêro Vaz, lapidário e a
Beatriz Lopes sua mulher, igualmente em três vidas, depois de 1489.
Desde 1 5 1 2 até 1 543, nos Livros de Recebimentos de Prados, do Cabido,
figura sempre a seguinte verba: «Vco frz pyntor, traz as casas que
andavam no t° dafonso de mansilha com seu cortinhal e foram empra-
zadas novamente ao lapidayro e a beatriz lopes em três vidas». Esta
casa foi comprada, em Janeiro de 1572, por um Amadis Tavares,
meirinho da correição. Nessa altura já Vasco Fernandes deixara a
morada e a vida.
O nome de Joana Roiz «mulher que foi de Vasco ffz, pintor» con-
tinua a figurar nas contas do Cabido, durante mais alguns anos. Em
i555 vai pagar o foro da nova casa em que vive, seu filho, Miguel Vaz.
Do filho Gaspar é que o sr. Dr. Aragão nada acrescenta, o que é de
lamentar, porque poderia muito bem acontecer que esse filho Gaspar
houvesse, como Miguel, o apelido de Vaz. Esta hipótese de ser o
pintor Gaspar Vaz filho de Vasco Fernandes, foi apresentada pela pri-
meira vez pelo Dr. António Sardinha num interessante artigo intitulado
A Autenticidade de Grão Vasco, publicado em 1906 (2 de Julho), na
Ilustração Portuguesa.
O conhecimento das relações de parentesco entre os artistas vi-
zienses da primeira metade do século xvi, apresenta um excepcional
interesse para o aclaramento do problema da Escola de Viseu, em
cujas obras se pode notar um mesmo estilo e feição, que impressionou
Robinson e o fez escrever, ao referir-se às pinturas então na casa do
Capítulo e sacristia da Sé: «a não ser que me enganasse a imaginação,
achei entre todas bastante parecença para poder supor que houve em
Vizeu uma sucessão de artistas conhecedores djs obras uns dos
outros» (1). Seria curioso estabelecer em que relações de família se
encontravam :
Pêro Faf, o lapidário, em cuja casa nos aparece, desde i5 12, Vasco
Fernandes;
Gaspar Vaj, o pintor que em i5i5 figura como criado de Jorge
Afonso ao lado de Vasco Fernandes no documento de emprazamento
(I) J. C. Robinson, .4 Antiga Escola Portuguesa de Pintura. Lisboa i8ó8, p. 40.
— 266 —
do Convento de S. Domingos de Lisboa; o mesmo que em i53j era
proprietário de um terreno em Casal do Campo e Eaçar, nos arredores
de Viseu, e qiíe desde iSSg a 1569 se encontra como arrendatário de
uma casa do Cabido, sita na Rua Direita. Estas indicações com algum
trabalho as exumei dos tombos velhos do Cabido, tanto os que estão
no esboço de Arquivo Distrital, como na Repartição de Finanças da.
capital da Beira Alta (1);
Manuel Va^, pintor, que desde i554 a 1578 figura no Livro de Re-
cebimentos como morador na Rua da Regueira, a mesma rua em que
viveu Vasco Fernandes;
António Va^, pintor, que num contracto entre o bispo de Viseu,
D. Miguel da Silva, e Martim Gonçalves, serralheiro, feito em iSSj, é
citado como testemunha;
Francisco Fernandes, pintor, de que dá fé este assento de baptismo,
de i552, descoberto por Berardo e transcrito e comentado imperfeita-
mente desde Raczinski: «Aos 17 dias do mes de setembro de i552
anos bautisei Vasco filho de fico frz pintor e de m* amriques sua
molher. fora padrinhos e madrinhas .s. egaas velho e p» lopes filho de
a° do reguo e r° a°. madrinhas m" lopes molher de Gaspar Vaz e c» f
(sic) pays molher de Jerónimo Tavares, todos moradores nesta
cidade...» (2). Ora se atendermos ao apelido Fernandes, deste Fran-
cisco, à sua qualidade de pintor, ao nome de Vasco dado ao filho,
não será muito arriscado considerar Francisco Fernandes filho de Vasco
Fernandes — o que a data de i552 (já em 1540 tem uma filha mulher,
Beatriz) consente perfeitamente. O aparecerem filhos com o apelido
Vaz e outros com o Fernandes, nada quer dizer. A minha prática de tra-
balhar com os nomes dos artistas do século de quinhentos ensinou-me
que nessa época o apelido dos filhos não obedecia a regra fixa e que
se uns guardavam os paternos, outros adoptavam os maternos e ainda
outros os dos avós e dos padrinhos ou madrinhas. Se Vaz não pro-
vier dos avós, pode ser uma espécie de patronímico de Vasco, abre-
viatura de Vasques. No assento de bnptÍ5mo acima transcrito figura
(i) Vergílio Correia, A pintura quatrocentista e quinhentista em Portugal— Novos
Documentos, no Boletim de Arte e Arqueologia, n." i, Lisboa 192J, p. 70.
(3^ Maximiano de Aragão, Grão Vasco. Viseu, 1900.
- 267 -
como madrinha, Maria Lopes, mulher de Gaspar Vaz, o.pintor, note-se
bem, o que nos permite estreitar mais a teia de relações familiares
entre os artistas visienses. O mesmo Gaspar Vaz, pintor, serve em
1540, de padrinho a Manuel, filho de João Denis pintor e de Maria
Correia. João Denis era, possivelmente seu oficial. Este Manuel veiu
a ser, na opinião de Sanchez Canton o talentoso e moço comentador
da tradução castelhana do manuscrito Da Pintura antiga, de Olanda,
o autor dessa versão (1).
#
Quanto à obra do pintor, o que até agora a meu ver, está assente,
é o que segue. A sua actividade artística vai, pelo n:enos de i5i2
a 1542, ou sejam 3o anos. Durante esse espaço de tempo Vasco Fer-
nandes trabalhou não só para as igrejas de Viseu, mas para terras dis-
tantes, como Coimbra e Tarouca. É seu, inegavelmente, o S. Pedro
da igreja do Mosteiro de S. João de Tarouca, atribuído por Emile
Bertaux a um vago mestre de Tarouca que a sua imaginação creara.
O S. Pedro da catedral de Viseu, que um assento de 1607, no Livro das
Contas, da Confraria de S. Pedro, considera da mão de Vasco Fer-
nandes — «que não mandei pintar de novo por ser feito por mão de
Vasco frz», como reza textualmente a nota manuscrita (2), é uma
réplica desse original.
Pertence-lhe com toda a certeza o Pentecostes da sacristia de Santa
Cruz de Coimbra que está assinado Velascus e não Velasco, como Ro-
binson e outros nas suas pegadas leram. Velascus é, sem possível
contradição, a forma latina de Vasco. Em numerosos documentos
do arquivo do Cabido de Viseu encontrei assinaturas de Velascus
Fernandes personagens homónimos e contemporâneos do pintor. Só
no século XVII nos aparece correntemente a forma erudita Velascus
significando Vaz. A assinatura quer pois dizer Vasco e os documentos
publicados pelo Dr. Reinaldo dos Santos veera, quanto a mim, tirar
todas as dúvidas. Num livro de contas do convanto de Santa Cruz
(i) De la Pintura Antigua por Francisco de Holanda, version castellana de Manuel
Denis, i56í. Edição da Academia de S. Fernando, p. xxviii do prefácio,
(2) Maximiano de Aragão, Grão Vasco, Viseu, 1900, p. 63-
— 268 —
que da Biblioteca, onde esteve largo tempo desconhecido e desapro-
veitado, passou para a Torre do Tombo com vários massos de títulos
de aforamentos, encontra-se a nota de que Vasco Fernandes recebera
em Junho de i535 determinada importância pelo feitio de quatro
painéis para o convento referido (i): — «pagou a Vasco Fernandez,
pintor em parte de pago dos quatro retabolos que faz para o mosteiro
três mill rs.».
Aparece portanto um quadro assinado Vasco, e um documento que
atribue a Vasco Fernandes, em época que condiz com a do quadro (2),
a autoria de painéis para o, mosteiro. Apezar disso opõem-se às lógicas
conclusões que de tais factos se podem extrair, razões tiradas da técnica
do quadro, que, na opinião do eminente artista e restaurador Luciano
Freire, não é a mesma dos painéis até agora atribuídos ao pintor
visiense.
Mas pode ter-se confiança absoluta nas chamadas razões técnicas
— e digo isto sem desejar melindrar, ao de leve sequer, o professor
Freire, laborioso e obscuro trabalhador, voluntariamente enclausurado
dentro do plano que se propôs de restituir ao seu fácies primitivo os
exemplares de pintura portuguesa antiga — , se a cada passo, quási a
cada novo painel reintegrado, as opiniões variam, as atribuições diver-
gem .-*
Em minha modesta opinião na investigação e historiografia artística,
a apreciação do documento é fundamental. Só quando ele não exista
se deve recorrer à chamada técnica, palavra cujo sentido se alargou
demasiadamente, porque, literalmente, a técnica não abrangeria a figu-
ração nem o estilo, mas somente o processo da preparação das tábuas
e das tintas e esse, por assim dizer uniforme no século xvi, poucos ele-
mentos de interesse e diferenciação apresenta.
Ora neste caso o documento existe, e não é justo nem razoável
partir do incerto para o real, quando esse real se patenteia tão clara-
mente.
(i) Reinaldo dos Santos, Os Grandes Artistas Portugueses, no Diário de Noticias
de 10 de Setembro de 192 1.
(2) J. C. Robinson, em A Antiga Escola Portuguesa de Pintura, p. 45, aponta também
para a factura deste quadro o decénio 1 53o- 1540.
— 269 —
Consignem-se agora, acerca do quadro, as opiniões concordantes
de três notáveis críticos de arte, Robinson, Bertaux e o sr. Dr. José de
Figueiredo, uma de iS65, as outras de entre 1910 e 191 3.
Para Robinson, em seu tempo consideradissimo crítico de arte,
art-rejeree no Museu do South Kensington que ajudou a formar, o
Pentecostes da sacristia de Santa Cruz de Coimbra era da mesma mão
que havia pintado o S. Pedro e o Baptismo de Viseu (i).
Para Emílio Bertaux e para o sr. Dr. José de Figueiredo, o autor
do Pentecostes de Coimbra é o mesmo do S. Pedro e do S. Miguel
de S. João de Tarouca, sendo portanto Velascus o célebre mestre de
Tarouca, que Vasco Fernandes imitou, segundo os mesmos críticos, no
seu S. Pedro de Viseu (2). Esse mestre fora primeiro considerado
pelo sr. Dr. José de Figueiredo, o pintor Gaspar Vaz(3j. Posterior-
mente distribuiu-se, de acordo entre os dois ilustres críticos, opoliptico
da Virgem da igreja de S. João de Tarouca, para Gaspar Vaz, e o
S. Pedro e o S. Miguel para Velascus. Na opinião do sr. Dr. Figuei-
redo, o Pentecostes de Coimbra era inferior ao de Viseu (4).
Ora estando hoje demonstrado que o 5. Pedro de Viseu é de Vasco
Fernandes, Robinson atribuindo o Pentecostes, de Velascus, ao autor
do S. Pedro de Viseu, atribuiu-o a Vasco Fernandes.
Ora estando hoje reconhecida — e pelo próprio sr. Dr. Figueiredo,
a identidade do mestre de Tarouca e de Vasco Fernandes (5), logica-
mente se conclue pela identidade de Velascus e Vasco Fernandes.
E não é necessário mais. A lição do documento foi plenamente
confirmada pelos críticos
A Vasco Fernandes são também atribuídos com toda a verosimi-
lhança, os quadros que compunham a série da sacristia da Sé de Viseu,
(i) J. C. Robinson, Obra citada, p. 42.
(2) Emile Bertaux Hisloire de l'Art (Publicação André Michei), t. iv, p. 890 e Almeida
Moreira, Os quadros da Sé de Viseu. Lisboa, 1916, p. 23 e 27.
(3) José de Figueiredo, Comunicação à Academia de Belas Artes, no Século de 2
de Março de 1910 e Alguns esclarecimentos sobre os quadros da Beira, no Século de
14 de Março de 1910.
(4) Artigo citado.
(5) José de Figueiredo, Introdução a um ensaio sobre a pintura portuguesa dç
século XVI, no Boletim de Arte e Arqueologia, n." i, p. 16.
— 270 —
hoje no Museu Region<iI Grão Vasco : o Calvár'o, S. Sebastião, Bap-
tismo, Pentecostes e 5. Pedro (1).
A obra do pintor, a sua influência sobre o grupo escolhido de cola-
boradores e outros artistas locais que formaram a chamada Escola de
Viseu, esperam ainda o seu monogratista. Limito por isso estas notas
ao que fica, sem pretender que com elas fizesse mais do que fixar
alguns pontos essenciais para o estudo biográfico e artístico do
pintor.
V.C. .
Duarte D'armas
Taborda, abonando-se com a autoridade de Damião de Gois {Chro-
nica de D. Manoel, Parte II, Gap. 27), diz apenas de Duarte d' Armas
que florescera no reinado de D. Manuel, sendo nesse tempo de grande
reputação e fora mandado por este Soberano à Cidade de A^amor na
Armada de D. João de Meneses, Camareiro mór do Príncipe D. João,
com o intento de delinear as barras da mesma Cidade de A^amor, de
Salé e de Larache (p. i52).
A notícia de Cirilo acrescenta a estes dados biográficos e com a
autoridade ainda de Damião de Gois (Chronica do Príncipe D. João)
que fora também mandado por D. Manuel à ilha do Corvo ou do Marco
desenhar a estátua equestre que ali /ora achada.. ., quando a desco-
brimos.
D. Francisco de S. Luís (Lista) citou os dois textos de Damião de
Gois, arquivou a referência que Faria e Sousa faz {Afr. Port., cap. 7,
num. 3 0 à expedição de D. João de Meneses, mencionando entre os
que o acompanhavam Duarte D'armas, grande desenhador.
Como observação original atribui ainda a Duarte Darmas o livro das
fortalei^as que vira na Torre do Tombo e de que é o primeiro a fazer
uma detalhada descrição, gabando exacção, desempenho, aceio e grande
(i) Almeida Moreira, O pintor Vasco Fernandes, Viseu, 1921, p. 10 e Catálogo e
Cuia Sumário do Museu Regional de Grão Vasco, Porto, 1921, p. 43 e segg.
— ■ 27Í — '
perícia do Artista e qualificando a obra de digna de singular apreço,
ou se considere com relação à história, ou com respeito à Arte (p. 32').
Nem Raczinski, nem Sousa Vitervo, nem o sr. Cristóvão Aires de
Magalhães Sepúlveda acrescentaram nada à biografia que o Patriarca
traçou de Duarte Darmas, nem as descrições minuciosas que fazem do
manuscrito das fortalezas são superiores em exactidão à do benemérito
D. Francisco de S. Luís.
O abade de Castro cita Duarte d'Armas como colaborador de Fran-
cisco Danzilla e Jorge Afonso na pintura da sala dos brasões no palácio
de Sintra, sem mencionar documentos a favor da sua assersão.
No tempo de Raczinski, atribuía-se a Duarte d'Armas o livro do
amieiro que se conserva ainda na Torre do Tombo, erro que emen-
daram ele e Juromenha {Lettres, p. 23 1, 434, Dict., p. 73).
Racpnski viu também o livro das fortalezas errando, como todos os
biógrafos que se lhe seguiram, a lista {Dict., p. 74) dos castelos dese-
nhados.
Sousa Viterbo {Dicc, vol. I, p. 45) nada acrescentou ao que disseram
os biógrafos anteriores. Tentou uma descrição do livro das forta-
lezas que é confusa e errada.
O sr. Cristóvão Aires de Magalhães Sepúlveda (Historia do Exer-
cito Portugue^, vol. VÍIÍ, p. 273-355) que apresenta como novidade a
confrontação do livro das fortalezas da Torre do Tombo com um
códice análogo existente na Biblioteca Nacional de Madrid e descrito
por o sr. M. Gonçalvez Simancas na Revista de Archivos, Bibliothecas
y Miiseos (números de Maio e Junho de 1910 a Julho e Agosto de
191 1), errou a relação das fortalezas (p. 274).
A sua descrição do códice da Torre do Tombo é bibliográfica-
mente, apesar da sua extensão, um trabalho incompleto.
Analisemos as asserções dos biógrafos.
Expedição de D. João de Meneses. E admitida por todos os bió-
grafos, comquanto conste da ida e missão de Duarte d' Armas apenas
pelo texto de Damião de Gois, sem até hoje se ter encontrado nos
arquivos nacionais outra base documental.
A estátua da ilha do Corvo. A existência desta estátua tem sido
negada por muitos autores, embora a meu ver, com pouco funda-
mento.
— 272 —
o texto de Damião de Gois {Chronica do Príncipe dom loam,
cap. ix) não pede oferecer dúvidas:
aDeflas Ilhas ha q mais ftá aho norte he hà do Coruo, que terá
hua legoa de terra, hosmarcãtes lhe chamam Ilha do marquo, porque
com ella (por ter hua ferra alta) fe demarqua, quando ve demandar
qualquer das outras. No cume defta ferra, da pte do norefte, fe achou
hua ftatua de pedra pofta fobre hua lagea, q era hú home encima de
hú cauallo e oflo, & ho home veílido de húa capa quomo bedem, fem
barrete, com húa mão na coma do cauallo, & ho braço direito ílendido,
& hos dedos da mão encolhidos, íaluo ho dedo segundo, a que hos
Latinos chamam index, com que apontaua contra ho ponete. Eíla
imagem q toda faia maciça da mefma lugea (lágea) mãdou elrei por
hum feu criado debuxador, que fe chamaua Duarte darmas, & depois
que vio ho debuxo mãdou hum home engenhofo, natural da cidade do
Porto, q andara muito em França, & Itália, q fofle a efta Ilha pêra cõ
aparelhos q leuou, tirar aqlla antigualha, ho qual quãdo delia tornou
dixe a elRei q ha acham desfeita de húa tormenta q fezera ho inuerno
paflado. Mas ha verdade foi q ha quebrara per máo azo, & trouxera
pedaços delia .f. a cabeça do home, & ho braço direito cõ ha mão, &
húa perna, ho q tudo fteue na guarda roupa dclRei algils dias, mas ho
que fe depois fez deitas coufas, ou onde se poferam eu nam pude faber.
Erta Ilha do Coruo, & Sandantam foram de loam dafonfeca fcriuam
da fazenda delRei dom Emanuel, & delle has herdou feu filho Pêro
dafonseca, fcriuão da chancelaria do mefmo Rei, & delRei dom loam
terceiro feu filho, ho qual Pêro dafonseca no Anno de Mil oxxix, has
foi ver, & foube dos moradores que na rocha, abaxo donde fteuera ha
ftatua, ílauã talhadas na mefma pedra da rocha húas letras, & por ho
lugar fer perigofo pêra se poder ir onde ho letreiro íla, fez abaxar
algus homes per cordas bem atadas, hos quaes imprimiram has letras,
que ainda ha antiguidade de todo nam tinha cegas, em cera que pêra
iflo leuaram : com tudo as que trouxeram impreflas na cera era já muí
gaitadas, & quafi fem forma, afsi que por ferem taes, ou por vêtura
por na cõpanhia nã haver pefloa que teuefle conheciméto mais q de
letras Latinas, & eíle imperfecto nhú dos q fe alli acharam prefentes
foube dar reza, nem do q has letras dizia, nê ainda poderá conhecer
q letras fofle».
— 273 —
o texto de Diimiáo de Gois não pode sofrer contestações nem dar
lugar a dúvidas. Damião de Gois foi guarda-roupa de D. Manuel, como
o foi também seu irmão Frutuoso de Gois, era Cronista-mór do reino,
escrevia para uma sociedade que tinha conhecimento dos factos e que
procuraria verificá-los.
O seu artigo está de acordo com todos os factos de que ficaram
documentos oficiais. Pêro da Fonseca a que ele se refere, donatário
das ilhas das Flores e do Corvo por carta de 6 de Agosto de iSaS,
visitou a ilha do Corvo, segundo o testemunho de outros cronistas.
As crónicas de Damião de Gois foram sempre muito discutidas e
sujeitas à mais severa crítica. Como admitir que pudesse faltar à ver-
dade, com tão pormenorizada narração um historiador que nunca
sacrificou a verdade nem à adulação dos reis nem aos preconceitos da
corte (i) ?
Todavia o facto foi negado pelo conde Vargas de Bedemar (iSSy),
o Barão de Humboldt, António Homem da Gosta Noronha e na esteira
destes por o sr. Ernesto do Canto e ultimamente num excelente livro
por o sr. E. A. de Bethencourt.
Não há motivo para duvidar do texto de Góis que todos os docu-
mentos oficiais teem mostrado perfeitamente exacto. A estátua tem
tão difícil explicação como as armas e moedas de ouro e prata ali
encontradas e que remontam a épocas alguns séculos anteriores à des-
coberta daquela ilha pelos portugueses.
Deve por isso ficar como historicamente demonstrado, na biografia
de Duarte d'Armas a ida à ilha do Corvo para desenhar a estátua que
lá se encontrara (2).
O livro das Fortalezas. Foi a primeira vez descrito pelo Patriarca
(Lista) e depois disso por todos os historiadores da Pintura Portuguesa,
sempre com incorrecções.
(i) Edgar Prestage, Critica Contemporânea da Crónica de D. Manuel, in Arquivo
Histórico, tom. x.
(2) O Sr. António Ferreira de Serpa demonstra os erros de argumentação dos que
negam a existência da estátua da Ilha do Corvo, nimi excelente artigo publicado no voi.óy
de O Instituto com título de Dois inéditos acerca das ilhas do Faial, Pico, Flores e
Corvo. E um artigo que merece ser lido pela originalidade da documentação e pelo alto
e seguro critério histórico do seu autor.
18
— 274 —
Procuraremos dar uma idea exacta do notável códice da Jorre do
Tombo.
O livro das fortalezas abre por quatro folhas em branco. A seguir,
numa folha sem numeração o título:
Este livro lie das fortalezas que sam setuadas / no estremo de por-
tugall e Casíella feyto por / Duarte darmas escudeyro da casa do
muyto I alto e poderoso e serenjsimo Rey e Sõr j dom tJtatniell hopry-
meyro Rey de / portugall e dos algarues daquem e / dallem maar em
Afryca, senhor de j Guinee e da conquista e nauegaçaaom / e comercyo
de Ethiopia, Arábia, Pérsia e da índia, &tc.
Ao título segue-se, sem numeração de folhas, o índice.
Os desenhos das fortalezas ocup;im as fls. i a i33 v, por esta ordem :
Castromarjm {da banda do norte, fl. i, da parte do sull, ú. 2), Alçou •
tim [da banda do sull, fl. 3, da banda do norte, fl. 4), Mertolla {da banda
do sueste, fl. 5, da banda do nordeste, fl. 6), Serpa {da banda do oeste,
fl. 7, da banda de leste, fl. 8), Moura {da banda do oeste, fl.^, da banda
de leste, fl. 10), Noudell {da banda do sult, fl. 11, da banda do norte,
fl. 12), Mourom {da banda de leste, fl. i3, da banda do oeste, fl. 14),
Monsaraz {da banda do oeste, fl. i5, da banda do leste, fl. 16), Terena
{da banda do sueste, fl. 17, da banda do nordeste, fl. 18), Alandroall {da
banda do sull, fl. ig, da banda do norte, fl. 20), Julhamenha {da banda
do norte, fl. 21, da banda do sull, fl. 22), Oliuença {da banda do sull,
fl' 23, da banda do norte, fl. 24), Eluas {da banda do sull, fl. 25, da banda
do norte, fl. 26), Campo mayor {da banda do sull, fl. 27, da banda do
norte, fl. 28), Ougella {da banda do sull, fl. 29, da banda do norte, fl. 3o),
Arronches {da banda de leste, fl. 3i, da banda do oeste, fl. 32), Mon-
forte (da banda de leste, fl. 33, da banda do oeste, fl. 3^), Açumar {da
banda do sueste, fl. 35, da banda do noroeste, fl. 36).
Estão em branco as folhas 37, 3S, 3g, 40, continuando depois com
as vistas de :
Alpalham {da banda do sudueste, fl. 41, da banda do nordeste, fl. 42),
Castello de Vide [da banda do nordeste, fl. 43, da banda do sueste,
fl. 44), em branco as folhas 45, 46, 47, Nisa yda banda do sull, fl. 48,
da banda do norte, M. 49), Monte aluaaom {da banda do sull, fl. 5o, da
banda do norte, fl. 5i), Castello Branco {da banda do sueste, fl. 52, da
banda do noroeste, fl. 53), Idanha a Nova {da banda do norte, fl. 54, da
— 275 —
banda do siill, fl. 55), Segura (da banda do siill, 11. 5ó, da banda do
norte, fl. 56 (sic), Siiiua terra [da banda do oesle, fl. 5-j, da banda do
leste, fl. 58), Penagarcya {da banda do oeste, fl. 59, da banda de leste^
fl. 60), Monsanto {da banda de leste, fl. 61, da banda do norte, fl. ('12),
Penamacor {da banda do sull, fl. 63, da banda do norte, fl. 64), Sabugall
(da banda do oeste, fl. 65, da banda de leste, fl. 66), Villar mayor {da
banda do sull^ fl. 67, da banda do norte, fl. 68), Castello mendo {da banda
de leste, fl. 60, da parte do norte, fl. 70), Castello bõo (da banda do
hoeste, fl. 71, Jii parte de leste, fl. 72), Almeyda {da banda do sull, fl. 73,
da banda do nordeste, fl. 74), Castello Rodrigo {da parte do sull, fl. 75,
da banda do noroeste, fl. 76), Freixo despadacynta (da parte do sull,
fl. 77, da parte do norte, fl. 78), Mogadoyro (da banda do oeste, fl. 79,
da parte de leste, fl. 80), Pena roya (da parte do sull, fl. 81, da parte
do norte, fl. 82), Miranda do Doyro (da parte do noroeste, fl. 83, da
banda de leste, fl. 84), Vimioso {dn parte do sueste, fl. 85, da banda do
noroeste, fl. 86), Outeyro {da parte do oeste^ fl. 87, de lesnordeste, fl. 88),
Bragança (da parte de oeste, fl. 89, da banda de leste, fl. 90), Vinhais
(da parte de noroeste, fl. 91, da banda de sueste, fl. 92), Mõforte de rio
liure (da parte do sudueste^ fl. 93. da parte de nordeste, fl. 94), Chaues
{da parte de leste, fl. 95, da parte doeste, fl. 96), Monte alegre {da parte
do sull, fl. 97, da banda do norte, fl. 98), Portello (da parte do sull,
fl. 99, da banda do norte, fl. 100), Piconha, (da parte do norte, fl. loi,
da banda do sull, fl. 102), Crasto leboreyro {da parte do norte, fl. io3,
da banda do sull, fl. 104), Melgaço {da parte do leste, fl. io5, da banda
doeste^ fl. 106), Monçaão {da parte de leste, fl. 107, da parte do oeste^
fl. 108), Lapeella {da parle do leste, fl. 109, da parte do oeste, fl. 1 10),
Valença do Minho (da banda do norte, fl. 1 1 1, <ij parte do sull, fl. 1 12),
Vila noua de Cerueyra (da parte de leste, fl. 11 3, da banda do este,
fl. 114), Caminha (da parte de leste, fl. 1 1 5, da parte do sudoeste, fl. 1 16),
Barcellos (da parte do sull, fl. 1 17), Cintra (da parte do sull, fl. 1 18, da
parte de leste sueste, fl. 1 20) .
No verso da fl. 120 lê-se:
daqui se começa a prata-forma das /fortalezas atrras debuxadas
com I suas alturas e larguras de muros, / e barreyras, etc.
Seguem-se as plantas das fortalezas (prata- formas), duas em cada
naeia folha: Castro marym e Alcoutim, fl. 121, Mertolla e Serpa,
— 276 —
fl. 121 v.", Aloura e Nofidall^ fl. 122^ Mourom e Monsara^^ fl. 122 v.",
Tercna e o Alandroall, fl. i23, Juramenha e Olhieça^ II i23 v.", Eluas
e Campo mayor^ fl. 124, Oiigela e Arronches, fl. 124 v.°, Monforte e
Alpalhaõo^ fl. i25, Castello de Vide e Míít, fl. (25 v.", Castello branco
e Idanha a nona, fl. 126, Segura e Salualerra, fl. 126 v.", Pe»*.? ^arya
e Monsanto, fl. 127, Penamacor e A'o Sabugall, fl. 127 v.", Vi ti ar Maior
e Castello mendo, fl. 128, Castello boom e Almeyda, R. 128 v.», Cítí-
/e//o Rodriguo e Freyxo de espada cynta, fl. 129, /20 Mogadoyro
e Pe«c7 roj^íT, fl. 129 v.°, Miranda do Doyro e Ao Vimioso, fl. i3o.
Outeiro e Bargança, fl. i3o v.°, Portello e Picotiha^ fl. i32, Castro
Leboreiro e Melgaço, fl. i32 v.", Monçavom e lapella^íi. i33, Caminha,
fl. i33 v."
A fl. 1 36 : Tauoada das fortalezas do estremo / ífe purtugall e cas-
tella. I
Duarte d'Armas parece não ter acabado a obra. Assim o dá a
entender o índice que nele anda e que marca duas vistas do castelo
de Marvão para as folhas 45 e 46 que estão em branco.
As folhas 37, 38 e 39 foram cortadas e deveriam ter, segundo o
mesmo índice, as vistas do Castelo de Alegrete {2 desenhos), do de
Portalegre (2 desenhos) sem indicação do lado donde deveriam ser
tiradas, como se dá também com o castelo de Marvão, o que nos leva
a admitir a hipótese do sr. Cristóvão Aires que supõe tivessem sido
arrancadas para se aproveitar o pergaminho por estar em branco.
Na Biblioteca Nacional de Madrid há um códice de Duarte d'Armas
análogo ao da Torre do Tombo.
No códice madrileno faltam as vistas panorâmicas de Castro Ma-
rim, Alcoutim, Mértola, Serpa, Moura, Nondar, Mourão, Monsara^,
Terena, Alandroal, Juromenha, Olivença, Elvas, Campo Maior, Oii-
guela, Arronches, Monforte, Assuntar, Castelo de Vide (metade direita),
Marvão, Ni^^a, Montalvão, Castelo Branco, Idanha a Nova, Segura,
Salvaterra, Pena Garcia, Monsanto, Pena Maior (metade esquerda do
sul), Barcelos e Cintra.
Alguns dos castelos são representados nos dois códices por desenhos
tirados de pontos de vista diferentes.
Nos da Torre do Tombo o pavilhão português tem sempre borlas
que lhe faltam no códice madrileno.
— 277 —
Há também no códice da Torre do Tombo detalhes pitorescos que
faltam no códice madrileno, como as figuras de um cavaleiro e um
peão armados de lanças que nunca aparecem no códice madrileno e
se vêem muitas vezes nos desenhos do Livro da Torre do Tombo, um
caçador acompanhado dos cães, a forca, armas e outros detalhes.
O livro de Duarte d'Arnias é acompanhado de tais minúcias que o
sr. Simancas pretende que ele foi feito para indicar ao inimigo, que
não podia ser senão o castelhano, os pontos de ataque dos castelos.
A hipótese, já rebatida pelo sr. Cristóvão Aires, é absurda (i).
O que deve depreender-se do exame dos dois códices é que Duarte
d'Armas fora encarregado de inspeccionar os diversos castelos portu-
gueses para indicar as reformas a fazer (2).
A pintura da Sala dos Brasões no Paço de Sintra
O abade de Castro foi o primeiro a atribuir a Duarte d'Armas de
colaboração com Jorge Afonso e Francisco Danzilla (Descripção do
Palácio Real na Villa de Cintra, p. 20). Esta asserção do abade de
Castro não tem fundamento documental e é por tanto para pôr de
lado.
É possível que do nome do nosso artista viesse a idea ao abade de
Castro de lhe atribuir a pintura da sala dos brasões, como outros, ao
tempo de Raczinski (Lettres, p. 23i, 434; Dicí., p. yS) lhe atribuíram
as iluminuras do livro do armeiro mór existente na Torre do Totnbo
(i) O sr. Cristóvão Aires de Magalhães Sepúlveda fez um estudo minucioso do Livro
de Duarte d*Armas, comparando-o com o códice existente em Madrid. Cf. Cristóvão
Aires de M. Sepúlveda, Historia orgânica e politica do Exercito Porlugue^. Provas.
Vol. VIII, p. 273-355. Neste estudo o autor menciona no número dos castelos re-
presentados o de Marvão que, como acima dissemos figura apenas no índice que o
sr. Cristóvão Aires inadvertidamente copiou.
(2) O códice madrileno foi estudado por o sr. Gonçalvez Simancas na Revista de Ar-
chivos, Bibliothecas e Miiseos de Madrid (n."' de .Maio e Junho de 1910 a Julho e Agosto
de 1911).
O sr. Cristóvão Aires fez ura estudo comparado dos dois códices, forçadamente in-
completo pois não teve outra fonte de informação que não fosse o artigo do sr. Gonçalvez
Simaucas que só reproduziu parte dos desenhos do códice madrileno, e não cotejou os
dois códices.
— 278 —
e que é, como verificaram já Juromenha e Raczinski {Dict., p. 11 3)
uma cópia do livro do armeiro mor de Arriet feita por António Go-
dinho.
No título deste manuscrito feito em letras tão decoradas que o
tornam quási ilegível, leu o autor da «História Genealógica» Fernão
das Minas de que fez um iluminador do tempo de D. Manuel.
O que D. António Caetano de Sousa leu Fernão das Minas deve
ler-se perfeiçani das armas e daí viria um novo erro para alguém que
lendo apenas a última pai te da inscrição interpretasse a outra Duarte
como Caetano de Sousa lera Fernão.
Como pontos bem seguros da biografia de Duarte d'Armas ficam
a sua ida na expedição de D. João de Meneses, e a sua estada na ilha
do Corvo para desenhar por ordem de D. Manuel a estátua que nela
encontraram os primeiros navegadores portugueses.
Como obra sua conservam-se apenas os dois livros das fortalecias.
Contém as vistas panorâmicas de Castro Marim, Alcoutim, Mer-
tolla, Serpa, Moura, Noudall, Mourom, Monsara^, Terena, Alandroall,
Jiilhamenha, Oliuença, Fluas, Campo Mayor, Ougella, Arronches.,
Monforte, Açumar, Alpallhvn, Castello de Vide, Nisa, Monte aluaaom^
Castello Branco., Idanha a Noua, Segura, Saluaterra, Penagarcya,
Monsanto, Penamacor, Sabugall., Villa mayor, Castello mendo, Cas-
tello bõo, Almeyda., Castello Rodrigo, Freyxo despadacynta, Moga-
doyro, Pena roya, Miranda do Doyrc, Vimioso, Outeyro, Bragança,
Vinhaes, Mõforte de rio liure, Chaues., Monte alegre, Portello, Piconha,
Crasto laboreyro, Melgaço, Monsaão, Lapeella, Valença do Minho^
Villa noua de Cerueyra, Caminha, Barcellos, Sintra.
Erraram esta lista de fortalezas : Raczinski (Dict., p. 73-74), que
menciona a mais Alegrete, Portalegre e Marvão., Sousa Viterbo [Dic.
dos Arch-, vol. í, pág. 45-46), que cometeu o mesmo erro, e o sr. Cris-
tóvão Aires de Magalhães Sepúlveda {Hist. do Exerc. Port , vol. VII
que inclui a mais apenas Marvão.
O erro de Raczinski e Sousa Viterbo proveio de se terem regulado
pelo índice oa Tauoada das fo?-ta!e^as do eí^tremo de purtugall e cas-
tella em que vem mencionados na verdade os castelos de Alegrete.,
Portalegre e Marvão que não existem no manuscrito e que provavel-
mente nunca existiram.
— 279
Campelo
Taborda deu uma redacção sua ao texto que encontrara no Abce-
dario Pictórico de Guarienti:
«Campello, cosi chiamato nelle memorie antiche di Portogallo, fu
pittore nativo di quel Regno. Mandato a Roma negli anni di sua
. gioventú a studiar la pittura sotto Michelangelo Buonaroti, tai pro-
gressi fece neirarte, che tornato alia pátria fu dichiarato pittore dei
Re dom Giovanni III e servi ancora il Re dom Emanuelle. Nel claustro
grande delia chiesa Eetlemme distante un miglio da Lisbona, dipinse
varj mister] delle Passione di Cristo conbuon disegno e stile grandioso,
scorgendovisi in essi la maniera dei Maestro. Vivea circa gli ani 1540».
Taborda falseou o texto de Guarienti traduzindo fu dichiarato pit-
tore dei Re dom Giovanni III e servi ancora il Re dom Emanuele por
teve a honra de ser nomeado Pintor do Senhor Rei D. João III^ graça
que lhe havia concedido Já seu augusto pai.
Servir D. Manuel não é o mesmo que ser pintor de D. Manuel.
Todas as cartas de pintor d'el rei começam por alegar os bons ser-
viços anteriores do pintor. Servia-se portanto o rei, sem para isso ser
necessário ter carta de pintor d'el rei.
Guarienti não diz claramente qual o monarca que mandou Cam-
pelo à Itália, deve porém depreender-se que foi D. Manuel pois essa
viagem se fez negli anni di su gioventii seria por isso verosímil que
D. Manuel o nomeasse seu pintor se a causa da nomeação fossem os
progressi neWarte feitos durante os seus estudos.
Se Campelo tivesse tido carta de pintor régio passada por D. Ma-
nuel, seria confirmado no mesmo lugar, segundo a prática então se-
guida, sem necessidade de outros serviços.
Assim se fez com Jorge Afonso que tendo sido nomeado pintor
régio por D. Manuel em 9 de Agosto de i5o8, houve confirmação do
mesmo lugar por D. João III, em carta de 9 de Dezembro de iSag, e
com Gregório Lopes que tivera um alvará de lembrança de D.Manuel
— 28o —
e foi confirmado no lugar de pintor régio por carta de D. João III,
datada em 25 de Abril de i522.
Quanto ao aprendizado com Michael Angelo que os autores dão a
este e a outros pintores do tempo, parece-me pouco provável, aten-
dendo a que nos Diálogos do Holanda se não encontra referência a
nenhum destes factos que tanta honra fariam aos soberanos.
Deve a confusão partir da viagem do próprio Holanda, generalizada
por os autores a todos os artistas que a tradição dizia.
Bem avisadamente andou Cirilo em não fazer de Campelo um
pintor régio.
Quanto ao nome próprio deste artista estranha Taborda que Gua-
rienti o ignorasse (p. i68) e afirma ser Manuel. Cirilo, na fé de Félix
da Costa, crisma-o António. Ainda neste ponto nos parece preferível
a opinião de Cirilo à de Taborda.
Quanto aos quadros que lhe são atribuídos: Guarienti escreve,
iVe/ claustro grande delia chiesa Bethlemme distante um miglio de
Lisbona, dipinse varj misterj delia passio di Cristo con buon disegno
e stile grandioso scorgendovisi in essi la maniera dei Maestro.
Taborda seguiu na atribuição a forma vaga de Guarienti, acrescen-
tando: ... forão (os quadros do claustro grande de Belém) repin-
tados, e muito mudados de sua forma primitiva; e por isso Já hoje em
parte não encantão cabalmente a vista de um observador intelligente.
Qual seria a sua graça, e a sua grandeza quando estavao na sua ori-
ginal conservação, não pode conjecturar-se, porque não resta entre
nós uma só obra sua intacta, e sem alteração (p. 167).
Cirilo atribui-lhe a Coroação de Espinhos e o Senhor Ressuscitado
do claustro grande e a Rua da Amargura, que estava na escada do
mesmo mosteiro, quadro em que julgou encontrar talvez o precioso
painel do Senhor com a Cru^ às costas que, segundo Félix da Costa,
merecia outro trato, e outro lugar.
Taborda atribui porém o Senhor Ressuscitado a Gaspar Dias
(p. i59).
A Gaspar Dias se deveria também atribuir a Rua da Amargura se
diz a verdade o letreiro que lhe poseram no ângulo inferior, lado
direito, quando o restauraram : gaspar dias luzitano, | inventou e
PINTOU, NO SÉCULO XV | ESTE SINGULAR CHEFE d'0BRA, QUE, | MEIO DES-
28l
TRUIDO PELO TEMPO, A IM | PERÍCIA DOS MÃOS ARTISTAS ) ACABOU DE
PERDER. 1 PELA SOLICITUDE DO R.>'0 P.E F.E BER- | NARDO DO CARMO E S.*
D.OR OPPOZITOR I EM THEOLOGIA, D. ABBADE PRELADO DES- | TL: MOSTEIRO
DE SELEM, E INSTAN- | CIAS DOS MAIS MONGES, AMADORES DAS | BELLAS
ARTES I COM INCANSÁVEL DESVELO RESTAU- | ROU NO ANNO DE 1819 |
IGACIO DA S.'^ C. VALENTE. |
Taborda, citando a Corografia de Carvalho (Tomo III, p. 66o)
atribui o quadro da Rua da Amargura a Brás do Avelar ou ao Arre-
rino (p. i53).
Gaspar Dias
Todas as biografias de Gaspar Dias assentam sobre este texto de
Guarienti :
Gasparo Dies fsic) celebre pittor porthoghese, inviato a Roma dei
re dom Emanuele per perfezionarsi nella pittura, nella scuola di Miche-
langelo fece grandi progressi. Ritornato in pátria, d'ordine dei re,
opero ad oglio molte pitture nel chiostro delia chiesa di Belém, ed in
altri luoghi eretti da quel monarca. Nella chiesa delia Misericórdia,
fece la famosa Tavol-a delia Venuta dello Spirito Santo, segnata col suo
nome, et colPanno i334, la qual tavola nel 1734 fu da me ristaurata.
Taborda cita Guarienti alterando- lhe o sentido: Sabemos pelo tes-
temunho de Guarienti, que vivia pelos annos de i534; porque cita na
Igreja da Misericórdia o quadro da Tribuna, da vinda do Espirito,
marcado com o seu próprio nome, e feito naquelle anno : dizendo igual-
mente, que elle o restaurara em i-34-
Ora Guarienti não diz que a pintura em madeira que restaurara,
estivesse na Tribuna e pelo texto parece referir-se a um quadro de
pequenas dimensões.
Cirilo não reparou na alteração do texto de Guarienti, feita por
Taborda, e escreveu : Pedro Guarienti fa^ menção de outro painel seu
da vinda do Espirito Santo pintado em i534, que estava na tribuna da
Antiga Misericórdia.
— 2«2 —
Raczinski que não conhecia o texto de Guarienti, por não ter podido
encontrar a edição da obra de Orlandi, tendo sido informado pelo
visconde de Balsemão de que o cónego Vilela da Silva afirmava que
Guarienti ficara frappé d'etonetnent à la vu d'un tableau representam
la descente du Saint-Esprit, par Gaspar Dia^ qui se troiive dans la
tribime de la chapelle principale de iéglise de Saint Rock, comenta :
Je dois dire relativement à ce tableau, qiiil est d'une composition sage,
et quil n'est pas tout à fait dépourvu de style, mais aiissi est-ce là tout
ce que l'on peut en dire, car il a éte repeint dhine maniere barbare; je
ne sais pas si cela a jamais été un Gaspard Diaj et si cela a été bon,
maisje sais que ce n'est plus qu'une croute (Letlres, p. igB).
Vilela Machado repetira Cirilo, que repetira Taborda, que repetira
Guarienti alterando, como na conhecida história de A formiga e a
neve.
Vilela Machado nunca fez senão repetir Cirilo.
Raczinski, com vontade de achar em S. Roque o quadro da tribuna
da antiga Misericórdia, deu com uma Vinda do Espirito Santo qu'on
voit à certains jours de/ète au-dessus de maítre-autel et qui est attribué
a Gaspar Dia:^, torna a escrever {Lettres, p. 291) : . . . n'a jamais pu
avoir une grande valeiír artistique. Le style de ce tableau n'a aucune
analogie ni avec le saint Roch de cette église ni avec les tableaux de
Belém du même auteur, com o propósito evidente de corrigir o que
escrevera irritado pelas opiniões de Vilela que ouvia citar muitas vezes
e tinham o condão de o pôr de mau humor.
Quando, mais tarde Raczinski obteve o Guarienti e comunicou as
opiniões deste pintor à Sociedade Artística e Scientífica de Berlim,
comentou em nota : Malgré ce qu'en dit Guarienti, je ne puis retracter
ce que je vaus ai communiqué dans ma onpème lettre au sujet de la
descente du Saint Esprií de Véglise de Saint-Roch, sem ver que o
texto de Guarienti se não podia aplicar à pintura que éle estudara em
S. Roque.
No artigo do Dict., Raczinski parece ter notado as origens dos erros
em que caíra e escreve : ce tableau n'est peint sur toile, n^est pas signé,
e c'est un bien faible ouvrage, acabando por admitir que seja uma
cópia e que o original tenha desaparecido {Dict., p. 70).
A Gaieta de Lisboa de 17 de Fevereiro de 1735, noticiando a estada
— 283 —
de Pedro Guaiienti em Lisboa cita entre os últimos trabalhos do
pintor o restauro dos quadros da Misericórdia especialmente o famoso
Retabolo da capella da insigne Bemfeitora daquella Casa Dona Simoa
Godinho, e ali tem achado admiráveis originaes de Pintores Portu-
gueses do glorioso século dei Rei D. Manuel e de et Rei D. João III,
nos quaes floreceram na arle da pintura Gaspar Dias, Christovam
Lopes, Bra^ de Prado e também Fernando Gallegos, insigne pintor
hespanhol, de que na Misericórdia ha talve^ tantos originaes como no
Escurial.
De tudo isto se conclui apenas que em 1734, havia na igreja da
Misericórdia de Lisboa uma pintura em madeira, representando a
Descida do Espírito-Santo, datado em i534 e assinado por Gaspar
Dias. Este quadro foi restaurado por Guarienti que leu a assinatura
e a data e a qualificou de famosa.
Este quadro desapareceu, naturalmente destruído pelo terremoto,
sendo por isso para regeitar a hipótese de Raczinski de ser cópia
daquele uma pintura em tela que, ao seu tempo se punha na tribuna
da igreja de [S. Roque e que Taborda atribuíra a Gaspar Dias, por
uma interpretação não justificada do texto de Guarienti.
Gregório Lopes
Taborda publicou a carta passada por D. João III a G. Lopes
filhando-o por seu pintor, como o já tinha feito D. Manuel por um
alvará de lembrança (p. t 54-1 55).
Alude à sua nomeação com outros para pintar em obras régias e
cita os documentos comprovativos que, ao tempo em que ele escrevia
se encontravam na Torre do Tombo Gav. 20^ Maço i3, Num. 73
(p. 154).
Os esclarecimentos que Cirilo dá neste artigo sobre Álvaro Pires
e Gaspar Cão encontrou-os em Taborda (p. 1 59-160).
A este respeito escreve Cirilo : Ao primeiro (Álvaro Pires), que
falleceo em i53g, succedeo o segundo que era seu filho.
— 284 -
Ora Taborda não diz que Álvaro Pires tivesse morrido em i339,
mas sim apenas que D. João III lhe (a Diogo Cão) mandou passar em
data de ig de Fevereiro de i55g Carta de seu Pintor em lugar de
Álvaro Pires seu' pai, a quem o Senhor D. Manoel tinha Jeito a mesma
tnercê.
Sousa Viterbo publicou {Noticia, Primeira série, p. 40) a carta de
Gaspar Cão datada em 19 de Fevereiro de iSSq onde se lê: em lugar
de Álvaro Pire^, seupay, que ate ora foy meu pintor^ o que parece
indicar a morte recente de Álvaro Pires.
Assim o entenderam Cirilo, Raczinski {Dic, p. lyS) e Sousa Viterbo.
É original também de Cirilo o lugar e a inscrição da sepultura de
Gregório Lopes, que Raczinski não aproveitou para o seu dicionário.
O visconde de Juromenha encontrou e comunicou a Raczinski os
documentos seguintes: extracto da carta de nomeação do pintor, já
publicada por Taborda (25 de Abril de i522, p. lyS), concedendo um
moio de trigo ao pintor, a título de pensão (26 de Junho de 1541),
uma nota de que este moio de trigo lhe fora pago em 1541, nota de
lhe haverem sido pagos 16.000 réis por um Santo António, um S. Ber-
nardo, uma Madalena na charola e dois retávolos na capela de Nosso
Senhor (p. 177).
Marcou também Juromenha a morte de Cristóvão Lopes em i55i,
année ou son fils lui fut substitua (p. 177).
Juromenha forneceu também a Raczinski um longo extracto dum
documento que se refere às obras de G. Lopes no Armarem {Lettres,
p. 206). Sousa Viterbo publicou estes e outros documentos que per-
mitem fazer a sua biografia.
Foi discípulo de Jorge Afonso e casou com uma filha deste cha-
mada Isabel Jorge (Noticia, Primeira série, p. 104), pintor de D. Ma-
nuel por alvará de lembrança que não ficou registado e de D. João III
por carta de 25 de Abril de i522 publicada por Taborda.
Em 7 de Julho de 1514 era já discípulo de Jorge Afonso e casado
com Isabel Jorge filha deste, e com ele vivia, pintando na oficina do
sogro.
Em i536 trabalhava no convento de Tomar e pintava na charola:
S. António, S. Sebastião, S. Bernardo e a Madalena, além de dois
quadros na capela de Nossa Senhora.
— 285 —
Pintou também para a capela de S. Quintino na igreja de Nossa
Senhora do Monte- Agraço um retavoUo dos mariirios do dito santo.
Era já falecido era 19 de Outubro de i35o pois nessa data D. João III
mandou dar a Isabel Jorge sua mulher /era ajuda de sua manutença
e criação de suas jUlias o moio de trigo que recebia de sua tença Gre-
gório Lope^i que foy meu pintor.
O filho Cristóvão Lopes sucedeu-lhe no lugar de pintor do rei em
18 de Agosto de i55i.
Vanegas
Taborda confessa (p. 166) conhecer deste pintor apenas o nome —
Francisco Vanegas e ter ido estudar à Itália no tempo de D. Manuel.
O nome está errado; é Francisco Venegas. Floresceu em tempo
de D. Sebastião e Felipe II de Espanha, não podia por isso ter ido à
Itália por conta de D. Manuel.
Girilo, que parece não lhe ter conhecido o nome próprio, encostou-se
à autoridade de Félix da Costa Meesen, não menciona a sua viagem à
Itália por conta de D. Manuel e atribui-lhe o quadro do altar-mór
da Luz.
O quadro 'é na verdade dele e está assinado Francisco Venegas
Regius pictor o que prova que já era pintor régio em tempo de D. Se-
bastião pois que as pinturas do altar-mór da Luz foram mandados
fazer pela infanta D. Maria em óyS.
Foi também pintor de Felipe II de Espanha (Sousa Viterbo, No-
iicia, Primeira série, p. i53).
Cirilo, na impossibilidade de harmonizar a ida à Itália em tempo
de D. Manuel, mencionada por Taborda com a atribuição do quadro
da Luz, escreveu prudentemente, falando do quadro da Luz: aEste
painel existe, ou copia delíe, e he muito grande (p. 48).
António e Francisco de Holanda
A biografia de António de Holanda é muito breve em todos os his-
toriadores. A glória do filho prejudicou a memória do pai, apesar de
— 286 —
todo o encarecimento que Francisco de Holanda faz nas suas obras
do talento de seu pai, pondo-o entre os artistas a quem pela sua cele-
bridade dera o cognome de Águias.
Taborda não sabia de António de Holanda mais do que as refe-
rências de seu filho à invenção da iluminura a preto e branco, e ao
retrato de Carlos V que encontrara no Dicc. Hist. de Bermudez e
transcreveu em espanhol.
Cirilo seguiu Taborda, sem o citar, nem acrescentar nada de novo,
O Patriarca não lhe dedicou artigo especial.
O artigo de Raczinski {Dic, p. 134- 136) devido à colaboração de
Juromenha é quási uma biografia definitiva.
Sousa Viterbo não dedicou ao nosso artista artigo especial. O
sr. Joaquim de Vasconcelos e Vieira Guimarães (A Ordem de Cristo)
não acrescentaram documentos novos.
António de Holanda devia gozar já grande crédito no tempo de
D. Manuel que o nomeou seu passavante, na vaga deixada por o pintor
Francisco Henriques, morto de peste em i5i8^ apesar de haver pro-
metido o lugar ao pintor Garcia Fernandes com a condição de casar
com uma filha de Francisco Henriques. Continuou no mesmo lugar
em tempo de D. João III.
D. João III por carta de 5 de Março de 1527 deu-lhe uma pensão
anual de 10.000 reais.
Para o infante D.Fernando fez uns desenhos que foram iluminados
por Simão de Bruges.
D. Isabel, a irmã de D. João III que casou com Carlos V mandou-o
ir a Toledo de propósito para retratar o imperador. Nessa viagem,
em que foi acompanhado por seu filho Francisco de Holanda fez as
miniaturas do imperador Carlos V, da imperatriz D. Isabel e do infante
que mais tarde devia ser Felipe II, ao colo de sua mãe. Deve por
isso a viagem de Holanda ter sido depois de 21 de Maio de 1527, data
do nascimento de Felipe II.
Em Novembro de i533, i534, i5j5 e i536 trabalhou para o con-
vento de Tomar, para onde iluminou dois volumes de Dominicaes e
um Psaltério.
Vivia ainda em i55i. Ignora-se a época da sua morte. Era porém
já falecido em 1571.
— 287 —
Francisco de Holanda
Girilo supôs erradamente que F. de Holanda fizera duas viagens à
Itália uma na sua juventude sendo criado do infante D. Fernando e do
Cardial D. Afonso, e outra por mandado de D. João III.
Este erro é uma má interpretação do texto de Holanda feito por
monsenhor Guido.
«... eu fui o primeiro que neste Reino, escreve o iluminador, louvei
e apregoei ser perfeita a Antiguidade, e não haver outro, primor nas
obras, e isto em tempo que todos quási querião zombar d'isso, sendo eu
moço e servindo ao Ifante Dom Fernando e ao sereníssimo Cardeal
Dom Affonso, meu senhor. E o conhecer isto me fez desejar de ir
ver Roma, e quando delia tornei, não conhecia esta terra, como quer
que não achei pedreiro nem pintor que não dixesse que o antigo (a
que elles chamão modo de Itália) que esse levava a tudo; e achei-os
a todos tão senhores disso, que não ficou nenhuma lembrança de
mi».
Este texto porém o que quer dizer é que, antes da viagem ã Itália^
já Francisco de Holanda estava convencido da excelência da arte an-
tiga e isso lhe fizera desde então desejar uma viagem a Roma, e quando
voltara encontrara já toda voltada para o antigo a opinião que deixara
tão contrária a ele.
Antes dessa viagem, mostrara êle a André de Resende as inscrições
romanas do jardim do Paço de Santos que o douto humanista e anti-
quário não conhecia.
O talento de Francisco de Holanda fôra muito precoce. André de
Resende chamava-o juvenis, admirabili ingenio, <£• Lusitanus Apelies.
A mudança que se deu na opinião portuguesa sobre o valor da
antiguidade não se explicaria com uma viagem pequena, como não
poderia deixar de ser a primeira, que teria além disso de pôr-se, sem
probabilidades de acertar, antes dos seus 20 anos em que fez a sua
viagem à Itália por mandado de D. João III.
Taborda tem várias citações que o sr. Joaquim de Vasconcelos
qualifica de originais e me parecem muito sujeitas a contestação.
— 288 —
É de Taborda a atribuição das iluminuras dos livros de coro do
convento de Tomar a Francisco de Holanda.
Nos livros de despesa do convento não se acham referencias senão
a António de Holanda seu pai.
Parte desses livros pertencem ao sr. Joaquim de Vasconcelos que
não publicou trabalho algum sôbre eles e os atribui aos dois Bolandas
numa citação acidental.
Atribui também Taborda a Francisco de Holanda um retrato da
infanta D. Maria que mereceu um epigrama de Manuel da Costa,
publicado com outros versos seus em Coimbra em i552.
Os epigramas de Manuel da Costa fazem referência aos projectos
anteriores de casamento da infanta (seis ut consortem iam dudum fata
laboram \ Huic Maricá, et dignum vix reperire queant?), o monarca a
quem o retrato se destinava era D. Felipe II (summi principis).
As negociações do casamento duraram de 1549 a i552 época em
que Francisco de Holanda estava em toda a celebridade da sua viagem
recente a Itália.
Parece depreender-se do epigrama de Manuel da Costa que o re-
trato fora pintado em madeira (tabula), mas não nos parece que tais
versos possam excluir formalmente a hipótese de uma miniatura em
pergaminho.
Cirilo, na fé de Taborda atribui ao pintor o Baptismo de Santo
Agostinho que, no seu tempo possuía a família Saldanha.
Raczinski supõe que seja este o único quadro que possa atribuir-se
a Francisco de Holanda.
Este quadro é atribuído ao pintor pelo testemunho de D. Fernando
Alvares de Castro (4 de Maio de 1641), e existia ainda no tempo de
Raczmski que escreveu dele : 11 faut aussije crois, ajouter foi ã ce que
le document (testamento) rapporte sur le Francois de Hollande. Je ne
saurais enjuger par anahgie, car je ne connais aucun autre oiivrage
de cet artiste, et je ne sache p as qu'il en ait Jaite d'autres, mais c'est
d'un faire qui atteste lepeu d^habitude qu'il avait de peindre à l'liuile et
de trailer des sujeis historiques; il montre clairement Vinfluence de
1'Italie; ti est en même iemps évidemment Vceuvre d'un artiste qui a
consacré sa vie á l'étude des arts, et qui avait les grands exemples de
Vépoque dassique, présens à la viemoire. Ce tableau represente le
— 289 —
baptême de de saint Augustin,/'crr saiiit Ambfoise, en prósence de sainte
Monique et d'autres saints. Les physiorwmies ne vianquent pas d'ex-
pression [Lettres^ p. 277).
Numa nota e analizando o texto de Guarienti que diz de F. de
Holanda inolto dipinse non meno né palagi reali, che nelle chiese, es-
creveu Raczinski : Un enlumineur /^ei// avoir fait des tableaux á Vhuile
et des fresques dans de grandes dimensions, et d' enlumineur être devemi
peinire d'histoire, mais cela n'est pas vraisemblable [Letíres, p. 323).
Cirilo mantém sobre as pinturas possíveis de Holanda, a mesma
prudente reserva.
O sr. Joaquim de Vasconcelos atribui a Francisco de Holanda um
quadro em que está representada toda a família de D. João III sol;) o
manto de Nossa Senhora, existente no mosteiro de Belém e que repro-
duziu na última edição dos Diálogos (p. 240, f. -5) sem apresentar
provas e não me parece que as possa ter concludentes.
«9
índice alfabético
Pintores, Architectos, Esculptores,
E Gravadores mais insignes de que se faz menção
nestas Memorias, notando-se cada hum delles com a letra
INICIAL da sua Arte.
Paginas
Affonso Sanches Coelho, P. . 53
Alexandre Giusti, E 208
Amaro do Valle, P 56
André Reinozo, P 59
André Gonsalves, P -o
André Contucci Sansovino, E 199
António Campelo, P 44 e 279
António de Holanda, P 48 e 285
António Moro, P 5i
António Machado Sapeiro, P 69
António Joaquim Padrão, P 90
António Francisco Roza, A 195
António Ferreira, E 2o5
António Fernandes Rodrigues, G 23o
António Sesinando, G 237
Abbade Apparicio, P 87
Archangelo Foschini, P ii5
Bartholomeo António Calisto, P »
Bartholomeo de Cardenas, P 56
— 292 —
Paginas
Benjamin Comte, G 23 1
Bento Coelho da Silveira, P 67
Mr. Bernardo Foit, P 174
Bruno José do Valle, P 98
Carlos Mardel, A 154
Christovão Lopes, P 54
O Coxinho, G 233
Cyrillo Volkmar, P 243
Diogo Pereira, P 60
Diogo Magina, P 171
Diogo Teixeira, P 54
Domingos Vieira Serrão, P. . 57
Domingos da Cunha, P Sg
Domingos da Roza, P 88
Domingos Peligrini, P 109
Domingos António de Sequeira, P ' 118
Duarte d'Armas, P • • • 44 e 270
Eleuterio Manoel de Barros, G 235
Eugénio dos Santos de Carvalho. A i52
Faustino José Rodrigues, E 239
Feliciano Narciza, P i55
Feliciano de Almeida, P 64
Abbade D. Filipe de Juvara, A 142
Fernão Gomez, P 84
Felis Salla, E 217
Felis da Costa Meesen, P 66
Felisberto António Botelho, P iio
Francisco de Holanda, P , . 48 e 285
Francisco Vieira Lusitano, P 79
Francisco Pinto Pereira, P 86
Francisco de Setúbal, P '59
Francisco Vieira Portuense, P iii
Francisco da Silva, P 146
Francisco Xavier Lobo, P 166
Francisco de Figueiredo, P 169
Francisco Xavier Fabri, A 1S2
— 293 —
Paginns
Francisco Bartolozzi, G 23i
Gaspar Dias. P 46 e 2S1
Gaspar Froes Machado, G 229
Gregório de Barros Vasconcelos Amador das Bellas Artes ... 159
Gregório Francisco Queirós. G 235
Gregório Lopes, P 4- e 283
Germano António Xavier de Magalhães, A iq5
Honorato José Corrêa de Macedo e Sá, A iy6
Jacome .^nzolini, A i5i
Jerónimo da Silva, P 76
Jerónimo de Barros Ferreira, P 10 1
Jerónimo de Andrade, P i65
Jerónimo Gomes Teixeira, P 172
Ignacio de Oliveira Bernardes, P 78
Ignacio da Piedade e Vasconcelos, E 202
Joanna do Salitre, P 106
João Pedro Volkmar, P 83
João Gresbante, P 63
João Clama Strabile, P , . 107
João Castagnola, Pr 12 r
João Frederico Ludovice, A 140
João Nunes de Abreu, P 145
João Carlos Bibiena, A 149
João Pillement, P 168
João Thomaz da Fonseca, P 192
João de Deos IMoreira, P 196
João António de Pádua, E 201
O Padre João Chrisostomo Policarpo da Silva, E 20Õ
João Grossi, E 2i5
João José de Aguiar, E 221
João Gomes Baptista, G »
João de Figueiredo, G 223
João Caetano Rivara, G 236
João Teixeira Pinto, E 240
Joaquim Machado de Castro, E 212
Joaquim José de Barros Laborão, E 219
— 294 —
Paginas
Joaquim Carneiro da Silva, G 225
Joaquim Marques, P 184
Joaquim Manoel da Rocha, P 92
José de Avelar Rebello, P 60
José da Costa Negreiros, P 89
José Throno, P 102
José da Cunha Taborda, P 116
José Viale, P 120
José Bernardes, P i56
José António Narciso, P 175
José da Costa e Silva, A 187
José Carlos Binheti, A 190
José Manoel de Carvalho e Negreiros, A 193
José Francisco Ferreira, P 194
José de Almeida, E ^ 2o3
José Teixeira Barreto, G 238
Josefa de Óbidos, P 61
Mr. Larre, A 143
Lourenço da Cunha, P i56
Luiz Alves de Andrade, P 58
Luiz Baptista, P 164
Luiz José Pereira Resende, P 122
Manoel de Castro, P 64
Manoel de Matos, P 107
Manoel Caetano de Sousa, A 177
Manoel da Costa, P 179
Manoel Piolti, A 190
Manoel Pereira, E 200
Manoel Marques de Aguilar, G 237
O Major Manoel da Costa Negreiros, A 164
Marcos da Cruz, P 63
Marquez de Monte Bello, P 65
Matheus Vicente, A i58
Máximo Paulino dos Reis, P 122
Morgado de Setúbal, P 176
Nicoláo Luiz Alberto de la Riva, P 178
— 295 —
Paginas
O Cav. Nicoláo Servandoni, P 148
Pedro Alexandrino de Carvalho, P 95
Pedro António Quillard, P 77
Pedro Guariente, P 78
Perigrino Parodi, P 85
Reynaldo Manoel, A 160
Roque Vicente, P 90
Mr. Rosa, P 170
Simão Caetano Nunes, A 161
Simão Francisco dos Santos, G 224
Simão Rodrigues, P 55
Os Serras, P 147
Timotheo Verdier, P 196
Throno pequeno, P 108
Vanegas, P 48 e 285
Gr. Vasco de Viseu, P 89 e 263
Vicente Baccareli, P 144
Vicente Tacquesi, E 218
Paginas.
Erros.
Emendas.
2
dois
dous.
4
correto
correcto.
IO
Salvagens
Selvagens.
IO
Zeuis
Zeuxis.
II
despostos
dispostos.
i3
compuserão
composerão.
16
Murilho
Murillo.
'9
portuguezes
Portuguezes.
5i
Utrectt
Utrecht.
67
Utrectt
Utrecht.
72
Gaillard
Quillard.
74
Portugueza*
Portuguezes.
75
Jacomo
Jacome.
86
se
he.
92
sen
seu.
102
Fuduresnoy
du Fresnoy.
io5
Roulhs
Roulks.
112
Froes Jacome
Fernandes Jacome.
117
he
e.
117
e
he.
l32
contanto
contento.
i55
excetuados
executados.
i58
bom Mestre
bons Mestres.
205
Feliz
Felis.
234
se lhe
lhe.
239
Nimfas
Ninfas.
246
erão fiz
fizerão.
Alguns outros descuidos de virgulas, pontos, faltas, ou trocas de
letras supprirá o Leitor.
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'_• Machado, Cyrillo Volkmar
JJ32 Colecção de memorias rela-
i^3 tivas as vicias, do-s- pintores ..