^.' ^^r^
'*;
?
f'
.A
Digitized by the Internet Archive
in 2010 with funding from
University of Toronto
http://www.archive.org/details/crnicadetomadaOOzura
CRÓNICA
TOMADA DE GEUTA
EL REI D. JOÃO I
"OMPOSTA POR
GOMES EANNES DE ZURARA
PUBLICADA POR ORDEM DA ACADEMIA DAS SCIENCIAS DE LISBOA
, SEGUNDO OS MANUSCRITOS N,<" 368 E 355
DO ARQUIVO NACIONAL
FRANCISCO MARIA r.'^-'EV'=;s PEREIRA
ACADEMIA DAS SCIENCIAS DE LISBOA
Rua do Arco a Jesus, Ii3
LISBOA
AaOEMIA DAS SCIENCIAS DE LISBOA
COMISSÃO DOS CENTENÁRIOS DE CEUTA E ALBUQUERQUE
COMEMORAÇÃO
DO
QUINTO CENTENÁRIO
DA
TOMADA DE CEUTA
TEXTOS HlSi . lOS
CRÓNICA
TOMADA DE CEUTA
EL REI D. JOÃO I
COMPOSTA POR
GOMES EANNES DE ZURARA
PUBLICADA POR ORDEM DA ACADEMIA DAS SCIÊNCIAS DE LISBOA,
SEGUNDO OS MANUSCRITOS N.<>' 368 E 355
DO ARQUIVO NACIONAL
FRANCISCO MARIA ESTEVES PEREIRA
ACADEMIA DAS SCIÊNCIAS DE LISBOA
Rua do Arco a Jesus, Ji3
LISBOA
Coimbra — Imprensa da Universidade — 191 5
17/6"
-^"^< ar^-^ r-i^-^^^c A>-^~^ i>^ r A^^-^'^í i^-*-^r *^-*-^
INTRODUÇÃO
A Crónica da tomada de Cepta é a narração da conquista da
mesma cidade por D. João I, rei de Portugal, efectuada em
21 de agosto de 141 5. Esta narração é a mais circunstanciada
e verídica que se conhece; e dela provêm todas as memórias e
noticias, que escreveram os escritores posteriores. Esta crónica
é a epopeia da primeira empreza cometida pelos Portugueses
além mar; nenhuma obra literária, escrita em lingua portuguesa
no século xv, a iguala em merecimento e valor estético; e a todas
excede pela regularidade da narração e pela eloquência dos dis-
cursos dos personagens ; nela sente-se por vezes perpassar um
sopro épico, inspirado pela grandeza do feito, que foi preparado
com grande cuidado e ponderação, efectuado com o maior valor e
constância, e coroado de maravilhosa felicidade. Para poder
avaliar-se a importância desta empreza seria necessário estudar
previamente os seguintes assuntos relativos ás condições da
cidade de Ceuta no principio do século xv:
I Descrição da cidade : situação geográfica ; descrição topo-
gráfica; edifícios notáveis; população;
II. História: fundação; dominadores; estado social;
VI
III. Importância política e comercial para os reinos de Fez e
■de Granada;
IV. Valor estratégico; fortificações; guarnição militar com
que era defendida ;
V. Interesse que Portugal tinha no seu domínio; razões que
determinaram a empreender-se a sua conquista ;
VI. Meios empregados para efectuar a conquista: exército
português, sua composição e armamento ; frota em que foi con-
duzido ; desembarque e assalto da cidade ;
VII. Meios de que se dispôs para manter a sua ocupação.
Como porém estes assuntos, pela sua importância e pelos
desenvolvimentos que demandam, devem ser objecto de memó-
rias especiais, nós limitar-nos hemos a fazer preceder a crónica
pelo esboço biográfico do seu autor, e pela descrição dos manus-
critos de que alcançamos notícia, e das impressões que dela se
fizeram até ao presente.
Lisboa, 21 de agosto de igiS.
Francisco Maria Esteves Pereira.
VIDA DE GOMES EANNES DE ZURARA
As notícias que se tem alcançado acerca da vida de Gomes
Eannes de Zurara, comendador da Ordem do Cristo, guar-
da-mór da Torre do Tombo e cronista dos reis de Portugal,
não foram conservadas em nenhuma obra especial, esprita por
autor contemporâneo ou de época próxima daquela em que êle
viveu; mas tem sido recolhidas cuidadosamente dos seus próprios
escritos, dos documentos relativos às mercês que lhe foram feitas
e aos cargos que exerceu, e dos testemunhos dos escritores do
século em que viveu ou seguinte, principalmente Mateus de
Pisano (i), um dos homens mais instruídos do seu tempo em
Portugal, mestre dei rei D. Afonso V, e contemporâneo de Zu-
rara, João de Barros (2), autor das Décadas da Ásia, e Damião
de Góes (3), insigne humanista, guarda-mór da Torre do Tombo
e cronista dos reis de Portugal. Nos séculos xvii e seguintes
(i) De bello Septensi, na Colecção de livros inéditos de história portuguesa, tomo i,
Lisboa, 1790, p. 26-27 ; Alexandre Herculano, História de Portugal, tomo i, Lisboa, 1846,
p. 9. Mateus de Pisano finou-se no mes de junho de 1466. (Chancelaria de D. Afonso V,
liv. 14, foi. 96, V. Cf. Sousa Viterbo, Cultura intelectual de D. Afonso V, no Arquivo
histórico português, tomo 11, p. 263.
(2) João de Barros, Dos feitos dos Portugueses na Ásia, dec. i, liv. i, cap. n, e dec. i,
liv. II, cap. I. I
(3) Damião de Góes, Crónica dei rei D. Manuel, Lisboa, 1749, quarta parte,
cap. xxxviii.
VIU
outros escritores trataram incidentemente da vida de Gomes
Eannes de Zurara, a saber: Nicolau António (i), Jorge Car-
doso (2), Diogo Barbosa Machado (3), João Pedro Ribeiro (4),
o Visconde de Santarém (5), Sousa Viterbo (6), Gama Barros (7),
D. Carolina Michaêlis e Teófilo Braga (8). Enfim no século xix
a vida de Gomes Eannes de Zurara foi assunto de artigos espe-
ciais de José Correia da Serra (9), Alexandre Herculano (10),
Vieira de Meireles (i i), Inocêncio Francisco da Silva (12), Sotero
dos Reis (i3), Rodrigues de Azevedo (14), João Manuel Esteves
Pereira e Guilherme Rodrigues (i5). Recentemente Edgar Pres-
tage (16), coordenando as noticias coligidas pelos escritores pre-
(i) Nicolau António, Bibliotheca Hispânica vetera, lib. lo, cap. xii, § 695 e segs.
(2) Jorge Cardoso, Agiologio Lusitano, tomo iii, Lisboa, 1666, p. 217.
(3) Diogo Barbosa Machado, Biblioteca Lusitana, tomo 11, Lisboa, 1747, p. 385 e 386.
(4) João Pedro Ribeiro, Memórias autênticas para a história do Real Arquivo, Lis-
boa, 18 19.
(5) Crónica do descobrimento e conquista de Guiné, Paris, 1841, p. viii a xii.
(6) Sousa Viterbo, Gomes Eanes d'A:furara, na Revista portuguesa colonial e ma-
rítima, vol. III, Lisboa, 1898, p. 817 a 826.
~ (7) Dr. Gama Barros, História da administração pública em Portugal nos sécu-
los XII a XV, Lisboa, i885, tomo 1, nota xiv, p. Sgô-Sgg.
(8) Geschichte der Portugiesischen Litteratur von Carolina Michaêlis de Vascon-
celos und Teófilo Braga, no Grundriss fiir Romanischen Philologie, Strassburg, 1897,
II Band, 2. Abt. p. 256-257.
(9) Colecção de livros inéditos de história portuguesa, (C. I. H. P.), publicados por
José Correia da Serra, tomou, Lisboa, 1792, p. 207-213.
(10) Alexandre Herculano, Gomes Eanes d' Azurara, em O Panorama, vol. m, Lis-
boa, iSSg, p. 25o e 25i ; Opúsculos, vol. v, p. 10-16.
(11) A. da C. Vieira de Meireles, Gomes Eanes d'Ajurara, em O Instituto, vol. ix,
Coimbra, 1861, p. 72-75 e 107-108.
( 1 2) Inocêncio Francisco da Silva, Dicionário bibliográfico português, tomo iii, Lis-
boa, 1859, s. V., p. 147-149.
(i3) Francisco Sotero dos Reis, Curso da literatura portuguesa e brasileira,
Maranhão, 1866, vol. i, lição xiv, p. 193 a 209.
(14) Rodrigues de Azevedo, Dicionário universal português, vol. i, Lisboa, 1882,
p. 2l50-2l52.
(15) Portugal, Dicionário histórico, corográfico, heráldico, biográfico, bibliográ-
fico^ numismático e artístico, por [J. M.] Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues, vol. i,
Lisboa, 1904, s. V, Azurara, p. 949 a 951.
(16) Edgar Prestage, Tlie life and writings of Atirara, em The Chronicle 0/ the
discovery and conquest of Guinea, vol. i, London, 1896, p. i a Ixvii, e vol. 11, London,
1899, p. 353 e 354.
cedentes, e ainda as que ele próprio alcançou depois de minu-
ciosas investigações no Arquivo Nacional, escreveu a vida de
Gomes Eannes de Zurara, narrando os sucessos da sua carreira
oficial, e indicou os escritos que lhe são atribuidos. No estudo
que se segue procuraram-se coordenar todas as notícias que
alcançamos, coligidas dos escritos do próprio Gomes Eannes de
Zurara, dos documentos em que se tem encontrado referências
aos actos da sua vida, e dos escritores precedentemente nomea-
dos, comprovando-as, rectificando-as e completando-as com os
resultados das mais recentes investigações.
Nome. — O nome, sobrenome e apelido encontram-se escri-
tos de diversas maneiras: Gomes (Gomez); Eannes (Eanes, e
anes); de Zurara (de zurara, da zurara, de Azurara).
A palavra Gomes (Gomez) tem a forma de um adjectivo pa-
tronímico, derivado de nome próprio de homem, e análogo a Vas-
ques (de Vasco), Telles (de Tello), Fernandes (de Fernando), etc.
O nome próprio de homem encontra-se em documentos do sé-
culo X com a forma Gomec (Doe. de 985, Dipl. 92), Gomece
(Doe. de 974, Dipl. 72), e do século xi com a forma Gomesius
(Foral de Guimarães, Leg. 35 i), e do século xiii (Doe. de 1220,
Inq. 75, 2.* classe, Dipl. 640). O apelido com a forma Gomez
encontra-se em um documento de 985 (Doe. da Sé de Coimbra,
Dipl. 92 e 202).
O sobrenome Eannes é o adjectivo patrohímico, derivado de
Johanne (lat. Johannes, gen. Johannis). Em alguns documentos
do século XV a palavra parece dividida em duas, e escrita e anes
ou e annes.
O apelido de Zurara indica a povoação donde a família era
natural. Em Portugal ha duas povoações, cujos nomes antigos
eram Zurara ; modernamente porem, talvês por se supor que
Zurara era um nome comum de significação conhecida, como
Porto, Povoa, Guarda, Covilhã, Figueira, etc., se disse a Zurara,
e depois Azurara. Atualmente uma das povoações do nome
Azurara (antigo Zurara), é freguezia de S. Maria, do concelho de
Vila do Conde, e situada a i quilómetro da mesma vila, na mar-
gem esquerda e junto da fós do rio Ave. Esta povoação é men-
cionada nas Inquirições sobre as honras e devassas dos julgados
do termo do Porto (i), como fazendo parte da freguezia de S. Sal-
vador de Pijdcllo do julgado da Maia na comarca d'entre Douro
e Minho (2). A outra povoação, antigamente chamada Zurara,
tem atualmente o nome de Quintella de Azurara, é freguezia de
S. João Batista, do concelho de Mangualde, e a 5 quilómetros
desta vila. No bispado de Vizeu, e comarca da Beira, havia
uma comenda da Ordem de Cristo, denominada Comenda de
S. Julião (ou de S. João) de Azurar, cujo rendimento era avaliado
em i584 em 2O0í!£)OO0 réis (3), e em 1614 em 429ÍP000 réis (4);
esta comenda era provavelmente situada perto da povoação
atualmente denominada Quintella de Azurara. No cimo de um
monte, perto de Mangualde, existem ainda as ruínas de um cas-
telo, que, segundo é tradição, foi antigamente habitado por um
mouro de nome Zurar, senhor da vila de Mangualde, e que do
mesmo mouro proveiu o nome de Azurar ou Azurara, que teve
o concelho de Mangualde, e pelo qual é designado nos forais que
lhe foram dados por D. Teresa, D. Dinis, e D. Manuel (5). E
possível que esta tradição tenha fundamento histórico, porque o
nome de Zurara foi usado como nome próprio de homem pelos
( 1 ) Corpus Cod. Latinorum et Portugalensium eorum qui in Archivo mwncipali Por-
tugalensi asservantur, Portucale, 1891, p. i53.
(2) No princípio do século xv os territórios da monarquia compreendiam o reino
de Portugal e o reino do Algarve; o reino de Portugal era dividido em cinco comarcas,
a saber : antre Douro e Minho, Trallos Montes, Beira, Estremadura, e antre Tejo e
Odiana. Veja-se : Fernão Lopes, Crónica dei rei D. Fernando, cap. Ivi; Fernão Lopes,
Crónica dei rei D. João /, primeira parte, cap. Ixviii ; Gomes Eannes de Zurara, Crónica
da tomada de Cepta, cap. xxviii.
(3) Livro em que se contêm toda a fajenda e real património dos reinos de Portu-
gal, índia e Ilhas adjacentes, por Luís de Figueiredo Falcão, Lisboa, iSíg, p. 225.
(4) Definições e estatutos dos Cavalleiros e Freyres da Ordem de N. S. Jesu
Christo, Lisboa, 1628, p. 244.
(5) Pinho Liai, Portugal antigo e moderno, vol. i, p. 29g-3oi.
árabes de Espanha (i); o mesmo nome de Zurara tinha uma
povoação do reino de Fez, situada perto de Arzila (2).
No presente estudo adotou-se para o nome a forma Gomes
Eannes de Zurara, porque é a que êle próprio escreveu por
extenso em uma nota de registo de documento (3), datada de 2
de novembro de 1456, e no traslado do foral de Alvares (4),
datado de 24 de abril de 1462; e a que se encontra nos mais
antigos manuscritos da Crónica da tomda de Cepta (cap. iii), da
Crónica da conquista de Guiné, (cap. xcvii), e a usada por João
de Barros (5) e Damião de Góes (6).
Filiação. — Gomes Eannes de Zurara foi filho de Johanne
Eannes de Zurara, cónego da sé de Coimbra e de Évora. Do
pai não se encontram outras noticias senão a menção do seu
nome e cargos em um documento (7) datado de 6 de fevereiro de
146 1, redigido verisimilmente segundo declarações prestadas pelo
próprio Gomes Eannes de Zurara. Nenhuma noticia a respeito
do cónego Johanne Eannes de Zurara se encontrou nos livros
das actas capitulares da sé de Coimbra, os quais começam em
145 1, nem no cartório da sé de Évora, porque o mais antigo
livro que existe das posses das dignidades desta sé começa em
I de dezembro de i 547, e os livros das atas são posteriores a
1450.
Na Chancelaria de D. Fernando (liv. i, foi. 72 v, -73, r) está
(i) Almacari, Analectes sur 1'histoire des Árabes d'Espagne, ed. Dozy, vol. i, p. 808.
(2) Anais de Arzila, vol. i, p. 47, 55, etc.
(3) Bula do Papa Calisto III, que principia Inter caetera, qiiae nobis, no Arquivo
Nacional, gaveta 7.", maço i3.°, n.° 7. A nota é : E foy esta letra aqui lamçada em
esta torre do tombo per nos Gomez e annes de Zurara comendador de pinheiro dapar
de ssantarem que he da dita bordem de ,lbú xpõ e cronysta de Portugall e guarda moor
da dita torre aos ij dias de nouembro do N." de xpõ do mjl e iiij<= Lbj annos.
(4) Doe. XIII.
(5) Dec. I, liv. I, cap. 11, e Dec. i, liv. 11, cap. i.
(6) Damião de Góes, Crónica dei rei D. Manuel, Lisboa, 1749, quarta parte,
cap. xxxviii.
(7) Doe. XI.
registada uma carta de legitimação de Maria Armes e de AfFonso
Annes, filhos de Johane Annes, cónego de Lisboa, e de Catalina
Afonso, datada de Lisboa de 20 de maio da era de 1408 annos
(iSyi J. C). Ainda que não ha nenhum fundamento para iden-
tificar o cónego da sé de Lisboa com o pai de Gomes Eannes de
Zurara, comtudo é possivel, que Johanne Eannes de Zurara pri-
meiro fosse cónego das sés de Coimbra e de Évora, depois exer-
cesse igual cargo na de Lisboa. E porém mais provável que os
dois Johanes Eannes fossem pessoas diferentes, e que o cónego
das sés de Coimbra e de Évora adotasse o apelido de Zurara
para se diferençar do cónego da sé de Lisboa.
Não consta que o cónego Johanne Eannes de Zurara perfi-
lhasse seu filho Gomes Eannes de Zurara.
O nome da mãe e a sua família não são conhecidos; mas em
razão do estado eclesiástico do pai, é de presumir que a mãe
fosse da classe burguesa, criada ou manceba do cónego Johanne
Eannes de Zurara.
Naturalidade. — Não é conhecida a terra natal de Gomes
Eannes de Zurara. Os seus biógrafos, fundando-se no apelido
de Zurara, supozeram que Gomes Eannes nascera em uma po-
voação daquelle nome. O mais antigo escritor, que faz menção
da terra natal de Gomes Eannes, é Soares de Brito (1611-1699)
no Theatrum Lusitaniae litterarium (i), e admite que Gomes Ean-
nes era natural de Azurara da diocese do Porto; e deste parecer
foi também Barbosa Machado (2).
O primeiro escritor que afirmou que Gomes Eannes era
natural de Azurara da Beira (Quintela de Azurara) foi José
Correia da Serra (3), fundando-se no facto de Gomes Ean-
nes ter solicitado dei rei D. Afonso V certos privilégios para
dois almocreves moradores na vila de Castelo Branco, que rece-
(i) Manuscrito da Biblioteca Nacional de Lisboa, U-4-22, p. 547.
(2) Biblioteca Lusitana, tomo n, p. 385.
(3) Colecção de livros inéditos de história portuguesa, Lisboa, 1792, tomo 11, p. 207.
biam as rendas das propriedades que Gomes Eannes ali possuia,
e as traziam para Lisboa, e que foram concedidos por carta
datada de 23 de agosto de 1454^, devendo as mesmas proprieda-
des ter pertencido à familia de Gomes Eannes (i). Deste pare-
cer foram também Vieira de Meireles e Rodrigues de Azevedo.
Deve porém observar-se que Quintela de Azurara é situada no
concelho de Mangualde, do distrito de Vizeu, na província da
Beira Alta, e não no distrito de Castelo Branco, na província da
Beira Baixa. As rendas, a que se refere o documento acima
citado, eram provavelmente provenientes das propriedades que
constituíam as comendas da Ordem de Christo, denominadas
Comendas de Alcains e da Granja do Ulmeiro, que Gomes Ean-
nes de Zurara desfrutava em 1454; por isso que as mencionadas
comendas eram efectivamente situadas no distrito de Castelo
Branco, na província da Beira Baixa.
Como o nome do pai de Gomes Eannes era Johane Eannes
de Zurara, isto mostra que de Zurara era apelido de família, que
fora tomado pelo mesmo Johane Eannes por ser natural de uma
povoação daquele nome, ou por algum dos seus ascendentes, não
podendo por isso ser indicativo da terra natal de Gomes Eannes.
Data do nascimento. — Não é conhecida a data do nascimento
de Gomes Eannes de Zurara; mas pode determinar-se com certa
aproximação.
Na Crónica da tomada de Cepta, acabada a 25 de março
de 1450 (cap. cv). Gomes Eannes de Zurara diz (cap. xxiv):
«E ajnda que naturallmente todollos homees depois que passam
as três primeyras hidades, doestam mujto aquelle tempo em que
ssom, dizemdo que elles uiram outro milhor mundo prasmando
aquelle presente . . . certamente nom sse pode esto emtemder em
mym, por quamto a minha hidade nom he semelhante aa daquelles
que disse.» Isto significa que Gomes Eannes de Zurara em 1450
não tinha ainda passado da terceira idade do homem.
(i) Doe. VI.
No Leal Conselheiro, composto por el rei D. Duarte, lê-se
(cap. i): «As idades som per muytas maneiras repartidas; mas húa
que põem os letrados, que bem me parece, chama ifancia ataa
sete annos, puericia ataa quatorze [annos], adollecencia ataa
vinte e um [annos], mancebia ataa cinquoenta [annos], velhice
ataa setenta [annos], senyum ataa oitenta [annos], e daly ataa fim
de vida decrepidue.» Não parece porém que Gomes Eannes de
Zurara se referisse a esta divisão da vida do homem por idades,
mas à divisão mais vulgar, atribuida a Galeno, que é como se
segue: «As idades do homem são cinco; a primeira idade se
chama infância ou puericia, e dura desde o nascimento até os
14 annos; a segunda se chama adolescência, e dura desde os
14 annos até os 25; a terceira se chama juventude ou mocidade,
e dura desde os 25 annos até os 40; a quarta idade se chama
virilidade, e dura desde os 40 annos até os 55; e a quinta se
chama senectude ou velhice, e dura desde os 55 annos até o fim
da vida.» (1)
E pois de presumir que a terceira idade, a que se referiu
Gomes Eannes de Zurara na passagem citada, seja a mocidade,
que decorre desde os vinte cinco anos até aos quarenta; e por
tanto êle não tinha ainda completado quarenta anos quando ter-
minou a Crónica da tomada de Cepta, isto é, em i45o; o que quer
dizer que tinha nascido depois de 1410. Por outra parte sabe-se
que Gomes Eannes de Zurara começou tarde a sua instrução
literária, isto é, provavelmente depois de ter passado a idade
pueril, a saber, depois dos quatorze anos ; e como a composição
da mesma crónica demonstra que o seu autor possuia uma adean-
tada cultura intelectual, conclue-se do seu modo de dizer, que
posto que não tivesse ainda completado quarenta anos, não estava
longe de ter esta idade. E pois provável que Gomes Eannes de
Zurara tenha nascido no segundo decénio do século xv, isto é,
entre 1410 e 1420, e pouco depois de 1410.
(1) O non plus ultra do lunario e pronostico perpetuo, composto por Jerónimo
Cortez, trad. de António da Silva de Brito, Lisboa, 1727, p. 5.
Criação e instrução literária. — São muito escassas as notícias
àcêrca da criação e instrução literária de Gomes Eannes de
Zurara.
Segundo diz Matheus de Pisano (i), Gomes Eannes de Zurara
chegou a idade madura sem ter nenhuma instrução literária ;
mas por estas palavras não deve entender-se senão que, quando
Gomes Eannes de Zurara começou a aprender a lêr e a escrever,
já tinha passado a idade, em que era costume receber-se esta
instrução, a saber, a infância ou puerícia, que dura até aos
quatorze anos.
E o próprio Gomes Eannes de Zurara que, em reconheci-
mento, deixou memória da pessoa a quem deveu a sua educação.
Na Crónica do Conde D. Pedro de Meneies, dirigindo-se a el rei
D. Afonso V, diz (part. i, cap. ii) (2): «Eu com melhor vontade
escrepvera juntamente com os outros vossos feitos, que sam assas
dinos de grande memoria, se quer por vos mostrar algum conhe-
cimento da longa criaçom e muita bemfeitoria, que per vossa
merçe, usando de vossa acostumada virtude, de vós recebi; caa
se algum saber em mim ha, posto que seja pequeno, com as
vossas migalhas o aprendi.» E na Crónica do Conde D. Duarte de
Meneses, dirigindo-se também a el rei D. Afonso V, diz (cap. i) (3):
«Ca se todos vossos naturaaes som theudos e obrigados de o
[vosso m.andado] cumprir e guardar, eu muito mais, cujas miga-
lhas me criarão e os benefícios alevantarão do poo em que
nasci.» ^ Enfim na Crónica da conquista de Guiné, dirigindo-se
também a el rei D. Afonso V, diz (cap. xcvii) (4) : «E porque vós,
muyto alto e muyto excellente Príncipe, . . . mandastes a mym
Gomez Eanes de Zurara, vosso criado e fectura . . . que fizesse
este livro.» De todas estas passagens resulta claramente que
Gomes Eannes de Zurara deveu a sua criação e instrução literá-
(i) Hic dum maturam jam aetatis esset, et nullam litteram dedicisset. (De Bello
Septensi, C. I. H. P., i, p. 26-27).
(2) C. 1. H.P.u,p. 219.
(3) C. I. H. P, III, p. 9.
(4) Crónica do descobrimento e conquista de Guiné, p. 462.
ria a el rei D. Afonso V, que o tirou de classe humilde; e o pró-
prio rei o confirma na carta datada de 6 de julho de 1454, pela
qual o nomeou guarda das escrituras do seu tombo (1), pelas pala-
vras: «polia muita criaçom que em elle temos fecto.»
É sabido que nos séculos xv e xvi os moços fidalgos recebiam
instrução literária no paço rial, onde lhe era ensinada a leitura,
escrita, gramática portuguesa, e provavelmente também da lín-
gua latina. Em uma memória sobre as mercês, que fez el rei
D. Afonso V, escrita por D. Vasco de Ataíde, Prior do Crato (2),
se diz que o mesmo rei «criou filhos de muy grandes fidalguos
em muy grande numero e com muyto amor e afeiçam ... de si,
asi em sua mesa como em sua camera.»
É pois de presumir, que Gomes Eannes de Zurara, sendo
ainda mancebo, fosse admitido no paço rial para ajudar o ser-
viço da guarda e conservação da livraria e cartório; e que el rei
D. Afonso V, sendo informado da boa disposição e natural incli-
nação dele para os estudos, o mandasse ensinar como os filhos
dos fidalgos, que eram instruídos no paço.
Alem das notícias precedentes nada mais se sabe àcêrca da
vida de Gomes Eannes de Zurara até ao ano de 1450; alguns
biógrafos afirmam que êle despendeu os primeiros anos da sua
mocidade no exercício das armas (3); mas é mais provável que
êle fizesse serviço na livraria e cartório do paço rial durante o rei-
nado dei rei D. Duarte e começo do reinado dei rei D. Afonso V,
como ajudante de Fernão Lopes, guarda mór da Torre do tombo
e cronista, a cujo cargo estava também a livraria rial (4).
Erudição literária. — As obras compostas por Gomes Eannes
de Zurara revelam pelas suas citações, que o seu autor possuia
grande erudição literária, pouco comum entre os homens que no
(1) Doe. V.
(2) Provas da história genealógica da Casa real Portuguesa, tomo 11, p. 22.
(3) Josá Correia da Serra, C. 1. H. P., 11, p. 208.
(4) E. Prestage, The li/e and writings of Azurara, p. v.
seu tempo viviam cm Portugal, e demonstram que os letrados do
seu país acompanhavam de perto o renascimento do estudo dos
escritores clássicos, iniciado na Itália e seguido na França e
Hespanha. Os conhecimentos literários de Gomes Eannes de
Zurara não eram provavelmente profundos, mas mostram-se
muito extensos; é de presumir que fossem adquiridos no convi-
vio com os mestres dos infantes, filhos dei rei D. Duarte, e pelo
estudo dos livros que havia na livraria rial, que teve a seu cargo;
estes livros eram na maior parte em latim, em que haviam sido
escritos ou traduzidos, por ser então a Hngua universalmente
usada pelos letrados de toda a Europa. Enfim o próprio Gomes
Eannes de Zurara diz que «ca eu que esta estoria escpreui, lij
muy gram parte das crónicas e liuros estoreaaes» (i).
E muito extensa a lista das obras e dos escritores citados por
Gomes Eannes de Zurara; são:
Da Biblia: o Pentateuco, Parahpomenos, Esdras e Macabeus;
os livros de Salomão e dos Profetas; os Evangelhos, as Epistolas ^^.i,
canónicas ; e o livro apócrifo Pastor de Hermas.
Dos antigos Santos Padres : S. João Crisóstomo, S. Gregório,
S. Jerónimo e S. Agostinho.
Dos Padres da idade média : S. Bernardo, S. Tomás de
Aquino, Alberto o Magno.
Dos escritores gregos : Homero, Hesiodo, Heródoto, Aristó-
teles, que muitas vezes designa somente pelo titulo de filósofo,
Josepho e Ptolomeu.
Dos escritores romanos : César, Tito Livio, Marco TuUio
Cicero, Ovidio, Salustio, Valério Máximo, Plinio, Lucano, os dois
Senecas, o trágico e o filósofo, e Vegecio.
Dos escritores da idade média : Paulo Orosio, Isidoro de Se-
vilha, Lucas de Tuy, Rodrigo de Toledo, Pedro d'Ailly (Petrus
de Alliaco ou Petrus Lombardus), Egidio, Frei Gil de Roma, João
Duns Scoto.
(i) Crónica da tomada de Cepta, cap. xxxix.
Dos escritores italianos : Dante, Bocacio e Marco Polo.
Dos escritores arábicos : o astrónomo Alfragan e Avicena.
Vê-se enfim das citações feitas por Gomes Eannes de Zurara,
que éle era lido nas crónicas e histórias da Hispanha e da França,
e nos romances de cavalaria, tanto em voga no seu tempo em
todas as cortes da Europa.
Noções de cosmografia. — Gomes Eannes de Zurara possuia
conhecimentos bastante completos dos sistemas geográficos anti-
gos, sobre tudo pelo que diz respeito ao continente de Africa.
Tem notícias dos estados da costa do norte de Africa desde o
Egito até à Barbaria ; do reino de Etiópia sob o Egito ; da ilha
de Meroe; do curso do rio Nilo; e cita as tentativas feitas na
antiguidade para descobrir as suas fontes, e as conjecturas apre-
sentadas para explicar as suas crescentes (i).
Noções de astrologia. — Gomes Eannes de Zurara, em três
passagens da Crónica da tomada de Cepta (cap. xlv, Ixviii e
Ixxxvii), concluída em 1450, dá aposição (longitude) do sole da
lua em dois dias do ano de 1415 ; assim:
141 5, julho, 18; falecimento da rainha D. Felipa : longitude
do sol, dois graus do signo de Leão, (4X So" + 2° = 122°)
[cap. xlv];
141 5, agosto, 21 ; tomada da cidade de Ceuta: longitude do
sol, seis graus do signo de Virgo (5 X So" + 6"= 1 56°) [cap. Ixviii
e Ixxxvii] ; longitude da lua, um grau do signo dos Gémeos (2 X
XSo^^- i°=5i<') [cap. Ixxxvii].
Seria bem interessante saber de que modo Gomes Eannes de
Zurara obteve estes dados ; na falta de provas directas, recorre-
remos a conjecturas. Segundo todas as probabilidades Gomes
Eannes de Zurara deduziu as mencionadas posições do sol e da
lua das taboas astronómicas, que Isaac ibn Sid, de Toledo, redi-
(i) Veja-se Crónica da conquista de Guiné, cap. ii, iv, vui, lix, lxi, lxii e lxxvii.
giu cm 12 52 por ordem de D. Afonso X, rei de Castela ; ou ainda
das taboas astronómicas, que Jacob Carsono (ai-Carsi) calculou
por ordem de D. Pedro IV, rei de Aragão (i336 a i386)(i).
Umas e outras eram usadas pelos astrólogos da península hispâ-
nica nos séculos xiii, xiv e xv ; mas inclinamo-nos a acreditar que
Gomes Eannes de Zurara fez uso das Taboas Alfonsinas, por isso
que as eras mencionadas por êle nos cap. Ixxxvii e cv da Crónica
da tomada de Cepta são as mesmas que são dadas no começo das
Taboas Alfonsinas e pela mesma ordem ; somente é de notar que
a era de Diocleciano, que começou no ano de 284 de J. C, men-
cionada nas Taboas Alfonsinas, foi substituída, nos dois capítu-
los indicados da Crónica da tomada de Cepta, pela era de Alimus
ou Acimus (Anianus?), que começou no ano de 444 de J. C.
Nenhuma das taboas astronómicas, acima indicadas, é mencio-
nada no catálogo dos livros do uso dei rei D. Duarte; comtudo
este rei parece ter conhecido as Taboas Alfonsinas, porque no
Leal Conselheiro (cap. xxvii) se exprime assim : «E aqucl honrado
rei Dom Afonso estrollogo quantas multidões fez de leituras.»
Deve observar-se que as Taboas Alfonsinas não dão imediata-
mente a posição (longitude) do sol ou da lua em um determinado
dia; mas é necessário efectuar alguns cálculos; do que resulta
que Gomes Eannes de Zurara tinha noções bastante extensas de
cosmografia, e sabia efectuar os cálculos para deduzir dos dados
das taboas a longitude do sol, da lua e dos planetas em um
determinado dia.
Gomes Eannes de Zurara não conhecia as taboas astronómi-
cas por mera curiosidade, nem sabia o seu uso somente por
gosto especulativo; mas cultivava a astrologia, que tanto crédito
gosava no seu tempo e ainda depois. Mateus de Pisano infor-
ma, que Zurara era notável astrólogo (nobilis astrologus) (2). É
(i) Gomes Eannes de Zurara não deduziu os dados astronómicos das taboas do
Almanach perpetiium de Abraham Zacuto, porque esta obra foi composta em Sala-
manca pelos anos de 1473 a 1478, e impressa pela primeira vez em Leiria em 1496, em
Jatim.
(2) De bello Septensi, C. I. H. P., i, p. 2G e 27.
de presumir que os seus conhecimentos de astrologia tenham sido
adquiridos pelo estudo da famosa obra de Cláudio Ptolomeu,
Opus quadripartitum de astroriim judiciis (i). Da predilecção que
Gomes Eannes de Zurara tinha pela astrologia, se encontram
evidentes testemunhos nas suas obras: i." o horoscópio do in-
fante D. Henrique, explicado na Crónica da conquista de Guiné
(cap. vii); 2° a predição da perdurável memória da empreza diri-
gida contra a cidade de Ceuta, que faz dizer a Frei João Xira no
sermão que pregou em Lagos, conforme se lê na Crónica da
tojnada de Cepta (cap. liii); 3." os razoamentos, que atribue a
Azmede ben Filha, almocadem mayor de Tunes, predizendo a
destruição da terra de África (Barbaria), expostos na Crónica da
tomada de Cepta (cap. Iviii) (2). E não se deve estranhar o inte-
resse de Gomes Eannes de Zurara pela astrologia, porque é bem
sabido que esta sciência gosava de grande crédito nas cortes de
Castela, de Aragão e de Portugal, nos séculos xiii, xiv e xv, posto
que alguns homens esclarecidos não acreditavam nas influências
siderais, como mostrou el rei D. Duarte, que na hora, em que
havia de ser levantado como rei, sendo avisado por mestre Gue-
delha (Guedalya), judeu, seu físico e grande astrólogo, de que era
conveniente sobrestar no mesmo auto, em razão de não serem
favoráveis as constelações dominantes naquela hora, o mesmo
rei respondeu, que tal não faria, para não parecer que nele havia
falta de fé e de esperança em Deus (3).
Crónica da tomada de Cepta. — El rei D. Afonso V, ao tempo
em que começou a governar o reino (1448), como soube que
as memórias dos feitos dei rei D. João I, seu avô, não tinham
(i) Visconde de Santarém, introdução da Crónica do descobrimento e conquista
de Guiné, p. ix e x; E. Prestage, The li/e and writings of Azurara, p. xlvii e xlviii.
(2) Outras alusões relativas à crença nas influências siderais se encontram nas
obras de Gomes Eannes de Zurara, a saber : Crónica da tomada de Cepta, cap. xxxv,
xxxvii e Iviiii ; Crónica da conquista de Guiné, cap. xxviii ; e Crónica de D. Duarte de
Meneses, cap. xxxiv.
(3) Rui de Pina, Crónica dei rei D. Duarte, cap. ii.
sido acabadas de escrever, e considerando que com o decorrer
do tempo se perderia a lembrança deles, mandou a Gomes Ean-
nes de Zurara que inquirisse os feitos tão notáveis daquele rei, e
deles fizesse memórias para servirem quando se houvesse de
escrever a sua crónica (i).
Os feitos dei rei D. João I, até ao tempo em que se tratou de
fazer a paz com Castela, que se celebrou em 141 1, tinham sido
escritos em crónica por Fernão Lopes, o qual não pode conti-
nuar o trabalho por ser de muita idade e doente. Gomes Ean-
nes de Zurara escreveu em uns cadernos as memórias dos feitos
do mesmo rei a partir de 141 1, que foi a época em que se come-
çaram os preparativos para a empreza da tomada de Ceuta ; e
por isso foi desta empreza que principalmente se ocupou como o
feito mais notável do último período da vida do mesmo rei. A
Crónica da tomada de Cepta foi começada a escrever trinta e
quatro anos depois da conquista da mesma cidade, isto é, em
1449 (2); e foi concluída na cidade de Silves a 25 de março de
1450 (3).
O prazo de dois anos, quando muito, que Gomes Eannes de
Zurara despendeu em escrever esta crónica, tem parecido es-
casso (4), se se considera a extensão da mesma crónica, a minu-
ciosidade com que são narrados alguns sucessos, e a forma polida
e correcta da narração; isto faz presumir que antes de 1449 tives-
sem sido escritas por êle ou por algum letrado (5) breves memó-
rias, que Gomes Eannes de Zurara, naqueles dois anos, desenvol-
veu, relificou e completou. Deve porém observar-se que a obra
composta por Gomes Eannes de Zurara não foi considerada por
(i) Crónica da tomada de Cepta, cap. iii.
(2) Ibidem, cap. ii.
(3) Ibidem, cap. xcvii.
(4) Inocêncio Francisco da Silva, Dicionário bibliográfico português, tomo iii,
p. 147 ; Edgar Prestage, TJie li/e and writings of Azurara, p. viii.
(5) Veja-se o que Fernão Lopes diz na Crónica dei rei D, Fernando (cap. ilvii) a
respeito de Martim Afonso de Melo, e Gomes Eannes de Zurara na Crónica da con-
quista de Guiné (cap. xxxii) a respeito de Afonso Cerveira.
ele mesmo senão como memórias auxiliares, que haviam de servir
para a composição da crónica, sendo sua tenção de acrescentar
ou diminuir as mesmas memórias em quaisquer logares que ao
deante se julgasse que o mereciam por verdadeiro juízo (i).
El rei D. Afonso V não se contentou de mandar somente a
Gomes Eannes de Zurara, que escrevesse os gloriosos feitos dei
rei D. João I, seu avô; mas ainda encarregou Mateus de Pisano,
que tinha sido seu mestre, e que era, segundo diz Gomes Eannes
de Zurara, «poeta laureado e hum dos suficientes filósofos e ora-
dores, que em seus dias concorreram na chóstandade», que os
posesse por escrito na lingua latina (2), evidentemente com o fim
de tornar conhecidos tão memoráveis feitos entre as nações
estrangeiras. Para esse efeito Mateus de Pisano compoz em
latim a obra conhecida peio título de Livro da Guerra de Ceuta,
em que se refere a tomada da mesma cidade. Esta obra é um
sumário evidentemente extraído das memórias que já tinha escrito
Gomes Eannes de Zurara, e estava concluída pelos anos de
1460 (3).
E bem de notar que a conquista da cidade de Ceuta, apesar
de ter tomado parte nela el rei D. João I, e os infantes D. Duarte,
D. Pedro e D. Henrique, seus filhos, e a principal nobrezia do
reino, não foi assunto de nenhuma composição dos poetas do
século XV. A única referência à mesma empreza, de que temos
notícia, que seja dada nos escritos dos poetas do século xv,
encontra-se na Tragedia de la insigne reyna Doiía Ysabel, com-
posta por, D. Pedro, condestavel de Portugal e depois rei de Ara-
gão, falecido em 1466; a passagem é como se segue: «Aquel
glorioso rey que la su espada tan duramente íiso sentir a los
Castèllanos, e los sus grandes exércitos passo en las partes de
Africa, ganando a los Ysmaelitas la noble çibdat de Cepta (4).»
(i) Crónica da tomada de Cepta, cap. iii.
(2) Crónica do Conde D. Pedro, cap. i.
(3) De bello Septensi, C. I. H. P., i, p. 3.
(4) D. Carolina Michaelis ;de Vasconcelos, Uma obra inédita do Condestavel de
Portugal D. Pedro, na Homenaje à Menendej y Pelayo, tomo i, Madrid, 1899, p. 698.
o Cancioneiro Geral, coligido por Garcia de Resende, não
contem nenhuma trova alusiva ao glorioso feito da tomada da
cidade de Ceuta ; nem se encontra alusão alguma ao mesmo feito
no Cancioneiro General de Hernando de Castillo, nem nos de
Baena e de Stuniga.
Subsídios e testemunhos empregados na composição da Cró-
nica da tomada de Cepta. — O infante D. Pedro, segundo filho
dei rei D. João I, compoz uma obra de filosofia moral, que tem
por titulo Virtuosa bemfeitoria, a qual dedicou a seu irmão o
infante D. Duarte, depois rei. O infante D. Pedro foi ajudado
no acabamento da mesma obra pelo licenciado frei João Verba,
seu confessor; e a obra estava concluída antes de 14 de agosto
de 1433, em que faleceu D. João I. A mesma obra fez parte da
livraria dei rei D. Duarte e da de D. Afonso V; e posteriormente
existia na livraria do Mosteiro da Cartuxa de Évora. Atualmente
ha noticia de quatro manuscritos desta preciosa obra: i.° o ori-
ginal em códice de pergaminho na biblioteca municipal de Vizeu;
2.° cópia em códice de pergaminho, em formato de fólio, de
letra ao século xv, na livraria da Academia Rial de História
de Madrid; 3.° cópia em livro de papel, de letra do século xix,
na biblioteca da Academia das Sciências de Lisboa; 4.° cópia em
livro de papel, de letra do século xix, na Biblioteca pública mu-
nicipal do Porto. A Virtuosa bemfeitoria foi publicada pela Câ-
mara Municipal do Porto, em 19 10, na Colecção de manuscritos
inéditos.
A Virtuosa bemfeitoria é dividida em seis livros, e cada um
deles em diversos capítulos. No livro terceiro trata-se do modo
como se deve pedir; o capítulo v tem por título : em que se mos-
tra que a Deus devemos oferecer nossas petições; e o vi : ejii que se
mostra que havemos de rogar aos santos por nossas petições. Estes
dois capítulos foram adaptados por Gomes Eannes de Zurara à
sua Crónica da tomada de Cepta, transcrevendo-os verbalmente,
e quási completamente, no capítulo primeiro que serve de pró-
logo à mesma crónica (i). Este facto explica-se facilmente, por-
que Gomes Eannes de Zurara teve a seu cargo a livraria dei rei
D. Afonso V; mas demonstra também o alto conceito em que a
Virtuosa bemfeitoria era tida na corte depois da morte do infante
D. Pedro, por isso que o cronista tomou dela dois capítulos para
servirem de prólogo à Crónica da tomada de Cepta, que escrevia
por ordem dei rei D. Afonso V.
O próprio Gomes Eannes de Zurara declara no capítulo iii
da Crónica da tomada de Cepta, que compoz esta obra segundo
as memórias que lhe foram contadas por pessoas autorizadas,
que assistiram aos conselhos e tomaram parte na execução da
empreza, principalmente dos infantes D. Pedro e D. Henrique.
Esta notícia, e outras espalhadas pelo decurso da obra, fazem
crer, que, se a forma literária da Crónica da tomada de Cepta
é devida a Gomes Eanni^s de Zurara, as notícias que contem,
dos conselhos havidos para a sua deliberação, das medidas
tomadas na sua preparação, e dos factos da sua realização, per-
tencem ao infante D. Henrique. E é bem de presumir que este
infante, no último quartel da sua vida, passando a maior parte
do tempo no Algarve, ocupado nas expedições marítimas do des-
cobrimento da costa ocidental de África, se comprazeria de recor-
dar os gloriosos feitos dei rei D. João, seu pai, e os de seus
irmãos os infantes D. Duarte e D. Pedro, e os seus, da sua moci-
dade, do começo da sua cavalaria, na preparação e realização
da tomada de Ceuta, e talvez ditá-los ao cronista.
Outra obra, de que Gomes Eannes de Zurara se aproveitou
para a composição da Crónica da tomada de Cepta, foi o Leal
Conselheiro, escrito por el rei D. Duarte. Com efeito a notícia
da doença, que D. Duarte, sendo ainda infante, sofreu, quando
tinha vinte e dois anos, e el rei seu pai o encarregou do conse-
lho, da justiça e da fazenda, dada por Gomes Eannes de Zurara,
é extratada daquela que o próprio D. Duarte escreveu, como se
(l) Doe. XKXII.
pode verificar comparando a parte correspondente do capí-
tulo xxix da Crónica da tomada de Cepta com a do capítulo xix do
Leal Conselheiro, que ali é citado.
A notícia, contida no capítulo xiii do Leal Conselheiro, rela-
tiva ao conselho feito por el rei D. João I, quando estava na
Ponta do Carneiro, entre Gibraltar e a Aljazira, e à deliberação
do mesmo rei, serviu claramente a Gomes Eannes de Zurara para
escrever o que sobre o mesmo assunto diz nos capítulos Ixii e
Ixiii da Crónica da tornada de Cepta.
Cavaleiro da casa dei rei, e mercê da tença de seis mil reais
brancos — Por carta datada de 29 de março de 1451, el rei
D. Afonso V fez mercê a Gomes Eannes de Zurara, que chama
cavaleiro da sua casa e seu cronista, da tença de seis mil reais
brancos em cada ano, a partir do primeiro de janeiro do mesmo
ano, pagos da sua fazenda (i). Não se sabe a data, em que foi
nomeado cavaleiro da casa dei rei; e o seu nome não se encon-
tra no Livro das moradias da casa do senhor rey D. Afonso V{2),
que foram desde 1462 a 1481 ; mas a omissão do seu nome neste
livro pôde explicar-se, ou porque a mercê já tinha sido substi-
tuída por outra mais rendosa, como adeante se verá; ou, o que é
mais provável, porque Gomes Eannes de Zurara, não sendo
fidalgo, não era contado em o número dos «cavaleiros fidalgos m.
Cargo da livraria real. — Rui de Pina, na Crónica dei rei
D. Afonso V, diz (3) que este «foy o primeiro Rey destes regnos,
que ajuntou bóos liuros e fez liuraria em seus paços.» Pedro Ma-
ris nos Diálogos de vária história transcreve (4) quási textual-
mente as mesmas palavras. Parece que pelas palavras de Rui
da Pina se deve entender que el rei D. Afonso V reuniu conside-
(i) Doe. II.
(2) Provas da historia genealógica da Casa Rial Portugueja, tomo 11, p. 23-48.
(3) Rui de Pina, Crónica dei rei D. Afonso V, cap. ccxiii, na C. /. H. P., tomo i,
p. 608.
(4) Pedro Maris, Diálogos de vária história, Coimbra, ifgS, foi. igS, v.
rável número de livros escolhidos, e instituiu nos seus paços uma
livraria, que podiam fieqúentar as pessoas da corte mais afei-
çoados aos estudos (i). Esta livraria foi estabelecida nos paços
reais do castelo da cidade de Lisboa, e nela havia mesas para
facilitar a leitura (2).
Da guarda e conservação da livraria real foi dado o cargo a
Gomes Eannes de Zurara por um alvará, cuja data não é conhe-
cida, mas que foi antes de 14 de Julho de 1451, em que se pas-
sou carta de quitação a Joham Rodrigues de Carvalho dos dinhei-
ros que recebeu em Bruges, entre os quais eram vinte e uma
libras e cinco soldos por cem dúzias de pergaminhos respança-
dos, que entregou a Gomes Eannes de Zurara para os guardar na
livraria dei rei, que estava na cidade de Lisboa (3). Nesta livra-
ria havia escrivães de livros e iluminadores para fazer cópias de
livros em pergaminho de preparação especial e de letra gótica ou
francesa, e alguns com finas iluminuras a cores e ouro. Entre os
escrivães de livros é mencionado Joham Gonçalves (4), escudeiro,
que parece ter sido antes escrivão de livros do infante D. Pedro,
e com o qual esteve na batalha de Alfarrobeira, sendo depois
perdoado, e restituindo-se-lhe umas casas que possuia em Lis-
boa (5); 1 entre os iluminadores menciona-se Gonçalo Eanes, cré-
ligo, capelão e iluminador de livros, a quem el rei D. Afonso V
fez mercê de 5.916 reais brancos por ano, pela carta de 3 de Julho
de 1452 (6).
Comendador da Ordem de Cristo. — Gomes Eannes de Zurara
foi comendador da Ordem de Cristo.
(i) Sousa Viterbo, A livraria rial, p. 3.
{2) Doe. III ; Sousa Viterbo, A livraria rial, p. 3.
(3) Doe. III.
(4) Gomes Eannes de Zurara, Crónica da conquista de Guiné, cap. xcvii.
(5) Sousa Viterbo, A livraria rial, p. 4; Chancelaria dei rei D. Afonso V, liv. 11,
foi. 121 V., e liv. 37, foi. 45 V.
(6) Sousa Viterbo, A livraria rial, p. 5; Chancelaria dei rei D. Afonso V, liv. 12,
foi. 95 V.
XXVII
A Ordem militar de N. S. Jesus Cristo foi instituída a solici-
tações dei rei D. Denis por bula do Papa João XXII, de 14 de
março de iSig (i); os cavaleiros professavam as observâncias da
regra e ordem de Calatrava (2); e os bens, que lhes tinham sido
doados, foram divididos em comendas, como consta de um instru-
mento datado de 11 de junho de i32i (3). Estas disposições du-
raram até ao ano de 1449, em que D. João, bispo de Vizeu, por
comissão do Papa Eugénio IV, e a instâncias do infante D. Hen-
rique, que então era governador da Ordem e seu administrador,
a reformou, e fez nova regra e novas definições (4) ; e estas se
usaram até o ano de i5o3, em que se fizeram outras em capítulo
geral por ordem dei rei D. Manuel, que era então o governador
da Ordem (5).
Não constam da regra e definições da Ordem de Cristo, esta-
belecidas pela reformação de 1449, as condições a que deviam
satisfazer aqueles que pertendiam ser recebidos na Ordem; mas
é porem de crer que não seriam muito diversas das que se assen-
taram no Capítulo geral da Ordem celebrado em i 5o3 ; no qual
se estabeleceu que para um homem ser recebido na Ordem, poder
ter comenda e ser mestre, havia de ser fidalgo ou escudeiro conhe-
cido por bom, não ter menos de quinze anos nem mais de cin-
coenta, e não ser aleijado nem fraco que não podesse tomar
armas (6). A entrada para a Ordem era feita por ordenança e
mandado do mestre ou governador (7).
Não se sabe o ano em que Gomes Eannes de Zurara foi rece-
(i) Definições e estatutos dos Cavaleiros e Freires da Ordem de N. S. Jesu Cristo,
Lisboa, 1628, p. 54.
(2) Ibidem, p. 54 e 58.
(3) Publicado por António Eduardo Baião no Arqueólogo Português, tomo xiv,
p. 1S7-164.
(4) Definições e estatutos, p. 58.
(5) A regra e deffiniçoões da ordem do mestrado de nosso Senhor Jhu xpõ, (i5o3),
paleotipo da Biblioteca Nacional de Lisboa, reservado n." 127; e paleotipo do Arquivo
Nacional.
(6) Ibidem, cap. viii.
(7) Ibidem, cap. lix.
bido na Ordem de Cristo, porque até i 5o3 não havia livro de ma-
trícula dos cavaleiros e comendadores (i), e se perderam os docu-
mentos do cartório da Ordem anteriores ao começo do século xvi;
sabe-se porém que elle deveu a sua entrada para a Ordem a
mercê dei rei D. Afonso V (2).
Em um documento datado de 1 4 de julho de 1 45 2 (3) e em outro
de 17 de julho do mesmo ano (4), Gomes Eannes de Zurara é cha-
mado comendador de Alcains; em outro de 23 de agosto de
1454(5) é denominado comendador de Alcains e da Granja do
Ulmeiro; e em outro de 9 de agosto de 1459 (6), é denominado
comendador do Pinheiro Grande e da Granja do Ulmeiro. Parece
resultar, destes documentos que elle resignou a comenda de Alcains,
recebendo em troca a de Pinheiro Grande.
Alcains é uma freguezia do orago de N. S. da Conceição,
situada a 12 quilómetros de Castelo Branco, e do concelho da
mesma cidade. A comenda de Alcains pertencia ao bispado da
Guarda; o seu rendimento em i58o foi avaliado em 104ÍÍ1000 réis
cada ano (7).
Pinheiro Grande é uma freguezia do orago de Santa Maria,
situada a 5 quilómetros da Chamusca, e do concelho desta vila.
A comenda do Pinheiro Grande pertencia ao arcebispado de Lis-
boa; e em 1628, segundo avaliação feita muitos anos antes, ren-
dia 55oííooo réis cada ano (8).
Granja do Ulmeiro é uma freguezia do orago de S. Gabriel,
(i) A regra e deffimçoóes da ordem do mestrado de nosso Senhor Jhu xpó, (i5o3),
paleotipo da Biblioteca Nacional de Lisboa, reservado n.° 127, e paleotipo do Arquivo
Nacional, cep. lix.
(2) Per vossa mercee cavalleiro e comendador da Ordem de Xpõ. (Crónica da con-
quista de Guiné, cap. xcvii, p. 462).
(3) Doe. III.
(4) Doe. XXX.
(5) Doe. VI.
(6) Doe. VIII.
(7) Definiçõss e estatutos, p. 242; Luís de Figueiredo Falcão, Livro em que se con-
tem toda a fazenda e rial património, Lisboa, iSíg, p. 280, n." 221.
(8) Definições e estatutos, p. 236 ; Livro em que se contem toda a fazenda e rial pa-
trimónio, p. 240, n.° 843.
situada a i 5 quilómetros de Soure, e do concelho desta vila. A
comenda da Granja do Ulmeiro pertencia ao bispado de Coim-
bra, e o seu rendimento em i582 foi avaliado em iSoííooo réis
cada ano (i).
Crónica da conquista de Guiné. — No ano de 1452 el rei
D. Afonso V, estando na cidade de Lisboa, disse a Gomes Eannes
de Zurara, que desejava muito vêr postos em escrito os feitos do
infante D. Henrique seu tio; e ordenou-lhe que procurasse saber
com grande verdade a maneira de sua virtuosa vida e o pro-
cesso dos seus memoráveis feitos (2). Gomes Eannes de Zurara,
com as informações que obteve de pessoas que ainda então vi-
viam, e que tinham servido o infante D. Henrique (3), e com as
memórias que sobre as navegações, promovidas pelo mesmo in-
fante, tinha escrito Afonso Cerveira (4), compoz a obra que tem
por titulo Cróinca da conquista de Guiné. Depois de concluída
a obra foi feita uma cópia em pergaminho por Joham Gonçal-
ves, escrivão de livros dei rei D. Afonso V, a qual foi terminada
na livraria do mesmo rei em 18 de fevereiro de 1453 (5); e Go-
mes Eannes de Zurara enviou a el rei a mesma cópia, ilustrada
com o retrato do infante D. Henrique (6), com a sua carta de 23
de fevereiro de 14-5 3 (7).
Guarda mór da Torre do Tombo. — No tempo dei rei D. João I
a guarda do cartório das escrituras do reino, que era estabele- t'^-**^*-'
(i) Definições e estatutos, p. 263 ; Livro em que se contem toda a fazenda e rial pa-
trimónio, p. 235, n." 281.
(2) Doe. IV ; Crónica da conquista de Guiné, cap. i, p. 3.
(3) Crónca da conqusta de Guiné, cap. xxx, p. i56, e cap. xxxaii, p. lyS.
(4) Idem, cap. xxxii, p. i65, e p. xii.
(5) Idem, cap. lrvii, p. 463.
(6) O manuscrito está depositado atualmente na Biblioteca Nacional de Paris, e
serviu para a sua publicação da mesma crónica feita pelo Visconde de Santarém, em
Paris, em 1841 ; esta impressão é acompanhada do facsimile do retrato do infante
D. Henrique e da carta de Gomes Eannes de Zurara a el rei D. Afonso V.
(7) Doe. IV.
eido na Torre do Tombo no castelo da cidade de Lisboa, estava a
cargo dos oficiais da fazenda real, como se vê pela carta de 22 de
dezembro de 141 1, pela qual o mesmo rei ordenou com o fim de
melhor guarda das escrituras, que os traslados delas se dessem
por cartas feitas em seu nome pelos escrivães, que escreviam as
mesmas escrituras (i). Parece que depois, talvez no reinado dei rei
D. Duarte, o mesmo cartório passou a estar a cargo de um oficial
próprio, que era denominado guarda mór da Torre do Tombo.
Fernão Lopes, que fora escrivão da puridade do infante
D. Fernando (2), e homem de grande saber e autoridade (3), era
no tempo dei rei D. Duarte o guarda das escrituras do reino,
que estavam na Torre do Tombo, no castelo da cidade de
Lisboa; e foi encarregado pelo mesmo rei de pôr em crónica
as histórias dos reis que antigamente foram em Portugal, assim
como os grandes feitos dei rei D. João I; e em i534 o mesmo
rei, atendendo a que Fernão Lopes já tinha dispendido muito
trabalho nas mesma obra, e ainda havia de trabalhar muito,
lhe fez mercê da tença de 14^5000 reais, para seu mantimento, em
cada ano, em todos os dias da sua vida desde o primeiro dia de
janeiro do mesmo ano, pagos aos quartéis do ano pelo seu tesou-
reiro de Lisboa. ^A carta desta mercê foi dada em Santarém a
c . ... 19 de março de 1484; e depois confirmada por el rei D. Afonso V
'^*****^'**T*ah.^ por carta de 3 de junho de 1489 (4). O mesmo rei D. Afonso V,
. ç^ ç^ em atenção aos grandes trabalhos, que Fernão Lopes tinha
' ^ ^ * tomado e ainda havia de tomar para fazer as crónicas dos
reis de Portugal, lhe poz de mantimentos 5oo reais em cada
mês, durante toda a sua vida, pagos pela portagem da cidade de
Lisboa. A carta desta mercê foi passada em Lisboa a 1 1 de
janeiro de 1449 (5).
(i) Doe. i; Correia da Serra, C. I. H. P., tomo 11, p. 20S.
(2) Testamento do infante D. Fernando, na Crónica de D. João I, parte primeira,
ed. Braamcamp, p. lii, e Crónica da tomada de Cepta, cap. iii.
(3) Crónica da tomada de Cepta, cap. iii.
(4) Doe. xxviii.
(5) Damião de Góes, Crónica dei rei D. Manuel, quarta parte, eap. xxxviii, (doe. xxix).
Em 1454, Fernão Lopes era já tão velho e fraco, que por si
não podia bem servir o ofício de guarda das escrituras da Torre
do Tombo; e por isso el rei D. Afonso V, com o aprazimento do
próprio Fernão Lopes, confiando de Gomes Eannes de Zurara
pela muita criação que nele tinha feito, e pelo serviço que dele
tinha recebido e esperava receber, deu o cargo de guarda das
escrituras da Torre do Tombo ao mencionado Gomes Eannes de
Zurara com todos os direitos e proventos que pertenciam ao
cargo, e pelo modo que o tinha tido Fernão Lopes. A carta
desta mercê foi passada em Lisboa a 6 de junho de 1453 (i).
Isenções concedidas a Garcia Annes e Afonso Garcia. — Em
1454 Gomes Eannes de Zurara representou a el rei D. Afonso V,
que elle recebia e esperava receber serviço de Garcia Annes e
Afonso Garcia seu filho, almocreves e moradores na vila de Cas-
telo Branco, por lhe arrecadarem suas rendas, procurarem suas
cousas e lh'as trazerem para Lisboa, pelo que lhe pedia que lhes
concedesse alguns privilégios. El rei, atendendo ao seu pedido,
privilegiou os mencionados Garcia Annes e Afonso Garcia, em
quanto Gomes Eannes de Zurara se houvesse por servido deles,
isentando-os do serviço rial, do dos infantes e de outras quais-
quer pessoas, determinando que lhes não tomassem contra sua
vontade suas casas de morada, adegas ou cavalariças para serem
dadas a outras pessoas para aposentadoria. A carta desta mercê
foi passada em Lisboa a 23 de agosto de 1454 (2).
Traslado do foral de Miranda. — El rei Dom Diniz deu foral
à vila de Miranda, em Santarém a 18 de dezembro da era de 1 324
(1286 de J. C.). No melado do século xv parece que se tinha
extraviado o original do foral; pelo que os moradores da mesma
vila solicitaram um traslado do seu registo na Torre do Tombo;
(i) Doe. V.
(2) Doe. VI.
o traslado foi passado, é datado de i6 de fevereiro de i556, e é
assinado por Gomes Eannes de Zurara (i).
Registo da Bula: Inter caetera. — O Papa Calisto III, pela
bula que começa pelas palavras : Inter caetera, dada em Roma a
3 de março de 1455, outorgou e concedeu à Ordem de Cristo o
espiritual de todas as ilhas desde o Cabo de Bojador e de Não
por toda a Guiné até à índia, assim já adquiridas, como de todas
as que depois se adquirissem, determinando que o descobrimento
daquelas partes não podesse ser feito senão pelos reis do Portu-
gal, confirmando juntamente as bulas de Martinho V e de Nico-
lau V sobre o mesmo assunto. No transunto da mesma bula
do Papa Calisto III, existente no Arquivo Nacional (Torre do
Tombo), gaveta 7.", maço i3, n." 7, foi lançada no verso da folha
a seguinte verba:
«E foy esta letra aqui lamçada em esta torre do tombo per
nos Gomez e annes de Zurara comendador de pinheiro dapar de
Santarém que he de dita hordem de Jhú xpõ e cronysta de por-
tugall e guarda moor da dita torre aos ij dias de nouembro do N."
de xpõ de mil e iiij" Lbj anos.»
Esta verba é muito interessante por ser de letra do próprio
Gomes Eannes de Zurara, e conter o seu nome próprio escrito
por extenso.
Mercês que lhe foram feitas em i45g. — El rei D. Afonso V
era muito liberal e generoso, e fazia muitas mercês aos seus ser-
vidores (2).
El rei D. Afonso V, por cana dada em Cintra a 7 de agosto
de 1459, fez mercê a Gomes Eannes de Zurara, comendador da
Ordem de Cristo, seu cronista, e guarda mór da Torre do
Tombo, da receita de 1 235000 reais brancos em cada ano, a par-
(i) Arquivo Nacional, gaveta i5, maço i3, número 21.
(2) Pedro Mariz, Diálogos de vária história, Coimbra, iSgS, foi. 184, r.
tir de I de janeiro de 1460, emquanto êle vivesse, a qual quantia
já recebia da fazenda rial(i).
O mesmo rei D. Afonso V, por carta dada em Cintra a 9 de
agosto de 1459, deu licença a Gomes Eannes de Zurara, comen-
dador do Pinheiro Grande e da Granja do Ulmeiro, seu cronista
e guarde mór da Torre do Tombo, para poder despender até à
quantia de ioííooo reais nas obras de melhoramento e reparação
das casas dei rei, situadas perto dos paços do castelo da cidade de
Lisboa, em que elle então morava, e para fazer uma cisterna nas
mesmas casas; e ordenou, que se el rei lhe não podesse pagar
logo todas as despesas que Gomes Eannes de Zurara tivesse feito
nas mencionadas obras, ele e seus herdeiros possuíssem as mes-
mas casas até que lhe fosse paga a dita quantia; e que depois as
casas ficassem livres para el rei como dantes eram (2).
Reforma dos livros de registo da Torre do Tombo. — No ano
de 1459 el rei D. Afonso V fez cortes em Lisboa; e entre as mui-
tas providências adotadas para o bom governo do reino, orde-
nou a reforma dos livros de registo das escrituras do reino.
Sabendo que no seu cartório da Torre do Tombo havia muitos
livros de registo das escrituras do reis passados, onde os naturais
faziam grandes despezas para procurar traslados dos documentos
de que necessitavam, em razão da grande prolixidade das escri-
turas, e porque os mesmos livros pereciam por serem velhos;
ordenou que se tirassem para livros novos aquelas cousas que
fossem substanciais, isto é, que se fizesse o sumário da parte útil
dos documentos, e que se deixassem as outras cousas de que não
havia razão de aproveitar a ninguém. El rei encarregou de
fazer este trabalho a Gomes Eannes de Zurara, comendador da
Ordem de Cristo, guarda mór da Torre do Tombo e seu cro-
nista. Nos livros de registo assim reformados, e que se referem
aos reinados de D. Pedro I, D. Fernando e D. João I, estão regis-
(i) Doe. VII.
(2) Doe. vm.
tadas doações, privilégios, demarcações de termos, apresenta-
ções, legitimações, aforamentos, coutamentos, morgados, confir-
mações e outras cousas semelhantes (i).
Da maneira como foi feita a reforma dos livros de registo diz
João de Barros (2): «Fez ainda Gomes Eanes outra obra no
tombo deste reyno que alumiou muyto as cousas delle, que foram
os liuros dos registros, recopilando em certos volumes as forças
de muyta scriptura que andaua solta, começando em el Rey Dom
Pedro te el Rey Dom João de gloriosa memoria, isto por rezão
de ser guarda mór do mesmo tombo, ofíicio muy próprio dos
chronistas por ser húa custodia de toda a scriptura do reyno.»
João Pedro Ribeiro (3) aprecia muito desfavoravelmente o
trabalho de Gomes Eannes de Zurara; mas deve dizer-se que este
se limitou a fazer em livros novos o sumário dos antigos livros
de registo, que eram em mau estado; e que o desaparecimento
dos livros antigos sucedeu entre i526 e i532, quando Tomé
Lopes escrivão da Torre do Tombo servia de guarda mór (4).
Registo de iim documento julgado falso. — Com a reforma dos
livros de registo da Torre do Tombo liga-se um facto, que tem
sido motivo para ser apreciada pouco favoravelmente a probi-
dade de Gomes Eannes de Zurara como guarda mór das escritu-
ras do reino.
O Livro I da Chancelaria de D. Fernando é um códice de
200 folhas de fino pergaminho, dispostas era 20 cadernos de cinco
folhas duplas. O livro está encadernado em pastas de grosso
papelão cobertas de linhagem cada uma com quatro taxas de
metal amarelo. As' folhas do livro tem o'",46o xo^jSSo, e a parte
escrita em cada página ocupa um rectângulo de o'",3ioxo'°,255;
as folhas são numeradas no canto superior direito da página
(1) Doe. IX.
(2) Décadas da Ásia, dec. i, liv. i, cap. 11.
(3) João Pedro Ribeiro, Dissertações cronológicas e criticas, tomo iv, p. 222-236.
(4) Anselmo Braamcamp Freire, Arquivo histórico português, vol. iii, p. 288 e segs.
e Um aventureiro na emprega de Ceuta, p. 23 a 27.
recto com os números romanos j, ij, iij, iiij, y, vj, . . . CC.
Em cada página a escrita está disposta em duas colunas de
41 linhas, tendo cada linha 3o a 35 letras. A escrita é do tipo
meio gótico e meio cursivo, do século xv, c perfeitamente legí-
vel. Os títulos dos documentos são escritos com tinta vermelha,
e os documentos com tinta preta. Nas margens ha pequenas no-
tas, nas quais se indicam as folhas do hvro antigo em que o docu-
mento era escrito. Alguns documentos são trasladados na inte-
gra; mas da maior parte deles somente é dado o sumário, a data,
c o nome do escrivão dei rei. O livro começa pelo seguinte pró-
logo, que serve de termo de abertura :
«Registos delrrey dom Fernando.
Primeyro liuro delles.
Segunda feira em amanhecendo aos xviij dias do mes de
janeiro andados da era de çesar de mil iiij'^ e cinquo annos em a
villa destremoz se finou o muyto nobre esclarecido e uirtuoso
senhor elrrey Dom Pedro dos regnos de Portugall e algarue Rey
per cuja morte nos ditos regnos soçedeo o muyto alto e magní-
fico senhor e de grande e louuada memoria elrrey Dom Fernando
seu filho, o qual em viuendo fez muytas doações de terras e pos-
sissões, e deu muytos priuilegios a suas villas, e aforou muytos
dos seus bêes próprios, e apresentou aas suas egreias e moes-
teiros pessoas ydoneas, e legitimou e abilitou muytos ilegilimos
nados. E outras muytas e boas obras fez que per seu registo
passarom segundo se adiante segue, etc.»
Depois da folha CC foi ajuntada outra folha, que está nume-
rada com os algarismos 201; esta folha é de pergaminho mais
grosseiro e amarelado, do que o do livro; e foi rasgada, mas
acrescentada no canto inferior direito (página recto). Nesta folha
está escrita a cópia de um documento, em uma só coluna, tendo
41 linhas na página recto, e 17 linhas na página verso; a escrita
é cursiva, mas bem legível, e do século xv; na parte que foi acres-
centada faltam algumas palavras no fim das linhas; mas é fácil
restabelecê-las.
No alto da página recto da mesma folha 2ci está escrita a
seguinte nota de letra diferente da do documento: «Esta carta
he falça e não deve de estar aqui.» No fundo da mesma página
está escrita estoutra nota de letra diferente da da anterior :
«Esta carta he falsa.»
Sobre toda a escrita da cópia do documento da página recto
são traçadas duas linhas rectas, diagonais do rectângulo ocupado
pela escrita, como para a trancar. Na página verso, no fim da
cópia do documento, está escrita a seguinte nota de letra dife-
rente da das notas anteriores, mas do século xv: «Esta carta
atras em lugar de titolo diz que he falsa e que nam deue destar
aquy, e nam se sabe per quem foy scripta nem a carta riscada
como estaa, porem parece que deuya de seer per o oficial desta
Torre do Tombo a que pertemçese e o podesse fazer e do caso
soubesse pêra o poder afyrmar ajnda que nom consta per a letra
nem per outro nehúu synal.»
O documento copiado na folha 201, recto e verso é um carta
dada por el rei D. Fernando em Santarém, aos 8 dias do mes de
março da era de 141 1 (iSyS) e escrita por Afonso Pires (i).
Nesta carta el rei D. Fernando diz que considerando os muitos
serviços que recebeu de D. Frey Nuno Rodrigues, mestre da cava-
laria da Ordem de Cristo, em muitos logares de seus reinos, e em
outros diversos logares, no tempo da guerra que teve com el rei
de Castela e de Leão, em que o serviu e serve mui lealmente por
si próprio e com suas gentes com cavalos e armas à sua própria
custa e dos bens da dita Ordem, faz doação ao mencionado mes-
tre e à sua Ordem, da vida e de toda a jurisdição que tem, tanto
no cível como no crime, nas vilas de Tomar, e de Pombal, e de
Soure, e de Castelo Branco, e de Nisa, e de Alpalhão, e de Cas-
telo de Vide e de Vila Franca de Xira, e em todos os seus termos
(i) Doe. XXVI.
das ditas vilas^ e em todas as outras vilas e logares da mencio-
nada Ordem, em que ela tem jurisdição, a saber : nos logares e
vilas em que o mestre e a Ordem de Cristo tem jurisdição e
correcção, e das sentenças dos juizes e justiças das ditas vilas e
logares apelam para o mestre e Ordem de Cristo. E para que
esta doação seja firme, el rei demite de si a referida jurisdição e
senhorio, e o transfere para a Ordem de Cristo.
D. Frey Nuno Rodrigues, também chamado D. Nuno Freyre
de Andrade, era filho de Rui Freire de Andrade e de D. Inez
Gonçalves do Souto Maior, e foi o sexto mestre da Ordem de
Cristo (i). A este D. Nuno Freire de Andrade deu el rei D. Pe-
dro I seu filho bastardo D. João, para que o criasse consigo; e
êle foi depois mestre da Ordem de Avis, e rei de Portugal (2).
El rei D. "Pedro fez muitas mercês à Ordem de Cristo pelos ser-
viços prestados pelo mesmo D. Nuno Freire; e no seu tempo se
transferiu o convento e casa da Ordem, de Castro Marim para
Tomar, o que se fez no ano de i356; e logo fez capitulo geral,
em que presidiu o abade do mosteiro de Alcobaça (3). Quando
el rei D. Fernando era em guerra com el rei D. Henrique de Cas-
tela, mandou para Galiza por mar oito galés, de que era capitão
Nuno Martins de Góes; e el rei, acompanhado de D. Álvaro
Pires de Castro, de D. Nuno Freire, mestre da Ordem de Cristo,
(i) Estatutos e definições, p. 90.
D. Frei Nuno Rodrigues mandou edificar em Ferrreira do Zêzere uns paços, como
consta da seguinte inscrição que se lê na parede lateral : «Em nome do Padre e do
Filho e do Espirito Santo. Amen. Eis aqui a cruz onde crucificaram Jesus Christo filho
de Deus vivo. Estes paços foram do mestre de Christo Dom Nuno Rodrigo, filho de
Rui Freire de Andrade e de Dona Inez Gonçalves de Souto Maior, e foram começados
em os cinco dias de Julho, era de mil e quatro centos annos, quando heram andados
do seu mestrado 4 annos 7 ms. e 26 dias mais, quando reinava em Portugal o mui no-
bre Rei Dom Pedro o Primeiro, quando herão andados de seu reinado cinco annos he
xLiiii dias mais. Estas letras pintou Gonçallo Tenrreiro, mordomo mor, chanceller
mor, Senhor de Soure.» Neste edifício são atualmente os paços do concelho de Fer-
reira de Zêzere. (António Eduardo Baião, A villa e concelho de Ferreira de Zêzere no
Arqueólogo português, tomo xiv, p. 148 e i5i).
(2) Fernão Lopes, Crónica dei rei D. Pedro, cap. i.
(3) Estatutos e definições, p. 60.
de outros senhores e fidalgos, e de muita gente, foi por terra, e
chegou a Tuy, onde foi bem recebido de Afonso Gomes de Lira,
alcaide da cidade, e de todos os moradores dela (i). Pouco
tempo depois de ali ter chegado, quando el rei D. Fernando soube
que el rei D. Henrique vinha com todo o seu poder com inten-
ção de lhe dar batalha, el rei D. Fernando deixou fronteiros nos
logares que por êle tinham voz, e entre outros, na Corunha
D. Nuno Freire, mestre da Ordem de Cristo, natural da mesma
comarca, com quatrocentos homens de cavalo (2). Dom Nuno
Freire foi mestre da Ordem de Cristo durante quinze anos, e
faleceu em 1372(3).
De uma sentença da Casa de Suplicação (4), dada em 12 de
janeiro de 1479, consta que em uma demanda, que se movia
entre certos homens moradores de Punhete e Eitor de Sousa,
comendador da Cardiga da Ordem de Cristo, sendo oponente o
doutor Lopo Gonçalves, como procurador da infanta D. Beatriz,
irmã dei rei D. Afonso V, como tutora e curadora de seu filho
D. Diogo, duque de Vizeu, regedor e governador da mesma
ordem, foi apresentada perante o doutor João de Elvas, desem-
bargador da mesma Casa de Suplicação uma escritura, que fora
passada pela Torre do Tombo, cujo teor era a carta dei rei
D. Fernando, doando à Ordem de Cristo a jurisdição, de que
atraz se faz menção. Vista esta carta, el rei D. Afonso V man-
dou que Afonso de Óbidos, que tinha a seu cargo a guarda das
escrituras da Torre do Tombo, lhe mostrasse o livro dos registos
dei rei D. Fernando, e o levasse à Relação para o mostrar aos
seus desembargadores, e com elle fossem os escrivães da mesma
Torre do Tombo. Afonso de Óbidos, em cumprimento da ordem
dei rei, foi com os escrivães à Relação, levando consigo o dito
livro do registo dei rei D. Fernando; e pelo exame ali feito se
(i) Fernão Lopes, Crónica dei rei D. Fernando, cap. xxx.
(2) Ibidem, cap. xxxii.
(3) Estatutos e definições, p. 60.
(4) Doe. xxvii.
reconheceu, que a mencionada carta de doação estava escrita em
uma folha ajuntada no fim do Hvro e por letra diferente da do
escrivão que escrevera o mesmo livro. E perguntado Afonso de
Óbidos, se êle sabia como o dito registo fora posto no fim do
livro, respondeu que não sabia. E perguntado- Fernam de Elvas,
escrivão da Torre do Tombo, .que trasladara o dito livro, se
sabia como fora ali posto o dito registo no fim do livro, disse
que não sabia, nem fizera tal escritura, nem conhecia a letra, nem
sabia quem a tinha feito, nem achara tal registo nos Uvros velhos,
dos quais êle trasladara os mesmos livros; porque se neles a
encontrara, a trasladara, como fizera a outros semelhantes. E
perguntado Rui Lopes, que também era escrivão da Torre do
Tombo, se êle sabia como fora posto o dito registo no fim do
livro, se conhecia a letra, respondeu que êle não sabia como o
mencionado registo ali fora posto nem conhecia a letra. E per-
guntado o mesmo Rui Lopes, se êle escrevera uma carta que
fora apresentada pela infanta D. Beatriz por parte da Ordem de
Cristo, que parecia ser traslado do mencionado registo, respon-
deu que sim a escrevera. E perguntado ainda se a trasladara
do dito livro ou de algum outro da Torre do Tombo; respondeu
que não; mas que a verdade era, que Gomes Eannes de Zurara,
guarda mór da Torre do Tombo, lhe dera o traslado dela escrito
em papel, e que por ali a fizera. E logo o mesmo registo foi
examinado com uma carta, que parecia ser trasladada do mesmo
registo, feita por Gomes Eannes, clérigo, criado do dito Gomes
Eannes, e comparada uma letra com a outra, se reconheceu ser
toda igual. E tendo-se ordenado a Afonso de Óbidos que pro-
curasse entre todas as escrituras da Torre do Tombo, se encon-
trava algum registo ou carta, do qual fosse trasladado o registo
que estava no fim do hvro; não se encontrou tal escritura, nem
por registo, nem por carta, nem por livro velho nem novo. Em
vista deste exame e inquirição o doutor Lopo Gonçalves desistiu
da oposição que fazia por parte da infanta, por não ter procu-
ração do cabido da Ordem de Cristo nem as suas escrituras.
Depois de efectuadas outras deligências, o doutor João de Elvas,
a quem o desembargo da demanda tinha sido cometido, consi-
derando que a mencionada carta tirada do Torre do Tombo não
foi encontrada no livro do registo dei rei D. Fernando, mas que
foi posta e ajuntada falsamente no fim do livro, sendo este já
acabado e encadernado, e por letra diferente da do escrivão que
escreveu o mesmo livro; e como depois da data da dita carta,
el rei D. Fernando determinou, por ordenação geral, que nenhuma
pessoa de qualquer estado e condição que fosse, nem a Ordem
de Cristo nem nenhuma outra ordem, tivesse nem podessse ter
nenhuma superioridade de jurisdição, sem embargo de quaisquer
cartas dadas por êle e pelos reis seus antecessores, com quais-
quer clausulas ou prerogativas que fossem; e como assim pela
dita ordenação, como por direito comum, as superioridades das
jurisdições são tão conjuntas e unidas à dignidade e principado
real do reis, que dele não podem ser tiradas nem apartadas, nem
desmembradas, nem alheadas, por nenhuma maneira, pronun-
ciou, declarou e julgou que a dita superioridade de jurisdição era
dei rei e lhe pertencia, e que el rei a não podia tirar de si, nem
dar a nenhuma pessoa nem ordem.
De tudo o que precede resulta, que o Livro I da Chancelaria
de D. Fernando, (foi. j a cc), foi escrito por Fernam de Elvas,
escrivão da Torre do Tombo; que a folha 201 do mesmo livro
foi ajuntada depois do livro ter sido escrito e encadernado; que
o registo da mencionada fôIha 201 foi feito por Gomes Eannes,
clérigo, criado de Gomes Eannes de Zurara, guarda mór da
Torre do Tombo; que a carta de doação, apresentada por parte
da Ordem de Cristo, foi escrita por Rui Lopes, escrivão da Torre
do Tombo, de um traslado escrito em papel, que lhe dera Gomes
Eannes de Zurara; e que na Torre do Tombo não se encontrou
nehuma carta nem registo de livro velho ou novo, que contivesse
a escritura da carta de doação. Todavia os factos apontados
não provam que a doação não tivesse sido feita por el rei
D. Fernando, porque nem todas as cartas passavam pela chan-
celaria; mas são graves argumentos contra a veracidade da doa-
ção não ter sido apresentada pela Ordem de Cristo o original da
carta de doação devidamente selada, mas somente um traslado;
não ter sido encontrada na Torre do Tombo nenhuma carta ou
registo da doação; e o facto que se observa, que sendo a carta
de doação datada de 8 de março da era de 141 1 (iSyS J.C.),
nela se diga que D. Frei Nuno Rodrigues, mestre da Ordem de
Cristo, ainda servia a el rei D. Fernando, sabendo-se que ele
era falecido em 1372.
Factos análogos aos precedentemente narrados, não eram sem
precedentes : Fernão Lopes conta na Crónica dei rei D. João /(i),
que a 14 de outubro de 1 884 o mestre da Ordem de Avis mandou
decepar de mãos e pés e enforcar um homem, chamado Joham
do Porto, que fora escrivão da câmara dei rei D. Fernando, por
cartas que falsara do mesmo rei sendo vivo, e também do mestre
da Ordem de Avis, depois que foi regedor do reino (2).
Carta de D. Pedro, mestre da Ordem de Avis e condestável
de Portug-al. — D. Pedro era o segundo filho do infante D. Pedro
e de sua mulher D. Isabel de Aragão, e nasceu no ano de 1429.
Por carta de 7 de Janeiro de 1448, dada pelo infante D. Pedro,
regente do reino, em nome dei rei D. Afonso V, foi feito condes-
tável de Portugal, sucedendo a seu tio o infante D. João; e depois
da morte do infante D. Fernando, sucedida a 5 de junho de 1448,
D. Pedro foi nomeado mestre da Ordem de Avis. Em 1445 foi
armado cavaleiro pelo infante D. Henrique, seu tio, em Coim-
bra (3); e por ordem de seu pai, acompanhado de muitos senho-
(1) Fernão Lopes, Crónica dei rei D. João I, parte primeira, ed. Braamcamp,
cap. clv, p. agi.
(2) Um facto análogo, sucedido no tempo dei Rei D. Duarte, é referido por Fr. Jo-
seph Pereira de Sant'Anna na Crónica dos Carmelitas, parte m, cap. xxi, n." 1247. No
termo de aprovação do testamento do Infante D. Fernando, escrito por Fernão Lopes
em 18 de agosto de 1437, foi testemunha um certo Joham do Porto; mas certamente
não era aquele que fora enforcado em 1384.
(3) Gomes Eannes de Zurara, Crónica da conquista de Guiné, cap. li, p. 234 e 235.
res com dois mil cavaleiros e quatro mil peões, foi em socorro de
D. João II, rei de Castela, e com êle assistiu à batalha de Olmedo,
e regressou depois a Portugal. Depois que el rei D. Afonso V
tomou o governo do reino, por motivo das intrigas que se move-
ram contra o infante D. Pedro, seu filho D. Pedro foi privado
dos cargos de condestável de Portugal e de mestre da Ordem de
Avis; e em seguida ao desastre de Alfarrobeira, que aconteceu
em 20 de maio de 1449, D. Pedro passou a Castela, e somente
regressou a Portugal, quando el rei D. Afonso V o chamou
para a empreza da nova Cruzada. O cargo de mestre da Ordem
de Aa'Ís foi-lhe restituído por carta de 3o de maio de 1457; e
pouco a pouco lhe foram restituídas quási todas as terras, que
tinham pertencido a seu pai o infante D. Pedro. Em 1468 acom-
panhou el rei D. Afonso V na sua expedição a Africa (Barbaria),
regressando também com êle para o reino. Em 1460 estava em
Avis, onde era a sede da Ordem (i). Em 7 de novembro de 1463,
partiu novamente para Africa em companhia dei rei D. Afonso V;
e estando em Ceuta, foi chamado pelos Catalães, que o tinham
escolhido para ser rei de Aragão, que lhe pertencia por herança
por parte de sua mãe ; com aprazimento dei rei, partiu de Ceuta
em duas galés, que os seus parciais lhe tinham enviado, e desem-
barcou em Barcelona no mês de dezembro sendo aclamado rei.
Na mesma cidade residiu desde 3i de janeiro de 1464 até 3o de
junho de 1466, em que faleceu, segundo dizem uns de consump-
ção, segundo outros de peçonha (2).
Quando D. Pedro estava em Avis, na sede da Ordem, rece-
beu uma carta de Gomes Eannes de Zurara, na qual este se ofe-
recia para lhe comunicar as novas da corte do que fosse suce-
(i) Doe. X.
(2) Acerca de D. Pedro, mestre da Ordem de Avis e condestável de Portugal, ve-
jam-se : Damião de Góes, Crónica do príncipe D. João, cap. xvii, ed. Guimarães, Coim-
bra, 1905, p. 5i, 52, 54; D. António de Sousa, História Genealógica da Casa Real Por-
tuguesa, tomo II, p. 84-88; Balaguer y Merino, D. Pedro el Condestable de Portugal,
Génova, 1881 ; D. Carolina Michaelis de Vasconcellos, Uma obra inédita do Condes-
tável D. Pedro de Portugal, na Homenaje a Menende:^ y Pelayo, tomo i, Madrid, 1899,
p. 637-732 ; Oliveira Martins, Os filhos de D João I, Lisboa, 1901, n, p. 141 e segs.
dendo; a esta caria respondeu D. Pedro com outra (i), que na
cópia existente tem a data de 1 1 de junho de 1406; esta data está
evidentemente errada, e parece que deve lêr-se 1460 (2). Nesta
carta, que contêm muitas expressões afectuosas, D. Pedro diz
aceitar a sua oferta de lhe escrever as novas da corte; e mos-
tra-se reconhecido por não se ter esquecido dele no meio das ocu-
pações do seu cargo e dos seus estudos. A carta mostra não só
que Gomes Eannes de Zurara se correspondia com as principais
pessoas da corte, mas também que o seu carácter era apreciado
muito favoravelmente por elas.
Traslado do foral de Moreira. — El rei D. Afonso Henriques
deu carta de foro (foral) aos povoadores do concelho de Moreira ;
não é conhecido o ano, em que foi dada; mas como na carta se
omite o nome da rainha D. Mafalda, e é nomeado seu filho
D. Sancho com o titulo rei, e se mencionam outros filhos, con-
clue-se que a carta de foro foi dada depois de 11 58, em que a
rainha faleceu, e antes de 1 185, em que morreu D. Afonso Hen-
riques. O foro de Moreira é, como na carta se diz, igual ao de
Salamanca. O foral desta cidade serviu de modelo aos forais
de vários logares do reino de Portugal, sobre tudo da província
(comarca) da Beira, tais como de Trancoso, Moreira, Marialva,
Aguiar e Celorico. Sabe-se ainda pelos mais antigos documen-
tos, que as constituições ou foros de Salamanca estavam em
vigor nos territórios que constituíram a monarquia portuguesa, o
que não é para estranhar em razão da proximidade do reino de
Castela, do qual antes o reino de Portugal tinha feito parte, e
da conformidade dos usos e costumes dos povos dos dois paizes.
Contudo nas cartas de foro, dadas pelos primeiros reis de Portu-
gal, nem sempre foi transcrito fielmente o foral de Salamanca,
que tinha sido tomado para modelo; mas nelas se encontram
(i) Doe. X.
(3) Cf. Edgar Prestage, Tlie life andwritings of Azurara, p. xxxvii, nota i ; e carta
particular do General Jacinto Inácio de Brito Rebelo, de i5 de setembro de 1894.
vários privilégios e regras de direito público, que faltam na-
quele (i). O foral de Moreira foi confirmado porei rei D. Afonso II,
sua mulher a rainha D. Urraca, e seus filhos D. Sancho, D. A. (?)
e D. Leonor, por carta dada em Coimbra na era de i255 (1271
J. C).
Em 1460 os moradores da terra de Moreira representaram a
el rei D. Afonso V, que o foral que tinham, era escrito de tal
modo e em tal latim, que o não podiam entender; e pediram que
lhe mandasse dar um traslado do registo do seu tombo. El rei
D. Afonso V, por alvará de 2 5 de outubro de 1460, mandou a
Gomes Eannes de Zurara, comendador do Pinheiro Grande e da
Granja do Ulmeiro, seu cronista, e guarda mór do seu tombo,
que lhes desse traslado do mesmo foral. Em cumprimento desta
ordem Gomes Eannes de Zurara procurou nas escrituras da
Torre do Tombo, e encontrou o foral pedido. Gonçalo Afonso,
procurador do concelho de Moreira, requereu que lhe desse tras-
lado do foral, e que se declarasse que quantia se devia pagar
pelas três mealhas, de que no mesmo foral se faz menção, que se
deviam pagar de portagem por uma carga de pão ou de vinho.
Gomes Eannes de Zurara deu o traslado do foral em forma de
carta; e no fim dela diz que fez todas as diligências para saber a
quantia que se devia pagar da moeda, que nesse tempo era cor-
rente, pelas três mealhas mencionadas no foral, perguntando-o
às pessoas da cidade de Lisboa, que entendia que o deviam
saber; e que achou que as três mealhas da moeda antiga equiva-
liam a nove oitavas de prata (2); mas acrescenta, que atendendo
à ordenação do reino, e que o baixo valor da moeda da época
presente não permitia tão grande equivalência; e por quanto o
foral de Moreira era semelhante, quanto à portagem, ao de Pal-
mela, no qual se estabelecia que a carga de pão ou de vinho, de
( 1 ) A. Herculano, Portugaliae monumenta histórica, Leges et consuetudines, tomo i,
p. 435-439.
(2) Cf. Fernão Lopes, Crónica dei rei D. Fernando, cap. Iv, onde se diz : «as
mealhas nom eram moeda cunhada por si, mas era um dinheiro partido por meio.»
besta grande, pagasse de portagem nove (reais) pretos, e de
besta pequena, metade; Gomes Eannes de Zurara, julga que os
nove (reais) pretos são postos no foral de Palmela por equivalên-
cia com as três mealhas da moeda antiga. A carta com o tras-
lado do foral de Moreira é datada de Lisboa a 22 de outubro de
1460, e foi escrita por Pêro Cinza, e concertada pelo próprio
Gomes Eannes de Zurara, que assinou com o seu sinal costu-
mado. Conforme no principio da carta se diz, o foral que o
concelho de Moreira tinha, era escrito em latim, e como o tras-
lado, transcrito na carta, é em português, é de presumir que a
tradução do antigo foral tenha sido feita pelo próprio Gomes
Eannes de Zurara, como guarda mór da Torre do Tombo (i).
O texto latino do foral de Moreira existe no Livro dos Forais
antigos que pertenceu ao mosteiro de Santa Cruz de Coimbra,
e foi transcrito na carta de confirmação dei rei D. Afonso II,
registada no livro da chancelaria do mesmo rei também escrita
em latim; e a sua tradução portuguesa é dada na carta de 22 de
outubro de 1460 (Forais antigos, maço 7, n." 3). O texto latino,
conforme o Livro dos Forais antigos, e a carta de confirmação
dei rei D. Afonso II, e a tradução portuguesa do mesmo foral,
foram publicados por A. Herculano (2). Esta tradução portu-
guesa, que segundo A. Herculano foi feita no século xv, é a da
carta de 22 de outubro de 1460, que acima conjecturamos ser
feita pelo próprio Gomes Eannes de Zurara.
Perfilhação e doação feita por Alaria Annes. — Por carta dada
em Évora a 6 de fevereiro de 146 1 (3), el rei D. Afonso V confir-
mou a perfilhação e doação, que Maria Annes fez a Gomes Ean-
nes de Zurara de um logar que ela tinha em Ribatejo, onde cha-
mavam o Valbom, e de umas casas em que ela morava, situadas
na freguezia de S. Julião na cidade de Lisboa. Este documento é
(i) Doe. XII.
(2) Portugaliae monuinenta histórica, Leges et comuetudines, tomo i, p. 436-439»
(3) Doe. XI.
muito importante pelas notícias que contêm, relativas à familia
de Gomes Eannes de Zurara, pois que é o único documento,
atualmente conhecido, em que se encontra o nome e estado de
seu pai.
Na carta de confirmação declara-se que perante el rei fora
apresentado um instrumento público, feito e assinado por Pêro
Vaz, tabalião na cidade de Lisboa, no qual se continha, que
Maria Annes, piliteira, moradora na mesma cidade, declarara,
que considerando o grande amor e amizade, que Johanne Annes
de Zurara, cónego que tinha sido da cidade de Évora e de Coim-
bra, sempre tivera a sua mãe Maria Vicente, e também a ela e a
seu marido Lopo Martins, com quem estivera casada, e as mui-
tas e boas obras que ele recebera sendo seu compadre e amigo;
e considerando ela como aprouvera a Deus de lhe não dar filho
nem filha, nem nenhum outro herdeiro legítimo, que à hora da
sua morte herdasse os seus bens; e por ser em tal idade, que os
não podia haver, sendo sempre seu desejo de os ter; e conside-
rando ainda ela o grande amor e amizade que ela tinha e sempre
tivera com Gomes Eannes de Zurara, comendador do Pinheiro
Grande, depois da morte do pai dele até então, e as muitas boas
obras e avisos, que dele recebera para encaminhar seus negócios;
tomava e recebia, por modo de adopção, o dito Gomes Eannes de
Zurara por seu filho legítimo e universal herdeiro de todos seus
bens, como se dela tivesse nascido naturalmente por legítimo
matrimónio; e lhe fazia doação entre vivos, como a seu filho
adoptivo, de um seu logar que ela Maria Annes possuía no Riba-
tejo, no sitio denominado Valbom, com todas suas vinhas, casas,
lagar e horta, e também de umas casas, em que ela morava,
situadas na freguesia de S. Julião da cidade de Lisboa, reser-
vando ela para si todo o uso e fruto do dito logar e casas, em
vida dela somente e não mais.
Este documento foi considerado por José Correia da Serra
como um testemunho da ambição de riqueza de Gomes Eannes
de Zurara, e pouco consentâneo com as ideias da nobreza da
XLVII
época em que viveu (i); mas os termos em que o documento está
redigido fazem suspeitar antes, que a doadora Maria Annes, filha
de Maria Vicente, era também filha do cónego Johanne Annes
de Zurara, ou que este mantivera relações de íntima amizade
com a mesma Maria Vicente; e que o cónego Johanne Annes de
Zurara houvera de outra mulher, cujo nome não é conhecido, o
filho Gomes Eannes de Zurara; e que por tanto este e Maria
Annes ou eram verdadeiramente meios irmãos por seu pai, ou
assim considerados; e que, como Maria Annes, depois da morte
de seu marido, fora assistida e dirigida em seus negócios por
Gomes Eannes de Zurara, ela em reconhecimento e gratidão dos
benefícios, o fizera herdeiro de todos os seus bens adoptando-o
como filho, que era um modo de doação muito usado naquela
época (2).
Traslado do foral de Alvar e^, terra do mosteiro de Folques. —
No mês de setembro do ano de 1819 Martim Gonçalves e sua
mulher Maria Viegas, deram carta de foro (foral) aos homens, que
povoavam a sua herdade de Alvares, a qual foi confirmada por
el rei D. Denís. Em 1462 os moradores de Alvares representa-
ram a el rei D. Afonso V, que o mesma carta de foro era já tão
velha e caduca em alguns logares, que lhe não queriam dar fé
nem prestar autoridade; e pediram-lhe que lhe mandasse dar um
traslado do seu tombo. El rei D. Afonso V, por alvará de 10
de abril de 1462, mandou a Gomes Eannes de Zurara, comenda-
dor do Pinheiro Grande, seu cronista, e guarda mór da Torre do
Tombo, que lhes desse traslado do mesmo foral. Em cumpri-
mento da mesma ordem Gomes Eannes de Zurara procurou no
livro dos forais, e nele encontrou o registo do foral pedido; e a
requerimento do procurador do concelho de Alvares lhe deu o
traslado do foral em forma de carta, datada de Santarém a 24
(i) José Correia da Serra, C. /. H. P., tomo 11, p. 210.
(2) Deste parecer é também E. Prestage, Tlie life atid writings of Aptrara, p. xxxi
a xxxiv.
de abril de 1462 (i). No fim da carta Gomes Eannes de Zurara
diz que êle próprio fez a carta e a concertou por si por não
haver escrivão na Torre do Tombo; e em seguida assina com o
seu sinal costumado.
Este documento é muito importante, não só porque é o mais
extenso, que se conhece, escrito por mão do próprio Gomes
Eannes de Zurara, mas também porque mostra que certas parti-
cularidades da escrita da cópia da Crónica da tomada de Cepta,
contida no Códice n." 368 do Arquivo Nacional, e que é a mais
antiga, são devidas ao seu autor, isto é, ao próprio Gomes Ean-
nes de Zurara.
Factos do ano de 1463. — Em 14 de junho de 1463 Gomes
Eannes de Zurara deu um traslado de documentos existentes na
Torre do Tombo, relativos a certas terras pertencentes a D. Pe-
dro de Castro. O original deste traslado, assinado por Gomes
Eannes de Zurara pertenceu a Eça de Queirós, cuja mulher se
dizia descendente do mesmo D. Pedro de Castro (2).
Neste mesmo ano Gomes Eannes de Zurara alcançou dei rei
D. Afonso V a concessão de duas mercês para um seu criado
Pêro de Almada, filho de Álvaro Fernandes. Por carta dada em
Lisboa a 22 de junho de 1463 (3), o dito Pêro de Almada foi no-
meado juiz das sisas da vila de Almada, em substituição de seu
pai, que tinha renunciado o mesmo oficio; e por carta de 23
de junho de 1463 (4), o mencionado Pêro de Almada foi nomeado
alcaide e meirinho dos ourivezeiros da Adiça, em substituição
de seu pai, que falecera, pagando a el rei de foro e tributo,
em cada ano, duas coroas de ouro velhas. No século xv
dava-se o nome de ourivezeiros ao trabalhadores empregados na
exploração de minas de ouro; e Adiça era uma mina de ouro
(i) Doe. XIII.
(2) E. Prestage, The life and writings of Azurara, p. xxxiv.
(3) Doe. XIV.
(4) Doe. XV.
situada perto da vila de Almada, explorada no século xv, e depois
até ao fim do século xviii (i).
Crónica do conde D. Pedro de Meneies. — El rei D. Afonso V
encomendou muitas vezes a Gomes Eannes de Zurara, que pro-
curasse informar-se, e escrevesse os feitos, que por defensão da fé
cristã e honra de Portugal obraram em Ceuta o conde D. Pedro
de Menezes e os outros varões, que ali tão virtuosamente traba-
lharam. A esta ordem dei rei juntou-se o requerimento de
D. Leonor de Menezes, filha do mesmo conde, senhora muito
virtuosa e de grande saber, que foi casada com D. Fernando,
bisneto dei rei D. João I (2). Gomes Eannes de Zurara, em cum^
primento da ordem dei rei D. Afonso V, compôs a Crónica do
conde D. Pedro de Meneses, na qual se referem os sucessos das
guerras que os Mouros moveram para recuperar a cidade de
Ceuta, no tempo que o conde D. Pedro de Menezes foi capitão
da mesma cidade, isto é, desde a tomada de Ceuta em 141 5 até
ao ano de 1437; ela é, como se diz no título, a continuação da
Crónica da tomada de Cepta, escrita pelo mesmo Gomes Eannes
de Zurara.
Gomes Eannes de Zurara compôs (ajuntou e escreveu) a Cró-
nica do conde D. Pedro de Meneses aproveitando não só as lem-
branças daquelas pessoas, que serviram em Ceuta no tempo em
que o mesmo conde foi capitão da cidade, e que lhas comunica-
ram verbalmente; mas também as memórias, que antes tinham
sido escritas, dos feitos notáveis que os Portugueses obraram em
defensão da mesma cidade durante aquele tempo (3).
Uma das memórias escritas, de que Gomes Eannes de Zurara
se aproveitou para compor a Crónica do conde D. Pedro de Me-
neses, foi a Crónica da tomada de Cepta escrita antes por êle
(i) Sousa Viterbo, Gomes Eannes d' Azurara, na Revista portuguesa colonial e
marítima, vol. iii, Lisboa, 1898, p. 818.
(2) Crónica do conde D. Pedro de Meneses., parte i, cap. i.
(3) Ibidem, C. I. H. P., tomo 11, p. 280, 3o8, 340, 422, 473, 476, 493, 523, 535, 536
€56i.
mesmo; alguns capítulos do começo da Crónica do conde D. Pe-
dro de Aleneies, foram tomados de outros da Crónica da tomada
de Cepta, transcrevendo-os uns verbalmente no todo ou em
parte, outros dando-lhes nova redação com acrescentamento de
notícias ou de simples desenvolvimentos retóricos (i).
Gomes Eannes de Zurara começou a compor a Crónica do
conde de D. Pedro de Meneies pelos anos de 1458, e concluiu-a
na sua comenda do Pinheiro Grande, que é a par de Santarém, na
véspera de S. João Batista, 2 3 de junho de 1463 (2).
Procurador do jnosteiro e convento de Almoster. — Gomes
Eannes de Zurara exerceu o cargo de procurador do mosteiro e
convento de S. Maria de Almoster, da Ordem de S. Bernardo,
fundado por D. Berengaria no reinado dei rei D. Denís. A pro-
curação foi passada pela abadessa D. Isabel de Andrade, e pelas
donas e convento do mesmo mosteiro ; e foi feita e assinada por
Diego de Figueiredo, notário geral, no alpendre do mesmo mos-
teiro, em 27 de dezembro de 1466, sendo testemunhas Frei Joham
de Alemquer, monge do mosteiro de Alcobaça e capelão do dito
convento, Pêro de Sousa, escudeiro do infante D. Fernando, já
então falecido, e morador em Santarém, e João Lourenço, escu-
deiro de Pêro de Saa. Pela procuração a abadessa e donas e
convento do mosteiro de Almoster deram a Gomes Eannes de
Zurara poderes bastantes para tirar quaisquer prasos ou afora-
mentos ou arrendamentos de bens do mosteiro a quaisquer pes-
soas que os tivessem e não pagassem os foros, pensões ou ren-
das, a que eram obrigadas; e a emprazar de novo, aforar ou
arrendar os ditos bens às pessoas e pelos preços que êle julgasse
(i) Comparem-se os seguintes capítulos:
Crónica Crónica
do conde D. Pedro de Meneses : da tomada de Cepta :
IV, V, %a xcjx, c
VII e vni Cl
xm Lxxxix.
(2) Crónica do conde D. Pedro de Menejes, parte ii, cap. xl, C. I. H. f., p. 626.
que era bem e proveito do dito mosteiro. Em seguida à procu-
ração era escrita a carta de confirmação da mesma procuração,
dada por D. Frei Nicolau, abade do mosteiro de Alcobaça e
esmoler dei rei, e por autoridade apostólica padre abade visita-
dor e reformador de todos os mosteiros da mesma ordem em
Portugal. A carta de confirmação era assinada pelo mencionado
abade D. Frei Nicolau, e selada do seu selo (i).
Traslado do foral de A^er. — A petição dos moradores de
Azer, Gomes Eannes de Zurara passou em 27 de julho de 1467
uma certidão do foral de Azer (2).
Administração de uma capela instituída na igreja de S. Maria
Madalena da cidade de Lisboa. — Pelos anos de iSgo, pouco mais
ou menos, faleceu um certo Gonçalo Esteves, natural de Cintra,
o qual antes da sua morte tinha edificado uma capela sob a
invocação de S. Clara, dentro da igreja de S. Maria Madalena,
situada na cidade de Lisboa, na qual se mandava sepultar; e em
seu testamento legou os seus bens à mesma capela, para que
nela se cantassem perpetuamente certas missas. Durante os
primeiros vinte anos parece ter sido cumprida a vontade do ins-
tituidor da capela; mas depois os herdeiros e detentores dos
mesmos bens deixaram de mandar cantar as missas, a que eram
obrigados pela instituição da capela, apesar das solicitações dos
priores e beneficiados da igreja de S. Maria Madalena, e de
serem demandados em juízo, e ter havido contra eles sentenças,
morrendo a maior parte deles excomungados por não darem
cumprimento ao legado. Pelos anos de 1467 os bens da men-
cionada capela estavam em posse de um certo Nuno Martins,
morador em Cintra, que os houve por sua mulher Margarida
Annes, que em linha direita descendia do mencionado Gonçalo
Esteves, e de outros seus filhos com quem ela os tinha partido,
(i) Cf. Doe. XIX e XXI.
(2) Arquivo Nacional, gaveta 8, maço i, n." 17.
o que não podia fazer por serem vinculados à mencionada ca-
pela. El rei D. Afonso V, por carta dada em Santarém a 28 de
julho de 1467(1), declarou que em virtude do disposto na orde-
nação do reino, os bens da mencionada capela pertenciam a êle
próprio, isto é, declarou a capela como vaga para a coroa real,
podendo dar os bens da capela a quem houvesse por bem com
o encargo de cantarem as missas estabelecidas; e por isso fez
mercê a Gomes Eannes de Zurara, cavaleiro de sua casa, comen-
dador da Ordem de Cristo, seu cronista, e guarda mór da Torre
do Tombo, dos bens da dita capela com o encargo de fazer can-
tar as missas estabelecidas, e de cumprir tudo o que tinha sido
instituído no testamento do mencionado Gonçalo Esteves.
José Correia da Serra observa que esta mercê de uma capela,
que vagara para a coroa real, era muito assinalada para o tempo
em que foi feita, porque naquela época era pouco comum este
género de bens, isto é, a instituição de capelas, como foi nos
séculos seguintes (2).
Viagem a Alcácer Cegiier. — No ano de 1463, el rei D. Afonso V
empreendeu uma segunda expedição contra os Mouros de Africa
(Barbaria), partindo de Lisboa a 7 de novembro do mesmo ano.
Damião de Góes, na Crónica do principe D. João (cap. xvii) refere
os sucessos desta jornada pelas seguintes palavras : «No anno de
M cccc Ixiii passou el Rei em Africa no mez de dezembro com
tençam de tomar Tanger ahos mouros, ha qual empresa lhe
sucedeo aho contrairo do que cuidaua, porque perdeo muita gente
na viagem, por respeito da áspera tormenta que passou no mar,
e assi polo combate que se deu ha cidade ahos vinte dias de
janeiro de M cccclxiiij, e em húa entrada que elle mesmo fez polo
seriam atee ha serra de Benacofu, onde hos Mouros mataram ho
conde de Viana D. Duarte de Menezes, capitam e gouernador de
Alcácer Ceguer.» Depois do cerco de Tanger el rei D. Afonso V
(i) Doe. XVI.
{2) José Correia da Serra, C. I. H. P., tomo 11, p. 209.
passou a Ceuta, e dali a Gibraltar, onde se encontrou com D. Hen-
rique, rei de Castella, e em seguida regressou ao reino, tendo
passado em Évora a páscoa de 1464(1).
Mas já antes destes sucessos, dous ou três anos, el rei
D. Afonso V, estando em Aveiro, tinha escrito uma carta a Gomes
Eannes de Zurara, seu cronista e guarda mór da Torre do Tombo,
em que lhe ordenava, que deixando todas as outras ocupações
do seu cargo, escrevesse a crónica dos feitos de D. Duarte de
Menezes, capitão de Alcácer Ceguer (2). D. Duarte de Menezes era
filho natural de D. Pedro de Menezes, conde de Viana e primeiro
capitão de Ceuta; havia sido nomeado capitão de Alcácer Ceguer
por carta de 16 de janeiro de 1459; pelos seus longos e leais ser-
viços foi feito conde de Viana de Caminha por carta de 6 de julho de
1450; e morreu em fevereiro de 1464 para salvar a vida dei rei
D. Afonso V na entrada que fez até à serra de Benacofu (3).
Gomes Eannes de Zurara julgou que para bem cumprir a
ordem dei rei, de escrever os feitos de D. Duarte de Menezes,
devia passar a Africa; as razões que o demoviam a esta jornada
expõe êle mesmo na Crónica do conde D. Duarte de Meneses (cap. 11)
pelas seguintes palavras (4) : «E porque segundo [diz] o philoso-
pho, nunqua o conhecimento da cousa he tão fortemente conhe-
cido per sua semelhança como per si mesma; entendi que me
convinha passar em aquelas partes de Africa por duas rezões : húa
porque naquela vila dAlcacer eram moradores, assy os adays, e
almocadens, e escuitas, e outra gente do campo, que torom os
principais meos per que se as cousas ordenaram e fizerom,
sem cuja ordedura se minha estória nom podia ordenar nem ter,
como outra gente que tinha vida ordenada naquela frontaria, os
quaes como continuadamente andavam naquelle oficio seriam em
(i) Damião de Góes, Crónica do príncipe D. João, cap. xvii, ed. Guimarães, Coim-
bra, igoS, p. 52 a 56.
(2) Gomes Eannes de Zurara, Crónica do conde D. Duarte de Meneses, cap. i,
C 1. H. P., tomo III, Lisboa, 1793, p. 7.
(3) Ibidem, cap. i.
(4) Ibidem, cap. 11, C. 1. H. P., tomo iii, p. 10 e 11.
melhor lembrança dos feitos, que os cortezãos, cujo sentido como
som no regno, ha mais dentender a outras partes; e a outra por-
que me pareceo que me convinha haver bom conhecimento per
vista de todas aquellas comarcas, per que as nossas gentes anda-
ram pellejando com seus imigos, pêra saber como eram assenta-
das, e o modo que os Mouros tinham em pellejar; e isso mesmo a
maneira per que os nossos entravam antre elles, e como haviam
suas pellejas, e a audácia que os contrairos tinham em se defen-
der.» Por estas razões Gomes Eannes de Zurara solicitou dei
rei licença para visitar Alcácer Ceguer; mas el rei deferiu por
muito tempo a licença, e não lha concedeu senão depois de ser
muito instado. O mesmo Gomes Eannes de Zurara refere assim
a sua viagem (i): «E no anno do nascimento de Christo de mil
cccc Ixvij no octavo mes daqueste anno passei naquestas partes
dAfrica, onde estive tanto tempo atee que o sol passou húa vez
todolos signos do Zodiaco.» Desta passagem resulta que Gomes
Eannes de Zurara partiu de Lisboa para Alcácer Ceguer em
agosto de 1467, e que ali se demorou até julho ou agosto de
1468. Damião de Góes (2) refere-se assim a esta viagem de Go-
mes Eannes de Zurara : «No anno de M cccc Ixvij ... [el rei
D. Afonso V] mandou no mes dagosto a Alcácer Ceguer Gomes
Eannes de Zurara pêra se lá informar dos feitos e proezas do
conde D. Duarte, e lhe fazer sua crónica, como fez, onde esteue
hum anno, e ha crónica veo acabar aho regno.»
Carta dei rei D. Afonso V. — Durante o tempo que Gomes
Eannes de Zurara assistia em Alcácer Ceguer, el rei D. Afonso V
escreveu-lhe uma carta de sua mão, datada de 21 de novembro
sem indicação do ano, em resposta de outra que Gomes Eannes
de Zurara lhe havia escrito (3). Esta carta é uma prova bem ma-
(i) Gomes Eannes de Zurara, Crónica do conde D. Duarte de Meneses, cap. 11,
C. I. H. P., tomo III, p. 1 1.
(2) Crónica do príncipe D. João, cap. xvii, ed. Guimarães, p. 58.
(3) Doe. XVII.
nifesta da superior cultura intelectual dei rei D. Afonso V, e bem
assim da grande estima em que o mesmo rei tinha os letra-
dos (i). Esta carta, da qual somente existem cópias em alguns
manuscritos dos séculos xvi e xvii (2), é sem dúvida autêntica ;
Damião de Góes, na Crónica cio príncipe D. João, (cap. vj), certa-
mente alude a ela na seguinte passagem (3) : «E deste tempo por
diante se pode crer que continuasse Gomes Eannes, porque viueo
muitos annos depois dei rei dom Afonso V ter tomado ahos mou-
ros ha villa dAlcacer, onde ho mesmo rei ho mandou pêra ahi
screuer os feitos que este conde de Viana dom Eduarte de Me-
nezes e hos de sua companhia faziam em Africa, e lhe screuia
cartas de sua própria mão, assaz bem scriptas e copiosas por
serem de rei, fauor mui notauel, e pêra hos que tem cargo des-
creuer tomarem cuidado de ho fazerem como a feitos de tam
humanos e sclarecidos reis convém.»
João de Barros, é ainda mais explícito; diz assim (4): «E assi
[el rei D. Afonso V] mandou Gomes Eannes de Zurara seu cro-
nista mór à villa dAlcacer Ceguer em Africa, pêra que com fee
de vista podesse escreuer os feitos daquella guerra; ao qual
escreueo húa carta de sua própria mão em louuor do traba-
lho que la tinha, por razão da obra que fazia : e isto não com
palavras taxadas e avaras segundo o uso dos príncipes, mas
em modo eloquente e de pródigo orador, como quem se presava
disso.»
(i) «Suas palavras (dei rei D. Afonso V) no que queria dizer eram sempre bem
ordenadas e entoadas com muy gracioso orgam, e per pena de seu natural escrevia assy
bem, como se per longo ensyno e exercício de oratória artificialmente o aprendera; foy
amador de justiça e de ciência, e honrou muyto os que a sabiam.» {Ruy de Pina,
Crónica dei rei D. Afonso V, cap. ccxiii, C. I. H. P., Lisboa, 1790, tom. i, p. 608).
(2) Além da cópia mencionada no fim do documento xvii, uma cópia da mesma
carta está no princípio do manuscrito da Crónica do conde D. Duarte de Meneses, que
pertenceu à Biblioteca do Paço das Necessidades (atualmente está na Inspecção geral
dos arquivos e bibliotecas eruditas), e que fez imprimir José Correia da Serra {C. I.
H. P., tomo III, p. 3 a 5); e outra copia do século xvii está a página 276 do volume da
Colecção da Graça, atualmente na livraria do Arquivo Nacional, caixa 19.
(3) Crónica do príncipe D. João, cap vi, ed. Guimarães, p. 12 e i3.
(4) Décadas da Ásia, Dec. i, liv. 11, cap. 11.
Alexandre Herculano diz da mesma carta (i) : «Este docu-
mento prova quam bella era a alma daquelle monarca, a quem
podemos seu receio chamar o ultimo rei cavalleiro; e cuja hon-
rada memoria teem pretendido escurecer aquelles que só em seu
filho encontram um grande homem. Vê-se nesta, carta que
D. Aífonso V entendia que uma penna vale bem um sceptro, e o
engenho um throno. De irmão para irmão não houvera mais
afável e afectuosa linguagem, e mais generosas animações e
mercês.»
Das passagens precedentemente citadas, uma do próprio
Gomes Eannes de Zurara e outra de Damião de Góes, resulta
que aquele partiu para Africa em agosto de 1467, e que ali se
demorou, assistindo em Alcácer Ceguer, durante um ano com-
pleto, isto é, até Agosto de 1468; e como a carta dei rei
D. Afonso V tem a data de 2 1 de novembro, e foi escrita em
quanto Gomes Eannes de Zurara estava em Alcácer Ceguer,
segue-se que a mesma carta é do ano de 1467.
A D. Duarte de Menezes sucedeu no governo de Alcácer Ce-
guer seu filho D. Henrique de Menezes, 4.° conde de Viana, e
i.° conde de Valença, sendo nomeado capitão de Alcácer Ceguer
por carta de i3 de março de 1464; é este D. Henrique de Me-
nezes o conde, a que se refere a carta dei rei D. Afonso V. O
mesmo D. Henrique de Menezes foi depois nomeado capitão de
Arzila por carta de 27 de agosto de 1471 ; e el rei D. Afonso V
lhe deu o título de conde de Loulé; faleceu em Africa, sendo
capitão de Arzila, pouco antes de 17 de fevereiro de 1480.
Crónica do conde D. Duarte de Meneies. — Esta crónica é ao
mesmo tempo a vida do conde D. Duarte de Menezes e a histo-
ria dos sucessos das guerras com os Mouros, desde a conquista
de Alcácer Ceguer, em 1458, até ao ano de 1464. Foi composta,
como já se disse, por ordem dei rei D. Afonso V, e começada
(i) A. Herculano, Gomes Eannes d' Azurara, em o Panorama, vol. iii, p. 25o-i5i.
antes de 1462 (i), e escrita pela maior parte em Alcácer Ceguer
sob as vistas do conde D. Henrique de Menezes, filho de
D. Duarte de Menezes, com as noticias e lembranças, que alcan-
çou dele e dos portugueses que residiam em Alcácer Ceguer e
dos Mouros moradores da mesma vila : e foi concluída depois
que Gomes Eannes de Zurara regressou ao reino em 1468.
D. Duarte de Menezes, antes de ser nomeado capitão de Ar-
zila em 1458, tinha servido em Ceuta, primeiramente sob as
ordens do conde D. Pedro de Menezes, seu pai, e depois em seu
logar como capitão da cidade desde i43i, em que o conde
D. Pedro de Menezes veiu para Portugal, até agosto de 1487, em
que regressou a Ceuta. Os feitos, que D. Duarte de Menezes
obrou em defensão da cidade de Ceuta, são contados na segunda
parte da Crónica do conde D. Pedro de Meneies^ escrita por Go-
mes Eannes de Zurara; e quando este compoz a Crónica do
conde D. Duarte de Mene\es transcreveu verbalmente para esta
crónica a parte daquela, que dizia respeito ao mesmo D. Duarte
de Menezes (2).
Traslado do foral de Gralhas. — El rei D. Dinis deu foral à
aldeia de Gralhas, do termo de Montalegre, por carta datada de
Lisboa, a 20 dias de setembro da era de 1348 (i3io J. C). Em
maio de 1468 os moradores da mesma aldeia representaram a
el rei D. Afonso V, que os ratos tinham roído a maior parte da
carta do seu foral, de modo que se não podia lêr, e pediram que
do seu tombo lhe mandasse dar um traslado. El rei D. Afonso V,
por alvará de 21 de maio de 1468, mandou que Gomes Eannes
de Zurara, comendador da Ordem de Cristo, seu cronista, e
(i) Ataa este presente anno. (Crónica do conde D. Duarte de Meneses, cap. cxxi,.
C. /. H. P., p. 294).
(2) Este facto singular foi já notado por Ernesto do Canto no artigo, Bre\'es refle-
xões sobre as Crónicas do conde D. Pedro de Meneses e de seu filho D. Duarte de
Meneses capitães de Ceuta, por Gomes Eannes d'A:^urara, publicado no Boletim de
bibliografia Portuguesa, sob a direcção de Anibal Fernandes Toma^, Coimbra, 1879,
p. 40-51.
guarda-mór do seu tombo, lhes desse o traslado do foral por
carta assinada por êle e com o selo dei rei. Em cumprimento
desta ordem Fernam de Elvas, escrivão da Torre do Tombo, fez
a carta com o traslado do foral de Gralhas, que é datada de 25
de maio de 1468; nela se declara que, por quanto Gomes Eannes
de Zurara estava em Alcácer Ceguer por mandado e em serviço
dei rei, assinou por êle a mesma carta Martim Alvarez contador
dos contos da cidade de Lisboa, que para isso tinha licença e
ordem dei rei por um alvará, que o mesmo escrivão certifica ter
visto, lido e julgado bastante para isso (i).
Emprazamento de umas casas do convento de Almoster. — Em
21 de janeiro de 1471, Gomes Eannes de Zurara outorgou, como
procurador do convento de Almoster, no instrumento de empra-
zamento em três vidas, feito ao Dr. João Teixeira, do desem-
bargo e petições dei rei, de umas casas que o mesmo convento
possuía na vila de Santarém, na freguezia de S. Julião, devendo
pagar 200 reais de foro e pensão pelo dia de Natal. O instru-
mento de emprazamento foi escrito em Santarém, nas mencio-
nadas casas, por Fernam de Torres, escudeiro dei Rei e notário
geral (2).
Traslado do foral de S. João de Rey. — A petição dos mora-
dores de S. João de Rey, Gomes Eannes de Zurara passou, em
20 de abril de 1471, uma certidão do foral da mesma vila. (Ar-
quivo Nacional, Forais antigos, maço 1.°, n.° 11).
Emprazamento de um olival do Convento de Almoster. — Em 22
de fevereiro de 1472, Gomes Eannes de Zurara outorgou, como
procurador do convento de Almoster no instrumento da renun-
ciação feita por João Afonso, sapateiro, morador na vila de San-
tarém, do emprazamento de um olival, situado no logar onde
(i) Doe. XVIII.
(2) Doe. XIX.
chamam as Manteigas, do termo da mesma vila, e pertencente
ao dito mosteiro e em favor dele ; e de emprazamento do mesmo
olival, em vida de três pessoas a Diego Afonso, carpinteiro mo-
rador na dita vila, com a condição de pagar ao mosteiro, de
foro e pensão, duzentos reais brancos, em cada ano pelo Natal.
O instrumento foi escrito em Santarém na pousada de Gomes
Eannes de Zurara, que era junto da Gafaria, por Martim Alva-
rez, criado e contador dei rei e seu notário público (i).
Traslado do foral de Cintra. — A 5 de setembro de 1472, Go-
mes Eannes de Zurara, passou como guarda-mór da Torre do
Tombo, um traslado do foral do concelho de Cintra, a petição
dos moradores de Cascais, pertencente ao mesmo concelho. (Ar-
quivo Nacional, Forais antigos, maço i.", n." 1 1) (2).
Traslado de privilégios da Ordem de Cristo. — A 5 de dezem-
bro de 1472, Gomes Eannes de Zurara passou, como guarda-mór
da Torre do Tombo, o traslado de alguns documentos relativos
aos privilégios da Ordem de Cristo e ao couto do Gordam. (Ar-
quivo Nacional, armário 17, maço 6, n." 5).
Traslado de carta de certos privilégios da Ordem de Cristo. —
A 17 de agosto de 1478, Gomes Eannes de Zurara passou, como
guarda-mór da Torre do Tombo, o traslado da carta dos privi-
légios concedidos, por el rei D. Fernando à Ordem de Cristo (3),
do qual atrás se deu notícia.
Emprazamento de um logar situado junto do rêgo de Alvalade.
— Em 19 de dezembro de 1478, Gomes Eannes de Zurara outor-
gou, como procurador do convento de Almoster, no instrumento
(i) Doe. XX.
(2) Veja-se Damião de Góes, Crónica dei rei D. Manuel, quarta parte, cap. xxxviii.
(3) João Pedro Ribeiro, Memórias autênticas para a história do Real Arquivo da
Torre do Tombo, Lisboa, 1819, p. 21.
de emprazamento, em vida de três pessoas, a Inês Gonçalves,
mulher que foi de Rodrigo Eanes Avangelho, morador na cidade
de Lisboa, de um logar que o convento de Almoster possuía no
rêgo de Alvalade, Junto da quinta da capela do Bispo D. Gil
Alma, no termo da mesma cidade, que se compunha de uma vi-
nha com suas oliveiras e árvores de fruto, e suas casas e lagar,
com a condição de pagar ao convento, de foro e pensão, trezen-
tos reais brancos e um par de frangãos, em cada ano pela Pás-
coa da Resurreição. O instrumento foi escrito em Lisboa, no
paço dos tabeliães, por Álvaro Afonso, tabelião geral dei rei (i).
Procurador do convento de Ahnoster na comarca da Estrema-
dura.— A 2 de abril de 1474, o mosteiro e convento de Santa
Maria de Almoster, representado por D. Isabel de Andrade, aba-
dessa, Inês dAfonseca, prioreza, Branca Rodrigues, sub-prioreza
Maria Carvalhaes, celeireira, Brás Afonso, samchristão, e Isabel
Dornelas, Beatriz Velha, Catalina Gil e Inez dAfonseca, consti-
tuíram seu bastante procurador a Gonçalo Pires, criado qiae foi
de Gomes Eannes de Zurara, comendador da comenda do Pi-
nheiro Grande, e que Deus haja, para aforar e emprazar os bens
que o mesmo mosteiro possuía fora da comarca da Estremadura,
e receber as rendas, foros, pensões e dívidas do mesmo mosteiro;
era pois já falecido naquela data Gomes Eannes de Zurara (2).
Falecimento. — Resulta dos dois documentos precedentemente
citados, que tem respectivamente a data de 19 de dezembro de
1473 e 2 de abril de 1474, que Gomes Eannes de Zurara faleceu
no intervalo de tempo decorrido entre as mesmas datas; mas não
é conhecido o dia certo do seu falecimento, a localidade em que
faleceu, e o logar em que foi sepultado.
Dos antigos escritores somente Damião de Góes informa, que
(1) Doe. XXI.
(2) Doe. XXII.
Gomes Eannes de Zurara viveu alguns annos depois de 1472, o
que é confirmado pelos documentos precedentemente citados.
Retrato de Gomes Eannes de Zurara. — No painel do altar de
S. Vicente, atribuído a Nuno Gonçalves, do terceiro quartel do
século XV, e que é denominado Painel do Arcebispo, atualmente
depositado no Muzeu de arte antiga, está pintada, junto do ân-
gulo superior esquerdo, uma figura, que José de Figueiredo,
no seu livro O Pintor Nuno Gonçalves, julga ser o retrato de
Gomes Eannes de Zurara, cronista e guarda-mór da Torre do
Tombo (i). A figura representa um homem de sessenta anos, de
corpo grosso, de rosto rugoso e sem barba, com um sinal, que
parece cicatriz, na pálpebra superior do olho direito; é vestido de
uma vestimenta escura abotoada até ao pescoço; a cabeça está
coberta com um barrete preto, alto e de forma cilíndrica; e na
mão esquerda tem um livro volumoso, encadernado e com fechos
de metal.
Aires de Sá, no artigo intitulado Frei Gonçalo Velho, publicado
no tomo XXX da Revue Hispanique {2), considera a mesma figura
como sendo o retrato do Frei Gonçalo Velho, comendador da Or-
dem de Cristo. Para confirmar esta identificação, Aires de Sá cita
uma passagem das Saudades da Terra, por Gaspar Frutuoso, na
qual se conta que Frei Gonçalo Velho, estando em uma pousada
lendo o Hvro de Horas, foi agredido com um virotão, sendo salvo
pelo livro; e uma passagem da Crónica do conde D. Pedro de Me-
neses (parte u, cap. ix), em que se refere que o mesmo Frei Gon-
çalo Velho «recebeu uma ferida por acerca do olho, porque lhe ao
deante conveiu perder gram parte da vista.» A esta identifica-
ção, porém, não se inclina Afonso Lopes Vieira, na sua conferên-
cia sobre Apoesia dos painéis de S. Vicente, considerando a mesma
(i) José de Figueiredo, O Pintor Nuno Gonçalves, Lisboa, 1910, p. 63 a 65, e foto-
tipía em frente da página 164.
(2) Aires de Sá, Frey Gonçalo Velho, comentário, e.\trato da Revue hispanique.
Paris, 191 4, p. 45 a 49.
ligura como sendo o retrato de Gomes Eannes de Zurara. Deve
ainda observar-se que o retrato de Frei Gonçalo Velho, comenda-
dor da Ordem de Cristo, teria de preferência o seu logar no painel
denominado dos Cavaleiros, do que no painel do Arcebispo (i).
A identificação, proposta por Aires de Sá, também não foi
aceite por José de Figueiredo, que diz que o sinal, que se observa
na pálpebra superior do olho direito da mencionada figura, é
resultado dos desastres sofridos pelo painel, e não um pormenor
propositado do pintor; e que a identificação proposta por Aires
de Sá está em oposição com o espírito iconográfico revelado na
obra de Nuno Gonçalves e com regras especiais da época (2).
D. Francisco Manuel de Melo nos Apólogos dialogais, refe-
rindo-se a Gomes Eannes de Zurara, diz (3): «chronista antigo,
tão cândido de penna como de barba». Não sabemos se este
caracter físico, que D. Francisco Manuel de Melo atribue a Gomes
Eannes de Zurara, é fundado na observação de algum retrato
deste, ou em alguma notícia escrita ou tradição oral; ou se aquela
frase é apenas uma figura de retórica, aludindo à singeleza de
estilo das obras de Gomes Eannes de Zurara, e á circunstância
deste ser um dos mais antigos cronistas dos reis de Portugal.
Descendência. — Os cavaleiros e comendadores da Ordem de
Cristo professavam o voto da castidade, que impedia ou anu-
lava o casamento, o que primitivamente era rigorosamente obser-
vado (4); mas depois, por dispensação da Papa Alexandre VI, os
cavaleiros e comendadores podiam casar, e professavam a casti-
dade conjugal (5). Não consta que Gomes Eannes de Zurara
(i) Acta da sessão da Comissão dos Centenários da tomada de Ceuta e da morte
de Afonso de Albuquerque, de 18 de janeiro de igiS.
(2) Acta da sessão da 2.* Classe da Academia das Sciências de Lisboa, de 9 de de-
zembro de 1915.
(3) D. Francisco Manuel de Melo, Apólogos dialogais, Lisboa, 1721, p. 455.
(4) Definições e estatutos dos cavaleiros e freires da Ordem de N. S. Jesu Cristo,
Lisboa, 1628, p. 70.
(5) Rui de Pina, Crónica dei rei D. Duarte, cap. viii, ed. A. Coelho de Magalhães,
Porto, 1914, p. io3.
fosse casado; mas deixou um filho e duas filhas de ínez Gon-
çalves, os quais depois da morte de seu pai alcançaram a sua
legitimação por cartas dei rei D. João II. Os filhos de Gomes
Eannes de Zurara foram :
1 . Catarina da Silveira, donzela da condessa de Loulé, legiti-
mada por carta dada em Évora, a 22 de junho de 1482 (i);
2. Gonçalo Gomes de Zurara, escudeiro da casa dei rei
D. João II, legitimado por carta dada em Torres Novas, a 8 de
abril de 1483 (2).
3. Felipa Gomes, legitimada por carta dada em Torres No-
vas, a 8 de abril de 1483 (3).
Catarina da Silveira, pela sua carta de legitimação, não só
podia haver todas as honras e privilégios, que de facto e de di-
reito lhe pertencessem, como se fosse nascida de legítimo matri-
mónio, mas também podia haver e herdar os bens de sua mãe e
de outras pessoas, que lh'os dessem ou deixassem por testamento
ou doações, e ainda podia suceder em morgados e quaisquer
outras heranças e direitos, que lhe fossem doados ou deixados; e
enfim era-lhe concedida a nobreza e o privilégio, que por direito
e ordenação do reino deveria ter, como se fosse nascida de legi-
timo matrimónio.
E possível que a Inez Gonçalves, mãe dos filhos de Gomes
Eannes de Zurara, fosse a mulher do mesmo nome, que foi casada
com Rodrigo Eannes Avangelho, à qual o convento de Almoster,
por instrumento datado de i de dezembro de 1473, aforou um
logar situado no rêgo de Alvalade, termo da cidade de Lisboa,
junto da quinta da capela do bispo D. Gil Alma, tendo outorgado
por parte do convento como procurador o próprio Gomes Ean-
nes de Zurara (4); todavia não se conhece documento algum que
prove esta identificação.
(i) Doe. XXIII.
(2) Doe. XXIV.
(3) Doe. XXV.
(4) Doe. XXI.
Trabalhos literários.- — Dos trabalhos literários atribuídos a
Gomes Eannes de Zurara, são autênticos por sua própria decla-
ração, a Crónica da conquista de Guiné, a Crónica da tomada de
Cepta, a Crónica do conde D. Pedro de Meneses e a Crónica do
conde D. Duarte de Meneses, das quais já atrás se deu notícia, e
indicou a época em que foram compostas. Mas àlêm destes, outros
trabalhos literários lhe foram atribuídos pelos escritores posterio-
res; e esta atribuição mostra, que Gomes Eannes de Zurara go-
sava, nos séculos xvi a xviii, de grande crédito como escritor,
sobre tudo como cronista; e por isso diversos escritores procu-
rarem autorizar as suas obras, fazendo-as divulgar sob o nome
de Gomes Eannes de Zurara.
Crónicas de D. João I, de D. Duarte e de D. Afonso V. —
D. Duarte, sendo ainda infante, encarregou Fernão Lopes de
escrever as crónicas dos reis de Portugal, que antigamente tinham
reinado, assim como os feitos dei rei D. João I, seu pai (i). Gomes
Eannes de Zurara informa que Fernão Lopes não pode chegar
com a composição da Crónica dei rei D. João I senão até ao
tempo, em que os embaixadores de Portugal foram a Castela
primeiramente firmar as pazes com o infante D. Fernando, de-
pois rei de Aragão, e com a rainha D. Catarina, que naquele
tempo eram tutores de D. João, rei de Castela (2). Damião de
Góes, na Crónica dei rei D. Manuel (quarta parte, capitulo xxxviij)
diz o seguinte acerca da parte, que Gomes Eannes de Zurara
teve na composição da Crónica dei rei D. João I, e nas dos seus
sucessores D. Duarte e D. Afonso V: «E quanto a [crónica] dei
rei Dom Duarte nom ai duuida senam que o texto substancial
delia he de Fernam Lopez, e os razoamentos da ida de Tanger
de Gomes Eanes de Zurara, que parece que por o volume ser
pequeno lhe quiz acrecentar aquelles razoamentos, com o enterra-
mento dei rei Dom Joam, que conuinha á terceira parte da sua
(i) Doe. XXVIII.
(2) Crónica da tomada de Cepta, cap. iij.
crónica, se se fezera, que nam ao começo da dei rçi Dom Duarte
seu filho, a qual se ve mui claro do stylo que he tocada de três
príncipes, o primeiro de Fernão Lopez, o segundo de Gomes Eanes
de Zurara, o terceiro de Rui de Pina. Nem he de crer que
mandasse el rei Dom Afonso quinto Gomes Eanes de Zurara
a Alcácer Ceguer pêra se la melhor informar dos feitos do conde
Dom Duarte e os escreuer, sem ser acabada e apurada a crónica
dei rei seu pai; porque quem era tão curioso de fazer vir em
luz os feitos deste conde Dom Duarte, e do conde Dom Pedro seu
pai, e os dos reis passados, que pêra se diuulgarem em lingua
latina mandou vir de Itália Dom Justo frade da Ordem de S. Do-
mingos, a quem por esse respeito fez bispo de Septa, não deuia
de mandar começar a tal obra sem primeiro ordenar, que se aca-
basse de todo a crónica dei rei seu pai. E pois tenho dito de
todas estas crónicas, razão he que declare o que entendo da dei
rei Dom Afonso V, a ordem da qual crónica mostra manifesta-
mente ser tudo o que se trata des no tempo que el rei D. Duarte
faleceo ate á morte do infante D. Pedro, de Gomes Eanes de
Zurara, o que se também proua do capitulo xxxxiij da Crónica
da tomada de Septa que elle compôs, onde diz, que do que se
seguio, depois do falecimento dei rei D. Duarte acerca da morte
do dito infante dirá ao diante. O qual Gomes Eanes de Zurara
screueo também a tomada de Arzila, que foi no anno de mil
quatrocentos setenta e hum, porque elle viueo alguns annos depois
dos de mil quatrocentos setenta e dous, em que passou huma
carta per mandado do mesmo rei Dom Afonso aos moradores
de Cascaes do foral de Syntra, nam he de crer, que deixasse
por escreuer feitos tão notaueis como o foram os da tomada de
Alcácer, Arzila e Tanger, pois aconteceram em seu tempo; mas
depois de seu falecimento nam acho quem foi o que continuou
nesta crónica, no qual tempo foram as guerras dantre estes regnos
e os de CasteUa, depois das quaes e de serem feitas as pazes, o
que se mais screueo ate ho fim delia, o estylo e ordem mostram
serem de Rui de Pina, ao qual, posto que se intitule autor de
toda esta crónica, nem negarei o que se lhe deue por reuer e
concertar o que nella fez Gomes Eanes e os demais escritores.
De maneira que esta crónica dei rei Dom Afonso quinto foi
começada per Gomes Eanes, e depois continuada per outros
escritores, e finalmente acabada per Rui de Pina.»
Do que precede resulta que os trabalhos de Gomes Eannes
de Zurara, relativos à composição das crónicas do reis de Por-
tugal, são:
I." Fernão Lopes escreveu a primeira e segunda parte da
crónica dei rei D. João I, até ao tempo em que os embaixadores
de Portugal foram a Castela e firmaram as pazes, o que se fez em
141 1 ; a terceira parte não foi nunca escrita. Dos feitos de rei-
nado dei rei D. João I, desde aquele ano, até ao seu falecimento
em 1432, somente foram escritas por Gomes Eannes de Zurara:
a Crónica da tomada de Cepta, e como sua continuação a Crónica
do conde D. Pedro de Meneies; a narração do falecimento dei rei
D. João I, depósito do seu corpo na sé de Lisboa, e triumpho com
que depois foi levado e trasladado ao Real Mosteiro da Batalha (i).
A Crónica da tomada de Cepta e a narração do falecimento e tras-
ladação dei rei D. João I foi muito mais tarde considerada como
formando a terceira parte da crónica do mesmo rei, e impressa
com esse título (2).
2." Da Crónica dei rei D. Duarte, que tem o nome de Rui de
Pina, os razoamentos da ida a Tanger (cap. x a xx).
3." Da Crónica dei rei D. Afonso V, que tem o nome de Rui
de Pina, a parte desde o tempo em que el rei D. Duarte faleceu
até à morte do infante D. Pedro (até ao cap. cxxix).
As partes das crónicas dei rei D. Duarte e dei rei D. Afonso V, que
compoz Gomes Eannes de Zurara, foram depois reformadas por Rui
de Pina, que exerceu o cargo de cronista desde 1 5 1 3 até que faleceu.
(i) Crónica dei rei D. João I, dividida em três partes foi publicada pelas diligên-
cias de D. Rodrigo da Cunha, bispo do Porto, e impressa por António Alvarez em Lis-
boa no ano de 1644.
(2) Veja-se a edição citada na nota precedente.
Milagres do santo condestabre D. Nuno Alvares Pereira. —
frei Joseph Pereira de Sant'Ana, na Crónica dos Carmelitas (i),
conta que Gomes Eannes de Zurara compoz no tempo dei rei
D. Duarte (143 3- 1437) um livro com a narração dos milagres,
que Deus obrou pelos merecimentos do santo condestabre
D. Nuno Alvares Pereira; e que no seu tempo (em 1745) o
original manuscrito do mesmo livro se guardava no arquivo do
convento de santa Maria do Carmo em Lisboa. Dos milagres
narrados no mesmo livro fez o padre presentado frei Jorge Co-
trim um sumário, que incluiu no seu Cannelo Lusitano; do qual
o mencionado frei Joseph Pereira de SanfAna transcreveu
para a Crónica dos Carmelitas (tomo i, parte iii, capítulo xxi) as
notícias relativas aos milagres em número de duzentos (n."' io52
a i25i).
Não há outras notícias àcêrca do manuscrito da mencionada
obra atribuída a Gomes Eannes de Zurara, nem da atribuída a
Frei Jorge Cotrim, senão as que são dadas pela Crónica dos Car-
melitas; por isso D. Carolina Michaèlis de Vasconcellos é de
parecer, que a mencionada obra é uma piedosa fraude, inven-
tada na primeira metade do século xvii com o fim de preparar
materiais para a canonisação do condestabre D. Nuno Alvares
Pereira (2). E com efeito nos sumários feitos por frei Jorge Co-
trim, conforme são transcritos por frei Joseph Pereira de Sant'Ana,
fazem-se alusões a pessoas que viveram em tempos posteriores
ao falecimento de Gomes Eannes de Zurara; referem-se sucessos
que repugnam à veracidade histórica, que se observa nas obras
autênticas do mesmo cronista, e que não tem outro fundamento
senão a crença dos fieis; e que os religiosos do convento de
santa Maria do Carmo de Lisboa recolheram para aumentar a
veneração do santo condestabre e o crédito do seu mosteiro; e
por isso a atribuição da mesma obra a Gomes Eannes de Zurara
(i) Crónica dos Carmelitas, por fr. Joseph Pereira Sant'Anna, tomo i, Lisboa,
1745, parte iii, capitulo xxi.
(2) E. Prestage, The life and writings of Azurara, p. vii, nota 2.
é um artifício literário, com que se pretendeu dar crédito à obra
com a autoridade do suposto autor.
Crónica de D. Duardos, Princepe de Bretanha. — A Gomes
Eannes de Zurara é atribuída a tradução em português de um
romance de cavalaria, que tem por título, Crónica de D. Duardos,
princepe de Bretanha, que se diz ter sido composta por Henrique
Frusto, cronista inglês. Esta obra compõe-se de três partes, está
ainda inédita, e só é conhecida pelas cópias manuscritas exis-
tentes na Biblioteca Nacional de Lisboa.
A primeira parte tem por título : «Chrónica do invicto D. Duar-
dos de Bertanha, princepe de Ingalaterra, filho de Palmeiry e da
Princeza Polinarda, do qual se contam seus estremados feitos em
armas, e puríssimos amores, com outros de outros caualleiros
que em seu tempo concorrerão. Composta por Henrrique Frusto,
chronista ingres, e tresladada em português por Gomes Ennes
de Zurara, que fes a Chrónica dei Rey Dom Aífonço Henrriques
de Portugal, achada de nouo entre seus papeis.»
Desta primeira parte existem três cópias na Biblioteca Na-
cional de Lisboa, Mss. 6828 (U-2-100), 619(6-10-6) e 620(6-10-7);
o primeiro destes manuscritos é o mais antigo, e data do século
XVIII ; em duas destas cópias a obra tem oitenta capítulos, e na
outra setenta e seis.
Na cópia do Ms. 620 (B-10-7), que é do século xviii, o título
da obra é: «Chrónica de Primaleão, emperador de Grécia, Pri-
meira parte. Em que se conta das façanhas que obrou o Prin-
cepe Dom Duardos e os mais Princepes que com elle se criarão
na Ilha Perigosa do sábio Daliarte.» A composição da obra é
atribuída a Guilherme Frusto autor hibernio; não é dado o
nome do tradutor, mas somente o do copista Simisberto Pa-
chorro.
A segunda parte tem por título: «Segunda parte da crónica
do Princepe Dom Duardos. Composta por Henrique Frusto, e
tresladada por Gomes Enes da Zurara, autores da primeira parte.»
Desta segunda parte existe somente uma cópia na Biblioteca
Nacional de Lisboa, Ms. 6829 (U-2-101), do século xvii; a obra
é dividida em oitenta e seis capítulos.
A terceira parte tem por titulo : «Terseira parte da chronica do
Princepe Dom Duardos composta por Henrique Frusto, e tresla-
dada por Gomes Enes da Zurara, a autores da i.'' e 2.* partes.»
Desta terceira parte também só há uma cópia na Biblioteca
Nacional de Lisboa, Ms. 683o (U-2-102), do século xvm; a obra
é dividida em trinta e cinco capítulos, mas termina abruptamente,
parecendo que está incompleta.
Não é conhecido nenhum cronista inglês ou irlandês de nome
Henrique (ou Guilherme) Frusto (Frost); e o estilo e linguagem
destas supostas traduções são muito dessimilhantes dos das
obras autênticas de Gomes Eannes de Zurara; o que faz presu-
mir, que a Crónica de Dom Duardos, contida nos manuscritos
acima mencionados, não é tradução de um original inglês, como
se afirma no título^ mas que é composição original de um escri-
tor português anónimo, do século xvi, que quis autorizar a sua
obra com o nome daqueles dois escritores, artifício literário
muito usado pelos autores dos romances de cavalaria (i).
Cronista. — Nos séculos xv e xvi floresceu em Portugal uma
plêiade de cronistas, que com as suas obras fundaram os estudos
históricos da sua nação, e muito contribuíram para apurar a
língua portuguesa e fixar o estilo da prosa narrativa. Entre eles
os que mais se distinguiram, foram : Fernão Lopes, Gomes Ean-
nes de Zurara, Duarte Galvão, Rui de Pina, Damião de Góes,
Francisco de Andrade, Fernão Lopes de Castanheda, Gaspar
Correia, João de Barros e Diogo do Couto. Gomes Eannes de
Zurara foi por ordem cronológica o segundo destes cronistas ; e
as suas obras foram compostas entre os anos de 1448 e 1474,
isto é, antes do começo do renascimento literário em Portugal.
(i) E. Prestage, The life and writings qf Azurara, p. Ixiii a Ixvii.
As crónicas compostas por Gomes Eannes de Zurara são do
maior valor histórico; em primeiro logar o seu autor foi contem-
porâneo dos acontecimentos, que nelas se referem; e as pessoas
que o informaram, e cujo testemunho invoca, são as mais autori-
sadas pela sua elevada posição social, por terem tomado parte
nos mesmos acontecimentos, assistido a eles, ou pelo menos por
terem residido nos logares em que eles se passaram. Na sua narra-
ção parece ter sido inspirado somente pelo amor da verdade, não
se movendo por nenhum respeito humano, nem por mesquinhas
emulações; e tão verdadeiro é, que parece ter preferido deixar
incompleta a narração dos acontecimentos, do que referi-los sem
ter exacta informação de testemunhas de vista (i). Posto que
confesse um ilimitado respeito pela autoridade rial, a sua crítica
dos factos é imparcial e justa ; descreve os heróis com as eminen-
tes qualidades que os distinguiram, mas sem encobrir as suas fra-
quezas humanas. Os discursos, que êle põe na boca de muitos
personagens, mostram que êle tomou como modelo as obras de
Tito Livio e de Salustio, que lia e cita frequentes vezes; mas tem
o cuidado de advertir o leitor, que os mesmos discursos são ape-
nas lembranças, que lhe comunicaram os que os pronunciaram
ou os ouviram (2).
Gomes Eannes de Zurara evitou, o que não fez Fernão Lopes
algumas vezes (3), o uso de linguagem livre, e não empregou
palavras torpes, nem narrou factos obscenos; é sempre muito
discreto, guarda o respeito devido à honra e o decoro à hones-
tidade , e as suas obras podem ser Hdas sem hesitação nem rubor
(i) Visconde de Santarém, Crónica do descobrimento e conquista de Guiné, Paris,
1841, p. XI e XII.
(2) E. Prestage, The life and writings of A:^urara, p. xlx a liii.
(3) Veja-se na Crónica dei rei D. Fernando, (cap. liii) o dito, sem dúvida popular,
ãcêrca do juramento do contrato do casamento do mesmo rei com a infante D. Leonor,
filha de D. Henrique, rei de Castela ; na Crónica de D. João I, (primeira parte, cap. clviii,
ed. Braamcamp) as palavras e cantiga de Fernão Gonçalves a sua mulher; e na Cró-
nica dei rei D. Fernando, (cap. c e ciii) a narração dos amores do infante D. João com
D. Maria Teles, e da morte desta : e compare-se com a notícia de Gomes Eannes de Zu-
rara acerca da doença da rainha D. Filipa. (Crónica da tomada de Cepta^ cap. Rv).
deante de todas as pessoas, qualquer que seja a sua idade ou
sexo.
Sob o ponto de vista literário as crónicas, compostas por
Gomes Eannes de Zurara, tem sido apreciadas de modo diferente.
Mateus de Pisano (i), grande humanista e contemporâneo de
Gomes Eannes de Zurara, dá a este escritor o nome de grande
historiador (magnus historiographus).
João de Barros (2) diz que Gomes Eannes de Zurara no mis-
ter da história foi homem assas diligente, e que bem mereceu o
nome do oficio de cronista que teve; que o seu estilo é claro; e
que se alguma coisa havia, até ao seu tempo, bem escrita das
crónicas do reino de Portugal, era da sua mão.
Damião de Góes (3) diz que Gomes Eannes de Zurara usou, no
que escreveu, de algumas palavras e termos antigos, com razoa-
mentos prolixos e cheios de metáforas ou figuras, que no estilo
histórico não tem logar.
José Correia da Serra (4) diz: «O estilo de Gomes Eannes
de Zurara não he uniforme, parecem duas diversas vozes. A
sua narração ordinária he singela, cheia de bom senso, e não
falta de elegância ; mas de tempo em tempo lembra-lhe a agreste
rethorica, que tão tarde tinha estudado, e ostenta, seja-me licito
dizer assim, hum estilo de falsete. O primeiro era o que a natu-
reza lhe tinha dado, o último era fruto dos seus mal sazonados
estudos. Comtudo estes mesmos defeitos são agora interessantes
para nos dar huma idea do saber e gosto daquelle século, e das
suas frazes podem os estudiosos da nossa lingua tirar informa-
ções do passado e algum proveito para o futuro.»
Alexandre Herculano (5) faz a seguinte apreciação das crónicas
compostas por Gomes Eannes de Zurara : «Do merecimento lite-
rário de Gomes Eannes de Azurara diremos em breves palavras o
(i) De bello Septensi, C. I. H. P., i, p. 26-27.
(2) Década primeira da Ásia, liv. i, cap. 11 e liv. 11, cap. i.
(3) Crónica do princepe D. João, cap. vi.
(4) C. 1. H. P., II, p. 210.
(5) Gomes Eannes d' Azurara, em o Panorama, volume 111, Lisboa, iSjg, p. 25 1.
que entendemos. Pode-se de algum modo comparar ao italiano
Alfieri, posto que pareça pouco exacta qualquer comparação entre
um autor de crónicas e um poeta dramático. £ todavia muito ha
em um que do outro se possa dizer : ambos chegaram a idade viril
sem possuírem os rudimentos sequer das boas letras; nos escritos
de ambos aparece o resultado desta falta de educação literária :
ha em um e outro certa inflexibiUdade feroz, e ausência inteira
daquelas graças de estilo, que nascem do coração, amaciado
desde a infância pela cultivação do espirito; as concepções nas-
cem-lhes do entendimento, como Minerva da cabeça de Júpiter,
coberta, por assim dizer, de um arnez de ferro. Louva-se em
Azurara, e de louvar talvez é, a sinceridade bravia, com que
lança em rosto aos heroes, cujas façanhas escreve, os defeitos
que tiveram, os erros e culpas em que caíram ; nisto se parece
também de certo modo com Alfieri. Mas nós preferimos o sys-
tema de Froissart e Fernão Lopes ; para cada um dos seus heróis
havia nestas almas generosas um typo ideal, a que procuraram
assimilha-los engrandecendo-os ; e por ventura que mais profícua
é assim a historia ao género humano. Para acabarmos um
paralelo, que poderíamos levar mais longe, notaremos a tendên-
cia dos dois escritores, que colocamos em frente um do outro,
para philosophar trivialidades, e ostentar elegâncias rhetoricas, e
erudições suadas para eles, e impertinentes para os leitores.
Move o riso ver o pobre Azurara a lidar pôr claro como a luz
do dia, com a autoridade de S. Jerónimo, Salustio, Fulgencio, e
casy todolos outros autores, que são temíveis as más linguas,
como causa sono observar os tratos que o ilustre dramaturgo
italiano dá ao juizo para nos fazer odiar a tyrania, acerca da qual
escreveu um volume, cousa muito escvisada na moderna litera-
tura. Todavia em ambos eles a sinceridade das intenções supre
de algum modo a aridez e o vazio da obra. Posto porém que
Azurara esteja em grau inferior a Fernão Lopes, não deixou de
fazer com os seus escritos bom serviço a literatura pátria. João
de Barros o tinha em subida conta, e até no estilo dele se com-
prazia. Não assim Damião de Góes, que foi o primeiro a notar-
Ihe as afectações rhetoricas. Infelizmente para Azurara, Góes era
melhor juiz : e a posteridade confirmando a sentença do perspi-
caz chronista de D. Manuel, rejeitou o parecer do historiador da
índia.»
O Visconde de Santarém (i) diz : «Pelo que respeita ao estylo
do autor [Gomes Eannes de Zurara], diremos que Damião de
Góes o reprova, em quanto que o grande historiador João de
Barros, por certo melhor autoridade, o louva e aprova. Como
quer que seja, o leitor julgará per si mesmo do estylo, em nosso
entender admirável, dos capítulos ii e vi [da Crónica da conquista
de Guiné] em um autor que escreveo quasi um século antes do
nosso primeiro clássico.»
A. da C. Vieira de Meireles (2) faz a seguinte apreciação de
Gomes Eannes de Zurara, como cronista : «Como historiador, a
critica não pode ser severa para Gomes Eannes. Coevo com os
grandes vultos, cujas ações descreve, era-lhe dificuldade quasi
invencível não se deixar entrar de ruins paixões. Mas a sua his-
toria está ahi a dizer-nos, que nem respeitos humanos o move-
ram, nem mesquinhas invejas lhe abalarem o animo. E se alguma
cousa ha a exprobar-lhe é talvez a demasiada franqueza com que
pinta e fulmina os erros dos seus heróis. Dotou-o a natureza
Hberalmente, engrandeceu o historiador o património. A um
juizo maduro e claro entendimento aliou Gomes Eannes não
vulgar erudição, colhida nos bons mestres da antiguidade, e
ainda que serôdia, germinou a semente, não caiu em torrão
safaro, mas frutificou saborosíssimos frutos. Na sua veracidade
como historiador não ha por-lhe escrúpulos o mais prudente.
Naquelas páginas tão singelamente escritas ha mais que um
reverbero de verdade, naquele estilo ás vezes tão desgarrado,
adivinha-se inteira sinceridade. E quasi sem o querermos, toma-
mos de improviso outro objecto, o estilo de Azurara. Paliando
(1) Crónica do descobrimento e conquista de Guiné, Paris, 1841, p. xi.
(2) Gomes Eannes d' Azurara, no Instituto, vol. ix, Coimbra, i8õi, p. 107 e 108.
deste ultimo disse o Livio português, «se alguma cousa ha bem
escrita das crónicas deste reino, é de sua mão» ; e Damião de
Góes «que elle usava no escrever de algumas palavras e termos
antigos, com razoamentos prolixos e cheios de metáforas ou figu-
ras que no estilo histórico não tem lugar». Nós cremos que na
frase de Barros vai exagerado encarecimento, e nas palavras de
Góes ha calculado menospreço. Se o estilo de Azurara nem
sempre lhe cai dos bicos da pena fácil e natural, se o colorido da
frase desaparece as vezes num traço de erudição massuda, não
ha todavia razão para o alcunhar de prolixo e sempre afectado.
O historiador da descoberta e conquista de Guiné, o predecessor
de Cadamosto, não carece de emprestados louvores; nos precio-
sos livros que nos legou, está escrito o seu elogio.»
MANUSCRITOS
DA Crónica da tomada de Cepta por el rey Dom Joham o pri-
meiro existem numerosas cópias manuscritas nas livrarias
públicas e particulares de Portugal. As cópias de que
obtivemos noticia, são as seguintes :
Arquivo Nacional (Torre do Tombo) :
1. Códice n." 368, do fim do século xv ou principio do sé-
culo XVI, (A) ;
2. Códice n.° 355, do princípio do século xvi, (B).
Biblioteca Nacional de Lisboa :
3. Códice n." 385, do século xvii, (C);
4. Códice n." 3gi, do século xvi, (D);
5. Códice de Alcobaça n.° 473 (moderno n." 317), do sé-
culo XVII, (H).
Museu etnológico de Lisboa :
6. Códice E, 3238, do século xvii ou xvni, (E).
Biblioteca do Paço de Ajuda :
7. Códice 49-XI-65, do século xvi, (F).
Biblioteca pública municipal do Porto :
8. Códice n." 86, do século xviii, (M).
Livraria de Anselmo Braamcamp Freire :
9. Códice C, 33 1, do século xviii, (G).
Livraria da Casa Cadaval :
10. Códice (sem numeração), do século xvi, (N).
Livraria do comendador José António Vieira Marques, de
Braga :
1 1. Códice (sem numeração), do século x-^q, (P).
É provável que, àlêm dos manuscritos precedentemente men-
cionados, existam ainda outros, quer nas bibliotecas públicas,
sobre tudo de Évora, Coimbra e Braga, quer nas livrarias parti-
culares. Galhardo (i) informa que D. Pedro Portocarrero y Guz-
man, patriarcha das índias, de cuja livraria foi impresso o catá-
logo em Madrid em 1708, possuía um manuscrito intitulado
Crónica de Ceuta (2). Consta também existir um manuscrito da
mesma crónica na Biblioteca Nacional de Madrid.
A. Manuscrito do Arquivo Nacional (Torre do Tombo), có-
dice n.° 368.
Este manuscrito é um livro de íino pergaminho, composto de
i3 cadernos, tendo cada um cinco folhas duplas. Os cadernos
estão cosidos e ligados entre si, mas não tem pastas de encader-
nação; guarda-se dentro de uma pasta de papelão atada com
duas fitas de algodão.
As folhas tem o°',390Xo°',290 ; em cada página a parte escrita
ocupa um rectângulo de o'",29oXo"',235 ; a escrita de cada pá-
gina está disposta em duas colunas, cada uma de 33 linhas ;
cada linha tem em média 33 letras.
A letra é do tipo gótico (francesa), de uma só mão ; as razu-
ras, entrelinhas e aposições nas margens são muitas raras; a
forma da letra é muito perfeita e bela, e do fim do século xv.
As folhas são marcadas com numeração romana : J, ij, iij, . . .
até cxxx; a numeração está escrita por cima do princípio da
I,* linha da 2.* coluna da página recto (3). No fim da página
verso da última folha de cada caderno, por baixo da 2.* coluna,
(i) Ensaio de uma biblioteca espanola, por D. Bartolomé José Galhardo, Madrid,
i863.
(2) E. Prestage, The life and writings of Azurara, p. Iv, nota 1.
(3) Esta numeração foi escrita evidentemente em época posterior àquela em que
foi escrito o manuscrito sem atender, a que no princípio faltava um caderno (dez folhas).
na margem exterior, está escrita obliquamente a primeira pala-
vra da página seguinte.
Os títulos dos capítulos são escritos a tinta vermelha; e a
indicação do número de ordem do capítulo é dada depois do
título.
A letra inicial da primeira palavra do texto de cada capítulo
é maiúscula, e está compreendida em um rectângulo de o",o35x
o°',025 em média, formando um fundo escuro; a letra inicial é
floreada, e está ligada com uma silva de folhas, fiores e frutos,
que se estende pela margem esquerda dessa coluna em toda a
altura da parte escrita da página; tanto a letra como a silva
são finamente desenhadas a cores. A segunda letra da mesma
palavra inicial é também maiúscula, mas da grandeza das letras
do texto.
Os sinais de pontuação são a vírgula, indicada por um traço
rectilíneo oblíquo, e o ponto ; a sua distribuição não é bem con-
forme com o sentido das frases. O começo dos períodos é indi-
cado por um sinal formado por um arco de circulo, como cres-
cente, com a convexidade voltada para a esquerda, e limitado
pelo lado direito por duas linhas rectas paralelas entre si; este
sinal é desenhado a azul, e muitas vezes os dois pequenos
espaços compreendidos entre o arco e as linhas rectas são dou-
rados.
A cópia contida no códice n." 368 foi feita com grande cui-
dado, e é muito correcta; contem diversas particularidades de
escrita, de que em seguida se dá notícia.
1. Abreviaturas. — As abreviaturas usadas são: cri, e, n (nh),
os, per, pra, pri, que, ser, ds (Deos), Jliú (Jhesu), xpó (Christo),
xpraãos (christaãos).
2. Vogal i. — A vogal i, inicial de palavra, é representada
por;(i); e o i, vogal subjuntiva do ditongo oral iti, é também
representada pory, para evitar a confusão do ditongo ui com a
(i) 0^' é sempre maiúsculo ; por isso fez-se imprimir Iffante, que é escrito Jffante.
letra m. Os ii, i dobrado, é representado por ij (tijnha, perijguo,
jmmijgo) para evitar a sua confusão com a letra n ou u.
Em vez de z usa-se frequentes vezes j"; principalmente como
vogal subjuntiva de ditcngo, ou para preencher o espaço do fim
de linha.
3. Vogais dobradas. — Os sons abertos das vogais í7, e & o,
e o i tónico são muitas vezes representados pelas vogais dobra-
das aa, ee, oo e ij, (ataa, ffee, oolhou, jmmijgos).
4. Nasalação das vogais. — A nasalação das vogais é repre-
sentada por m tanto antes de vogai e de b, m e p, como antes de
todas as outras consoantes ; se porém o espaço disponível da
linha não é suficiente para escrever o m, a nasalação é indicada
pela letra n, ou por til colocado sobre a vogal nasal.
É também representada por n a nasalação do e da terminação
ente das palavras, como dereitamente ; e ainda muitas vezes a
nasalação do u da palavra mundo.
A nasalação das vogais dobradas aa, ee, 00, ini, é indicada
pelo til colocado sobre as vogais de modo indeciso, parecendo
todavia ser sobre a segunda vogal.
5. Enfraquecimento das vogais a, i e o. — As vogais a e i,
atonas enfraquecem algumas vezes, sendo substituídas por e,
assim : rreiam (razão), deier (dizer), dereitamente (direitamente),
fe:{estes (fizestes), /e:{e55e (fizesse), esteuesse (estivesse) etc.
O o final da palavra co^no também enfraquece, se a palavra
seguinte começa por o; assim : come homem (como homem).
6. Queda do e final da palavra. — O e final de palavra, e
átono, cai algumas vezes, sobretudo se a palavra seguinte começa
por vogal : assim é escrito: ell (elle), daquell (daquelle), e Go7n-
çaleannes (Gonçalo Eannes), Pedreanes (Pedro Eannes), Aliio-
reannes (Álvaro Eannes), etc.
7. Consoante c branda. — O som brando de c é representado
por c (c com cedilha) tanto antes áe a, o e u, como antes de e e i;
a cedilha todavia não é usada se a letra c é maiúscula e inicial de
palavra, como em Cepta: mas é empregada em Çalla bem Çalla.
8. Consoante g. — Usa-se intercalar a letra u depois de g
sonoro, seguido de a ou o, como quando é seguido de e ou i,
assim chegiiar, logiio. É provável porém, que ga, go, gii se les-
sem 7^7, Jo, jii, como ge (je) e gi (JiJ; e por isso a intercalação
da letra 11 indica somente que o som de g era sonoro e não fri-
cativo.
g. Consoante h. — A consoante h é usada sempre antes da
vogal inicial de palavra monosilabica, assim : ha (á), he (é), hi (ahi),
ho (ao), e algumas vezes antes da vogal inicial de palavra polisi-
labica, como hordenamça (ordenança), Mn (um). A consoante h
é também usada em seguida às letras / e jí, para representar os
sons molhados das mesmas letras.
10. Consoante r. — O som brando dor é representado por
um só r. O som forte do r é representado por rr (r dobrado) ;
mas se é inicial de palavra, umas vezes é representado por rr
(r dobrado), e outras vezes por R (r maiúsculo) (i).
11. Consoante s. — A consoante s é representada pelo f (s
alto) no começo e no meio das palavras; no fim de palavra é
representado por s (s baixo).
12. Consoante V. — A consoante i^ é representada pela letra
u, quer seja inicial de palavra, quer media, e mesmo seguida da
vogal II. Raras vezes a consoante v é representada por um b,
cuja haste não é vertical, mas inclinada para trás.
i3. Consoantes dobradas (digrafos). — As consoantes dobra-
das, cujo uso se observa, são :
ff, usadas mesmo como inicial de palavra :^ee,"
11, usadas mesmo como final de palavra: tall, quall, batell;
(1) Nas palavras da língua portuguesa o r tem o som forte :
i.» No princípio da sílaba inicial;
2." No princípio de sílaba média ou final sendo precedido de consoante.
Nas palavras, compostas de palavra, que tenha r no princípio da sílaba inicial, e
de um prefixo, aquele r conserva o som forte.
O r tem o som brando :
i." No princípio de sílaba média ou final sendo precedido de vogal;
1." No meio de sílaba (som líquido) depois de b, c, d, f, g, (k), p, í ;
3.° No fim de sílaba.
mm, no meio de palavra ; jmmijgo ;
rr, no começo e meio de palavra: rrainha, homrra;
ss, usada mesmo depois de consoante; conisselho.
É provável que pelas consoantes dobradas _^, rr, ss, iniciais
de palavra, se quizessem algumas vezes representar as letras
maiúsculas correspondentes/ee (Fé), rrey (Rey), ssenhor (Senhor).
Na divisão das sílabas no fim de uma linha para a seguinte,
as consoantes dobradas pertencem ambas à sílaba, com cuja
vogal SC articulam, assim : I-ffante, hom-rra, com-sselho, etc.
1 4. Clise. — O pronome complemento de verbo é geralmente
escrito junto ao verbo (pospositivo) como formando palavra com
elle, sem sinal de separação, ou de ligação (ifen).
1 5. Endiadis. — A terminação mente dos advérbios, está geral-
mente separada do adjectivo, assim: dereita mente (direitamente).
A terminação quer é também separada das palavras qiiall,
quaees, assim : qiiall quer (qualquer), quaees quer (quaisquer).
Também se encontra a escrita : da quclle (daquele), por que
(porque), bem avemtiiramça (bemaventurança).
16. Haplologia. — Neste manuscrito observa-se um notável
exemplo de haplologia ; o infante Dom Duarte é designado sem
o título de Dom, somente por Jffamte Duarte; este uso provém
verosimilmente da linguagem da corte, porque se encontra tam-
bém em documentos contemporâneos registados na Chancelaria
de D. João I.
Esta cópia da crónica está incompleta; as suas lacunas são:
I .'^ Faltam a folha de rosto com o título, e as folhas com a
taboada dos capítulos.
2.* (Cap. i-xj). Faltam os primeiros dez capítulos e a parte do
undécimo desde o princípio até às palavras : determinaram taees
conclusões. A primeira linha da i .^ coluna da página recto da
folha J, começa pelas palavras : Mas pêro que o seu cuidado fosse
assai de gramde.
Esta lacuna corresponde com suficiente exactidão ao con-
teúdo de dez folhas (cinco folhas duplas) ou um caderno.
3." (Cap. xv-xvj). Na página verso da folha 8, a 2.^ coluna
termina na 1 3. ^ linha com as palavras: grandes homêes pertee-
çia, estando em branco as restantes linhas da mesma coluna.
Falta a folha g (páginas recto e verso); a página recto da folha 10
está em branco; e a primeira linha da i.* coluna da página verso
da mesma folha 10.*, começa pelas palavras: ataa fim de panos de
suas cores.
Esta lacuna corresponde com suficiente exactidão às 20 linhas
que faltam na 2.^ coluna da página verso da folha 8, e ás quatro
colunas (2 páginas) da folha 9, parecendo a mais a página recto
da folha 10.
4.^ (Cap. xxxviii). Na 2.* coluna da página recto da folha 46
estão em branco: a segunda metade da linha 25, faltando as
palavras : aes cousas; e a primeira metade da linha 27 : çepiam
a Lucano, onde porem nenhuma palavra parece faltar.
5.* (Cap. Liv-Lxiii). A segunda coluna da página verso da
folha 70 termina pelas palavras : ca deiiam que lhe noni fora
aquello assi dito senorn por, e faltam as folhas 71 a 80 (cinco
folhas duplas) ou um caderno. A primeira Unha da i." coluna
da página recto da folha 8 1 começa pelas palavras : . . . çeria
que todallas cousas que sse ataa llife\eram.
Esta lacuna corresponde com suficiente exactidão ao con-
teúdo das dez folhas que faltam.
6.* (Cap. Lxxv-Lxxvij). A 22." linha da i.^ coluna da página
verso da folha 94 termina pelas palavras : lhe parecia, estando
em branco metade da mesma linha, e as restantes 1 1 linhas da
I.* coluna, e a 2.^ coluna; falta a folha gS; e a primeira linha da
I.* coluna da página recto da folha 96 começa pelas palavras:
de ficar sem parte de tajnanha rriqueia.
Esta lacuna corresponde com suficiente exactidão às 1 1 linhas
que faltam na i." coluna da página verso da folha 94, à 2.' co-
luna da mesma página, e as quatro colunas da folha gS, que
parece ter sido cortada.
7." (Cap. Lxxxij). A 24.* linha da i.* coluna da página verso
da folha loi termina pelas palavras: orelhas niiijtos rrecorreram,
estando em branco o termo da mesma linha e as restantes g li-
nhas da mesma coluna, e a 2.* coluna da mesma página, e as duas
colunas da página recto da folha 102; a primeira Unha da i.^
coluna da página verso da folha 102 começa pelas palavras: e
aueram por boa dita.
Esta lacuna corresponde com suficiente exactidão às 9 linhas
da I.* coluna da página verso da folha loi, à 2.* coluna da
mesma página, e às duas colunas da página recto da folha 102.
8.* (Cap. LRij-LRiij). A última linha (33.*) da 2.* coluna da
página verso da folha 1 14 termina pelas palavras: mas dos chris-
taãos. Falta a folha 1 1 5 ; a primeira linha da i ." coluna da página
recto da folha 1 16 começa pelas palavras: lançar suas ancoras.
Esta lacuna corresponde às quatro colunas da folha 1 15, que
parece ter sido cortada.
9.'' (Cap. C). A primeira linha da 2." coluna da página recto
da folha 1 24 tem escritas somente as palavras : em aquella, estando
em branco o resto da linha, as outras 32 linhas da mesma coluna,
e as duas colunas da página verso da mesma folha. A primeira
linha da i.^ coluna da página recto da folha i25 começa pelas
palavras : leixaram todallas doçuras da França.
Esta lacuna corresponde aproximadamente às três colunas
que faltam.
Gomes Eannes de Zurara diz na Crónica da tomada de Cepta
(Cap. iij), que por mandado dei rei D. Afonso V trabalhou por
inquirir e saber as cousas que diziam respeito à tomada da
cidade de Ceuta, e as escreveu em uns cadernos, com intenção
de os acrescentar ou diminuir em quaisquer logares em que se
julgasse que o mereciam. E de presumir do que precede, que se
tenham extraviado dois cadernos do códice n." 368, e que quando
se fez esta cópia, alguns cadernos do original estivessem em mau
estado de conservação, e que fosse difícil a sua leitura, por ser a
escrita muito emendada, por estar a tinta algum tanto desvane-
cida, e por serem rotas algumas folhas, do que resultariam as
lacunas que ficam notadas; e que o escrivão deixara os corres-
pondentes espaços em branco com intenção de os preencher,
depois por outra cópia que fosse achada.
B. Manuscrito do Arquivo Nacional (Torre do Tombo), có-
dice n." 355.
Este manuscrito é um livro de bom pergaminho, composto de
cinco folhas sem numeração, e de i 5 cadernos, tendo cada um
cinco folhas duplas. O livro está encadernado, sendo as pastas
grossas tàboas cobertas de linhagem e taxas de metal amarelo.
As folhas tem o",525xo'°,38o; em cada página a parte escrita
ocupa um rectângulo de o'",365 xo",25o; a escrita de cada página
está disposta em duas colunas, cada uma de 35 linhas; cada
linha tem 25 a 3o letras.
A letra é do tipo gótico (francesa), de uma só mão; as rasu-
ras, entrelinhas, e aposições nas margens são muito raras. A
forma da letra é elegante, e do princípio do século xvi.
As primeiras cinco folhas não tem numeração; as folhas dos
i5 cadernos são marcadas com numeração romana J, ij, iij
até cl; a numeração está escrita por cima da extremidade da
i." linha da 2.'' coluna da página recto.
Os títulos dos capítulos são escritos a tinta preta; a indicação
do número de ordem do capítulo é dada no princípio do título.
A letra inicial da primeira palavra do texto de cada capítulo é
maiúscula, de grandes dimensões, tendo altura compreendida
entre seis e dez linhas, e muito floreada; a segunda letra da
mesma palavra é também maiúscula, mas da grandeza das letras
do texto.
Dos sinais de pontuação somente é usado o ponto; o começo
dos períodos é indicado por um sinal semelhante ao usado no
códice n." 368, mas de côr preta e sem dourado.
A cópia da crónica está completa; todavia parece que primi-
tivamente tinha sido escrita com as mesmas lacunas, que se obser-
vam no códice n." 368, e que depois foi completada nos espaços
em branco, que haviam sido deixados, com letra da mesma mão.
Isto resulta, de que algumas vezes o texto, que foi escrito nos espa-
ços primitivamente deixados em branco, não preencheu comple-
tamente os mesmos espaços, e a escrita desta parte é mais larga
e espaçada; outras vezes, por ser insuficiente o espaço deixado
em branco, a escrita é mais apertada, do que na parte escrita
primitivamente.
No alto da página recto da primeiro folha sem numeração
está escrito o título seguinte :
Crónica da tomada
da cidade de cepta
per ElRey Dom
Joham o primeiro.
Por baixo do título, e quási ao meio da altura da página está
debuxado o brazão de armas de Portugal usado no tempo dei rei
D. Manuel^ sobre um rectângulo, dividido pelas diagonais e me-
dianas dos lados em oito triângulos, alternadamente brancos e
pretos.
Nas folhas 2, 3, 4 e 5 sem numeração está escrita a tauoada
dos capítulos.
A crónica começa na página recto da folha J assim :
Prologo de gome^ e
annes de curara aa
crónica da tomada de
Cepta.
Capitulo primeiro.
Concruiam he de aristotiles no seg° liiiro da Natural filosofia
que a nature^^a e o começo do mouimento he de folgança.
A crónica é dividida em io5 capítulos, incluindo-se neles o
prólogo.
A crónica termina na página recto da folha cl pelas seguintes
palavras :
E o anno do regnado delRey Dom Affonso o quinto em hon^e
anitos e duzentos e cinco dias.
Esta cópia da crónica foi feita em época posterior à do có-
dice n.° 368, mas com menos cuidado; o escrivão parece não ter
copiado as palavras com a grafia que tinha o seu archetipo; con-
tem alguns erros, que certamente provêm de ser difícil a leitura
do archetipo, que provavelmente estaria em mau estado de con-
servação ou roto em partes, muito emendado, e algum tanto des-
vanecida a tinta da escrita.
C. Manuscrito da Biblioteca Nacional de Lisboa, códice n." 385
(B-4-II).
Este manuscrito é um livro de papel, de 243 folhas, encader-
nado com pastas de papelão.
As folhas tem o'°,287Xo°',i6o; em cada página a parte escrita
ocupa um rectângulo de o°',255xo'",i6o; a escrita de cada página
está disposta em uma só coluna, de 32 linhas; cada linha tem 32
a 45 letras. As folhas não estão numeradas.
A letra é de três mãos, bem legivel, do século xvii.
A crónica ocupa as folhas i a i83.
O título é (foi. I , r) :
Terceira parte da Coronica delRey Dom João o primeiro deste
nome, em a quall se contem a tomada de çepta.
O começo é (foi. i, r):
Prelo giio
Conclusão he de Aristotiles no 2° liuro da natural philosojia que
a natureza he começo de mouimento e de folgança.
Depois do prólogo segue-se a crónica dividida em 102 capí-
tulos.
O crónica termina pelas seguintes palavras:
... e o anno do Reynado delRey dom Afonso o quinto em xj
annos e ii.b. dias mays.
Laus Deo.
Depois segue-se a Crónica dei Rei D. Duarte por Rui de Pina.
Este manuscrito pertenceu ao Colégio da Companhia de Jesus
em Santarém.
D. Manuscrito da Biblioteca Nacional de Lisboa, códice
n.°39i (B-4-17).
Este manuscrito é um livro de papel de 247 folhas, encader-
nado com pastas de papelão.
As folhas tem o",265 xo'°,i9o; em cada página a parte escrita
ocupa um rectângulo de o'",24oXo"',i 10; a escrita de cada página
está disposta em uma só coluna de 3o linhas; cada linha tem 35
a 40 letras.
A letra é de uma só mão, de fácil leitura, do século xvi.
A esta cópia faltam no princípio cerca de 1 2 folhas, e começa
pelas seguintes palavras do capitulo vi, na página recto da fo-
lha 1 3 : nas gi'andes vertudes delRey Dom Joham. Agora diiião
eles, he Portugal o maior e mais bem aventurado Reyno que ha no
mundo . . .
No fim faltam também provavelmente duas folhas; a cópia
termina pelas seguintes palavras do capítulo ciiij na página verso
da folha 23 1 : ... virtuosos homens forçosamente arn seu mereci-
mento de seus grandes feitos, e por tanto dy...
A divisão da crónica é em capítulos provavelmente io5 em
número.
Nas margens das páginas deste manuscrito, sobretudo no
princípio, são escritas algumas notas de letra diferente da do
texto e mais moderna ; estas notas são breves observações de
carater moral, resumos do conteúdo no texto, indicações topo-
gráficas da cidade de Ceuta, e notícias históricas.
H. Manuscrito da Biblioteca Nacional de Lisboa, códice de
Alcobaça n.° 473 (moderno n.° 317).
Este manuscrito é um livro de papel de 200 folhas, encader-
nado em pergaminho.
As folhas tem o°';,3ooXo°',2io; em cada página a parte escrita
ocupa um rectângulo de o'",255 xo"",! 55 ; a escrita de cada pá-
gina está disposta em uma só coluna de 29 linhas; cada linha
tem 35 a 40 letras. As folhas não estão numeradas.
A letra é de uma só mão, bem legível, do século xvii.
O título e começo é (foi. i, r) :
Crónica da tomada da cidade de Cepta
Por el Rey Dom João o primeiro
Prologo de Gomei eamies depurara
aa crónica da tomada de Cepta.
Cap. prim.°
Conclusom he de Aristóteles no segundo livro da natural filosofia
que a natureza e o começo do movimento he de folgança.
A crónica termina pelas seguintes palavras :
... e o anno do Reynado delrrey Dom A.° o quinto em on^e
annos e duzentos e cinco dias mais.
E. Manuscrito do Museu etnológico português de Lisboa,
códice E, 323g.
Este manuscrito é um livro de papel de 201 folhas, desen-
cadernado.
As folhas tem o°',3 1 5 x o^jS i o ; em cada página a parte escrita
ocupa um rectângulo deo'",23oXo°',i5o; a escrita de cada página
está disposta em uma só coluna de 27 ou 28 linhas; cada linha
tem 5o a 55 letras. As folhas estão numeradas de i a 201,
tendo no fim mais sete não numeradas com a taboada dos capí-
tulos.
A letra é de uma só mão, de boa grafia, do século xvn ou
xviii. A primeira letra do texto de cada capítulo é floreada^
O título é (foi. I, r):
Terceira parte
da Chronica Del Rei Dom Joam P.™
deste nome e dos Reis de Portugal o decimo.
A qual trata a historia da tomada de Cepta
Composta per Gomei eanes de
Zurara Chronista mor
dos Reinos e senhorios
de Portugal.
o começo é (foi. 2, r) :
Conclitsajn he Daristotiles no secundo liuro da natural philoso-
phia, que a natureia he começo de mopimento e de folgança.
A crónica é dividida em io5 capítulos.
A crónica termina pelas seguintes palavras : e o ãno do Rei-
nado DelRey Dom Aff.° 5° em on\e annos e 2o5 dias.
F. Manuscrito da Biblioteca do Paço de Ajuda, códice
49-XI-65.
Este manuscrito é um livro de papel, de seis folhas não nume-
radas, seguidas de 283 folhas paginadas de i a 565, encadernado
sendo as pastas de papelão cobertas de pergaminho.
As folhas tem o'",3ioXo°',225 ; em cada página a parte escrita
ocupa um rectângulo de o'",25o Xo"',i5o; a escrita de cada página
está disposta em uma só coluna, de 29 a 33 linhas; cada linha
tem, em média, 35 letras.
A letra é do tipo gótico, de uma só mão, de boa grafia, do
século XVI.
O título é (foi. <3, r).
Crónica: Da toma
da Da cidade. De
Cepta: Por Elrey dô Johão: o primeyro :
As folhas b, c, d, e/(não numeradas) contêm a tauoada dos
capítulos.
O começo é (pág. i):
Prologo De Gomes e anes de Zurara aa crónica da tomada de
cepta :
Capitulo primeiro.
Comcrusão he de aristoteles no segúdo liuro da natural Filo-
sofia . . .
Depois do prologo segue-se :
O principio da historia. Capitulo segundo.
O tempo e gramde^a das obras nos cóstramgê fortemente que
serenamos . . .
o fim é (capitulo cb, pag. 565):
E o ano do Reynado delRey dó afonso o qiiynto aos on^e anos
e doiemtos e cinco dias mais.
Laus Deo.
M. Manuscrito da Biblioteca pública municipal do Porto,
códice n.° g6.
Este manuscrito é um livro de papel de i63 folhas numeradas,
e mais 4 em branco, e encadernado em pergaminho.
As folhas tem o^jZgS X o",2o5 ; em cada página a parte escrita
ocupa um rectângulo de o"',23oXo°',i42; a escrita de cada página
está disposta em uma só coluna de 32 linhas; cada linha tem 5o
letras em média. As folhas estão numeradas no alto da página
recto.
A letra é de uma só mão, de fácil leitura, do século xviii.
O título, escrito na capa, é :
Tomada de Ceuta
por Gomes Eanes d" Azurara.
Tem 1 63 folhas.
O começo é (foi. i , r) :
Prologo de Gomes Annes da Zurara.
Conclusão he de Aristóteles no segundo liuro da natural philo-
sophia que a natureza he começo de movimento e de folgança.
O fim é (foi. i63, v).- '
E poa-em concludindo este cap.° entendemos que ... todos os
outros aião em grão reuerença essas sepulturas, e bendigão o seu
nome ouuindo o processo de suas virtudes.
Na margem lê-se a seguinte nota escrita de letra diversa da
do texto:
Na obra impressa ha ainda o cap. 104, etc.
Outras notas marginais se lêem nas folhos 3, v., loi, v, e
1 6 1 , 3^ relativas à comparação do manuscrito com a edição da
crónica impressa em 1644.
— xc —
G. Manuscrito da livraria de Anselmo Braamcamp Freire,
códice C, 33 1.
Este manuscrito é um livro de papel, de 1 76 folhas numera-
das, seguidas de quatro não numeradas, encadernado em pastas
de papelão cobertas de couro.
As folhas tem o°',298xo°',2oo; em cada página a parte escrita
ocupa um rectângulo de o°',26oXo°',i7o; a escrita de cada página
está disposta em uma só coluna, de 29 linhas; cada linha tem 5o
letras em média.
A letra é de uma só mão, de boa grafia, bem legível, do sé-
culo XVIII.
As primeiras três linhas da página recto da folha i são desenha-
das imitando a letra gótica ; e a primeira letra do prólogo é floreada.
A crónica ocupa as folhas 1-176; as três folhas seguintes sem
numeração contem a taiioada dos capítulos com indicação das
folhas em que começam; e a quarta folha sem numeração contem
parte (cap. 142 a 2o5) da taiioada dos capítulos da 2."'' parte da
Chronica dei Rei D. João I por Fernão Lopes, e por isso não
pertence a este livro.
A crónica não tem título.
O começo é (foi. i^ r):
Prologo de Gomes Eannes de Zurara a Chronica da tomada
de Cepta.
Concriiião he de Ai'istoteles no 2° lib. da natural Jilosop/iia,
que a natureza e o começo de mouimento he de folgança. E pêra
declaração desto aprendamos que cada húa cou^a tem calidade per
a qual se demoue ao seu próprio lugar quando está fora delle, en-
tendendo aly ser confirmado milhor . . .
A crónica é dividida em io5 capítulos numerados seguida-
mente, incluindo o prólogo.
O íim é (foi. 1 76, v) :
... E a era do primeiro Rej que foi em Portugal em 348 ; e o
ano do reinado dElRej D. A.° o 5° em xi annos e 20S dias mais.
Laus Deo.
Por cima destas duas últimas palavras está escrito por letra
de outra mão :
Fim da Terceira Parte.
A cópia deste manuscrito é muito correcta, e conserva muitas
particularidades da grafia do códice B; sendo por isso provável
que fosse feita delle.
N. Manuscrito pertencente à Casa Cadaval (i).
Este manuscrito é um livro de papel de 252 folhas numera-
das e mais i3 não numeradas.
A letra é do século xvi; o frontespício e as letras iniciais dos
capítulos são floreadas.
O titulo é :
Chronica da tomada da cidade de Cepta por elRey Dom Joam
o primeiro, por Gomes Earmes de Zurara.
P. Manuscrito pertencente ao comendador José António
Vieira Marques, de Braga.
Este manuscrito é um livro de papel, de i8o folhas, encader-
nado em pastas de madeiras cobertas de couro.
As folhas tem o",35oXo°',25o. A escrita de cada página está
disposta em duas colunas, cada uma de 36 a 38 linhas. As fo-
lhas não estão numeradas.
A letra é de uma só mão, de boa e elegante grafia, do século xvi.
A primeira letra do titulo do livro, e a primeira letra do texto de
cada capitulo são floreadas.
O titulo é (foi. I, r):
Tomada da miiy Nobre Cidade de çepta per ElT^ey dom Joham
ho primeiro do nome e dos Rex de portugall ho decimo Aos xxj
dias do mes dagosto de mil e quatro cêtos e quinze aunos composta
(i) Catalogo resumido da preciosa colecção de manuscritos da Casa Cadaval, por
Martinho da Fonseca, Lisboa, 191 5, p. ig, extracto do Boletim da Sociedade de Biblio-
philos Barbosa Machado.
por Gomei ^'^"(-'^ <^'^ lurara Corouista Moor dos Reinos e Senhorios
de portiigall.
O começo é :
Comcrussão he daristytoteks no segundo Liiiro. da natural
ffilossoffm que ha natiireia começo do mouimento e de ffolguamça.
E pêra dedaraçam desto Aprendamos que cada híia cousa tem cali-
dade pela quall se moue no seu propio lugar . . .
A crónica é dividida em io5 capítulos numerados seguida-
mente.
O fim é (foi. 1 8o, v) :
E ffoy acabada esta obra na cidade de sylluys no reyno do
algarue xxv dias de março. Quando andaua a era do mundo em
myll e doiemtos e om^e anos "íRomãos e a era do deluuyo ... E a
era de noso Síior Jlm Xpõ em mill e quatro centos e cimquoemta
anos . . . e a era do prymeyro %ey que foy em portuguall em tre-
lemtos e quoremta e oyto, e o ano do Reynado dellRey dom afomso
quimto aos om^e anos e do{emtos e cimquo dias.
Depois lia outras palavras, algumas das quais estão riscadas,
mas ainda pode lêr-se :
Escrita pêra os aos xx dagosto bcrxxxj.
Depois de outras palavras riscadas, está escrito :
Deo gr a tias.
fí ri..vtr!>}í:n}r:^ k^'^ /i^-^TíM
IMPRESSÕES
A
Crónica da tomada de Cepta teve até ao presente duas im-
pressões; a edição de 1644, e a de 1899-1900.
Edição de 1644.
Esta edição foi feita em um livro do formato de quarto de
folha; cada folha tem o^jayS Xo",i75.
O livro tem no princípio seis folhas sem numeração, sendo a
primeira a folha de rosto, na segunda estão impressas as licenças,
e na 3.% 4/, S.'' e 6.* o prologo.
O rosto é assim :
Chronica dei Rey D. Joam I, de boa memoria e dos Reys de
Portugal o decimo. Terceira parte em que se contem a tomada de
Ceita. Offerecida á magestade dei Rey Dom João IV. N. Se-
nhor de miraculosa memoria. Composta por Gomei Eannes d' Azu-
rara, Chronista mór destes Reynos, e impressa na linguagem antiga.
Segue-se uma vinheta com a imagem de Cristo crucificado,
tendo aos lados :
Anno de 1644.
No fundo da página :
Em Lisboa. Com todas as licenças necessárias. A custa de
António Aluarei, Impressor dei Rey iV. S.
A crónica está impressa em 142 folhas paginadas de i a 288;
a escrita é disposta em duas colunas, cada uma de 36 linhas, e
cada linha de 20 a 25 letras, ocupando tudo um rectângulo de
o'",245xo'",i5o. Os caracteres são do typo redondo, excepto
os títulos dos capítulos e os discursos que são em tipo itálico
(elzevir).
A crónica termina na página 283; nas páginas 284 a 292 é
impressa a narração do Fallecimento dei Rey D. Joham o I; nas
páginas 298 a 298, o Epitaphio da sepultura dei Rey D. Joarn o
Primeiro; nas páginas 299 a 307, o Testajnento dei Rey Dom
Joam o I; nas páginas 3o8 a 3i3 (não numeradas) é impressa a
Tauoada dos capitulas contidos nesta chronica; enfim na página 3 14
(não numerada} está impresso no alto o brazão de armas de Por-
tugal usado no reinado dei rei D. João IV, e depois o seguinte:
Com todas as licenças necessárias.
Foy impressa esta chronica dei Rey Dom Joam o I de boa me-
moria em Lisboa, Por António Aluarei Impressor dei Rey Nosso
Senhor. Anno de 1644. Acabouse de imprimir esta chronica dei
Rey Dom Joham o Primeiro de boa memoria a seis de Agosto de
mil seiscentos e quarenta e quatro, dia da Transfiguraçam de nosso
Senhor.
Esta impressão foi feita por diligencia de D. Rodrigo da Cu-
nha, bispo do Porto (i).
Edição de iSgg-igoo.
Esta impressão foi feita em livros do formato de 1 2° de folha ;
e tem cada folha o"", 190X0",! 25 ; a crónica está impressa em
três volumes, tendo o primeiro i53 páginas, o segundo 157 pági-
nas, e o terceiro 127 páginas.
A parte impressa é disposta em uma só coluna cada uma de
34 linhas, e cada linha de 35 a 40 letras; e ocupa um rectângulo
(1) José Correia da Serra, Colecção de inéditos de história portuguesa, tomo ii>
p. 211.
de o'",i4oXo'°,o84. Os caracteres são do tipo redondo, excepto
os títulos dos capítulos, que são em tipo itálico (elzevir).
Esta edição é a reimpressão da edição de 1644, tendo sido
modernizada a grafia das palavras e a linguagem ; não tem pois
valor filológico ; foi feita somente com o fim de vulgarizar a cró-
nica.
Esta edição faz parte da Biblioteca dos clássicos portugue-
ses, publicada sob a direcção de Luciano Cordeiro e Melo de
Azevedo.
^v:^ikj^íi^^ix;:í^i>^
>>
* >
^i^>b:;y>^:,f>-^x^>^A?>^xr>^x?>:^
APÊNDICE I
DOCUMENTO VI— A
i3 DE DEZEMBRO DE 1455
DOM Aífomso pella graça de Deus Rey de Portugall e do Algarue e
senhor de Çepta. A quantos esta carta virenn fazemos ssaber
que dona abadessa do mosteiro de Vairam nos enujou dizer como
as outras prelladas que ante ftbrom no dito moosteiro perderom algúas
scripturas que perteeciam aos dereitos e foros delle. E que por quanto
ssom mujto necessareas aa dita bordem que nos pedia que lhe mandásse-
mos dar o trellado delias em publica ftbrma. E nos visto sseu dizer e
pidyr querendolhe fazer graça e merçee mandamos a Gomez Eanes de
Zurara comendador da bordem de Christos [e guarjda moor do cartoreo
em que esta o tonbo destes [nossos] Regnos e nosso cronjsta que lhe desse
o dito trellado per aluara que f[oy fec]to em esta cidade aos xij dias de
Julho per man[dado de...] gill scripuam da fazenda. O quall Gomez
Eanes em conprimento de nosso mandado íFez buscar o dito tonbo onde
foy achado em húu liuro que foy das Jnquiriçoões dei Rey dom Afomso
comde de Bellonha huúa uerba que diz assy.
Hic jncipit jnquisitio que vocatur píjdillus parrochianorum ecclesie
eiusdem loci. domjnjcus zote eiusdem ville. Juratus et jnterrogatus quot
casalia sunt in ipsa villa pTjdilli dixit quod sunt .Ixxx.v.^ casalia popullata
et sunt .x.™ casalia despopullata. Jnterrogatus quot sunt jn dominy Regis
dixit quod audiuit dici quot sunt três partes tocius ville et quarta pars
est mjlitum et monasteriorum. et dixit quod illi xiij casalia que fuerunt
do[mi]ny Petri Pelagij troitizendis. sunt modo monasterij Vairam et filio-
rum et nepotum predicti domnj Pelagij, et etc. (i).
(i ) Esta verba está reproduzida nas Inquisitiones, Portugaliae Monumenta histórica,
tom. I, p. 480.
XCVIII
E outra uerba que diz assy.
Hic jncipit inquisitio ville que vocatur Zurara et parrochianorum pre-
dicte ecclesie pinjdilli. dominicus rromany eiusdem loci juratus et jnterro-
gatus quot casalia habentur in ipsa villa. dixit quod C. 1. j. et sunt inde
domine Regis .Cxxiij. et sunt despopuUata .vij. et omnia alya ssunt popul-
lata. et dixit quod dompna Maior egee habet ibi .xiij. casalia et .ij. due de
maladia. Et Majore egitanie habet ibi .viij. casalia et Monasterium Vairam
habet iby .vj. casalya et etc. (i).
As quaaes scripturas assy achadas a dita dona abbadessa pidyu que
lhe dessem o trellado em publica forma. E dito Gomez Eanes lho deu
segundo no aluara dei Rey era contheudo. Dante na cidade de Lixboa
xiij dias de dezembro. El Rey o mandou per o dito Gomez Eanes de
Zurara. Anno do naçimento do nosso Senhor Jhesu Christo de mil! e
iiij"^ Lb. — Gomez Eanes Comendador, pagou xbij rreaaes.
Arquivo Nacional, Cartório do Mosteiro de Vairão, maço 1 1, n.° 28.
(i) Esta verba está reproduzida nas Inquisitiones, Portugaliae Monumenta histórica,
tomo I, p. 48 J.
APÊNDICE II
NOTICIA DA TOMADA DE CEUTA
DADA POR ABRAHAM BEN SAMUEL ZACUTO
ESCRITOR JUDEU NO PRINCIPIO DO SÉCULO XVI
ABRAHAM ben Samuel Zacuto (i) nasceu em Salamanca pelos
anos de 1450. Em razão dos seus grandes conhecimen-
tos de cosmografia e astrologia foi mestre na universidade
de Salamanca e depois na de Saragoça. Estando Zacuto ainda
em Salamanca, pelos anos de 1478 a 1478 (2), compoz em hebreu
uma obra, que intitulou Biiir Liihot, Origem das táboas, da qual
existem três manuscritos, um na biblioteca de Lyon, outra na de
Munich, e outro na de Vienna (3). Quando em 1492 os reis de
Castela D. Fernando e D. Isabel lançaram fora dos seus reinos
todos os Judeus, que neles havia, muitos em número superior a
vinte mil famílias entraram em Portugal com licença dei rei
D. João II, para se embarcarem daqui para outras terras (4) ;
entre eles veio Zacuto com sua família, que parece ter estabele-
cido a sua residência em Beja (5).
(i) Isaac Broydé, em The Jewish Encyclopledia, vol. xii, New York and London,
1907, p. 627.
(2) Joaquim Bensaude, L' astronomie nautique au Portugal à 1'époque des grandes
découvertes. Berne, 1912, p. 22 e i-j.
(3) Joaquim Bensaude, L'astronomie nauttque, p. 57.
(4) Ruy de Pina, Chronica dei rei D. João II, cap. lxv ; Damião de Góes, Chro-
nica dei rei D. Manuel, primeira parte, cap. x.
(5) Gaspar Correia, Lendas da índia, lenda de Vasco da Gama, cap. iii, (tomo i,
p. 10).
Em 1439 el rei D. João II mandou dar a Ahraham Zacuto,
astrólogo, dez espadins de ouro (i); o mandado de pagamento (2),
datado de Torres Vedras, de 9 de junho de 1493, tem a assina-
tura dei rei D. João II, e mais abaixo, em sinal de ter recebido
aquela quantia, a de Abraham Zacuto em caracteres rabínicos;
o mandado é do teor seguinte :
Ruy Gill mamdamosuos que dees a Raby abraão estrolico dez
espadijs douro que lhe mamdamos dar. E asemtarom em vosso
caderno pêra voUo depois asynarmos. fejto em torres vedras a
ix dias de Junho, pêro lomelim o fez de mil iiij'^1 Riij [annos]. Rey.
"i2r-' Tipwma pirn na? nnnsíí '1^ (3).
Pêra Ruy Gill que dee a Raby Abrão x espadins pêra o caderno.
No verso: Alvará dei Rey para se darem a Raby Abrahão 10 espadins de ouro de
mercê, a 9 de junho de 1493(4).
Não se sabe que serviço Abraham Zacuto prestou a el rei
D. João II, pelo qual lhe fez esta mercê; mas a denominação de
astrólogo (estrolico) faz presumir que o serviço prestado tinha
relação com a astrologia ; e é lícito supor que talvez fosse a indi-
cação do método de determinar em qualquer dia do ano o logar
(i) D. João II fez lavrar espadins de ouro, cujo valor era Soo reais. (Fr. Joaquim
de Santa Rosa Viterbo, Elucidário, tomo i, Lisboa, i865, p. 295, s. v.).
(2) Memórias da literatura portuguesa, tomo 11, p. 363; Sousa Viterbo, Trabalhos
náuticos dos Portugueses, Lisboa, 189S, i, p. 326-327, n, p. 285.
(3) Pontuando as palavras e desfazendo a abreviatura :
ín^*n-;i ínn^ii '^nn')aii5'; 'nb'^in^. pwíi ir^ia? ^ttoá "lan^
«Do rabino Abrahão Zacut, astrónomo do Rei, seu Creador o conserve e mante-
nha em vida.» (José Benoliel).
A palavra «in significa propriamente explorator, inspector (Prov. 16, 2; 21,2); e
foi traduzida por matemático por Ribeiro dos Santos. Neste documento corresponde
certamente a estrolico.
As três letras finais "i^n são as iniciais da oração usada sempre depois da assina-
tura. Sobre a abreviatura veja-se Dalman, Aramaisch-neuhebraisches Worterbuch,
Frankfurt a. M., 1901, anhang Lexikon der abbreviaturen, 1897, p. 5i.
(4) Arquivo Nacional, Corpo Cronológico, parte i.', maço 2.°, doe. 8.
do sol na eclítica (longitude) e a sua declinação, para o que se
serviria das táboas do seu livro Biur Luhot; e que lhe daria uma
cópia do mesmo livro, o qual, depois de traduzido em latim por
José Vezinho, foi impresso em Leiria em 1496, e publicado sob
o título de Almanach perpetinim (i).
Gaspar Correia nas Lendas da índia (2) deu algumas notícias
àcêrca dos trabalhos de Zacuto durante a sua permanência em
Portugal, e que êle declara terem sido escritas em i56i (3); estas
notícias são em resumo o seguinte.
El rei D. Manuel, no começo do seu reinado (i4g5-i52i),
querendo levar a efeito o descobrimento da índia, cujos prepara-
tivos já começara el rei D. João II, e como era muito inclinado à
astrologia (estrolomia), mandou chamar a Beja um judeu muito seu
conhecido, que era grande astrólogo, chamado Zacuto (Çacuto) ;
e falando com êle em segredo, encarregou-o de saber se o acon-
selhava a empreender o descobrimento da índia. O judeu tornou
para Beja, e depois de fazer as suas diligências, voltou a el rei,
e o informou, que a província da índia era muito afastada de
Portugal, separada por longas terras e mares, povoada de gente
preta, e em que havia muitas riquezas e mercadorias, que cor-
riam por diversas partes do mundo ; e lhe pronosticou que el rei
descobriria a mesma índia, e em breve tempo submeteria ao seu
domínio grande parte dela. El rei deu-lhe os agradecimentos
por tão boas novas, e mandou-lhe que de tudo guardasse segredo.
El rei D. Manuel fez capitão dos navios, em que mandou fazer o
descobrimento da índia, a Vasco da Gama, o qual antes de sair
de Lisboa falou a sós com o judeu Zacuto, o qual lhe deu muitas
(i) Desta preciosíssima obra existe um exemplar na Biblioteca nacional de Lis-
boa, reservado n " 169; e foi descrita por António Ribeiro dos Santos nas Memórias
da literatura portuguesa, tomo iii, p. 363-366.
(2) Gaspar Correia nasceu nos fins do século xv, embarcou para a índia em i5i2,
na armada de que era capitão Jorge de Melo Pereira, regressou ao reino, passando os
anos de i526 a 1529 em Lisboa ; voltou de novo para a índia, e faleceu em Goa, não se
sabe ao certo o ano, mas entre i56i e i583.
(3) Lendas da índia. Lenda de João da Novaj cap. viii (tom. i, p. 265).
CII
instruções para o que havia de fazer no caminho (i). Vasco da
Gama partiu de Lisboa a 25 de março de 1497, ^ depois de che-
gar a Calicut, na índia, regressou ao reino em setembro de
1499 (2). El rei D. Manuel, porque era muito inclinado à astro-
logia (estrolomia) praticava muitas vezes com o judeu Zacuto; e
no ano de i5o2, depois da chegada da armada de João da Nova,
que fora à índia, não tendo encontrado em seu caminho tempo-
ral contrário, do que os pilotos não sabiam dar razão, Zacuto
explicou a el rei que a causa disto era a diversidade da época
das estações do ano, conforme os lugares, em que navegavam,
eram situados ao norte ou ao sul da linha equinocial ; e infor-
mou-o de que êle tinha feito observações àcêrca da declinação
do sol para o norte e para o sul da linha equinocial, e de quanto
tempo andava para um e outro lado da mesma linha, e até onde
chegava ; e que de tudo fizera um regimento, em que se decla-
rava, quanto em cada dia o sol estava afastado da linha equino-
cial; de tal modo que os navegantes, que em qualquer parte
tivessem vista do sol ao meio dia, ou de noite vissem a estrela
do norte, e fazendo conta com a declinação do sol, saberiam o
logar em que estavam, e navegariam por todo o mar. El rei
D. Manuel encarregou-o de continuar os seus trabalhos, prome-
tendo fazer-lhe muitas mercês. Zacuto fez um regimento da
decUnação do sol para o período de quatro anos, de um bisexto
até ao seguinte, por meses e dias, de quanto anda o sol cada
dia, contando de meio dia a meio dia, tanto para a banda do
norte da linha equinocial como para o sul da mesma linha. Fez
também um instrumento de lâmina (pasta) de cobre com suas
divisões e régua (alidade), ao qual deu o nome de estrolabio^ por
meio do qual se tomava a altura do sol. O mesmo Zacuto ensi-
nou a alguns pilotos, que el rei designou, a maneira de tomar
com o astrolábio a altura do sol ao meio dia, e de fazer a conta
(i) Gaspar Correia, Lendas da índia, LenJa de Vasco da Gama, cap. iii, (tom. 1,
p. 9-M).
(2) Idem, ibidem, cap. in e xxi (tom. i, p. i5 e i38).
cm
(calculo) do logar da observação pelas taboadas do regimento;
e deu também umas cartas grandes com riscos de cores diferen-
tes com os nomes dos ventos ao redor da estrela do norte, a que
poz o nome de agulha de marear. Emfim o mesmo Zacuto ensi-
nou também a maneira de tomar o ponto, em que se estava,
pela estrela do norte, para servir quando o sol estivesse enco-
berto. El rei D. Manuel teve por tudo isto grande contenta-
mento, e fez ao judeu Zacuto grandes mercês. O mesmo Zacuto
fugiu depois de Portugal com outros muitos judeus, e foi para
Gulfó [var. Julfo) (i), onde morreu em sua erronia (2).
Estas noticias àcêrca de Zacuto, escritas por Gaspar Correia
em i56i na índia, sessenta anos depois dos acontecimentos que
referem, quando já todas as pessoas que tiveram parte neles ou
os presencearam, eram falecidas, e em logar tão distante de Por-
tugal, onde poucos fidalgos ou pilotos portugueses haveria que
os tivessem ouvido contar em primeira voz, tem um carácter
pronunciadamente lendário, e parecem ter sido muito desfigura-
das por confusão das pessoas e dos acontecimentos. Com efeito
nem na Historia do descobrimento e conquista da índia pelos Por-
tugueses por Fernão Lopes de Castanheda, nem nas Décadas da
Ásia por João de Barros, nem nas Crónicas dei rei D. João II
por Rui de Pina e Garcia de Resende, nem na Crónica dei rei
D. Manuel por Damião de Góes, se faz alusão ao regimento da
altura do sol e ao astrolábio, que Gaspar Correia escreveu que
tinham sido feitos por Zacuto, nem aos seus ensinamentos sobre
a navegação dados aos pilotos portugueses.
Alguns escritores portugueses do século x\i conservaram a
memória das pessoas, com as quais el rei D. João II e D. Ma-
nuel determinavam os assuntos, que diziam respeito à navega-
ção, à comosgrafía e aos descobrimentos marítimos; mas entre
eles não é nomeado Zacuto.
(1) Golete, próximo de Tunes (?).
(2) Gaspar Correia, Lendas da índia, Lenda de João da Nova, cap. viii (tom. i
p. 261-295).
o P. Francisco Álvares, na Verdadeira informação das terras
do Preste João, impressa em Lisboa em i 540, diz (cap. Ciij) que
em Ethiopia Pêro da Covilhã lhe contara, que quando el rei
D. João II o despachara a êle e a Afonso de Paiva, a 7 de maio
de 1487, lhes dera uma carta de marear, tirada do mapamundo,
e que foram presentes ao fazer desta carta o licenceado Calça-
dilha, que depois foi bispo de Vizeu, o doutor mestre Rodrigo, e
o doutor mestre Moisés, que aquele tempo era judeu, e que a
carta fora feita em casa de Pêro de Alcáçova.
João de Barros, que foi feitor da casa da Mina, conta (Dé-
cada I, liv. IV, cap. 11), que el rei D. João II, quando se aplicou a
continuar os descobrimentos marítimos, começados pelo infante
D. Henrique, encomendou o negócio da navegação a mestre
Rodrigo, a mestre Josepe judeu, e a Martim de Bohemia, que se
gloriava de ter sido discípulo de João de Monteregio, os quais
acharam a maneira de navegar por todo o mar, e de determinar o
logar do navio tomando a altura, do sol pelo astrolábio, e que fize-
ram taboadas da declinação do sol. O mesmo João de Barros conta
(Década i, liv. iii, cap. xi), que el rei D. Manuel cometia as cousas
que diziam respeito à cosmografia e aos descobrimentos maríti-
mos a D. Diogo Ortiz, bispo de Cepta, mestre Rodrigo e mestre
Josepe. Emfim Fernão Lopes de Castanheda na História do des-
cobrimento e conquista da índia pelos Portugueses (liv. i, cap. 11)
diz que el rei D. Manuel, assim como sucedeu no reino a el rei
D. João II, assim também lhe sucedeu nos desejos que tinha de
descobrir a índia ; e logo aos dois anos depois do começo do seu
reinado entendeu no seu descobrimento, para o que lhe aprovei-
taram muito as instruções que lhe ficaram dei rei D. João II, e
seus regimentos para esta navegação.
O licenceado Calçadilha era D. Diogo Ortiz de Vilhegas, que
foi sucessivamente bispo de Tanger, de Ceuta e de Vizeu (i);
(i) D. Diogo Ortiz de Vilhegas era natural de Calçadilha, no reino de Leão; foi
filho de D. Afonso Ortiz de Vilhegas, de quem descendem em Castela os Marquezes de
Vilar, e de D. Maria da Silva. Veiu para Portugal como confessor da princesa D. Joana,
— cv —
mestre Rodrigo era físico ; e mestre Josepe era o judeu José Vizi-
nho, físico dcl rei D. João II, que, como já se disse, traduziu do
hebreu em latim o livro Biiir Luhot de Zacuto, que foi impresso
em Leiria em 1496, e publicado sob o título de.Almanach perpe-
tuiim. E de presumir que as táboas do logar do sol na eclítica
(longitude) e as da declinação, que faziam parte dos regimentos
dados aos pilotos portugueses, fossem extraídas do Alvianach
perpetiium, e que a isso se limitasse a interferência de Zacuto
nos descobrimentos marítimos dos Portugueses.
Em 1496 el rei D. Manuel, cedendo às solicitações dos reis
de Castela, D. Fernando e D. Isabel, mandou sair de Portugal
todos os judeus que se não convertessem a religião cristã (i).
conhecida na história pelo título de Excelente senhora , e foi muito estimado dos reis
D. João II e D. Manuel.
Em 7 de maio de 1487, quando el rei D. João II despachou Pêro da Covilhã e
Afonso de Paiva, que mandava a descobrir as terras do Preste João e a índia, deu-lhes
uma carta de marear, tirada do mapamundo, que foi feita em casa de Pêro de Alcá-
çova, sendo presentes o licenceado Calçadilha (D. Diogo Ortiz de Vilhegas), que depois
foi bispo de Vizeu, o doutor mestre Rodrigo, morador às Pedras Negras, e o doutor
mestre Moisés, a esse tempo judeu. (Francisco Alvares, Verdadeira informação das
terras do Preste João, cap. ciii).
Em 1491 el rei D. João II deu a D. Diogo Ortiz de Vilhegas o cargo de prior do
Mosteiro de S. Vicente de Fora, e o nomeou bispo de Tanger; nesse mesmo ano el rei
o encarregou, conjuntamente com mestre Rodrigo e mestre Josepe judeu, de examinar
os planos de navegação que lhe viera propor Cristovam Colombo. Por carta de 11 de
novembro de 1494 foi nomeado provedor mor de redenção dos cativos, e capelão mor
da capela que nessa ano ordenara. Em zq de setembro de 1495 assistiu em Alvor à
morte dei rei D. João II, o qual tanto confiava dele, que em seu testamento recomendava
ao duque de Beja (el rei D. Manuel}, que no cumprimento dele se aconselhasse com
D. Diogo Ortiz de Vilhegas.
D. Diogo Ortiz foi transferido do bispado de Tanger para o de Ceuta ; não se sabe
ao certo o ano, mas foi antes de i3 de março de 1S04; e por bula de 27 de junho de
1405 foi nomeado bispo de Vizeu. El rei D. Manuel o encarregou do ensino e educa-
ção de seu filho o princepe D. João depois rei. D. Diogo Ortiz de Vilhegas faleceu em
Almeirim em iSiq, e foi sepultado no convento de Santa Maria da Serra da ordem de
S. Domingos. Era considerado no seu tempo por letrado muito instruído e grande
teólogo ; escreveu : História da paixão segundo os quatro Evan>{elistas, e Rudium
cathecismum pentadecadeni, pequeno catecismo da doutrina cristã ; e ambas estas obras
foram impressas. (Visconde de Paiva Manso, História eclesiástica ultramarina, tomo i,
Lisboa, 1872, p. 40-42 e 62-65).
(i) Damião de Góes, Crónica dei rei D. Manuel, primeira parte, cap. xviii, xx e xxi.
Zacuto com seu filho Samuel saiu do reino, provavelmente em
1497, ^ passou a Tunes, onde viveu alguns anos. Em i5o4,
Zacuto, durante a sua residência em Tunes, escreveu uma obra,
que intitulou Sefer ha-Juhasm, Livro de genealogias, compreen-
dendo a história cronológica dos Judeus, desde a creação do
mundo até i5oo. Quando os Castelhanos tomaram a cidade de
Tunes, Zacuto abandonou a mesma cidade, e passou a Turquia,
onde viveu até ao seu falecimento, que foi depois de i5io.
O Sefer ha-Juhasin foi publicado por Samuel Salom, com
muitas omissões e adições suas, em Constantinopla, em i566; e
foi reimpresso em Cracóvia em i58o; em Amsterdam em 17 17;
em Kõnigsberg em 1857; a edição completa da mesma obra foi
publicada em Londres em 1857.
Zacuto, no seu livro Sefer ha-Juhasin, faz menção da tomada
de Cepta por el rei D. João I nos seguintes termos (ed. de Cra-
cóvia, 1 58o, foi. i34,a)(i):
niiuT' 11DM m p D12D ^Ti b:' ri':s5 iiuí* vcdTO
diu sp^-iDST i<i^Vt2i22p V^ ^Dmwn "lapn wj,
sti^piuiapia 1X3 niiDíí D-iiin-^m ■D■'01D^<rl í:spia
«E no ano de [5] 175 [E. M.], D. João, rei de Portugal, tomou
a cidade de Cepta, a qual foi edificada por mão de Sem, filho de
Noé; ella está situada no mar do Estreito, que faz a separação
entre Castela e África; e ali a largura do mar é de três parasan-
gas; dizem, que [el rei D. João] a tomou, porque recebeu os per-
seguidos e os Judeus de Castela. E [D. João] reinou oitenta
anos.»
(i) A cópia desta passagem, com tradução inglesa, foi-nos comunicada obsequiosa-
mente pelo sr. L. D. Barnet, conservador (Keepei) da secção de livros orientais, im-
pressos e manuscritos, do Museu Britânico.
CVII —
Esta passagem foi citada, mas truncada, por M. Kayserling
na sua História dos Judeus em Portugal (i).
Esta notícia merece especial consideração por ser dada por
um escritor estrangeiro, que residiu alguns anos em Portugal;
contudo as informações que contem necessitam de explicação.
I .* Zacuto reíere-se à tradição, segundo a qual a cidade de
Cepta foi fundada por Sem, filho de Noé. Gomes Eannes de
Zurara na Crónica da tomada de Cepta (cap. ii) diz que Ahilavez
(Abul Abbas), escritor árabe, conta que a cidade de Ceuta foi
fundada por Sem, neto (sic) de Noé, 282 anos depois do dilúvio,
isto é, no ano 559 + 233 = 792 E. M.
2." Zacuto informa, que o estreito do mar, que faz a separa-
ção entre Castela e Africa, tem a largura de três parasangas.
Segundo Maçudi e Yacut, o grau de globo terrestre valia 2 5 para-
sangas (2) ; e tomando para comprimento do grau o valor 1 1 0800°,
a parasanga valia 4432™. A largura do estreito era pois de
13296™, segundo a estimativa dos marinheiros do século xv (3).
2i.'' Zacuto informa que D. João, rei de Portugal, tomou a
cidade de Cepta porque recebeu os perseguidos e os Judeus de
Castela. A palavra d-iDí:^, que L. D. Barnet traduziu por j^eríÉ?-
cuted, segundo J. Benoliel diz-se dos Judeus portuguezes, hespa-
nhois, etc. que foram obrigados a converter-se ao cristianismo.
Em arameu 03^* significa arrancar, arrebatar, forçar, obrigar (Dal-
man, Aramãiches-neuhebrãisches Worterbuch, s. v.). Não nos foi
possível averiguar, que gentes quiz Zacuto designar pela palavra
COijí*; Gomes Eannes de Zurara somente menciona entre os
estranjeiros que vieram oferecer-se a el rei D. João I no tempo,
em que preparava a frota para ir contra a cidade de Ceuta, um
(i) Geschichte der Juden in Portugal, vou Dr. M. Kayserling, Berlin, iS^iy, p. 44,
nota I.
(2) Decourdemanche, Note sur Vestimation de la longueur dii dégré terrestre, no
Journal Asiatique, xi série (ioi3j, turno 1, p. 431-432.
(3) A largura mínima do Estreito de Gibraltar, entre a Punta Canales e a Punta
Cires, é de i3 kilómetros. (Vivien de Saint-Martin, Nouveau Dictionaire de góogra-
phie univerxelle, tomo 11, Paris, 1884, s. v. Gibraltar Detroit.
grande duque de Alemanha e um barão (cap. xxxiij), três grandes
fidalgos da casa (rial) de França (cap. xxxiij), um rico cidadão de
Inglaterra (cap. 1); e também foi na frota um inglês criado da
rainha D. Filipa. Quanto aos Judeus, que por aquele tempo
vieram de Castela para Portugal, nenhuma notícia encontramos;
é pois possível que Zacuto tenha confundido os sucessos do rei-
nado dei rei D. João II com os de D. João I, e mencionasse os
Judeus entre as gentes que tomaram parte na tomada de Ceuta,
levado do zelo de exaltar a gente da sua nação.
4.^ Como Kayserling já observou (i), a indicação dada por
Zacuto, relativa à duração do reinado dei rei D. João I, é inexacta ;
e por isso propoz, que em vez de phe (S5 = 80), se leia nun (d= 5o),
pois que D. João I reinou cerca de cincoenta anos, desde 6 de
abril de i385 a 14 de agosto de 1483, em que faleceu na idade
de setenta e seis anos.
(t) Geschichte der Juden in Portugal, von Dr. M. Kayserling, Berlin, 1867, p. 44,
nota I.
índice das matérias
Pâg
Introdução v
Vida de Gomes Eannes de Zurara vii
Manuscritos lxxv
Impressões xcm
Apêndice I. — Documento VI-A — i3 de dezembro de 1455 xcvii
Apêndice II — Noticia da tomada de Ceuta dada por Abraham Ben Samuel Zacuto,
escritor judeu no princípio do século xvi xcix
TABOADA DOS CAPÍTULOS
Prologo. Capitullo primeiro 3
O principio da estoria. Capitullo ij 8
Como o autor declara as rrezões por que esta força foy começada tam tarde. Ca-
pitullo iij II
Da tenção que elRey ouue de mandar rrequerer as pazes a Castella. Capi-
tullo iiij 14
Como os embaxadores forom a Castella e da rresposta que ouuerom. Capitullo v. 16
Como os embaxadores tornarem de Castella. e como as pazes forom deuulgadas
per todallas partes do rregno. Capitullo vj ig
Como elRey Dom Joham enuiou rrequerer ao Iffante Dom Fernando a conquista
de Grada. Capitullo vij 23
Como elRey tinha vontade de fazer grandes festas em Lixboa pêra fazer seus
filhos caualeiros. e como os Iffantes falaram acerqua dello antre sy que seme-
lhante maneira de cauallaria nam era honrrosa pêra elles. Capitullo viij . . 24
Como Joham Aflbnso veedor da fazenda falou aos Iffantes na cidade de Cepta e
como os Iffantes falaram a seu padre. Capitullo ix 26
Como elRey disse que nam queria detreminar nenhuúa cousa daquelle feito ata
que soubesse se era seruiço de Deos de se fazer e como mandou chamar os
letrados pêra o saber. Capitullo x 3o
— cx
Pág.
Como os letrados tornaram com rreposta a elRey dizendo que era seruiço de
Deos de se tomar a cidade de Cepta. Capitullo xj 34
Como elRey moueo outras duviidas que tijnha pêra filhar aquells cidade. Capi-
tullo xij 38
Como os Iffantes fallaram amtre ssy açerqua daquellas duuidas e da rreposta
que trouuerom a elRey. Capitullo xiij 42
Em como elRey mamdou chamar o IfFamte Dom Hamrrique, e das rrezoões que
lhe disse, e como determinou de hir tomar a cidade. Capitullo xiiij .... 46
Como o Iffamte Dom Hamrrique leuou as nouas a seus jrmaãos e do gramde
prazer que ouueram. Capitullo xv 48
Como elRey mandou chamar o priol do Esprital e o capitam e do que lhes disse
que auiam de fazer. Capitullo xvj 5 1
Como o prioll e o capitam partiram de Lixboa e da embaxada que leuauam e
das cousas que fezerom em sua uiagem. Capitullo xvij 54
Como os embaxadores tornaram e da rreposta que trouueram. Capitullo xviij. 58
Como elRey disse a seus filhos que duuidaua mujto começar aquelle feito, amte
de o saber primeyramente a Rainha e o comdestabre. Capitullo xix 60
Como a Rainha fallou a elRey no rrequerimento de seus filhos, e da rreposta
que lhe elRey açerqua dello deu. Capitullo xx 62
Como elRey pollo presemte nom quis determinar aa Rainha que elle auia de
hir em aquelle feito, e como loguo mamdou emcaminhar as cousas que per-
teeçiam pêra a frota. Capitullo xxj 66
Como elRey e os Iffamtes determinaram a maneyra per que sse auia de fallar ao
comde naquelle feito, e como lhe foy fallado e per que guisa. Capitullo xxij . 68
Como elRey começou dauiar mais trigosamente sua hida, e como os Iffamtes
tornaram dEuora, e como sse os Iffamtes Dom Pedro e Dom Hamrrique par-
tiram pêra suas terras e das cousas que lia fezerom. Capitullo xxiij 72
Como sse os Iffamtes forom todos três a Samtarem, e da maneyra que teueram
em seu caminho, e do que fallaram a seu padre tamto que forom homde elle
estaua. Capitullo xxiiij 74
Como elRey mamdou chamar os do seu comsselho, e como os Iffamtes torna-
ram aa corte, e das cousas que o Iffamte Dom Hamrrique rrequereo a seu
padre. Capitullo xxv. 76
Como elRey tomou juramento aos do comsselho, e per que guisa, e das palla-
uras que lhe disse acerca de seu propósito. Capitullo xxvj 78
Como o comdestabre rrespomdeo primeiro em aquelle comsselho, e das rrezões
que disse, e como ho IfFamte Duarte e seus jrmaãos rresponderom e per
que maneira. Capitullo xxvij 81
Como elRey teue comsselho sobre ho emcubrimento daquelle propósito, e como
foi determinado que mandasse desafiar o duque dOlamda, e a maneyra que
elRey teue naquelle desafio. Capitullo xxviij 83
Como Fernam Fogaça tornou com a rreposta de sua embaxada, e como sse as
cousas passaram açerqua do corregimento da frota em quamto elle fez sua
uiagem. Capitullo xxix 87
Como elRey escpreueo aos fidallguos que sse fezessem prestes pêra hirem com
seus filhos, e do gramde trafego que emtom era no rregno açerqua daquelle
corregimento. Capitullo xxx 90
Como em Castella ouueram estas nouas, e do comsselho que açerqua dello teue-
— CXI —
Pág.
ram, e como determinaram demuiar a elRey seus embaxadores pera firma-
rem as pazes. Capitullo xxxj 93
Como aquelles embaxadores uieram a Portugall, e como deram aquella emba-
xada a eIRey, e da rreposta que ouuerom, e como Dia Samchez morreo, e
como sse o bispo tornou pera sua terra. Capitullo xxxij 97
Como elRey dAragam emuiou seus embaxadores a elRey, e da rreposta que leua-
rom, e como em este tempo uieram algúus estramgeiros offereçersse a
elRey, e da maneira que com elles teue. Capitullo xxxiij loi
Como os embaxadores delRey de Graada uieram a elRev, e do que lhe rreque-
reram, e como traziam rrecado delRey ao Iffamte Duarte, e das cousas que
lhe promettiam. Capitullo xxxiiij io5
Como o Iffamte Dom Hamrrique ueo depois de janeiro fallar a seu padre, e
como sse tornou pera o Porto, e da maneira que teue em sua armaçom. Ca-
pitullo XXXV 109
Como elRey escpreueo ao Iffamte Dom Hamrrique que partisse com sua frota,
e como o Iffamte partio, e a hordenamça que leuaua. Capitullo xxxvj ... ii3
Como Affomso Eannes chegou aos Iffamtes com as nouas da doemça da Rainha,
e como por aquelle aazo aquelle gramde prazer em que estauam, foi tor-
nado em tristeza. Capitullo xxxvij 116
Como elRey disse aa Rainha determinadamente sua emtemçom, e da rreposta
que lhe a Rainha deu, e como por aazo algúus que alli adoeceram de
pestenemça elRey partio pera o moesteiro dOdiuellas, e como a Rainha
ficou pera acabar suas deuaçoões, e como em aquelle dia adoeçeo. Capi-
tullo XXXviiij ijj
Como o Iffamte Dom Hamrrique e o comde Dom Affomso chegaram a Odiuellas,
e como sse a door acreçemtou na Rainha. Capitullo xxxix 122
Como a Rainha auia uerdadeiro conhecimento da sua morte, e das obras que
açerqua dello fazia, e como deu o lenho da cruz a seus filhos. Capitullo R. i25
Como a Rainha deu as espadas aos Iffamtes, e das rrezoões que lhes disse a cada
húu, quando lhe daua a sua espada. Capitullo Rj 126
Como a Rainha tomou a fallar outra uez ao Iffamte Duarte, e lhe emcomemdou
os Iffamtes seus jrmaãos e Briatiz Gomçalluez de Moura e Meçia Vaaz sua
filha, e assy todallas outras suas cousas. Capitullo Rij 129
Como o Iffamte Dom Pedro rrequereo aa Rainha, que fosse sua merçee de lei-
xar suas terras aa Iffamte sua jrmãa, e como lhe forom outorgadas. Capi-
tullo Riij i32
Como os Iffamtes pidiram a elRey que sse partisse dalli, e do comsselho que
açerqua dello teueram, e as uisoões que a Rainha uio amte de sua morte.
Capitullo Riiij i34
Como a Rainha foy comumgada e humgida, e como fez fim do derradeiro termo
de seus dias, e como o autor diz que em ella auia compridamente todallas
quatro uirtudes cardeaaes. Capitullo Rv i38
Como ho autor faz deuisom das uirtudes, e como diz que sse os Iffamtes pani-
ram daquelle moesteyro pera Restello. Capitullo Rvj 141
Como os Iffamtes teueram seu comsselho açerqua dos feitos primeiros, e como
forom falliir a elRey, e tornarora outra uez a teer comsselho aaquella aldeã.
Capitullo Rvij 144
Como os Iffamtes e três dos outros do comsselho tornaram a fallar a elRey em
a determinaçam de seus acordos, e das rrezoões que elRey açerqua dello
disse, e como finallmente determinou a partida. Capitullo Rviij 147
Como sse os líTamtes tornarom a Restello, e do auiamento que derom a todallas
cousas que perteeçiam a sua uiagem. Capitullo Rix 149
Como elRey partio dAlhos Vedros na gallee do comde de Barçellos, e sse ueo
lamçar a Restello, e como no dia seguimte se foy com sua frota amcorar
açerqua de samta Caierina. Capitullo L i52
Como elRey em aquelle dia que partio fez sua oraçom muy deuotamente, e das
cousas que em ella pidio. Capitullo Lj .... i55
Como o meestre frey Joham Xira preegou amte a uista de todo o pouoo, e das
rrezoões que disse. Capitullo Lij i56
Como o meestre pruuicou a cruzada, e como per sua autoridade assolueo todos
de culpa e pena. Capitullo Liij 160
Como elRey partio de Lagos e sse foy a Faaram, e como dalli seguio seu cami-
nho ataa que chegou com toda sua frota amte as Aljaziras. Capitullo Liiij . 1G4
Como a frota chegou toda ante as Aljaziras, e como aly veo Pêro Fernan-
dez Portocarreiro e os mouros de Gibaltar trazer seruiços a elRey. Capi-
tullo Lv i65
Como elRey teue conselho se leuaria logo sua frota sobre a cidade, e como aly
Paro Fernandez mandou enforcar hum almogauere de Graada. Capitullo Lvj. 168
Como elRey mandou passar as gallees da outra parte de Barbaçote, e do conse-
lho que elle teue. Capitullo Lvij ... 169
Como o autor falia nas grandes diuisoões que auia antre os mouros da cidade,
e das cousas que uconteçerom no outro anno passado. Capitullo Lviij. . . 171
Como a frota por azo da tormenta tornou outra vez aas Aljaziras, e como ao
dobrar o cabo dAlmina as gallees forom em grande prigo. Capitullo Lix. . 174
Da maneira que os mouros teuerom depois que a frota partio, e como se em ello
pode consirar que Deos soomente foi aquelle que trouxe a fim da vitoria.
Capitullo Lx 176
Da visam que Fernam dAluarez Cabral vio açerqua do acontecimento do Iffante,
e das rrezões que sçerca delo dezia. Capitullo Lxj 178
Como elRey teue seu conselho se tomaria outra vez sobre a cidade de Capta, e
das rrezoões que se no dito conselho passaram. Capitullo Lxij 180
Como os outros do conselho disserom a terceira rrezam, e como por elRey foy
determinado a ponta do Carneiro que queria jr sobre a cidade de Cepta.
Capitullo Lxiij i83
Como elRey ajmda teue comsselho açerqua do filhar da terra homde seria, e
das rrazoões que disse ao Iffamte Dom Hamrrique. Capitullo Lxiiij i85
Como a frota partio pêra hir sobre a cidade de Cepta, e das rrazoões que os es-
cudeiros do Iffamte Dom Hamrrique ouuerom com elle. Capitullo l.xv . . 187
Como o Iffamte Dom Hamrrique rrespomdeo aquelles escudeiros, e como a frota
chegou dauamte a cidade. Capitullo Lxvj 189
Como os da frota traziam per essa meesma guisa lume per sseus nauíos, e das
temçoões que amtre ssi auiam. Capitullo Lxvij 190
Como no dia seguimte os mouros e os christaãos trabalhauam em seus feitos.
Capitullo Lxviij 193
Como eIRey mamdou aparelhar huCa galleota, em que amdou auisamdo todoUos
capitaães da frota da maneira que ouuessem de teer Capitullo Lxix. ... 195
CXIII
Pág.
Como Çalla bem Çalla estaua muy anoiado, ueemdo como a determinaçam del-
Rey de todo era filhar terra amte os muros de sua cidade. Capitullo Lxx . 197
Como Martim Paaez capellam moor do Iffamte Dom Hamrrique fallou alguuas
rrezoões em presemça de todos. Capitullo Lxxj 199
Como o batell de Joham Fogaça foy o primeiro que sayofora, e como Ruy Gom-
çalluez filhou primeiramente terra e desi todollos outros. ' Capitullo Lxxij . 202
Como as nouas chegaram a Çalla bem Çalla de como os christaãos eram demtro
na cidade. Capitullo Lxxiij 2o5
Como os Iffamtes partiram dally, e das rrazoões que lhe Joham Affomsso ueedor
do fazemda disse quamdo chegou a elles. Capitullo Lxxiiij 207
Como o Iffamte Duarte foi filhar a altura do Cesto, e o IflTamte tornou aa rrua
dereita. Capitullo Lxxv 209
Como elRey e o IfFante Dom Pedro com todollos outros daquella frota filharam
terra, e como Gonçallo Lourenço de Gomide foy caualeiro chegando aa
porta da cidade. Capitullo Lxxvj 211
Do gramde trafego que auia na cidade, e da maneira que os mouros lijnham em
seu defemdimento. Capitullo Lxxvij 2i3
Como o Iffamte Dom Hamrrique tornou aa rrua dereita, e das cousas que alli
fez. Capitullo Lxxviij 214
Como o Iffamte pelleiou alli muy gramde pedaço, e como Fernam Chamorro
foy derribado. Capitullo Lxxix 216
Como o Iffamte ali esteue duas oras amtre aquelles muros, e das rrezoões que
o autor poõe açerqua de sua fortelleza. Capitullo Lxxx 219
Como todos pemssauam que o Iffamte era morto, e como nehúu nom ousaua de
passar aaquella porta com temor dos mouros, que estauam sobre os muros.
Capitullo Lxxxj 220
Como Garcia Moniz filhou atreuimento de passar aquella porta pêra hir buscar
o Iffamte, e das rrezoões que lhe disse. Capitullo Lxxxij 222
Como o Iffamte tornou outra vez aaquelle lugar domde amte partira, e como os
mouros leixarom de todo o castello. Capitullo Lxxxiij 224
Como o Iffamte Dom Hamrrique chegou omde estauam seus jrmaãos, e como
Vaasco Fernamdez dAtayde foy morto. Capitullo Lsxxiiij 227
Como elRey mamdou chamar ho Iffamte Dom Hamrrique, e das rrazoões que
lhe disse. Capitullo Lxxxv 229
Como Joham Vaaz dAlmadaã foy poer a bamdeira da cidade de Lixboa sobre
as torres do castello, e jsso meesmo o comde Dom Pedro leuou a bamdeyra
do Iffamte aa torre de Feez. Capitullo Lxxxvj 23 1
Como ho autor declara o tempo em que a cidade foy tomada, e quaaes eram os
trabalhos dos homees naquella noute. Capitullo Lxxxvij 233
Como os christaãos em aquella noute traziam amtre ssy desuayradas ocupaçoões.
Capitullo Lxxxviij 235
Do gramde pramto que os mouros faziam sobre a perdiçom da sua cidade. Ca-
pitullo Lxxxix 237
Como elRey emuiou seu rrecado a Martim Fernamdez Portocarreyro alcayde
de Tarifa por lhe noteficar sua uitoria. Capitullo LR 241
Como mamdou elRey Joham Escudeiro aa casa delRey Dom Fernamdo dAra-
gam e depois Aluoro Gomçalluez da Maya,.e das cousas que lhe emuiou
dizer. Capitullo I.Rj 242
CXIV
Pág.
Como ho autor falia na gramde mortijmdade, que sse fez em os mouros naquelle
dia. CapituUo LRij 244
Como os mouros no outro dia olhauam os muros de Cepta, e das rrezoões que
deziam em seu louuor. Capitullo LRiij 247
Como os outros mouros se uieram açerqua da cidade, e da escaramuça que tra-
uaram com os christaãos, e como o Iffamte Duarte sayo a elles. Capi-
tullo LRiiij 25o
Como elRey mamdou chamar o seu capellam moor, e das rrezoões que lhe
disse. Capitullo LRv 25 1
Como o meestre frey Joham Xira preegou, e como os IfFamtes forom feitos ca-
ualleiros. Capitullo LRvj 253
Como elRey teue seu comsselho acerca da guarda da cidade. Capitullo LRvij . 257
Como algúus daquelles do comsselho rresponderam a elRey. Capitullo LRviij . 259
Como elRey determinou todauia de mamteer a cidade, e como daua emcarrego
delia a Martim AfTomsso de Meello. Capitullo LRix 261
Como o comde Dom Pedro rrequereo aquella fromtaria, e quaaes forom os que
alli ficarom. Capitullo C 262
Como elRey partio de Cepta e chegou ao Algarue, e como fez em Tauilla seus
filhos duques. Capitullo Cj 265
Como elRey despachou alli todos, e lhes fez merçee agradeçemdolhes mujto seus
gramdes trabalhos. Capitullo Cij 267
Como elRey partio do Algarue e chegou a Euora, e do rreçebimento que lhe foi
feito. Capitullo Ciij 269
Como ho autor mostra que todallas cousas deste mundo falleçem, ssenam a
escpritura. Capitullo Ciiij 271
Capitullo Cv, no quall o autor da graças a Deos em fim de sua obra 274
índice dos nomes próprios de pessoas 277
índice dos nomes próprios geográficos 283
DOCUMENTOS
I. — 22 de dezembro de 1449 287
II. — 21) de março de 1451 »
III. — 14 de julho de 1452. — Carta de quitaçam a Joham Roíz Carualho de todol-
los dinheiros que rreçebeo em Framdes homde foy emuyado 288
IV. — 23 de fevereiro de 1453. — Carta que Gomes Eannes da Zurara comenda-
dor da bordem de Cbristo screueo ao Senhor Rey quando lhe enuyou este
liuro [Crónica da conquista de Guiné] 289
V. — 6 de junho de 1454 291
VI. — 23 de agosto de 1454 »
VII. — 7 de agosto de 1459 • . . . . 292
VIII. — 9 de agosto de 1459. — A Gomes Eanes de Zurara licença pêra fazer
quaaes quer obras e corregimentos que elle quizer em huíjas casas delRey
que som nesta cidade de Lixboa a porta dos paços as quaaes elle e seus her-
deiros teram e lhe nam seiam tiradas atee lhe nam seer paguo o que nellas
despemder 293
Pig-
IX. — 1459. [Termo de abertura da Chancelaria de D. Pedro I] 294
X. — II de junho de 14C0. — Carta do senhor Dom Pedro Mestre de Auis, e
que depois foi Rey de Aragão filho do Infante Dom Pedro a Guomez Eanes
de Zurara caronista e guarda mor da Torre do Tombo escrita per sua mão. 294
XI. — 6 de fevereiro de 1461. — Gomes Eanes de Zurara confirmaçam de perfi-
Ihaçam e doaçam que lhe fez Maria Annes pilliteira de húu lugar que ella
tijnha em Ribatejo homde chamam Vali bom 2q5
XII. — 22 de outubro de 1460. [Foral de Moreira] 297
XIII. — 14 de abril de 1462. [Foral de Aluares] 3oi
XIV. — 22 de junho de 1463. — Carta de D. Affonso V, nomeando Paro dAImada
juiz das sisas da uila de Almadaã 302
XV. — 23 de junho de 1463. — Carta de D. Affonso V, nomeando Pêro dAIma-
da alcaide e meirinho dos ourivezeiros dAadiça 3o3
XVI. — 28 de julho de 1467. — Aministraçam de huGa capella jmstituyda na
egreia de samta Maria Madanella desta cidade de Lixboa per huú Gomcalo
Esteuez naturall de Symtra a Gomez Eannes de Zurara 304
XVII. — 21 de novembro de [1467]. — Carta delRei dom Affonso a Guomez
Eanes da Zurara seu coronista. escrita per sua mão 3o5
XVIII. — 25 de maio de 1468. [Foral de Gralhas] 307
XIX. — 21 de janeiro de 1471 3q3
XX. — 22 de fevereiro de 1472 3,1
XXI. — I de dezembro de 1473 3,3
XXII. — 2 de abril de 1474 3j5
XXIII. — 22 de junho de 14S2. — Carta de legitimação de Catarina da Silveira. . 3i8
XXIV. —8 de abril de 1483. — [Carta de legitimação de] Gomçallo Gomez da Zu-
rara filho de Gomes Eannes da Zurara comendador da bordem de Christo . 320
XXV. — 8 de abril de 1483. — [Carta de legitimação de] Felipa Gomez filha do
sobredito [Gomez Eannes da Zurara comendador da hordem de Christo]. . »
XXVI. — 8 de março da era de 141 1 (1373 J. C.) — [Carta de privilégios á Or-
dem de Christo] „
XXXII.— 12 de janeiro de 1479. — A elRey semtemça comtra a hordem de
Christo per que foy declarado e jullgado a ssoperioridade da jurdiçom çiuell
de todallas terras da dita hordem seer do dito senhor e lhe perteemçer e a
nam poder de ssy tirar dar nem transmudar em hordem nem em pessoa
alguúa, e mais pronumçiamdo por nehtíus e de nehuu efeito todollos proce-
dimentos que os offiçiaaes da dita hordem fezeram comtra certas pessoas
moradores em a villa de Punhete sobre os canaaes do Zezer, e que fossem
rrestituidos^ etc 323
XXVIII. — 3 de junho de 1439 333
XXIX. — 1 1 de janeiro de 1449 33^
XXX. — 17 de julho de 1452 „•
XXXI. — [Extrato das] Definições e estatutos dos Cavalleiros e Freires da
Ordem de N. S. Jesu Christo, Lisboa, 1628 (p. 201 a 2o3) 335
XXXII. — [Extrato de] O livro da virtuosa bemfeituria do infante D. Pedro. . . 337
Variantes do livro da virtuosa bemfeituria 3.3
Correções importantes
CRÓNICA DA TOMADA DA CIDADE
DE CEPTA PER ELREY DOM JOHAM
O PRIMEIRO
"^>..<, "*->>..^. "■^>>..^, "*-
:>■ — ^ 1
>^..
PROLOGO DE GOMEZ EANNES DE ZURARA
AA CRÓNICA DA TOMADA DE CEPTA.
B, I,
CONCRU:
a nai
racai
Capitullo primeiro.
.ONCRUSAM he dAristoteles no segundo liuro da natural filosofia que
latureza he começo de mouimento e de folgança. E pêra decla-
içam dcsto aprendamos que cada huua cousa tem calidade. per a
qual se moue ao seu próprio lugar quando esta fora dellc entendendo ai}' ser
confirmada milhor. e por aquella mesma propriedade faz assessegamento
depois que esta onde a natureza rrequere. Exempro desto he a pedra
10 que por sua graueza e peso descende ao lugar que lhe pertence, e depois
que o percalça nom se moue mais. * Semelhauelmente cada hum homem B, i,
tem deseio de conseruar sua vida aa qual sam necessárias muitas cousas
sobre que elle nam ha possiçam. e por tanto ha mester que as peça
por seu mouimento a quem entender que as pode outorgar, e depois que
i5 as teuer cobrara folgança vsando delias segundo o que deue. E por
quanto a grandeza de nosso Senhor Deos jnfindamente he liberal, a elle
conuem que peçamos, esto se pode mostrar por alguíãas rrezoões. E pêra
conhecimento da primeira saibamos que no primeiro liuro da lógica diz
o filosofo que se alguíia propriedade conuem a duas cousas, e huúa a tem
4. dAristoteles E, de aristoteles B, — 5. he começo de movimento e de folgança C E,
e o começo do mouimento he de folgança B. — 7. estaa B. — 8. confirmado B — propie-
dade E, propiedade B — faz I, fez B. — 9. depois E, despois B — enxempro B. — 11. mais
E, mas B. — 12. deseio B. — i3. elle E, nelle B. — ha E, haa B. — i5. as teuer C, este-
uer B. — 16. quanto C, tanto B — grandeza E, graueza B. — 17. conuem E, que em B —
algúas B — rrezões B — 18. lógica E, gloria B. — ^ 19. propriedade E, propiedade B —
e E, ovt B.
— 4 —
por azo da outra, lie necessário que tal perfeiçam compridamente se)a
em a primeira, cujo exempro he aqueste. Certo he que a quentura
nam conuem ao ferro esquentado se nam per o fogo. porem nam embar-
B, I, V, I gante que ambos sejam quentes, ella * mais pertence ao fogo. Sobre a qual
dereitamente podemos fundar nosso preposito em aqueste meo creendo !>
que nenhum bem fazer nom conuem aos homcés se nom por azo do Senhor
Deos. em cuja prouaçam diz o apostollo Santiago na sua primeira cano-
niqua. que toda boóa doaçam e todo liberal outorgamento de cima des-
cende do padre dos lumes que sobre esto esparge os rrayos da sua bon-
dade. E por que nos tenhamos ousio de lhe pedirmos ajuda pêra todas lo
nossas cousas, elle mesmo nos conuida no xj capitullo de sam Mateus,
dizendo vinde a mim todolos que trabalhaes em vossos desfalecimentos
e sooes encarregados, eu vos outorgarej' abondança do que deseiaaes.
E no capitullo xvj do euangelho de sam Joam manda que peçamos e
rreçebamos. Em que parece que sem reçeo o deuemos rrogar que nos i5
ajude, pois que elle mesmo se oferece pêra nos outorgar o que lhe pedi-
remos. Desy o disse o profeta em os xlix salmos dizendo a cada hum
homem, chamame em o dia da tribulaçam e eu te liurarey e tu me
louuaras. E o mestre das sentenças em a quadragésima quinta defini-
çam do quarto liuro diz que a criatura rrazoauel deue dizer as cousas 20
temporaaes aa verdade eternal pedindo aquello que bem deseia que lhe
seja outorgado. E por nos rrazoaremos esto em sua presença nam
B,i,v, 2 * cuidemos que entendera nouamente o que nam conhece, que escrito he
em o euangelho que o nosso padre sabe as cousas que nos sam necessá-
rias primeiro que as peçamos. E porem diz sam Gregório em o dialogo 25
que o nosso pedir nam faz mudança em a desposiçam diuinal. mas faznos
jmpetrar o que eternalmente se ordenou pêra seer outorgado per nossas
petições. E por tanto em o xviij capitullo de sam Lucas se diz conuem
de orar. entam cobraremos o que for bem rrequerido. porem deuemos
poer em Deos toda nossa esperança que he poderoso pêra nos ajudar em 3o
qualquer obra pêra que o rrequereremos. Empero esta sua ajuda nom
poderemos assi per nos mesmos percalçar. por que elle des o começo
fez em as criaturas cadeamento. per guisa que as virtudes do çeo nam
vem aa terra que nam passem primeiramente per os corpos que sam
3. ferro C, frio B. — 4. quentes E, om B. — 5. preposito E, propósito B — creendo
C, querendo B. — 7-8. canónica E, cananiqua B. — 11. no E, nos B — xj C, om B. —
18. liurarej B — quadragessima B. — 19-20. definiçam E, definçom B. — 21. aquello E,
aquillo B — deseja B. — 22. e por nos C, e pêro nos E, e por que nos B — razoaremos B.
— 25. dialogo E, dialego B. — 27. emperrar B. — 28. os xviij capitullos E, o xviij capi-
tullo B. — 3i. esta E, por esta B. — 32. poderemos E, podemos B.
antre ellas. nem se moue alguúa cousa de hum termo pêra outro que
per ametade nam faça mouimento. Porem como de nosso criador jnfin-
damente sejamos alongados, e no começo sam postos alguús corpos a que
elle deu parte em sua gloria e com alguús delles nos temos alguúa natu-
5 reza. compre que a estes rroguemos per nossas petições de que deseiamos
auer bom desembargo, e per alguúas rrezoões se pode aquesto prouar.
das quaaes a primeira se faz por aquesta maneira. * Quanto a petiçam he B, 2, i,
mais humildosa e apresentada sem presunçam. tanto deue ser outorgada
com maj^or vontade, porem como mais humildade mostre cada hum poendo
•o em outrem sua fiança que se presumir de si mesmo, seguesse que com
raayor vontade lhe deue seer outorgado o que demandar, pois toda sua
esperança põem na bondade do Senhor e nos merecimentos de quem por
elle pede. E por confirmaçam desto he scrito em o quinto capitullo de
Job. que nos tornemos a algum santo por cujo merecimento nos seja
'5 outorgado o que rrequerermos. A segunda rrezam he que todo aquelle
que se conhece por vil e mizquinho em presença do que quer demandar,
esperara com rrezam de nam seer ouuido e de o nam leixarem chegar
pêra dizer o que ha mester, e por tanto deue de rrequerer a outrem
que verdadeiramente peça por elle. E pois nos quanto aos corpos em
20 aquesta vida somos muy cujos, depois de morte seremos muy torpe vianda
de vermeés. e quanto aas almas diz o profeta em o salmo I que em
maldade somos gerados e concebidos em pecado, mostrasse que deuemos
rrogar quem nam tenha empacho de ao jnfindamente glorioso Senhor apre-
sentar nossa enformaçam. nem duuidaremos se alguús santos esto podem
25 fazer que no * sexto capitullo do apocalipse he scripto que a deuaçam das ''' -> •":
nossas oraçoões sobe per maão do anjo aa presença de Deos. e no xij
capitullo de Tobias se lee que lhe disse o anjo em como presentara suas
oraçoões quando jejúaua e fazia esmollas e soterraua os mortos, em que
parece que os anjos e os santos sam nossos ajudadores quando deuota-
3o mente os rrequeremos. A terceira rrezam he aquesta. Neiçeo he o que
se trabalha de jr soo per o caminho duuidoso. quem tem seguro e prouei-
I . ellas I, elles B — outro E, o outro B. — 2. noso B. — 3. selamos B — algus B. —
7. petição B. — 9. maior B — humildade E, humilde B. — 10. seguese B. — 11. maior B
— demandar C E, demanda B — 1 3. capitulo B. — de E, om B. — 14. sancto B. — 1 5. re-
querermos B. — 18. haa B — requerer B. — 19-20. em aquesta E, naquesta C, nesta B.
— 23. rogar B — quem B, que CE — nam E, nom C, nos B — de ao jnfindamente C, de
a infindamente o E, de jnfindamente ao B. — 23-24. presentar E, apresentar B. — 24, san-
ctos B — esto E, jsto B. — 26-27. nos xij capitullos E, no xij capitullo B. — 27. dise B.
— 28. orações — esmollas E, esmolla B. — 29. sanctos B. — 3o. razam B — se trabalha
E, trabalha B.
toso guiador. Por tanto as petições que fiizemos a Deos de serem
quejandas de bem polia mayor parte sam duuidosas. e temos medeaneiro
homem Christo Jesu segundo diz o apostolo sam Paulo em a primeira epis-
tola a Timoteu. a elle nos tornaremos principalmente por nos encaminhar,
pois em o xiiij capitullo do euangelho de sam Joam disse, ninguém vay 5
a o diuinal padre senam por elle que he caminho e craridade do mundo.
Oraremos humildosamente que por seus merecimentos se)a guardador dos
nosos deseios e por sua misericórdia nos queira jmpetrar as graças que
auemos mester. Ora falando da quarta rrezam entendamos que qual-
quer que leixa cm as cousas necessárias a certa pratica pollo duuidoso m
entender, nam tam soomente faz çimpreza. mas ajnda comete loucura.
B, 2, V, I Porem como toda nossa * petiçam seja duuidosa de aprazer a Deos. por
que diz a santa scriptura que nenhum sabe se merece odeo ou amor
em sua presença, e com jsto somos certos que Deos outorga a muitos
grandes merçes em aquesta e na outra vida por a bondade dos que as i5
pedem por elles. mostrasse claramente que se nos queremos bem pedir
daquesta pratica deuemos vsar. Em cuja prouaçam se lee em o xviij
capitullo do genesi. que souertendo Deos as cidades de Sodoma e Go-
morra liurou Loth aos rrogos do santo patriarcha Abraham. Quem souer-
teo as cidades e liurou Loth ? E per vezes fora perdido o pouo de 20
Isrrael per sanha de Deos se o nom abrandaram os rrogos do profeta Mou-
ses. E o linhagem de Salamam de todo perdera a cadeira rreal se nam
fora per elRey Dauid seruidor do muy Alto. E dereita rrezam he que
pois aos homeés sam outorgadas m.uitas graças per azo daquelles que
podem pecar, muito mais lhe deuem de seer feitas merçes aos rrogos daquel- ^5
les que ja por sempre nam podem falecer. E por entenderemos como
os santos rrogam por nos em a outra vida. saibamos que o mestre das
sentenças diz em a xlv difiniçam do quarto liuro que as almas bem
auenturadas que por a esperança diuinal rreçebem lediçe em a face de
Deos entendem as cousas que se fazem de fora quanto he compridoiro 3o
B, 2, V, 2 pêra seu prazer ou pêra nossa ajuda. Em que parece * que os santos nom
dizem a Deos o que nos queremos, mas elle lhe mostra os nossos dese-
ios querendo que per suas petições nos sejam compridos, porem a elle
segundo cada hum teuer sua deuaçam se tornara deuotamente. per guisa
2. queiandas B. — 5. os xiiij capitullos E. — 7. seia gardador B. — 9. quarta E, iiij" B.
II. loucura E, locura B. — i3. sancta B. — i3. nenhuú. — 14. em sua E, e em sua B.
17. os xviij B. — 19. rogos B— sancto B. — Abrahão B.— 20. Loth? I, Loth : B. — 21. rogos B.
— 21-22. MousesE, Mousem C, Moyses B. — 22. o linhagem E, alinhagemB — Salamão
B. — 23. razam B. — 24 homés B. — 25. de ser E, seer B — rogos B. — 26. por entender-
mos como E, porem entenderemos B. — 27. sanctos B. — 3i. sanctos B. — 33. seiam B.
que por onde o seu nequerimcnto nom poder abranger chegue o mereci-
mento daquelle em cuja santidade poser confiança. Speçialmente orare-
mos a virgem santa Maria senhora dos anjos que seja nossa auogada
5 por sua merçe. porque as cousas que forem per ella rrequeridas pêra
nos. sem tardança seram outorgadas. Ca diz santo Enselmo no iiuro do
conçebimento virginal, que muitas vezes chamando os homeés aquesta
senhora, mais trigosamente rrcçebem graça que se Jesu Christo fosse
chamado, esto nam por ella teer melhoria sobre seu filho, mas por
,Q quanto elle he julgador dos merecimentos de cada hum. nom embar-
gante que ouça quem quer que o chama per justo juizo e rreteudo
de outorgar o que nam he merecido de quem sua madre he chamada e
rrequerida. posto que o pcdidor nam mereça de ser ouuido os mereci-
mentos delia sam abastosos pêra comprir a petiçam do que for deseiado.
,5 E por quanto eu sento de mim tanta fraqueza pêra continuar a seguinte
obra. digo com toda humildade e rreverençia em aquesta guisa. Aquelle
cuja graça per diuinal rresplandor enframou os corações dos seus santos
apóstolos da perfeita sabedoria com espritual * eloquência, mande sobre B, 3, r, i
mim alguija parte dos átomos daquella graça, que per minha rrudeza e
2Q fraco engenho possa falar da franqueza e marauilhosos feitos deste virtu-
oso e nunqua vencido príncipe senhor Rey Dom Joham aquello que em seus
grandes merecimentos muy jnteiramente cabe. cuja estoria nos seguintes
capitullos escreuer entendo, por que nam menos me parece que deue o
seguinte feito e aos que de trás delle sam escritos auer autorizado rregisto.
25 do que ouuerom os feitos do gram Macabeu e doutros muitos duques e
príncipes que com suas obras a Deos muito prouuerom. Desy ponho
fiúza em a deuina! madre mais gloriosa que outra persoal criatura e vir-
tuosa pessoidor em sobre auondante comprimento, em cujo ventre de
uirtuosa pureza fez a deidade graciosa morada e foy jerado fruito tem-
3q poralmente homem, que eternalmente he Deos nosso remidor Christo
Jesu. per que ella he exalçada sobre todas três jerarchias dos santos
principados, que per este seu jnfindo merecimento pois ella de todas
graças he ministrador. nam tanto por meus fracos rrogos como por a
2-3. oraremos C E, poeremos B. — 4. per E, por B. — 5. sancto B. — 6. homeés]
ad muitas vezes B. — g. hú B. — 10. retheudo E, pretendo B. — 11. de quem E, e quem
B. — sua E, a sua B. — 12. requerida B. — 16. sanctos B. — 18. algija B — átomos I,
atamos B, ramos CE. — 20. e] om B — senhor E, om B — Rei B. — 21. cabe C E, sabe
B — 22. capítulos B — entendo C E, entendeoB. — 23. registo B. — 25. ponha B. — 25. de-
uinal B, uirginal CE. — 27. pesoidor B. — 28. deidade B, diuindade E. — 29, homem que
eternalmente he Deos C E, e Deos B. — remidor C, redentor B. — 3o. sanctos B.
singular deuaçam que este glorioso príncipe na sua santíssima pureza
sempre ouue. jmpetrara per mim tal graça que eu possa escreuer sua
estoria segundo seus grandes merecimentos rrequerem. conhecendo que
per mim nenhuúa cousa posso sem sua graça e ajuda, segundo he escripto
B> 3, r, 2 per Avíçena em sua metafísica, dizendo que o*nam seer auemos de nos e
o seer doutrem .ss. de Deos nosso criador, em cuja prouaçam diz sam
Gregório que todallas cousas seriam tornadas em nenhuúa cousa, se as
maãos do todo possante Deos as nam conseruassem. porque nenhuíia con-
diçam he tanto jsenta que em fallecímento nam aja sua parte.
O'
O principio da estoria. Capitullo ij.
IO
tempo e grandeza das obras nos constrangem fortemente que scpre-
uamos nos seguintes capitullos a gloriosa fama da muy notauel
empresa tomada per este virtuoso e nunca vencido prinçipe senhor
Rey Dom Joham. que seu preposito detreminou forçosamente per armas
conquistar huija tam nobre e tam grande cidade como he Cepta. no qual '5
feito consirando podemos esguardar quatro cousas .ss. grande amor da
fee. grandeza de coraçam. marauilhosa ordenança, e proueitosa vitoria,
a qual foy marauilhoso preço de seu grande trabalho. E passaremos ao
presente polia declaraçam daquestas cousas, por que se dalguúa delias
B, 3, V, I singularmente * falando pouco disséssemos nossa força seria jngrata. e se 20
de todas assaz falássemos jnfinda pareceria, empero sob muita breuidade
alguúa cousa diremos de cada huiJa. por que os leedores saibam como
se o dito Rey em ellas ouue açerqua deste feito. Grande ardor foy o de
sua fee em todas suas obras singularmente em esta. Ca todo seu prin-
cipal mouimento foy per seruiço de Deos e grande deseio que tinha de 25
emmendar alguúa cousa se a contra vontade de Deos fezera no tempo
da guerra passada, e assi o dizia muitas vezes em sua vida quando se
acertaua em ello falar. Que posto que elle ouuesse guerra muy justa
com seus jmigos a qual era por defensam de sua terra, na qual suas
armas muitas vezes forom tintas de sangue, que elle nom entendia dello 3©
I . sua E, om B — sanctissima B. — 2. emperrara B. — 3. requerem B. — 4. nemhuSa
B. — 7. nénhuQa B. — 8. nehúa B. — 9. conseruasse B. — 10. ij] segundo B. — 11. cõs-
trange E, costrange B. — 12. mui B. — i3. virtuoso C, vitorioso B, venturoso E. — 14,
propósito determinou B. — 16. esguardar E, esgardar B — da I, de BE. — 17. maraui-
lhosa E, e marauilhosa B — e proueitosa C, proueitosa B. — 18. pasaremos B. — 21.
fallasemos B. — 25. per E, om B — deseio B. — 26. algúa B. — 27. uida B — quando C E,
quem B. — 28. elle C E, em elle B — mui B.
— 9 —
fazer comprida pendença senom lanando suas maãos no sangue dos jnfiees.
O marauilhosa caridade de príncipe cuja semelhança em homem daquellc
tempo nam foy achada, que com tamanho temor diuinal trataua suas obras.
Por certo nom era sem rrezam que tam catholico e rrelligioso príncipe co-
? brasse bem auenturados aquecimentos, pois sob o jugo da fee com tanto
temor de Deos trataua seus feitos. Que scprito he per Valério Máximo no
seu primeiro iiuro. que por que os Romaãos guardauam rreuerençia* aos
deoses e sem sua vontade alguija cousa faziam, durou longamente o
seu senhorio. E falando da grandeza de seu coraçam que poderemos
IO dizer senam que foy huíía cousa mais pêra marauilhar que pêra falar de
grandioso homem de tamanha jdade pouco seguro de seus jmigos. por
que as pazes que com elles tinha nam eram tam firmes que se ligeira-
mente nam podessem quebrar, mayormente nam sendo outorgadas por
elRey. a qual cousa muitos consirauam que podia empachar sua obra.
i5 mas elle com nenhuúa cousa pode rreceber embargo, ante com aquella
firmeza e ardor da fee de que ja falamos desprezou todollos contraíres
que o poderiam empachar pêra cobrar aquella vitoria que o seu coraçam
profetizando chamaua. Nam se contentando ajnda per si soo cobrar
este feito, mas de sevs filhos que tinha os quatro que aaquelle tempo
20 eram pêra tomar armas leuou consigo, mas da postura de seus filhos e
de como os três delles forom caualeiros falaremos ao diante mais compri-
damente. leixando soomente o rregno sob gouernaçam de hum antigo
caualeiro criado seu que era mestre dAuis. mas da ordenança de seus
feitos foy cousa marauilhosa aaquelles que veuiam naquella jdade. a qual
25 polia estoria ao diante será diuisada. E quem *compridamente em ello
esguardar achara que nem o çerquo de Troya nem a passada de Cepiam
em Affrica nam forom de tanta exçellençia. Pois da vitoria que lhe o
Senhor Deos outorgou em fim de seus grandes trabalhos por contrairo
de suas famosas cauallarias bem pode seer exempro a todollos príncipes
3o do mundo. Muito suffiçientes estoriadores escreueram caualeirosos feitos
e façanhosas estorias de muitos rreis duques e príncipes passados, mas
por certo em escretura nam se achara em tam breue tempo huúa tam
notauel e tam grande cidade filhada per força darmas. nam por que ella
de muitos por sua grande nobreza nam fosse cobiçada e deseiada. mas
1. comprida pendença E, pendença comprida C, om B — no E, do B. — 2. cuia B.
— relligioso B. — 6. trataua E, trabalha B — per E, por B. — lõ. jaa B. — i-. coração
B. — 19. seys C E, seus B. — 20. filhos E, feitos B. — 21. ao diante C, adiante B. — 25.
ao diante C, adiante B. — 26. esguardar E, esgardar B — de Troya C. da Troya B E.
— 27. uitoria B. — 3o. muito C E, om B. — escreueram E, escreuiam B.
por certo com espanto tornauam seus rrostos os que esguardauam seu
temeroso sembrante. Santo Agostinho que foy bispo em Aftrica daa
testemunho da nobreza desta cidade e que de quantos senhores daquelia
terra foy sempre deseiado seu senhorio. E conta delia Abilabez que
foy grande doutor antre os mouros que esta cidade foy fundada de- 5
pois da destruiçam do deluuio duzentos e trinta e três annos. e assi
auia aaqueile tempo que ella foy filhada quatro mil e duzentos e oitenta e
três annos. e auia oitocentos e dezoito annos que era em poder de mou-
ros. E diz que o fundador delia foy seu neto de Noe. e que esta foy
t^ 4' r, 2 * a primeira que elle fundou em toda aquella terra dAífrica. e que por lo
tanto lhe pos nome Cepta que quer dizer em lingua caldea começo de
fermosura. e diz que mandou escreuer huúas letras na primeira pedra que
se pos no aliçeçe. Esta he a minha cidade de Cepta a qual eu pouoei pri-
meiramente de companhas de minha geraçam. os seus cidadãos seram
estremados de toda a nobreza dAffrica. Dias viram que sobre o seu i5
senhorio se espargera sangue de diuersas naçoões e o seu nome durara
ata o acabamento do derradeiro segre. E assi devees de saber que de-
pois que esta cidade primeiramente foy fundada ata o tempo que a
elRey Dom Joham filhou, nunqua foy nenhum prinçipe nem senhor que
cobrasse seu senhorio per torça darmas. Por que ella foy primeiro de 20
gentios como dito he. e depois foy conuertida aa fee de nosso Senhor Jehsu
Christo. na qual durou ata o tempo que a o conde Juliam entregou aos
mouros quando por vingança delRey Dom Rodrigo primeiramente os mou-
ros passarom em Espanha segundo conta santo Isidro, e mestre Pedro,
e Dom Lucas de Tuy. O cidade de Cepta diz o autor, antre todallas 25
dAffrica cidade mais exalçada, muito fauorauees te forom as planetas e os
sinos muito sogeitos aa tua costalaçam em que primeiro foy teu funda-
is 4, v, I mento, pois tam * longamente guardaste tua virgindade em desprezo de
tantos e tam rricos barões de que sempre foste tanto deseiada por te
dares jnteira e saã a hum tam alto e glorioso Rey o qual te depois 3o
tanto amou e tam valentemente defendeo. dina será a tua façanha de
perpetua rrelembrança. Eras tu primeiramente de naçam barbara mais
I. rrostos C, votos E, rrotos B. — 4. delia C, a huQ delia B, om E — Abilabez C E,
abdabiz B. — 5. antre E, entre B. — 5-6. despois B. — 6. asi B. — 7. aaqueile C, aquelle
B — foi B. — 9. foi B. ^ 10. dafriqua B. — 11. Cepta E,ceit B, Ceut C. — 12. húas. — i3.
a minha E, minha B. — Cepta E, ceit B, ceut C. — 1 5. a nobreza E, nobreza B — dafrica
B. — 17. ataaC, ate B. — 17-18. despois B. — 18. ata C, ateB. — 19. nenhum B, algum C.
— 21. fee E, fe B — Jhú B. — 22. ata E, ate B. — Juliam CE, Jlha B. — 23. Rodrigo CE,
RoB. — 26. dafrica B. — 28. guardaste CE, gardaste B. — 29. desejada B. — 3o. despois B.
— 32 barbara CE, barbora B.
baxa de todallas nações, e agora acompanhada e guardada per força de
linhagem dos rreis dEspanha e da casa dlnglaterra. Partidas sam de ti
as ençugentadas cerimonias do abominauel Mafamede e as suas mezqui-
tas sagradas com oiio santo tornadas em templos do nom mortal Deos.
5 em elles tratado o mistério do diuinal sacreficio. E qual cidade ha
oje no mundo mais temida e preçada que ti. Por certo grande glo-
ria te será quando pensares quanto nobre sangue he espargido por teu
defendimento. Alegre e com grado deueras tu de rreçeber tal senhor.
Ora com a graça de Deos começaremos nossa estoria departida em capi-
«o tullos segundo rreal ordenança dos antigos estoriadores. empero nam
será tam compridamente contada como foy o feito, por que nos começa-
mos descreuer trinta e quatro annos depois da sua tomada, e afora os
jmpedimentos que ao diante seram contados, no dito tempo faleceram casi
a mayor parte das autorizadas pessoas que forom no conselho* e feito da B4, v,
i5 dita obra que dello perfeitamente parece sabiam, e os que ficarom per
que tínhamos rrezam. eram tam grandes senhores os quaaes polia exce-
lência de seu estado forom sempre tam ocupados que perderam lem-
brança de muy gram parte das circunstancias daquellas cousas, mayor-
mente que o principal destes era o Iffante Dom Anrrique. o qual foy
20 sempre tam ocupado nos feitos do rreino. desy teue sempre em elle
muv grandes encarregos cuja força ocupou muito seu acordo em este
feito, a calidade dos quaaes contaremos ao diante proseguindo nossa
força. Porem tomando alguús pedaços que ficaram apegados nas pare-
des do entendimento deste senhor cheas de muy grandes cuidados e çer-
25 cadas de feitos estranhos com alguúas migalhas que de fora apanhamos,
trabalharemos de fazer cousa que pareça jnteira segundo a forma do pro-
cesso que se segue.
Como o autor declara as rreiôes por que esta força
3o foy começada tam tarde. CapituUo iij.
QUAL foy o primeiro mouimento daquella demanda que era antre o
rregno de Castella e o nosso de Portugal e desy todollos aquecimen-
tos* que se dello seguiram Assaz tenho que fica declarado em hum r 5, r, 1
I. todalas B. — 3. abominável E, abominabel B. — 3-4. mizquitas B. — 4. com olio
santo CE, com eile sam todas B. — 5. haa B — 7. nobre E, noble B. — 9-10. capítulos
B. — II. o feito E, feito B. — iS. ao diante E, adiante B. — i5. que ficarom C, seni-
ficarom B. — 16. rrazam B. — 18. mui B. — 18-19. maiormente B — 22. ao diante E,
adiante B. — 24. mui B. — 25. aigúas B. — 28. Como o autor C, em que o autor B. —
3i. regno B. — desi B. — todolos B. — 27. seguiram E, seguiam B.
12
liuro que dello he escprito. o qual foy posto em ordenança per huúa notauel
pessoa que chamauam Fe_rnam Lopez homem de comunal ciência e grande
autoridade que foy escpriuam da puridade do Iffante Dom Fernando, ao
qual elRey Duarte em sendo Iftante cometeo encarrego de apanhar os
auisamentos que pertenciam a todos aquelles feitos, e os ajuntar e ordenar 5
segundo pertencia aa grandeza delles e autoridade dos prinçipes e dou-
tras notauees pessoas que os fezerom. E por quanto o dito Fernam
Lopez nam pode mais chegar com a dita estoria que ata a tomada de
Cepta. assi polia grandeza da obra que se naquelles feitos passados rre-
queria. como poUos auisamentos dello serem caros e mãos dapanhar. lo
e esto por que a dita estoria foy começada tam tarde, que muitas das
pessoas que verdadeiramente sabiam eram ja partidas deste mundo, e
as outras que ficarom eram departidas per o rreino. cada hum onde lhe
a ventura ordenara de seer agalardoado de seu trabalho segundo a
• parte de seu merecimento.) Ca nam foy algum que seruisse em alguúa i5
maneira aquelle grande príncipe e senhor Rey Dom Joham que ficasse sem
marauilhosa satisfaçam de seu seruiço. nom ajnda segundo a calidade de
seu merecimento mais muito milhor e muy grandemente segundo em
sua estoria em alguúas partes poderees achar, ca antre os rreis que
H 5, r, 2 forom em Portugal* ata a sua jdade elle foy auido por mais grande, ca sua 20
magnificência procedia da sua grande magnanimidade. E assi foy necessá-
rio ao dito Fernam Lopez dandar per todallas partes do rregno pêra auer
i comprida enformaçam do que auia de começar, e nam tam soomente per
; aquelles que os ditos feitos trataram pode seer perfeita enformaçam. por
quanto os mais delles eram chegados aa derradeira jdade onde a memoria 25
perde muitas das primeiras cousas.) Ca os velhos per natureza per rrezam
do esfriamento do sangue perdem muitas cousas que na mancebia apren-
deram, como escreuia sam Jerónimo em huúa epistolla a Nipoçiano que
sendo elle mancebo todallas cousas rretinha viuamente. mas depois que
a cabeça foy caã e a face enuerrugada logo hum sangue frio lhe cercou So
o coraçam. de guisa que muitas cousas que vira e aprendera na mance-
bia esqueceram na velhice. E desy os grandes trabalhos em que aquelles
velhos andaram com elRey em todo o outro tempo passado foy grande
azo de se nam lembrarem de todo compridamente. Por cuja rrezam o
2. chamavão B. — 3. escprivão B. — 5. avisamentos B — ajuntar E, juntar B. — 8. ata
CE, ate B. — 9. assy B — pasados B. — 12. )aa B. — 14. agaiardoado E, com galardoado
B. — i5. toi B — algúa B. — 16. Joam B — licase B. — 17. satisfação B. — 20. portuga] B
— ataaB — ca C, eaB. — 21. magnanidade B — assi B. — 22. dandar C, de andar B.
— 23. enformação B. — 26. muitas CE, muito B. — 28. amipociano B. — 3i. coração B.
— 32. esqueceram E, esqueciam B.
— i3 —
dito Fernam Lopez despendeo muito tempo em andar per os moesteiros I
e jgreias buscando os cartórios e os letreiros delias pêra auer sua enfor- I
maçam, e nam ajnda em este rreino mas ao rreino de Castella mandou I
elRey Duarte buscar muitas escreturas que a esto pertenciam, por
5 quanto seu desejo nam era que os feitos de* seu padre fossem escritos se- b 5 v i
nom mu}' verdadeiramente. E assi por esta tardança e polia estoria seer
começada tarde o dito Fernam Lopez nam pode com ella chegar senom
ata o tempo que os embaxadores deste rreino forom a Castella primeira-
mente firmar as pazes com eIRey Dom Fernando dAragam e com a
10 Rainha Dona Caterina que aaquelle tempo eram tutores delRey. ! E por
quanto o muy alto e muy excelente prinçipe e senhor elRey Dom Affonso
o quinto ao tempo que primeiramente começou de gouernar seus rregnos
soube como os feitos de seu auoo ficauam por acabar, consirando como o
tempo escorregaua cada vez mais. e que tardando de serem escritos
i5 poderiam as pessoas que alij forom falecer, per cuja rrezam se perde-
ria a memoria de tam notauees cousas, porem mandou a mim Gomez
Eannes de Zurara seu criado que me trabalhasse de as ajuntar e escreuer
per tal guisa que ao tempo que se ouuessem de ordenar em caronica
fossem achadas sem falleçimento. E eu em comprimento de seu desejo
20 por satisfazer a seu mandado como de meu senhor e meu rrey. me tra-
balhey de enquerer e saber as ditas cousas e as escreui em estes cader-
nos polia guisa que ao diante he conteúdo com tençam de as acreçentar
ou minguar em * quaaesquer lugares em que for achado per verdadeiro b 5 v 2
juizo que o merecem, como quer que segundo meu entender e autori-
25^ dade daquellas pessoas per que fui anisado em ellas auera pouco falecimento.
C Ca he cousa certa que nos feitos que muitos viram e sabem nunqua
homem tantas vezes pode preguntar que sempre nam ache cousas nouas
que saber, e jsto porque cada hum conta o feito por sua guisa, buscando
muitos homeés que vissem huúa cousa e preguntando a cada hum per
3o sij. achara que o primeiro nam concerta com o segundo nem o terceiro
com o derradeiro quanto aas circunstancias da obra. E jsto sey eu bem
por que o pratiquey per muitas vezes. Ora quando se esto faz em
huija cousa pequena, que se fará no filhamento de huúa cidade ou no
rreuoluimento de huiJa batalha campal, onde a ocupaçam de cada hum
35 nam se pode mais estender que a defensam de sua vida em que elle tanto
2. auer E, veer B. — 4. muytas B. — 6. assy B — ser B. — 8. ata E, ate B. — 9. dara-
gão B. — 10. tutores CE, titores B. — 17. e annes B — me trabalhasse CE, trabalhasse
B. — 19. achados B — 21-22. quadernos E, cadernos B. — 24. como quer que segundo
meu entender] omB — e autoridade CE, e a autoridade B. — 26. uiram C. — 27. pergun-
tar B. — 29. homes. — 34, húa.
— 14 —
tem que fazer que nam he de creer que per outra nenliuúa parte rreparta
seu cuidado. E quem quiser escreuer os falamentos de todos seria
huúa cousa defusa ou mais dereitamente jmpossiuel. ca elles nam se
contentam de contarem o que sabem, mas ajnda acreçentam no que
ouuem em muitas partes tam largamente per que fazem aquelles que
am descreuer a sustançia dos feitos poer em muy grandes duuidas. de
6, r, 1 guisa * que he mais segura parte preguntar a poucas e certas pessoas que
demandar a todos o que perfeitamente nam am rrezam de saber.
M'
Da iençam que elRey ouiie de mandar rrequerer
as pa^es a Castella. Capitiãlo iiij. lo
AS he agora primeiramente de saber o grande desejo que elRey
auia de ver acabados os feitos da guerra que era antre elle e o
rregno de Castella. Nam por que elle em seu coraçam temesse o
poder dos Castellãos nem doutras nenhuúas pessoas, ca assaz era desfor-
çado e vallente em todollos casos perigosos, e quanto o trabalho e o espanto i5
era mayor. tanto o seu esforço era mais grande segundo bem ouuistes
nos grandes e perigosos lugares em que foy como os sosteue esforçada-
mente. Nem ajnda auia elle rrezam de deseiar paaz por que lhe as cousas
ata ali) nam acodissem segundo sua vontade, ca em todos aquelles feitos
lhe a fortuna rrespondera milhor do que elle deseiara. per cuja rrezam 20
os feitos daquella guerra eram per todallas partes do mundo muy nomea-
dos e afamados, ajnda mais pollos dannos e perdas que os Castellãos
B 6, r, 2 *rreceberam que elle nem os seus. Mas de tal guisa peleiaua que
sempre peleiando parecia que buscaua paaz segundo se claramente
mostrou per todos seus feitos, a qual cousa foy sempre muito louuada 25
assi pollos doutores da santa jgreia como pollos filósofos estóicos e
peripateticos. e per todollos outros autores estoriaaes assi gregos como
latinos. Os quaaes todos juntamente e cada hum per si acordam esta
seer a mais exçellente virtude que se pode achar no príncipe .ss. nas
aduersidades seer forte e nas prosperidades vmildoso. ca per faleci- 3o
2. cuidado] ca elles nam se contentam, add B. — 3. jmposiuel B. — 4. acrecentão
B. — 6. de escreuer B. — 8. rezam B. — 9. Da tençam I, No qual se dirá a tençam B. —
12. acabado B. — 14. Castellãos C, castelhanos B. — 14-15. desforçado E, de esforçado
B. — 18. paz B. — ig. ataaly E, atelij B. — 21. mui B. — 22. e afamados CE, ca falamos
B. — Castellãos C, castelhanos B. — 22. mas E, mais B. — 26. assi B — pellos B — filó-
sofos C, phõfos B — estóicos C, estoricos B. — 27. peripateticos CE, peripatericos B —
28. esta CE, esto B.
— i5 —
mento de cada huúa delias cairam ja muitos príncipes muy grandes que-
das segundo conta Joham Bocaçio hum poeta que foy natural de Flo-
rença. Nem entendaaes que elRey assi deseiaua a paaz por força de
cansaço que ouuesse em sosteer os trabalhos da guerra, os quaaes sam
5 per sij tam grandes que sobre elles nam ha outros mayores. Ca nom
ha prinçipe que os continuadamente soporte que se lhe a velhice nam
antiçipe ante muitos annos do que o a sua natureza rrequere. como o
poderees veer na segunda década de Tito Liuio no dezeno liuro. onde fala
das rrezões que ouue Anibal com Cepiam chamandose velho sendo elle
10 cm jdade de xxxvj annos. somente poUo trabalho da guerra que sos-
tcueia em Espanha e Itália per espaço de xvj annos. Ca se elRey Dom
Joham este* cansaço e enfadamente sentira nam mouera logo tanto que B 6, v, i
a paaz teue cobrada tam grandes cousas como acharees ao diante que
moueo. E pois que medo das desauenturas da fortuna nem o espanto
i5 da grande multidam dos jmigos nam foy o principal azo per que elle bus-
casse paaz nem outrosy vontade pêra se afastar dos trabalhos e buscar
rrepouso e assessego. a quem poderemos atrebuir esta sua vontade senara
aquelles dous princípios que sam escritos na primeira tauoa pollo dedo
de Deos dados a Mouses no monte Oreb. nos quaaes se ençarraram
20 todollos outros segundo o diz a santa escpritura .ss. que amaua Deos
sobre todallas cousas e o seu próximo como a sij mesmo. Amaua Deos
em quanto cobiçaua e deseiaua de o seruir naquelle offiçio que a seu
estado conuinha oftereçendo seu peito a rreçeber muitas chagas e feri-
das nam rreçeando trabalho corporal nem espalhamento de sangue pollo
25 seu amor. e o que mais caro era nam perdoar a sua vida por exalçamento
de sua santa fee catholica. E posto que alguíjs neiçeos e couardos digam
que a guerra dos mouros nam he o mayor seruiço que a Deos pode seer
feito per os seus fiees christaãos. erram grauemente. ca se assi fora os
muy nobres rreis dEspanha que lançaram os mouros delia depois da
3o morte delRey Dom Rodrigo nam fezeram oje tam grandes milagres como
Deos * por elles cada hum dia faz nas sepulturas onde jazem, nem se fezera B 6, v, 2
tanto seruiço como se faz nas sees e moesteiros e jgreias que elles tam
grandemente edeficaram e dotaram leixandolhes muy grandes rrendas
I. delas B — mui B. — 3. assi B. — 4. soster B. — 5. sy B. — 7. ante CE, antes B —
requere B. — 9. çepião B. — 1 3. ao diante E, adiante B. — 14. desauenturas C, auenturas
B. — i5. foi B. — 16. paz B. — 17. asossego B — poderemos E, queremos B. — 18. princi-
pius B. — 19. Oreb C, ores B. — 20. sancta B. — 21. si B. — 22. descjaua B. — 24. rre-
çeando C, rrecebendo B. — 26. sancta fe B — digam CE, sigam B. — 28. ca se assy fora
CE, que asssi forom B. — 3 1 . cada um dia CE, cada dia B. — 33. dotarão B — e leixan-
dolhes B — mui B.
— io-
de que se manteueram e mantém muitas pessoas rreligiosas que cada hum
dia iouuam e adoram o nome do Senhor, e os bem auenturados mártires
que por exalçamento da sua santa fee se forom antre os mouros a rre-
çeber coroa de martírio nam teriam taaes sedas como teem e possuem éter- 5
nalmente ante o trono do emperador celestial. E amaua a o próximo em
quanto se doya de qualquer danno que lhe viesse, ca posto que aquellas
vitorias ouuesse contra elles sempre os rrequeria e amoestaua que toda
via ouuessem paaz. E esto era forte cousa, que elle que auia de seer
rrequerido por ella polia vitoria que auia. elle a mandaua rrequerer. 'o
mas esto fazia elle a dous fins. o primeiro por que lhe pesaua de seu
danno em quanto eram christaaos. e o segundo por que guerreando com
elles nam podia auer lugar pêra seruir a Deos como deseiaua. Em este
passo tem alguús pouco menos que ereges que todallas criaturas rrazo-
auees de qualquer ley que seiam deuemos de contar por próximos, o i5
que se assi fosse seria erro fazermoslhe danno de certa ciência, mas a
esto posso eu daar aquella rreposta que ja dey em cima com outras
muitas autoridades da santa escritura que eu bem poderia amostrar
7. ■■; ' posto que* fraco letrado eu seja. as quaaes ficam por escreuer por que
nam sam pêra declarar de todo em semelhantes lugares. Porem con- 20
eludindo este capitullo o virtuoso Rey Dom Joham. em comprimento de
seu gram desejo segundo os mandamentos de nosso Senhor, tanto como
elle pode buscou e rrequereo paaz. a qual lhe Deos encaminhou conhe-
cendo sua vontade polia guisa que ao diante ouuirees.
Como os embaxadores forom a Castella e da rreposta 25
que ouiierom. Capitullo v.
DEPOIS da morte delRrey Dom Anrrique que foy filho daquelle Rey
Dom Joham que veeo aa batalha, ficaram delle dous filhos .ss. hum
filho que chamauam Dom Joham como seu avoo e huíja filha que
ouue nome Dona Caterina como sua madre. E por quanto aquelle filho 3o
delRey Dom Anrrique que sobçedeo no rregno em lugar de seu padre
era de muito pequena jdade quando primeiramente começou de rreinar.
ficaram por seus tutores a Rainha Dona Caterina sua madre que era
1-2. cada um dia CE, cada dia B. — 3. sancta B. — 4. posuem B. — 9. avia B. — i3-
14. rrazoauees C, rracionaaes B. — 16. jaa B. — 17, sancta B. — 19. todos B. — 20. Joam
H. — 23. guisa] omh — ao diante E, adiante B. — 26. delrrei B — Rei B. — 28. Joã B. —
3o. no C, o B. — 32. tutores CE, titores B.
— '7 —
jrmã da Rainha Dona Felipa e o Iffante Dom Fernando seu tio que
depois foy rrey dAragam. E logo a cabo de tempo elRey enuiou seus
embaxadores aaquelles tutores delRey com suas cartas de creença pêra
* acertarem com elles as pazes antre ambos os rreinos assi e per aquella B 7, r, 2
5 guisa que fosse achado per dereito que se deuia fazer, os quaaes em-
baxadores eram Joham Gomez da Silua alferes delRey e rrico homem
e do seu conselho, e Martini Dosem gouernador da casa do Iffante Duarte,
e o doutor Beliago adayam da see de Coimbra, todos três e cada hum
em seu estado eram notauees pessoas e de grande autoridade. E tanto
10 que chegaram aa corte delRey e lhe deram suas cartas de creença come-
çaram daçertar seus feitos com aquelles tutores delRey. os quaaes mos-
traram logo poUo presente que eram bem contentes que a paaz se fezesse.
com tanto que fosse buscado caminho como se bem e dereitamente
podesse fazer. Deuees de saber que as boõas vontades daquestes eram
i5 mouidas per esta guisa. Primeiramente a da Rainha procedia por causa
do diuado que auia tamanho com a Rainha Dona Felipa cujos filhos eram
primos com jrmãos do seu. e por ello deseiaua que ficassem antre elles
taaes amizades per que ao diante nam ouuesse nenhuúa contenda antre sy.
E o Iffante Dom Fernando trazia seus tratos no rregno dAragam pêra
20 auer de ser rrey como ao diante foy. E esto era porque per morte
delRey Dom Martinho que fora rrey daquelle rregno nam ficou nenhum
seu filho nem neto que erdasse o rregno. e porem eram em contenda
sobre a erança daquelle rreino. Rey Reinei que era rrey de Napole. e
o Iff'ante Dom Fernando, e o * conde dVrgel padre que foy da molher do B 7, v, 1
25 Iffante Dom Pedro, e o duque de Gandia. empero este nom pode muito
seguir sua demanda por azo do padre que lhe pêra ello faleçeo. e ficaram
os outros três em contenda. E por quanto o conde dVrgel era natural
do rreino e se criara em elle sentia o Iffante Dom P''ernando que com
qualquer parte de dereito que teuesse seria mais fauorizado no rreino
3o que elle que era estrangeiro, por cuja rrezam tinha vontade de proceder
poderosamente no rrequerimento daquelle feito. E por que elle cada dia
estaua em esperança de se jr ao rregno dAragam com poderio de gentes
pêra tomar posse do senhorio, sentindo que se a guerra dantre Portugal
2. daragão B — emuiou B. — 3. tutores CE, titores B — crença B. — 4. acertarem
E, aceitarem B — 6. Joã B. — 7. Iffante Duarte E, Iffante Dom Duarte B. — 8. e cada
hum C, cada hum B. — 10. chegarão B — crença B. — 11. daçertar C, çertar B — tuto-
res E, titores B — delRei. — 12. paaz B. — i5. precedia B. — 16. diuedo E, diuado B. —
17. deseiaua E, se deseiaua B. — 19. Ifante B -^ daragão B. — 21. que fora rrei daquelle
regno CE, oní B. — 22. erão B. — 24. dVrgel E, drogel B. — 25. e o duque E, e duque
B. — 27. dVrgel E, drogel B. — 3o. razam B. — 3i rrequerimento CE, rregimento B.
3
e Castella ficasse aberta que nom poderia tam bem acabar seus feitos,
por que era necessário que elle fosse o principal guiador delia, e que
sendo ocupado em semelhante trabalho perderia de todo o rreino dAra-
gam que lhe era tamanha honrra e acreçentamento. E porem nam soo-
mente lhe prouue de se a paaz rrequerer em tal tempo, mas ajnda teue 5
que lhe fazia Deos merçe por lhe trazer tamanha segurança pêra seus
feitos. Empero ao tempo que lhe os embaxadores acerca dello falaram
apartadamente, elle nom mostrou outra necessidade por que o fezesse
B 7, V, 2 soomente por lhe parecer rrezam e dereito de se fazer e assi polia * boõa
vontade que mostraua a elRey Dom Joham. E assi que toda a duuida e 10
tardança daquelle feito ficou nas jgualanças que se auiam de fazer por
causa dos danificamentos que forom feitos antre hum rreino e outro no
tempo das guerras passadas, sobre os quaaes forom tiradas alguúas jnqueri-
ções per todolios lugares do estremo assi de hum rreino como do outro,
e per todas outras partes onde quer que os ditos danos forom feitos. Desy i5
fezerom seus descontos, e finalmente firmaram as pazes antre ambos os
rreinos em todo bom amor e concórdia pêra todo sempre, das quaaes
forom feitos certos capitullos firmados per aquelles tutores delRey e per
todolios outros prinçipaes do rreino ficando rresguardado de seer depois
rrequerido a elRey Dom Joham de Castella ao tempo que fosse em jdade 20
que firmasse e jurasse os ditos capitullos. por que dali ao diante nom
os podesse contradizer nem rreuogar. E des}' os embaxadores delRey de
Portugal per poder de suas procurações que pêra ello tinham muy sofi-
çientes juraram e firmaram as pazes ata que os embaxadores de Castella
viessem a este rreino e as firmassem de todo assi elRey e seus filhos 25
como todallas outras pessoas grandes do rregno. E esto todo acabado
forom dados pregões per todo aquelle lugar onde a corte era com toda
solempnidade que a tal feito compria. e assi feitas cartas pêra todallas çida-
B 8, r, 1 des villas e lugares * daquelles rreinos pêra que fezessem apregoar per
todallas suas praças e rruas prinçipaaes a firmeza em que as ditas pazes 3o
eram feitas, mandandolhe que dalij ao diante tratassem com os deste rregno
com todo bom amor e concórdia.
3-4. daragão B. — 10. Joam B — i3. os quaes E, as quaaes B — algúas CE, suas B. —
i5. Desi B. — 17. boõ B — e concórdia C, concórdia BE. — 18. capitólios B — tutores
CE, titores B. — 19. resguardado C, rresgardado B. — 20. Joam B. — 21. ao diante E,
adiante B. — 22. desi B. — 23. muy E, muito B. — 24. firmarão B — ata E, ate B. — 28.
assi B. — 29. pêra que C, per que B. — 3 1 . ao diante E, adiante B — 32. boõ B — con-
cordial add etc. B.
— 19 —
Como os embaxadores tornaram de CastcUa.
e como as pa\es forom deiiulgadas per todallas partes do rregno.
CapitiiUo vj.
COMO as nouas chegaram a Lixboa onde elRey estaua da vinda dos
embaxadores mandou logo que lhe teuessem prestes suas pousadas,
e os fez nobremente agasalhar assi pollo merecimento de suas pes-
soas como per rrezam da embaxada que traziam. E desy teue seu conselho
no qual os ditos embaxadores forom ouuidos da rreposta que traziam con-
tando a elRey toda a maneira que se com elles teuera naquelle rregno de
IO Castella. dandolhe as encomendas da Rainha e do Iffante Dom Fernando
assi a elle como a seus filhos e a todallas outras grandes pessoas de seus
rregnos. Desy enncgarom a Gonçallo Lourenço todallas screturas que
traziam das firmezas das pazes, as quaaes logo alij forom lidas e pubri-
cadas em presença delRcy e de todollos outros senhores que alij * eram.
i5 E muito agradeçeo elRey aaquelles embaxadores o que assi trataram e
encaminharam por seu seruiço. por que fora todo muy bem tratado e
encaminhado. E depois que esto todo assi foy acabado mandou que se
apregoassem logo aquellas pazes em aquella cidade com aquella festa e
solennidade que tamanho auto rrequeria. E mandou jsso mesmo que
20 fossem feitas cartas pêra todallas cidades e villas do rreino e pêra alguús
nobres homeés que alij nam eram de presente, per as quaaes lhe fazia
saber como per graça de Deos antre os seus rreinos e os de Castella
eram firmadas pazes e amigauees lianças pêra todo sempre, e porem
que lhes encomendaua que dessem por ello muitas graças a Deos. e
25 que fezessem apregoar as ditas pazes cada hum em seus fugares.
As quaaes cartas assi feitas e enuiadas foy feito per todo o rreino
o que lhes elRey assi mandaua. Mas pêra falarmos dereitamente
he bem que digamos a diuersidade das openiões que auia antre as gen-
tes do rregno cada huijs em sua parte. E primeiramente todollos velhos
3o e aquelles que auiam dereito juizo eram muito alegres ouuindo a çer-
tidam daqueste feito e conuidauam seus amigos pêra suas casas e luga-
res fazendo muy grandes conuites. nos quaaes faziam grandes despezas
soomente por se alegrarem de tamanho bem. E nom podiam em ai
2. todalas B. — 7. desi B. — 8. trazião B. — i3. as quaes E, aas quaaes B. — 1 5. assi
B. — 16. muy E, muito B. — 18. aquelas B — aquella C, a qual B — - 20. fossem B
— vilas B. — 26. foi B. — 27. mandaua CE, mandara B — falaremos B. — 28. hee B —
diuersidade C, deuersidade B. — 29. todolos B. — 3i. pêra E, per as B. — 32. mui B.
— 33. somente B.
B 8, r, 2
B8, V, I falar em quanto * assi estauam em seus ajuntamentos senam nas grandes
virtudes delRey Dom Joham. Agora diziam elles. he Portugal o mayor
e mais bem auenturado rregno que ha no mundo, que nos temos antre
nos todallas boõas cousas que hum rregno abastado deue teer. Nos temos
grande auondança de pam per tal guisa que nunqua a destemperança 5
dos tempos pode seer tamanha que sempre em alguiãas de nossas comar-
cas nom aja pam com que se as outras possam rrepairar. e ajnda quando
os annos forem jguaaes da nossa auondança poderemos aproueitar a
muitos de nossos amigos. Temos muitos vinhos e de desuairadas nações.
de que nam soomente a nossa terra he abastada mas ajnda se carre- lo
gam muitas naaos e nauios pêra socorrimento das terras estranhas. Pes-
cados de maar e de rrio sam tantos e taaes que em outras nenhuúas
partes do mundo nam sam achados em tamanha auondança. ca dos
nossos portos se mantém muy grande parte da Espanha. Azeites e
meles sam antre nos tantos e tam boõs que os nossos vezinhos am mes- i5
ter de nos e nos nom delles. Carnes de todallas maneiras proueitosas e
de grande sabor nas nossas serras e campos se criam pêra todollos tem-
pos do anno quaaes e quejandas a natureza dos homeés saaos e doentes
ham mester. Fruitas e legumes com todallas outras cousas naçem em
nossas terras sem gram trabalho dos homeés. e assi auemos estas 20
B8, V, 2 cousas em tamanha abastança que a *multidam delias nos faz desprezar
sua vallia. E os nossos portos e ancoraçÕes sam tam seguros de todollos
tempos contrairos que tarde ou per grande ventura rrecebem os nauios
em elles nenhuijs dannos per que ajam rrezam de se perder. Ora pois
que assi he que nos temos tanta auondança antre nos. qual cousa podere- 25
mos mais rrezoadamente deseiar que a paaz. que sem ella nenhuúa cousa
per grande e boõa que seja nam se pode em seu perfeito estado conser-
uar. e os danos que se per sua causa seguiram assaz sam de muitos e
grandes. Porem pois que Deos prouue de dar tanta vitoria e tanto bem
a nosso bom Rey que nos procurasse a paaz cora o rregno de Castella. 3o
temos grande rrezam de nos alegrar e rrogarmos a Deos polia saúde e
estado delRey nosso senhor, que pois nos temos paaz com Castella todo
outro poder do mundo nam no auemos que temer, ca nos da huQa parte
nos cerca o maar e da outra temos muro no rreino de Castella. Ora
daqui auante poderemos aproueitar nossos beés e vender nossos fruitos sem 35
alguúa torua nem empacho, ja agora os nossos mercadores poderam jr
1 . senão B. — 2. Johão B — he DE, o B. — 4. todalas B. — 5. per tal E, para tal B.
1 1 . nãos B. — 20. grão B — 22. tão B. — 24. aiam B. — 27. per E, por B. — 29. beé B.
— 3o. boõ B — paz B. — 3i. pola B. —33. outro E, o outro B. — 36. jaa B.
seguramente per toda a Espanha a vender suas mercadorias de que nos
poderam trazer muitas nobres cousas pêra guarniçam de nossas casas, e
os nossos lauradores que morauam naquelle estremo tornaram a pouoar
os casaaes e erdades que desempararam com temor dos jmigos. e nos
5 * outros jaremos em nossas camas rrepousando sem esperança dos traba- B 9, r,
lhos da guerra pêra que ajamos de seer chamados, nem ouuiremos os
gemidos das molheres a que chegarem as nouas da morte de seus mari-
dos. E quando andarmos polias nossas praças nom teremos nenhum
temor de nos chegarmos ao ajuntamento de nossos amigos por rreçear-
10 mos de ouuir as desauenturas de nossa terra, por que quando se as
cousas rreuoluem per semeliiante maneira, a meude correm as nouas
polias cidades e uillas as quaaes continuadamente nom podem seer ale-
gres. Nos andaremoi; per nossas rromarias visitando as rreliquias dos
santos por que possamos cobrar saluaçam pêra nossas almas, e quando
i5 jouuermos em nossas camas chegados aa morte teremos vagar pêra
fazermos nossas mandas e testamentos com grande segurança que se nos
ajam de comprir nossas postumeiras vontades depois do acabamento
de nossas vidas, e alegres nos partiremos deste mundo quando certa-
mente soubermos que as nossas carnes se am de gastar nos çerimiterios
20 daquellas jgreias onde dizimas dos nossos fruitos e as premiçias dos nossos
gados demos aos nossos rreitores padres de nossas almas. E que será
outra cousa a terra que nos gastar senom carne dos nossos padres e
auoos. filhos e parentes, em cuja companhia nos aleuantaremos quando
derradeiramente * formos chamados pêra hirmos juntamente aaquelle b 9, r,
25 juízo no qual o filho da virgem detreminara nossas maldades como for
sua merçe. os quaaes proueitos nos trouxe a bem auenturança da paaz.
Outras departições muy contrairás daquestas eram antre os fidalgos man-
cebos com todollos outros de sua jdade e assi alguús homeés que nam
tinham outro bem senam esperança do ganho que lhe auia de seer dado
3o por auantagem que fezessem no feito das armas. Certamente deziam
elles. nam tinha elRey menos cuidado de trautar pazes com Castella que
se elle tiuera perdido os milhores castellos de seu rreino. Que queria
elle mais senom que os Castellãos viessem rrequerer pollos dannos que
lhe cada dia eram feitos. Nos tinhamos agora tempo de cobrarmos de
35 Castella camanha parte quiséramos, ca elRey he em muy pequena
2. nobres D, nobles B — guarnição B. — 4. desempararão B. — 5. repousando B. —
8. andaremos B. — 9. chegaremos B. — 10. nossas B — i5. jouueremos B. — 19. syrimi-
terios D, ceremiterios E. — 20. igrejas B. — 21. nosas B. — 24. foremos B — hiremos B.
— 25. uirgem B. — 3i. trautar E, tratar B. — 32. elle E, nelle B. — 33. Castellãos D,
Castilhanos B. — 34. cobraremos B.
jdade per cuja rrezam todo seu rreino se rrege per tutores os quaaes con-
tinuadamente nam podem seer em nenhum acordo, e por qual quer
pequena desauença que antre elles ouuera logo fora necessário que todo
o rregno fora deuiso. que fora grande azo pêra nos fazermos nossas en-
tradas per aquelle rregno de cujos rroubos enrrequeçeramos toda nossa 5
terra, e os nobres liomées teueram tempo e azo de exercitar suas forças e
B, 9, V 1 valentias segundo pertence aa viueza * de sua jdade. Quanto o trabalho
fora milhor e a guerra mais continuada tanto elles teueram mais vsado o
officio das armas e mais cousas e milhores e esprementadas com que
poderam fazer grande empeçimcnto a seus jmigos o que agora será poUo lo
contrairo. ca os mancebos perderam a milhor parte da sua jdade ou se
hiram fora do rregno onde os galardoões dos seus trabalhos seram atri-
buídos aos estranhos. Empero esta culpa nom he se nam da velhice, ca
elRey e todos aquelles que algo seguiram nas primeiras guerras sam ja
cansados e enfadados polia grande sofrença dos trabalhos que ouueram. i5
e porem desciam rrepouso. pollo qual trabalharam trazer todollos feitos
a este fim. ca se elles forom dos nossos dias nam se atrigaram tam
asinha de buscar assessego pêra sy nem pêra o rregno. saluo se fora com
outra muito maior auantagem. Quem será aquelle que possa em este
mundo fazer cousa por santa e boõa que seja que aja daprazer a todos. 20
quando aquelle que fez todallas cousas obrando tam justamente nam
pode fazer cousa com que aprouuesse a todos, ca se for obra de siso
he necessário que aborreça ao sandeu, e se for feito de fortaleza enteja
ao fraco, e assi que cada huija cousa aborrece seu contrairo. Outras
B, 9, V, 2 departições ouue em * aquelle feito como geralmente se faz em todas obras 25
dos homeés das quaaes nam curamos, por que nam he bem que vamos
pollo rrasto de todallas cousas.
I . rezam B — tutores E, titores B. — 4. regno B — fazeremos B. — 5. regno B — enre-
queceramos D. — *'). omeês B — teueram E, tiueram B — aazo B. — 7. viueza B, ardideza
D — quanto B, e quanto E. — 8. milhor B, mayor E. — q. esprementadas DE, esperi-
mentadas B. — 12. dos B, de E. — 14, algo B, o E — seguirão B^ — guerras primeiras D.
— jaa B. — 20. e E, nem B — de aprazer B, daprazer E. — 23. aboreça B, avorreça D
— ao D, o B — 2G. omeês B.
— 23 —
Como ElRey Dom Joham enuiou rreqiierer ao Iffante Dom Fer-
nando a conquista de Grada. Capitullo vij.
Assi trazia o muy nobre Rey Dom Joham prantado o amor da santa
fee nas entranhas de seu coraçam que tanto que aquella paaz teue
cobrada logo se trabalhou de maginar lugar e maneira como podesse
fazer serviço a Deos segundo tinha desejo. E por quanto o rregno de
Grada lhe pareçeo mais azado pêra a guerra que outro algum, fez saber sua
entençam ao Iffante Dom Fernando, por quanto os rreis de Castella tem
assi aquelle rregno casi em sogeiçam dizendo que he da sua conquista.
IO que porem nam o deue guerrear nenhuúa pessoa sem sua autoridade e
mandado, e jsto ficou assi tanto em vso des o tempo que os rrex dEs-
panha tinham os mouros antre sy que ja agora comunalmente o am por
dereito. E tanto que aquelle rrecado fo}' ao Iffante Dom Fernando deu em
* rreposta que os feitos de Castella estauam assi empachados que elle por B, io,r, r
i5 entam nom podia detreminar dereitamente a rreposta que naquelle feito
ouuesse de daar. e também tinha sua demanda começada por parte do
rreino dAragam a qual entendia proseguir ata auer comprimento de seu
dereito. E que por ello tinha feitas tregoas com o rregno de Grada por
certo tempo, e que elle rrepousasse assi ata as ditas cousas serem findas.
20 e que se se a guerra com aquelle rreino começasse que elle o faria saber,
e que entam poderia enuiar seu rrecado por declaraçam de sua vontade
sobre a qual se teria conselho e lhe seria dada detreminadamente sua
rreposta.
I. Joam B — requerer B. — 3. nobre D, noble B — Joam B. — 4. paz B. — 5. logar B
— podesse D, podessem BE. — 7. pêra a E, para B. — 8. entençam B, tençam D. —
9. sogeição B — da B, de D. — 11. Rex B, reis D. — 12. jaagora B, jagora D. — i5. detri-
minar B — que naquelle B, que lhe naquelle E.- — 17. a qual B, a que elle E — pro-
seguir D, perseguir BE — ata E, atee B. — 18. tinha E, om B — feitas E, feito B. —
19. ate B — findas E, finadas B. — 21. recado B. — 22. detriminadamente B.
— 24 —
Como clRey tinha vontade de fa\er g}-andes festas cm Lixboa
pêra fa\er seus filhos caualeiros. e como os Iffantes falaram acer-
qua dello autre sy que semelhante 7naneira de cauallaria nam era
honrrosa pêra elles. CapituUo viij.
E
|M este presente capituUo nos he necessário que tornemos atras por 5
trazermos nosso processo em sua dereita ordenança. Ca muitas
vezes se acerta que jazem as primeiras pedras ao pee da obra espe-
B, io,r, 1 rando por seu propio lugar, e as derradeiras sam postas * no fundamento do
liçeçe quando o mestre da geometria laura em seu offiçio. Onde assi he
verdade que ante muito do presente negocio o muy nobre Re}' Dom Joham lo
dissera como tinhti grande vontade de fazer seus filhos caualeiros o mais
honrradamente que se bem podesse fazer, e esto falara elle ja por vezes
ante daquelle tempo e nam he duuida ser esta a principal cousa em que
seu coraçam por aquelle presente fosse mais ocupado. Ca via ante seus
olhos taaes três filhos baroÕes fortes e mancebos como de huúa jdade que i5
pouco mais leuaua hum ante o outro que hum anno. os quaaes cada vez
que pareciam ante seu padre lhe acreçentauam no desejo sobre o pri-
meiro pensamento, como per qual maneira poderia mais honrrada-
mente daar estado caualeiroso aaquelles filhos que lhe Deos por sua
mercê quisera dar com tanta apostura de todallas cousas que a nobres 20
príncipes conuinha. E falando sobre ello huiãa vez disse assi. Se me
Deos por sua merçe traz assessego a este rreino per firmeza de pazes
com Castella. eu quero ordenar huúas festas rreaaes que durem todo
hum anno. pêra as quaaes mandarey conuidar todollos fidalgos e gen-
tijs homeés que teuerem jdade e desposiçam pêra tal feito que ouuer em 25
B, IO, V, I todollos rregnos * da christandade. e ordenarej* que nas ditas festas aja nota-
uees justas e grandes torneos e muy abastosos conuites seruidos de todal-
las viandas que se per todo meu rregno e fora delle possam auer. E
desy danças e outros jogos seram tantos e taaes que assi delles como de
todallas outras cousas as gentes que o virem tenham que sobre a gran- 3o
deza delias nom se possam fazer outras maj-ores. E com esto darey tantas
3. açerqua D, açerqa B — delo B. — 5. Em este B, Neste E. — 8. por seu B, por o
seu D. — 9. liçeçe B, liçerçe D, alicece E. — seu officio E, seus officios B. — 10. muitos B
— rey B — Joam B. — 12. onrradamente B ^ jaa B — por E, per B. — 1 3. a principal E,
principal B. — 14. ocupado D, acupado B. — i5. varõis D. — 16. ante o B, ao D. — 18. qual
D, qualquer B. — 21. conuinham B, convinha D. — 23. quero E, queria B. — 25. omeês B
— 2G. dietas B. — 28. todos meus reinos E — delles E. — 29. desi B. — 3o. todalas B. —
3i. delias E, dello B.
— 25 —
e tam grandes dadiuas principalmente aaquelles estrangeiros que a gran-
deza e doçura dos benefícios que lhes eu assi fezer lhes ponha necessi-
dade de os apregoarem grandemente antre todollos seus amigos, e em
fim destas cousas farey meus filhos caualeiros. E esto fo}' assi dito
■"i per eIRey. a qual cousa bem queriam todos que se posesse em obra.
tanto que elRey ouuesse lugar pêra ello. Empero os Iffantes lembran-
dosse quem eram e a aheza do sangue que tinham, posto que este feito
a outros alguús parecesse grande a elles pareçeo muy pequeno, empero
soportaromno assi em quanto o feito das pazes era em duuida. consi-
10 rando que se se as pazes nom firmassem e a guerra ficasse aberta, que
taaes cousas lhe viriam as maãos em que honrrosamente podessem rreçe-
ber sua caualaria. mas depois que as pazes forom firmadas entenderom
elles que nom ficaua hy cousa certa em que elles podessem seer caualei-
ros polia guisa que o elles* deseiauam. E sendo hum dia todos três jun- h, io,v,2
i3 tos e ajnda o conde de Barçellos com elles trauaram em aquella rrezam
como cousa que nom andaua muito longe de suas lembranças, e esto era
na camará de seu padre sendo elles apartados de sua presença, dandolhe
lugar a alguús feitos em que por entam estaua ocupado, e tanto falarom
naquelle feito de sua caualaria mouendose antre elles muitas rrezoões a
20 concrusam detreminaram de o falarem a elRey. Vamos disserom elles
falar a eIRey nosso senhor e padre, e digamoslhe que ordene alguúa
cousa em que possamos fazer de nossas honrras. onde nos elle possa
fazer caualeiros. como pertence aa grandeza de seu estado e a exçellen-
çia de nosso sangue. Ca pois as pazes de Castella sam firmadas, e da
25 parte de Grada nam temos esperança certa, nom ha hy pollo presente
cousa nenhuúa azada em que possamos rreçeber estado de caualaria se
nouamente nam for buscada. Ca polia maneira que sua senhoria tem
vontade de o fazer todo he cousa de pequeno valor pêra a grandeza de
tamanho feito, que por grandes que as festas sejam nunqua seu nome
3o he de grande vallia pêra semelhante caso. por que semelhantes pessoas
nos grandes feitos de fortaleza com grandes trabalhos e perigos vendo o
sangue dos seus jmigos espargido ante seus pees soo he de rreçeber o
grado de sua caualaria. E os filhos dos cidadãos e dos mercadores cuja
honrra * nom se pode mais estender que a semelhante estado .ss. de serem H, 1 1, r, i
2. benefficios B — lhe eu E. — 4. dicto B, dito E. — 6. logar B. — 10. se se E, se B.
— II. viriam D E, veriam B. — 12. despois B. — 14. per a guisa E. — i5. rrezão B. —
16. muito B, muy E. — 18. ocupado D E, acupado B. — 20. determinaram B, ordenarão
D. — Vamonos D. — 22 . possa I, pode E, poder B. — 26. nenhúa B. — 'i-j. buscado B —
polia B, per a E. — 29. seiam B. — 3 1 . perigos D E, prigos B. — 33. cuja B, a cuja D. —
34. mais B, a mais. D.
— 26 —
caiialeiros. a estes he cousa conuinhauel de se fazerem festas e jogos,
porque toda a torça de sua honrra esta na fama de sua despesa. O
conde de Barcelos era mais velho que nenhum delles. o qual posto
que falecesse na nobreza da geraçam quanto aa parte da madre, fezerao
Deos tam virtuoso e de tamanha grandeza de coraçam que em todalias 5
cousas de honrra escondia a baxeza do sangue da madre, e com jsto
auia elle muy grande siso. pollo qual auia no rreyno grande lugar pêra
conselho, quanto mais que elle fora ja fora destes rreinos per espaço de
grande tempo, e fora per casas de grandes príncipes e senhores, onde lhe
fora dada grande autoridade assi por seer filho de quem era como polia lo
grandeza do seu corregimento. porque aalem dos seus corregimentos
serem grandes e boõs leuaua consigo muitos senhores e grandes homeés
com outros muitos fidalgos deste rregno de que sempre foy muy bem
acompanhado, e foy tam longe a sua jda que chegou aa casa santa de
Jerusalém, em esta viagem que elle assi fez aprendeo e soube muitas i5
cousas que vio naquellas partes estranhas per as quaaes acreçentaua
muito mais em seu proueitoso conselho. Assi que por todas estas cousas
posto que os Iftantes fossem tam * prudentes e descretos tomaram porem
grande ousio pêra falarem a seu padre quando viram que lhes o conde
tam grandemente louuaua seu bom preposito. 20
Como Joham Affonso veedor da fa:{enda falou aos Iffantes na
cidade de Cepta e como os Iffantes falaram a seu padre.
Capitullo ix.
NAM eram ajnda estas rrezões de todo postas em fim quando hi logo
sobrechegou Joham Affonso veedor da fazenda delRe3^ o qual 25
posto que detreminadamente nam ouuesse certidam do preposito.
polias congeituras do que vio entendeo que o feito em que aquelles senhores
falauam era de grande peso. Ca em semelhantes cousas sam apartados os
homeés anisados dos outros de grosso engenho, os quaaes por pequeno moui-
mento que aconteça e faça entrepetam grande parte do que homem tem 3o
na vontade. E porem Joham Affonso cuja crareza dentender fora a prin-
— 2. na fama B, a fama E. — 4. geração B. — 5. vertuoso D. — 6. baixeza D. —
7. legar B. — 14. sancta B. — i5. em esta E, e esta B. — 16. per B, pêra E. — 21. Joam
B — veador E. — 22. Ceit DE. — 25. Joam. — 26. determinadamente B — ouuisse B —
certidam E, a certidam B. — 27. do que E, que B. — 3i. em vontade E — João B — de
entender B.
— 27 —
çipal causa de seu acreçentamento quando assi achou os Iffantes desejou
de saber o fim de seu preposito por lhe parecer a calidade da sostançia
de tamanha força de que nom podia *naçer senam hum feito grande e Bii,v, i
pesado, e pediolhes de merçe que lhe quisessem dizer o fundamento de
-'' sua entençam. E como quer que os Iftantes quisessem dessimular o pró-
prio motiuo de seu rrezoado conhecendo como elle era homem sesudo e
boõ e que tinha grande autoridade no rreino polia grande fiança que
elRey seu padre em elle auia. vieramlhe a contar declaradamente sua
entençam. Vossos pensamentos disse elle sam assaz de grandes e boÕs.
'O e pois que vos taal vontade tendes eu vos posso assinar huúa cousa em
que o podees bem e honrradamente executar. E esto he a cidade de
Cepia que he em terra dAftriqua que he huija muy notauel cidade e
muy azada pêra se tomar, e esto sey eu principalmente per hum meu
criado que la mandey tirar alguús catiuos de que tinha encarrego, elle
'5 me contou como he huúa muy grande cidade rriqua e muy fermosa. e
como de todallas partes a çerqua o mar afora huúa muy pequena parte
por que am sayda pêra a terra. E segundo o grande desejo de vosso
padre e o vosso nam sento per o presente cousa em que mais honrro-
samente podessees fazer de vossas honrras como no filhamento daquella
*o cidade. E porem me parece que auereis bom conselho falardes em ello
a elRey e pedirlhe que encaminhe como se faça. ca esto he cousa pêra
ter em conta ca nom festas e conuites de comer e beber em que
nam ha senam despesa de vianda* e ocupaçam de tempo, cuja memo- Bii,v, 2
ria prescreue com pequeno louuor. Pois disserom elles que nam fala-
25 uees esto primeiro a elRey contandolhe todas estas cousas per meudo
pêra verdes o que rrespondia açerqua delo. Assi lho faley disse Joham
Affonso e nam me parece que me rrespondeo como eu quisera, ante
passou o feito como quem o tinha em jogo. Mas pêra esto milhor seer
chegaiuos a elle assi como estaes todos quatro e falailhe no feito dizen-
do dolhe todo o que sobre ello vos parecer, e pode seer que vos entendera
milhor do que entendeo a mim. Os Iftantes disserom que era muy bem.
Desy foromse assi todos quatro juntamente onde estaua seu padre e
I. causa E, cousa B. — 2. preposyto B — calidade I, craridade B, qualidade E. —
3. de que B, que E. — 4. pediolhes D, pedindolhes B. — 5. entençam E, tenção B. —
6. conhecendo E, conhecimento B. — 10. assinar B, ensinar D. — 11. honrradamente B,
onradamente E. — 12. Ceita D — de aflriqua B — notauel D, notable B.^14. tinha
encarrego B, o tinha encarregado E — elle B, e elle E. — 16. muy B, bem D. — 17. grande
B, gram D. — 18. sento E, sinto B. — 23. ocupação E, acupaçam B. — 24. perescreue B,
prescreue E. — 25. esto E, jsto B. — 2G. rrespondia B, vos respondia E — lho faley B,
o faley E — Joam B. — 28. jogue D — esto B, isto D. — 3o. parece E.
começaramlhe de falar em todo o que passarom naquella camará, dizendo
que posto que elle teuesse vontade de fazer assi aquellas festas com
íj;randes despesas que a honrra que se delias seguia sempre seria pequena
a rrespeito da obra que elle em ellas queria fazer. A qual cousa seria logo
boõa pêra outro algum príncipe cujo nome e fama fosse de mais pequeno 5
valor, mas que pêra elle que tantas e tam grandes cousas tinha acaba-
das que nom era semelhante cousa pêra teer em grande estremo, rre-
zoando açerqua dello esto e outras muitas rrezões cada hum segundo mi-
Ihor as podia entender. Mas elRey cujo coraçam nom se mouia assi
ligeiramente começou de se rrijr contra elles mostrando que tinha em lo
B 12. r, 1 jogo suas palauras. como ante * fezera a Joham AfFonso. E este he o
verdadeiro coraçam do magnânimo o qual logo no primeiro mouimento
por grande que a cousa seja nom se derriba a consentir em nenhum pro-
ueito nem perda que se lhe açerqua dello possa mostrar, mas estará posto
em huija firmeza pollo qual liuremente consira quaaesquer azos ou i5
estrouos que se lhe daquelle feito possam seguir, e assi rresponde passa-
mente como quem nam tem a grandeza do feito em tal estima que lhe
faça espanto. Os lífantes assi como homeés desejosos de semelhante
nouidade. como quer que lhe seu padre aquella rreposta desse, nam se
poderam partir assi ligeiramente de seu preposito ante consiraram em 20
ello por alguús dias. e quanto mais em ello consirauam tanto lhe a cousa
parecia milhor e mais honrrosa. E porem juntaramse outra vez e falaram
antre sy o que ante consirara cada hum em sua parte, sobre todo ouue-
ram seu conselho, e se tornaram outra vez a elRey mostrandolhe todo
o que auiam consirado. porque quanto era o que a elles parecia a cousa 25
era tam boõa que nam tinham senam que lha trouxera Deos a memoria
por grande milagre. E assi forom a elRey auendo por boÕa detremina-
çam de lhe falarem todavia nam soomente aquella vez mas outras mui-
tas ata que lhe fosse outorgada, e ja esta derradeira vez falaram a
seu padre com muito ma3'or peso como aquelles que teueram mayor 3o
B 12, r, 2 espaço pêra cuidarem no feito, e a * jsso traziam muitas e soficientes rre-
sões enduzidores a seu preposito antre as quaaes disserom que lhe pediam
por merçe que esguardasse bem naquelle feito, ca sendo bem consira-
das todallas partes de seu mouimento acharia que dandolhe Deos uitoria
1. passara D. — 3. seria E, foy B. — 6. que pêra elle E, porque elle B. — 8. acerca B
— esto B, estas D. — 9. coração B. — 11. Joam B. — 14. se I, om B. — 17. estima D^
estimo B. — 20. preposito D, propósito B — consiraram B, consirauam D. — 25. pare-
cia B, pertencia D. — 27-28. detreminaçam D, determinaçam B. — 28. mas B, se nam
D. — 29. ataa B — jaa B. — 3o. muyto maior B. — 3i. e a isso D, Hy se B. — 32. pro-
pósito B. — 33. ca B, que D.
— 29 —
que acabaria três cousas muy grandes, as quaaes nenhum grande príncipe
nam deuia dengeitar quando se lhe assi offereçessem como se a elle
em tal caso offereçeram .ss. a primeira grande seruiço a Deos. ca se
elle semelhante caso engeitasse tarde ou per grande ventura lhe sobre-
uiria outro semelhante. E se vos senhor disserom elles todo este tempo
trabalhastes por paaz afim de fazerdes seruiço a Deos. muito mais he
rrezam que o siruaaes agora em este caso. pollo qual seguireis a boõa
entençam dos bem auenturados rreis dEspanha de cuja linhagem deçen-
deis per rreal geraçam. E a segunda cousa he honrra que se vos dello
segue, ca posto que vos Deos desse muitas e grandes vitorias contra vos-
sos jmigos esto foy em defensam de vosso rreino. a qual cousa em muitos
lugares vos apresentaua a necessidade, porque vergonhosa cousa seria
nenhum grande príncipe que possue nome rreal leixar guerrear seus rrei-
nos que ante nam oferecesse sy e seu corpo pêra defensam delles. E esto
he pollo contrairo. por quanto * vos por vossa jnleiçam própria sem cos- B i2,v, »
trangimento de nenhuúa pessoa vos ofereceis a este perigo e trabalho
nam por outra necessidade senam por seruiço de Deos e por acreçenta-
mento de vossa honrra. E esto será assi como hum sello firme que
poera grande firmeza em vossas vitorias. E a terceira cousa he a grande
e boõa vontade que tendes de nos fazerdes honrradamente caualeiros o
que por outra guisa nom podereis fazer de que se a vos e a nos siga mayor
honrra pois que outra nenhuíia conquista nam tendes em que o possaes
fazer. Porem vos pedimos por merçe que queiraaes sobre todo consirar
prouendo sobre nossas rrezões com outras muitas que o vosso nobre e
grande entendimento concebera, e nos rrespondaaes com efeito a nossa
petiçam. a qual quanto a nosso juizo nam pode ser milhor nem mais
dereita segundo as niuitas rrezões que vos açerqua dello auemos dito e
outras muitas que leixamos perder.
I. grandes B, boas D. — 2. dengeitar D, de engeitar B. — 3. tall D. — 4-5. sobre-
ueria B. — i3. possue B, possuy D — i3-i4. rregnos D. — 14. antes B — delle B. —
i5. jnleiçam B, enleyçam D — propia B. — iC). prigo B, periguo D. — 18. esto I, este B
— assy B. — 19. em B, de D — uitorias B. — 20. bõa B — honrradamente B, bem e
omrradamente D. — 20-21. o que por outra guisa non podereis fazer] om D. — 25. gram
D — comçebera D — respondaes B.
— 3o
Bi2, V, 2 Como elRey disse que nam queria detremirar nenlniíia cousa
daquelle feito ata que soubesse se era seruiço de Deos de se fa\er
e como mandou chamar os letrados pêra o saber. Capitullo x.
N'
•EM aa verdade que posto que elRey fezesse aquellas mostranças de
nom querer consentir no rrequerimento de seus filhos que a sua von- ^
tade nam era porem menos que aquella que cada hum delles tinha,
mas quanto elle mais retardaua o feito tanto fazia mayor desejo aos Iffan-
tes. e ajnda prouaua seus entendimentos e engenhos negandolhe o que elles
B i3, r, I tanto deseiauam. * Porque as duuidas trazem muitas vezes azo pêra que
a cousa seja milhor entendida, e por ello tem os velhos mestres em cus- '°
tume de mouerem grandes e muitas questões aos seus nouos desçipollos.
porque o trabalho que elles tomam a buscar as prouações traz grande
acreçentamento aa sua sabedoria, porque a mayor parte de sua lógica he
fundada em argumentos grandes e duuidosos em que os escollares apu-
ram todallas partes das outras ciências. Bem ouuy rrrespondeo elRey o '^
que ata ora me dissestes, e posto que vossas rrezões sejam justas e rre-
zoadas eu tenho ajnda outros contrairos pêra vos rresponder quando
quer que sobre ello falarmos açerqua da detreminaçam. Empero ante
que eu nenhuúa cousa rresponda quero primeiramente saber se esto he
seruiço de Deos de se fazer, ca por muy grande honrra nem proueito ^°
que se me dello possa seguir se nom achar que he seruiço de Deos nom
entendo de o fazer, porque soomente aquella cousa he boõa e onesta
na qual Deos jnteiramente he seruido. E porem vos vos hy pêra vossas
casas e cada hum em sua parte consire quaaesquer duuidas que se possam
seguir açerqua do seruiço de nosso Senhor Deos. e entre tanto mandarej' ^5
chamar meu confessor e assi outros alguús letrados e falarey com elles
Bi3, r, 2 toda a ordenança deste feito e * encomendarlhes ey que prouejam em
seus liuros e conçiençias se per uentura terey alguúas duuidas em contra
do que eu deuo de fazer segundo fiel e católico christão. e eu de minha
parte consirarey em ello. e em fim de todo ao tempo que ouuer dauer 3o
sua rreposta nos juntaremos todos e teremos nossa falia, onde se tratara
de toda a sustançia deste feito sobre o qual detreminaremos se he bem
de se fazer ou nam. Assi ficou elRey com aquelle encarrego e os lífan-
tes e conde de Barçellos forom a suas casas, onde cada hum tomou seu
I. determinar B. — 2. ate B. — 4. aa B, ha D. — 5. comsemtir D. — 9. azoo D. — 10.
seia B. — II. decipolos D. — 16. atee agora D, atee ora B — disestes B — seiam B. —
18. detriminaçam B, detreminação D. — 20. onrra B. — 21. posa B. — 24. se possam D,
possam B. — 26. allgQs D. — 28. comçiençias D, conçiençia B. — 29. xpão B, crystão D.
— 3o. elle B — dauer] om D. — 32. o qual D, a qual B — detriminaremos B.
— 3i —
apartamento pêra consirar com muito mayor deligençia as circunstancias
e casos duuidosos que o proseguimento daqueile feito podia trazer quanto
a fee e seruiço de nosso Senhor. E elRey mandou logo chamar o mes-
tre fre}- Joham Xira. e o doutor frey Vasco Pereira que eram os seus con-
5 fessores e o Iffante Duarte, e assi outros alguús prinçipaaes letrados que
se naquella cidade poderam achar. E também fez chamar alguús prin-
çipaaes do concelho ajnda que poucos fossem e sob grande segredo lhes
disse por esta guisa. Amigos, fizuos aqui ajuntar conhecendo de vos que
assi per natural entender como per auondança de ciência de que vos
10 Deos guarneçeo antre todollos outros do meu rreino me poderees saam e
* proueytosamente aconselhar em todo aquello em que minha alma possa B i3, v, i
seer em alguúa duuida. e pêra esto sey certo que vos nam falleçeram três
cousas prinçipaaes que se rrequerem pêra os conselheiros dos grandes
senhores antre outras muitas que bem sabees que sam detreminadas em
'5 todollos liuros que os antigos escreueram pêra jnsinança dos príncipes .ss.
a primeira que ajam amor aaquelle príncipe ou senhor que ouuerem de
aconselhar, porque o amor traz huúa necessidade polia qual moue o
coraçam do seu possuidor a enquerer e buscar todallas cousas pro-
ueitosas e honrrosas pêra aquella cousa que ama. Porque as cousas
20 que descíamos pêra nossos amigos am naçimento daquellas que pêra nos
queríamos, ca cada hum naturalmente deseía ao seu amigo o que pêra sy
mesmo queria, e se os conselheiros dos rreis falleçessem desta paixam
muitas vezes proueitariam a mayor força de seus conselhos. E porem
disse nosso Senhor Jesu Christo aos seus apostollos depois que lhe rreue-
25 lou seus segredos que lhe nam chamaria mais seus seruos, por que o seruo
nam sabe a vontade de seu senhor, mas que lhe chamaria amigos por
quanto os ja tinha ensinados na vontade de seu padre. E a segunda cousa
que se rrequere ao conselheiro he que aja sabedoria, porque sem * ella B, i3,v,2
nam poderia dereitamente aconselhar, ca posto que teuesse boõa von-
3o tade se lhe falleçesse saber nam poderia muito aproueitar aaquelle que
seu conselho ouuesse mester porque a boõa vontade sem a obra nam he
cousa perfeita. E porem diz Salamam que dos conselheiros se auia de
fazer hum antre mil. o que se entende principalmente porque da rre-
3. Joguo D. — 4. frei Joam B — doutor D, doctor B. — 5. outros alguús D, alguQs outros
B. — 7. sob B, so D. — 8. amjguos D — junctar D. — 10. guarneçeo I, garneceo B. —
14. detriminadas B. — 16. ouueram D. — 18. coração B — do B, de D — posuidor B —
possuidor] add. em que B — a B, ha D. — 20. pêra B, ter a D. — 21. ca I, a B — natu-
rallmente D — deseja B — ao seu D, o seu B. — 24. despois D. — 25. seus I, 0111 B —
o servo I, o seu seruo B. — ih. arniguos D. — 27. jmsynados D. — 28. que se rrequere I,
se requeria B — he] om B, — 29. poderia D, podia B. — • 3o. falecesse B. — 3i. bõa B.
— 32 —
zam deue seer sabedor, e por que guisa e em que cousas se esta sabe-
doria deue dentender seria sobejo de vos seer por mim rrelatado per
extenso, porque sam bem certo que a vos nam falleçe por entender em
este caso o que vos eu leixo por decrarar. E a terceira cousa que se no
conselheiro rrequere he grande segredo, por quanto o rromprimento do 5
conselho traz desfazimento da obra. e sabees como no tempo dos Romaãos
que bem e proueitosamente rregiam a grandeza daquelle jmperio. huúa
das cousas per que seus feitos sam tanto louuados per seus autores assi
he por guardarem com grande delligencia a puridade de seus conselhos.
E de eu seer bem certo que em vos ha comprimento de todallas estas lo
cousas e que a mim pertence vossa natureza e autoridade, e ajnda a
minha boõa vontade mo faz creer e afirmar, e porque comunalmente
B, 14, r, I *em vos outros que aqui sooes presentes estaa toda a força do conselho
que pertence aa saúde de minha alma e alguúa parte da que pertence
ao corpo, vos rrogo e encomendo que com toda a vossa delligencia sS
queiraes esguardar e consirar sobre todo o que vos agora entendo de
prepoer. Ora he assi que posto que eu tanto trabalhasse por firmar as
pazes em o rreino de Castella como vos outros todos sabees. esto Deos
sabe que principalmente era por seruiço de Deos. e por muy grande
vitoria que contra elles ouuesse eu nunca em minha vontade pude rreçe- 20
ber nenhuija jntrinsiqua allegria soomente quanto era que pois elles
queriam contra dereito e rrezam apremar as cousas de meus naturaes. e
soomente porque meu senhorio nom deuia sogeiçam praziame porque Deos
por sua grande merçe me queria dar esforço e ajuda como os podesse con-
trariar o mao preposito que contra mim e contra meus rregnos auiam. 25
Empero Deos he verdadeiramente sabedor e minha senhora virgem Maria
a que muitas vezes pedia juda em minhas orações, que sempre lhe rroguey
e pedi que per mim nem per meu azo nunca nenhuiJa geraçam dos chris-
P '4, r, 2 taãos rreçebesse nenhum mal nem danno. ante pollo * seu amor todo o fauor
e ajuda, deseiando sempre vcer algum azo per que pudesse empecer 3o
ajnda que fosse com grande meu trabalho e perigo aos imigos de sua
santa fee. E de tal seer meu desejo e vontade he bem certa testemunha
o rrequerimento que eu açerqua dello começey fazer ao Iffante Dom Fer-
2. demtemder D, de entender B. . — 4. decrarar D, declarar B. — 5. conselheiro I,
conselho B — he B, hera D — rrompinnento I, comprimento B. — 9. gardarem B. — 10.
ser B — haa B — todas B. — 12. comunallmente D. — 14. allma D — da D, do B. —
16. esgardar B. — 21. jntrinçiqua D. — 22. apremar D, aprimar B. — aS. porque (i.") I,
om B — nom D, e nom B — deuia D, deuida B. — 25. reinos D. — 26. Emperoo B.
— 27. rogey B — 28. pedi B, pedia D. — jeraçam B. — 3o. desejando B. — 3i. prigo
B, perigo I. — 32. sancta B — beem. — 33. Ifante B.
— 33 —
nando que ora he defensor do rregno de Castella per cuja rreposta senti
que meu desejo nom se podia comprir segundo meu rrequerimento. K
porque nam sentia cousa que poUo presente podesse toruar tal que
quisesse meu estado, nam senti ai que podesse fazer soomente pedir
3 a Deos que minha boÕa vontade rreçebesse por obra pois que por mim
nom falecia de a comprir. Doutra parte consiraua na jdade de meus filhos
e como os Deos por sua merçe quis fazer taaes em que com grande
dereito deuem rreçeber estado de caualaria a qual pêra teer alguija seme-
lhança de honrra pois que se por outra guisa nom podia fazer quisera
,0 que fora em esta cidade com huiías muy grandes festas porque ao menos
a sua grandeza trouxesse azo de se soar per as partes estranhas a honra
deste feito. Mas elles consirando em ello antre s}^ tinham que se nom
podia de semelhante maneira fazer cousa por grande que fosse que açer-
qua de semelhante feito nom fosse pequena. * mouendome açerqua dello
,5 muitas e justas rrezões por que deuia buscar outra cousa em que os
fezesse caualeiros. as quaaes posto que me justas e rrezoadas parecessem
nom podia porem mais fazer que o azo pêra semelhantes cousas nam
se acha assi ligeiramente. E estando em jsto faloume Joham Affonso na
cidade de Cepta como he grande e nobre e azada pêra se tomar, a qual
20 cousa parece que soube per auisamento de hum seu homem que la en-
uiou tirar aiguús catiuos. Empero eu assi pollo presente leuei o feito a
jogo porque era cousa em que ajnda nam consiraua pouco nem muito.
Mas os lífantes e o conde de Barçellos meus filhos a quem o dito Joham
Affonso falou consiraram milhor em ello e falaramme ja per duas vezes
25 mostrandome muitas rrezões por que me deuia de despoer a este traba-
lho, sobre a qual cousa lhes eu nam quis dar nenhuúa rreposta ata que pri-
meiramente nam saiba se o proseguimento deilo será seruiço de Deos. Ca
vos digo em verdade que ajnda que entendesse de cobrar todo o mundo por
meu. como eu sentisse que em alguúa parte nam era seruiço de Deos. eu
3o o nam teria por vitoria nem o faria por nenhuiia guisa. Porem porque eu
possa saber certamente se jsto he seu seruiço ou nam * vos fiz assi aqui
ajuntar porque sento pollo grande conhecimento que tendes da ley de
nosso Senhor Deos me podereis dello bem auisar. a qual cousa vos
encomendo e mando que com toda deligençia queiraaes escoldrinhar assi
3^ per vossos boõs liuros e santas escreturas. como polia alteza de vossos
entendimentos e me tornees dello rreposta o mais cedo que bem poderdes.
3. sentia cousa D, senti a cousa B — que D, e que B — trouar B. — lo. fora I, forem B —
porque I, per que B. — n. honra I, ora B. — i3-i4. acerca B. — 14. selhante B. — 17. que
ao B, ca o I. — 18. Joam B — 20-21. emuiou B. — 23. dicto B — 23-24. .loam affonso B. —
24. jaa B. — 25. devia D, deua B. — 26. atee B. — 32. polo B. — 34. escoldrinhar D, escodri-
nhar B.— 35. sanctas B.
5
34
Como os letrados tomaram com rreposta a elRey
di{endo que era seruiço de T>eos de se tomar a cidade de Cepta.
Capitidlo xj.
O
s confessores sobre quem principalmente o encarrego desto ficaua
nom tomaram aquelle feito com pequeno cuidado, assi polia neçessi- 5
dade que os tanto costrangia a seguir os mandados delRey como
polia sustançia do feito seer de tamanho peso que nenhum homem de saao
entender nam o deuia de teer em pequena conta. E porem foramse logo pêra
seus mosteiros e com grande cuidado proueram seus estudos per tal guisa
que lhe nam ficou nenhuúa cousa por veer daquelles textos e glosas da sa- lo
grada escretura em que os santos doutores detreminaram taaes conclusoões.
A I, r, i *Mas pêro que o seu cuidado fosse assaz de gramde no escolldrinhamento
desta duuida, com mujto mayor dilligençia e uoomtade filharam os Iffan-
tes a força daquelle emcarrego. ca os seus pemssamentos numca podiam
seer liures nem apartados daquella maginaçom, e tamto corriam per ella i5
em diamte, que passauam pertodallas duuidas, e começauam eproseguiam
o feito per tall guisa que sse esqueciam do pomto em que estauam, e
uiamsse no me\'o daquella cidade emuolltos antre os mouros allegram-
dosse com o espalhamento do seu samgue. E tamta duçura semtiam
em taaes magmaçoões, que lhes pesaua quamdo sse lhe offereçia cousa 20
per que sse tirauam delias. E porque assi como naturallnaente os
feitos em que a maginaçam do homem he ocupada de dia, esses se
lhe rrepresemtam depois que o sono tem ocupado seus semtidos, assi
aquelles senhores polia gramde deleitaçam com que tomauam aquel-
les cuidados, a mayor parte da noite depois de jazerem em suas camas, 25
nam podiam seer liures da semelhamça daquellas cousas. E huúa uez
lhes parecia que uiam gramde multidom de nauios carregados de gemtes
A I, r, 2 darmas. outra vez uiam as torres da cidade * apemdoadas das suas bam-
deiras. outra vez lhes parecia que sse achauam antre a força dos mou-
ros, e que comtinuauam tamto sua pelleia, que per força os arramcauam 3o
damtre ssi. E nom menos trabalhados achauam seus corpos, que depois
de acordados semtiam alguú daquelle camssaço, tam gramde era ho tra-
balho, em que a uoomtade passaua aquellas cousas. Nos tomemos o
emtemdimento destas cousas como christaãos, como quer que mujtos dos
amtijgos teueram, que mujtas das cousas que ham de uijnr, parecem aos 35
homeés em semelhamtes tempos, segumdo escpreue Vallerio Máximo
2. Ceita D. — 4. encarreguo D. — 5. tomauam D, — 7. pola B — sustançia I, estancia
B — serB. — 1 1. sanctos B. — 12. cuidado E, cuido AB. — 20. quando A. — 25. iazerem A.
— 32. daquell A. — 34. xpaãos A.
— 35 —
no seu primeiro liuro, e Marco Túlio no liuro da uelhiçe. O dia em que
elRey auia dauer sua rreposta, foi assijnado aaquelles senhores e leterados,
no quall cada huú disse sua emtemçom, segumdo a camtijdade de seu em-
temder e saber, nom porem afastados de iiuú propósito. E assi por
5 rreueremça da samta jgreia, como poUo primçipali emcarrego seer daquelles,
fallaram primeiro os leterados e disseram assi. Em esta presemte matéria
senhor disseram eiles, nom ouuemos mester de queimar mujtas camdeas
rrequeremdo seu estudo, e esto he por nom seer cousa noua nem sob
tall escureza posta na escpritura per que o seu* emtempto nos posesse em ^i ', v. i
IO taaes duuidas, pêra cuja declaraçam nosso emtemdimento soomente po-
dasse abastar, amte som cousas tamtas uezes limadas e desputadas, que
em quallquer parte que homem uaa pella samta escpritura, pode achar
muj largamente quallquer cousa que açerqua desto queira escpreuer.
E pêra que som mais outras escprituras, soomente as estorias que
i5 teemdes uos outros primçipes em nossas camarás, pellas quaaes uossos
amteçessores ssom amte uossos olhos, e per ellas acharees o gramde
millagre que nosso Senhor Deos fez por aquelle boom Rey Remigio,
que prometeo os uotos ao apostollo Samtiago, pollo quail leemos que
o bem auemturado apostollo uisiuellmente pareçeo em sua batalha, e
20 per sua diuinall uirtude ouue em aquella batalha tamanha uitoria como
sabees. em cujo testimunho lhe ajmda oje paguam aquelles uotos em
todallas terras que aaquella sazom eram de christaãos. ElRev Dom
Aftbmsso que foi na batalha das Naues, queremdo elle passar huúa serra
pêra hir pelleiar com o gramde Miramollim de Alarrocos, seemdo eiie
25 duuidoso de seu caminho polia gramde fragua que auia em aquella
serra per homde elle de necessidade auia de passar, nosso Senhor Deos
queremdo aprouar a boa emteemçom e deseio que em elle semtia, em-
ulou* huú amgio do çeeo que o leuou per meyo daquella serra, mostram- A, t,v, 2
dolhe caminho largo e chaSo, per que sua oste passasse, omde amte nem
3o depois numca foi achado. Que foy senhor delRey Dom Fernamdo que
tomou Coymbra aos mouros, e fez outras mujtas batalhas com elles no
rregno de Castella. e delRey Dom Aftomsso seu filho, que tomou Tol-
ledo. e do comde Fernam Gomçalluez, e do cide Ruy Diaz. e dos outros
boõs caualleiros fiees e catholicos, que por amor de nosso Senhor Jesu
35 Christo com tamtos e tam gramdes trabalhos e com tam gramde espa-
lhamento de seu samgue passaram sua uida. Ou em que lugar alloiare-
mos suas almas segumdo nossa piedosa creemça. senom na companhia
2. elRej A. — 3. disse I, diz A — segundo A — camijdade A. — ló. antecessores A
— Rei A. — 21. ajnda A. — 27. emteençom A. — 34-35. JhQ xpõ A.
— Só-
lios bem auemturados mártires, ca posto que elles nom morressem
amte as seedas dos primçipes jmfiees, como mujtos daquelles samtos
faziam, nom era porque o seu deseio se afastasse daquelle propósito per
nehuQ rreçeo nem temor, amte com muy gramde fortelleza, armados da
samta ffe, cometiam ardidamente os jmmijgos em tall guisa que rrijmdo 5
esperaram a sua derradeira ora em meyo daquelles trabalhos. Mas pêra
que lembro eu mujto exçellemte primçipe, outros nehuiis rrex nem senho-
A, 2, r, I res, apartados de uossa * senhoria, pois teemos amte nossos olhos a memo-
ria do muy notauell e fiell e cathollico christaão eIRey Dom Aftomsso Am-
rriquez, cujas rrelliquias trautamos amtre as nossas maãos. Veede senhor lo
os signaaes que trazees em uossas bamdeiras, e pregumtaae e sabee como
e per que guisa forom gaanhados. os quaaes certamente de todallas par-
tes mostram a paixom de nosso Senhor Jesu Christo, por cuja rreueremça
e amor o bem auemturado Rey ofreçeo seu corpo em no campo dOuri-
que ueemdo aquelles çimquo rrex como uossa merçee sabe. E comsijraae ,5
jsso meesmo senhor, se elle duuidara se o seguimte trabalho era seruiço
de Deos, nom teuerees uos oje esta muy nobre cidade nem a uilla de
Santarém com outros lugares em uossos rregnos, homde foram per elle
começadas mujtas e gramdes jgreias e moesteiros, e acabadas per os
outros fiees e cathoUicos christaãos, em que o offiçio deuino com tamta 20
sollempnidade cada huú dia he trautado e adorado. E se esto assy nom
acomteçera, muy pequena parte ouuera no mumdo homde os mamdamen-
tos do samto euamgelho cmteyramente forom guardados. Sayba uossa
A, z, r, 2 merçee que o estado millitar nom he por outra cousa * tamto louuado
amtre os christaãos, como por guerrearem os jmfiees, ca nom he neçessa- 25
rio nem ha hi mamdamento de nosso Senhor Deos que façamos guerra a
nehuijs christaãos, amte nos emcomemda que nos amemos huús aos outros
como jrmãaos que deuemos seer em elle que he nosso Senhor, segumdo
he escprito per sam Paulo em mujtos lugares de suas epistoUas. Bem he
uerdade que todo o rrey deue guardar seu pouoo, assy como cousa que 3^
lhe he emcomemdada per nosso Senhor Deos. e assy como pastor deue
de guardar suas ouelhas, nom tam soomente dos jmfiees, mas ajmda dos
christaãos, quamdo per alguúa maneyra de soberba lhe quiserem empecer,
ca mall auemturado he ho rrey em cujo tempo os seus senhorios rreçe-
bem queeda. Mas esto porem deue cada huú de fazer com tamanha 35
emgiminaçom e madureza de comsselho, que amte que nehuúa cousa
comece, proueia e saiba se ha justiça e dereito em aquella cousa que
8. vosso senhorio I. — i3. Jhú xpõ A. — i5. veemdo A, vencendo I. — 32. ajnda A.
37. haa A.
-37-
per semelhamte maneira quer começar, ca nom deue seer a sua emteem-
çom fazer ajumtamentos de gemtes por se delectar de amdar sobellos
campos empeeçemdo a seus uizinhos, soomente deuem de guardar sua
terra pella guisa que lhes he * emcomemdado. e tamto que teuerem sua a, 2, v, r
j terra bem rrepayrada, deuem de leixar as armas e buscar a paz per
quamtas maneyras poderem, como fazia o samto profeta Mouses, e outros
alguús boõs duques guiadores do pouoo de Deos. mas os jmfiees
per nenhuúa guisa deuemos comssemtir, em quamto pertinaçiamente
quiserem aturar em sua peruersa teemçom. E o boom emperador Jus-
10 tiniano que com tam.to trabalho fumdou as primeiras lex, e todollos jure
comsulltos hordinadores do dereito çiuell, mujtas vezes nos amoestam e
mamdam que arrimquemos de nos com toda nossa força esta maa e da-
nada seita dos jmfiees. Ca sse o assy as sagradas lex jumtamente com
os degredos dos samtos padres nom teuessem, quem daria ousio ao
i5 nosso summo pomtifice uigairo geerall sobre toda a uniuerssall jgreia,
cujo poderio creemos e comfessamos per autoridade do samto euamgelho,
que he tam abastamte que pode legar e assoluer nossas almas assy e per
aquella guisa que o teue primeiramente o apostollo sam Pedro, que nos
desse assoluiçam perpetua quamdo dereitamente morrêssemos guerreamdo
20 aos jmfiees. Ora senhor disserom elles, nom auemos por que acreçem-
tar mais soma de paliauras, abasta que nos que aqui somos presemtes
per autoridade da samta * escpritura, assy como homeés que ssem nosso A, 2, v, 3
merecimento teemos graao na sacra theollesia, determinamos que uossa
merçee pode mouer guerra comtra quaaesquer jmfiees ass}* mouros
25 como gemtios, ou quaaesquer outros que per aiguú modo negarem
alguú dos artijgos da samta ffe catholica, per cujo trabalho mereçerees
gramde gallardom do nosso Senhor Deos pêra a uossa alma. E aalem
desto nom ouçaaes cousa que uos açerqua dello seia dito. nem ajmda
que uos pareçam uisoões em semelhamça de cousas diuinaaes nom lhe
3o dees ffe. ca emtemdee uerdadeyramente que he ho espiritu malligno que
uem pêra uos tirar de uosso boom e samto propósito.
i5. pomtifico A, pontífice I — igreia A. — 22. come A, como I. — 25. alguum A.
38 —
Como elRey moueo outras diiuidas que tijnha pêra filhar aquella
cidade. Capitullo xij.
T
\ODAS estas rrazoões forom alli allegadas em presemça delRey e outras
mujtas de que nom curamos fazer expressa meemçom, assy per os
Iftantes e comde seus filhos, como per os outros do comsselho. 5
Empero elRey nom quis logo assy de presemte rrespomder nehuúa cousa,
amte mamdou que lhe posessem assy todo em escprito pêra o elie
railhor poder ueer e emgeminar com alguú assessego e rrepouso,
e que depois tornaria a ello sua rreposta, como emtemdesse que era
A, 3, r, I rrazom. e assy* lhe ficou aquelle escprito, o quall elle proueeo exami- lo
namdo cada huúa cousa em sua sustamçia. Empero teem mujtos e
eu que esto escpreuj com elles, que a necessidade nom era tamanha
per que elRey assy ouuesse de rretardar aquella rreposta. mas que o
fez por teer aazo de guardar mujto milhor seu segredo, por que de trimta
e huúa uirtudes que ao primçipe som apropiadas, mujto lhe comuem que i5
seia cautelloso, segundo escpreue samto Agustinho no liuro da cidade de
Deos, louuamdo mujto em os Romaãos o seguimento desta uirtude. Nom
tardou mujto elRey em proueer seu escprito, como aquelle cujo coraçom
amdaua mujto açerqua da obra, se elle nom teuesse comtrayros que o
rrazoadamente podessem empachar, e sobre todo a aficaçia de seus 20
filhos, os quaaes traziam assy tall uiueza em aquelle rrequerimento, que
numca o leixauom auer nehuú rrepouso em quamto eram açerqua
delle. E huíj dia os mandou chamar todos quatro e fallou com elles
em esta guisa. Pode seer que cuydarees que me le3'xo rrepousar na
hordenamça do que me teemdes fallado com mimgua de uoomtade. a 25
quall cousa certamente he mujto pollo comtrayro. ca posto que eu em
esta hidade seia, nom daria nuamtagem a nehuú de uos de cubijçar a
A, 3, r, 2 hora em * que sse este feito podesse acabar. Mas porque ui outros muy
gramdes feitos e esprimentey seus gramdes carregos, conheço como som
caros dacabar, a quall cousa ajmda a uos outros he escura de conhecer. 3o
Disse outro dia como amte de dar nehuúa rreposta em este feito, queria
saber se era seruiço de Deos, porque sobre esto deuemos fazer nosso
alliçeçe quamto aa primeyra emtemçom. E quamto aa segumda deue-
mos de saber se o podemos fazer ou nom. ca mujtas cousas som boas e
deseiadas em alguúas uoomtades dos homeés, e falleçelhe porem o pode- 35
rio pêra as poderem acabar. Porem ja ssey que esto emteiramente he
10. assi. — 23. huum A. — 36. ia A.
-39-
scruiço de Deos. e quamto he do que perteeçe a elle que o deuo de
fazer. Mas he agora de ueer, quamto eu som poderoso pêra o fazer,
sobre a quall comsijraçom eu achey mujtas e gramdes duuydas, das
quaaes primçipallmente direy çimquo, que nom tam soomente todas jum-
5 tas, mas cada huúa per ssy he abastamte pêra empachar a fim daqueste
feito, e querouos dizer quaaes som, por que possaaes conhecer a força
da sua uallia. E primeiramente comsijro como pêra semelhamte feito se
rrequerem muy gramdes despesas, pêra as quaaes hey mester mujto
dinheiro, o quall eu nom tenho, nem sey pollo presemte * domde o aja A, 3, v, 2
10 nem como. ca posto que o quisesse auer do pouoo lamçamdolhe alguús
pedidos, acho que sse o fezer, que sse me seguem deilo duas perdas, a
primeyra escamdallo do pouoo, e a segumda rrompimento do segredo.
E segumdariamente comsijro como a cidade de Cepta he tam alomgada
de nos, pêra cujo combate nom soomente auemos mester as gemtes deste
i5 rregno. mas ajmda outras de fora se sse offereçerem pêra nossa ajuda, e
estas gemtes ham de leuar armas e fardagees e outras bitualhas que lhe
som necessárias, e nos auemos mester artelharias de mujtas maneyras e
mantijmentos em gramde abastamça, porque nom sabemos camanho
tempo estaremos sobre aquella cidade. Ora pêra todas estas cousas
20 seerem passadas aalem, he necessária huiãa muy gramde frota de mujtos
nauios e gramdes, afora os pequenos de que nom faço gramde comta.
os quaaes nom ha em meus rregnos, nem posso achar caminho como os
de fora possa auer nem per que guisa. E a terçeyra cousa acho que he
a abastamça da gemte que nom tenho, porque como ja disse, nom tam
25 soomente aquella que tenho* mas outra mujta mais me seria necessária se A, 4, r, i
a rrazoadamente podesse auer. e eu nom tenho a de fora nem espe-
ramça como a aja primçipallmente pollo falliçimento do dinheiro que
semto em meu rregno. e sobre todo porque o nom posso auer de meu
pouoo poUos empachos que uos ja disse, e assy que com as minhas
3o gemtes me comuem soomente fazer todo meu feito. Mas que será por-
que eu tenho gramde duuida e pouca seguramça no rregno de Castella.
ca pode seer que semtimdo como som fora de minha terra, podersseam
mouer comtra meu senhorio, a quall cousa será muy maa ao diamte de
rrepayrar. porque achariam toda a terra despercebida, e sem nehuúa
35 comtradiçom obrariam todo o que quisessem. E assy que por a segu-
ramça desto comuijnha que eu leixasse minhas fromtarias ao menos
acompanhadas dalguúa gemte. e se as quiser leixar, nom teerey abas-
tamça pêra o que doutra parte ey mester. Ca a cidade de Cepta he
4. direi I, tirey A. — 16. bitualhas 1, bitalhas A.
— 40 —
mu}' gramde e muy forte, pêra cujo combate e cerco ha mester mujtas
mane3'ras de gemte. da quall se homem perfeitamente nom for perçe-
A, 4i r, 1 bido, nom será outra cousa senom começar feito de cujo * doesto fique
memoria pêra todo sempre. E a quarta duuyda que tenho he comsij-
ramdo que posto que me Deos desse a uitoria que em elle comfio, o 5
filhamento desta cidade me pode fazer mayor dano, do que proueito
por quamto o rregno de Graada fica mujto mais aazado pêra sse poder
comquistar. ora que proueito tenho eu daquelie rregno seer posto em
sogeiçam dos Castellaãos, amte me he conhecida perda, por quamto som
bem certo que a mym e a meus naturaaes teueram e teem muy gramde lo
ódio. quanto mais ajmda agora em cujo tempo a memoria do seu uem-
çimento esta tam rrezemte. e assy que o filhamento da cidade de Cepta
pode seer aazo per que sse cobre e aja o rregno de Graada, da quall cousa
eu per rrazom deuo estar em mayor esperamça de perda que de pro-
ueito, por quamto ho acreçemtamento do seu senhorio fará menos fortel- i5
leza aos meus pêra sua deftemssom, e a elles maior esforço e poder pêra
uimgarem seus danos passados. E a quimta cousa me parece que he
mujto pêra duuydar por todo sages ou descreto amte que comece a cousa,
deue descoldrinhar ataa homde chega seu emcarrego, assy como aquelle
que de todo se deue proueer e auisar, quanto mais nos feitos gramdes e 20
A, 4, r, 2 pesados * de que homem nom deue tam soomente comsijrar as cousas pre-
semtes mas as que ham de uijnr, nem ajmda temer e rreçear os casos
duuidosos que cumunallmente aqueeçem, mas dos que podem aqueeçer.
Ora seemdo assy que Deos nos queira fazer tamto bem que cobremos
esta cidade a nosso poder, que nome ou que homrra nos uem sse ao 25
diamte nom podermos manteer ou deffemder. nos certamente teeriamos
duas duuidas muy gramdes sobre este pomto. A primeyra que nosso
trabalho nom seeria mais senam como huú paao que homem lamça de
sua maão, o quall soomente aproueita em quamto mata ou derriba, por-
que ao depois fica em duuida de sse poder cobrar. E nos se esta cidade 3o
cobramos se a nom podermos mamteer e defiemder, nom nos fica nehuúa
cousa de que nos rrazoadamente possamos louuar. ca posto que mate-
mos no seu filhamento gramde multidom de mouros, esto nom pode seer
sem nosso dampno e perijgo. Quamdo ueemos que huúa alimária per
seu bestiall semtir trabalha de sse emparar e deffemder de quallquer 35
cousa per que espera fazer sua fim, ca esto lhe he dado naturallmentc
A, 4, r, 1 des do começo de sua criaçom .s. que* busque mantijmento e morada
6. do que I, ca por A.- — 8. de aquelle A. — 19. desculdrinhar A — chegua A. —
23. duuidosos I, diuidos A. — 36. lhes A. — 37. busquem A.
— 41 —
e ajumtamento pêra fazer jeeraçom e detíemssom pêra ssy e seus fillios.
E pêra esto forom prouijdas cada huOa cin seu graao de marauilhosas
maneiras e detfemssoões per aquelle que criou a natureza, porque a
huúas foy posta fortelleza em seus braços, assy como aos hussos e outras
5 semelhamtes. e aos lioões poderio nos demtes e nas hunhas. e a outras
deu fortelleza nos cornos, assy como aos touros e bois. e a outras deu
estremada ligeiriçe, assy como a toda ueaçom e lebres que sse criam nos
campos, a outras deu emtemdimento e emgenho que fezessem suas mo-
radas nas cauernas dos montes e nas comcauidades da terra, em cuja
IO profumdeza podessem teer sua deftesa. Mas por certo mais graada e
mais iiberall foi a natureza ao homem damdolhe caminho e maneira como
podesse aalem do naturall. per sua jmdustria e saber, buscar desuairadas
maneiras dartcfiçios pêra sua deffcmssom, emcaminhamdolhe primeira-
mente como fezessem ajumtamentos era certos lugares, e desy que os cercas-
li sem de muros e de torres gramdes e fortes, e que fezessem espadas e lam-
ças fachas dardos com todallas outras cousas que ueedes per que sse os
homeés defemdem. pois emtemdees que os homeés que tall * emgenho A, 4, v 2
teem ajmda que todo nom seia perfecto, que quamdo matarem delles alguús,
que mataram delles aos outros. Certamente nom he de presumir o com-
20 trairo. ca sse esto assy nom fosse toda sua uitoria seria de baixo uailor.
mas quamto a fortelleza dos uemçidos he mayor, tamto a gloria dos uem-
çedores fica mayor e mais exçellemte. Pois que nos queiramos gloriar
na gramdeza e uailor do esbulho da cidade, esto he assaz de pequena
uitoria, porque por muy gramde que a rriqueza seia, nunca poderá seer
25 jguall aa gramdeza da nossa despesa, nem ha nenhuij que per sua uo-
omtade queira empregar seu dinheiro em semelhamte mercadoria. Pois
a homrra que deuia seer o primçipall preço e gallardom de nossos gram-
des trabalhos, camanha pode seer quamdo nos ajmda nom seremos bem
descamssados em nossas casas, quamdo ja ouuiremos as nouas per meyo
3o das nossas rruas, de como os mouros ja estam em sua cidade buscamdo
nouas maneyras de fortelleza aalem da que damte auiam, porque ja
mais outra uez per semelhamte modo ligeiramente nom possam seer em-
trados. Ca certo he que os aqueeçimcntos da perda trazem nouos auisa-
mentos, se he em lugar a cousa que pêra auiso possa rreçeber * emmemda. A, 5, r, i
35 E quamto a perda he mayor, tamto os auisos per seu aazo som buscados
per mais proueitosa sotilleza, de que sse nos seguira a segumda duuyda.
E esto he que os mouros que esteucrem em aquella cidade, rresistaram
I. ajuntamento A. — 3. dcflenssoões A. — 6. assi A. — 8. outros A. — 17. defendem
A. — 19. contrairo A.
— 42 —
nas tauoas de seus coraçoÕes a nembramça daquelle dampno e jmiuria,
por cuja uimgamça carregaram suas fustas e nauios da Iroll de sua man-
cebia, e uijram aos nossos do rregno do Algarue que jaram dessegurados
em suas quimtaãs a rrouballos das uidas e dos aueres. E sobre todo
perderemos esperamça de ja mais nehuúas nossas mercadorias pode- 5
rem sem gram temor passar em nehuús nauios pêra nehuú porto nem
cidade que aja no mar medeoterrano, polia diuisa que mujtas vezes per
necessidade uaam fazer em aquella parte, e que ajmda quiséssemos
poer caso nem certo que esta diuisa se poderia escusar, elles teeriam as
taraçenas de sua cidade cheas de fustas e de nauios soomente afim dem- 10
peeçer a nossos naturaaes. Pois a semtemça quall seria sobre as cabeças
daquelles que assj' tomassem, nom he a mym necessário que uolla aja
de declarar. Ora ueede que nos aproueitam tamtas e tam gramdes des-
A, 5,r, 2 pesas com tamanha força de trabalho e cuydado com * esperamça de tam
pequena uitoria. ca a força primçipall da homrra esta na mamteemça da i.s
cidade, a quall eu nom uejo caminho nem maneira como sse per nos lom-
gamente possa mamteer nem gouernar. Certamente eu diria que seria
mujto milhor poermos em esqueeçimento o mouimento deste feito, que
de o aballarmos nem seguirmos, pois esta soo cousa he abastamte, afora
as outras quatro que som taaes como ouuistes, pêra nos empachar todo 20
nosso propósito, e sse per uemtura alguú de uos emtemder que estas
duuydas nom som justas nem rrazoadas, mostreme o comtrayro, e eu lho '
conheçerey segumdo for dereito e rrezam.
Como os Iffamtes f aliaram amtre ssy açerqua daquellas duiddas e
da rreposta que trouuerom a elRey. Capitullo xiij. 25
Q"
TJEM poderia declarar per escprito quanto aquellas pallauras del-
Rey eram comtra o que os Iftamtes deseiauam, polias quaaes foy
amtre elles huij silemçio, como se lhe fossem dadas outras
alguúas nouas per que lhe certificassem alguúa perda que per rrezom
deuesse delles seer mujto semtida. E por dizer uerdade, quamto aaquella 3o
sazora nom podia no mumdo seer cousa que elles mais semtissem que o
A, 5, V, 1 failiçimento * daquelle feito, empero porque o caso nom ficaua ajmda
todo determinado per negaçom, tomaram ja quamto quer de comforto,
emtemdemdo de proueer sobre os comtrairos que perteeçiam aaquellas
rrezoões. Pareçeme diz aquelle que escpreueo esta estoria, que ueio os 3.s
1 1. semtença A. — 33. quanto A.
-43-
emtemdimentos destes gramdes primçipes amdar per as uagas assy como
a naao quamdo amda no alto mar, homde com fortuna de tempo com-
trayro perde o conhecimento de sua dereita uiagem, cujos rregedores som
amtre ssy em muy gramde desacordo, porque cada huú em semelliamte
i tempo por mujto sabedor que seia, numca emteiramente comfia de seu
saber, e mujto menos do conhecimento de nehuQ outro, porque quamdo
as uoomtades som postas em alguú gramde temor, nom ha lii parte tam
segura que lhe nom pareça duuidosa, quamto mais homde os homces tem
alguúa esperamça de gramde homrra ou proueito quaaesquer comtrairos
10 que lhe sobreuenham primçipallmente sam delles mujto semtidos. Bem
assy segumdo juizo destes senhores estimado poUo trigoso deseio de suas
uoomtades, nom lhe parecia que seu padre husaua na determinaçom
daquelle feito, como quem deseiaua de o ueer * acabado. Porem acreçem- A, 5, v, 2
tauam em suas oraçoóes, pidimdo aas uirtudes do çeeo que lhes apresem-
i5 tasse a ora em que sse aquelle feito auia dacabar. Ora leixemos seus
pemssamentos desuayrados, e concludamos na çertidom de sua rreposta.
Homde auees de saber que elles tomarom a ssy a força daquellas rrezoões
com todas suas circumstamçias e particullaridades, sobre as quaaes fallaram
amtre ssy per tamtas uezes ataa que finallmente tornarom com a rre-
20 posta a elRey seu padre. Senhor disserem elles, comsijramdo nos sobre
todo o que nos uossa merçee tem dito, achamos que aa mayor parte de
uossas duuidas teemdes muy sofiçicmtes comtrayros per os quaaes podees
todauia determinar uossa hida, ca nom ha hi empacho que uos torue
com tamto que a uossa uoomtade seia boa. Dissestes primeiramente que
25 pêra tamanho feito era necessário abastamça de dinheiro, o quall uos nom
teemdes nem podees auer. a esto senhor se podem achar mujtos rreme-
dios, assy como per prouijmento de metall daquella sorte de que sse o dito
dinheiro deua fazer, que sse pode auer per escaymbo de mercadorias,
fallamdo uossa merçee com os mercadores de uosso rregno * per cujo A, 6, r, i
3o trauto se esto mais ligeiramente pode emcaminhar. Doutra guisa se
podem ajmda auer os ditos dinheyros. e esto he fazersse boom prouij-
mento em uossas rremdas, abatemdo em alguiias despesas menos necessá-
rias, e proueer aas outras que forem mester pêra uossa hida. e ajmda
cada huúa das pessoas primçipaaes do rregno podem de suas rremdas
35 fazer muy gramde parte de seus corregimentos. E assy como uossa
merçee emtemdia de buscar dinheiro pêra as despesas das festas que
tinhees uoomtade de hordenar pêra nos fazerdes caualleiros, assy pode-
rees buscar pêra este feito em que ha mujtas e luayores auamtageés do
8. honde A. — i3. daquell A. — 18. circustancias A. — 27. assi A. — Sy. uomtade A.
— 44 —
que sse no outro poderiam auer. E ajmda senhor comsijre uossa mer-
ece quaratas uezes começastes em uossos trabalhos passados mujtos e
gramdes feitos, em cuios começos nom tinhees abastamça de dinheiro com
que tam soomente podessees cheguar aa meetade do feito, e prouue a
nosso Senhor Deos de uos proueer pêra todo mujto milhor do que uos 5
poderees pemsar. assy prazerá a elle por sua merçee de uos ajudar
em este feito, que nom he menos de seu seruiço do que os outros
A, 6, r, 2 eram. E ajmda senhor este he huú arripiamento que nenhuú * prim-
çipe numca deue de tomar, porque numca homem pode teer tamanha
abastamça de dinheiro, que lhe nom pareça que he pouco, nem as rrem- 'o
das do rregno numca podem seer tam certas que homem nom pareça
que som mujto aaquem do necessário. E quamto he senhor aos nauios
que dizees que nom teerees em abastamça, jsto senhor he a mais pequena
torua que uos neste feito podees auer. e jsto he por quamto uos pode-
rees emuiar uossos rrecados per toda a costa de Galliza e de Bizcaya, '5
e assy a Imgraterra e a Alemanha, e a outras partes domde uos podem
uijnr nauios em gramde abastamça, de cuja uijmda homem deue tomar
pequeno rreçeo, comsijramdo com quamta diligemçia elles ueem ao frete
do sall e dos azeites e ninhos, quamdo quer que pêra ello som rrequeridos.
E sobre todo poderees amtre tamto rrepayrar uossas gallees e fazer 20
outras de nouo, e auisar os nauios que ha em uossos rregnos, que seiam
prestes pêra aquelle tempo que uossa merçee hordenar de partir. E ajmda '
sse segue huú muy gramde proueito porque por aazo do chamamento
destes nauios que assy mamdarees auisar pêra seu frete, correra a fama de
uossa armada aa quall mujtos boõs homeés estramgeiros uijnram pêra ^5
■A,6, V, 1 uos seruir * deseiamdo fazer de suas homrras. E quamto he aa terceira
cousa em que mostraaes que temdes rreçeo da mimgua que uos a gemte
pode fazer, espiçiallmente polia pequena seguramça que teemdes do
rregno de Castella, por cuja rrezam uos he necessário leixar as fromtarias
de uossa terra acompanhadas dalguúas gemtes, polia quall nom teerees 3o
comprimento segumdo o que uos he necessário pêra tamanho feito, e
esto senhor com a graça de Deos nora he pêra rreçear nem temer, ca em
uosso rregno ha mujta e muy boa gemte e bem desposta pêra quallquer
trabalho que a uosso seruiço e homrra seia necessário. E posto que assy
fosse que de necessidade uos corauiesse de leixar uossas fromtarias rre- ->5
payradas, ajmda hi aueria gemte pêra sse todo rremediar, quamto mais
que com a graça de Deos nom ha hi rrezam por que sse espere seme-
6. pensar A. — 8. arripiamento] arrependimento I. — 14. neeste A. — 22. aquell A.
— 29. frontarjiis A.
-45-
Ihamte duuida. E esto por duas cousas, a primeyra polia firmeza das
pazes que som amtre uos e elles, nas quaaes ha tamta força de juramen-
to, que nom tam soomente amtre os christaãos, mas ajmda amtre os
jmfiees seria feo de sse quebrar, e a segumda por quamto o Itfamte
5 Dom Fernamdo que he a primçipal! pessoa do rregno, per cujo aazo
se tall feito deuia mouer, he assy ocupado* em seus negócios, que A. 6, r, :
nom he de creer que leixe a certa esperamça que tem dauer o rregno
dAragom, por se tremeter de semelhamte nouidade, a quall ajmda ficaria
em duuyda se lhe dariam os do rregno comssemtimento a ella ou nom.
IO e sobre todo seemdo la a senhora rrainha nossa tia a que nom prazeria
de semelhamte feito. Porem deuees teer seguramça pêra começardes
uossos feitos sem rreçeo nem empacho que uos daquelle rregno possa
uijnr. nem he bem que semelhamte duuida uaa fora de nosso segredo,
porque os boós daquelle rregno teeriam rrezom pêra rreçeber dello
n escamdallo polia pouca ffe que sse mostraria açerqua de suas uerdades.
Ataa aqui chegaram estas pallauras segumdo achamos per uerdadeyro
acordo daquelles senhores que hi estauam. e nom emtemdaaes que por
semelhamte pallaura se deua emtemder que hi estaua outrem sse nom
elRey e seus filhos, mas eu digo que o ouue per seu acordo, por quamto
20 teemdo o lôamte Dom Pedro carrego do rregimento destes rregnos, me
comtou gram parte deste feito com emtemçom de o assemtar logo de
todo em crónica segumdo dello fiz alguíj começo. Depois me comtou
assy o senhor Iftamte Dom Hamrrique duque de Viseu e senhor * de Coui- A, 7, r,
ihaã, em cuja casa estiue alguús dias per mamdado do senhor Key. o
25 quall dos ditos feitos auia mais certa nembramça que nehuiãa outra pessoa
do rregno quamto aa sustamçia das primçipaaes cousas em que estaa a
força da estoria, e esto era por duas cousas, a primeira e primçipall por
quamto elle do uemtre de sua madre trouxe comssigo abraçada a seme-
Ihamça da cruz de nosso Senhor Jesu Christo, por cujo amor e rreue-
3o remça sempre teue muy gramde deseio de guerrear aos jmfiees, no
quall uiueo e aturou toda sua uida como ao diamte será comtado. E
esta declaraçom fiz aqui porque ueio em mujtas crónicas escpritas per
muy sofficiemtes autores naçer muy gramdes duuidas por falleçimento de
muy pequena declaraçom. E tornamdo a meu primeiro propósito digo
35 que sobre a quarta rrezom, em que elRey dizia que filhamdo a cidade
de Cepta daria aazo ao rregno de Castella como filhaste o rregno de
Graada, sobre esto se fallou alguú pouco primçipallmente poUo Iffamtc
Dom Hamrrique. E assy esta quarta duuida como a quimta ficaram por
3. antre (1.») A. — 16. Ataa qui A. — 21». Jhú xpõ A.
-46-
aquella vez sem determinaçom. e esto foy por quamto elRej' per sua
uoomtade se apartou damtre seus filhos mostramdo que por emtom nora
•A, 7, r, >. * queria mais ouuir daqueilas rrezoões.
Em como elRey mamdoii chamar o Iffamte Dom Hamvriqiie, e
das rreioóes que lhe disse, e como determinou de hir tomar a cidade. 5
Capitidlo xiiij.
licAROM assy aquellas duas comclusoões pêra determinar nem porque
a rreposta falleçesse aos Iffamtes pêra ellas, soomente per uoom-
tade delRey como em cima he declarado. Mas nom passarom muj-
tos dias quamdo elRey mamdou chamar o Iffamte Dom Hamrrique seu lo
filho, e apartousse com elle dizemdo. Porque te ui outro dia fallar
mais que nehuú de teus jrmaãos acerca do feito de Graada, quero que
me digas agora emteyramente o que te parece. Senhor disse o Iffamte,
todo o que eu emtom falley he a milhor parte do que sobrello emterado.
nem era cousa que per minha determinaçom soo emtemdesse que sse i5
aula dacabar, mas eu fallaua como quem tijnha taaes três ajudas acerca
de ssy como eram meus jrmaãos. Mas agora que eu em minha parte
soomente aja de dar emteira rreposta, pareçeme que me deue abastar
minha pouca hidade e o pequeno conhecimento que tenho de semelham-
tes feitos pêra minha escusa, e sobre todo a pequena deliberaçom que 20
A, 7, V, I sobre ello tenho posta, empero por que ey de comprir uossos * mandados
como de meu senhor e padre, assy como o milhor poder emtemder, direy
o que me parece. Senhor disse elle, eu acho que todallas cousas que
fazemos em este mumdo se rresolluem em três pomtos primçipallmente
.s. no passado e no presemte e no uimdoiro. E quamto he ao passado, 25
eu comsijro como ao tempo que Deos por sua graça quis que uos ouues-
sees nome de rre}% como nom tinhees outra cousa senam huija muy
pequena parte em esta cidade, ca o castello era comtra uos, e o castello
dAlmadaã e de Simtra e de Torres Vedras e dObidos e de Samtarem,, e
assy quasi polia mayor parte todollos outros do rregno. e quis Deos 3o
por sua merçee emcaminhar uossos feitos per tall guisa, que sem gramde
uosso danno uieram todos aa uossa obediemçia e sogeiçom. Pois nom
menos deuuets esperar agora, que posto que aquelle rregno de Graada
fosse de todo liuremente em poderio delRey de Castella, que ajmda uos
ficaria poder com sua ajuda de lhe poderdes comtrariar quallquer danno 35
2. — uõtade A. — 7. assi A. — 22. assi A. — 24. resoluem I, reuollucm A. — 34. delRej A.
— Al —
ou oífemsa que uos nouamente quizessem fazer, ca mais ligeira cousa
uos seria de o fazerdes agora, que naquelle primeiro começo, * por mujtas A. 7, v, 2
rrezoões que pollo presemte nom som necessárias de uos seerem declara-
das pollo gramde conhecimento que delias auees. E quamto he ao pre-
5 semie comsijro o seruiço de Deos e uossa gramde ffe e cristijmdade. e
a rrezam que nam comssentem que uos ouuessees de neguar guerra
comtra os jmtiees, por se delia seguir alguúa ajuda e fauor a elRey de
Castella em acreçemtamento da nossa ffe, por mujto uosso jmijgo que
fosse, porque os jmfiees per natureza uos querem mall e elle por açi-
10 demte. E quamto he ao que ha de uijnr, eu tenho esto assy que o filha-
mento daquella cidade nom pode seer aazo per nehuija maneira per que
a amizade e paz que ora nouamente filhastes com aquelle rregno se aja
por eilo de gastar nem destroir, amte o semto pollo comtrairo, porque
elles conhecerem polia gramdeza deste feito a ardideza e boa despo-
i5 siçom de uossos naturaaes. e jsso meesmo a marauilhosa fortelleza
com que obrastes tamanho feito, e conheceram outrossy como o
filhamento daquella cidade será gramde aazo pêra melhoramento da
sua comquista. E quamdo de todo em todo em elles falleçesse tall
conhecimento, ajmda sua maa uoomtade nom tijnha * pêra ello per- A, s, 1-, i
20 feito comprimento denxucuçom, assy pella comquista nora seer tani
ligeira dacabar, como depois de seu acabamento, nom sse lhe seguir
menos cuidado de a comseruar e manteer. E sobre todo nosso Senhor
Deos que he perfeiçom de todallas cousas, semtimdo a uossa boa uoom-
tade e desposiçom será sempre polia uossa parte, homde dereitamente
25 poderees dizer com ho samto propheta. Pois que o Senhor he na minha
a)uda, nom temerey cousa que me faça o homem. E per esta guisa
acabou o Iffamte Dom Hamrrique sua rreposta, da quall elRey seu padre
foy mujto ledo. e assy com a boca chea de rriso lamçou os braços em
elle, e lhe deu a sua beemçom. Ora disse meu filho, eu nom quero mais
3o rreposta pêra a derradeira comclusom, por quamto eu meesmo a tenho
comsijrada. e esto he que eu acho que nehuúa virtude nom pode seer
em perfeiçom sem alguú exercício. E assy todollos offiçios cada huú
em sua guisa, primçipallmente dos caualleiros em que sse rrequere for-
telleza, o que se os fidallgos e outros boõs homeés deste rregno nom
35 acharem em quem exercitar suas forças, he necessário que de duas cousas
façom huúa. ou trauaram arroidos e comtemdas amtre ssy, * como sse A, 8, r, 2
lee que fezerom os Romaãos depois que teuerom suas guerras acabadas.
3. presente A. — 10. assi A. — 14 fecto A. — 14-15. disposiçom A, desposição 1.
— 20. assi A. — 23. sentimdo A.
-48-
ou faram taaes dannos aos de Castella, per que seia aazo de sse as
pazes quebrarem, a quall cousa eu nom queria per neliuúa guisa. E
porem me parece que ajmda que pêra ali nom aproueitasse o filiiamento
daqueila cidade, pêra esto soomente deuemos dauer por bem despeso
todo nosso trabalho e gasto de dinheiro. E quamto he açerqua do mam- 5
tijmento que pêra sua gouernamça ao diamte perteeçe. este carrego
quero eu lei.xar de todo ao Senhor Deos, que assy como elle he pode-
roso pêra fazer do pouco raujto, e de pequenas cousas mujto gramdes,
assy poderá por sua gramde merçee abrir aazo e caminho, como sse
aquella cidade gouerne e mantenha se for sua uoomtade de a trazer a lo
nosso poder. E porem determino com a sua graça e ajuda de começar
a proseguir este feito ataa o poer em fim, nom me falleçemdo alguúa
daquelias cousas per que rrazoadamente deua seer estoruado. E pois
uos Deos aqui trouxe em ora que eu esto assy ouuesse de determinar,
prazme que uos seiaaes o messegeiro que leuees as nouas a uossos i5
A, S, V, I jrmaãos, e lhe *declarees toda minha emtemçom per a guisa que uollo ja
tenho dito. Bem he uerdade que todos aquelles filhos delRey tijnham
muy gramde deseio de ueer aquelle feito posto em fim, mas nehuúa
daquelias uoomtades nom era jguall da do Iftamte Dom Hamrrique, ca
esto naçera com elle como ja disse. E porem assy como homem a que 20
mujto prazia daquelias nouas asseemtou os jeolhos em terra e be3áou as
maãos a seu padre dizemdo que lho tijnha em gramde merçee.
Como o Iffamte Dom Hamrrique letioii as nouas a seus jrmaãos e
do gramde prazer que ouueram. Capitullo xv.
J
A O Iffamte Dom Hamrrique sabia com quall uoomtade auia de seer 25
rreçebido de seus jrmaãos, quamdo lhe leuasse as nouas daquelle
feito, e porem com gramde trigamça e prazer sse foi a elles com-
tamdolhe toda a uoomtade de seu padre segurado que passara com elle.
De cujas nouas e rrecado os Iffamtes e comde ouueram tam gramde
prazer como sse nom poderia dizer cousa que os mais allegrasse. e 3o
porem cauallgarom logo todos cada huíi de sua casa, e foromsse ao
A, 8, V, 2 paaço delRey pêra lhe * mostrarem agradecimento de tamanha merçee
beyjamdolhe as maãos por ello, como aquelles que bem mostrauom que
ataa aquelle tempo numca uiram prazer semelhamte. Nem elRey demtro
em sua uoomtade nom semtia pequena lediçe ueemdo as uoomtades de 35
8. grandes A. — 14. assi A. — 18. niuj A. — 20. assi A — come A. — 25. sabia] que
sabia D. — 29. tam] om D. — 33. ata aquelle B, ataa quelle A.
— 49 —
seus filhos ass}' despostas pêra as cousas da homrra, polias quaaes conhe-
cia todo o comprimento de suas uirtudes. Bem he uerdade que em
todallas outras manhas que a gramdes homeês perteeçia, * conhecia elle B, 23, r, 2
toda sua desposiçam. ca os via bem despostos a caualo e a pee. gran-
5 des monteiros e caçadores, e ligeiros pêra correr e saltar, e lança-
dores de barra e rremessam. e desenuoltos nas armas pêra justar, e
assy pêra quaaesquer outros autos que a caualaria pertencessem. Nam
porem que diga que todos igualmente auiam estas cousas em perfeiçam.
ante digo que he erro em ello o que he em todalas cousas, que a uir-
To tude que a huú falleçe em acabado comprimento he achada no outro.
E assy em estes senhores, posto que em todos ouuesse boõa deligençia
pêra experementar todallas cousas que a elles pertenciam, alguúas daquel-
las cousas eram compridamente em hum que nam eram em outro, e
naquelle que alguija cousa falecia acreçentauasse em elle outra, nam
i5 porem que a nenhum delles falleçesse desposiçam boa pêra todo fazer.
E deuees de saber que em cada huua ciência ou uirtude sam achados
quatro graaos ou quatro deferenças. per os quaaes o entendimento sobe
e deçe assy como per huúa escada pêra entender declaradamente* as B, 2J,v, i
definições das cousas. E quanto aa uirtude temos quatro grãos per
20 esta guisa .ss. bom. milhor. muito milhor. perfeito, assy como dizemos
que ha hy temperança, continência, perseuerança. e o quarto modo destes
se chama uirtude eroyca sobre a qual nam ha hy outra mayor. e poseram-
Ihe tal nome porque os Gregos chamam aos seus príncipes erooes. e
porem dizem que a estes conuem esta uirtude principalmente. E assy
25 na çiençia sam achadas quatro deferenças .ss. a primeira que he a mais
baxa se chama singular sustançia. sob a qual nam poderemos achar
algúa outra. A segunda se chama sustançia comum a muitas ciências,
a qual será principio de sua definiçam. se as primeiras sustançias
esto rreçeber podessem. E a terceira se chama sustançia geral, a qual
3o entra essencialmente na definiçam de outras muitas. E a quarta he
chamada muito alta e muito geeral sustançia. que de soo sy com-
prende todallas outras. E esto escreuemos assy porque os exempros
sam azo a cousa seer milhor entendida. E porem eIRey todas estas
boõas desposiçoões e autos de virtudes conhecia em seus filhos, mas
I. pellas A. — 5. ligeiros] add desenuoltos Dl. — 7. assi B — pertencesse B. — 8. em
D, e B. — 9. o que he B, e que he D. — 10. achado B. — 11. assi B. — 12. pertencia B.
— i3. cumpridamente D. — i5. despossiçam B. — 17. quaees B. — 18. assi B. — 20. assi
B. — 21. ha] om R — hy] om D. — 22. hy D, om B. — 24. assi B. — 25. achadas B, cha-
madas D. — 28. difinçam B. — 3o. definçam B. — 3i. sostancia B. — 32. esto D, jsto B
— assi B. — 34. despossiçoões B.
— 5o —
15,2-Sv, 2 nam era ajnda em certa segurança * com que coraçam soportariam os
verdadeiros autos da fortelleza os quaaes principalmente sam nos trabalhos
das guerras mais que em outra nenhuúa cousa, porque alij he presente
muitas vezes perigo da morte, da qual o philosofo disse que era a fim
de todallas cousas terribees e espantosas, e porem he o estado da caual- 5
laria muito mais preçado antre os homeés. da qual cousa elRey via
assjf aquelle começo per que auia grande parte do conhecimento de todo
o que elle deseiaua de veer. Seus filhos passaram assy todas aquellas
rreuerençias e agardeçimentos. e desy forom escorregando tanto por suas
rrezões atee que elRey disse. A mim parece que o principal começo lo
que a mim conuem fazer neste feito assy he. que primeiramente aja
de saber o assentamento daquella cidade, e assy a fortelleza de seus
muros e altura delles. ou como sam acompanhados de torres e de cara-
manchões pêra saber quaaes artelharias me conuem de leuar pêra seer
combatida. Outro sy conuem que saiba as ancorações que tem e com li
quaaes ventos trabalham os nauios mais estando sobre ancora, e se per
uentura as prayas sam assy liures e desempachadas que nossas jentes pos-
B,24,r, 1 sam sair sem grande trabalho ou perigo. *ou que o mar he tam chegado
ao muro que dos nauios mesmos se possa combater. Consirando açerqua
desto quaaes pessoas la posso milhor enuiar. por quanto cumpre que 20
seiam homeés descretos e entendidos, e taaes que possam bem todo
prouer segundo he necessário pêra tal caso. e nam me parece que tenho
outros que o milhor possam fazer que o priol do Esprital e o capitam
Afonso Furtado .ss. o priol pêra deuisar a cidade e o capitam pêra aten-
tar o mar com todallas outras cousas que a ello pertencem. Mas como 25
seja que elles ajam lugar pêra jsto poderem veer e saber, sem seer enten-
dida nem sabida a fim por que elles vam. pêra a qual cousa tenho von-
tade de fingir huúa fermosa dessimulaçam. e jsto he que quero daar
vooz que os enuio com embaxada aa rrainha de Cezilia. a qual ao pre-
sente esta veuua e em ponto pêra casar, a qual cousa eu sey poUo jo
rrequerimento que me ella enuiou fazer que me prouuesse de casar meu
filho o Iftante Duarte com ella. e eu agora mandala ey rrequerer pêra o
lifante Dora Pedro, a qual cousa eu sey bem certo que ella nam ha de
B, 24, r,2 fazer, empero aproueitaraa muito semelhante * cometimento por quanto
2. fortalleza B — quaees B. — 7. assi B. — 8. assi B. — 9. foram B. — 11. asy B. —
12. assi B — fortaleza B. — 14. para B — quãees B. — 17. assi B — -despachadas B. —
17-18. posam B. — 18. prigo B. — 19. considerando B. — 20. disto B — pesoas B. — ^22.
hee B. — 24. diuisar B. — 24-25. atentar] deuisar D — 25. ello] elle D. — 26-27. enten-
dido nem sabido. — 28. dissimulação B. — 29. com embaixada] om D. — 3o. poUo D,
por o B.
— 5i —
meus embaxadores teram azo de hijr e vijr per açerqua daquella cidade
onde poderam deuisar todo o que lhe por mim for mandado. Aos lôan-
tes pareçeo muy bem a consiraçam de seu padre, e porem ficou a elRey
o encarrego de poer todo em obra segundo o tinha consirado.
^ Como elRey mandou chamar o priol do Esprital e o capitam e do B,24,v, i
que lhes disse que auiam de fa\er. Capitullo xvj.
ElRey mandou logo chamar o priol do Esprital e fezlhc saber como
sua vontade era de os enuiar a casa da rrainha de Cezilia com sua
embaxada. empero* que seu principal fundamento e tençam era B,24,v,2
IO que elles deuisassem a cidade de Cepta de todalas cousas que ante dissera,
porem que lhes mandaua que se fezessem logo prestes pêra seguir sua
uiagem. Pêra a qual cousa logo mandou desembargarlhe dinheiros pêra
alguús corregimentos que lhe fossem necessários, e mandou logo correger
e aparelhar duas galles as milhores que estauam em suas taraçenas. as
\5 quaaes foram assy corregidas de todallas cousas como se ouuessem
dandar darmada. e esto era porque aalem da nobreza com que lhe
conuinha de os enuiar segundo seus embaxadores. queria que fossem de
tal guisa apercebidos que nam podessem rreçeber alguú dano dalguús
mouros se os achassem. E mandou ajnda elRey fazer mu}' nobres
20 librees de seu moto e deuisa pêra todos aquelles que nas ditas galles
auiam de hijr. e jsso mesmo apendoar e atoldoar todas aquellas galles e
des começo* ataa fim de panos de suas cores, a quall cousa numca ajmda A, io,v, i
ataa aquelle tempo fora uista em nehuús nauios semelhamtes. e dalli
auamte o começarom de poer em huso ataa ora que sse faz como
25 ueedes. E per este modo forom assy as ditas gallees aparelhadas e cor-
regidas, e os embaxadores despachados per tall guisa que em breue
tempo começarom de seguir sua uiagem. E partimdo de Lixboa com
aquella uoz e fama cheguaram sobre a cidade de Cepta homde lamçaram
suas amcoras, mostrando que queriam dar alguú descamsso a sua gemte.
3o E o priol asseemtado em sua gallee assy como homem muyto sages e
discreto que era, oolhaua muy bem todo o assemtamento da cidade, como
quem sabia a fim por que o fazia. E o capitam doutra parte com
I. hijr B — vir B— acerca B. — 2. deuisar I>, auisar B. — 3. elRey] a elRey B. —
7. ElRei B. — 14. tereçenas B, taraçenas D. — 1 5. quaees B. — 17. emuiar B. — 18. apre-
çebidos B. — 19. ajnda] om D. — 20. dietas B. — 21. todas] om D. — 23. ataa quelle A.
— 25. assi A. — 20. descansso A. — 3o. assi A — come A. — 3 1 . come A.
— 52 —
gramde auiso esguardaua sobre a praya, oolhamdo quall era mais liure
das pedras pêra poderem em ella mais desempachadamente sahir as
gemtes darmas, quamdo uiesse a ora do mester, e depois que foy noute
solidou amdamdo em huú batell muy passamente todallas amcorageés
que eram darredor da cidade, de guisa que polia mayor parte foi de todo 5
em conhecimento. E no outro dia leuamtaram suas amcoras e seguiram.
A, io,v,2 sua uiagem. Desy * cheguaram ao rregno de Cezillia homde era a rrainha,
aa quall logo fezeram saber como alli eram. porem que fosse sua mer-
çee de lhes emuiar mandado da maneira que ouuessem de teer. As
quaaes nouas ouuimdo a rrainha mamdou que sse uiessem logo a sua >o
corte, homde forom assy rreçebidos e agasalhados como comuijnha a
emhaxadores de tamanho príncipe. E leixamdo suas maneiras que cada
huú teem em seu senhorio como lhe praz por guarda de seu estado,
finallmente depois que deram suas saudaçoÕes da parte delRey aa rrainha
e apresemtaram suas cartas de creemça, deram sua embaxada per esta i5
guisa. Muito alta e muito exçellemte senhora rrainha, nosso senhor
elRey Dom Joham de Portugall uos faz saber per nos seus embaxadores,
como nos dias passados uossa alteza emuiou a elle por rrezom do casa-
mento de uossa senhoria com o Iffamte Duarte seu filho, da quall cousa
elle fora mujto comtemte se o feito esteuera em aazo de sse poder aca- 20
bar, e lhe nam fora fallado primeiramente da parte da Iffamte Dona Cate-
rina jrmãa delRey de Castella, por cuja rrezom nom podia começar cousa
alguúa em semelhamte auto, ataa que elle de todo fosse posto em fim de
A, ii,r, I ssi ou de nom, quamto mais ajmda* que aquelle casamento he mujto
proueitoso pêra ambollos rregnos, polia gramde discórdia que sse tam 25
lomgamente amtre elles seguio. a quall posto que a Deos graças agora
seja fijmda per firmeza de pazes que amtre elles som trautadas, que por
aazo deste casamento se firmaram mujto milhor. E que esta foy a
causa primçipall porque uossa embaxada nom ouue outra mais gra-
ciosa rreposta. Empero que elle comsijramdo a desposiçom de uossa 3o
hidade, e como ho Iffamte Dom Pedro seu segurado filho he huú prim-
çipe dotado de mujtas uirtudes, do quall uossa senhoria seria muy bem
casada, que lhe prazeria mujto que o dito casamento se firmasse. Porem
que elle uos rroga e emcomemda que uos esguardees muy bem como o
dito Iffamte he seu filho, e a muy rreall geeraçom de que desçemde assy 35
da sua parte como de sua madre, da quall o dito Iffamte per seu meri-
çimento nom falleçe alguúa cousa, e como lhe será dado tam gramde
7. desi A — rreguno A — honde A. — 11. assi A. — 1 9. co A — Iffante A. — 29 prin-
cipal A — uossa] nossa A.
— 53 —
casamento, como a exçelemçia de seu gramde estado comuem. E que
auido sobre todo uosso boom comsselho, lhe erauiees uossa rreposta com
effecto, creemdo que aalem de seer uossa homrra e proueito, farees
cousa que uos elle mujto gradeçera. Sobre as quaaes pallauras a rrainha
5 disse que elles se fossem por emtom pêra suas pousadas, e que ella
fallaria com seus *comsselheiros, e que lhe daria sobrello sua rreposta. A, ii,r,?.
Todos aquelles gramdes homeés que eram com a rrainha, esguardarom
muy bem como aquelles embaxadores delRey de Portugall eram homeés
de gramde autoridade, e que ass\' por ello como pollo muj' nobre corre-
io gimento que leuauam, rrepresemtauam muy bem a gramdeza daquelle
senhor que os la emuiaua. polia qual cousa poderam muy mall cuydar
a dessimullaçom que jazia em aquelle feito. Desy começaram de trautar
sobre aquella embaxada, da quall a rrainha era muy pouco comtemte,
por quamto lhe parecia que seu estado rreçeberia abatimento, mamdamdo
i5 ella primejTamente trautar casamento com ho Itíamte Duarte que era
herdeiro no rregno, e tornar a casar com ho Ifíamte Dom Pedro que era
sogeito a seu jrmaão por rrezam de sua primeira naçemça. Porem rres-
pomdeo aos embaxadores delRey como ella por emtom nom estaua em
pomto pêra dar rreposta a ssemelhamte feito, por alguús negócios que
20 tijnha em seu rregno, nos quaaes de necessidade emtemdia trautar.
porem que sse tornassem com boa uemtura pêra seu rregno, e lhe sau-
dasssem elRey e a rrainha e toda a nobreza de sua geeraçom que com
elle fosse em sua corte. Os embaxadores como quer que bem mostras-
sem que lhe prouuera de *leuarem outra melhor rreposta, nom curarom A, ii,v, i
25 de rrepricar mais sobre aquella matéria, porque bem sabiam que nom.
era aquella a primçipall cousa de sua primeyra uiagem. E porem espe-
diramsse da rrainha e meteramsse em suas gallees e tornaromsse pêra
Portugall. mas nom lhe esqueeçeo de chegarem outra vez açerqua da
cidade de Cepta fazemdo alguií mais rrepouso que o primeiro, pêra
3o acabarem de todo o que lhe falleçera da primeyra uista. e tall maneira
teueram em todo que lhe nom ficou nehuúa cousa por temtar daquellas
que a elRey prazia de saber. Alguús mouros daquella cidade que
depois do filhamento delia comsijraram sobre a uimda destas gallees, mal
diziam a ssy e a fraqueza de seus emtemdimentos, por que tam tarde
35 conheceram a sagazidade com que sse trautara sua destroiçom. e emtom
se acordauam como uiram o prioll hir com sua gallee ao lomgo da
cidade assy uagarosamente, como quem sse trabalhaua de a esguardar
9. assi A. — 9-10. corrigimento A. — 12. desi A. — 19. semelhante A. — 28. acerca
A. — 3õ. prior A.
-54-
com fememça. e assy chegarom a Lixboa. Empero elRe}' auia dias que
estaua em Simtra e seus filhos com elle afora o comde de Barçellos
que sse tornara pêra sua terra, por quamto elle ja era casado e lhe mam-
A, ii,v, 2 dará seu padre que sse tornasse* pêra sua casa.
Como o prioll e o capitam partiram de Lixboa e da embaxada
que leuauam e das cousas que feierom em sua uiagem. Capi-
tidlo xpij.
P
EQUENA tardamça fezeram as gallees depois que partiram de Cepta
pêra chegar a Lixboa, ca o uemto foy muy prospero e as gallees
uijnham muy bem aparelhadas, de guisa que lhe nom falleçia 'o
nehuúa cousa pêra seguirem breuemente sua uiagem. E quis Deos
assy hordenar que todo aquelle porto de Lixboa estaua muy bem acom-
panhado de mujtas naaos e outros nauios pequenos, que uieram alli des-
carregar suas mercadorias com emtemçom de hirem ao Algarue carregar
de figo pêra leuarem a suas terras, por quamto o tempo da carregaçam '5
era ja açerqua. E as gallees acertaram de trazerem assy sua uiagem
hordenada, que huú domimgo a ora de missas apareceram aa boca da
foz de Lixboa. e como era dia em que os homeês nom eram ocupados
em nehuús trabalhos, começarom de correr pêra a rribeyra como
comuúmente teem por custume quamdo alguú gramde nauio emtra per 20
A, i2,r, 1 aquella foz. E as gallees com a deçemte da maree * fezerom tamanha
detemça per aquelle rrio, que as gemtes teuerom espaço de comer, e
tornarem a oolhar como sse uijnham chegamdo pêra a cidade, e certa-
mente que era gramde prazer assy nos que estauam na terra como nos
que uijnham per o mar, por quamto as gallees uijnham nobremente apem- 25
doadas e toldadas, e cada huúa trazia duas muy rricas trombetas cujo
soom allegraua os coraçoÕes daquelles que as estauam oolhamdo. e
nom era pequeno descamsso aaquelles das gallees, ueemdo os ajumta-
mentos que a gemte da cidade fazia pêra oolharem sua chegada, ca
todas aquellas torres e muros eram cheos de homeês e molheres que sse 3o
chegaram pêra alli por esguardarem a doçura daquella uista. E os mer-
chamtcs estramgeyros eram mujto marauilhados com aquella nouidade
que uiam no corregimento das gallees, o quall certamente era assy fre-
moso e boom, que lhes fazia rrepresemtar muy gramde estado. Certa-
mente diziam aquelles estramgeiros, este rrey de Portugall assy como he 35
16. assi A. — 27. allegrauam A. — 35. assi A.
— 55 —
gramde em todos seus feitos, assy faz gramdiosamente todas suas cousas.
Os outros da cidade mouiam amtre ssy gramdes perfias sofismamdo *cada A, 12, r, 2
huú a fim daquella embaxada. E em esto chegaram as gallees dauamte
a cidade homde ja estauam a mayor parte dos gramdes e boÕs que hi
5 auia pêra acompanharem aquelles embaxadores, assy por seu merecimento
como polia homrra da embaxada que traziam. E assy eram todos cegos
no emtemder, que nom. auia hi alguú que podesse maginar outra cousa,
senom que toda a força daquella embaxada fora soomente pêra trautar
aquelle casamento. O rrepouso que os embaxadores fezerom na cidade
10 foi pequeno, ca logo no dia seguimte fezerom saber a elRey as nouas de
sua chegada, e amtre tamto emcaminharam suas bestas de guisa que
aa quarta feira mujto cedo partiram pêra Simtra, homde os elRey mam-
dou mu}^ bem rreçeber e agasalhar segumdo mereciam taaes pessoas,
quamto mais por uijrera assy nouamente com semelhamte embaxada de
i5 fora do rregno. E por quamto todoilos outros comsselheiros tijnham que
aquelles embaxadores nom foram a outra cousa emulados soomente por
trautar aquelle casamento, teue elRey maneyra de os ouuir logo primey-
ramente peramte elles, homde compridamente disserom todoilos * aqueeçi- A, i2,v, i
mentos de sua uiagem callamdo aquelle priínçipall que sse guardaua pêra
20 outro mayor segredo. E porque a)mda esta dissimullaçom podesse seer
melhor trautada, quamdo elRey ouuio determinadamente a uomtade da
rrainha fez sembramte como que lhe desprazia de aquelle feito nom
uijnr a fim, mas os outros dous lhe rrazoaram sobre os rremedios que
lhe pareciam que eram necessários pêra tornar outra uez a rrepricar no
25 comitimemto daquelle feito. ElRey nom desprezamdo seus rrezoados
mostrou que era muyto milhor leixar assy o feito quedo per alguú
espaço de tempo. Mas nom tardou mujto que o prioU e o capitam
fossem auisados da maneira que auiam de teer quamdo lhe fossem dar
o uerdadeyro rrecado daquella cousa por que os elle emulara, teemdo
3o maneyra como os Iftamtes se chegassem aaquelle tempo pêra a camará
de seu padre sob semelhamça dalguúa outra necessidade que cada huú
figurasse aos seus por milhor emcubrimento daquelle segredo. Jumtos
assy todos, primeyramente pregumtou elRey ao capitam polia rreposta
de seu emcarrego. o quall sem outra sollempnidade de pallauras disse.
i5 Senhor, eu nom trago outra rreposta senam que teemdes muy boa praya,
e muy boa amcoraçam, e que *podees emcaminhar uossos feitos e hir A,i2, v,2
mujto em boa ora quamdo quiserdes, ca a. cidade sem gramde tardamça
5 meriçimento A. — 6. assi A. — 10. fezeram A. — 11. cheguada A. — i<i. callanJo
A. — 22. fecto A. — 33. assi A.
— So-
corri a graça de Deos será posta em uosso poder. Assy aprazerá a
Deos disse elRey. empero quero saber particullarmente a amcoraçam
com todallas outras cousas que uos eu emcomemdey. Nom mais disse
o capitam, senam que podees hir como ja disse que todo teemdes boõ
e aa uossa uoomtade. e ajmda mais senhor emtemdo que nom tam 3
soomente cobrarees aquella cidade, mas ajmda outros mujtos lugares por
seu aazo uijram a uosso poder ou de uossa geeraçom. E esto senhor
sey eu por huú marauilhoso acomteçimento que me acomteçeo quamdo
era moço. do quall sempre trouxe muy gramde nembramça pollos mara-
uilhosos aazos que sempre depois açerqua dello ui seguir, e porque lo
uem a preposito, nom he mall de o saberdes per a guisa que me acomte-
çeo. E foy assy. que elRey Dom Pedro uosso padre cuja alma Deos
aja, mamdou meu padre fora deste rregno com huúa sua embaxada. e
como quer que eu fosse moço de poucos dias, leuoume porem meu
padre comsiguo pêra auer rrezam de ueer terra e apremder. E seguimdo i5
nos assy nossa uiagem, chegamos a huú porto açerqua de huú lugar
A,i3, r. I dAfrica que chamam* Cepta, homde me eu trabalhey de ueer alguúas
daquellas cousas que me pareciam mais espiçiaaes. E amdamdo assy,
chegueime a huúa fomte que alli estaua com huú muy nobre chafariz,
homde me eu acostey huú pedaço tomamdo desemfadamente em ueer 20
a fremosura dos cauallos que alli traziam a beuer, os quaaes eram mujtos
e boÕs. e estamdo assy sobrechegou hi huú homem de comprida
hidade, cujos auitos e barba eram manifesto sinall de sua uelhiçe. o quall
chegamdosse a mim começoume de oolhar pregumtamdome domde era.
e eu lhe disse como era espanholl. Nom uos pregumto disse elle, senom 22
de que lugar sooes da Espanha. E eu lhe rrespomdi como era natu-
rall da cidade de Lixboa. Essa cidade disse o uelho, em que rregno he.
E eu lhe rrespomdi como era do rregno, de Portugall. E quall he o rrey
que agora rregna em esse uosso rregno, disse o uelho. He huú muy boom
rrey disse eu, que sse chama elRey Dom Pedro, lilho que foy do muy 3o
nobre Rey Dom Affomso que foy na batalha do Sellado. o quall he
huú rrey muy justiçoso e amador de seu pouoo. Que aiaaes prazer
disse o uelho, dizeeme quamtos filhos baroões tem esse rrey. Eu lhe disse
A, i3,r,2 como tinha três .s. o primeiro que auia * nome Dom Fernamdo, e outro
Dom Joham, e o terceiro Dom Denis. E nom tem mais disse o mouro. 35
Certamente nom disse eu, de que eu sayba parte. E elle começou de me
rrogar que comsijrasse bem se tijnha outro alguú filho. E por uossa
12. assi A. — 16. assi A — acerca A. — 17. da africa A. — iS. assi. — 32. que aiaaes] 1,
Qu ueiaaes A.
-57 -
muy pequena hidade, nam me uijnha aa memoria uosso naçimento nem
estado. Porem como quer que me aquelle uelho mujtas uezes aficasse
rrequeremdome sempre que esguardasse bem se aalem daquelles três
filhos tijnha elRey outro alguú. o quall lhe eu sempre negaua, e ajmda
i mujtas uezes com juramento como aquelle a que nom podia uijr aa me-
moria mais daquello que lhe sempre dizia. Empero aa fim ueemdome assy
aficado delle, começey de comsijrar com fememça, ataa que me cayo no
emtemdimemto a uerdadeyra nembramça de uossa naçemça. E emtom
lhe disse, amigo, he muy gramde uerdade que elRey tem ajmda huú
10 filho pequeno que chamam Dom Joham. mas eu nom me nembraua delle,
porque amtre nos os filhos bastardos nom sam auidos em tamanha
comta como os lídimos. Por jsso uos pregumtaua disse elle. e em
dizemdo esta pallaura, deu huú muy gramde sospiro, e abaixou o rros-
tro assy choramdo. Da quall cousa* eu fui mujto espamtado. e por elle A, i3,v, i
i5 assv comtinuar em seu choro e tristeza, rrogueilhe mujto que me dissesse
a causa que o a jsso mouera. E como quer que mo per mujtas uezes
negasse, aa comclusom aficado de meus rrequerimentos disse, amigo, o
meu choro nom he tamto como eu tenho rrezam, nem emtemdas que
choro cousa nehuúa que seia presemte, mas poUo conhecimento que
20 tenho da perda que a de uijnr a meus naturaaes e amiguos. E porque
a tua uemtura te trouue aqui, nota bem o que te agora disser. Sabe que
esse Rey Dom Pedro que uos agora teemdes por uosso rrey em esse
rregno, nom ha mujto de uiuer, per cuja morte rregnara em seu lugar o
Iftamte Dom Fernamdo seu primeyro filho, o quall será casado com
25 huúa molher, per cujo aazo o rregno depois da morte de seu marido ficara
em gramde rreuolta. e os outros dous filhos per emgano de sua cunhada
seram lamçados em Castella, homde faram fim de seus dias. E finall-
mente esse filho pequeno que tu uees menos preçado em comparaçom
de seus jrmaãos, será ajmda em esse rregno como huúa pequena faisca,
3o de que sse leuamta muy gramde fugueyra. ca dias uijram, em que elle
primeiramente *uimgara a desomrra de seu jrmaão. e depois per escolhi- A, i3,v.v
mento do pouoo será aleuamtado por rrey. o quall auera gramdes de-
mamdas com o rregno de Castella, de que sempre ficara uemçedor. e
elle será o primeiro rrey dEspanha que teera posse em Africa, e será o
33 primeiro começo da destruiçom dos mouros, e ajmda elle ou os de sua
geeraçom uijram a este chafariz dar de beuer a seus cauallos. Ora
ueede senhor, quem estas cousas assy ouuio e as uio passar per aquella
própria hordenamça, se creera que a cidade de Cepta he ja posta em
G, assi A. — 7. consijrar A. — 17. aficado I, aficada A. — 27. finalmente A.
— 58 —
uosso poder. E porem torno a dizer o que ja disse, que podees hir com
boa uemtura quamdo quiserdes, ca todo teemdes aa uossa uoomtade
assy as prayas como as amcoraçoões. ElRey era homem que tijnha
em pequena comta semeiiiamtes juizos. e porem começou de sse rrijr
teemdo em joguo as pallauras dAífomsso Furtado, dizemdo que lhe 5
dissesse todauia a çertidom do que lhe emcomemdara. ca bem sabia
elle que o nom mamdara fora deste rregno primçipallmente ssenam
aaquella fim creemdo que elle era tal! pessoa que saberia prouar e conhe-
cer nom tam soomente semelhamte cousa, mas ajmda outro muyto mayor
A, 14, r, I feito quamdo quer que fosse necessário. * e que porem passasse per aquel- 10
Ias pallauras, e dissesse se aquella amcoraçom era sobre pedra ou sobre
área, ou sobre bassa, ou se per uemtura era allí o mar tam alto que os
gramdes r.auios podessem amcorar preto dos muros da çi4ade, ou se
per uemtura por aazo das marees ou corremtes seriam os nauios em
alguú trabalho na erachemte ou uazamte da maree. Todas estas rra- i5
zoões prestaram pouco açerqua do capitam, ca elle per nehuQa guisa
numca mais quis dizer do que tijnha dito. E emtom pregumtou elRey
ao prioll que lhe dissesse ho assemtamento da cidade com todallas outras
cousas que lhe emcomemdara.
Como os embaxadores tornaram e da rreposía que trotiiieram.
Capitullo xviij.
S'
ENHOR disse o prioll, de cousa que uisse nem achasse, nom uos ey
de dar rreposta atee que me façaaes trazer quatro cousas .s. duas
carregas darea e huú nouello de fita e meyo alqueyre de fauas e
huúa escudella. Cuydaaes disse eIRey, que nom teemos aqui o capitam
com suas profecias. E emtom começou de sse rrijr, e disse que leixasse 25
A, i4,r,2 o jogo, e que lhe desse rrecado do que lhe pregumtaua. Senhor disse* o
prioll, eu nom tenho custume de joguetar com uossa merçee, mas ajmda
uos torno a dizer que sem as ditas cousas uos nom darey nehuúa rreposta.
Ja elRey começaua de tomar alguú queixume pemssamdo que os emba-
xadores nom arrecadarom seu feito per a guisa que lho elle mamdara. 3o
Veede disse elle comtra seus filhos, que bem comçertadas duas rrepostas
pêra homeés de tall autoridade, estoulhe pregumtamdo per as cousas
a que os mamdei, e huú me falia em estroilomia, outro me falia em
semelhamça de feitiços. Quem auia de cuidar que taaes dous homeés
18. asemtamento A.
-59-
ouuessem de trazer semelhamte rrecado. Os Iffamtes conheçemdo quem
era o prioll, nom podiam emtemder que etle tornasse de sua uiagem sem
trazer certo rrecado. porem lhe disserem que sse arrecadara como delle
comfiauam, que desse a rreposta a elRey seu padre. O prioll estaua
5 rrijmdo porque uia que elRey nom conhecia sua teemçom, porem disse
que ajmda que elle quisesse rrespomder que nom saberia sem lhe traze-
rem as ditas cousas, as quaaes lhe forom trazidas per a guisa que as
elle rrequeria. E tamto que as teue demtro em huúa camará meteosse
demtro soo, e com *aquella área começou a deuisar sua embaxada per A,"4>v, i
10 esta guisa. Tomou aquella escudella e fez logo o monte da Almina com
toda a cidade assy como jaz com suas alturas e os ualles e fumdos delias,
e desy a Aljazira cora a serra de Xemeyra assy como jaz em sua parte, e
homde auia de fazer mostra de muro çercaua com aquella fita. e homde
auia dassijnar casas poinha aquellas fauas, em tall guisa que lhe nom ficou
i5 nada por deuisar. E depois que todo teue assy acabado, chamou elRey
e seus filhos e disselhe. agora podees ueer a semelhamça dos meus feiti-
ços, ora me podees pregumtar por todo o que uossa merçee for. e eu
poderuos hey rrespomder com espiriemçia amte uossos olhos. Esguardou
elRey muy bem toda aquella mostra como estaua, e desy o prioll come-
20 çoulhe a deuisar todo, mostramdolhe logo toda a lomgura do muro como
estaua da parte do mar. e quamto era acompanhado de torres, e de
que altura era a mayor parte delias, e depois lhe mostrou o castello com
todo seu assemtamento. e quaaes eram os lugares per homde a cidade
podia rreçeber combate, com todallas outras cousas que a elRey prouue
25 de saber. E como quer que o phillosofo digua que o conhecimento da
cousa he mais forte conhecida per ssi meesma* que per sua semelhamça, A, i4,v,2
nom rreprouamdo seu dito que seria escarnho pêra mym. certamente
nom falleçeo nehuúa cousa daquellas que eram na cidade pêra ueer e
saber, que todas hi nom fossem muy bem declaradas e conhecidas se-
3o gumdo compria, da quall cousa elRey foy muy comtemte louuamdo mujto
a boa discriçom do prioll, e mujto lhe pareçeo aquella cidade aazada pêra
o que elle deseiaua. E depois dalguú pequeno rrezoado que sobre
aquelle feito ouue, mamdou elRey que tirassem a área e aquellas cousas
que alli <;stauam. e por cmtom nom sse fallou mais em cousa que
35 aaquelle caso perteeçesse.
1 1 . assi A — alturas I, altezas A. — n. desy A — assi A. — 14. dasijnar A. — 1 5. assi A.
— 6o —
Como elRey disse a seus filhos que duuidaua mitjto começar aquelle
feito, amte de o saber primeyramente a Rainha e o comdestabre.
Capitidto xix.
V
'iSTA assy aquella mostramça que o prioll fez, elRe\' comsijrou sobre
todo per alguú pequeno espaço de dias. e depois que todo teue 5
bem comsijrado, fallou com seus filhos em esta guisa. Comsijre}'
açerqua de nossos feitos começados, e aciío que pêra sse bem poderem
emxucutar, tenho dous muy gramdes jmpedimentos. O primeiro he a
A, i5,r, 1 Rainha minha sobre todos mujto preçada e amada molher, a quall *por
suas gramdes uirtudes e bomdades he assy amada de todos geerallmente, lo
que sse elia em este feito nom da comssemtimento, nehuú dos do pouoo
nem ajrada dos outros ma\'ores, numca poram maão em este feito com
nehuúa fiúza nem esforço. O segumdo empacho he o comdestabre, o
qual! sabees que ass}^ por sua muy boa uida como pollos gramdes e bem
auemturados aqueeçimentos que ouue, tem assy as gemtes do rregno che- i5
gadas a sua amizade, que sse elle per uemtura comtradisser este comsse-
Iho, todos teeriam que nom era feito dereitamente. a quall cousa lhes
faria menos esforço pêra nos ajudarem a ello quamdo fossem rrequeri-
dos. Porem amte de nehuúa cousa he bera que ueiamos per quall ma-
neira lhe faremos saber a determinaçam que em esto auemos, porque ao 20
depois per seu desprazimento nom rreçebamos alguú peio. Os Iftam-
tes forom alguú pouco descomtemtes no mouimento daquelle feito, pem-
ssamdo que em ambas aquellas pessoas teeriam muy gramdes dous com-
trayros, e esto comsijrauam per esta guisa. Primeyramente que a Rainha
era molher, a quall segumdo sua natureza nom lhes poderia deseiar ne- 25
huúa cousa perijgosa. E quamto era aa parte do comdestabre comsijra-
A, i5,r,2 uam como era homem * uelho, e que toda sua mamçebia despemdera em
tamtos trabalhos, dos quaaes per a graça de Deos auia dias que tijnha
rrepouso com gramde e proueitoso gaiardom de seu merecimento, a quall
cousa per uemtura seria aazo de o poer em duuida na esperamça da 3o
uitoria que lhe daquelle feito podia uijr. Empero assy como homeés em
que moraua huúa marauilhosa fortelleza, nom quiseram mostrar que
aquelles eram os mayores jmpidimentos que naquelle feito podiam auer.
E comsijramdo em ello, disseram a elRey que semelhamtes cousas nom
1. duuidaria A, duuidaua I. — 4. assi A. — 9. muyto A. — 10. assi A. — i3. porram A,
poram I. — i5. assi A. — 20. fazemos A. — 22. foram A. — 24. rrainha A. — 27. home —
mancebia A. — 3 1 . assi A — come A. — 34. elRej A.
— 6i —
eram pêra tccr em gramde estima, porque disseram elles, tamto que a
Rainha nossa senhora e madre for comtemte açerqua de nosso moui-
mento. o comdestabre nom he homem que comtradigua nehuúa cousa
que uos hordenardes por seruiço de Deos, e por acreçemtamento de
5 uossa homrra e estado. Porem quamto aa Rainha, nos hiremos a ella e
lhe fallaremos per tall guisa, que ella meesmo seia aquella que uos peça
que nos outorguees o proseguimento daqueste feito. A elRey pareçeo
boom comselho o que tijnham seus filhos, e disse que sse trabalhassem
de o poer em fim, por quamto semtia que estes dous jmpedimentos tira-
10 dos, nom tijnha outra * duuida per que leixasse de proseguir sua demanda. A,i5,v, i
Os Iftamtes se forom logo aa Rainha, e apartaromna em seu estrado
dizemdo per esta guisa. Senhora, bem sabe uossa merçee a alteza do
samgue domde per graça de Deos uijmos a este estado em que de pre-
semte somos, a quall nos acarreta comtinuadamente a muy gramdes cuy-
i5 dados, porque possamos comsseguir a uirtude daquelles primçipes de cujo
linhagem a Deos prouue de nos trazer a este mundo, e sobre todo com-
sijramos a hidade em que somos, e como poderemos mais homrrada-
mente rreçeber estado de cauallaria em alguú lugar, homde sse moues-
sem alguijs gramdes feitos darmas ou trabalhos perijgosos, homde nossa
20 uirtude podesse seer demostrada amte a uista de todos. Ca pois que
os caualleiros primçipallmente forom hordenados porque amtre os outros
homeés tenham auamtagem no feito das armas, quamto mais aquelles a
que Deos quis dar nobreza de geeraçom, nos lugares homde sse prouam
as forças e se esperimentam os coraçoões deuem mais homrrosamente
25 rreçeber a hordem daquelle estado. E por quamto elRey nosso senhor e
padre, deseiamdo nossa homrra* e acreçemtamento como de seus filhos A,i5,v,2
quisera fazer gramdes festas e comuites pêra homrrar nossa cauallaria,
da quall cousa nos per nehuú modo podíamos seer comtemtes comsijramdo
o que dito he. e estamdo em esta duuida quis Deos que sobrechegou
3o hi Johara Affomsso ueedor da fazemda, e fallounos em huúa cidade que
he em Africa que chamam Cepta mostramdonos como era muy aazada
pêra seer filhada, a quall cousa falíamos a elRey nosso senhor e padre.
o quall emuiou alia o prioll e o capitam por deuisarem o assemtamento
da cidade, se per uemtura seria tall como Joham Aftbmso dezia. ora sam
35 ja tornados delia, e segumdo o rrecado que trouxeram a cidade he muy
aazada pêra sse filhar auemdo boom auiamento pêra ello. E por quamto
senhora nos teemos mujto gramde uoomtade de sse este feito poer em
I. estimo A. — >. rrainha A — n. rrainha A. — 28. comsijrando A. — 37. fecto A.
— 62
fim. e semtimos que eIRey se nam quer despoer a ello assy despachada-
mente como nos queríamos pidimosuos por merçee que primeyramente
uos praza comssemtirdes em ello, porque semtimos certamente que oprim-
çipall jmpedimento que elRey ha de teer, assy he a duuida que em estará
A, i6,r, I nom sabemdo se uos aprazerá dello ou nom, por quamto *cuydara que 5
por o amor que nos uos teemdes segumdo a comdiçom das outras mo-
Iheres, nom uos prazerá que cometamos cousa de que nossas uidas fiquem
em perijgo. e desy que lhe peçaaes da uossa parte, que seia sua merçee
de nos emcaminhar como esto seia aposto em fim. Bem he uerdade
rrespomdeo a Rainha, que eu uos tenho assy aquelle amor que quallquer lo
madre per obrigaçam naturall deue teer a seus filhos, e ajmda mujto
mayor por duas cousas. A primeyra pollo gramde amor que tenho a
elRey uosso padre, assj' polias gramdes uirtudes que em elle ha, como por
seer meu senhor e marido, e semtir que me tem tam gramde amor, como
homem do mundo que o moor tem a sua molher. E a segumda, por uos i5
Deos fazer taaes de que eu nom espero que possa naçer outra cousa
senom aquella que rrequere o estado que teemdes, e o gramde linhagem
de que deçemdees. Empero quamto pêra semelhamtes feitos, eu numca
uos poderia priuar uossas boas uoomtades, amtes uos ajudarey a ellas
com todas minhas forças e poder, e certamente que eu nom poderá oje 20
ouuir nouas com que me mais prouuera, ca per semelhamte rrequeri-
A, i6,r,2 mento * me fazees emtemder queiamdas uoomtades terees ao diamte,
pêra obrardes aquellas cousas que sempre obrarom e obram aquelles
rrex e príncipes de linhagem de que deçemdees. Porem a mim praz mujto
de poer logo maão em este feito per tall guisa que com a graça de 25
Deos, uossas boas uoomtades ajam effecto segumdo deseiaaes.
Como a Rainha f aliou a elRey no rreqiieriínento de seus filhos, e
da rreposta que lhe elRey açerqua dello deu. Capitulo xx.
N'OM quis a Rainha poer aquella cousa em tamanha tardamça, per
que parecesse que mimguaua na boa uoomtade que amostrara a 3o
— seus filhos, e fez logo saber a elRcy como lhe era necessário de
lhe fallar. porem que fosse sua merçee de lhe fazer saber a desposiçom
em que estaua. Mas elRey husamdo de sua nobre cortesia, nom quis
comssemtir, que sse ella metesse em tall trabalho, e disse ao messegeiro
1. assi A. — 4. assi A. — 5. quanto A. — 8. desi A. — 9. posto I. — 10. rrainha A. —
II. ajnda A. — i3. assi A. — 14. come A. — 26. segundo A. — 27. rrainha A. — 29. rrainha.
— 63 —
que lhe dissesse, que elle hiria homde ella estaua, como de feito logo
foy. Senhor, disse a Rainha, eu uos quero rrequerer huúa cousa que
he mujto comtrayra pêra rrequerer madre pêra filhos, porque comuú-
mente as madres rrequerem * aos padres que arredem seus filhos dos tra- A, i6,v, i
5 baihos perijgosos, teemdo sempre gramde arreçeo de quaaesquer danos
que lhe possam acomteçer. eu tenho teemçom de uos rrequerer que os
arredees dos jogos e das foligamças, e os metaaes nos trabalhos e perijgos.
e esto senhor he per esta guisa. Vossos filhos e meus uieram oje a mim,
e me comtarom todo o feito que tinhees passado açerqua da cidade de
]o Cepta sobre que uos fallou Joham Affomsso ueedor da uossa fazemda,
dizemdome como semtiam que uos nom despoinhees a emcaminhar seu
filhamento segumdo elles deseiauam. porem que me pediam que me
prouuesse de uos fallar em ello, e uollo rrequerer da sua parte e da mi-
nha. E eu senhor esguardamdo como elles ueem de linhagem dempe-
is radores e rrex e doutros muy notauees e gramdes primçipes, cujo gramde
nome e boa fama he oje per as partes do mundo muy nomeada, nom
queria per nehuúa guisa, pois lhe Deos por sua merçee quis dar a despo-
siçom dos corpos e do emtemder, que elles per seu trabalho falleçessem
de comsseguir os feitos daquelles que disse, e por tamto eu açeitey seu
20 emcarreguo e me prouue mujto de seu rrequerimento, auemdo seu deseio
por boom, pêra começo de sua noua hidade. Por o quall* uos peço por A,i6,v,2
merçee que queiraaes emcaminhar como elles possam eixerçitar suas
forças e prouar suas uirtudes segumdo deuem. pêra a quall cousa me
parece que teemdes muy boom aazo, queremdo auiar que sse ponha em
25 obra aquello que ja teemdes fallado. e aalem da parte que a uos acerca
dello acomteçe, eu da minha uollo teerey em gramde merçee. Senhora,
rrespomdeo elRey, tall rrequerimento me fazees uos de que eu rreçebo
muy gramde empacho, e esto he por me rrequererdes primeyramente
o que eu ouuera de rrequerer a uos, metendo a mim em prazimento
3o aquello que per uemtura eu mujto duuidara de uos sem costramgimento
de gramdes rrogos quererdes outorgar. Porem dou mujtas graças a
Deos porque uos trouue a tempo de me tall cousa rrequererdes, da quall
eu som mujto ledo e me praz de o poer em obra segumdo me rreque-
rees, o que com a graça de Deos espero que uenha a proueitosa fim. E
35 por quamto senhora me uos teemdes feito este rrequerimento, prazcruos
ha que eu uos faça outro nom muy lomge deste propósito, que uos
praza de eu seer homde nossos filhos forem assy como partiçipador de
seus comsselhos, e companheiro de seus perijgos. Bem * foj' a Rainha leda A i7,r, i
2. rrainha A. — húa. — 25. ia A. — 3o. comstamgimento A. — 32. tal A.
-64-
de ouuir todallas rrazoões que sse atee lli passaram, mas quamto aquelle
pomto, bem mostrou que lhe nom prazia de ouuir semelhamte, e disse.
Senhor, a mym seria mujto graue de poder com meu coraçom que outor-
gasse semelhamte, ca per aquella guisa que a mim pareçeo rrezoado o
rrequerimento que uos primeyramente fiz, per essa me parece quamto 5
a meu juizo, o uosso fora de rrezam. por quamto aquello que meus
filhos rrequerem he pêra gaanharem homrra que uos ja teemdes gaanha-
da. a quall elles ajmda nom tem senam por rrezam de uos e daquelles
primçipes e senhores de que deçemdem. e porem lhes he necessário de
a buscarem agora, ssometemdo seus corpos a gramdes trabalhos e perij- lo
gos, Hom rreçeamdo sua morte sse per alguú caso acomteçer, por che-
garem aaquello que seus auoos percalçarom. ca por certo nom lhes fica
pequeno emcarrego depois de uossos dias, de comsseguirem uossas uirtu-
des e parte de uossa homrra. E pois que a Deos graças per mujtas partes
do mundo he notório como uos per uossos gramdes merecimentos e tra- ib
balhosos emcarregos cobrastes tamta homrra, que nom soomente ao
A, i7,r,2 mais poderoso rrey do mundo * poderia abastar, mas ajmda três ou quatro
se teeriam dello por comtemtes. e assj^ senhor me parece uossa hida
escusada se uossa merçee for. ca sobre todo deuees de comsijrar na
hidade em que sooes, a quall creo que he pouco menos de çimquoemta 20
e dous ou çimquoemta e três annos. e como toda uossa mamçebia des-
pemdestes em trabalhos por deffemssom e acreçemtamento de uossos
rregnos. a quall cousa prouue a Deos de uos poer em termo e fim bem-
auemturada. E que pois a elle prouue de assy seer, que mais honesto e
mais rrazoado he que os annos que uos derradeyramente ficam pêra 25
uiuer, despemdaaes em corregimento de uosso rregno e em ememda de
uossos peccados. porque assy como a Deos prouue de uos homrrar o
corpo em este mundo, que assy uos homrre a alma no outro, que de
mouerdes agora nouas pelleias, das quaaes se pode seguir per uemtura
que ajmda que depois queyraaes assessegar, o nom poderees fazer, por- 3o
que os feitos se aqueeçem mujtas uezes per tall guisa, que com huúas guer-
ras se começam outras, e som semelhamtes ao fogo que os lauradores
pooem nos matos, os quaaes pemssamdo queymar huúa muy pequena
A,i7,v, 1 mouta, queymam suas sementeyras. E deuees ajmda* de comsijrar como
todallas homrras deste mundo caaem ao pomto de huúa soo ora. e por 35
huíja muy pequena desauemtura perdem os homeées muy gram parte de
suas homrras passadas, porque toda boa amdamça dos homeés comuú-
18 assi A. — 24. assi A. — 27. assi A. — 28. assi A. — ?4. ajnda A. — 35. caãe A —
hua A.
— 65 —
mente se julga polia fim, ca em nehuúa daquellas cousas que os homeés
esperam em este mundo nom rrespomde menos a sorte e a fortuna que
os feitos das pelleias. Porem de nossos filhos hirem e cometerem quall-
quer cousa que lhe uos hordenardes. a mim parece que he bem. e que
5 uos fiquees em nosso rregno. e aqueeçemdo o que Deos nom queira, que
seus feitos nom soçedam segumdo sua uoomtade e nossa, milhor he que
uos lenhaaes com que os uimgar ao depois, que a comtrayra fortuna
abramger assy a uos como a todollas gramdes pessoas do rregno. ca
necessário será se uos fordes, que nom fique no rregno nehuúa pessoa
10 notauell sem uosso gramde costramgimento. E assy senhor, que minha
teemçora he, que milhor he ficardes, que por nehuúa cobijça de homrra
uos mouerdes de partir de uosso rregno. Todas uossas rrezoões senhora
disse elRey, som pêra comsijrar quamto perteeçe aaquelle que * sse mo- A, 17,7,2
uesse priínçipallmente por causa de homrra, o que certamente noai he em
i5 013111, soomcnie me lembra como çuge}' meus braços em samgue dos
christaãos. o quall posto que justamente fezesse, ajmda me parece dem-
tro em minha comçiemçia que nom posso dello fazer comprida peem-
demça, saluo se os muy bem lauasse no samgue dos jmfiees. ca deter-
minado he na samta escpritura que a perfecta satisfaçom do peccado he
20 cada huú per homde peca per alli auer peemdeniça. Pois que peemdemça
posso eu fazer de quamtos homeés per m3'm e per meu aazo forom mortos,
.soomente matar outros tamtos jmfiees ou niujto mais se poder por ser-
uiço de Deos e eixalçamento da samta fe catholica. ca posto que eu qui-
sesse fazer semelhamte ememda per oraçoões ou esmoUas, nom me parece
25 que aueria perfeita satisfaçam, pois a peemdemça he desiguall do erro.
ca o offiçio de rrezar primçipalimente he dos clérigos e frades e outras
pessoas rrelligiosas. e a esmolla que a quisesse fazer, som dinheiros de
minhas rremdas, dos quaaes eu nom posso semtir mingua, pois doutra
quallquer parte meu estado ha de seer gouernado. E ajmda me *pareçe A, iS,r,i
3o que segumdo este feito perfaço todas estas cousas, porque assaz desmolla
será buscar dinheiros e mamtijmento pêra gouernar tamtas gentes como
eu com a graça de Deos espero de leuar a esta samta rromaria. Pois
quamto aas oraçoões pareçeme que assaz será Deos seruido per seme-
lhamte modo, quamdo per sua graça aquellas casas em que sse agora
35 serue e adora o nome de .Mafamede, cuja alma por seus justos meriçi-
mentos he sepultada nas fumduras do jmferno, forem acompanhadas de
clérigos e rreiligiosos, homde de noite e de dia se sirua e adore o seu
sanito nome. Quamto senhor disse a Rainha, ao seruiço do Senhor Deos
38. rrainha A.
9
— 66 —
eu nom fallo nehuúa cousa, amte me praz e lhe dou mujtas graças por
uos poer em tall propósito, ca nom poderia toruar nem seer comtrayra
em nehuúa cousa que a seu seruiço tocasse, e elle que he sabedor de
todalias cousas, sabe bem certamente que em minha uoomtade nam esta
o comtrayro.
Como elRey pollo presemte nnm quis determinar aa Rainha que
elle auia de hir em aquelle feito, e como logiio mamdou emcaminhar
as cousas que perteeçiam pêra a frota. Capitullo xxj.
Q"i
A, i8,r,2 ^ ^uEM poderia ouuir aquellas pallauras que sse amtre aquelles senho-
res passauam, que nom ouuesse extrema follgamça. por certo lo
bem disse Sallamam em seus prouerbios, que a mayor parte da
bem auemturamça desta uida pêra quallquer homem esta em teer boa
molher. Nem elRey nom era pouco ledo de ouuir assy aquellas palla-
uras aa Rainha, das quaaes em sua uoomtade foy mujto comtemte.
Empero nom quis determinar sua hida comsijramdo que sse a Rainha iS
determinadamente soubesse que elle auia de hir que sse lhe rrecreçeria
mayor trabalho desprito. da quall cousa se lhe poderia seguir alguú
danno polia fraqueza de sua compreissom. mas a hida de seus filhos ficou
logo posta em determinaçam. e logo elRey começou demcaminhar auiua-
damente o corregimento que perteeçia pêra sua hida. E a prime3'ra 20
cousa que loguo mamdou fazer foy prouijmento de suas tereçenas pêra
saber parte dos nauios que tijnha e como eram rrepayrados, mamdamdo
loguo trigosamente cortar madeyra pêra rrefazimento dalguúas gallees e
fustas que lhe falleçiam pêra comprimento do numero que elle emtem-
A,i8,v, 1 dia de leuar .s. quimze gallees e quimze fustas. E assy mamdou* loguo zS
aparelhar carpemteyros e callafates, que obrassem nos ditos nauios. e
desy guarniçoóes pêra elles com todalias outras cousas que lhe pertee-
çiam. Mamdou ajmda elRey apanhar quamto cobre e prata sse pode
achar no rregno. e assy mamdou trazer outro de fora fazemdo seu trauto
com os mercadores pollo milhor modo que elle pode. em tall guisa que 3o
a muy breue tempo teue delle muy gramde abastamça. E Joham Affomsso
ueedor da fazemda proueeo logo todalias rremdas da cidade, e fallou
com Ruy Pirez do Allamdroall que era thesoureiro da moeda nom lhe
declaramdo porem o segredo, per tall guisa que as fornaças da moeda
6. rrainha A — determinar A, declarar I.— 8. uijmte e huum A. — 10. exterma A.
— 1 5. rrainha A. — 18. jda A. — j5. assi A. — 26. carpemteiros A. — 27. desi A.
-67-
forom loguo todas prestes, e despachadamente começaram de laurar. e
tamanha trigamça se poinha naquelle lauramento que afora alguGs dias
de mu}' gramdes festas todollos outros comtinuadamente de dia e de noite
laurauam. Miçe Carlos almiramte foy logo anisado per mamdado delRey
b que proueesse todollos mareantes cada huijs em seu estado, de guisa que
despachadamente podesse fazer delles o que lhe elRey mamdasse. Gom-
çallo Louremço de Gomide que era escpriuam da puridade mamdou logo
fazer cartas em nome delRey pêra o escpriuam dos marauidijs, *e assy A,iS,r,2
pêra todollos coudees e anadees dos beesteiros do rregno, que fezessera
IO lofiuo seus alardos, e lhe emuiassem os quadernos delles homde quer que
eile esteuesse. nos quaaes declaradamente fossem escpritas as hidades
das pessoas e corregimentos que lijnham pêra seruiço delRe3\ Mas quem
poderia escpreuer a multidom das semtemças que sse dauam sobre
aqueste feito, ca o rrumor do pouoo era muy gramde ueemdo o aballa-
i5 mento destas cousas, e posto que cada huú em sua parte se trabalhasse
descolldrinhar aqueste segredo nom auia hij alguij que certamente sou-
besse determinar o lugar pêra homde aquelle corregimento era. e as
semtemças que sse dauam açerqua dello leixamos pêra outro capitulio,
por quamto aquellas cousas nom sse faziam ajmda tam trigosamente como
20 sse ao diamte fezeram. E deuees de saber que a dilligemçia que elRey
mamdou poer na moeda e rremdas foy por nom lamçar pedidos, a quall
cousa fez a duas fijns. A primeyra por quamto aquelle feito primçipall-
mente era mouido por seruiço de Deos, e nom queria elRey que nehuúa
pessoa de seu rregno teuesse aazo de rreçeber nehuíi escamdalio. E a
25 segumda era, porque sse ouuera de lamçar pedidos, fora necessário de
fazer *ajumtamento de cortes nas quaaes de necessidade se ouueram de A, i9,r, i
declarar alguijas comjeituras ou partes do feito per tail guisa, que sse
poderá emtemder a uerdadeira determinaçam que elRey sobre esto tijnha.
Em este corregimento e cousas que elRey assy mamdou fazer sse poseram
3o bem dezoito meses, no quall espaço os íffamtes fallaram a seu padre pidimdo-
Ihe por merçee que quisesse poer mayor trigamça naquelle feito, ca posto
que elRey mujto trabalhasse a elles nom parecia tamto, porque nas cousas
que homem mujto deseia quamdo esta em esperamça de as cobrar numca
o espaço pode seer tam pequeno que lhe nom pareça gramde. E aalem
35 desto huúa das propiedades dos homeés mamçebos segumdo declara
frcy Giil de Roma per autoridade do phillosofo na terceyra parte do se-
gumdo liuro do rregimento dos primçipes, e Paullo Virgerio na emsi-
namça dos moços fidallgos, he seerem trigosos e arreuatados em seus
1. foram A. — 8. assi A. — 25. lançar A. — 27. algúas. — 29. assi A. — 36. rroma A.
— 68 —
feitos, e esto por nez;im do esquemtamento do samgue que em elles
naturallmente he naquella hidade. E tamto lhes parecia aos Iffamtes
que esta cousa se fazia de uagar, que disseram a seu padre que pemssa-
uam que elle queria cessar do propósito que com elles determinara. Bem
A, 19, r, 2 sabees disse elRey, como amte * que fallassemos aa Rainha uos disse que 5
nom podia em este feito fazer nehuúa cousa que o primeyramente ella
e o comdestabre soubessem, e pois da Rainha ouuemos seu prazimento,
comuem que fallemos ao comde, por cuja rrazom nom posso mais trigo-
samente despachar meus feitos pêra auiar o que me he necessário. Os
Iffamtes disseram que era muy bem que sua merçee emcaminhasse como 10
sse logo posesse em obra de sse fallar ao comde, porque ao diamte teues-
sem certa determinacam do que auiam de fazer.
Como elRey e os Iffamtes determinaram a maneyra per que sse
auia de fallar ao comde naquelle feito, e como lhe foy f aliado e per
que guisa. Capitullo xxij. ,5
ElRey e os Iffamtes eram aaquelle tempo em Samtarem quamdo sse
estas cousas amtre elles forom falladas, homde determinaram que
este feito nom fosse fallado ao comde per escprito nem messegeiro
soomente que elRey lho dissesse persoallmente. e que pêra sse esto
fazer mais fora de sospeita que o Iffamte Duarte e o Iffamte Dom Ham- 20
rrique partissem logo caminho de rriba dOdiana leuamdo comssigo mon-
A,i9,v,i teiros e caçadores, e que amdassem assy despemdemdo dous * ou três
meses em seus desemfadamentos, ataa que elRey e o Iffamte Dom Pedro
passassem o Teio e se fossem chegamdo comtra alguú lugar que fosse
mais açerqua domde quer que o comdestabre emtom esteuesse. O i5
Iffamte Duarte auisou loguo seus offiçiaaes como se fezessem prestes
pêra comtinuar seu caminho, e escpreueo a Martim Aftbmsso de Melloo
porque era huú fidallgo gramde caçador e monteyro fazemdolhe saber
como elle e o Iffamte Dom Hamrrique seu jrmaão hiam follgar comtra
aquella parte, porem que lhe rrogaua que elle esteuesse prestes com 3o
suas aues e caães. e que esso meesmo auisasse quaaesquer pessoas que
semtisse que tijnham desposiçom pêra ello. E loguo os Iffamtes parti-
ram sem toda sua gemte emtemder o tall segredo soomente no monte e
caça. e amtre tamto elRey esteue em Samtarem ataa que lhe pareçeo
4. secar A. — 5. ante A — rrainha A. — 6. o A, a I. — 7 rrainha A. — 11. diante A.
— 16. Santarém A. — 17. foram A. — 22. assi A.
-69-
que era tempo de partir, e tamto que passaram os dous meses loguo na
segumda semana do terçeyro mes elRey fez emcaminhar sua partida. E
porque sua teemçom fosse miliior dessimullada, disse huú dia comtra o
Iffamte Dom Pedro per tall maneyra que o ouuissem todos. Ja agora
5 uossos jrmaãos *cuydaram que nom ha mais na caça nem no monte que A, lo, v,2
quamto elles sabem, empero meu filho ajmda eu quero ueer se lhe
posso leuar auamtagem, porque uos outros homeés mamçebos pemssaaes
que nos outros nom sabemos as cousas tam perfeitamente como uos.
mas prazemdo a Deos nos partiremos ora daqui, e hiremos ueer estes
'O montes homde eu ja mujtas uezes achey mujtos e gramdes porcos, e sse
a Deus prouuer de nos aparar cousa em que nos desemfademos, podere-
mos ueer quamdo nos ajumtarmos quaaes forom milhores monteyros.
Aquelles senhores e fidaligos que eram com eIRe}' começarom mujto de
departir naquelia montaria, de guisa que todo o emtemdimento da corte
i5 nom era por emtom em outra cousa senam no corregimento que pertee-
çia pêra aquelle caminho. Partio elRey loguo daquella uilla de Samta-
rem, e o Iffamte Dom Pedro com elle. e correram loguo aquella rribeyra
de Muja, desy foromsse aa rribeyra de Soor que he açerqua de Curuche.
e rrepousarom alli alguij pouco, e por quamto o comdestabre aaquelle
20 tempo estaua em Arrayollos, emcaminharom sua hida comtra Monte
Moor, e esto muy de uagar. E amte que partissem daquella rribeyra
de Soor* disse elRey comtra o Iffamte. Certamente eu acho ja agora A,2o,r, i
minha casa desfeyta de boõs caães espiçiallmente dallaãos. ca me parece
que estes que tiago, ou he porque os mais delles som nouos e nom
25 forom ajmda bem emcarnados, ou per uemtura nom ssam boõs de
sua naturaleza, nom tem conhecimento das matas desta terra, como
teem das outras da Estremadura homde forom criados. Pois disse-
ram alguús dos que hi estauam. Senhor seria bem mamdardes saber
parte a casa dalguús fidaligos desta comarqua se teem alguús caães que
3o uollos emuiem espiçiallmente pêra aquella rribeyra de Lauer em que
sempre sohees dachar gramdes porcos e boõs. Nom emtemdo que apro-
ueita disse elRey, por quamto o meestre dAuis que he huú homem que
sempre tem mujtos e boõs, sey que será ja com meus filhos, ou lhe em-
ulariam pedir os milhores que teuesse. ca assy fezerom a Martim Affom-
35 sso de Meloo. mas emtemdo disse elle, que o comdestabre terá alguú
boom que nos possa emuiar. Se uossa merçee for disse o Iffamte, escpre-
uerlhe ey eu, por quamto me ueem mais a geito que a uos, por seer alom-
gado de minhas terras, e uijr aa corte despercebido de semelhamte des-
7. mancebos. — 22. soor. — 3.S. condestabre — terra A. — 38. semelhante A.
A, 2o,r,2 emfadamento. EIRey disse* que era muy bem comsijrado. e todollos
outros assy disseram como sse comuQmente faz amtre os senhores, que
quallquer cousa que dizem em louuor ou doesto, todos comsseguem seu
propósito, e tamto sse pos esto em husamça em nossos dias, que aiguGs
fumdamdo sobre ello jmteresse, filhauom semelhamte geito por offiçio. 5
mas do que sse dello seguio, fallaremos adiamte depois do acabamento
destas cousas, passamdo primeyramente pollos feitos do rregnado delRey
Dom Joham e Dom Duarte, por quamto em seus dias neiíuú daquestes
achamos que amte sua presemça ouuesse auamteiado fauor. Ora tor-
namdo a nosso propósito, o escpriuam foy logo chamado ao quall foy lo
mamdado que fezesse logo huúa carta em nome do Iftamte Dom Pedro
pêra o comdestabre. na quall depois de suas emcomendas, lhe fazia
saber como elRey seu padre e elle eram partidos de Samtarem com em-
temçom de sse desemfadarem per aquelles montes, e que por quamto
elle uiera de suas terras aa corte aforrado mais com emtemçom de i5
desembarguar seus feitos, que de amdar a monte, que lhe rrogaua que
sse teuesse huú boom allaão de filhar que lho emuiasse, por quamto
aquelles que seu padre trazia nom eram taaes que amtre elles ouuesse
A,2o,v, I nehuú spiçiall. *E esta carta foy logo feita e assijnada, e o moço destri-
beyra prestes pêra a leuar. mas foy necessário de a leuarem ajmda aa 20
camará do Iffamte pêra lhe elle poer o sinete, e esto era porque aalem
daquelles seellos que o seu escpriuam trazia, custumaua elle sempre
trazer huú com que aseellaua alguúas cartas espiçiaaes que a elle prazia.
E ao tempo que lhe ouue de poer aquelle sinete teue tall modo que fez
huú escprito per sua maão mujto secretamente, no quall fazia saber ao 25
comde como a elRey seu padre era necessário de fallar com elle alguúas
cousas sustamçiaaes e de gramde segredo, porem que lhe emcomemdaua
que elle dessemullasse per alguúa boa maneyra, como bem podesse che-
guar a Monte Moor, homde elRey seu padre loguo açerqua emtemdia de
seer. A quall carta assy emuiada, quamdo o comde uio a alma que em 3o
ella uijnha, como homem sages e discreto, callou muy bem aquelle segredo
fazemdo ao moço alguúas pregumtas muy alomgadas daquelle propósito
.s. polia saúde delRey e de seu filho, e desy dos desemfadamentos que
trazia em suas montarias. Sey disse elle, que elRey meu senhor ouue
nouas da boa esqueemça que seus filhos ca trazem em seus montes, e 35
A,2o,Vj2 quis uijr tomar sua parte, por liie elles nom* leuarem a auamtagem. mas
mujto me pesa porque nom tenho agora taaes caães com que liie possa fazer
2. assi A. — 4. preposito A. — 5. jnteresse A. — ig. asijnada A. — 29 elRej A. —
32. preposito A.
— 7' —
seruiço. empero amtre estes que tenho, sera buscado o millior pera seruiço
do senhor Ifiamte Dom Pedro que mo emuia pedir. Desy fez loguo fazer
a rreposta assy de praça, como o líTamte fez a que lhe emuiou. dizemdo
que de seus desemfadamentos lhe prazia mujto, mas que lhe pesaua por
5 nom teer cousa tam espiçiall como elle deseiaua pera lhe fazer seruiço.
Empero que daquelles aliaãos que auia em sua casa lhe emuiaua o mi-
Ihor. e que lhe pedia por merçee que quallquer outra cousa em que elle
eirtemdesse que o poderia seruir, o nom ouuesse dello por escusado.
EIRey foy assy fazemdo sua uiagem ataa que chegou a Monte Moor. e
10 tamto que o comde soube que elle alli estaua, disse comtra os seus. Que
pois elRey seu senhor alli era tam preto que nom som mais de três
legoas ajmda que gramdes seiam, que lhe seria desmesura nom lhe hir
fallar auemdo tamto tempo que o nom uira. Porem emcaminhou loguo
sua partida, e foy fallar a elRey. E assy loguo como chegou lhe foy fal-
i5 lado todo o feito passado, dizemdolhe elRey que posto que ja alguúas
* cousas teue<=se começadas de hordenar, que nom eram porem com deter- a,2i, r. i
minaçom de sse o feito poer em exucuçom, ataa seer fallado a elle.
porem que lhe rrogaua que lhe dissesse o que lhe daquelle feito parecia,
O que a mim parece rrespomdeo o comde, he que este feito nom foy
20 achado per uos nem per outra nehuúa pessoa deste mundo, soomente
que foy rreuellado per Deos queremdouos abrir aazo e caminho per que
lhe fezessees este tam espiçiall seruiço, per que uossa alma amte elle
possa rreçeber gramde meriçimento. E pois que a elle praz de sse ser-
uir de uos em este feito, hi nom ha mais que escolldrinhar. ca assy como
25 a elle prouue de o trazer amte os olhos de uosso conhecimento, assy lhe
prazerá por sua merçee de o trazer a proueitosa fim. E uos por merçee
nom çessees de obrar em ello, de guisa que por uossa mimgua nom fal-
leça nehuúa cousa do que pera semelhamte feito perteeçe. E em esto
chegarom os IfFamtes Duarte e Dom Hamrrique domde amdauom em
3o seus desemfadamentos. e sem outra mostramça de comsselhos nem de
falk secreta semtiram a uoomtade do comde, e breuemente se partiram
cada huús pera sua parte .s. elRey e o Iffamte Dom Pedro pera Samta-
rem, e os IfFamtes Duarte e Dom Hamrrique * pera Euora, e o comde pera A,2i,r,2
Arrayollos.
12. assi A. — i5. aigúas. — i6. fecto A. — i8. mumdo A. — 24. assi A — conhecimento
A, entendimento I. — zí. assi A.
72
Como elRey começou dauiar mais trigosamente sua hida, e covio os
Iffamtes tornaram dEuora, e como sse os Iffamtes Dom Pedro e
Dom Hamrrique partiram pêra suas terras e das cousas que lia
fe{erom. Capitullo xxiij.
O
espaço foy pequeno que os Iftamtes esteueram em Euora, porque
tamto que souberam que seu padre era em Samtarem, loguo par-
tiram daquella cidade e se forom pêra elle, homde seu ajumta-
mento nem durou mujto, porque o Iftamte Dom Pedro e o Iftamte Dom
Hamrrique se forom loguo pêra suas terras. E eIRey e o Iffamte Duarte
ficarom alli damdo auiamento mais trigoso aas cousas começadas, do 'o
que sse ataa lli fezera. E o Iffamte Dom Pedro e o Iftamte Dom Ham-
rrique teueram tal! maneyra em seu caminho, que sse o desemfadamento
de rriba dOdiana foy gramde, aqueile nom foy menos, ca tamto que
chegaram a Coymbra, loguo o Iff"amte Dom Pedro fez buscar quamtos
desemfadamentos se poderam achar pêra folgamça de seu jrmaao e sua. «5
e com esto gramde abastamça de uiamdas de que sempre forom gouer-
B,2i,v,i nados em quamto esteueram per as terras* do Iffamte. E per semelhamte
fez o Iftamte Dom Hamrrique tamto que emtraram na comarqua da
Beyra, homde elle tijnha seu senhorio. Mais fez ajmda o Iffamte Dom
Hamrrique por acreçemtar seus desemfadamentos. ca hordenou logo 20
como sse fezessem huúas nobres festas em Viseu, pêra as quaaes mamdou
comuidar o comde de Barçellos seu jrmaao com todoUos senhores bispos
fidallgos e outros boõs homeés que auia em aquella comarqua. aos quaaes
fez saber como aquellas festas se auiam de começar em uespera de na-
tall, e auiam de durar ataa dia dos rrex. porem que lhes prouuesse de ^5
teerem tall maneyra em sua uijmda, que aaquelle tempo fossem alli, ou
primeyramente se o fazer podessem por aazo de suas pousemtadorias
serem milhor auiadas. E pêra esto mamdou o Iffamte a Lixboa e ao
Porto por pannos de sirgo e de laã e brolladores e alfayates pêra fazerem
suas liurees e momos segumdo pêra sua festa rreallmente perteeçia. e 3o
desy uiamdas forom buscadas per todallas partes mais abastadamente
que sse poderam achar. Alli forom trazidas mujtas carregas de cera
que sse despemderam em mujtas tochas, assy de seruir como de damças,
A,2i,v,2 bramdoões* e uellas e contos em tamanho numero que casy seria empos-
siuell de sse poderem comtar. Alli forom outrossy de todallas uiamdas 35
3. Hanrrique A. —.7. foram A. — 21. mandou A. — 28. esto I, jsto A. — 3i. foram
A. — 32. foram A. — 35. foram A — outrossi.
-73-
daçucar e comseruas que sse poderom achar no rregno em muy gramde
abastamça. e assy de todallas maneyras despeçias e outras fruytas uer-
des e secas que compriam pêra sua festa seer abastada, e também uie-
ram alli piparotes de maluasia com mujtos outros uinhos bramcos e uer-
5 melhos da terra de todallas partes homde os auia miihores. E quamdo
ueo aa uespera de natal! eram )a todas estas cousas prestes, e assy
mujtos corregimentos de justas e outros arreos de desuayradas maneyras.
e a cidade e aldeãs darredor eram todas cheas de gemte de guisa que
parecia a alguus estramgeiros que per alli passauam que aquelle ajumta-
10 mento nom era senam corte de rrey. Em aquellas festas ouue muy
gramde prazer, porque auia em ellas mujtos senhores e gramdes com
mujtas maneyras de desemfadamentos. e sobre todo a abastamça que
era muy gramde de mujtas deleitosas uiamdas. ca nom sse acha que
em todos aquelles dias ouuesse nehuú falliçimento, per que aquella festa
i5 em alguúa parte podesse seer* abatida. E deuees de saber que o Iftamte A,2i,r, i
Dom Hamrrique foy huú homem cujos feitos e estado amtre todos seus
jrmaãos teue mayor auamtagem de rrealleza, leixamdo o Iftamte Duarte a
que per dereita soçessom comuijnha de o fazer. E como quer que sse
estas festas começassem com-emtemçom de nom seerem em ellas outras
2o pessoas de gramde estado afora aquellas que ja dissemos, o Iftamte
Duarte que estaua em Samtarem com seu padre, tamto que soube as
nouas daquelle ajumtamento, ouue muy gramde deseio de seer em elle.
e loguo como passou o dia de janeiro ouue liçemça de seu padre, e
escolheo seis fidallguos os mais gemtijs homeés de sua casa, com alguú
25 outro pequeno corregimento. e assy aforrado partio de Samtarem, e
trigou tamto seu amdar que posto que os dias fossem pequenos e os
caminhos maaos, chegou a Viseu a taaes horas que ouuio ajmda ho offi-
çio de uespera dos rrex com seus jrmaãos. Mas quem poderia dizer o
acreçemtamento da festa que aquelles senhores fezerom com sua uijmda.
3o E no outro dia forom as justas muy gramdes nas quaaes justou o Iftamte
Duarte e aquelles gemtijs homeés que com elle uieram. e da outra parte
justáramos Iffamtes, e os mais * daquelles fidallguos e gemtijs homeés que a, 22,r,2
eram com elles. e todo aquelle dia sse despemdeo naquellas justas e
damças e outros desemfadamentos. alli ouue momos de tam desuayra-
3.'i das maneyras, que a uista delles fazia muy gramde prazer a quamtos alli
eram, e ajmda a mujtos de fora que o souberom. E no dia seguimte
disse o Iff"amte Dom Hamrrique ao Iftamte Duarte seu jrmaão. Senhor,
I. conseruas A. — 1 1. muytos A. — 12. rnuytas A. — i3. muytas A. — 3o. foram A —
muj A.
— 74 —
pois que uossa merçee foy de uirdes a esta terra homde nos estamos nom
como cortesaãos mas como homeés que comtinuadamente seguíamos o
monte, seia uossa merçee filhardes de huúa liuree que aqui teemos feyta
pêra nos outros os montejTos. O Iffamte disse que lhe prazia mujto. a
quall liuree foy rrepartida per alguús daquelles fidaligos e gemtijs homecs.
e posto que ella nom fosse de mujto finos pannos, era porem de mujtos
deseiada, porque a nom dauam ssenam a espiçiaaes homeés.
Como sse os Iffamtes forom todos três a Satntarem, e da maueyra
que teueram em seu caminho, e do que f aliaram a seu padre tamto
que forom homde elle estaua. Capitullo xxiiij.
K
A,22,v, í i GABADAS assy aquellas festas como teemdes ouuydo, partiramsse* os
Iffamtes com seu jrmaao caminho de Samtarem, e o comde de
Barçellos e os outros senhores e fidaligos espediramsse delles e
tornaramsse pêra suas terras. E os Iffamtes todos trcs teueram amtre
ssi tall maneira .s. o Iffamte Dom Hamrrique fez a despesa a seus i5
jrmaãos em quamto forom per a comarqua da Beyra. e o Iffamte Dom
Pedro depois que forom na Estremadura, e o Iffamte Duarte em quamto
esteueram em Samtarem. e esto todo fezeram amtre ssy tam abastada-
mente, que o segumdo nom estudaua em ali, senam como sobrepoiaria ao
primeyro, e o terceiro ao segumdo. empero tam gramdemente foy todo 20
feito e hordenado, que nom tijnha em que leuar auamtagem huú ao outro.
A Deos diz o autor, e como posso eu fallar em estas cousas, que sse me
nom demouam as amtredanhas da uoomtade pêra auer delle huúa sahu-
dosa lembramça. ca assy como os emfermos sse deieytam em comsijrar
os desemfadamentos da saúde, e os uelhos em comtar os boõs aqueeçi- 25
mentos das cousas passadas de que elles teem alguíja parte, nom menos
follgamça seemto em mym em comsijrar e saber as cousas daquelle
A,i2,v,2 tempo. E ajmda que naturallmente todollos homeés * depois que passam
as primeyras três hidades, doestam mujto aquelle tempo em que ssom,
dizemdo que elles uiram outro milhor mundo prasmamdo aquelle pre- 3o
semte, buscamdolhe nouas maneyras de falleçimentos pêra ajudarem seu
propósito, o qu€ segumdo nosso emtemder nom he tamto polia malldade
das cousas daquelle tempo como polia fraqueza da sua hidade. Certa-
mente nam sse pode esto emtemder em mym, por quamto a minha hidade
nom he semelhamte aa daquelles que disse, nem a Deos graças ssom 35
2. come bis A. — 9. tanto A. — lo. foram A. — 16. foram A. — 17. foram A.
-75-
assy apassionado per jnfirmidade, per que me anoje a uida presemte,
soomente me despraz, porque nom uejo huú tempo semelhamte aaquelle.
ca todollos senhores do rregno naquelles dias amauam mujto seu prim-
çipe, e o primçipe a elles. amtre os quaaes auia huús geeraaes desemfa-
5 damentos. e os çidadaáos tijnham amtre ssy comcordia e amizade. Como
os Iffamtes chegaram a Samtarem, forom rreçebidos de seu padre e de
toda a outra gemtilleza da corte com muy gramde prazer e desemfada-
mento. e o Iffamte Duarte em cuja pessoa e casa emtam era a gemti-
lleza do rregno, teue emcarrego de fazer a custa a seus jrmaãos, em
IO quamto esteueram em* aqueila uilla com seu padre. E como quer que A, 23,r, i
elles assy amdassem em suas follgamças e desemfadamentos, nom per-
diam porem cuydado de acabar aqueste feito em que ja tijnham fallado,
pareçemdolhes que sse allomgaua mais do que seu deseio queria. Ca
segumdo achamos des que neeste feito primeyramente foy fallado ata
i5 aquelle pomto eram passados melhoria de três annos. e acordaram amtre
ssy de fallarem em ello a seu padre, o que assy fezerom pedimdolhe por
merçee que posesse aquelle feito em alguú certo termo, pêra elles emca-
minharem seus feitos segumdo lhe perteeçia. Ao que lhe eIRey rres-
pomdeo e disse esto. Nom foy ajmda fallado a nehuú dos do meu com-
20 sselho, e tenho determinado pêra o sam Joham a Deos prazemdo fazer
ajumtamento de comsselhos em Torres Vedras, homde emtemdo propoer
este feito e determinar o termo certo em que com a graça de Deos aja-
mos de partir. E porque a coreesma era ja açerqua, partiramsse os Iffam-
tes Dom Pedro e Dom Hamrrique e foromsse pêra Temtugall, homde
25 jumtamente teueram a coreesma. E porque nossos feitos de todo leuem
sua dereita hordem, diremos aqui o que falleçeo em este outro capitullo
passado por acreçemtar no boom auiso que * elRey teue em sua herde- A,23,r,2
namça. Homde he de saber que queremdo clRey chegar a Monte Moor
que era húua uespera demtrudo ouue nouas como seus filhos em aquelle
3o meesmo dia chegauom a Euora. e porque semtio que elles nom poriam
gram tardamça de uijr a elle sabemdo sua uijmda. o que lhe por aazo do
comdestabre que hi auia de uijr poderia fazer alguúa prosumçom. mam-
doulhes logo dizer que sem nehuQa tardamça se partissem logo dalli, e
tornassem outra uez a comtinuar sua momtaria. ca posto que fosse
35 coreesma a mamçebia rrelleuaua todo. e que depois que assy amdassem
alguús dias tornassem pêra Monte Moor. A quall cousa os Iffamtes
i. assi A. — 6. foram A. — i5. ponto A. — i6. assi A. — 19. disse. Esto não foi ainda
falado I. — 31. ajuntamento A. — 28. honde A. — 29. dentrudo A. — 3o. porriam A. —
35. assi A.
-76-
poserom em obra, e loguo aa quarta feyra acabado ho offiçio da çijmza
partiram caminho de Beja. ca outro tempo passado amdarom per Elluas
e per outros lugares de rriba dOdiana. E tamto que assy passaram
alguús dias, fezeram a uolta pêra Monte Moor, e no caminho açerqua
de Porteil mataram huú muy gramde husso que emuiaram a seu padre
mamdamdolhe dizer pallauras graciosas, de que seu padre ouue gramde
prazer. E do que sse amtre elles mais passou fica escprito no outro
capitullo amte deste.
A,23,v, I Como elRey mamdou chamar os do seu comsselho, e como os Iffam-
tes tornaram aa corte, e das cousas que o Iffattite Dom Hamrrique lo
rrequereo a seu padre. Capitullo xxv.
G
OMÇALLO Caldeyra soomente foy aquelle que era escpriuam da
camará delRey, a que a puridade deste segredo foy rreuellada.
e esto era porque Gomçallo Louremço escpriuam da puridade
cujo criado elle fora, nom podia per ssi soo escpreuer tamta escpritura is
como perteeçia pêra este feito, e porem foy reuelado assy aaquelle por
semtirem delle que era homem que o guardaria. Certamente elle tomou
dello tamanho cuydado, que posto que depois da tomada de Cepta mujtos
annos uiuesse, numca foy homem que lhe em ello ouuisse fallar soomente
per gramde uemtura. e ajmda aquello que fallaua sob muy gramde cau- 20
tella e temor. Aaqueste Gomçallo Caldeyra foy dado carrego de fazer
as cartas, per que elRey mamdou chamar aquelles do comsselho que
auiam de seer com elle em Torres Vedras, e com todo esto elRey nom
çessaua demcaminhar seus feitos o mais despachadamente que podia. E
passada a festa da páscoa, os Iffamtes partiram de Temtugall, e foramsse 25
A,23,v.2 *pera Simtra homde seu padre estaua e teuera aquella festa. E outrossy
o comde de Barçellos e o comdestabre e o meestre de Christo e o meestre
de Samtiago e o meestre dAuis e o prioll do Espitall, e Gomçallo Vaaz
Coutinho, e Martim Aífomsso de Melloo, e Joham Gomez da Sillua,
com todollos outros senhores e fidallgos que auiam de seer em aquelle 3o
comsselho, ueheramsse chegamdo pêra aquelle lugar homde lhes era
mamdado que uiessem. E chegamdosse aquelle tempo elRey partio
de Simtra, e foy foUgamdo per aquella comarqua de Lixboa caminho
de Torres Vedras, e amte desto chegamdo elRey a Carnide, o Iffamte
Dom Hamrrique que mujto deseiaua per seu corpo fazer alguúa cousa 35
8. ante A. — 1 3. poridade A. — 27. xps A. — 32. honde A — elRej A.
— 77 —
auamtajada, chegou a seu padre e disse. Senhor, primeiro que per
estes feitos mais uaades a diamte, porque semto que com a graça de
Deos uaão ja per tall uia que uijram a boa fim. eu uos peço por merçee
que me outorguees duas cousas .s. a primeyra que eu seia huú dos pri-
í) meyros que filhe terra quamdo a Deos prazemdo chegarmos dauamte a
cidade de Cepta. e a segumda he que quamdo a uossa escalia rreall for
posta sobre os muros da cidade, que eu seia aquelle que uaa primeyra-
raente em ella que* outro alguú. ElRey ooihou comtra elle com comte- A,24,r, i
nemça toda chea de rrijso, e lhe rrespomdeo per esta guisa. Meu filho,
10 uos ajaaes a beemçam de Deos e a minha, por teerdes tam boa uoomtade
pêra meu seruiço, e pêra acreçemtamento de uossa homrra. empero
poUo presemte eu nom uos rrespomdo a nehuúa dessas cousas, mas pra-
zemdo a Deos eu uos rrespomderey a ellas em outro tempo mais per-
teeçemte pêra sse dar que agora. Assy chegou elRey aaquella uilla
i5 de Torres Vedras, homde sse ajumtarom com elle todos aquelles senho-
res que forom chamados pêra aquelle comsselho. e amte que sse ne-
huija cousa fallasse, disse elRey ao comdestabre. Por quamto este feito
he assy árduo e gramde, eu som em muy gramde duuida de o mouer a
estes como per noua determinaçom. ca posto que eu uerdadeyramente
20 delles conheça que ssom todos muy boõs e deseiadores de meu seruiço,
acho porem que todollos homeés teem cada huú seu desuayro nas com-
diçoÕes e uirtudes, e que assy nom som todos em huú coraçom e uoom-
tade. e pode seer que poemdo eu este feito determinadamente em seu
juizo, que a semelhamça do perijgo com a mimgua da fortelleza, poderá
25 poer em alguús taaes duuidas * que leixamdolhas homem limar per rrezam, A,24,r,í
fará aos outros tamanho rreçeo, que pode seer aazo de sse este nosso
feito leixar dacabar. Porem queria saber a maneyra que uos parece que
deuo teer, pêra me poder segurar daquesta duuida. Senhor, disse o com-
destabre, uossa comsi)raçom me parece muy boa, mas o rremedio pêra
3o ello me parece que será bem que uos nom mouaaes esta cousa como quem
a moue nouamente, mas como cousa que teemdes determinada por justa
e boa. ca pois uosso primçipall mouimento foy por seruiço de Deos, a
elle primçipallmente deuees de leixar a determinaçom do comsselho. e
o que a uos perteemçe he firme propósito pêra o poerdes em fim com a
35 sua graça e ajuda, e o que a estes do uosso comsselho quiserdes dizer,
nom seia por uos elles comsselharem se he bem de sse fazer ou nom.
mas soomente que lho dizees por seu auiso. e assy por uos elles dizerem
3. uiiram A. — i3-i4. perteemçemte A. — i8. árduo I, arduu A. — 22. sam A. —
28. duuyda A. — 28-29. condestable I, comde A.
-78-
e comsselharem os milhores aazos e caminhos per que este feito possa
acabar. E pêra sse esto milhor emcaminhar, uos hordenarees que eu
falle primeyro no comsselho que outro nenhuú. e eu com a graça de
Deos hordenarey minha falia per tall guisa, que nehuú delles nom aja
A,24,v, I rrezom * depois que eu fallar, de comtradizer uosso propósito. A elRey 5
prouue mujto daquelle comsselho. e mamdou loguo chamar seus oíBçi-
aaes, aos quaaes mamdou que fezessem prestes aquellas cousas que per-
teeçiam pêra corregimento da casa em que elle auia de teer seus com-
sselhos. a quall era huúa salla deamteyra que esta em aquelles paaços ■
de Torres Vedras, homde esta a capella. e foy todo assy corregido como lo
compria aa exçellemçia de seu estado .s. o asseemtamento delRey em
meyo, e os bamcos dos outros de huúa parte e da outra. E o dia em
que sse esto ouue de começar, era huúa quimta feyra, na quall elRey e
seus filhos ouuiram huúa missa de Samto Spritu ofhçiada com gramde
sollempnidade, por tall que a sua samta graça lhe podesse dar uerdadeyro i5
conhecimento de todo o que naquelle feito por seu samto seruiço emtem-
diam de fazer. E dalli ficou a elRey sempre por deuaçom ouuyr seme-
Ihamte missa cada somana em aquelle dia. nom tam soomente ajmda elle,
mas todos seus filhos o cusiumarom sempre em suas capellas em quamto
uiuerom.
Co7no elRey tomou juramento aos do comsselho, e per que guisa, e 20
das pallauras que lhe disse acerca de seu propósito.
Capitullo xxvj.
y
A,24iV,2 -r TTijMDA a hora em que aquelle comsselho auia dauer fim, e jumtos
aquelles senhores e fidallgos em aquella salla, amte que elRey
fallasse nehuúa cousa do que deseiaua, disse. Aquellas cousas zS
soemos auer por fortes e ásperas, as quaaes per alguú aqueeçimento com-
tra nosso deseio nouamente acomteçem. porque a husamça das cousas
geera menos preço delias, e a uos assy parecera alguú pouco graue
esta nouidade que ora emtemdo de fazer, a quall per uemtura cuyda-
rees que he feita com mimgua de fiamça, ou com alguúa noua sospeita 3o
que tenho comtra alguús de uos, ou per uemtura comtra todos, o que
certamente nom he assy, amte uos tenho por boõs e leaaes e amadores
de minha homrra e seruiço, e assy conheço que fuy sempre de uos leall-
1 . consselharem A. — 3. nehuum A. — 1 5. uerdadey A. — 23. Vjimda A. — 29. alguum
A. — 3i algúa A.
— 79 —
mente seruido e acomsselhado. Ca sse assy fora, que eu dalguú de uos
teuera duuida ou sospeita, bem poderá buscar aazo per que o afastara
de meus comsselhos. mas esto que eu faço, he huúa amoestaçam, a
quall ho peso e a gramdeza do feito rrequere. E nosso Senhor Deos
5 quamdo foy a sua transfiguraçom em monte Tabor, nom ouue por mall de
amoestar aaquelles três apostollos que apartou comssyguo, que callassem
o segredo daquella* çellestriall uisom. como quer que aquelles três eram A,25,r, i
os primçipaaes, que elle sempre tijnlia quamto aa humanidade no seo de
seus comsselhos por testimunha de seus segredos. Porem amte que eu
IO nehuúa cousa falle comuosco daquello sobre que aqui fostes chamados,
quero que me façaaes preito e menagem que guardarees fiellmente todal-
las cousas que eu de presemte comuosco fallar. e que as nom direes a
nehuúa pessoa per pallaura nem per escprito. amte afastarees todo aazo
e geito per que sse nehuúa cousa que ao dito feito perteeça possa saber
!.■) nem emtemder. Todos disseram que lhe prazia, empero cada huú era
duuidoso amtre ssy pemssamdo que cousa podia ser aquella sobre que
sse fazia tam nouo fumdamento. E emtom lhes deu elRey juramento no
lenho da uera cruz e sobre o liuro dos euamgelhos, que guardassem assy
todo aquelle segredo como dito he. E esto assy acabado começou elRey
20 seu propósito em esta guisa. Amigos, este dia foy sempre de mym mujto
deseiado. ca bem sabees quamto minha uoomtade sempre foy chegada
ao amor de todollos christaãos. e esto podees claramente emtemder com-
sijramdo como seemdo guerra amtre mym e o rregno de Casteila, quam-
tas uezes * fuy rrequerido delRey de Graada, oftereçemdome gemtes pêra A,25,r,2
25 me ajudarem a destroyr ou deneficar meus comtrairos. a quall cousa
sempre emgeitey, conheçemdo que posto que me trouuesse proueito, que
nom era rrezam tomar tall ajuda seemdo elles jnmijgos da nossa samta
ffe. Outrossy fuy per elles rrequerido pêra lhes dar de mym e de meus
rregnos paz perpetua, ou tregoas por alguú tempo, offereçemdosse por
3o ello a meu seruiço per suas cartas e rrecados. a quall cousa menos quis
outorgar auemdo tall amizade e comcordia por maa e desonesta, e que
seemdo a elles fauor que he uituperio de nossa ffe, pois a uida delles em
este mundo segumdo sua emtemçom he por seu doesto. E sabees
outrossy que em todollos feitos passados, posto que per graça de Deos
35 sempre ouuesse uitoria de meus emmijgos. numca em meu coraçom pude
deseiar outra cousa se nom paz. nom porque esta cobijça ouuesse auem-
dome por camssado de semelhamtes trabalhos, soomente nembramdome
que eram christaãos, cujo dano eu mujto semtia. e como e quamtas
14. perteemça A. — 29. rregnnos A — alguum A. — 33. mumdo A. — 38. muyto A.
— 8o —
uezes eu esta paz deseiey e busquey com elles, manifesto he amtre o
conhecimento de uos outros. E porque nosso Senhor Deos uerdadeyra-
A,52,v, I mente conhecia meu deseio, e com que temçom* me mouia a rrequerer a
dita paz, prouuelhe por sua merçee de a trazer a esta fim que sabees. a
quall cousa eu nom tiue nem tenho por menos uitoria, do que tiue 5
o uemçimento da batalha rreal, na qual! se determinou muy gram
parte de nossa duuida. E porque naquelles tempos passados eu sem-
pre deseiey fazer alguú tall seruiço a nosso Senhor Deos, per cujo
gramde trabalho e perijgo podesse satisfazer per meriçimento alguija
oflemssa, se a comtra sua uoomtade per myra ou per meu aazo lo
teuesse feita, e trazemdo assy este cuydado, mujto a meude rreuoll-
uia meu emtemdimento escolldrinhamdo homde ou como lhe poderia
fazer aquelle seruiço. empero nom me podia uijr aa memoria lugar
aazado em que ho fazer. E porque eu podesse emtemder que o meu tra-
balho nem escolldrinhamento era de pouca sustamçia e uallor amte a sua i5
muy perfeita e alta sabedoria, mu}' ligeyramente me apresemtou amte a
jmagem do conhecimento per aazo nom maginado nem pemssado, como
lhe este seruiço perfeitamente poderia fazer filhamdo a cidade de Cepta,
mostramdome logo certos aazos e caminhos per que mais ligeyramente
A,25,v,2 poderia acabar meu deseio. E porque semti e soube a gramdeza * daque- 20
Ha cidade, e a muitidom das gemtes que em ella mora. e comsijramdo
outrossy como he nas partes daalem deste nosso mar, rretiue assy este
segredo sem uollo deuulgar por duas cousas, a primeyra por saber se
teeria pejo no auiamento de meu feito, quamto aas pazes de Castella. e
a segumda por auer certo conhecimento se aueria alguús empidimentos 25
em minha passagem. E ora que ja de todo som auisado fizuos aqui
assy ajumtar por duas cousas, a primeyra por me ajudardes a dar graças
a nosso Senhor Deos que me tam boa e tam homrrada cousa trouxe aa
maão, em que o podessemos seruir. o que deuees de fazer com mujto boa
uoomtade, porque todos os que aqui estaaes fostes comigo naquelles meus 3o
primeiros trabalhos, por cuja rrezam eu som mujto ledo de auerdes )sso
meesmo comigo parte em quallquer cousa que eu faça por salluaçam de
minha alma. e a segumda pêra rreçeber de uos auiso e comsselho, como
milhor e mais proueitosamente possa cobrar a fim do dito feito, e ajmda
a terçeyra por uos auisar que vos façaaes prestes daquellas cousas que
forem necessárias pêra corregimento de uossa hida.
I. desegey A. — 6. no A. — 8. desegey A — alguum A. — i5. ante A.
Como o comdestabre rresponideo primeiro em aquelle comsselho, e
das * rre^oões que disse, e como ho Iffamte Duarte e seus jrmaãos a, 20, r, 1
rrespomderom e per que maneira. Capiíullo xxvij.
POSTO que elRey despemdesse pouco tempo em apremder çiemçia,
todas suas pallauras porem eram ditas com muy gramde autori-
dade, e tamto que elle assy teue acabada sua rrezam, a pri-
meyra uoz que deuera seer do Iffamte Duarte, ficou ao comdestabre
segumdo per elRey fora hordenado, teemdosse porem tal! maneyra que
alguú dos outros nom podesse emtemder que era feito de certa sabedo-
10 ria. e como quer que o comdestabre fimgidamente rrefusasse mujto de o
fazer, empero ouueo de fazer de rrogo do Iffamte aperfiamdo sobre ello
primeyramente alguú pouco. E aqui auees de saber que sempre ata
aquelle tempo se custumaua no comsselho dos rrex fallarem primeyra-
mente as mayores pessoas, e desy as outras, deçemdo cada huúa per seu
i5 graao ata a mais pequena, e dally auamte ficou em huso de fallarem
primeyramente as mais pequenas, e per semelhamte sobirem hordenada-
mente pêra cima ataa chegarem aa mayor. a quall certamente he huúa
muy boa maneyra pêra todoilos comsselhos dos gramdes senhores, por-
que quamdo as mayores pessoas* faliam primeyro, as mais pequenas A,2Ó,r,2
20 tomam rreçeo de comtrariarem o que as mayores disseram, ajmda que
lhe pareça o comtrayro. Que arguymento de pallaura senhor, rrespom-
deo o comdestabre, posso eu fazer nem outra nehuúa pessoa que aqui seia
amte uossa presemça que pareça rrezoado soomente dizeruos como pro-
feta. Esto he feito ao Senhor, e he marauilhoso amte os nossos olhos.
25 Nem uos nom queyraaes meter este feito no comto dos outros, porque
as outras cousas sobre que uos filhaauees comsselho ajmda que justamente
o fezessees, era porem pêra buscar certos caminhos per que mais ligeyra-
mente podessees segurar uossa uida e homrra, e assy de uossos sogeitos
e naturaaes. mas este feito soomente perteeçe ao seruiço de Deos e
3o saluaçam das almas, uossa e daquelles que uos em ello seruirem. e
quamto a alma he mais nobre que o corpo, tamto nosso Senhor Deos
toma mayor cuydado demderemçar os comsselhos daquelles que sse
mouem pêra sua saluaçom. Porem eu nom semto outro comsselho que
uos em ello dar, soomente que o carrego deste feito primçipallmente
35 leixees a Deos, rremereçemdolhe o cuydado que teue e tem de uossa
3. rresponderam A. — 4. despendesse A. — 7. Iffante A. — 10. condestable I, comde
A. — 12. atee A. — 20. o que I, as que A. — 22. condestable I, comde A.
— 82 —
A,2G,v, 1 saluaçom. * e eu de minha parte ponho ley a mym meesmo de lhe dar
mujtas graças por ello, polia parte que a mim acomteçe. E assy como
uos serui em todailas outras cousas, assy uos seruirei em esta. e ajmda
quamto a cousa he miihor e mais proueitosa, tamto poerei em ello mayor
uoomtade e diliigemçia. Em acabamdo esta pallaura, sse aleuamtou ;
domde estaua, e foi poer os giolhos amte elRey, e em lhe beyiamdo a
maão disse. Eu uos faço esta rreueremça teemdouos mujto em merçee
de me aazardes cousa em que uos sirua em meu offiçio de cauallaria em
que me Deos por sua merçee pos, seemdo cousa tamto de seu seruiço.
Depois que o comdestabre acabou suas rrazoÕes, fallou o lífamte Duarte lo
per esta guisa. Pois que o comdestabre, que he huú homem que foy em
tamtas e tam boas cousas per seu corpo, homde gaanhou tamtas e tam
gramdes homrras como tem per seus boõs merecimentos, ha por tam
boom uosso propósito e fumdamento nom achamdo comtradiçam aiguQa,
que posso eu hi dizer, que ajmda per mim nom fuy em nehuúa cousa perij- i5
gosa nem de temor, soomente follgar mujto por me Deos trazer aazo em
que possa fazer de minha homrra. e por ello dou mujtas graças a Deos,
A,2G,v,2 e a uos tenho em gramde merçee por uos prazer de auiar cousa* em que
uos possa seruir com tamto seruiço de Deos e acreçemtamento de minha
homrra. E em acabamdo estas pallauras leuamtousse em pee, e foy bey- 20
iar a maão a seu padre, e per semelhamte maneyra fezeram seus
jrmaãos, de cujas pallauras nom curamos de fazer expressa memçom,
porque comuiãmente todas faziam este propósito. Ora quall pemsaaes
que auia de seer neiíuú dos outros por ousado que fosse em faltar, que
teuesse atreuimento de comtradizer o fumdamento daqueile propósito. 25
ca nom emtemdaaes que ajmda que a emtemçom delRey fosse tam boa
como era, que hi nom ouuera alguús debates sobre que sse poderam
seguir mujtas rrazoões, se aquelli maneira nom fora primeiramente com-
sijrada. Porque assy como nosso Senhor Deos pos gramde desuairo nas
comtenemças dos homeés, assy lhe prouue que nos emtemdimentos fossem 3o
desiguaaes. e dizem os amtijgos, que esta soomente he aquella cousa
que no mumdo foi miihor rrepartida, porque nehuú homem nom teem tam
pouco siso que sse delle nom comtemte ssem cobijça dauamtagem que
em outrem conheça. Empero foi rrequerido aaquelies que dessem suas
vozes cada huíj segumdo miihor emtemdesse. mas nom ouue hi alguú 35
A,27, r I que soubesse dizer o comtrayro. Mas Joham* Gomez da Siliua que era
huú homem forte e ardido, cujas pallauras sempre traziam jogo e sabor,
9. tanto A. — 10. suas] sas A — Iffante A. — 20 leuamtouse A. — 25. fundamento A.
— 3o. assi A. — 3i. antijgos A. — 36. comtrairo A.
— 83 —
leuamtousse em pee. Quamto eu senhor, disse elle comtra elRey, nom
ssei ali que diga ssenom rruços aalem. E esto dezia elie, porque elRey
e os mais dos que aili estauam tijnham ja as cabeças cheas de caãs. E
elRey e todollos outros começarom de sse rrijr. e assy folgamdo fezeram
fim de suas falias, quamto aaquelle propósito.
Como elRey teue comsselho sobre ho emcubrimento daquelle propó-
sito, e como foi determinado que mandasse desafiar o duque dOlam-
da, e a maneyra que elRey teue naquelle desafio.
Capituílo xxviij.
,o /^ OBRE estas cousas passadas teue elRey seu comsselho, per que ma-
^V neira poderia milhor emcubrir o auiamento da sua frota, porque
^^ todos teuessem em ello olho, e perdessem cuydado de emquerer a
çertidom daquella uiagem. E pêra esto foi achado huú muy proueitoso
rremedio .s. que o duque dOlamda fosse logo desafiado, e pêra esto
i5 hordenaram que Fernam Fogaça que era ueedor do Illamte Duarte, fosse
portador daquelle desafio, e alli ficou loguo determinado, que pêra o
outro sam Joham que seria dalli a huú anno, fossem* todos prestes cada A,27,r,2
huú omde ouuesse dembarcar. E feita a embaxada que Fernam F^ogaça
auia de leuar, foi loguo despachado, de guisa que em breue tempo fez
20 sua uiagem. e tamto que chegou a casa do duque, fezlhe saber como
elle era a elie emuiado da parte delRey Dom Joham de Portuga!!,
segumdo lhe dello fazia certo per sua carta de creemça, porem que lhe
pedia por merçee que lhe assijnasse tempo em que lhe podesse dizer
comprldamente sua embaxada. O duque rrespomdeo que elle se fosse
25 por emtam pêra sua pousada, e que elle comsijraria quamdo poderia seer
despachado, e que lho faria saber. Fernam Fogaça tamto que foi na
pousada, muy secretamente fez saber ao duque como lhe era mujto nece-
ssário de lhe primeiro fallar apartadamente, por quamto aquello que lhe
emtom assy auia de dizer era a primçipall causa de sua uijmda. e o
3o que lhe depois emtemdia de dizer de praça, nom era senom cautcilosa-
mente por milhor emcubrimento de seu propósito, ao duque prouue
mujto de fazer seu rrequerimento. e assy emcaminhou como secreta-
mente lhe desse sua audiemçia. E tamto que Fernam Fogaça foi com
elle, disse. Senhor, uossa merçee poderá bem saber, como elRey Dom
4. assi A. — 10. consselho A. — 14. dolanda A. — 24. embaixada A. — 25. comsira-
ria A. — 27. muj A.
-84-
A,27.v, I Joliam de Portugall meu senhor, se faz ora prestes* com todos os senho-
res de seu rregno pêra auer de fazer huú gramde feito por seruiço de
Deos, e acreçemtamento de sua homrra. e esto he, que elle emtemde em
este anno seguimte de hir sobre os jmmijgos da samta ffe. E que por
quamto a elle prazeria mujto de sua uerdadeira emtemçom seer emcu- 5
berta por mayor descuydo dos ditos jmfiees, que acordara de uos mam-
dar desafiar, porque os que uissem assy este corregimento, nom tenham
aazo de sospeitar a çertidom do que elle deseia. Porem uos rrogua que
uos praza rreçeber assy este desafio com mostramça de o auer por firme,
pêra cuja comfirmaçam façaaes alguúa maneyra de perçebimento. e lo
que prazerá a Deos que lhe trazera alguúa cousa aa maão pêra acreçem-
tamento de sua homrra, em que uos elle poderá amostrar o agradeci-
mento de uossa boa uoomtade, e despesa que em uosso perçebimento
fezerdes. O duque rrespomdeo que elle agradecia mujto a elRey de o
querer fazer sabedor de tamanho segredo, o quall lhe certificaua que elle i5
guardasse muj bem. e esto dezia o duque, porque Fernam Fogaça lhe
comtou toda a uerdade do feito, e que quamto era ao desafio, que elle
A,27,v,2 daria açerqua dello tall maneira, que* elle ouuesse por bem empreguado
o atreuimento que em elle teuera. Tornousse Fernam Fogaça pêra sua
pousada, e o duque ficou em seu paaço. e a cabo de dous dias lhe 20
mamdou dizer que elle ouuesse assy paciemçia, por quamto elle queria
mamdar chamar seus comsselheiros, em cuja presemça queria ouuir a
sustamçia de sua embaxada. ca bem era de presumir que huú tara
homrrado primçipe como era elRey Dom Joham, nom poderia a elle em-
ular ssenam com cousa de gramde peso e autoridade. E porem mamdou 25
loguo o duque fazer suas cartas pêra todos aquelles gramdes senhores de
sua terra, per as quaaes lhes fazia saber como alli estaua huú embaxador
delRey Dom Joham de Portugall. o quall lhe trazia huúa embaxada.
porem que lhe mamdaua que trigosamente fossem com elle, por quamto
nom emtemdia de ouuir delia nehuúa cousa fora de sua presemça. E em 3o
esto fazia o duque duas cousas muy sages. a primeira fazia emtemder
aaquelles que os tijnha em gramde comta, pois nom queria ouuir seme-
Ihamte cousa ssenam em sua presemça. e a segumda fazia gramde ser-
uiço a elRey, porque estamdo alli aquelles ao tempo de seu desafio seria
A,28, r, I aazo de seer deuulgado* com mayor autoridade e firmeza. Depois que 35
todo foi prestes, e o duque posto em seu estrado, fez chamar Fernam
Fogaça, e lhe mamdou que dissesse todo o porque alli fora uijmdo.
1 1 . algúa A. — 21. assi A — quanto A. — 23. embaixada A. — 27. embaixador A. —
28. purtugall A — embaixada A. — 36. estrado I, estado A.
— 85 —
Senhor, disse elle, o mujto alto e mujto exçellemte primçipe elRey Dom
Joham de Portugall meu senhor, uos emuia dizer per uirtude da carta de
creemça aa uossa merçee apresemtada, que a elle sam per mujtas uezes
feitas gramdes querellas e queixumes per seus súbditos e naturaaes de
5 mujtos rroubos e dannos, que lhe os moradores de uosso senhorio ham
feito e fazem cada huii dia, nom queremdo leixar passar liuremente as
mercadorias dos ditos seus naturaaes per os mares e portos de uosso
senhorio, e ajmda per outros de fora homde elles podem abramger,
fazemdo rrepresarias emjustas e nom certas, sobre as quaaes sse ham
10 socorrido aa uossa merçee pidimdouos dereito e justiça, pois aquelles
danadores em o dito tempo eram uossos súbditos e naturaaes, e habitam-
tes em os ditos uossos senhorios, e uos poderoso de os castigar e corre-
ger. aa quall cousa nom quisestes proueer com a dita justiça, amtes
posestes os negócios em dillaçoões * tramssitorias. Sobre o quall os ditos .A,28,r,2
i5 denificados se tornarom aa sua merçee, nom achamdo em uos satisfaçam
nem justiça, no que sse mostra uos dardes a eilo fauor e comssemti-
mento. quamto mais ajmda que sua merçee ha por certo que uossos offi-
çiaaes em uosso nome rreçeberam o dereito das mais das cousas, no que
sse mostra uos dardes a ello comssemtimento e fauor. Porem sua alta
20 senhoria queremdo prouueer sobre as ditas cousas, uos rrequere que lhe
façaaes loguo emmemda delias cora perfeita satisfaçam, doutra guisa que
elle ha por desafiada uossa pessoa e todas uossas terras e senhorio pêra
fazer em ellas guerra per mar e per terra, e que porem uollo faz saber
por seerdes auisado de sua parte como perteeçe aa sua alteza de uos
25 auisar em semelhamte caso. Gramde queixume mostrou o duque ouuimdo
assy aquella embaxada, e todoilos outros que eram com elle per seme-
lhamte guisa ficaram muy espamtados. e emtam mamdaram a Fernam
Fogaça que sse sahisse fora da casa pêra elies fallarem em aquelle feito.
O duque mostraua todauia que nom podia auer nehuúa paçiemçia. dizem-
3o do, que nom soomente elRey* de Portugall. mas que toda a Espanha nom A,28,v, i
temia nehuúa cousa. E deuees de saber que esta desafiaçom trazia muy
justa coor. porque certo era que os naturaaes daquelle duquado faziam
muy gramdes rroubos no mar em os nauios destes rregnos. mas tamto
aproueitou aquella embaxada, que jamais numca sse fezeram como sse
35 amte faziam, primçipalmente porque o duque ficou mujto amigo delRey,
por aquella fiamça que em elle teuera. Alguús dnquelles comsselheiros
ouue alli, que disseram que seria bem de o duque emuiar a elRey sua
17. ainda I, ajuda A. — 26. assi A — embaixada A. — 33. rregunos A. — 34. embaix.i-
da A.
— 86 —
rreposta bramda. por quamto disseram elles. Senhor, este rrey de Portu-
gall he huú homem forte e ardido e bem esqueemçado. e todos seus
naturaaes som homeés que ham husado as armas, e estam agora brauos
e argulhosos polias gramdes uitorias, que ouuerom comtra o rregno de
Castella. e sobre todo elRey he homem que uio ja mujtas cousas, e 5
posto que uos ora este rrecado assy emuiasse, certo he que ja teera todos
seus feitos corregidos. e amte que uos uos possaaes perceber, uijnra sobre
uos com todo seu poder, ca bem ha dous annos disse huú delles, que eu
A,28, v,2 ouuy a huú mercador que uijnha de Bruges, que eram hy *nouas que
elRey fazia rrepayrar sua frota, e mamdaua fazer outra de nouo com lo
outros gramdes corregimentos de guerra, de que sse percebia callada-
mente. e pois elle teem pazes feitas com Castella, bem sse moítra
segumdo este rrecado, que aa uossa homrra se fazia toda esta festa. E
por merçee nom queiraaes pollo mall que quatro ladroóes de uossa terra
querem fazer, meter uossa pessoa e senhorio em proua nom certa, ca esta i5
espiriemçia nom sse deue fazer senam sobre os derradeiros rremedios, pois
em ella pemde a homrra e uida. Outros ouue hi que rrezoaram pollo
comtrairo, mas o duque todauia nom podia abramdar de seu queixume.
E emtom fez chamar Fernam Fogaça, e com sua comtenemça mujto áspera
começou de lhe dar sua rreposta em esta guisa. Segumdo parece, este 20
uosso Rey ficou assy posto em argulho dos boõs aqueeçimentos que ouue
nos tempos passados comtra seus uizinhos. empero pois ssesudo he,
deue de comsijrar, que nom morrem todos de sob huúa maça. e que
em este meu senhorio assy ha homeés que sabem ho offiçio da cauallaria
como no seu. e que nom teem menos uoomtade de me seruir, que os 25
A,29,r, I seus teem a elle. Porem uos* lhe dizee que a mym praz mujto de sua
uijmda, e que elle me achara prestes quamdo uier. e que lhe faço certo
que o uaa rreçeber a quallquer lugar homde sua frota uier portar. E pêra
esto lhe mamdou fazer sua cana de creemça, e desy mamdou que sse par-
tisse quamdo quisesse. Mas depois que foi noute. mamdou o duque por Fer- 3o
nam Fogaça muy secretamente damdolhe suas emcomemdas muy graciosas
pêra elRey com outras mujtas pallauras de rregradiçimento. e sobre todo
fezlhe merçee, e mamdou que sse tornasse mujto em boa ora pêra seu
rregno. Nem Fernam Fogaça nom ficou tam simprez que lhe muy bem nom
soubesse agradecer per suas boas pallauras polia parte delRey seu senhor, 35
toda a boa maneira que elle em aquelle feito teuera. E assy fez fim de
sua embaxada.
6. assi A. — 7. ante A. — 21. assi A. — 24. assi A. — 29. desi A. — 36. assi A.' — 37
embaixada A.
-87-
Como Fernam Fogaça tornou com a rreposta de sua embaxada, e
como sse as cousas passaram açerqua do covregimento da frota em
quamto elle fe{ sua uiagem. Capiíullo xxix.
BEM mostrou o duque dOIamda que tijnha uoomtade de fazer prazer
a elRey, porque tamto que seu embaxador Fernam Fogaça partio,
elle logo fez saber a todollos lugares de seu senhorio, como per
certos rrecados que auia* delRey de Portugall era necessário de seer prés- A, 29,r,2
tes, por quamto o mamdara desafiar. E assy começou de sse correger
dallguúas cousas, que em todo seu senhorio nom podiam em ali emtemder
IO senam que todauia tijnham guerra aberta com o rregno de Portugall.
ElRey depois que sse Fernam Fogaça partio, começou mujto mais trigo-
samente de correger todallas cousas que lhe compriam pêra boom auia-
mento de sua partida, mamdamdo logo fazer prestes certos escudeiros
com suas procurações abastamtes, os quaaes mamdou per toda a costa
i5 de Galliza e de Bizcaya, e a Imgraterra, e a Allemanha fretar nauios
grossos, quamtos sse podessem achar, a quall cousa nom era senam
huú manifesto pregom que corria per mujtas partes da christijmdade
daquesta armaçom que elRey assy fazia, e porque as nouas de lomge
sempre fazem a cousa mayor do que he, posto que o corregimento delRey
20 fosse muy gramde, ajmda a fama era mujto mayor. E em sse corregemdo
estas cousas e outras mujtas sobrechegou Fernam Fogaça com seu rre-
cado, do quall mujto prouue a elRey. e mamdou que sse deuulgasse per
todo o rregno que os primçipaaes capitaães desta armada auiam de seer
os Iffamtes * Dom Pedro e Dom Hamrrique. mas nom quis que sse A,2o,v, 1
23 deuulgasse determinadamente que auiam de hir sobre o duque dOlamda.
empero que em sua uoomtade bem lhe prazia que o creessem assy todos,
porque semelhamte maneira demcobrimento fazia parecer a cousa mais
certa aaquelles que a presumiam. E ajmda que sse determinadamcnie
dissesse, nam leixariam alguús de conhecer que a disposiçom daquella
3o terra nom rrequeria taaes artefiçios, como elRey ao presemte mamdaua
fazer, e comsijramdo em ello poderiam comgeitorar a outra mais çerla
determinaçam. E em esto tijnha elRey maneira, que quamdo llie falla-
uam açerqua daquella hida, assessegaua sua comtenemça per tall guisa,
que lhes fazia emtemder que nom era aquelle o lugar certo pêra homde
35 elle fazia seu perçebimento. Doutra parte mouia questoÕes e fazia figu-
I. embaixada A. — 5. embaixador A. — 8. assi A. — 9. dalguCas A. — 10. rregnno A.
— 17. xpijmdade A. — 18. assi A. — 23. rregnno A. — 26. assi A. — 34. logar A.
ras, que queriam rrepresemtar a comquista daquella comarqua, homde elle
deseiaua que sse presumisse. Ora que seria que estamdo elRey em
estes çeumes daquelie segredo, sobrechegou a elle huú homem pêra
arrecadar seus feitos, e trouxelhe a cidade de Cepta toda debuxada assy
A,29,v.? perfeitamente como ella esta. e como quer que aquelle* homem seme- í>
Ihamte emtemçom nom trouuesse de sospeitar alguúa cousa daquelie
segredo, elRey foy em gram trabalho amtre ssi meesmo, pemssamdo que
sua uoomtade era descuberta per prosumçom dalguús, a quall mouera
aaquelle homem de lhe trazer assy aquella figura, pareçemdolhe que lhe
prazeria com ella segumdo o deseio que tijnha. Empero elRey teue tall lo
auisamento ao tempo que lhe assy aquello foi apresemtado, que nom fez
mostramça de nehuij comtemtamento, nem ajmda segumdo crcemos fez
nehuúa comta de semelhamte figura, amte a menos preçou de todo. Bem
poderemos certamente emtemder, que a uoomtade de Deos era dem-
caminhar todauia como elRey ouuesse a uitoria daquelie feito, quamdo i5
aquelle simprez homem fora de nehuúa presumçom que a semelhamte
negocio tamgesse, mouido per graça espiçiall, a quall elle nom conhe-
cia nem sabia, lhe apresemtaua assy aquella figura, per que mais ligei-
ramente podesse tirar alguúas duuidas, sse as em sua uoomtade tijnha
açerqua da comquista daquella cidade. Outrossy depois do acabamento 20
daquelles comsselhos, determinou elRey como toda a gemte da comarqua
da Beyra e Trallos Montes e damtre Doyro e Minho, embarcasse na
A,3o,r, I cidade do Porto. * e mamdou ao Iffamte Dom Hamrrique que sse fosse aa
comarqua da Beyra, e que fezesse ajumtar todollos coudees e anadees,
assy daquella comarqua como da outra de Trallos Montes, e que per 25
seus liuros fezesse apurar toda a gemte que fosse pêra seruir, damdolhe
os quadernos dos alardos que ja amte desto mandara fazer, os quaaes
em ssi tijnha Gomçallo Louremço como dito he. E per esta meesma
guisa mamdou ao comde de Rarçellos que teuesse carrego da comarqua
damtre Doyro e Minho. E a gemte da Estremadura, e damtre Tejo e 3o
Odiana, e do rregno do Algarue determinou que embarcasse na cidade
de Lixboa sob capitania do Irtamte Dom Pedro, ao quall leixou emcarre-
guo da apuraçam das gemtes destas três comarquas per a guisa que a
tijnham seus jrmaãos das outras. E porque os uassallos e toda a outra
gemte que auiam dauer comtia e solido, podessem auiar milhor seu corre- 35
gimento, mamdou que lhes paguassem as ditas comtias e solido. E
mamdou outrossy ao Iffamte Duarte seu filho, que teuesse por elle emtei-
4. assi A. — 8. prosunçom A. — 9. assi A. — 11. assi A. — 18. assi A. — 20. outrossi
A. — 25. assi A. — 37. outrossi A.
ramente carrego e rregimento da justiça e da fazemda de todo ho rregno.
E era emtom o Iffamte Duarte aaquelle tempo que lhe esto foi cometido
em hidade de uijmte e dous annos. e porque estes dous* trabalhos som A,3o,r,3
muy gramdes, e elle era homem mamçebo, e nom os auia acustumado,
i quamto mais que os tomou com muy gramde cuidado, poemdo em elles
gram dilligemçia. ca mujto cedo se leuamtaua da cama, e ouuia suas
missas, de guisa que a pouco espaço depois de soll saydo era ja na rre-
llaçom, homde estaua comtinuadamente ata as homze e doze oras. e
loguo como acabaua de comer, daua audiemçias muy gramde espaço, e
IO sem filhar gramde rrepouso tornaua a desembargar pitiçoões ou proueer
feitos da fazemda, de guisa que pêra seu descamsso lhe ficaua muy pe-
quena parte da noute. O que foi causa per que sse geerou em elle doemça
de humor menemcollico. a quall se acreçemtaua em elle ajmda mujto
mais comtinuamdo em ello, seemdo homem mujto gracioso e mujto ma-
iS uioso de comdiçom, que numca soube a nehuú homem dar maa reposta,
e aquella door segumdo sua naturali propiedade he anojarsse da gemte,
e querer sempre apartamento. Eram em aquelle boõ primçipe duas muy
gramdes pelleias. porque per sua comdiçom queria estar amtre a gemte,
e ouuir graciosamente seus rrequerimentos. e aquella triste einfirmidade o
20 costramgia a auorreçer todas aquellas cousas. * Empero tamta era a uir- A,3o,v, i
tude e boomdade em elle, que uemçia a malldade da door, e seguia sua
boa natureza e comdiçom, de guisa que de muy poucos homeés era conhe-
cido que em elle tall padiçimento auia. Por certo diz o autor, gram
espramdiçimento fazia no mundo tamta bomdade e uirtude de primçipe,
25 da quall me aparto dollorosamente leixamdo de fallar em ella por tornar
aas outras cousas, ca por çertó bomdades dos homeés daquelle tempo
eram nada em comparaçom da sua. Mas do marauilhoso rremedio que
elle achou pêra sua cura, seria proueitoso a quallquer que semre alguú
padiçimento desta emfirmidade, se leesse per aquelie liuro que elle compôs
3o que sse chama ho liall comsselheiro, homde achara o rremedio daquella
cura compridamente escprito aos uijmte e três capitullos. E assy forom
rrepartidos os emcarregos do rregno per os Iffamtes e comde de Barçe-
llos. c a elRey soomente ficou cuidado de suas artelharias e armas com
todallas outras cousas, que perteeçiam pêra auiamento de sua frota, e
35 pêra sse estas cousas milhor poderem emcaminhar, foisse elRey chegamdo
comtra a cidade de Lixboa, pêra dalli mamdar mais ligeiramente perceber
todas suas cousas.
4. mancebo A. — i3. a I, o A. — 18. per I, a A. — 24. mumdo A. — 3o. ho liall] holl-
tall A, o Leal I. — 3 1. assi A — foram A.
— 90
A,3o,v,2 Como elRey escpreueo aos fdallgiios que sse fedessem prestes pêra
hirem com seus filhos, e do gramde trafego que emtom era no rregno
açerqua daquelle corregimento. Capitullo xxx.
01
UEM poderia aaquelle tempo fallar em outra cousa senam em armas
e em perçebimento de guerra. Ca loguo elRey escpreueo a todo- 5
lios senhores e fidallgos e liomeês de comta suas cartas de perçe-
bimento. nas quaaes lhe fazia saber como elle por seu seruiço e homrra
do rregno, tijnha hordenado demuiar seus filhos .s. o Iffamte Dom Pedro
e o IlTamte Dom Hamrrique por capitaaes de sua frota pêra o seruirem
no que elle mamdasse, com os quaaes lhe prazia que fossem aquelles a lo
que elle assy escpreuia. porem que lhes mamdaua que sse fezessem logo
prestes pêra hirem com elles em a dita frota, e lhe fazerem primeira-
mente saber as gemtes com que o emtemdiam de seruir, pêra lhe desem-
bargar seus dinheiros e hordenados pêra corregimento seu e das ditas suas
gemtes. E com esto era o feruor tam gramde no rregno, que em todo- i5
lios lugares as gemtes nom trabalhauam em ali. porque huús amdauam
em alimpar suas armas, outros em mamdar fazer bizcoitos e sallguar
A,3i,r, I * carne e mamãjmentos, outros em correger nauios e aparelhar guarniçoões,
de guisa que ao tempo da necessidade nom sse achassem dalguúa cousa
falleçidos. Mas primçipallmente era este trafego na cidade de Lixboa e 20
do Porto, porque comuiJmente nom auia hi alguú que fosse liure deste
cuydado. e tamta e tamanha era a rreuollta no corregimento destas
cousas, que quamdo fazia tempo callado, claramente ouuiam o arroydo
per muy gram parte dos lugares de Ribatejo. E em uerdade era fre-
mosa cousa de ueer. ca per toda aquella rribeyra jaziam naaos e nauios, 25
nos quaaes de dia e de noute amdauam callafates e outros mesteiraaes,
que lhe rrepayrauam seus falliçimentos. Doutra parte jaziam mujtos bois
e uacas decepadas, e alli mujtos homeés huús a esfollar, e outros a cortar
e sallguar, outros a meter em tonees e botas em que auiam dhir. Os
pescadores e suas molheres tijnham cuidado de abrir e sallgar as pesca- 3o
das e caçoões e rrayas, e semelhamtes pescados, dos quaaes todollos
lugares em que o soll tijnha mayor assessego eram cheos. Os offiçiaaes
da moeda de dia e de noute numca seus martellos estauam quedos, per
A,3i,r,2 tall guisa que ajmda que* huú homem braadamdo dissesse alguúa cousa
amtre aquellas fornaças, escassamente podia seer emtemdido. E os teno- 35
3 da quell A. — 11. assi A. — 14. e] om A, e I. — 17. alimpar] e correger add. na
margem A. — 29. de hir A. — 32 luguares A.
— 91 —
eiros nom eram pouco trabalhados em fazer e rrepairar as uasilhas pcra
os uinhos e carnes e outros mamtijmentos. alfayates e tosadores em apa-
relhar panos e fazer liurees de desuairadas guisas, cada huú segumdo lhas
o senhor delias mamdaua fazer, carpemteiros em emcaixar bombardas e
5 troõs e emderemçar todallas outras artelharias, as quaaes eram mujtas
e gramdes. cordoeiros em fazer guimdaressas e estremques e caabres
e outra mujta cordoalha de linho, que faziam assy pêra os nauios da terra
como pêra os de fora, ca todo se rrepayraua em este rregno. Quem
seria aquelle que destimtamente podesse comtar os trabalhos, que auia
10 amtre aquellas gemtes. ca nom era alguij que fosse escusado daquelie
emcarr^go. ca posto que os uelhos per rrezom de sua hidade soubessem
que auiam de ficar, nom tijnham porem pequeno cuidado descolldrinhar
quall seria certamente a parte, pêra homde aquella frota auia de fazer
sua uiagem. e sobre esto tijnham gramdes departiçoões, ca este offi-
t5 cio primçipalmente leixão a natureza aos uelhos, por rrezom das mujtas
cousas que *uiram e sabem, e porque ssom ja liures das paixoões, as A,3i,v, i
quaaes aos mancebos nom leixam liure poder pêra cuidarem dereitamente
as cousas, e como quer que os seus cuidados fossem tam agudos, nom auia
hi porem nehuú que podesse determinar a çertidom daquelie feito. Ca
2o huús diziam que elRey mamdaua a lífamte a Imgraterra pêra casar em
aquelle rregno muy homrradamente. e que hiam seus jrmaãos com ella
com aquelle poderio de gemtes e corregimentos de guerra, pêra ajudarem
elRey seu primo a comquistar o rregno de Framça. Outros diziam que
hia sobre o rregno de Naapuli, porque a rrainha estaua uiuua, e que
25 escpreuera a elRey que emulasse ta huii de seus filhos pêra casar com
ella, e rreçeber o senhorio do rregno. e que desta meesma uiagem
auiam de fazer semelhamte no rregno de Cezilia. e que por isso em-
uiaua elRey assy aquelles dous filhos por rrezam dos dous casamentos.
Outros disseram que elRey no começo daquella demamda que ouuera no
3o rregno de Castella, que prometera dhir em rromaria aa casa samta de
Jerusalém, por tall que o Senhor Deos lhe desse uitoria comtra seus em-
mijgos. e que por quamto lhe o Senhor Deos dera assy aquelle * estado, A,3i,v,2
e os de seu comsselho nom eram em acordo que elle fosse fora de seus
rregnos, que emuiaua la seus filhos assy poderosamente por duas rrazoões.
35 A primeira por comprirem a rromaria por elle, e poderem passar per
todollos lugares sem rreçeo de nehuúa pessoa, dizemdo ajmda que quamdo
2. e tosadores I, tosadores A. — 4. em I, om A. — 7. assi A. — 20. Iffante A. —
25. elRej A. — 27-28. enuiaua I, emuiara A. — 28. assi A. — 3 1 . jhrim A. — 32. quanto A
— assi A. — 34. assi A. — 36. luguares A.
— 92 —
alia fora o comde de Barçellos, que esta fora a primçipall cousa de sua
hida .s. que o mamdara seu padre com emtemçom de ueer aquella samta
cidade e os portos e amcoraçoões que auia em este mar medeoterrano
naquelle porto de Jafta omde faz sua fim. e esto he quamto a este mar
que emtra pollo estreito de Cepta. E a segumda era por trazerem 5
aquelie samto sepulcro com todallas outras samtas rreliiquias que sse
podessem achar em aquella cidade e termos delia. Outros diziam que
auiam -dhir sobre a cidade de Bruges por certas rrazoões que allegauam
que elRey lijnha de o fazer, as quaaes aquy nom declaramos por extemsso,
porque ssom tamtas e com tamtas particuUaridades sem proueitoso efleito, lo
que teuemos por milhor de as leyxar, por dar lugar aas outras cousas.
A,32,r, I Outros disserom que os Iffamtes todauia auiam dhir * sobre o duque
dOlamda, per a guisa que ja ouuistes. ca posto que aquelie segredo assy
emfimgidamente fosse callado, aquelles que hiam com Fernam Fogaça o
comtauam a seus amiguos. e quamto lhes elles mais emcomemdauam i5
que fosse em segredo, tamto o elles mais asinha descobriam, porque aquella
cousa he mais asinha quebramtada, que em ssi traz mayor força de deflesa,
quamdo per medo dalguúa penna se nom leixa de quebramtar. Disse-
rem ajmda alguús outros, que por quamto em Auinham aaquelle tempo
estaua ho amtipapa que sse chamaua Clemente septimo, ao quall obedecia 20
toda a Espanha, afora este rregno de Portugall. que elRey como fiell e
cathollico christaão, que sempre teuera com ho papa de Roma, teemdo
uerdadeiramente que aquelie era o dereito uigairo de nosso Senhor Deos
em lugar do apostollo sam Pedro, e uerdadeiro pastor na samta jgreia,
emuiaua seus filhos queremdo desfazer tamanha diuisom como estaua aS
amtre os christaãos. e que os Iflamtes hiam assy poderosamente, porque
sse per ueratura alguijs daquelles seus súbditos quisessem tornar a ello,
A,32,r,2 que os Iffamtes leuassem tamanho poder que lho * podessem comtrariar.
Outros disserom que aquella frota primçipallmente hia sobre Normamdia,
porque elRey achaua que tijnha dereito em ella, por rrazom delRey Dom 3o
AfFomsso que fora uisauoo de seu padre elRey Dom Pedro, o quall fora
comde de Bellonha. Outros fallauam outras mujtas cousas tam desuay-
radas que seriam lomgas descpreuer, porque he determinado na samta
escpritura, que homde uerdade sse escomde, alli sse multiplicam mujto
mais pallauras. E como quer que assy estes desuairos e outros mujtos 35
auia amtre elles, nom era porem alguú que podesse certamente nem
assy apalpando fallar na cidade de Cepta. soomente quamto achamos que
8. de hir A. — i3 assi A. — 17. da A. — i6. assi A. — 29. disseram A. — 35. assi A.
37. assi A.
-93-
huú judeu seruidor da Rainha Dona Fillipa que chamauam Yuda Negro,
que era gramde trobador segumdo as trobas daquelle tempo, em huQa
troba que emuiou a huú escudeiro do Iffamte Dom Pedro que chamauam
Martim Affomsso da Atouguia, comtamdolhe as nouas da corte, disse todas
estas cousas que dissemos e outras mujtas, amtre as quaaes no derra-
deyro pee da quarta troba disse, que os mais ssesudos emtemdiam que
elRey hiria sobre a cidade de Cepta. Mas esto emtemdiam que elle nom
* soubera tamto por nehuú sinall certo que uisse, soomente per juizo des- A,32,v, i
trellomia em que elle mujto husaua.
,0 Como em Castella ouueram estas nouas, e do comsselho que açerqua
dello teueram, e como determinaram demuiar a elRey seus embaixa-
dores pêra Jirmarem as pa^es. Capitullo xxxj.
TODOLLOS homeés segumdo semtemça do philosofo no primeiro liuro
da tramsçemdemte philosofia, naturallmente desciam saber, e aques-
te naturall deseio nos mostra o çeguo, a que nosso Senhor Jesu
Christo pregumtou que era o que deseiaua. rrespomdeo que lhe desse
uista, nom determinamdo que uisse huija cousa nem outra, porque na
samta escpritura por saber ueer sse poõe, segumdo disse o propheta no
quarto uerso do oitauo salmo. Porque eu uerey os teus çeeos obra dos
20 teus dedos, etc. mostramdo que aquella uista era a perfeita sabedoria,
que elle emtemdia de percalçar depois do trespassamento desta uida.
Mas sobre esta semtemça do philosofo sse faz huú fremoso argumento,
sse per uemtura este deseio, a que assy nos moue a natureza, he quamto
aas cousas que perteeçem a alma, sse quamto aas do corpo, sobre o
25 quall argumento breuemente emtemdamos que em ambas ha lugar,
teemdo cada* huúa parte seus graaos apartados, cuja declaraçom pollo A,32,v,2
presemte nom he pêra nosso processo. E fallamdo deste deseio que per-
teeçe aas cousas do corpo, saibamos que este deseio he partido em quatro
partes, porque huú deseio he aqueile que homem deseia de saber nom
3o soomente a outra fim, senam por filhar em ssi huú desemfadamento que
o emtemdimento rreçebe, quamdo ha perfeito conhecimento da cousa
sobre que tem duuida, cuja experiemçia cada huú pode ueer cm ssi.
ucemdo nouamcntc alguú homem ou molher que elle per uemtura conhece,
I. rrainha A. — 5. muytas A. — 9. em A, de I. — 1 1-12. embaixadores A, emb;ixa-
dores I. — i3. segundo A — phillosofo A. — 14. transçendemte A. — i5-i6. Jhu xpõ A.
— 22. sentemça A — se A. — 23. se A — assi A — quanto A. — 25. ha] aa A.
— 94 —
mas nom he em certa nembramça domde nem de quamdo ha delle este
conhecimento, e posto que lhe proueilo nem perda tragua, empero o
emtemder naturallmente deseia chegar a esta sabedoria, e cobramdoa
seemte foligamça. Outro saber he quamdo o homem apremde alguiia
ciemçia, per cuja fim espera rreçeber homrra ou proueito. e quamdo a 5
percallça, seemte foligamça por rrezam da homrra e do proueito, mas nom
por outra fim. Outro saber he quamdo aiguii deseia saber alguúas
cousas sotijs taaes que elle magina que poucos sabem, e quamdo as per-
calça seemte lediçe possoymdo em ssi meesmo huú emtrimssico pra-
A, 33,r, I zer, comsijramdo como elle he em* perfeito conhecimento daquello que lo
poucos sabem. O quarto deseio de saber he quamdo homem deseia de
saber aquellas cousas, de que nom he certo se lhe uijmra dano ou pro-
ueito. e mujto mais ajmda trabalhem os emtendimentos por saber a çer-
tidom daquellas de que certamente esperam rreçeber dano, que das outras
de que sse segue proueito. ca soomente o temor he aazo de filharem os i5
homeés comsselho. Cujo mouimento foi em alguús daquelles primçipaaes
do rregno de Castella. ca ouuimdo as nouas como este feito creçia cada
uez mais, teueram muy gramde cuidado de saber o primçipall mouimento
delRe}^ mas este deseio nom era saluo por aquella derradeira rrezam
que ja dissemos, temendo ho dano que lhe podia vijr, e diziam amtre 20
ssi. Como pode seer que elRey aja de fazer armada nem tamanho
ajumtamento de gemtes, pêra hir sobre o duque dOlamda, seemdo
amtre elles tam poucas emjurias passadas, ca posto que o elRey assy
mamdasse desafiar, seria a outra fim, mas nom ja porque a sua uerda-
deira teemçom seia dhir sobre elle. E sobre, esta duuida alguús Genoe- 25
A,33,r, 2 ses estamtes na cidade de Lixboa escpreueram a outros *seus parceiros
estamtes em Seuilha, rrecomtamdolhe todo ho ardimento que sse trazia no
rregno de Portugall acerca do auiamento daquella frota, e posto que
sse alguúas cousas dissessem de desuayradas maneiras, os mais dos sse-
sudos crijam que todo se fazia pêra hirem sobre a cidade de Seuilha. 3o
porem que elles fossem auisados de tirarem de hi sagesmente suas mer-
cadorias e cousas, de que emtemdiam rreçeber alguú dano em abati-
mento de sua fazemda. E com estes rrecados e mujto mais com a pro-
sumçom que sse fazia manifesta, se ajumtarom aquelles uijmte e quatro
da quadra de Seuilha, e teueram sobre ello gramdes comsselhos. sobre 35
os quaaes escpreuerom ao comsselho delRey .s. aa rrainha e a alguús
outros gramdes senhores que eram com ella. por quamto o Iffamte Dom
8-9. percalçani semtem A. — 23. assi A. — 25. de hir A. — 25-26. Jenoeses A. —
28. purtugall.
-95-
Fernamdo era ja rrey dAragam, e estaua em seu rregno proueemdo sua
terra. Chegou assy este rrecado a Pallemça homde elRey estaua, sobre
o quall se fallarom mujtas cousas, amtre os quaaes fallou prímçipallmente
huú bispo de Aauila, a que aquelle rrecado de Seuilha em espiçiall fora
5 emcomemdado, por quamto elle era naturall daquella cidade, e esto
fallou elle assy, porque mujtos daquelles do comsselho deziam que * nom A, 33,v, i
era pêra fallar em semelhamte cousa, que bem era de presumir que sse
elRey Dom Joham teuera uoomtade de cometer semelhamte cousa, que
nom mamdara la seus embaxadores rrequerer paz. Senhores, disse o
IO bispo, mujtas mais uezes dam as cousas comsselho aos homeés, do que
os homeés dam aas cousas, e sobre todo a experiemçia que he meestra
de todallas cousas nom certas, e porem o que os de Seuilha rrequerem
nom he sobre fumdamento uaão, ca nom ha tam simprez em este rregno,
que nom semta que semelhamte ajumtamento, quall se faz no rregno de
o Portugall nom seia mujto pêra temer e arrecear, ca nom tam soomente nos
outros que somos seus uezinhos, mas ajmda os alomguados de seu rregno
pem.ssam semelhamte cousa, e comsijram bem ho dano que sse lhe dello
pode seguir, ca aquelle he auido por prudemte e ssesudo que comsijra
as cousas amte que uenham. ca por jsso disseram os uelhos amtijgos que
20 ho homem percebido he meo combatido, e aquelle boom caualleiro Dom
Joham Manuell por tamto pos naquelle liuro que fez, que sse chama
o comde Lucanor, huíi exemplo que acomteçeo a amdorinha com as
* outras aues, que faz mujto a este propósito. Certo he que o rregno de A,33, v,2
Portugall he cercado todo de mar de huúa parte, e da outra o cercam
25 estes nossos rregnos. ca ajmda ata agora nom sse acha que alguú dos
rrex de Portugall teuesse outra comquista, em que tamto tempo nem tam
gramdemente trabalhasse como com a guerra destes rregnos, leixamdo
aquelle primeiro rrey, que sse ocupou em despelar mujtos daquelles luga-
res que tijnham os mouros, nem ajmda aquelle nom foi de todo liure,
3o ca mujtas cousas achamos em as crónicas amtijgas que sse passaram
amtre elle e este nosso rregno. Mas pêra que fallo eu em estas cousas,
abasta o que ja disse .s. que elles nom tem com quem ajam comtemda
senam comnosco. pois como pemssaremos que elRey agora aja de fazer
armada pêra hir buscar nouas comquistas nom auemdo nehuúa causa pêra
35 ello. He boom pêra crcer aquelles que nom tem ssiso, que elRey aja de
fazer huúa armada, em que ha quatro annos que emtemde e despemde
dinheiro, e nom tam soomente aballa pêra ella as cousas de seus rregnos,
1. daragom A. — 2. assi A. — 3. os I, as A. — 6. assi A. — 9. embaixadores A.
-96-
mas ajmda mamda per todallas partes da chrijstamdade buscar nauios e
A,34,r. . armas pêra hir * sobre o ducado dOlamda. Por certo as jmmijzades nem os
danos nom ssam passados amtre elles tam gramdesnemtaaes, que por rre-
zam delles sse ouuessem de mouer tamanhas cousas, nem ajmda elRey he
homem que por semelhamtes cousas cometidas por pessoas uijs e de tam
pequeno preço, ouuesse de mamdar dous seus filhos fora de sua terra com
tamanho poder, mas por certo o feito que assy amda callado, alguúa gramde
cousa ha de parir. E os Genoeses estamtes em Lixboa que semeihamte
escpreueram, alguúa cousa conhecem e sabem, porque fezerom tall auiso a
seus amigos. Porem meu comsselho he que em quamto a cousa assy esta, lo
que a cidade de Seuilha seia logo auisada, e os muros rrepayrados e os
almazeés prouijdos. e que as portas seiam muy bem fechadas, e as chaues
emtregues a homeês fiees. e que seia mamdado a todollos fidallgos e
caualleiros comarcaãos daquella cidade, que sse uenham logo pêra eila.
e façam comprir e guardar todas estas cousas, como semtirem que per- li
teeçe pêra seguramça da dita cidade, e proueiam todallas galees e nauios
que esteuerem nas taraçenas, que lhe nom falleça nehuúa cousa pêra
A,34,r,2 sse aproueitarem delias* quamdo comprir. Depois que o bispo acabou sua
falia, estaua hi amtre aquelles senhores o adiamtado de Caçorlla, que era
huú fidallgo mujlo ssesudo, posto que mujto uelho nom fosse, o quall se 20
estaua sobrrijmdo em quamto o bispo fallaua. He bem disse elle, que
nos ajamos de tomar o temor por todollos outros, a que per uemtura
ma3'or parte desto perteeçe. Como poderiamos nos fazer nehuij moui-
mento pêra nos percebermos, que nom fezessemos muy gramde jmjuria
a elRey de Portugall teemdo com elle nossas pazes e liamças firmadas. 25
e auemdo hi tam cheguado diuedo, como ha amtre nosso rrey e seus
filhos, e seemdo elle huij primçipe tam gramde e tam nobre, e que aja-
mos de sospeitar delle que aja de quebrar sua uerdade e sua fte, homde
numca sse acha que semeihamte fezesse. E o que os Genoeses de Lix-
boa escpreueram nom he cousa rrezoada, que sse por ello aja de mouer 3o
o comsselho delRey. ca o feito daquelles nom he outra cousa senam
saluar aquelle dinheiro que teem, porque em elle esta toda a sustamçia de
sua uida e homrra. Porem o que a mim parece açerqua dello, he que
nos nom façamos mudamça açerqua de nehuúa cousa, per que sse possa
A,34,v, I * sospeitar que nos teemos rreçeo de cousa alguúa, que sse naquelle rregno 35
faça. mas que ajamos nossas pazes por boas e firmes como he rrezam,
que numca Deos quisesse que a uerdade sahisse em semeihamte caso
I. xpimdade A. — 8. em Lisboa I, om A. — 10. assi A. — 19, antre A. — 20. fidall-
guo A. — 22. alamos A. — 23. perteemçe A. — 25. purtugall A.
— 97 —
damtre os senhores e primçipes. ca sse assy fosse, gramdes malles se
rrecreçeriam dello. E porque ajmda esta cousa fique mais firme e mais
segura, podemos a elRej^ emuiar nossos embaxadores pêra tomarem
juramento a elRey segumdo ficou determinado, quamdo seus embaxadores
5 daqui partiram, e este mouimento será justo e honesto, e podere-
mos per elie fazer dous gramdes proueitos. O primeiro será que sse
elRe}' jurar as pazes como he de creer que faça, ficaram nossos feitos
todos seguros, e sse per uemtura eile teem em uoomtade de fazer outra
cousa, loguo poera alguúas escusas ao nam fazer, do que sse eile nom
10 pode escusar que nom fique perjuro e emfamado. e nos poderemos
emtom emtemder por quallquer pequena duuida que elie ponha, que
todo seu fumdamento he pêra nos empeeçer. e emtom teeremos rre-
zom de nos percebermos descubertaraente e sem nehuú prasmo. Alli
estauora em aquelle comsselho muy gramdes* senhores, ca estaua hi A,34,v,2
i5 o duque dArjona, e o meestre de Callatraua, e o prioll de sam Joham,
e o comde de Benauemte, e o arcebispo de Tolledo, e o bispo de
Burgos, e huú adayam de Samtiago que era muv gramde doutor, e assy
outros mujtos doutores e caualleiros, que alli leixara elRey Dom Fernamdo
pêra determinarem as duuidas, que sobreuiessem ao comsselho delRey
seu sobrinho, e estes todos fallaram amtre ss}', auemdo seus debates
20 açerqua daquelle feito, e finallmente acordarem que o comsselho do adiam-
tado era boom. e porem mamdaram loguo fazer a embaxada, e emiegeram
pêra ella ao bispo de Momdanhedo e Dia Samchez de Benauides.
Como aquelles embaxadores iiieram a Portugall, e como deram
aquella embaxada a elRey, e da rreposta que ouuerom, e como
Dia Samchei morreo, e como sse o bispo tornou pêra sua terra.
25 Capitullo xxxij.
NOBREMENTE mamdou a rrainha correger aquelles embaxadores, assy
pollo que perteeçia aa exçellemçia do estado de seu filho, como
por serem os primeiros que uieram a este rregno depois da morte
3o delRey Dom Hamrrique. Os quaaes partidos* de Castella traziam em A,35,r,
ssi muy grande duuida de acabarem o porque uijnham, tamanho era o
espamto que lhe poseram açerqua do mouimento delRey comtra a cidade
I . assi A. — 3. embaixadores A. — 4. embaixadores A. — 11. duueda A. — 17. assi A.
— 19. duuedas A. — 21. embaixada A. — 23. embaixadores A — purtugall. — 24. em-
baixada A. — 27. embaixadores A — assi A. — 2!^. perteemçia A.
i3
de Seuilha. a quall openiom lhes fazia pemssar que seriam mall rreçebi-
dos e pior agasalhados. Empero acharom o feito mujto pollo comtrayro
do que o elles esperauam. ca tamto que elRey ouue nouas de sua uijmda.
mamdou loguo huú escudeiro ao estremo que os fezesse muy bem rre-
çeber em todoilos lugares do rregno por homde elles uiessem. O quall 5
escudeiro leuaua poder abastamte delRey, per que lhe fezesse dar abasta-
damente todallas cousas que lhe fezessem mester, sem lhe seer leuado por
ello nehuú preço de dinheiro soomente todo aa custa delRey. E quamdo
assy aquelles embaxadores uiram semelhamte começo, prouuelhes mujto,
do quall loguo mamdaram rrecado aa rrainha e aos de seu comsselho, lo
fazemdolhe saber aquelle boom gasalhado, que lhe elRey de presemte
mamdaua fazer. Mas quamdo elles chegarom açerqua de Lixboa, homde
eIRey estaua, alli poderam elles de todo conhecer quamto a sua primeira
A, 35,r,2 openiom * jazia em erro. ca mamdou elRey pêra elles muy gram parte dos
boõs que auia em a cidade, e tamto que forom amte elle, rreçebeos muy i5
graciosamente de sua pessoa, do que elles sobre todo forom mais com-
temtes. Senhor, disse o caualleiro, elRey nosso senhor e a rrainha sua
madre uos emulam mujto saudar, e o duque com todoilos outros de sua
uallia se encomemdam em uossa merçee. e os outros fidallgos e cauallei-
ros com toda a outra gemtilleza da corte emuiam beyjar uossas maãos e 20
emcomemdar em uossa merçee. As quaaes emcomemdas assy dadas,
forom rreçebidos per elRey com aquella mesura e cerimonia que comuij-
nha a seu estado e boa uoomtade. E emtam lhe deram a carta de
creemça, e lhe apresemtaram sua embaxada em esta forma. Muy pode-
roso e sereníssimo primçipe, senhor elRey. o bispo de Momdanhedo e 25
Dia Samchez de Benauides súbditos e naturaaes e feituras do mujto alto
e mujto poderoso sereníssimo jllustrissimo primçipe, senhor elRey de Cas-
tella e de Leom uosso sobrinho, nosso senhor, notificamos aa uossa mer-
çee como amte a sua rreall magestade forom uossos embaxadores .s.
.'^,35,v,i Joham Gomez da Sillua uosso alferez moor, e o doutor* Martim Dossem. 3o
e o doutor Belleago, os quaaes com uossa autoridade e poder trautaram
com a senhora rrainha e com elRey Dom Fernamdo, que emtoni era
Iffamte, como tutores do dito senhor, pazes perpetuas firmes e ualledoyras
pêra todo sempre amtre a sua rreal senhoria com todos seus rregnos e
senhorios e terras, e uossa alteza com todos seus rregnos e senhorios e 35
terras, sobre as quaaes forom feitos huús capituUos, em que emteira-
I. pensar A. — 2. contrairo A. — 9. assi A — embaixadores A. — 16. foram A. —
19. emcomendam A. — 21. emcomendar A — assi A. — 22. foram A. — 24. embaixada
A. — 27. prinçipe A. — 29. embaixadores A. — 33. tetores A. — 34. antre A. — 36. foram A.
— 99 —
mente se comtem a forma das ditas pazes, e a maneyra como sse deuem
firmar e guardar. E por quamto os ditos senhores tutores e curadores
delRey fezeram juramento soUemne, segumdo pêra tall auto compria. e
assy todollos outros primçipaaes daqueiles rregnos, passamdosse todo assy
b em presemça dos ditos uossos embaxadores, segumdo dello tomaram
suas escprituras pruuicas. os quaaes embaxadores, juraram outrossi em
uosso nome e de uossos filhos, per uirtude e poder de uossas procura-
çoões que pêra ello leuauam soffiçiemtes e abastamtes, ficamdo rresguar-
dado aos ditos tutores de emuiarem ao diamte seus embaxadores, pêra
IO seer tomado persoallmente o dito juramento* de uossa merçee, e assy de A,35,v,2
todollos outros a que perteeçe semelhamte juramento. E porque depois
dos ditos trautos passados, se seguiram outros negócios naquelle rregno,
primçipallmente os feitos delRey Dom Fernamdo, nom poderam emuiar
aa uossa merçee rrequerer o dito juramento. Porem porque as ditas
i5 pazes seiam firmes e rratas, elRey nosso senhor per autoridade da rrainha
sua madre e dos outros de seu comsselho, nos mamdou como seus
embaxadores que firmássemos o dito juramento, e lhe leuassemos dello
nossas escprituras pruuicas, nas quaaes sse comteuesse todo o auto que
sse açerqua dello passasse. Ora mujto alto e mujto poderoso primçipe,
20 aa uossa senhoria praza emcaminhar como o dito juramento seia feito, por
tall que as ditas pazes se guardem e firmem, segumdo per uossos emba-
xadores foi trautado e firmado. Acabada assy a sustamçia daquella em-
baxada disse elRey. Como quer que em todallas outras cousas os gram-
des primçipes tenham maneira de rretardarem alguú pouco suas rrepos-
25 tas, pêra auerem rrezam de sse comsselhar. quamto açerqua desta pre-
semte mujtos dias ha* que eu tenho auido meu comsselho. ca por tam A, 3r',r, i
firme tiue e tenho quallquer cousa, que aquelles meus embaxadores em
meu nome trautassem, como sse a eu per minha própria pessoa fezera.
E por tamto me praz mujto de fazer o dito juramento, per a guisa que
3o me per uos he rrequerido. e daqui em diamte trautar com todallas cou-
sas de meu sobrinho per aquella guisa que trauto com as minhas, tecmdo
seus naturaaes com os meus aquella maneira que he rrezam. E quamto
ao juramento disse elRey, que pêra sse fazer como compria, que elle
mamdaria chamar alguQs dos primçipaaes do seu rregno que alli nom
35 estauam. e que emtom emcaminharia como elles fossem despachados
segumdo seu rrequerimento. E assy fezeram fim quamto em aquelle dia
2. titores A. — 3. fizeram I, fazerem A. — 4. assi bis A. — .'>. embaixadores A. —
6. embaixadores A. — 9. titores A — diante A — embaixadores A. — 10. assi A. —
12. rregnno A. — 17. embaixadores A. — 21-22. embaixadores A. — 22. assi A. — 22-
23. embaixada A. — 27. embaixadores A. — 36. assi A.
das cousas suso ditas. E os embaxadores ouueram nobres pousadas, e
sse amte eram bem agasalhados e prouijdos das cousas que lhe faziam
mester, dalli auamte ho forom mujto milhor. ca elles eram em aquella
cidade, homde a elRey uijnham mujtas cousas deleitosas espiçiallmente
A, 36 r,2 pescados frescos, de que elles em * allguijas partes de seu rregno som mall 5
prouijdos. elRey tijnha maneira de os mamdar abastar de todo. E dcsy
quamdo foi tempo. elRey e seus filhos fezeram seu juramento assy e per
aquella guisa que fora feito em Castella, de que os ditos embaxadores
tomaram seus estormentos e escprituras, segumdo semtiram que compria
pêra seguramça de seus feitos. Mas porque aalem da dita embaxada lo
elles traziam outras alguGas cousas que auiam de rrequerer. assy como
tomadas dalguús nauios, ou danos que sse sempre fazem amtre os uizi-
nhos dos extremos, foilhes necessário destarem ajmda alguús dias na
corte pêra rrequererem aquellas cousas, no quall espaço se seguio que
aquelle caualleiro Dia Samchez de Benauides adoeçeo. e como quer que i5
per mamdado dclRey fosse muy bem curado, a emfirmidade era tall de
que per necessidade ouue de fazer fim de sua uida. da quall cousa a
elRey desprougue. e assy lhe mamdou fazer muy homrradas eyxequias.
e aa sepultura forom a mayor parte dos boõs homeés que auia naquella
cidade per mamdado delRey. E assy dello como de todo outro gasalhado 20
A,36,v, 1 que lhe elRey mamdou fazer, o bispo foi muy comtemte. * e assy louuaua
mujto elRey per todollos lugares per homde hia, quamdo se tornou pêra
sua terra, ca loguo em breue tempo foi despachado. E auees de saber
que depois que estes embaxadores emtraram em Portugall, ataa que sse
o bispo tornou, sempre forom mamteudos elles e seus homeés e bestas aa 25
custa delRey, assy gramdemente como elle custumaua de o fazer. E em
fim forom dadas ao bispo gramdes dadiuas de joyas douro e de prata e
panos e penas de gramde uallia. as quaaes com outras cousas forom
aazo, per que aquelles seruidores que uieram com os ditos embaxadores^
comtra sua natureza louuauom mujto a gramde manifiçemçia delRey. 3o
I. embaixadores A. — 4. deleitosas] e deleitosas A. — 6. desi A. — 7. assi A. — S. em-
baixadores A. — 10. embaixada A. — 11. assi A. — 18. assi A. — 19. foram A. — 20. assi
A. — 21. mandou A — comtente A — assi A. — 24. embaixadores A — purtugall A —
2G. assi A. — 27. foram A. — 28. e penas] om I — foram A — 29. embaixadores A.
CotJio elRey dAragam emiiioii seus embaxadores a elRey, e da
rreposta que leuarom, e como em este tempo uieram algiiús estram-
geiros offereçersse a elRey, e da maneira que com elles teue.
Capitullo xxxiij.
5 "r~\0's que ja dissemos dos embaxadores de Castella, e de todo o que
I — ^ sse seguio em sua embaxada, digamos agora todolios outros em-
-*- baxadores, que uieram a elRey por rrezam daquella armada que
assy * fazia, ca a fama delia como ja dissemos, era muy gramde, que soaua A,36,v, 2
per todallas partes, e espamtaua mujto os coraçoões dos homeés espiçiall-
10 mente daquelles que eram mais cheguados a este rregno. E foi assy que
tamto que em Castella foi determinado que os embaxadores uiessem a
Portugall, logo alguús daquelles senhores do comsselho escpreueram a
elRey Dom Fernamdo fazemdolhe saber todo o feito como passara, ca
posto que elle esteuesse assy alomguado, nom sse fazia nehuiia cousa de
i5 peso em Castella que a elle nom soubesse, e esto era porque os mais
daquelles eram sua feitura, e assy como lhe fezeram saber a partida
dos embaxadores, assy lhe escpreueram depois toda a rreposta que leua-
ram. Mas emtom ficou a elle outro mujto mayor cuydado, porque com-
sijrou em ssi, que pois elRey de todo seguraua o rregno de Castella, fir-
20 mamdo as pazes per juramento como dito he, que poderia seer que seria
a uerdadeira temçom de hirem comtra elle ou comtra alguú lugar de seu
senhorio. E este pemsamento tijnha elle assy, por quamto ouuera o
rregno per aquella guisa que ja ouuistes, do quall auia tam pouco que
* estaua em posse, e foralhe dito como ho comde dOrgel, que pemssaua teer A,37, r, i
25 mayor dereito no rregno que elle, ueemdo como ja per ssi nom podia
cobrar nome de rrey, que escpreuera a elRey Dom Joham, como elle era
assy forçado do seu. e que pois naquelle rregno nom podia cobrar dereito,
que lhe prouuesse de o ajudar, e que com pequeno mouimento que elle
fezesse açerqua dello, seria de todo posto em posse delle, ca os mais e
3o mayores daquelle rregno nom obedeciam a elRey Dom Fernamdo senam
per força, ca conhecido era a todos, que o rregno justamente perteeçia a
elle mais que a elRey Dom Fernamdo. E que sse a Deos prouuesse
delle cobrar assy a dita posse, que elle nom queria filhar nome de rrey.
1 . daragom A — embaixadores A. — 5. embaixadores A. — 6. embaixada A. — 6-7.
embaixadores A. — io. assi A. — 1 1. embaixadores A. — 12. purtugall A. — 14. assi A. —
1 6. assi A. — 17. embaixadores A — assi A. — 21. luguar. — 22. assi A. — 23. rreyno A.
— 27. assi A. — 29. postoj ponto A, I. — 33. assi A.
mas que elle tijnha duas filhas pera casar, e elle jsso meesmo a Deos gra-
ças tijnha filhos, que as casasse com dous delles. com tamto que o que
casasse com a mayor, tomasse logo nome de rrey dAragam. e que ao
outro filho seria dada terra em aquelle rregno, em que podesse uiuer
homrradamente. e que per seu falliçimento lhe ficaria o seu comdado com 5
toda sua terra. E como quer que nehuúa cousa disto fosse fallada a
elRey Dom Joham, he porem certo que foy assy dito a elRey Dom Fer-
A,37,r,2 namdo. e de o elle creer nom era ssem rrezom, * por quamto elle estaua
assy em aquelle rregno, homde era quasi estramgeiro. e conhecia bem que
ajmda que o seu dereito fosse mayor, que mujtos daquelles que lhe obe- lo
deçiam, quiseram amte o comde por seu rrey por aazo da natureza que
auia com elles. ca bem conhecia que seu obedeeçimento era mais cos-
tramgido que per uoomtade, porque obediemçia costramgida numca sse
pode possuir sem gramde sospeita. E porque os seus lhe conheciam
assy aquelle cuydado, e que lhe prazia de ouuir quallquer cousa de moui- i5
mento de cada huú de seus comtrairos, trabalhauamsse de saber todo o
que açerqua dello podiam e deziamlha. e queremdolhe comprazer, muj-
tas uezes lhe afirmauam o que nom sabiam, de que sse seguiam penas
jmjustas a alguús. ca jsto he huúa cousa que faz a mujtos primçipes
gaanhar gramdes jmmijzades com seu pouoo. e os malles que sse dello 20
seguiram, manifestos ssam a todos aquelles que sabem as crónicas amtij-
gas. Nom era esta cousa pera elRey Dom Fernamdo nom creer, tra-
zemdo comssigo tam manifesta coor. e porem mamdou loguo fazer prestes
seus embaxadores, os quaaes emuiou com suas cartas a elRey Dom Joham.
A,37,v, 1 E leixamdo a prollixidade das outras cousas, * breuemente chegarom, e 25
tamto que forom em pomto de seer ouuidos, disseram a elRey per esta
guisa. Senhor, elRey dAragam nosso senhor uos faz saber, como ha
mujto tempo que ha nouas que uos uos perçebees de guerra, e que elle em
quamto uosso perçebimeuto nom foi mujto ssoado, sempre pemssou que
era alguúa cousa pequena, mas depois que ouue certas nouas, que mam- 3o
dauees perceber todallas gemtes de uosso rregno, e buscar per diuersas
partes naaos e nauios pera fazer gramde ajumtamento de frota, que em-
temdeo e emtemde que huú tam alto primçipe como uos nom pode mo-
uer semelhamte feito senom a alguú gramde fim. e que quamto a çerti-
dom do feito he mais duuidosa, tamto he mayor rrezom que sse proueja 35
sobre ello. E porque amtre as mujtas partes que sse determinam açer-
6. fallado A. — 7. elRej A — assi A. — 9. assi A. — i5. assi A. — 19. jnjustas A. —
24. embaixadores A. — 23. chegaram a este reyno, e 1, om A. — 26. foram A. — 29. muyto A.
33. entende A.
— io3 —
qua de uossa armaçam, primçipailmente ssom duas que a elle perteeçem
.s. que alguQs seus comtrairos uos moueram partido, que os ajudassees a
cobrar aquelle rregno, poemdouos em esperamça de o darem depois a
cada huú de uossos filhos, e a outra he, que emuiaaes * sobre o rregno A,37,v,2
5 de Cezillia, de que elle teem tamta parte como sabees. Porem que elle
uos rrogua, que comssijrees a boa uoomtade que elle sempre teue a uos e
a todos uossos feitos, e o dereito que elle teem naquelles rregnos. o quall
ja foi uisto e determinado per o samto padre, e assjf per todoUos leterados
e sabedores dos ditos rregnos. por cuja rrezom elle foy posto em posse e
10 rrecebido por rrey e senhor como bem sabees. E que uos nom queiraaes
mouer comtra elle por nehuúa esperamça de proueito, que uos açerqua
dello seia mouido, nom auemdo justa rrezam pêra ello. e que sobre todo
pêra obrardes segumdo perteeçe aa uossa preclara magnifiçemçia, praza-
uos que lhe emuiees dizer açerqua de todo uossa uoomtade. ca elle
• 5 posto que lhe estas cousas fossem ditas, numca determinadamente em seu
coraçom pode caber, que uos semelhamte mouimento fezessees nom auemdo
mais justa causa, porque uos conhece por justo e dereito em todos uossos
feitos, e assy obrador de gramdes cousas. ElRey nom quis mais alom-
guar rreposta, porque nom era cousa que perteeçesse ao comsselho. Vos
20 direes disse elle, a elRey Dom Eernamdo meu amigo, depois * que lhe der- A,38,r,i
des minhas saudaçoões, que elle saiba certamente que meu ajumtamento
nom he comtra elle, nem comtra cousa que a elle perteeça. ca sayba
elle que com milhor uoomtade ho ajudaria a gaanhar outro rregno, em que
elle teuesse alguúa justa parte de dereito, que de lhe dar fadigua sobre
25 aquelle que elle teem gaanhado, do quall Deos sabe que me prouue e
praz mujto. E que sse per uemiura eu teuesse determinado de dizer este
segredo a alguú primçipe semelhamte, que elle seria o primçipall. mas
que prazemdo a Deos muy cedo saberá certo rrecado da minha emtem-
çom. Nom auemos aqui porque escpreuer os gasalhados nem as mer-
3o çees, que elRey fez aaquelles embaxadores. ca esto auia elRey auam-
taiadamente amtre todollos primçipes do mundo. Mas elles forom mujto
comtemtes delRey, e mujto mais o foy elRey Dom Fernamdo, depois que
lhe os embaxadores comtaram a booa uoomtade que tijnha pêra elle e
pêra toda sua homrra. E porque as nouas eram taaes com que a elle
35 tamto prazia, com gramde dilligemçia lhas comtauam aquelles seus em-
baxadores. e assy toda a maneira que elRey tijnha em seu estado, e *o A, 38,r,2
6. comssirees A. — 8. assi A. — i8. assi A. — ig. consselho A. — 21. ajuntamento A.
— 22. contra (2.°) A — perteemça A. — 3o. embaixadores A. — 3i. mumdo A — foram A.
— 34. embaixadores A — boa A — uoontade A. — 35-36. embaixadores A. — 36. assi A.
— I04 —
corregimento da sua frota, e primçipallmente louuauam a apostura dos
Iftamtes. e de todo mujto prazia a elRey Dom Fernamdo. Certamente
disse elle, sempre conheci elRey Dom Joham seer huij muy auamtaiado
primçipe. e em todos seus feitos sempre sse mostrou gramde e uirtuoso.
e elle que este feito assy moue, nembreuos que a de seer huúa cousa nota- 5
uell e gramde, cuja fama será de muy gramde preço, e ajrada emueja de
mujtos primçipes do mundo. Outrossy uieram em este emsseio a elRey
huQ gramde duque dA-llemanha e huij barom com elle pêra o seruir em
aquelle feito, e o duque disse a elRey, que ouuimdo nouas de sua arma-
çam, que partira de sua terra com emtemçom de o seruir. porem que lhe 'o
pedia por merçee, que lhe declarasse ho lugar certo pêra homde armaua
sua frota, porque pêra tall poderia seer, que nom seria rrezam de o elle
seruir em ello. ElRey rrespomdeo que elle tijnha determinado por seu
seruiço de nom rreuellar aquelle segredo a alguúa pessoa fora de seu
comsselho. e que ajmda saberia que nem todollos do comsselho eram dello i5
sabedores, soomente alguiis certos e espiçiaaes. porem sse a elle prou-
A,38,v,i uesse dhir assy com elle* por acreçemtar em sua homrra, que lho teeria
em seruiço, e lhe faria por ello merçee. O duque rrespomdeo que sua
determinaçam nom era tall, senam per a guisa que lhe ja dissera, porem
que com sua liçemça se queria tornar caminho de sua terra. ElRey mam- 20
doulhe fazer merçee segurado rrequeria a seu estado, e desy emcaminhou
pêra Samtiago, e dhi caminho de sua terra. E o barom ficou com elRey,
e o seruio depois muy bem, segurado fezeram outros mujtos estramgeyros,
que uieram fazer de suas homrras em este feito, amtre os quaaes prim-
çipallmente forom três gramdes fidallgos gemtijs homeés da casa de 25
Framça. e o primçipall delies auia nome Mosse Arredentam. e o segurado
Perribatalha. e o terceiro Gibotalher. empero nehuíj delies nom uijnha
tam grarademente corregido como o gram baram. ca trazia comssigo qua-
reemta escudeyros fidallgos gemtijs homeés, que depois prouaram muy
bem per seus corpos na tomada daquella cidade. E posto que estas em- 3o
baxadas e cousas assy uaao jumtamente, nora seiam porem apropriadas
aaquelles tempos, ca aratre huúas e as outras se metiam alguús espaços, os
A,38,v,2 quaaes homem * destiratamente nom poderia escpreuer. porque as crónicas
que leuam semelhamte hordenamça, nom podem leuar mais certa declara-
çom, saluo aquellas que leuam os feitos comtados de huú anno ao outro, 35
semelharates aquellas a que os Romaãos chamauam anaaes. porque auia
2. Iffantes A. — 5. assi A. — 7. mumdo A. — 17. assi A. — 21. desi A. — 25. foram A.
28. come A. — 3o-3i. embayxadas A. — 3i. assi[A. — 32. antre A. — 35. contados A.
— 36. aquelles A I.
— io5 —
hi hordenamça que sse escpreuessem os feitos de cada huú comssuU apar-
tadamente, e porque elles nom rregnauam raais que huú anno, era
necessário que sse fezesse cada huú anno o dito liuro. Empero ajmda
estes liuros tijnham outro nome, ca lhe chamauam os liuros dos dias fas-
5 tos. e era fasto em sua limguagem como dia comuinhauell pêra pelleiar
ou fazer outros gramdes feitos, a quail cousa sempre era mu}' bem
esguardada per ho rregimento das rrodas çelestriaaes. e ora uemçessem
ou fossem uemçidos, todauia auiam de fazer escpreuer todo seu acomte-
çimento. e ao dia em que elles uemçiom, chamauam fasto s. dia comui-
10 nhauell, e ao dia em que lhes nom comuijnha pelleiar, chamauam nefasto,
porque tamto quer dizer em nossa própria limguagem fasto, como bem
auemturado, e nefasto nom bem auemturado. A quall *hordenamça nos A,39,r,i
nom podemos guardar em esta obra, por seer começada tam tarde como
ja ouuistes. e trautada em tam gramde segredo, por cuja rrezara ouue em
i5 aquelles feitos muy poucas escprituras que ao depois parecessem, soo-
mente aquellas que sse fezeram depois do comsselho de Torres Vedras,
quamdo ficou determinado de sse deuu'lgar a partida dos Ifíamtes. E as
cousas que sse emtom escpreuiam, nom eramsenam hordenamças, que sse
geerallmente fazem em todallas armaçoões, em que ha de seer alguúa
20 multidom de gemte. o que ajmda nom foi feito senam no derradeiro
anno. e sobre todo as cousas forom muy gramdes e emburilhadas huúas
com as outras, por cuja rrezam nom se poderam escpreuer per outra
guisa, ca as mujtas cousas nom ssom assy ligeyras de abraçar, ca aquelle
que acha as rrodas do carro apartadas, alguú tempo ha mester pêra as
25 ajumtar.
Como os embaxadores delRey de Graada iiieram a elRey, e do
que lhe rrequereram, e como tra{iam rrecado delRey ao Iffamte
Duarte, e das cousas que lhe promettiam. Capitidlo xxxiiij.
F
liCA agora pêra dizer de como elRey de Graada emuiou seus emba- A,39,r,2
3o |~^ xadores a elRey de Portugall. ca sse os outros rrex christaãos
tijnham rrezam dauer temor, mujto mais tijnha elle, comsijramdo
quamtas uezes emulara seus rrecados a elRey pcra cobrar sua amizade
e seguramça de paz, e numca ha delle poderá auer. Que poderia agora
sospeitar ouuimdo as nouas de tamanho ajumtamento, cuja fama espam-
1. ordenamça A. — 10. lhes] elles A. — 21. foram A. — 23. assi A. — 24. haa A. —
26. embaixadores A. — 29-30. embaixadores A.
— io6 —
taua mujtos primçipes da chrijstamdade. quamto mais que os mouros
forros que uiuem em este rregno, ueemdo assy aquelle ajumtamento como
homeés, que nom perderam aquella amizade com todollos outros mouros
que a sua seita rrequeria, numca çessauam de pregumtar quall era o
uerdadeiro propósito delRey. E nom he duuida que este segredo lhe 5
nam fora rreuellado, segumdo a gramde deligemçia que elles tijnham de o
saber, sse alguú dos do rregno, afora aquelles que ja dissemos, ouuera aazo
de o saber. Empero apalpamdo assy depois que uiram que elRey segu-
raua Castella e Aragam, sospeitaram que aquelle ajumtamento nom podia ,
seer senam sobre o rregno de Graada. e assy ho escpreuerom a elRey lo
A,39,v, I de Graada per suas cartas. O quall * ouuimdo assy aquellas nouas de
tamtas partes, emuiou seus embaxadores a elRey, os quaaes eram
certos mouros de gramde autoridade, leuamdo seus trugimaães que lhe
emterpretassem a linguagem. E elRey assy como tijnha custume de rre-
çeber bem todollos estramgeiros, rreçebeo a elles segumdo seu estado. i5
E quamdo foi tempo de darem sua embaxada, disserom. ElRey nosso
senhor uos emuia dizer, como depois que este uosso senhorio esta em
posse de rregno, numca amtre os seus naturaaes e os uossos foi achada
tall discórdia, per que leixassem de trautar huús com os outros, trazem-
dosse daquelle rregno ao uosso gramdes mercadorias e do uosso ao seu. 20
E que aalem de todo o dito senhor uos teue sempre em sua uoomtade
muy gramde amor, primçipallmente por uossas gramdes uirtudes e boom-
dade. a quall o costramgeo emuiar a uos per mujtas uezes seus presem-
tes, como o que numca fez a nehuú rrey christaão. Porem disseram elles,
que porque alguijs seus naturaaes tijnham rreçeo de uijr a seus rregnos 25
com suas mercadorias como amte soyam, por aazo das nouas que auiam
A,39,v,2 do corregimento da sua frota, sospeitamdo *que per uemtura poderia seer
comtra alguú dos lugares de seu senhorio, e outros mercadores de seu
rregno leixauam de leuar suas mercadorias rreçeamdo que lhe fossem
rretheudas per elle ou per seu mamdado. que lhe prouuesse por euitar 3o
assy aquella sospeiçam de lhe emuiar certa seguramça, que huíis e os
outros podessem estar e comtrautar amigauellmente como sempre feze-
ram. na quall cousa lhe faria huúa gramde graça, a quall elle prazemdo
a Deos emtemdia demmemdar com outra semelhamte ou mujto mayor
quamdo lhe rrequerida fosse. Nom ssei que rrezam teem os mouros 35
rrespomdeo elRey, de teerem semelhamte sospeita nem os meus natu-
2. assi A. — 8. assi A. — 10. assi A. — 11. assi A. — 12. tantas A — embaixadores A
— a elReyJ add de Portugal I. — 14. assi A. — 16. quando A — embaixada A. — 25. seus]
uossos I. — 27. sua] uossa I. — 3 1 . assi A.
— loy —
raaes jsso meesmo, teemdo tam pequena çertidom de minha uoomtade,
porque ajmda que eu assy raamde correger minhas gemtes pera emuiar
meus filhos por meu seruiço, a uerdadeira temçom dello esta muy lomge
de seu conhecimento, nem ueio que rrezam podesse teer que parecesse
5 rrezoada pera fazer semeihamte seguramça. Porem uos lhe dizee que eu
nom emtemdo fazer com elle nem com outra nehuúa pessoa tall emnoua-
çam, pois que a numca fiz em todos* meus dias. E porque esta he a A,4o,r,i
comclusom de meu propósito, uos podees hir mujto em boa ora quamdo
uos prouuer. Os mouros semtiram que per aquella rreposta nom leuauam
IO nehiiúa seguramça, faliaram aa Rainha por ueer se poderiam emcaminhar
o feito per outra guisa, ca tall auisamento traziam delRey de Graada. o
quall era que a rrica forra, que era a primçipall das molheres daquelle
rrey mouro, emuiaua dizer aa Raynha Dona Fellipa, como elRey seu senhor
e marido emuiara seus embaxadores a este rregno rrequerer alguúas
ij cousas a elRey, as quaaes a ella prazeria mujto que fossem bem auiadas.
E por quamto ella sabia quamto os boÕs rrequerimentos das molheres mo-
uiam os coraçoões dos maridos, quamdo lhe rrequeriam alguijas cousas
em que tijnham uoomtade, que lhe rrogaua que por comtemplaçam sua lhe
prouuesse filhar emcarrego de rrequerer a elRey a rreposta daquelle feito,
20 poemdo em ello todo seu bom deseio, de guisa que a uoomtade delRey de
Graada seu senhor e marido fosse posta naquella fim que elle deseiaua.
E que pois ella tijnha filha pera casar, que em breue tempo poderia ueer
o agradecimento de sua boa uoomtade. ca lhe çertificaua* que lhe emuia- A,4o,r,a
sse pera ella o milhor e mais rrico emxouall que numca fora dado a
25 nehuúa primçeza moura nem christaa. Mas quem auia de seer aquelle
que mouesse a Rainha pera fallar em tall partido, ca a Rainha era huija
molher mujto amiga de Deos, e segumdo suas obras filhara de muy maa-
mente emcarreguo de nehuQ emfiell pera lhe procurar alguú fauor.
quamto mais ajmda que era naturall dHimgraterra, cuja naçam amtre as
3o do mumdo naturallmente desamam todollos jmfiees. Eu nom sei rres-
pomdeo ella, a maneyra que os uossos rrex teem com suas molheres.
mas amtre os christaãos nom he bem comtado a nehuúa rraínha nem a
outra nehuúa gramde primçesa de sse tremeter nos feitos de seu marido,
quamto em semelhamtes casos, pera os quaaes elles teem seus comsseihos,
35 homde determinam seus feitos segumdo emtemdem. e as suas molheres
quamto melhores ssam, tamto com mayor dilligemçia se guardam de que-
rerem saber o que a ellas nom perteeçe. ca conhecem certamente que
2. assi A. — 10. rrainha A. — i3. rrainha A. — 14. embaixadores A. — 18. contem-
plaçam A. — 20. rrainha bis A. — 33. princesa A. — 36. dilligençia A. — 3y. perteemçe A.
— io8 —
seus maridos com seus comsselheiros teem mayor cuidado do que aa
homna de seu estado perteeçe, do que ho ellas podem coniieçer. Ver-
A,4o,v, 1 dade he que * ellas nom som assy afastadas de todo, que lhe nom fique
poder de rrequerer o que lhes praz. mas estes rrequerimentos ssom taaes,
que os maridos nom ham rrezam de lhos neguar. e alguúas que o comtrairo b
fazem, nom ssom auidas por emsinadas nem discretas. Porem uos direes
aa rrainha uossa senhora, que eu lhe agradeço sua boa uoomtade. mas
que ella poderá de seu emxouall fazer o que lhe prouuer. ca com a graça
de Deos a minha filha nom falleçera emxouall pêra seu casamento. E
uos rrequeree uosso feito a elRey meu senhor, ca elle he tall que sse lhe lo
uos rrequererdes o que he rrezam, que uoUo fará com muy boa uoomtade.
Os mouros semtiram que nom tijnham boom rrecado na Rainha, proua-
ram de temtar o Iftamte Duarte pêra ueer, se com suas gramdes prome-
ssas o poderiam emclinar a sua deuaçam. e foromsse a elle e disseromlhe
como elRey de Graada seu senhor era huO homem que mujto deseiaua i5
teer amizade com seu padre, e per comsseguimte com elle e com toda a
casa de Portugall. e que pêra elle creer que sua uoomtade era tall, que
poderia bem saber de todollos mercadores e outros quaaesquer naturaaes
A,4o,v,2 deste rregno, como eram trautados * tam docemente e com tamto fauor
leyxamdolhe trazer suas mercadorias e trautar com seus naturaaes, assy 20
como sse fossem súbditos dalguú rrey mouro com que elle ouuesse muy
chegada liamça de samgue. Por cuja rrezam disserom elles, senhor, nos
emuiou ao dito uosso padre com sua embaxada, da quall creeo que uossa
merçee auera ja certa emformaçam. porem senhor, porque elRey de
Graada nosso senhor, mujto deseia cobrar aquella seguramça que rreque- 25
remos, elle uos emuia dizer que por quamto elle sabe que elRey uosso
padre ha dobrar em este feito primçipallmente por uosso comsselho. que
uos rroga que por sua comtemplaçom uos praza filhar emcarrego do dito
rrequerimento, de guisa que polia boa uoomtade que uos em ello poser-
des, possa uijnr a fim de seu deseio. E por uos nom auerdes uosso tra- 3o
balho por mall despeso, que elle uos promette assy como rrey que he, de
uos fazer huú tall seruiço, que em todallas partes do mundo seia no-
meado por gramde. pêra seguramça do quall uos será feita per nos
quallquer firmeza que uossa merçee demamdar, e ajmda se mester fezer,
abastamte fiamça. Os primçipes desta terra, rrespomdeo o Iffamte, nom 35
A,4i,r, 1 * ssom acustumados de uemder suas boas uoomtades por preço de dinheiro,
ca husamdo per semelhamte modo teriam mayor rrezam de sse chama-
3. assi A. — 12. rrainha A. — 20. assi A. — 22. liança A. — 23. embaixada A. —
3i. mal A — assi A.
— log —
rem mercadores que senhores nem primçipes. Porem uossas promessas
som escusadas acerca de semelhamte caso. ca nom tam soomente esse
presemte que elRe}' diz que me emuiara, mas que me fezesse seguramça
que me daria todo seu rregno per semelhamte modo, eu ho nom rreçe-
beria delle, nem poderia fazer a elRe_v meu senhor e padre nehui: rrequi-
rimento, senom aquelle que fosse justo e rrazoado. E elRey de Graada
uosso senhor nom ha porque tomar taaes coçeguas, nom auemdo mais
justa causa pêra ello. E desta guisa se tornaram os mouros pouco com-
temtes de tall rreposta.
'O Como o Iffamte Dom Hamrrique ueo depois de Jatieirnfallar a seu
padre, e como sse tornou pêra o Porto, e da maneira que teue em sua
armaçom. Capitullo xxxv.
JA me parece que tenho tempo de leixar estas cousas, e fallar nas
outras que ssom mais cheguadas ao auiamento da frota. Empero
amte direy huú pouco das boas uoomtades que todos traziam pêra
*seruir elRey em aquelle feito, porque cada huú trazia tamanha lediçe em A,4i,r,2
seu corregimento, como sse determinadamente soubesse que sem nehuú
perijgo auia dauer uitoria. nem lhes fazia nehuú empacho a duuida
que tijnham do luguar certo, que nora sabiam pêra homde auia dhir. E
20 era emtom a gemte do rregno rrepartida em duas partes, porque auia hi
huús que seruiram elRey em todos seus trabalhos, e eram cumunall-
mente pouco mais ou menos assy como de huúa hidade. e os outros eram
os filhos daquestes, os quaaes traziam em ssi muy gramdes deseios de
cheguarem aos meriçimentos de seus padres. Ca assy como os filhos
25 dos gallgos geerallmente seguem a natureza de seus padres, assy os filhos
dos boõs homeés comuúmente se cheguam aaquelle offiçio, em que seus
padres husarom per que mereceram. Nom fallo dalguús que per sua
desuairada costellaçom perdem sua boomdade. ca assy ha hi outros que
per sua naçom nom som obrigados a seguir uirtude, e dalhe Deos graça
3o que sse cheguam a ella e a seguem, per que cobram depois homrra, ca
em todallas cousas se toma a mayor parte poUo todo. Mas pêra este
corregimento nom seer tam perfeito como todos tijnham *em uoomtade, A,4i,v,i
sobreueyo huú muy gramde empacho, porx^ue começaram de morrer de
2. ssomente A. — i8. a I, aa A — duueda A. — 20. gente A. — 22. assi A. — 23. gran-
des A — 24. assi A. — 25. assi A. — 26. comuunmente A. — 28. costollaçom A — assi
A. — 29. naçom] nacença I. — 33. grande A.
— lio —
pestenemça na cidade de Lixboa e também no Porto, e esto foi se-
gumdo deziam por aazo dos nauios que uieram de mujtas partes, e em
alguús delles auia pestenemça. E porque esta emfirmidade segumdo diz
samto Isidoro no Etimollogicum he comtagiosa, fez muy gramde dano
no auiamento daquella frota, primçipallmente na morte da Rainha, que 5
sobre todo foi mais semtida. Nom podemos failar dereitamente, que
alguú do rregno teuesse mayor cuidado dauiar o que lhe perteeçia, que
o Iffamte Dom Hamrrique. ca tamto que passou o mes de janeiro, ueo
failar a seu padre, comtamdolhe o pomto em que leixaua todallas cousas,
e dizemdolhe outrossi que lhe pedia por merçee, que lhe desse seu rregi- lo
mento per escprito, da maneira que auia de teer. Meu filho disse elRey,
a mim nom praz que uos pollo presemte leuees outra ordenamça nem
rregimento, senam uossa boa discreçom e a boa uoomtade, que eu em
uos seemto pêra me seruir. mas leuarees huúa minha carta, per que uos
obedeçam todos assy como a capitam geerall. e outra semelhamte darey i5
A,4i,v,2 a uosso jrmaão o Iftamte Dom Pedro. *E uos partijuos logo pêra a
cidade do Porto, e trigayuos quamto a uos possiuell for, que façaaes uijr
essa frota delia, mas seede auisado que o mais que poderdes, escusees
demtrar na cidade, senam quamdo for mujto necessário. E assy partio o
Iffamte domde seu padre estaua, que era de Sacauem, homde elle sem- 20
pre esteue, depois que a pestenemça foy gramde em Lixboa, ataa que a
Rainha adoeçeo. E o Iffamte teue tall modo em seus feitos, que naque-
lles três meses seguimtes auiou todas suas gemtes e armas e mantijmen-
tos per tall guisa, que no começo do mes de mayo foy demtro na cidade
do Porto, homde loguo começou dar trigoso auiamento a sua frota, e zS
fazer emcaminhar todallas cousas, que pêra ella perteeçiam tam bem e
tam hordenadamente, que nem sua noua hidade nem falleçimento de pra-
tica de taaes feitos nom o poderam empachar, que nom rreçebesse gramde
louuor de seu marauilhoso trabalho, ca deziam aquelles uelhos que era
mujto pêra marauilhar, huú homem de hidade de uijmte annos seer tam 3o
deestro e tam desempachado pêra auiar tamanho feito. E sse Tito Liuio
A, 42,r, I diz o autor, louua tamto no liuro da segumda guerra, a *prudemçia de
Cepiam, porque estamdo em Cezillia hordenou tam bem sua frota pêra
passar em Africa, seemdo elle em hidade açerqua de trimta e çimquo
annos, e auemdo ja cometidas mujtas pelleias per mar e per terra, como 35
nom louaremos este primçipe seemdo em hidade de uijmte annos, sem
auer conhecimento de semelhamtes feitos per certa pratica, soomente
1-2. segundo A. — 4 etimollogiarum A. — 6. semtido A. — 7. de auiar A. — 9. ponto
A. — i5. assi A. — 18. delia] de la I. — 19. assi A. — 28. grande A. — 35. muytas A.
— Ill —
quamto era huúa naturall emclinaçam, que em elle auia pêra cometimento
de gramdes feitos. Nem falíamos aqui darmaçam do Iffamte Dom Pedro,
porque posto que o nome fosse seu, o cu\'dado era primçipailmente del-
Rey seu padre e do Iffamte Duarte. E com todas estas cousas nom
5 esqueeçia ao Iliamte Dom Hamrrique de mamdar fazer muy rricas
liurees, as quaaes hordenou que leuassera todollos capitaaes que eram
hordenados sob sua capitania. E em trautamdo estas cousas cheguauamsse
uijmdo pêra a cidade todollos senhores e fidallgos, que auiam dhir com ellc.
AUi chegou Ayres Gomçalluez de Figueyredo nobre caualleiro, seemdo
IO em hidade de nouemta annos, corregido com seus escudeiros e gemte de
pee, e elle com sua cota uistida, cuja comtenemça parecia pouco * dhomem A,42,r,2
de sua hidade. e quamdo o Iffamte o uio cheguar a elle pêra lhe beyiar
a maão, começou de sse rrijr e disse. Ja me parece que homem de tam-
tos annos deuera de filhar rrepouso, por descamsso de tamtos trabalhos.
[5 Eu nom sei disse o caualleiro, se os membros por rrezam da hidade em-
fraqueçeram, mas a uoomtade nom he agora menos do que foi em todo-
llos outros trabalhos, que eu leuey com uosso padre. Por certo disse elle,
eu nom poderá auer mais homrradas eixequias pêra minha sepultura, que
amte de meus dias seer em aqueste feito. Per esta guisa fezeram dous
20 escudeiros Bayoneses, que por mujtos seruiços que fezeram a elRey na
guerra, lhes dera alli muy boas teemças em que uiuessem, porque eram ja
homeés de hidade pouco menos que Ayres Gomçalluez. os quaaes se
forom ao Iffamte rrequerer que lhes mamdasse dar seu prouijmento pêra
sua jda. Assaz he disse o Iffamte, o que uos teemdes trabalhado, eu
25 uos tenho mujto em seruiço uossa boa uoomtade. pareçeme que he bem
que fiquees, ca ja a uossa hidade nom he pêra mais trabalhos. Os escu-
deiros per nehuúa guisa quiserom ficar, amte mostraram suas *comte- A,42,v, i
nemças queixosas, quamdo lhe foi fallado que ouuessem de ficar. Pois
que será disse o Iffamte, porque as armas que tijnha som ja todas rre-
3o partidas, e nom teeria assy prestes com que uos armasse. Nom he boom
homem disserom elles, aquelle que per nehuúa necessidade uemde suas
armas, e nos posto que per alguúas uezes nos fezessem mimgua nossos
sólidos per falleçimento da pagua, e a teemça depois que nos foi asse-
emtada, as nossas sempre esteueram comnosco. Porem o mantijmento
35 nos daae segumdo uossa hordenamça, e das armas nom tenhaaes cuidado.
Muito ledo foi o Iffamte de suas booas uoomtades. e aalem do seu hor-
denado lhe mamdou fazer merçee, conheçemdo que era mujto pêra agra-
2. Iffante A. — 5. mandar A. — 9. seendo A. — 19. dias] add. acabados I. — 22. ay-
ras A. — 23. foram A — mandasse A. — 27. amtes A. — 3o. assi A. — 33. per] pêra A.
112
çer a homeés de tall hidade semelhamte deseio. Nom sey diz o autor,
se falle aqui como gemtio. mas por certo eu pemsso que os ossos dos
finados deseiauam seer uestidos em carne, liomde jaziam gastados em suas
sepulituras, pêra seerem companheiros de seus filhos e paremtes no ajum-
tamento daquelle feito. E dereitamente poderemos dizer que sse os uiuos 5
tijnham lediçe, que as almas daquelles que per rresplamdor diuinall sabiam
A,42,v, ! a uerdade desto* se allegrauam mujto mais. Pêra cuja prouaçam he bem
que saibaaes o que acomteçeo a huú frade da hordem de sam Domim-
gos, que estaua em aquella cidade do Porto, o quall no segumdo dia
das ladainhas, seemdolhe mamdado que ouuesse de preegar na proçissom lo
do outro dia, se alleuamtou depois do primeiro gallo, e estamdo amte o
altar da uirgem Maria fazemdo sua oraçam, amte que emtrasse a seu
estudo, lhe pareceram marauilhosas uisoões, amtre as quaaes lhe pareçeo
que uija amte a uirgem Maria elRey Dom Joham, estamdo armado com
os jeolhos em terra e as maãos aleuamtadas comtra o çeeo, homde lhe i5
apresemtauam huija espada, cujo rresplamdor parecia aaquelle boom ho-
mem que nom tijnha comparaçam. mas o portador daquella espada nom
conheçeo elle, como quer que a sua uista quamto ao seu conhecimento lhe
parecia cousa diuinall. E porque este boom homem era simprez, nom
quis comtar esta uisom, senam a huú outro frade seu amiguo que era sam- 20
christaão daquelle moesteiro. Oo como as almas daquelles boõs homeés
que morriam em aquella pestenemça, partiam suydosas dos corpos, nom
A,43,r, I tamto por aquella naturall suydade com que sse as almas* partem das
carnes, como por nom ueerem a fim daquelle feito. Aa diziam elles,
morte sem rremedio, fim de todallas cousas terribees, sobre cujo empereo e. 25
senhorio nom ha poder nehuúa cousa criada de ssoo no uello daalua, e
amte cujo braado tremem todallas cousas que sse neste mundo mouem.
E porque trigauas tamto teus dollorosos passos pêra nos leuar daquesta
uida. porque nos nom leixauas alguú pequeno espaço pêra ueermos a
fim desto, homde teueras rrezoado tempo pêra te emtreguar de nossa 3o
diuida, se as nossas almas te faziam mimgua pêra pouorares as casas do
outro mundo. Bem auemturados seram aquelles que rreçeberem os der-
radeiros goUpes amte os olhos de seus senhores, aos quaaes seus parem-
tes e amigos comtaram as chaguas, porque depois os filhos rreçebam
homrra pollo meriçimento de seus padres, e o seu nome depois da 35
uitoria nom poderá escorregar damte o conhecimento dos que depois
6. rresplandor A. — 10. mandado A. — 16. boo A. — 21. xpaão A. — 22. suydosos A.
— 24. nam A. — 26. de sso no uello daalua] de soo nouello da alua D, de sob novela
dalma C, de sob nouello da lua I, de soo ho uello da lua (?). — 27. mumdo.— 3i. diueda A.
— ii3 —
uierem. Mas nos nom ajmda dos que ham de uijr, mas de todollos pre-
semtes, nossas mortes ssom esquecidas, ca o trabalho do presemte
negocio nom lhes daa uaguar que sse possam apartar pêra* chorar nosso A,43, r,2
falieçimento. Era alli o trafego tamanho em aquella rribeira, que de dia
5 nem de noute numca estaúa soo. nem os marinheiros nom eram pouco
camssados em arrimar tamanha multidom de frasca. E com esto as estra-
das e caminhos eram cheos de carros e de bestas, que uijnham carregados
com mamtijmentos e armas das terras daquelles fidallgos, e doutras cousas
que lhe compriam pêra sua hida. E aquelles que tam asinha nom podiam
10 despacharsse da terra, trigauaos o Iffamte per suas cartas, de guisa que
nom aballasse sua frota, e elles ficassem comtra suas uoomtades.
Como elRef escpreueo ao Iffamte Dom Hamrrique que partisse com
sua frota, e como o Iffamte partio, e a hordenamça que leuaua.
Capitullo xxxvj.
i5 ^^— ^ADÂ dia elRey auia nouas do corregimento da frota que estaua na
I cidade do Porto, assy por as cartas que lhe o Iffamte escpreuia,
^— ^ como per outros mujtos que cada huú dia hiam de huQa cidade
pêra a outra, ca segumdo o tempo nom podiam os caminhos estar muy
liures, por quamto aquelles fidallgos esperauam dhir aa cidade de Lix-
20 boa, e mamdauam * porem seus honveés e cousas diamte cada huú se- A,43,v, i
gumdo lhe compria. E escpreueo elRey ao Iffamte, que tamto que aque-
lles primçipaaes fossem prestes, que partisse loguo mais trigosamente que
podesse. porque tamto que elle uiesse com sua frota, emtemdia loguo
a auiar a outra de Lixboa, de guisa que ao tempo que tijnha hordenado
25 partissem. E como o Iffamte foy prestes pêra partir, mamdou aparelhar
huúa fusta, na quall mamdou huú seu escudeiro, que charaauam Affomso
Eannes, que depois foi comtador daquella cidade, o quall leuaua rrecado
a elRey, como o Iffamte seu filho partia ja da cidade do Porto com sua
frota. E logo o Iffamte mamdou a todos que sse rrecolhessem pêra seguir
3o sua uiagem. e era fremosa cousa de ueer o corregimento daquella frota,
porque todallas naaos e gallees e outros nauios eram nobremente apem-
doadas com balssoões e pemdoões pequenos das coores motos e deuisa
do Iffamte. e porque eram todos nouos e bem acompanhados douro,
dauam mujto gramde uista. e as gallees eram toUdadas de finos panos
3. daaj da A. — i6. assi A. — 19. de hir A. — 20. mandauam A. — 26. mandou. — 2Ó-
27. affomseannes A. — 27. contador A.
— 1(4 —
A,43,v,2 daquelles motos e deuisa que ja disse. * e os capitaães das gallees eram
estes que sse seguem .s. o senhor Ifíamte, e o comde seu jrmaao, e
Dom Fernamdo de Bragamça filho do Ifíamte Dom Joham, e Gomçallo
Vaasquez Coutinho marichall, e Joham Gomez da Sillua alferes delRey, e
Vaasco Fernamdez dAtayde gouernador da casa do Iffamte, e Gomez 5
Martimz de Lemos ayo que fora do comde de Barçellos. e assy eram
sete gallees e sete capitaães. E assy estes como todollos outros que hiam
nas naaos, de quallquer comdiçom que fossem, que capitania dalguúa
gemte teuessem, leuauam a liuree do senhor Iffamte, a quall era de panos
de sirgo, e outra de finos panos de laã, rrepartida polio comtrairo. por- lo
que as mayores pessoas ouueram as liurees de pano de laã, e as outras
de menos estado uestiam os panos de sirgo. E porque falíamos nos capi-
taães das gallees he bem que saybaaes dalguús primçipaaes que hiam da
outra frota .s. Dom Pedro de Castro filho de Dom Aluaro Pirez de Cas-
tro, e Gill Vaaz da Cunha, e Pêro Louremço de Tauora, e Diego Gomez i5
A,44, r, I da Silua, e Joham Roiz de Saa, e Joham Aluarez Pereyra, e Gomçallo
Eannes de Sousa, e Martim Aftomso de Sousa, e *Martim Lopez dAzeuedo,
e Luís Alvarez Cabrall, e Fernam dAluarez seu filho, e Esteuam Soarez
de Melloo, e Mem Roiz de Refoyos, e Garcia Moniz, e Ayres Gomçall-
uez de Figueyredo, e Pa}^ Roiz dAraujo, e Vaasco Martimz da Albergaria, 20
e Aluaro da Cunha, e Fernam Lopez dAzeuedo, e Aluaro Fernamdez Maz-
carenhas. Todos estes leuauam a liuree do Iffamte, e assy outros alguús
fidallguos e escudeiros, cujos nomes nom podemos perfeitamente saber. E
quamdo foi o dia daquella partida, era amtre todos aquelles da frota muy
gramde allegria, ca todollos nauios eram acompanhados de trombetas e 25
outros estormentos, cujo ssoom espertaua seus coraçoÕes pêra seerem alle-
gres. E aimda auiam outro aazo pêra seerem muyto mais ledos, ca em
aquelle dia forom todos uestidos de nouo, a quall cousa per sua nouidade
sempre traz alguii acreçemtamento de follgamça em no coraçom de quall-
quer, e mujto mais no dos homeés mamçebos, cuja clara esperiemçia nom 3o
ha mester outra proua. E aalem daquella liuree que assy o Iftamte deu
A,44,r,2 aaquelles senhores e fidallgos, e assy geerallmente a todollos seus, cadahuú
delles daua aos seus * apartadamente sua liuree como lhe prazia. Mas
porque seria gramde prolixidade escpreuermos a deuisa de cada huij, abasta
soomente que a do Iffamte eram huúas capellas de carrasco bem acompa- 35
nhadas de chaparia, e por meyo huús motos que deziam uoomtade de bem
fazer, e as suas coores eram bramco e preto e uijs. Todollos boõs homeés
6. Martimz] miz A. — 7. assi A. — 16-17. gomçalleannes A. — 19. ayras A. — 22. assi
A. — 28. foram A. — 3o. mancebos A. — 3i assi A.
— ii5 —
da cidade que alli ficauam, se espediram em aquelle dia do Iffamte oftere-
çemdolhe seu seruiço. porque aalem de em elle auer huúa graça simgullar
pêra todos aquelles que com elle trautauam, por quamto elle era naturall
daquella cidade, tijnha espiçiall cuydado dos moradores delia pêra rrequi-
5 rimento de seus feitos, por cuja rrezam era muy amado delles todos, e
o tijnham casi por seu çidadaão. Tamto que as nouas cheguaram a Lix-
boa da uijmda do Iffamte Dom Hamrrique, loguo elRey mamdou ao
Iff'amte Dom Pedro que fosse rreçeber seu jrmaão. pêra cuja hida logo
forom prestes as outras oito gallees que alli estauam, e assy todollos ba-
io tees e nauios pequenos que auia na frota, nas quaaes hia primeyramente
o Iffamte Dom Pedro, e na segumda o meestre de Christus, e na terceira
Dom Affomsso, e na quarta * o prioll do Espitall, e na quimta o almiramte, A,44,v, i
e na sexta seu filho miçe Carlos, e na septima o capitam, e na oitaua
Joham Vaaz dAlmadaa. e o comdestabre com todollos outros senhores,
i5 que eram hordenados pêra hir com o Iff^amte Dom Pedro, forom nos ba-
tees de suas naaos e assy em alguús nauios pequenos. E sse a frota que
uijnha do Porto era bem apemdoada e tolldada, esta outra que partia de
Lixboa nom era menos, empero todo era dos motos e deuisa delRey.
e assy começaram de fazer sua uiagem caminho da foz comtra homde os
20 outros uijnham. E o Iffamte Dom Hamrrique trazia tall hordenamça em
sua frota, que parecessem primeiramente per a foz os nauios pequenos,
e depois as naaos gramdes, e após ellas as gallees, das quaaes a mais
derradeira era a do Iffamte. e desy todollos nauios começaram damdar
brollauemteamdo ao traues daquelle mar fazemdo sempre deuisa sobre a
25 gallee do Iffamte. E pollo espalhamento que assy faziam, era aquella
frota de todos estimada em mujto mayor numero, e assy amdaram huú
pedaço ataa que sse jumtou huúa frota com a outra, homde aquelles
jrmaáos ouueram amtre ssi muy gramde prazer, como aquelles cuja ami-
zade * amtre os uiuos nom foi outra semelhamte. Ca certamente taaes A,44,v, 2
3o çimquo filhos assy obediemtes a seu padre e amigos amtre ssi, numca sse
achou em espcrituras que os alguú primçipe teuesse. E assy forom aque-
lles senhores jumtamente acompanhados de sua frota ataa que cheguaram
aaquelle lugar, homde ho Iffamte Dom Hamrrique depois mamdou fazer
huúa egreia, a quall sse agora chama samta Maria de Belleem.
I. da cidade] na margem A. — 9. foram A — assi A. — 11. xps A. — i3. karlos A.
— i5. foram A. — 16. assi A. — 19. assi A — 25. assi A. — 26. assi A. — 28. grande A.
— 3o. assi A. — 3i. foram A.
— ii6 —
Como Affomso Eatvies chegou aos Iffamtes com as nonas da doemça
da Rainha, e como por aquelle aaio aquelle gramde prazer em que
estauam, foi tornado em tristeza . Capitullo xxxvij.
H
o quamto minha uoomtade deseiaua cheguar aa fim daquesta uito-
ria sem alguú amtrepoimento de tristeza, mas a çegua fortuna 5
com seus tristes aqueeçimentos nom quis que a nossa gloria fosse
liure dalguú triste acomteçimento. nem ha cousa amtre os uiuos mais
certa que o mouimento das cousas terreaaes. E por tamto se determina
em phiiosofia que a dereita deriuaçom do tempo he seer duramento do
mundo em perseueramça mudauell. o quall he departido em quatro lo
partes, segumdo o desuairo quaternário do çircoUo do çeeo que he cha-
A,45,r, I mado zodiaco, o quall em cada huúa quarta tem * três sinaaes chamados
per nomes desuayrados danimaaes, os quaaes se rregem amtre os homeés
per quatro ternários de meses, em que som desuayradas emfruemçias, que
geeram em os homeés nouos falleçimentos. E porem huii philosofo, cujo i5
comsselho rrequeria huii homem pêra comssollaçom da tristeza que tijnha
per morte de seu padre, lhe disse. Amigo, nembrete depois que naçeste
quamtas uodas e allegres desemfadamentos ouueste. e soporta em pa-
çiemçia este triste aqueeçimento que te ueyo. ca o mouimento do mun-
do por tall comdiçom foy assy hordenado, que nom leixasse nehuúa cousa 20
em perdurauell assesseguo. Ora pois que assy he, uaamos per nossa esto-
ria em diamte sem rreçeo. homde auees de saber, que tamto que os
Iffamtes cheguarom com sua frota aaquelle porto de Restello segumdo ja
dissemos, mamdaram alli lamçar as amcoras de seus nauios. e a outra
frota fazia amdamdo suas uoltas ao traues daquelle mar, tamgemdo suas 25
trombetas e estormentos que traziam, como homeés que queriam mostrar
aos outros que estauam em na terra, a gramde lediçe que traziam seus
A,45,r,2 coraçoôes. Nem o Iftamte Dom Hamrrique nom estaua * pouco ledo assy
polia uista de seus jrmaãos e de toda a outra gemte da corte, que o alli
uiera rreçeber, como por trazer assy sua frota bem aderemçada de todo o 3o
que lhe compria. mas porque a sua gloria nom fosse de todo acabada,
chegou alli Affomsso Eannes, aquelle seu escudeiro que trouxera o rrecado
a elRey de sua uijmda, e lhe disse como a Rainha sua senhora e madre
estaua doemte. Empero disse elle, que nom ficaua a dita senhora tam
1. affomseannes A. — 2. rrainha A. — 5. a I, om A. — 7. ha I, he A. — 10. mumdo
A. — i5. phillosofo A. — 19-20. mumdo A. — 20. assi A. — 21. assi A. — 28. assi A. —
3o. assi A. — 32. affomsseannes A. — 33. a elRey I, delRey A.
— 117 —
aficada de sua door. per que elle deuesse tomar nehuúa tristeza, amte
lhe fora dito que a primçipall causa daquella emfirmidade era por aazo
da gramde abstinemçia que fazia em seus jeiuús e oraçoóes. ca posto
que ella em toda sua uida tosse huúa das primçesas do mundo de mais
5 simguilar deuaçom, ajmda que nos outros tempos quisesse jeiuúar, eralhe
defteso per seus abades com acordo dos físicos, ca por aazo da fraqua
compreissom que tijnha, determinauam os ditos físicos que a dita absti-
nemçia seria muy perijgosa pêra sua uida, e porem cessaua de a fazer.
Ca determinado he per samto Agostinho, que cada huii tenha tall tempe-
10 ramça em seu jeiuií ou oraçom, per que lhe fíque liure poder pêra husar
das outras uirtudes. ca doutra guisa seria omeçido* de ssi meesmo. A,45,v, i
Mas depois que a Rainha foi certa da hida de seus filhos, ca ajmda ata
aquelle tempo nom sabia da delRey nem do Itfamte Duarte, ca posto que
lhe damte fosse fallado como ja ouuistes, elRey nom quis que o ella sou-
i5 besse ata açerqua da sua partida, por lhe arredar o coraçom de cuidado
que semtia que ella filharia. AUi nom curou ella de físicos nem de com-
fessores, mas jeiúaua mujto a meude, e fazia gramde oraçom aalem do
que tijnha custumado. ca tamto que era manhaã loguo sse hia aa egreia,
homde estaua ataa o meo dia. e tamto que comia e filhaua huú pequeno
20 rrepouso, loguo tornaua a sua oraçom. Mamdaua uisitar as casas dos
samtos, e dar gramdes esmollas aos pobres, e fazer outros beés por acre-
çemtar seu meriçimento. E de como lhe elRey comtou determinada-
mente sua temçom, e desy o seguimento de sua door, ataa que a Deos
leuou deste mundo, ouuirees agora em os seguimtes capitullos.
25 Como elRey disse aa Rainha determinadamente sua emtemçom, e da
rreposta que lhe a Rainha deu, e como por aa^o dalguús que alli
adoeceram de pestenemça elRey partio pêra o moesteiro dOdiuellas,
e * como a Rainha ficou pêra acabar suas deuaçoóes, e como em A,45v.2
aquelle dia adoeçeo. Capitullo xxxviij.
3o "|~^ORQUE toda a primçipall fim dos autores estoriaaes esta no rrecomta-
I — ^ mento das uirtuosas pessoas, porque a sua clara memoria per
-^ nehuú perlomgamento de hidade possa seer afastada damte os
presemtes, a quall cousa por certo traz c-omssigo duas muy proueitosas
fijns. A primeira em quamto amoesta aaquelles que ueem e oueem o
4. mumdo A. — 12. despois A. — i3. Iffante A. — 23. desi A. — 24. mumdo A —
capitólios A. — 32. afastado A.
— ii8 —
memoriall das suas iiirtuosas obras, o quall certamente he aquelle espe-
lho, que Sócrates gramde philosofo mamdaua que os homeés mamçebos
esguardassem a meude, por tall que os boõs feitos de seus amteçessores
fossem a elles proueitoso emsino. ca assy como no beesteiro nom pode
seer conhecida auamtagem, se amte que faça seu tiro nom teem certo 5
sinall. assy nehuú boom homem nom poderia obrar perfeitamente ho auto
dalguúa uirtude, se nom trouuesse amte os olhos a jmagem dalguíã tam
uirtuoso, cuja proueitosa emueja lhe mostrasse o uerdadeiro caminho pêra
cheguar aa fim de seu deseio. A segumda fim he porque sse os homeês
A,46, r, 1 semtissem que pollo falleçimento de sua *uida, se acabaria toda sua rre- lo
nembramça, certamente nom sse poeriam a tam gramdes trabalhos e
perijgos, como ueemos que sse manifestamente poõe. a quall cousa foy
o pnmçipall aazo per que os primeiros autores se esforçaram a compoer
estorias. Ca naturallmente toda criatura rresoauell deseia duraçam, por
cuja rrezam os primeiros philosofos, semtimdo este naturall deseio, pem- i5
ssamdo que a morte nom uijnha aos homeés per ley determinada, soo-
mente por corrompimenio dos humores, sse trabalharam mujto de bus-
car certo artefiçio, per que os manteuessem em duraçam, hordenamdo
proueitosas uiamdas segumdo a callidade das compreissoões. e assy bus-
caram leitoayros e meezinhas, per que arredassem as emfirmidades do 20
corpo, mas depois que conheceram que em aquello nom auia nehuú pro-
ueito, disseram que por quamto o homem era feito de mujtos comtrairos,
que per necessidade auia de falleçer. E Aristotilles, que desto tomou
muy espiçiall cuidado, disse naquelle liuro que sse chama segredo dos
segredos, que emuiou a Alexamdre açerqua da fira de seus dias, que çer- 25
A,46,r,2 tamente elle se marauilhaua do homem que comia pam* de trijgo e carne
de dous demtes, poder naturallmente falleçer. E depois que os homeés
determinadamente conheceram que per ssy meesmos nom podiam durar,
buscaram certas maneiras de semelhamça, per que elles fossem aos pre-
semtes em certo conhecimento. Huús tezeram tam gramdes sepulturas jo
e assy marauilhosamente obradas, cuja uista fosse aazo de os presemtes
pregumtarem por seu possuydor. Outros fezeram ajumtamento de seus
beés auemdo autoridade deirrey, per que o fezessem moorgado pêra ficar
ao filho mayor, de guisa que todollos que daquella linhagem deçemdessem,
ouuessem rrezam de sse lembrarem sempre daquelle que o primeiramente 33
fezera. Outros sse trabalharam de fazer tam exçellemtes feitos darmas,
cuja gramdeza fosse aazo de sua memoria seer eixemplo aos que depois
2. mancebos A. — 4. fosse A — assi A. — 6. assi A. — 19. assi A. — 3i. assi A.
— 119 —
uiessem, por cuja rrezom homrrauam mujto todollos autores das taaes
cousas, como diz Vallerio que fazia Cepiam a Lucano, e assy outros
mujtos aos seus autores. E porem dezia Alexamdre ho gram rrey de
Macedónia, que elle seria bem comtemte de trocar a prosperidade que lhe
i os deoses tijnham aparelhada, e afastar sua maão de toda* parte que lhe A,46,v, i
no çeeo podiam dar, por auer huií tam alto e tam sumrao autor pêra seus
feitos, como ouuera Achilles em Omero poeta. E huií rromaão seemdo
pregumtado em huú comuite, qual! era a cousa que mais deseiaua, disse
que saber certamente que depois de sua morte seus feitos seriam assy
!o compridamente escpritos como os elle fezera. Creo que o dezia, porque
fora três uezes leuado no carro do triumpho, e ouuera homze coroas,
daquellas que sse dauam aaquelles que primeiramente emtrauam em
alguúas cidades ou villas, ou gramdes nauios quamdo era em pelleia de
mar. E nom soomente filharam os amtijgos cuidado descpreuer os
i5 feitos dos uirtuosos homeés, mas ajmda das uirtuosas molheres, assy como
sse acha nas estorias da Briuia da rrainha Ester e de Judie, e assy nas
obras de Tito Liuio de Lucrécia de Virgínea e doutras semelhamtes. E
sse estes autores assy quiseram rrenembrar os feitos uirtuosos, daquesta
pequena culpa mereceremos nos ao diamtc escpreuemdo ho acomteçi-
20 mento e uirtuosa fim desta Rainha, cujas gramdes uirtudes ssom dignas
de gramde memoria. Ja dissemos a maneira como lhe seus filhos falla-
ram, e como lhe elRey fallara em Simtra, e * como sua hida e do Iffamte A,46,v,2
Duarte nom ficara posta em determinaçam. Ora sabee que depois que
elRey de todo teue seus feitos auiados pêra partir, queremdolhe deter-
25 minadamente declarar sua uoomtade, estamdo huú dia follgamdo na
camará da dita senhora, seemdo hl açerqua de seu estrado Briatiz Gom-
çalluez de Moura e sua filha Meçia Vaasquez, começou eIRey de hor-
denar suas departiçoÕes per tall guisa, que chegou aa comclusom de sua
uoomtade. Senhora disse elle, como quer que ao tempo, que me
3o fallastes açerqua da hida de nossos filhos, eu por estomçe nom determi-
nasse soomente a hida do Iffamte Dom Pedro e do Iffamte Dom Hamrri-
que, e pêra elles primçipallmente hordeney todo este feito, comsijramdo
como faria gramde agrauo a nosso filho o Iffamte Duarte, seemdo
elle de tall hidade e tam deseioso de prouar sua força, nom horde-
35 nar como elle fosse em tall feito, e desy a mim nom seria bem cabido
de os mamdar assy sem minha presemça, pois per graça de Deos
I. homrrariam A, honrauão I. — 1-2. taaes cousas] B I, lac. A. — 2. a Lucano] prec.
lac. — 7. archilles A. — 9. assi A. — i5. assi A. — 16. assi A. — 18. assi A. — 23. despois
A. — 35. desi A.
som em tempo de lhe poder mostrar a emsinamça, que apremdi de semc-
Ihamtes feitos por comtinuaçom de raujtos dias, e sofrimento de gram-
A,47.r, 1 des trabalhos e mujtos perijgos. e pêro que uos alguúas uezes tocasse
açerqua da uoomtade que tijnha dhir neste * feito, agora uolla declaro,
que a Deos prazemdo, eu emtemdo dhir e leuar comiguo assy o Iffamte 5
como seus jrmaãos. E como quer que a Rainha dos outros dias pas-
sados semtisse a uoomtade que elRey trazia dhir naquelle feito, ouuym-
doo assy determinadamente, nom pode soster sua comtenemça, que nom
mostrasse em ella, que auia gramde semtimento. ca posto que assy
fosse uirtuosa como ja ouuistes, a natureza das molheres em semelhamtcs lo
casos nom pode seer tam esforçada, que nom faça mouer o coraçom a
alguúa tristeza, mas Briatiz Gomçalluez e sua filha, ouuimdo aquellas
pallauras, soltarem de todo seus olhos em lagrimas. E a Rainha tor-
namdo a sua rrezom, disse a elRey, nom como cabia dizer a molher, mas
como quem fallaua per rrespeito daquella linhagem de que deçemdia. i5
^'erdade he senhor disse ella, que eu uos pedi que mamdassees uossos
filhos em este feito, e uos disse loguo emtom, quamto me parecia seer
rrazoado de uos nom hirdes. e de uos agora mamdardes o Iffamte
segumdo dizees, conheçemdo quamto lhe he compridoyro, como quer que
gramde semtimento por ello ouuesse, meu geesto numca o poderá mos- 20
A,47, r,2 trar. Mas a uossa hida me faz que me nom abaste ssiso nem emtemder,
pêra me rreteer de nom mostrar * o que semtia. Mas pois uos por bem
ouuestes e auees dhir, a Deos praza que uossa hida emderemçe per
tall guisa, que seia mujto a seu seruiço e uossa homrra e de uossos filhos
e bem de uossos rregnos. E desy comtra as outras que estauam cho- 25
ramdo com gramde semtido. Amigas nom auees porque chorar, porque
o choro em taaes casos nom he cousa que aproueite, amte uos rroguo
que daqui em diamte husemos do que a nos e a nosso offiçio perteeçe, e
esto he emcomemdarmos a Deos este feito mujto aficadamente fazemdo
taaes obras e beês, per que mereçamos seer ouuidas. e nom tam soo- 3o
mente ajmda per nos, mas per todas aquellas pessoas, per cujo uirtuoso
merecimento simtamos que este feito pode seer ajudado, ca certo he que
em taaes cousas presta mujto a oraçom, segumdo se mostrou nos feitos
da ley amtijga, que polia oraçom que fazia Mouses, quamdo o pouoo dos
Judeus pelleiaua, rreçebiam mayor ajuda, que per suas próprias forças. 3j
E nos assy oremos menos preçamdo todo trabalho e camssaço que sse
nos em ello possa seguir, façamos outros beês, per que nossas oraçoÕes
4. de hir A — assi A. — 7. assi A. — 8. assi A. — 17. mandardes A. — 22. dehir A.
24. desi A, disse I. — 35. assi A.
seiam dignas de seer ouuidas amte Deos. e esto he milhor que espar-
gimento de lagrimas nem outra nehuúa* maneira de gramde tristeza. E A,47,v, i
acabamdo esto disse a elRey. Senhor, eu uos peço por merçee que sse
me Deos quiser dar dias de uida, que chegue ataa o tempo de uossa par-
5 tida, que uos façaaes uossos lilhos caualleiros presemte mym, ao tempo de
uosso embarcamento com senhas espadas, que lhe eu darey e com a
minha beemçam. ca posto que seia dito, que as armas das molheres em-
fraqueçem os coraçoões dos caualleiros, bem creeo que segumdo a gee-
raçom de que eu uenho, numca seram emfraqueçidos por as rreçeberem
IO de minha maão. Ao que elRey rrespomdeo que lhe prazia mujto. E a
Rainha mamdou no outro dia chamar Joham Vaasquez dAlmadaã, ao
quall disse que lhe mamdasse fazer três espadas, e as mamdasse guarne-
cer muy rricamente douro e daliofar e de pedras preciosas, e que tamto
que fossem acabadas que lhas trouxesse. E desy proseguimdo ella em
li suas oraçoões, tamto que era manhaã loguo sse hia aa egreia, homde
estaua ataa o meo dia. e tamto que era uespera loguo sse a ella tornaua
outra uez, e assy estaua ataa noute, que sse tornaua pêra sua casa.
homdé a despesa do seraão nom era em damças nem em outros nehuijs
desemfadamentos deste* mundo, soomente em sprituall comtemplaçom. A,.i7,v,2
20 E aalem desto mamdou a Rainha per mujtos moesteiros gramdes esmo-
llas, e assy a outras alguQas pessoas que ella sabia que eram de boa uida,
emcomemdamdolhe que toda sua primçipall emtemçom fosse emcomem-
dar a Deos, que lhe prouuesse por sua piedade trazer aquelle feito a pro-
ueitosa fim. E estamdo assy alguús dias, seguiosse que adoeceram algu-
25 úas pessoas de pestenemça em aquelle lugar de Sacauem. e esto era por-
que a pestenemça amdaua muy gramde em Lixboa, como ja ouuistes. e
por seer tam preto, a comuersaçom da gemte que era necessário que
teuesse huiJa com a outra segumdo a necessidade do tempo, nom podia
seer que o dito lugar fosse lomgamente liure daquelle padecimento. E
3o como elRey soube que assy alli adoeceram aquellas pessoas, disse aa
Rainha que seria bem que sse partissem loguo amte de comer. Senhor
disse ella, uos uos podees partir, e eu depois que acabar meus offiçios, me
partirey. ca molher tam uelha como eu, nom deue auer medo de peste-
nemça. E esto dezia a Rainha, porque ella era emtom de hidade de çim-
35 quoemta e três annos. Pois que senhora disse elRey, uos assy querees,
podello fazer, mas peçouos que o mais cedo *que poderdes, uos partaaes A,4>^,r, i
deste lugar. E emtom sse partio elRey caminho do moesteiro dOdiue-
14. desi A. — 17. assi A. — 19. mumdo A — spúall A. — 21. assi A. — 24. assi A. —
3o. assi A. — 35. assi A.
16
lias, e a Rainha nom quis partir ataa meyo dia, como )a dissera. E
estamdo assy cm na egreia, lhe deu a door de pestenemça. nom porem
que ella semtisse que era semeliiamte emfirmidade, soomente maginaua
que seria alguúa outra door, que lhe uijmria por parte de sua fraqueza,
segumdo lhe ja outras uezes uiera. E assy partio caminho do dito
moesteiro.
Como o Iffamte Dom Hamrnqiie e o comde Dom Affomsso chega-
ram a Ociiitellas, e como sse a door acreçemtou na Rainha.
Capihdlo xxxix.
H
E aguora pêra fallar como as nouas foram tam asinha a clRey, como lo
sse a Rainha semtia. ca por aazo daquelle aar corruto que assy
amdaua, nom podia nemguem semtir nehuúa emfirmidade, que
loguo poUo presemte cuydasse que era outra cousa. Mas tamto que a
Rainha chegou, loguo a elRey foy ueer, assy como aquelle que de sua em-
firmidade tijnha ma3'or cujaiado que outra nehuúa pessoa. E mujto foi i5
ledo quamdo lhe achou tam boa mostramça de comtenemça, polia quall
A,4S,r,2 lhe pareçeo que sua emfirmidade nom era cousa de nehuú perijgoo. *E
em este emsseio, seemdo ja porem passados três dias da emfirmidade da
dita senhora, chegou hy o Iftamte Dom Hamrrique e o comde Dom
Affomsso, com todollos outros senhores e fidallgos que uijnham em sua 20
frota, os quaaes loguo no dia seguimte que cheguaram a Restello, forom
a Odiuellas fazer rreueremça a elRey e aa Rainha e ao Iffamte Duarte.
E muy graciosamente forom rreçebidos delRey, e espiçiallmente o Iflamte,
ca mujto ledo fora elle, quamdo no dia passado lhe fora comtado poiio
meudo, como a frota uijnha do Porto, e a hordenamça que trazia, e sobre 25
todo a gramde dilligemçia que o Iftamte teuera em dar a todo auiamento.
Bem parece meu filho disse elle, que o emcarrego que uos eu dey, nom
foy filhado per uos como per homem de uossa hidade, ca segumdo me
comtarom, toda uossa frota ueem muy bem auiada, como per homem
que teem uoomtade de me seruir e acreçemtar em sua homrra. e bem 3o
podees dizer, que teuestes mayor dilligemçia em uosso corregimento, do
que o nos teuemos no nosso, pois que fostes prestes primeyro que nos.
Emtom. forom fallar aa Rainha, da quall a força do gramde prazer fez
A,4^,v, I escomder ho* padecimento da emfirmidade. ca assy o rreçebeo com tam
2. estando A — assi A. — 5. assi A. — 11. assi A. — i3. presente A.— 14. assi A. — 18.
emsejol, asseio A — jníirmidade A. — 21. foram A. — 23. foram A. — 28. foi A— come A.
— 123 —
boa comtenemça, que pouco parecia molher semtida de tamanha door.
Mas da lediçe que o Ifiamte Duarte trazia, era cousa que poderia pollo
presemte seer mall comtada. porque ajmda ata aquelle tempo sua hida
esteuera emcuberta, per a guisa que esteuera a delRey. por cuja rrezam
5 lhe fora necessário, posto que elle bem soubesse que auia dhir, mostrar
fimgida tristeza, por fazer creer aos outros a çertidom de sua ficada.
Nem tijnha outrossi ousio dauiar nehuús corregimentos de sua pessoa por
arredar todollos aazos, per que aquelle segredo podesse seer comrrompido,
soomente quamto mamdara a Joham Vaasquez dAlmadaã que fezesse
jo correger muy bem a sua gallee, por quamto hordenaua dhir em ella. E
assy com aquella lediçe e boa uoomtade que trazia, rreçebeo seus jrm.aãos
e toda a outra boa gemte que com elles uijnha. e por certo nom era
emfimgida a boa uoomtade que elle naquelle feito trazia, per a quall se
podia conhecer parte da gramdeza de seu coraçom. E posto que o
i5 tempo fosse pequeno, nom lhe falieçeo nehuija cousa pêra seu corregi-
mento. ca tam bem e tam compridamente ouue todallas cousas, que per-
teeçiam pêra corregimento * de sua pessoa, como sse des o começo daque- A,48,v,2
lies feitos mamdara hordenar seu corregimento. E bem he de creer, que
sse a doemça da Rainha nom fora, que ajmda o Iffamte Dom Hamrri-
20 que fora delle mujto milhor agasalhado, ca alem do gramde amor que
lhe auia, mujto sse desemfadara em fallar no começo daquelles feitos, de
como os Deos trouxera por sua graça a tempo de os poderem proseguir.
Ja o Iflamte Dom Pedro aaquelle tempo estaua na frota, como aquelle
que tijnha a capitania de todallas naaos. e assy tijnha a sua naao certo
25 sinall, per que ouuesse de seer conhecida amtre todallas outras, ca leuaua
huú gramde estemdarte, auamtajado de todollos outros, e huQ foroll de
noute segumdo custume. mas a capitania de todallas gallees era JelRey.
E depois que o Iffamte Dom Hamrrique fallou aaquelles senhores, torna-
romsse ambos os Iftamtes e comde pêra a frota, pemssamdo que a
3o doemça da Rainha nom era aquella que depois pareçeo. ca loguo no dia
seguimte o Iff"amte Duarte mamdou chamar os Iflamtes seus jrmaãos,
fazemdolhe saber, como a Rainha sua senhora e madre sse semtia mujto
mall. Os quaaes loguo trigosamente cauallgaram e se forom a * Odiue- A,4o,r, i
lias, domde numca depois partirem ataa o acabamento da dita senhora.
35 Nem foy sua tristeza pequena quamdo cheguaram aa Rainha, e a acha-
ram tam aficada da door, tomamdo muy gramde cuidado de a seruir
assy em aquelle presemte, como depois, e de lhe fazer buscar todollos
IO. quanto A — em] com A I. — 24. capitonia A. — 25. antre A. — 27. capitonia A.
28. despois A. — 33. foram A. — 37. assi A.
— 124 —
rremedios que ssc podiam achar pêra aliuamento de sua emfirmidade.
E posto que todos gramde cuidado dello teuessem, o primçipall emcarre-
guo era do líiamte Duarte, o quall com gram dilligemçia numca podia
dar seu cuidado a outra cousa, senam a pemssar e rrequerer todallas
meezinhas e cousas que perteeçiam pêra rremedio da Rainha. Nom ssey 5
diz o autor, em quamtas maneyras louue tamta uirtude de primçipes. por
certo se o próprio emtemdimento daquelle preçepto, que foy escprito
na segumda tauoa que diz, que aquelle que homrrar seu padre e sua ma-
dre uiuera lomgamente sobre a terra, he quamto a esta uida corporall,
bem creo que estes deuiam compridamente seer aquelles. Certamente lo
assy forem sempre obediemtes a elRey seu senhor e padre e aa Rainha
sua madre, que nem aquelle filho de Vemturia CorioUa, de quem Vallerio
faz memçom, nem outros nehuús que seiam emmentados na escpritura,
A,49,r/2 nom* sse podem jguar a estes. E esto nom emtemda alguú que sse diz
por fallar de graça, ca eu que esta estoria escpreui, lij muy gram parte '5
das crónicas e liuros estoreaaes, e numca em elles achey semelhamte.
Todollos outros cuidados da guerra em aquelles dias forom esqueeçidos.
e soomente a ocupaçom era em ouuir físicos e çellorgiaães, e em fazer
poer em execuçom todallas cousas, que elles hordenauam pêra saúde
daquella senhora, como quer que seus rremedios e trabalhos pouco 20
prestassem, porque a door se acreçemtaua mujto mais aa Rainha, ca a
determinaçom da fim nom teem alguú certo rremedio, ca escprito he.
Posuisti términos eius etç. Da quall cousa elRey estaua muy anojado,
como aquelle que conhecia a perda que sse lhe seguia per morte de tam
boa molher, com a quall auia uijmte e sete annos que estaua casado, ssem 25
nehuú amtrepoimento de desacordo, que amtre elles ouuesse, amte
mujto amor e comcordia como ja ouuistes. E tamanho era o semtido
que elRey tomaua polia emfirmidade da Rainha, que sse lhe priuaua o
comer e dormir, por cuja rrezam mujtos presumiam que sse lhe segue-
ria alguíja gramde emfirmidade por aquelle aazo, se nom fora o seu 3o
gramde esforço.
I. aliuiamemo I. — 2. prinçipall A. — 1 1 . foram A. — 17. foram A. — 25. uijnte A.
— 125 —
Como a Rainha aiiia nerdadeiro conhecimento da sua morte, e das A,49,v.i
obras que açerqua dello fa^ia, e como deu o lenho da cru^ a seus
filhos. Capitullo R.
JA falley em outro luguar daquella semtemça do philosofo, como todo-
llos homeés naturallmente desciam saber, e falley tam soomente
deste naturall deseio, quamto aas cousas corporaaes, assy como
cousas que ssom dadas ao homem como primçipios do uerdadeiro saber.
Ca toda sabedoria em este mundo seria de pouco uallor, soomente em
quamto per ella podemos cheguar aaquelle uerdadeiro conhecimento das
ío obras, per que a alma rreçebe saluaçom, porque todo saber sem Deos nom
he saber, porem toda a fim da uirtuosa uida he no uerdadeiro conheci-
mento de Deos. E porque ja mujtas uezes falíamos das gramdes uirtu-
des que auia em esta Rainha, he de saber como lhe nosso Senhor Deos
quis dar conhecimento do uerdadeyro saber, mostramdolhe a escuridade
i5 da presemte uida per jmtrimsico amor, que lhe deu de ssi meesmo com
certo conhecimento da fim da sua uida. E posto que o juizo dalma seia
soomente no comspeito de* nosso Senhor Deos, o quall segredo quis que A,4g,v,2
nom soubesse nehuúa pessoa uestida em esta carne humana, todollos
sabedores, espiçiallmente sam Thomas, que por comtemplaçom diuin;Ul
20 sobio ao monte do uerdadeyro saber, tem que quando a criatura açerqua
de sua fim ha uerdadeyro conhecimento do Criador, e se arrepemde
amargosamente dos seus peccados, que o juizo deste he uerdadeyra salua-
çom. O quall signall sse pode conhecer per aquelles, que era semelhamte
tempo fallom com seus abades quaaesquer falleçimentos que semtem em
25 sua comçiemçia, segurado aquelle samto comsselho que o propheta em-
ssina no sallrao dizemdo. Eu tornarej' per todollos meus annos atras,
alimpamdo as amtredanhas da minha comçiemçia pêra te rrecoratar as
amarguras da rainha alma. Per o quall arrepemdimento poderemos uer-
dadeiramente saber, como aquesta sarata Rainha cobrou a uerdadeyra
3o beraauemturamça. ca posto que mujto a meude fosse comfessada em
todollos outros tempos, depois que sse assy a emfirmidade esforçou em
ella, fallou muy compridamente com seu abade, e em satisfaçom dal-
guús emcarregos se os tijnha,* mamdou fazer mujtas esmollas e outras A,5o,r,i
gramdes obras de piedade, dizemdo mujtas rrezoões em arrepemdimento
35 de seus peccados, as quaaes faziam gramde.comtriçom aaquelle seu cora-
fessor. E acabado esto fez chamar seus filhos, e disselhes. Deos sabe
3. R] quoremta A. — 4. phillosofo A. — 8. mumdo. — i3. esta Rainha I, este Rey A.
— vestida A. — 3i. despois A.
— 126 —
camanho deseio sempre tiue de ueer a ora, em que uos uosso padre
fezesse caualleiros. e pêra ello mamdey fazer e guarnecer três espadas.
e pois a Deos apraz que eu em este mundo nom ueia tamanho prazer, elle
seia louuado por todo. E loguo mamdou saber parte, se lhe emuiara ja
Joham Vaasquez as ditas espadas, e disseromlhe que nom. Pois disse 5
ella. Vaão loguo trigosamente a Lixboa, e façammas trazer. Quisera
meus filhos, disse ella comtra os Iffamtes, daruos agora as espadas, em que
uos amte falley, mas por nom seerem aqui, leixo de uollas dar. empero
daruos ey agora o uerdadeyro escudo da fortelleza e defiemssom, que he
o lenho da uera cruz. e de menhaã a Deos prazemdo, uos darey as espa- lo
das. E emtom mamdou trazer huúa cruz daquelle uerdadeyro paao, em
que nosso Senhor Jesu Christo padeçeo, e partio em quatro partes, se-
gumdo os quatro braços que estam na cruz. e deu a cada huij dos Iffam-
A,5o,r,2 tes* seu braço, e o quarto guardou pêra elRey seu senhor. Meus filhos
disse ella, eu uos rroguo que uos rreçebaaes esta preciosa jo3'a, que uos eu i5
dou com gramde dcuaçam, e que creaaes perfeitamente na gramde uir-
tude que Deos em ella pos, e como he perfeito rremedio pêra todollos
perijgos dalma e do corpo, e quem nella teem uerdadeira feuza, cobra
escudo firme e forte pêra sua deffemssom, comtra o quall nom pode em-
peeçer nehuij emmijgo sprituall nem temporal!, espiçiallmente comtra os 20
jmfiees. E nom tam socmente he deffemssom comtra elles, mas ajmda
destroimento, segumdo se comta no seu offiçio o quall diz. ffugij partes
auersas. ca uemçeo ho liam, o quall he Jesu Christo que nella padeçeo.
E eu uos rroguo filhos, que sempre comtinuadamente o comuosco quei-
raaes trazer, ca nom sabees os dias nem as horas dos perijgos. E elles 25
lhe beyiarom as maãos, e lho teuerom mujto em merçee, em fim do quall
lhes lamcou a sua beemcam.
Como a Rainha deu as espadas aos Iffamtes, e das rre\oÓes que lhes
disse a cada hiai, quamdo lhe daua a sua espada.
Capitullo Bj. 3o
z
A,5o,v,i r--yELLO de gramde amor mostrou sempre a Rainha* aos Iffamtes, espi-
çiallmente açerqua deste tempo em que fallam.os. a quall cousa
per elles foy sempre mujto conhecida, espiçiallmente aquelle lenho
da cruz, que lhe assy foy dado, o quall elles filharam com muy gram
?. mumdo A — nom] om. A, nom I. — 7. as] om. A, as I. — 12. JhOxpo A. — 20. spQall
A — contra A. — 23. Jhfl xfJo A. — 25. perijgoos A. — 34. assi A — foi A.
127 —
deuaçom, e assy o trouxeram sempre comssiguo em todollos dias de sua
uida. E tarato o trazia comtinuadamente o Iffamte Duarte, que depois de
Rey, ao tempo do seu finamente o soterrarem com elle, e depois de muytos
dias foi nembrado que o leuaua comssigo, e foy necessário de abrirem a
b coua em que jazia, pêra lhe tirarem o dito lenho, o quall ouue a rrainha
sua molher. E o Iftamte Dom Pedro nom sabemos que maneyra teue
com o sseu, empero bem he de creer, que homem tam cathoilico como
elle era, nom partiria de ssy cousa tam boa nem tam samta. Mas do
Iffamte Dom Hamrrique podemos nos dar certo testimunho, porque ao
IO tempo que escpreucmos esta estoria, elle auia hidade de çimquoemta e
seis annos, ffallamdo açerqua desto nos disse, que numca lhe nembraua,
depois que lhe o dito lenho fora dado, que o teuesse fora de ssy, soo-
mente huú dia, que o tirara per esqueeçimento em desuestimdo a camisa.
E ouuimos depois* a Luis de Sousa, claueiro dordem de Christo, seu A,5o,v,3
i5 camareiro moor, e filho de Gomçallo Roiz de Sousa, que quamdo sse o
dito Iffamte finou, que lhe tirara o dito lenho da cruz, e o dera a elRey
em Euora com o sinete e o seu liuro de rrezar. E em acabamdo assy
estas cousas, chegou hi Joham Vaasquez dAlmadaã, que trazia feitas e
guarnecidas aquellas espadas em que ja falíamos, com as quaaes mujto
20 prouue aa Rainha pêra com ellas comsseguir seu boom propósito. E
tamto que as teue em seu poder, fez cheguar pêra açerqua de ssy seus
filhos, e tomou a espada maj^or, e disse comira ho Iftamte Duarte. Meu
filho, porque Deos uos quis escolher amtre nossos jrmaãos pêra seerdes
herdeiro destes rregnos, e teuessees o rregimento e justiça delles, a quall
25 uos ja elRey uosso padre tem cometida, conheçemdo uossas uirtudes e
boomdades, tam compridamente como sse ja fosse uossa, eu uos dou
esta espada, e uos emcomemdo, que uos seia espada de justiça pêra rre-
gerdes os gramdes e os pequenos destes rregnos, depois que a Deos prou-
uer que seiam em uosso poder, per falleçimento delRey uosso padre, e
3o uos emcomemdo seus pouoos. e uos rroguo que* com toda fortelleza A,5i,r,r
seiaaes sempre a elles deftemssom, nom comssemtimdo que lhe seia feito
nehuú desaguisado, mais a todos comprimento de dereito e de justiça. E
ueedes filho, como diguo justiça, justiça com piedade, ca a justiça, que em
alguúa parte nom he piedosa, nom he chamada justiça mas cruelldade.
35 E assy uos rroguo e emcomemdo que queiraaes seer com ella caualleyro.
E estas espadas mamdei assy fazer pcra as dar a uos e uossos jrmaãos
amte de uossa partida pêra uos elRey meii senhor fazer com ellas caua-
1. assi A. — 2. dcspois A — de I, om A. — 3. de I, om A. — 14. xpõs A — 3i. com-
sscmtindo A. — 36. assi A.
— 128 —
lleiros presemte mym como ja disse, mas a Deos prouue de nom seer
assy. Porem uos rroguo que sem empacho uos queyraaes filhar esta de
minha maão, a quall uos eu dou com a minha beemçom e de uossos auoos,
de que eu deçemdo. E como quer que seia cousa empachosa de os
caualleiros tomarem armas de maão das molheres, eu uos rroguo que uos 3
nom queiraaes teer açerqua desta que uos eu dou, semelhamte embarguo.
Ca segumdo a linhagem domde eu deçemdo, e a uoomiade que tenho pêra
acreçemtamento de uossas homrras, numca emtemdo que uos por ello
A, 5i,r,2 empeeçimento nem dano possa uijnr, *amte creo que a minha beemçam
e delles uos fará gramde ajuda. E o Iffamte Duarte com gramde obe- lo
diemçia pos os joelhos em terra, e lhe beyiou a maão, dizemdo que elle
compriria o que lhe ella assy mamdaua com mujto booa uoomtade. O
que certamente elle numqua esqueeçeo em todos seus dias, amte o com-
prio mu}' perfeitamente, como adiamte será comtado. E a Rainha ouuim-
dolhe assy aquellas pallauras prouguelhe mujto, e alçou sua maão e lhe i5
lamçou a sua beemçam. E depois tomou a outra espada, e chamou o
Iffamte Dom Pedro, e disselhc. Meu filho, porque sempre des o tempo
de uossa mininiçe uos ui mujto chegado aa homrra e seruiço das donas e
domzellas, que he huúa cousa que espiçiallmente deue seer emcomemdada
aos caualleiros, e porque a uosso jrmaão emcomemdei os pouoos, emco- 2&
memdo ellas a uos. as quaaes uos rroguo que sempre ajaaes em uossa
emcomemda. E elle lhe rrespomdeo que lhe prazia mujto, e que assy o
faria sem nehuúa duuida. E emtom sse assemtou em joelhos, e lhe bey-
iou a maão, E ella lhe disse que lhe rrogaua que fosse com ella caua-
lleiro, dizemdolhe outras mujtas rrezoões, como ja dissera ao Iffamte 25
A,5i,Vji Duarte, e sobre todo lhe lamçou sua* beemçam. Mas he de comsijrar
com quaaes comtenemças os Iftamtes poderam ouuir semelhamtes palla-
uras, ca no trautamento de semelhamte rrezoado nom podia seer, que
escusassem gramde multidom de lagrimas, as quaaes posto que as elles
forçosamente rreteuessem, suas comtenemças estauam muy tristes ouuym- 5o
do as pallauras da Rainha, ditas a elles com tamto amor e com tam
gramde ssiso e conhecimento de sua morte. E ella outrossi ueemdo ho
gramde semtido, que os filhos auiam de seu padecimento, aalem da sua
door, auia por ello gramde tristeza. Ajmda nos fiqua por dizer da ter-
ceira espada, que foi dada ao Iffamte Dom Hamrrique, o quall a Rainha j5
chamou dizemdo. Meu filho, chegaiuos pêra ca, uistimdo ella sua com-
tenemça de nova lediçe, e emchemdo sua boca de rriso muy hones-
tamente, e disse. Bem uistes a rrepartiçom, que fiz das outras espa-
2. assi A. — 10-1 1. obeditncia A. — 12. assi A. — 22. assi A. — 20. escusasse A.
— i2g —
das que dey a uossos jrmaãos. e esta terceira guardey pêra uos, a
quall eu tenho que assy como uos sooes forte, assy he ella. E por-
que a huú de uossos jrmaãos emcomemdei os pouoos, e a outro as donas
e domzellas, a uos quero emcomemdar todollos senhores, *cauallei- A,5i,v,2
5 ros fidallgos e escudeiros destes rregnos, os quaaes uos emcomemdo
que ajaaes em uosso espiçiall emcarreguo. Ca pêro todos seiam delRe\',
e eile delles tenha espiçiall cuidado, cada huii em seu estado, elles porem
aueram mester uossa ajuda pêra seerem mamteudos em dereito, e lhe see-
rem feitas aquellas merçees que esteuer em rrezom. ca mujtas uezes
10 acomteçe, que per emformaçoões fallsas e rrequerimentos sobeios dos
pouoos os rrex fazem comtra elles o que nom deuem. Pêra o quall
emcarreguo uos eu escolhi, conheçeindo de uos quamto amor lhe sempre
ouuestes, e uoUos emcomemdo, porque aalem de uossa boa uoomtade
uos seia posto por necessidade. Eu uos dou esta espada com a minha
li beemçam, com a quall uos emcomemdo e rrogo, que queiraaes seer caua-
lleiro. Nom poderia bem declarar per escprito a gramde tristeza com
que o Iftamte Dom Hamrrique estaua, porque aalem das boas uoomtades
de seus jrmaãos, elle auia rrazom de a teer mujto mayor, como no
seguimte capitullo será comtado. Senhora disse o Iffamte, uossa merçee
20 seia mujto certa, que em quamto me a uida durar, teerey firme nem-
bramça de todo aquello que me ora assy * emcomemdaaes, pêra compri- A, 52,r, i
mento do quall ofereço todo meu poder e boa uoomtade. E emtom lhe
beyiou a maão, dizemdo que lhe tijnha mujto em merçee aquella espada
que lhe assy daua, a quall elle nom sabia estimar a nehuii preço. E a
2b Rainha ouuimdolhe assy aquellas pallauras esforçousselhe a uoomtade
pêra rrijr, e alçou a maão, e lamçoulhe a sua beemçam.
Como a Rainha tornou a f aliar outra uei ao Iffamte Duarte, e lhe
emcomemdou os Iffamtes seus jrmaãos e Briatii Gomçalluei de
Moura e Meçia Vaa^ sua filha, e assy todallas outras suas cousas.
3o Capitullo Kij.
EM mostrou a Rainha em aquellas pallauras, que assy disse ao
Iffamte Dom Hamrrique, que o amaua espiçiallmente. e por
tamto dissemos no capitullo amte .deste, que elle auia rrazom de
teer em ssy mayor tristeza, que nehuú de seus jrmaãos. e podemos
2. assi (2.°) A. — 8. manteudos A. — ig. capitólio A. — 21. assi A. — 25. assi A. —
2í). assi A. — 3i. assi A. — 33. capitólio A.
17
— i3o —
ajmda emtemder que a Rainha semtia per diuinall comsijraçom, quaaes e
queiamdas uirtudes auia dauer o Iffamte seu filho ao diamte. E posto
A,52, r,2 que ja agora rrazoadamente em ellas podessemos fallar, leixemoUas pêra
depois por failarmos de cada huúa cousa * em seu próprio lugar. E
quamto aa emcomemda que lhe sua madre deu, elle a mamtéue tam com- 3
pridamente como lhe prometeo. e desto som eu bem certa testimunha,
porque uiuemdo com elRe}' Duarte, cuja alma Deos rreçeba na bemauem-
turamça do çeeo, ui per mujtas uezes seus gramdes rrequirimentos, que
fazia por mujtos senhores fidallgos e caualleiros, pellos quaaes rreme-
diauam seus feitos, e acreçemtauam em suas homrras. Vi outrossi que 10
ao tempo que a Rainha Dona Lionor foy em desacordo com ho Iffamte
Dom Pedro, mujtos fidallgos e escudeiros deste rregno forom em tempo
de sse perder, se nom acharam em elle emparo a ajuda. E sobre todo
aquello que elle tijnha, numca foi neguado a todos aquelles, que sse a elle
socorriam, fazemdolhe mujtas merçees a cada huú segumdo seu estado. i5
E depois que a Rainha ass}' deu as espadas a seus filhos, como ja ouuis-
tes, disse ao Iffamte Duarte. Filho, eu uos rroguo que pois uos Deos fez
em este mundo senhor de uossos jrmaaos, que uos tenhaaes espiçiall
A,5í,v, 1 cuidado delles, e os ajaaes por uossos espiçiaaes seruidores, homrramdoos
sempre quamto* em uos for, e fazemdolhes aquellas merçees, que mere- 20
cem de seer feitas a taaes e tam boós jrmaãos, como em elles teemdes,
porque nom creaaes que outros melhores seruidores que elles podees
teer. nem queiraaes amte elles prepoer outros nehuús. ca quamdo uos
nembrar que ssom meus filhos e de uosso padre, que uos tamto ama-
mos, com rrezam deuees creer, que elles nom podem ali deseiar senam 25
uossa homrra e seruiço. E posto que alguús por emueia sse emtremetam
de uos dizer alguúa cousa comtra elles, numca lhe dees comprida ffe,
amte os ouuy sempre, e bem creo que acharees, que elles numca sse par-
tem daquella uerdadeira temçom, que deuem teer a seu senhor e jrmaão.
Por certo diz o autor, esto guardou o Iffamte Duarte muy espiçiallmente, 3o
o que eu uy muy bem, quamdo o Iffamte Dom Hamrrique ueo de Tam-
ger, porque alguús daquelles fidallguos que com elle forom, queremdo
emcobrir seus falleçimentos, deziam alguúas cousas comtra o Iffamte, aas
quaaes seu jrmaão nom quis dar nehuúa ífe, amte dezia que seu jrmaão
nom poderia fazer cousa que nom fosse justa e boa. mas que elles o 35
A, 52,v,2 deziam por se escusar, do que comtra elles rrazoadamente podia seer
dito. *E nom tam soomente guardaua esto amtre seus jrmaãos, mas
4. logar A. — 5. quanto A — manteue A. — 16. despois A — assi A. — 18. mumJo A.
— 20. quanto A. — 23. amtej anatre A, a I. — 3i. Iffante A. — 3i-32. tanger A.
— i3i —
ajmda amtre todallas pessoas de seu rregno. ca tamto era elle boom,
que tarde e per gramde força podia creer nehuú mall de nehuúa pes-
soa, e bem creo, segumdo ja disse em outro lugar, que nom he esta
pequena uirtude pêra quallquer primçipe, espiçiallmente pêra aquelles,
•5 e n cujo rregimento he posta a uara da justiça. Outrossy disse a Rainha,
uos emcomemdo Briatiz Gomçalluez de Moura e Meçia Vaaz sua filha,
que ssom molheres que me teem bem seruida, e sabees na comta em
que as sempre tiue. e assy uos emcomemdo todallas outras minhas ser-
uidores e criadas. Ao que o Iffamte rrespomdeo, que lhe tinha mujto em
IO merçee de lhe leixar tall emcomemda, a quall elle comprida o melhor
que podesse. e que a Deos aprazeria de o ajudar per tall guisa, que sua
uoomtade e mamdado fosse em perfeyta execuçom. E emtam disse ao
Iffamte Dom Pedro e ao Iffamte Dom Hamrrique. Filhos, deuees de creer
firmemente que Deos hordena todallas cousas, como elle ha por bem. e
i5 todollos boõs deuem de comformar sua uoomtade ao seu querer. E a
elle prouue por sua merçee de hordenar que uosso jrmaão fosse herdeiro
deste rregno e uosso senhor, *da quall cousa uos deuees de seer mujto A,53,r, i
comtemtes, comsijramdo que pois seruidores auees de seer, de o serdes
de huú uosso jrmaão mais uelho que uos. o quall conhecidamente he tam
20 boom como uos sabees, e uos tamto ama. e do seu pouco segumdo a des-
posiçom da terra uos deuees mais comtemtar, que do muito doutro nehuú
primçipe, ajmda que fosse mayor do mundo, e porem o deuees sempre
seruir e amar com gram uoomtade e deseio. E os ItTamtes com gramde
mesura rrespomderam aa Rainha que lhe tijnham mujto em merçee seme-
25 Ihamte comsselho. o quall elles com a graça de Deos poeriam em obra
muy compridamente. por que aalem da rrezam a natureza e o samgue
que com elle auiam, os costramgeria pêra ello. A quall cousa foi per
elles muy bem guardada, ca em todollos dias do dito senhor o seruiram
e amaram com gramde uoomtade e obediemçia.
I. antre A — tanto A. — 2. grande A — nemhuúa A. — 8. asíi A — 21. comtentar A.
■ 22. mumdo A. — 25. pooriam A.
— l32
Como o Jffamte Dom Pedro rrequereo aa Rainha, que fosse sua
merçee de leixar suas terras aa Jffamte sua jrmaã, e como Ihcforom
outorgadas. Capitullo Riij.
N'
OM me posso partir deste rrazoado, posto que o seu rrecomtamento
A,53,r,2 j "^1 me cause tristeza, conheçemdo quamto* a sua comtemplaçom he 5
proueitosa pêra emsinamça daquellas pessoas, que uerdadeira-
mente querem comsseguir uirtude. Creemos que ja fiqua escprito no
outro uoUume, em que sse rrecomtam os feitos passados delRey Dom
Joham, quamtos filhos elle ouue da Rainha sua molher, e como nom
ouue mais de huúa filha, que depois foy duquesa de Bergonha, a qual! lo
aaquelle tempo era molher de perfeita hidade. E ueemdo a Rainha sua
senhora e madre em aquella desposiçom, apartousse dalli com as outras
senhoras e domzeilas, homde estaua com gramde tristeza rrogamdo a
Deos polia saúde da dita senhora. E depois que ella assy rrepartio suas
emcomemdas como ja ouuistes, chegousse a ella Briatiz Gomçalluez de lí
Moura, e disselhe. Senhora, pareçeme que todoUos do rregno a uosso
filho o Iffamte auees emcomemdado, e nomteuestes nembramça daiffamte
uossa filha, que he molher e em tall hidade como sabees, aa quall he mais
necessário seer emcomemdada a elle, que outra nehuíia pessoa. A meu
filho, rrespomdeo a Rainha, todallas minhas cousas som emcomemdadas 70
espiçiallmente minha filha, de que elle sabe que eu tenho tamanho cui-
A,53,v, 1 dado. e porem nom curey de lhe fallar em ello, semtimdo *que elle he
tall, que lhe nom fará mimgua de lhe seer mais dito per mym. O Iffamte
Dom Pedro que hy estaua disse aa Rainha. Senhora, sse uossa merçee
fosse, a mim parece que seria bem chamarem elRey, e lhe pedirdes que 25
as terras que uos teemdes, que seia sua merçee de as dar aa Iftamte uossa
filha pêra seu soportamento, em quamto hi outra rrainha nom ha. E os
Irtamtes ajudamdo a rrazom de seu jrmaão, disseram que lhe parecia que
era mujto bem de sse fazer assy. Sobre o quall o Iffamte Dom Hamrrique
foy fallar a elRey seu padre per mamdado da dita senhora, dizemdo como 3o
lhe a Rainha emuiaua pedir, que cheguasse a ella pêra fallar com elle
alguúas cousas que lhe era necessário, no que elRey nom pos nehuúa
tardamça. Senhor disse ella, de todos quamtos som em este rregno, de
que eu tenha carrego, eu nom ssey quem uos aja demcomemdar em esta
ora em que estou, porque de todos semto que teemdes espiçiall cuidado, 35
5. quanto A. — 14. despois A — assi A. — 17. emcotnendado A. — 19. emcomen-
dada A. — 2g. .Tssi A.
— i33 —
primçipallmente daquelles que meus ssom e me seruiram, segumdo as
merçees e bem que lhe sempre fazees. bem creo segumdo as gramdes
uirtudes que Deos em uos pos, que depois de minlia morte Uio farees
assy * compridamente e ajmda mujto milhor. Mas porque uossa senhoria A,53,v,2
5 bem sabe, como a Iftamte uossa filha ha ja de sua hidade açerqua de dez
e noue annos, e como tem forma comprida de molher. e que depois de
minha morte todallas senhoras donas e domzellas, que amdam em minha
casa, he necessário que fiquem a ella, e que ella as soporte com a uossa
merçee e ajuda, porem eu uos peço que as terras que eu de uos tijnha,
10 que lhe façaaes delias merçee, atee que a Deos praza lhe trazer casamento,
ou que uenha rrainha a este rregno, ajmda que eu espero em Deos, que
uos a casarees muy cedo como he rrazom. E como quer que elRey fosse
homem de tamanho coraçom como ja ouuistcs, poUo gramde amor que
auia aa Rainha, ouuimdo as suas pallauras nom sse pode teer que nom
i5 chorasse, e assy com os olhos chcos dagua lhe rrespomdeo. Senhora,
eu ssom mujto ledo de comprir todo esto que me uos rrequerees. e mais
ajmda lhe faço merçee e doaçom de todallas joyas e baixella e corregi-
mentos, que de uos ficarem e a mym perteeçerem. E ella disse que lho
tijnha mujto em merçee. E a Iffamte que ja hi estaua, lhe* foy beyiar A,54,r, i
20 a maão, e aa Rainha sua madre, e per semelhamte guisa fezeram os
Iftamtes todos três que presemte estauam. Nom falíamos aquj do Iftamte
Dom Joham nem do Iftamte Dom Fernamdo, por quamto os mandara do
dito moesteiro, por rrazom da dita pestenemça que assy amdaua amtre
elles. comsijramdo por quamto eram assy moços, que lhe poderia aquelle
25 aar mais asinha empeeçer, porque huú delles auia quimze annos, e o outro
doze. e assy ficaram em este rregno com a Iffamte sua jrmaã sob a
gouernamça do meestre dAuis, a que o rregimento do rregno ficou emco-
raemdado. E por acabarmos de todo as emcomemdas da Rainha, auees
de saber que depois que sse assy elRey partio delia e a Iftamte sua
■jo filha, ficaram os Iftamtes todos três. e o Itíamte Duarte se apartou com
os fisicos e çellorgiaães pêra fallar com elles em rrazom da cura, que per-
teeçia aa Rainha sua madre. E ficamdo os outros Iftamtes jumto com
ella, assy fraqua como ella estaua lhes começou de dizer. Porque sem-
pre uos uy em huQ amor e uooratade, sem auer amtre uos nehuúa desa-
35 ueemça per obra nem *pallaura, assy como uerdadeiros jrmaãos, uos rro- A,54,r,2
guo e emcomemdo, que assy como uos ata aqui amastes, assy uos amees
daqui em diamte em seruiço de nosso Senhor, e sempre uossos feitos
hiram de bem em milhor. e nom auera nehuú no rregno que uos possa
i3. pcllo A. — 22. Itíantc- A. — 3i-32. pertecmçia A. — 35. vos A. — 3ó. assi (bisj A.
- i34-
empeeçer. E se fordes desua3Tados e jmmijgos, nom auera em uos a
lorça que ha, seemdo ambos em huú amor. como claramente podees
emtemder poUo exemplo da frecha, de que em nossa terra ha huúa estoria,
em que sse diz. que ligeiramente pode huú homem quebrar huúa e huúa,
e pêra quebrar mujtas jumtas compre mujto mayor força. E os Iffam'es ?
lhe disseram que prazeria a Deos, que assy o fariam. E certamente sem-
pre amtre elles foy gramde amor. e nom tam soomente quamto aas
uoomtades de demtro, mas ajmda per certos synaaes de fora. ca nos
motos e deuisas assy tomaram ambos casi huúa semelhamça. ca o
Iffamte Dom Pedro trazia no seu moto deseio, e a sua erua era carualho. «o
e o moto do Iffamte Dom Hamrrique era tallamte de bem fazer, e a sua
A,54,v, I erua carrasco, e ajmda sse acertara, que a rrepartiçom das* terras era
ass}' jumta huúa com a outra. Mas do que sse depois seguio açerqua
da morte do lífamte Dom Pedro, fica huú gramde processo pêra sse com-
tar ao diamte, homde perfeitamente poderees saber, quamto o Iffamte Dom "5
Hamrrique trabalhou por saluaçom de seu jrmaão. e mujtos que em
esto fallarom, nom como homeés que emteiramente sabiam a uerdade,
disseram que o Iffamte poderá dar uida a seu jrmaão, se teuera boa
uoomtade de o fazer. O que he certo que sse fora comtra outra alguúa
pessoa, que elle trabalhara em ello como por ssi meesmo. mas comtra 20
seu Rey e senhor, achou que o nom podia fazer sem quebramtar sua
lealldade, o que elle dezia que nom faria, nom tam soomente por seu
jrmaão mas por mill filhos, ajmda que os teuera. nem ajmda por salua-
çom de ssy meesmo, posto que por sua deffemssom se podesse saluar.
Das quaaes cousas a obra foy manifesta testimunha. 2-"^
Como os Iffamtes pidiram a elRe\^ que sse partisse dal li, e do coni-
sseílio que acerca dello teueram, e as uisoóes que a Rainha uio amte
de sua morte. Capitullo Riiij.
S'
E quiséssemos julgar determinadamente quall era o lugar, que nosso
A,54,v,2 ^^ * Senhor tijnha aparelhado a alma da Rainha, bem poderíamos dizer, 3o
jullgamdo as cousas do outro mundo polias çircumstamçias daqueste,
que era aquelle omde os bem auemturados teem o seu perdurauell allo-
iamento. ca dito he per a boca da uerdade, que da auomdamça do
coraçom falia a boca. porque cada huú numca profetiza, senom daquello
que deseia. e quem ouuyo taaes rrazoões como a Rainha dezia amte 35
3. pcllo A. — 6. assi A. — 7. quanto A. — 27. ante A. — 29. logar A. — 3 1 . mumdo A.
— i35 —
de sua fim, bem poderia jullgar que as nom fallaua senam per spiritu pro-
fético, segumdo podees ueer per as seguimtes pallauras. Ca estamdo
assy, depois que tallou a seus filhos, seemdo elles assy jumto com sua
cama, começou o uemto de sse esforçar em tall guisa, que o semtiam
5 aquelles que estauam na casa. e a Rainha pregumtou que uemto era
aquelle que assy corria. E os Wamtes disseram que era aguiam. Creo
disse el!a, que boom seria este pêra uossa uiagem. Respomdeolhe o líTamte
que era o milhor que hi auia. Que cousa tam estranha disse ella, eu
que tamto deseiaua de ueer o dia de uossa partida, em que pemssaua
10 tomar tamanho prazer, por rrezam da uoomtade que tenho de ueer uossa
cauallaria, segumdo compre * a uosso rreall estado, e agora eu seer tama- A,55,r,t
nha causa da torua delio. e de mais seer certa de a nom poder aqui
ueer. A Deos prazerá senhora, disse o Iftamte Duarte, que uos o uerees
tam compridamente como deseiaaes. ca posto que agora seiaaes em
i5 tall pomto por rrazom de uossa emfirmidade, outros mujtos forom ja
mujto mais doemtes, e prouue a Deos de lhe dar saúde, assy lhe prazerá
por sua merçee de a dar a uos, porque nos ueiaaes fazer caualleiros, e
partirmos nossa uiagem como deseiaaes. A Deos prazerá disse a Rai-
nha, de me nom dar em este mundo tall prazer, porque emtemdo que
20 sse mo aqui desse, que me mimguaria alguúa parte da bemauemturamça
do outro, ca espero na sua merçee, que pois llie praz de eu aqui nom
auer prazer, de mo dar no outro mundo, homde me será mais proueito
pêra a saúde perdurauell. E o Iffamte tornou a rrepetir, que todauia ella
aueria prazer neste mundo, como amte dissera, e ueria o que deseiaua.
25 E ella como molher, que das cousas temporaaes nom tijnha nehuú sem-
tido, começou de dizer. Eu sobyrei no alto, e do alto uos uerey. e a
minha doemça nom toruara* a uossa hida. ca uos partirees per festa de A,55,r,2
Samtiago. Do que todos forom mujto marauilhados, duuidamdo mujto que
tall cousa podesse seer. porque dalli ata aquella festa nom auia mais
3o doito dias. e per nehuú modo podiam cuidar, que sse sua hida podesse
emcaminhar em tam breue tempo, segumdo a disposiçom das cousas,
ca sse a Rainha uiuesse, auia mester mais tempo pêra sahir daquella fra-
queza em que ja estaua, e de rrezam elles nom deuiam fazer nehuú mo-
uimento, ataa que ella fosse em milhor pomto. e sse ouuesse de morrer,
35 comuijnha de lhe seerem feitas suas emxequias, como perteeçia a seu
rreall estado. E parecia a cada huú que esto comsijraua, que era nece-
ssário de passarem primeiro alguús dias, amte que elRey passasse o sem-
S.assi A. — 6. assi A. — i6. assi A. — iq. mumdo A. — 20. minguaria A. — 22. mumdo
A. — 24. mumdo A. — 29. ataa quella A. — 35. perteemçia A.
— i36 —
timento de tamanho nojo, pêra auer de tomar comsselho acerqua de sua
hida. Empero a samta Rainha fallaiia como quem o sabia, ca assy foi
perfeitamente comprido, como ao diamte será comtado. Porque a ora da
morte he a mais forte cousa e mais terribeil, que sse pode achar amtre
todallas cousas do mundo, homde teem mujtos que as almas ssom assy 3
A,55,v,i apressadas com as jmfernaaes* uisoÕes, que lhe alll aparecem, que o
espamto lhe faz perder a uerdadeira fortelleza. ca posto que nossa Senhora
fosse tam fora de peccado, como todos uerdadeiramente creemos, nom
pode comssemtir na dita ora em semelhamtes uisoões, segumdo se lee,
que pedio ao seu filho que lhas nom mostrasse, pois quamdo ella que he lo
madre de Deos e a mais samta amtre todallas criaturas, teue este rreçeo.
que pemssamento deue seer o nosso, quamdo pemssarmos o estado em
que somos, primçipallmente os primçipes terreaaes que tamanho lugar
teem de pecar, os quaaes posto que mujto uirtuosos seiam, nom podem
porem segumdo diz Sallamam, amdar de cote sobre as brasas, que nom i5
escalldem seus pees, nem trazer o foguo em seu seeo, que sse lhe nom
queimem os uestidos. Pollo quall se escpreue no apocallipsse. Nome
teés que uiuas, e es morto, e porem ham perijgoso porto. Ca assy
como o gramde nauio e mujto carregado ha mester mais sabedores e
fortes marinheiros, que outro mais pequeno, assy comuem aos gramdes 20
senhores sobre os outros homeés. e deuees porem de creer, que assy
A,55,v,2 como* elles teem liure poder sem prema de nehuú superior pêra peccar
em esta uida, assy teem gramde meriçiménto na outra aquelles que per
uirtude o leixam de fazer, e assy lhes he ma3'or exçellemçia prometida
no outro mundo, segurado uerdadeiro testimunho do euamgellista que 25
disse. Que rrespramdeçiam assy como soU. E mujtas estorias ha hi de
mujtos e gramdes primçipes, porque Deos fez mujtos millagres. assy
como sse acha daquella samta Rainha Dona Isabell, que foy molher del-
Rey Dom Denis, que jaz em samta Clara de Coymbra, aa quall foy rre-
uellado o dia da sua morte, e delRey Dom Pedro, que seemdo partido 3o
desta uida, per boom espaço tornou a sua alma outra uez aa carne pêra
comfessar huú soo peccado, sem cuja penitemçia nom podia rreçeber bem
auemturada gloria. E esta Rainha Dona Fellipa, que estamdo naquelle
pomto que ja ouuistes, lhe apareçeo nossa Senhora pêra lhe dar uer-
dadeyro esforço pcra passagem daquella hora forte, ca depois destas 35
cousas que ja dissemos, ella emderemçou seu rrostro pêra cima, teemdo
A,56,r, I seus olhos dereitamente comtra o çeeo, sem nehuú * mudamento de com-
5. mumdo A. — G. jnfernaaes A — visoões A. — 17. pello A. —20. assi A. — 23. assi A.
— 24. assi A. — 25. mumdo A. — 26. assi A.
- .37-
tenemça. e fo}' uisto em ella huú aar todo cheo de graça, o quall todos
uisiuellmente conheciam que era sprituall, jumtamdó suas maãos, como
teemos em custume de fazer quamdo ueemos o corpo do Senhor, e
disse. Gramdes louuores seiam dados a uos minha Senhora, porque uos
5 prouue do alto me uijrdes uisitar. E ass}' filhou a rroupa que lijnha sobre
ssy, e a beyiou, como sse beyiasse luiúa paz. Quamdo os Iftamtes uijram
assy estas cousas, conheceram bem que aquelles eram os derradeiros
synaaes do conhecimento da morte de sua madre, e comsijraram que
seria gramde empeeçimento, se eIRey sfíu padre alii esteuesse. ca sabiam
10 mujto certo, segumdo o gramde amor que lhe auia, que estamdo alli
quamdo ella morresse, que nom poderia teer aquella temperamça, que lhe
compria pêra guarda de sua saúde, e foromsse a elle assy jumtamente
dizemdo. Senhor, porque semtimos que a senhora Rainha he era tall
pomto, que em breue tempo fará fim de sua uida, pareçenos que he bem
i5 que uossa merçee sse parta daquy pêra alguúa parte, porque o mall nom
aja rrazom de seer mayor, sobreuimdouos alguíía gramde emfirmidade
* pollo aazo de uosso gramde nojo. o quall com menos pena semtirees nom A,56,r,2
teemdo amte os olhos a força do caso, porque o auees de semtir. E bem
uos parece, rrespomdeo elRey, que eu aja de desemparar a ssemelhamte
20 tempo huíja molher, com que tam lomgamente niamtiue companhia, por
certo hi sse pode seguir quallquer caso que a Deos aprouuer, mas eu per
nehuú modo nom partirey dapar delia, em cuja companhia me Deos
faria merçee de me leuar pêra o outro mundo. Porque querees uos
senhor, disseram os Iftamtes. aazar dous muy gramdes malles por uossa
25 estada sem esperamça de nehuú proueito. O primeyro, que semtimdo-
uos a Rainha açerqua de ssi, acreçemtarlhees mayor trabalho, quamdo lhe
lembrar que ja uos mais nom ha de ueer. ca posto que a sua uoom-
tade seia comforme aas cousas do outro mundo, em quamto a alma esta
na carne, he necessário que a humanidade rrequeyra o que he de sua
3o natureza. O segumdo he que uos estamdo aqui, he necessário que estees
a todos seus offiçios, c que a ueiaaes depois de fimda. a quall uista uos
trazera aa comsijraçom mujtas cousas, cuja nembramça * acreçemtara o A,56,v, i
uosso gramde nojo, de que sse uos depois pode seguir alguúa emfirmi-
dade que será mujto peor. Porem uos pedimos por merçee, que uos nom
35 apartees daquello que sempre husastes .s. rrezam e comsselho, mayor-
mente sobre cousa tam assijnada. Pois que assj' he, rrespomdeo elRey
comtra o Iftamte Duarte, uos mamdaae chamar todollos do comsselho
2. jumtando A. — 5. assi A. — 6. beyjoii A. — 12. foranisse A — as.si A. — 16. sseer
A. — 17. pello A. — 20. mantiue. — 23. mumdo A. — 24. grandes A.
18
— i38 —
que aqui ssom, e fallaae com elles, e o que acordardes que he bem que
eu faça, isso farey. E breuemente o comsselho feito, determinaram que
todauia elRey se deuia partir dalli, e sse passar aalem do Tejo a huú
luguar que chamam Alhos Vedros, como sse de feito partio. Mais daquelle
triste espidimento que elle fez da Rainha sua molher, quamdo a foi ueer
amte que sse partisse, nom posso eu fallar tamto como deuia, porque a
força das lagrimas me embarguam a uista, que nom posso escpreuer,
comsijramdo em cousa tam triste, ca sse me apresemta amte a jmagem
do emtemder, como o uerdadeiro e leall amor he mais forte cousa daque-
llas que a natureza em este mundo jumtou. do quall Sallamam disse no
camtar dos camtares que era forte como a morte.
A,56,T,3 Coffio a Rainha foy comumgada e humgida, e co7nofe\fim do de-
rradeiro termo de seus dias, e como o autor di{ que em ella auia com-
pridamente todallas quatro uirtudes cardeaaes. Capitullo Rv.
G
RAMDE tristeza semtiram os Iffamtes quamdo certamente souberam, i5
que a morte de sua madre per nehuú modo se escusaua. e
fezeram loguo chamar os físicos e cellorgiaães pêra fallarem com
elles açerqua dallguús rremedios que sse podessem achar, pêra que ao
menos seu padecimento nom fosse tamanho, e acordarem os ditos físi-
cos que era bem que a Rainha se mudasse pêra outra cama mais baixa, 20
pêra lhe aquella seer corregida como compria. Mais ella que no çeeo
tijnha firmadas as àmcoras da sua uoomtade, tamto que foy assy mudada,
rrequereo que lhe trouxessem o corpo do Senhor, e foilhe loguo trazido.
e ella com todo acatamento e rreueremçia como melhor pode, alleuamtou
suas maãos, e disse mujtas pallauras de gramde deuaçom, pedimdolhe com 25
gramde humilldade perdom de seus peccados, e saluaçom pêra a sua
alma com tamta humilldade e graça sprituall, que a quamtos hi estauam
A,57,r, I * parecia que eram ditas per alguíi amjo çellestriall. E depois que rreçebeo
sua comunham, foi humgida, e amostrou que sse semtia de huija perna
afum.do do joelho, e uista per os físicos assy honestamente como era rra- 3o
zom, acharam que tijnha huú cabrumculo, o quall foy bem conhecido
que era cousa noua. porque atee alli nom lhe semtiram outra door, se-
nam huiiía leuaçam. E posto que semtissem que com nehuú rremedio
podia rreçeber saúde, mamdaram porem que lhe furassem aquelle cabrum-
culo, dizemdo loguo, que nom podia mais durar per determinaçom da 35
18. dalguús. — 22. assi A. — 27. spirituall A. — 28. anjo A. — 34-35. cabrumcullo A.
35. de A, da I.
— i3g —
física, que ataa ho outro dia que era huúa quimta feyra. na quall pouco
mais de meo dia a dita senhora mamdou chamar os clérigos, e disse que
começassem ho offiçio dos mortos. E ella com todo seu emtemdimento
ouuimdo o dito offiçio per tall guisa, que quamdo alguú delies erraua, eila
5 o corregia. e em sse acabamdo a derradeyra oraçom, ella corregeo
todo seu corpo e nembros hordenadamente, e alleuamtou seus olhos
comtra o çeeo, e sem nehuú trabalho nem pena, deu a sua alma nas
maãos daquelle que a criou, pareçemdo em sua boca huú aar de rrijso,
como quem fazia escarnho da uida deste mundo.* ca assy ha de seer A,57,r,2
10 segumdo teemçam dalguús doutores, que o homem que dereitamente ha
de uiuer, uenha a este mundo choramdo, e se parta delle rrijmdo. Os
Iflamtes teueram seu comsselho açerqua da emterraçam da Rainha, e
acordarom porque o tempo era queemte, ca era quamdo o soll estaua
em dous graaos do signo do liom, que a soterrassem de noute, o mais
i5 secretamente que sse fazer podesse. e no outro dia polia manhaá, lhe
foy feito ho offiçio segumdo compria aas eixequeas de tamanha senhora.
empero eu creo, que nom seria tam gramde em este mundo, como lhe
seria feito no outro. Os líiamtes forom em aquella noute uestidos de
burell, e assy todollos outros casy polia mayor parte, ca todollos boõs
20 do rregno eram jumtos em aquella cidade, e nom auia hi alguú, que de
seu moto próprio, nom tomasse doo por ella. ca certamente perdiam
em ella muy gramde esteeo pêra todas suas homrras e acreçemtamentos,
segumdo ja ouuistes. que nem ajmda aa ora da morte lhe pode esquee-
çer demcomemdar todollos estados do rregno a seus filhos, como aquella
25 que delies todos tijnha espiçiall cuidado. Por certo diz o autor, nos
poderíamos *aqui fallar mujtas rrazoões acerca do gramde doo que foy A,57,v,i
feito por esta senhora, as quaaes nos parece que sse deuem escusar,
comsijramdo como seu rrecomtamento nom trás homrra aas gramdes
uirtudes daquella senhora, cujo falleçimento escpreuemos. porque todos
3o certamente sabemos, que no dia que emtramos em esta presemte uida, per
ley determinada somos jullgados aa morte, ca nossa uida nom he senom
huúa tralladaçam, que fazemos do uemtre ao sepuUcro, segumdo diz Job.
E porque per nossa uijmda nos ssom mostrados em este mundo dous
caminhos .s. huú de uirtude, e outro de deleitaçom, segumdo os poetas
35 fimgem que Hercolles achou no deserto, e o caminho da deleitaçom he
aquelle, que nos leua dereitamente ao jmferno, e a morte dos que este
cammho seguem, deuemos chorar por suaperpetua danaçam. Mas com o
1. quinta A. — 5. acabando A. — 7. contra A. — 11. mumdo A. — i5. pclla A. —
17. mumdo A. — 33. per nossa uijmda A, nesta vida I — mumdo A. — 3õ. jnlcrno A.
— 140 —
falleçimento daquelles que uaão per o caminho das uirtudes, nos deuemos
dallegrar tamto, quamto mais nos a sua bem auemturamça perteeçe per
naturall diuedo, ou ajumtamento damizade. E por tamto dezia Ouuydio
A,57,v,2 poeta. Nom me homrre nehuú com lagrimas,* nem uaa ao meu emterra-
mento com choro, porque nom deue com rrazom chorar a morte, que 5
me leua aa uida jmmortall. E Xenofomte comta, que Cyro o mayor
estamdo pêra morrer dezia. Oo meus mujto amados filhos, nom quey-
raaes cuidar que como me eu partir de uos, que me tomarey em nehuúa
cousa, nem serey em alguú luguar. porque quamdo eu comuersaua com-
uosco, certo he que nom podiees ueer a minha alma, mais emtemdiees lo
que moraua em este corpo polias cousas, que me uiees obrar. Pois
aquella meesma alma creede que me ficara pêra sempre depois de minha
morte, a qual emtom perfeitamente começara de uiuer. e porem nom
me queyraaes chorar com door. Mais poderia alguém dizer per autori-
dade do sabedor. Quall dos homeés poderá este caminho certo saber. >5
ca escprito he que nemguem sabe, se merece ódio ou amor na presemça
de nosso Senhor. Ao que eu dereitamente posso rrespomder, que de
tamta çiemçia comprio Deos ho emtcmdimento dos homeés, que legeira-
mente podem conhecer polias obras de cada huii, per quall destes cami-
A,58,r, 1 nhos faz sua uiagem. * E porque ja disse que a uirtude era aquelle cami- 20
nho, poUo quall podíamos cheguar aa uerdadeira uida, quero dizer como
esta Rainha uerdadeyramente seguio este caminho, per homde com rra-
zom nom deuemos chorar seu falleçimento. Gramde cuydado teueram
os amtijgos sabedores descolldrinhar uerdadeiramente quaaes em tama-
nho numero ssom estas uirtudes, per que assy auemos de fazer nossa uia- 25
gem, porque ellas ssom assy como proueitosas bailisas que ssom postas
em alguij uaao perijgoso, em cujo passamento os homeés teem alguúa
duuida de poderem falleçer. e huús disseram que eram trijmta e huúa
uirtudes, outros disseram que nom mais de omze. e breuemente deter-
minaram que posto que hi mujtas aja, que soomente quatro ssom aquellas 3o
que nos podem dereitamente emcaminhar. por tamto lhe chamarom uir-
tudes cardeaaes, porque cardam em latim quer dizer couce, em que sse
a porta rreuolue. que per semelhamte guisa se rreuoluem todallas outras
uirtudes sobre o couce daquestas, que som justiça, prudemçia, esperamça,
fortelleza. as quaaes a Rainha ouue em muy exçellemte graao. e ajmda 35
A,58,r,2 as * outras três, que sse chamam theollogaaes segumdo no seguimte capi-
tullo será comtado.
6. Cyro I, tijro A. — 25. assi A. — 32. cardam A, Cardo I. — 36-37- capitólio A.
— 141 —
Como lio autor fa\ deuisovi das uirtudes, e como dii que sse os Iffam-
tes partiram daquelle moesteyro pêra Restello. Capitullo Rvj.
JUSTIÇA he a primeyra uirtude e a primçipall de todas, a quall segurado
diz Séneca he tall uirtude, que nom tam soomente perteeçe aaque-
lies que ham de jullgar, mais ajmda a cada huúa criatura rrazoauell
pêra jullgar a ssi meesmo. A quall uirtude era muy perfeitamente em
aquella senhora, ca assy trazia sua uida justamente hordenada, que numca
achamos que a alguúa pessoa fezesse emjuria per nehuú modo. porque
suas pallauras sempre eram ditas muy mamssamente, e fora de toda esca-
>o tema, fazemdo mujtas amizades, per que sse escusaram gramdes jmiurias
e malles. ca tamto que sabia que alguús sse queriam mall, loguo traba-
Ihaua de os auijr per ssi ou per alguijas pessoas rrelligiosas. e mujto
lhe prazia de despemder hi alguúa cousa do seu, se emtemdia que pêra
acabar seu deseio era necessário. Numca do alheo mamdou tomar
i5 nehuúa * cousa forçosamente, nem comtra uoomtade de seus donos. Trouxe A,58,v, i
sua uida assy hordenada, que todalias cousas que pêra ella eram necessá-
rias, eram compradas ou auidas segumdo a uoomtade daquelles que as tij-
nham. Da uirtude da prudemçia seeria sobeio fallar em camanho graao
husou delia em todollos seus feitos, e porque ja disse assaz do claro conhe-
20 cimento, que teue pêra seguir todalias uirtudes. ca a prudemçia nom he
outra cousa senam huú abito ou clara desposiçom, per que o homem per
jmtrimsico conhecimento pode rreçeber comsselho pêra sse arredar das
cousas maas, e sse acheguar aas boas. Em outros rramos se parte esta
uirtude assy. em huúa que sse em grego chama sienesis, e outro ciballea,
25 de que a nos nom comuem fallar. A uirtude da temperamça foi mujto
louuada em esta senhora, porque em todalias cousas achamos, que uiueo
muy temperadamente. Seus trajos forom sempre mujto honestos assy
hordenadamente, que nem eram de tam baixo uallor, que per seu aazo
naçesse prosumçom descaçesa ou menos preço, nem assy altamente obra-
3o dos, que per sua uista mostrassem aos outros huiía * conhecida louuaminha. A,58,v,2
Mujto louua o philosofo a todalias molheres silemçio e ocupaçom, a
quall cousa certo era achada em ella em gramde sofRçiemçia, ca tarde
e per gramde uemtura fallaua sem necessidade, e as suas pallauras
sempre eram ditas com a comtenemça baixa e muy mamssamente rrazoa-
35 das, nem sse parecia em ella o geito que mujtas senhoras tomam em fallar,
4. perteemçe A. — 7. assi A. — 9. manssamente A. — 11. alguús que A. — i5. uoon-
tade A. — 22. jntrimsico A. — 29. assi A. — 3 1. muyto A — phillosopho A. — 32. achado
A. — 33. grande A. — 34. mansamente A. — 35. muytas A.
— 142 —
que leixam a mane3'ra que lhes perteeçe, e faliam apareçemça como mo-
ças criadas em mimos, a sua comtenemça sempre era baixa, e o rros-
tro a meude uistido de huú aar cheo de honestidade. E seu comer nom
era por deleitaçom, soomente por sosteer a uida. nem o seu cozinheiro
nom era mujto costramgido pêra buscar nouas maneiras diguarias. 5
Jeiúaua tamto como a sua natureza podia sofrer, e mayor trabalho tij-
nha o físico em a costramger que comesse pêra ajudar a natureza, que o
comfessor tijnha em a rrepremder da sobegidom. Amaua mujto a uene-
rosa castidade, e assy fazia gramde homrra a todallas pessoas que a
mamtijnham. Nom sse deleytaua em jazer lomgamente na cama depois 10
A,59,r, 1 das oras rrazoadas, mas mujto primeiro do que a sua * natureza e seu
estado rrequeriam, era leuamtada. A mayor parte da sua ocupaçom era
em rrezar, e todollos dias rrezaua as oras canónicas segumdo ho custu-
me de Sallusbri, e as oras de nossa Senhora, e dos mortos, o os sete
sallmos com outras mujtas deuaçoões. e mujtas uezes rrezaua o sallteiro i3
todo, e outras oras certas uigilias, segumdo a hordenamça de sua deua-
çom. E o tempo que lhe ficaua, nom era despeso em proueer o cofre das
joyas nem corregimentos de seus toucados, mais em proueitoso eixerçiçio
obramdo per suas maãos alguúas obras perteeçemtes a seu estado, nas
quaaes mujto a meude fazia ocupar todallas molheres de sua casa, polias 20
arredar dalguQs aazos comtrairos da sua fortelleza. nom quero dizer mais,
porque a fim da sua uitoria he manifesta proua de sua gramde uirtude.
E pois que ja disse destas quatro uirtudes, que perteeçem a emcaminha-
mento da bem hordenada uida, quero dizer das outras três, que ssom
chamadas theollogaaes, que jmteiramente perteeçem a alma. Nom foi 25
pequena sua ffe, quamdo por amor do Senhor Deos lhe prouue trabalhar
sua uida por chegar aa fim de seu deseio, conheçemdo que o perfeito bem
A'5q r,2 era o rregno dos çeeos. E assy amaua todollos * guiadores da nossa samta
fíe, e auia gramde ódio aos jmfiees. e nom he duuida que o Iftamte
Dom Hamrrique seu filho ouue aquella meesma empressam demtro no 3o
seu uemtre, a quall o fez ao depois sempre comsseguir aquelle deseio,
segumdo ao diamte em nossa estoria será comtado. A sua uerdadeira
esperamça sempre foi em Deos e nas suas uirtudes, ca numca foi achado
que temtasse outras maneyras de pouca firmeza, soomente teer sua espe-
ramça uerdadeira naquelle Senhor, em cujo seruiço deseiaua uiuer e aca- 35
bar. o quall deseio lhe Deos comprio, como ja ouuistes. Da sua cari-
dade nom direy tamto, quamto com rrezam se pode dizer, ca sua rri-
queza toda era thezouro de pobres, fazemdo mujtas esmollas segumdo ja
8. muyto A. — 9. assi A. — 12. leuantada A. — 19. perteeçentes A. — 28. assi A.
— 143 —
teemos dito. Ella tijnha niujtas merçee3Tas em todas suas terras,
e em todollos moesteiros, em que auia pessoas rrelligiosas e de boa
uida, daua em cada huú anno ajuda pêra seu mamtijmento. e assy
pêra casar horfaas e criar meninos. Requeria a elRey que husase
5 de piedade com alguQas pessoas, em que a justiça nom auia tamanho
lugar, e fazia outros mujtos beés em comprimento das obras da cari-
dade. Por todas estas cousas * cobrou assy a bem auemturamça deste A,59,v, i
mundo, como do outro, ca em este mereçeo naçer da mais alta geera-
çom, que auia amtre todollos primçipes christaãos, e muy aposta de
10 seu corpo, com exçellemçia de uirtudes. e ouue liuú dos homrrados prim-
çipes do mundo por marido, comstituido em dignidade rreall, o quall a
amaua mujto. e assy ouue filhos, de que numca uio nojo, amte teue rre-
zam de sse allegrar mujto com elles, porque conhecia que nehuúa rrai-
nha do mundo tijnha filhos semelhamtes a elles. ouue rriqueza e ser-
i'5 uidores mujto obediemtes e seguidores de sua uoomtade. Assy que em
este mundo nom auia mais que auer. e pêra merecer a gloria do outro,
lhe deu nosso Senhor a sua graça, que seguisse o caminho das uirtudes,
per que mereçeo de cheguar aaquella fim que ja dissemos. Morreo em
sua cama acompanhada de seus fihos. ouue assaz espaço em sua door
20 pêra fazer os derradeiros offiçios que a christaãos perteeçem. ca durou
treze dias em sua emfirmidade. Ouue uerdadeiro conhecimento do Se-
nhor Deos com gramde arrepimdimento de * seus peccados. Sua com- A,59,y,z
çiemçia desemcarregou, sem nehuú trabalho se partiu deste mundo mos-
tramdo taaes synaaes amte de sua morte pollos quaaes conhecemos uer-
25 dadeiramente que he no lugar dos samtos, domde conhecem quamtas
treeuas jazem sob a claridade de nosso dia. Pois como poderemos com
rrezom chorar a sua morte, amte altamente deuemos de nos allegrar
aquelles a que praz da sua bem auemturamça. e creamos certamente que
nosso Senhor Deos mamdou por ella aas prisoões deste mundo, porque
3o a sua alma lamçaua amte os seus pees, que lhe pedisse piadosamente uito-
ria pêra seu marido e filhos, com saluaçom de todo ho outro poboo des-
tes rregnos. que por aazo de sua morte seus filhos podessem seer mais
homrradamente caualleyros. ca sse ella uiuera, seus filhos forom feitos
caualleiros em Portugall, segumdo lho elRey tijnha prometido, que lhe
3i nom fora tamanha homrra, como foi de o seerem em terra dAíTrica em
huúa tam homrrada cidade depois do acabamento de tamta uitoria. Ora
3. assi A. — 4. horfaãos A, orfas I. — 7. assi A. — 8. mumdo A. — 11. mumdo A. —
12. assi A. — i5. assi A. — 16. mumdo A. — 20. perteeçem] perteem A. — 23. mumdo A.
— 25. logar A. — 26. dia] dija A. — 20- mumdo A. — 33. foram A. — 36. despois A.
— 144 —
A,6o, r, i fazemdo fim deste capitullo, auees de saber que * tamto que aquella samta
Rainha foi posta em sua sepulltura e feitas suas exéquias, os Iffamtes se
partirom dalli acompanhados daquelles senhores e fidallgos. e sse forom
pêra huúa aldeã que esta acima daquela jgreia, que o Iffamte Dora Ham-
rrique mamdou fazer, que chamam Samta Maria de Belleem, e a aldeã ha
nome Restello por rrazom daquella amcoraçam que alli esta, que sse
chama per essa meesma guisa, e alli esteuerom ataa que a frota partiu,
como adiamte ouuirees.
Como os Iffamtes tciieram sen comsselho açcrqna dos feitos primei-
ros, e como forom faltar a elRey, e tornarom outra uei a teer com-
sselho aaquella aldeã. Capitullo Rvij.
P
OR aazo daquelle forte acomteçimento era feito em todo aquelle
ajumtamento huú geerall silemçio, com que todos amdauam nom
menos pemssosos, do que eram de ledos amte daquelle feito. E
assy como todos amdauam uistidos de doo, assy tirarom todollos arreos i5
que tijnham as gallees e nauios, de guisa que nom parecia a frota outra
cousa senom aruores dalguúa mata, a que a força do foguo priua das
A,6o,r,2 folhas e fruito. E nom* sabiam faliar em outra cousa senam das gramdes
uirtudes que auia na Rainha, nas quaaes nom auia hy alguú que podesse
achar comtrayro. E mujto duuidauam de sse fazer nehuú mouimento 70
açerqua do que era começado, ca deziam que tamanhos três synaaes,
como nosso Senhor Deos em aquelle feito mostrara, nom eram pêra teer
em joguo .s. a gramde pestenemça que dias auia que amdaua amtrelles,
polia quall ja falleçeram mujtas e boas pessoas. E o segumdo fora o cris
do soll, que foi amte alguiãs dias da morte da Rainha, em tamanho graao 25
como amte na memoria daquelles que emtam eram, nem depois ataa
este presemte numca foy uisto. ca duas oras comtinuadas esteue cuberto
per tall guisa, que pareciam todallas estrellas, e assy todollos outros
sinaaes do çeeo, que geerallmente parecem depois que o soll passa ho
oçidimtall orizom, e o crespucoUo nos traz a escuridade da noute. E o 3o
terçeyro foy a morte da Rainha, que sobre todo era mais semtida. Os
Iftamtes tamto que forom em Restello como ja ouuistes, fallarom loguo
amtre ssi que maneira deuiam teer açerqua de seus feitos, e acordarem
A,6o,v, i * que era bera de hirem faliar a seu padre, a quall cousa loguo em aquella
I. capitólio A. — 3. foram A. — i5. assi (bis) A. — 26. despois A. — 29. despois A.
— 32. foram A.
-145-
noute segLiimte poserom em obra, ca pouco mais de mea noute mamdarom
fazer prestes os batees, e sse forom Alhos Vedros, em tall guisa que
quamdo era manhaã estauam com seu padre, o quall acharam muy
anoiado, uestido de panos timtos. E quamdo outrossj' uio os filhos ues-
5 tidos de burell, rrenouousse em sua uoomtade huúa muy doorosa nem-
bramça da Rainha sua molher. e com elle estaua o comde de Barçellos
seu filho, e Gomez Martimz de Lemos. Senhor disserom os Iffamtes,
comsijramos de uos uijr fallar açerqua destes feitos, pêra sabermos a
maneira que querees teer, e fazermos segumdo semtirmos uossa uoom-
10 tade. Meus filhos rrespomdeo elRey, bem ueedes no pomto em que
estou, e que cuidado deue de seer o meu, comsijramdo em tamanha perda
como perdi, cuja nembramça me traz tamanho nojo, que nom sei cuydar
em outra cousa. Porem leyxo este emcarreguo a uos, disse elle comtra
o Iffamte Duarte, que com uossos jrmaãos, e com esses outros do com-
i5 sselho fallees açerqua deste feito, e o que acordardes me fazee saber pêra
eu comsijrar sobre ello. e determinar* o que milhor e mais proueitoso A,óo,v,2
parecer. E loguo sse os lâamtes tornarom sem outra deteemça pêra
Restello, e fezerom chamar aquelles do comsselho que estauam mais
prestes, os quaaes per comto forom quatorze comtamdo hi os Iffamtes,
20 cuios acordos forom partidos em duas partes .s. sete a cada huúa parte.
E os lífamtes todos três e quatro dos do comsselho eram era acordo, que
todauia elRey deuia partir, como primeiramente tijnha hordenado, porque
deziam que tamanhas despesas como ja eram feitas, e taaes prouijmentos
com tamtos trabalhos rremediados e buscados, nom deuiam assy de
25 passar em uaão. quamto mais pois aquello fora mouido primçipall-
mente por seruiço de Deos, se nom deuia leixar dacabar por nehuúa
cousa, nem auia hi rrezom per que sse justamente leixasse de fazer, ca
posto que assy a Rainha falleçesse, sua morte a tall feito nam deuia fazer
empacho, ca a Rainha nom era mais que huúa molher, cuja morte nom
3o trazia outra torua pêra seu propósito, soomente 'a tristeza que elles por
sua causa filhauam. a quail prazeria a Deos que abramdaria a boa
amdamça da uitoria. Quamto *mais que a fama deste feito era tam A,<H.r, i
deuulgada per mujtas partes do mundo, que todos pemssauam que tama-
nho mouimento nom podia parar sem cometimento dalguú gramde feito.
35 polia fim do quall estauam cada dia em esperamça de ouuir certo rre-
cado. a quall cousa seria muy uergonhosa assy pêra elRey como pêra
todo o rregno, quamdo soubessem que por semelhamte aazo o leixauam
20. foram A. — 3i. abramdaria] ajudaria I. — 33. mumdo A. — 34. grande A. —
36. assi A.
— 146 —
de poer em fim. Os outros sete acordauam que todauia elRey por nehuú
caso deuia partir. Por certo deziam elles, se uos dizees que por esto seer
seruiço de Deos o deuemos primçipallmente de seguir, bem sse mostra
que lhe nom praz de semelhamte mouimento. por quamto amte os nossos
olhos traz tam manifestos synaaes, per que de rrezam deuemos creer que o 5
nosso mouimento he comtrayro de sua uoomtade. Que cousa tam maraui-
Ihosa pemssaaes, que he o dano que esta pestenemça fez e faz cada dia em
tamta boa gemte, como per sua causa falleçeo e falleçe. e nom he duuida,
que depois que forem todos demtro nos nauios, que sse nom açemda mujto
mais, ca o ajumtamento a fará mujto mais açemder, e o rremedio pro- 10
A,f>i,r,2 ueytoso pêra ello seria de sse espalhar * agora esta gemte, e he certo que
nom poderia tamanho foguo estar muyto que sse nom apaguasse. E sse
nos agora partissemos, pode seer que assy como morreo a Rainha, morre-
ram outras pessoas taaes, cujo dano trazera mujto gramde perda. Deue-
mos ajmda mujto rreçear tamanho dano, como rreçebemos na morte i5
daquella senhora, porque soomente as suas oraçoões eram abastamtes
pêra nos liurarem de quaaesquer perijgos. ca bem mostrou nosso Senhor
Deos sj'naaes açerqua da sua morte, per que mujto deuemos semtir a
perda de seu falleçimento, do quall nom ha nehuú, posto que de pequena
comdiçom sela, que nom tenha muy gramde semtido. Certamente nos 20
lhe mostraríamos sinall de pouco amor, perdemdo em tam breue tempo
memoria de sua morte, nom tomamdo sequer alguú espaço per que o
mundo conhecesse o semtido que tijnhamos de sua morte, mas logo
assy tirados dos choros de sua sepultura fazermos partida, nom seria bem.
E que ajmda qtiisessemos leixar estas cousas, teemos outro muy gramde 25
empacho, que he mujto pêra comsijrar. e esto he que por aazo da doemça
da Rainha sse desauiaram mujtas cousas, pêra corregimento das quaaes
A,6i,y,i nom ha mester menos de huú mes. *pois nos somos agora casi em fim de
julho, e quamdo huú mes passasse, seriamos em fim dagosto, que he ja
começo do jmuerno, em que sse nom deue começar semelhamte feito. E 3o
assy que por todas estas rrezoões se deue por agora escusar a eixecuçom
desta cousa. Sobre estes dous comtrairos ouue em aquelle comsselho
muy gramde debato, no quall dizem alguús que o Iffamte Dom Pedro rres-
pomdeo alguúas rrezoões mais ásperas do que deuia ao comdestabre,
porque disseram que o comde era huú daquelles que mais afirmaua que 35
elRey deuia ficar, empero nos nam o soubemos determinadamente, nem
o Iffamte Dom Hamrrique nos em ello fallou. creemos que o fez por
escusar alguú prasmo, que ouueram aquestes que estas uozes mamtijnham.
2. ser A. — 8. duuyda A. — 24. assi A. — 3i. assi A — eixucuçom A. — 33. grande A.
— 147 —
Como os Iffamtes e três dos outros do comsselho tornaram a f aliar
a elRey em a determinaçam de seus acordos, e das rre^oões que
elRey açerqua dello disse, e como finallmente determinou a partida.
Capitullo Rviij.
5 i" OGUO em aquelle dia aquelle comsselho foy posto em determinaçam,
I de guisa que a noute seguimte hordenaram os Iffamtes de tornar
-■— i com * a rreposta de todo a seu padre, mas porque elles todos três A,6i,v,2
eram de huija parte segumdo ja ouuistes, disseram os outros que tijnham
a outra, que fossem outros três pêra dar cada huú sua rrezam segumdo
10 a alegara, e os Iffamtes disseram que era muy bem. E teueram tall
maneira em sua partida, que quamdo era menhaã ao domimguo seguimte
forem com seu padre segumdo fezeram o dia damtes. ElRey se apartou
loguo com elles em huú alpemdre, que estaua naquellas casas liomde
pousaua, e o Iffamte Duarte disse todallas rrezoões que os outros allega-
i5 uam, comtrariamdo a hida delRey, damdolhe ajmda melhores emtem-
dimentos e mais claros, do que lhe os outros que alli estauam deputados
pêra ello poderom dar. Em fim pregumtoulhes se queriam ajmda aalem
daquello dizer alguúa cousa, e elles disseram que nom. ca tam bem o
rrazoara polia sua parte, que elles semtiam de ssy que nom poderam mi-
20 Ihor dizer. Mujtos fallarom depois açerqua daquelle rrazoamento que
assy fez o IfTamte, auemdo por gramde marauilha tomar assy aquellas
cousas na memoria e rreteellas per extemsso, louuamdo mujto a clareza
de seu emtemder. outros * porem de mais dura creemça nom podiam A,b2,r, «
emtemder senom que artefiçiallmente tomara o Iffamte assy aquellas cou-
25 sas, ca per outra guisa nom maginauam que sse podesse fazer, como
quer que em ello fossem emganados. ca aquello era assaz de bem
pouco pêra as outras mujtas uirtudes, que lhe o Senhor Deos outorgara.
Acabadas assy aquellas cousas que perteeçiam a primeira rrezom, disse o
Iffamte per essa meesma guisa as outras, que a elle e aos de sua parte
3o perteeçiam. ElRey ouuidas assy aquellas rrezoões, descobrio sua cabeça
que tíjnha cuberta com seu doo, e disse. Mujto me pesa porque cm tam
boas pessoas he achado nehuú falliçimento de fraqueza em semelhamte
caso. ca certamente eu cuidara, que posto que eu por causa de minha
gramde tristeza, ou por outro alguú aazo quisera ficar, que elles me cos-
35 tramgeram pêra ello, comsselhamdome que todauia seguisse minha uia-
II. dominguo A. — 12. foram A. — i3. logo A — alpemdere A. — 14. Duarte] dom
duarte A. — zi.assi (bis) A. — 24. assi A. — 28. assi A. — 3o. assi A. — 32, nehuú] alguú I.
— 148 —
gem. Porem comsijramdo açerqua de todollos empachos que elles pose-
ram em minha hida, cuja força primçipaUmente esta em estes acomteçi-
mentos que sse ora seguiram, comtamdo pollo mais forte ho falliçimento
A,62,r.2 da Rainha que Deos aja. creemdo que o aparecimento * destes sj'naaes he
muy gramde amoestaçam de nossa ficada, o que eu todo emtemdo 5
pollo comtrairo, porque notório he, que pêra proseguimento de tamanho
feito nom compre mais que hirmos arrepemdidos e purgados de nossos
peccados, emclinamdo ao Senhor Deos nossas almas, tornamdonos a elle
de todo coraçom, fazemdo penitemçia dos erros passados que comtra elle
cometemos, e demamdamdolhe mu}' humilldosamente que nos liure de 10
nossos jmmijgos, e que lhe praza dar gloria a seu nome, exallçamdo a sua
samtaffe, quebramtamdo e destroimdo todollos seus comtrayros com a sua
própria uirtude. Esto deuemos tamto com mayor dilligemçia fazer, quamto
a nossa teemçom he mouida a mais certa fim. a quall humilldade nos nom
poderemos mostrar milhor nem mais compridamente em outra aiguúa t5
cousa, como sofreemdo com boom coraçom todollos casos comtrayros, pois
creemos certamente que per elle som hordenados. ca lhe nom fazemos
em ello tamanho seruiço, como fazemos de nosso proueito. porque
necessário he, que Deos huse das suas creaturas como lhe prouuer.
Quall he o caualleiro que ha demtrar em alguiãa justa, que nom proua 20
A,62,v, I primeiro seu * cauallo. e huú dia uee com que assessego soporta ho
arroido e peso das armas, outro com que força toma o trabalho, e assy
todallas outras cousas. Pois que sabemos nos, se nosso Senhor Deos per
estas cousas nos quis prouar. ca o ouro proua o fogo. e os casos da for-
tuna prouam os boõs homeés. Certamente eu creo que todas estas cousas 25
que assy acomteçeram, ssom mais porque Deos per ellas nos mostra a
çertidom da uitoria que o comtrayro, porque a fim da tristeza he lediçe,
e a fim da lediçe he tristeza. E nos que agora somos tristes, prazemdo
a Deos começamdo nosso feito seremos ledos, porque todallas cousas
depois que cheguam a moor alteza, nom ham lugar de mais sobir. E a 3o
nossa tristeza nom poderá seer moor pêra todos em ella teermos parte,
que morrer huúa semelhamte pessoa, em cujo falleçimento nom ha hi
algui! por de pequena comdiçom que seia, que com rrezam nom mostre
semtido. E sua perda quamto a nos fallamdo dereytamente, nom faz
outro dano, soomente huúa suydosa nembramça, a que nos sua presemça 35
por rrezam de seu falleçimento acarreta, que quamto he pêra rrogar a
Deos por nos, certo he que nehuíia pessoa em esta uida por uirtuosa que
3. pello A.— i3. dilligençia A. — 22. assi A. — 26. assi A. — 3i. pêra] por I. —
35. lembrança A.
— 149 —
seia, nom he* tam dina de ouuir uiuemdo em este mundo, como depois A,62,v,2
que he apartada desta miserauell casa que he a carne, cujos apetites
comtinuadamente nos costrangem a peccado. E assy emtemdemos que
nosso Senhor Deos, queremdo mais limpamente ouuyr suas oraçoões, lhe
5 prouue de a tirar damte nos, porque sollta deste corporal! carçer, a sua
alma mais liuremente podesse comtemplar na diuinall magestade procu-
ramdo a nossa uitoria. E pêra nos isto firmemente creermos, ponhamos
amte os nossos olhos as marauilhosas cousas, que lhe acomteçerom amte
de sua morte, polias quaaes certamente sabemos, que a sua alma esta
IO em bem auemturado rrepouso. Porem por todas estas rrezoões eu deter-
mino com a graça do Senhor Deos de seguir todauia minha temçom por
seu seruiço. ca doutra guisa nom me parece que faria o que deuo. O
comde de Barçellos que alli estaua, fallara ja com elRey açerqua daquello,
comsselhamdoo que todauia seguissie seu propósito, e assy fez em aquella
i5 ora que ajudou mujto a temçom dos Iftamtes. e per semelhamte fez
Gomez Martimz de Lemos, que era huú homem de gramde ssiso, pollo
quall elRey daua gramde autoridade a seus comsselhos.
Como sse os Iffamtes tornarom a Restello, e do auiamento que A,63,r, i
deroTii a todallas cousas que perteeçiam a sua uiagem.
20 Capitullo Rix.
QUAMDO os Iftamtes semtirom de todo a uoomtade de seu padre,
ouuerom gramde rrefrigerio pêra seu nojo passado, e ass}' dis-
serem que lhe tijnham mujto em merçee semelhamte determina-
çom. Ora que será senhor, disseram os outros três que alli estauam, ca
25 ajmda nom teemdes todo acabado, porque huúa das mayores duuidas que
achamos, assy he que o descomçerto que sse fez na frota por aazo da
morte da Rainha, nam sse pode tam asinha emcaminhar, que ao menos
nom seia necessário esperar huú mes. E a uossa frota disse eIRey com-
tra o Iffamte Dom Hamrrique, assy esta descomçertada que lhe seia neçe-
3o ssario aquelle espaço pêra sse tornar a auiar. O descomçerto senhor que
ella tem disse o Iff"amte, he que uos podees logo agora meter em ella, e
partir quamdo quiserdes, ca a mayor deteemça será em alleuamtar as
amcoras e aparelhar as uellas. Pois que -assy he disse elRey, toda minha
deteemça será daqui ataa quarta feyra, e depois siguame quem poder.
I. ouuir] ser ouuida I — mumdo A — despois A. — 3. assi A. — 19. perteemçiam A.
21. sentirem A. — 22. noio A — assi A. — 26. assi A. — 28. seja A. — 20. assi A. — 33. assi A.
— i5o —
A,63,r.2 E uos meus * filhos tornayuos loguo a uossa frota, e fazee dar a todo tall
auiamento, que quarta feira a Deos prazemdo possamos partir. E porque
o feito das armas nom ha mester tristeza nem choro, nem rroupas de
doo, amte rrequere que os caualleiros se guarneçam das melhores cousas
que teuerem, porque a sua uista lhes allegre os coraçoões, como sse 5
escpreue que faziam os Romaãos. porem uos tiraae loguo uosso doo, e
uistiuos como amte sohijeis, e ajmda milhor. e assy daae auiamento a
todollos outros que o façom. e outro tempo com a graça de Deos esco-
lheremos em que sse possa mais rrazoadamente fazer nosso doo. Os
Iffamtes partiram logo caminho da frota, e o Iffamte Dora Hamrrique lo
comuidou a seus jrmaSos pêra jamtarem com elle em sua gallee. e
tamto que forom em ella, trouxeram loguo os uistidos aos outros Iffamtes,
e elle uistiusse jsso meesmo, e mamdou apemdoar toda sua gallee, e disse
aas trombetas que sse posessem na mayor altura, e que fezessem em
seus estromentos todo sinall de lediçe que podessera. E como era li
domimgo, e os homeés por rrezam das calmas estauam todos jugamdo e
A,63,v. 1 follgamdo em seus nauios. ca o mais que * podiam, escusauam a cidade
por causa da gramde pestenemça que nella amdaua. e quamdo ouui-
rom o soom das trombetas, de que tijnham por emtom pequena espe-
ramça, fiquaram amtre ssi meesmos mujto marauilhados. empero pem- 20
ssarom que os Iffamtes nom estauam alli. e que por ello aquelles seus
trombetas com pouco auisamento filharam assy aquelle ousio. E alguiis
daquelles capitaães que alli estauam., quiseram mamdar rrequerellos que
sse callassem. mas quamdo lhe os seus disseram como a gallee estaua
toda apemdoada, e que aallem do soom das trombetas ouuiam em ella 25
charamellas e outros estromentos, bem criam que era todo feito a outra
fim. e trigosamente mamdaram aparelhar seus batees pêra saber parte,
que queria seer aquella nouidade. E os que pousauam nas aldeãs, ou
amdauam follgamdo ao lomgo daquella praya, mujto asinha se chegarem
aa rribeyra pêra seerem certos do que aquello queria seer. em breue 3o
tempo forom tamtos os batees darredor da gallee do Iftamte, que queriam
jugar as punhadas quall poderia primeiro chegar ao bordo. E depois
A,63,v,2 que souberam a determinaçam* do feito, poserom logo mujta trigamça em
tornarem a correger seus nauios per a guisa que ja estaua aquella gallee.
Em uerdade era fremosa cousa de ueer huúa frota, que polia menhãa 35
parecia alguúa mata que perdera as folhas e o fruito, e em tam breue
tempo tornaua a parecer huú tam fremoso pumar acompanhado de muj-
7. assi A. — 12. foram A. — 18. neella A. — 19-20. esperança A. — 22. assi A. —
26. feito] o feito A. — 82. despois A. — 35. pella A.
— i5i —
tas folhas uerdes e frolles de mujtas coores. ca assy eram os pemdoóes
de desuayradas guisas, e que camtauam em elle mujtas aues de gracioso
soom. ca os estromentos nom eram poucos, ca em cada nauio estauam
estromentos de desuayradas guizas. os quaaes todo aquelle dia a huúa
b uoz numca fizeram fim de tamger. Nom tardou mujto que as nouas
chegaram aa cidade, as quaaes fezeram em ella huú nouo aluoroço. por-
que todos estauam ja casi despercebidos de semelhamte mouimento, por
cuja rrezom lhes foy necessário de sse trigarem pêra tornarem todo a
correger. ca o espaço era muy breue pêra sse mouer tamanho feito.
IO e forom logo dados pregoões, que ataa terça feyra per todo o dia fossem
todos rrecolhidos a sua frota. Boom he de comsijrar que mamdado tam
trigoso* de semelhamtes cousas, nom lhes daria gramde espaço pêra dor- A,64,r, i
mir. Mujtas cousas fallaria aqui se quisesse, açerqua dos desuayrados
juizos que sse dauam sobre aquella partida, espiçiallmente a gemte do
i5 pouoo, culpamdo mujto elRey, porque fazia semelhamte mouimento.
dizemdo que o prioll do Espitall com suas sotillezas mouera primeira-
mente aquelle feito, e que elle tiraua ajmda elRey agora de seu ssiso.
Outros diziam que elRey nom quisera partir, posto que aquelle ajumta-
mento assy esteuesse feito, uistos os marauilhosos sinaaes que lhe acom-
20 teceram, mas que o prioll jmduzira os Iffamtes, e que elles como homeés
mamçebos deseiadores de cousas nouas, aficaram seu padre tamto que o
fezeram partir comtra sua uoomtade. Ora bom pay deziam elles, ca pa-
lhas foy a perda da Rainha pêra a que muy cedo ha de seer. ca nos
outros nom partimos senam como homeés, que queremos temtar Deos.
25 e elRey cuyda que com estes filhos ha de tomar a garça no aar, porque
os uee assy homeés de proU e desemuolltos nas manhas, e que nom ha
mais na força das armas que quamto elles sabem. Ajmda* he de ueer A,64,r,2
queiamdos homeés seram, depois que forem nos perijgos. ca elles atee
aguora nom prouaram como sabe o ferro frio. Mas a culpa deste feito
3o nom he tamto de nehuú delles, como doutros mujtos senhores de Portu-
gall que ssom homeés diosos, e que teem esperiemçia de mujtas cousas,
que lhe deuiam de comtradizer. e que ao menos comssijrassem taacs sinaaes
como acomteçem cada dia no çeeo e na terra. Quem cuydaaes deziam
outros, que ha de teer atreuimento de fallar a elRey em tall cousa, ca
35 mais de três anos auia, que elle tijnha este feito começado, e ajmda nom
sabia outrem senam os Iffamtes e o prioll. e he certo que aquella hida,
I. assi A. — 4. guysas A. — 5. nunca A. — 7. cassi A. — 14. gente A.— 20. jnduzira
A. — 21. mancebos A. — 22. bom I, boa A. — 26. assi A. — 28. despois A. — 28-29. ^^^^
aguora] atee guora A.
— l52 —
que elle fez a Castella nonrfoy senam per mamdado delRey, nem a pri-
sam em que o teueram, nom foi feita senam açijmte. Ora diziam outros,
callayuos, ca nos ho ouuimos a pessoas que ham rrezam de o saber, que
eIRey nom quisera hir uistas as cousas que acorateçeram, se o líTamte
Dom Hamrrique nom fora. ca diziam todos que a frota nom podia seer 5
prestes se nom passamte de huú mes. por cuja rrezom elle quisera
fiquar, se lhe o Iffamte nom dissera que fosse na sua, que estaua de todo
A,64,v, I prestes. Nom foy ail diziam *os outros, ca elRey sempie teue este filho
por mais homem, que nehuij dos outros pêra feito darmas. e assy sse
gloriaua estranhamente de fallar em elle, quamdo lhe disseram que trazia lo
sua frota bem corregida do Porto, empero ajmda he de ueer, ca gramde
deferemça ha de tratar os porcos monteses na Beyra, a pelleiar com os
homeés armados que sse sabem defíemder. elles cuydam que sam as
justas daqui, que sse nom quer nemguem atreuer de os hir emcomtrar.
Sobre todo praza a Deos que seia por bem, o que aa bofte esta em duuida, i3
segumdo muitos sesudos presumem, comsijramdo os duuidosos casos que
sse açerqua dello podem seguir.
Corno elRey partio d Alhos Vedros na gallee do comde de Barçellos,
e sse ueo lamçar a Restello, e como no dia seguimte se foy cotn sua
frota amcorar açerqua de sanita Caterina. Capitullo L.
2C
EM este pequeno espaço que teemos dito, se fezeram prestes casi a
ma}'or parte de todoUos, que auiam de hir em aquella frota, e
omde amte pediam espaço de huij mes, lhes abastaram três dias, e
ajmda nom de todo acabados. Aa quarta feira se meteo elRey na gallee
do comde Dom Aftomsso, e foromsse pêra elle os Ifíamtes e mujtos 25
A,64,v.2 daquelles * senhores que alli eram, e ueo aquella noute cear e dormir a
Restello. a quall nos podemos bem afirmar que foy milhor uigiada, que
por uemtura fora a noute da naçemça de nosso Senhor Jesu Christo,
porque o arroido era tam gramde na frota, que os homeés huijs com os
outros nom sse podiam emtemder. e aquella praya nom era menos allu- 3o
miada de tochas e acompanhada, que sse sse em ella fezeram festas dal-
guú gramde primçipe. e nom menos era o trafego na cidade, por aazo
das mujtas cousas que lhe eram necessárias pêra sua uiagem. No dia
seguimte, que era uespera de Samtiago uijmte e quatro dias do mes de
julho, partio elRey dalli, e mamdou lamçar amquoras, e foy aquella noute 35
1. ell A. — 7. lhe I, lho A. — 9. assi A. — 28. Jhú xpõ A. — 35. lamçar A, leuar I.
— i53 —
açerqua de samta Caterina. Este pouso que assy elle fez tam preto, foy
pêra dar aazo que sse rrecolhesse a jemte com mayor trigamça. mas no
outro dia, que era dia de Samtiago mamdou dar aas trombetas da sua
gallee, porque tamto que fora em Restello sse sahira da outra. E assy
5 como deram aas trombetas na sua, assy deram em todollos outros nauios,
fazemdo sinall aos marinheyros que desfalldrassem, o quall em huú pomto
foy posto em obra. e assy emcaminharam com boauemtura* caminho A,c,5,r,i
da foz. ElRey como ja disse leuaua a capitania das gallees, e o Iffamte
Dom Pedro das naaos, ieuamdo cada huú seu foroU pêra rregimento das
10 outras. E porque aiguús quereram saber quaaes eram estes primçipaaes
que hiam com elRey, escpreuemollos aqui. empero nom lhe guardamos
nehuOa hordenamça no escpreuer, porque achamos que per nehuij modo
o poderíamos fazer. Era primçipallmente depois delRey o Iffamte Duarte,
e o Iffamte Dom Pedro, e o Iffamte Dom Hamrrique, e o comde de
i5 Barçellos, e o meestre de Chrísto Dom Lopo Diaz de Sousa, e o prioll do
Espitall Aluoro Gomçailuez Camello, e o comdestabre, e o alm.iramte
miçe Lamçarote, o marichali Gomçallo Vaaz Coutinho, o capitam Affomsso
Furtado de Memdoça, Joham Gomez da Sillua alferez delRey, o comde
de Viana Dom Pedro alferez do ItTamte, Dom Fernamdo de Bragamça
20 filho do Iffamte Dom Joham jrmaão que fov delRev, Dom Affomsso de
Casquaaes, Dom Joham de Crasto, Dom Fernamdo seu jrmaão, Dom
Aluoro Pirez de Castro, Dom Pedro seu filho, Dom Joham de Loronha,
Dom Hemrrique seu jrmaão, ISIartim Affomsso* de Mello guarda moor A,ó5,r,2
delRev, Joham Freyre dAmdrade, Lopo Aluarez de Moura, Gill Vaaz
25 da Cunha, Vaasco Martimz da Cunha, Diego Gomez da Sillua, Gomçallo
Eannes de Sousa, Pêro Louremço de Tauora, Aluoro Nogueyra, Joham
Alvarez Pereyra, Joham Rodriguez de Saa, Martim Vaaz da Cunha,
Affomsso Vaaz de Sousa, Gomçallo Louremço de Gomide escpriuam da
puridade, Nuno Martimz da Sillueyra, Joham Affomsso de Samtarem,
3o Ayras Gomçallues de Figueyredo, Gomçallo Nunez Barreto, Aluoro
Meemdez Cerueyra, Meemdo Affomsso seu jrmaão, Diego Lopez de
Sousa, Gomçallo Eannes dAabreu, Vaasco Fernamdez Coutinho, Aluoro
Perevra sobrinho do comdestabre, aquelle cujos filhos ao depois teueram
carrego da criaçom delRey Dom Affomsso, como adiamte será comtado,
35 Gomez Martimz de Lemos, Joham Affomsso de Brito, Diego Aluarez
meestre sala, Luis Aluarez Cabrall, Fernam dAlluarez seu filho, o doutor
I. assi A. — 2. jente A. — 4. assi A. — 10. queriam A. — i3. despois A. — 23. AfTom
A. — 25. Martimz] miz A. — 25-26. Gomçalle annes A. — 27. Rodriguez] noiz A. —
29. Martimz] miz A. — 3i. afTom A, — 32. Gomçalle annes A. — 35. Martimz] raiz A.
— i54 —
Martim dOssem, Diego Fernamdez dAlmeyda, Diego Soarez dAlbergaria,
Aluoro da Cunha, Aluoro Fernamdez Mazquarenhas, Joham Affomsso
dAllamquer, Gomçallo Pereyra de Vouzella, Ruy Vaaz seu jrmaão, Gom-
A,65,v, 1 çallo Pereyra das armas, Lopo Diaz dAzeuedo, Martim * Lopez dAze-
uedo, Fernam Lopez dAzeuedo, Gomçallo Gomez dAzeuedo alcayde 5
dAllamquer, Johane Meemdez de Vaascomçellos, Ruy de Sousa, Nuno
Vaaz de Castello Bramco, Lopo Vaasquez, Fero Vaasquez, Gill Vaas-
quez, Paj'o Rodriguez, Diego Soares, Joham Soarez, todos estes jrmaãos
de Nuno Vaasquez, Ruj' Gomez dAlua, Garcia Moniz, Paay Rodriguez
dAraujo, Joham Fogaça, Vaasco Martimz do Carualhal, Fernam Vaas- lo
quez de Sequeyra, Fernam Gomçalluez dArqua, Esteuam Soarez de
Mello, Meem Rodriguez de Refoyos, Vaasquo Martimz dAlbergaria,
Joham Vaasquez dAlmadaã, Pêro Vaasquez, Aluoro Vaasquez seus
filhos, Aluoro Gomçalluez dAtayde gouernador da casa do Ifíamte
Dom Pedro, Vaasco Fernamdez dAtayde gouernador da casa do Ifíamte i3
Dom Hamrrique, Pêro Gomçalluez Mallafaya, Luis Gomçalluez seu
jrmaão, Joham Rodriguez Taborda, Pêro Gomçalluez de Curutello,
Joham dAtayde, Joham Pereyra, Aluoro Peixoto, Pêro Peixoto, Bem-
bendim de Barbudo, Pedro Eannes Lobato, Ruy Vaasquez Ribeyro,
Diego Lopez Lobo, Aluaro Eannes de Cernache, Aluoro Ferreyra, que 20
depois foy bispo de Coymbra, Gomez Ferreyra. Todos estes senhores
A,r)5,v,2 fidallgos eram capitaaes de jemte *mujta ou pouca, cada huú segumdo seu
estado. E afora estes eram com elRej' aquelles estramgeiros que ja
dissemos, e huú rrico cidadaão de Imgraterra, que chamauam Momdo,
que ueo a seruiço delRey com quatro ou çimquo naaos e mujtos arche}'- 25
ros e outra gemte. Ficarom jsso meesmo no rreyno per todallas comar-
quas fidallgos rrepartidos pêra guardar as fromtarias, e sobre todos o
meestre dAuis que ficaua em pessoa delRey.
8. Rodriguez] roiz A. — 9. dAlua A, da Silua I — Rodriguez] roiz A. — 10. Martimz]
miz A. — 12. Rodriguez] roiz A — darrefoyos A — Martimz] miz A. — 17. Rodriguez]
roiz A. — 18. Pêro Peixoto] na margem A. — 18-19. Belendim de Barbuda I. — 19. Pedre
annes A. — 20. Aluara annes A.
— i55 —
Como elRey em aquelle dia que partio fe:{ sua oraçom muy deuota-
mente, e das cousas que em ella pidio. Capitidlo Lj.
GRAMDE foy sempre a deuaçom que elRey teue em todos seus dias,
segumdo ja disse no prolloguo daquesta estorea. e dizem que
_, em aquelia sesta feyra que ouue de partir, teemdo seu altar
corregido, em desfalldramdo as uellas de sua frota se pos em jeoihos, e
alieuamtou os olhos e as maãos comtra o çeeo, e disse. Senhor, porque
tua emfimda merçee e piedade amtre as tuas gramdes e marauiihosas
obras feitas per teu jmfimdo poder, te prouue trazeres a mym teu pequeno
,o seruo a este estado, em que me poseste * por tua graça, damdome rreynos A,tj6,r, i
e terras a rreger e mamdar, no quall me fezeste mujtas e gramdes mer-
çees, primçipallmente damdome ajuda e esforço pêra comtrariar meus
jmmijgos, e agora me chegaste a este tempo, prazate por tua samta
merçee que te nembres de mym e deste teu pouoo, de que me deste
i5 emcarrego que somos aqui ajumtados pêra fazer teu samto seruiço, e nos
queyras dar uitoria comtra os jmmijgos da tua samta ffe, guardamdo a
satisfaçom de nossos peccados pêra outro tempo. E uos minha senhora
uirgem Maria, que sempre de meus feitos fostes uogada, prazauos comti-
nuardes em minha ajuda, porque pollos uossos meriçimentos eu rreçeba
20 uitoria daquello que sabees, que com tamanho deseio uou rrequerer. O
uemto frio nas uellas começou de lamçar a frota polia boca da foz, a
quall cousa era tam fremosa de ueer, que aquelles que o uiam nom
podiam cuydar, que sobre semelhamte prazer auia outro mayor. E de
todo o ajumtamento daquelles que ficarom em Lixboa, era pollos muros
25 dalcaçoua e assy per todollos outros lugares, domde sse bem podia ueer
a sahida daquella frota, na quall cousa* todos nom semtiam pequena A,6t>,r,2
follgamça saluo alguús que elRey per necessidade mamdara ficar. Oo
Senhor deziam elles, camanho amor mostraste ao pouoo de Portugall,
quamdo lhe deste semelhamte primçipe pêra seu rregimento. Bem
3o auemturado foy o dia em que o seu naçimento apareçeo em este mundo,
ca elle por certo pos a uerdadeira coroa sobre a cabeça do seu pouoo.
Vaa deziam elles, com tamta boa uemtura, que a fama da sua uitoria
faça emueja a todollos primçipes do mundo. E alli queria cada huú
çerteficar que sabia a uirtude daquelle segredo, mas nom porem que o
35 nehuú soubesse certamente, outros se qxieriam trabalhar de saber o
numero da frota, como quer que seu trabalho açerqua dello prestasse
1. aquell A. — i3. emmijgos A. — 25. assi A. — 27. foUganca A. — 3o. mumdo A.
3i. ell A. — 33. mumdo .K.
— i56 —
pouco. E assy esteueram em suas departiçoões com pouca nembramça
de comer nem beuer. e mujtos delles tijnham os rrostros clieos dagua,
nom podemdo rreteer a força de suas lagrimas amte a gramdeza de
sua marauilhosa allegria, nom sse queremdo dalli partir ataa que os
montes de Cezimbra escomderam toda a uista da frota. Assy correram
todos aquelles nauios sua uiagem, de guisa que ao sábado sobre a tarde
A,66,v, 1 * começarom de dobrar o cabo de sam Vicemte. e por rrazora de certas
rrelliquias que alli jaziam, mesurarom todas suas uellas em dobramdo o
cabo por sinall de rreueremça. e aquella noute foi a frota toda jumta-
mente amcorar na bahia de Laguos. E ao domingo seguimte sahio
elRey em terra, e teue loguo alli seu comsselho, no quall foy determinado
que sse deuulgasse claramente toda a uerdadeira emtemçom daquelle
mouimento. porem foy mamdado ao meestre frey Joham Xira que pree-
gasse, porque todo o pouco podesse uerdadeiramente saber quall era a
emtemçom, por que sse elRev mouera a fazer aquelle ajumtamento.
Como o meestre frey Joham Xira preegou amte a uista de todo o
pouoo, e das rre{o5es que disse. Capitidlo Lij.
M"
UJTAS uezes falley nos capituUos amte deste, com quamto cuydado
e dilligemçia foy sempre guardado o segredo daqueste feito ataa
este pomto, que ja a sua rrotura nom podia trazer nehuú dano. 20
e porem determinou elRey com acordo de seu comsselho de seer alli -
deuullgado, pêra a quall cousa mamdou preegar ao meestre frey Joham
A,C6,v,2 Xira, o quall auisado do que auia de dizer sobio * em seu pullpito pêra
auer de preegar amte aquelle pouoo. E ajmda que lhe muy breue espaço
fosse dado, elle assy como homem mujto abastado de çiemçia fallou 25
mujtas cousas de gramde autoridade, das quaaes nos apanhamos alguúas
pequenas partes, assy como as podemos apremder segumdo a lomgura do
tempo por acompanharmos nossa estoria. Creo disse elle, que depois
que elRey nosso senhor teue determinada a emxucuçom deste feito,
forom amtre uos outros desuayrados juyzos açerqua de sua emtemçom, 3o
nom cora pequeno deseio de saber o seu uerdadeiro propósito, elle assy
como primçipe mujto sesudo, acaudellamdosse dos danos que poderiam
acomteçer a uos e a elle, guardou sempre seu segredo, como compria aa
gramdeza de tamanho feito. Agora homrrados senhores, que serate que
1. os] o A. — 5. assi A. — i5. aquell A.— 18. Mvitas A. — 20. ponto A. — 24. aquell
A. — 25. come A. — 3 1. assi A.
- i57-
he rrazoado de uos seer rreuellado, uos faz saber que comsijramdo elle
as mujtas e gramdes merçees, que Deos teem feitas a estes seus rreynos
e a uos outros seu pouoo, damdolhe tamtas e tam gramdes uitorias com-
tra seus jmmijgos, polias quaaes trouxe seus feitos a este fim. e porque
5 em trautamdo assy aquellas primeiras cousas, * ajmda que comtra sua A,67,r, i
uoomtade fosse, se fezerom mujtos danos comtra os christaãos, dos
quaaes elle sempre mujto deseiou fazer comprida peemdemça. nom por-
que elle semtisse sua comçiemçia por ello agrauada. ca pequena culpa
merece o que erra sem comssemtimento de sua uoomtade, mas porque
10 das boas uoomtades he, segumdo diz sam Bernardo, conhecer homem
culpa omde culpa nom tem. quis elle mouersse de fazer tall seruiço a
nosso Senhor Deos, per que merecesse pêra ssi e pêra uos outros parte
na sua gloria, o quall por certo nom podia seer ma3'or que guerrear
os jmmijgos da nossa samta lie catholica. Ca aquelle que pode comtra-
i5 dizer ao erro e nom o comtradiz, por esse meesmo comssemtimento
parece que o aproua, segumdo he escprito na terçeyra causa e na ter-
çeyra questam do degredo, dizemdo que aquelle que pode comtradizer
e empachar aos maaos e nom o faz, nom he outra cousa saluo darlhes
fauor a sua malldade, e nom carece descrupoUo da sospeyçom da compa-
20 nhia escomdida, o que manifestamente uee o peccado comtra a samta
ffe, e nom o comtraria. E pois tall como este, que he outra cousa se-
nom semelhauell aaquelles jmmijgos que o fazem. poUo quall *he digno A,67,r,2
e merecedor daquella meesma culpa, e assv deue por Deos seer juUgado.
Ca como diz o apostoUo no primeiro capitullo da sua epistolla aos Romaãos,
25 que nom soomente aquelles que ssom comtra a fte sam dignos de morte,
mas ajmda os que o comssemtem nom lho comtrariamdo com todas
suas forças. Polia quall cousa parece aquelle que sse teem por cathol-
lico e uerdadeyro christaão, e com toda sua força nom sse despoõe a
deffemder a sua samta ffe, nom he uerdadeiro caualleiro nem nembro de
3o Jesu Christo, nem teem parte alguúa com elle, e que he pior que cada
huú daquelles jmfiees. Ca todo aquelle que uiue sob alguúa ley, he theudo
de sse poer a perijgo de morte polia guardar e mamteer. Ca diz Tullio
no primeyro liuro dos offiçios, e o philosofo no terceiro liuro das eeticas,
que aquelle he uerdadeiramente forte, que uiuamente sofre a morte por
35 deftemssam de sua ley. Ora quamdo o homem he obrigado a deflemder
as leys de sua terra, quamto mais deue seer polia ley de nosso Senhor
4. emmijgos A. — 7. muyto A. — 14. emmijgos A. — 17. contradizer A. — 20. many-
festamente A. — 22. emmijgos A. — 23. assi A — pella A. — 29. membro A. — 33. phil-
losofo A.
— i58 —
Jesu Christo, polia quall somos certos, que posto que moyramos em esta
uida, uiueremos sempre na outra, segumdo da testimunho sam Leam papa
na uiçesima terçia causa e na oitaua questam dos degredos dos samtos
A,f)7,v, I padres, omde diz. *Tyraay todo pauor e espamto, e estudaae em pelleiar
esforçadamente comtra os jmmijgos da samta ífe. ca Deos todo pode- 5
roso sabe, que sse alguú de uos outros morrer, que morre polia uerdade
da ffe e saluaçom da sua ley. pollo quall elle meesmo lhe dará o
çellestriall guallardom. poemdo exemplo de Moyses coudell do seu
pouoo, ca tamtos perijgos e trabalhos sofreo por deffemssom da sua ley.
Porem elRey nosso senhor assy como uerdadeyro caualleiro se mouco lo
primçipallmente pêra fazer seruiço a nosso Senhor Jesu Christo empee-
çemdo aaquelles, que em doesto da sua ley uiuem na terra que elle
primeiramente deu aos christaãos. Ca podees saber que a cidade de
Ccpta com toda a outra mourisma depois da sua paixom foy comuertida
aa sua samta fie, na quall durou ataa o tempo do comde JuUiam que a i5
per sua uoomtade deu aos jmfiees. os quaaes tornaram as suas samtas
egrcias em mizquitas, tiramdo dhi as cousas samtas e lamçamdoas em
nosso doesto per lugares cujos e uijs. e dalli fezeram depois mujtos
danos na Espanha, pollos quaaes nos justamente podemos fazer aquelle
pramto, que sse escpreue no segumdo capituUo do primeiro liuro dos 20
A,67,v,2 Macabeus, que fez aquelle samto barom Matias* sobre a cidade de Jeru-
salém dizemdo. Guay de mym, porque naçi pêra ueer a destruyçom da
samta cidade, uemdoa posta nas maaos dos jmmijgos. e as cousas
samtas lamçadas em çugidade. e o seu templo feito assy como homem
sem homrra. e os uasos do seu samto sacrifício som leuados catiuos, e 25
tornados em husos abominauees e cujos, e toda a fremosura lhe he qui-
tada, e a que era liure, agora he feita serua amte a uista de nossos olhos.
O quall samto barom depois deste chamto, que assy fazia com tamanha
door pollo abatimento da sua ley, e mouido com zello de uirtude, muy
housadamente matou huii Judeu de seu pouoo sobre a ara, omde 3o
pubricamente em presemça de todos queria fazer sacrifício aos jdollos, e
matou outrossy huú gemtio delRey Antioco, porque o rrequeria que
fezesse aquelle abominauell sacrifício, elle loguo começou a dar gramdes
uozes cham; mdo os seus dizemdo. Todo aquelle que teem zello da ley,
saya depôs mym. E assj' morou com elles com gramdes trabalhos no H5
deserto, ataa que lhe ueo o tempo da morte, amte da quall os comfor-
9. tantos A. — 10. nosso senhor elRev AI — assi A. — 14. maurisma A. — 1 5. fe A..
— 18. despois A. — 19. pellos A. — 20. pranto A. — 21-22. Jhrlm A. — 23. emmijgos A
— 14. iissi A. — 28. despois A. — 3o. matou] mamdou A, matou I.
-i59-
tou todos, que perseuerassem todos fiellmente pelleiamdo e padeçemdo
por amor da ley de seu Senhor Deos* dizemdo. Agora filhos mujto ama- A,68,r, i
dos, sede amadores da ley, e daae uossas almas pollo testamento dos
padres, e acordaayuos das obras que elles fezerom em suas geeraçoões,
5 e rreçeberees gramde gloria e nome perdurauell. Ora homrrados senho-
res, elRey nosso senhor uos faz a saber, como por todallas rrezoões
suso ditas, sua emtemçom he com a graça do Senhor Deos hir sobre a
cidade de Cepta, e trabalhar quamto elle poder, polia tornar aa fie de
nosso Senhor Jesu Christo. porem uos emcomemda que ajumtees em
IO uos meesmos todas uossas forças, pêra cobrardes uerdaJeira fortelleza
segumdo sua emtemçom, e auerdes com elle parte de seu gramde meri-
çimento. e arredaae de uos openioões que alguOs outro dia traziam em
Lixboa, pareçemdolhe graue mouimento o que elRey assy queria fazer,
e jsso meesmo o doo que mamdou tirar tam em breue polia morte de sua
i5 molher. o quall juizo certamente foy assy deliberado, como de prim-
çipe mujto uirtuoso e conhecedor de todo bem. O quall bem deuees de
saber, que teue mayor semtido da morte de sua molher, que outra
nehuúa pessoa, empero por fazer limpamente o seruiço de Deos, tirou
de ssy pollo * presemte todo synall de tristeza. E em esto nom fez elle A,68,r,2
20 cousa noua. ca rrecomta Vallerio Ma.ximo no seu primeiro liuro, e Tito
Liuio no liuro da segumda guerra, que auemdo os Romaãos huúa batalha
com Aniball açerqua do rrio de Canas, morreram dos Romaãos de
demtro da cidade quaremta e sete mill e trezemtos e trijmta e quatro,
afora seus amygos e liados, de que morreram casy numero jmhjmdo.
25 pollo quall nom ficou molher em Roma, que nom fosse timta de doo.
empero acabados os trijmta dias, forom todas uestidas de uestiduras
bramquas. e assy leyxarom todo outro synall de tristeza, soomente por
sacrificarem mais allegremente suas animalias amte os altares de seus
deoses. Da quall cousa poderemos tirar dous rrespeitos. o primeiro ho
3o estimo em que aquelles tijnham a morte de seus filhos jrmaãos e parem-
tes, ca era amtre elles auida por homrrada e digna de gloria, quamdo
a rreçebiam por deffemssam ou acreçemtamento da sua própria terra,
e porem tijnham que nom deuia per elles de seer tam lomgamente cho-
rada, segumdo era o gramde açemdimento e feruor que tijnham açerqua
35 das cerimonias e sacrifícios de seus * deoses, pois que sobre tamto espar- A,68 v, i
gimento de seu samgue comtra a naturall jmclinaçom de suas uoomtades,
soomente com uoomtade de rrelligiam sse arredauam de toda tristeza.
i3. assi A. — 14. enbreue A. — i5. assi A. — 21. guerra] graça A. — 24. casi A
— jnfijmdo A. — 25. pello A, — 26. foram A.— 3õ. jnclinaçom A.
— i6o —
A quall cousa por certo he a nos muy gramde doesto, quamdo estes que
certamente sabiam que as almas daquelles dereitamente hiam ao jmferno,
que rrezam teemos nos de chorar a morte daquella, que sabemos que he
na companhia dos bem auemturados samtos. Ca uisiuellmente ulmos
s}'naaes amte os nossos olhos, per que o com gramde rrezam deuemos 3
creer. quamto mais em semelhamte auto, pêra o quall allegremente
deuemos emderemçar nossas uoomtades, tamto mais certamente sabe-
mos que a sua fim he saudauell e digna de gramde meriçimento.
Como o meestre priniicoii a cni\ada^ e como per sua autoridade
assolliíeo todos de culpa e pena. Capitullo Liij. 10
EPOis que o meestre assy acabou sua rrazom, quamto era aaquelle
processo em que tomara seu fumdamento, disse. Homrrados senho-
res, todo o que uos ata aqui disse, foy dito e fallado per autoridade
e mamdado delRey nosso senhor, mas o que uos agora quero dizer, será
A,68,v,2 diio como de meu offiçio, porque nos outros nom * somos senam como i5
atallayas no pouoo de Deos, pêra o auisar comtra seus jmmijgos corpo-
raaes per escprituras, segumdo he escprito em mujtas pollos samtos
profetas, espiçialimente em o terceiro e em os xxxiij capitullos dEzechiell,
omde diz aos semelhamtes pastores que os ha feitos atallayas sobre o
seu pouoo ameaçamdoos que sse nom forem dilligemtes em amoestar 20
todollos seus errores peccados perijgoos e danos, em que de presemte
estam ou ao diamte poderem estar, que a morte e danaçam que lhe por
eilo possa uijnr, que a demamdara de suas mãaos, e comdenara por ella
o seu samgue delles meesmos. E per essa meesma guisa se querella o
profeta Jeremias em a lamemtaçam e pramto que fez sobre Jerusalém, 25
dizemdo que os seus profetas e sacerdotes forom causa de seu catiuciro
e destruyçam, segumdo mais compridamente se declara no segumdo capi-
tullo, homde diz. Os teus profetas te uiram cousas fallssas e loucas, e
nom te mostrauam a tua malldade, pêra te prouocarem a penitemçia.
Ca em semelhamtes tempos disse o meestre, ssom as nossas armas neçe- 3o
ssarias .s. a pallaura do Senhor Deos, presemtamdo os seus samtos sacra-
A,r,o, r, I mentos aos fiees e cathollicos christaãos, por que a sua* fim possa seer
segumdo perteeçe aa sua samta rrelligiam. Assy como he escprito no
2. jnferno A. — 5. ante A, — i3. ataa qui A. — 14. mandado A. — 17. per escpiitu-
ras] e espirituaes I. — iq. semelhantes A. — 21. perigos] na margem A. — 25. allamen-
tacam A — Jhrlm A. — 2G. foram A. — 33. assi A.
— i6i —
meesmo capitullo do deuteronomyo, que chegamdosse a ora da batalha,
esteuesse o sacerdote diamte da face da hoste, dizemdo. Ouue Isrraell,
e uos outros que querees cometer pelleia comtra uossos jmmijgos, nom
aja medo em uossos coraçoões, nem queyraaes temer nehuúa cousa
5 com o seu espanto, nem queyraaes fugir com o seu temor, ca nosso
Senhor Deos em meo de nos pelleiara comtra nossos auerssavros,
por que uos liure do seu perijguo. E esto meesmo comfirma sam
Tomas jn secumda secumde R q. no artijgo segumdo, homde trauta
esta matéria, comcludimdo que ajmda que aos prellados e clérigos
IO nom comuenha pelleiar, pêro a elles primçipallmente comuem e he
justo e meritório animar e emduzir e esforçar a todollos fiees chris-
taãos, por que justamente possam pelleiar polia maneira que ja tenho
dito. Açerqua do quall propósito diz sam Leam papa, fallamdo de ssi
meesmo na xxiij causa e na oitaua questam do degredo, que elle fez
i5 ajumtar o seu pouoo comtra os mouros, que era fama que uijnham a
huú porto de mar. e elle per sua própria pessoa ssahio com elles. E
porem husamdo de meu oííiçio, *uos rrequeiro e rrogo a todos quamtos A,6o,r,2
aqui presemtes sooes, que comsirees bem em uossas comçiemçias quaaes-
quer peccados, malles, ou erros, que tenhaaes cometidos, e que peçaaes
20 ao Senhor Deos perdam deiles com todo coraçom e uoomtade, e façaaes
delles penitemçia, auemdo firme propósito de uos guardar de pecar daqui
em diamte. Polia quall cousa serees assoUtos de culpa e pena, per uir-
tude de huúa letera que o samto Padre outorgou a elRey nosso senhor
ueemdo seu samto deseio. A quall letera logo alli de presemte o mees-
25 tre pruuicou. em fim da quall fez a assolluçom a todos, e disse. Ami-
gos, deuees de teer, que a uida destes jmfiees nom he amtre nos per
uirtude da sua própria força, soomente por uoomtade do Senhor Deos.
ao quall praz dar lugar que nos dem fadiga e trabalho, porque nos
afregidos e trabalhados per o poder de tam uijs jmmijgos, conheçamos os
3o mujtos erros que comtra elle cometemos, e nos tornemos a elle per uer-
dadeira penitemçia. e nos assy tornados ao uerdadeiro caminho, possa-
mos delle rreçeber esforço e ajuda pêra os destroir. os quaaes ata aqui
eram por sua gramde piedade soportados, * nom sem gramde escomdido a,6q,v, i
juizo. Ca assy como nosso Senhor Deos no tempo do patriarca Abraão
35 soportaua aos gemtios jmmijgos da sua fle soomente por correiçom do
seu pouoo. assy mamtem agora aquestes amtre nos em uista de nossos
I. do deutoronomio I, do uteronomyo A. — 5. com I, om A. — lo. prinçipallniente
A. — 17. quantos A. — 20. e façais I, façaaes A. — 24. ueendo A. — 25. prouicou A. —
— 26. jnfiees A. — 32. ataa qui A. — 36. mantém A.
102
olhos, fazendo dano a mujtos dos nossos jrmaãos, soomente a fim de nos
amoestar e castigar, homde sse lee que Deos disse aaquelle samto
patriarca. Tu hiras a teus padres, e serás emterrado em tua uilhiçe,
pêro em a quarta geeraçam tornaram aca .s. os que de ti deçemderem,
ca ajmda nom ssom compridas ataa este tempo presemte as malldades 5
dos que esta terra possuem. Pois se nos teuermos em elle comprida
esperamça, he de creer que nos ajudara comtra toda esta maa geera-
çom. que por certo nom será a nos pequena gloria e liomrra, amtre
todoUos pouoos que forom em esta Espanha, seermos os primeiros que
passamos em Affrica, e começamos de poer o jugo da ffe sobre os pes- lo
cocos dos jmfiees. E assy teeremos dous muy gramdes proueytos. o
primeiro he a saluaçom que sabemos certamente que rreçeberemos pêra
A,6i;),v,2 nossas almas, e o segumdo homrra muy gramde amtre * todos nossos
uizinhos, e memoria perdurauell que fiquara pêra todo sempre, em quamto
hi ouuer homeês que possam fallar. e nom ajmda aquelle nome que os i5
gemtios cobrauam por suas uitorias e façanhas, ou que alguús primçipes
christaãos ajmda rreçeberam por quererem ssoiugar seus uizinhos sem
causa justa nem honesta, mas rreçeberemos o uerdadeiro nome, porque
o fazemos soomente por amor e homrra daquelle, que por acorrer a
nossa miséria e comdenaçam em que éramos, e liurarnos delia, nom 20
duuidou deçemder do çeeo, e poersse amtre nos, uistido de nossa humani-
dade, em a quall padeçemdo pos sua alma por nos, ataa seer morto na
cruz e liurarnos. Em o que, como diz sam Pedro no segumdo capi-
tullo da sua primeira canónica, nos deu exemplo marauilhoso, pêra que
siguamos as suas peegadas. Em cuja prouaçom diz sam Joham no ter- 25
çeiro capitullo da sua primeyra canónica, que assy como elle morreo
por cada huú de nos, assy deuemos nos morrer se for mester, por saúde
e saluaçom da sua samta ffe, dizemdo. Em esto conhecemos a caridade
A,70,r, t de Deos, por quamto elle pos * sua alma por nos, e nos outrossi deuemos
poer nossas almas comtra aquelles que brasfemam o seu samto nome. 3o
Que como em este corpo glorioso da egreia millitamte, cuja cabeça he
Jesu Christo nosso rremijdor, seiamos todos seus nembros. e todallas
perfeiçoões dignidades e rriquezas e estados nos selam despemssadas per
Deos, por que com ellas ajudemos e siruamos na sua samta casa, doem-
donos da desomrra que foi feyta nas suas samtas egreias, seemdo torna- 35
das em seruiço dos jmmiigos da ffe, assy como se fosse feita a nos mees-
mos, segumdo mais largamente nos emsina o apostollo nos doze capitullos
6. pessuem A. — 9. foram A. — u. assi A. — (3. antre A. — 24. canónica I, crónica
A. — 26. assi A. — 3o. santo A. — 32. membros A. — 36. emmijgos A — assi A.
— i63 —
da epistolla que emuiou aos Romãaos, e em outra semelhamte que sse
escpreueo aos de Corimtio. E mujtos exemplos da samta escpritura uos
poderia aqui emmemtar, se nom semtisse as uossas uoomtades tam imcli-
nadas a todo bem. Empero por acabar meu offiçio, uos quero aqui poer
5 huú breue exemplo do gramde amor, que huúa samta molher teue açer-
qua do seruiço de Deos e da sua samta fie. a quall foy aquelia samta
madre dos Macabeus. ca como assy fosse, que ella uisse sete filhos estar
postos em duros e graaues* tormentos, por mamdado daquelle maao rrey A, 7o,r,2
Antiocho, por quamto nom queriam fazer comtra a ley do seu uerda-
lo deiro Deos e comer carne de porco, esta gloriosa molher com o amor
da lev e da homrra de Deos, esqueeçeo o naturall diuido que cora os
filhos auia. e espertouos a sofrer doorosa morte sobre sua carne mees-
ma, que sse geerara em o seu uemtre. amoestamdo os filhos com uoz
nam de molher, mais de forte e samto barom que morressem polia lev
i5 do seu Deos. Domde assy he escprito delia no septimo capitullo do
segurado liuro dos Macabeus, das cousas que disse, e corao esforçaua os
filhos, quarado os uio em os tormentos, e por tamto madre assy maraui-
Ihosa em tamta maneira he dina de boa memoria, a quall ueemdo sete
filhos perecer sob espaço de huú dia, sofriao com boom coraçora polia
20 fiell esperamça que tijnha em Deos. e assy amoestaua fortemente com
uoz paternall a cada huij delles em esta maneyra dizemdo. Nom ssey eu
em que maneyra parecestes em meu uemtre. ca eu nom uos dey ho spi-
ritu nem a alma nem a uida, nem ajumtey os nembros de cada huú de uos.
mas ho criador do mundo, o quall primeiramente formou a natureza de
25 todallas* cousas, e achou o naçimento e começo de todollos homeés. e A,7o,v, i
elle uos dará outra uez com misericórdia o espiritu e a uida, assy como
agora menos prezaaes a uos meesmos polias suas lex. E disse ao pos-
tumeiro filho, aue misericórdia de mym, que te trouxe noue meses em o
meu uemtre, e te dey leite três annos, e te criey e trouxe ataa esta hidade.
3o rroguote filho, que esguardes ao çeeo e aa terra e a todallas cousas que
ssora era ella, e conheças que de nehuúa cousa as fez Deos, e a geera-
çom dos homeés, e assy será feito em ti esforço polia sua merçee, que
nom temas este carniçeyro. mas seemdo feito dino com teus jrmaãos,
rreçebe morte. A quall cousa o mamçebo com muy boom coraçom
35 sofreo. e depois a madre com gramde comstamçia e com aquelia bem
auemturada esperamça que em seu coraçom tijnha, rreçebeo coroa de
I. semelhante A. — 7. assi A. — g. Amtioco. — 17. assi A. — 18. dina I, digna A. —
20. assi A. — 22. uentre A. — 23. a I, om A — membros. — 24. mumdo A. — 32. assi A.
— 34. mancebo A.
— 164 —
martirio. E pois aquella molher cuja natureza he fraca, tam esforçada-
mente comsselhaua os filhos que sofressem morte por seruiço de Deos,
quamto mais seemdo ajmda da ueliia ley, aos quaaes segumdo diz o
apostollo. Todallas cousas em fegura acomteçeram. que amostramça
posso eu fazer a uos outros, que sooes fiees nembros de Jesu Christo,
A,7o,v,2 * comprados pollo seu samgue precioso. E porque disse em cima que a
memoria desto duraria pêra todo sempre amtre os homeés, quero que
saybaaes que sse os juizos estrollogos som uerdadeiros, segumdo apremdi
dalguús sabedores, que sabiam a ora em que sse primeiramente este
feito determinou, por emtrar Martes em sua exaltaçom em casa de Vénus
de ssahimento do Soll, e a Saturno emtomçe que he o signo de Libra,
significador das cousas rrenembradores, mostra que a memoria desto ha
de durar, e sse ha de poer em escprituras, cujo tresumto será leuado a
a mujtas partes em rrenembramça de uossos boõs feitos.
Como elRey partio de Lagos e sse foy a Faaram, e como dalli
seguia seu caminho ataa que chegou com toda sua frota amte as i5
Alja^iras. Capitullo Liiij.
K
GABADAS assy aquellas pallauras do meestre, todos teuerom muy boa
uoomtade pêra seguir seu emsino, sse elles crerom que aquella
determinaçom que lhes elRey fazia saber, era uerdadeira, o que
elles tijnham mujto pollo comtrayro do que o tijnham da primeira, ca 20
B,89,r, 2 deziam que lhe nom fora aquello assy dito, senom por * esconder a outra
mais certa determinaçam que elRey tinha ordenado. He mao de conhecer
deziam elles, estas praticas que elRey traz por encubrir sua vontade.
Sabe ja todo o mundo que vay pêra Cezilia, e agora nos quer fazer
entender que vay sobre a cidade de Cepta. tal he agora esta como a 25
B,89,v,i outra, que disseram * agora ha hum anno, que auia dir sobre o duque
dOlanda. dizeilhe que busque outra mais fremosa encuberta, que quanto
esta muito ha que a sabiamos. Assi esteue ali elRey ata quarta feira
que partio pêra Faram. e porque em seguindo sua viagem encalmou o
vento, foilhe necessário de estar aly ata outra quarta feira, que eram sete 3o
dias do mes dagosto, e entom partio viagem do estreito. E a sesta feira
hum pouco ante de noite ouueram uista de terra de mouros, e aly
5. membros A, — 10. Martes I, mares A. — 14. rrelembramça A. — 17. aliaziras A —
18. assi A. — 21. pello A. — 22, deziam B, diziam A — assi A. — 23. elRei B — orde-
nada Dl. — 24. deziam I, diziam B. — 27. diseram B. — 28. fermosa B. — 29. ata I, ate
B — 33. ouuiram B, ouueram I.
— i65 —
mandou elRey que fezessem andar todollos nauios de mar em roda, por-
que nom era sua vontade entrar polia boca do estreito senom de noite,
cremos que seria, por que os mouros de terra nom podessem tam asinha
saber a viagem, que elRey queria leuar. Tanto que foy a noite começa-
5 ram de caminhar polia boca do estreito, e em aquela noite aqueçeo aly
hum pequeno caso, de que se ouuera de seguir muy grande prigo. ca
foi assi. que por quanto aquella gallee de Joam Vaaz, em que hia o
Iffante Duarte, tinha cheiro por azo de sua bondade, sahiose o lífante delia,
e foise pêra a gallee do Iffante Dom Anrrique seu jrmaão. e aqueçeo
10 de se acender fogo em huúa alanterna, pollo * qual foy grande aluoroço 8,89, v,2
dentro na gallee. e o Iffante Duarte que jazia em cima da c aberta por azo
da calma que era grande, lembrouse de seu jrmaão, e abrio trigosamente
a porta, e o Iff"ante Dom Anrrique tomou a alanterna assi como estaua
ardendo e a pos em cima, e o Iff"ante Duarte a lançou na agoa. e o
i5 líTante Dom Anrrique tomou em sy menencoria pensando que lhe empo-
lassem as maãos, e lhe fezesse empacho ao tempo da necessidade, mas
alguús que hy estauam, lhe ensinarom pêra seu rremedio que posesse as
maãos no mel, e que seria seguro daquelle danno, como de feito foy.
ca posto que ao depois pelassem aquelles coiros das maãos, nam leixou
20 porem de trabalhar, como se nam teuesse algum empacho, bem he ver-
dade que este rremedio he proueitoso. Mas assi pollo presente, segundo
a força do fogo foi grande, se a forte compreysom do Iffante nam fora,
nam poderá assi trabalhar, que primeiro nam passaram alguús dias.
empero todos aquelles coyros forom pelados ao depois, em quanto o
25 fogo abrangeo.
Como a frota checou toda ante as Alja^iras, e como aly veo Pêro
Fernande\ Portocarreiro e os mouros de Gibaltar trazer seriiiços a
elRey. Capitullo Lv.
BEM he de consirar qual esperança os mouros de Gibaltar teriam, B,9o,r, i
quando vissem chegar tamanha soma de frota tam preto de seus
termos, porque ao sábado sobre a tarde foy ancorar antre as
Al)aziras, a qual cousa pos muy grande espanto antre todollos mouros
daquella parte. E pollo presente nam souberam outro rremedio senam
I. maar B. — 6. perigo B, perijguo D. — 8. vondade B. — 9. galee B. — 1 1. galee B. —
i5.-i6 empolassem I, empolase B. — 16. mãos B. — 18. foj B. — 19. pelasse B — não B.
— 20-21. uerdade] e uerdade B. — 23. asi B — pasaram B. — 24. despois B.
— i66 —
ajuntar as milhores cousas que se poderam auer, e leuaramnas em pre
sente a eIRey. Senhor disserom aquelles que lhe o presente leuauam,
os vezinhos e moradores desta villa de Gibaltar vos enuiam este seruiço,
nam cousa jgoal a excelência de tamanho príncipe, mas como se pode
auer per semelhantes pessoas, çerteficandouos que vos nam he oferecido 5
com menos vontade, do que seria a elRey de Graada nosso senhor, se
B,i)o,r,2 presente fosse. Porque * sentimos e creemos que todo seruiço que vo5
fezermos, elle o auera por tam bem empregado como em sy mesmo. E
vos enuiam pedir por merçe, que nam ajaaes por mal de elles mandarem
fechar suas portas e poer rrecado em sua villa. ca o fezeram por duas lo
cousas, a primeira porque lhes foy certificado que nam quiserees dar
segurança de vossa frota a elRey de Graada, quando vola enuiou rreque-
rer. a segunda porque alguús daquelles mouros mancebos nam tenham
liure poder pêra sair fora da villa. ca poderia seer que se trauaria antre
huús e os outros tal escaramuça, per que vossa merçe aueria alguíia i5
sanha, e por ventura podia ser aazo de vos mouerdes de todo contra
elles. o que poderá seer que agora nam tendes em vontade. Porem por
lhe fazerdes merçe e os tirardes deste cuidado, vos pedem que lhe man-
dees declarar vossa vontade açerqua do que a elles pertence, polia qual
cousa seram muito mais obrigados a vosso seruiço do que ata aqui forom. 20
E se eu rrespondeo elRey, nam quis a elRey de Graada fazer semelhante
rrogo, que mo tam aficadamente mandou rrequerer, que rrezam teeria
B,9o,v, I * agora de o fazer, pois a determinaçam deste feito ajnda nam esta fora
daquellas pessoas, que sam ordenadas pêra meu conselho, quanto pêra dar
semelhante segurança, quanto he ao presente lhe dizei que lho tenho muito 25
em seruiço, e que me praz de lho rreçeber, por entender de lhe fazer
merçe em alguúa outra cousa fora daquesta, que me de presente rreque-
rees. Os mouros ficaram muy tristes ouuindo semelhante rreposta, por-
que quanto elles podiam entender, todo o mouimento daquelle feito se
ordenara por causa de sua estroiçam. pêra a qual cousa nam auia mester 3o
mais certa proua, que a uista da frota que viam rrepousada e ancorada
ante a face da sua terra, a qual cousa lhes fazia acarretar desuairados
pensamentos, porque as adeuinhas das vontades sobre os males duuidosos
sempre aduzem tristes cuidados. Em Tarifa tinha elRey de Castella por
fronteiro e alcaide huú nobre caualeiro, que fora natural destes rrcgnos. 35
jrmaão da condessa Dona Guiomar, tio do conde Dom Pedro de Meneses,
I. poderom B. — 12. uosa B. — i2-i3. requerer B. — 14. uila. — 19. uosaB. — 10. ate
qui B. — 22. rogo B — requerer B. — 26. receber B. — 27-28. requerees B. — 28. reposta
B. — 'ii. repousada B. — 33. douidosos B. — 35. regnos B. — 36. Menesses B.
— lõy —
o qual se chamaua Martim Fernandez Portocarreiro. E assi aqueçeo
que o dia passado, quando a frota chegou a cabeça do estreito como
ja ouuistes, os de Tarifa ouuerom * vista delia, e porque viam tamanha B,9o,v,2
multidamde frota, como nunqua virom nem esperauamem aquelle estreito,
5 estauam em sy muito marauilhados, mas a cabo de pouco amainaram
todallas vellas, e como eram longe e sobre a tarde, os de Tarifa que
estauam olhando disserom certamente, que aquello eram fantasmas. Mas
hum português que hi estaua, disse, mais asinha creo eu que he aquelle o
poder delRey de Portugal meu senhor, que outra nenhuúa vaã seme-
io Ihança. Pois disserom os outros, que todallas aruores de Portugal fossem
desfeitas em madeira, e todollos homeés se tornassem caipinteiros, nam
poderiam em toda sua vyda fazer tamanha multidam de nauios. Vos
verees disse elle, muito cedo aquillo que agora chamaaes fantasmas, car- '
regadas de boas gentes darmas com as bandeiras de Portugal passar
i5 perante os vossos olhos. A. qual cousa nenhum dos outros podia creer.
porque alem da multidam da frota, quando os nauios assy andam, e muito
mais se os homem vee de longe, parecem dez tanta soma. O português
teue cuidado de dar vista a rribeira pêra veer a çertidom * do que elle B, (ji.r. i
sospeitaua. e quando no outro dia era manham, a frota começaua ja
20 de passar per dauante os muros da villa, e pêra ajnda seer a sua vista
mais fremosa, açertarase em aquella manham huúa grande neuoa que a
encobrio toda, senam quando elles ouuirom o soom das trombetas e dos
outros estromentos que se tangiam em todollos nauios, cujo som parecia
a elles cousa çelestriai. em esto rrompeo a força do sol, e pareçeo a
25 frota que passaua sua viagem. Mas qual seria aquelle que podesse fazer
outra cousa na villa, que leixasse de veer tamanha fremosura. Certa-
mente disse Martim Fernandez, bem pareça esta obra ordenada per
eIRey Dom Joham. pareçeme quando consiro nos feitos deste homem,
que he huú sonho, que me parece quando jaço dormindo. Consiray
3o bem, disse elle contra os outros que aly estauam, que nunqua vistes
nem ouuistes que nenhum rrey dEspanha nem doutra nenhuúa parte per
sy soo ajuntasse tamanha multidom de frota. E tanto que a frota anco-
rara ante as Aljaziras, mandou logo Martim Fernandez fazer prestes
hum grande presente de vacas e de carneiros, e mandou com ellas Pêro
Fernandez seu filho fazer seruiço a elRey.
2. pasado B. — 6, eram I, era B. —7. purtugues R. — 8. purtugal B. — i3. booas B.
— 19. jaa B. — 28. Joham I, Joam B. — 29. hee B. — 33. ante l, antre R — fazer prestos
Martim Fernandez B D, Martim Fernandez fazer prestes I.
— i68 —
B,9i,r,2 Como elRey teue conselho se leuaria logo sua frota sobre a cidade,
e como aly Pêro Fernandes mandou enforcar hum almogauere de
Graada. Capitullo Lvj.
C
jOMO ali chegou Pêro Fernandez com aquelle presente, logo ouue
hum batel em que foy falar a elRey a bordo da gallee, e depois 5
que elle beijou a maão, disse. Senhor, meu padre Martim Fer-
nandez uos enuia pedir por merçe, que se entenderdes que vos elle em
alguija cousa pode seruir, que façaaes delle conta como de cada hum
dos outros de vossa casa. E uos enuia dizer que porque elle tem em
si encarrego daquella villa por elRey de Casteila seu senhor, que vos 10
nam pode vir per si fazer aquella rreuerença que he theudo segundo
vosso grande estado, nem esso mesmo se pode fazer prestes pêra se hir
comuosco pollo encarrego que teem. mas queruos fazer seruiço de mym
que sam seu filho em hidade e despossiçam pêra vos poder seruir em
B,9i,v, 1 qualquer cousa que me vossa merçe * mandar. E porque entende que ha i5
ja dias que sooes no mar, e que auereis mester algum rrefresco pêra
vossos caualeiros e fidalgos, vos enuia aly aquelle gaado, o qual vos pede
por merçe que rreçebaaes delle em seruiço como de cousa vossa. ElRey
foy muito ledo com aquelle oferecimento de Pêro Fernandez, e disse. A
boa vontade de vosso padre rreçebo eu por grande seruiço, e por ello lhe 20
farey merçe e assi a vos, quando quer que me for rrequerido. e quanto
he as vacas e carneiros, dizeelhe que eu tenho prouisam por agora, que
me abaste pêra mim e pêra minha frota, e que aquello sento que será
milhor pêra elle pêra gorniçam de sua fortaleza. Pêro Fernandez tanto
que foy fora do batel, caualgou em hum genete que trazia, e começou de 25
lancear todo o gaado ao longo daquella praya. e os da frota quando
aquillo viram, mataram todallas vacas e carneiros, e proueitaramse delias
cada hum como milhor podia, o que elRey e todollos boõs que aly
eram, teuerom a grande bem aaquelle fidalgo. Mas outro seruiço fez elle
que lhe elRey muito mais agradeçeo. ca ouuindo o dito Pêro Fernan- 3o
dez dizer como hum grande almogauere do rregno de Graada andaua aly
B,Qi,v,2 salteando os moços que* sayam a fruita, como entam leuaua hum, traba-
lliouse de o filhar, e trouxeo ali preso em huús pardieiros velhos que ali
2. almogauere D í, almogauer B. — 5. galle B. — 6. elle B, lhe Dl. — 9. emuia B.
— TI. fazer per sy D — reuerença B, — i5. vosa B. — 16. refresco B. — 17. guado B —
peede B. — 18. récebaes B. — 19. leedo. — 20. booa B — padre I, pay B — recebo B. —
21. requerido B. — 22. vaquas B — dizelhe B — 27. matarão B. — 29. beem B — ele.
— 3i. regno B.
— 169 —
estauam, antre os quaaes era huúa torre que tinha ameas, e ali o mandou
enforcar. Mas o mouro nam rreçebeo pequena honrra em sua justiça, que
foy acompanhado de muita e muy boõa gente, que com boÕa vontade o
hiam veer. os quaaes tanto que o viram enforcado, o atassalharom todo
5 as espadas, e esto fez Pêro Fernandez com muy boõa vontade sem em-
bargo do rreino de Castella teer entam paazes com o de Graada. Mas
estes seruiços nom lhe forom a elle mal agradecidos, e logo aly elRey
lhe mandou dizer que lhe rrogaua, que tanto que fosse em seu rregno o
veese veer, como de feito depois veeo. onde lhe foy dado soomente por
10 elRey mil dobras douro em huúa copa. dizendo que lhas mandaua pêra
hum cauallo, fora outras muitas joyas que forom estimadas em outro
tanto valor, e com todo esto lhe fezerom os Iffantes cada hum per sy
mu)' grandes mercês, de que elle foy muy contente. E estando assy
elRey em aquelle lugar, teue seu conselho de jr sobre a cidade a segunda
i5 feira seguinte, e em fazendo naquelle dia sua viagem, sobreueo huiia
*muy grande çerraçam, que fez grande empacho a toda a frota pêra gouer- B, 92,r, 1
nar dereitamente onde queria, e porque as correntes sam ali muy grandes,
lançarom toda a frota das naaos caminho de Malega, a fora huúa em que
hia Esteuam Soarez de Mello, e as gallees e fustas e outros nauios
20 pequenos forom em aquelle mesmo dia ante a cidade, onde a toruaçam
era antre os mouros por semelhante chegada, empero nam grande, por
quanto elles nam uiram ajnda toda a frota junta tam preto de sy como
viram as gallees. nem podiam cuidar que elRey hya sobre aquella cidade,
porem fecharom suas portas, e poseromse per cima mais por veer ca por
25 se defender.
Como elRey íj^andoii passar as gallees da outra parte de Barba-
çote, e do conselho que elle teue. Capilullo Lvij.
DEPOIS que os mouros virom de todo as gallees ancoradas sobre o
seu porto, forom ja algum tanto perdendo de sua primeira
segurança, especialmente Çalabençala e assi alguús daquelles
velhos da cidade, por cuja rrezam escreuerom logo a todos aquelles
lugares* daly açerqua, que se veessem com suas armas e corrcgimentos, 6,92, r,2
ata que vissem que podia seer aquella vinda, outros disserom que
2. recebeo B. — 5 boa B. — 6 reino B — pazes R — Grada B. — 8. rogaua B — regno B.
— 18. nãos B. — ig. galles B. — 21. era] om D. — 23. galles B. — 24. per] por D.— 25. defen-
sar B D. — 26. galles B. — 29. jaa B. — 3o. Çallabençalla B — assv B.— 3i.perD. —
32. dalij B.— 33 ataa B.
— lyo —
logo como a frota parecera pollo estreito, aquelle rrecado fora enuiado.
Mas de qu^qiier guisa que fosse, o espaço podia seer pequeno, porque
ao sábado ouuerom elles primeiramente vista da frota, e a segunda
feira chegou sobre a cidade, e daquelles mouros que estauam sobre os
muros, começaram alguíãs datirar com troõs e beestas contra os da frota. 5
no que bem mostrauam que tinham perdida toda a esperança de paz. E
como quer que assi trabalhassem de fazer seus tiros, nom podiam muito
empecer a nenhum dos christaãos. porque os nauios estauam bem afas-
tados do muro a fora a gallee do almirante, a qual logo no começo foy
ancorar mais perto da praya que as outras, onde estaua muy sogeita ao '»
prigo daquellas setas, mas elle por nenhuúa guisa se quis dali mais afas-
tar, como quer que lhe fosse dito per alguúas pessoas, aos quaes elle
rrespondia. Que pois que o a ventura aly primeiramente acertara, que aly
queria esperar qualquer prigo que lhe veesse. que pois que elles aly vee-
ii,in,'/, 1 rom pêra jr pêra diante, nom era rrezam que elle tornasse atras. * Certo '5
que elle foy sempre em sua vida muy esforçado homem darmas, e por
tanto nom queria que por elle passasse cousa grande nem pequena, que
nom pertencesse ao nome que tinha. Alguús daquelles mouros mance-
bos sahiram a praya a escaramuçar com os christaãos. e os christaãos
jsso mesmo sairom nos batees, e andauam ao longo daquelia praya tirando 20
huús aos outros, e assi trauaram sua escaramuça hum grande pedaço.
e alguús daquelles mouros filharem hum penedo, que estaua no mar,
pêra teerem dal}^ milhor aazo pêra empecer aos christaãos. mais Esteuam
Soarez conheçendolhe aquella auantajem foy rrijamente a elles, e tomou-
Ihes o dito penedo, e assi andarom hum grande pedaço, ata que dos 25
mouros morrerem alguús, e os outros ouuerom por seu barato de se
rrecolherem pêra a cidade. Aa quarta feira que era véspera de sancta
Maria dagosto, teue elRey seu conselho de se passar da outra parte da
cidade, onde se chama Barbaçote, com tençam desperar ai}' as naaos que
a corrente lançara em Malega como ja dissemos, e depois que ala foy, 3o
porque vio que as naaos punham grande tardança em sua vinda, man-
dou o Iffante Dom Anrrique que fosse na sua gallee pollo Iffante Dom
B,92,v,2 Pedro seu jrmão, e que dissesse a toda a outra frota que * trabalhasse
muito de se ajuntar com elle. E o Iffante Dom Anrrique partio aa
quarta feira açerqua da noite, e começou de seguir sua viagem, e polia 35
vista do forol, que a naao do Iffante Dom Pedro trazia, logo em aquella
1. emuiado B. — 6. beê B. — 7. muito] om D. — 10. sogeito B D. — 11. elle] el B. —
i3. acertara B, lançara I. — 14. perigo B. — i5. elle] el B. — 17. pasasse B. — 23. dalij B
— enpeçer B. — 25. ataa B. — 27. vespora D. — 29, ali B. — 3o. jaa B. — 32. galle B. —
3G. nao B.
— lyi —
noute mesma a gallee de seu jrmão chegou a ella. Senhor disse o Iffante
Dom Anrrique, elRey nosso senhor e padre manda que vos vades logo
em esta minha gallee, porque quer teer conselho açerqua do filhar da
terra, se será em aquella parte de Barbaçote onde ja esta, se tornara
5 destoutra parte onde primeiramente esteuemos, e que mandees jsso
mesmo rrecado per todallas outras naaos daar auisamento que se traba-
lhem o mais que poderem de fazerem sua viagem dereitamente aaquelle
lugar onde as gallees estam. Nom sey porque maneira senhor, liie rres-
pondeo o Iffante Dom Pedro, que aja de partir assi e leixar esta gente.
10 na qual sento bem que será muj' grande desconsolaçam, alem da que
trazem ja polia pestenença que anda antre elles, como pollo anojamento
que os saãos trazem dos mortos e doentes, e outrosy o enfadamento
do maar que poucos homeés soportam de boõa uontade. empero dou-
tra parte consiro que vaão ao mandado delRey, quanto mais seer cha-
i5 mado per tal pessoa como vos. E entam mandou daar auisamento a toda
a outra frota* que se trigassem o mais que podessem segundo elRey B, Q3,r, i
tinha mandado. E os Iffantes ambos foromse em sua gallee. E a sesta
feira polia manham cedo hindo assi sua viagem, aconteçeo que hum pei.Ke
hia voando pollo ar e cayo dentro na gallee, com que os Iffantes aquelle
20 dia ouuerom algum rrefresco. e porque esta estoria escreui, nunca vy
semelhante, o rrecon'o assi por me parecer cousa marauilhosa, e algum
tanto afastado da natureza segundo meu juizo.
Como o autor falia nas grandes diuisoáes que atiía antre os mouros
<^a cidade, e das cousas que aconteçerom no outro anno passado.
a5 Capitullo Lviij.
POR certo diz o autor, a mim conueria falar per muitas mr.nciras, se
eu quisesse contar toda a mayor murmuraçam que auia antre os
mouros, depois que as gallees primeiramente lançarom ancoras
dauante a cidade. E diremos primeiramente o que aconteçeo naquelle
3o março passado, em que elles teuerom o seu Ramadam, o qual se começara
a xxvij dias de feuereiro, * quando a liãa fazia hum bisexto segundo o B,i)3,r,2
conto dos seus annos, porque elles trazem a sua era segundo o costume
I. galee B. — 4. jaa B. — 6. recado B. — S. galees B. — 8-9. respondeo B. — 10. na I,
no BD — becm B. — 11. consolação D. — 12. trazem I, traziam B D. — 18. pella B —
hú B. — icj. pello B. — 20. algú B. — 27. cornar] otn D. — 28. gallcs B. — 29. disse-
mos B D. — io. Ramadão B, que he o jejum add I — 3 1 . luQa B.
— 172 —
da lua. e porque o circulo da lua he mais pequeno que o do sol, tor-
nam elles sempre atras onze dias com o começo daquelle jejum, a que
elles chamam Ramadam. e em pouco menos de três annos tem acabada
a volta de sua rroda, em que ha xix bisextos. e assi dam os dias do anno
solar iij'^lxv, e do anno da lúa iij^^lxiij e huúa ora e xvij menutos e corenta 5
e noue pontos mais. E porque os mouros em aquelle tempo fazem suas
austlnençias, assi como nos outros fazemos em nossas coresmas, pensam
elles que quaaesquer sinaaes que naquelle tempo apareçam, ou sonhos
assinados per que elles muito crem. ca dizem que per húua de quatro
cousas vem a qualquer homem os sonhos quando dormem, a primeira 10
per sobegidam da vianda, de que o estamago este empachado, a segunda
per mingoa de mantimento, a terceira per força de pensamentos que o
homem traga de dia em alguúa cousa, e a quarta per rreuelaçam diui-
nal. ,Ora foy assi, que naquelle Ramadam que ja dissemos, forom três
partes da lúa criz. e pareçeo logo seguinte na nouidade da outra lúa '5
B,()3,v, 1 huúa estrella açerqua delia de mayor grandeza e rresplandeçimento, * que
outra nehuúa que ouuesse no çeo daquellas mil vinte e duas, em cujo
conto alguús astrólogos poserom o numero das estrellas de que se possa
filhar alteza. A qual estrella durou assi antre elles toda a circulaçam da
lúa. cuja vista a elles trouxe grande cuidado, e muito mais porque hum ^o
daquelles seus mouros sanctos durando o tempo do jejum sonhou que
via aquella cidade cuberta dabelhas, e que polia boca do estreito vinha
hum liam com huúa coroa douro na cabeça, e que trazia muito grandes
bandos de pardaaes depôs si, que comiam todas aquellas abelhas. Por
cuja rrezam Çalabençala fez ajuntar quantos sabedores se poderom achar 25
per toda aquella terra, antre os quaaes veo aly hum grande estroliquo,
que era almocadem mayor na cidade de Tunez, grande sabedor cm mui-
tas cousas de sua seita especialmente em estrolomia, ao qual chamauam
Azmede ben Filhe, e tanto que assi forom juntos, teuerom seu conselho
na mizquita mayor. onde forom rrecontadas todas estas cousas passadas, 3o
sobre as quaaes ouue mui grandes debates. Mas aquelle almocadem
nunqua falou palaura, antes meteo as maãos de so huúa aljuba que trazia,
e a contenençia muito triste, e os olhos baxos contra a terra, sospirando
8,93, v,2 muito a meude, * se leixou estar acerca de duas oras sem nunqua dar
nehuúa rreposta a cousa que lhe preguntassem. em fim costrangido per 35
1-2. tornarão D — 5. iij^lxiij B, trezentos sessenta e oito I. — 11. esta D. — i3. algúa B.
— 14. jaa B — 18. estrologos D. — 19. a circulaçam D, circulaçam B. — 24. bandas BD
— pardaesB — despos B. — 25. razam B — Çalabençalla B. — 26. veo B, vyo D. — 28. cou-
sas] om D. — 29. bem B. — 3o. recontadas B — todas] o?n D — pasadas B. — 3 1 . debates
B D. — 32. mãos B.
-173-
Çalabençala aleiíantou sua cabeça, e pos a mão em sua barba que tinha sem
nenhum cabello preto. Dou o demo disse elle, taes mouimentos e taes
sinaaes. ca o curso do mundo anda fora de toda sua ley, e os pranetas
perderam sua certa carreira, ou a destroiçam de toda a terra dAfriqua he
5 aparelhada, ca semelhantes três sinaaes nunqua me lembra que os lesse,
que assi parecessem sobre hum efteito. Verdade he que o cris da lua
traz muitas vezes pestelença, outras vezes fome ou discórdia, mas
estrella nunqua foy homem que a visse ante a face da terra senam agora.
Bem he que eu acho que elia parece certos tempos do anuo em terra da
"O índia maior, mas nam que acompanhe a lua nem siga seu curso, como fez
agora esta. Chamamlhe alguús dos nossos autores Oriam, porque traz
figura despada, e dizem alguús que a sua jnfluençia traz fogo e sangue,
ca ella he huúa daquellas estrelias que cayo do cabo do Carneiro, segundo
he declarado nos textos de Tolomeu. E porque a calidade daquellc
i5 sino que se chama Aries, he quente e seco. dizem que traz esta estrella
consigo fogo. e porque outrosy os primeiros autores a poserom em figura
despada, he forte * sinal, ca se o planeta do Saturno, que he estrella que 8,94, r,i
empece aa praçeira desuiada de seu curso, nam me anojara tanto como
esta. e sobre todo o cris que ante pareçeo, me faz ajnda a esperança
20 muito pior. ca acho poUos almenaques, que quando os mouros outra vez
perderam Espanha, que outro semelhante cris foi visto primeiramente, e
ajnda nam tam forte como este. porque acho que aaquelle tempo mais
estaua na casa do Escorpião, o qual com o seu cabo ardente apremaua
Júpiter em sua alteza. E Vénus que he nossa planeta vejoa triste e fora
25 de toda alegria. Mercúrio outrosy que lhe deuia dacorrer, que sua tri-
gança que traz pollo çeo, acho muy afastado de sua companhia. Ora
que leixassemos estas cousas, soomente aquelle sonho he abastante pêra
nos poer muy grande espanto, porque creo que tendes em vossos escpri-
tos, como no tempo do grande Mirabolim, que a primeira vez que passou
3o desta terra em Espanha, andaua hum mouro cauando em huúa sua orta
açerqua desta cidade, e tirando a pedra de huús aliçeçes velhos achou hum
mármore, em o qual era esculpida huúa jmagem de hum nosso propheta
que chamauam Brafome de Marrocos natural, sob cujos pes estauam
escritas huúas letras em quatro rregras que deziam assi. Da casa dEspa-
35 nha sairá hum liam com três cachorros seus filhos, acompanhado de
I. sua D, húa B. — 2. o B, ao I — taes (i")] taees B. — 5. sinaes B. — 7. pestenença D.
— 9. do annoj om D. — 12. algús B. — r3. húa B. — i5. que I, om B. — 16. a I, om BD. —
17. do B, om I. — 18. enpeçe B — desuiada B, designada I. — 21. perderão B. — 25. que
(2 °) B, por I. — 26. achoo D. — 28-29. escritos I, espritos B. — 29. pasou B. — 32. liúa.
— 34. cassa B.
— 174 —
*^)94> ■", 2 gnindc frota, carregada de muitas gentes, * e apremara a tua nobre cidade.
O cidade, e do seu xemel vira o destruidor das partes d Africa. Mou-
ros fogij, e nam queiraaes esperar o brandimento de sua espada. E assi
concerta esta profecia com o sonho deste mouro, porque diz que via liam
coroado polia boca do estreito, outrosy as abelhas sinificamos nos outros. 5
e os pardaaes sam os christaãos. ca semelhante vio hum mouro em Cor-
doua em sonhos, quando os mouros a perderam. Porem o meu conselho
he que nos socorramos aa prouidençia diuinai, fazendo nossas orações
mu}' deuotamente que nos liure de tamanho prigo. E pêra jsto seer bem
feito, compre de escreuerdes a alguús lugares, onde sintaaes que estam lo
alguijs rrelligiosos que lhe praza rreçeberem este feito em sua enco-
menda, o que eu creo que elles faram de necessidade, porque estes
sinaaes assi pertencem a elles como a nos. senom tanto que aquelle
sonho dos pardaaes que filhauam as abelhas, sinifiqua que o dano seria
primeiro em esta cidade. E será bem que se tenha todo bom auisamento i5
cm quaaesquer estrangeiros que aqui sejam, de guisa qne nam tenham
azo desguardarem os muros da cidade, nem os leixem andar soltamente
per onde elles quiserem, porque nam sabe homem a tençam que trazem.
B,94,v, I Como a frota * por aio da tormenta tornou outra vei aas Aljaiiras,
e como ao dobrar o cabo dAlmina as gallecs forom em grande prigo. 20
Capitullo Lix.
FICARAM OS mouros muy desconsolados ouuindo assi aquellas nouas
de sua destroiçam. empero foi em jsto como he em todallas
cousas, que quamdo am de seer nam podem leixar de seer. e a
fortuna cega os entendimentos dos homeés, que se nam sabem desuiar 25
daquellas cousas que lhe sam ordenadas. Que cousa foy dAnibal, que
com tanta fortaleza correo toda Itália fazendo tantos e tam marauilhosos
fcitcs darmas, e aa derradeira costrangido da fortuna rrequeria piadosa-
mente paz a seu jmigo capital Cepiam. E Pompeo naquella derradeira
batalha que ouue com Júlio seu sogro nos campos dEmaçea, pêro teuesse 3o
tamanho poderio, elle mesmo confessa que a fortuna forçosamente o
tirara do seu entender pollo trazer aa batalha, afim de se mostrar. E
Gayo César quando foy a ora de sua fim, como quer que tamanho
2. O cidade B D I, om C — uira I, viram B, vvrão D. — 7. a I, om B D. — q. perigo B. —
1 1. Pellegiosos B. — i5. boõ B. — 19. tromenta D, tormenta B. — 27. Italiia B. — 3o. Jelio
B — deemacea B.
-175-
sabedor fosse, e lhe tantos sinaaes fossem * rreuelados em declaraçam de B,g4,v,2
sua morte, nunqua porem se pode desuiar de seu cruel aquecimento. E
assi o deziam alguús daquelles mouros sabedores, a quem preguntauam,
que pois elles sabiam que elRey hia sobre a cidade, e passaram tantos dias
5 sem lhe fazer nenhum nojo, porque nam punham em si e em seus muros
milhor guarda, quanto mais sendo assi auisados per aquelles sinaaes que
ja viram. Verdade he deziam elles, que nos tínhamos esse auisamento. e
bem poderamos em treze dias, que elRey andou darredor de nos sem nos
fazer nenhum empeçimento, a afortalezar muito mais nossa cidade, e fazer
,0 pêra nossa guarda mil rremedios se teueramos jndustri;'. . mas as rrodas
çelestriaaes nos tinham assi atados, que éramos feitos qua.-i immouibles. e
por tanto nam era em nosso liure poder rreçeber nenhum conselho nem
auisamento sobre a cousa determinada. Depois que os lííantes forom assi
com seu padre como dito he, toda a outra frota se a)untou em aquclle dia
]5 segundo lhes ficara mandado. ElRey teue seu conselho, no qual se determi-
nou de filhar a terra em dereito de huúas saleguas que ahv estam. nas quaacs
se aconteçeo que alguús dos christaãos sairam fora, assi como homeês de
pouco siso, e sairam os mouros a elles. e começaram de se emburilhar
por tal guisa, que morreo hum christaão. * pollo qual se a frota pos em 6,95, r,i
20 tamanho aluoroço, que quiserom a mayor parte delles sair fora, se nam
fora com temor delRey, que o mandou defender muy rrijamente. Porque
certamente fora huiã muy grande prigo, por azo da grande multidam dos
mouros que estauam muy açerqua, e doutros muitos que se poderam rre-
creçer. os quaaes todos emburilhados fora azo de grande perdiçam, e
25 muito mais dos christãos que dos mouros, assi polia auantagem do lugar
como polia pouca ordenança que antre si leuauam. E estando assi elRey
em este conselho pêra filhar aly terra, sobreueo huúa grande tormenta,
pollo qual foi necessário que se elRey dahy partisse pêra outra parte,
poique o lugar era tal que a frota nam podia alj' rrepairar, mas esto foi
3q enuiado polia graça de Deos segundo adiante será contado, e assi forom
as gallees em muj' grande prigo ao dobrar da ponta da Alniina. e as naaos
nam poderam tam asinha fazer sua volta. E andando assi rrepairando ao
mar abrandou a tormenta, e quando quiserom seguir a viagem das gallees,
I . declaração B. — 4. passaram I, pasaua B. — 6. sinaes B. — 7. jaa B — diziam B. —
8. derrador B. — 10. garda B. — 11. jmmovybyles D. — i3. detreminada B. — i5. ficara
B, fora ja D— se D, om B. — iC. saleguas B, sallgas D, salgas I. — 18. emburilhar D,
embrulhar B. — 22. mui B. — 23. mouros] muros B. — 27. alij B — sobreueo I, sobre B
— tromenta D, tormenta B. — 28. pollo D, polia B — dahij B. — 2<i. ali repairar B D,
alli pairar I — foi I, oní B. — 3i gales B — mui B — perigo B — nãos B. — 32. pode-
rão B — repairando B, pairando I — ao I, o B D.
— 176 —
que eram tornadas as Aljaziras onde primeiro esteuerom, lançouas a cor-
B,95,r,2 rente a via de Malega segundo ante fezerom. Do qual aballamento* que
assi aquella frota fez, os mouros ouuerom muy grande prazer, como
quer que se em ello muito enganauam. porque aqueile foi hum muv grande
azo, per que a cidade foi tam asinha tomada, segundo adiante será contado. 5
Da maneira que os mouros tcuerom depois que a frota partio, e
como se em ello pode consirar que Deos soomente foi aqueile que
trouxe a fim da vitoria. Capitullo Lx.
G
RANHE folgança teuerom os mouros por aquella partida delRcy,
nam conhecendo o calado segredo que a prouidençia diuinal em 10
ello ordenaua. E porque verdadeiramente em ello possamos
conhecer, quanto nosso Senhor Deos em ello quis obrar per sua graça,
deuemos de esguardar três marauylhosas cousas, que se em ello seguiram
aalem da ordenança da rrezam. polias quaaes podemos rreçeber auisamento
pêra o diante, que posto que alguúas nom venham aa nossa vontade, que i5
B,q5,v, I 35 ajamos por * boõas, consirando que nos acontecem a fim de outro mayor
bem. o qual nos por aqueile presente nam conhecemos. Onde he de saber,
que a determinaçam delRey era de filhar terra daquella parte de Barba-
çote segundo ja ouuistes, pensando que a nam poderia tam desempachada-
mente filhar da outra parte. A qual cousa se assi fora, poderá seer, que 20
posto que se a cidade depois filhara, que fora com muy grande trabalho e
nam sem grande espargimento de sangue, ca o lugar era muito fragoso,
e a multidão dos mouros muy grande, ca alem dos vezinhos da cidade
eram hi outros de fora que estauam em numero de cem mil. e aquella
tormenta foi azo de se elRey partir e escusar aqueile prigo. E mais que 25
tanto que os mouros viram assi partir aquella frota, pensaram que se
partira ja de todo. e porque os outros mouros de fora lhes faziam nojo
e damno. ca elles per natureza sam grandes estragadores de cousas
alheas. porem mandou Çalabençala per rrequerimento dos outros da
cidade, que se fossem muito em boõa ora pêra suas casas, porque 3o
sua presença a elles ja nam era necessária, agradeçendolhe porem
muito seu trabalho e boõa voontade que tiueram pêra os vijr ajudar. Ora
vede se poderemos dereitamente atrebuir este acontecimento senam a
3. mui B. — 8. vitorea B. — i3. esgardar B. — i5. alguiís B. — lõ. acontecem I, acon-
tece B. — 10. jaa B. — 21. muiB. — 23. mui B. — 27. jaa B. — 28. caa B. — 29. Çalla bem-
çalla B. — 3o. fosem B. — 3i. jaa B. — 32. bõa B. — 33. poderamos B, poderemos D.
— 177 —
Deos. o qual he aquelle * segundo diz o apostollo, que obra em nos o 6,95, v,2
seu comprimento, segundo diz Arato poeta, viuemos aa perfeiçam de
todallas cousas. Outra cousa diremos ainda aqui, porque pertence a
Deos. e esto he, que elRey Dom Joham era assi compressionado, que
b tanto na terra era forte, enfraquecia no maar. ca soomente em passar de
Lixboa pêra Couna enjoaua per tal guisa, que nam sabia de si parte,
e porque elle conhecia em si este falecimento, se encomendou aa uirgem
Maria da Escada que o liurasse daquelie trabalho, e foy cousa maraui-
Ihosa, que em todo hum mes que andou no mar, nunqua fez nenhuúa
10 mostra denjoamento. ElRey quisera teer logo aly seu conselho, porque
toda a outra frota leuara a corrente, como ja dissemos, mandou outra
vez elRey ao Itlante Dom Anrrique que fosse com as gallees polias naaos,
como ante fezera. E em jndo assi sua viagem, de noite ouuiram as vozes
da companha que vinha em huúa naao, em que era Joham Gonçaluez Omcm
i5 com outros muitos do Iffante Dom Pedro, e segundo parece que encon-
trara outra naao com ella, de cujo encontro abrio per tal guisa, que pare-
cia que a escalaram com hum cuitelo. e porem eram em muy grande
prigo os que vinham em ella, do que lhes nam foy pequeno conforto,
quando sentiram as gallees junto consigo, pedindo ao Iftante Dom * Anrri- B,96,r, 1
20 que que lhes fezesse acorrer, e o Iftante fezea logo aliuar da mor parte
da carrega, e apertar com cabres grossos e fortes, mas toda via foilhe
dito que aquella naao per nenhuúa via podia fazer vella, que logo de todo
nam fosse alagada, e assi a leuaram aa toa, de guisa que delia nam se
perdeo nenhuúa cousa, e a naao foy ao depois corregida segundo lhe era
25 necessário pêra nauegar como da primeira. E o Iftante seguio sua via-
gem, e trou.xe as naaos como lhe fora mandado.
I. aquele B — o I, e o BC. — 2. orato BC. — 4. Joam B — compreissionado I. —
10. ali) B. — 12. Ifante B — galees B — nãos B. — 14. nao B — Joam B. — i5. Ifante B.
— 16. nao B. — 17. mui B. — 18. perigo B. — 19. galles B. — 20. fezera B, feia I — ali-
uar B C D, alijar I. — 22. nao B. — zb. Ifante B.
a3
— 178 —
Da visam que Fervam dAhiarei Cabral vio açerqua do aconteci-
mento do Iffante, e das rre^óes que acerca delo de^ia.
Capitullo LxJ.
H
UM outro aquecimento se seguio ajnda marauilhoso em aquella frota.
E foi assi, que ao tempo que elRcy ouue de partir de Lixboa. 5
alem da gente que o Iffante Dom Anrrique trouxera do Porto, llie
sobreueo ajnda outra muito mais. per cuja rrezam lhe foy ordenada per
seu padre iiuúa naao grande, em que a dita gente podesse leuar. da qual
8,96, r, 2 o Iffante fez capitam Luis Aluarez Cabral seu vedor, e mandou *a seu
filho Fernam dAluarez Cabral que fosse com elle em lugar de seu padre, 10
pêra o fazer seruir em sua gallee. e estando assi naquella abra de Gibaltar,
aqueçeo que o dito Fernam dAluarez se lançou a dormir sobre huúa
mesa que estaua debaxo do telhado, e jazendo assi huiJa peça acordou.
e assi acordado começou de dizer com hum esprito apressurado e
trigoso. que acorressem ao Iffante seu senhor, que andaua emburi- i5
Ihado antre os mouros, e tantas vezes e com tal aficamento dezia
jsto, que alguús dos que andauam polia gallee se chegauam per alij. E
porque o viram assi acordado, forom muito marauilhados, empero fala-
ramlhe alguús dizendo que cousa era aquella, que assi parecia que o Iff"ante
estaua fora de semelhante cuidado. Vedes disse elle, que cousa pêra 20
crer. vejoo eu andar antre aquelles perros sem nenhum acorrimenio de
nenhum de vos outros, mas empero Deos he com elle, ca ja tem derri-
bados dous. ajudaio por Deos que o nam leuem aquelles mouros antre
sy. ca sam tantos, que sam espantado como se pode delles defender.
E entam começou a dizer. Oo virgem Maria acorreilhe. ca se tua 25
ajuda lhe falece, de nenhum dos seus pode seer ajudado, queixandosse
fortemente contra os seus, porque o nam hiam ajudar. E quando lhe
parecia, que o Iffante daua algum golpe em algum mouro, o seu prazer
era tamanho que todo o rrosto se lhe enchia de rriso, e muito mais
quando lhe parecia que o mataua. e entam começaua desforçar o Iffante, 3o
B,96,v, I dizendo,* que nam temesse nenhuúa cousa, que Deos o ajudaria. E assi
dezia outras muitas cousas, como se propiamente visse o Iffante andar
antre mouros, como de feito depois andou. A qual cousa fezeram saber
I. de Aluarez I, dalurez Dalurez B. — 7. muita I — ordenado C. — 8. húa nao B. —
9. Ifante B — alurez B. — 10. dalúrz C, dalurez B. — 1 1. o I, om B — galle B — abra B I^
obra C. — 12. dalurez B. — i3. acordou] arfi. bradando I. — 14. apresurado B. — i5. acor-
resem B. — 17. pola galle B. — 22. jaa B. — 23. ante I. — 32. propriamente I.
— 179 —
ao Iffante. o qual posto que bem conhecesse, que aquello nam era outra
cousa senam ar de pestelença, mandou porem ao seu físico mestre
Joanne que o fosse veer, e quando chegou a elle e lhe falou, foi Fernam
dAluarez muito mais queixoso, dizendolhe que faria milhor de jr ajudar seu
5 senhor, ca de estar com elle em semelhantes rrezões. Empero disse elle,
leixai vos os fanados, ca cuido eu que lhes vai a elles de quando em quando
o Iffante meu senhor corregendo a fazenda, e assi tornaua aas suas pri-
meiras rrezoões. E mestre Joanne disse ao Iffante. Eu tenho bem visto
Fernam dAluarez, e querouos acerca dello falar como físico e como con-
10 selheiro. E quanto a físico me parece que o deuees toda via de jr veer.
por certo he que jsto que assi fala, nom he ai senam rramo de peste-
lença, a qual lhe presenta assi estas rreuelaçoões, como cousas que am de
seer, trazendo a alma casi apartada do corpo pêra conhecer aquellas
cousas, que pêra si soo depois ha de veer. e tanto que vos vijr, nam he
i5 duuida que nam perca aquella maginaçam, e torne a seu propio enten- B,96,v,2
der. E faiando como conselheiro me parece, que nom * deuees laa de jr.
ante vos afastar delle quanto poderdes, porque este aar he contagioso
como sabees. chegandouos a elle ficarees em duuida de prigo. porem
sobre todo vossa merçe pode fazer o que lhe prouuer. O Iffante disse
20 que Deos fezesse o que sua merçe fosse, que toda via o entendia de jr
veer. E tanto que chegou a elle e lhe falou, Fernam dAluarez saltou
logo em pee fora da mesa, e aleuantou as maaõs contra o çeeo, dizendo
que louuaua muito ao Senhor Deos polia vitoria de tamanho prigo, con-
tandolhe todo o que lhe parecera. Ora pois disse o Iffante, tornaiuos a
25 a rrepousar e folgar, ca esto nam foi ai senam algum asombramento de
algum aar corruto, que vos quisera empecer e nam pode. O rrepouso
que eu ey de fazer, disse Fernam dAluarez, mandaruos fazer a çeea. ca
ja pedaço ha que me quisera aleuantar pêra ello, senam esteuera em
aquelle trabalho. E todas estas cousas que assi Fernam dAluarez disse,
3o aconteceram depois ao Iffante, sem lhe falecer nenhuiãa cousa. E assi
aconteçeo a elle. ca estando a frota ante a cidade de Cepta, lhe deu huúa
leuaçam, polia qual logo o Iffante o mandou muy bem curar de sangrias
e de todallas cousas, que lhe ao presente eram necessárias, e mandou que
o leuassem a Tarifa pêra seer la milhor curado, mas elle per nenhum
35 modo quisera partir ata que se despedisse do Iffante. o qual o man-
I Ifante B. — 4. dalurez B. ^ 5. destar C. — 6'. os I, om B — cuido eu] cuidou C —
a I, om B — em quando I, om B — de quamdo em quando] de cando C. — 7. Ifante B. —
9. dalurez B. — 11. por B, porque I. — i3. ser B. — 14 pêra B, por I. — i5. não B — ma-
ginação B — próprio I. — 17. delle I, dello B — 2 1 . dalurez B. — 23. perigo B. — 25. ai
senam] om C. — 27. dalurez B. — 29. dalurez B. — 34 leuasem B. — 35. atee B.
— i8o —
B,97, r, I dou trazer ao bordo de sua gallee, * e lhe falou. Senhor disse elle, Deos
sabe quanto desejo de vos fazer seruiço, e nom quiseram os meus peca-
dos, que em este tempo vos seruisse segundo desejaua, de que a minha
alma nam leua pequena magoa, porem som neste tempo que vedes,
do qual nam sey a fim que ei de auer. mas qualquer que seja, eu
vos peço por merçe que me encomendees em vossas oraçoÕes. e se eu
morrer, que vos lembrees de minha alma. ca se me Deos daa vida,
bem creo que per meu seruiço conheçerees minha boõa vontade. Prouue
a Deos de lhe dar vida, e mostrou bem o efeito de suas palauras per
obra. ca sempre depois seruio bem o Iffante. e assi mesmo em seu
seruiço morreo sobre o çerquo de Tangere.
Como clRey teiie seu conselho se tornaria outra ve^ sobre a cidade
de Cepta, e das rreioóes que se no dito conselho passaram.
Capitullo Lxij.
JA na frota nam auia nenhum, que cuidasse que auiam dalij de fazer i5
viagem senom pêra Portugal, e entam auia antre elles muitas e
»^,y/,.,- desuairadasdepartiçoões. Agora * deziam elles, poderá elRey conhe-
cer as traições do priol. ca certo he que nos trazia todos vendidos pêra nos
rresgatar como seus presioneiros. Vede que cousa hia meter em cabeça a
elRey, que auia de tomar a cidade de Cepta. onde se adergaramos de filhar 20
terra, nunqua de nos tornara pee de homem pêra Portugal. Quem duuida
que elle nam escreuesse a Çalabençala, que posesse em sy rrecado, aui-
sandoo de todo corregimento delRey. ca certo he que quando elle foy a
Cezilia, em vez de olhar os muros da cidade, foy falar com Çalabençala.
e a bofe segundo alguiis disserom, mais leuou elle daqui, do que rrende 25
o seu priolado vinte annos. Pois vede vos, deziam outros, ca ajnda com
todas estas cousas, os Iffantes nam ho chegam menos a sy. ca se per ven-
tura entendessem per seu azo de cobrar a cidade. Ca assi lho metera
elle em cabeça, rrespondiam outros, elles como sam gente manceba, crer-
Iheam quantas abusoões lhe elle disser. Nom pode seer, deziam alguús, 3o
ca elRey nam he paruo. nem este feito nom he pêra teer em jogo. e
posto que elRey calle, vos verees aa derradeira, que lhe dará tam bom
I . de B, da I — galee B. — 6. se eu I, seu B. — 9. mostrou I, mostrouse B — beem B.
— lo-ii. assi morreu em seu seruiço sobe o cerco de Tangere D. — 11. morreo Dl,
om BC.' — i3. pasaram B. — i5. jaa B. — 17. diziam B. — 21. domem BC. — 22. cala
bençala B. — 24. Cezylia C, Ceçilia B. — cala bençala B. 27. ho C, om B. — ?8. en-
tendesem B. — 29-30. crerlheão B.
— I»I —
castigo, que pêra todo sempre seja memoria, e o que lhe a elle faleçeo
pêra fazer, quando jouue no castello de Coimbra, acabarlhoam agora.
Mas* sobre todo foy prazer de veer, quando elRey aa segunda feira 8,97, v,i
mandou chamar todollos do conselho, que viessem nos batees pêra falar
5 com elles açerqua daquelle feito. Quando o priol passaua por açerqua
dos nauios em seu batel, ca nam olhauam todos menos, que se elles cer-
tamente souberom que era verdade, o que ante deziam. e nam cuida-
uam ai, senam que elRej^ lhe queria demandar rrezam daquelle feito, e
nam era a gente do pouo muito de culpar, quando muitos daquelles capi-
10 taães lhe dauom culpa, dizemdo que elle ordenara todo aquelle feito.
Mas o priol que era homem sesudo, porque ouuisse todas aquellas pala-
uras, leuaua todo a jogo. soomente quanto he achado, que disse a alguús
daquelles fidalgos que o atormentauam por aquella rrezam, que os cora-
coões lhes nom falleçessem, ca o que elle encaminhara e ordenara, elle daria
i5 dello boõa conta. Depois que aquelles do conselho forom assi ajunta-
dos, propôs elRey sua rrezam, dizendo que bem sabiam com quantos
trabalhos e despesa trouxera alij aquelle ajumtamento, a fim de filhar a
cidade de Cepta, como elles bem sabiam, sobre a qual se fezera ja
quanto elles viram, porem que lhe dissessem o que açerqua dello lhes
20 parecia. Sobre a qual proposiçam forom rrezoadas* muitas cousas, e 8,97, v,2
finalmente fo}^ o conselho partido em três partes .s. huús disserom que
era bem toda via tornar a Cepta. outros disserom que filhassem Gibal-
tar. outros que se tornassem pêra Portugal. E dos que eram em con-
selho de filharem Cepta, principalmente forom os Iffantes, os quaaes rres-
25 ponderam a seu padre per esta guisa. Senhor, vos deuees de consirar
quanto tempo ha que começastes este feito, e quantas e quam grandes
cousas tendes mouidas pêra chegardes aa fim. per cuja rrezam a fama
deste feito voou per muitas partes do mundo, e como posto que no
começo encobrissees este segredo, que o tendes ja agora rreuelado. e
3o tornandouos assi, ou apontando em outra cousa de menos valia, nam
podees auer vitoria que vos nam ficasse maior prasmo. quanto mais por
nam prouardes nem ensayardes vossa força e poder sobre a grandeza
daquella cidade. Ca se per ventura ja vos jouuerees em seu cerco
alguús tempos rrazoados, nam tiuera o mundo por que vos dar tama-
35 nha culpa, mas tornardesuos assi, parecera que vos espantou a sombra
dos mouros. Nem aos mouros nam será pequena alteraçam, quando
4. viesem B. — 8. Rezão B. — i3. atormentavão Cl. — i3-i4. corações B. — 14. falle-
çesse B. — i5. despois B. — 16. prepos B, propôs I. — 18. a B, o Cl — jaa B. — 19. lhes
dissesse. B. — 21. hOs B. — 24. Ifantes B. — 26. haa B. — 3i. podeis B. — 32. ensayar-
des BC, sairdes I. — 34 algús B. — 35. espantou I, espantaram BC.
consirarem que vos vos assi espantaaes da sombra da sua cidade, e pode
seer que lhes ficara daqui ousio e atreuimento de correrem em seus
naaios a costa do Algarue, mais do que ata aqui fezeram. Porem
B,ti8,r. . nosso conselho* he que toda via vos vades sobre a cidade, e que a
çerquees e combataaes com vossos engenhos, e esperamos em Deos 5
que vos dará vitoria. Ca pois esto principalmente foy ordenado por
seu seruiço, pollo qual despresastes tantos contrairos, quantos se vos
ofereciam no começo deste feito, nam deuees agora tornar atras por
este, que he muito mais pequeno. E Deos que sabe vossa vontade e
tençam, vos aiudara per tal guisa, que acabees vosso feito como dese- lo
jaaes. E estas rrezoões e outras muitas açerqua deste propósito disse-
rom os lífantes e conde de Barcelos a elRey, com os quaaes concordaram
poucos mais de dous ou três dos outros do conselho. E os outros que
falaram em Gibaltar, proposeram suas rrezoões em esta forma. Se per
ventura este feito nam pertencesse senam aa cidade de Cepta soomente. i5
ou ella fosse tal que se podesse bem cercar, logo seria bem de auentu-
rarmos nossos corpos e fazendas por cobrar seu senhorio, e ainda que
víssemos milhares de mortes dos nossos christaos, e nos outros feridos e
cansados sobre elles pelejando, nom era rrezam que nos partíssemos de
semelhante contenda. Mas que será quando cuidarmos que auemos de 20
pelejar com todollos mouros dAfrica, auenturar com tamto fim o que
nom tem fim, quanto mais que nos nom podemos cercar a cidade,
ajnda que nos muito trabalhemos, que lhe tolhamos que nom aja man-
timentos e jcnte de fora, quanta lhes prouuer. e entam vos digo, disse
hum daquelles, que será a peleja bem jgual, nos afastados de nossa terra 25
comendo cada dia os mantimentos que trouxemos de nossa terra, per
cujo falecimento nom estamos em certa esperança, que possamos tam
asinha cobrar outros. E entam será nossa peleja bem rrezoada, elles
seram muitos mais que nos, que nom am de vir senom como quem
vem a perdam, como souberem que nos aqui estamos, e faram escarneo 3o
de nos, se nos virem jazer em nosso cerco sentindo per nossa vinda rre-
B,98,r, 2 zoado * temor. Veede que lugar he Cepta, que ha nelle huúa legoa pêra
a cercar assi de ligeiro, per boa fee que nom auia mester senom toda a
Espanha pêra a cercar. Per cuja rrezam somos em acordo, que pois que
I. vos {2.°)] voos B, om I. — 3. ate qui B. — 4. noso B — todavia B. — 7. desprias-
tes B — tantos contrairos] todos outros C. — 8. oferecerão C. — 11. rezões B — prepo-
sito B. — 12. Iffantes B. — 14. rezões B. — i5. pertençese B. — 16. cercar I, acerca B. —
17. seu I, huú B.— 18. mortos CL— 19. peleiando B — rezam B — partisemos B. — 20.
que será I, quisera B. — 21. com tanto I, conto B. — 23. aia B. — 24. dise B. — 2 5. peleia
B — nosa B. — 26. os] nos B. — 27. posamos B. — 28. rezoada B. — 32. haa B.
— i83 —
ca ja somos, que vos contentees de filhardes a villa de Gibaltar. Ca sem
todas estas rrczoões he pêra consirar, como somos oje em xix dias dagosto,
e que pêra assentardes vosso arrayal e enderençardes vossas artelharias
passaram dez ou xij dias de setembro, e nom tardara muito que o jnuerno
5 nom comece de mostrar os sinaaes de sua frialdade, ca tanto que o
sol entra no sino de Libra, logo os dias começam de abaxar cada vez muito
mais, e as tromentas sam aqui muito grandes no jnuerno. de guisa que
grauemente podem aqui estar nenhuús nauios sobre a ancora muito tempo.
E esta he huúa das cousas, que vos he muito necessária .s. a frota, por-
lo que a moor parte delia como vedes, he cercada de maar. onde ha
mester estes nauios, e ajmda mais se os teuessees. Porem he bem que
consirees sobre todo. ca estas cousas sam muito grandes, e ham mester
muy bem prouidas todas suas partes.
Como os outros do conselho disserom a terceira rre^ani. e como
i5 por elReyfoy determinado a ponta do Carneiro que queria jr sobre
a cidade de Cepta. Capitullo Lxiij.
LONGO mais do rrazoado fora este capitullo, se quiséramos em elle
escpreuer a declaraçam de todalas rrazoões daquelle conselho, e
porem guardamos pêra aqui a derradeira * entençam, dos que deziam 6,98,7, i
20 que se tornassem pêra Portugal, os quaaes ouuidas as rrezoões dos outros
disserom. Nem o conselho primeiro, em que dizem que vades a Cepta.
nem o segundo, em que vos aconselham que tomedes Gibaltar, nom sam
cousas que deuaaes de poer em execuçam segundo nosso conhecimento.
E falando primeiramente do que pertence a Cepta, assaz nos parece que
25 vos forom ja falados muitos contrairos. os quaaes euidentemente sam
conhecidos antre aquelles, que entendem em semelhantes feitos, empero
nom foi em ello falado na tardança, que se segue de necessidade, se a
cidade for cercada segundo pertence, ca deuees de consirar, que nom
será vossa honrra aleuantardesuos do seu cerco, depois que a huúa veez
3o cercardes. Ca sabees como se diz, que elRey Dom Fernando de Cas-
tella jouue sobre a cidade de Coimbra vij annos. e outros dizem que
elRey Dom Afonso de Castella jouue outros vij annos sobre esta cidade,
no qual tempo fez aquelle cerco dAljazira que esta de fora. Pois vos ao
I . caa B — contenteis B. — 2. rezões B. — 4. pasaram B — ou I, o B. — 10. haa B.
— 12. consireis B. — 14. rezam B. — i5. por I, om B. — 18. rrazões B. — 19. gardamos B.
— 20 rrezóes B. — 21. diserom B — o] he I, om B. — 23 execução B. — 27. neçesida-
de B. — 29. vosa honra B — despois B.
— i84 —
menos que esteuessees aqui hum anno se mester fosse, nom seria muito.
Ora vede que frete auees mester pêra multidam de tantos nauios, como
aqui tendes, quanto mais ainda que elles per sua vontade nom estaram
aqui. ca tem de leuar as mercadorias pêra gouernança de suas terras,
sem as quaaes per ventura se nom poderam gouernar. Ora pêra que 5
sam mais rrezoões. acerca dello abaste que consirados todos casos con-
trairos, acharees que he casi jmpossiuel de o poderdes acabar. E quanto
he aa filhada de Gibaitar, jsto nom hc cousa que nom deuees fazer, polias
B,q8,v,2 pazes que tendes com* o rregno de Castella. ca diram que o nam fezestes
senam a fim de os jniuriar, mostrando que o seu poder nom era bas- >o
tante pêra acabar sua conquista, e vos em seu desprezo querees vir
guerrear sua empresa. Ca bem sabees como escreuestes a elRey Dom
Fernando, que vos filhasse na companhia daquella conquista, e o que vos
elle rrespondeo. e poderia seer que durando vos sobre o cerco desta
villa, os Castellaãos aueriam as pazes por quebradas, e se trabalha- '5
riam de fazer alguúa nouidade em vossos rregnos, o que seria azo
de grande prigo. E finalmente nossa tençam he, que vos tornees
pêra Portugal, visto como nam podees nem deuees mais fazer. E pois
que vos principalmente começastes este feito por seruiço de Deos. elle
que sabe vossa entençam, e conhece que nom podees em ello mais fazer, 20
rreçeba vossa boõa vontade com a grandeza do trabalho, que acerca
dello tendes leuado, compridamente por obra. ca nom he seu seruiço
leuardes tanta gente a morrer, sem alguúa esperança de vitoria, ca
escprito he, que os mortos nom louuam o Senhor, mas aquelles que
viuem e conhecem o seu nome. E esto ata aqui disserom aquelles derra- ^5
deiros. mas elRey nom quis nenhuúa cousa rresponder, ante disse que
a detreminaçam daquello leixaua pêra depois. E mandou logo fazer
prestes toda a frota, que se fosse lançar a ponta do Carneiro, a qual
cousa foy feita muy ledamente, porque todos maginauam que hi nom
auia ja outra cousa senom tornar pêra Portugal, tendo pequeno cuidado 3o
de quanto trabalho e despesa sobre aquelle feito era leuado, e como todo
A,^i,r, I juntamente se perderia ao ponto de huúa soo ora. E assi * pareceria que
todallas cousas que sse ataa alli fezeram, forom feitas a fim de trazerem
desomrra a elRey e ao rregno. Depois que a frota foy assy toda jumta
na pomta do Carneiro, elRey sahio em terra, e ajumtou comssigo todos 35
I . esteuesees B. — 2. multidão B. — 6. rezões B. — 7. achareis B — case B — jmpo-
siuel B. — 9. dirão B — o 2.°] I, om B. — 16. regnos B. — 20. entenção B, tenção C. —
24. escrito B — louuom B. — 25. ate qui B, ataqui I — diserom B. — 27. de aquello B
— despois B. — 33. ataalli A — foram A. — 24. rreyno A — despois A — assi A. — 35. ponta
A — ajuntou A.
— i85 —
aquelles do comsselho, e assemtousse no chaão, e elles todos darredor
delle. Ora disse elle, uos quero rrespomder a todo o que me fallastes
açerqua de meus feitos. E quamto he ao que dizees que me torne pêra
meu rregno, pareçeme que assaz seria de gramde mimgua auer açerqua
5 de seis annos, que amdo em este trabalho fazemdo sobre elle tamtas çir-
custamçias como sabees, polias quaaes o mundo esta com as orelhas
abertas pêra ouuir a fym da uitoria, e leixallo assy agora pareçeme que
nom será outra cousa senam huú escarnho. Outrossy acerca do que
dizees de Giballtar, assaz seria de fea cousa teer o fito posto em huOa
IO tamanha cidade, e aa derradeira desfechar em huija semelhamte uilla.
Porem abreuiamdo as çircustamçias dos comtrairos, que sse açerqua dello
poderiam acarretar, declaro que minha uoomtade he o dia de oje a Deos
prazemdo seer sobre a cidade de Cepta. e de manhaS filhar terra, e dhi
em diamte proseguir minha emtemçom, ataa que a Deos traga aaquella
i5 fim que sua merçee for. Ora comuera diz o autor, que* digamos aqui, A,8i,r,2
de como Pêro Fernamdez Portocarreiro, tamto que semtio que a determi-
naçom delRey era filhar a cidade de Cepta, rrequereo a seu padre
liçemça pêra sse hir pêra elle. Leixa primeiramente disse seu padre, a
elRey assemtar seu arrayal, e amtre tamto emcaminharemos alguúa boõa
20 cousa que lhe leues em seruiço, ca assaz de tempo auera hi pêra o seruires.
E esto escpreuemos assy aqui, como nembro que fazem os pedreiros
sobre a parede, pêra tornarmos aqui ao depois a fumdar outra rrezam.
Como elRey ajmda teue comsselho açerqua do filhar da terra homde
seria, e das rra^oões que disse ao Iffamte Dom Hamrrique.
25 Capitullo Lxiiij.
MUITO parecia aa mayor parte daquelles do comsselho delRey, que
aquella uiagem era perijgosa. empero nom teuerom nehuúa
rrezam de a comtradizer, depois que uiram determinadamente
a uoomtade delRey, quamto mais seemdo seus filhos primeiramente em
3o aquelle acordo. E bem poderamos aqui nomear expressamente, quaaes
eram aquelles comsselheiros que alli estauam, e as uozes que cada
huú daua. mas porque poderia seer que seriam juUgadas ao rreuees de
suas emtemçoões, leixamos de o fazer. Ora sabee que nom foy * menos A,Si,v, i
comtemda sobre o desembarcar daquella frota, do que foy primeiramente
1. conseslho A. — 3. quanto A. — 4. rreyno A. — G. mumdo. — 9. fito I, om A. —
12. doje A. — i3. prazendo A. — 19. boa A. — 21. assi A. — 22. rrazam A. — 23. cons-
selho A. — 28. despois A. — 29. quanto A.
34
— i86 —
sobre o çerquo da cidade, por quamto elRey determinadamente disse
que queria poer seu arrayall na Almina. a quall cousa era comtra a
opiniam de todos, ca lhe disseram que seu cerco nom prestaria nehuúa
cousa, se elle nom empachasse aquella parte do sertaão. Parece
senhor disseram eiles, que uos uijmdes pêra cercar, e querees seer çer- 5
cado, bem sabees uos que os mouros nom teem tamanho poder per
o mar como per a terra, e sse uos teuerdes tomada aquella pequena
parte do sertaão, com a frota que uos teemdes podellos hees teer cerca-
dos assy per mar como per terra. E terces abastamça de mais auguas e
melhores, e serees seguro de elles emuiarem rrecado a nehuúa parte. E lo
posto que gramde multidoõe de mouros uenha, poderees afortellezar
^ uosso arrayall de cauas e artefiçios de madeira, per tall guisa que numca
uos poderam empeeçer. E sse esteuerdes na Almina, elles podem meter
quamtos mouros quiserem demtro na cidade, e emtrar e sahir quamdo
A,8i,v,2 lhes aprouuer. e adubar seus bees, e trazer *seus fruitos pêra suas casas, iS
como sse uos hi nom esteuessees. e assy que uos estarees mais cercado
que elles. E per esta guisa sse passaram sobre este feyto outras mujtas
rrazoões. Ao que elRey rrespomdeo, que elle auia por railhor de teer
assy seu arrayall, ca estamdo alli nom auia mester outro pallamque, e que
soomente auia de teer cuydado depois que alli esteuesse de pelleiar com 20
os mouros da cidade, e sse esteuesse da outra parte, que teeria dous
cuydados, huú de pelleiar com os mouros da cidade, e outro de sse deffem-
der daquelles que ueessem a seu socorro. Ora disse elle comtra o
Iftamte Dom Hamrrique. Meu filho, bem me nembra os rrequerimentos
que me fezestes, quamdo éramos açerqua de Lixboa, homde uos eu disse, 25
que uos rrespomderia quamdo fosse mester, e porque agora he tempo
de uos rrespomder ao que me rrequerestes, que uos outorgasse que
fossees em companhia daquelles que primeiramente filhassem terra,
porem a mym nom praz que nos em ello uaades como companheiro,
mais como primçipall capitam. E quamdo elRey esto fallaua, toda sua 3o
A,82,r, I cara estaua chea de rrijso, como aquelle* que tijnha gramde esperamça
no emgenho e fortelleza de seu filho Nos prazemdo a Deos disse elRey,
hiremos oje sobre a noute amcorar nossa frota dauamte da cidade, e
uos hirees primeiramente com a uossa frota que trouxestes do Porto,
dereitamente a Almina, e hi farees lamçar uossas amcoras e alloiar uossa 35
frota, e nos hiremos desta outra parte dos banhos, por tall que os
mouros quamdo uirem a maj^or força da frota em aquella parte, emtem-
9. assi A. — 16. assi A. — 17. feito A. — 19. assi A. — 20. despois A. — 27. rrespon-
der A. — 28. terra] add. eu volo concedo I. — 3o. quando A.
— iSy —
dam que alli ha de seer nosso primçipall desembarcamento. per cuja
rrezam acudiram pêra alli a mayor parte delles por nos empacharem
nossa sabida, e dessa outra parte da Almina nom faram gramde comta,
polia sospeiçam que teeram que nom auees alli de filhar terra. E uos
tamto que uirdes meu sinal!, lamçarees logo uossas pramchas em terra, e
sahirees o mais despachadamente que poderdes, e depois que nos sem-
tirmos que uos teemdes a praya filhada, mudaremos nossa frota pêra
açerqua da uossa. e emcaminharemos de uos seguir, de guisa que uos
nom leixemos mujto estar sem companhia. Outrossi disse elRey, porque
a corremte nom aja lugar de nos lamçar as naaos caminho de Mallega,
como ja fez duas uezes, * terees maneira de leuar uossas gallees per tall A,82,r,2
hordenamça, que posto que alguú dos nauios de nossa companhia queira
escorregar per força da corrente, que nom aja lugar de correr mais
auamte.
i5 Como a frota par tio pêra hir sobre a cidade de Cepta, e das rra^oões
que os escudeiros do Iffamte Dom Hamrrique ouuerom com elle.
Capitullo Lxv.
NOM poderia dereitamente comtar o gramde prazer que ouue o
Iffamte Dom Hamrrique, quamdo lhe seu padre deu aquellas
nouas. e assy como homem que o rreçebia em espiçiall mer-
çee, lhe foy beyiar a maão com a comteneniça muy allegre. E tamto
que todos forom na frota, mamdou logo o lífamte aparelhar todas suas
cousas pêra partir, e disse a todos que pemssassem de ssy, de guisa
que depois que a frota partisse, nom sse amdassem acupamdo em outras
25 cousas, de que todos ouueram muy gramde prazer, pemssamdo que a
sua uiagem dereytamente auia de seer pêra Portugall. E assy com aquella
lediçe ajmda que fosse uaã, corregeram muy asinha todas suas cousas,
de guisa que quamdo as trombetas *fezeram sinall de partida, elles eram A,S2,v,i
de todo prestes, e porque era em tall tempo como sabees, e era açer-
3o qua da tarde, mujtos delles fezeram sua çea temporaa por darem mayor
esforço a seu prazer. E o Iffamte mamdou logo emderemçar suas gallees
per aquella hordenamça que lhe seu padre mamdara, pêra rreteer ho
cosso da augua, quamdo a corremte trouxesse os nauios. E depois que
4. pella A. — 22. foram A. — 23. cousas] add. de guisa que quando as trombetas
fizeram sinal I — dessy A, desy C . — 24. despois A. — 32. per] pêra A, por I. — 33. cosso
A, corrente I. — navios] add. da frota delRey C I.
o Iflamte e o comde seu jrmaão forom partidos, começaram demcamiiihar
todoUos outros nauios da frota delRey. E depois que os mareamtes e
todos aquelles que auiam de rreger a frota, semtiram que todauia auiam
dhir dauamte a cidade, alleuamtauam uaguarosamente suas amcoras e
corregiam seus aparelhos, assy como tem per costume de sse alleuamta- i
rem alguús homeés priguiçosos, quamdo jazem nas camas bramdas em
tempo frio, de guisa que per sua tardamça mostram, quamto suas
uoomtades ssam comtrairas aaquello que elles fazem. Per semelhamte
faziam aquelles mareamtes em correger seus aparelhos, porque ja a
gallee delRey era açerqua dAljazira, quamdo o derradeiro nauio partia ,o
da pomta do Carneiro, e assy hiam hordenados huú amte ho outro,
A,82,v,2 que nom * parecia senam huúa pomte que chegaua de terra a terra. E
depois que os nauios do IfFamte Dom Hamrrique assy forom partidos
como ja dissemos, e os da frota delRey começarem de partir caminho
dAljazira. aquelles que hiam na gallee do Iffamte pemssauam que sse i.s
tornauam pêra Portugall, ficaram dello mujto espamtados. e disseram
que caminho era aquelle, que aquella frota assy leuaua. Leixaae disse o
Iffamte, ca aquelle que a gouerna ja sabe pêra homde ha dhir. Amte
nos parece que o nom sabe, rrespomderam elles, pois que leua tall cami-
nho, ca elles leuam caminho de Cepta, e nos hijmos pêra Portugall. 20
Leyxaae fazer, tornou ho Iffamte a rrespomder, a frota fazer sua uiagem,
ca uay acabar o por que aqui foi uijmda. A quall pallaura nom foi muy
doce nos ouuydos daquelles, amtre os quaaes sse começou logo huú nouo
rrumor, fallando cada huús apartadamente sobre a determinaçam daquelle
feito, e primçipallmente sse apartaram todos aquelles escudeiros, que hiam jS
com o Iffamte. E a cabo de pouco forom assy todos jumtamente fallar ao
Iffamte. Senhor disseram elles, nos uos pedimos por merçee, que nos quei-
A 83 r, I raaes perdoar alguúas rrazoões * que nos queremos dizer, porque semtimos
que será mujto milhor de uolas dizermos agora, que ao depois que o
feito for começado, ca poderia seer que pareçemdo nossas teemçoões 30
justas e rrazoadas, ao tempo que nos ouuessees de mamdar, nom compri-
riamos uosso mamdado com aquella obediemçia que deuemos. a quall
cousa seria aaZo de uos teerdes mujto mais rrezom de uos queixardes, do
que agora terees, amte que o feito seia começado. Ora senhor disserom
elles, nos somos bem certos que elRey uosso padre fez duas uezes com- 35
sselho açerqua de sua uijmda, porque semte que nom pode filhar a
cidade de Cepta como queria, e nom sabe como sse torne, que pareça
i.foram A. — 2. despois A. — 5. assi A. — i3. despois A — foram A. — i5. daliazira A.
— 1 7. assi A. — 26. foram A — assi A. — 28. nos A, om I. — 33. rrazom A. — 34. teerees A.
rrazoddo ao inundo. Quer leuar a frota sobre a cidade, e mamdar
ssahir a mayor parte da gemte meuda com alguús capitaães daquelles
mais somenos, e elle comuosco e com os outros primçipaaes ficardes na
frota, porque ao depois sse possa dizer, que elle trabaliiou por tomar
5 terra e nom pode, e que fez sobre ello toda sua posse. O que senhor,
sse assy he, uos sabee que será muy gram mall, ca outra milhor cautella
deuia uosso padre buscar, que nom aquesta,* que notório he, que nos A,83,r,2
espedaçaram alli todos na meetade daquella área amte a uista de uossos
olhos, sem nehuúa esperamça de rremedio. Porem uos sabee, que posto
jo que nos ouçamos tall mamdado, que mujtos ham de poer duuida de o
comprir. porem uoUo fazemos assy a saber por uosso auisaraento, que
comsirees se será bem de o fazerdes saber a uosso padre, ca segumdo
creemos nom menos tem em uoomtade todollos outros.
Como o Iffamte Dom Hamrriqiie rrespomdeo aquelles escudeiros, e
i5 como a frota chegou dauamte a cidade. Capitullo Lxvj.
O Iffamte ficou aiguú tamto espamtado de semelhamte nouidade, e
assy mostrou a comtenemça em alguúa maneira queixosa, quamdo
lhes deu a rreposta, primçipallmente por rrepreemder suas desaui-
sadas pallauras. Parece disse elle, que elRey meu senhor teue huú com-
20 sselho em terra e uos outro no mar, e pemssaaes que elle nem nos outros
nom teeremos de uossas uidas aquelle emcarrego que he rrezom de teer-
mos. Porem uossas pallauras me forçaram de uos declarar o que amte
tijnha * pouco em uoomtade. e esto he que prazemdo a Deos, de menhaa A,83,v,i
uos me uerees primeiramente sahir polia pramcha desta minha gallee. e
25 porque nehuú de uos nom aja rrezam dhir após mym, mamdarey uijr
dos outros nauios dous dos meus pêra os leuar comigo, e uos podees
bem seguir uossas uoomtades. porque a mym praz, que ataa que me
uos nom ueiaaes sahir, que por mamdado que uenha delRey meu senhor
nem meu, que nom façaaes nehuú mouimento. Gramde arrepeemdi-
3o mento mostraram todos aquelles daquellas pallauras, que disseram ao
Iffamte. e amte quiseram perder toda sua fazemda, que teer fallado
em semelhamte cousa. E alli começaram de sse aqueixar muy forte-
mente, dizemdo que aquello seria ja mujto peor, que o da primeyra. ca
o que elles disseram, nom fora dito com maa emteemçom, soomente por
1. mumdo A. — 6. assi A. — ii. assi A. — 12. consirees A. — 17. assi A. — 21. rra-
zom A. — 24. gallee] add. em terra I.
— igo —
lhes parecer, que nom seria rrezam de os alli leyxar morrer sobre cousa,
de que a elle ficaua pequena homrra. Empero disseram elles, senhor,
A,83,v,2 uos nom cuydees que assy auees de sahir sem nossa companhia. *amte
tcemde que nom ha aqui tall que amte sse nom leixe morrer, que de lhe
seer feita semelhamte emjuria. e posto que uos queiraaes sahir como 5
dizees, uos sabee que nos sahiremos todos a par de uos, ou nos aliagare-
mos neste maar. Nom mais disse o líTamte, ca sobre o que uos disse,
nom emtemdo fazer outra mudamça. E assy com aquelle nojo ficarom
todos aquelies escudeiros, despemdemdo a parte que lhes ficaua do dia
em fallamdo sobre aquelle feito. E os mouros da cidade, tamto que lo
uiram a frota açerqua de seus muros, emcheram todas suas janellas e
freestas de camdeas, por mostrarem que eram mujtos mais do que os
christaãos presomiam. e assy polia gramdeza da cidade, como por seer
de todallas partes tam allumeada, era muy fremosa de ueer. Sobre a
quall nos aqui podemos emterpretar, que assy como a camdea quamdo i5
sse quer apagar, da sempre gramde lume, assy estes que no outro dia
auiam de leixar suas casas e fazemdas, e mujtos delles per uemtura sse
auiam de partir pêra todo sempre das uidas, faziam assy aquella sobeia
A,84,r, i mostramça de claridade *sinificamdo sua fim. ou per uemtura mais
dereitamente podemos dizer, que nosso Senhor Deos, queremdo mostrar 20
como aquelies maaos sacrifícios que sse ata alli fezeram, estauam pêra
fazer fim, quis assy em figura demostrar, que assy como em aquella ora
a cidade era mais allumeada, do que numca fora per fogo temporall, assy
seria no dia seguimte allumeada do uerdadeiro fogo do Sprito Samto,
quamdo os christaãos trouxessem os sinaaes da cruz per todallas partes 25
da cidade.
Como os da frota trariam per essa meesma giiisa lume per sseus
nauios, e das temçoóes que amtre ssi auiam. Capitullo Lxvij.
POSTO que aquelies mouros assy allumeassem sua cidade, a fim de
acreçemtar em a ssemelhamça de sua multidom, os outros que 3o
estauam nos nauios, nom allumeariam menos sua frota, mas esto
era mais per necessidade, que por mostrar sua gramdeza. Que tamto
que assy os nauios teueram suas amcoras lamçadas, logo cada huú come-
3. assi A. — 4. aqui] qui A. — 7. mar A. — 8. assi A. — 12. do] dos A. — i3. assi A.
— i5. assi A. — 16. assi A. — 18. assi A. — 22. assi (bis) A. — 23. assi A. — 24. spú A.
— 29. assi A. — 33. assi A.
— 191 —
çou de cuidai- no que lhe compria pêra o dia seguimte. E amtre as
tochas que os capitaães tijnham amte ssi, e as camdeas* que os homeés A,84,r,2
traziam nas maãos, quamdo amdauam corregemdo suas cousas, era
a frota mujto allumeada, e parecia ajmda mujto mais aos que esta-
5 uam na cidade, porque o fogo feria na augua do maar, e parecia que
todo era lume. a quall cousa nom punha pequeno espamto aaquelles
mouros, que o dereitamente podiam esguardar. Mais depois que sse
a noute começou de gastar, e os senhores se meteram em suas cama-
rás pêra filharem seu rrepouso, começarem cada huús daquelles de
IO sse acostar em seus ailoiamentos. E porque em semelhamte tempo os
homeés teem uagar de cuydarem quaaesquer cousas, porque era quamto
lhes a força do sono nom tira o naturall semtir, nom podem arredar de
ssi desuairadas maginaçoões, omde cada huíi leua seu emtemder aaquello
que traz mais açerqua da uoomtade. e certo he que em tall tempo
i5 pode homem milhor comsijrar o dano ou proueito que lhe pode uijr, que
em outro nehuú. ca dito he pollo filosofo, que o coraçom seemdo sse
faz prudemte. E jazemdo assy aquelles, começauam de comsijrar quall
seria a sua fym no outro dia. ca posto que hy * ouuesse mujtos ardidos a,84,v,i
e fortes, assy estauam outros de pequenos coraçoões. ca na gramde mul-
20 tidom necessário he que aja de todo metal, os quaaes toda aquella noute
nom podiam dormir senam a bocados, e batiam em seu peito tam desuay-
rados pemssamentos, que os nom queriam leixar liures a huú soo cuy-
dado. E assy como a naao quamdo traz pequena carrega, a aruor seca
amda sobre as omdas dhuúa parte pêra a outra, sem teer certo rrumo per
25 que faça sua uiagem, bem assy amdauam os pemssamentos daquelles
alloymdo sem certo curso. E huúa uez se lhes apresemtaua ante a jma-
gem da alma, como os mouros eram homeés, que rreçeauam pouco suas
mortes, com tamto que elles podessem comprir suas uoomtades, matamdo
seus jmmijgos. outra uez pemsauam que sse alii falleçessem, no que elles
3o punham gramde duuida, quaaes sepuUturas aueriam. e como nom seriam
acompanhados de seus filhos e de seus paremtes, quamdo lhe fezessem
sua derradeira homrra, nem poderiam gemer sobre suas couas aquelles
que gramde semtido de sua morte teuessem. Oo deziam elles amtre
ssi, como forom bem* auemturados todos aquelles a que Deos leixou aca- A,84,v,2
35 bar seus dias no apartamento de seus leitos, os quaaes em tall tempo
ssom acompanhados de suas molheres e. filhos, e comsselhados de seus
5. agua do mar A. — 7. despois A. — 16. pello fillosofo A. — 17. assi A. — 19. assi A, —
2 1 . batiam] andauão I. — 23. assi A. — 25. assi A. — 3o-32. e como . . . homrra] e como
os nom veriam seus filhos, nem seriam acompanhados de seus parentes no seu enterra-
mento I. — 32. gemer] chorar I. — 34 foram A.
— ig2 —
abades com gramde proueito de suas comçiemcias. e estam fazemdo a
rrepartiçam de seus bees segurado o mouimento das suas uoomtades.
Mas nos outros que aqui morrermos, nom ueremos nehuúa destas cousas,
amte jaremos ssem sepulhuras, desprezados de todollos uiuos. e assy
sse gastaram nossas carnes, ssem de nos saber alguém parte, ssenam 5
depois da derradeira rresurreyçom do juizo. E que proueito nos pode
trazer o gaanho dos trabalhos que leuamos de nossas mocidades e
mancebias, se nom auemos de teer poder em nossos dinheiros pêra
os darmos pêra saúde de nossas almas. Por certo mais nobres pem-
ssamentos tijnham aquelles, a que a natureza guarnecera de uerda- lo
deira fortelleza. os quaaes comsijramdo em este feito, deziam amtre ssy.
Bem auemturados somos nos, a que Deos amtre todollos dEspanha
outorgou primeiramente graça de cobrar terra nas parte dAffrica. e
A,85,r, I que auemos primeiramente de despregar nossas bamdeiras sobre* a
fremosura de tamanha cidade. Vaa com Deos deziam elles, por bem i5
empreguado nosso trabalho em semelhamte seruiço, pois que o nosso sam-
gue ha de seer espargido por rremijmento de nossos peccados. E que
perda rreçeberemos aquelles que aqui fezermos fim de nossas uidas,
quamdo teemos certo conhecimento, ca as nossas almas, que ssom spiri-
tuaaes, ueeram uerdadeiros prazeres no outro mundo. E os autores 20
das estorças apartados em seus estudos, estaram comtemplamdo na
boomdade de nossas forças, e escpreueram nossos feitos pêra jmsinamça
de mujtos uiuos. e uoara a fama de nossa morte per todallas partes,
omde os homeés conhecerem escprituras. E nossa fortelleza será como
espelho de todas aquellas gemtes, que deçemderem de nossa linha, os 25
quaaes sempre uiueram em fauor de nosso merecimento, ca os rrex
que depois ueerem a Portugall, sempre teeram rrezam de sse nembrarem
de tamanho feito. E pemssamdo assy em estas cousas, mujto a meude
sse leuamtauam a oolhar o mouimento das estrellas, pêra conhecer cama-
A,85,r,2 nha parte ficaua por amdar da noute. ca tarde lhe parecia que *chegaua 3o
a claridade do dia, pêra ueerem a ora que amte deseiauam.
II. consijramdo A — antre A. — 12. deespanha A. — 20. veram C, ueeram A —
mumdo A. — 21. contemplamdo A. — 24. forteleza A. — 25. linha A, linhagem I. —
27. despois A — rrazam A. — 3i. ante] tanto I.
— igS —
Como no dia seguimte os mouros e os christaãos trabalhauam em
seus feitos. Capitullo Lxviij.
PEQUENA tardamça pos o soll em começar seu diurnall trabalho, ca
era esto huúa quarta feira xxj dias do mes dagosto. em a quall
aquella emperiai! planeta emtraua em seis graaos do sino que
sse chama de Virgo, e em aquella ora que Ganimedes começou de rrom-
per a primeira tea do oriemtall crepuscuUo. A gemte da frota que no
começo da noute fora trabalhada, huús em corregimento de suas farda-
geés, outros aparelhamdo as guarniçoÕes de seus nauios, eram ajmda
IO alguú pouco assonoremtados. e quamdo uiram a claridade do soll, que
temdia seus rrayos polias arcas de seus nauios, começaram de sse esper-
tar huQs aos outros, chamamdosse per seus nomes, e desi meteram suas
maãos a rreuolluer as armas, prouemdoas de todallas partes, se tijnham
alguú falleçimento. Outros amdauam com os ferramentaaes nos braços,
i5 e com os martellos nas maãos, pêra pregarem seus arneses. Outros
temtauam as atacas de * seus giboões, se tijnham aquella fortelleza que A,85,v, i
lhe compria. Outros se nembrauam de seus peccados, e amdauam bus-
camdo seus abades, mostramdo a Deos o gramde rrepemdimento que
auiam em seus coraçoões. Outros prouauam suas armas, tomamdo as
20 fachas nas maãos, e desemuolluemdo seus braços pêra huúa parte e pêra
a outra, pêra ueer sse os embargauam em alguúa parte. Outros tirauam
as espadas das bainhas, e começauam de as bramdir, prouamdo sse tij-
nham aquelle fio que lhes compria. Aa deziam elles, boõa espada, que
quamdo Deos queria soyees uos a cortar per cima das solhas e das cotas.
25 ueremos oje o que sabees fazer polia carne destes perros, que nom podem
soportar nehuúa coberta. Outros abriam as çarraduras das suas botas,
em que traziam seus bizcoitos, apresemtamdo a seus amigos as milho-
res uiamdas que tijnham. Coymamos deziam elles, ca per uemtura este
he o nosso derradeyro dia. e sse nos Deos por sua merçee leixar uiuos,
3o depois da uitoria nom nos falleçera uiamda. Taaes auia hi, que ja tij-
nham as coores quejamdas* lhe a morte auia daparelhar a pouco tempo. A,85,v,2
Outros amdauam tam ledos, que ja em seu rrosto se parecia a sseme-
Ihamça da uitoria. Nem os mouros nom estauam tamto ouçiosos, ca
nom çessauam de rrepayrar todallas cousas, que semtiam que lhe pode-
35 riam prestar pêra sua deffemssam. e assy amdauam corremdo per aque-
lles muros de huúa parte aa outra, mostramdo que nehuú medo nom
6. ganimodes A. — 7. crespuscullo A. — i3. rreuoluer A. — 23. boa A. — 24. solhas A,
folhas I. — 3i. quegemdas A. — 35. assi A.
a5
— 194 --
auia rrepouso em seus coraçoões. Mais outro cuydado era o dos mou-
ros uelhos e de todos aquelles, que sabiam a declaraçam daquelles synaaes
que ja dissemos, e huús amdauam escomdemdo seus aueres, outros esta-
uam descallços em suas mezquitas, com os corpos temdidos amte as rre-
lliquias de seus profetas, pedimdo merçee aas diuinaaes uirtudes, que 5
quizessera trazer aquelle feito a tall fim, que a sua cidade nom ficasse
quebramtada amte a yra daquelle rrey. Aa Deos deziam elles, e pêra
que era tall fumdamento de cidade, cuja nobreza nas partes dAffrica tijnha
coroa, sse a fremosura das nossas rruas ha de seer timta de nosso sam-
gue. E tu samto profeta Maffamede, que na casa de Deos padre teés a lo
A,86,r, I * segumda cadeyra, porque nom abres os olhos da tua diuinall magestade,
e esguardas sobre nos que uiuemos sso a tua deçeplina, e nom nos leixes
assy trilhar em poder destes jmfiees, que com tamanha soberua querem
destruyr a tua ley. E sse tu sabias que a tua cidade auia de seer casa
de christaãos, porque nom rreuellauas a nossos padres que a leixassem i5
despouoar. mas agora que os seus ossos ja ssom desfeitos em cijmza
darredor das tuas sagradas mezquitas, cujas paredes elles com seus tra-
balhos alleuamtaram, e nos obrigados de as acompanhar, queres tu agora
comssemtir que nos uaamos buscar as terras alheas, participar cora
aquelles em jgualleza, que por rrezam de nobreza da nossa cidade nos 20
uiuiam em obediemçia. Certamente a tua diuinall clememçia nom com-
ssemtira a ora de tamanha crueza, e sse per uemtura a gramdeza de
nossos peccados te forçarem de o comssemtir, tu ouuiras os nossos gimi-
dos no meo da nossa cidade, quamdo rreçebermos os derradeyros gollpes
amte as aras sagradas das tuas mezquitas, espargemdo nosso samgue sobre 25
A,85,r,2 as sepullturas de nossos padres, e nos* alli temdidos rreçeberas nossas
allmas, que sahiram de nossos corpos. E as nossas molheres e filhos que
escaparem da crueza do triste ferro, carregados de prisoões passaram
nas partes dEspanha, omde mujtos de nossos paremtes ja teueram
tamanho senhorio, alli faram os seus netos uida miserauell pollo falleçi- 30
mento da çelestriall ajuda, e sobre todo a força do catiueiro lhes fará
a rrenumçiar a tua ley, que tu amtre todallas outras cousas deuias mais
semtir. Ora uee com quall piedade poderás soportar todas estas cousas.
e que proueito nos ueo a nos de guardarmos a tua ley, e seguirmos os
teus mamdamentos, sse na ora de tam estreita necessidade nom acorres 35
a este pouoo mezquinho com a tua çelestriall ajuda.
5. deuinaaes A. —9. ha I, aa A. — 10. maffomede A. — 12. esguarda A, esguardas I
— uiuamos A, uiuemos I.— i3. assi A. — i5. despouoar AI. —21. clemência A — 21-
22. conssemtira A. — 23-24. gimedos A. — 25. espargemdo A I. — 27. almas A. — 29. dees-
panha A. — 3o. miserauel A.
-195-
Como elRey mamdou aparelhar hiiúa galleoia, em que amdou aui-
samdo todollos capitaães da frota da maneira que ouuessem de teer.
Capitullo Lxix.
QUAMDo elRey uio que o soll começaua daqueeçer, e que a sua
gemte amdaua toda em trabalho de sse correger e perceber,
mamdou fazer prestes huúa galleota, e * meteosse em ella. Como A,86,v, i
quer que por aquelle presemte fora mais necessário ho rrepouso que o
trabalho, por quamto se acertara que em queremdo emtrar em sua gallee,
quamdo estaua da outra parte de Barbaçote, sse ferio em huúa perna, e
IO por aazo do gramde trabalho e polia ferida nom seer muy pequena, era
em aquella perna huú gramde jmchaço, o quall cada huú dia sse fazia
mayor, que pêra a door de semelhamtes lugares nom ha hi milhor meezi-
nha que teer assessego. empero com todo elRey nom fez em ello outra
mostramça, ssenom em quamto escusou de leuar ho arnês de pernas.
i5 e assy com huúa cota uestida e com huúa barreta na cabeça e a sua
espada çimta, amdou per todos aquelles nauios damdo auisamento a cada
huú da maneyra que ouuessem de teer. e assy trazia sua comtenemça
allegre, que a todos parecia manifesto synall da uitoria. E quamdo fa-
llaua com aquelles capitaães, todollos outros dos nauios sabiam a bordo
ao pêra ouuir suas pailauras. e nom menos esforço rreçebiam de as ouuyr,
que sse certamente souberam que lhes Deos emuiaua huú amjo do çeeo
pêra lhas dizer. Todos disse elle comtra os capitaães da sua frota,
teemde *tall auisamento que nehuú de uos nom saya em terra, senam A,86,v,2
depois que uijr que meu filho o Iftamte Dom Hamrrique tem filhada a
a5 praya, daquella parte domde esta, teemdo porem todos uossos batees
corregidos per tall guisa, que com pequena tardamça possaaes seer em
aquelle lugar homde o Iffamte esteuer. E chegamdo aa gallee do Illamte
Dom Hamrrique começou de sse rrijr, e pregumtoulhe em que pomto
estaua seu corregimento. Neeste que ueedes senhor, rrespomdeo elle,
3o pareçemdo todo armado e todollos seus açerqua delle ao bordo da
sua gallee. e assy estam todollos outros desta frota que aca mamdas-
tes. Veedes disse elRey, nom uos disse eu que amte manhaã auia meu
filho de seer de todo prestes, ca em taaes tempos como estes, logo elle
sabe perder o sono toda huúa noute ssem mostramça de semtir por ello
35 trabalho. Ora pois meu filho, disse elle comtra o líiamte, com a beem-
çam de Deos e com a minha, quamdo uirdes tempo, ja sabees o que
6. galliota A. — li. assi A. — 17. assi A, — 22. centra A. — 23. teende A. — 25. vos-
sos A. — 3i. assi A — 3i-32. mandastes A.
— 196 —
auees de fazer. Tamto que aquelle nobre primçipe acompanhado de
mujtas uirtudes o IfTamte Duarte uio seu padre fora da gallee, ca ambos
A,87,r, 1 * estauam em huúa em aquelle dia, mamdou trazer suas armas com em-
teemçom de seer com os primeiros no cometimento daquelle feito, e
começamdo de sse armar, acertou de auer huúa pequena ferida em huúa 5
maão. Certamente senhor, disserom os que alli estauam, nom seria
maao descusardes uossa hida em terra por este dia, ca o espalhamento
deste samgue he mujto darreçear. ca ssom synaaes que aas uezes pare-
cem por bem, se homem se quer guardar per seu auisamento. assy
como dizem que fez huú comssull rromaão, quamdo estaua pêra pelleiar 'o
com Aniball açerqua da cidade de Taramto, que por uista de huú seme-
Ihamte synall escusou sua partida em aquelle dia. polio quall salluou sua
uida e de toda sua hoste. E o Iffamte ouuimdo aquellas rrazoões come-
çou de sse rijr comtra elles, dizemdo que sabiam muy mall conhecer a
uerdadeira emteemçam daquelle ssynall. Pois que quer esto ali dizer, '5
disse elle, ssenom que assy como em esta minha maão primeiramente
pareçeo samgue, assy espargerey eu oje com ella com a graça de Deos
tamto samgue dos corpos dos jmfiees, ataa que per força do meu braço
A,87,r,2 os ueja sahir * amte mym fora de sua cidade. E certamente que o esforço
do dito primçipe era gramde. e posto que elle aquellas cousas dissesse 20
em jogo, certo foy que a sua espada em aquelle dia foy mujtas uezes
banhada em samgue. ca aquelle que elle açertaua amte ssy com o pri-
meiro gollpe, nom auia espaço desperar o segumdo. e taaes hi auia, que
alli achauam a sua derradeira ora. E porque todos aquelles do Iffamte
semtiara o gramde prazer que elle tijnha, em quamto lhe uestiam as 25
armas, departiam estamdo em mujtas cousas de seus desemfadamentos,
fallamdo naquello que os homees mamçebos mais trazem açerqua de
suas uoomtades .s. bem queremça de suas amigas. E uos senhor, disse
F"ernamdo Afiomsso de Carualho, que era page do Iffamte, auees oje de
fazer alguúa cousa dauamtagem por amor de uossa dama. Se ma tu 3o
nembrasses, rrespomdeo o Iffamte, em tall tempo que eu teuesse lugar de
fazer pollo seu amor tam assinada cousa, per que podesse cobrar sua
graça. Bem mostrou o Iftamte, diz o autor, per aquellas razoÕes, que era
pouco de damas, ca sse o elle fora uerdadeyramente, nom ouuera mes-
A,87,v, I ter outra rrenembramça, sse nom aquelle *mortall tormento, que os bem 35
amamtes per força de rrezam trazem escuUpido em seu peito.
4. cometimento I, começamento A. — 8. sangue A. — 11. caramco A, Taranto I. —
12 saluou A. — 14. contra A. — iS. emtemçam A. — ly.assi A — espargirei I. — 27. man-
cebos A. — 29. fernamdaffomsso A. — 33. graça] add farias boa cousa I. — 36. escul-
pido I, esculpidos A.
— 197 —
Como Çalla bem Çalla esiaua muy anoiado, ueemdo como a deter-
minaram delRey de todo era filhar terra amte os muros de sua
cidade. Capitullo Lxx.
REZAM he que digamos alguG pouco da maneyra que tijnha Çalla
bem Çalla, depois que uio de todo a determinaçam delRey. O
qSall deuees de saber, que era huii homem quamto quer de
hidade, á& linhagem dos Marijs. a quall amtre todallas outras geeraçoões
que ssom em Africa, he auida por melhor, e pêra elle ajmda acreçemtar
mais sua nobreza, era senhor daquella cidade e doutros mujtos boõs
10 lugares da costa daquelle mar. E bem deuees demtemder, quall seria o
seu pemssamento, quamdo uisse a nouidade de tall uizinhamça, quall lhe
chegaua amte as portas de sua cidade. E porque quamto os homeês
ssom mais ssesudos, tamto acham mais duuidas nas cousas gramdes e
perijgosas. e porem comsijraua Çalla bem Çalla, como elRey Dom Joham
i5 era huú primçipe de gramde fortelleza. * ca posto que elle uiuesse aalem A,87,v,2
do mar, nom eram os feitos delFley tam pequenos, nem elle tara pouco
nora era desauisado, que nom soubesse muy bem parte de todo. Com-
sijraua como cora tara pouca gemte nom negara a batalha a elRey de
Castella, uemdoo acerca de ssi com tam gramde poderio, e o uemçera e
20 desbaratara, e depois per suas gemtes ouuera com os naturaaes daquelle
rregno tam gramdes çomtemdas como todos sabiam, das quaaes sempre
ficara uemçedor. e que começara assy aquelle feito com tam gramde
sajeza, que numca poderá seer rreuellado, senom quamdo a frota pare-
cera dauamte os muros da sua cidade, homde o elle uia companhado de
25 quatro filhos baroões nobres e de gramde ardimento, e com tam gramde
poderio de gemtes e com tamanha gramdeza de frota. Pois dezia elle
amtre ssi meesmo, quamdo posso eu seer socorrido e rrepayrado pêra
rresistir a tamanha força. ElRey de manhaã me começara de combater,
e eu nom tenho ajmda quatro pedras no muro, a rrespeyto das que hey
3o mester pêra rredomdeza de tamanho cerco. Quamdo o farey eu ja
saber a clRey de Feez, ou quamdo* teera elle tempo pêra mamdar auisar A,88, r, i
suas gemtes, e espaço pêra se correger, que primeiramente os muros de
Cepta nom seiam desfeitos pedaço e pedaço. Em estes pemssamentos
estaua muy duuidoso de nehuú boom aqueeçimento. A Dcos dezia elle,
35 que peccado foi este meu tam gramde, que me trouxe a tamta maa
5 despois A. — 7 o A, a I. — 20. despois A — 23 nunca A — quando A, — 26. gen-
tes A. — 28. a I, om A — menhaã A. — 3 1 . terra A — 34. douidoso A — a A, ah I.
— igS —
uemtura açerqua de minha uelhiçe. Estamdo assy em este triste cuy-
dado, chegou a elle huúa gramde companha daquelies mouros mamçebos,
que sse ajumtaram pera deffemder a cidade, e por quamto o acharom
assy estar pemssoso, começarem de o rrepreemder dizemdo, que era escar-
nho pera semelhamte pessoa mostrarsse de tam pequeno esforço sem 5
perijgo arrezoado. Que ha hi mais, deziam elles, senam uijrem os chris-
taãos sobre nos. os quaaes em numero nom ssam tamtos que nos muy bem
nom possamos pelleiar com elles. E que sabemos nos, sse per uemtura
sua uijmda he a fim da nossa mayor homrra e acreçemtamento de nosso
proueito. ca pode seer que esta fremosura de frota, que elles jumtaram lo
A,88,r,2 pera nos çerquar, ficara ajmda nas nossas taraçenas. e as suas* baixellas
douro e de prata ficaram pera casamento de nossos filhos, e os corre-
gimentos das suas capellas poeremos em nossas mezquitas por testimunho
de nossa uitoria. Ora disseram elles, a sua frota esta rrepartida em duas
partes, e creemos que sua teemçom he de filharem oje terra, o que sse i5
assy for, jremos a elles aa praya. e amte que sayam dos batees, faremos
em elles muy gramde matamça. ca os mais e melhores ueem todos
cubertos de ferro, por cuja rrezam o seu mouimento nom pode seer sem
gramde força e trabalho, e nos desemuolltos e ligeyros chegaremos a
elles quamdo quisermos. E tamto que os huúa uez teuermos em terra, 20
tarde ou pera gramde uemtura se poderam depois alleuamtar. e que
geito poderam teer per sse erguer, aquelles que pouco seram menos de
pesados que gramdes penedos, e em tamto huús de nos empacharem
os que quiserem sahir per os batees, os outros teeram em tamto cuy-
dado de buscarem lugar e maneyra pera auer as çarraduras daquelle 25
ferro, per omde tirem as uidas aaquelles que primeiramente sahirem em
A,88,v,i terra. Nom sey, rrespomdeo Çalla bem Çalla, sse *terees essas cousas
assy aazadas pera acabar como rrazoaaes. praza a Deos que nom achees
sobrello outro empacho. Porem hiuos com boõa uemtura, e hordenaae
uossos feitos o melhor que poderdes, e de quallquer cousa que sse la 3o
passar, a meude teemde cuydado de mo fazer saber. Mais do que sse
depois seguio, diz o autor que fallara adiamte, declaramdo a maneira
que Çalla bem Çalla teue açerqua dello.
2. mancebos A. — 4. assi A. — 6. arrezoamdo A, rezoando I — diziam A. — 8. uen-
tura A— 16. assi A— 17. grande A. — 23. tanto A. — 25. auer A, averem I. — 27. ter-
rees A. — 28. assi A. — 29. boa A.
— 199 —
Como Martim Paaei capellam moor do Iffamte Dom Hamrrique
fallou alguúas rreioóes em presemça de todos. Capitullo Lxxj.
SOMA de gramde processo se faria em nossa estorea, sse quiséssemos
seguir todallas cousas, segumdo as achamos per emformaçam
daquelles que as uerdadeiramente sabem, empero sseguimdo a
teemçom dos modernos, abreuiamos todo aquello que com rrezam pode-
mos, ca ajmda ficauam pêra dizer mujtas cousas, que os mouros passa-
uam amtre ssi, em quamto a gemte da frota nom filhaua terra. E estamdo
assy o Iffamte Dom Hamrrique com a pramcha prestes, e todollos seus
IO armados pêra ssahir quamdo uisse o ssynall, Martim Paaez, que era seu
capellam moor, tomou o corpo do Senhor em suas maãos, e pousousse
*diamte de todos, e começou de os esforçar em aquesta guisa. Irmaãos A,88,v,2
e amigos, disse elle, eu acho que numca homem pode dereitamente
fazer alguúa cousa, se nom sabe a fim porque o faz. e uos outros
i5 que aquy sooes ajumtados, per uemtura nam sabees dereitamente
porque aqui uiestes. Agora sabee, que sooes aqui uijmdos por ser-
uiço de nosso Senhor Jesu Christo. o quall uos aqui apresemto, por
cujo amor e seruiço elRey nosso senhor sse moueo a começar esta
demamda. E este he aquellc, que de nehuúa cousa primeiramente for-
20 mou o mundo, e criou em elle todallas cousas soomente per seu querer.
e sobre todo formou os homeés da mais nobre nem melhor natureza
que outra alguúa criatura terreall, teemdolhes aparelhada casa perdura-
uell, pouco mais baixa que a dos amjos, segumdo diz o profeta. E como
quer que os homeês sse desemcaminhassem do uerdadeiro caminho,
25 nosso Senhor quis uijnr a este mundo tomar carne humana, e uiuer em
elle ataa soffrer morte, por rremijr o nosso peccado. Leixo de uos dizer,
como depois da sua samta paixom aquelle emçugemtado e abominauell
cismático Mafamede, tomou falsso nome de profeta, sob collor de uirtude
*e onestidade semeou poUo mundo esta sua danada seyta. a quall assy A,88,r. i
3o como as maas heruas ham natureza de creçer mujto mais, que as pro-
ueytosas e boõas. bem assy esta maa semente dos jmfiees creçeo tamto
na horta do Senhor, que sse nom fosse arrimcada pollos fiees e cathoUi-
cos primçipes, em breue tempo creçeria tamto, que amortificaria toda a
boõa semente. E porque elRey nosso senhor he huú daquelles obreiros
35 que o Senhor comuida no Euamgelho, ajumtou aqui este seu pouoo pêra
6. temçom A — rrazam A — 9. assi A. — 10. quando A. — 11. pousouse A. — 16. uijn-
dos A. — 17. JhQ xpõ A. — 25. mutndo A. — 27. despois A. — 29. assi A. — 3 1 . boas A —
assi A. — 32. pellos A. — 34. boa A — nosso senhor elRey A I.
— 200 —
fazer seu samto seruiço. o quall oje com a sua graça e ajuda espera
de poer em obra. Ora disse elle, porque sabees que todoUos boõs ser-
uidores, que uerdadeiramente deseiam trabalhar em alguúa cousa, com
gramde cuydado buscam todallas maneiras, per que melhor possam achar
sua fim. e porque o nosso uerdadeyro rremedio he a nossa comçiemçia, 5
a quall deuemos de alimpar e proueer de todallas magoas que em ella
semtirmos, e sem a graça de nosso Senhor Deos nom podemos percall-
çar, uollo apresemto aqui. no quall comtemplamdo uos possaaes doorosa-
mente arrepemder de uossos peccados. Ca escprito he nas estorias da
A,89,r,2 Briuia. omde diz que fallou *Ahyor primçipe dos filhos de Amon ao >o
gramde capitam Holofernes, quamdo tijnha cercados os Judeus na cidade
de Betulia, declaramdo como o Senhor marauilhosamente sabia deffemder
todollos seus, quamdo elles perfeitamente guardauam seus mamdamentos.
e que numca ouue quem podesse comtradizer a este pouoo, saluo quamdo
sse apartou da homrra do seu Senhor Deos. ca logo forom dados em preá '5
e rroubo de seus jmmijgos. e como outrossi fezeram penitemçia, e sse
arrepemderam de seus peccados, logo a uirtude do çeeo foy com elles
pêra rresistir a todos seus jmmijgos. As quaaes cousas ssom escpritas
no quimto capitullo do liuro de Judith. pollo quall emtemdemos que duas
cousas soomente nos ficam pêra fazer com toda diligemçia .s. cobijçar a 20
perfeiçom da uitoria comtra os jmmijgos da ffe, e a segumda humilldar
nossas almas ao Senhor, tornamdonos a elle de todo coraçom, fazemdo
penitemçia de todos nossos erros passados, e pidimdolhe que por sua
samta piedade nos queyra ajudar, dizemdo aquello que no uiçesimo capi-
tullo do Parallipomenom he escprito, omde diz. Porque Senhor nom ^5
sabemos, que mais deuamos nem possamos fazer, esto soomente nos fica
A,89,v,i -s. que emderemçemos * nossos olhos a ti, pois nom ha hi cousa per que
deuamos seer alheeos deste negocio. E porque o dia doje seremos ajum-
tados com a graça de Deos sobre este feito casi todollos do pouoo de
Portugall, deuees uos ajudar e esforçar huús aos outros com todo cora- 3o
com e uoomtade. ca este he o próprio offiçio da naturall justiça, segumdo
he escprito no primeiro liuro dos offiçios, omde Tullio allega huú dito de
Platam dizemdo. Muy altamente he escprito per este gramde filosofo
.s. que nom soomente naçemos pêra nos meesmos, ca parte de nosso
naçimento rrequere o seruiço de nossa terra, e es nossos amigos, que de 35
nos alguúa cousa ham mester. E segumdo praz aos Estóicos, as cousas
1 1. quando A. — i5. foram A. — 16. utrossi A. — 19. Judich AC. — 21. contra A.
25. parallipemenon A. — 27. emderençemos A. — 29. sobreste A. — 3o. deues A. —
3i. segundo A. — 33. fillosofo A. — 36. Estóicos I, estoricos A.
que ssom em a terra geeradas, primçipallmente ssom pêra o huso dos
homeés, e os homeés outrossy ssom geerados por causa e proueito dos
homeés. por que elles amtre ssi meesmos aproueitem huús aos outros,
no quall seguimos natureza comuúa a Deos. E esto ueemos em as bru-
5 tas animalias. as quaaes naturallmente sse amam huúas aas outras,
segumdo diz o sabedor aos xiij capitullos* do Ecclesiastico, poemdo a A,89,v,2
semelhauell ley do amor em os homeés, dizemdo. Toda animalia ama a
outra a ssi semelhamte. e todo homem deue jsso meesmo de amar a
seu próximo, segumdo sse mostra nos estromentos da musica, nos quaaes
IO todallas uozes comcorrem huú comssoamte, e sse comrrespomdem e dam
perfeiçam huúas aas outras. E assy diz Pollicrato, que deue seer na
comunidade dos homeés, os quaaes sse deuem dajudar e acorrer huús aos
outros. E esto meesmo parece na supernall natura e comunidade dos
amjos, a cuja semelhamça deuem em na jgreia miilitamte seer ordenados
i5 os homeés, os quaaes todos ssam em huú amor e comcordia, despostos e
partidos segumdo diuersas gerarchias e ordeés. e sse comrrespomdem
huús aos outros aa gloria de Deos, cada huú segumdo suas exçellemçias
e perfeiçoões. e todos comcorreram prestesmente de huú coraçom pêra
destroyr e derribar aquelles, que sse quiseram alleuamtar comtra a sua
20 samta cidade çelestriall, e jguallar ao seu glorioso Deos .s. Lúcifer e
os seus maaos amjos, segumdo que no duodécimo capitullo do Apoca-
llipse he escprito, que ssam Myguell * e os seus amjos pelleiarom comtra A.go.r, i
elles ataa derribalios do çeeo. Deuees ajmda cobrar uerdadeira forte-
lleza poemdo amte nossos olhos, como pelleiaaes por amor de nosso
25 Senhor Deos, que he uerdade, comsijramdo que assy como uos elle ajudou
comtra os uossos jmmijgos christaãos, que eram mujto mayor numero que
uos outros, assy uos ajudara comtra estes, que ssom uossos jmmijgos e de
Christo. Nem deuees rreçear o espargimento de uosso samgue sobre
semelhamte comquista. ca escprito he que na edificaçom do templo de
3o Jerusalém todallas pedras hiam primeyramente lauradas e picadas com
martellos, porque mamssamente fossem postas na obra que auia de durar.
E por este exemplo tem os samtos doutores, que aquelles que sse ham de
poer no fumdamento e aliçcçe daquelle muro do templo çelestriall, que he
dito Jerusalém, ham de seer primeiro em este mundo picados com ferro,
35 porque o seu assemtamento ha de seer em aquelle lugar pêra todo sem-
pre. E de como uos o samto Padre outorga os uerdadeiros perdoões,
2. jeerados A. — 3. antre A. — 6. capitólios A. — 7. semelhacel A. — 9. prouximo A.
— 20. s. luçifer D, Lúcifer I, Silluester A, Sylvester C. — 23-24. fortalleza A. — 25. assi A.
— 3o. Jhrlm A. — 3i. manssamente A. — 34. Jhrlm A. — 35. legar A.
36
A,9o,r, 2 que he saluaçam das almas per sua samta letera, assaz uos foy * fallado
pollo meestre frey Joham Xira, quamdo esteuestes em Laagos. e os que
em ssi ajmda semtirem alguúa cousa, per que as suas comçiemçias seiam
agrauadas, cheguemsse a seus abades, e mostrem delias arrepemdimento.
e desi uijníde todos aqui darlhe paz, por tal! que elle uolla dee pêra todo 5
sempre no seu rregno. E emtam se leuamtou o Iffamte domde estaua
em jeolhos, fazemdo sua oraçom amte o corpo do Senhor, e foy beyiar
o pee de huúa custodia muy rrica, em que elle sempre estaua depois
que elle partio de Portugall. e per esta meesma guisa fezeram todollos
outros. E depois desto disse Martim Paaez que fimcassem todos os lo
giolhos em terra, e que fezessem a comfissam, em fim da quall os assolueo
de culpa e pena segumdo o poder da samta cruzada. Agora disse elle,
)rmaãos e amigos, teemdes sobre uos as armas da fortelleza. ora daqui
em diamte pelleiaae sem nehuú temor, ca o nosso Senhor estará aqui em
presemça de todos ataa fim de uosso trabalho, sem nehuú temor dos ,5
jmmijgos pêra uos dar o seu uerdadeiro esforço. E depois que o Iffamte
A,9o.,v, 1 foy fora, sempre Martim Paaez * acompanhado de mujtos outros capellaães
alli esteue com o corpo do Senhor, rrezamdo mujtos salmos e oraçoÕes de
gramde uirtude ataa fim de todo o feito. E como quer que mujtos uiro-
toões e pedras fossem lamçadas de fora pêra a gallee, prouue a elle de 20
numca empeeçerem em aquelle lugar homde estaua, nem a nehuú daque-
lles clérigos que amte elle rrezauam.
Como o baíell de Joham Fogaça foy o primeiro que sayo fora, e
como Riiy Gomçallue{ filhou primeiramente terra e desi todollos
outros. Capitullo Lxxij. 25
TODAS aquellas pallauras que assy rrazoou Martim Paaez, fezeram
gramde fortelleza e acreçemtamento de ífe, em quamtos estauara
em aquella gallee, mais porque em todollos outros nauios nom
sse fazia semelhamte auto. E o soll começaua ja aqueeçer, anojauamsse
os homeés porque tamto tardaua o signall, que lhes auia de seer feito jo
pêra sahirem em terra, e desi os mouros amdauam ja polia rribeira
fazemdo suas maneiras, polias quaaes punham gramde aluoroço na gemte
que estaua em nos nauios. e cada huú deseiaua sayr, se nom teue-
2. pello A. — 6. rreyno A — levantou A. — 8. húa A. — i3. forteleza A. — 14. pelle-
jaae A. — 16. despois A. — 19. atee. — 26. assi A. — 3i. pella A.
— 2o3 —
ram rreçeo da deliesa delRey. Empero Joham Fogaça, que era ueedor do
comde * de Barçellos, nom pode soportar tamanha tardamça. e mamdou A,9o,v,2
emderemçar seu batell dereitamente aa praya. e o primeiro homem que
salltou em terra, foy Ruy Gomçalluez comemdador que depois foi de
5 Canha, e ueedor da Iffamte molher do Iffamte Dom Joham. mais nom o
acharom os mouros tam ligeiro de derribar, como elles amte deziam a
Çaiia bem Çalla. ca tamto que saiitou amtrelles, começou de os ferir
tam rrijamente, que os fez afastar daquelle lugar omde os batees auiam
de sayr. E o Iffamte Dom Hamrrique, porque tijnha sua pramcha alguú
IO pouco afastada da terra, lamçousse demtro em huú batell que passaua
per hi. e meteo comssigo Esteuam Soarez de Mello e Meem Roiz de
Refoyos, que era seu alferez. e mamdou que as trombetas fezessem
rrijamente sinall pêra sahirem todollos outros em terra. E tamto que o
Iffamte foy na praya, começou a gemte de rrecreçer. e Ruv Gomçalluez
i5 que sahira primeyro, amdaua ja diamte amtre os mouros, e huíi jemtill
homem allemam em sua companhia, os quaaes derribaram huú gramde
mouro, que amtre todollos outros mostraua mayor fortelleza. Alas he
agora de saber como o Iffamte Duarte * ass}' como uallente caualleiro A,9i,r, i
sahio de sua gallee, em quamto seu padre amdaua proueemdo a outra
20 frota, e sse foi pêra aquelle porto, omde o Iffamte Dom Hamrrique
filhara terra, e Martim Affomsso de Mello e Vaasquo Eannes Corte Reall
eram açerqua delle, quamdo salltou na pra3'a. ca assy fezeram outros
mujtos, sse lho elle quisera comsseratir, mais com rreçeo de seu padre
leixauam de o fazer. E em esto seriam os christaãos ja fora naquella
25 praya ataa çemto e çimquoemta. e assy começarom muy rrijamente de
sse meter com os mouros, magoamdoos a meude com suas armas, ataa
que per força os fezeram meter per a porta dAlmina. E o primeiro
homem que foy demtro com elles, foi Vaasquo Eannes Corte Reall e desi
os outros após elle. E himdo assy pelleiamdo com os mouros, açertousse
3o que o Iffamte Dom Hamrrique conheçeo seu jrmaão. ca posto que o
Iffamte Duarte auia pedaço que amdaua amtre os mouros, nom emtem-
daaes que os homeés em semelhamtes lugares, quamto mais seemdo
armados, sse tam asinha podem conhecer. Empero quamdo o Iffamte
assy conheçeo seu jrmaão, fezelhe muy gramde mesura, dizemdo que daua
Í5 mujtas graças ao Senhor Deos por lhe dar tam boõa companhia. E a uos
senhor, * disse elle, tenho mujto em merçee a boõa uoomtade que teuestes e A,9i,r,2
2. conde A. — 4. despois A. — 9. Iffante A. — 10. batel A. — 18. assi A. — 21. uaas-
queãnes A. — 22. quando A — assi A.— 25. atee A. — 28. uaasqueannes A — rreal A.
— 29. assi A. — 34. assi A — fezelhe A C, fezlhe 1. — 35. boa A. — 36. boa A.
204 —
teemdes pera nos uijr ajudar. Nom era aquelle o lugar segumdo o tempo,
em que sse mujtas pallauras semelhamtes ouuessem de passar, porque
as lamças e as pedras nom estauam em uaão. E em esto forem assy
leuamdo os mouros comtra a porta da cidade, ferimdo e matamdo em
elles ssem alguúa piedade, ca eram ja com os Iffamtes melhoria de ;>
trezemtos homeés. e ordenaram alli sua batalha com emtemçom despe-
rarem elRey, segumdo lhe fora mamdado. Nom me parece que he bem,
disse o Iffamte Duarte, que façamos agora alguúa deteemça, porque estes
mouros ssom aqui açerqua de nos. e sse os leuarmos assy, poderá seer
que quamdo elles emtrarem, que emtraremos de uoilta com elles, ou ao lo
menos forçallos emos tamto, que nom possam fechar a porta, e amtre
tamto acudira a nossa gemte e emtraremos a seu despeito. O Iffamte
Dom Hamrrique disse que lhe parecia muy bem. e em esto começarem
de seguir os mouros, em tamto que os fezeram tirar damtre as cisternas
e huú chafariz que alli esta, em que sse coaua agua quamdo uijnha de i5
cima daquelles outeiros. E amtre aquelles mouros amdaua huú mouro
A,9i,v, I gramde *e crespo todo nuu, que nom trazia outras armas senam pedras,
mais aquellas que elle lamçaua da maão, nom parecia que sahia senom
dalguú troom ou colobreta tamto era forçosamente emuiada. E quamdo
os mouros assy forom empuxados como ja dissemos, aquelle mouro uirou 20
o rrostro comtra os christaãos e dobrou o corpo, e foy dar huúa tam
gramde pedrada a Vaasco Martimz dAlbergaria sobre o baçinete, que lhe
lamçou a cara fora. nem a uista daquelle mouro nom era pouco espam-
tosa. ca elle auia o corpo todo negro assy como huú coruo, e os demtes
muy gramdes e aluos, e os beyços muy grossos e rreuolkos. Mais a 25
Vaasco Martimz nom esqueeçeo de lhe paguar seu trabalho, ca posto que
aquella pedrada fosse muy gramde e em semelhamte lugar, Vaasco Mar-
timz nom perdeo o temto, mas ajmda ho mouro nom auia uagar de sse
uyrar da outra parte, quamdo elle adiamtou seus pees, e correo a lamça
polias maãos, e passou ho com ella de parte a parte. E tamto que aquelle 3©
mouro foy morto, loguo todollos outros uiraram as costas, e acolheramsse
A,9i,v,2 aa cidade, e os christaãos de uoilta com elles. * E sobre a emtrada desta
porta ha hi mujtas deuisoões, espiçiallmente amtre aquelles que sse acer-
taram seer alli açerqua. os quaaes com deseio de cobrarem nome de
homrra, apropriaram a ssy o grado daquella emtrada. e ajmda o peor 35
foy, que mujtos que estauam ajmda nos nauios disseram em alguúas par-
2. muytas A. — 3. foram A — assi A. — 7. segundo A. — 10. entremos I. — 11. antre
A. — 16. outeiros I, outros A. — 20. assi A — foram A. — 22 míz A. — 24. assi A.
— 26. uaasquo míz A. — 27-28. mlz A. — 20. lança A. — 3o. pellas A — tanto A. —
32. uolta A. — 36. foy] que foy A.
— 2o5
tes, que aquella horarra fora sua. empero a uerdade he, que Vaasco
Martimz dAlbergaria foi aquelle que emtrou primeiro polias portas da
cidade, e dizem ajmda que em chegamdo aa porta deu huú gramde
apupo, e bramdimdo a lamça dizemdo. Ja uaae o da Albergaria. E assy
5 como elle foy o primeiro que emtrou a cidade, assy fez depois mujtas
auamteiadas cousas per sua maão, como nobre caualleiro que era. E a
primeira bamdeira rreall que emtrou em a cidade, foy a do Iffamte Dom
Hamrrique. e certamente que aquella bamdeira deuera de seer bem
conhecida amtre toda a nobreza e geeraçom daquelles Marijms. ca muj-
lo tas uezes foy depois despreguada amtre gramdes ajumtamentos delles,
omde sse fez gramde mortijmdade amtre os mouros, segumdo adiamte em
mujtas partes de nossa estoria *emtemdemos de comtar. nem auia hi A,g2, r, i
outra bamdeira nem estemdarte, sse nom huúa bamdeira de Martim
Aííbmsso de ]\Ieello, e huú estemdarte de Gill Vaaz. E quamdo os Iftam-
i5 tes emtraram, emtrarani com elles obra de quinhemtos homeês darmas.
Como as nouas chegaram a Çalla bem Çalla de como os christaãos
eram demtro na cidade. Capitullo Lxxiij.
VENHAMOS agora dizer a maneira que os mouros teueram em leuar
aquellas nouas a Çalla bem Çalla, e aqui faremos tim de todallas
cousas, que a elle perteeçem. Omde auerees de saber, que depois
que aquelles mouros disserem a Çalla bem Çalla, que queriam hir empa-
char a uijmda dos christaãos aa rribeira, elle mamdou hordenar seus
mouros per tall guisa, que mujto a meude lhe trouxessem as nouas de
quallquer cousa que sse passasse pêra seu auisamento. E os primeyros
25 que cheguarom a elle, forom aquelles que lhe comtarom como os chris-
taãos tijnham ja a praya filhada, e como mataram huú delles, e feriram
outros mujtos. E agora disse Çalla bem Çalla, em que pomto ssam ja.
Sam acerca dAlmina, disse o mouro. E * estamdo assy em estas rrazoÕes, A,92,r,2
chegarom outros mouros, que disseram como a Almina era filhada, e
3o nom tam soomente, disseram aquelles, estam os christaãos em este pomto,
mas trazem os nossos amte ssy como ouelhas, caminho da porta da
cidade. Parece, disse Çalla bem Çalla, que os nom acham tam ligeiros
de uemçer, como elles amte deziam. Ca. forom mujto emganados, rres-
pomdeo o mouro, açerqua daquelle ferro que os christaãos trazem sobre
2. mlz — 3. grande A. — 4. assi A. — 9. antre A — marljs A. — 10. despois A —
grandes \. — 11. mortimdade A. — antre A. — 25. foram A. — 28. assi A. — 33. foram A.
— 2o6
ssi. ca pemssauam que sse nom podessem com elle aballar. o que he
mujto pollo comtrairo, porque nom menos salltam e correm, como sse
amdassem cubertos de papell, sem outra nehuúa cousa. Ora disse Çalla
bem Çalla, hy e daae auisamento a todos, que cerrem muy bem as portas
da cidade, e trabalhem muy bem de as deffemder de cima do muro, 5
quamto poderem. E estamdo assy pêra emuiar aquelles, chegarom outros
depenamdo suas barbas, e fazemdo gramde doo. Ja disseram elles, nom
presta nehuú auisamento açerqua dello, que os christaãos sam ja demtro
na cidade, e sobreueem outros mujtos mais, e matam nos nossos, como
se fossem caães. E assy como uieram estes, sobrecheguarom outros lo
A,q2,v, I mujtos mais. que comtarom *aquellas meesmas nouas e outras mujto peo-
res. ca lhe disseram, como os christaãos se espalhauam ja polias rruas, e
faziam nos mouros muy gramde mortijmdade. Çalla bem Çalla uirou o
rrostro pêra outra parte pêra escomder a força das lagrimas, que lhe co-
rriam dos olhos, e tornamdo comtra elles lhes disse. Pois que a minha i5
maa uemtura e a uossa assy hordena, que ajamos de perder nossa homrra
e nossas casas e fazemda, trabalhaae por salluardes nossas uidas o me-
lhor que poderdes, porque das rriquezas ja me parece que mall uos
podees aproueitar. E pois que na cidade posestes tam maao rremedio,
eu nom semto co.mo sse guarde o castello. Os Iftamtes e comde de 20
Barçellos e os que eram com elles, depois que forom demtro na cidade,
filharom logo huúa pequena altura que alli esta, per comsselho do IfTamte
Duarte, e esto era huúa mota que sse alli fezera com as esterqueiras
das casas, que sse alli per gramde tempo custumara lamçar. e alli este-
uerara huú pouco esperamdo que rrecreçesse mais gemte, porque ajmda 25
nom eram com elles mais daquelles quinhemtos que ja dissemos, porque
a cidade he mujto gramde, e era necessário que sse espalhassem aquelles
A,92,v,2 per ella. e poderia * seer que nom uijmriam outros tam asinha, que pode-
ssem empachar os mouros, que nom çarrassem as portas. Mas a tardamça
nora foy muy gramde. ca a gemte da frota nom punha uagar em sua 3o
sabida, e em breue tempo sse jumtarom alli outros mujtos. E Vaasco
Fernamdez dAtayde nom sse teue por comtemte demtrar por aquella
porta, por omde os Iffamtes emtraram. e apartousse com alguijs seus, e
assy com outros alguús de pee de Gomçallo Vaaz Coutinho seu tio. e
foisse per acaram do muro da parte de fora a huúa outra porta, que estaua 35
acima daquella, e começou de a britar, em esto cheguaromsse outros
2. saltam A. — 6. assi A — chegaram A. — 8. dentro A. — 9. muytos A. — 14. rrosto
A — esconder A. — 16. assi A. — 21. foram A. — 3o. nom 1.°] no A — grande A—
32. contemte A. — 34. assi A. — 35. outra] na margem A.
207 —
alguús que uijnham de fora, e a força de machados e de fogo forom
aquellas portas de todo britadas. Mais esto nom foy ligeiramente aca-
bado, ca primeiramente morreram alli sete ou oito homeés daquelles, que
nom eram tam bem armados, ca os mouros eram ajmda mujtos sobre os
5 muros, e rrecreçiam pêra alli cada uez mujto mais, porque pemssauam
deftemder a emtrada aos christaãos com a força das pedras e armas, que
lamçauam de cima. e empero esto era gramde emgano, que elles tijnham.
ca posto que as suas portas esteueram fechadas, abastamte era a forte-
lleza dos christaãos pêra as abrirem,* assy como Vaasco Fernamdez A,93,r, i
IO aquella. e empero elle foy ferido, por cuja rrazom lhe comueo estar alli,
ataa que foy emtrada. Gramde maa uemtura diz o autor, que foy
aquelle dia açerqua da morte de tam boom homem, ca por certo elle
era huú fidallgo, em que auia mujtas bomdades. e assy era mujto amado
delRey e de todos seus filhos, e espiçiallmente do Iftamte Dom Hamrri-
i5 que com que elle uiuia. e como elle fez sua fim, fallaremos em outro lugar.
Como os Iffamtes partiram dally, e das rraioóes que lhe Joham
Affomsso iieedor dafa{emda disse quamdo chegou a elles.
Capiíullo Lxxiiij.
CHRisTO Jesu nosso Senhor foi aquelle, a quem dereitamente pode-
remos dar a homrra deste feito, empero nom ficam os homeés
que em elle trabalharam sem muy gramde parte da homrra.
amtre os quaaes Joham Affomsso ueedor da fazemda merece a sua parte,
por seer por elle mouida huúa tam samta e tam homrrada cousa. E assy
tijnha elle muy gramde prazer, quamdo lhe disseram que a cidade era
25 emtrada. nom porem que elle fosse achado ao tempo que lhe deram estas
nouas dormimdo, amte era ja na praya, e começaua de seguir o caminho
* dos primeiros. E quamdo chegou aaquella pequena altura, omde estauam
os Iffamtes, alleuamtou sua cara e disselhes. Senhores, pareçeuos que A,93,r,
ssom estas assaz de homrradas festas pêra o dia da uossa cauallaria.
3o melhor me parece, que uos uejo ora omde estaaes, ca de uos ueer nas
logeas frias de Simtra, proueemdo os assemtamentos do rregno. E em
passamdo assy estas cousas, nom çessaua a gemte darmas de cheguar
cada uez mujto mais. E porque Gomçallo Vaaz Coutinho fallamdo per
alguúas uezes naquella armada dissera, que lhe pesaua mujto, porque a
I. foram A. — o. assi A — Vaasquo A. — i3. assi A. — i5. luguar A. — 17. affõm A.
— 19. Xpõ Jhú A. — 20. a I, om A. — 23. mouido A — assi A. — 25. elle] em elle A.
— 20S —
homrra daquelle dia seria toda dos homeés de pee, por rrezam das poucas
armas que leuauam, e que seriam mais desemuoUtos que os homeés dar-
mas. a quall pallaura nora esqueeçeo ao Iffamte Duarte, o quall quamdo
assy uio aquelles homeés darmas seguir auamte tam desemuoUtamente,
disse comtra o Iffamte Dom Hamrrique. Pareçeme jrmaão, que nom he 5
oje a homrra toda dos homeés de pee, como dezia Gomçallo Vaaz. E
porque a gemte era ja mujta, mamdou o Iffamte Dom Hamrrique per
rrequerimento de seu jrmaão, que sse rrepartissem cada huús per suas
A,93,v. I partes .s. o comde Dom Aff"omso per huúa rrua*, e a sua bamdeira com
parte daquella gemte per outra, e Martim Affbmsso de Meelio per outra. 10
E disse o Iffamte Duarte, que era bem que elles ambos se fossem per
açerqua daquelle muro a filhar todallas altezas, que sse podessem achar,
porque os mouros nom teuessem lugar de sse acolherem a ellas primeira-
mente. E jmdo assy, porque o soll era muy gramde e aquella costa
áspera de sobir, tirou o Iffamte Duarte parte das suas armas, porque i5
semtio que era trabalho sobeio de as trager, ueemdo como os mouros ja
leuauam caminho de desempachar a cidade. Mais o Iffamte Dom Ham-
rrique, porque hia ajmda todo armado, nom o podia seguir, por cuja rrezam
o seu jrmaão esperou duas uezes, ataa que lhe foi necessário tirar a
mayor parte de suas armas, de guisa que nom ficou senom com huúa 20
soo cota. Mais porque falíamos nas rrezoões, que os escudeyros do
Iffamte Dom Hamrrique disseram a seu senhor, quamdo uijnha da pomta
do Carneiro, e na rreposta que lhes elle deu, prazeruos ha de saberdes
a comclusom que ouueram por ememda de seu fallamento. E foy, que
A,93,v,2 quamdo elles uijram ao Iffamte no batell, nembramdosse * do que lhes elle 25
dissera, acreçemtaram mujto mais sua trigamça, comsijramdo como todos
nom podiam caber na pramcha, quiseram arremedar ho Iffamte lamçam-
dosse em huú batell, forom tamtos jumtamentc, que os nom pode soportar,
e allagousse com elles. mas prouue a Deos, que pêro alli fosse a agua
d altura de huúa lamça darmas, e elles assy fossem todos armados, nehuú 3o
delles nom falleçeo. E foy ajmda mujto mayor marauilha, porque a
Duarte Pereyra, que era huú daquelles, cahio huú cuyteilo que leuaua do
Iffamte, e nembramdosse delle depois que foy fora, oolhou comtra o
peego da agua e uio jazer, por quamto a agua he alli mujto clara, e
tornou outra uez por elle, assy armado como estaua. Mais as cotas dar- 35
mas e prumoões de cada huú que leuauam aa sua maneira, perderam alli
4. assi A. — 8. requirimento A. — 9. húa A. — i3. colherem A, acolherem 1. —
14. assi A. — 17. desempachar I, despachar A. — 18. rrazam A. — 21. mães A. —
2S. foram A. — 3o. lança A — assi A. — 3). foi A. — 33. despois A.
— 2og —
toda sua fremosura. ca bem deuees demtemder cousas de taaes iauores,
como sse corregeriam em semelhamte lugar. E empero em alguúa cousa
lhes prestou aquelle allagamento, ca lhes deu ajuda pêra soportarem a
força da quemtura.
5 Cotiio o Iffamte Duarte foi filhar a altura do Cesto, e o Iffamte tor-
nou aa rrua dereita. Capitullo Lxxi>.
EM aquelle lugar omde o IfFamte tirou suas armas, aquelles escudei- A,Q4,r, i
ros de que ja falíamos, os quaaes sse per o ssoom das suas palla-
uras nom fossem conhecidos, camta por suas deuisas nem cotas
10 darmas pequeno conhecimento delles podia auer. e sse dizem que os
homeés numca melhor pelleiam, que quamdo sam acesos em sanha,
aquelles em aquella ora deueram de pelleiar auamteiadamente, que assaz
de sanha hia com elles, assy polia primeira menemcoria, como pollo
segumdo aqueeçimento, de que elles nom leuauam pequeno semtido. E
i5 o Iffamte depois que assy tirou suas armas, ficou com huúa soo cota, e
trigousse mujto por alcamçar seu jrmaão, e seguio tamto ataa que chegou
a elle aa fim da primeira alteza. E tornamdosse dalli o Iffamte Duarte
em salltamdo huúas paredes, foy necessário de sse partirem cada huú
pêra sua parte, porque o lifamte Dom Hamrrique pemssou, que pois
20 aquella alteza era filhada, que seu jrmaão tornasse pêra fumdo. e com
tall emtemçom tomou aquelle caminho. Mais o Iffamte Duarte foi assy
filhamdo todallas altezas, ataa que chegou aa fim da mayor, omde sse
chamaua o Cesto. E* nom cuydees que a passagem destes lugares era A,94,r,2
sem alguíi trabalho, que a cidade per todas partes era chea de mouros, e
25 nom podiam os homeés amdar per nehuúa parte, que nom achassem
alguús. mais nom podia o Iffamte Duarte emcomtrar com tamtos, que
nom deseiasse ajmda mujtos mais. porque aquella uista auia mujtos
dias, que elle deseiaua. E mujtas cousas se poderam dizer acerca de
sua ardideza, as quaaes comtadas per sua dereita fegura em quallquer
3o outro homem por gramde e boom que fosse, poderiam seer comtadas
por gramdes. mais o Iffamte nom quis delias fazer gramde comta,
porque era mujto aaquem do que elle deseiaua. Empero posto que
alguús boós homeés com elle fossem, ca toda a força da sua jemte
ficaua ajmda na frota, os quaaes depois ueeram com a sua bamdeira. a
i3. assi A. — i5. assi A — com I, em A. — 17. Iffante A. — 19. Iffante A. — 20. sseu A.
— 21. assi A. — 22. atee A. — 26. tantos A. — 32. porque era A, por serem I. — 34. des-
pois A.
37
2IO
sua espada era a primeyra que feria em quallquer lugar, que sse açer-
taua de seer necessário, assy como teemdes ouuydo, que foy primeira-
mente filhada a praya e desi a Almina e depois a cidade. Porque todo-
llos da frota delRey esperauam que ouuessem de sahir per outra horde-
A,94,v, I namça, segumdo era hordenado, nom estauam tam * prestes, como sse o b
caso ofFereçeo. Mais depois que uiram, como todollos da frota do Iffamte
Dom Hamrrique sayam com tamanha trigamça, e como depois que emtra-
uam a Almina, nom tornaua mais nehuú. e uijam jsso meesmo, como
os mouros que estauam no muro. corriam todos pêra a porta, semtiram
que toda a força do feito estaua em aquelle lugar. E porque elRey lo
amdaua ajmda pollos nauios, ca a frota era mu}' gramde, e elle auia de
failar com mujtos. mamdou o Iffamte Dom Pedro e huú seu ueedor, que
chamauam Dieguo Gomçalluez de Trauaços, que fossem em huú batell
dizer ao Iffamte Duarte, se lhe parecia bem de filharem terra, pois que o
Iffamte Dom Hamrrique seu jrmaão ja era na Almina, e estaua açerqua i5
B, U2,v, I das portas, segumdo lhe parecia* no sair da gente que saya da sua frota.
Mas quando Diogo Gonçaluez chegou com o rrecado. como o Iffante
B, ii2,v,2 Duarte ja era fora. mandou elle Diogo de Seabra, que * era seu alferez
que posesse a bandeira no seu batel, e mandou fazer sinal com as trom-
betas a todollos outros nauios, que se fezessem trigosamenie prestes. E 20
estando pêra jr falar a elRey seu padre, chegaram alguús daquelles
senhores, que vinham buscar elRey. o qual se acertou logo de chegar
alij com entençam de dizer ao Iffante, que saisse o mais trigosamente que
podesse, pêra filharem terra elle e todollos da frota. A bom tempo, disse-
rom alguús daquelles fidalgos, podemos nos ja jr pêra leuarmos daqui 25
honrra nem nome, que nos muito preste, quando a cidade he ja entrada.
E entam contaram a elRey o grande arroido que ouuiam dentro, como
lhe parecia que aas vezes ouuiam o soom das trombetas. Por certo,
disserom elles, bem auenturados forem aquelles que se acertaram de
seer em aquelle ajuntamento, ca de toda a honrra deste feito leuam elles 3o
a milhor parte. E em esto chegaram as nouas em certo, como a cidade
era entrada, e os Iffantes e conde de Barçellos andauam dentro espalha-
B, 112, r, 1 dos cada hum por sua parte. Na sua * lediçe nom fallo. ca posto que elle
na sua vontade teuesse tamanha como era rrezam. nam a demostrou
muito em sua contenença. ca este era seu geito em todallas cousas nun- 35
qua amostrar contenença allegre, por grande bem auenturança que lhe
2. assi A. — 4. delRej. — ^11. pellos A. — 14. Iffante A — pareceria C. — 18. jaa B. —
21. estando] add. o Infante Dom Pedro, I. — 22. chegar C, achegar A D. — 25. daque-
les B. — 26. quando B, pois I. — 3o. elles leuam C — leuão B. — 32. era] add. ja D. —
33. huú B — sua lediçe B, ledice delRey I. — 34. não B. — 35. seu] ho seu D.
211
viesse, nem jsso mesmo tristeza pollo contrairo. mas começou de se
rrijr contra os outros, quando soube a maneira que o Iffante Duarte
teuera em se esconder delle, pêra jr com seu jrmaão em aquella dianteira.
Parece, disse elle, que meu filho nam quis esperar, porque entendeo que
por azo de minha velhice sairia mais tarde, ou seria mais pesado que elle
pêra saltar, e quis hijr com seu jrmaão, porque lhe sentio a vontade mais
acesa que ha minha. Mas dou muitas graças a Deos, porque lhe mos-
trou tam asinha a fim do seu desejo.
Co7Jio elRey e o Iffante Dom Pedro com todollos outros daqiiella B, ii3,v,2
10 frota filharam terra, e como Gonçallo Lourenço de Gomidefoy caiia-
leiro chegando aa porta da cidade. Capitullo Lxxij.
NAM era pequena trigança a que tinham todos aquelles, que estauam
pêra sairem em terra, e sabey que enueja e cobiça nam era muy
longe da mayor parte daquelles, porque os fidalgos e gentijs
i5 homeés deseiauam de seer na companhia daquelles, que entraram primeiro
na cidade, aos quaaes parecia que o agradecimento daquellas cousas,
em que elles mais trabalhassem, todo seria nenhum, pois que elles nam
forom naquella dianteira, ca elles nam contauam nenhuúa outra cousa por
grande, senom aquella entrada, que os primeiros fezeram na cidade, e os
20 outros do pouo auiam em sy muy grande despeito polia cobiça, que lhe
em sy traziam da rriqueza, a que pensauam que os outros tinham, e
deziam em suas vontades, que todo seu trabalho fora despeso em vão.
porque elles auiam* de ficar sem parte de tamanha rriqueza, como elles A,96,r,i
crijam que auia em aquella cidade. Amigos deziam elles, forom la
25 mujto em boa ora aquestes, que uieram em companhia do Iffamte Dom
Hamrrique na frota do Porto, ca toda a homrra e proueito desta demamda
fica com elles. empero assv trabalhamos nos, e despemdemos como cada
huú. elles apanharom ho ouro e a prata e toda a outra rriqueza, e nos
chegaremos ao esbulho dos almadraques uelhos e das outras cousas de
3o semelhamte uallia. E assy sahiram todos cada huú como milhor podia,
ataa que elRey chegou aa porta da cidade, homde fez sua deteemça, assy
por rrezam da perna que tijnha ferida, como por emtemder que a seu
5-6. pêra saltar que elle D. — -. dou D I, deu BC. — lo. Gomide D I, Gouue de B C.
12. estauam] add. na frota delRey D. — i3. eram D. — i6. na] dentro na D — o I, ao B,
ho CD — de aquellas B. — 17. nenhú B. — 20. lhe] oní D. — 21. a que] que D — tinham]
add. cobrada D. — 22. dezvam B — 24. foram A. — 27. assi A — come A. — 3o. assi A.
— 3i. assi A.
— 212 —
estado nom comuijnha partir dalli, ssenam ao combate do castello, uisto
como a cidade ja estaua em tall pomto. E todoUos outros se espalharam
polias partes da cidade .s. a bamdeira do Iffamte Duarte com todollos
seus per huúa parte, e o Iftamte Dom Pedro com sua gemte per outra.
e o comdestabre e o meestre de Christo e assy todollos outros capitaães 5
cada huú omde os a uemtura leuaua. empero cada huú delles tijnha assaz
de trabalho, porque todallas rruas ajmda amdauam cheas de mouros.
A,96,r, 2 *E Ruy de Sousa, que era sobrinho do meestre de Christo e padre de
Gomçallo Roiz de Sousa, que foy capitam dos genetes destes rregnos,
queremdo fazer auamtagem leuou os mouros per huija rrua, homde rre- lo
creçeram tamtos que o çercarom em huúa torre, homde oje em dia
chamam o postigo de Ruy de Sousa, e alli ardidamente se deffemdeo,
ataa que foy socorrido. Nuno Martijmz da Sillueyra, filho de Martim
Gill Pestana, que foy da linhagem daquelles, que primeyramente fum-
daram a cidade dEuora, foy em aquelle dia bem conhecido amtre i5
todollos do Iffamte Duarte, porque assy como lhe Deos dera gram-
deza na forma do corpo, assy tijnha espiçiall força pêra soportar gram-
des trabalhos segumdo pareçeo em aquelle dia. ca fez tamto per ssi, per
que mereçeo seer huú daquelles, que o Iffamte Duarte fez caualleiros no
domimgo seguimte, e lhe fez depois mujta merçee e acreçemtamento, 20
segumdo em nossa estoria adiamte será comtado. Doutros mujtos boós
poderia fallar, se quisesse alargar meu processo, mas leixo todo por me
chegar aas primçipaaes cousas. Quamdo elRey estaua asseemtado aa
A,96,v, I porta da cidade, chegou alli Gomçallo Louremço de Gomide * seu escpri-
uam da puridade, acompanhado de quatroçemtos homeés todos de sua 25
liuree, e a mayor parte delles de sua criaçom. e disse a elRey. Senhor
assy em guallardom do seruiço que uos tenho feito, e por acreçemtardes
em mym e em minha homrra, uos peço por merçee que aqui me façaaes
caualleiro. Da quall cousa elRey disse, que era muy ledo. E assy fez
alli elRey Gomçallo Louremço caualleyro, como dito he. 3o
5. condestabre A — xpõs A — assi A. — 7. todollas A. — 8. xpõs A. — 1 3. martijz A.
16. assi A. — 17. assi A. — 17-18. grandes A. — 27 assi A. — 28. mynha A. — 29. caua-
leyro A.
2l3
Do gramde trafego que anta na cidade, e da maneira que os mouros
tijnliam em seu defemdimento. Capiíullo Lxxvij.
BEM podees comsijrar quall seria o trabalho de huús e dos outros,
depois que a fazemda esteuesse em tall estado, amtre os quaaes
era huú arroydo tam gramde, que mujtos deziam ao depois que o
ouuiam em Giballtar. e mujtas cousas notauees se passaram em aquelle
dia no rreuolluimeiito daquelie feito, que forom bem dignas de memoria,
se cheguaram a nosso conhecimento. Ca boom he de comssijrar, que homde
era tamta boõa gemte deseiosa de bem fazer, que sse nom passariam cou-
10 sas senam gramdes e boõas, quamto mais pareçemdo o signal tam mani-
festo, como era a gramde mortijmdade dos mouros, que foy* em aquelle A,96,v,2
dia. Mas deuees de saber, que duas cousas ouue alli, per que a boom-
dade de todos nom foy tam perfeitamente conhecida como deuera. A
primeira e a primçipall foy por seer aquella pelleia demtro na cidade,
• 3 quamto mais ajmda seemdo as rruas tam estreitas como eram, cuja
estreytura nom comssemtia em ssi senam muy poucos, ca sse aquella
pelleia fora em campo ou em alguúa praça larga, mujto mayor fora o seu
nome. E a segumda cousa foy a tardamça que sse pos em escpreuer
o acomteçimento deste feito, porque como ja disse no prollogo desta
20 estoria, a mayor parte de todollos boõs eram ja finados, ca a outra gemte
do pouoo nom trazia em aquelle dia o cuydado senam em rroubar, do que
achauam bem assaz pêra fartar suas cobijças. E era este huii caso muy
perijgoso, por quamto as casas tijnham as portas baixas e estreitas, e
eram feitas segumdo hordenamça dos mouros, e os homeês com aquelle
25 açemdimento da cobijça que traziam, emtrauam sem nehuú rresguardo, e
mujtos daquelles mouros jaziam em suas casas mostramdo huúa desaui-
sada perfia, a quall era a morte que poderam escusar, e a tomauam de
certa sabedoria dizemdo amtre ssi. Pois que a * minha maa ucmtura foi A,r47.r. i
tamta, per que uisse a ora de tamanho mall, aqui quero morrer em esta
3o casa, em que morreram meus padres e auoos. E assy amdauam os mez-
quinhos per meo daquellas casas, em quamto nom chegaua a sua derra-
deira ora. e esguardauam com mortall fememça na fremosura das cousas
que seus padres ou auoos em ellas fezeram. E quamto a esperamça era
mais certa da sua perdiçam, tamto lhe. pareciam aquellas cousas mais
35 nobres, porque o deseio naturailmente he sempre da cousa que mais dcs-
5. orroydo A. —7. foram A. — 9. boa gente A. — 10. boas A. — 32. esgardauam A.
lllMnrrt A.
33. quanto A
— 214 —
falleçe. e quamdo as assy oolhauam, punham os olhos hirtos em ellas, e
dauam muy gramdcs gimidos nembramdosse da sua fim. Aa samto pro-
feta deziam elles, e quall he ho outro, em que nos tu as de dar polia fiell-
dade que guardamos em tua lej', se nos tu desemparas na ora de tama-
nho mester. E taaes hi auia, que nom auiam uagar dacabar este pemssa- 5
mento, quamdo ja semtiam os jmmijgos. com aquella lastima tamanha
metiamsse de trás das portas pêra matarem os jmmijgos, quamdo quisessem
emtrar. mas esto nom lhes aproueitaua mujto, ca achauam os christaãos
A,97,r,2 armados, e assy ligeiramente nom lhe podiam empeeçer. *E com esto
numca sse açertaua em semelliamtes lugares, que huú soo emtrasse, que lo
loguo nom achasse outros alguús açerqua de ssi. e era a magoa daquelles
mouros tamanha, que sem arma nem ferro se lamçauam aos christaãos.
e nom auia hi tall nem tam desesperado, nem por gramde multidom que
uisse, que nom mostrasse sinall de deífemssom. e ja jaziam temdidos na
terra, e os spiritos quasi fora dos corpos, e ajmda mouiam seus braços i5
pêra huúa parte e pêra a outra, como quem deseiaua cortar alguúa
cousa. E alguQs daquelles mouros tomauam suas rriquezas, e as allaga-
uam nos poços, ou as soterrauam nos camtos das suas casas, maginamdo
que posto que por emtam perdessem sua cidade, que a tornariam ajmda
a rrecobrar, homde lhe aproueitariam aquellas cousas, que assy guar- 20
dauam.
Como o Iffamte Dom Hamrriqiie tornou aa mia dereita, e das cou-
sas que allifei. Capihillo Lxxviij.
D
issEMOs nos outros capitulios, como o Iffamte Dom Hamrrique
presumio que seu jrmaão era em outra alguúa parte, e porem «5
deçeosse comtra a rrua dereita pêra hir atemtar a fortelleza do
A,97,v,i castello. ca de todallas * outras cousas da cidade nom fazia ja nehuúa
comta, pollo uemçimento em que os mouros amdauam. e menos era seu
deseio comtemte de nehuúa boõa dita, que naquelle feito ouuesse, nom por-
que elle bem nom conhecesse a gramdeza da uitoria. mas por quamto 3o
sse ouuera com tam pequeno trabalho. Ca certo he que aquella cousa
he de nos mais amada e prezada, cujo senhorio per gramde trabalho
cobramos, e por tamto diz o filosofo no liuro da yconomica, que os
I. assi A. — 2. muj A — gimedos A — lembramdosse A. — 3. e quall he ho outro,
em que nos tu as de dar A, e que he o que nos has de dar I. — 9. assi A. — i5. spiri-
tus A. — 29. boa A. — 32. grande A. — 33. tanto A — yconymica A, económica I.
— 2l5 —
mancebos desprezam as rriquezas, porque as cobraram ligeiramente, e
por tamto naturallmente som liberaaes e gastadores, o que os uelhos ssom
pollo comtraiio. E porem fimge aqui o autor, que dezia o Iftamte amtre
ssi meesmo. Que me prestou a mym seer o primeiro capitam, que elRey
5 meu senhor e padre mamdou que filhasse terra, pois com tam pouco
trabalho auia dauer a minha uitoria, ou que gloria poderey teer no dia
da minha cauallaria, sse a minha espada nom for molhada no samgue
dos jmfiees. E jmdo assy em este pemssamento, chegou aa rrua dereita,
polia quall seguimdo huíí pequeno espaço chegaram a elle mujtos chris-
10 taãos, os * quaaes segumdo justa stimaçom seriam ataa quinhemtos, que A,q7,v,2
uijnham fogimdo amte os mouros, e uemdoos ho lífamte çarrou a cara do
baçinete, e embraçou huú escudo que trazia, e leixou passar per ssi
todoUos christaãos, ataa que cheguarom os mouros, os quaaes mujto asinha
conheçerom os seus goUpes amtre todoUos outros, ca assy os cometeo
i5 rrijamente, que os fez per força uirar as espadoas. pêra homde amte tra-
ziam os rrostos. E os christaãos tamto que conheceram o Iffamte, cobra-
rem esforço, e fezerom outra uez a uollta sobre os mouros, e começarom de
o seguir, ataa que cheguaram com elles a huúas casas, homde descarrega-
uam as mercadorias, que uijnham de fora. e ajmda pousauam alli Genoeses,
20 e chamauasse a aduana, e ajmda sse agora chama, as quaaes casas tijnham
huúa porta barreyrada daquella parte dAlmina. E quamdo alli chegua-
ram os mouros, ou por auerem outros de nouo em sua ajuda, ou por sem-
tirem que os christaãos nom traziam tamanho esforço como da primeira,
uolltaram outra uez os rrostos sobrelles. e fezeromlhe uirar as costas
25 com mujto mayor força * que da primeira, e trazemdoos amte ssy, toparom A, 98, r, i
outra uez com o Iftamte, o quall aaquelle tempo era de hidade de uijmte e
huú annos. e auia os nembros grossos e fortes, e coraçom nom lhe falle-
çia nem pomto pêra lhe fazer soportar os trabalhos. E quamdo assy uio
outra uez os christaãos desbaratados, dobrousselhe a sanha, e salltou outra
3o uez amtre elles, e tam fortemente os cometeo, que os fez desborralhar
pêra huúa parte e pêra a outra, mas os christaãos traziam comssigo
tamanho temor, que a mayor parte delles passaram per o Iffamte ssem
auer dellc nehuú conhecimento, e nom tornaram mais atras. E os outros
que ficarom, salltaram com o Iffamte no meo daquella pressa, e rreuoll-
35 ueram o feito per tall guisa, que alguús dos mouros cahiram alli, e os
outros nom poderam soportar a fortelleza. daquelles gollpes, e uolltaram
5. mandou A. — 7. sangue A. — 8. assi A. — 14. assi A — i3. ante A. — ui. Jenoe-
ses A. — 25. ante A. — íô. com] co A. — 28. assi A. — 3o. desborralhar A, esborralhar I.
— 34. com] CO A.
— 2 1 6 —
as espadoas, por cuja rrezam rreçeberam mujto mayor dano. Mas ho
lííamte nom os quis leixar assy como fezerom da primeira, amte os seguio
leuamdoos amte ssi ataa que cheguaram aa sombra dos muros do cas-
tello. Mas aquella passagem se podia bem conhecer per o rrastro dos
A,98,r,2 mouros, que jaziam mortos na rrua. ca em breue espaço* tijnham compa- 5
nhia huús aos outros. E assy o deziam elles em seus braados, quamdo
fallauam aos deamteyros, que sse aballassem rrijamente, ca os seus
paremtes e jrmaãos nom podiam soportar tamanho dano. E esto era
porque aquella rrua era aaquelle tempo estreita, e os mouros eram muj-
tos, e rrecreçiam cada uez mujtos mais, de guisa que os christaãos pri- lo
meiíos e os mouros derradeiros nom podiam pelleiar senom muy poucos,
dos quaaes o deamteiro foy sempre o lííamte, cujos gollpes eram bem
conhecidos amtre todollos outros. E assy forom os mouros rrecolhem-
dosse os que podiam, ataa que cheguaram aa sombra dos muros, homde
rreçeberam alguú acorro, por que sse ajumtam alli três muros .s. o muro i5
do castello, e huíi muro de Barbaçote. e o outro muro que departe as
uillas ambas.
Como o Iffamte pelleiou alli iniiy gramde pedaço, e como Fernam
Chamorro foy derribado. Capitullo Lxxix.
K
LI amtre aquelles muros pemssaram os mouros de rrecobrar suas zo
forças, e assy pararam os rrostos dereitamente comtra os jmmijgos,
atreuemdosse na estreitura do lugar e na multidom dos mouros
A,98,v, I que * estauam sobre os muros, a quall cousa nom era sem rrezam, que
elles cuidassem, porque o lugar he assy aazado, que por poucos que em
cima esteuessem, fariam gramde dano nos outros de fumdo, ou per força ^b
sse tornariam pêra trás. e pêra ajmda elles teerem mayor esforço, uijam o
pequeno numero dos christaãos que estauam com ho Iffamte, o quall os
fazia teer esperamça de sse uimgarem alli do dano de seus amigos e
paremtes. ca de quamtos primeiramente abaliaram com o Iffamte, quamdo
partio da aduana, nom eram alli com elle mais que dez e sete, porque os 3o
outros poucos e poucos sse partiram cada huús pêra sua parte, ca huús
riraua a cobijça do rroubo, a outros a gramde sede que auiam, porque
toda sua uiamda era sallgada, e a gramde força do soll secaualhes as
humidades dos corpos, e faziaos mujto a meude buscar os poços, homde
sse nom podiam auer fartos dagua. outros auiam as compreissoões molles 35
2 assi A. — 6. assi A. — i3. antre A — assi A — foram A. — 21. assi A. — 23. rra-
zam A. — 29. com] co A.
217 —
e dellicadas, e nom podiam sosteer lomgamente a força do trabalho, e
tirauamsse a fora. E assy com aquelles dez e sete sosteue o Iffamte sua
peHeia, melhoria de duas oras e mea. e em estes cometimentos cahiam
aas uezes aiguijs daquelles mouros em terra, e deram huQa *tam gramde A,98,v,2
5 ferida a huú escudeiro do IlTamte, que sse chamaua Fernam Chamorro, o
quall sem nehuíi acordo cahio em terra temdido, sem teer nehuíía seme-
Ihamça de uida, e os mouros se trigaram mujto pêra o filhar, e o
Iffamte e aquelles que com elle estauam, nom lho queriam comssemtir. e
sobre a deffemssom e filhada daquelle escudeiro durou a comtemda muy
jo gramde pedaço, ataa que o Iffamte deu huúa sahida gramde, a quall os
mouros nom quiseram esperar, e começamdo de sse rretraer, forom assy
fortemente seguidos, que lhes comueo per força leixar toda aquella rrua,
e meteramsse per aquella porta, que uay pêra a outra uilla, e o Iffamte
de uoUta com elles. Mas daquellas dez e sete que primeiramente o acom-
i5 panhauam, nom seguiram mais de quatro .s. Aluoro Fernamdez Mazqua-
renhas, que depois foy senhor de Carualho, e Vaasco Esteuez Godinho, e
Gomez Diaz de Góes naturall dAlamquer. os quaaes todos três uiuiam
com ho Iffamte. e o quarto era huíj escudeiro delRey, que sse chamaua
Fernam dAlluarez. e por seer homem que deseiaua seruir o Iffamte, sse
20 acertou alli com elle. e assy comtinuou em todo aquellc feito, e bem he
uerdade, que o seu deseio era boom pêra seruiço daquelle senhor. *mas A,99, r, i
a uoomtade do Iffamte nom foy menos, pêra lhe ao diamte dar ho guallar-
dom. Dos outros nom digo, porque eram seus, e uiuiam com elle, e
geerallmente tijnha maneyra de os comgallardoar. nom era o seruiço
25 daquestes pêra teer em pequeno stimo. e de dous destes, que eu conheci,
posso dar certo testimunho, que forom bem alloiados e paguados de seu
seruiço. Mas quem auia de cuydar que o Iff'amte nem nehuú daquelles
quatro que com elle forom, podesse escapar daquelle feito uiuo. porque sobre
aquella porta esta o muro, que he grosso e forte, no quall estam duas
3o hordeés dameas, de guisa que damballas partes he deffemssauell. e esta
ajmda hi mais huúa torre com huúa abobeda furada em certos lugares, e
daquella torre saae a segumda porta feita em uoUta. e assy uaão per
amtre aquelle muro e a barreira, ataa que cheguam aa terceira porta.
Ora que seria, ca os mouros que elles leixauam amte ssi eram mujtos, e
35 os muros esso meesmo estauam cheos, cujo cujdado nom era outro se-
nom empeeçer aaquelles christaãos, homde elles podiam chegar com suas
2. assi A. — IO. grande A. — ii. foram assi A. — 14. dezasete A — o I, om A. —
17. de Góes naturall dalanquer] na margem A. — 26 foram A. — 27 nem I, om A. —
28. foram A. — 3 1 . luguares A. — 32. assi A — 35. cheos] add delles I.
18
A,92,r,2 armas, e quamdo semtiram que os jmmijgos hiam de uollta * com os seus,
poseromsse sobre os buracos da abobeda, por tall que cora as pedras que
lamçassem de cima, podessem empachar aquella passagem aos christaãos,
quamdo quisessem passar per de furado. Mas quis Deos que o seu deseio
nom ouue aquella emxecuçam, que elles com tara boõa uoomtade quise- 5
ram. e a despeito de toda sua força passou o lífamte aalem com aquelles
mouros que leuaua amte ssi. empero presumem alguijs, que por os
christaãos seerem tara poucos e os mouros tamtos, rreçeauam os de cima
de lhe lamçarem as pedras, por nom empeeçerem aos seus meesmos.
ca nom sabiam, que posto ouuessem de teer sobre tara pequeno numero, lo
Assy forom aquelles mouros todos empuxados, ataa que passaram a ter-
çe3^ra porta, mas aquella passagem nom foi sem gramde trabalho dos
christaãos e dano dos jmfiees. ca parte delles jaziam per aquelle caminho,
cuja morte os outros de cima do muro chorauam com gramde semti-
mento. Aa deziam elles, foaão, nomeamdo per seu nome cada huú, i5
ajmda oje o teu coraçom estaua afastado de tamanho cu3'dado. Por
certo nom he este pequeno synall, quamdo o poderio de çimquo homeés
A,99,v, I soomente teue esforço e ardideza dempuxar tamanha multidom* com
tamanho dano e estrago do seu samgue. e sse quer ao menos nom fora
a nossa fortuna tam sobramçeira, e uiramos alguú daquelles christaãos 20
jazer na companhia dos nossos, porque uimgados do seu samgue pode-
ramos abramdar nossa tristeza. Bem parece que Mafamede, o nosso
samto profeta, quer pouoar de nossas almas outra cidade no outro
mundo. Ja daqui auamte nom auera hi esforço nem comsselho amtre
nehuús dos nossos çidadaãos, pois que a froll de nossa mamçebia he par- zS
tida damtre nos. Bem auemturados sooes uos outros, que ja nom semtijs
das cousas deste mundo alguúa parte, cujas almas por o marteiro de
uossas carnes uiuem agora satisfeitas dos eternaaes prazeres, que nos
amtijgamente forom prometidos pollo uerbo de Deos padre, que he o
nosso profeta Mafamede. Mas de nos he dauer piedade, que estamos 3o
ajmda uestidos de humanall conhecimento, e semtimos com tamta door
ho espargimento de nosso samgue. e o que mais he, que nom sabemos
ajmda quall será o lugar de nossa queeda, ou com quaaes tormentos
faremos fim de nossa uida.
I. jmijgos A— uolta A. — 5. boa A.— 11 assi foram A. — 14 grande A. — 22. Mafa-
mede] Maffoma AI. — 24. mumdo A. — zí mancebia A. — 26. dantre A. — 29. foram A.
— 32. sangue A. — 33. luguar A.
219 —
Como o Iffamte ali esteue duas * oras avitre aquelles muros, e das A,99,v,2
rre^oôes que o autor poõe açerqua de sua Jortelle^a.
Capitullo Lxxx.
POR comsseguir a matéria da humanall fortelleza, nom posso partir
damte meus olhos a uirtude de huíi primçipe simguUar, que com
tamanha força e gramdeza de seu coraçom arrimcou tamanha
multidom demfiees fora da terra da sua natureza. Por certo eu nom
rrecomto estas cousas em tamanha gramdeza como deuia. porque eu
meesmo me espamto, quamdo aileuamto minha comsijraçom pêra com-
10 templar na profumdeza de tamanho feito, ca me nembra que lij nas obras
de Tito Liuio, como aquelle uallemte rromaão Oraçio Cocres tem tama-
nho nome, porque teue atreuimento de pelleiar com três jmmijgos, cuja
uirtude de fortelleza Vallerio Máximo na summa da estoria rromaã amte
poõe deamte os feitos de Romullo, que foy o primeyro fumdador daquella
i5 cidade. Ora que posso eu dizer da fortelleza de huú homem, que sem
esperamça de nehuúa companhia, cometeo tamtas uezes huú tamanho
ajumtamento de seus jmmijgos, derribamdo amte os seus pees * aquelles A, ioo,r, i
que com mayor atreuimento de sua fortelleza queriam esperar ho bram-
dimento da sua espada. Certamente eu creo segumdo meu juizo, que
20 sse as cousas mudas ham alguú semtimento, que as portas daquelles
muros estam ajmda espamtadas de tam marauilhosa fortelleza. Empero
nom quero este feito de todo atrebuir aa sua força, porque comsijro que
quis nosso Senhor Deos trazer ao mundo por deffemssam do seu samto
templo, que he a sua samta egreia, e por uimgamça dos erros e come-
25 timentos que aquelles jmmijgos da ffe fezeram per mujtas uezes aos seus
fiees christaãos, a este primçipe, que assy como seu caualleiro, armado
das armas da samta cruz, pelleiasse no seu nome. E pêra prouar
minha emtemçom, ponho amte meus olhos o processo da sua uida. no
quall acho taaes e tam marauilhosas uirtudes, que comsijramdo em ellas,
3o nom me parecem ssenom dalguú homem trazido a este mundo pêra
espelho de todollos uiuos. as quanes uirtudes a Deos prazemdo eu com-
tarey distimtamente em seu próprio lugar, porque possaaes uerdadeira-
mente conhecer a prouaçam de minhas pallauras. Oo exçellemte prim-
çipe diz * o autor, froll da cauallaria do nosso rregno, coraçom e fortelleza A, 100, r, 2
digna de gramde memoria, e quall outro posso eu louuar em superla-
5. dante A. — 6. arrincou A. — 11. titolliuio A. — 12. emmijgos A. — 22. consijro A.
— 23. quis] o quiz I — mumdo A. — santo A. — 26. assi A. — 27. pelejasse I, pelleias-
seni A — no] polo I. — 28. ante A. — 3o. sse nam A — mumdo. — 32. cn A.
tiuo graao, que ouuesse a uerdadeira fortelleza, saluo se disser este he
outro Iffamte Dom Hamrrique. Os mouros assy empuxados per amtre
aquelles muros, passaram a terceira porta, que uaay pêra a uilla de fora.
mas aiii uolitaram eiles rrijamente, acordamdosse que sse aquellas portas
fossem fechadas, que teeriam elles de todo perdida a esperamça de cobra- 5
rem jamais aquella uilla primeira, e assy poserom toda sua força polia
empachar, e o Iffamte e os outros que com elle estauam, tijnham o com-
trairo daquelle deseio, poemdo toda dilligemçia pêra acabar de fechar
aquellas portas, mas com todo seu trabalho huú gramde pedaço este-
ueram assy, que numca poderam fechar mais de huúa porta, porque lo
quamdo queriam fechar a outra, loguo os mouros os cometiam rrijamente,
de guisa que lhe nom queriam leixar husar do que queriam, mas daua
gramde ajuda a deffemssam dos christaãos huíia parede, que estaua amte
a face daquella porta, a quall empachaua os mouros per tall guisa, que
A,ioo,v,i nom podiam alli pelleiar senaiamuy* poucos. E tamtoesteueram naquella i5
perfia, que cada huú daquelles escudeiros per sua liez prouou de teer
assy aquella porta, e nom a podia lomgamente sofrer assy polia força do
trabalho, como pollo nojo que lhe os mouros faziam nas pernas com
azaguayas que metiam por debaixo. E ueemdo o Iffamte como sua
estada alli nom aproueitaua, fez de todo solhar as portas, e salltou fora e 20
os outros com elle. e começou de seguir os mouros, os quaaes ssem
nehuúa mostramça de deffemssam começarom de fugir, que nom pare-
ciam outra cousa senam homeés que fogem dalguú touro, quamdo o
ssimtem uijr depôs ssi per alguúa rrua. E daquella hida que os mouros
fezeram, teue o Iffamte e os seus tempo pêra tornarem a fechar sua porta 25
segumdo amte deseiauam. e depois que elles emtrarom primeiramente
polia porta da abobeda ataa que sse tornarom, passarom duas oras.
Como todos pemssauam que o Iffamte era morto, e como nehuã nom
oiisaua de passar aaquella porta com temor dos mouros, que estauam
sobre os muros. Capitullo Lxxxj. ^°
QUEM poderia jullgar que o Iffamte nem nehuú daquelles estaua em
tall * pomto, segumdo os mujtos aazos comtrairos que sse em ello
podiam maginar. ca aquella uilla de fora estaua toda chea de
mouros sem esperamça de nehuú socorro, e polias portas nom ousaua
2. assi A. — 6. assi A. — 7. Iffante A. — 9. grande A— i3. húa A. — 17. assi A (bis).
27. aboboda A.
221
nehuú de passar por aazo da gramde guarda, que os mouros de cima do
muro açerqua dello puynliam. E assy com esta esperamça deram todos
uoz que o Iffamte era morto, e todos pemssauam que eIRey fezesse por
ello mostramça de gramde nojo. por cuja rrazom nom ousaua nehuú de
5 lho dizer, mas quamdo sse acertou de lhe seer dito, rrespomdeo elle que
nom montaua mujto, pois que morrera em seu offiçio. Mais depois que
lhe comtarom a uerdade do feito, ouue elle em sua uoomtade muy
gramde prazer, espiçiallmente porque aquelle filho o parecia mais que
outro alguú nas feituras do corpo. Pemssaua elRey que sse o assy nom
IO parecesse nas propiedades de demtro, que lhe seria casy hui: doesto
depois de seus dias. ca he comuii fallar amtre os homeés, quamdo fa-
liam em alguú que he ja finado, loguo lhe buscam huú semelhamte, per
cuja proporçam o possam fazer conhecer aaquelies com que faliam, e
mujto milhor sse faz ajmda esto, quamdo hi ha filho que pareça a seu
i5 padre, ca loguo dizem* que nom auia mais em elle, que em aquelle seu A, ioi,r, i
filho, e por boom que o padre seja, loguo rreçebe doesto, quamdo ho
apropiam com alguú tall filho, que per uemtura nam o parece nas uirtudes
e custumes. Mais por certo mais conhecida esperamça leuou elRey Dom
Joham do Iftamte seu filho, quamdo sse partio deste mundo, espiçiall-
20 mente por aquelle começo que sse alli seguio tam manifesto, que nom
tam soomente elle que era seu padre, mais quallquer outro do pouoo
follgaua douuir semelhamte cousa. E posto que o amor dos padres aos
filhos nom tenha jguall comparaçom amtre aquellas cousas, que a natu-
reza em este mundo jumtou. empero o feito foy per ssi tam gramde e
25 tam notauell, que amtre todollos gramdes feitos dos homeés deue seer
auido por marauilhoso. ca elle per si soo acreçemtou toda a gramdeza
desta uitoria. Gramde padecimento tijnham os mouros que estauam em
cima dos muros, porque semtiam como o Iffamte e os outros tijnham a
porta fechada, e nom lhe podiam empeeçer. e esto era por rrezam da
3o uollta do muro que uijnha sobre aquella porta, homde elles estauam so
cuja sombra rreçebiam emparo. Nem aquella deteemça que o Iffamte
alli fazia, nom era a outra fim senom pêra esperar que rrecorressem * os A, ioi,r,2
seus pêra alli. ca a sua uoomtade de todo era desposta pêra tornar
outra uez a pelleiar com aquelles mouros, ataa que os botasse de todo
35 fora. E quamdo uio que a tardamça era tamanha, que nehuú dos seus
nom acodia. disse a huú daquelles que com elle estauam, que os fosse
2. assi A. — 9. assi A. — 10. propiadades A. — i3. proporaçam A. — i5. logo A.
— 18. leuou] leixou I. — 19. mumdo A. — 24. mumdo A. — 2i. grandes A. — 28. Iffante A.
29. rrazam A. — 3i. soombra.
222
chamar, ou outros quaaesquer que achasse, per que elle podesse rreçeber
ajuda, mas cada huú per ssi lhe rrespomdeo, que o nom faria per nehuúa
guisa, nom porque rreçeasse o perijgo de seu caminho, soomente por
elle ficar alli tam desacompanhado, que sse lhe aiguíja cousa rrecre-
çesse, que seria gramde mall nom seemdo todos jumtamente com elle. 5
Mas será mujto milhor rrespomdeo o Iffamte, que uaades toda uia, por-
que per uossa hida acabaremos nosso feito, porque os mouros correm
pêra aquella outra parte de cima. e com atreuimento do socorro que
teem em esta outra uilla, dam trabalho aos nossos, o que nom fariam sse
semtissem, que alguíía gemte ca amdaua amtre elles. e ajmda pode seer lo
que cada huú de meus jrmaãos sabemdo parte deste feito, sahira per
aquella porta e nos sahiremos per esta. e assy os poderemos ligeyramente
A, ioi,v, I empuxar fora da cidade. Como querees senhor rrespomderom * elles, que
nehuú de nos aja de filhar atreuimento pêra uos leixar aqui. ca ajmda
que esteuessees em huúa salla seguro de todo perijguo, uergonha aueria- i5
mos de uos leixar seemdo tam poucos. E breuemente nehuú delles
numca sse dalli quis partir, dizemdo que pois que os a uemtura assy acer-
tara, que mortos ou uiuos apar delle os auiam dachar.
Como Garcia Monii filhou atreuimento de passar aquella porta pêra
hir buscar o Iffamte, e das rre^oões que lhe disse. Capitullo Lxxxij.
C
|OMO quer que a doçura do gaanho que os homeês auiam nos des-
pojos daquella cidade, trouuesse suas uoomtades allegres, quamto
mais a uitoria, que de todallas cousas omde a comtemda he tamto
deseiada. tamto que as nouas do Iffamte chegaram aas suas orelhas,
B, ii9,v,2 mujtos rrecorreram *pera cerca daquella porta peraauerem çertidam dello. 25
B, i2o,r, I e quanto o passo daquella porta era mais * perigoso tanto a çertidam de
sua tristeza se acreçentaua muito mais e preguntauam huús aos outros
cada hum como vinha mais tarde polias nouas que auiam do Iffante. Nam
sabemos deziam elles nem ha hy nenhum que o possa saber, ca depois
que elle passou aquella porta, e quatro que forom com elle nunca 3o
mais tornou nenhum, empero quaaesquer nouas que ellas seiam nam
podem ser senom muy tristes pêra todos aquelles que o amauam. ca
certo he que toda aquella villa dalém he chea de mouros, e mais que
elle afora o grande prigo em que seria ao passar destas portas nom se
4. ficar] nom ficar I. — 12 assi A. — 17. assi A. — 23. a uitoria] com a uitoria A —
a comtenda A D, acontece I. — 28. Ifante B. — 29. despois B.
223 —
auia de tcer que nom passasse aalem. onde nom auia rremedio que o escu-
sasse de morte, elle e aquelles que com elle passaram, saluo se fora a
graça de Deos que os quisesse guardar, empero bem he de crer que se
elles uiuos forom. ja algum delles acudira em duas oras que rrazoadamente
pode auer que eiles daqui sam partidos. E em estas departições estauam.
mas nom auia hy algum que ousasse de passar aquella porta, porque
5 poucos ha hi que se queiram poer em auentura. onde a morte conheci-
damente estaa aparelhada. Mas quando Garcia Moniz que era hum
fidalgo que fora guarda do Iffante quando era moço. chegou aly e lhe
disserom o feito como* era nam quis mais esperar nenhuúa cousa, mas B, i2o,r,2
assy como ardido caualeiro se despos a todo prigo. e saltou rrijamente
IO polias portas dentro atee que chegou onde o Iffante estaua. Ha por
merçe disse elle porque meteis os vossos em tamanlias desesperações, ca
nom estaa agora ali tal aquella porta, que nom tenha por fee que nunca
jamais vos ha de veer. e estam maldizendo a sj' e a sua ventura, porque
os apartou de vos. ca consiram o grande doesto que lhes poderá ficar.
i5 se se acertara de vos falecerdes por nam serem convosco. Par Deos
senhor vos querees cometer huúas cousas e perdoaime porque vollo digo
que sam aalem de toda ardideza dos homeés. e ajnda leixaesvos aqui
estar com esperança que se ajam de vijr pêra vos alguús dos outros, e
nom querees consirar como aquelles muros estam cheos de mouros, e
20 que acima desta porta esta outra per onde entram os mouros e saem
quantas vezes querem. Ca nom cuidees que todo o cuidado dos vossos
he em pelejar com os mouros, ca os mais delles tem mor cuidado de
rroubar as casas que acham vazias, e vossos jrmaos e todollos outros
capitães andam espalhados polia cidade cada huGs por sua parte, e antre
25 tanto pode ser que sairam alguús daquelles mouros que estam no castello.
ou por ventura muitos que andam na cidade querendosse rrecolher viram
por esta porta. *e aueram por boa dita de uos acharem aqui, pêra sse A, io2,v, i
uimgarem no uosso samgue. Porem por merçee partiuos daqui, e tornaai-
uos pêra fora, omde poderees fazer de uossa homrra com maj^or segu-
3o ramça de uossa uida. O Iffamte conhecia bem Garcia Moniz, que era
homem sesudo e boom caualleiro, e conheçeo que o comsselhaua muy
bem. e assy o pos logo em obra, e os outros jsso meesmo que lhe fallaram
acerca dello. e porem cometeo seu caminho pêra sse tornar, omde achou
ja estar Fernam Chamorro aleuamtado com huiJa muy gramde ferida no
35
1. pasasse B. — 2. foro B. — 3. gardar B. — 6. muniz B. — 7. garda B. — 9. assi B
— perigo B. — 1 3. e a sua D, a sua A. — 17. omês B. — 23. roubar B. — 25. castelo B.
26. querendose B. — 27. uos] nos B. — 32. assi B
224 —
rrostro. Nem cuidees que os que amte alli estauam, passauam seu tempo
OCIOSOS, ca os mouros acudiam alli a meude, e comtinuadamente aturauam
sua pelleia. Mas depois que o lífamte chegou, cobraram elles em ssi
mujto moor esforço, e cometeramnos rrijamente, de guisa que derribaram
alli alguGs. E estamdo assy os feitos em este pomto, chegou hi Nuno
Antunez filho dAmtam Vaaz de Gooes. Senhor disse elle ao Iffamte, a
uossa bamdeyra e o estemdarte do Iffamte Dom Pedro uaão caminho
daquelia outra porta de cima, com teemçam de sse hirem per alli pêra a uilla
A, 102, v,2 de fora, * e os mouros ssam mujtos açerqua daquelia porta, faço uollo saber,
porque me parece que he bem que uos uaades comtra lia. por tall que
os uossos rreçebam esforço e ajuda. O Iffamte disse que lho tijnha mujto
em seruiço, e assy emcaminhou loguo rrijamente polia rrua acima, ataa
que chegou omde os seus estauam. E certamente sua chegada foi alli muy
proueitosa, ca a força dos mouros era muy gramde sobre a emtrada
daquelia porta, os quaaes puinliam toda sua dilligemçia em deffemder
a passagem aos christaãos. e assy deram huija muy gramde pedrada na
aste da lamça em que estaua a bamdeira do Iffamte, que a derribaram
em terra, a quall mujto asinha foy leuamtada per força daquelle que a
trazia. E o Iff"amte ueemdo assy aquelle feito, salltou mujto asinha amtre
elles. e cometeos de tall força que lamçou os mouros aalem das portas,
mas nom traziam alli todos tall ardideza como elle. ca soomente Garcia
Moniz achou comssigo na escuridade daquellas abobedas, que estauam
sobre aquella porta.
Como o Iffamte tornou outra vei aaquelle lugar domde amte par-
tira, e como os mouros leixarom de todo o castello. ^^
CapituUo Lxxxiij.
G
A, io3,r. 1 * y^— >. uTRAuez sse tornou ho Iffamte pêra aquelle lugar domde amte par-
tira, per aquella rrua dereita per omde suas bamdeiras ueeram.
nom que elle esteuesse naquelle próprio lugar, mas aa emtrada
doutra trauessa que he a ff"umdo daquelia, omde elle assy primeiramente 3^
esteuera, porque alli estaua huQ gramde ajumtamento de mouros, com
que ajmda tornou a pelleiar. E em esto lhe chegou rrecado de seu
Irmaão o Iffamte Duarte, que o emuiaua chamar a huúa mezquita que
5. assi A. — 6. Antonez A. — 10. comtra Ha A, contra la I. — 1 1. Iffante A — disse I,
om A. — 12. pella A. — 16. assi A. ^ 19. assi A. — 22. cometeo os I. — 24. luguar A.
— 3o. assi A.
225 —
alli estaua açerqua. omde depois fo}' a ssee catedrall. Dizee uos rres-
pomdeo elle aaquelle messegeiro, ao Iffamte meu senhor e jrmaão, que
melhor seria se o sua merçee ouuesse por bem, de elle uijnr pêra aca pêra
arramcarmos estes mouros de todo daqui, que de me eu partir agora
5 pêra nehuúa parte, e que esto lhe emuio dizer, polia boÕa uoomtade que
lhe semto pêra semeihamtes feitos, e que sa3'ba que como eu daqui
partir, que emtemdo que nom ficara aqui mais nehuú. E como quer que
alli mujtos boõs esteuessem com o Iffamte, assy poUo gramde trabalho
que ja tijnham passado, como por rrazam da muy gramde callma que
10 fora aquelle dia, estauam ja muy anojados, tomamdo * muy a meude follga, A, io3, r, 2
quamdo quer que auiam alguú pequeno despaço. e chegauamsse ao
Itfamte rrequeremdoo que leixasse aquelle feito, porque ao tempo que
sse o castello ouuesse de combater, todos aquelles mouros era necessário
que sse partissem dalli. mas esto nom prestaua mujto, ca tall deseio
i5 tijnha elle, que em quamto os alli semtira, numca os ouuera de leixar, se
nom fora o mamdado de seu jrmaão, a quem elle em todallas cousas
guardaua obediemçia. Porque a fora aquelle rrecado que assy primeiro
ueo, forom outros, aos quaaes o Iffamte sempre achou rreposta, dizemdo
que em aquelle dia nom era pêra leixar semelhamte lugar, nom tamto
20 pollo dano que os mouros ao depois poderiam fazer, como por lhe nom
dar alguú aazo, per que lhe podesse ficar nehuúa esperamça de sua sall-
uaçam. E esto dezia o Iffamte, pemssamdo que aquella mezquita era
mujto mais allomguada domde elle estaua. e que jsso raeesmo nom era
chamado a outra alguúa fim, senam pollo tirarem daquelle trabalho polia
25 gramde comtinuaçam que sabiam que elle aquelle dia teuera açerqua
dello. Empero aa fim lhe emuiou dizer o Iffamte Duarte, que uiesse
todauia sem outra nehuúa tardamça. * Senhor disse o messegeiro, uosso A, io3,v, 1
jrmaão uos emuia dizer, que elle e os outros uossos jrmaãos som alli
ajumtados, omde teem comssigo a mayor parte dos capitaães que ueeram
3o em este feito, a fim de fallarem no filhamento do castello, pêra a quall
cousa lhe uossa presemça he mujto necessária, porem que uos emco-
memda que uaades logo sem outro detijmento. Ao que o Iffamte nom
pos mais nehuúa tardamça. amte chamou logo aquelles que com elle
estauam, dizemdo que pois a uoomtade de seu jrmaão era que sse parti-
35 ssem dalli, que seria muj^ bem de partirem per tall maneira, que os mouros
nom semtissem que sse elles partiam co.stramgidos. E pêra esto disse
elle, me parece que será bem que uos uaades uos diamte, e eu fiquarey
2. aquelle A. — 3. uijr A. — 5. boa A. — 8. assi A. — 9 grande A. — 18. foram A. —
22. dizia A. — 3o. afSm A. — 3i. presença A. — 34. a] om A.
«9
— 226 —
detrás, ou ficaae uos detrás e hirey eu diamte. Isso nom he rrezam
disseram elles, que uos senhor ajaaes de ficar, teemdo aqui taaes pessoas
que uos podem dello bem escusar. E a esto rrespomdeo o lífamte, que
pois elles assy queriam, que teuessem tall modo em sua hida, que nom
A, io3,v,2 mostrassem a seus jmmijgos que partiam costramgidos. O que elles 5
* fezeram pollo comtrairo. porque seguimdo seu caminho assy o Iffamte
oolliou pêra detrás, e uio que os seus nom traziam aquella hordenamça
como deuiam, segumdo o que lhes elie amte dissera, e tornou outra
uez sobre os mouros que o seguiam, e os leuou amte ssi per aquella
rrua, ataa que chegaram aaquelie lugar homde primeyramente cayo i©
Fernam Chamorro. Mas em aquelle hida nom seguia nehuú, nem os
mouros jsso meesmo nom quiseram tornar após elle, perassamdo que
ficauam todoUos outros trás aquelle camto afim de os emganar. E assy
se tornou o Iffamte seu passo e passo,, ataa que chegou aa mezquita
homde estauam seus jrmaãos. De Çalla bem Çalla nom falley ataa aqui, i5
da maneyra que teue, depois que lhe os mouros leuaram aquelias nouas
que ja teemdes ouuido. mas agora me mamdou elle rrequerer, que
escpreuesse o seu feito pêra dar fim a sua triste espedida. Porem he de
saber, que depois que elle de todo uio que a cidade era emtrada, e os
christaãos per ella espalhados, semtio que nom auia outro rremedio 20
A, 104, r, I senom perdersse de todo, tomou certos daquelles seus seruidores de que
sse mais fiaua, e emtregoulhe * suas molheres pêra lhas poerem fora da
cidade, mas elles com a trigamça e desacordo que tijnham, nom sse nem-
brauam senam de muy poucas cousas que leuauam comssiguo. E Çalla
bem Çalla amdaua amtre tamto passeamdo per aquelias casas, alleuam- 25
tamdo mujtas uezes os olhos comtra o çeeo, e gememdo fortemente como
quem tamanha perda rreçebia, ataa fim de todo que cauallgou em huú
ginete, e sse foi fora da cidade. Mas quall seria o pramto que elle por
tamanha perda fezesse, boom será de conhecer a todos aquelles que
dereito juizo teuerem. mas tamto ssey eu, que pêro seu nojo fosse 3o
gramde, que numca o mujto mostrou em sua comtenemça. ca elle era
homem fidallguo e de gramde ssiso e autoridade, e o nojo que tijnha
soportauao amtre ssy meesmo.
4. assi A. — 6. assi A. — 10. atee A — luguar A. — 1 3. canto A — assi A. — 1 5. atee A.
23-24. lembrauam A. — 24. conssiguo A. — 25. antre A. — 33. soportauoo A.
227 —
Como o Iffamte Dom Hamrrique chegou omde estmiam seus jrmaãos,
e como Vaasco Feniamde{ dAtayde foy morto.
Capitullo Lxxxiiij.
F
AZEMDo comclusom de todollos aqueeçimentos do Iffamte Dom Ham-
rrique, nos quaaes foy a força de todallas cousas, que sse em aquelle
dia fezeram que de notar seiam. nem * presuma alguú que eu nom A, to4,r, 2
puz tamanha dilligemçia em rrequerer e buscar todollos aqueeçimentos
dos outros senhores, e nom ajmda daquelles primçipaaes, mas de quall-
quer outro do pouoo escpreuera seu feito, se o achara em merecimento,
>o ou o poderá saber per quallquer guisa, conheçemdo bem que a uoom-
tade delRey meu senhor he perfeitamente saber todollos merecimentos
de seus naturaaes pêra homrrar a memoria dos mortos, e remunerar aos
uiuos per os trabalhos de seus padres ou delles meesmos. e esto he porque
sua uoomtade toda he posta em huúa jgualleza de justiça, segumdo no pro-
i5 cesso de seus feitos mais compridamente será achado. E de eu nom saber
tam perfeitamente a uerdadc das cousas, tenho três rrazoões pêra minha
escusa .s. as primeiras duas que ja disse, huúa a estreitura daquelias rruas,
e a outra a lomgura do tempo, e a terceira o pouco cuydado que alguús
queriam teer em me dizerem as cousas que sabiam, e taaes rrequeri eu, que
20 pêro lhes mostrasse mamdado delRey meu senhor, nom me faziam menos
aguardar a sua porta, que sse per uemtura eu primçipallmente uiuera
per sua bemfeytoria. * outras uezes me dauam suas escusas allegamdo A, io4,v, i
escusaçoões, as quaaes conhecidamente eram mais por tomarem seme-
Ihamça destado, que por nehuúa outra necessidade. Em uerdade nom
25 leixarey de o dizer, quamdo eu comssijraua que huú doutor e outro seme-
Ihamte me mostrauam taaes mostramças, rreçebia por fadiga de hir mujtas
uezes a sua casa, nembramdome como aquelle com que uiuo que he meu
senhor e meu rrey, oííereçe suas orelhas pêra ouuyr meus rrazoados
com menos cerimonias, quamdo semte que he rrazam. e perdoarmees
3o porque me afastey tamto da estoria, ca o fiz por me escusar dalguúa
cuUpa, se ma alguém quiser poer. No rreçebimento que o Iffamte Duarte
fez a seu jrmaão, nom fallei alguúa cousa, porque mujtas uezes disse o
gramde amor, que amtre elles auia. e jsso meesmo como o Iflamte Duarte
íoy huij primçipe muito mauioso e agasalhador. Mas ficame por dizer
35 daquelle boom caualleiro Ayres Gomçalluez de Figueyredo, de cuja
4-5. hanrrique A. — i3. he I, om A. — 21. a] á I, otn A — prinçipallmente A. —
22. dauam dauam A. — 25. consijraua A. — 27. lembramdome A. — 3\. culpa A. —
35. Gomçalluez I, Gomez A D.
— 228 —
gramdeza de hidade )a falley. o quall em aquelle dia amdou sempre armado,
e sse acertou alli com o Iffamte, depois que os mouros sahiram polia
A, 104, V, 2 outra porta de cima, homde derribaram * a bamdeira a Meem Rolz, pelle-
iamdo sempre comtinuadamente melhor que outros alguús de mujto
menos hidade. E os outros dous escudeiros Bayoneses, que morauam no 5
Porto, acharam o Iffamte no meo daquella rrua, quamdo logo primeyra-
mente começaua de seguir per ella. Nom uos parece senhor, disserani
elles, que estamos agora melhor aqui, que nas logeas do Porto, omde nos
uossa merçee rrequeria que ficássemos. E em aquelle segumdo cometi-
mento que o Iffamte fez aos mouros, quamdo assy foi chamado da parte 10
de seu jrmaão, Vaasco Fernamdez dAtayde ouue nouas como seu senhor
amdaua em aquelle trabalho, e trabalhousse de o hir buscar, e quamdo
chegou aaquelle lugar, omde o Iffamte esteuera primeiramente com os
mouros, que era açerqua da porta, lamçaram os jmmijgos de cima huúa
pedra, a quall era tam gramde e per tamanha força lamçada, que tamto i5
que lhe deu sobre a barreta, Vaasco Fernamdez cayo morto em terra.
E este soo caualleiro foy aquelle, que per seu samgue pagou toda a
desauemtura daquelle feito, empero bem auemturado foy elle, que em
tall lugar fez fim de sua uida. e a sua alma soomente leuou as nouas
A, io5,r, i ao outro mundo* da perfeiçam daquella uitoria. e nom he duuida que 20
sua morte nom fora mujto mais chorada, se fora per outra maneira.
Gramde desemfadamento filharom todos aquelles senhores, que estauam
jumtos em aquella mezquita, e assy todollos outros fallamdo na boõa uito-
ria que lhe Deos dera. e cada huú comtaua seu aqueeçimento quejamdo
fora. mas sobre todo aquelles escudeiros que forom com o Iffamte tijnham 25
muy gramde gloria em comtar a sua parte, porque nom ha no mundo
tamanha honestidade, que nom seia tocada de doçura de gloria, e tamto
he mayor, quamto o seu merecimento he auido com mayores trabalhos, o
quall certamente era assaz de gramde quamto aaquelles, ca foi achado
que depois que cheguaram aaquelle lugar, homde cayo Fernam Chamorro, 3o
ataa que o Iffamte partio pêra a mezquita, passaram çimquo oras traba-
Ihamdo comtinuadamente. e posto que nos em outras partes digamos o
numero do tempo mayor ou mais pequeno, a uerdade he esta. e o ali sse
diz segumdo o fallamento daquelles que ememtamos.
i. grandeza A. — 2. co A. — 8. logeas I, lojas A. — 10. quando assi A. — 11. detay-
de A. — 1 3. logar A. — 17. sangue A. — 20. mumdo A. — 23. assi A — boa A. — 24. lhe I,
om. A. — 25. foram A — co A. — 26. mumdo A. — 3o. chegaaram A. — 34. ementa-
mos A.
229
Como elRey mamdoii chamar ho Iffamte Dom Hamrrique, e das
rraioóes que lhe disse. Capititllo Lxxxv.
MORTO assy Vaasco Fernaindez como dito he, loguo os mouros come- A, io5, r,2
çarom de desempachar de todo aquella uilla primeira, e estamdo
assy aquelles senhores, teueram seu comsselho, e começarem
dauiar as cousas que compriam pêra o combate do castello, determinamdo
que por aquella noute nom fezessem nehuOa cousa, soomente que lhe
fossem postas suas guardas ataa ho outro dia, que o combatessem rreall-
mente. E o Ifíamte Dom Hamrrique, tamto que foy naquella mezquita,
>o por causa do gramde trabalho que tijnha passado, lamçousse allguú pouco
a rrepousar. e todo seu primçipall camssaço era as feridas que tijnha nas
pernas, de que era alguú tamto semtido. e em jazemd© assy lhe chegou
rrecado delRey que o emuiaua chamar, o quall estaua em outra mezquita
apartada daquella, omde agora he ho moesteyro de sam Jorge. E bem
• 5 deuees emtemder e comssijrar, que omde elle esteuesse a semelhamte
tempo, quall seria a companha que com elle fosse, ca dizem os dereitos,
que testemunho que elRey der, deue de ualler por sete. e esto disserom
porque aalem da sua uirtude, segumdo rrezam e dereito sobre os outros
homeés teem exçellemçia. comssijraram * que elRe}' nom poderia estar tam A, io5,v, i
20 desacompanhado, que ao menos nom esteuessem com elle seis mil!
homeés, aos quaaes departiram certos offiçios segumdo em seus liuros
estaa declarado. Ora sse de necessidade os homeés ham dacompanhar
o rrey, certo he que com melhor uoomtade se chegam a elle no dia da
foUgamça e lediçe, que quamdo estaa pollo comtrairo. e nom ajmda a elle,
25 que sobre todollos outros homeés teem exçellemçia. mas ajmda a quall-
quer outro do pouoo sse chegam de boamente no dia de sua lediçe. como
ueemos geerallmente quamdo sse fazem uodas, que aalem dos que pêra
ello sam comuidados sse chegam outros mujtos. E por tamto compre
mais aos rrex, que ham daguasalhar gemte, amostrarem sempre suas
3o caras allegres, mamdamdo aas uezes fazer festas em sua casa, quamdo o
tempo o rrequere. ca diz o autor dos feitos delRey Dom Joham de Cas-
tella, que foy na batalha da Aljubarrota, que huíia das cousas porque
elle perdeo mujtos fidallgos, quamdo uijnha pêra este rregno, assy foi por
seer homem que sempre em sua comtenemca mostraua tristeza. * Toda- A,io5,v,2
35 lias pallauras que sse alli deziam amte elRey, uijnham a comclusom do
3. assi A. — 4. desempachar C, despachar A, despejar Dl. — 5. assi A. — 7. noite A.
— 9. Hanrrique A. — 11. canssaço A. — 12. assi A. — i5. semelhante A. — 17. disse-
ram A. — 19. consijrarã A. — 32. daaliubarrota A. — 33. assi A.
— 23o
louuor da uitoria. e huús fallauam no filhar da terra, outros de como sse
o lífamte Duarte sahira escomdidamente da gallee com deseio de seer
com os primeiros, outros de como a Deos prouguera de a uilla seer emtrada
tam asinha, outros fallauam da discreçam do prioll, que amte doestauam,
dizemdo que soubera muy bem emcaminhar todo o que lhe fora mam- 5
dado. Bem sabia rrespomdeo elRej', o prioll o rrecado que me leuaua.
e eu bem conheci quamdo o primeiramente eu emuiey, que sse elle uisse
que a cidade era desposta ou aazada pêra a eu poder filhar, que o saberia
conhecer, nem eu nom começara nehuija cousa em este feito, sse me elle
o comtrairo dissera, conheçemdo quem elle he. ca creo uerdadeiramente lo
que sse alguC homem per siso e emgenho ouuesse de sobir ao çeeo uiuo
em carne, o prioll seria. Certamente diz o autor, nom era pequena
homrra aaquelle caualleiro aquellas pallauras, que elRey assy dezia delle
amte aquelle pouoo. e sse nos amte dissemos da homrra, que deuia
A, io6, r, I seer dada a Joham Aftomsso ueedor da fazemda, nem *o prioll nom fica i5
deste feito em pequena parte. E tornamdo aa nossa estoria, amtre
todallas cousas que alli fallauam, primçipallmente se dezia como Deos
quisera por sua merçee em aquelle dia guardar o IfFamte Dom Hamrri-
que, comtamdo seus aqueeçimentos per a mais fremosa maneira que elles
podiam dizer, conheçemdo que nom podiam em ello fallar tamto, com que 20
a seu padre mais nom prouuesse. ca doce cousa he a todollos homeés
ouuir os louuores de quaaesquer cousas que a elles perteeçem, espeçiall-
mente dos filhos, aalem dos quaaes nom ha hi moor amor. E queremdo
o IfFamte uijr a mamdado de seu padre, achou que lhe furtaram aquelle
boom cuytello, com que elle em aquelle dia tamtos e taaes gollpes fezera, 25
por cuja boomdade ho Iffamte ouue queixume de lhe assy seer leuado,
dizemdo que por nehuúa cousa dalli nom partiria, ataa que lho tornassem
alli. e posto que alli esteuessem mais de çimquo mill homeés, tall dilli-
gemçia foi posta em o buscar, que lhe foy tornado aa sua maão. E
quamdo o IfFamte chegou homde elRey estaua, foi delle rreçebido com 3o
A, ioG,r,2 gramde prazer. Meu filho disse elle, pois que a Deos *prouue daruos
oje tall aqueeçimento, assy como elle foi auamteiado de todollos outros
feitos, assy praz a mym, que por louuor de uossa fortelleza rreçebaaes
loguo aqui ordem de cauallaria. Senhor rrespomdeo o Iffamte, posto que
meu merecimento nom seia tamanho, eu uos tenho mujto em merçee a 35
boõa uoomtade que teemdes pêra acreçemtar em minha homrra. empero
3. de a uilla I, a uilla A. — 5. dizendo A. — 8. a I, om A. — 9. em este] neeste A,
neste I. — 20. podiam I, podia A. — 22. perteemçem A. — 25. tamto A, tantos I. — 27. ne-
húa A — atee A. — 3o. Iffante A. — 32. assi A. — 36. boa A,
— 23l —
eu uos peço por merçee, que me nom queiraaes fazer semelhamte, senam
ao tempo que o fezerdes a meus jrmaãos. porque assy como nos Deos
trouxe a este mundo huú amte o outro, assy me prazeria que nos a
homrra fosse dada hordenadamente. ElRey disse que lho agradecia
mujto, e que assy emcaminharia que sse fezesse.
Como Joham Vaa^ dAlmadaã foy poer a bamdeira da cidade de
Lixboa sobre as torres do castello, e jsso nieesmo o comde Dom
Pedro leuoii a bamdeyra do Iffamte aa torre de Fee^.
Capitullo Lxxxpj.
10 T— >y EPois que aquelle comsselho assy foy feito açerqua das guardas, que
I I em aquella noute auiam de poer sobre o castello, himdo assy
J — -^ aquelles que pêra ello * forom hordenados seu caminho, porque A, iod,v,i
o tempo era ja açerqua em que comuijnha de começarem seu trabalho,
açertousse de oolhar huú delles comtra o castello, sobre o quall uio estar
i5 huúa gramde bamda de pardaaes. Nom ueedes disse elle comtra os
outros, como aquelles pardaaes alli estam assessegados, que me matem
sse Çalla bem Çalla com todoUos outros nom he partido daili, e leixou
ho castello uazio. ca sse assy nom fosse, nom estariam alli aquelles pardaaes
assy dassessego. E todollos outros disserom que lhes parecia seer assy.
20 sobre a quall cousa tornaram a elRey, e pêra rreçeber seu mamdamento
açerqua do que auiam de fazer, mas por uemtura nom seriam aquelles
os pardaaes, que o outro sonhaua que comiam as abelhas. Pois que assy
he, disse clRey, uaão chamar Joham Vaaz dAlmadaã que traz a bamdeyra
de sam Viçemte, e digamlhe da minha parte que a uaa loguo poer sobre a
25 mais alta torre. Joham Vaaz foi loguo chamado, e a bamdeyra prestes, e
ajumtaramsse com ella peça daquelles boõs homeés, e foromsse caminho
do castello. e queremdo quebrar as portas que estauam fechadas, pare-
ceram sobre * os muros dous homeés que demtro estauam. s. huú Bizcai- A, io6,v,2
nho e huú Genoes. Nom filhees trabalho disseram elles, em quebramtar
3o as portas, ca nom teemdes nehuú empacho em uossa emtrada. ca os
mouros sam ja todos partidos daqui, e soomente ficamos nos ambos, que
uos abriremos as portas quamdo quiserdes. Ora pois disse Joham Vaaz,
fiihaae la essa bamdeira, e pomdea sobre esse muro ataa que nos uaa-
2. assi A. — 3. assi A. — 5. assi A. — 8. ffeez A. — 10. assi A. — 11. assi A. —
12. foram A. — 18. assi A. — 19. assi A — disseram A. — 22. assi A. — 23. uaáo A. —
24. logo A. — 25. logo A. — 26. foramsse A. — 28. dentro A.
232 —
mos. Aiguús disseram aqui queremdo fazer este caso mayor, que aquelle
Genoes com outros aiguús que demtro estauam, quiseram mostrar sinall
de deíTemssam. e que elRey mamdara sobre elles certa gemte darmas e
beestaria, e que per força de combate sse filhara o castello, a quall cousa
uerdadcyramente achamos que nom foy assy. E tamto que o castello 5
foi aberto, foi demtro o Iffamte Duarte e o Iffamte Dom Pedro e o comde
de Barçellos, e assy outros senhores e fidallgos. ca o Iffamte Dom Ham-
rrique estaua com elRey. e amdamdo assy proueemdo todallas cousas que
auia em aquella fortelleza, deram mujtas graças ao seu Senhor Deos, que
por semelhamte maneira os posera em posse de todo. E he pêra rrijr lo
A, io7,r,i do que alli acomteçeo a huij escudeiro do meestre de *Christo, ca omde
os outros amdauam apanhamdo ouro e prata e outras cousas de gramde
uallia, elle sse foi ocupar com huú gauiam terçoo, que trazia na maão que
achara naquelle castello. e tam comtemte amdaua daquelle boom acha-
dego, que nom tijnha lembramça doutro nehuú gaanho nem proueito, e i5
jstimamdo seu presemte naquelle preço que o elle tijnha, foi fazer ser-
uiço delle ao Iffamte. Mas eu nom ssei se o agradecimento de seme-
lhamte dadiua seria tamanho, como a perda do proueito que elle poderá
auer carregamdosse daquellas cousas que assaz auia no castello. Muitos
se começaram alli dapousemtar com teemçam de seer companheiros de 20
Joham Vaaz. mas elRey nom o quis comssemtir, e mamdou la o Iffamte
Dom Hamrrique que os fezesse todos sair fora, e que a posse do cas-
tello leixasse soomente a Joham Vaaz e aos seus. E segumdo aprem-
demos melhor emcomtro achou elle alli, que o gauiam terçoo do escu-
deiro do meestre. ca a melhor parte das mais e melhores cousas que 25
tijnha Çalla bem Çalla, e todoUos outros que com elle estauam naquelle
castello, ouue Joham Vaaz. as quaaes eram nelle muy bem empregadas,
A, i07,r, 2 * que era nobre caualleiro, e trabalhou sempre em sua uida por acreçem-
tar em sua homrra com mujtos seruiços, que fez a elRey e ao rregno.
Como o castello foi assy desempachado como dito he, mamdou logo o 3o
Iffamte Duarte ao comde Dom Pedro de Meneses que era seu alferez, que
leuasse a sua bamdeira aa outra uilla de fora, e que a posesse sobre a torre
de Feez. Mas esto nom era assy ligeiro de fazer, porque os mouros nom
podiam assy leixar de boamente a posse de sua cidade, ca mujtos delles
determinauam amte fazer alli fim de suas uidas, que de emsayar as 35
cousas que auiam de uijr, e nom ssem rrazam, ca nom soomente ao?
2. Janoes A. — 5. assi A. — 6. Iffante (2.°) A. — 7. assi A. — 8. assi A. — 11. aconte-
çeo A — xpõs A. — 14. andaua A. — 19. carregandosse A. — 21. Iffante A. — 26. daquelle A,
naquelle I. — 29. rreyno A. — 3o. desempachado C, despachado A, desparado D, desem-
parado I. — 33. ffeez A — assi A. — 34. assi A.
— 233 —
homeés em que ha uerdadeiro conhecimento, mas ajmda aas brutas ani-
malias he naturall cousa mostrarem semtimento, quamdo ssam tiradas do
seu, segumdo diz o filiosofo no liuro de proprietatibus rrerum. E assy
ouue alli huúa escaramuça aa saida daquella porta, que sse agora chama
5 de Fernamdo Affomsso, na quall mataram huú alferez de Dom Hamrrique
de Loronha. empero esto prestou pouco aos mouros, porque a bamdeira
era acompanhada de muy nobres pessoas, ca era aili o dito Dom Hamrri-
que e Dom Joham seu jrmaão. e Pêro Vaaz dAlmadaã. *e Aluoro Meem- A, io7,v, i
dez Cerueyra. e Meemdo Affomsso seu jrmaão. e Aluoro Nogueyra. e Nuno
10 Martijmz da Sillueyra. e Vaasco Martijmz do Carualhall. e o gram baram
dAlemanha. o quall em aquelle dia prouou como uallemte caualleiro,
ca assy fezeram a moor parte de todollos gemtijs homeês que com elle
uijnham. e Nuno Vaaz de Castell Bramco. e çimquo jrmaãos seus que
alii uijnham. e Diego Fernamdez dAlmeyda. e outros mujtos e boõs
i5 fidailgos, cujos nomes nom podemos perfeitamente saber. E assy forom
todos jumtamente poer aquella bamde3Ta sobre a torre de Feez, e a
guardaram aquella noute. E Dom Fernamdo de Castro e Dom Joham
seu jrmajio acompanhados doutros mujtos, sahiram polia outra porta de
cima, escaramuçamdo com os mouros, ataa que os lamçaram fora polia
20 outra porta, que sse ora chama dAluoro Meemdez.
Como ho autor declara o tempo em que a cidade foy tomada, e
quaaes eram os trabalhos dos homeês naquella noute.
Capítullo Lxxxvij.
V
-iJMTE e huú dias eram do mes dagosto, quamdo amdaua a era dAdam
25 \/ * que he o anno do mundo, em cimquo mill e cemto e seteemta e A, io7,v,2
seis annos abraycos. e a era do diluuio, em quatro mill e qui-
nhemtos e xvij annos rromaSos. e a era de Nabucodonosor, em dous
mill e çemto e sesseemta e dous. e a era de Phillipe o gram rrey de
Grécia, em mill e seteçemtos e xxviij annos. e a era dAllexamdre o
3o gram rrey de Macedónia, em mill e seteçemtos e xxvj. e a era de César
emperador de Roma, em mill e quatroçemtos e çimquoemta e três. e a
era de nosso Senhor Jesu Christo, em mill e quatroçemtos e xv. e a era dAcy-
mos ho Egiçiaão, em noueçemtos e seteemta e huú. e a era dos Alarues, em
I. ajnda A. — 3. assi A.- — 5. fernamdafonsso A. — 9. meemdafonso A. — 10. miz
(bis) A. — i5. assi foram A. — 16. ffeez A. — 24. Vjimte A. — 2 5. mumdo A. — 28. mill]
om. A — seseemta A — de (1°) I, do A — phillipo A. — 32. Jhú xpõ A. — 32-33. dacy-
mos A. de Alimus I.
3o
— 234 —
seteçemtos e nouemta e três, segumdo os seus annos, ca os outros annos
todos ssam rromaãos. e a era dos Persianos, em seteçemtos e oiteemta
e três. e a era do rreynado delRey Dom Afíomsso, que foy o primeiro
rrey de Portugal!, em trezemtos e xiij. e o anrio do rreynado deste rrey
Dom Joham, em xxxij annos dos annos sollares, quamdo estaua o soll em 5
seis graaos do syno de Virgo, e a luiJa sobre o primeiro quarto do seu
creçimento, no primeiro graao dos dous gémeos, que ssam Pollos e Cas-
A, io8,r, I tor filiios de Leda. ja passauam * de sete oras e mea depois de meo dia,
quamdo a cidade foy de todo liure dos mouros. E os nossos assy como
amdauam muy camssados por rrazam do trabalho, e assy por a força da lo
queemtura que passaram, começaram de sse apousemtar aquelles que
ajmda nom eram apousemtados. ca mujtos auia hi, que depois que huúa uez
eratraram na casa, alli aguardauam a uijmda da noute. outros tomaram
as esperamças tam largas, que nom sse comtemtaram do primeiro acha-
dego, e aa derradeyra ficaram sem nehuúa cousa. E depois que a noute i5
de todo foy çarrada, tamanho foy o menos preço em que teueram os
mouros, polia uitoria que tam ligeyramente cobraram, que nom teueram
cuydado de poer nehuúa guarda sobre a cidade, soomente quamto teue-
ram acordo de fecharem as portas. Como quer que segumdo meu juízo,
as guardas nom eram mujto necessárias por aquelle presemte, porque a 20
cidade polia mayor parte he cercada dagua, omde tijnha assaz segu-
ramça. e aquelle pequeno spaço que ficaua da parte do sertaão, nom
A, io8,r,2 lhe compria milhor guarda, que a gemte do Iffamte que * estaua sobre a
porta de Feez. e outra mujta que jsso meesmo estaua aa porta dAluoro
Meemdez. e as outras companhas, que jaziam polia cidade, nom tijnham 2b
mayor cuydado doutra cousa, que de apanharem o esbulho. E quamto
mais o tempo sse afastaua do primeiro começo, tamto o fogo da sua
cobijça era mujto mais aceso, ca emtam começauam de sse arrepem-
der do dano que fezeram em mujtas cousas, de que sse depois poderam
aproueitar. Ca logo no primeiro começo, nom esguardamdo nehuúa 3o
cousa, fezeram tamanho dano em mujtas cousas de gramde uallia, cuja
cobijça lhes ao depois trazia gramde arrepemdimento. porque mujtos
que sse acertaram primeiramente naquellas logeas dos mercadores que
estauam na rrua dereita, assy como emtrauam polias portas, sem nehuúa
temperamça nem rreguardo, dauam com suas fachas nos sacos das spe- 35
ciarias, e esfarrapauamnos todos, de guisa que todo lamçauam per o
chaão. E bem era pêra auer doo de semelhamte estrago, quall alli foi
5. em (i.°) I, om. A. — 8. lleda A. — 9. assi A. — 12. ajmda A — pousentados A. —
i5. noite A. — 24. ffeez A. — 25. que I, om. A.— 33. logeas I, leias A. — 34. assi A.
— 235 —
feito naquelle dia. ca as speçiarias eram mujtas e de grosso uallor. e
as rruas nom menos jaziam cheas delias, do* que poderiam jazer de jum- A,io8,v, i
quo nos dias das gramdes festas, as quaaes depois que forom acouça-
das dos pees da multidam das gemtes, que per cima delias passauam.
5 e desi com o feruor do soU que era gramde, dauam depois de ssi muy
gramde odor. Mas porque aquelle dano sem proueito lhe podesse logo
emprouiso trazer arrepemdimemto, a cobijça daquella perda os soiugaua
ao depois de amdarem polias rruas apanhamdo os pedaços de canella e
graãos da pimenta, menos preçamdo todo trabalho e fadiga que lhe sobre
IO ello uijnha. Ca em treze dias que elRey alli depois esteue, numca as rruas
era desacompanhadas daqueilas gemtes de pouco uallor, emtamto que nom
podiam os homeés passar liuremente que nom fossem empachados daquella
multidam. Buçetas de coraseruas e jarras de mell e mamteiga e arrobe e
azeite eram alli tamtas estroidns, que nom faziam menos emxurro polia
i5 rrua, que sse fossem alguús canos dagua quamdo choue. a quall perda
era mujto chorada dalguús daquelles de uill geeraçam. ca os boõs e
nobres nom puynham seu cuydado em semelhamtes cousas. Mamtij-
mentos ouueram alli assaz, assy dos que achauam nas casas como outros
que faziam uijr da frota, * espiçiallmente o uinho, que em semelhamte tempo A, io5>,v,2
20 era tam deseiado, que este era huú liquor de que nas casas dos mouros
auia pequena camtidade, ajmda que aaquelles que sse acerta de o beuer
lhe prazerá mujto do boÕ, etc.
Como os christaãos em aquella noitte trariam amtrc ssy desiiayra-
das ocupaçoôes. Capititllo Lxxxviij.
Tc
25 r g ^oDA ocupaçam dos mais daquelles era deleitosa, ca posto que todo
aquelle dia fossem trabalhados, e o espaço da noute fosse tam
pequeno, nom auia hi tam preguiçoso que sse comtemtasse de a
toda dormir, ca huús se ocupauam de fazer trouxas daqueilas cousas
que apanharam, outros estauam jguallamdo suas partilhas com aquelles
3o que primeyramente traziam comserua. outros amdauam cauamdo as
casas., omde achauam a terra mouediça, e faziam nellas muy gramdes
fo3'os, pemssamdo dacharem alguúas rriquezas soterradas, e por huú
pouco que achauam, desfaziam gramdes alliçeçes, pemssamdo dacharem
mais. outros temtauam as alturas das aguas que jaziam nos poços, e
3, foram A. — S. ile canella \,om A. — 11. gemes A. — i3. manteiga A. — 23. noite A.
— 26. noite A. — 28 acupauam A.
— 236 —
metiamsse neellas, apallpamdo com os pees pêra ueer se poderiam ajmda
A, io9,r, I achar alguúas rriquezas * sobre aquellas que ja tijnham. e por dizer uer-
dade, que em mujtos nom eram seus trabalhos em uaão, que sse acha-
uam mujtas cousas em elles de grossa ualUa. E os que mayor efficaçia
traziam em estes trabalhos, assy eram as gemtes do pouoo, speçiallmente 5
os que eram casados, aos quaaes nom podia parecer cousa sobeia por
rrefeçe que fosse, se elles auiam lugar pêra a trazer. Oo como a uem-
tura muda suas cousas como lhe praz, e acreçemta e mimgua segumdo
seu querer, ca tall auia amtre aquelles, que em este rregno nom tijnha
huúa choça, e alli açertaua por pousada gramdes casas ladrilhadas com ,0
tigellos uidrados de desuayradas coores. e os teitos forrados doUiuell
com fremosas açoteas çerquadas de mármores muy aluos e pollidos. e
as camas bramdas e molles e com rroupas de desuairados lauores, como
ueedes que geerallmente sam as obras dos mouros. E em forte ora
deziam elles, aquelles pelleiassem sobre tamto uiço, pêra nos outros mez- ,5
quinhos, que amdamos no nosso Portugall pollos campos colhemdo nossas
messes, afadigados com a força do tempo, e aa derradeira nom teemos
A,io9,r,2 outro rrepouso, senam proues casas, que em comparaçam * destas querem
parecer choças de porcos. Os nobres homeés tijnham o primeiro açer-
tamento ja comtcmtes, e nom curauam doutra cousa, senam despemder 20
o tempo que lhes o sono nom ocupaua os semtidos, em rrecomtar a
gramdeza daquella uitoria. e huijs louuauam os goUpes que acertaram
de ueer a seus amigos, ou os aqueeçimentos que ouueram. outros cull-
pauam alguii estoruo se lhe aqueeçera, per que perderam alguú gollpe
que poderam fazer, outros estimauam a multidam dos mortos quamtos 25
seriam, sobre cujo numero eram desuayradas openioões, nom com pequena
gloria da desauemtura de seus jmmijgos. Mas sobre todallas cousas se
fallaua nos feitos que o Iffamte Dom Hamrrique fezera, que todo ho ali
estimauam por pequena cousa. Outros tijnham cuydado de rrecadarem
os prisoneiros, sobre cuja guarda sse puynha gramde delligemçia, huús 3o
leuamdo aas gallees, outros metemdo em taaes prisoões, per que teuessem
delies seguramça. Muytos tijnham cuydado de quererem escoUdrinhar
per quall parte se aazara mais certamente aquella uitoria. e huús eram
que a atribuhiam de todo a Deos, os quaaes amtre todollos outros falla-
A, 109, V, I uam * mais uerdadeiramente, dizemdo que todallas hordenamças prestaram 35
pouco, sse os mouros teueram auisamento de fecharem suas portas e nom
quiseram sayr fora. ca per pouco tempo que sse teueram deffemdemdo
sua cidade, nom poderá seer que lhe em breue tempo nom uiera gramde
I. apalparado A. — 5. assi A. — 7. logar A. — 23. culpauam A.
— 237 —
socorro de seus uezinhos e paremtes. Outros deziam que aquello'nom
prestaua. ca posto que elles fecharom as portas, nom teueram uiamda,
nem lhe poderá uijr tam asinha de fora, segumdo seu gramde desperçc-
bimento. Como poderá seer deziam aquelles, que os mouros deftemde-
5 ram a cidade, posto que fecharam as portas, ca eIRey tijnha ordenado
de poer seu arra3'all na Almina, homde os mouros forom assy combatidos
per força de seus jmmijgos. e com a multidam da sua gemte que numca
sse escusara, que em breue tempo nom sobirom os homeês per cima de
seus muros, e posto que os da cidade teueram mamtijmentos, nom
10 poderam seer tamtos, que podessem abastar tamanha multidom de mou-
ros, como era na cidade, porque aalem dos moradores delia, eram hi
outros mujtos* de fora, que ficaram alli da primeyra uez que os nauios A, iog,v,2
forom a Barbaçote, leixamdo os outros que Çaila bem Çalla nom quis rre-
çeber na uilla, que estauam fora. os quaaes era necessário que rrece-
i5 besse, quamdo uisse que de todo queriam combater a cidade. Ora uos
caliaae, deziam outros aaquelles. ca depois de Deos nom tem hi nehuúa
cousa tamanho louuor, como o nobre comsseiho que elRey teue. ca sse
os mouros teueram auisamento, ajmda que mais nom fora que de huú
mes, numca sse a cidade cobrara, que sse primeiro nom gastara todo
2o Portugall pedaço e pedaço. E assy em estes feitos e departiçoões des-
pemderom as suas gemtes aquella parte da noute. mais o emtemdimento
delRey nom buscaua nehuúa destas cousas, amte jazia pemssamdo na
gramde merçee que lhe Deos fezera. pêra a quall lhe pedia em sua
uoomtade, que lhe abrisse aazo e címinho, como a podesse guardar e
25 deftemder por testimunho de tamanho millagre. e por tall que a rre-
nembramça daquella uitoria ficasse por soçessom a todollos rrex que
depois possuyssem sua herdade.
Do gramde pramto que os mouras f a {iam sobre a perdiçom da * sua A, i lo, r, i
cidade. Cafitullo Lxxxix.
3o y->v lADOSA cousa era douuir os gemidos daquelies mouros, depois que
I — ' forom afastados da sombra dos muros da sua cidade, ca sse
*~ começarom de apartar per amtre as espessuras dos aruoredos de
suas ortas e pumares. e nom auia hi tall, que logo aa primeira chegada
podesse teer seguramça por rrujto escuso que o lugar fosse, ca assv
6. foram assi A. — i3. foram A — i6. despois A. — 20. assi A. — 21. noite A. —
27. possuysem A. — 3i. foram A — soombra A. — 34. assi A.
— 238 —
uijnham amedoremtados da mortijmdade, que uirom fazer em seus uezi-
nhos e paremtes. Mais depois que a noute começou de sobreuijr, cobra-
rem elles ja quamto quer de mayor atreuimento, è começarem de sse
sahir daquelies matos cada huijs per sua parte, e chamarsse huús aos
outros per seus próprios nomes, e as madres chamauam os filhos, e 5
os maridos as molheres. e aquelles que sse açertauam de sse acharem,
tijnham alguíi rremedio pêra seu comforto, ajmda que lhe mujto nom
podesse durar, porque a nembramça de sua perda geerall nom podia
esqueeçer por outra nehuúa cousa de melhoria por gramde que fosse, e
sobre todo nom auia hi alguú, que nom teuesse em sua parte que chorar, lo
A, iio,r,2 porque* a huús falleçiam filhos, a outros molheres e amigos, e taaes ste
açertauam alli, a que falleçiam todos. E assy começauam de fazer seu
pramto muy doorido, choramdo sua perdiçam. ca sse nembrauam das
cousas que perderam, as quaaes eram tamtas e tam gramdes, que cada
huú per ssi lhe fazia muy dooroso semtimento. e emtam nomeauam a i3
nobreza delias, cada huú como as perdera. Ha no mundo deziam elles,
emtemdimento em que poderá ctber, que huúa tam nobre e tam rreall
cidade em huú soo dia se podesse perder. Por çerlo nom forom esto
homeês uiuemtes, mas forom os poderios do jmferno que chegarom sobre
nos. ca semelhamte obra mall se poderá creer, que foy em tam breue 20
tempo acabada per nehuúa força ou poderio terreall. E escpreuam deziam
elles, os autores das estorias, que numca foy alguúa companha tam mall
auemturada como aquesta nossa, ca ajmda que nos esteueramos no
meo de huú campo com huúas poucas de palhas amte nos, nom podera-
mos tam ligeiramente seer uemçidos. E sse quer ao menos nos leixara 25
A, iio,v, i nossa maa uemtura tamto bem, que teueramos alguú * espaço em que
poderamos conhecer nosso uemçinento, o quall nos nom aproueitara
pouco pêra nosso auisamento. E emtom começauam de comtar huús
aos outros todollos aqueeçimentos de sua partida, e quaaes eram os
que morreram logo na primeira rruí, e quaaes ao depois, e comtauain 3o
outrossy da gramde multidoõe de seus paremtes e amigos, que jazia
espargida per as rruas e praças da çiiade. Os uelhos deziam que ouuj-
ram a seus padres e auoos fallar naquella perdiçam, dizemdo que dias
auiam de uijr, que aquella cidade auia de seer toda rregada com samgue
de seus filhos .s. de seus moradores. Outros comtauam sonhos que 35
sonharam de cousas marauilhosas que '.he apareçerom, as quaaes depois
do dano declarauam. Huú foy que disse alli. Quamdo eu era moço
me mamdou meu padre pêra Tunez, peia huú meu tio que alia moraua.
2. despois A — noite A. — 12. assi A — 19. fontn A. — 3o. despois A.
— 239 —
o quall me deu a emsinar a huQ almoedam da mezquita ma3'or. e
estamdo eu huú dia fallamdo com elle, comtamdolhe as boomdades daquesta
cidade, e elle emfim de minhas pallauras pos a maão sobre os olhos, e
começou de suspirar muy fortemente, e mujtas uezes lhe pareciam as
i lagrimas per de so a maão. e emtom me disse. * Filho meu rrogote que A,iio,v,2
me nom digas mais das boomdades da tua cidade, que me nom podes tu
tamto dizer, que eu mujto mais nom sayba. mas tamto te digo, que sse
os da terra dAflrica soubessem o que eu sey, ja em ella nom estaria pedra
sobre outra, que nom fosse toda derribada no chaão. ca sua fremosura
IO e boomdade ha ajmda de seer por nosso gramde mall, o quall semtiram
primeiro os delia, e depois o semtiremos nos outros os de ca. E esto sey
eu disse elle, porque nom ha mujtos annos que jazemdo em esta mezquita
dormimdo huúa noute, sonhaua que uia huiía molher com mujtos filhos
darredor de ssi. e que uia huúa pomte que sse começaua daçerqua de
i5 seus pees, e chegaua ataa o rregno do Algarue, polia quall uijnham da
terra dos christaãos gramdes manadas de moços, os quaaes pelleiauam
com os filhos daquella molher, ataa que os matauam todos, e mamauam
em suas tetas. E isto comtey eu a outros mouros sabedores, e todos
acordamos que aquella molher rrepresemta a terra dAflrica. e os pri-
20 meiros filhos somos nos outros, os quaaes empuxarom os christaãos de
suas tetas .s. de sua terra. E todo esto sse ha dalleuamtar por cobijça
da uossa cidade. E porque * disse aquelle mouro, eu numca em estes A, iii,r, i
sonhos tiue gramde fememça, nom curey mujto desguardar sobre ello.
Disserom ajmda mais, que quamdo a frota delRey partio de Barbaçote
25 pêra as Aljaziras, huúa das molheres de Çalla bem Çalla sonhara que seu
marido sse mudaua dalli pêra outras casas, e que porque o ella uia
mujto triste,- que lhe pregumtaua porque uijnha assy anoiado. e que lhe
rrespondia elle, que pollo coraçom que lhe ficaua em Cepta. Pois dezia
ella, porque nom tornaaes la por elle. Porque me tem as portas fechadas,
3o rrespomdia elle. E Çalla bem Çalla dezia que sonhara aquella manhaã,
que seu padre o uijnha abraçar. Outros comtauam quamtas abusoões
sonharom auia çemto annos, aas quaaes todos dauam ho emtemdimento
daquella perdiçam. E assy esteueram aquella noute em suas tristes
departiçoões, cada huú comtamdo sua parte, ataa que os o sono forçaua,
3i homde lhe passauam pollos semtidos cousas mujto desuayradas, segumdo
sse faz cumunallmente a todos aquelles que uigiamdo ssom carregados
2. bomdades A. — 6. da I, de A. — 7. tanto A. — 8. os] add. mouros I. — r3. noite A.
— 16. grandes A. — 20. xpaãos A. — 25. aliaziras A. — 27. assi A. — 33. assi A. —
35. sentidos A.
— 240 —
de pemssamentos. Taaes hi auia a que pareciam gramdes chamas de
A, iii,r,2 fogos, outros aguas corremtes. outros multidom de nauios. * outros uijam
pelleiar touros, outros uiam a luúa e as estrellas e outros ssynaaes do
çeeo. a outros parecia que fallauam seus padres e seus paremtes e ami-
gos finados, e ajmda mujtos daquelles que naquelle dia falleçeram. Muj- 5
tos eram que sse hiam pêra as herdades e quimtaãs, homde tijnham suas
casas, em que estauam no tempo do seu allacill, segumdo ueedes que os
mouros costumam quamdo passam suas fruitas. e alli se lamçauam
sobre os montes das palhas, que alli tijnham pêra suas camas, ca aquelle
era o tempo em que elles mais aturauam semelhamtes lugares, por rrezam 10
dos fruitctô que emtom amadurecem. E alli sse começauam de nembrar
quamto proueito elles ouuerom naquellas herdades, e das aruores frutí-
feras que em ellas poseram, e quamta despesa fezeram em seus hedi-
fiçios. e como todo em tam breue tempo auiam de leixar a seus jmmij-
gos. Outros hi auia, que sse lamçauam a chorar poUos cômoros dos i5
uallados das suas hortas, em fim daquelle triste pemssamento. a outros
sobreuijnha tamanha braueza, que com aquella lastima sse emuiauam aas
uergomteas de seus emxertos, e começauam de as britar. E assy amda-
A ,iii,v, I uam * dhuúa parte pêra a outra, como homees fora de ssiso. pareçemdo
aquella saçerdota Edonys, que moraua nas montanhas do monte Pimdo, 20
a quall fazia cada huij anno seus sacrifícios ao deos Baco, que era deos
do uinho, segumdo comta meestre Gonfedro, pareçemdolhes que sse far-
tauam em fazer aquelle estrago ataa que camssados faziam fym. Outros
que tijnham alguija ferramenta em aquellas quimtaãs, deçepauam as aruo-
res pollos pees. mais outros auia hi que sse temperauam em suas sanhas, 25
esperamdo que per uemtura cobrariam ajmda sua cidade, homde lhe
aquellas cousas poderiam proueitar. e traziam a suas memorias mujtas
escprituras que leeram, nas quaaes achauara mujtos acomteçimentos
doutras cidades e uillas, que depois tornarem a cobrar seus primeiros
moradores, homde sse lograuom das cousas semelhamtes que amte leixa- 3o
uom. Ora pois deziam elles amtre ssy meesmos, porque quebramtaremos
nos as nossas cousas, ca pode seer que Deos obrara em nos com a sua
misericórdia, e tornamos ha aa posse da nossa cidade, a quall ajmda que
A. iii,v.2 ali nom fosse, he tam lomge do rregno de Portugall, que os christaãos*
a nom poderam mamteer.
10. semelhantes A. — 11. lembrar A. — 12. ouueram A. — i3. quanta I, com quamta A.
— 18. assi A. — 20. Edonys I, e donys A. — 22. Gonfredo I. — 25. pellos A. — 28. muy-
tos A. — 29. despois A. — 33. ajnda A. — 34. xpaãos A.
241 —
Como elRey emuiou seu rrecado a Martim Fernamde^ Portoca-
rreyro alcayde de Tarifa por lhe noiejicar sua uitoria.
Capitullo LR.
SOOMENTE a dous lugares achamos que elRey emuiou noteficar ho
boom aqueeçimento, que lhe Deos dera em sua uitoria. Homde
auees de saber que polia boÕa uoomtade, que Martim Fernamdez
Portocarreyro mostrou a seu seruiço, quamdo emuiou seu filho a elle aa
frota, como ja ouuistes. teue elRey por bem de lho fazer saber primeiro
que a outro nehuú. e ajmda disserom alguús que lhe emuiou assy
!o aquellas nouas, aalem do que dito he, porque as podesse o dito Martim
Fernamdez noteficar per outras partes daquelle rregno de Castella. E
porem tamto que foy demtro na cidade, mamdou fazer prestes huij bra-
gamtim, no quall emuiou com seu rrecado Joham Rolz comitre, que lhe
comtasse as nouas daquelle aqueeçimento, e assy todo outro feito como
i5 passara. Tamto que Joham Roíz chegou a Tarifa, foi logo cora aquelle
rrecado a Martim Fernamdez. o quall foy tam ledo com elle, que por
muy gramde espaço nom sse podia * fartar de o ouuir, tornamdo mujtas A, ii2,r, i
uezes a pregumtar por todallas circustamçias daquelles aqueeçimentos
como passarom. Vos disse elle aaquelle messageiro, seiaaes assy tam
20 bem uijmdo, como a milhor páscoa dorida que eu neste mundo ouue.
Direes a elRey meu senhor, que lho tenho mujto em gramde merçee. e
que sayba elle que sua uoomtade nom foy emganada em me querer fiizer
sabedor de sua uitoria. ca nom ha em seu rregno homem de meu
estado, a que eu desse auamtagem de lhe mais prazer de seu boom
25 aqueeçimento. Mas que sse mo elle assy nom fezera saber per uos ou
per outro alguú de seu mamdado, que eu fora mujto duuidoso de o creer
per outra alguíia maneira. Mas nom sabees disse elle, como estaua o
castello acompanhado, ou sse tijnham os mouros teemçom de sse poerem
em sua deffesa. da quall cousa me nom prazeria, porque o castello he
3o forte, e poderia dar alguii trabalho a elRey. Ajmda quamdo eu parti,
rrespomdeo Joham RoTz, os mouros eram em posse delle. mas depois
que eu fuy no mar alomgado quamto seria huúa legoa da cidade, uy as
bamdeiras cm cima das torres. E quamdo Pêro Fernamdes Portoca-
rreiro ouuyo assy aquelle rrecado, *ouue gramde queixume, porque nom ^ na r 2
35 fora naquelle feito, segumdo amte rrequerera a seu padre. Vos disse
2. notilicar A. — 6. boa A. — 14. assi A. — 17. muytas A. — 19. messegeiro A —
assi A. — 20. mumdo A. — 21. em muito I. — 25. assi A. — 26. douidoso A. — 28. tem-
çom A. — 33-34. Portocarreiro] add seu filho.
3i
242 —
elle comtra o padre, me tirastes de meu boom propósito, estoruamdome
que nom fosse com elRey, que me fora gramde homrra. da quall cousa
em todos meus dias numca perderey magoa. Se eu cuydara, rrespomdeo
o padre, que sse este feito tam ligeyramente auia dacabar, nom fezera
tamanha deteemça em te auiar teus feitos como fiz. ca bem sabes a 5
teemçam que tijnha acerca dello. e esto era emcaminharte alguii corre-
gimento pêra hires segumdo te perteemçia. mas parece que Deos quis
acabar o feito per outra guisa, pollo quall me parece que numca ouuy
faliar que cidade nem uilla fosse tam em breue filhada. Ca ja mujtas
uezes me acomteçeo mamdar huúa meada de fiado a temgir aaquella i©
cidade, e nom foy tam asinha cuberta da timtura, como agora foy tomada
per elRey. Certamente disse elle, este he tamanho feito que he duuida
de sse creer assy logo pollo presemte, ataa que a fama dello nom seia
mais declarada. O escudeiro foy muy bem agasalhado, e assy aquelles
A, ii2,T,i que com elle forom. E desi partio Martim Fernamdez *com elle em j5
nome daluissara, segumdo seu estado rrequeria. Aqui auees de notar
que aalem da boõa uoomtade que aquelle fidallgo tijnha a elRey, auia muy
gramde rrazom assy elle como todollos moradores de Tarifa, de sse alle-
grarem daquelle feito, espiçiallmente por lhe seer tirada damte os olhos
tamanha uergonha, como tijnham em aquelles mouros, ca depois ataa 20
ora elles e seus soçessores sempre fezeram e fazem muy gramdes pro-
ueitos pêra ssi em aquella cidade, uemdemdo hi seus fruitos e mercadoria
com gramdes auamtageés de gaanho.
Como mamdoii elRey Joham Escudeiro aa casa delRey Dom Fer-
namdo dAragam e depois Aluoro Gomçalluei da Maya, e das cousas 25
que lhe emuiou dí{er. Capitullo LRJ.
O
UTROssi mamdou elRey Joham Escudeiro huú boom homem de sua
casa com seu rrecado a elRey dAragam, Direes disse elRey, a
elRey Dom Fernamdo como trouxe minha frota de Portugall
sobre esta cidade, e os comtrayros que ouue assy por aazo das sarraçoÕes 30
como das corremtes que me leuaram os nauios. e como aa fim determi-
nei sem embargo de todo uijnr sobre a cidade, ajmda que de mujtos fosse
A,ii2,v,2 comsselhado pollo comtrairo. * E comtarlhees a hordenamça que teue-
mos em trazer nossa frota, e como meus filhos sahirom na Almina, e
3. rrespondeo A.— i5. foram A.— 17. boa A. — 18. assi A. — 20. vergonha I, uer-
gomça A — atee A. — 22. mercadaria A. — 28. daragom A. — 3o. assi A. — 32. muytos A.
33. pello contrairo A.
— 243 —
polia guisa que a cidade foy emtrada, da quall agora polia graça de Deos
som em posse. Cujo aqueeçimento escpreuo a elle primeyramente que
a outro alguij primçipe, polia gramde e boõa uoomtade que Ilie tenho, e
desi pollo deseio que lhe semto pêra guerrear aos jmfiees. E logo a
5 cabo de poucos dias emuiou a elle Aluoro Gomçalluez da Maya, que era
seu ueedor da fazemda na cidade do Porto, com outra embaixada, na quall
lhe fez saber, que por quamto elles ja tratarom per suas cartas sobre a
comquista dos jmfiees. Pollo quall disse elRey, me eu trabalhei de tomar
assy esta cidade, por emtemder que faço daqui muy gramde empacho aos
10 mouros daaquem e daalem. ca por seu aazo se podem agora mouer
quaaesquer cousas, que quiserem fazer em cada huúa destas partes
acerca da destruiçom dos mouros, ca os que ouuerem de uijnr guerrear
estas partes dAffrica, teem ja lugar omde uenham desembarcar sua frota,
e boõa fortellcza domde possam correr a terra, e que pêra os que
i5 quiserem guerrear o rregno de Graada, aproueitara mujto, porque em
esta cidade poderam sempre estar nauios que guardem todo o estreito, de
guisa que nom possam passar nehuús * mouros pêra ajudarem os outros. A, ii3,r,i
Porem que eu lhe rrogo, que elle me faça saber a uoomtade que teem
acerca deste feito, porque eu possa auiar e correger os meus pêra prose-
20 guir minha emtemçom. Mujto prouue a elRey Dom Fernamdo com serae-
Ihamtes nouas, e assy disse que daua mujtas graças a Deos por tam boom
aqueeçimento dar a elRey Dom Joham seu amigo, mas porem que elle
era ja assy aficado de huúa emfirmidade que tijnha, que duuidaua mujto
uiuer tamto, porque podesse ueer tamanho prazer podemdo cometer
25 semelhamte feito. Empero que elle sse faria leuar em huGas amdas ao
estremo de Portugall, omde lhe rrogaua que elle quisesse chegar pêra
fallarem ambos mais largamente açerqua de todos seus feitos. E que
posto que elle morresse em aquella uiagem, o que emtemdia que sse lhe
nom escusaua segumdo o gramde padecimento que tijnha, que aueria por
3o muy bera despesa sua uida em semelhamte trabalho. E per esta guisa
se partio Aluoro Gomçalluez de Vallemça do çide, omde emtam elRey
estaua, muy comtemte do boom gasalhado que rreçcbera. ca assy elle
como Joham Escudeiro ouueram delle suas joyas e outras merçees muy
graadamente, segumdo que elRey era. O quall tamto que Aluoro Gom-
35 çalluez partio, começou sua uiagem,* mas em. poucas jornadas fez fim A, i[3,r,*
de sua uida. e de tall guisa foi todo emcaminhado, que primeiramente
I. pella (bis) A. — 2. cuio A. — 3. boa A. — 4. emfiees A. — 9. assi A. — 14. boa A.
i5. aproueitaram A, aproveitara I. — 20. muito A. — 21. assi A. — 23. assi A — muy to A.
— 3o. semelhante A. — 32. contemte A — assi A.
— 244 —
ouue clRey as nouas da morte delRey Dom Fernamdo, que Aluoro Gom-
calluez chegasse a elle. E certamente que a Espanha deuera mujto sem-
tir a morte de tall primçipe. ca era huú homem de gramdes uirtudes, as
quaaes o emcaminhauam a gramdes feitos, e elle ficou Iftamte muy
poderoso e bem amado de todo o pouoo de Castella, quamdo elRey Dom 5
Hamrrique seu jrma;1o falleçeo deste mundo, homde sse elle poderá
nomear por rrey se quisera, porque seu sobrinho aaquelle tempo nom era
mais, que em hidade de dous annos. a quall cousa elle nom quis fazer,
como quer que lhe mujto rrequerido fosse, dizemdo que Deos numca
quizesse que elle fezesse cousa, per que seu nome rreçebesse nehuij lo
prasmo. E assy pos elRey seu sobrinho na cadeira rreall, e o fez rreçe-
ber por rrey em todo seu rregno. e o rregeo depois com a rrainha sua
madre muy proueitosamente com gramde comtemtamento de todollos do
rregno. E elle cercou Antique}'ra, e a filhou aos mouros, e fez mujto
dano em aquelles rregnos de Graada, em quamto durou em Castella. e i5
cobrou depois o rregno dAragam, como ja teemos fallado. E sse sse a
A, ii3,v, 1 a morte nom amtiçipara * de o leuar, nom forom os seus dias despesos
em outro ofliçio senom na guerra dos jmfiees, cuja emtemçom he de creer
que seria muy gramde parte de seu meriçimento no outro mundo, ca
a boÕa uoomtade homde o poder nom abasta, em mujtos lugares he rreçe- 20
bida por obra. Quatro coroas rreaaes ficarom na Espanha, que sahiram
da sua primeira geeraçom. e huij meestre de Samtiago, senhor das terras
do Iftamtado com mujtas e boõas fortellezas em Castella. e o outro filho
duque de Gamdia com outros mujtos lugares em Castella e em Aragam.
Mas porque os feitos daquelle rregno em mujtos lugares som tecidos ^5
com os nossos, fallaremos nos adiamte mais compridamente em todas
estas cousas.
Como ho autor falia na gramde mortijmdade, que sse fe{ em os
mouros naqiielle dia. Capítullo LRij.
E
IM todollos liuros estoreaaes custumarom sempre os autores de em- 5o
memtar assy o numero dos mortos como dos catiuos. mais esto
nom emtemdemos que sse possa fazer geerallmente em todollos
lugares, porque os uemçedores em tall tempo sempre trazem mayor cui-
A, ii3,v,2 dado* de apanharem o despojo dos jmmijgos, que comtar per pessoa os
G. tnumdo A. — 16. despois A — daragom A. — 17. antiçipara A. — 20. boa A.
20-21. rreçibida A. — aS. boas A — 24. muytos A — aragom A. — 25. da quell A. —
28. grande A. — 3 1 . assi A. — 34. emmijgos A.
— 245 —
que jazem mortos no campo. Bem pode seer que sse possa jsto fazer por
os capitaães dos uemçidos, os quaaes per os liuros dos seus allardos que-
rem mujtas uezes auer conhecimento de sua perda, ou seemdo tam poucos
mortos que os possam os uemçedores ligeiramente comtar. cujo numero
i nos em este feito numca podemos certamente saber, porque huús forom
que disseram, que eram mortos çimquo mill. outros fallaram mais larga-
mente, e disseram dez mill. outros poseram o comto em dous mill. e
assy amdaram errados em seus comtos, que nos nom queremos determi-
nadamente escpreuer nehuú delles. leixamdo este juizo aaquelles que
10 teuerem descriçom, comssijramdo que omde o feito amdaua per tall guisa,
quall seria a fim dos jmmijgos amtre aquelles, cuja pelleia era per desi-
gual! comparaçam em duas maneiras. A primeira, por quamto os chris-
taãos eram todos armados, pouco ou mujto cada huú em seu estado, e a
segumda a uitoria que os nossos cobraram, e a natureza comssemte que
i5 os corpos postos em desauemtura siguam mais ligeiramente os medos,
que* aquelles que a fortuna mostra ho comtrairo sembramte. E quamto A, ii4,r. 1
os uitoriosos semtiam mais fraqueza nos uemçidos, tamto faziam em elles
mayor dano. por cuja rrazom foi feita em aquelle dia gramde mortijm-
dade, a quall jazia espargida per todallas ruas da cidade, ca posto que
20 alguús matassem nas casas, como de feito matauam espiçiallmente molhe-
res e moços pequenos, quamdo foy açerqua da noute, cada huú como os
achaua na pousada, posto que a casa fosse sua na uida, muy asinha os
lamçauam fora delia, nom sse comtemtamdo de os rreçeber por aquella
noute em sua companhia. Empero com gramde allegria albergauam os
25 mouros, huús polia esperamça que tijnham do gaanho, que auiam dauer
por seu rresgate. outros pollo seruiço que delles esperauam. e assy que
todallas rruas jaziam acompanhadas daquelles mortos, cada huú com
aquella jazeda, em que o a sua derradeira uemtura leyxara, saluo alguús
cujas rroupas faziam cobijça aos christaãos, per que os tirauam delias.
3o e os primçipaaes lugares em que esta mortalha jazia ass}', era naquellas
rruas açerqua do castello, homde sse o Iftamte * Dom Hamrrique acertara A, 1 i4,r,2
com aquelles seus, como ja dissemos. Oo como nos outros arripiamos
nossas carnes, quamdo per açidemte ueemos alguú homem morto amte
nossos olhos, e estamos esmoreçemdo sobre elle, marauilhamdonos do
35 desuayro de sua comtenemça. e uem a nos huú mordimcnto de piedade,
posto que na sua uida lhe ouuessemos ódio. Pois uos outros diz o autor,
I. isto A. — 9. deixamdo A, leixamdo I. — 11. fym A. — 12. xpaãos A. — 17. uitu-
riosos A. — 21. noite A. — 23. comtemtando A. — 24. noite A.— 25. pelia A — 29. xpraãos A.
— 3o. prinçipaaes — mortualha I — assi A.
— 246 —
que amdauees alli, porque uos nom fartauees doolhar a semelhamça
daquelles, que per força de uossos goUpes perdiam as uidas. os quaaes
jazemdo em terra nom podiam dereitamente seer conhecidos, e tamto
eram atormemtados das feridas, que nom dauam nehuG uagar aas almas
pêra sayr das carnes, e taaes sse lhe partiam os spiritos apressados, que 5
lhe leixauam as caras tam feas, que uerdadeiramente arremedauam a
semelhamça dos amjos jmfernaaes. cuja fera e áspera companhia elles em
breue tempo auiam de conhecer. Nem creaaes que a todos geerall-
mente a morte leixaua huú jeito de jazeda. ca huús jaziam com os corpos
temdudos e as maãos apertadas e os demtes fechados, outros jaziam 10
A, ii4,v, I com os focinhos sobre a terra, emburilhados no seu* samgue meesmo.
outros com os corpos embuizados, apertamdo com seus punhos a rroupa
que traziam, outros jaziam assy espedaçados, que homem nom poderia
dereitamente julgar quall fora primeiramente sua queeda. taaes hi auia
que os gollpes primeiros nom eram tam feros, como o trilhamento dos i5
uiuos, quamdo sse açertaua de sse rreuolluerem com os pees sobre elles.
Pouco prestauam alli os falissos prometimentos das torpes deleitaçoÕes,
per que aquelle uelhaco profeta primeiramente jmduzio aqueile simprez
pouoo. ca os primçipes jmfernaaes emuiarom alli gramdes aazes de suas
companhas jmuisiuees, que com muy gramde trigamça arramcauam as 20
almas daquelles mezquinhos, e as leuauam com gramdes aliegrias pêra
aquelle eternall catiueyro, homde em preço da esperada luxuria lhe apre-
scmtauam caras tristes e espamtosas, nas quaaes pêra sempre comtinua-
damente ham de comtemplar. e assy todalias outras duçuras pagadas
por triste preço. E por quamto a luúa fora noua nos primeiros graaos 25
do signo dArias, seguia a sua claridade as primeiras oras da noute. e com
esto era necessário que as gemtes fossem dhuúas casas pêra as outras
A,ii4,v,2 uisitar seus amigos* e buscar suas necessidades, anoiauamsse fortemente
com a uista daquelles mortos, espiçiallmente porque mujtos delles jaziam
tam feos, que na meetade do dia traziam auorrimento. e sobre todo 3o
ajmda sse açertaua que alguús delles nam eram de todo mortos, e tijnham
seus membros cortados, e depois que os leixaua alguiã pouco a door,
prouauam de sse leuamtar com as caras cheas de samgue e de poo, com
que acreçemtauam mujto mais sua fealldade. E porem com todollos
trabalhos do Iftamte Dom Hamrrique nom lhe esqueeçeo o cuidado 35
daquelle feito, e emuiou a seu padre huú escudeiro a preguratarlhe que era,
4. atormentados A. — 7. anjos jnfernaaes A. — 12. embuizados I. — i3. assi A. —
14. iulgar A. — 16. rreuoluerera A. — 17. falssos A. — 20. jnuisiuees A. — 28. amjgos A.
— 29. muytos A. — 32. despois A.
— 247 —
o que sse faria daquelles mouros, a quall cousa lhe elRey mujto gradeçeo.
e disse que pois elle dello teuera tall nembramça, que lhe emcomemdaua
que teuesse cuidado de mamdar aaquella gemte que os leuassem ao
mar. sobre a quall cousa foy huúa rreferta, porque elles deziam que
os mareamtes deuiam teer tall cuydado, e os outros deziam que nom.
empero a quallquer delles que perteeçesse, a cidade foi liure per a guisa
que elRey tijnha mamdado. E assy do numero dos mortos nem dos
catiuos, nom poemos certo termo poilo que dito he. mas dos christaãos
* sabemos certamente que morreram oito em aquelle dia. conuem a saber B, i33, r,2
çinquo aa porta que Vasquo Fernandez britou e dous dentro na cidade.
contando hy Vasquo Fernandez dAtaide e mais o alferez de Dom Anrrique.
Como os mouros no outro dia olhauam os muros de Cepta^ e das B, iJ4,r, i
rreioóes que deliam em seu louuor. Capitullo LRiij.
COMO a noite foy trazendo a fim de sua escoridade e o sol começou
de ferir no oriental orizam. os mouros que sairam da cidade
tomaram suas molheres e filhos e ieuaramnos pêra cima de serra,
onde as leixaram acompanhadas daquelles que por rrezam de sua velhice
nom podiam jnteiramente mandar seus nembros. todollos outros rrijos
e poderosos pêra pelejar se vieram caminho da cidade com entençam
20 de tornarem aa escaramuça com os christaãos pêra os tirarem fora dos
muros pensando que alli aueriam com elles milhor dereito. Mas os
outros que ficauam sobre a serra assentados sobre os penedos nom
podiam partir seus olhos das torres da cidade, onde começauam de con-
sirar como tam pouco tempo auia que estauam em suas casas e em
25 tamanho rrepouso. abastados de grandes *rriquezas, e agora que se viam B, i34,r,2
pouoradores dos montes hermos fazendo vida pouco menos de bestas, e
desy começauam de olhar o assentamento da cidade e fremosura de
suas mizquitas. desy a ordenança das casas com todallas outras cousas
e bondades de sua terra. E per ventura auia hy tal que numqua com
3o tamanha femença esguardara onde viam os seus muros cheos de gentes
estranhas, e com estes pensamentos a taaes e outros semelhantes lhe
sobreuinham grandes choros, e ora culpauam seus santos, ora Cala ben
Cala. dizendo que fora preguiçoso e couarde em sua defensa, outra
2. emcomendaua A. — 5. diziam A. — 9 morrerom A. — 14. tragendo D. — 17. hom-
de D. — 18. podia B — nembros D, membros B. — 20. xpaãos B. — 27. desi B — assen-
tamento I, satamento B — fermosura B. — 3o. fememça D, fimença B — homde D. —
3o-3i. Çalla bem Çalla D.
— 248 —
vez culpauam seus ofiçiaaes e aquelles que primeiramente abriram suas
portas pêra hirem peleiar. ora culpauam sua maa ventura ate que nam
achauam jaa outrem a que posessem mais culpa, e entam começauam
huús cantares de palauras muito tristes louuando as bondades de sua
cidade. O deziam elles cidade de Cepta frol de todalas outras da terra 5
dAfrica. onde acharam os teus moradores terra em que façam outra
semelhante, ou como poderam elles consentir que as suas vontades
se nom agastem com tamanha perda, onde acharam daqui adiante os
mouros estranhos que vinham de Ethiopia e de Alexandria e de terra
de Siria e de Barbaria e de terra de Assiria que he o rregno de 10
Turcos, e os do oriente que uiuem aalem do rrio de Eufrates e
das índias, e doutras muitas terras que sam aalem do exo que estaa
ante os nossos olhos todos estes vinham a ti carregados de tantas
e tam rricas mercadorias. Onde acharam elles outro logar semelhante
A, ii6,r, ( em que possam* lamçar suas amcoras, ou nos outros mezquinhos homde i5
hiremos morar, que sciamos uisitados de tamtas e tam nobres cousas. Por
certo ja na rredomdeza do mundo nom fica outra semelhamte. cuja perda
nom soomente será semtida de nos que a perdemos, mas de todos
aquelles que naçerem do uemtre de Agar, ou que uiuerem sob a diçiplina
do nosso samto profeta Mafamede. Que faram agora os moradores de 20
Giballtar e assy todollos outros do rregno de Graada, ca perdido he o
seu acorro e o seu emparo. E nos desauemturados, que faremos de
nossos filhos e filhas que tijnhamos casados daquella parte, das quaaes
nos partíamos em huú dia, e naquelle meesmo tornauamos pêra nossas
casas, agora ja acabamos de as ueer pêra todo sempre. Quaaes joyas lhe 25
mamdaremos. que tragam nas suas gramdes páscoas, ou por homde nos
uijram seus rrecados como soyam. acabadas ssom ja. e assy choremos a
sua perda, como sse as teuessemos postas nas sepuUturas. Quaaes de
nos acharam agora, quamdo sse alleuamtarem das suas camas, as bestas
carregadas dos panos da seeda, que nos uijnham da cidade de Damasco. 3o
A, 116, r, 2 ou as casas cheas * de pedras preciosas dos da cumunidade de Veneza,
ou os gramdes sacos da especiaria, que nos uijnham dos desertos da
Libia. e que rriquezas ou nobrezas poderíamos nos nomear, que nos
cada dia nom achássemos amte as portas de nossas logeas. ou quall nauio
poderia correr per todo o mar medeoterrano, que nom mesurasse suas 35
2. pelejar B. — 3. posesem B. — 8. homde D. — y. uinham B — dalexamdrya D. —
10. Siria I, lx° B — regno B. — 12. aliem do exo D, alem do eyxo C. — 14. homde D
— acharom B, acharam D. — 17. mumdo A. — 20. mafomede A D. — 21. gyballtar A
— assi A. — 22. desauenturados A. ^ 25. as] os I. — 27. acabados I — assi A. — 3i. dos I,
os A D.
— 249 ~
uellas amte a gramdeza da nossa cidade. Nos éramos conhecidos nom
soomente anitre os mouros, mas na mayor parte da ciiristijmdade. ca
todos nos auiam mester, e todos nos buscauam. nom tam soomente os
amigos, mas ajmda os jmmijgos nom nos podiam escusar. E sse te tu
5 nom comtemtauas cidade de Cepta dos teus próprios moradores, porque
nom mamdauas chamar outros por toda a terra dAffrica, que te uiessem
pouorar. ca assaz acharas hi delles. E sse quer tamto nos fezesses ora
em gallardom de quamto bem em ti fezeram nossos amteçessores.
porque ao menos nos ficara poder pêra uijrmos uisitar as tuas sagradas
10 mezquitas, homde ssom as sepuUturas de nossos padres, e teueramos A, ii6,v, i
liçemça demtrar nas nossas casas, e nom fora tamto o nosso mall,* quamdo
as uiramos pouoradas da gemte da nossa ley. mas trouxeste aqui os
nossos jmmijgos do cabo do mundo, porque timgissem as suas maãos
do samgue dos teus çidadaãos. Nom tijnhas tu forteileza de muros, em
i5 que nos poderamos deflemder, ataa que fôramos acorridos dos outros
lugares de nossa comarca. Pois que mall foy este tamanho, porque te
tam asinha leyxaste soiugar aaquelles que te numca conheceram nem
sabiam, nom foy isto por certo com raimgua de tua forteileza. ca muros
e torres teês tu darredor de ti feitos per gramde meestria. e o teu
20 alcácer nom era elle feito de terra mouediça, nem de pedra emssossa,
que sse poderá derribar do primeiro combate, mais feito de muy fremosa
camtaria liado com muy forte betume dargamassa. e as torres muy
bastas e dereitas com todollos outros lauores, que sse a huúa proueitosa
forteileza rrequerem. e o teu assemtamento era assy aazado pêra gramde
25 cidade, quall nom auia outra semelhamte des a boca do Estreito ataa o
porto de Jafa, que he o postumeiro do mar medeoterrano. E por certo
deziam elles, nom podemos dereitamente dizer que a tua boomdade te A,ii6,v,2
derribou, agora* he ja acabada a emueja que nos nossos uezinhos auiam.
Mezquinhos de nos, que proueito fazemos agora sobre nossa uelhiçe
3o amdar per terras estranhas, melhor nos seria aguardarmos nossa fim em
esta terra que nos criou, e que rreposta daremos aaquelles que nos
preguntarem como perdemos nossa cidade, senam que a leixamos como
uijs çidadaãos. A lomga hidade que gasta todallas cousas, e as rrenem-
bramças delias, nom poderam tirar damtc o conhecimento dos homeés a
memoria de tamanho feito, a quall sempre uiuera em nosso doesto.
2. spistijmdade A. — 4. emmijgos A. — 5. contemtauas A. — 6. dafrica A. — i3. mum-
do A — timgessem A. — 24, assi A. — 28. nos] na margem A.
25o
Como os outros mouros se uieram açerqua da cidade, e da escara-
muça que irauaram com os christaãos, e como o Iffamte Duarte
sayo a elles. Capitullo LRiiij.
--0M tijnham os outros mouros que sse uieram açerqua da cidade
semelhamte ocupaçom, amte era todo seu deseio de tirarem os b
christaãos mais alomgados da cidade que podessem, segumdo ja
dissemos, e porem chegaromsse assy tamto, como bem podiam estar
seguros da beestaria que estaua sobre os muros. As quaaes nouas che-
garom aos Iftamtes, cada huú em sua parte, e o Iffamte Dom Hamrri-
que estaua ouuymdo missa naquella mezquita que ora de Samtiago. lo
A,ii7,r, I * tamto que aquelle offiçio foi acabado, mamdou que lhe trouxessem huú
cauallo. o que creemos que pouco mais auia hi, pollo quall lhe era nece-
ssário que esperasse, porque -doutra guisa nom poderá fazer nehuúa
cousa por rrezam das feridas que tijnha nas pernas. E chegamdo ass}'^
aa porta de Feez, homde sse deçeo pêra hir acima da torre ueer o que i5
os mouros faziam, e estamdo elle assy em cima da torre como dito he, sobre-
chegou o Iffamte Duarte, e cauallgou sobre o cauallo de seu jrmaão. e
sahio fora, dizemdo que dissessem ao Iffamte Dom Hamrrique, que ouuesse
paçiemçia por aquella uez. ca elle queria hir ucer a teemçom daquelles
mouros. E tamto que assy foi fora, jumtousse mujta gemte com elle, e 20
ordenou suas batalhas, as quaaes teue assy hordenadas huú gramde pedaço,
ataa que uio que os mouros nom queriam deçer pêra pelleiar. E por emtom
nom sse fez alli ali que de comtar seia, senom tamto que o jmgres
criado da rrainha, que chamauam Inequixius Dama, queremdo fazer
auamtagem amtre todollos outros, leixou a hordenamça, e foi pelleiar 25
com os mouros, por cuja rrezam foi alli morto. E porque estas ssom
A, ii7,r,2 cousas de pequena sustamçia, nom queremos comtar mais * largamente
suas partes. Outra uez sse ajumtaram aquelles meesmos e outros mujtos
mais, que uieram de fora. as quaaes nouas chegaram ao Iffamte Duarte,
e elle assy como lhe tijnha boom deseio, fezesse logo prestes pêra hir a 3o
elles. e assy o coradestabre que sse acertou dauer semelhamte rrecado.
E estamdo assy o Iffamte e o comde com elle, acompanhados de mujtos
senhores e fidallgos com emtemçam de sahirera pêra pelleiar com os
mouros, e em esto sobrechegou elRey, e mamdou a seu filho que sse
2. xpaãos A. — 5. semeltiamte] de semelhamte A. — 6. xpaãos A — ia A. — 7. assi A.
10. sam tiago A. — 12. poucos I — pelo A. — 14. rrazam A. — i5. ffeez A. — 16. assi A.
20. gente A. — 21. assi A. — 22. atee A. — 24. Iniquixius I. — 26. rrazom A. — 3o. assi A
— fezse I. — 3 1 . assi A. — 32. assi A. — 34. mandou A.
25 I
tornasse logo pêra a cidade, ca elle nom uiera pêra amdar todo o dia
em escaramuça com os mouros, as quaaes eram cousas ssem fim com
pequena auamtagem de sua homrra. e assy sse tornarom todos por aquella
uez. E em homze dias que elRey alli esteue, depois que a cidade foi
5 tomada, cada dia os mouros alii uijnham, e os christaãos sabiam a elles.
homde trauauam suas escaramuças, em as quaaes morriam alguús, como
sse faz comuúmente homde sse trauam taaes cousas. E por ora nom
queremos fazer maj^or detijmento, porque achamos que ssom cousas de
baixo uallor. cujo rrecomtamento traz pequeno fruito. e queremos leuar
IO esta gemte a Portugal!, porque* mujtos delles querem ajmda tornar a A, hj.t, i
fazer suas uimdimas e aproueitarsse de seus fruitos, segumdo a desposi-
çom do tempo.
Como elRey mamdou chamar o seu capellam moor, e das rreioóes
que lhe disse. Capitullo LRv.
i5 A ^ sesta feira seguimte que eram xxiij dias do mes, mamdou eIRey
l\ chamar o meestre frey Joham Xira e Affomsso Eannes seu capellão
•^ ^ moor, e disselhes. Domimgo prazemdo a Deos, eu emtemdo de
hir ouuir missa sollene e preegaçam aa mezquita mayor. porem teerees
cuidado de ajumtar todollos capellaães de meus filhos, e quaaesquer
20 outros clérigos, que uenham em minha frota, e assy mamdarees fazer
prestes todollos corregimentos pêra a capella, que mester fezerem pêra
semelhamte auto. E logo no outro dia o capellam moor foy ueer aquella
mezquita, e achou que lhe compria ck seer limpa, ca posto que ella fosse
muy bem ladrilhada acerca do chaão, jazia em ella gramde multidam
25 desterco. e esto era por rrezam das mujtas esteiras uelhas e podres
que era ella jaziam, por quamto os mouros quamdo fazem* sua oraçam, A, 117, v,2
mujtas uezes jazera em terra e outras uezes estam descalços, lamçara
assy aquellas esteiras por rrezara da frielldade. e segumdo parece, que
depois que a primeira esteira que alli lamçarara apodreçeo, nom a quiseram
3o tirar, e lamçaram outras sobre ella. e assy fezeram sempre ataa aquelle
tempo, de guisa que as primeyras esteyras eram saãs, e todallas outras se
moeram jazemdo, per tall guisa que eram tornadas em esterco, por cuja
rrezam em aquelle sábado forom jumtadas mujtas emxadas e cestos, com
que lamçaram toda aquella esterqueyra fora. e alimparam muy bem toda
1. loguo A. — 3. auantagem A — assi A. — 16. alTomsseannes A. — 24. muj A. —
28. assi A. — 3o. assi A — ataaquelle A. — 33. foram A.
252
a casa. e trouxeram lii jsso meesmo liuúa tauoa iarga pêra o altar com
seus pees. e per semelhamte todollos outros corregimentos, que pertee-
çiam pêra aquelle offiçio do dia seguimte. No outro dia mujto cedo
forom jumtos em aquella casa todollos clérigos, que uijnham em aquella
companha, os quaaes todos jumtos faziam huú fremoso collegio. e foy 5
assy que aaquelle tempo nom sse acertou alli nehuij bispo, porque
naquelle emsseio que sse a armada fez, huús morreram, outros estauam
em seu estudo, outros eram em corte de Roma. e assy per açertamento
A, ii8, r, I nom foy alli nehuú. empero sua presemça * nom foi alli mujto necessária.
ca assaz auia hi de clérigos bem sofiçientes pêra acabarem aquelle offiçio. lo
E porem tomaram logo mujtos daquelles clérigos suas capas muy rricas,
de que hi auia assaz, e o preste jsso meesmo com seu diácono e sub-
diacono, teemdo prestes sua calldeyra com agua e sall pêra fazer seu
offiçio. E em esto chegou elRey e seus filhos com elle. e assy ho com-
destabre e o meestre de Christo e o prioU "do Espitall com todollos )5
outros baroÕes e rricos homeés, e gramdes senhores que alli eram. os
quaaes todos eram uestidos muy rricamente por homrra de tamanha
festa. E emtom começou aquelle sacerdote primeiramente a fazer suas
escomjuraçoões sobre o sall, dizemdo sobre elle huúa oraçom que sse
rreza em na samta madre egreia, cujas pallauras dizem assy. Piadosa- 20
mente te rrogamos todo poderoso Deos, que polia tua imfijmda clememçia
queiras beemzer e samtificar esta creatura deste sall, a quall te prouue por
tua samta merçee dar por bem e saúde da humanall geeraçam. E per
semelhamte guisa foy feito a agua, que estaua em huija calldeyra de prata.
e amtre tamto os outros sacerdotes camtauam huúa amtifana que diz. 25
A, ii8,r,2 Fumdada he a casa do Senhor sobre todalias altezas* dos montes, aa quall
uijnram todalias gemtes dizemdo, gloria seia dada a ti nosso Senhor.
E emtom começou o preste outra oraçom, em que disse as seguimtes palla-
uras. Todo poderoso Deos, que em todo lugar he o teu poderio e obra,
como a ti praz. emclina tua uoomtade aas nossas sopricaçoões, porque 3o
esta casa que ora nouamente he fumdada no teu nome, seia per ti guar-
dada por tall, que a malldade de nehutj poderio a possa comtrariar. mas
o Spirito Samto obrador, que faça sempre em ella obrar puro seruiço e
deuota liberdade. Dizemdo assy outras oraçoões, ataa que ajumtou o
sall e agua. E esto assy acabado tomaram as cortinas, e começaram de 35
as armar, e desi assemtaram o altar em seu lugar, que era huúa muy
4. foram A. — 6. asy A — aaquele A. — 7. emsseio] asseio A. — i3. caldeyra A. —
i5. xpõs A. — 21. jnfijmda A — clemência A. — 24. caldeyra A. — 25. cantauam A —
húa A. — 26. ffundada A. — 27. todas as A. — 3o. enclina A. — 33. spiritu A.
— 253 —
fremosa cousa de ueer a rrepartiçam daquellas cousas, como amdaua
. tam ordenadamente per todos aquelles clérigos, ca huti trazia huúa sarja,
e ho outro o cordell e os pregos pêra armarem, e assy todallas outras
cousas hordenadamente, ataa que o altar de todo foy assemtado, sobre
5 o quall foy feito o sinall da cruz com agua beemta, dizemdo. Paz seia
comtigo. E depois se forom assy espargemdo sua agua per as paredes
da jgreia, começamdo nas partes do Ouriente * assy çercamdo toda aquclla A, ii8,v, t
casa darredor. e amtre tamto os outros clérigos camtauam. Esta he a casa
do Senhor Deos, a quall he bem fumdada sobre firme pedra, leuamtesse
IO o Senhor, e destruya os seus jmmijgos, por tall que fujam todos aquelles
que auorreçeram aa sua face. Dizemdo ajmda. A minha casa sse cha-
mara casa de oraçam. rrecomtarey o teu nome aos meus jrmaãos, em meo
da tua egreia te louuarey. E assy forom dizemdo suas oraçoÓes e amtifa-
nas, ataa que chegaram aa fim da sua beemçam, que cobriram o altar
i5 com lemços muy delgados e aluos, sobre os quaaes poseram a ara
sagrada com seus corporaaes. e assy poseram naquelle altar huú muy rrico
fromtall, açemdemdo per toda a casa mujtos çirios e tochas. Oo quamto
me parece, que seria em aquelle dia leuamtado o coraçam delRey pêra
dar mujtas graças ao Senhor Deos, uemdo o seu estado rreall posto em
20 semelhamte casa com tamto louuor e liomrra do samto nome de Jesu
Christo, e acreçemtamento da rreallidade da sua coroa. Nem aos outros
nom era pequena follgamça ueer semelhamte feito, ca leixamdo a homrra
em que todos tijnham tamanha parte, foUgauam de ueer a hordenamça
daquelles estados com toda a nobreza das outras cousas,* que sse alli A, ii8,v,2
35 faziam. E esto assy acabado, começaram todollos clérigos em alta uoz
Te Deum laudamus muy bem comtrapomteado. em fim do quall fezeram
todallas trombetas huúa sonada. e ueede queiamda seria, homde passauam
de duzemtas.
Como o meestre frey Joham Xira preegou, e como os Iffamtes forom
3o feitos caiialleiros. Capitullo LRvj.
BEM mostrou o Senhor Deos que queria seer seruido em aquella casa,
que com tamta homrra sse corregia no seu nome. e esto he
porque em todallas egreias per hordenamça apostollica deuem
seer postos synos, com que chamem o pouQO de Deos pêra a sua samta
6. foram assi A — espargendo A. — 7. assi A. — 10. fugam A. — 11. aborrecem I. —
i3. foram A. — 16. assi A. — 20-21. Jhú xpõ A. — 25. fazia A — assi A. — 29. e] om A —
foram A — 3i o I, no A.
-254-
casa. E estamdo assy em aquelle corregimento, nembrou ao Iffamte Dom
Hamrrique como em outro tempo os mouros leuaram de Lagos dous
sj'nos pêra aquella cidade, e mamdou logo que sse buscassem com muy
gramde dilligemçia, e que os trouxessem logo alli. Os quaaes prouue a
Deos que forom achados, e corregidos per tall guisa, que logo em aquella 5
missa seruiram de seu ofiiçio. Ho meestre preegou alli huiãa preegaçam
com mujtas autoridades da samta escpritura, aprouamdo ho gramde ser-
uiço que nosso Senhor Deos rreçebera em aquelle feito, dizemdo que
A, ii9,r, I * todos poderiam dereitamentc dizer o seu tema .s. que em Cepta era
toda gloria e homrra. Gloria disse elle, sse toma per mujtas guisas, 10
porque cada huií cobramdo aquella cousa, em cuja bem auemturamça
tem posta sua fim, propriamente lhe parece que teem a perfeiçam da
gloria, empero fallamdo dereitamente, em duas cousas soomente esta a
perfeiçam da gloria .s. na bem auemturamça que perteeçe a alma, a
quall sobre todallas outras cousas he a perfeiçam. e segumdo a gloria 15
he a homrra deste mundo, quamdo a os homeés percalçam, cobramdo
per husamça dalguúa uirtude a uitoria dalguúa cousa trautada ou come-
tida a fym dalguú bem. E pêra seer aquella que deue, sempre o seu
rrespeito deue de comsseguir o seruiço de Deos, ssem o quall nom
deuemos comtar nehuua cousa por boõa. ca os fillosofos amtijgos, pêro 20
que gemtios fossem, departimdo a gloria em mujtas maneiras, disseram
que huúa das cousas por que o homem em este mundo rreçebe mayor
gloria, assy era por sse marauilharem os outros das suas uirtudes e boom-
dades, auemdoo por digno de gramde homrra. E ajmda ho autor do rre-
A,ii9,r,2 gimento dos primçipes, na primeira parte* do seu primeiro liuro, depar- 25
timdo a bem auemturamça em mujtas maneyras, finallmente comcludio
que todollos primçipes e gramdes senhores na bem auemturamça da alma
deuem pocr toda sua fim, da quall dereitamente naçe homrra, que aos
homeés he dada neste mundo, porque a homrra nom sse da ssenam por
rrezam de uirtude. Ora ueede sse he assaz de gloria pcra elRey nosso 30
senhor, e pêra todos uos outros seus criados e naturaaes, ueerdes oje per
força de uossos trabalhos edificar huúa casa aa homrra e louuor de nosso
Senhor Deos. ca posto que lhe uos nom fezessees as paredes de nouo,
mujto mayor merecimento he a uos, tirardella de poder dos jmfiees, domde
primeiramente estaua sogeita aos maaos e abominauees sacrifícios, per 35
exemplo daquelle Senhor, que as mesas dos cambadores derribou, e os
I. lembrou A. — 5. foram A. — 12. da I, de A. — i5. e segumdo a gloria] a segumda
gloria I. — 16. murndo A. — 20. boa A — antijgos A. — 23. assi A. — 29. mumdo A. —
34. jnfiees A.
— 255 —
que uemdiam as poombas lamçou com azorragues fora do seu samto
templo, mostramdo a nos que deuemos com toda nossa força trabalhar,
por as suas samtas casas nom seerem corrompidas per nehuú maao
sacrifício, e nom tam soomente aquelias que forom da nossa le}', mas
5 a todallas outras, em que os jmfiees fazem seus sacrifícios, deuemos de
quebramtar ou tornar em moesteiros e jgreias*, se o bem podessemos A,ii(),v.i
fazer, e em esto mostraríamos sinall de uerdadeyros seruidores de Christo.
Porque a Mousem, que foy huú homem que eile mujto amou, mam-
dou primeiramente na uelha ley, que fezesse tall tabernáculo, que era
IO como huúa temda, em que faziam os filhos disrraell ortiçam e sacrifício
a Deos. e depois rrei Sallamam a ssemelhança desto fez o templo de
Jherusalem, que foi outrossy a primeira casa doraçam que os Judeus
ouueram. e dalli em diamte husaram elles de fazer casas, em que orassem
e fezessem seus sacrifícios, que ssom chamadas sinagogas. E outrossy os
iS christaãos fezeram na noua ley jgreias a ssemelhamça do templo, em que
fezessem limpamente o sacrifício uerdadeyro de nosso Senhor Jesu
Christo. e rrogassem a Deos, e lhe pedissem merçee, e que lhe perdoasse
os seus peccados. E pois uos teemdes feito o uerdadeyro templo e uer-
dadeira casa a nosso Senhor, na quall cousa o seruistes em duas guisas.
20 a primeira em quamto lamçastes desta cidade os maaos jmfiees, e os
tirastes da posse de seus templos, que ssom as suas mezquitas. e a
segurada em quamto tornastes aquella meesma casa em templo uerda-
dej^ro, que* he a jgreia de nosso Senhor. E ajmda comtemplamdo açer- A, n9,v,2
qua dello, acho que des o fumdamento desta cidade teue o nosso Senhor
25 Deos hordenado de seer aqui posta a cabeça da jgreia de toda a terra
dAffrica. porque per duas guisas sse comtem em o nome desta cidade a
uerdadeyra essência do nosso Senhor Deos. A primeira em quamto o
seu nome comtem em ssy três sillabas, que rrepresemtam como nosso
Senhor Deos em perssoall ternário he sua essemçia em noda escprita. cujo
3o çemtro segumdo diz Hermes, he em todo lugar, a circumferemçia nom he
em alguú. E porem som três ternários em geerall uniuersidade do mundo,
compridos de todo em çircullaçom. Ho profumdo fíllosofall theologo
gramde Alberto sobre o primeiro capitullo da çelestriall gerarchia poõe
três graaos demtemdimento, per que sse ha de conhecer Deos. A segurada
35 maneira he, porque em o nome desta cidade se comtem cimquo leteras,
que rrepresemtam as çimquo chagas, per que nosso Senhor Jesu Christo
4. foram A. — 7 xpõ A. — 8. a Mouses I, amou sem A DC. — 11. despois A — seme-
lhança I, semelhamte A. — i.S. xpaãos A. — 16-17. JhC xpõ A. — 20. emfiees A. —
23. ajnda A. — 26. contem A. — 3i. mumdo A. — 36. JhQ xpõ A.
— 256 —
rremyo a linhagem humanall. E assy que nom he a Cepta pequena
gloria, quamdo o seu nome traz laaes sinificaçoões. Cobrastes ajmda a
A, i2o,r, i segumda maneira *de gloria, que he a homrra deste mundo, cuja perfei-
çam esta naquelle decorum, a que os Gregos disseram prepain, que quer
dizer em nossa dereita limguagem, fremosura das obras. Em uerdade ;
assaz de fremosa obra he, cujo nome em todo tempo será gramde, filhar
assy huúa tamanha cidade em tam breue espaço, e tam alomgada de
nossa terra, e fica pêra os letereiros de uossas sepullturas huúa tall palla-
ura, quall mujtos per uemtura deseiaram. E os autores das estorias nom
poderam callar a gramdeza de tamanho feito, ca certamente nom será lo
a uos pequena gloria, quamdo pemssardes que depois de uossos dias o
uosso nome e a fama de uossos feitos amtre todallas presemças dos
uiuos. e nom tam soomente amtre os homeés de nossa geeraçam, mas
per todallas partes do mundo uoara a uossa fama. ca assy como a uos
trouxeram os feitos, que sse fezeram em Itallia e em Lombardia e em i5
outras partes, nos quaaes ueedes os nomes daquelles que numca uistes
nem conhecestes, e louuaaes os seus boÕs feitos polia escpritura que
delles leedes. o que deuees de creer, que nom menos faram de uos
A, i2o,r,2 pollo meriçimento de uossas obras, e assy* comcludo que Cepta he a
perfeita gloria e homrra. E per esta guisa fez o meestre fim de sua 20
preegaçam. Nom seia porem alguií de tam simprez conhecimento, que
presuma que este he o próprio theor daquelle sermam. ca boom he de
conhecer que nom ha nenhuíí homem por emtemdido que fosse, que
podesse tomar todallas pallauras de huiia preegaçam. quamto mais
seemdo tamto tempo passado como ja dissemos, soomente apanhamos 25
assy alguúas cousas, que podemos percallçar pêra acompanharmos nossa
estoria. Depois que a missa foy acabada, os Iffamtes se forom pêra
suas pousadas armar, e assy todos jumtamente uieram aa jgreia, a quall
cousa era muyto fremosa de ueer. ca elles auiam todos gramdes corpos
e bem feitos, e uijnham armados em seus arneses muy limpos e guarni- 30
dos. e com as espadas da beemçam çimtas. e suas cotas darmas. e amte
elles hiam mujtas trombetas e charamellas, de guisa que nom sey homem
que os podesse ueer, que nom tomasse muy gramde prazer, e mujto mais
aquelle que com elles auia mayor diuido, que era elRey seu padre. E
A, i2o,v,i tamto que chegarom amte elie, o Iffamte Duarte* sse pos primeyramente 35
em joelhos, e tirou a espada da bainha e beyioua, e meteoa na maão a seu
padre, e fezeo com ella caualleyro. e per semelhamte guisa fezeram seus
I . a I, o?/j A. — 8. uossa I. — 12. antre A. — 14. mumdo A — assi A. — 1 5. ytallia A.
— 27. despois A — Iffantes A — foram A. — 33. nam A. — 36. giolhos I — beyjoua A.
— 257 —
jrmaãos. E esto assy acabado beyiaromlhe a maão, e afastaramsse pêra
huúa parte cada huú pêra fazer os de sua quadrilha caualleiros. Mujto
me pesa porque nom pude saber os nomes daquelles, que alli rreçeberam
bordem de cauallaria. empero dalguús que apremdi .s. o Iffamte Duarte
fez caualleiro o comde Dom Pedro, e Dom Fernamdo de Meneses, e
Dom Joham de Loronha. e Dom Hamrrique seu jrmaão. e Pêro Vaaz
dAlmadaã. e Nuno Martimz da Sillueira. e Diego Fernamdez dAlmeyda.
e Nuno Vaaz de Castell Bramco. e assv outros alguús. E o Iffamte Dom
Pedro fez hi caualleiros, Ayres Gomez da Sillua filho de Joham Gomez.
e Aluoro Vaaz dAlmadaã. e Ayres Gomçalluez dAabreu. e Martim
Corrêa, e Joham dAtayde. e Martim Lopez dAzeuedo. e Diego Gomçall-
uez de Trauaços. e Diego de Seabra, e Fernam Vaaz de Sequeyra. E
o Iffamte Dom Hamrrique fez caualleiros, Dom Fernamdo senhor de
Bragamça. e Gill Vaaz da Cunha, e Aluoro da Cunha. * e Aluoro Pereyra. A, 120, v,2
e Aluoro Fernamdez Mazquarenhas. e Vaasco Martimz da Albergaria.
e Diego Gomez da Sillua. e assy outros. E delRey nom falíamos nada,
porque fez a tamtos, ataa que com emfadamento os leixou de fazer.
Como elRey teiie sem comsselho acerca da guarda da cidade.
Capitullo LRpij.
20 1"^ OY huú gramde fallamento açerqua da guarda desta cidade, no qual
rH forom desuairadas opinioões. Porem tamto que estas cousas forom
-■- acabadas, elRey mamdou ajumtar todos aquelles que tijnha orde-
nado pêra seu comsselho. e tamto que assy forom jumtos, prepos elRey
amtre elles estas seguimtes pallauras acerca de seu propósito. Bem
25 sabees disse elle, todo o fumdamento que tiue no começo deste feito, e
seede mujto certos que eu nom fuy assy ligeiro de trazer aa fim daqueste
propósito, como sabem meus filhos, que forom os primçipaaes mouedores
daquesta empresa. E posto que me mujtas e soffiçiemtes rrezoões mos-
trassem, per que o deuia de fazer, eu rresguardey sempre muy bem todollos
3o comtrairos, que podiam empachar nossa uitoria. e primçipallmente * rrcs- A, r2i,r, 1
guardey sse seria seruiço de Deos começarmos semelhamte obra. e bem
sabees toda a maneira que açerqua dello tiue. Comssijrey ajmda mais,
sse per uemtura poderia mamteer e guardar esta cidade sso a fie e rrelli-
5. fernando A. — 7. mlz A — ffrz A. — 8. assi A. — 10. daabreu A. — 12. sseabra A.
— i5. miz A. — 19. nouemtae sete A. — 21. foram A — forom {2.°)] foran A. — 23. fo-
ram A. — 27. preposito A. — foram A. — 29. todollo A. — 32 conssijrey A.
33
— 258 —
giam de nosso Senhor Jesu Christo. porque doutra guisa me parece que
nosso trabalho nom fora justamente despeso, a quall cousa nom quis
mujto escolldrinhar, comssijramdo cjue sse uoomtade fosse de nosso Senhor
Deos de a trazer aas nossas maãos, nom lhe seria deffiçill de dar aazo e
caminho, per que a podessemos guardar e mamteer. Agora polia sua 5
graça cobramos toda a fBm de nosso deseio. polia quall dereitamente lhe
deuemos dar mujtas graças por três rrezoões. A primeyra, por nos dar
uitoria. a segurada, por nolla dar em tam breue tempo e com tam pouco
trabalho, a terceira, porque nos quis guardar de muy gramdes perijgos,
que poderamos auer, sse per sua graça e ajuda nom fora. Porem minha lo
uoomtade he com a graça de Deos de leixar esta cidade sso a obediem-
çia de nosso Senhor Jesu Christo e da coroa de meu rregno. aa quall
cousa me mouem quatro rrezoões muy soffiçiemtes segumdo meu juizo, s.
A,i2i,r,2 a primeira, porque sse faça* em ella o sacrifício deuino, em memoria e
rrenembramça da morte e paixam de nosso Senhor Jesu Christo. este i5
he o uerdadeiro sinall de conhecimento, que lhe poderemos mostrar da
gramde merçee que nos açerqua dello tem feita, ca doutra guisa seria
errado nosso primeiro fumdamento, homde dissemos que nos mouiamos
por seu seruiço. ca sse agora assy leixassemos esta cidade, nom sey
que seruiço rreçeberia de nosso trabalho, ca os jmfiees tornariam logo a 20
ella. e por doesto da sua samta ffe naquellas casas homde o seu sacrifício
foi feito, fariam outras cousas de gram uituperio e desomrra nossa. E
a segumda rrezam he, porque fícamdo assy esta cidade sso nosso pod»2r,
poderá seer aazo de sse mouerem alguús primçipes christaãos pêra uij-
rem aqui. e com seu poderio e frota soiugarem alguús outros lugares 25
desta comquista. primçipallmente eu ou cada huú dos rrex, que depois de
meus dias soçederem em meu senhorio, os quaaes ueemdo amte os olhos
o portall aberto, mais ligcyramente sse moueram de acreçemtar em sua
homrra. A terceira rrezam he, porque os boõs homeés de meus rregnos
nom ajam rrezam desqueeçer o uirtuoso exerçiçio das armas, ou per 3o
A, i2i,v,i uemtura queremdo obrar em * ello, nom hiram buscar os rregnos alheos,
homde prouem sua força, teemdo amte ssi cousa tam aazada em que o
possam fazer. Ca sabees quamdo me alguiis pedem leçemça pêra hir
fazer em armas a Framça ou a Imgraterra, he necessário que os correja
e lhe faça merçee pêra sua uiagem. com menos da quall despesa os eu 35
posso corrcger e os emuiar a esta cidade, homde me faram mujto mayor
I. Jhú xpõ A. — 5. manteer A. — 12. Jhú xpõ A. — i3. soficientes A. — i5. Jhú xpó A.
— 20. jnfiees A. — 21. onde A. — 24. xpaãos A. — 27. em I, om A. — 33. quando A. —
34. correga A.
— 259 —
seruiço. E ajmda mujtos de meus naturaaes, que per alguús negócios
ssam desterrados de meus rregnos, milhor estaram aqui fazemdo seruiço
a Deos, e comprimdo sua justiça, que sse hirem polias terras estranhas e
desnaturaremsse pêra todo sempre de sua terra. A quarta rrezam he,
5 porque a memoria de tamanho feito possa durar amte os olhos dos
homeés, em quamto a Deos prouuer de comseruar a sua obediemçia de
sob o poderio dos rrex de Portugall. e porque alguús gemtijs homeés,
que por homrra e amor de nosso Senhor Deos quereram trabalhar com-
tra os jmmijgos da sua samta ffe, tenham casa e lugar, homde o possam
IO fazer. Ca sabees muy bem, como ho rregno de Graada nom he tam
aazado pêra ello, como he esta cidade, polias pazes e tregoas, que sse
amtre elles * fazem a meude. E porque saybaaes minha emtemçam, como A, i2i,v,2
he rrezoado de saberem homeés de que tamto comfio, uollo faço saber
pêra rreçeber de uos comsselho naquellas cousas, que per uemtura meu
i5 emtemdiraento nom percallça naquella perfeiçam que deue.
Como alguús daquelles do comsselho rrespomderam a elRey.
Capitullo LRjnij.
VISTA assy amtre todos aquella temçam que elRey tijnha, todos lou-
uaram que era muy boõa. e ouue naquelle comselho alguúas deui-
soões, como sse geerallmente fazem em todallas cousas gramdes.
Ca bem deuees de comsijrar, que o mouimento de tamanha cousa nom
podia seer sem mujtas duuidas, segurado uerees em este capitullo. em-
pero por escusarmos soma de pallauras, departiremos o comsselho em
duas partes. A primeyra foy daquelles, a que de todo pareçeo a temçom
25 delRey boõa sem nehuúa contradiçam. e das rrezoões destes nom aue-
mos por que fallar, pois nom desacordaram do propósito, mas os da
segumda parte disseram assy. Por quamto senhor, conhecemos de uossa
uoomtade que he sempre seerdes comsselhado* em todallas cousas, e que A, i22,r, i
uos nom despraz de uos serem ditas quaaesquer cousas, que homem
3o semta comtra uosso propósito, uos diremos agora o que nos parece pêra
uosso milhor auisamento. E quamto he aa uossa temçam assy simprez-
mente filhada, nom ha hi alguúa rrezam que a possa afastar de seer mujto
justa e mujto boõa. mas he de ueer, se ha hi outros comtrairos que uos
possam embargar, e nomearuos emos aqui alguús pêra ueerdes sse ssom
i3. tanto A. — i6. consselho A. — 17. nouemta e oito A. — 19. boa A. — 22. duuy-
das A. — a5. boa A. — 27. quanto A. — 33. boa A.
— 26o
taaes, que ajam lugar pêra dereitamcnte empachar uossa uoomtade. E
primeiramente senhor, deuees de comsijrar como esta cidade he muy
allomgada de uossa terra, e como esta em meo de uossos jmmijgos, os
quaaes por uimgamça de sua jmiuria quereram trabalhar quamto poderem,
e tamto que uos daqui semtirem afastado, buscaram suas ajudas de todallas 5
partes, a quall de rrezam lhe nom será negada pêra semelhamte feito.
E nom he duuida, que sse nom faça muy gramde ajumtamento sobre esta
cidade, ao quall per uemtura os que aqui leixardes nom poderam rreses-
tir. e uos posto que lhe queyraaes emular acorro, ou nom saberees sua
A, i22,r,2 necessidade, ou nom * terees abastamça de frota tam prestes, com que lhe lo
possaaes acorrer, ca todo he pêra comssijrar. E posto que lhe huúa uez
acorraes, nom o poderees ass}' fazer outras mujtas. e uos seemdo tam
allomgado desta terra, e os mouros aa porta, será a pelleia muy desíguall.
os quaaes cada dia sse ham de trabalhar quamto poderem de uimgar
sua desomrra. E comssijraae jsso meesmo a gramdeza desta cidade, pêra i5
cuja deffemssam uos he necessária raujta gemte e boõa. e que pode seer
que uijmdo elRey de Castella aa sua hidade, nom quererá estar polias
pazes que seus tutores teem firmadas comuosco. por cuja rrezam uos
comuijra auerdes mester essa gemte, e outra mujta mais sse a teuesees,
pêra deffemssam de uossos rregnos. E comssijraae como a gemte que 20
aqui esteuer ha mester mamtijmentos e dinheyros pêra solido e pêra
merçees. e que por pouco seruiço que uos aqui façam, semtimdo a uoom-
tade que auees na deffemssam deste lugar, uos rrcquereram mayores mer-
çees do que seu estado rrequere, sobre o quall he necessário que rreçe-
baaes fadiga e escamdallo de uosso pouoo. E porque he necessário que 25
A, i22,v, I seiam costramgidos pêra mujtas* cousas de sua seruemtia, cujo trabalho
lhe nom fará pequeno empacho, quamto mais ajmda sse for necessário
de lhe tomarem alguijas cousas pêra gouernamça delia, será aazo de
mujtos leixarem o rregno, e sse hirem pêra as terras estranhas. E ueede
ajmda senhor, a pequena fortelleza que ha em esta cidade, a quall posto 3o
que bem cercada seia, nom he porem tamto como compria. ca logo
acerca delia seria boÕa e assaz defíemssauel, se a cidade toda fosse chea
de gemte que morasse em ella. mas estamdo aqui como fromteiros, nuraca
podem seer tamtos que a soomente possam de mear. E quamto he
senhor, ao que dizees que uosso primçipall mouimento he por seruiço de 33
Deos, queremdo que sse traute aqui o deuinall sacrifício, assy deuees
uos hordenar semelhamte cousa que o bem que hi fezerdes, nom seia
I. uoontade A. — iC. boa A. — i8. tetores A. — 21. mantijnientos A. — 32. boa A.
— 26[ —
aazo doutro mujto mayor mall. que quamto por fazerdes jgreias, em que
sse faça ho samto sacrifício, assaz delias teemdes em uossa terra, que ssom
casi todas destroidas, que seri;-, mayor mérito de as rrepayrar e correger,
que fazer aqui outras semelhamtes de nouo. em deftemssom das quaaes
5 uossos seruidores e naturaaes estem em tamanho perijgo. Omde nos
parece* que deue seer mais semtida a perda de cada huú delles, que A,i22,v,2
rreçebido em merecimento ha edificaçam das jgreias que sse tam justa-
mente pode escusar. Ca diz o apostollo, que nos outros somos templos
de Deos, por o quall sse parece que mayor merecimento he comseruar os
•o templos spirituaaes, que hedificar nouamente os templos materiaaes.
Outrossy o sostijmento desta cidade pode seer aazo de auer mais mall
feitores em uosso rregno, do que ata aqui ouue. ca o atreuimento da
liberdade que ha dauer, os fará cometer mais ousados crimes, que faria
sse nom soubessem que a determinaçam da pena seria tam certa. E
i5 finallmente senhor, comssijramdo todas estas cousas poderees esguardar
as cousas que ham de uijr. e sse uos nossas rrezoões parecem sofficiem-
tes, hordenay sobre ellas uosso feito, de guisa que ao diamte uos nom
possa trazer empidimento.
Como elRey determinou todauia de mamteer a cidade, e como daiia
20 emcarrego delia a Martitn Affomsso de Meello. Capitullo LRix.
Eu ssom bem nembrado rrespomdeo elRey, quamtos comtrairos ouue
no começo daqueste feito, e quamtas *uezes fuy comsselhado per A, i23,r, i
alguiJs de uos outros, que leixasse de proseguir minha demamda,
mostramdome outras mujtas rrezoÕes per que o deuia de fazer. E eu
25 sempre tiue amte meus olhos o fumdamento que tomey pêra proseguir
esta obra. e como me nembraua que era seruiço de Deos, logo me
parecia que nom tijnha rrezam pêra a leixar dacabar, amte me deuia a
despoer a todo trabalho e perijgo pollo poer em fim. E comssijro agora
como sobre tamtos comtrayros oferecidos, nosso Senhor Deos quis dar a
3o uitoria comtra todo naturall juizo dos homeés. assy espero em elle que
lhe prazerá trazer minha emtemçom a fim de seu samto seruiço. E cer-
tamente, que quamto eu em ello mais comssijro, tamto me parece que pre-
sumo que ajmda esta cidade ha de seer aazo doutro mujto mayor bem
pêra mym, ou pêra alguús da minha geeraçom. E finallmente ponho estes
I. quanto A. — 2. teendes A. — i2. ataaqui A. — 21. quantos A. — 22. quantas A. —
2.5. ante A. — 29. oferiçidos A. — 32. comsijro A. — 33. muyto A.
202 —
feitos nas maãos de nosso Senhor Deos, e de minha Senhora a uirgem
Maria sua madre, sob cuja esperamça determino de guardar e mamteer
esta cidade aa sua homrra e louuor. Acabadas assy estas rrezoões logo
alli naquelle meesmo comsselho elRey disse a Martim Aftomsso de Mee-
A, i23,r,2 Ho, por fazer logo começo de sua * emtemçom que sse fezesse prestes 5
pêra ficar por fromteiro em aquella cidade. Martim Affomsso, disse elle,
assy pollos mujtos seruiços que uos e uosso padre e todollos outros de
uossa geeraçom teem feitos a mym e aos rrex domde eu uenho. como
por semtir que o saberees muy bem fazer, a mym praz de uos emtregar
esta cidade, na quall semto que farees seruiço a Deos e a mym, e acre- lo
çemtarees em uossa homrra e de uossa linhagem. E eu uos leixarey dos
fidaligos de minha casa e de meus filhos, e assy dos outros meus natu-
raaes, per que uos seiaaes bem ajudado a uosso trabalho. E jsso mees-
mo uos leixarey artelharias e corregimentos pêra uossa deffemssom,
quamtES uos mester fezerem. E logo poUo presemte uos ficaram bita- i5
lhas e mamtijmentos pêra uossa gouernamça. E tamto que a Deos pra-
zemdo eu for em Portugall, eu teerey aquelle cuydado de hos que he
rrezam. Martim Affomsso assy pollo presemte foy beyiar a maão a
elRey, dizemdo que lho tijnha mujto em merçee. empero que aueria acerca
dello seu comsselho. Mas quallquer que o comsselho fosse, diz o autor, 20
a sua determinaçam foi mujto prasmada da mayor parte dos boõs que
A,i23,v,i alli eram. porque Martim Afíomsso '^ foi comsselhado de dous homeés, que
nom comssijraram bem a gramdeza daquelle feito, nem escolldrinharam
dereitamenle a homrra de Martim Affomsso, comsselhamdoo que nom acei-
tasse tall emcarrego, dos quaaes huú foi huíí escudeiro dEuora, que cha- 25
mauam Joham Gomez Arnalho, e ho outro Joham Jusarte.
Como o comde Dom Pedro rrcquereo aquella fromtaria, e quaaes
forovi os que allificarom. Capitullo C.
DESPROUUE mujto a elRey quamdo Martim Affomsso allegou suas
escusas rrefusamdo aquella ficada, ca certamente nom lhe fazia 3o
elRey semelhamte mouimento senom com gramde amor que
lhe auia. e pollo conhecer outrossy por muy boom caualleiro e bem auto
pêra semelhamte emcarrego. E aalem de seu gramde esforço e ardideza,
compôs huú liuro per seu emgenho e saber, que sse chama da guerra, no
2. manteer A — 3. assi A — loguo A. — 7. assi A. — 12. assi A. — 18. assi A. —
22. Affom A. — 23. cosijraram A. — 28. foram A. — Capitólio A — C] cemto A. —
29. elRej A — affom A.
— 263 —
quall sse comtem mujtas e boõas emsinamças e auisamentos pêra todos
aquelles que teuerem fortelleza, ou alguú lugar cercado em fromtaria de
)mmijgos. Mas mujtas uezes os maaos comsselheiros *priuam os boõs A, i23,v,2
homeés de seu emtemder. por cuja rrezam disse o sabedor. Do maao
5 comsselheiro guardaras a tua alma. E porque elRey semtio que o
primçipall mouimento de Martim Affomsso forom aquelles que o assy
comsselharam, aa quall cousa os fez mouer seu próprio jmteresse, mais
que outra nehuúa justa necessidade, semtimdo que sse elle alli ficasse, que
era necessário ficarem elles. porem mamdou elRey que amtre os outros
IO que ali! ouuessera de ficar que fossem elles, ficamdo assy este feito pêra
elRey emieger em sua uoomtade outro alguú que alli ouuesse de ficar
com aquelle emcarrego. O comde Dom Pedro de Meneses soube dello
parte, e foysse muy trigosamente ao meestre de Christo, rrogamdolhe
raujto que o quisesse ajudar em aquelle feito, ca sua uoomtade era de
i5 ficar alli, se lhe elRey fezesse merçee daquelle emcarrego. A quall cousa
o meestre fez com muy boom deseio, semtimdo a desposiçam do comde,
e jsso meesmo por seer homem que lhe mostraua boom deseio. e assy
foy logo fallar acerca dello ao Iffamte Duarte, pedimdolhe que rreque-
resse a elRey seu padre aquella cousa pêra o comde, do que mujto
20 prouue ao Iffamte. * e assy foi logo todo emcaminhado per a guisa que o A, i24,r, i
comde rrequeria, do que elle foi mujto ledo. e ass}' foy por ello beyiar a
maão a elRey e ao Iffamte. Ruy de Sousa que depois foi alcayde do
castello de Maruam, padre de Gomçallo Rolz de Sousa, foi ho primeiro
fidallgo que rrequereo a elRey, que o leixasse em aquella cidade, dizemdo
25 como tijnha quoremta homeés muy bem armados e com boÕas uoomta-
des pêra ficarem com elle em seu seruiço. ora ueede sse em tall tempo
era pêra outorgar semelhamte rrequerimento. ElRey foi mujto ledo com
tall pititorio, e assy disse que lho agradecia mujto, e que prazeria a Deos
que o acreçemtaria ao diamte por ello, e lhe faria mujtas merçees. e
3o emtom disse aos Iff^amtes que escolhessem de suas casas certos fidallgos
e escudeiros que ficassem alli. Os quaaes forom estes que sse adiamte
seguem .s. Lopo Vaaz de Castell Bramco alcayde de Moura, que era
momteiro moor delRey, ficou alli por coudell de todollos seus. e os do
Iffamte Duarte ficaram sob gouernamça do comde Dom Pedro, e os do
35 Iff"amte Dom Pedro ficaram a Gomçallo Nunez Barreto, e os do Iff"amte Dom
Hamrrique a Joham Pereyra, que depois foy muy boom caualleyro * em A, i24,r,2
1. boas A. — 3. emmijgos A — muytas A. — 6. foram A. — 7. jnteresse A. — i3. xpõs A.
— 17. assi A. — 18. loguo A. — 21. assi A — beyjar A. — 24. elRej A. — 25. boas A. —
28. assi A. — 3 1 . foram A. — 36. despois A.
— 264 —
B, m3, r, 1 aquella * cidade, e em outras *mujtas forom elle e outros boõs homeés
'''*''^'* ante daqueste feito, os quaaes andando nas guerras de França e de
A, 125, r, 2 Ingraterra ouuindo as nouas da armaçam que elRey fazia *leixaram
todallas doçuras de Framça e daquellas terras por uijnr a seruiço delRey,
os quaaes eram o dito Joham Pereyra. e Diego Lopez de Sousa, e Pêro 5
Gomçalluez a que deziam Mallafaya. e Aluoro Meemdez Cerueira. Fica-
ram ajmda na dita cidade, afora estes que ditos auemos, Ruy Gomez da
Sillua, Fero Lopez dAzeuedo, e os ja ditos Fero Gomçalluez e Aluoro
Meemdes. e Luis Vaaz da Cunha, e Luis Aluarez da Cunha, e Fernam
Furtado, e o caualleiro de samta Cruz. e Aluaro Eannes de Cernache. e 10
Diego de Seabra, e Meem de Seabra, e Gill Louremço dEluas. e Diego
Aluarez Barbas, e Gomez Diaz. e Fero Vaaz Pimto. e Joham Ferreira. E
com estes ficarom per toda gemte dous mil! e seteçemtos homeés. e miçe
Itam que ficou hi com duas gallees pêra guardar o estreito. E mamdou
elRey que lhe ficassem mujtas bitalhas e armaria, assy armas do corpo i5
como beestas e almazem. Outrossi amtre as cousas que forom achadas
em Cepta que de comtar seiam, forom quatro gallees e huQa gallee rreal e
mujtos uirotoões e beestas e scudos e huiãa bombarda e mujta poluora e
cera e seuo e pez dardos amcoras cabres treus mastos uergas artimoÕes
A, i25,r,2 gouernalhos, e todo esto em gramde abastamça, * as quaaes cousas forom 20
achadas nas taraçenas. E estas cousas assy todas postas em fim, amte que
elRey dalli partisse, disse ao Iffamte Dom Hamrrique que fosse meter de
posse do castello ao comde Dom Pedro. E a menagem senhor, disse o
Itlamte, rreçebella ey eu delle, ou a uijra fazer a uos. Nom quero outra
menagem rrespomdeo elRey, senom o conhecimento que tenho de sua 25
boomdade, polia quall delle comfio que o guardara como he rrezam. E
assy foi o Iffamte tirar Joham Vaasquez do castello, e emtregallo ao comde,
dizemdolhe aquellas meesmas pallauras que lhe elRey dissera acerca da
menagem, a quall cousa o comde disse que tijnha mujto em merçee a elRey
e ao Iffamte. e emtom filhou o Iffamte as chaues em sua maão e lhas 3o
emtregou, e o leixou assy em posse. E como quer que Joham Vaasquez
auia tamtos dias que alli estaua, e cada huú dia emuiaua daquellas cousas
que ally achara pêra os nauios, ajmda aaquelle tempo que elle leixou o
castello, hi ficarom mujtas que o comde depois ouue. empero nom das
primeiras. 35
10. aluareannes A. — 13-14. meçeitam A, mice Itam I.— i5. assi A. — 16. foram A.
— 17. foram A — uiratoões A. — 19. e seuo] seuo A. — 20. foram A. — 21. assi A. —
22. elRej A — hanrrique A. — 24. ei A. — 25. elRej A. — 27. assi A. — 3o. Iffant ( 1 .°j A.
— 3i. assi A. — 34. despois A,
— 265 —
Como elRey partio de Cepta e chegou ao Algariie, e como fe\ em
Tauilla seus filhos duques. Capitullo Cj.
JA agora a gemte de nossa frota amda corregemdo *seus aparelhos a i25 v i
pêra fazer sua uiagem. empero amtre elles auia duas temçoões
muy desiguaaes, fallamdo soomente daquellas pessoas de baixo
estado, porque os fidallgos e outros boõs homeés auiam gramde foll-
gamça por ficarem em aquella cidade, speramdo que pollo bem que em
ella fezessem acreçemtariam mujto mais em suas liomrras. mas os outros
do pouoo tijnham as temçoões muy comtrairas daquesta. ca nom
IO podiam presumir que depois que elRey partisse, nehuú delles auia de
ficar uiuo. E quamto os outros que auiam de uijr pcra Portugall, tra-
ziam de lediçe, tamto auiam os que ficauam mayor tristeza, e huús
buscauam rrogadores que os escusassem daquelle trabalho, outros bus-
cauam nouas maneiras de rromçaria, fimgindo emfirmidades que conhe-
i5 çidamente numca teueram. outros prometiam aalem de sua fazemda o
que nom tijnham, por nom auerem rrezam de ficar. Empero estas cousas
nom lhe aproueitauam mujto, por quamto aquelles que eram determina-
dos pêra ficarem, se a necessidade nom era manifesta, por seus fimgimen-
tos nom sse leixaua de emxecutar toda a primeira hordenamça. Dous
20 dias eram do mes de setembro a huúa segumda feira, quamdo * a frota de A, i25,v,2
todo foi prestes pêra partir, e todos aquelles fidallgos e escudeiros forom
beyiar a maão a elRey, o quall lhes fez muy gramde gazalhado, dizemdo
primeiramente ao comde. Pois que a Deos aprouue de uos emcaminhar
pêra rrequerer semelhamte cousa com muy boõa uoomtade, que teemdcs
25 pêra me fazerdes seruiço. pollo quall eu som theudo de uos acreçemtar
e fazer homrra e merçee. eu uos emcomemdo que tenhaaes sempre
amte os olhos o emcarrego que filhastes, e que nom menos coraçom
tenhaaes pêra o guardar e defemder, do que teuestes pêra o rrequerer, e
ajmda mujto mayor comssijramdo bem, que na guarda desta cidade sse
3o comtem uossa homrra e uida. E uos emcomemdo que agasalhees muy
bem estes fidallgos que aqui leixo, pêra uos ajudarem a guardar c deffem-
der esta cidade, e jsso meesmo uos emcomemdo toda a outra gemte que
aqui fica, que os trautees docemente e com todo fauor que rrazoada-
mente poderdes, e a huús e aos outros emcomemdo que uos obedeçam
35 como a capitam e a uerdadeiro fromteiro. E ditas estas pallauras lhe
beyiaram todos a maão, e sse spediram delle. Aos fidallgos disse elRey,
6-7. follgança A. — 17. muyto A. — 20. quando A. — 21. foram A. — 24. boa A. —
2G. emcomendo A. — 29. muyto A. — 3i . fidalgos A.
34
— 266 —
que lhes emcomemdaua que nom fezesse mimgua sua presemça amte os
A, 126, r, I seus olhos, mas que sempre trabalhassem* por sua homrra, segumdo a
linhagem de que uijnham rrequeria, e a comfiamça que em elles auia.
Ao que todos rrespomderam que elles fariam per tall guisa, que amtes
elle ouuisse nouas de sua morte, que de nehui] outro seu falecimento. 5
Os nauios que auiam de partir, eram ja todos prestes, e huOs tijnham as
uergas altas e soomente estauam sobre huúa amcora, e outros amdauam
ja aa uella. E tamto que elRey foi demtro na gallee, mamdou fazer
sinall com suas trombetas, per que todollos outros nauios desfalldrassem
suas uellas seguimdo sua uiagem, na quall cousa foi posta pequena 10
deteemça. e assy começaram todos demcaminhar com muy gramde pra-
zer caminho do Algarue, fazemdo desuayrados soõs em seus estromentos,
como aquelles que a doçura da uitoria e a esperamça que traziam de
ueer sua terra e seus amigos e paremtes, fazia os coraçoões mujto alle-
gres. Mas os outros que ficauam, esteueram todo aquelle dia sobre os i5
muros, oolhamdo a frota com muy gramde soydade. e taaes hi auia que
nom chorauam menos, que sse teuessem certa speramça de numca mais
ueerem sua teera nem seus amigos e naturaaes. E em uerdade fallamdo
A,'i2G,r,2 dcreitamente, nom era ssem rrezam de auerem amtre * ssi muy gramde
soydade. ca o lugar e o tempo e a presemça do feito trazia gramde aazo ao
pêra ello. ca ueemos quamdo sse huú homem parte do outro, ajmda que o
espaço seia pequeno de seu apartamento e todo em huú rregno ou senho-
rio, nom pode a uoomtade mouida com o mauioso zcllo estar, que nom
amostre alguíja semelhamça de semtimento. Ora que fariam aquelles
que per semelhamte guisa ficauam. certamente nom os deuemos de cul- 25
par por nehuúa mostramça que em ello fezessem. ca aquella braueza os
fez ao depois seer mujto mais ardidos comtra os jmmijgos, segumdo ao
diamte será comtado. A hordenamça da frota quamto aas gallees e
outros alguús certos nauios era de hirem dereitamente ao porto de Faa-
ram. porque aos outros era dada leçemça que sse fossem a Lixboa pêra 3o
lhe despacharem seu frete e emcaminhar cada huú pêra sua terra. E
foi assy que os marinheiros da gallee delRey errarom a uiagem, e omde
ouueram de hir a Faaram forom a Crasto Marim, e os outros nauios
quamdo de noite perderam a uista do foroll, seguiram sua uiagem derei-
tamente a Faaram. e queremdo hir per terra buscar elRey, açertousse 35
de sse ajumtarem todos em Tauilla. Omde elRey estamdo chamou seus
9. synall A. — n. assi A — de emcaminhar A. — 17. sperança A. — 19. antre A. —
20. grande A. — 27. despois A — muyto A. — 32. assi A. — 33. faarom A — foram A. —
35. faarom A.
— 267 —
filhos, e disselhes assy. *Todollos seruiços naturallmente rrequerem gua- A, i26,v,i
llardom. e porque aalem de seerdes meus filhos semto que rreçebi de
uos espiçiall seruiço em todo este feito, quero que por ello rreçebaaes
alguú guallardom. E primeiramente a meu filho o Iffamte Duarte nom
5 sey que acreçemtamento e que homrra lhe possa fazer, sobre aquella que
lhe Deos quis dar. s. seemdo meu primeiro filho e herdeiro de meus
rregnos e de minha terra, elle pode filhar em minha uida tamta quamta
lhe prouuer. Mas a uos outros me praz de fazer duques .s. a uos
Iffamte Dom Pedro faço duque de Coymbra. e ao Iffamte Dom Hamrri-
10 que duque de Vizeu. e polia gramdeza do trabalho, que filhou em todo-
llos estes feitos, assy na armaçom que fez no Porto, como no trabalho e
perijgo que ouue no dia que filhamos a cidade, e por todallas cousas que
em ello obrou, o faço senhor de Couilhaã. E os Ifíamtes todos três lhe
beyiarom por todo a maão teemdolho mujto em merçee. E emtom os
i5 fez duques com aquella sollenidade e cerimonias que sse custuma. ca
assaz auia hi de nobres homeés e corregimentos, per que aquella festa
fosse homrrada.
Como clRey despachou alli todos, e lhes fe{ merçee agradeçemdolhes
mujto seus gramdes trabalhos. Capilullo Cij.
20 "1~^0K quamto o rregno do Algarue jaz todo na costa do mar ouçiano, A, i26,v,2
I — ' a mayor parte de sua seruemtia he em nauios. e ajmda ha hi
A poucas bestas por rrezam da terra, que nom he mujto forte pêra
seu mamtijmento. por cuja rrezam elRey comssijrou que seria bem des-
pachar alli toda aquella gemte, por tall que podessem hir nos nauios ataa
25 Lixboa. ca era necessário que todos alli fossem desembarcar por aazo
do frete que auiam dauer. No quall Joham Affomsso dAlamquer fez
huú muy spiçiall seruiço a elRey, amtre outros mujtos que lhe tijnha fei-
tos. E foi assy, que comssijramdo elle as muy gramdes despesas que
elRey tijnha feitas, e como lhe era necessário despemder ajmda no frete
3o de todos aquelles nauios. tamto que foy na cidade de Lixboa, mamdou
comprar pêra elRey todo o ssall que auia per toda aquella terra, o quall
ouue assaz de boõ barato por rrezam da emposiçom. e quamdo lhe os
meestres dos nauios rrcqucriam o frete, fazialhe pregumta sse lhes pra-
zeria de auerem aquello em preço de suá pagua. os quaaes todos jumta-
10-11. todos A. — II. assi A. — 19. grandes A. — 23. mantijmento A — comsijrou A.
— 24. atee A. — 20. Affom A. — 27. elRej A. — 28. assi A.— 29. neçessareo A. — 32. boõ A,
bem I. — 33. pregunta A.
V
— 268 —
mente forom muy comtemtes comssijramdo como lhes seria milhor leua-
rem seus nauios carregados dalguúa mercadoria, que de leuarem o dinheiro,
A, i27,r, I que ligeiramente poderiam * gastar, e assy forom todos muy bem paga-
dos com pequena custa delRey. E estamdo assy elRey em Tauilla como
dito he, fez ajumtar todos aqueiles primçipaaes, e disselhes. Por quamto b
minha uoomtade he de uos despachar por uos arredar de custa e de
trabalho, cada huús de uos outros poderees auisar a todos aqueiles que
uem em uossa companhia, que me uenham rrequerer quaaesquer merçees
ou cousas que a suas homrras e liberdades perteeçam. e como quer que
ja eu per mujtas uezes teuesse esperimentadas nossas boõas uoomtades lo
em todallas outras cousas pêra que uos rrequeri, em este presemte traba-
lho semti mujto as boÕas uoomtades de todos, as quaaes fezeram mujto
mais esforçar a minha, pêra uos sempre buscar toda homrra e acreçem-
tamento que em minha posse for. E sobre todo dou mujtas graças a
nosso Senhor Deos, por me fazer rregnar sobre gemte, que me tam uer- i5
dadeiramente e tam leallmente teem seruido. pollo quall lhe peço por
sua samta merçee, que me dee sempre aazo e poder, per que os possa
rreger e gouernar em todo dereito e justiça, e aos boõs homrrar e acre-
çemtar segumdo he rrezam. Todos forom mujto comtemtes daquellas
pallauras delRcy, dizemdo que lho tijnham mujto em merçee. e assy 20
A, i27,r,2 começaram logo alguús de fazer * suas pitiçoÕes, pêra rrequerer suas cousas
segumdo lhes perteeçia. as quaaes eram muy graciosamente desembar-
gadas, outorgamdo a todos aquello que achaua que era rrezam e sse
podia fazer, e aaquelles que per uemtura pediam aalem do rrazoado,
era dada graciosa rreposta, de guisa que a doçura da pallaura lhe fazia 25
gramde comtemtamento. Outros ouue alli que nam quiseram pollo pre-
semte pedir nehuúa cousa, e sse espediram assy spaçamdo seus rrequeri-
mentos pêra outro tempo. E per tall guisa foi todo emcaminhado, que
todos partiram muy ledos e comtemtes da presemça delRey, e elle
outrossy das boõas uoomtades que lhe seratija pêra seu seruiço. 3o
t. foram A — contemtes A. — 2. mercadaria A. — 3. assi foram A. — 4. assi A. —
9. perteemçatn A. — 10. boas A. — 12. boas A. — 17. dee] de A. — 19. foram A. —
27. assi A. — 28. emcamynhado A. — 3o. boas A.
— 26g —
Como elRey partio do Algarue e chegou a Euora, e do rreçebi-
mento que lhe foi feito. Capitullo Ciij.
ACABADO assy aquelle espedimento, começou de sse espalhar toda
aquella gemte cada huúa pêra sua parte, e porque os mais delles
eram anojados do mar, quiseram amte fazer sua uiagem per terra,
empero esto era muy graue de fazer, por rrezam das bestas que hi nora
auia. e assy era muy gramde trabalho em as buscar e auer. ca por
dinheiro nom podiam seer achadas em tamanho numero, como eram
necessárias. E tamto bem fez alli a necessidade,* que emsinou a mujtos A,i27,v,i
'O comtemtarsse das cousas pequenas, que em outro tempo desprezauam as
gramdes. ca mujtos delles nom sse comtemtauam damdar em grossas
facas nem boõs cauallos, sse tijnham alguú geito comtra seu prazer, e em
aquelle emsejo auiam por boõa dita, quamdo percallçauam huú proue muu
ou asno dalbarda, que os podesse scusar do trabalho que esperauam de
i5 semtir em aquelle caminho, sse ouuessem damdar de pee. Amte que
leue elRey aa cidade dEuora, me parece que he bem que faça aqui
meemçam dalguús fidallgos, que morreram de pestenemça. e esto escpre-
uemos, porque achamos que alguús homeés, que escpreueram aiguúas
cousas que uiram deste feito, nom declarauam a morte destes, senam
20 que morreram em Cepta. o que mujtos simprezmente podiam emtem-
der que morreram na filhada da cidade. E porque ja espiçiallmente
falíamos dos outros, diremos agora dos que morreram de pestenemça,
fallamdo soomente daquellas pessoas de comta. e esto depois que a
frota partio de Lisboa, ataa que tornou ao Algarue. e aimda no cami-
25 nho, depois que partio pêra Euora. Morreo primeiramente Gomçallo
Eannes* de Sousa, e Dom Joham de Castro, e Aluoro Nogueira, e Aluoro A, 127, v,a
dAguiar, e Vaasco Martimz do Carualhall, e Nuno da Cunha, e Aluoro
da Cunha, e Aluoro de Pinhel, e Amtam da Cunha, e Pêro Taauares, e
Dom Pedro de Meneses. Tamanha deteemça fez alli elRey naquelle
3o rregno do Algarue, quamto durou o cuydado que tijnha de despachar
suas gemtes. e tamto que esto teue despachado, logo emcaminhou pêra
a cidade dEuora, omde estauam seus filhos e o meestre com elles. cuja
lediçe nom era pequena, ouuimdo as nouas daquella uitoria, como quer
que de sua uoomtade mujto deseiara dauer quinham em aquelle feito.
3i Tamto que soube que elRey uijnha, fez prestes todo seu corregimento
3. assi A. — 4. gente A. — 7. assi A. — i3. ensejo I, açejo A — boa A — quando A.
i5. sentir A. — 17. meençam A. — 23. conta A. — 25. despois A. — 25-26. Gomçalle-
annes A. — 27. mlz A. — 3o. quanto A. — 35. que soube A, que o mestre soube I.
— 270 —
. pera o rreçeber seguindo perteeçia a seu estado, e segumdo o caso e a
terra domde elle uijnha. E em aquelle dia sayram os Iffamtes Dom
Joham e Dom Fernamdo e o meestre com elles per muy gramde espaço.
e nom ficou homem na cidade, que de pee ou de cauallo nom sahisse
fora, tamta era a sua lediçe com a uijmda delRey. e as molheres alimpa- 5
uam as rruas, lamçamdo aas janellas as melhores cousas que tijnham. e
ajumtauamsse cada huúas de sua freeguesia uestidas de suas milhores
A, 128, r, I rroupas. e com gramdes càmtares filhauam quinham * daquelle rreçebi-
mento. E quall seria o coraçom que uisse aquelle rreçebimento que
todos faziam a elRej^ que podesse rreteer aquellas ueas per homde 10
correm as lagrimas, que nom sse emchessem seus olhos dagua. e nom
soomente as pessoas de comprido emtemdimento, mas os meninos par-
uoos auiam emtemder pera sse allegrarem com a uijmda daquelle prim-
çipe. e assy uijnham todos amte elle camtamdo, como sse fosse alguQa
cousa çellestriall emuiada a elles pera sua saluaçam. Em todo aquelle i5
dia nom fczeram cousa alguúa em aquella cidade, ca os offiçiaaes dos
offiçios mecânicos auiam por bem despeso o gaanho daquelle dia, por
homrrarem a festa de seu primçipe. Todallas nobres molheres daquella
cidade sse forom pera a Iffamte, e a acompanharam ataa que elRey seu
padre chegou, omde ella sahio aa primeira salla assy acompanhada de 20
todas aquellas nobres molheres, e com gramde mesura e rreueremça
rreçebeo seu padre e seus jrmaãos, e ass}' todollos outros nobres homeés,
que com elles uijnham cada huíi segumdo seu estado. E por agora
acerca do seu rreçebimento e follgamça nom departo mais. porque boom
A,i28,r,'.! será de comssijrar a quallquer, que leer os uirtuosos feitos * deste gramde 25
primçipe, e os gramdes trabalhos, que filhou por saluaçom e homrra do
seu pouoo, quall seria o amor com que o elles rreçeberiam, quamto mais
trazemdo comssigo tamanha uitoria. Por certo eu diria aqui mujtas
cousas acerca das gramdes uirtudes delRey, se nom ouuesse descpreuer
as suas homrrosas emxequeas com todallas outras cerimonias, que per- 3o
teeçem aa sua sepulltura, omde me parece que tenho rrezoado lugar pera
fallar de minha eniteemçom, o que de suas boomdades uerdadeiramente
souber, porque toda a bem auemturamça do homem na fim he de lou-
uar. Nom he pera callar a geerall follgamça, que todos auiam com a çer-
tidom das nouas daquelle feito, e mujto mais quamdo uiram as presem- 35
ças daquelles, de cujas uidas tijnham alguúa duuyda. porque aalem da
6. cousas A, colchas ? — 14. assi A. — 19. foram A — Iffamte] add. Dona Isabel I. —
20. assi A. — 22. assi A. — 23. estado] add. Deshi elRey com seus filhos se foi pelo
reyno como antre sy por melhor ordenarem I. — 25. comsijrar A. — 32. emtemçom A.
— 271 —
uitoria nom auia hi tall, que uiesse sem parte da rriqueza daquella cidade.
e toda a ocupaçom das molheres emtom era em rrecomtar cada huúa as
cousas, que seu marido trouxera, porque em ellas naturallmente mora uaã
gloria, deleitauamsse mujto em rrecomtar aquelle bem que ouueram. E
i per tall guisa foi este feito emcaminhado, que mujtos que leixaram o pam
de seus agros guardado em seus çelleiros, tornaram ajmda a apanhar* a A,i28,v,i
nouidade de suas uinhas.
Como ho autor mostra que todallas cousas deste tnundo falleçem,
ssenam a escpritura. Capitullo Ciiij.
10 y^^> KAMDE louuor deram os fillosofos amtijgos a Numa Pompillio, porque
I --- foy o primeiro que achou a arte da moeda, por cuja rrezam
^» — ^ ficou aaquelles que faliam o latim chamamdo dinheiros simprez-
mente dizer numos. e certo he que elle merece por a sua boÕa emuem-
çam gramde louuor amtre os uiuos, porque achou uerdadeiro meo em
i5 toda a justiça comotatiua. Nom foy elle porem aquelle que departio
tamtas maneiras de moeda, como ueedes que ha no mundo, ca depois
sobre aquella forma hordenou cada huií em seu senhorio a deuisom delia,
segumdo lhe prouue. soomente quamto ficou huúa moeda geeral, per que
os homeés possam fazer uerdadeira comudaçom em todallas partes, e
20 desto nom curamos fazer mayor destijmçom por chegarn:os a nosso pro-
pósito. Ora se Numa Pompillio merece tamanho louuor por arte da
moeda, íjue deuem merecer aquelles que primeiramente fezeram letra,
pois trouxeram a nosso conhecimento nom tam soomente a sabedoria das
cousas terreaaes, mas ajmda nos fezeram que conhecêssemos* e soubesse- A, 128, v,2
25 mos as cousas que sam sobre a espera da luíía ataa o postumeyro çeeo.
Ca polia samta escpritura conhecemos aquella rreall hordenamça das
noue hordeés dos amjos. e como ssam departidas em três gerarchias, e
quall he ho ofBçio de cada huúa. e assy deçemdemdo pêra fumdo ataa
spera de Saturno, que de todas sete he a mais alta. E em uerdade seria
3o fremosa departiçom, sse eu dissesse alguúa cousa acerca da diuisam
daquellas planetas, e os caminhos que trazem cada huúa em sua uolta,
saluo a nouena que he única e nom tem epiçicollo, segumdo mais compri-
damente podem saber aquelles que tem uistos os teistos de Tollomeu
ou leeram per Almajesta, ou per aquelló que escpreueo Alfarjano em
íuas deferemças, e per outros mujtos autores que acerca dello assaz falla-
8. mumdo A. — i3. boa A. — 13-14. emuençam A. — ifi. tantas A — mumdo A —
dcspois A. — 18. quanto A. — 20. pella A. — 27 anjos A. — 28. assi A. — 35. asaz A.
— 272 —
ram. E de como esta escpritura foi primeiramente achada, e as rrazoões
porque acharees ao diamte em nosso prollogo, omde começarmos a fallar
das outras cousas do rregno. Que cousa pode millior seer amtre os
uiuos que a escpritura, polia quall seguimos dereitamente o uerdadeiro
caminho das uirtudes, que he o premeo da nossa bem auemturamça. esta 5
he aquella que nos mostra quaaes seram os nossos gallardoões depois do
A, i29,r, 1 trespassamento desta uida, e outras mujtas * cousas que propriamente
peiteeçem a alma, das quaaes nora curamos mujto fallar em este lugar,
por quamto nossa emteemçom nom he mostrar em este capitullo outra
cousa, senom como todalias boõas obras deste mundo sse perderiam, sse 10
a escpritura nom fosse. Como soubéramos agora queiamdo fora aquelle
emperio dos Assirios, o quall amtre os outros emperios assy per lomgura
de tempo como em gramdeza foy mujto acreçemtado, cujo começo foy
rrey Nino duramdo per mujtos segres, corremdo per soçessom de rrex
ataa o tempo de Ozias rrey de Juda. e por aazo da desordenamça de i5
Sardanapallo foy destroido per Arbato capitam dos Medos. Outrossy o
rregno dos Calldeos, do quall a samta escpritura tam a meudo faz memo-
ria, omde rregnou Nabucadonosor, porque Baltasar seu neto se pos em
gramde oufana em aquelle comuite, do quall Daniell faz memçam, e em a
seguimte noite foi emcuruado per o rrey dos Romaãos. Como poderamos 20
saber a desordenamça de rrey Xerxes, quamdo com tresemtos e oitemta
mill homeés darmas e çem mill nauios passou em Greçia, e per huúa
pouca companha dos Gregos foi desbaratado soomente por sua soberuosa
presumçom, desprezamdo o proueitoso comsselho de Amagaro philosofo.
A, i29,r,2 *E como soubéramos outrossy os uirtuosos feitos darmas que fezeram 25
primeiramente os rrex de Roma ataa o tempo de Tarquino soberbo, per
cuja desordenada luxuria os rrex forom lamçados fora do senhorio de
Roma, e sse começaram de rreger per hordenamça de ditadores e com-
ssullos, omde achamos as gramdes emsinamças, que rreçebemos pêra
rregimento da cousa pubrica. nas quaaes se ouueram tam uirtuosamente 3o
Marco Furio Camillo, e Marco ReguUo, e Apios Claudius, e Quimçios
Fabios, e Lúcios Paullo, e Cláudio Vero, e Marcos Marcellos, e Luçios
Pinarios, e o gramde Cepiam africano, e depois Marco Tullio Ciçerom, e
Marco Claso, e Gayo César, e Pompeo o magno, e o uirtuoso Catam,
e assy todollos outros nobres homeés daquelle tempo, os quaaes de boa- 35
mente sofriam a morte, porque depois pêra todo sempre os seus nomes
fossem achados nas escprituras por dignos de gramde memoria, como
í>. perteemçem A. — 10. boas A. — i5. desordenançaA. — i5-i6. ssardanapollo A. —
19. conuite A — mençam A. — 24. phõ A. — 25. outrossi A. — 27. foram A. — 33. des-
pois A. — 35. assi A. — 36. despois A.
— 273 —
dezia Vulteo, quamdo em terra Dalmácia na rribeira do mar Adriático
que jaz comtra ho ouçidemte, se rrezoaua comtra César e comtra sua
uemtura, esforçamdo os seus caualleiros, que sperassem a morte no dia
sseguimte, a quall tijnham mujto certa per Outauiano capitam de Pompeo.
5 Oo dezia elle, nobres mamçebos esforçaaeuos em uirtude comtra afortuna,
e daae comsselho aas cousas* de uossa postumaria. ca nom he pouca A, i29,r, 1
uida a que nos fica, pois em ella teemos tempo descolher quall morte
quisermos, nem a gloria de nossa morte nom he peor que a uida, que per
alguú pouco de mais tempo poderamos auer. ca morrer pêra uiuer he
10 bem auemturada cousa, segumdo Lucano escpreue todo esto no septimo
e oytauo capitullos do seu quarto liuro. E por certo nom som pêra
esqueeçer as uirtudes daquelles primeiros autores, que com tam forçosa
emdustria e elloquemte estillo rreformaram amte nossos olhos os pree-
meos e nobres meriçimentos dos exçellemtes feitos darmas e a gloria e
i5 homrra da corte judiçiall, pollo quall estado quamtas cousas marauilhosas
forom feitas per maão e ditas per liragua som trazidas a fim de claro
conhecimento. E tamto he esta emdustria mais perfeita uirtude, em
quamto rreforma o homem aa sua duraçam ataa fim da uida dos homeés,
cuja clara memoria sempre traz praziuell deleitaçom aos coraçoões apa-
20 relhados e despostos a seguir homrra. E por certo nom he o nosso
pequeno emcarrego, quamdo per nosso trabalho os uirtuosos homeés jus-
tamente ham seu meriçimento de seus gramdes feitos. E por tamto
dezia Tullio no liuro de senectute, que lhe nom pesaua de morrer, porque
sabia que a sua memoria *nom auia de perecer com a sua morte, porque A, i29,v,2
25 dezia elle, assy proueitosamente uiuy, que me parece que nom naçi deball-
de. E quall he mais segura sepulltura pêra quallquer primçipe ou baram
uiriuoso, que a escpritura que rrepresemta o claro conhecimento de suas
obras passadas. Certo toda a nobreza dos homeés fora destroida, sse as
penas dos escpriuaães a nom poseram em fim. E porem dezia Lucano
3o no oitauo liuro de sua estoria, fallamdo de como César chegou aaquelle
lugar homde foy a Troya, comtamto alli a destroiçam daquellas cousas
tam gramdes as quaaes Jullio César esguardaua com tam gramde fememça.
porque elle e toda a linhagem rreall de Roma dcçemdia da geeiaçam de
Eneas. Oo samto e gramde trabalho diz Lucano, dos autores estoriaaes
35 como tolhes aa morte todallas cousas que achas, e as guardas em me-
I . dizia A. — 3. uentura A. — 4. pompeeo A. — 5. dizia A — mancebos A. — 11. capi-
tólios A. — i5. quantas A. — 16. foram A — língua A. — 17. tanto A. — iS. quanto A. —
20-21. nom he o nosso pequeno emcarrego A, nom he pequeno encarrego o nosso I. —
21. quando A. — 22. tanto A. — 23. dizia A. — 25. dizia A — assi A. — 26. sepultura A.
— 29. fym A — dizia A. — 3i. comtamto A, comtando I. — 32. grandes A — femença A.
35
— 274 —
moria que nom esqueeçam nem moyram. e das aos homeés mortaaes
hidade que lhes dure sempre. E porem comcludimdo este capitullo, em-
temdamos que os gramdes primçipes e outros boõs homeés deuem assy
uirtuosamente obrar em seus feitos, per que os autores das estorias ajam
rrezam descpreuer suas obras por sua notauell memoria e erasinamça
dos outros, que depois delles quiserem comsseguir uirtude, e arredarsse
A, i3o, r, I dos uiçiosos custumes, por tall * que o seu nome nom uiua amte os homeés
pêra todo sempre em seu doesto, porque aalem do boom nome que
numca morre, ou o comtrairo que numca sse perde, acreçemtam na bem
auemturamça que perteeçe aa sua alma. Por quamto aquelles que deçem-
dem de sua geeraçam, rreçebemdo homrra poUo sem meriçimento, rrogam
a Deos por elles. e assy todollos outros ham em gramde rreueremça
suas sepullturas, e bem dizem o seu nome ouuymdo ou ueemdo o pro-
cesso de suas bomdades.
Capitullo Ci\ no qiiall o autor da graças a Deos em fim de sua obra. 15
Esu Christo nosso rremidor e saluador foi aquelle que chamei no
começo de minha obra, conheçemdo minha fraqueza, pêra rreçeber
sua ajuda, sem a quall em este mundo nom sse pode começar,
mear, nem acabar nehuúa cousa, porque disse no começo que esta sua
ajuda nom podíamos per nos meesmos percallçar sem rrequerimento e 20
inteçessom dos samtos, primçipallmente da gloriosa e sem nehuíia mazella
uirgem nossa Senhora samta Maria sua madre, a quall segumdo diz o
philosofo no liuro da natureza das animalias, que a própria comdiçom da
poomba he em toda sua uida sempre gemer. Nossa Senhora he aquella
A, iio,r,2 que sempre geme * amte a presemça de seu filho, pidimdo saluaçam pêra 25
nossas almas e ajmda pêra nossas uidas. Porem em comclusom de
minha obra, com toda rreueremça e humilldade dou mujtas graças a elle
uerdadeiro Deos meu Senhor Jesu Christo, porque lhe prouue por sua
merçee emcaminhar meus feitos per tall guisa, que os trouuesse a fim em
louuor e homrra deste uiturioso Rey, e do muy exçellemte piimçipe 3o
e muy uirtuoso barom o IfFamte Duarte seu filiio, e dos outros
Iffamtes seus jrmaãos, e assy de todollos primçipes senhores caua-
lieiros fidallgos, que no dito feito ouueram parte. Dou outrossy muj-
tas graças aa uirgem Maria, por cuja graça e meriçimento meu peti-
3. prinçipes A — assi A. — 6. despois A. — 8. boo A. — 9. nunca A — acreçentam A.
— 10. quanto A — rreçebendo A. — 12. assi A. — i5. C v] çemto e çimquo A. — 16. JhCÍ
xpõ A. — 18. mumdo A. — 28. JhC xpõ A. — 3 1 lífantc A. — 32. assi A. — 33. outrossi A
34. merecimento A.
— 275 —
tório foy outorgado, e aa senhora samta Caterina mártir e uirgem,
em cuja samtidade ey simgullar deuaçom. e assy a todollos outros
samtos e samtas da çeilestriall corte. E peço com gramde rreueremça
a elRey meu senhor, que me perdooe todollos falleçimentos, que em esta
5 obra de minha parte forem achados, culpamdo em ello mais minha rru-
deza e fraco emgenho, que a determinaçom de minha uoomtade. E peço
e rrogo outro ssy a todollos fiees christaaos e espiçiallmente *aos naturaaes A, i3o,v, i
destes rregnos, que leemdo esta obra sempre ajam em memoria a alma
daquelle samto Rey, per cuja uirtude e força esta cidade de Cepta foy
10 gaanhada e tirada do poder dos jmfiees, e posta sso o jugo da ffe de
nosso Senhor Jesu Christo. e outrossy polia alma delRey Dom Duarte
seu filho de gloriosa memoria, que a ajudou a gaanhar, e a mamteue e
dctfemdeo em todollos dias (de sua uida. e assy de todos aquelles que
primeyramente em ella trabalharom, e depois ataa ora morreram em seu
i5 dcííemdimento. E deuem outrossy pedir a Deos de todo coraçom e
uoomtade, que queyra comseruar o estado delRey nosso senhor, e o queira
sempre ajudar pêra mamteer e gouernar seus rregnos, spiçiallmente aquella
cidade, que esta por acreçemtamento da ffe de nosso Senhor Jesu Christo
e por homrra da sua coroa rreall. nom esqueeçemdo ho Iffamte Dom Ham-
20 rrique, que com tam gramdes trabalhos e despesa a gouernou sempre em
seu estado. E foy acabada esta obra na cidade de Sillues, que he no
rregno do Algarue, a uijmte e çimquo dias de março, quamdo amdaua a
era do mundo em çimquo mill e duzemtos e homze annos rromaãos. e a
era do deluuj'© em quatro *mill e quinhemtos e çimquoemta e dous annos. A,i3o,v,2
25 e a era de Nabucadonosor em dous mill e çemto e nouemta e sete annos.
e a era de Phillipe ho gram rrey de Greçia em mill e seteçemtos e
sesseemta e três annos. e a era dAllexamdre ho gram rrey de Macedónia
em mill e seteçemtos e sesseemta e huú. e a era de César em mill e
quatroçemtos e oitcmta e oito annos. e a era de nosso Senhor Jesu
3o Chiisto em mill e quatroçemtos e çimquoemta annos. e a era de dAçianus
ho Egiçiaão em mill e seys annos. e a era dos Arauigos em oitoçemtos e
uijmte e oito annos. e a era dos Perssianos em oitoçemtos e dez e sete
aiinos. e a era do primeyro rrey que foy em Portugall em trezemtos e
quorcmta e oito annos. e o anno do rregnado delRey Dom Atfomsso ho
35 quimto em homze annos e duzemtos e çimquo dias mais.
7. xpaãos A. — II. Jhú xpõ A — eduarte A. — 17. pêra I, e A — manteer A. —
22. a ( i.") 1, om A — çinquo A. — 23. mumdo A — çimquo] om. A, sinco I. — 23. sinco
mil cento e onze annos hebraicos I. — 24. annos] om. A. — 25. nouenta A. — 26. Ke-
Hipo A. — 27. seseemta A. — 2S. sesecmta A. — 29-30. Jhú xpõ A. — 3o. Dacianus A,
Alimus I (dAnianusPj. — 3i. annos] om. A. — 34. annos I, om. A.
índice dos nomes próprios de pessoas
(Excluiram-se pela sua frequente repetição: eIRey Dom Joham, o If&mte Duarte, o Iftamte Dom Pedro,
e o Ufamte Dom Hamrrique). — Os númros indicam as páginas.
Abilabez — lo.
Abraham — 6, i6i.
Achilles — 119.
dAçymos, dAçianus — 233, 275. Anianus,
monge egípcio.
Adam — 233.
Dora Affomsso Amrriquez, rei de Portu-
gal — 36, 234.
Dom Affomsso quarto, rei de Portugal —
35, 56.
Dom Affomsso quinto, rei de Portugal —
i3, 275.
Dom Affomsso, rei de Castella — 35, i83.
Dom Affomsso, comde de Barçellos — ii5,
122, i52, 20S. Veja-se comde de Barçel-
los).
Dom Affomsso de Casquaaes — i53.
Affomso Eannes, escudeiro — -iiS, 116.
Afforaso Eannes, capellão moor delRei —
25l.
Affomsso Furtado de Memdoça, capitão
do mar — 5o, 5i, 55, 56, 58, ii5, i53.
Affomsso Vaaz de Sousa — i53.
Agar — 248.
santo Agostinho — 10, 38, 117.
Ahyor — 200.
duque d.\llemanha — 104. Veja-se Chro-
nica do Conde Dom Pedro, cap. Ix.
barom dAUemanha — 104, 233.
Alarues — 233.
Alberto, gramde theologo — 255. Alberto
magno, bispo de Ratisbona.
Alexandre, rei de Macedónia — 118, 119,
233, 275.
Alfarjano — 271. Alfragan, astrónomo ára-
be do século IX.
Aluoro dAguiar — 269.
Aluoro da Cunha — 1 14, 154, 257, 269.
Aluoro Eannes de Cernache — 134, 264.
Aluoro Fernamdez de Mazquarenhas — 114,
154,217, 257.
Aluoro Ferreira, bispo de Coimbra — 154.
Aluoro Gomçalluez dAtayde, gouernador
da casa do Iffamte Dom Pedro — 154.
Aluoro Gomçalluez Camello, prioU do Es-
pitall — 5o,'5i, 53, 55, 58, 59, i53.
Aluoro Meemdez Cerueyra — i53, 233, 234,
264.
Aluoro Gomçalluez da Maya, veedor da
fazemda delRey, na cidade do Porto —
242, 243, 244.
Aluoro Nogueira — i53, 233, 2Ó9.
Aluoro Peixoto — 154.
Aluoro Pereira — i53, 257.
Aluoro de Pinhel — 269.
Aluoro Vaaz dAlmadaã — i54, 25".
Dom Aluoro Pires de Castro — 1 14, i53.
Amagaro, philosofo — 272.
Amon — 200.
Amtàm da Cunha — 269.
Amtam Vaaz de Góes — 224.
Amtiocho — i58, i63.
Dom Anrique, rei de Castella — 16.
Anibal — i5, 159, 174, 196.
— 278 —
Arato, poeta grego — 177.
Arauigos — 275.
Arbato — 272.
Aries, signo — 173, 246.
Aristóteles, filosofo grego — 3, 117.
duque dArjona — 97.
mosse Arredemtam, Henry dAntoing — 104.
Assírios — 272.
Aviçena, filosofo árabe — 8.
meestre dAuis — 9,69, i33, i54, 269, 270.
Dom frey Fernam RoTz de Sequeira,
21.° mestre ou melhor Comendador mor
da Ordem de Aviz, falecido em 1433.
Ayres Gomçalluez dAbreu — 257.
Ayres Gomçalluez de Figueyredo — iii,
114, 153,227.
Ayres Gomez da Sillua — 257.
Azmede ben Filhe — 172.
almiramte, veja-se Lamçarote.
Baco — 240.
Baltasar, rei dos Caldeus — 272.
comde de Barçellos — í5, 26, 3o, 33, 54, 72,
74, 92, 114, 145, (53, 182, 206, 210, 232.
Veja-se Dom Affomsso, comde de Bar-
çellos.
Bayoneses — 1 1 1, 228.
Belleago — 17, 98. Doutor Joham Gonçall-
uez Beleago, adayam da see de Coimbra.
Veja-se Fernam Lopes, Chronica de Dom
João }, parte segunda, capitulo 193 e 198.
comde de Bellonha — 92.
Bembendim de Barbudo — 154.
comde de Benauente — 97.
duquesa de Bergonha, Iffamte Dona Isabel
— i32, 270.
sam Bernardo — 157.
Bizcainho — 23 1.
Brafome — 173.
Briatiz Gomçalluez do Moura — 119, 120,
129, i3i, i32.
adiamtado de Caçorlla — 96.
Çalla bem Çalla — 169, 172, 173, 180, 197,
198, 2o3, 2o5, 206, 22G, 23i, 232, 237,239,
247.
meestre de Callatraua — 97.
Calldeos — 272.
Carneiro, signo — 173.
miçe Carlos Façanha, filho do almirante
miçe Lamçarote Façanha — 67, ii5. •
Castor — 234.
Castellaãos — '4) 21, 40.
Catam — 272.
santa Caterina — 275.
Dona Caterina, rainha de Castella — i3, 16.
Dona Caterina, irmã dei Rey de Castella
— 52.
Cepiam — 9, i5, 110, 119, 174, 272.
César — 233, 275 ; veja-se Gayo César e Ju-
lho César.
rainha de Cezilia — 5o, 5i, 52, 53, 55.
meestre de Christo, veja-se D. Lopo Dias
de Sousa.
Cláudio Vero — 272.
Clemente vii. Papa — 92.
santa Clara de Coymbra — i36.
Comdestabre, Dom Nuno Aluares Fereira,
— 60, 68, 6g, 70, 71, 1 15, i53, 212, 252.
caualleiro de samta Cruz — 264.
Cyro, rei da Pérsia — 140.
Daniell, profeta — 272.
Dia Sanchez de Benauides — 97, 98, 100.
Dom Denis, rei de Portugal — i36.
Dom Denis, filho de Dom Pedro i — 56.
Diego Aluarez, meestre sala — i53.
Diego Aluarez Barbas — 264.
Diego Gomçalluez de Trauaços — 210, 257.
Diego Fernamdez dAlmeida — 154, 233,257,
Diego Gomez da Sillua — 114, i53, 257.
Diego Lopez Lobo — 154.
Diego Lopez de Sousa — i53, 264.
Diego de Seabra, alferes do Iffamte Duarte
— 210, 257, 264.
Diego Soares — 154.
Diego Soares de Albergaria — 154.
Duarte Fereira — 208.
Edonis — 240.
Egiçiaão — 233, 275.
santo Enselmo — 7.
Escorpiam, signo — 173.
prioll do Espitall, Dom Aluaro Gonçalluez
Camelo — 5o, 5i, 53, 54, 58, 59, 60, 61,
Il5, 180, 181, 23o, 252.
279 —
Esther — 1 19.
Esteuam Soarez de Mello — 114, i54, 169,
2o3.
Estóicos — 200.
Ezechiell, profeta — 160.
Dona Felipa, Rainha de Portugal — 17, 60,
61, 62, 63, 65, 66, 93, 107, 108, 116, 140.
Fernam dAluarez — 217.
Fernam dAluarez Cabral — 114, i53, 178,
Fernam Chamorro — 216, 217, 223, 226, 228.
Fernam Fogaça, ueedor do Iffamte Duarte
— 83, 84, 86, 87, 92.
Fernam Furtado — 264.
comde Fernam Gomçalluez — 35.
Fernam Gonçalluez dArqua — 154.
mestre Fernam Joanne, físico do Iffamte
Dom Amrrique — 179.
Fernam Lopez, chronista — 12, i3.
Fernam Lopez dAzcuedo — 114, 154.
P'ernam Vaaz de Sequeira — 154, 257.
Dom Fernamdo, infante de Castella, e de-
pois rei de Aragão — i3, 17, 19, 23, 45, gS,
97, 98, 99, 101, 102, io3, 104, 242, 243, 244.
Dom Fernamdo, rei de Castella — 35, i83.
Iifamte Dom Fernamdo, filho de Dom Pe-
dro I — 12, 56, 57.
Iffamte Dom Fernamdo, filho de Dom Jo-
ham I — i33, 270.
Dom Fernamdo de Bragamça, filho do
líTamte Dom Joham — 1 14, i53, 257.
Fernamdo AtTomsso — 233.
Fernamdo Atfomsso de Carualho — 196.
Dom Fernamdo de Castro — i53, 233.
Dom Fernamdo de Meneses — 257.
duque de Gamdia — 17, 244.
Garcia Moniz — 1 14, 154, 222, 223, 224.
Ganimedes — 193.
Gayo César — 174, 272.
Genoeses — 94, 96, 2i5, 23i, 232,
Gibotalher, Guy le Bouttiller — 104.
Gill Louremço dEluas — 264.
Gill de Roma — 67. Fr. Gil de Roma, autor
do livro De Regimine principum, que teve
grande voga nos séculos xiv e xv.
Gill Vaaz — 2o5.
Gill Vaaz da Cunha — 114, i53, 257.
Gill Vaasquez — 154.
Goraez Diaz — 264.
Gomez Diaz de Góes — 217.
Gomez Eannes de Zurara — i3.
Gomez Ferreira — 154.
Gomez Martimz de Lemos, ayo do comde
de Barçellos, — 114, 145, 149, i53.
Gomçallo Caldeira — 76.
Gomçallo Eannes de Sousa — 1 14, i53, 269.
Gomçallo Eannes dAbreu — i53.
Gomçallo Louremço de Gomide, escrivão
da puridade delRey — 19,67, 76, i53, 211,
212.
Gomçallo Gomes dAzeuedo, alcayde dAl-
lamquer — 1 54.
Gomçallo Nunes Barreto — i53, 263.
Gomçallo Pereyra das armas — 04.
Gomçallo Pereyra de Vouzella — 1 54.
Gomçallo Rofz de Sousa, capitam dos gine-
tes — 127, 263.
Gomçallo Vaaz Coutinho, marichal — 76,
1 14, 206, 207, 208.
Gonfedro — 240. Gondofre, escritor italiano,
que viajou na Palestina.
sam Gregório, Papa — 4.
Gregos — 49, 256, 272.
condessa D. Guiomar de Meneses — 166.
rei de Graada, io5, 106, 107, 108, 109. O rei
de Granada chamava-se Muhamad ben
Yusef, e reinou de 1399 a 1420.
D. Hamrrique, rei de Castella — 97, 244.
Veja-se D. Anrique.
D. Hamrrique de Loronha — i53, 233, 257.
Hercolles — 139.
Hermes, titulo de um livro apócrifo do
Novo Testamento — 255. Veja-se Gomez
Eannes de Zurara, Chronica da conquista
de Guiné, cap. Ixxiv, e Chronica do Con-
de D. Pedro, parte i, cap. 11.
Holofernes — 200.
Inequixius Dama, imgres, criado da rainha
Dona FcUipa — 25o.
Dona Isabell, rainha de Portugal — i36.
Iffamte Dona Isabel, veja-se duquesa de
Bergonha.
— 28o
santo Isidoro — lo, i lo. Veja-se Isidori His-
pcilensis episccpi Etimologiorum sive
Origitwm libri xx.
Isrraell — 6, i6i.
mice Itam, (mice Ettore ?), irmão do almi-
rante miçe Lamçarote Façanha — 264.
Veja-?e Gomez Eannes de Zurara, Cróni-
ca do Conde Dom Pedro, parte i, cap. xxxi.
Jeremias — 160.
sam Jerónimo — 12.
Dom Joham 11, Rei de Castella — 16, 18, 229.
Dom Joham, filho de D. Pedro i — 56, i53.
Dom Joham, filho bastardo de Pedro i,
depois Mestre de Avis, e Rei de Portu-
gal—57.
Iffante D. Joham, filho de D. João i — i33,
2o3, 270.
priol de sam Joham — 97.
Joham Affomsso, ueedor da [fazenda dei
Rey — 26, 27, 28, 33, 61, 63, 66, 207, 23o.
Joham Affomso dAllamquer — i54, 267.
Joham Affomsso de Brito — i53.
Joham Affomsso de Samtarem — i53.
Joham dAtayde — i54, 257.
Joham Aluarez Pereira — 114, i53.
Joham Bocaçio — i5. João Bocacio, escri-
tor italiano, autor do livro De Casibus
princtpum.
Dom Joham de Castro — i53, 233, 269.
Joham Escudeiro — 242, 243.
Joham Ferreira — 264.
Joham Fogaça, ueedor do comde de Bar-
çellos — 154, 202, 2o3.
Joham Freire dAndrade — i53.
Joham Gomez Arnalho — 2b2.
Joham Gomez da Sillua, alferes moor del-
Rey — 17, 76, 82, 98, 114, iS3, 257.
Joham Gomçalluez Omem — 177.
Joham Jusarte — 262.
Dom Joham de Loronha — i53, 233, 257.
Dom Joham Manuel!, autor do livro O com-
de de Lucanor — q5.
Johane Meemdez de Vaascomçellos — 154.
Joham RoTz Comitre — 241.
Joham Rodriguez de Saa — 1 14, i53.
Joham Rodriguez Taborda — 154.
Joham Pereyra — 1 54, 263.
Joham Soares — 154.
Joham Vaasquez (ou Vaaz) dAlmadaã— 1 15,
121, 123, 126, 127, i54, i65, 23i, 232, 2G4.
frey Joham Xira, confessor delRey — 3i,
34, i56, 202, 25 1, 253.
sam Joham, evangelista — 4, 6, 75, 83, 162.
sam Jorge — 229.
comde Juliam — 10, i58.
Jullio César — 174, 273.
Júpiter, signo — 173.
Juda — 272.
Judeus — 120, 200.
Judie, Judith — 1 19, 200.
Justiniano, imperador de Roma — 37.
Leda — 234.
mice Lamçarote Paçanha, almiramte — 1 1 5,
i53.
sam Leam, Papa — 161.
Liom (signo) — 139.
D. Lionor, rainha de Portugal — i3o.
Libra, signo — 164.
Lopo Aluarez de Moura — i53.
Lopo Diaz d.Azevedo — 154.
Dom Lopo Diaz de Sousa, meestre da Or-
dem de Christo — 11 5, 1 53, 232, 252, 263.
Lopo Vaaz de Castell Bramco, alcayde de
Moura, monteiro moor delRey — 263.
Lopo Vaasquez — 154.
Loth— 6.
Lucano, poeta romano — 119, 273.
comde de Lucanor — gS.
sam Lucas, evangelista — 4,
Dom Lucas de Tuy — 10.
Lúcifer — 201.
Lúcios PauUo — 272.
Lúcios Pinarios — 272.
Lucrécia, matrona romana — 119. Veja-se
Tito Livio, I, I, 57.
Luis Aluarez Cabral, ueedor do Iffamte
Dom Hamrrique — 114, i53, 178.
Luis Aluarez da Cunha — 264.
Luis Gomçalluez — 154.
Luis de Sousa, claveiro da Ordem de Chris-
to — 127.
Luiz Vaaz da Cunha — 264.
Macabeu — 7; Macabeus — i58, i63.
— 28l —
Mafamede — 1 1, 65, 194, 199, 218, 248.
satnta Maria de Bellem — 11 5, 144.
samta Maria da Escada — 177.
Marco Furio Camillo — 272.
Marco Regullo — 272.
Marco Tullio Ciçerom — 35, 272.
Marcos Marçellos — 272.
Marijms — 197, 2o5.
Martes, signo — 164.
Martim Affomsso de Melloo, guarda moor
dei Rey — 68, 69, 76, i53, 2o3, 2o5, 208,
261, 262, 263.
Martim Affomso de Sousa — 114,
Martim Correia — 257.
doutor Martim Dossem, gouernador da casa
do IfFamte Duarte — 17, 98, 154. Veja-se
Fernam Lopes, Chronica de D. João /,
parte 2.', cap. ig3 e 198.
Martim Fernamdez Portocarreyro, alcaide
da Tarifa — 167, 168, 241, 242.
Martim Gill Pestana — 212.
Martim Lopes dAzeuedo — 114, 154, 257.
Martim Paaez, capellam do lífamte Dom
Hamrrique — 199, 202.
Martim Vaaz da Cunha — i53.
Dom Martinho, rei de Aragão — 17.
sam Mateus, evangelista — 4.
Matias — i58.
Mecia Vaasquez (ou Vaaz) — 119, 129, i3i.
Medos — 272.
Meem Rodriguez de Refoyos, alferes do
Iffamte Dom Hamrrique — 1 14, 154, 2o3.
Meem de Seabra — 264.
Meemdo Affomsso — i53, 233.
Mercúrio, signo — 173.
meestre de Christo, veja-se D. Lopo Diaz
de Sousa,
meestre dAuis, veja-se Auis.
sam Mvguell — 201.
Mirabolim ou Miramolim — 35, 173.
Momdo Arnaut, rico cidadão de Imgra-
terra — 154. Veja-se Chancelaria de D.
João I, liv. 5, foi. 24, V.
bispo de Mondanhedo — 97, 98.
Mouses — 6, i5, 37, 120, i58, 255.
Nabucadonosor, rei dos Calldeus — 233, 272,
275.
36
Nipoçiano — 12.
Nino, rei dos Assírios — 272.
Noa — 10.
Numa Pompillio, rei de Roma — 271.
Nuno Antunez — 224.
Nuno da Cunha — 269.
Nuno MartimzdaSillueyra— i53, 212, 233,
257.
Nuno Vaaz de Castell Bramco-i 54, 233, 257.
Nuno Vaasquez — 154.
comde dOrgel, veja-se comde dUrgel.
duque dOlamda — 83, 87, 92, 94, 164. O
duque dOlamda, ou antes conde de Hol-
landa, é conhecido pelo nome de Guilher-
me da Baviera, cunhado de Jean-sans-
peur, duque de Borgonha.
Omero, poeta grego — 119.
Oraçio Cocrez — 219. Veja-se Tito Livio,
I, 2, 10.
Oriam (constellação Orion) — 173.
Outauiano (Octaviano) — 2-3.
Ouuydio, poeta romano — 140.
Ozias, rei de Juda — 272.
sam Paulo — 3, 36.
Paulo Virgereo — 67. Pietro Paulo Verge-
rio, nascido em Capo d'Istria em 1370,
professou em Pádua, donde fugiu para
Hungria, e foi morto em Buda em 1444.
Paay Rodriguez dAraujo — 114, 154.
Payo Rodriguez — 154.
sam Pedro — 37, 92, 162.
Dom Pedro 1, Rei de Portugal — 56, 57, i36.
mestre Pedro — 10. Mestre Pedro é o fa-
moso Pierre d'Ailly, ou Pierre Lombard,
denominado mestre djs senteriçjis, fale-
cido em Paris em 11G4; escreveu entre
outras obras: Libri qtiatuor senlentiarum.
Dom Pedro de Castro — 1 14, i53.
Dom Pedro de Meneses, conde de Viana,
alferez do Iffamte Duarte, e primeiro
capitão de Ceuta — i53, 166, 232, 257,
262, 263, 264, 265.
Dom Pedro de Meneses — 269.
Pedro Eannes de Lobato — 154.
Pêro Fernamdez Portocarreiro — i65, 167,
168, 169, i8>, 241.
282
Pêro Gomçalluez de Curutello — 154.
Pêro Gomçalluez Mallafaya — i54, 264.
Pêro Lopez dAzeuedo — 264.
Paro Louremço de Tauora — 114, i53.
Pêro Peixoto — 154.
Pêro Vaasquez — 154.
Pêro Vaaz dAlmadaã — 233, 257.
Pêro Vaaz Pimto — 264.
Pêro Tauares — 269.
Perribatalha, Pierre Bataiile de Boullenoiz
— 104.
Persianos — 234, 275.
Phillipe, rei de Grécia — 233, 275.
philosopho, veja-se Aristóteles.
Platam, philosopho grego — 200.
PoUicrato — 201.
Pollos, PoUux — 234.
Pompeo — 174, 272, 273.
Quindos Fabios — 272.
Reinei, rei de Nápoles — 17.
Remigio (Ramiro), rei de Castella que ven-
ceu a batalha de Clavijo — 35. Veja-se
Gomes Eannes de Zurara, Chronica da
conquista de Guiné, cap. xi.
Dom Rodrigo, ultimo rei godo de Hespa-
nha — 10, i5.
Romaãos — 9, 38, 47, 104, i5o, 157, tSg,
i63, 272.
RomuUo, primeiro rei de Roma — 219.
Ruy Gomçalluez, comendador de Canha —
203.
Ruy Gomez dAlua — 154.
Ruy Gomez da Sillua — 264.
Ruy de Sousa, alcayde do castello de Mar-
uam — i54, 212, 263.
Ruy Pires do Alandroal, thesoureiro da
moeda — 66.
çide Ruy Diaz — 35, 24.3.
Ruy Vaasques Ribeiro — 154.
Ruy Vaaz — 154.
Sallamam — 6, 3i, 66, i36.
Samtiago, apostolo — 4, 35, i52, 25o.
adayam de Samtiago — 97.
mestre de Samtiago — 244.
Sardanapallo — 272
Saturno, planeta — 164, 173, 271.
Séneca, escritor romano — 141.
Sócrates, filosofo grego — 117.
SoU, planeta — 164.
Tarquino, rei de Roma — 272.
sam Thomas — i25, 161.
Timoteu — 6.
Tito Livio, historiador romano — i5, 110,
1 19, t59, 219.
Tobias — 5.
arcebispo de ToUedo — 97.
ToUomeu, geógrafo grego — 173, 271.
TuUio, veja-se Marco Tullio Cicerom.
Turcos — 248.
comde dUrgel — 17, loi.
Vaasco Eannes Corte Reall — 2o3.
Vaasco Esteuez Godinho — 217.
Vaasco Fernandez dAtayde, governador da
casa do Iftamte Dom Hamrrique — 1 14,
i54, 206, 207, 227, 228, 229, 247.
Vaasco Fernandez Coutinho — i53.
Vaasco Martimz da Albergaria — 114, 154,
204, 2o5, 257.
Vaasco Martimz de Carualhal — 154, 233,
269.
Vaasco Martinz da Cunha — i53.
frey Vaasco Pereira, comfessor dei Rey — 3 1 .
Valério Máximo, historiador romano — 9,
34, 119, 124, 159, 219.
Vemturiu Coriolla, matrona romana —
124. Veja-se Tito Livio, 11, 40, i.
sam Vicemte — i56, 23 1.
Virgo, signo — ig3, 234.
Virgínea, matrona romana — 119. Veja-se
Tito Livio, III, 44.
Vulteo — 273.
Xenofonte, escritor grego — 140.
Xerxes, rei da Pérsia — 272.
Yuda Negro, judeu (Dom Juda ibn-Jahia)
criado da Rainha Dona Fclipa — 93. Ve-
ja-se Historia da litteratura portuguesa,
no Grundriss der Romanischen Philolo-
gie, pag. 234 e 38o.
índice dos nomes próprios geográficos
(£xceptuam-se Portugal, Cepta, Castella, Espanha). — Os números indicam as páginas.
mar Adriático — 273. Canha — 2o3.
AfFrica — 9, 10, 27, 56, 5y, 61, 110, 192,239, ponta do Carneiro — i83, 184, 188, 208.
243, 248, 249. Carnide — 76.
Allamdroall — 66. santa Caterina (de riba mar) — i52, i53.
Alamquer — 217. Cesto — 209.
Albergaria — 245. Cezilia — 5o, 5i, 52,91, io3, iio, 164.
Algarue — 42, 54, 88, 182, 239, 205, 266, Cezimbra — i56.
267, 269, 275. Coymbra — 17, 35,72, i36, 154, 181, 183,267.
Alhos Vedros — i38, 145, i52. Cordoua — 174.
Allemanha — 44,87, 104. Couna — 177.
Aljazira — 59, i83, 188. Couilhaã — 45, 267.
Aljaziras — i65, 167, 174, 176, 239. Crasto Marim — 266.
Aljubarrota — 229. Curuche — 69.
Almadaã — 46.
Almina — 59, 174, 175, 186, 187, 2o3, 2o5, Dalmácia — 273.
210,215,237,242. Damasco — 248.
Antiqueyra — 244. Doyro — 88.
Aragam — 13, 17,23,45, 95, loi, 106,242,244.
Arrayolos — 69,71. Emaçea — 174.
Assiria — 248. Estremadura — 69, 74, 88.
Aauiia — 95. Ethiopia — [248.
Auinham — 92. Euora — 71, 72, 75, 127, 212, 262, 269.
Barbaria — 248. Faaram — 164, 266.
Barbaçote — 170, 171, igS, 216, 237. Feez— 197, 232, 233, 234.
Beyra — 72, 74, 88, i52. Floremça — i5, 258.
Beja — 76. Framça — 91,258,264.
Betulia — 200.
Bizcaya — 44, 87. Galliza — 44, 87.
Bruges — 86, 92. Gamdia — 17, 244.
Giballtar— i65, 166, 178, i8i, 182, i83, i85.
Canas — 159. 213,248.
284 —
Goniorra — 6.
Graada — 23, 25, 40, 79, io5, 243, 244, 248,
259.
Greçia — 233, 272, 275.
Himgraterra, veja-se Imgraterra.
Imgraterra — 44, 87, 91, 107, 154, 258.
Itallia — i5, 256.
Jafa — 92.
Jerusalém — 91, i58, 160, 201, 255.
Juda — 272.
Laguos — i56, 164, 202.
Lauer — 69.
Leom — 98.
Libia — 248.
Lixboa — 19, 24, 5i, 54, 56, 72, 88, 89, 90,
96, 110, ii3, ii5, i55, iSg, 186, 25i, 266,
267.
Lombardia — 256.
Macedónia — 1 19, 233, 275.
Malega — 169, 170, 176, 187.
Maruam — 263.
Marrocos — 35, 173.
Minho — 88.
Monte Moor — 69, 70, 71, 75, 76.
Moura — 263.
ribeira de Muja — 69.
Napole — 17, 91.
Naues — 35.
Normamdia — 92.
Óbidos — 46.
Odiana — 68, 72, 76, 88.
Odiuellas — 117, 121, 122, i23.
Olamda — 96.
Oreb— i5.
Orgel, veja-se Urgel.
Ouriqne — 36.
Pallemça — 95.
monte Pirado — 240.
Portell — 75.
Porto — 72,90, 109, 110, 112, ii3, ii5, 178,
186, 211, 228, 243.
Restello — 116, 144, i52, i53.
Ribatejo — 90.
Roma — 67, 233, 273.
Sacauem — 1 10, 121.
Samtarem — 46, 68, 69, 70, 71, 72, 73, 74.
Seuilha — 94, gS, 96.
Sillues — 275.
Simtra — 46, 54, 76, 119, 207.
Siria — 248.
Sodoma — 6.
ribeira de Soor — 69.
Tabor — 79.
Tangere — 180.
Taramto — 196.
Tarifa — 166, 167, 179, 241, 242.
Tauilla — 265, 266, 268.
Tejo — 68, 88, i38.
Temtugall — 75, 76.
Tolledo — 35.
Torres Vedras — 46, 75, 76, 77, 78, io5.
Tróia — 9, 273.
Tunez — 172, 238.
Urgel — 17, loi.
Vallemça do çide — 243.
Veneza — 248.
cabo de S. Viçemte — i56.
Vizeu — 45, 72, 73, 267.
Xemeyra — 5g.
DOCUMENTOS
I
22 DE DEZEMBRO DE 1449
Nos elRey fazemos saber a uos Gonçalo Esteuez nosso contador que
tendes encarego das nossas escripturas que estam em o castello da cidade
de Lixboa que nos acordamos por nosso seruiço e por melhorar guarda
dessas escripturas que os trellados que se ata aqui derom per estormentos
pubricos per os aluaraees nossos que uos sobre ello mandamos das ditas
escripturas que se dem daqui em deante per cartas feitas em nosso nome
per os escripuãees que ora escrepuem ou escrepuerem aas ditas escriptu-
ras e que as ditas cartas sejam asynaadas per nos e asellaadas do noso
seello dos contos dessa çydade. E porem nos mandamos que esta regra
tenha Deus daqui em deante e o façades per gisa que dito he rrepartindo
as ditas cartas perante os ditos escripuãees per destrybuiçom ou como
uos uirdes que he melhor por nosso seruyço. E per este aluara manda-
mos a Gonçalo Rodriguez nosso contador moor ou outro qualquer que
teuer o nosso sello dos ditos contos que selle as ditas cartas sendo por
nos asynadas como dito he. Unde ai nom façades. feito em Lixboa xxij
dias de Dezembro. El Rey ho mandou. Rodrigo Anes a fez. era de
mil iiij'= R IX anos. Gonçalo Esteuez. Lourenço Vicente.
Chancelaria de D. João I, liv. v, foi. 82.
II
29 DE MARÇO DE 1451
Dom Afomso etc. A quantos esta carta virem fazemos saber que nos
querendo fazer graça e mercee a Gomez Eanes caualleiro de nossa cassa
e nosso canonista. Teemos por bem e lhe outorgamos que tenha e aja
de nos des primeiro dia de Janeiro que ora foy desta era pressente de
iiij^ Ij de teença em cada huú ano em quanto nossa mercee tor seis mill
— 288 —
reaaes brancos os quaaes auera per costa que lhe delles em cada ano
seera dada em a nossa fazenda, e em testemunho dello lhe mandamos dar
esta nossa carta sijnada per nos e sseellada do nosso seelo pendente pêra
teer ssua guarda. Dante em a nossa villa de Santarém xxix dias de março.
Ruy Dias a fez. ano de nosso Senhor Jhesu Christo de Mil iiij'= Ij.
Chancellaria de D. Afonso V, liv. xi, foi. 26, v.
III
14 DE JULHO DE 1452
Carta de quitaçam a Joham Rol:{ Carualho
de todollos dinheiros que rreçebeo em Framdes hotnde foy emuyado.
Dom Aíibnso etc. A quantos esta nossa carta de quitaçom virem
fazemos saber que nos mandamos tomar conta e recado a Joham Roíz
Carualho nosso escudeiro da guarda e rreçebedor da nossa chançelarya
da corte per Esteuam Vaasquez contador da nossa casa de todolos dinhei-
ros que por nos rreçebeo em a villa de Bruges condado de Framdes,
homde ho enuyamos por alguúas cousas que eram comprydoyras a nosso
seruiço no ano da era de nosso Senhor Jhesu Christo de mill e iiij^^ Ij.
E vijnte e húa libras cynquo soldos por cem duzyas de purgamynhos
rrespançados que emtregou a Gomez Eanes da Zurala nosso criado comen-
dador dAlcãjz autor dos feytos notauees de nossos rregnos pêra os teer
em guarda na nossa lyuraria que esta em a cydade de Lixboa de que ele
tem cargo per aluara de mandado
Dante em a nossa cidade dEuora xiiij do mes de Julho. Pêro Aluarez
a fez. ano do naçimento de nosso Senhor Jhesu Christo de mill iiij'= lij.
Chancelaria de D. Affonso V, liv. xii, foi. 62, r.
— 289 —
IV
23 DE FEVEREIRO DE 1453
Caj~ta que Gomes Eannes da Zurara
comendador da Jiordem de Christo screueo ao Senhor Rey
quando lhe enuyou este liuro.
Muyto alto e muyto excellente príncipe e muyto poderoso Senhor.
Como milhor sabe a uossa alteza que húa das propriedades do magnâ-
nimo he querer ante dar que receber. E porque aos homeés nom pode
seer dada mayor cousa em este mundo que honra, a qual diz o philoso-
pho que de todos naturalmente he deseiada assy como alguú grande bem,
porque de todallas cousas corporaaes ella he mayor nem milhor. E por
tanto diz elle que o recompensamento da honra deue seer dado ao que
he muyto nobre e excellente. e o recompensamento do guaanho ao que
he mesteiroso. O que certamente mostra seer assy pois que a Deos nom
podemos dar mayor cousa que honra, nem aos muy boõs e virtuosos por
testemunho e gallardom de sua virtude.
E como quer que em vossos feitos se podessem achar cousas assaz
dignas de grande honra de que bem poderees mandar fazer vellume,
Vossa Senhorya husando como verdadeiro magnânimo, a quis ante dar
que receber. E tanto he vossa magnanimidade mais grande quanto a
cousa dada he mais nobre e mais excellente. Pollo qual stando vossa
mercee o ano passado em esta cidade me dissestes, quanto deseiauees
veer postos em scripto os feitos do Senhor Iffante dom Henrique vosso
tyo. ca conheciees que se alguús principes cathollicos em este mundo
cobrarem perfeiçom das virtudes eroicas, elle deuya seer contado por
huú dos principaaes. Porem que me mandauees que me trabalhasse muy
verdadeiramente saber a maneira que sempre teuera em sua vida com
todo o outro processo de seus feitos. E que auendo de todo comprida
enformaçom me ocupasse de o screuer na milhor maneira que podesse,
allegandome huú dito de Tullyo que diz que nom abasta ao homem fazer
bõa cousa, mas fazella bem. Ca vos parecia que serya erro se de tam
sancta e tam virtuosa vida nom ficasse exemplo, nom soomente pêra os
principes que depois de vossa jdade possoissem estes rregnos, mas ajnda
pêra todollos outros do mundo, que de sua scriptura cobrassem conheci-
mento, por cuja rezom os naturaaes aueriam causa de conhecer sua
37
— 290 —
sepultura perpetuando sacrifficios deuinos pêra acrecentamento de sua
glorya. e os estrangeiros trazeriam seu nome ante os olhos com grande
louuor de sua memoria. E por que em comprindo eu vosso mandado,
conheço que vos nom faço tanto seruiço, como bem a mym meesmo. sem
outra reposta me despus ao trabalho. Mas Senhor depois que o tiue
começado, conheci que errara em me tremeter do que bem nom sabya,
porque a fracos nembros ligeira carrega parece grande. Empero Senhor
esforçandome com aquella voontade que aos boõs seruidores as cousas
graues faz parecer ligeiras e boas dacabar. trabalheime de lhe dar fim
o milhor que pude, ajnda que eu vos confesso que em o fazer nom pus
tamanha deligencia como deuera por outras ocupaçoões que no prosse-
guimento da obra se me recrecerom. Porem tal queiando he o enuyo aa
vossa mercee, do qual sabendo que vos praz auelloey por grande soldada
daqueste trabalho. E porque Senhor assy como sam Jerónimo screpuya
em huúa epistolla, que aquelie que screpue, muytos toma por juizes, ca
antre muytos ha desuairamento assy dentender como de voontades, e som
alguijs que cuidam que os maaos feitos se screpuem por enueia ou mal-
querença, e o que se diz da virtude e glorya dos boõs quando passa
alguúa cousa aallem do que a elles parece, ligeiramente o julgam por
mentira, como excrama Sallustryo em começo de seu Catallynaro. Se
aquelles que meu trabalho plasmarem nom forem em sabedorya ou auto-
ridade sofecientes, por merccee nom consentaaes que seia a obra porem
condampnada. Ca pêro veiam em ella tam altas vertudes douidosas per
alguú corpo mortal, conheçam que aas vezes a mingua do huso faz pare-
cer forte, o que os husados ham por ligeiro e boõ dacabar. Empero
muyto alto e muyto excellente príncipe estas cousas a vos nom perteecem
porque o sabedor dos feitos alheos nom tem em costume julgar de
ligeiro. E do que dito he com boa entençom, a ssentença tira sempre aa
milhor parte. E Deos que o mundo gouerna e rege vos guarde de peri-
goo também de desonra, e compra vossa vida e grande stado de honra
saúde riqueza e prazer. Amen. Scripta em Lixboa xxiij de feuereiro
1453.
Crónica da conquista de Guiné, manuscrito da Biblio-
teca nacional de Paris, facsimile na impressão da
mesma chronica, feita em Paris em 1841.
— 291 —
V
6 DE JUNHO DE 1454
Dom Afíomso etc. A quantos esta carta virem ffazemos ssaber que
esguardando nos como Fernam Lopez scpriuam que foy da puridade do
Ifante Dom Fernando meu tyo cuja alma Deos aja, guardador das nossas
scprituras do tonbo que estam no castello desta cidade, he ja tam velho
e flaco, que per ssy nom pode bem seruir o dito offiçio, hordenaraos per
sseu prazimento de o dar a outra pessoa, que o bem possa seruir, e ííazer
a elle merçee como he rrezom de sse dar aos boõs seruidores. E con-
fiando de Gomez Eanes de Zurara caualleiro comendador da hordem de
Christo polia muyta criaçom que em elle teemos ffecta e seruiço que delle
rreçebemos e speramos rreçeber, querendolhe fazer graça e merçee lhe
damos o dito carrego assy e pella guysa que o dito Fernam Lopez atee
qui teue, e mjlhor sse o elle dereitamente poder auer. E porem manda-
mos aos veedores da nossa ftazenda, e contadores, e almoxarifes, e a
outros quaaesquer a que esto pertencer per quallquer guisa que seja, a
que esta nossa carta ííor mostrada, que lho leixem teer e auer o dito
encarrego com todollos prooes e dereitos que a elle perteencem assy e
pella gujsa que os auia o dito Fernam Lopez e os outros que ante elle
forom que o dito encarrego teuerom, ssem lhe poendo ssobre ello outro
nehuú embargo, o quall Gomez Eannes jurou em a nossa chancellaria
aos ssantos euangelhos que bem e dereitamente e como deue, obre e huse
do dito oficio, e guardar a nos nosso seruiço e ao pouoo sseu dereito.
Dada em Lisboa bj de Junho. Joham Gonçaluez a fez. ano do naçi-
mento de nosso Senhor Jhesu Christo de mil iiij"^ liiij anos.
Chancelaria de Dom Affonso V, liv. x, foi. 3o, r.
VI
23 DE AGOSTO DE 1454
Dom Affomso etc. A quantos esta carta virem fazemos saber que
Gomez Eanes de Zurara comendador dAlcãjz e da Granja dHulmeiro
nosso criado que teem carreguo da nossa liuraria e cartório que teemos
na torre do tombo que esta em esta nossa cidade de Lixboa nos disse
— 292 —
que elle rreçebia e speraua rreçeber seruiço de Guarda Anes e Afomso
Guarçia seu filho almocreues moradores em a villa de Gastei Bramco e
esto em lhe arrecadarem sua rrenda e procurarem suas coussas e lhas tra-
zerem a esta cidade o que elle per ssy persoalmente nom podia fazer e
que pollos assy achar deligentes a sseu mamdado nos pedia que lhos priui-
ligiassemos dalguúas liberdades. E nos veendo sseu dizer e pedir, querem-
dolhe fazer graça e mercee teemos por bem e priuiligiamos o dito Guarçia
Anes e Afomsso Guarçia que daqui em diamte nom ssejam costramgidos
per nehuíías carreguas e seruidoõs nossas nem dos Ifamtes meu yrmão e
tio nem doutras alguúas perssoas pêra que com rrazom deuam ou possam
seer costramgidos nem ysso meesmo ssejam costramgidos pêra nehuíjs
encarregues e seruidoõs do concelho, nem lhe tomem suas cassas de
morada adeguas nem caualariças pêra seerem dadas a nehuúas persoas
de poussentadoria contra sua vomtade. E porem mamdamos aos juizes e
oíiçiaaes dessa villa de Gastei Bramco e a quaaesquer outros juizes e jus-
tiças de nossos rregnos a que esto pertencer e esta carta for mostrada
que os nom costramgam nem mandem costramger pêra nehuúas das
sobre ditas coussas. por quanto nossa mercee he sseerem dello escussados
pello do dito Gomez Eanes que noilo por elles pedio. en quanto sse assy
delles ouuer por seruido ssem lhe sobrello sseer posta outra alguúa duuida
nem embargo. Dada em Lixboa xxiij dias dagosto. Gonçallo de Moura
a fez. anno de nosso senhor Jhesu Christo de mil iiij<= cimquoemta e qua-
tro annos.
Chancelaria de D. Affonso V, liv. x, foi. ii3, r.
VII
7 DE AGOSTO DE 1459
Dom Afomso etc. A quantos esta nossa carta virem fazemos saber
que consijrando em os muytos seruiços que teemos recebidos e espera-
mos ao diante receber de Gomez Eanes de Zurara comendador da Hordem
de Christo nosso canonista e goarda moor do nosso tombo e querendo-
Ihe fazer graça e mercee teemos por bem e nos praz que elle tenha e
aja de nos de receita em quanto elle viuer doze mil reaes brancos do
primeiro dia de janeiro que vem em diante os quaaes dinheiros elle de
nos ataa ora ouue porem mandamos aos veedores escriuaães etc. Dada
em a nossa villa de Sintra bij dagosto. Rosendo a fez. ano de mil
iiij'= lix.
Chancelaria de D. Afonso V, liv. xxxi, foi. 76, v.
— 293 —
VIII
9 DE AGOSTO DE 1459
A Gomes Eanes de Zurara licença pêra fa:{er qiiaaes quer obras
e corregimentos que elle qui:{er em huíias casas dclRey
que som nesta cidade de Lixboa a porta dos paços as quaaes elle e seus
herdeiros teram e lhe nam seiam tiradas
atee lhe nam seer paguo o que nellas despemder.
Dom Afomsso etc. A quantos esta nossa carta virem fazemos saber
que a nos praz e damos liçemça e lugar a Gomez Eanes de Zurara
comendador do Pinheiro Gramde e da Gramja dUImeiro nosso coronista
e guarda do tombo dos nossos rregnos que elle possa despemder em
quaaes quer obras e corregimentos que elle quyser nas nossas casas que
sam a porta dos nossos paços da cidade de Lixboa em que ora elle
pousa ataa dez mjl reaes e mais posa mandar fazer huúa cisterna ém as
ditas casas as quaaes despesas todas da dita cisterna e corregimentos
seram vistas e feitas presente o nosso scripuam das nossas obras em a
dita cidade e elle as poera em scprito e asinara per sua maao e quere-
mos que se logo lhe nom podermos mandar pagar todo esto que assy
despemder que elle e seus herdeiros possam teer todallas ditas casas e
em ellas morar ou fazer em ellas o que lhe prouuer nam as dinificamdo
partindo ou emalheamdo mas amtes aproueitandose delias como de cousa
sua e posam morar em ellas as pesoas que lhe a elles aprouuer posto
que nam viuam comnosquo ou nossos offiçiaaes nom seiam auemdo a
seruemtia delias como ora ha o dito Gomez Eanes. E esto ataa lhes
mandarmos pagar todollos dinheiros que assy elle despemder em corre-
gimento e obras das ditas casas ata a dita contia de dez mjll reaes. E
assy o que jsso mesmo despemder no fazimento da dita cisterna segumdo
o mostrara escprito e assynado per o dito escpriuam e tamto que lhe
esto pagarm.os as ditas casas ficaram liures a nos como ora som e em
testemunho desto lhe mandamos dar esta nossa carta sinada per nos e
assellada do nosso sello pendemte. Dada em Simtra a ix dias do mez
dagosto. Joham Vogado a ífez. anno de nosso Senhor Jhesu Christo
de mil iiij'= lix.
D. Affonso V, liv. VII da ExtremaJura, foi. 255, v.
— 294 —
IX
1459
Depois que o muy serenjsimo príncipe e senhor e rrey Dom Affonso
o quinto dos Reys de Portugal a primeira uez pasou em Africa e tomou
a uilla dAlcaçer aos Mouros que foy no anno do naçimento de nosso
senhor Jhesu Christo de mil iiij'= e cinquoenta e oyto annos. no anno
seguinte fez cortes em Lixboa e antre as muytas cousas que fez por cor-
regimento e prol de seu povoo foy. que por quanto soube que na sua torre
do tombo jaziam mujtos liuros de rregisto dos rreis pasados onde seus
naturaaes faziam grandes despesas buscando algijas cousas que lhes com-
priam por razam da grande prolexidade descprituras que se nos ditos
registos contijnham sem proueito. e ajnda porque pereciam por ueihos(i).
Mandou que se tirasem em este liuro aquellas que sustançiaaes fosem
pêra perpetua memoria, e que as outras ficasem. que a nehuú auiam
razam daproueytar. E som em este liuro doaçoões, priuilegios, demar-
caçoões de termos confirmações e assy outras semelhantes (2). E eu
Gomez Eannes de Zurara comendador da hordem de Christo cronista
do dito senhor guarda da dita torre a que o dito senhor deu carrego
desto mandar fazer.
Chancelaria de Dom Pedro I, foi. i, r, a, e foi. 81, r, a.
João Pedro Ribeiro, Dissertações chronologicas e criticas,
tomo I, Lisboa, 1860, p. 336.
X
II DE JUNHO DE 1460
Carta do senhor Dom Pedro Mestre de Anis,
e que depois foi Rey de Aragão filho do Infante Dom Pedro
a Guome^ Eanes de Zurara caronista
e guarda mor da Torre do Tombo escrita per sua mão.
Guomez Eannes Amigo uos enuio muito saudar como aaquelle cuio
bem deseio. em grande obrigação me meteo a uossa carta por duas rezoins.
(i) E ajnda porque pereciam por uelhos, om foi. 81, r, a.
(2) E som em este liuro doaçoões priujlegios apresentaçoões legitimaçoões afora-
mentos coutamentos moorgados confirmaçoões e assy outras semelhantes. Foi. 81 , r, a.
— 295 —
a húa por me escreuerdes e emuiareis nouas sem uos eu escreuer sobre
ello, e a outra porque estando nessa nobre cidade acompanhado de estu-
dos e de occupaçoens reais e ainda de desemfadamentos curiais, e tam
allongado, uos uir em lembrança, conheço porem, que a uossa antiga bon-
dade e doce natureza com os uossos amigos não uos deixa ser esquecido.
Eu aceito uossa offerta que he de me escreuerdes as cousas que se laa
seguem dignas de escreuer, porque estou qua nesta terra seca de tudo,
e o pior he que mal sentido em tal maneira que não posso desemfadarme
nos aldeãos desemfadamentos senão uzar dos que os prezos e os enfer-
mos acostumão, pello qual uos confesso que deseio algíias cousas como
mulher prenhe, que se fora são eu me dera ao cuidado da caça e do
monte, deixando a Lionel de Lima e a Pêro Vaz de MelK> o pezo e cui-
dado da corte. Ao Príncipe meu senhor beijai a mão por mim e a elRey
meu senhor se o laa colherdes nessa liuraria. A .ii. de iunho de 1406 (i).
de Auis.
Biblioteca Nacional de Lisboa, manuscrito n." 3776
(N-i-26), foi. 42, V.-43, r.
O Panorama, vol. v, Lisboa, 1841, p. 336.
XI
6 DE FEVEREIRO DE 1461
Gomes Eanes de Zurara confirmaçam de perjilhaçam
e doaçam que lhe fe\ Maria Annes pillileira de huú lugar que ella tijnha
em Ribatejo homde chamam Vali bom.
Dom ACFomsso etc. A quamtos esta nossa carta de confirmaçam
virem fazemos saber que peramte nos foy apresemtado huú pruuico estor-
mento de comfirmamento que parecia seer feito e assynado per Pêro Vaaz
tabaliam por nos em a nossa cidade de Lixboa. per o quall se comtijnha
amtre as outras coussas que per Maria Annes piiiteira morador em a dita
cidade fora dito que era verdade que comssijramdo ella o gramde amor e
amizade que Johane Annes da Zurara coniguo que foy desta cidade
dEuora e de Coymbra teuera sempre com Maria Viçemte sua madre, e
ysso mesmo a ella e a Lopo Martijs seu marido com que esteuera casada
e as muytas boõas obras que elle rreçebera seemdo seu compadre e ami-
guo. E comssijramdo ella como a Deos prouuera de lhe nom dar filho
(i) A data deve ler-se : A 1 1 de junho de 14G0.
— 296 —
nem filha nem outro nehuú herdeiro lidimo que seus beês a ora de sua
morte ouuessem dherdar. e por seer em tall hidade ella os nam podia
aver. sseemdo sempre seu preposito dos os teer e aveer. E pois que a
Deus nam aprouuera que porem comssiramdo ella o gramde amor e
amizade que ella tijnha ora e sempre teuera com Gomez Eannes da
Zurara comendador do Pinheiro gramde e nosso canonista. depois da
morte do dito seu padre atee ora e as muj^tas boÕas obras e emcamjnha-
mento de seus feytos, que do dito Gomez Eannes tinha rreçebidas. que
ella de sua boõa liure vomtade e de seu propio moto ssem prema nem
costramgimento de pessoa allguíia rreçebia como de feito rreçebera e
tomara per modo de adopçam com desejo de teer filho o dito Gomez
Eannes em seu filho lidimo e herdeiro a todas suas possissoÕes e coussas
e direitos seus e em sua famillia e filiaçom e poderio paterno, afeituossa-
mente o rreçebeo e tomou em seu huniuersal herdeiro que per sua morte
herdasse e ouuesse todos seus beês moues e de rraiz avijdos e por aveer
assy como sse fosse seu filho legitimo e delia naçesse naturallmente e lidi-
mamente per legitimo matrimonio. E outrossy disse que ella fazia liure
e pura doaçam amtre viuos pêra sempre valledoíra ao dito Gomez Ean-
nes seu filho adouptiuo de huú seu lugar que ella dita Maria Annes avia
e tijnha em Ribatejo em logo que chamam Vali boõ com todas ssuas
vynhas, e cassas, e lagar e horta e com todas suas pertenças per a guissa
que o ella ha. E mais de huíãas cassas em que ora ella mora que ssam
em a dita cidade de Lixboa na freguesia de ssam Giaão como as ella ha
e possue rresalluamdo ella pêra ssy todo huso e fruito do dito lugar e
quimtaã e cassas em sua vida delia e mais nam. E que aa sua morte
delia o dito Gomez Eannes seu filho aja todo jmteiramente como dito he
como seu filho adoutiuo e herdeiro segumdo que todo esto e outras
coussas melhor e mais compridamente em o dito estormento de perfi-
Ihamento e doaçam eram comtheudas. Pidimdonos por merçe a dita
Maria Annes que lhe confirmássemos o dito perfilhamento e o ouuesse-
mos por boõ e firme e valliosso. E nos vemdo o que nos ella assi dizia
e pedia ssem embarguo de sobre ello primeiro nom mandarmos tirar
}mquiriçam segumdo nossa hordenamça, e queremdolhe fazer graça e
merçee aa dita Maria Annes visto per nos o dito estormento de doaçam
e perfilhamento. Temos por bem e comfirmamoslhe e rretificamos e
outorgamos e aprouamos a dita doaçam e perfilhamento em todo e per a
guissa que feito he e no estormento do dito perfilhamento he comtheudo.
E porem mamdamos a todollos juizes e justiças dos nossos rregunos e a
outros quaees quer ofiçiaaes e pessoas a que desto o conhecimento per-
temçer per quall quer guissa que seja, e esta nossa carta lhe for mostrada.
— 297 —
que a cumpram e guardem e façam cumprir e goardar por que nossa
merçe e vomtade he de lhe o dito perfilliamento seer comfirmado e
outorgando per a guissa que em elie he comtheudo. Com emtemdimento
que esto nom faça perjuizo allguús herdeiros lidimos se os hij ha, e a
outras quaees quer pessoas que allguú direito ajam em os ditos beés.
E em testemunho desto lhe mamdamos dar esta nossa carta. Dada em
a nossa cidade dEuora seis dias do mes de Feuereiro. ElRey o mamdou
per o doutor Lopo Gomçalluez caualeiro de sua cassa e do seu desem-
bargo e pitiçoões a que esto ssoomente mandou liurar. Joham Jorge a
fez. anno de nosso Senhor Jhesu Christo de miil iiii'^ Ixj annos.
Dí AfFonso V, liv. iii da comarca de Odiana, foi. 5j r ev.
XII
22 DE OUTUBRO DE 14Ó0
Dom Affomso pella graça de Deos Rey de Portugal e do Alguarue
senhor de Çepta e dAIcaçer em Aífrica. A quamtos esta carta virem
fazemos saber que os homeés boõs de terra de Moreira nos enuiarom
dizer, como huú foral que teem he asy scripto e de taaes latíjs que ho
rom podem entender, pedindonos que lhe mandássemos dar outro do
nosso tombo. E nos visto seu dizer e pedir, querendolhe fazer graça e
merçee. mandamos a Guomez Eannes da Zurara comendador do Pinheiro
Grande e da Granja dUImeiro nosso cronista e guarda moor do dito
tombo que lhe desse o dito foral, per aluara que foy feito em esta cidade
a xxb dias doctubro desta era. O qual Gomez Eannes em con:primento
de nosso mandado fez buscar as scripturas da dita torre, honde loy
achado huú foral que diz asy. Em nome da sancta e jndiuidua Trijn-
dade Padre e Filho e Spiritu Sancto que he huú muy alto Deos em cujo
nome firmamos esta carta. Eu elRey Affomso com meu filho elRey San-
cho e com os outros meus filhos, a vos homeés de Moreira que hy de
presente sooes pouoadores per meu mandado e de meus filhos, e também
aos que hy vierem pouoar. fazemos a vos carta assy como fezemos per
scriptura e per meu mandado que firmemente tenhaaes que ajaaes boõ
foro e custume asy como ham os homeés de Sallamanca. e nom dees a
mym nem aos que despois de mym vierem, nem a nehuú homem por
omeçidio senom a setena ao paaço de trezentos soldos apreçados per
concelho e per maão de juiz. Nom entre hy nehuú meirinho se nom o
juiz do concelho. E façam fossado a terça parte dos cauallciros. e as
— 298 —
duas partes estem em Moreira, e daquella huúa parte que ouuer dhir ao
fossado e nom for pague çinquo soldos em preço. E nom façades ende
fossado senom com vosso senhor, huúa vez no anno e nom mais. se nom
for vossa vontade, e os pioÕes nem os clérigos nom façam fossado. E
nom entre hy mandadeiro nem carta de mandamento poUo foro de
Moreira. E quem em termo de Moreira filha alhea rroussar contra sua
voontade per qualquer maneira peyte trezentos soldos ao paaço e saya
do omyzieiro a seus parentes. E se alguú antre vos em mercado ou
jgreja ou no concelho apreguoado per pregom ferir a seu vezinho peite
seseenta soldos ao concelho e bij"'' ao paaço per maão do juiz. E de
qualquer furto tornado o cabedal a seu dono polia callumpnia par-
talhe o juiz quanto teuer per meo. E qualquer que hedificar vinhas
ou casas ou que honrrar sua herdade e huú anno em ella seuer, e
despois se quiser hir a outra terra, per esta maneira aja sua noui-
dade e ha leue pêra honde lhe prouuer. e se lhe prouuer de ha vender
que o possa fazer a quem lhe prouuer (i) pello foro de Moreira. E
os homeés de Moreira que ouuercm juizo ou ajuntamento com homeés
doutras terras, possamno auer com elles em cabo de seus termos. E dou
a uos foro que este o caualleiro de Moreira per jnfançom de todallas outras
terras, assy em juramento como em juizo. e passem sobre elles com dous
juradores. E aquelles pioões de Moreira que passem caualleiros e
villaãos de todallas outras terras em juizo e em juramento com dous
juradores. E os homeés que de suas terras sairem com omeçidio ou
com molher rroussada ou com outra callumpnia qualquer que seja. se nom
tanto que nom tragua molher alhea de beençom tornesse ao senhor de
Moreira, e seia solto e defeso per o foro de Moreira. E se alguQs
homeés de quaaesquer terras com jmijzade ou com penhora vierem em
ihermo de Moreira, nehuú seu jmijgo possa entrar após elle nem lhe possa
tomar penhor, nem fazer outro nenhuú mal. e se lhe o contrairo fezer
que peite ao senhor de Moreira quinhentos soldos e dobre aquella penhora
ou aquelles carreguos. E aquelles que aos homeés de Moreira penho-
rarem nom ho auendo per concelho dereito peitem ao senhor de Moreira
seseenta soldos e dobrem a penhora a seu dono. E quem prender aos
homeés de Moreira e hos poser em prisam. per esta maneira peite aaqueile
trezentos soldos. E se os homeés de Moreira prenderem outros homeés
doutras terras e os poserem em prisom. per esta maneira peitem çinquo
soldos. E se os homeés de Moreira por qualquer fiadoria nom forem
(1) E se lhe prouuer de ha vender que o possa fazer aquém lhe prouuer: aposi-
<wo marginal.
— 299 —
requeridos ataa meo anno, que sejam soltos, e se se trespassarem dally.
seiam os filhos e molher liures. E nom paguem os homeés de Moreira
penhora por o senhor, nem por o meirinho, se nom por seu vizinho. E
nom dem pousada pollo foro de Moreira era casa de caualleiro. nem de
viuuas nem de cleriguos. senom pella maão do juiz em casa de pioões.
E os homeês de Moreira que homeés teuerem em suas herdades, ou em
seus soUares, e nom for hy seu senhor, venha a sinal de juiz e de fiador
ataa vijnda de seu senhor, e faça o que lhe mandarem. E qualquer
callumpnia que fezer, seja de seu senhor, e a setena ao paaço. e nom
serua a nehuú homee se nom a seu senhor em cujo sollar seuer. E a
seara ou vinhas delRey ajam tal couto como do vezinho de Moreira. E
aquelle vezinho ferir e fugir em sua casa, aquelle que após elle entrar
e ho matar em sua casa peite trezentos soldos aos parentes do morto.
E aquelle que molher forçar, e ella vier dando vozes e o forçador se
nom poder saluar com doze peite trezentos soldos aa molher e a seus
parentes. E quem molher alhea ferir peite a seu marido irijnta soldos e
a setena ao paaço. E os homeés de Moreira que parar fiador por qual-
quer calumpnia lhe pedirem e o fiador outorguar com dous vizinhos, e
aquelle nom quiser tomar fiador, e sobre isso ho ferir, nos todo o con-
celho peitaremos esse omeçidio. E o paaço delRey ou do bispo ajam
calumpnia. e em toda a outra villa ajam huú foro. e outro paaço nom aja
calumpnia. E os homeés de Moreira que por fiador entrem e contentor
nom ouuer. qual fiador fiar tal peite, e se contentor ouuer meta aquelle
nas maãos. e saya daquella fiadoria. E de sospeita de dez soldos arriba,
ou nomee doze vizinhos enrredor sua casa. e jure com dous e saya da cal-
lumpnia. e de dez sólidos a juso jure semelhante, e o outro e quaaes ho
fiar que vizinhos seiam. E todo homeé de Moreira que se tornar a outro
senhor que bemfezer suas casas e suas herdades, sua molher e seus filhos
sejam liures e soltos per o foro de Moreira. E douuos por foro que nom
ajaaes por senhor senom Rey ou seu filho, ou quem vos concelho quiser-
des. E todo homeé de Moreira que desherdado for e per sua maão nora
ho peitar, doutra maneira que se torne a sua herdade homde ella for sem
nehuúa callumpnia. E todo homeé que herdade teuer em outra terra nom
faça fossado senom pello foro de Moreira. E todo homeé de Moreira que
ouuer molher de beençom e ha leyxar peite huú dinheiro ao juiz, E se
molher ao seu marido leixar que ouuer de. beençom peite trezentos soldos,
a meetade ao paaço e a meetado a seu marido. E de casa derrocada com
scudos e com lanças quem quer que ha rromper peite trezentos soldos,
meo pêra o paaço e meo pêra o dono da casa. E quem der a seu vezi-
nho com spada dez soldos e setena ao paaço. E quem der com lança a
— 3oo —
seu vezinho e sayr dhuúa parte aa outra peite xx. soldos e setena ao
paaço. e se nom sayr peite dez soldos e setena ao paaço. E de chagua
domde osso sayr por cada osso dez soldos e setena ao paaço. E de outra
chagua çinquo soldos e setena ao paaço. E per toda penhora ou do
paaço ou do concelho colha fiador sobre aquella penhora per foro. E
dou a uos que hy nom aja nehuúa defesa nem nehuij monte nem nehuú
laguo senom que todo seja de todo o concelho. E o montado de termo
de Moreira montemno caualleiros de Moreira com seu senhor. E nehuQ
gaado de Moreira nom seia montado. E de portagem de pam e de vinho e
de carrega três mealhas, e de cauallo e de muu quem ho vender huú soldo.
e dasno seis dinheiros. E de carneiro ou de cabra ou de porco três mealhas.
E de toda portagem que a Moreira vier tome seu hospede a terça. E nehuú
homem de Moreira nom responda sem rrancuroso per foro de Moreira.
O qual foral asy achado. Gonçallo Aífomso procurp.dor do dito con-
celho rrequereo que lhe dessem dello sua carta, rrequerendo que lhe fosse
declarado que conthija se deuia paguar desta moeda presente por aquellas
três mealhas, de que no dito foral faz mençom que se deue paguar por
carregua de pam ou de vinho. E eu Gomez Eannes dou de m3'm fe que
o preguntey em esta cidade a quantas pessoas entendi que o deuyam
saber, e que per minha dilligençia segundo Deos e minha consciência
nom ficou. E finalmente achey que estas três mealhas segundo a moeda
antijga sobiam em. noue oytauas de prata. E por que a hordenaçom do
rregno e a baixeza da presente moeda nom consente tal uallia. por
quanto o foral de Palmella quanto ha portagem he semelhante a este de
Moreira, soube que se pagua por cada carregua de pam ou de vinho que
se merca ou vende de besta grande noue pretos, e de besta pequena
ameetade. per que em tanto forom postas aquellas três mealhas pellos
antigos depois que as ditas moedas chegarom a este ponto. E porem ho
fiz asy screpuer é lhe de}' delo sua carta asijnada per m3'm e seellada do
seello dei Rey segundo costume. Dante na cidade de Lixboa xxij doctubro.
EIRey o mandou per mym dito Gomez Eannes a que pêra esto tem
dado seu spiçial encarregue. Pêro Cijnza ha fez. anno do naeimento
de nosso Senhor Jhesu Christo de mil ilij*^ Ix anos. Nom seja duuida na
sobre scripta antrelinha porque eu scripuam ha fiz por tirar erro. Con-
certada por mym Gomez Eannes. pg. Liiis.
Arquivo Nacional, Forais antigos, Maço 7, n." 3 ; Portugaliae monu-
menta histórica, Leges et consuetudines,\o]. i, pag. 436 a 439.
— 3oi —
XIII
14 DE ABRIL DE 1462
Dom Aífomso pella graça de Deos rrey de Portugall e do Algarue e
senhor de Cepta e dAIcaçer em Africa. A quantos esta carta virem
fazemos saber que os moradores dAluares terra do mosteiro de Folques
nos emujarom dizer como teem huú foral e que por seer ja uelho e caduco
em alguús lugares, que lhe nom queriam a elle dar ffe nem abtoridade,
pedindonos por [mercee] que lhe mandássemos dar outro do nosso tombo.
E nos visto seu dizer e pedir, querendolhe fazer graça e merçee man-
damos a Gomez Eannes de Zurara comendador do Pinheiro Grande
nosso cronista e guarda moor do dito tombo que lhe desse o dito foral
per aluara que foi feito em esta vila a x dias dabril per Fero Afomso.
O quall Gomez Eannes em cumprimento do nosso mandado fez buscar
o liuro dos foraaes que se acertou dos que tem pêra buscar outras cou-
sas, onde foy achado huú rregisto de foral que diz assy. In Dey nomine
etc. Esta he a carta de foro perpetuo que mandamos fazer eu Martim
Gonçaiues e mjnha molher Maria "\^iegas a vos homeés que pouoaaes
essa nossa herdade dAluares, damolla e outorgamolla a uos per foro
perpetuo, que a lauredes e chantedes e edifiquedes de vinhas e daruores,
como parte de contra o oriente com o ssouto de santa Maria per cumieira
ante Carualhio e Pessagueiro, e vay a Oniaães, e ssaae acima de machio
de Martim Viegas, e descende ao Zezer, e parte com Aluoro per vea do
Zezer e filha a foz de Vehaães, e donde vay a foz de Maga, e parte
com Pedrógão e vea de Maga, e donde vay aa Cabeça de Pêra assy como
parte com termo de Góes. com tal preito e condiçom que pêra sempre
cada huú de vos que laurar com huú boy ou com mais de a nos huú
quarteiro de pani, a meatade de trijgo e a meatade de segunda na eira
€ nom mais. e se o nom quisermos receber na eira, que o percamos, e
o que nom laurar com boys, de a nos húa meatade de teyga de trigo e
outra meatade de segunda, e do linho de a nos húa verga e mea,,
e nom mais. e do vinho qualquer de uos outros que vinha teuer ou
laurar, nos de huú puçall, e nom mais. e os homeés que nom laura-
rem com boys, e bestas ouuerem, e per ellas gaanharera sseu pam,
façam a nos senhas carreiras no anno. per tall guisa que esse meesmo
dia venham dormir a suas casas, e nom mais. E o que fizer moinho,
de a nos a decima parte. E o coelheiro que morar fora húa noyte pêra
tomar coelhos, de a nos huú coelho com sua pelle. E per omizio, e
3o2
per rrousso, merda em boca, e casa rrota, quem quer que o fezer, per
testemunho de homeés boõs, peyte Ix soldos, s. a terça parte pêra o con-
celho e a terça parte pêra a jgreja, e a outra terça parte pêra nos. E
quem fizer furto, peyte segundo custume. E o caualleyro nom de nehúa
jugada. e se per uentura perder seu cauallo ata três anos compridos nom
de jugada. Todo esto em sima scripto confirmamos e abtorizamos, e
mandamos firmemente que nehuú seja da nossa parte nem da estranha
que nenhuúa destas cousas quebrante, e quem quer que o contrairo quizer
fazer, seja mal dito a Deos e ascomungado. Amen. Fecta foy esta carta
em Coymbra no mes de setembro e confirmada pelo muy nobre Rey Dom
Denis no anno de iii<^ xix. E nos sobreditos que esta carta fazer man-
damos a confirmamos de nossos sinaaes. A qual scriptura assy achada,
o procurador do dito concelho rrequereo sua carta a qual lhe o dito comen-
dador deu. Dante na vila de Santarém xiiij dias dabril. ElRey o man-
dou per o dito Gomez Eannes, a quem pêra esto tem dado sseu spiçial
emcarrego. o qual a fez e comçertou per ssy por quanto aquy nom era
sseu scripuam. anno do naçimento de nosso Senhor Jhesu Christo de mil
iiij» Ixij. Gomez Eannes.
Arquivo Nacional, Corpo cronológico, parte 2.', maço i.",
doe. 3i.
XIV
22 DE JUNHO DE 1463
Caria de D. Affonso V, nomeando Pêro dAlmada
jui\ das sisas da uila de Almadaã
Dom Affomso etc. A quantos esta nossa carta virem fazemos saber
que nos querendo fazer graça [e] merçee a Pêro dAlmadaã, criado de
Gomez Eanes da Zurara nosso caualeiro e comendador do Pinheiro
Grande e da Granja, nosso canonista e guarda moor da torre do nosso
tombo desta cidade, teemos por bem e damollo por juiz das nossas sisas
da dita vila dAlmadaã asi e per a guisa que o era Aluaro Fernandez seu
pay que o dito oficio tijnha per nossa carta e o renunciou em nossas
maãos que o desemos a quem nosa merçee fose. E porem mandamos
ao noso contador da dita comarqua e aos rendeiros etc. carta em forma.
E esto pollo do dito Gomez Eanes que nolo por ele pedio. Dada em
— 3o3 —
Lixboa xxij dias da Junho. ElRey o mandou per Lopo dAlmeida do seu
conselho e veedor da sua fazenda. Joham Roiz a fez. ano de noso
Senhor Jhesu Christo de mil iiij'= Ixiij.
Chancellaria de D. Affonso V, liv. ix, foi. 94, r.
XV
23 DE JUNHO DE 1463
Carta de D. Affonso V, nomeando Pêro dAlmadaã
alcaide e meirinho dos ourii'e:{eiros dAadiça.
Dom Affomso etc. A quantos esta nosa carta virem fazemos [saber]
que nos querendo fazer graça e merçe a Pêro dAlmadaã criado de Gomez
Eanes da Zurara etc. teemos por bem e damollo por alcaide e meirinho
dos nossos ouriuizeiros dAadiça asi e per a guisa que o era Aluaro Fer-
nandez seu pay que o dito oficio tijnha per nossa carta e se ora finou.
E porem mandamos aos juizes da dita Aadiça e mestres dela e a outros
quaaes quer ofiçiaees e pessoas a que o conhecimento desto pertencer
que o leixem prender em Almadaa e em outros lugares todos aqueles
mesteiraes que laurarem e forem theudos laurar no dito serviço, que lhe
per eles ditos juizes e meestres for mandado, de que eles ham jurisdiçom
segundo seus priuilegios, e assi outros quaeesquer que lhes for per eles
mandado, e mandamos que ele dito Pêro dAlmadaã aja todalas liberda-
des e priuilegios como cada huú dos outros ouriuizeiros, e elle nos pagara
em cada huíi ano de foro e tributo duas coroas douro velhas segundo nos
ham de pagar os outros ouriuizeiros que tem os moores priuilegios e he
contheudo em huúa nosa carta que elles delo tem de que cada huú nos
deue de paguar, e a primeira pagua nos fará por dia de sam Joham
Baptista que vijnra de mf Ixiiij. E asi em cada huú ano em quanto tal
carreguo teuer. O quall Pêro dAlmadaã jurou em a nosa chancelaria
etc. carta em forma. Dada em Lixboa xxiij dias de Junho. ElRey o
mandou per o dito Lopo dAlmeida. Joham Roiz a fez. ano de nosso
Senhor Jhesu Christo de mill e iiij' Ixiij.
Ckancelaria de D. Affonso V, liv. ix, foi. 94, r.
— 3o4 —
XVI
28 DE JULHO DE 1467
Aministraçam de hufia capella jmstituyda
na egreia de sanita Maria Madanella desta cidade de Lixboa
per hiiíí Gomçalo Esteue^ nattirall de Symtra
a Gome:{ Eannes de Zurara.
Dom AfFomso etc. A quantos esta carta virem fazemos saber que
a nos disseram que poderia aver nouemta annos pouco mais ou menos,
que huú Gomçalo Esteuez naturall de Symtra se finou da vida deste
mumdo. O quail amte de sua morte edificou huúa capella a homrra
de samta Clara demtro na egreia de samta Maria Madanella setuada em
esta cidade de Lixboa. em a quall se mandou emterrar. e que de seus
beés se camtasse a dita capella comtinuadamente pêra sempre. A quall
se camtara certos tempos per elles e per os teedores dos ditos beés. E
ora poderá aver satemta annos pouco mais ou menos que seus herdeyros
e teedores dos ditos beés nom camtarom a dita capella, pêro fossem
mujtas vezes rrequeridos per os priores e beneficiados da dita egreia da
Madanella, e per elles demandados em juizo. e ávido contra elles mujtas
semtemças, e que a mayor parte dos passados morreram por a dita rrazom
escomumgados. E que ora trazia os ditos beés huíí Nuno Martijz mora-
dor em Simtra per bem de huúa sua molher Margayda Annes que vem
de linha dereita do dito Gomçallo Esteuez e outros filhos delles com que o
ella partio, o que nom podia fazer nem o deuera partir por serem moorga-
dos da dita capella. O quall Nuno Martijz fora demandado e ávido com-
tra elle per semtemça por a quall rrazom per bem da nossa hordenaçam
sobre ello feita sse assy he como nos disserom, os ditos beés perteem-
çem a nos, e os podemos dar a quem nossa merçee for com o emcarreguo
de camtarem a dita capella. E ora queremdo nos fazer graça e merçee
a Gomez Eannes de Zurara caualleiro da ordem de Christo e nosso cro-
nista e guarda moor do nosso tombo, teemos por bem e fazemoslhe mer-
çee do dito moorgado com o dito emcarreguo de fazer camtar comtinua-
damente a dita capella, e de comprir todo o em o dito testamento e man-
dado do dito Gomçallo Esteuez. E porem mamdamos a todollos corre-
gedores juizes justiças offiçiaaes e pessoas etc. em forma. Dada em
Lixboa a xxviij dias de Julho. ElRey o mamdou per Lopo dAlmeyda
— 3o5 —
do seu comsselho e veedor da sua fazemda. Diego Lopez a fez. anno de
mil iiij'^ Ixvij.
Arquivo Nacional, Extremadura, liv. x, foi. 270 r e v.
XVII
21 DE NOVEMBRO DE [1467]
Caria dei Rei dom Affonso a Giiome~ Eanes da Zurara
seu coronista. escrita per sua mão.
Guomez Eanes, eu vos cmvio muito saudar, vi húa carta que me
emviastes per Affonso Fernandez com que muito folguei por saber que
éreis em boa disposição da saúde : porque certo tanto tempo auia que
uos la hereis e eu nam via carta vossa que avia por muito certo que
dalgúa jnfirmidade éreis ocupado, por que não podíeis escreuer : e desto
dou por testemunha ao rreuerendo padre bispo de Lameguo com que eu
muitas vezes falaua. que causa seria por que vos não me escreuieis. que
por mui sem duuida unha que não seria por minguoa de vontade e lem-
brança vossa : e muito me prouve de saber como vos o conde apousentara,
e ho guasalhado que delle rreçebestes: e posto que ho elle deue assi fazer
por vsar de sua virtude: eu lho aguardeço muito: e uos assi lho dizei de
minha parte: nam he sem rrazão que os homens que tem vosso carguo
sejam de prezar e homrrar. que depois daquelles prinçipes ou capitães que
fazem os feitos dignos de memoria : aquelles que depois de seus dias os
escreuerão. muito louuor merecem, bemaventurado dezia Alexandre que era
Archiles por que teuera a Homero por seu escritor: que fora dos feitos de
Roma SC Tito Liuio os não escreuera : e Quinto Curçio os feitos dAlexan-
dre : Homero os da Troya : Lucano os de César : e assi outros autores : mui-
tas cousas estes fizeram as quaes nam são tam dinas de memoria quanto
sam doces de ouvir e ler pollo bom estillo em que foram escritas: lesse no
primeiro de Tito Liuio como vos milhor sabeis que se não fora a oração
que fez hum nobre barão daquelle tempo : quasi todo o pouo de Roma fora
perdido : muitos sam os que se daó ao exercício das armas e mui poucos
ao estudo da arte oratória : assi que pois vos sois nesta arte assaz ensinado
e a natureza vos deu mui gram parte delia: com muita rrazão eu e os
prinçipes de meus rreinos e capitães deuem dauer a merçe que vos seja
feita por bem empreguada: muitos certo vos sam obriguados porque
ajnda que os feitos de Cepta sejam assaz de rrezentes: depois que eu vi
a coronica que vos delles escreucstes a muitos fiz homrra e mercê com
39
— 3o6 —
melhor vontade por ser certo de alguús boõs feitos que laa fizerão por
seruiço de Deos e dos rreis meus antecessores e meu: e a outros por
serem filhos daquelles que assi laa bem seruiram: do que eu nam era
amtes em tem comprido conhecimento: e creo que nom menos seraa aos
que depois de mim vierem, quando virem ho que aveis de escrever dos
feitos de Alcácer, e se alguíis merecem gloria por jrem a essa terra por
seruirem a Deos e a mim e fazerem de suas homrras : vos assaz sois de
louuar que com desejo descreuer ha verdade do que elles fizeram: vos
desposestes a leuar ho trabalho que elles soportarão : vos podereis la ser
bem aguasalhado do conde : mas se o desejo que tendes de seruir e fazer
ho que a nosso seruiço pertence vos la fizesse viuer contente, certo he
que não pode Alcácer dar ho que Lixboa tem : aquella vida fostes vos
buscar por vsardes de virtude que aos outros em luguar de pena dam por
desterro : assi que quanto eu isto melhor conheço : tamto vos mais tenho
em seruiço de ho fazerdes : e não quero que esteis laa mais que quanto
sentirdes que he compridoiro pêra o que tendes descreuer e a vos aprou-
uer : do que dizeis do comendador Aluoro de Faria : eu estimo seu seruiço
como he rrezão. e assi espero de lhe fazer merçe : quanto ao que dizeis
da minguoa do mantimento fazse nisso por minha parte tudo ho que se
pode fazer : mas duas cousas se rrequerem pêra os que estão em Alcácer
serem bem prouidos : a húa estar la milho em almazem pêra socorro de
quando pollo tempo ou per outra necessidade tam azinha não vai ho pão:
e a outra que o conde ou qualquer outro capitão que la estiuer me faça
saber aos quartees do anno a gente que la estaa pêra homem concertar
ha despesa com a rreçepta : todo ho bem que me dizeis do conde : eu creo
que ha nelle: e certo cuido que nom he menor pollo que delle conheço:
tenhovos em seruiço de quererdes saber nouas de minha desposição : e
graças a Deos eu me acho bem assi do corpo como das outras cousas :
empero homem anda no mar deste mundo onde he continuamente com-
batido das omdas delle em especial pois todos andamos naquella tauoa
depois do primeiro naufrágio : assi que ninguém se pode segurar atee que
não chegue aaquelle verdadeiro porto seguro que homem não pode ver
senão depois de sua vida : ao qual a Deos apraza de nos leuar quando
vir que he tempo : porque elle he marinheiro e piloto sem o qual algum
homem não pode emtrar: do bispo nosso amiguo sabereis que ho vejo
ledo e são. e de boa desposição: e praza a Deos de lhe encaminhar as
cousas segundo elle deseja se forem de seu seruiço : da torre dos purgua-
minhos eu terei aquella lembrança que vir que he meu seruiço : ho meu
vulto pintado eu ho não tenho pêra voUo aguora la poder emviar : mas o
próprio prazerá a Deos que vereis la em algum tempo : com que vos la
— 3o7 —
mais deue prazer: ha vossa jrmaã auerei em rainha encomenda segundo
me escreveis : escrita a xxj de nouembro.
Bibliotheca Nacional de Lisboa, Cod. de Alcobaça,
n.° 475, (moderno 257) foi. 79, v a 80, v.
XVIII
25 DE MAIO DE 1468
Dom Aftomso pela graça de Deos Rey de Portugal e do Algarue e
senhor de Cepta e dAlcaçer em Africa. A quantos esta carta virem
fazemos saber que os moradores daldea de Gralhas do termo da ujlia de
Monte Alegre nos enujarom dizer que elles tjnham huú priujllegio delRey
Dom Denis per que lhes outorgou certos priujllegios e liberdades e per
que pagasem certos foros em eile contheudos, e que lhe rroeram a maj'or
parte delle os rratos em guisa que se nom podia leer. Pedindonos por
merçee que do nosso tombo lhe mandássemos dei dar o trellado. E nos
veendo seu dizer e pedir querendolhe fazer graça e merçee mandamos a
Gomez Eannes de Zurara comendador da Ordem de Christo nosso cro-
njsta e guarda moor do dito tombo que per nossa carta per elle signada
e sellada com nosso sello segundo nossa hordenança lhe de o trellado do
dito priujllegio o qual mandado lhe mandamos per nosso aluara feito em
Santarém per Pêro dAlcaçoua a xxj de mayo do presente ano. E o dito
Gomes Eannes em cumprimento do dito nosso mandado fez buscar as
scripturas do dito tombo per mjm Fernam dEluas scripuam delle, onde
nos registos delRey Dom Denis foi achada esta carta de priujllegio que
se adiante segue. Dom Denis polia graça de Deos Rey de Portugal e do
Algarue, a quantos esta carta virem faço saber que Marcos Johannes
procurador dos pobradores da minha aldeã de Gralhas termo de Monta-
legre per poder dhíia procuraçam auondosa que me ende mostrou feita
per maão de Pêro Pires tabaliom de Montalegre veo a mim e pediome
por merçee pollos ditos moradores por poder da dita procuraçom que lhe
desse foros e costumes boõs, e que elles me queriam fazer em cada huú
anno por ende foro. E eu tenho por bem de lhe fazer, e mando que os
ditos moradores de Gralhas aiam taaes foros e taaes costumes quaaes
ham os de Montalegre saluo que nom façam outro foro com elles nem
a mjm se o ante nom faziam. E que elles dem ende a mjm por todo foro
em cada huú anno todo homem que morar em termo dessa Vila que laurar
com huú jugo de bois que pague cada huú çinquo soldos em cada huú
— 3o8 —
anno. e os que nom laurarem com jugada de bois e ouuerem des uinte e
çinquo libras acima ataa çinquoenta libras que pague dous soldos e meo
em cada huQ anno. e o que chegar a çinquoenta libras que pague çinquo
soldos como os que lauram com jugo de bois. porque mando e defendo que
nom seia nehuú ousado caualleiro nem dona nem scudeiro nem outro homeé
poderoso que contra elles uaa nem lhe faça mal nem força sob pena de
minha merçee. ca aquel que lhe fizer ficara por meu emmijgo e peitarmea os
meus encoutos de seis mjl soldos. E mando ao alcaide e juizes de Monta-
alegre que os emparem e os defendam e que nom sofram a nehuú que
lhes faça mal nem força sob pena dos meus encoutos. E em testemunho
desto lhes mande}' dar esta minha carta. Dante em Lixboa xx dias de
setembro. ElRey o mandou per Gonçall Eannes dayam de Braga seu
clérigo e per Pêro Steuez seu vasallo. BertoUameu Pirez a fez. era de
mil iij'^ R viij annos. E achada assy a dita carta de priuillegio como dito
he os sobreditos nos pedirom per seu procurador delia o trellado, e nos
querendolhe fazer graça e merçee lhe mandamos dar esta carta testemu-
nhauel. Dante na cidade de Lixboa xxv do mes de Mayo. ElRey o
mandou per o dito Gomez Eannes a que pêra esto tem dado seu speçial
encargo. E por quanto ora o dito Gomes Eannes he em Alcácer por
seruiço e mandado do dito senhor, assignou por elle esta carta Martim
Aluarez contador dos contos da dita cidade, que pêra ello tem licença e
mandado delRey nosso senhor segundo he contheudo em seu aluara que
eu escripuam vi e lij suficiente pêra ello. Fernam dEluas scripuam das
scripturas do dito tombo a fez. anno do naçimento de nosso Senhor
Jhesu Christo de mil e quatrocentos e sasenta e oyto annos. Martim
Aluarez.
Arquivo Nacional, Gaveta i5, maço i6, n." 7.
XIX
2 1 DE JANEIRO DE 1471
Saibham quantos este estormento de emprazamento virem que eu
Gomez Eannes caualleiro da cassa delRey nosso senhor comendador da
ordem de Christo e sseu cronista como procurador que ssoom do moes-
teiro e comuemto dAlmoester per virtude de huQa procuraçom que tenho
abastamte e ssobfiçiemte da senhora abadessa e comuemto do dito
moesteiro pêra poder emprazar e aforar e arrendar quaaesquer beés do
dito moesteiro em estes rregnos a quall procuraçom eu notairo jeerall
vy e lly e pareçya ser ífeita e asynada per Diego de P^igueiredo notairo
— Sog —
jeerall em estes regnos a vimte e ssete dias do mes de dezembro do naçi-
mento de nosso Senhor Jhesu Christo de mill e quatro cemtos e ssassenta
e çimquo annos sob ho alpemdere do dito moesteiro e testemunhas em
ella nomeadas fre}' Joham dAIemquer monje do moesteiro dAlcobaça e
capellam do dito moesteiro. e Pêro de Ssoussa escudeiro do Ifamte Dom
Fernamdo que Deus aja morador em esta villa e Joham Louremço escu-
deiro de Pêro de Ssaa. e ao pee da dita procuraçom huu estormento de
cutorguaamento do senhor Dom Abade do dito moesteiro dAlcobaça
como padre abade que he da dita casa dAlmoester synada por o dito
senhor Dom Abade e sseellada do sseu seello, per a quall procuraçom a
mim cometida e estormento do dito senhor Dora Abade, emprazo a uos
Doutor Joham Teixeira do dessembargo e pitiçoões delRe}- nosso Senhor
huíjas cassas que o dito moesteiro ha em a dita villa de Ssamtarem na
freguess3'a de ssam Jgiaão que partem com a rua pubrica que vaay pêra
Auallada e com outras cassas do dito moesteiro que traz Pedro Afomso
pedreiro e com celeiro do dito moesteiro as quaaes cassas vosso padre
trazya emprazadas do dito moesteiro em duas pessoas .s. na ssua e de
huú sseu filho quall elle nomeasse, das quaaes voos dizees que ssooes a
derradeira pessoa per bem do que dito he. e per bem da nomeaçam que
o dito vosso padre vos fez aa ora de ssua morte em sseu testamento, e
porque voos em as ditas cassas teemdes feitas alguGas bemfeitoryas e
ajnda dessejaaes de mais fazer, a mym praz e outorgo pello poder que
tenho do dito moesteiro e comuemto e donas e padre abade, vos emprazo
as ditas cassas em uyda de três pessoas per esta guissa .s. que o com-
trauto per que as voos temdes as ditas cassas em uossa pessoa soomente
dure e aja sseu vigor em vossa vida como em elle e em vossa nomeaçam
he comtheudo e per vossa morte e dy em diamte sse comtem as ditas
três pessoas assy que vos possaaes nomear a primeira pessoa deste com-
trauto que vos eu faço e a primeira pessoa nomee a ssegumda e a
ssegumda nomee a terceira pessoa. E acomteçemdo que voos [nom]
nomees pessoa alguúa primeira, nem a primeira a ssegumda ou a sse-
gumda a terceira, que em taaes cassos sse emtenda ssempre ser
nomeado no dito emprazamento o vosso filho mayor que ficar ao tempo
da morte, e bem asy da primeira pessoa e a ssegumda e terceira, e por
quamto voos sooes theudo per o primeiro comtrauto de paguar duzemtos
reaes em cada huú anno de foro e pemssam do dito prazo a mim praz
que voos paguees os ditos duzemtos reaes em vossa vida. e per vossa
morte e dy em diamte as ditas três pessoas que vierem sejom theudas
de pa[gua]r em cada huú anno duzemtos e cimquoemta reaes e esto em
paz e em saluo por dya de Natall demtro no dito moesteiro dAlmoester.
— 3io —
€ com comdiçom que nam paguamdo ao dito tempo e per todo o mes de
Janeiro seguinte em cada huú anno que dhy em diamte dees e paguees o
dito foro com todas perdas dapnos custas e despessas que o dito moes-
teiro ssobre ello fezer e com vimte reaes bramcos de pena em cada huG
dya. e com comdiçom que voos e as ditas pessoas que depôs vos vierem
sejaaes theudos de rrespomder por o dito casso em esta villa de Ssam-
tarem peramte os juizes delia, e voos dito Doutor e pessoas que depôs
voos vierem sejaaes theudos e obriguaados de fazer e refazer as ditas
cassas de todos adobyos que lhe mester fezerem. e com aquella bemfeito-
r3'a que me dissestes que tinhees vomtade de fazer, em guissa que fiquem
melhoradas e nom pejoradas. e posto que per alguú casso fortoyto de
fogo ou augua ou terremotos perecerem que voos e as ditas pessoas
derradeiras ssejaaes theudos de as correjer e a uossa propya despessa. e
com comdiçam que voos as nam possaaes emalhear nem trocar nem
vemder nem escambar seem liçemça da dita abadessa e comuemto ou
de quem sseu carrego teuer. e bem asy sse nam possam partir e ssem-
pre andem em huúa pessoa jumtamente de tall comdiçam que pague bem
e como deue a dita penssam ao dito moesteiro. e que nam seja pessoa
defessa em dereito nem de mayor comdiçam que vos. e o dito comen-
dador como procurador do dito moesteiro obrigou os beés e remdas
delle de defemdeer e fazer defemder as ditas cassas e as fazer de paz e
ssaluo ao dito Doutor e pessoas de quem quer que lhe em ellas ou em
parte delias poser embargo per quallquer guisa que seja. e o dito Doutor
a todo pressemte estepullante e açeptante reçebeo em ssy o dito prazo com
as claussollas e comdiçoÕes ssobreditas as quaaes se obrigou de comprir e
manteer per ssy e per sseus beés. e fazer paguamento do dito foro polo
modo ssusso ditos, e em testemunho dello mandaram fazer ssenhos estor-
mentos ambos de huij theor que foram outorguaados na dita villa de Ssam-
tarem nas ditas cassas a vimte e huú dias do mes de janeiro do naçi-
mento de nosso Senhor Jhesu Christo de mill e quatroçemtos e ssa-
temta e huú anos. testemunhas que presemtes foram Joham Diaz cryado
do dito comendador e Pêro Dyaz cryado do Doutor Luis Martinz padre
do Dito Joham Teixeira doutor e Joham da Gorda cryado do dito Doutor
e Rodrigo Annes morador em Estremoz, e eu Fernam de Torres escudeiro
do dito senhor Rey notairo jeerall em todos sseus rregnos e senhoryo
que a todo com as ditas testemunhas presemte fuy e este estormento
per outorguamento das ditas partes cscrepuy e em elle meu synall fiz
que tall he.
Arquivo Nacional, Documentos do Convento de Al-
moster, liv. 7.°, doe. G3 (55), n.° 608 vermelho.
— 3ii —
XX
22 DE FEVEREIRO DE 1472
Em nome de Deos amem. Saybham os que este estormento de renun-
daçom e emprazamento feito de nouo virem, que no anno do naçimento
de nosso Senhor Jhesu Christo de mil e iiij*^ sateenta e deus annos [aos]
xxij dias do mes de feuereiro em a villa de Santarém nas pousadas de
Gomez Annes de Zurara comendador da hordem de Christo cronysta del-
Rey nosso senhor e guarda moor do tonbo de seus rregnos. que som
junto com a Guafar3'a em presença de mym notairo geeral e testemunhas
ao diante nomeadas, pareçeo Joham Afonsso çapateiro morador na dita
villa de Santarém, e disse que uerdade era que elle trazija emprazado em
vida de três pessoas do moesteiro dAlmoester que he em termo da dita
villa huú oliual que o dito moesteiro ha onde chamam as Manteigas termo
da dita villa que parte de húa parte com oliual que foy de Joham do
Porto e da outra parte cora oliual de Santa Cruz de Cojnbra e da outra
parte com oliual de Diego Gonçalluez alfayate e com outras confronta-
çoÕes com que de dereyto deue de partir, no qual enprazamento doli-
ual elle dito Joham Afonsso era a primeira pessoa. E que ora esguar-
dando elle sua hidade e como era em ponto pêra o nam poder aproueytar
nem paguar o foro e peenssom ao dito moesteiro e desy por algúas rra-
zoões que o a ello mouyam disse que a elle aprazija como logo de feito
aprouue rrenunçiar de ssy o dito prazo e encanpar em maãos do dito
Gomez Annes de Zurara que jsso meesmo presente estaua como procu-
rador abastante do dito moesteiro. e que nom queria mais gouujT do dito
enprazamento nem o possuyr como lhe perteençia, mas ante queria que
o dito moesteiro enprazasse de nouo o dito oliual a quem lhe aprouuesse
e fezesse delle o que quisesse e por bem teuesse. E visto per o dito
Gomez Annes a dita rrenunciaçom e encanpaçom logo elle como procura-
dor do dito moesteiro que era e segundo logo mostrou per húa procura-
çom de Dona Isabel dAndrade dona abadessa do dito moesteiro e donas
e conuento delle que parecia seer feita e asynada per Dieguo de Figuei-
redo notairo geeral em estes rregnos aos xxvij dias do mes de dezembro
da era de mil e iiij'= e Ixb annos. per a qual antre as outras cousas em
ella contheudas a dita dona abadessa e monjas do dito moesteiro com
licença e conssentimento do Dom Abade dAlcobaça seu padre abade fazia
seu procurador o dito Gomez Annes dandolhe seu comprido poder que
elle podesse tirar quaaesquer prazos ou aforamentos ou arrendamentos a
— 3l2 —
quaaesquer pessoas que os trouuessem e lhes nom paguassem aquellas
peensoões que obriguados eram. e os podasse emprazar de nouo arrendar
ou aforar por aquellas peensoões e preços que elle sentisse que era bem
e proueito da dita casa. auendo por firme e estauel todo o que pello dito
seu procurador acerca delio fosse feito, sob obriguaçom de todallas rren-
das e becs mouees e rraiz do dito moesteiro que pêra ello obriguauam
segundo todo esto e outras cousas mais compridamente em a dita procu-
raçom era contheudo. per bem da qual logo elie dito Gomez Annes disse
que elle per poder da dita procuraçom emprazaua como logo de feito
enprazou e deu denprazamento em vida de três pessoas a Dieguo Afonsso
carpinteiro morador em a dita villa de Santarém que também no presente
estaua e a duas pessoas que despois elle veherem nomeando elle a
segumda e a segurada a terceira, de guisa que sejam três pessoas e mais
nom. emprazoulhe o dito oliual que o dito moesteiro dAlmoester ha omde
chamam as Manteiguas termo da dita villa que parte com as ditas con-
frontaçoões segumdo em cima faz declaraçom. com condiçom que elle
dito Dieguo Afonsso e pessoas que despois elle veherem correguam o
dito oliual de laurar e esmoutar a seus tempos e sazoões de guisa que
sempre em as ditas três vidas seja feito e ande aproueytado melhorado e
nom pejorado e que posto que peresça per fogo ou augua ou outro caso
furtuyto que acontecer possa que sempre em as ditas três vidas seja feito
e aproueitado como dito he. e com condiçom que elle dito Dieguo Afonsso
e pessoas dem e paguem do dito oliual ao dito moesteiro em cada huú
anno de foro e peensom duzentos reaes brancos desta moeda ora cor-
rente paguados em paz e em saluo ao dito moesteiro per dia de Natal, e
começar de fazer a primeira pagua por este dia de Natal que ora vijnra
em que se começara a era de mil e iii)'^ e sateenta e três annos. E assy
dhi em diante em cada huú anno por o dito dia e com condiçom que elle
Dieguo Afonsso e pessoas nom possam vender dar nem doar trocar nem
escaj'nbar o dito oliual a nehiia pessoa das em dereyto defesas. E que-
rendoo vender que o faça primeiramente fazer saber ao senhorio se o
quiser tanto por tanto que o aja. e nom o querendo que entom com auto-
ridade e conssentimento do dito senhorio o possa vender a tal pessoa que
pague e conpra as condicoÕes deste contraucto. e fijndas as ditas três pes-
soas o dito oliual fique ao diio moesteiro liurcmente e despachado sem
outra brigua nem demanda com todas suas bemfeytoryas. e o sobredito
Gomez Annes como procurador do dito moesteiro obrigou os beés e
rendas delle de lhes liurar e defender o dito oliual em as ditas três vidas
de qualquer pessoa ou pessoas que lhe sobrello embarguo poser. sob
pena de todas custas que se sobrello fezerem e rrecreçerem e com vijnte
— 3i3 —
reaes brancos em cada huú dia de pena. e o dito Dieguo Afonsso por ssy
e por as ditas duas pessoas tomou e rreçebeo o dito oliual do sobredito
moesteiro denprazamento e sse obrigou fazer os ditos adubyos e de dar
e paguar os ditos duzentos reaes de foro e peenssom como dito he e sob
a dita pena per seus bées e das ditas pessoas que pêra ello obrigou, e
assy o outorguarom e pedirom senhos estormentos. testemunhas que a
esto presentes forom Gonçallo Perez criado do dito Gomez Annes mora-
dor em Almoester e Braz Diaz reictor na igreja de Santestovom da dita
villa e Joham Annes criado de mym notairo e outros. E eu Martim
Aluarez criado e contador delRey nosso senhor e seu pubrico notairo
geeral per sua real autoridade em sua corte e em todos seus rregnos e
senhorio que a todo o que dito he com as ditas testemunhas presente
fuy e este estormento que he pêra o dito moesteiro per outorgamento das
ditas partes escrepuy e em elle fiz meu signal pêra ello chamado e rro-
guado.
Arquivo Nacional, Documentos do Convento de Almoster,
livro 3.», doe. n." 43, n." 435 vermelho.
XXI
I DE DEZEMBRO DE 1473
Em nome de Deus amem. Saibham quantos este estormento den-
prazamento virem que no anno do nascimento de nosso Senhor Jhesuu
Christo de mill e quatrocentos e sateenta e três annos primeiro dia do
mes de dezembro na cidade de Lixboa no paaço dos taballiaães pareçeo
Gomez Eanes de Zurara comendador do Pinheiro da ordem de Christo
e cronjsta delRey noso senhor e guarda moor da sua torre do tombo
como procurador da senhora Dona Isabel dAndrade abadessa do moes-
teiro dAlmoester e das donas e conuento do dito moesteiro segundo logo
hi fez certo per hija procuraçom que hi apresentou que parecia ser
feita e asijnada per Diego de Figueiredo notairo geeral em estes rregnos
aos vijnte e sete dias do mes de Dezembro do ano do Senhor de mill e
quatrocentos e saseenta e çinquo e eram em ella nomeados por testemu-
nhas frey Joham capeilam do dito moesteiro e Pêro de Soussa escudeiro
do senhor Ifante Dom P^crnando que Deos aja morador em Samtarem e
Joham Lourenço escudeiro de Pêro Saa. per a quall procuraçam antre
as outras coussas em ella contheudas se mostraua que as ditas aba-
— 3i4 —
dessa e donas e conuento deram poder ao dito Gomez Eanes que
podesse arrendar ou aforar quaaesquer beés do dito moesteiro por
aquellas pensoÕes e preços que elle sentisse que era bem e proueito
da dita casa e que ellas ho auiam por firme e estauel pêra sempre sob
obrigaçam de todallas rrendas e bées do dito moesteiro que pêra ello
obrigaram segundo todo esto e outras cousas na dita procuraçam miihor
e mais compridaraente eram contheudas. e ao pee delia era scripta húa
carta de confirmaçam do senhor Dom frey Nicollaao abade dAlcobaça e
esmoller moor delRey nosso senhor e per autoridade apostollica padre
abade ujsitador e rreformador de todollos moesteiros da dita ordem per a
qual o diio senhor Dom Abade confirmou a dita procuraçam pella guisa
que em ella era contheudo a qual carta parecia seer assijnada pello dito
Dom Abade e aseellada do seu seello segundo mais compridamente em
ella se contijnha. per virtude das quaaes precuraçam e confirmaçam o
dito Gomez Eanes disse que ueendo e consijrando ser seruiço de Deos
prol e honrra do dito moesteiro enprazaua como logo de feito enprazou a
Inês Gonçalluez molher que foy de Rodrigue Annes Auangelho e morador
na dita cidade que no pressente estaua huíí logar que o dito moesteiro
dAlmoester ha ao rrego dAluallade termo da dita cidade junto com qujn-
taã da capeella do Bispo Dom Gil Alma .s. Húa ujnha com suas oUi-
ueiras e aruores de frujto e com suas casas e lagar assy como parte de
duas partes com caminhos pubricos e doutra com ujnha da dita Inês
Goncaluez e doutra parte com outra ujnha dOdiuellas e com outras
confrontaçoões com que de dereito deue de partir, o qual lugar lhe
asy enprazou em uidas de três persoas com todas suas entradas e
ssaidas e dereitos e perteenças e logradoiros asy e pella guissa que
o dito moesteiro ha e lhe de dereito perteençe dauer .s. aa dita Inês
Goncaluez em primeira persoa, e que ella posa nomear a segunda
ante de sua morte e a segunda per semelhante maneira nomee a ter-
ceira em tal guissa que sejam três persoas e mais nom. com condi-
com que a dita Inês Gonçalluez e persoas despois delia corregam e adu-
bem as cassas e lagar de paredes e madeira e telha e pregadura e feixe e
cousso e dornas e a ujnha com suas olliueiras e aruores descauar e podar
e amergualhar e cauar e enpaar e arrendar e asy de todollos outros adu-
bios que lhe forem necesarios e conpridoiros em tall guissa que sempre
nas ditas três persoas o dito logar ande bem corregido e aproueitado
melhorado e nom pejorado e posto que peresça per agua ou fogo ou
terramotos e per outro quallquer caso furtuito e nom furtuito que auijr
possa que a dita Inês G«nçaluez e persoas despois delia ho façam e rrefa-
çam de todo o que lhe conpre e mester for aas suas próprias custas e
— 3i5 —
despessas e dem e paguem a dita Inez Gonçalucz e persoas despois delia
cada huú a seu tempo de foro e penssam do dito lugar ao dito moesteiro
em cada huú ano trezentos reaes brancos destes ora correntes de trinta
e çinquo liuras ho real e mais huij par de frangaãos boõs e reçebondos
pagado todo juntamente em húa paga dentro no dito moesteiro per
Páscoa da Resurreiçam e começara de lhe fazer a primeira paga por
Páscoa primeira que uem no anno de sateenta e quatro e assy dhi em
deante pello dito dia em cada huíã ano. e com condiçam que a dita Inês
Gonçaluez e persoas despois delia nom possam uender dar nem doar
trocar nem escaimbar o dito logar e emprazamento delle a nenhúa persoa
das em dereito defessas. e quando o quiserem uender que o façam pri-
meiramente saber ao dito moesteiro e abadessa e conuento delle se o
querem tanto por tanto que o ajam. e nom ho querendo que entam ho
possam uender a tal persoa que nom seja das sobreditas mas que seja
tal que cumpra e guarde e mantenha as condiçoÕes deste contracto e
daquello por que foi uendido que o dito moesteiro aja sua quarentena
como ho dereito quer. e finadas as ditas três persoas da ujda deste mundo
que entam fique o dito logar ao dito moesteiro bem corregido e apro-
ueitado melhorado e nom pejorado liuremente e sem nehuQa contenda, e
elle dito Gomez Eanes obrigou os bées do dito moesteiro de lhe o dito
moesteiro liurar e defender e enparar o dito logar sempre nas ditas
três persoas de quem quer que lho embargar e de lhe manteer este
contracto sob pena de todas custas e despessas e perdas e dapnos
que a dita Inês Gonçalucz e persoas despois delia por ello fezerem
e rreçeberem e com çinquoenta reaes brancos em cada huú dia de
pena e jnteresse. e lhe deu poder que a dita Inês Gonçaluez per poder
deste contracto tome e possa tomar a posse do dito logar sem nehuúa
autoridade de justiça nem figura de jajzo. e a dita Inês Gonçaluez
que asy presente estaua tomou e rrecebeo em sy o dito logar denpra-
zamento nas ditas três ujdas com todallas condiçoões suso ditas as
quaaes se obrigou de ella e as ditas persoas todas conprirem e mantee-
rem e pagarem o dito foro e penssam em cada huú anno per a gujsa
que dito he sob a dita pena de çinquoenta reaes brancos em cada huú
dia com custas e despessas e perdas e dapnos que o dito moesteiro por
ello fezer e receber por todos seus bces aujdos e por auer e os das ditas
persoas que outros)' pêra ello obrigou, e em testemunho dello mandaram
asy fazer senhos estormentos. testemunhas que presentes foram Fernam
Rodriguez e Pêro Gonçaluez e Pêro Vaasquez do Auellaar tabelliaács e
outros e eu Aluaro Afomso pubrico taballiam geeral delRey nosso senhor
cm todos seus rregnos e senhorio que a esto pressente fu}' e este estor-
— 3i6 —
mento per mandado e outorgamento das ditas partes pêra a dita Inês
Gonçaluez screpuy e em elle meu publico signal fiz que tal he. Lxx
reaes.
Arquivo Nacional, Documentos do Convento de Almoster,
livro 8.°, doe. n." 14, n.° 184 vermelho.
XXII
2 DE ABRIL DE 1474
Em nome de Deus amem. Saybham quamtos esta presemte procu-
raçom virem que no anno do naçimento de nosso Senhor Jhesuu Christo
de mill iiij'^ seteemta e quatro annos doos dias do mes dabrill demtro no
alpemder do moesteiro de samta Maria dAlmoester da Ordem de sam
Bernaldo do arcebispado de Lixboa e termo da viila de Samtarem
seemdo hy presemtes a muyto omrada e onesta religiosa senhora Dona
Isabell dAndrade abbadessa do dito moesteiro e Inês dAfomseca prioresa
e Branca Rodriguez sobprioresa e Maria de Carualhaaes çeleireira e Eras
Afomsso samchristão e Isabell Dornellas e Breatiz Velha e Catalina Gill e
Inês dAfomseca, e Dona Isabell e as outras monjas e conuemto do dito
moesteiro que estauam jumtas e chamadas per ssoom de campa tamgida
segumdo seu costume, per a dita Dona Abadessa monjas e conuemto foy
dito que faziam e de feito fezerom ordepnarom e estabeleçerom por seu
certo procurador auomdoso e ssofiçiemte no melhor modo e forma que o
deuya seer e per dyreyto mais valer a Gomçalo Perez criado que foy de
Gomez Annes de Zurara comendador da comenda do Pinheiro, e que Deos
aja, amostrador da presente, ao qual derom e outorgarem todo seu com-
prido e liure poder e especial mamdado que por elas e em seu nome e do
dito seu moesteiro e conuemto possa ssoliçitar requerer e procurar todolos
feitos do dito moesteiro mouydos e por mouer que ora ellas e seu moes-
teiro ham e ao diante ouuerem com quaaesquer pessoas e sobre quaaes-
quer cousas que nomeadas possam seeer presemte elRey nosso senhor ou
presente quaaesquer outros corregedores juizes e justiças assy ecresiasti-
cas como secullares a quem o conhecimento pertencer reseruando que
sse alguija parte contrayra o quiser citar e demamdar per auçam noua
que o nom possa fazer nem valha o que sse hy fezer a menos de primei-
ramente a dita Dona Abadessa e seu conuemto sseer citada em pessooa
pêra saber a causa da demaaida sobre que he. e sse consselhar e dellibe-
rar sua rreposta e dar emformaçora a seu procurador e a sseos sobesta-
-3i7-
beleçidos como deuiam fazer. E que possa pedir demandar e receber
geeralmente todalas remdas e dyreitos foros e pemssoões e diuidas que ao
dito moesteiro pertencem ou pertencerem per qualquer modo e maneira
que seja, ora ssejam rrendas de pam vynlio lynho azeyte dinheiros cera mell
manteiga geyras esmollas ou merçees de reix ou senhores dyuidas passa-
das ou por vyr, e quaaesquer cousas outras que a ellas e ao dito seu moes-
teiro perteençerem, e do que ass}' elle ou cada huú de seos sobestabele-
çidos per seu poder e mandado rreçeber possa dar conhecimentos pagas
e quitaçoões quamtas e quaaes comprirem, e que outrossy podesse e possa
tirar quaaesquer prazos aforamentos ou arrendamentos que aa dita Dona
Abadessa conuento e seu moesteiro pertençam aquellas que com dyre3'to
€ rrazom sse desfazer e tirar possam em proueito delias e do dito seu
moesteiro. E breuemente possa emtrar por ellas e em seu nome e do
dito moesteiro em quaaesquer preytos e demandas perante as sobreditas
justiças como dito he com poder de citar estar em juizo pedir demandar
e rreçeber neguar conhecer louuar em juizes ordinários compromisairos
e comisayros e assy em quaaesquer outros ofiçiaaes que aos negócios e
feito forem necessários e compridoiros reuelias e abssoluçoÕes gaançar e
as outras purgar libellos emformaçoões petiçoões arrestos defesas contra-
riedades testemunhas escripturas e quaaesquer outras prouas dar e con-
tra os das partes auersas contestar depoer contrariar e contradizer impu-
nar precurar rrazoar e concludir e jurar em suas allmas juramento de
calunia e deçessoryo e de veritate dicenda e quaaesquer outros juramen-
tos ou juramento que lhe com dyreyto for demandado e em as partes
auersas o lleixarsse conprir ouuir sentenças e em ellas comsimtir não
consentir e das outras apellar e agrauar seguir e renunciar exceiçoões
ssospeiçoões enbargos poer e allegar fazer frontas requerimentos e pro-
testaçoões e de todo filhar estonnento ou estormentos e os persseguir
outros e quando conprir e dar toda a execuçam e breuemente e final-
mente ssobre todo esto que dito he e dello naçer e deçender e aos ditos
feitos e casos pertencer assy no prinçipall como necessário o dito seu
precurador possa precurar dizer e fazer todo aquello que o boom e fiell
precurador deue e pode fazer e como ellas meesmas fariam e deuiam
sse a todo de presente fossem rreseruando ssoomente pêra ellas que o
dito seu precurador nom possa arrendar emprazar nem aforar nem fazer
dello scriptos de todollos herdamentos terras e bées que o dito moesteiro
ha e ouucr em toda a terra da Estremadura, mas desto em fora em todollos
outros lugares e partes do regno elle Gonçallo Pirez seu precurador possa
aforar emprazar arrendar e fazer a escripturas e contratos que compri-
rem abastantemente assy como ellas o fariam sse de presente fossem e
— 3i8 —
per aqui lhe outorgaram todallas outras clausollas que huúa precuraçam
jeerall pode teer pêra sseer abastante e ssofiçiente e com poder de sso-
bestalabelleçer outro precurador ou precuradores em seu llogo e em
nome seu delias e do dito moesteiro pêra fazerem e comprirem as ditas
cousas e cada huúa delias como elle precurador deuisar e ordenar nos
sobestabelleçimentos e os reuogar cada uez que quizer e oficio da pro-
curaçom em sy a de cabo filhar, e lhes deram também poder reuogar
quaaesquer outros precuradores quando vir que nom ssom compridoiros
ou proueytossos ao dito moesteiro e a ellas e as fazer de nouo se elle
uir que compre pêra proll do dito moesteiro e seu delias, e disserom
que ellas auiam e prometiam dauer por firme e estauell pêra ssempre
todo aquillo que per o dito seu precurador e per cada huú de seos sob-
estabelleçidos foi feito dito precurado rreçebido reuogado e outorgado no
que dito he sobregaçara de sseuos bées e rrendas do dito moesteiro que
pêra ello rreallmente comprirom e os rrelleuarom de todo carrego de
satisfaçom como o dyreyto em tall caso outorga, e em testemunho desto
lhe outorgaram sseer feita esta precuraçom testemunhas presentes a esto
Nuno Pacheco caualeiro morador em Samtarem e Fernam Martinz allmo-
creue e Ayras Martinz teçellam moradores no couto do dito moesteiro c
Afomso Esteuez hy morador e outros e eu Dieguo Gonçaluez escudeiro
amo do Ifante Dom Fernando meu senhor que Deos tem e notairo ppu-
brico jeerall por elRey nosso senhor em todos seos regnos e senhorio
que esta procuraçom por outorga das sobreditas screpui e a todo esto
com as ditas testemunhas presemte fui e aqui meu ppubrico sinall fiz
que tal he.
Arquivo Nacional, Documentos do Convento de Almoster,
liv. 7.°, doe. 49.
XXIII
22 DE JUNHO DE 1482
Carta de legitimação de Catarina da Silveira
Dom Joham etc. Item carta de legitimaçam de Catarina da Silueira
donzella da Condessa de Loulé filha que foy de Guomez Eanes dAze-
uedo (i) caualeiro da hordem de Christo e comendador do Pinheiro ja
(i) Sic, leia-se da Zurara.
— 3ig —
finado e de Inês Gonçaluez molher solteira ao tempo da sua naçença, e
de nossa certa ciência e poder absoluto que auemos, despensamos com
ella e legitimamolla e abilitamolla e fazemmola legitima, e queremos
e outorgamos que ella aja e possa auer todallas honrras e priuilegeos
liberdades e jsenções que de feito e de dereito auer poderia asy como
de ligitimo matrimonio nada fosse, e que outrosy possa auer e herdar
os bées de sua madre e doutras quaesquer pesoas que lhos derem e
leixarem per quallquer guisa que seja asy per testamentos como cou-
diçilhos e per outra quallquer maneira de doaçom, e que as ditas pesoas
e quaesquer outras lhe posam fazer quaesquer doações tam bem antre
viuos como causa mortis, asy puros como condiçionaes, e que ella as
aja e possa auer asy aquellas que lhe forem feitas per nos como per
outras quaesquer pesoas e que outrosy posa ssoçeder em morgados e
quaesquer outras heramças e dereitos que lhe foram dados e leixados per
quallquer guysa que seja per aquelles que pêra ello poder ouuerem, con-
tanto que nom sejam bées nem terras que pertençam a coroa dos nossos
regnos, outrosy queremos e outorgamos que per esta legitimaçom a dita
Catarina da Silueira aja a nobrezia e priuilegio delia que per dereito e
commum hordenaçom e husamças de nosos regnos auer deueria asy
como se de legitimo matrimoneo nada fosse, nom embargando quaesquer
lex degredos decretaaes custumes custituições foros façanhas opiniões de
doutores quaesquer outras que esta legitimaçom poderiam anular ou
embargar, posto que taaes sejam de que em esta despensaçam deuese ser
feita espresa mençam, as quaes nos aquy auemos por expresas e nomea-
das, e queremos que em ela nom aja lugar, porque nosa tençam he de
legitimarmos a dita Catarina da Silueira o mais firmemente que nos poder-
mos fazer, e ella pode e deue ser pella guisa que dito he, nom embargamdo
todos os direitos e cousas suso ditas, que esto poderiam embargar, e sopri-
mos todo falecimento de solenidade que de feito e de dereito for necessário
pêra esta legitiraaçam firme ser e mais valer, empero nom he nosa ten-
ção que per esta legitimaçom seja feito nehú prejuízo a algíis herdeiros
se os hy ha e a outras quaesquer pesoas que algum dereito ajam em os
ditos bées e cousas que lhe asy forem dadas e leixadas. em testemunho
desto lhe mandamos dar esta nosa carta, dada em a nosa cidade dEuora
xxij dias do mes de junho. ElRei o mandou pellos doutores Joham Tei-
xeira do seu conselho e Fernam |Rodriguez anbos descnbargadores do
paço. Joham Jorge a fez. ano do naçimento de noso Senhor Jhesuu
Christo de mill e iiij"^ Ixxxij [anos].
Chancelaria de D. João II, liv. 2.°, foi. i38.
320
XXIV
8 DE ABRIL DE 1483
Gomçallo Gome:{ da Zurara filho de Gome\ Eannes da Zurara
comendador da liordem de Christo.
Dom Joham etc. Item carta de legitimaçam em forma de Gomçallo
Gomez da Zurara escudeiro de nossa casa filho de Gomez Eanes da Zu-
rara comendador da hordem de Christo e de Inês Gomçalluez molher
solteira ao tempo de ssua nacemça e de nossa certa çiemçia etc. Dada
em Torres Nouas biij dias dabrill. ElRey ho mamdou per os doutores
Fernam Rodriguez e per Martim Pinheiro etc. Joham Jorje a ffez. de
iiij'^ Ixxxiij.
Arquivo Nacional, Legitimações de leitura nova, liv. 1.°, foi. 248, r.
XXV
8 DE ABRIL DE 1483
Felipa Gome:{ filha do sobredito [Gome{ Eannes da Zurara
comendador da hordem de Christo].
Dom Joham etc. Item outra tall como a de cima de Felipa Gomez
filha dos sobreditos, etc no dito dia per os ditos doutores. Joham Jorje
a fez. anno de mill e iiij'^ Ixxxiij.
Arquivo Nacional, Legitimações de leitura nova, liv. i.", foi. 243, r.
XXVI
8 DE MARÇO DA ERA DE 141 1 (iSyS J. C.)
Esta carta he falsa e nam deue de estar aquy
Dom Ffernando pella graça de Deos, Rei de Portugal e do Aigarue.
A quantos esta carta virem fazemos saber que veendo e conssijrando
muitos seruiços que recebemos de Dom frey Nuno Rodriguez meestre da
cauallaria de hordem de Jhesuu Christo em muitos lugares de nossos
— 321 —
rregnos e em Galliza c em nos rregnos de Castella e em outros lugares
desuairados em tempo de guerra aficada e contenda que ouuemos e aue-
mos com elRey de Castella e de Liam em que nos elle seruio e serue
muy lealmente per o corpo e com suas jentes com cauallos e armas aas
suas próprias despesas e dos beens da ditta bordem e com[o] justa
rrazom e digna cousa he que os leaaes vassallos e bem niereçentes rece-
bam gualardom e mcrçee dos senhores que seruem moormente em tempo
tam arduu e de tanta necessidade como elle a nos seruio e serue e que
lhe seja per nos rremunerado e aos outros meestres de cauallarias e
caualleiros e fidalgos e vassallos sseja exemplo meritiuo de lealmente
seruirem a nos e aos outros rrex que depois vierem. E porem nos de
de nossa própria e liure vontade e mera liberdade e de nosso poderio
absolluto e próprio mouimento ssem outro rrequerimento e emduzimento
que nos fosse feito nem pedido per nehúa pessoa ffazemos mera e pura
e liure doaçam ao dito meestre e a dita sua hordem pêra todo ssen-
pre assy como antre os viuos per razam da vida de toda a jurdiçam omni-
moda e mero e misto inperio que nos auemos e de dereito podemos auer
tam bem no ciuell como no crime, em as villas de Tomar e de Poomball
e de Soure e de Castell Bramco e de Nisa e de Alpalham e de Castell
da Vide e de Villa Franca de Xira e em todos seus thermos das ditas
villas e em todallas outras villas e lugares da dita hordem, em que a
dita hordem ha jurdiçam .s. em nos quaaes sobreditos lugares e villas o
dito meestre e hordem ha jurdiçam e correiçam, e das sentenças dos
juizes e justiças das ditas villas e lugares apellam pêra o dito meestre e
sua hordem. e das sentenças do dito meestre ou seu ouuj^dor ou corre-
jedor apellam pêra nos tam bem nos feitos ciuees como nos crimes.
Outrossy os taballiaães das ditas villas e lugares apresentam a elles o
dito meestre e hordem, e elles ditos taballiaães juram a nos e nos con-
firmamollos e chamamsse nossos taballiaães e per nossas cartas ssom
dados. Outrossy os corregedores que per nosso mandado correjem
nos ditos nossos rregnos entram e correjem nos ditos lugares da dita,
em que assy a dita ordem ha jurdiçam como dito he, e assy se husou
e continuou ataa ora. E nos querendo conhecer e rremunerar os ditos
seruiços que nos o dito meestre e sua hordem fez e faz como dito he
anpliando e decrarando sobre a dita mera e pura doaçam damos e
outorgamos aa dita hordem toda e omnimoda jurdiçam e senhorio e
mero e misto (i) inperio que auemos e de dereito deuemos auer em todas
as sobreditas villas e lugares e em seus thermos tam bem nas pessoas
(i) Ms. místico
— 322 —
como nas terras, tam bem no [ciuell] como no crime, com esta modi-
fi[ca]çam que se ssegiie. Que os taballiaaes ssejam confirmados e jura-
dos e dados pello meestre des aqui adiamte e sua hordem tan ssolla-
mente e per suas cartas e [nom per] nos. E que dos feitos ciuees sseja
apellado das sentenças dos juizes e justiças [das ditas] villas e lugares
tam soomente das sentenças que assy forem dadas pêra o meestre ou
pêra [os seus ouuydores] e nos ditos feitos ciuees nom ssejam apellados
pêra nos mais. E das sentenças que forem [dadas] per os ditos mees-
tres ou ouu3'dores ou correjedores nos feitos crimes sseja [apellado pêra]
nos, como sse senpre husou. E que os sobreditos correjedores nossos
nom [entrem nem] corregam nas villas nem lugares da dita ordem per a
dita correiçam que de nos ouuerom. saluo sse do dito meestre ou seu
ouuidor ou correjedor forem dadas querellas ou denunçiaçoões per algúas
pessoas dalguús malleficios e os nom querem correjer e fazer dereito e
justiça o dito meestre ou seus ouuidores e correjedores, que então entre
o nosso corregedor [e] correga nos ditos lugares e faça dereito e justiça
aos ditos querellosos e doutra guisa nam. E queremos e outorgamos
que o dito meestre e sua ordem [ajam] pêra senpre a dita omnimoda
jurdiçam e mero e misto inperio como dito he. E que nos nem outros
rrex que depôs nos vierem nunca possam rreuogar esta doaçam, e sse a
reuogarmos que nom ualha. E pêra esto seer firme queremos e dimiti-
mos e damos toda a dita jurdiçam e senhorio e dito mero e misto inpe-
rio e todo outro nosso dereito na dita hordem exsseymdoo e tirandoo
de nos e poendoo na dita hordem ssegundo dito he. Mandamos a
todallas justiças dos ditos rregnos que lhe nam ponham embargo nehúu
nas ditas jurdiçoões das sobreditas villas e lugares e de cada húu delles
mais que deixem acusar e possuir o dito meestre e seos subçessores e
sua hordem pêra senpre polia guisa que dito he. E em testemunho
desto mandamos dar ao dito meestre e a dita sua hordem esta nossa
carta. Dante em Ssantarem biij dias de março. ElRey o mandou.
Afomso Pirez a fez. Era de mill e nVf xj. anos.
(De outra letra mais moderna):
Esta carta atras em lugar de titolo diz que he falsa e que nam deue
destar aquj' e nam se sabe per quem foy scripta nem a carta riscada
como estaa, porem parece que deuya de seer per oficial desta Torre
do Tombo a que pertemçese e o podesse fazer e do caso soubesse pêra
o poder afyrmar ajnda que nom consta per a letra nem per outro nehúu
synal.
Chancelaria de Dom Fernando I, livro i.°, foi. 201 r e v.
— 323 —
XXVII
12 DE JANEIRO DE 1479
A elRey semtemça comtra a hordem de Chvislo per que foy declarado e
juUgado a ssoperioridade da jurdiçorii çiiiell de todallas terras da dita
hordem seer do dito senhor e lhe perteemçer e a nam poder de ssy
tirar dar nem transmudar em hordem nem em pessoa algíiua, e mais
proniimçiamdo por nehãus e de nehmi efeito todoUos procedimentos
que os ojffiçiaaes da dita hordem federam comtra certas pessoas mora-
dores em a villa de Punhetc sobre os canaaes do Ze^er, e que fossem
rrestituidos, etc.
Dom Affomsso, per graça de Deus, Rey de Castella, e de Liam, de
Portugall, de Tolledo, de Galliza, de Seuilha, de Cordoua. de Murçia, de
Jahem, e dos Algarues daaquem e daalem mar em Allrica, das Aliaziras,
de Juballtar, senhor de Bizcaia e de Mollina. A todollos Corregedo-
res, juizes e justiças, offiçiaaes e pessoas de nossos rregnos, a que o
conhecimento desto perteemçer, e esta nossa carta de semtemça for mos-
trada, saúde. Sabede que peramte nos em esta nossa corte e casa de
sopricaçom se trautou húu fecto amtre partes .s. Lopo Dias, e Fernam
Martins, e Joham Aluares, e Amtam Affomsso Couchado, e Dieg[o]
Alluares, e Fernam Fernamdes, escudeiros moradores em Punhete, como
rreeos e sopricantes de huúa parte, e Eytor de Sousa caualleiro da casa
do Duque de Vizeu, meu muyto amado e prezado sobrinho, e comenda-
dor da Cardiga como autor, e opoemte em o dito fecto a Iffamte Dona
Briatiz minha mujto prezada e amada jrmãa, como tutor e curador do dito
Duque seu filho, rregedor e gouernador de hordem de Christo e em seu
nome. E isso meesmo o Doutor Joham dFlluas procurador dos nossos
fectos como nosso procurador e em nosso nome. O qual fecto veeo aa dita
nossa corte per huiía carta testemunhauel, que os ditos rreeos tomarom
damte Sabastiam da Costa ouuydor do dito Duque em suas terras do
dito meestrado de Christo, com o theor de certos autos que sse peramte
o dito ouuydor passarom, per os quaaes se mostraua que peramte elle
pareceram os ditos rreeos, e lhe apresentarom huij nosso aluara per
nos sijnado, per o quall lhe mamdauamos, que rrestituisse e metesse
logo em posse os ditos rreeos dos beês e canaaes, de que eram esbu-
lhados pollos rregedores da dita hordem, assy como dantes estauam, e
assy das rremdas que os ditos becs e canaaes tiuessem remdido des o
-324-
tempo, que da dita posse eram fora; por quamto os ditos rregedores
lhe deueram rreçeber e dar apellaçom dos fectos, que o dito Eytor de
Sousa comtra eiles ouuera sobre os ditos canaaes, em que os ditos rrege-
dores comdepnarom e esbulharem da dita posse, e os deueram leixar
estar em ella, atee a dita apellaçom seer fijmda. E visto como os
ditos rreeos emtam eram leygos por a propiedade por que eram demam-
dados nom seer da dita hordem de Christo, e elles dizerem e afirma-
rem, que os ditos beés eram seus, mamdamos aos ditos rregedores que
lhe dessem a dita apellaçom pêra os sobrejuizes da nossa casa do ciuell
desta cidade de Lixboa, e lhe assinassem termo, e assy ao dito comem-
dador, a que parecessem peramte elles a rrequerer seu dereito. E em
comprimento do dito nosso mamdado o dito Sabastiam da Costa se fora
logo aas ribas do Zêzere, omde os ditos canejn-os estam, e metera e
ouuera logo os sobreditos por metidos em posse delles, e assi dos outros
bêes de que os sobreditos eram esbulhados e forçados pollos ditos rre-
gedores e comemdador, nom os meterado logo porem em posse das
remdas que os ditos canaaes e bées rcmderam. E que sem embargo
de elles rreeos serem pollo dito ouuydor metidos de posse dos ditos
caneyros e herdades, e estarem ja em ella, que logo dhi a dous dias,
teemdo elles os ditos caneyros lamçados per seus homées, que homées
do dito comemdador foram per seu mamdado aos ditos caneyros, e lhe
tomaram homze lampreas, que os ditos caneyros aquella noite pescarom,
forçr.mdoos e esbulhamdoos da dita sua posse, em que ja assi estavam,
rrequeremdo elles ao dito ouuydor que os rrestituisse a sua posse outra
vez, como lhe per nos era mamdado. Por cuja razom o dito ouuydor
mandara dizer per huú escripuam damte elle ao dito comemdador, que
sob pena de çem cruzados rrestituisse logo os ditos rreeos aa sua posse, e
lha leixasse teer liuremente, atee os ditos fectos seerem fimdos em a dita
nossa casa do çiuell, como per nos era mamdado. O que todo lhe o
dito escripuam fora dizer, e pubricar. E ssem embargo de todo o dito
comemdador os nom quisera rrestituir aa dita posse, antes viera com
húus embargos a sse o dito nosso aluara nom auer de executar, dizemdo
e allegamdo, que o conhecimento delle nom perteemçia a elle ouuydor
soomente aos ditos rregedores, que do dito caso for^i juizes, e tijnham
dello bõo conherimento. E sem embargo dello, o dito ouuydor mam-
dara ao dito comemdador, que sob a dita pena leixasse logo liuremente
a posse dos ditos canaaes aos ditos rreeos, a mamdara ao escripuam
damte elle, que lhe desse dello carta de posse. Do quall mamdado o
dito çomem«dador apellara e agrauara pêra os ditos rregedores, e elle
ouuydor lhe nom rrecebera apellaçom nem agrauo, aqueixamdosse o dito
— 325 —
comemdacior dello aos ditos regedores por cuja rrazom elles mamdarom
ao dito escripuam que nom desse cartas de posse aos sobreditos, e lei-
xasse ass}' todo estar quedo, dizemdo que o conhecimento do caso nom
perteemçia a elle ouuydor, soomente a elles. Polia qual razom os ditos
rreos rrequereram ao dito escripuam, que lhe desse suas cartas de posse,
e elle lhas nom quisera dar, por lhe seer mamdado pollos ditos rrege-
dores que lha nom dessem etc. E com todo e com a rreposta do dito
ouu3-dor e comemdador, e autos que sse sobre ello passarom, os ditos
rreeos pediram a dita carta testeraunhauell, e o dito ouuydor lha man-
dou dar, segumdo que em ella todo esto e outras cousas muy mais
compridamemte eram comtheudas. A quall peramte nos foy apresem-
tada, e mamdamos que o dito Eytor de Sousa fosse citado pêra em a
dita nossa corte auer de rrespomder, e lhe seer fecto dereito. E õoy
satisfeito o nosso mamdado. E o dito comemdador veo peramte nos
citado, e per seu procurador, e assy pollo procurador dos ditos rreeos
ao dito fecto razoado, dizendo o procurador dos ditos rreos, que elles
foram primeiro demamdados per o dito Eitor de Sousa, presemte os
rregedores da dita hordem, por os ditos canaaes, pêra os obrigar a lhe
fazer foro e pemsam delles, e que elles sopricamtes diclinarom seu
foro, dizendo que eram seus próprios. E que sem embargo dello os
ditos rregedores deram semtemça comtra elles, e lhe nom quiserom rrece-
ber apellaçom pêra nos, saluo pêra o Iffamte Dom Fernamdo meu
irmaão que Deos aja. Pollo quall nos mamdarpmos que a dessem toda-
uia pêra os sobrejuizes, e que emtre tamto nom procedessem cousa
alguúa comtra elles sopricamtes. O que elles rregedores fazer nom quise-
rom, amte o dito Eitor de Sousa se fora loguo meter de posse. Pollo
quall nos mamdaramos por nosso aluara que logo fossem tornados a sua
posse ass}' dos canaaes como do pescado. E como quer que fossem
rrestituydos na dita posse dos canaaes, pêro nom do pescado, logo dhi a
dous dias o dito Eitor de Sousa per sua própria força, e sem embargo
do dito nosso mamdado, e da pena de cem cruzados pollo dito ouuydor
posta, fora esbulhar outra vez os sopricamtes, e os tijnha ajmda forçados.
Pollo quall nos pediam por merçee que os rrestituissemos e mamdasse-
mos rrestituir aa posse dos ditos canaaes, com todo o pescado que des
emtam atee ora teuera, e mais lho comdenassemos nas custas. E visto
per nos todo, ouuydos os procuradores das partes, e esso meesmo Dom
Pedro vigayro de Tomar, que em nossa rrelaçom e peramte nos disse,
que sse queria ao dito fecto opoer por bem e proueyto da jurdiçom da
dita hordem de Christo. Mamdamos que as- ditas partes e o dito
vigayro apresemtassem em o dito fecto todas escripturas e autos e sem-
— 326 —
temças de que sse emtemdessem dajudar, e trouuessem primçipallmente
as semtemças e autos, de que sayrom, em que o dito Eitor de Sousa
demamdara aos ditos sopricamtes presemte os ditos rregedores, e sobre
todo as ditas partes dissessem de seu dereito, e o dito doutor Joham
dElluas visse e procurasse o dito fecto por nossa parte etc. E foy em todo
satisfe3'to a nosso mamdado, e per as ditas partes em o dito fecto apresem-
tadas certas escripturas, e assy apresemtarom os ditos fectos e autos que
sse peramte os ditos rregedores tratarom, e per os quaaes se mostraua
que o dito comemdador demamdara os ditos sopricamtes peramte o ouuy-
dor da dita hordem, dizemdo comtra elles que verdade era que a dita sua
comemda da Cardiga tijnha privillegios amtijgos, per que lhe era feita per
os rrex que amte nos foram pura doaçam pêra todo sempre da meetade
daugua do Zezer. E que sobre ello tijnha certas cartas do Iffamte Dom
Hamrrique meu tio, e do Iffamte Dom Fernamdo meu jrmaão, que Deos
aja, per que mamdauam que nenhuQ nom fizesse caneyros no dito rrio do
Zezer sem licemça do comemdador. E que nom esguardamdo elles
rreos esto, per sua força e autoridade se emtremeteram a fazer, como
de feito fezerom seus canaaes no dito rrio naugua da dita hordem, sem
o fazerem saber ao senhorio, per a quall rrazom deuiam perder todo o
que assy fezerom pêra a dita hordem, ou lhe fazerem foro delles, como
cousa da dita hordem. Pedimdo elle dito comemdador comtra os ditos
rreeos que elle dito ouuydor lhe jullgasse os ditos caneyros seerem da
dita hordem. E que elle por seer comemdador, a que de dereito per-
teemçiam, por seerem da dita sua comemda, os ouuesse, e mais lhe com-
denasse os ditos rreos nas custas. Sobre o quall libello foy pronumçiado
pollo dito ouuydor que procedia. E mamdando aos ditos rreeos que
rrespomdessem a elles. Pollos quaaes foy dito e allegado, que elles eram
homées leygos, e que sua jurdiçam nom perteemçia ao dito ouuydor,
por elle seer caualleyro da dita hordem, e elles rreeos eram da nossa
jurdiçam, e moravam em Punhete, em o quall lugar a hordem nom
tijnha jurdiçam, soomente nos e os juizes per nos postos. E que os
ditos caneyros eram seus delles sopricamtes e nom da dita hordem. E
assy que elle ouuydor nom era seu juiz, nem elles peramte elle deuiam de
rrespomder, rrequeremdo que as rremetesse aos juizes de seu foro, que
eram os juizes da dita villa de Punhete, protestamdo nom o queremdo
elle ouuydor fazer, lhe seer todo per nos corregido. E sem embargo
das ditas rrezoões e protestaçoões o dito ouuydor procedera tamto per o
dito fecto em diamte, que os comdenara que abrissem maao dos ditos
caneyros e bees que tijnham a par delles, e jullgou todo ao dito Eytor
de Sousa, e comdenou os ditos rreeos nas custas, e elles apellarom da
— 327 —
dita semtemça, e elle ouuydor lha rreçebeo para os rregedores da dita
bordem, os quaaes em todo comfirmarom a semtemça segumdo todo
esto e outras muytas cousas se mostrava per os fectos, que o dito Eytor
de Sousa autor comtra os ditos sopricamtes ouuera peramte o dito ouuy-
dor e offiçiaaes da dita bordem. E litigamdo as ditas partes sobre elies
e sobre o dito fecto, a dita Iffamte se veo opoer a elle, em nome e como
tutor ligitima do dito Duque seu filho, rregedor da dita bordem, dizemdo
que sabemdo ella como em a dita nossa corte pemdia a dita demamda e
fecto amtre os sobreditos sopricamtes e o dito comemdador autor sobre
os ditos canaaes, em o qual! fecto se trazia em duuyda a jurdiçam que
aa dita bordem perteemçia, e per comseguimte ao dito Duque seu filho,
rregedor e governador delia, ella, pollo que em ello perteemçia ao dito
dito Duque seu filho, como sua legitima tutor, se opunha em o dito fecto,
pêra allegar por sua parte e da dita bordem seu dereito. Offereçera-
do logo por sua parte e em nome da dita bordem e comemdador cer-
tas escripturas, amtre as quaaes era huúa delRei Dom Fernamdo, que
fora tirada da nossa Torre do Tombo, em a quall se comtijnha, amtre as
outras cousas que veemdo elle e comsijramdo os muytos serviços, que
rrecebera de Dom Frey Nuno Rodriguez, meestre da cauallana de bor-
dem de Jesus Cbristo, elle de sua liure voom.tade e mera liberallidade, e
de seu poderio absolluto e próprio mouimento, sem outro rrequerimento
e emduzimento, que lhe fosse fecto nem pedido per nenhuúa pessoa,
fezera mera e pura e liure doaçam ao dito meestre e aa dita sua bordem
pêra todo o sempre, assy como amtre os viuos per razom diuida de toda
jurdiçam e mero misto império, que elle auia e de dereito podia auer,
tam bem no çiuel como no crime, em as villas de Tomar, e de Pomball, e
de Soure, e de Castell Bramco, e de Niza, e dAlpalham, e de Castell da
Vide, e de Villa Franca de Xira, e em todos seus termos das ditas villas,
e em todallas outras villas e lugares, em que a dita bordem ouuesse
senhorio, por esta guisa .s. que os taballiaães fossem dados e comfir-
raados e jurados per o meestre e sua bordem tam sollamente e per
suas cartas, e nom per elle Rey Dom Fernamdo, e que dos fectos çiuees
fosse apellado das semtemças dos juizes e das justiças das ditas villas e
lugares tam sollamente das semtemças que assy fossem dadas, pêra o
meestre ou pêra os seus ouu}'dores, e nos ditos fectos çiuees nom fosse
apellado pêra elle mais. E das semtemças que fossem dadas per os
ditos meestres ou ouuydores ou coi regedores nos fectos crimes fosse
apellado pêra elle como sse sempre busara. E que os seus corregedores
■om emtrassem nem corregessem nas villas nem lugares da dita bordem
per correyçom jecral, que assy delle ouuessem, saluo se do dito mees-
— 328 —
tre ou seu ouuydor ou corregedor fossem dadas querellas ou denunçia-
çoões, e doutra guisa nam. E queria e outorgaua que o dito meestre
e sua bordem ouuessem pêra sempre a dita jurdiçom e mero e misto
jmperio, como dito he, segundo todo esto na dita carta do dito Rey Dom
Fernamdo mais compridamente se contijnha. A quall vista per nos, e
pêra sse a verdade saber, e a dita carta examinar, mamdamos a Aífonsso
dObidos que tijnha carguo da Torre do Tombo, domde a dita carta fora
tirada, que nos mostrasse o liuro dos rregistos do dito Rej' Dom Fer-
namdo, e o leuasse aa nossa rrellaçom a amostrar aos nossos desembarga-
dores, e leuasse comssigo os escripuaães da dita Torre. O quall satisfa-
zendo a nosso mamdado leuou comsigo o dito liuro e escripuaães da dita
Torre, em o quall estaua escripta a dita carta de doaçara no cabo do dito
liuro, nom per letra do escripuam que o dito liuro escrepuera. O quall
rregisto mamdamos peramte nos leer, e fezemos pregumta ao dito Afíomso
dObidos se sabia elle como fora posto o dito rregisto no cabo do dito
liuro, o quall disse que o nom sabia. E nos isso meesmo fezemos pre-
gunta a Fernam dElluas, escripuam do dito Tombo, que o dito liuro
trelladara, se sabia como fora alli posto o dito rregisto no cabo do dito
liuro. O quall disse que nom sabia nem tall letra nom fezera, nem a
conhecia, nem sabia quem a fezera, nem tall rregisto nom achara nos
liuros velhos por homde elle trelladara o dito liuro, porque se o em elles
achara, que o trelladara, como fezera a outros semelhantes. E também
fezemos pregumta a Ruy Lopes, outrossy escripuam da dita Torre, se
sabia elle como fora posto o dito rregisto no cabo do dito liuro, e sse
conhecia a dita letra, o quall disse que elle nom sabia como o dito rre-
gisto alli fora posto, nem conhecia a dita letra. E nos lhe fezemos en-
tam pregumta, se escrepuera elle huúa carta da dita Iffamte, que pare-
cia seer trellado do dito rregisto. E elle disse que ssy. E nos lhe feze-
mos ajmda pregumta, sse a trelladara do dito liuro, ou doutro alguú da
dita Torre. E elle disse que nom, mas que verdade era que Gomez
Eannes de zurara, seemdo guarda da dita Torre, lhe dera o trellado
delia escripto em papell, e que per alli a fezera. E logo o dito rregisto
foy uisto com huiJa carta, que parecia ser trelladada do dito rregisto,
fecta per Gomez Eannes crelligo criado do dito Gomez Eannes, e vista
huíia letra com a outra, foy achado seer toda jrmãa. Ao quall Aífomso
dObidos nos jsso meesmo mandamos, que buscasse todallas escripturas
da dita Torre, sse acharia algúu rregisto ou carta, per homde fora trella-
dado o dito rregisto, que estaua no cabo do dito liuro. O quall logo
foy buscar todallas escripturas, que na dita Torre estauam, e nom achou
tall escriptura, nem rregisto, per carta nem per liuro velho nem nouo
— 329 —
etc. As quaaes pregiimtas e exame que sse assy fézerom, foram escriptas
no dicto fecto, e passado assy tudo esto, seemdo ja a verdade do dito
fecto sabida, pollo Doutor Lopo Gomçalluez, em nome da dita Iffamte, e
do dito Duque seu filho, e per ella meesma foy dito, que ella se deçia
da dita oposiçom a que se oposera, por nom teer procuraçom do cabido
da bordem, nem suas escripturas, pêra em seu nome o dito fecto auer
de rrequerer etc. E visto assy todo por nos, e como per parte da dita
bordem, pollo dito Doutor Lopo Gomçalluez em nome da dita Iffamte,
como tutor legitima, que he do dito Duque seu filho, fora allegado per
escripto, e per pallaura em a nossa rrellaçom, presemte a dita Iff'amte,
que o comssemtira, e nom comtradissera, em ajuda do dito Eytor de
Sousa, que a dita bordem tijnba jurdiçom ecclesiastica, e toda a jurdi-
çom temporal! çiuell de todallas cousas e terras que aa dita bordem per-
teemçiam, sem nos em ella mais termos superioridade. E esto afim de
nom perteemçerem, nem vijrem as appellaçoões nem agrauos dos ditos
canaaes a nos nem a nossos desembargadores, allegamdo o dito Doutor
pêra esto a dita carta do dito Rey Dom Fernamdo, e assy a allegarom o
procurador do dito comemdador, e assy o vygayro na dita bordem,
que dissera, que se queria por parte delia ao dito fecto opoer. E visto
como fora mamdado, que sse posesse no dicto fecto a procuraçom da dita
Iffamte, pêra o dito Doutor por parte da dita bordem o poder procurar,
e que o dito Duque desse a ello comssemtimento, segumdo que em sua
ydade coubesse; e por seer mais firme que o dito Doutor lhe fosse
dado por curador. E como nom era rrazom, que a comtemda da dita
jurdiçom ficasse por determinar, por seer cousa que tamto a nos e a
nossos rregnos perteemçe, e aa diçisom do dito fecto, nos demos
em o dito fecto por curador ao dito Duque o dito Doutor, vista sua
boomdade, sabedoria e firmeza, que a dita Iffamte e o dito Duque
tijnham em o elle por elles muy bem e fiellm.ente fazer, e o dito vigayro
dissesse por parte da dita bordem quallquer cousa que elle quizcsse,
pois dissera que ao dito fecto se queria opoer, etc. O quall nosso
mamdado foy noteficado ao dito vigayro, dizemdo elle, que por parte
da dita bordem se nom queria ao dito fecto opoer, e em caso que o
fazer quisesse, que nom tijnba procuraçom da bordem, e que nos o
desembargássemos como per dereito achássemos. E estamdo assy o dito
fecto em estes termos, em elle foy offerecido búu nosso aluara per nos
signado, por o quall mamdamos que o dito fecto sse desembargasse, assy
açerqua dos ditos canaaes, como da dita jurdiçom; e amte de sobre ello
darmos finall desembargo, por mais abastamça, e sse satisfazer ao que a
dita Iffamte e o dito Duque seu filbo rrcqueriam, .s. que o comuemto
4»
— 33o —
da dita hordem deuia seer rrequerido, mamdamos que húu escripuam
da dita nossa corte, por se mais em certo e em breue o dito fecto ao
todo finallmente desembargar, assy sobre a jurdiçom, que he a mais
primçipall e mais perjudiçiall parte delle, posto que sobre os canaaes
se primeiramente começasse, fosse aa villa de Tomar, homde o com-
uemto da dita hordem de Christo estaa, e seemdo jumtos o prioU e
fravres delia em cabidoo, elle os rrequeresse e citasse, que emuiassem seu
procurador a esta nossa corte pêra alegar e dizer quallquer cousa, que
elles emtemdessem, que aa dita hordem perteemçesse açerqua da jurdi-
çom çiuell e soperioridade delia que o sobreditos lífamte e Duque deziam
que aa dita hordem perteemçiam, sem nos em ella mais rreconheçer, e
emuiassem quaaesquer escripturas que emtemdessem que lhes fossem
necessárias, e jsso meesmo sobre os ditos canaaes se quizessem. E
demos poder e autoridade ao dito escripuam que per ssy podesse fazer
todos os ditos autos, e delles dar ffee e testemunho de verdade pêra
todos .s. nos e a dita lífamte e Duque seu filho, e \ygayro da dita
hordem e o dito comuemto, e moradores de Punhete serem cumpri-
damente ouuydos, e lhe seer fecto comprimento de direito; e foy em
todo satisfeito ao dito nosso mamdado, e os sobre ditos foram citados,
e os autos que sse sobre ello fezerom em o dito fecto apresemta-
dos, e sobre elles e sobre todo o dito fecto e escripturas de huúa
e outra parte em elle apresemtadas pollos procuradores das ditas partes
tamto rrazoado, que o dito fecto foy peramte nos finallmente com-
cluso. O qual visto per nos em rrellaçom com os do nosso desem-
bargo acordamos, que visto o dito fecto com todoUos autos e proces-
sos e escripturas em elle comtheudas, em o quall se mostra que Eytor
de Sousa, comem.dador da Cardiga da hordem de Christo, autor demam-
dou peramte o dito ouuydor e offiçiaaes da dita hordem estes rreeos
por certos canaaes de pescaria, que possoyam no rrio do Zezer, dizemdo
que eram da dita hordem, e lhe perteemçiam e por comsseguimte a
elle dito comemdador, por seerem das perteemças da dita comemda. E
visto como a Iffamte Dona Briatiz, como tutor legitima do dito Duque
Dom Diego seu filho rregedor da dita hordem e o vygayro delia se
opozeram ao dito fecto, e ella e seus procuradores e leetrados, sobre a
comtemda dos ditos canaaes, foram por parte da dita hordem compri-
damente ouuydos, e como pemdemdo o dito fecto sobre elles, ella dita
Ifíamte. e seus procuradores disserem e allegarom por parte da dita
hordem, e com ajuda do dito comemdador, que a soperioridade da jur-
diçom ciuell de todas suas terras lhe perteemçia, e por comsseguimte
ao dito Duque seu filho, rregedor delia, e a seus offiçiaaes, sem nos em
— 33i —
ella rreconheçer, nem nossos desembargadores, e assi o conhecimento do
dito fecto nom perteemçia a elles, allegamdo huúa carta dclRej' Dom
Fernamdo, que Deos aja. de doaçom de soperioridade da dita jurdiçom,
cujo trellado apresemtarom em iiuija carta da nossa Torre do Tombo,
em que era comtheudo, que o dito Rey Dom Fernamdo dera aa dita
hordem em todas suas terras a soperioridade da dita jurdiçom çiuell, e
por se a dita carta examinar e a verdade saber, foy mamdado que o liuro
de rregisto do dito Rey Dom Fernamdo fosse trazido aa dita rrellaçom,
na quail foy visto e examinado per os ditos desembargadores com os
offiçiaaes da dita Torre, e foy sabida a verdade, e fecto esto, a dita
lííamte e seus procuradores e vygayro cessarom, e nom quiserom mais
fallar nem proseguir a comtemda da dita jurdiçom. E visto como a
comtemda da dita jurdiçom era tam perjudiçiall e tamto tocamte a nos e
a nossos rregnos, e isso meesmo aa dita hordem he necessária, pêra sse
o fecto dos ditos canaaes determinar, e como outrossy nos em espiçiall
mamdamos que sse determinasse, e a dita Iffamte foy rrequerida e foy
dado curador ao dito Duque seu filho, rregedor, o quall isso meesmo foy
rrequerido. E o dito vigayro e prioll e comuemto da dita hordem foram
citados e rrequeridos, que dissessem e allegassem todo o que emtemdes-
sem açerqua da dita jurdiçom e canaaes, e trouxessem quaaesquer escri-
pturas, que lhes perteemçessem, seemdolhes em ello feitas muitas abas-
tamças. E visto como a dita carta tirada da Torre, nom foy achada no
rregisto do dito Rey Dom Fernamdo, e foy posta e emadida fallssamente
no cabo delle, seemdo ja acabado e emcadernado, nom per letra do
escripuam, que o dito liuro escrepueo, e como despois do tempo da dita
carta, per o dito Rey Dom Fernamdo foy determinado per hordenaçom
jeerall, que persoa alguúa de quallquer estado e comdiçom que fosse,
nem a dita hordem de Christo, nem outra alguúa hordem nem pessoa,
nom tiuesse nem podcsse teer soperioridade de jurdiçom alguúa, sem
embargo de quaaesquer cartas dadas per elle e pellos rrcx seus anteces-
sores, com quaaesquer clausuUas e perrogatiuas que fossem dadas. E
como assy peila dita hordenaçom, como per dereito comuum, a soperio-
ridade das jurdiçoões sam assy comjumtas c unidas aa dinidade e prim-
çipado rreall dos ditos rregnos, que delle nom podem seer tiradas, apar-
tadas, nem desnembradas, nem per maneira alguúa emalheadas. Pro-
nuncianos, declaramos, e juligamos a. dita soperioridade da jurdiçom
çiuell seer nossa, e nos perteemçer, e nom a podermos de nos tirar, dar,
nem transmudar em hordem, nem em pessoa alguúa. E visto como a
soperioridade da dita jurdiçom perteemçe a nos, e como ho ouuydor, e
offiçiaaes da dita hordem procederam comtra os ditos rreeos .sobre os
— 332 —
ditos canaaes jnjustamente, e como nom deuiam, e ainda desordenada-
mente, nom lhes rreçebemdo agrauo, nem apellaçom pêra quem deuiam,
porque per quallquer maneira de jurdiçom, que comtra elles procederam,
he certo que ssom rreeos, e per a mayor parte moradores fora da jurdi-
çom da dita hordem, e que sempre disserom que os ditos canaes eram
seus, e nom da dita hordem, e rrequereram, que os rremetessem a seus
juizes, ou a quem o conhecimento perteemçesse; e que numca comtra
elles foy prouado, como per dereito deuiam, que as propiedades dos
ditos canaaes fossem da dita hordem; ca se nom segue, nem conclude
que por a comarca da terra em que os ditos canaaes estam, seer da dita
hordem, que os homées particuUares que em ella, ou em outras partes
moram, nom tenham em ella propiedades, como tem nos outros lugares
da dita hordem, nem poderam o dito Duque e seus ofíiçiaaes, como
leigos, dos ditos canaes sem soperioridade conhecer, por estarem na terra
da dita hordem, porque conhecendo assy, seria o dito rregedor com os
ditos ofíiçiaaes juiz em seu fecto próprio, nas cousas da dita hordem, o
que he comtra dereito e rrazom, e contra determinaçom jeeral dos ditos
rregnos. Declaramos e pronunciamos todos os ditos procedimentos por
nehúus e de nehúu efecto, e mandamos que os rreeos, que viuos sam e
molher ou molheres e herdeyros dos que morrerom pemdemdo o dito
fecto, seiam rrestiiuydos aa posse dos ditos canaaes, como amte estauam,
e lhe pague o dito comemdador a remda que remderam e renderem des
o tempo que foram forçados atee que seiam rrestituidos. E por que
agora nom he prouado quamta he a dita remda, nem o que vali, os ditos
rreeos a declarem, e façam delia certo despois que restituídos forem,
peramte os desembargadores, que do dito fecto conheceram, por a emfor-
maçom que ja delle teem, e mais em breue, e seguramente a todos seer
feyta justiça, ficamdo rresgoardado ao dito comemdador e aa hordem,
seu direito sobre a propiedade dos ditos canaaes, pêra auer de demam-
dar homde e peramte quem dereito for. E comdapnamos o dito comem-
dador nas custas perteemçentes aos autos, e processo dos ditos canaaes.
E quamto he aos perteemçemtes aa comtemda da dita jurdiçom, seja sem
custas, vista alguQa rrazom que a dita Iffamte teue de a fazer, por nom
saber as cousas que em este desembargo sam declaradas etc. E porem
vos mamdamos que assy o compraaes e guardees, e façaaes comprir e
guardar em todo, como per nos he jullgado, declarado, acordado, e
raamdado, e tomaae loguo tamtos dos bées mouees e de raiz do dito
Eytor de Sousa comdempnado, e os fazee vemder e rrematar aos tempos
que mamda a nossa hordenaçom, per que os ditos rreos vemçedores ajam
de custas, que sobre ello fizerom, dezesete mill e vimte e dous reaes
— 333 —
as quaaees custas foram comtadas por Pêro de Borba, comtador delias
em a nossa corte. O que assy comprii, sem outro embargo que a ello
ponhaaes. Honde ali nom façaaes. Dada em a nossa cidade de Lixboa
doze dias do mes de Janeyro. ElRey o raamdou per o Doutor Ruy Boto
do seu desmbargo, a que esto mamdou liurar, como juiz dos seus fectos
por ho Doutor Nuno Gonçalluez juiz delles seer sospeito. Affomsso
Dias, por Viçemte Alluarez, escripuam dos feitos do dito senhor a fez,
anno do nascimento de nosso Senhor Jesus Christo de mill e quatrocen-
tos e seteemta e noue. E eu sobredito Vicemte Alluarez a fiz escpreuer
e per mym sobescpreui e comcertey.
Arquivo Nacional, liv. i." dos Direitos Reaes, foi. 216 r-220 v.
João Pedro Ribeiro, Dissertações chronologicas e criticas.,
tomo IV, parte i, Lisboa, 1S67, pag. 222-236.
XXVIII
3 DE JUNHO DE 1439
Dom Affomso etc. A quantos esta carta virem fazemos saber que
Fernam Lopez que tem em guarda as nossas escprituras que estam no
nosso castello da çydade de Lixboa mostrou peramte nos húa carta do
muyto alto e muy vetoriosso de graçiossa memoria elRey meu senhor e
padre cuja alma Deos aja da qual o theor tall he. Dom Eduarte etc. A
quantos esta carta virem fazemos saber que nos teemos dado carrego a
Fernam Lopez nosso escpriuam de poer em caronyca as estorias dos
rreys que antygamente em Portugal forom esso meesmo os grandes feytos
e altos do muy uertuosso e de grandes uertudes elRey meu senhor e
padre cuja alma Deos aja. E por quanto em tal obra elle ha assaz tra-
balho e ha mujto de trabalhar, porem querendolhe agallardoar como a nos
perteençe e querendolhe fazer graça e merçe teemos por bem [e] manda-
mos que elle aja de nos de teença em cada húu ano em todoUos dias da
sua vyda des primeiro dia do mes de Janeiro que ora foy da era desta
carta em deante pêra sseu mantijmento quatorze mjll reaes cm cada huú
ano pagados aos quartees do ano o nosso tessoureyro de Lixboa per
nosa sobre carta que em cada húu ano do dito mantijmento auya pêra o
tessoureyro ou rreçebedor que dello tinha carrego e em testemunho delio
lhe mandamos dar esta nossa carta firmada per nos e assellada do nosso
sseello pendente. Dante em a nossa villa de Santarém xix dias de Março.
— 334 —
ElRey o mandou. Pêro Afomso a fez. era do naçimento de mil e iiif
xxxiiij anos. E a confirmaçom delia dada em Almadãa iij dias de Junho.
ElRey o mandou com autoridade da senhora Raynha sua madre como
sua tetor e curador que he e com acordo do Ifante Dom Pedro sseu
tyo defenssor por ell dos ditos rregnos e senhorio. Ruy Vaasquez a
ífez. era do naçimento de mil iiij'^ xxxix anos.
Chancelaria de D. Affonso V, liv. 19, foi. 22, r.
XXIX
II DE JANEIRO DE 1449
Dom Afonso etc. Carta de Fernam Lopez guarda das escripturas
da Torre per que o dito senhor pelos grandes trabalhos, que elle a tomado
e ainda a de tomar em fazer a chronica dos feitos dos Reis de Portugal,
lhe pos de mantimentos em cada hum mes em toda sua vida em a sua
portagem de Lisboa quinhentos reaes de mantimento. Feita em Lisboa
onze de Janeiro de mil quatrocentos quarenta e noue. assignada per o
dito senhor, e selada do seu sello pendente.
Damião de Goes,Chrnnica dei Rei Dom Manuel, Lisboa, 1749,
quarta parte, capitulo xxxviii.
XXX
V 17 DE JULHO DE 1452
Dom Afomso etcet. A quantos esta carta virem ffazemos saber que
nos querendo fazer graça e merçee a Lujs Esteuez vijgairo de Buarcos
pollo de Guomez Eanes dAzurar comendador dAlcaíjz nosso criado que
nollo por ell pedio teemos por bem e damoslhe licença e lugar que possa
e ande e possa andar em besta muar de sella e freo per todos nossos
rregnos e senhorio sem embargo de nossa defessa e hordenaçam em con-
trairo dello fecta. E porem mandamos a todollos juizes corregedores
juizes e justiças e alca3'des e meirinhos de nossos rregnos e a outros
quaesquer ofyçiaes e pesoas a que esto pertencer e esta nossa carta for
mostrada que leixem assy andar em a dita besta muar o dito Lujs Este-
uez e lhe nam coutem nem tomem nem mandem coutar nem tomar nem
— 335 —
fazer por ello mal dapno ou outra algúa sem rrazom por quanto assy he
nossa merçee. Undc ai nom facadas. Dada em a nossa cidade dEvora
xbij dias do mes de Julho. Lujs Afomso a fez ano de nosso vertuoso
Senhor Jhesu Christo de mil iii)"^ lij anos.
Chancelaria de D. Afonso V, liv. 4, foi. 25 v.
XXXI
Definições e estatutos dos Cavalleiros e Freires da Ordem
de N. S. Jesu Christo, Lisboa, 1628 (p. 201 a 2o3).
Terceira parte, titulo x.
Dos lugares que pertencem pleno iure a ordem.
El Rey Dom Fernando o nono Re}' deste Reyno fez doação á nossa
Ordem, pura, e irreuogavel das villas do Gastei Branco, Alpalháo, Nisa,
Thomar, Pombal, Soure e Villa Franca de Xira, com todas suas jurisdições,
em virtude desta doação continuou a Ordem com a posse destes lugares,
exercitando sua jurisdição, tendo ouuidor, que corria com ella; e taõ
superior era esta jurisdição, que (exceito as cousas crimes, de que se
appellaua para os Re}^s) todas as mais feneciaõ ante o Mestre, e seu
ouuidor: e succedendo algúas contendas sobre esta jurisdição, com as
justiças seculares sempre se conseruou a Ordem na sua posse.
§ I. Como andaõ vzurpadas á Ordem as suas terras, e jurisdições.
Esta jurisdição assi exercitada pellos ouuidores da Ordem, de que hum
residia em Gastei Branco, e outro em Thomar, se veo a diminuir, e oje
está de todo vsurpada : porque (ordenandose que aquellas duas villas,
Gastei Branco e Thomar fossem correições, e se vnissem as ditas correi-
ções, ouuidorias, como principaes que erão, c auendo de ser que as cor-
reições vnidas auiaõ de ser parte das ouuidorias, e não principal) vieraõ a
ser o principal, em tanto que confundirão o titulo de ouuidor de maneira,
que oje o não ha, nem tiraõ cartas separadas disso, costumandose sem-
pre assi : de que resulta estar a Ordem esbulhada de suas jurisdições
contra direito, e com cargo da consciência de sua Magestade, cuja inten-
ção não he que se tomem a Ordem suas terras legitimamente adquiridas
per serviços, que a Ordem e seus Gavalleiros fizeraõ aos Reys deste
Reyno, que lhes satisfizera© com as ditas doações, que não ficam sendo
simplices senaõ remuneratórias, que os Reys (como Reys) lhe não podem
— 336 —
tirar, porque depois de húa vez doadas legitimamente se incorporarão no
património da Ordem e igreja Romana, de maneira que não ficão á dis-
posição dos Reys; e bem se vio nas rendas, e jurisdições, terras e lugares,
que os Reys deste Reyno derão aos Templários nelle; que depois de sua
extinção, não ficarão dos Reys e Reyno, que os auiaõ doado, senão da
Santa Sé Apostólica, que (per graça particular) os applicou á nossa Ordem
de Christo, como consta da Bulia da fundação, no titulo primeiro da pri-
meira parte deste liuro.
I II. Que se restituam á Ordem os lugares, e terras que lhe forão
dadas.
E porque o diffinitorio entende, que o zello com que sua Magestade
tratou da reformação desta Ordem, he desejar de a fauorecer em tudo,
e guardarlhe seus priuilegios e liberdades concedidas pellos Reys seus
antecessores, e summos Pontífices, e que per falta de informação destas
e outras cousas naõ tem mandado prouer nelias, pois não he de crer que
sua Magestade Catholica, Mestre e Gouernador das Ordens militares
deste Reyno, seja seruido com taõ grande scrupulo, que ellas vaõ em taÕ
grande diminuição, e perda de suas cousas, sendo assi, que a vniaÕ que
delias está feita á Coroa em perpetuo ouuera de ser amparo e fauor para
seu acrescentamento, e não lhe redundar (para com os ministros secula-
res) em seu ódio, como redunda cada dia, e cada dia se ve, não sendo
assi quando cada húa destas Ordens tinha Mestre particular, porque
(dependendo a sua conseruação do amparo e fauor que os Reys lhe auiaõ
de dar) sendolhe representado pellos Mestres algum aggrauo, prouiaõ
nelle, e reparauaÕ os danos. Pello que assentamos, que os lugares e villas
sobreditas são oje da Ordem, e a doaçaõ dei Rey Dom Fernando está
em sua força e vigor; e pedimos a sua Magestade (para que daqui em
diante se naÕ confundão estas jurisdições, e a Ordem perca a sua) mande
que se passem cartas aos ouuidores separadas da correição pella Mesa
de Ordens, como se costumou nos tempos atraz; e declarar aos ministros
seculares, como he gouernador e perpetuo administrador das Ordens mi-
litares deste Reyno: e que (quando fallarem na jurisdição delles) ha de
ser com o deuido acatamento á Real pessoa de sua Magestade, Mestre e
Gouernador; e que não he seu seruiço, que sejaõ encontradas de seus
ministros seculares, senão amparadas, e fauorecidas, sob pena de lho man-
dar estranhar muito.
337 —
XXXII
o LIVRO DA VIRTUOSA BEMFEITURIA
DO INFANTE D. PEDRO
LIVRO III
Capitólio V, em que sse mostra que a Deos deuemos offereçer
nossas petiçoões.
Conclusom he de Aristotelles em o liuro segundo da natural philoso-
phia que a natureza he começo de mouimento e de folgança. E pêra
declaraçom desto aprendamos, que cada húa cousa tem callidade polia
quall se moue ao seu propio logar. quando sta fora delle. entendendo
ally seer conseruada melhor. E per aquella meesma propiedade faz
assessegamento e folga, depois que sta onde a sua natureza rrequere.
Emxempro desto he a pedra, que per sua graueza e peso deçende ao
Jogar que lhe perteeçe. depois que o percalça nom se moue mais. E
semelhauelmente cada hum homem tem deseio de conseruar sua uida aa
quall som necessárias muytas cousas, sobre que elle nom ha posessom.
E por tanto ha mester que as peça per seu mouymento. a quem entender
que as pode outorgar. E depois que as teuer cobrara folgança, usando
delias segundo que deue. E por quanto a grandeza de nosso senhor
Deos infj'ndamente he liberal, a elle conuem que peçamos. E esto se
pode mostrar per algúas rrazoões. E pêra conhecimento da primeyra.
saybhamos que no liuro postumeyro da lógica diz o philosopho. que se
algúa propiedade conuem a duas cousas e híia a tem por aazo da outra,
he necessário que tal perfeiçom mais corapridamente seia em a primeyra.
Enxemplo desto he tal. Certo he que a queentura nom conuem ao ferro
squeentado senom pello fogo. Sobresto he fundada a primeyra rrazom
em aqueste modo. A uirtuosa benffeyturia nom conuem aos homées se-
nom per azo do mouymento do senhor Deos do quall ella prinçipallmente
procede. E porem pois que em Deos a uirtude de outorgar tem sua
perfeyçom. seguesse que a elle principalmente deuem seer oíFereçidas
nossas petiçoões. Em conffirmaçom desto diz o appostollo Sanctiago em
sua epistoUa que toda boa doaçom e todo liberal outorgamento de cima
43
— 338 —
descende do padre dos lumes que sobre todos sparge os rrayos da sua
bondade. A .ij. rrazom he tal. aaquelle deue a cousa ser rrequerida cuio
outorgamento nom pode ser embargado, e elle he poderoso pêra toruar
todallas petiçoões que contra sua uoontade som feitas. E como assy
seia que o prazimento de Deos toruaçom per outrem nom possa rreçeber.
e elle todos a seu tallante pode mudar, que segundo diz a sancta scpri-
tura em o uiçeno primeyro capitólio dos prouerbios. O coraçom delRey
he em a maão de Deos. E podeo enclinar pêra onde lhe aprouguer.
mostrasse que o pedido a elle se deue chamar, que he benfeytor uerda-
deyro em outra guisa sua petiçom será feita em uaão. que nom tem força
a merçe do seruidor quanto a uoontade do senhor sta em contrayro.
Em prouaçom desto se lee em o uiçeno septeno capitólio do genesy. que
seendo o santo patriarca Vsaac per antiguidade mynguado da uista enten-
deo que a sua uida era ja pouca. E mandou a Esau seu primogenyto
filho que fosse aa caça e do que trouuesse lhe desse de comer e auerya
sua beençom. mas Deos que outra cousa tijnha ordenada, fez a Jacob que
era filho segundo, dar de comer a seu padre ante que o yrmaão uehesse
da caça. e cobrou deli a beençom. que o primogenyto ouuera dauer. e
per ella mereçeo de o nosso rremydor proceder de sua linhagem, em
que parece que muyto he de pequeno uallor a graça dos homées.
quando Deos poUo outro bando faz enformaçom. A .iij. rrazom he
aquesta. Cada húu pedir sem rreçeo. a quem he poderoso pêra outor-
gar numca mynguado em sua auondança. e todos conuyda liberalmente
que lhe peçam o que deseiarem. E o nosso senhor Deos todos conuyda
no undécimo capitólio de sam Matheus dizendo. Vynde a mijm todos que
trabalhaaes em uossos falecimentos, e sooes encarregados, e eu uos outor-
garey auondança do que deseiaaes. E no capitólio dezeno sexto do
euangelho de sam Joham. manda que peçamos e receberemos, em que
parece que sem empacho o deuemos rrogar. que nos de. pois que elle
meesmo se oferece pêra outorgar. Em cuia confirmaçom falia pello pro-
pheta em o quadrageno nono psalmo. dizendo a cada húu homem. Cha-
mame em o dia da tribulaçom e eu te liurarey e tu me louuaras. A .iiij.
rrazom se funda sobre usança daqueste uocabullo pedir, o qual sempre
em nossa linguagem he acostumado dos pequenos aos mayores. E sse
delle usa algúu fallando com seu ygual. esto he por cortesya daquelle que
o diz. nom embargante que demandando beneíhçios praziuees. podasse
dizer dos mayores aos pequenos. E sobre esto se faz tall rrazom. O
aucto de pedir mostra baixeza em o que demanda, e alteza em o que
pode outorgar. E poys nos todos per nossas mynguas somos muy baixos.
e o nosso Deos he muy alto per infyndo poder, a elle pediremos por
— 339 —
merçee humyldosamente. que lhe praza de acorrer aos falecimentos, de
que perfe^Tamente he conlieçedor. E porem diz o meestre das senten-
ças em a quadragena quinta dest3mçom do quarto liuro. que a criatura
rrazoauel deue dizer as cousas temporaaes aa uerdade eternal, pedindo
aquello que bem deseia que lhe seia outorgado. E por nos rrazoannos
esto em sua presença, nom cuydemos que entendera nouamente o que
nom conhece, que scripto he em o euangelho que o nosso padre sabe as
cousas que uos som neçessaryas primeiro que as peçaaes. E porem diz
sam Gregoiyo em o dialogo que o nosso pedir nom faz mudança em a
desposiçom deuynal. mas faznos empetrar o que eternalmente se ordenou
pêra seer outorgado per nossas petiçoões. E por tanto em o dezeno
septeno capitólio de sam Lucas se diz. Conuem orar sem falecer. Es-
tonçe cobraremos o que for bem rrequerydo. Por conclusom daqueste
capitólio ponhamos em Deos nossa sperança que he poderoso pêra com-
prir o que disser, e a sua promessa nunca de uerdade pode carecer.
E com seu ajudoyro uençeremos a braueza dos emmijgos. E a crueleza
do mundo nom poderá empecer. E a ssensualidade será soiugada em
suas pelejas se ouuermos acorrimento daqueste senhor.
Capitólio j'/, em que sse mostra que aucmos de rrogar
aos santos por nossas petiçoões.
Deos em as criaturas fez cadeamento. per guisa que as uirtudes dos
çeeos nom ueem aa terra, que pellos corpos nom passem que som antre
elles. nem se moue cousa de huú termo pêra outro que pella meyatade
nom faça mouimento. Porem como do nosso criador infyndamente sela-
mos alongados, e no meyo som postos algúus. a que elle deu parte em a
sua gloria, e com alguús delles nos teemos húa natureza, compre que a
este rroguemos por nossas petiçoões. de que deseiamos auer bÕo desem-
bargo. E per algúas rrazoões se pode esto prouar das quaaes a pri-
meyra se faz per este modo. Quanto a petiçom he mais humyldosa e
presentada sem presunçom tanto deue seer outorgada com mayor uoon-
tade. Porem como mais humyldade mostre cada húu poendo em outrem
fiança, que se presumjT de sy meesmo. seguesse que com melhor tallante
lhe deue seer outorgado o que demandar, pois toda sua sperança põem
em a bondade do Senhor, e nos merecimentos de quem por elle pede.
Por conffirmaçom desto he scripto em o quynto capitólio de Job. que nos
tornemos a algúu sancto per cujo merecimento nos seia outorgado o que
rrequeremos. A .ij. rrazom he aquesta. Todo aquelle que sse conhece
— 340 —
por uil e mesquinho em presença do que quer demandar, sperara com
rrazom de nem seer ouuydo. e de o nom leixarem chegar pêra dizer o
que ha mester. E por tanto deue rrequerer outrem que uerdadeyra-
mente peça por elle. E pois nos quanto aos corpos em aquesta uida
somos muy cujos, e depois da morte seremos muy torpe uianda de uer-
mees. E quanto aas ahnas diz o propheta em o psalmo quinquageno que
em maldade somos geerados e concebidos em pecado, mostrasse que
deuemos rrogar quem nom tenha empacho de ao jnfyndamente glorioso
Senhor presentar nossa enfformaçom. nem douidaremos se algúus san-
tos esto podem fazer, que no sexto capitólio do apocalipse he scprito que
a deuoçom das nossas oraçoões sobe per maão do anjo aa presença de
Deos. E no duodécimo capitólio de Thobias se lee. que lhe dise o anjo.
em como presentara as suas oraçoões. quando jeiuaua e fazia smoUa. e
soterraua os mortos. Em que parece que os angeos e os sanctos som
nossos ajudadores. quando deuotadamente os rrequeremos. A .iij. rra-
zom he tall. Neyçeo he o que sse trabalha dir soo pello camynho doui-
doso. quando tem seguro e proueytoso guiador. Por tanto pois as peti-
çoões que fazemos a Deos de serem quejandas deuem polia mayor parte
som douydosas. E teemos medianeyro homem Christo Jhesu segundo diz
o apostollo sam Paullo. em a primeyra epistolla a Thimotheu. A elle
nos tornaremos principalmente por nos encamjnhar. E pois em o qua-
torzeno capitólio ^do euangelho de sam Joham. elle disse que nenguem
uay ao deuinal padre, se nom per elle. que he caminho e claridade do
mundo, oraremos humyldosamente que por seus merecimentos seia guya-
dor dos nossos deseios. e por sua misericórdia nos queyra empetrar os
beneffiçios que auemos mester. A .iiij. rrazom he aquesta. Qual quer
que leixa era as cousas necessárias a certa pratica pollo douydoso enten-
der, nom soomente faz simpreza. mas ajmda comete loucura, porem
como toda nossa petiçom seia douydosa de aprazer a Deos. porque diz a
sancta scriptura. que nenhúu sabe se merece ódio ou amor em sua pre-
sença. E com esto somos certos, que Deos outorga a muyios grandes
merçees em aquesta e na outra uida. por a bondade dos que as pedem
por elles. mostrasse claramente que se nos bem queremos pedir, daquesta
pratica deuemos usar. Em cuja confirmaçom se lee em o decimo nono
capitólio do genesy. que souertendo Deos as cidades de Sodoma e de
Gomorra. liurou Loth aos rrogos do sancto patriarca Abraham. E porem
diz o texto, lembrousse Deos de Abraham quando souertia as cidades, e
liurou Loth. E per uezes fora perdido o pouoo de Israhel per sanha de
Deos. se o nom abrandarom os rrogos do propheta Moyses. E o linha-
gem de Salamom de todo perdera a cadeyra real. se nom fora por elRey
— 341 —
David, seruidor do muy alto. E dereyta rrazom he que pois aos homées
som outorgados muytos beneffiçios per aazo daquelles que podem pecar,
muyto mais lhe deuem seer feytas merçees aos rrogos daquelles que ja
por sempre nom podem falecer. E por entendermos como os sanctos
rrogam por nos em a outra uida. Saibhamos que o meestre das senten-
ças em a quadragena quinta definiçom do quarto liuro diz. que as almas
bemauenturadas. que per splendor deuinal rreçebem lediçe em contem-
plar a face de Deos. entendem as cousas que sse fazem de fora. quanto
he compridoyro pêra seu prazer ou pêra nossa aiuda. Em que parece
que os sanctos nom dizem a Deos o que nos queremos, mas elle lhes
mostra os nossos deseios. querendo que per suas petiçoões nos seiam
compridos, porem a elles segundo cada huú teuer sua deuoçom. se tornara
deuotamente. per guisa que onde o seu rrequerimento nom poder abran-
ger, chegue o merecimento daquelle em cuja sanctidade poser confiança.
E especialmente oraremos a uirgem Maria senhora dos angeos que seia
nossa uogada por sua merçee. porque as cousas que per ella forem rre-
querydas pêra nos sem tardança sam outorgadas. En cuja prouaçom
diz sancto Amselmo no liuro do conçebimento uirginal. que muytas uezes
chamando os homées em seus perigoos aquesta senhora, mais trigosamente
rreçebem graça que sse Jhesu Christo fosse chamado. E esto nom he
por ella teer mayoria sobre seu filho, mas por quanto elle he julgador dos
merecimentos de cada húu. nom embargante que ouça quem quer que o
chama per justo juizo he rretheudo de outorgar o que nom he merecido.
E quando a sua madre he chamada e rrequeryda. posto que o pedidor
nom mereça ser ouuydo. os merecimentos delia som abastosos pêra se
comprir a petiçom que he deseiada. Desto ueemos exemplo antre os
homées. onde algúus per muytas uezes pedem em nome dos outros,
e enpetram o que lhe nom fora outorgado se por sy meesmos o demanda-
rom. Por tanto nos todos conhecendo muytos falleçimentos e o pouco
merecer de que dereitamente somos culpados, principalmente nos torna-
remos a Deos que por sua jnfynda misericórdia se lenbre de nos. E
oraremos a humanydade de Christo que por sua paixom nos empetre
graça. E fazendo soplicaçom aa Reynha dos çeeos. com toda humildade
nos offereçeremos. rrogando aos sanctos que tenham por bem pedir a
Deos com aficamento. aqucllo que per nos for bem deseiado.
Códice manuscrito da Gamara Municipal de Vizeu, foi. 7 1 v a 73 v.
Virtuosa Bemfeitoria. CoUecção de Manuscriptos inéditos da [Biblio-
teca publica Municipal do Porto'\ agora dados á estampa. II. O
Livro da Virtuosa Bemfeitoria do Infante D. Pedro, Porto, 1910,
pag. 1G6 a 171.
3,
linha
8,
3,
»
i8,
4.
»
i5,
4,
B
17,
5,
»
.6,
5,
»
20,
5,
.
3.,
6,
»
2,
6,
"
I9-2C
6,
O
29,
6,
0
33,
7,
•
",
7,
»
12,
VARIANTES
DO LIVRO DA VIRTUOSA BEMFEITORIA
Pagina 3, linha 8, confirmada Ms, conseruada V. B.
primeiro Ms., postumeiro V. B.
recebamos Ms., receberemos V. B.
os xlix salmos Ms., o xlix salmo V. B.
do que Ms., de quem V. B.
depois de morte Ms., e depois da morte V. B.
quem Ms., quando V. B.
de bem Ms., deuem V. B.
19-20, Quem souerteo as cidades e livrou Loth Ms., E porem diz o
texto, lembrousse Deos de Abraham quando souertia as cida-
des e liurou Loth V. B.
esperança Ms., splendor V. B.
a elle Ms., a elles V, B.
e rreteudo Ms., he rretheudo V. B.
de quem Ms., e quando V. B.
CORREÇOES IMPORTANTES
Pagina 10, linha 9, seu neto de Noe Ms., leia-se Sem neto de Noe. (Sem era filho
de Noé),
uos outros Ms., leia-se dos outros.
Naues Ms., leia-se Nauas.
rregno, de Portugall, leia-se rregno de Portugall.
liom, leia-se Liom.
çoratemdas, leia-se comtemdas.
A, 88, r, I, leia-se A, 89, r, i.
ora de Samtiago, leia-se ora he Samtiago.
5, (mice Etore), leia-se Mice Antam.
2.', 1. 17, AcreceiUe-se : Deve ser mice Manuel Façanha, porque o almi-
rante mice Lançarote Façanha tinha sido morto em Beja no
ano de i383 ou 1384, Veja-se Crónica de D. João I, pri-
meira parte, por Fernão Lopes, ed. de Braamcamp Freire,
Lisboa, 1915, cap. xlii, p. 72 a 75 ; e Noticia histórica dos
almirantes Pessaiihas esua descendência, por José Benedicto
de Almeida Fessauha, Lisboa, 1900, p. 16 e 17.
281, col. I.', 1. i3, doutor Martim Dosem, acrecente-se (Doutor Martim do Sem).
35, .
i5,
35, »
23,
56, »
28,
.39, »
14,
•97, »
21,
199, .
29,
25o, »
10,
280, col.
..■, 1.
38o, »
2.', 1.
DT Zurara, Gomes Sanes d-^
"/'" lAlo J^CH.)-1^"'^'< or ''
'."■'," Croiílca de tomada de
1915 Ceuta por el Rei D.
João I,
Acsdemia das
Sciências de Lisho^^
([3915])
PLEASE DO NOT REMOVE
CARDS OR SLIPS FROM THIS POCKET
UNIVERSITY OF TORONTO LIBRARY
'■■tx^^m^â^