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Full text of "Crónica de tomada de Ceuta por el Rei D. João I"

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University  of  Toronto 


http://www.archive.org/details/crnicadetomadaOOzura 


CRÓNICA 


TOMADA  DE  GEUTA 


EL  REI   D.  JOÃO  I 


"OMPOSTA    POR 


GOMES  EANNES  DE  ZURARA 


PUBLICADA  POR  ORDEM  DA  ACADEMIA  DAS  SCIENCIAS  DE  LISBOA 

,  SEGUNDO  OS  MANUSCRITOS  N,<"  368  E  355 

DO  ARQUIVO  NACIONAL 


FRANCISCO    MARIA    r.'^-'EV'=;s    PEREIRA 


ACADEMIA  DAS  SCIENCIAS  DE  LISBOA 

Rua  do  Arco  a  Jesus,  Ii3 

LISBOA 


AaOEMIA  DAS  SCIENCIAS  DE  LISBOA 

COMISSÃO  DOS  CENTENÁRIOS  DE  CEUTA  E  ALBUQUERQUE 


COMEMORAÇÃO 

DO 

QUINTO    CENTENÁRIO 

DA 

TOMADA   DE   CEUTA 


TEXTOS  HlSi  .      lOS 


CRÓNICA 


TOMADA  DE  CEUTA 


EL  REI  D.  JOÃO  I 


COMPOSTA    POR 


GOMES  EANNES  DE  ZURARA 

PUBLICADA  POR  ORDEM  DA  ACADEMIA  DAS  SCIÊNCIAS  DE  LISBOA, 

SEGUNDO  OS  MANUSCRITOS  N.<>'  368  E  355 

DO  ARQUIVO  NACIONAL 


FRANCISCO  MARIA  ESTEVES  PEREIRA 


ACADEMIA  DAS  SCIÊNCIAS  DE  LISBOA 

Rua  do  Arco  a  Jesus,  Ji3 

LISBOA 


Coimbra  —  Imprensa  da  Universidade  — 191 5 


17/6" 


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INTRODUÇÃO 


A  Crónica  da  tomada  de  Cepta  é  a  narração  da  conquista  da 
mesma  cidade  por  D.  João  I,  rei  de  Portugal,  efectuada  em 
21  de  agosto  de  141 5.  Esta  narração  é  a  mais  circunstanciada 
e  verídica  que  se  conhece;  e  dela  provêm  todas  as  memórias  e 
noticias,  que  escreveram  os  escritores  posteriores.  Esta  crónica 
é  a  epopeia  da  primeira  empreza  cometida  pelos  Portugueses 
além  mar;  nenhuma  obra  literária,  escrita  em  lingua  portuguesa 
no  século  xv,  a  iguala  em  merecimento  e  valor  estético;  e  a  todas 
excede  pela  regularidade  da  narração  e  pela  eloquência  dos  dis- 
cursos dos  personagens ;  nela  sente-se  por  vezes  perpassar  um 
sopro  épico,  inspirado  pela  grandeza  do  feito,  que  foi  preparado 
com  grande  cuidado  e  ponderação,  efectuado  com  o  maior  valor  e 
constância,  e  coroado  de  maravilhosa  felicidade.  Para  poder 
avaliar-se  a  importância  desta  empreza  seria  necessário  estudar 
previamente  os  seguintes  assuntos  relativos  ás  condições  da 
cidade  de  Ceuta  no  principio  do  século  xv: 

I  Descrição  da  cidade :  situação  geográfica ;  descrição  topo- 
gráfica; edifícios  notáveis;  população; 

II.  História:  fundação;  dominadores;  estado  social; 


VI   

III.  Importância  política  e  comercial  para  os  reinos  de  Fez  e 
■de  Granada; 

IV.  Valor  estratégico;  fortificações;  guarnição  militar  com 
que  era  defendida ; 

V.  Interesse  que  Portugal  tinha  no  seu  domínio;  razões  que 
determinaram  a  empreender-se  a  sua  conquista ; 

VI.  Meios  empregados  para  efectuar  a  conquista:  exército 
português,  sua  composição  e  armamento ;  frota  em  que  foi  con- 
duzido ;  desembarque  e  assalto  da  cidade ; 

VII.  Meios  de  que  se  dispôs  para  manter  a  sua  ocupação. 
Como  porém  estes  assuntos,  pela  sua  importância  e  pelos 

desenvolvimentos  que  demandam,  devem  ser  objecto  de  memó- 
rias especiais,  nós  limitar-nos  hemos  a  fazer  preceder  a  crónica 
pelo  esboço  biográfico  do  seu  autor,  e  pela  descrição  dos  manus- 
critos de  que  alcançamos  notícia,  e  das  impressões  que  dela  se 
fizeram  até  ao  presente. 

Lisboa,  21  de  agosto  de  igiS. 

Francisco  Maria  Esteves  Pereira. 


VIDA  DE  GOMES  EANNES  DE  ZURARA 


As  notícias  que  se  tem  alcançado  acerca  da  vida  de  Gomes 
Eannes  de  Zurara,  comendador  da  Ordem  do  Cristo,  guar- 
da-mór  da  Torre  do  Tombo  e  cronista  dos  reis  de  Portugal, 
não  foram  conservadas  em  nenhuma  obra  especial,  esprita  por 
autor  contemporâneo  ou  de  época  próxima  daquela  em  que  êle 
viveu;  mas  tem  sido  recolhidas  cuidadosamente  dos  seus  próprios 
escritos,  dos  documentos  relativos  às  mercês  que  lhe  foram  feitas 
e  aos  cargos  que  exerceu,  e  dos  testemunhos  dos  escritores  do 
século  em  que  viveu  ou  seguinte,  principalmente  Mateus  de 
Pisano  (i),  um  dos  homens  mais  instruídos  do  seu  tempo  em 
Portugal,  mestre  dei  rei  D.  Afonso  V,  e  contemporâneo  de  Zu- 
rara, João  de  Barros  (2),  autor  das  Décadas  da  Ásia,  e  Damião 
de  Góes  (3),  insigne  humanista,  guarda-mór  da  Torre  do  Tombo 
e  cronista  dos  reis  de  Portugal.     Nos  séculos  xvii  e  seguintes 

(i)  De  bello  Septensi,  na  Colecção  de  livros  inéditos  de  história  portuguesa,  tomo  i, 
Lisboa,  1790,  p.  26-27 ;  Alexandre  Herculano,  História  de  Portugal,  tomo  i,  Lisboa,  1846, 
p.  9.  Mateus  de  Pisano  finou-se  no  mes  de  junho  de  1466.  (Chancelaria  de  D.  Afonso  V, 
liv.  14,  foi.  96,  V.  Cf.  Sousa  Viterbo,  Cultura  intelectual  de  D.  Afonso  V,  no  Arquivo 
histórico  português,  tomo  11,  p.  263. 

(2)  João  de  Barros,  Dos  feitos  dos  Portugueses  na  Ásia,  dec.  i,  liv.  i,  cap.  n,  e  dec.  i, 
liv.  II,  cap.  I.  I 

(3)  Damião  de  Góes,  Crónica  dei  rei  D.  Manuel,  Lisboa,  1749,  quarta  parte, 
cap.  xxxviii. 


VIU   

outros  escritores  trataram  incidentemente  da  vida  de  Gomes 
Eannes  de  Zurara,  a  saber:  Nicolau  António  (i),  Jorge  Car- 
doso (2),  Diogo  Barbosa  Machado  (3),  João  Pedro  Ribeiro  (4), 
o  Visconde  de  Santarém  (5),  Sousa  Viterbo  (6),  Gama  Barros  (7), 
D.  Carolina  Michaêlis  e  Teófilo  Braga  (8).  Enfim  no  século  xix 
a  vida  de  Gomes  Eannes  de  Zurara  foi  assunto  de  artigos  espe- 
ciais de  José  Correia  da  Serra  (9),  Alexandre  Herculano  (10), 
Vieira  de  Meireles  (i  i),  Inocêncio  Francisco  da  Silva  (12),  Sotero 
dos  Reis  (i3),  Rodrigues  de  Azevedo  (14),  João  Manuel  Esteves 
Pereira  e  Guilherme  Rodrigues  (i5).  Recentemente  Edgar  Pres- 
tage  (16),  coordenando  as  noticias  coligidas  pelos  escritores  pre- 

(i)  Nicolau  António,  Bibliotheca  Hispânica  vetera,  lib.  lo,  cap.  xii,  §  695  e  segs. 

(2)  Jorge  Cardoso,  Agiologio  Lusitano,  tomo  iii,  Lisboa,  1666,  p.  217. 

(3)  Diogo  Barbosa  Machado,  Biblioteca  Lusitana,  tomo  11,  Lisboa,  1747,  p.  385  e  386. 

(4)  João  Pedro  Ribeiro,  Memórias  autênticas  para  a  história  do  Real  Arquivo,  Lis- 
boa, 18 19. 

(5)  Crónica  do  descobrimento  e  conquista  de  Guiné,  Paris,  1841,  p.  viii  a  xii. 

(6)  Sousa  Viterbo,  Gomes  Eanes  d'A:furara,  na  Revista  portuguesa  colonial  e  ma- 
rítima, vol.  III,  Lisboa,  1898,  p.  817  a  826. 

~  (7)  Dr.  Gama  Barros,  História  da  administração  pública  em  Portugal  nos  sécu- 
los XII  a  XV,  Lisboa,  i885,  tomo  1,  nota  xiv,  p.  Sgô-Sgg. 

(8)  Geschichte  der  Portugiesischen  Litteratur  von  Carolina  Michaêlis  de  Vascon- 
celos und  Teófilo  Braga,  no  Grundriss  fiir  Romanischen  Philologie,  Strassburg,  1897, 
II  Band,  2.  Abt.  p.  256-257. 

(9)  Colecção  de  livros  inéditos  de  história  portuguesa,  (C.  I.  H.  P.),  publicados  por 
José  Correia  da  Serra,  tomou,  Lisboa,  1792,  p.  207-213. 

(10)  Alexandre  Herculano,  Gomes  Eanes  d' Azurara,  em  O  Panorama,  vol.  m,  Lis- 
boa, iSSg,  p.  25o  e  25i ;  Opúsculos,  vol.  v,  p.  10-16. 

(11)  A.  da  C.  Vieira  de  Meireles,  Gomes  Eanes  d'Ajurara,  em  O  Instituto,  vol.  ix, 
Coimbra,  1861,  p.  72-75  e  107-108. 

( 1 2)  Inocêncio  Francisco  da  Silva,  Dicionário  bibliográfico  português,  tomo  iii,  Lis- 
boa, 1859,  s.  V.,  p.  147-149. 

(i3)  Francisco  Sotero  dos  Reis,  Curso  da  literatura  portuguesa  e  brasileira, 
Maranhão,  1866,  vol.  i,  lição  xiv,  p.  193  a  209. 

(14)  Rodrigues  de  Azevedo,  Dicionário  universal  português,  vol.  i,  Lisboa,  1882, 

p.  2l50-2l52. 

(15)  Portugal,  Dicionário  histórico,  corográfico,  heráldico,  biográfico,  bibliográ- 
fico^ numismático  e  artístico,  por  [J.  M.]  Esteves  Pereira  e  Guilherme  Rodrigues,  vol.  i, 
Lisboa,  1904,  s.  V,  Azurara,  p.  949  a  951. 

(16)  Edgar  Prestage,  Tlie  life  and  writings  of  Atirara,  em  The  Chronicle  0/ the 
discovery  and  conquest  of  Guinea,  vol.  i,  London,  1896,  p.  i  a  Ixvii,  e  vol.  11,  London, 
1899,  p.  353  e  354. 


cedentes,  e  ainda  as  que  ele  próprio  alcançou  depois  de  minu- 
ciosas investigações  no  Arquivo  Nacional,  escreveu  a  vida  de 
Gomes  Eannes  de  Zurara,  narrando  os  sucessos  da  sua  carreira 
oficial,  e  indicou  os  escritos  que  lhe  são  atribuidos.  No  estudo 
que  se  segue  procuraram-se  coordenar  todas  as  notícias  que 
alcançamos,  coligidas  dos  escritos  do  próprio  Gomes  Eannes  de 
Zurara,  dos  documentos  em  que  se  tem  encontrado  referências 
aos  actos  da  sua  vida,  e  dos  escritores  precedentemente  nomea- 
dos, comprovando-as,  rectificando-as  e  completando-as  com  os 
resultados  das  mais  recentes  investigações. 

Nome.  —  O  nome,  sobrenome  e  apelido  encontram-se  escri- 
tos de  diversas  maneiras:  Gomes  (Gomez);  Eannes  (Eanes,  e 
anes);  de  Zurara  (de  zurara,  da  zurara,  de  Azurara). 

A  palavra  Gomes  (Gomez)  tem  a  forma  de  um  adjectivo  pa- 
tronímico, derivado  de  nome  próprio  de  homem,  e  análogo  a  Vas- 
ques  (de  Vasco),  Telles  (de  Tello),  Fernandes  (de  Fernando),  etc. 
O  nome  próprio  de  homem  encontra-se  em  documentos  do  sé- 
culo X  com  a  forma  Gomec  (Doe.  de  985,  Dipl.  92),  Gomece 
(Doe.  de  974,  Dipl.  72),  e  do  século  xi  com  a  forma  Gomesius 
(Foral  de  Guimarães,  Leg.  35  i),  e  do  século  xiii  (Doe.  de  1220, 
Inq.  75,  2.*  classe,  Dipl.  640).  O  apelido  com  a  forma  Gomez 
encontra-se  em  um  documento  de  985  (Doe.  da  Sé  de  Coimbra, 
Dipl.  92  e  202). 

O  sobrenome  Eannes  é  o  adjectivo  patrohímico,  derivado  de 
Johanne  (lat.  Johannes,  gen.  Johannis).  Em  alguns  documentos 
do  século  XV  a  palavra  parece  dividida  em  duas,  e  escrita  e  anes 
ou  e  annes. 

O  apelido  de  Zurara  indica  a  povoação  donde  a  família  era 
natural.  Em  Portugal  ha  duas  povoações,  cujos  nomes  antigos 
eram  Zurara ;  modernamente  porem,  talvês  por  se  supor  que 
Zurara  era  um  nome  comum  de  significação  conhecida,  como 
Porto,  Povoa,  Guarda,  Covilhã,  Figueira,  etc.,  se  disse  a  Zurara, 
e  depois  Azurara.     Atualmente  uma  das  povoações  do  nome 


Azurara  (antigo  Zurara),  é  freguezia  de  S.  Maria,  do  concelho  de 
Vila  do  Conde,  e  situada  a  i  quilómetro  da  mesma  vila,  na  mar- 
gem esquerda  e  junto  da  fós  do  rio  Ave.  Esta  povoação  é  men- 
cionada nas  Inquirições  sobre  as  honras  e  devassas  dos  julgados 
do  termo  do  Porto  (i),  como  fazendo  parte  da  freguezia  de  S.  Sal- 
vador de  Pijdcllo  do  julgado  da  Maia  na  comarca  d'entre  Douro 
e  Minho  (2).  A  outra  povoação,  antigamente  chamada  Zurara, 
tem  atualmente  o  nome  de  Quintella  de  Azurara,  é  freguezia  de 
S.  João  Batista,  do  concelho  de  Mangualde,  e  a  5  quilómetros 
desta  vila.  No  bispado  de  Vizeu,  e  comarca  da  Beira,  havia 
uma  comenda  da  Ordem  de  Cristo,  denominada  Comenda  de 
S.  Julião  (ou  de  S.  João)  de  Azurar,  cujo  rendimento  era  avaliado 
em  i584  em  2O0í!£)OO0  réis  (3),  e  em  1614  em  429ÍP000  réis  (4); 
esta  comenda  era  provavelmente  situada  perto  da  povoação 
atualmente  denominada  Quintella  de  Azurara.  No  cimo  de  um 
monte,  perto  de  Mangualde,  existem  ainda  as  ruínas  de  um  cas- 
telo, que,  segundo  é  tradição,  foi  antigamente  habitado  por  um 
mouro  de  nome  Zurar,  senhor  da  vila  de  Mangualde,  e  que  do 
mesmo  mouro  proveiu  o  nome  de  Azurar  ou  Azurara,  que  teve 
o  concelho  de  Mangualde,  e  pelo  qual  é  designado  nos  forais  que 
lhe  foram  dados  por  D.  Teresa,  D.  Dinis,  e  D.  Manuel  (5).  E 
possível  que  esta  tradição  tenha  fundamento  histórico,  porque  o 
nome  de  Zurara  foi  usado  como  nome  próprio  de  homem  pelos 


( 1 )  Corpus  Cod.  Latinorum  et  Portugalensium  eorum  qui  in  Archivo  mwncipali  Por- 
tugalensi  asservantur,  Portucale,  1891,  p.  i53. 

(2)  No  princípio  do  século  xv  os  territórios  da  monarquia  compreendiam  o  reino 
de  Portugal  e  o  reino  do  Algarve;  o  reino  de  Portugal  era  dividido  em  cinco  comarcas, 
a  saber  :  antre  Douro  e  Minho,  Trallos  Montes,  Beira,  Estremadura,  e  antre  Tejo  e 
Odiana.  Veja-se  :  Fernão  Lopes,  Crónica  dei  rei  D.  Fernando,  cap.  Ivi;  Fernão  Lopes, 
Crónica  dei  rei  D.  João  /,  primeira  parte,  cap.  Ixviii ;  Gomes  Eannes  de  Zurara,  Crónica 
da  tomada  de  Cepta,  cap.  xxviii. 

(3)  Livro  em  que  se  contêm  toda  a  fajenda  e  real  património  dos  reinos  de  Portu- 
gal, índia  e  Ilhas  adjacentes,  por  Luís  de  Figueiredo  Falcão,  Lisboa,  iSíg,  p.  225. 

(4)  Definições  e  estatutos  dos  Cavalleiros  e  Freyres  da  Ordem  de  N.  S.  Jesu 
Christo,  Lisboa,  1628,  p.  244. 

(5)  Pinho  Liai,  Portugal  antigo  e  moderno,  vol.  i,  p.  29g-3oi. 


árabes  de  Espanha  (i);  o  mesmo  nome  de  Zurara  tinha  uma 
povoação  do  reino  de  Fez,  situada  perto  de  Arzila  (2). 

No  presente  estudo  adotou-se  para  o  nome  a  forma  Gomes 
Eannes  de  Zurara,  porque  é  a  que  êle  próprio  escreveu  por 
extenso  em  uma  nota  de  registo  de  documento  (3),  datada  de  2 
de  novembro  de  1456,  e  no  traslado  do  foral  de  Alvares  (4), 
datado  de  24  de  abril  de  1462;  e  a  que  se  encontra  nos  mais 
antigos  manuscritos  da  Crónica  da  tomda  de  Cepta  (cap.  iii),  da 
Crónica  da  conquista  de  Guiné,  (cap.  xcvii),  e  a  usada  por  João 
de  Barros  (5)  e  Damião  de  Góes  (6). 

Filiação.  —  Gomes  Eannes  de  Zurara  foi  filho  de  Johanne 
Eannes  de  Zurara,  cónego  da  sé  de  Coimbra  e  de  Évora.  Do 
pai  não  se  encontram  outras  noticias  senão  a  menção  do  seu 
nome  e  cargos  em  um  documento  (7)  datado  de  6  de  fevereiro  de 
146 1,  redigido  verisimilmente  segundo  declarações  prestadas  pelo 
próprio  Gomes  Eannes  de  Zurara.  Nenhuma  noticia  a  respeito 
do  cónego  Johanne  Eannes  de  Zurara  se  encontrou  nos  livros 
das  actas  capitulares  da  sé  de  Coimbra,  os  quais  começam  em 
145 1,  nem  no  cartório  da  sé  de  Évora,  porque  o  mais  antigo 
livro  que  existe  das  posses  das  dignidades  desta  sé  começa  em 
I  de  dezembro  de  i  547,  e  os  livros  das  atas  são  posteriores  a 
1450. 

Na  Chancelaria  de  D.  Fernando  (liv.  i,  foi.  72  v, -73,  r)  está 


(i)  Almacari,  Analectes  sur  1'histoire  des  Árabes  d'Espagne,  ed.  Dozy,  vol.  i,  p.  808. 

(2)  Anais  de  Arzila,  vol.  i,  p.  47,  55,  etc. 

(3)  Bula  do  Papa  Calisto  III,  que  principia  Inter  caetera,  qiiae  nobis,  no  Arquivo 
Nacional,  gaveta  7.",  maço  i3.°,  n.°  7.  A  nota  é  :  E  foy  esta  letra  aqui  lamçada  em 
esta  torre  do  tombo  per  nos  Gomez  e  annes  de  Zurara  comendador  de  pinheiro  dapar 
de  ssantarem  que  he  da  dita  bordem  de  ,lbú  xpõ  e  cronysta  de  Portugall  e  guarda  moor 
da  dita  torre  aos  ij  dias  de  nouembro  do  N."  de  xpõ  do  mjl  e  iiij<=  Lbj  annos. 

(4)  Doe.  XIII. 

(5)  Dec.  I,  liv.  I,  cap.  11,  e  Dec.  i,  liv.  11,  cap.  i. 

(6)  Damião  de  Góes,  Crónica  dei  rei  D.  Manuel,  Lisboa,  1749,  quarta  parte, 
cap.  xxxviii. 

(7)  Doe.  XI. 


registada  uma  carta  de  legitimação  de  Maria  Armes  e  de  AfFonso 
Annes,  filhos  de  Johane  Annes,  cónego  de  Lisboa,  e  de  Catalina 
Afonso,  datada  de  Lisboa  de  20  de  maio  da  era  de  1408  annos 
(iSyi  J.  C).  Ainda  que  não  ha  nenhum  fundamento  para  iden- 
tificar o  cónego  da  sé  de  Lisboa  com  o  pai  de  Gomes  Eannes  de 
Zurara,  comtudo  é  possivel,  que  Johanne  Eannes  de  Zurara  pri- 
meiro fosse  cónego  das  sés  de  Coimbra  e  de  Évora,  depois  exer- 
cesse igual  cargo  na  de  Lisboa.  E  porém  mais  provável  que  os 
dois  Johanes  Eannes  fossem  pessoas  diferentes,  e  que  o  cónego 
das  sés  de  Coimbra  e  de  Évora  adotasse  o  apelido  de  Zurara 
para  se  diferençar  do  cónego  da  sé  de  Lisboa. 

Não  consta  que  o  cónego  Johanne  Eannes  de  Zurara  perfi- 
lhasse seu  filho  Gomes  Eannes  de  Zurara. 

O  nome  da  mãe  e  a  sua  família  não  são  conhecidos;  mas  em 
razão  do  estado  eclesiástico  do  pai,  é  de  presumir  que  a  mãe 
fosse  da  classe  burguesa,  criada  ou  manceba  do  cónego  Johanne 
Eannes  de  Zurara. 

Naturalidade.  —  Não  é  conhecida  a  terra  natal  de  Gomes 
Eannes  de  Zurara.  Os  seus  biógrafos,  fundando-se  no  apelido 
de  Zurara,  supozeram  que  Gomes  Eannes  nascera  em  uma  po- 
voação daquelle  nome.  O  mais  antigo  escritor,  que  faz  menção 
da  terra  natal  de  Gomes  Eannes,  é  Soares  de  Brito  (1611-1699) 
no  Theatrum  Lusitaniae  litterarium  (i),  e  admite  que  Gomes  Ean- 
nes era  natural  de  Azurara  da  diocese  do  Porto;  e  deste  parecer 
foi  também  Barbosa  Machado  (2). 

O  primeiro  escritor  que  afirmou  que  Gomes  Eannes  era 
natural  de  Azurara  da  Beira  (Quintela  de  Azurara)  foi  José 
Correia  da  Serra  (3),  fundando-se  no  facto  de  Gomes  Ean- 
nes ter  solicitado  dei  rei  D.  Afonso  V  certos  privilégios  para 
dois  almocreves  moradores  na  vila  de  Castelo  Branco,  que  rece- 

(i)  Manuscrito  da  Biblioteca  Nacional  de  Lisboa,  U-4-22,  p.  547. 

(2)  Biblioteca  Lusitana,  tomo  n,  p.  385. 

(3)  Colecção  de  livros  inéditos  de  história  portuguesa,  Lisboa,  1792,  tomo  11,  p.  207. 


biam  as  rendas  das  propriedades  que  Gomes  Eannes  ali  possuia, 
e  as  traziam  para  Lisboa,  e  que  foram  concedidos  por  carta 
datada  de  23  de  agosto  de  1454^,  devendo  as  mesmas  proprieda- 
des ter  pertencido  à  familia  de  Gomes  Eannes  (i).  Deste  pare- 
cer foram  também  Vieira  de  Meireles  e  Rodrigues  de  Azevedo. 
Deve  porém  observar-se  que  Quintela  de  Azurara  é  situada  no 
concelho  de  Mangualde,  do  distrito  de  Vizeu,  na  província  da 
Beira  Alta,  e  não  no  distrito  de  Castelo  Branco,  na  província  da 
Beira  Baixa.  As  rendas,  a  que  se  refere  o  documento  acima 
citado,  eram  provavelmente  provenientes  das  propriedades  que 
constituíam  as  comendas  da  Ordem  de  Christo,  denominadas 
Comendas  de  Alcains  e  da  Granja  do  Ulmeiro,  que  Gomes  Ean- 
nes de  Zurara  desfrutava  em  1454;  por  isso  que  as  mencionadas 
comendas  eram  efectivamente  situadas  no  distrito  de  Castelo 
Branco,  na  província  da  Beira  Baixa. 

Como  o  nome  do  pai  de  Gomes  Eannes  era  Johane  Eannes 
de  Zurara,  isto  mostra  que  de  Zurara  era  apelido  de  família,  que 
fora  tomado  pelo  mesmo  Johane  Eannes  por  ser  natural  de  uma 
povoação  daquele  nome,  ou  por  algum  dos  seus  ascendentes,  não 
podendo  por  isso  ser  indicativo  da  terra  natal  de  Gomes  Eannes. 

Data  do  nascimento.  —  Não  é  conhecida  a  data  do  nascimento 
de  Gomes  Eannes  de  Zurara;  mas  pode  determinar-se  com  certa 
aproximação. 

Na  Crónica  da  tomada  de  Cepta,  acabada  a  25  de  março 
de  1450  (cap.  cv).  Gomes  Eannes  de  Zurara  diz  (cap.  xxiv): 
«E  ajnda  que  naturallmente  todollos  homees  depois  que  passam 
as  três  primeyras  hidades,  doestam  mujto  aquelle  tempo  em  que 
ssom,  dizemdo  que  elles  uiram  outro  milhor  mundo  prasmando 
aquelle  presente . . .  certamente  nom  sse  pode  esto  emtemder  em 
mym,  por  quamto  a  minha  hidade  nom  he  semelhante  aa  daquelles 
que  disse.»  Isto  significa  que  Gomes  Eannes  de  Zurara  em  1450 
não  tinha  ainda  passado  da  terceira  idade  do  homem. 

(i)  Doe.  VI. 


No  Leal  Conselheiro,  composto  por  el  rei  D.  Duarte,  lê-se 
(cap.  i):  «As  idades  som  per  muytas  maneiras  repartidas;  mas  húa 
que  põem  os  letrados,  que  bem  me  parece,  chama  ifancia  ataa 
sete  annos,  puericia  ataa  quatorze  [annos],  adollecencia  ataa 
vinte  e  um  [annos],  mancebia  ataa  cinquoenta  [annos],  velhice 
ataa  setenta  [annos],  senyum  ataa  oitenta  [annos],  e  daly  ataa  fim 
de  vida  decrepidue.»  Não  parece  porém  que  Gomes  Eannes  de 
Zurara  se  referisse  a  esta  divisão  da  vida  do  homem  por  idades, 
mas  à  divisão  mais  vulgar,  atribuida  a  Galeno,  que  é  como  se 
segue:  «As  idades  do  homem  são  cinco;  a  primeira  idade  se 
chama  infância  ou  puericia,  e  dura  desde  o  nascimento  até  os 
14  annos;  a  segunda  se  chama  adolescência,  e  dura  desde  os 
14  annos  até  os  25;  a  terceira  se  chama  juventude  ou  mocidade, 
e  dura  desde  os  25  annos  até  os  40;  a  quarta  idade  se  chama 
virilidade,  e  dura  desde  os  40  annos  até  os  55;  e  a  quinta  se 
chama  senectude  ou  velhice,  e  dura  desde  os  55  annos  até  o  fim 
da  vida.»  (1) 

E  pois  de  presumir  que  a  terceira  idade,  a  que  se  referiu 
Gomes  Eannes  de  Zurara  na  passagem  citada,  seja  a  mocidade, 
que  decorre  desde  os  vinte  cinco  anos  até  aos  quarenta;  e  por 
tanto  êle  não  tinha  ainda  completado  quarenta  anos  quando  ter- 
minou a  Crónica  da  tomada  de  Cepta,  isto  é,  em  i45o;  o  que  quer 
dizer  que  tinha  nascido  depois  de  1410.  Por  outra  parte  sabe-se 
que  Gomes  Eannes  de  Zurara  começou  tarde  a  sua  instrução 
literária,  isto  é,  provavelmente  depois  de  ter  passado  a  idade 
pueril,  a  saber,  depois  dos  quatorze  anos ;  e  como  a  composição 
da  mesma  crónica  demonstra  que  o  seu  autor  possuia  uma  adean- 
tada  cultura  intelectual,  conclue-se  do  seu  modo  de  dizer,  que 
posto  que  não  tivesse  ainda  completado  quarenta  anos,  não  estava 
longe  de  ter  esta  idade.  E  pois  provável  que  Gomes  Eannes  de 
Zurara  tenha  nascido  no  segundo  decénio  do  século  xv,  isto  é, 
entre  1410  e  1420,  e  pouco  depois  de  1410. 

(1)  O  non  plus  ultra  do  lunario  e  pronostico  perpetuo,  composto  por  Jerónimo 
Cortez,  trad.  de  António  da  Silva  de  Brito,  Lisboa,  1727,  p.  5. 


Criação  e  instrução  literária.  —  São  muito  escassas  as  notícias 
àcêrca  da  criação  e  instrução  literária  de  Gomes  Eannes  de 
Zurara. 

Segundo  diz  Matheus  de  Pisano  (i),  Gomes  Eannes  de  Zurara 
chegou  a  idade  madura  sem  ter  nenhuma  instrução  literária ; 
mas  por  estas  palavras  não  deve  entender-se  senão  que,  quando 
Gomes  Eannes  de  Zurara  começou  a  aprender  a  lêr  e  a  escrever, 
já  tinha  passado  a  idade,  em  que  era  costume  receber-se  esta 
instrução,  a  saber,  a  infância  ou  puerícia,  que  dura  até  aos 
quatorze  anos. 

E  o  próprio  Gomes  Eannes  de  Zurara  que,  em  reconheci- 
mento, deixou  memória  da  pessoa  a  quem  deveu  a  sua  educação. 
Na  Crónica  do  Conde  D.  Pedro  de  Meneies,  dirigindo-se  a  el  rei 
D.  Afonso  V,  diz  (part.  i,  cap.  ii)  (2):  «Eu  com  melhor  vontade 
escrepvera  juntamente  com  os  outros  vossos  feitos,  que  sam  assas 
dinos  de  grande  memoria,  se  quer  por  vos  mostrar  algum  conhe- 
cimento da  longa  criaçom  e  muita  bemfeitoria,  que  per  vossa 
merçe,  usando  de  vossa  acostumada  virtude,  de  vós  recebi;  caa 
se  algum  saber  em  mim  ha,  posto  que  seja  pequeno,  com  as 
vossas  migalhas  o  aprendi.»  E  na  Crónica  do  Conde  D.  Duarte  de 
Meneses,  dirigindo-se  também  a  el  rei  D.  Afonso  V,  diz  (cap.  i)  (3): 
«Ca  se  todos  vossos  naturaaes  som  theudos  e  obrigados  de  o 
[vosso  m.andado]  cumprir  e  guardar,  eu  muito  mais,  cujas  miga- 
lhas me  criarão  e  os  benefícios  alevantarão  do  poo  em  que 
nasci.»  ^  Enfim  na  Crónica  da  conquista  de  Guiné,  dirigindo-se 
também  a  el  rei  D.  Afonso  V,  diz  (cap.  xcvii)  (4) :  «E  porque  vós, 
muyto  alto  e  muyto  excellente  Príncipe,  . . .  mandastes  a  mym 
Gomez  Eanes  de  Zurara,  vosso  criado  e  fectura . . .  que  fizesse 
este  livro.»  De  todas  estas  passagens  resulta  claramente  que 
Gomes  Eannes  de  Zurara  deveu  a  sua  criação  e  instrução  literá- 

(i)  Hic  dum  maturam  jam  aetatis  esset,  et  nullam  litteram  dedicisset.  (De  Bello 
Septensi,  C.  I.  H.  P.,  i,  p.  26-27). 

(2)  C.  1.  H.P.u,p.  219. 

(3)  C.  I.  H.  P,  III,  p.  9. 

(4)  Crónica  do  descobrimento  e  conquista  de  Guiné,  p.  462. 


ria  a  el  rei  D.  Afonso  V,  que  o  tirou  de  classe  humilde;  e  o  pró- 
prio rei  o  confirma  na  carta  datada  de  6  de  julho  de  1454,  pela 
qual  o  nomeou  guarda  das  escrituras  do  seu  tombo  (1),  pelas  pala- 
vras: «polia  muita  criaçom  que  em  elle  temos  fecto.» 

É  sabido  que  nos  séculos  xv  e  xvi  os  moços  fidalgos  recebiam 
instrução  literária  no  paço  rial,  onde  lhe  era  ensinada  a  leitura, 
escrita,  gramática  portuguesa,  e  provavelmente  também  da  lín- 
gua latina.  Em  uma  memória  sobre  as  mercês,  que  fez  el  rei 
D.  Afonso  V,  escrita  por  D.  Vasco  de  Ataíde,  Prior  do  Crato  (2), 
se  diz  que  o  mesmo  rei  «criou  filhos  de  muy  grandes  fidalguos 
em  muy  grande  numero  e  com  muyto  amor  e  afeiçam ...  de  si, 
asi  em  sua  mesa  como  em  sua  camera.» 

É  pois  de  presumir,  que  Gomes  Eannes  de  Zurara,  sendo 
ainda  mancebo,  fosse  admitido  no  paço  rial  para  ajudar  o  ser- 
viço da  guarda  e  conservação  da  livraria  e  cartório;  e  que  el  rei 
D.  Afonso  V,  sendo  informado  da  boa  disposição  e  natural  incli- 
nação dele  para  os  estudos,  o  mandasse  ensinar  como  os  filhos 
dos  fidalgos,  que  eram  instruídos  no  paço. 

Alem  das  notícias  precedentes  nada  mais  se  sabe  àcêrca  da 
vida  de  Gomes  Eannes  de  Zurara  até  ao  ano  de  1450;  alguns 
biógrafos  afirmam  que  êle  despendeu  os  primeiros  anos  da  sua 
mocidade  no  exercício  das  armas  (3);  mas  é  mais  provável  que 
êle  fizesse  serviço  na  livraria  e  cartório  do  paço  rial  durante  o  rei- 
nado dei  rei  D.  Duarte  e  começo  do  reinado  dei  rei  D.  Afonso  V, 
como  ajudante  de  Fernão  Lopes,  guarda  mór  da  Torre  do  tombo 
e  cronista,  a  cujo  cargo  estava  também  a  livraria  rial  (4). 

Erudição  literária.  —  As  obras  compostas  por  Gomes  Eannes 
de  Zurara  revelam  pelas  suas  citações,  que  o  seu  autor  possuia 
grande  erudição  literária,  pouco  comum  entre  os  homens  que  no 

(1)  Doe.  V. 

(2)  Provas  da  história  genealógica  da  Casa  real  Portuguesa,  tomo  11,  p.  22. 

(3)  Josá  Correia  da  Serra,  C.  1.  H.  P.,  11,  p.  208. 

(4)  E.  Prestage,  The  li/e  and  writings  of  Azurara,  p.  v. 


seu  tempo  viviam  cm  Portugal,  e  demonstram  que  os  letrados  do 
seu  país  acompanhavam  de  perto  o  renascimento  do  estudo  dos 
escritores  clássicos,  iniciado  na  Itália  e  seguido  na  França  e 
Hespanha.  Os  conhecimentos  literários  de  Gomes  Eannes  de 
Zurara  não  eram  provavelmente  profundos,  mas  mostram-se 
muito  extensos;  é  de  presumir  que  fossem  adquiridos  no  convi- 
vio  com  os  mestres  dos  infantes,  filhos  dei  rei  D.  Duarte,  e  pelo 
estudo  dos  livros  que  havia  na  livraria  rial,  que  teve  a  seu  cargo; 
estes  livros  eram  na  maior  parte  em  latim,  em  que  haviam  sido 
escritos  ou  traduzidos,  por  ser  então  a  Hngua  universalmente 
usada  pelos  letrados  de  toda  a  Europa.  Enfim  o  próprio  Gomes 
Eannes  de  Zurara  diz  que  «ca  eu  que  esta  estoria  escpreui,  lij 
muy  gram  parte  das  crónicas  e  liuros  estoreaaes»  (i). 

E  muito  extensa  a  lista  das  obras  e  dos  escritores  citados  por 
Gomes  Eannes  de  Zurara;  são: 

Da  Biblia:  o  Pentateuco,  Parahpomenos,  Esdras  e  Macabeus; 
os  livros  de  Salomão  e  dos  Profetas;  os  Evangelhos,  as  Epistolas     ^^.i, 
canónicas ;  e  o  livro  apócrifo  Pastor  de  Hermas. 

Dos  antigos  Santos  Padres :  S.  João  Crisóstomo,  S.  Gregório, 
S.  Jerónimo  e  S.  Agostinho. 

Dos  Padres  da  idade  média :  S.  Bernardo,  S.  Tomás  de 
Aquino,  Alberto  o  Magno. 

Dos  escritores  gregos :  Homero,  Hesiodo,  Heródoto,  Aristó- 
teles, que  muitas  vezes  designa  somente  pelo  titulo  de  filósofo, 
Josepho  e  Ptolomeu. 

Dos  escritores  romanos :  César,  Tito  Livio,  Marco  TuUio 
Cicero,  Ovidio,  Salustio,  Valério  Máximo,  Plinio,  Lucano,  os  dois 
Senecas,  o  trágico  e  o  filósofo,  e  Vegecio. 

Dos  escritores  da  idade  média :  Paulo  Orosio,  Isidoro  de  Se- 
vilha, Lucas  de  Tuy,  Rodrigo  de  Toledo,  Pedro  d'Ailly  (Petrus 
de  Alliaco  ou  Petrus  Lombardus),  Egidio,  Frei  Gil  de  Roma,  João 
Duns  Scoto. 

(i)  Crónica  da  tomada  de  Cepta,  cap.  xxxix. 


Dos  escritores  italianos :  Dante,  Bocacio  e  Marco  Polo. 

Dos  escritores  arábicos :  o  astrónomo  Alfragan  e  Avicena. 

Vê-se  enfim  das  citações  feitas  por  Gomes  Eannes  de  Zurara, 
que  éle  era  lido  nas  crónicas  e  histórias  da  Hispanha  e  da  França, 
e  nos  romances  de  cavalaria,  tanto  em  voga  no  seu  tempo  em 
todas  as  cortes  da  Europa. 

Noções  de  cosmografia.  —  Gomes  Eannes  de  Zurara  possuia 
conhecimentos  bastante  completos  dos  sistemas  geográficos  anti- 
gos, sobre  tudo  pelo  que  diz  respeito  ao  continente  de  Africa. 
Tem  notícias  dos  estados  da  costa  do  norte  de  Africa  desde  o 
Egito  até  à  Barbaria ;  do  reino  de  Etiópia  sob  o  Egito ;  da  ilha 
de  Meroe;  do  curso  do  rio  Nilo;  e  cita  as  tentativas  feitas  na 
antiguidade  para  descobrir  as  suas  fontes,  e  as  conjecturas  apre- 
sentadas para  explicar  as  suas  crescentes  (i). 

Noções  de  astrologia.  —  Gomes  Eannes  de  Zurara,  em  três 
passagens  da  Crónica  da  tomada  de  Cepta  (cap.  xlv,  Ixviii  e 
Ixxxvii),  concluída  em  1450,  dá  aposição  (longitude)  do  sole  da 
lua  em  dois  dias  do  ano  de  1415  ;  assim: 

141  5,  julho,  18;  falecimento  da  rainha  D.  Felipa :  longitude 
do  sol,  dois  graus  do  signo  de  Leão,  (4X  So"  +  2°  =  122°) 
[cap.  xlv]; 

141  5,  agosto,  21  ;  tomada  da  cidade  de  Ceuta:  longitude  do 
sol,  seis  graus  do  signo  de  Virgo  (5  X  So"  +  6"=  1  56°)  [cap.  Ixviii 
e  Ixxxvii] ;  longitude  da  lua,  um  grau  do  signo  dos  Gémeos  (2  X 
XSo^^-  i°=5i<')  [cap.  Ixxxvii]. 

Seria  bem  interessante  saber  de  que  modo  Gomes  Eannes  de 
Zurara  obteve  estes  dados ;  na  falta  de  provas  directas,  recorre- 
remos a  conjecturas.  Segundo  todas  as  probabilidades  Gomes 
Eannes  de  Zurara  deduziu  as  mencionadas  posições  do  sol  e  da 
lua  das  taboas  astronómicas,  que  Isaac  ibn  Sid,  de  Toledo,  redi- 

(i)  Veja-se  Crónica  da  conquista  de  Guiné,  cap.  ii,  iv,  vui,  lix,  lxi,  lxii  e  lxxvii. 


giu  cm  12  52  por  ordem  de  D.  Afonso  X,  rei  de  Castela ;  ou  ainda 
das  taboas  astronómicas,  que  Jacob  Carsono  (ai-Carsi)  calculou 
por  ordem  de  D.  Pedro  IV,  rei  de  Aragão  (i336  a  i386)(i). 
Umas  e  outras  eram  usadas  pelos  astrólogos  da  península  hispâ- 
nica nos  séculos  xiii,  xiv  e  xv ;  mas  inclinamo-nos  a  acreditar  que 
Gomes  Eannes  de  Zurara  fez  uso  das  Taboas  Alfonsinas,  por  isso 
que  as  eras  mencionadas  por  êle  nos  cap.  Ixxxvii  e  cv  da  Crónica 
da  tomada  de  Cepta  são  as  mesmas  que  são  dadas  no  começo  das 
Taboas  Alfonsinas  e  pela  mesma  ordem ;  somente  é  de  notar  que 
a  era  de  Diocleciano,  que  começou  no  ano  de  284  de  J.  C,  men- 
cionada nas  Taboas  Alfonsinas,  foi  substituída,  nos  dois  capítu- 
los indicados  da  Crónica  da  tomada  de  Cepta,  pela  era  de  Alimus 
ou  Acimus  (Anianus?),  que  começou  no  ano  de  444  de  J.  C. 
Nenhuma  das  taboas  astronómicas,  acima  indicadas,  é  mencio- 
nada no  catálogo  dos  livros  do  uso  dei  rei  D.  Duarte;  comtudo 
este  rei  parece  ter  conhecido  as  Taboas  Alfonsinas,  porque  no 
Leal  Conselheiro  (cap.  xxvii)  se  exprime  assim  :  «E  aqucl  honrado 
rei  Dom  Afonso  estrollogo  quantas  multidões  fez  de  leituras.» 
Deve  observar-se  que  as  Taboas  Alfonsinas  não  dão  imediata- 
mente a  posição  (longitude)  do  sol  ou  da  lua  em  um  determinado 
dia;  mas  é  necessário  efectuar  alguns  cálculos;  do  que  resulta 
que  Gomes  Eannes  de  Zurara  tinha  noções  bastante  extensas  de 
cosmografia,  e  sabia  efectuar  os  cálculos  para  deduzir  dos  dados 
das  taboas  a  longitude  do  sol,  da  lua  e  dos  planetas  em  um 
determinado  dia. 

Gomes  Eannes  de  Zurara  não  conhecia  as  taboas  astronómi- 
cas por  mera  curiosidade,  nem  sabia  o  seu  uso  somente  por 
gosto  especulativo;  mas  cultivava  a  astrologia,  que  tanto  crédito 
gosava  no  seu  tempo  e  ainda  depois.  Mateus  de  Pisano  infor- 
ma, que  Zurara  era  notável  astrólogo  (nobilis  astrologus)  (2).     É 

(i)  Gomes  Eannes  de  Zurara  não  deduziu  os  dados  astronómicos  das  taboas  do 
Almanach  perpetiium  de  Abraham  Zacuto,  porque  esta  obra  foi  composta  em  Sala- 
manca pelos  anos  de  1473  a  1478,  e  impressa  pela  primeira  vez  em  Leiria  em  1496,  em 
Jatim. 

(2)  De  bello  Septensi,  C.  I.  H.  P.,  i,  p.  2G  e  27. 


de  presumir  que  os  seus  conhecimentos  de  astrologia  tenham  sido 
adquiridos  pelo  estudo  da  famosa  obra  de  Cláudio  Ptolomeu, 
Opus  quadripartitum  de  astroriim  judiciis  (i).  Da  predilecção  que 
Gomes  Eannes  de  Zurara  tinha  pela  astrologia,  se  encontram 
evidentes  testemunhos  nas  suas  obras:  i."  o  horoscópio  do  in- 
fante D.  Henrique,  explicado  na  Crónica  da  conquista  de  Guiné 
(cap.  vii);  2°  a  predição  da  perdurável  memória  da  empreza  diri- 
gida contra  a  cidade  de  Ceuta,  que  faz  dizer  a  Frei  João  Xira  no 
sermão  que  pregou  em  Lagos,  conforme  se  lê  na  Crónica  da 
tojnada  de  Cepta  (cap.  liii);  3."  os  razoamentos,  que  atribue  a 
Azmede  ben  Filha,  almocadem  mayor  de  Tunes,  predizendo  a 
destruição  da  terra  de  África  (Barbaria),  expostos  na  Crónica  da 
tomada  de  Cepta  (cap.  Iviii)  (2).  E  não  se  deve  estranhar  o  inte- 
resse de  Gomes  Eannes  de  Zurara  pela  astrologia,  porque  é  bem 
sabido  que  esta  sciência  gosava  de  grande  crédito  nas  cortes  de 
Castela,  de  Aragão  e  de  Portugal,  nos  séculos  xiii,  xiv  e  xv,  posto 
que  alguns  homens  esclarecidos  não  acreditavam  nas  influências 
siderais,  como  mostrou  el  rei  D.  Duarte,  que  na  hora,  em  que 
havia  de  ser  levantado  como  rei,  sendo  avisado  por  mestre  Gue- 
delha (Guedalya),  judeu,  seu  físico  e  grande  astrólogo,  de  que  era 
conveniente  sobrestar  no  mesmo  auto,  em  razão  de  não  serem 
favoráveis  as  constelações  dominantes  naquela  hora,  o  mesmo 
rei  respondeu,  que  tal  não  faria,  para  não  parecer  que  nele  havia 
falta  de  fé  e  de  esperança  em  Deus  (3). 

Crónica  da  tomada  de  Cepta.  — El  rei  D.  Afonso  V,  ao  tempo 
em  que  começou  a  governar  o  reino  (1448),  como  soube  que 
as  memórias  dos  feitos  dei  rei  D.  João  I,  seu  avô,  não  tinham 

(i)  Visconde  de  Santarém,  introdução  da  Crónica  do  descobrimento  e  conquista 
de  Guiné,  p.  ix  e  x;  E.  Prestage,  The  li/e  and  writings  of  Azurara,  p.  xlvii  e  xlviii. 

(2)  Outras  alusões  relativas  à  crença  nas  influências  siderais  se  encontram  nas 
obras  de  Gomes  Eannes  de  Zurara,  a  saber :  Crónica  da  tomada  de  Cepta,  cap.  xxxv, 
xxxvii  e  Iviiii ;  Crónica  da  conquista  de  Guiné,  cap.  xxviii ;  e  Crónica  de  D.  Duarte  de 
Meneses,  cap.  xxxiv. 

(3)  Rui  de  Pina,  Crónica  dei  rei  D.  Duarte,  cap.  ii. 


sido  acabadas  de  escrever,  e  considerando  que  com  o  decorrer 
do  tempo  se  perderia  a  lembrança  deles,  mandou  a  Gomes  Ean- 
nes  de  Zurara  que  inquirisse  os  feitos  tão  notáveis  daquele  rei,  e 
deles  fizesse  memórias  para  servirem  quando  se  houvesse  de 
escrever  a  sua  crónica  (i). 

Os  feitos  dei  rei  D.  João  I,  até  ao  tempo  em  que  se  tratou  de 
fazer  a  paz  com  Castela,  que  se  celebrou  em  141 1,  tinham  sido 
escritos  em  crónica  por  Fernão  Lopes,  o  qual  não  pode  conti- 
nuar o  trabalho  por  ser  de  muita  idade  e  doente.  Gomes  Ean- 
nes  de  Zurara  escreveu  em  uns  cadernos  as  memórias  dos  feitos 
do  mesmo  rei  a  partir  de  141 1,  que  foi  a  época  em  que  se  come- 
çaram os  preparativos  para  a  empreza  da  tomada  de  Ceuta ;  e 
por  isso  foi  desta  empreza  que  principalmente  se  ocupou  como  o 
feito  mais  notável  do  último  período  da  vida  do  mesmo  rei.  A 
Crónica  da  tomada  de  Cepta  foi  começada  a  escrever  trinta  e 
quatro  anos  depois  da  conquista  da  mesma  cidade,  isto  é,  em 

1449  (2);  e  foi  concluída  na  cidade  de  Silves  a  25   de  março  de 

1450  (3). 

O  prazo  de  dois  anos,  quando  muito,  que  Gomes  Eannes  de 
Zurara  despendeu  em  escrever  esta  crónica,  tem  parecido  es- 
casso (4),  se  se  considera  a  extensão  da  mesma  crónica,  a  minu- 
ciosidade  com  que  são  narrados  alguns  sucessos,  e  a  forma  polida 
e  correcta  da  narração;  isto  faz  presumir  que  antes  de  1449  tives- 
sem sido  escritas  por  êle  ou  por  algum  letrado  (5)  breves  memó- 
rias, que  Gomes  Eannes  de  Zurara,  naqueles  dois  anos,  desenvol- 
veu, relificou  e  completou.  Deve  porém  observar-se  que  a  obra 
composta  por  Gomes  Eannes  de  Zurara  não  foi  considerada  por 


(i)  Crónica  da  tomada  de  Cepta,  cap.  iii. 

(2)  Ibidem,  cap.  ii. 

(3)  Ibidem,  cap.  xcvii. 

(4)  Inocêncio  Francisco  da  Silva,  Dicionário  bibliográfico  português,  tomo  iii, 
p.  147  ;  Edgar  Prestage,  TJie  li/e  and  writings  of  Azurara,  p.  viii. 

(5)  Veja-se  o  que  Fernão  Lopes  diz  na  Crónica  dei  rei  D,  Fernando  (cap.  ilvii)  a 
respeito  de  Martim  Afonso  de  Melo,  e  Gomes  Eannes  de  Zurara  na  Crónica  da  con- 
quista de  Guiné  (cap.  xxxii)  a  respeito  de  Afonso  Cerveira. 


ele  mesmo  senão  como  memórias  auxiliares,  que  haviam  de  servir 
para  a  composição  da  crónica,  sendo  sua  tenção  de  acrescentar 
ou  diminuir  as  mesmas  memórias  em  quaisquer  logares  que  ao 
deante  se  julgasse  que  o  mereciam  por  verdadeiro  juízo  (i). 

El  rei  D.  Afonso  V  não  se  contentou  de  mandar  somente  a 
Gomes  Eannes  de  Zurara,  que  escrevesse  os  gloriosos  feitos  dei 
rei  D.  João  I,  seu  avô;  mas  ainda  encarregou  Mateus  de  Pisano, 
que  tinha  sido  seu  mestre,  e  que  era,  segundo  diz  Gomes  Eannes 
de  Zurara,  «poeta  laureado  e  hum  dos  suficientes  filósofos  e  ora- 
dores, que  em  seus  dias  concorreram  na  chóstandade»,  que  os 
posesse  por  escrito  na  lingua  latina  (2),  evidentemente  com  o  fim 
de  tornar  conhecidos  tão  memoráveis  feitos  entre  as  nações 
estrangeiras.  Para  esse  efeito  Mateus  de  Pisano  compoz  em 
latim  a  obra  conhecida  peio  título  de  Livro  da  Guerra  de  Ceuta, 
em  que  se  refere  a  tomada  da  mesma  cidade.  Esta  obra  é  um 
sumário  evidentemente  extraído  das  memórias  que  já  tinha  escrito 
Gomes  Eannes  de  Zurara,  e  estava  concluída  pelos  anos  de 
1460  (3). 

E  bem  de  notar  que  a  conquista  da  cidade  de  Ceuta,  apesar 
de  ter  tomado  parte  nela  el  rei  D.  João  I,  e  os  infantes  D.  Duarte, 
D.  Pedro  e  D.  Henrique,  seus  filhos,  e  a  principal  nobrezia  do 
reino,  não  foi  assunto  de  nenhuma  composição  dos  poetas  do 
século  XV.  A  única  referência  à  mesma  empreza,  de  que  temos 
notícia,  que  seja  dada  nos  escritos  dos  poetas  do  século  xv, 
encontra-se  na  Tragedia  de  la  insigne  reyna  Doiía  Ysabel,  com- 
posta por,  D.  Pedro,  condestavel  de  Portugal  e  depois  rei  de  Ara- 
gão, falecido  em  1466;  a  passagem  é  como  se  segue:  «Aquel 
glorioso  rey  que  la  su  espada  tan  duramente  íiso  sentir  a  los 
Castèllanos,  e  los  sus  grandes  exércitos  passo  en  las  partes  de 
Africa,  ganando  a  los  Ysmaelitas  la  noble  çibdat  de  Cepta  (4).» 

(i)  Crónica  da  tomada  de  Cepta,  cap.  iii. 

(2)  Crónica  do  Conde  D.  Pedro,  cap.  i. 

(3)  De  bello  Septensi,  C.  I.  H.  P.,  i,  p.  3. 

(4)  D.  Carolina  Michaelis  ;de  Vasconcelos,  Uma  obra  inédita  do  Condestavel  de 
Portugal  D.  Pedro,  na  Homenaje  à  Menendej  y  Pelayo,  tomo  i,  Madrid,  1899,  p.  698. 


o  Cancioneiro  Geral,  coligido  por  Garcia  de  Resende,  não 
contem  nenhuma  trova  alusiva  ao  glorioso  feito  da  tomada  da 
cidade  de  Ceuta ;  nem  se  encontra  alusão  alguma  ao  mesmo  feito 
no  Cancioneiro  General  de  Hernando  de  Castillo,  nem  nos  de 
Baena  e  de  Stuniga. 

Subsídios  e  testemunhos  empregados  na  composição  da  Cró- 
nica da  tomada  de  Cepta.  —  O  infante  D.  Pedro,  segundo  filho 
dei  rei  D.  João  I,  compoz  uma  obra  de  filosofia  moral,  que  tem 
por  titulo  Virtuosa  bemfeitoria,  a  qual  dedicou  a  seu  irmão  o 
infante  D.  Duarte,  depois  rei.  O  infante  D.  Pedro  foi  ajudado 
no  acabamento  da  mesma  obra  pelo  licenciado  frei  João  Verba, 
seu  confessor;  e  a  obra  estava  concluída  antes  de  14  de  agosto 
de  1433,  em  que  faleceu  D.  João  I.  A  mesma  obra  fez  parte  da 
livraria  dei  rei  D.  Duarte  e  da  de  D.  Afonso  V;  e  posteriormente 
existia  na  livraria  do  Mosteiro  da  Cartuxa  de  Évora.  Atualmente 
ha  noticia  de  quatro  manuscritos  desta  preciosa  obra:  i.°  o  ori- 
ginal em  códice  de  pergaminho  na  biblioteca  municipal  de  Vizeu; 
2.°  cópia  em  códice  de  pergaminho,  em  formato  de  fólio,  de 
letra  ao  século  xv,  na  livraria  da  Academia  Rial  de  História 
de  Madrid;  3.°  cópia  em  livro  de  papel,  de  letra  do  século  xix, 
na  biblioteca  da  Academia  das  Sciências  de  Lisboa;  4.°  cópia  em 
livro  de  papel,  de  letra  do  século  xix,  na  Biblioteca  pública  mu- 
nicipal do  Porto.  A  Virtuosa  bemfeitoria  foi  publicada  pela  Câ- 
mara Municipal  do  Porto,  em  19 10,  na  Colecção  de  manuscritos 
inéditos. 

A  Virtuosa  bemfeitoria  é  dividida  em  seis  livros,  e  cada  um 
deles  em  diversos  capítulos.  No  livro  terceiro  trata-se  do  modo 
como  se  deve  pedir;  o  capítulo  v  tem  por  título :  em  que  se  mos- 
tra que  a  Deus  devemos  oferecer  nossas  petições;  e  o  vi :  ejii  que  se 
mostra  que  havemos  de  rogar  aos  santos  por  nossas  petições.  Estes 
dois  capítulos  foram  adaptados  por  Gomes  Eannes  de  Zurara  à 
sua  Crónica  da  tomada  de  Cepta,  transcrevendo-os  verbalmente, 
e  quási  completamente,  no  capítulo  primeiro  que  serve  de  pró- 


logo  à  mesma  crónica  (i).  Este  facto  explica-se  facilmente,  por- 
que Gomes  Eannes  de  Zurara  teve  a  seu  cargo  a  livraria  dei  rei 
D.  Afonso  V;  mas  demonstra  também  o  alto  conceito  em  que  a 
Virtuosa  bemfeitoria  era  tida  na  corte  depois  da  morte  do  infante 
D.  Pedro,  por  isso  que  o  cronista  tomou  dela  dois  capítulos  para 
servirem  de  prólogo  à  Crónica  da  tomada  de  Cepta,  que  escrevia 
por  ordem  dei  rei  D.  Afonso  V. 

O  próprio  Gomes  Eannes  de  Zurara  declara  no  capítulo  iii 
da  Crónica  da  tomada  de  Cepta,  que  compoz  esta  obra  segundo 
as  memórias  que  lhe  foram  contadas  por  pessoas  autorizadas, 
que  assistiram  aos  conselhos  e  tomaram  parte  na  execução  da 
empreza,  principalmente  dos  infantes  D.  Pedro  e  D.  Henrique. 
Esta  notícia,  e  outras  espalhadas  pelo  decurso  da  obra,  fazem 
crer,  que,  se  a  forma  literária  da  Crónica  da  tomada  de  Cepta 
é  devida  a  Gomes  Eanni^s  de  Zurara,  as  notícias  que  contem, 
dos  conselhos  havidos  para  a  sua  deliberação,  das  medidas 
tomadas  na  sua  preparação,  e  dos  factos  da  sua  realização,  per- 
tencem ao  infante  D.  Henrique.  E  é  bem  de  presumir  que  este 
infante,  no  último  quartel  da  sua  vida,  passando  a  maior  parte 
do  tempo  no  Algarve,  ocupado  nas  expedições  marítimas  do  des- 
cobrimento da  costa  ocidental  de  África,  se  comprazeria  de  recor- 
dar os  gloriosos  feitos  dei  rei  D.  João,  seu  pai,  e  os  de  seus 
irmãos  os  infantes  D.  Duarte  e  D.  Pedro,  e  os  seus,  da  sua  moci- 
dade, do  começo  da  sua  cavalaria,  na  preparação  e  realização 
da  tomada  de  Ceuta,  e  talvez  ditá-los  ao  cronista. 

Outra  obra,  de  que  Gomes  Eannes  de  Zurara  se  aproveitou 
para  a  composição  da  Crónica  da  tomada  de  Cepta,  foi  o  Leal 
Conselheiro,  escrito  por  el  rei  D.  Duarte.  Com  efeito  a  notícia 
da  doença,  que  D.  Duarte,  sendo  ainda  infante,  sofreu,  quando 
tinha  vinte  e  dois  anos,  e  el  rei  seu  pai  o  encarregou  do  conse- 
lho, da  justiça  e  da  fazenda,  dada  por  Gomes  Eannes  de  Zurara, 
é  extratada  daquela  que  o  próprio  D.  Duarte  escreveu,  como  se 

(l)    Doe.  XKXII. 


pode  verificar  comparando  a  parte  correspondente  do  capí- 
tulo xxix  da  Crónica  da  tomada  de  Cepta  com  a  do  capítulo  xix  do 
Leal  Conselheiro,  que  ali  é  citado. 

A  notícia,  contida  no  capítulo  xiii  do  Leal  Conselheiro,  rela- 
tiva ao  conselho  feito  por  el  rei  D.  João  I,  quando  estava  na 
Ponta  do  Carneiro,  entre  Gibraltar  e  a  Aljazira,  e  à  deliberação 
do  mesmo  rei,  serviu  claramente  a  Gomes  Eannes  de  Zurara  para 
escrever  o  que  sobre  o  mesmo  assunto  diz  nos  capítulos  Ixii  e 
Ixiii  da  Crónica  da  tornada  de  Cepta. 

Cavaleiro  da  casa  dei  rei,  e  mercê  da  tença  de  seis  mil  reais 
brancos  —  Por  carta  datada  de  29  de  março  de  1451,  el  rei 
D.  Afonso  V  fez  mercê  a  Gomes  Eannes  de  Zurara,  que  chama 
cavaleiro  da  sua  casa  e  seu  cronista,  da  tença  de  seis  mil  reais 
brancos  em  cada  ano,  a  partir  do  primeiro  de  janeiro  do  mesmo 
ano,  pagos  da  sua  fazenda  (i).  Não  se  sabe  a  data,  em  que  foi 
nomeado  cavaleiro  da  casa  dei  rei;  e  o  seu  nome  não  se  encon- 
tra no  Livro  das  moradias  da  casa  do  senhor  rey  D.  Afonso  V{2), 
que  foram  desde  1462  a  1481 ;  mas  a  omissão  do  seu  nome  neste 
livro  pôde  explicar-se,  ou  porque  a  mercê  já  tinha  sido  substi- 
tuída por  outra  mais  rendosa,  como  adeante  se  verá;  ou,  o  que  é 
mais  provável,  porque  Gomes  Eannes  de  Zurara,  não  sendo 
fidalgo,  não  era  contado  em  o  número  dos  «cavaleiros  fidalgos m. 

Cargo  da  livraria  real.  —  Rui  de  Pina,  na  Crónica  dei  rei 
D.  Afonso  V,  diz  (3)  que  este  «foy  o  primeiro  Rey  destes  regnos, 
que  ajuntou  bóos  liuros  e  fez  liuraria  em  seus  paços.»  Pedro  Ma- 
ris  nos  Diálogos  de  vária  história  transcreve  (4)  quási  textual- 
mente as  mesmas  palavras.  Parece  que  pelas  palavras  de  Rui 
da  Pina  se  deve  entender  que  el  rei  D.  Afonso  V  reuniu  conside- 

(i)  Doe.  II. 

(2)  Provas  da  historia  genealógica  da  Casa  Rial  Portugueja,  tomo  11,  p.  23-48. 

(3)  Rui  de  Pina,  Crónica  dei  rei  D.  Afonso  V,  cap.  ccxiii,  na  C.  /.  H.  P.,  tomo  i, 
p.  608. 

(4)  Pedro  Maris,  Diálogos  de  vária  história,  Coimbra,  ifgS,  foi.  igS,  v. 


rável  número  de  livros  escolhidos,  e  instituiu  nos  seus  paços  uma 
livraria,  que  podiam  fieqúentar  as  pessoas  da  corte  mais  afei- 
çoados aos  estudos  (i).  Esta  livraria  foi  estabelecida  nos  paços 
reais  do  castelo  da  cidade  de  Lisboa,  e  nela  havia  mesas  para 
facilitar  a  leitura  (2). 

Da  guarda  e  conservação  da  livraria  real  foi  dado  o  cargo  a 
Gomes  Eannes  de  Zurara  por  um  alvará,  cuja  data  não  é  conhe- 
cida, mas  que  foi  antes  de  14  de  Julho  de  1451,  em  que  se  pas- 
sou carta  de  quitação  a  Joham  Rodrigues  de  Carvalho  dos  dinhei- 
ros que  recebeu  em  Bruges,  entre  os  quais  eram  vinte  e  uma 
libras  e  cinco  soldos  por  cem  dúzias  de  pergaminhos  respança- 
dos,  que  entregou  a  Gomes  Eannes  de  Zurara  para  os  guardar  na 
livraria  dei  rei,  que  estava  na  cidade  de  Lisboa  (3).  Nesta  livra- 
ria havia  escrivães  de  livros  e  iluminadores  para  fazer  cópias  de 
livros  em  pergaminho  de  preparação  especial  e  de  letra  gótica  ou 
francesa,  e  alguns  com  finas  iluminuras  a  cores  e  ouro.  Entre  os 
escrivães  de  livros  é  mencionado  Joham  Gonçalves  (4),  escudeiro, 
que  parece  ter  sido  antes  escrivão  de  livros  do  infante  D.  Pedro, 
e  com  o  qual  esteve  na  batalha  de  Alfarrobeira,  sendo  depois 
perdoado,  e  restituindo-se-lhe  umas  casas  que  possuia  em  Lis- 
boa (5);  1  entre  os  iluminadores  menciona-se  Gonçalo  Eanes,  cré- 
ligo,  capelão  e  iluminador  de  livros,  a  quem  el  rei  D.  Afonso  V 
fez  mercê  de  5.916  reais  brancos  por  ano,  pela  carta  de  3  de  Julho 
de  1452  (6). 

Comendador  da  Ordem  de  Cristo.  —  Gomes  Eannes  de  Zurara 
foi  comendador  da  Ordem  de  Cristo. 


(i)  Sousa  Viterbo,  A  livraria  rial,  p.  3. 

{2)  Doe.  III ;  Sousa  Viterbo,  A  livraria  rial,  p.  3. 

(3)  Doe.  III. 

(4)  Gomes  Eannes  de  Zurara,  Crónica  da  conquista  de  Guiné,  cap.  xcvii. 

(5)  Sousa  Viterbo,  A  livraria  rial,  p.  4;  Chancelaria  dei  rei  D.  Afonso  V,  liv.  11, 
foi.  121  V.,  e  liv.  37,  foi.  45  V. 

(6)  Sousa  Viterbo,  A  livraria  rial,  p.  5;  Chancelaria  dei  rei  D.  Afonso  V,  liv.  12, 
foi.  95  V. 


XXVII    

A  Ordem  militar  de  N.  S.  Jesus  Cristo  foi  instituída  a  solici- 
tações dei  rei  D.  Denis  por  bula  do  Papa  João  XXII,  de  14  de 
março  de  iSig  (i);  os  cavaleiros  professavam  as  observâncias  da 
regra  e  ordem  de  Calatrava  (2);  e  os  bens,  que  lhes  tinham  sido 
doados,  foram  divididos  em  comendas,  como  consta  de  um  instru- 
mento datado  de  11  de  junho  de  i32i  (3).  Estas  disposições  du- 
raram até  ao  ano  de  1449,  em  que  D.  João,  bispo  de  Vizeu,  por 
comissão  do  Papa  Eugénio  IV,  e  a  instâncias  do  infante  D.  Hen- 
rique, que  então  era  governador  da  Ordem  e  seu  administrador, 
a  reformou,  e  fez  nova  regra  e  novas  definições  (4) ;  e  estas  se 
usaram  até  o  ano  de  i5o3,  em  que  se  fizeram  outras  em  capítulo 
geral  por  ordem  dei  rei  D.  Manuel,  que  era  então  o  governador 
da  Ordem  (5). 

Não  constam  da  regra  e  definições  da  Ordem  de  Cristo,  esta- 
belecidas pela  reformação  de  1449,  as  condições  a  que  deviam 
satisfazer  aqueles  que  pertendiam  ser  recebidos  na  Ordem;  mas 
é  porem  de  crer  que  não  seriam  muito  diversas  das  que  se  assen- 
taram no  Capítulo  geral  da  Ordem  celebrado  em  i  5o3 ;  no  qual 
se  estabeleceu  que  para  um  homem  ser  recebido  na  Ordem,  poder 
ter  comenda  e  ser  mestre,  havia  de  ser  fidalgo  ou  escudeiro  conhe- 
cido por  bom,  não  ter  menos  de  quinze  anos  nem  mais  de  cin- 
coenta,  e  não  ser  aleijado  nem  fraco  que  não  podesse  tomar 
armas  (6).  A  entrada  para  a  Ordem  era  feita  por  ordenança  e 
mandado  do  mestre  ou  governador  (7). 

Não  se  sabe  o  ano  em  que  Gomes  Eannes  de  Zurara  foi  rece- 

(i)  Definições  e  estatutos  dos  Cavaleiros  e  Freires  da  Ordem  de  N.  S.  Jesu  Cristo, 
Lisboa,  1628,  p.  54. 

(2)  Ibidem,  p.  54  e  58. 

(3)  Publicado  por  António  Eduardo  Baião  no  Arqueólogo  Português,  tomo  xiv, 
p.  1S7-164. 

(4)  Definições  e  estatutos,  p.  58. 

(5)  A  regra  e  deffiniçoões  da  ordem  do  mestrado  de  nosso  Senhor  Jhu  xpõ,  (i5o3), 
paleotipo  da  Biblioteca  Nacional  de  Lisboa,  reservado  n."  127;  e  paleotipo  do  Arquivo 
Nacional. 

(6)  Ibidem,  cap.  viii. 

(7)  Ibidem,  cap.  lix. 


bido  na  Ordem  de  Cristo,  porque  até  i  5o3  não  havia  livro  de  ma- 
trícula dos  cavaleiros  e  comendadores  (i),  e  se  perderam  os  docu- 
mentos do  cartório  da  Ordem  anteriores  ao  começo  do  século  xvi; 
sabe-se  porém  que  elle  deveu  a  sua  entrada  para  a  Ordem  a 
mercê  dei  rei  D.  Afonso  V  (2). 

Em  um  documento  datado  de  1 4  de  julho  de  1 45  2  (3)  e  em  outro 
de  17  de  julho  do  mesmo  ano  (4),  Gomes  Eannes  de  Zurara  é  cha- 
mado comendador  de  Alcains;  em  outro  de  23  de  agosto  de 
1454(5)  é  denominado  comendador  de  Alcains  e  da  Granja  do 
Ulmeiro;  e  em  outro  de  9  de  agosto  de  1459  (6),  é  denominado 
comendador  do  Pinheiro  Grande  e  da  Granja  do  Ulmeiro.  Parece 
resultar,  destes  documentos  que  elle  resignou  a  comenda  de  Alcains, 
recebendo  em  troca  a  de  Pinheiro  Grande. 

Alcains  é  uma  freguezia  do  orago  de  N.  S.  da  Conceição, 
situada  a  12  quilómetros  de  Castelo  Branco,  e  do  concelho  da 
mesma  cidade.  A  comenda  de  Alcains  pertencia  ao  bispado  da 
Guarda;  o  seu  rendimento  em  i58o  foi  avaliado  em  104ÍÍ1000  réis 
cada  ano  (7). 

Pinheiro  Grande  é  uma  freguezia  do  orago  de  Santa  Maria, 
situada  a  5  quilómetros  da  Chamusca,  e  do  concelho  desta  vila. 
A  comenda  do  Pinheiro  Grande  pertencia  ao  arcebispado  de  Lis- 
boa;  e  em  1628,  segundo  avaliação  feita  muitos  anos  antes,  ren- 
dia 55oííooo  réis  cada  ano  (8). 

Granja  do  Ulmeiro  é  uma  freguezia  do  orago  de  S.  Gabriel, 

(i)  A  regra  e  deffimçoóes  da  ordem  do  mestrado  de  nosso  Senhor  Jhu  xpó,  (i5o3), 
paleotipo  da  Biblioteca  Nacional  de  Lisboa,  reservado  n.°  127,  e  paleotipo  do  Arquivo 
Nacional,  cep.  lix. 

(2)  Per  vossa  mercee  cavalleiro  e  comendador  da  Ordem  de  Xpõ.  (Crónica  da  con- 
quista de  Guiné,  cap.  xcvii,  p.  462). 

(3)  Doe.  III. 

(4)  Doe.  XXX. 

(5)  Doe.  VI. 

(6)  Doe.  VIII. 

(7)  Definiçõss  e  estatutos,  p.  242;  Luís  de  Figueiredo  Falcão,  Livro  em  que  se  con- 
tem toda  a  fazenda  e  rial  património,  Lisboa,  iSíg,  p.  280,  n."  221. 

(8)  Definições  e  estatutos,  p.  236  ;  Livro  em  que  se  contem  toda  a  fazenda  e  rial  pa- 
trimónio, p.  240,  n.°  843. 


situada  a  i  5  quilómetros  de  Soure,  e  do  concelho  desta  vila.  A 
comenda  da  Granja  do  Ulmeiro  pertencia  ao  bispado  de  Coim- 
bra, e  o  seu  rendimento  em  i582  foi  avaliado  em  iSoííooo  réis 
cada  ano  (i). 

Crónica  da  conquista  de  Guiné.  —  No  ano  de  1452  el  rei 
D.  Afonso  V,  estando  na  cidade  de  Lisboa,  disse  a  Gomes  Eannes 
de  Zurara,  que  desejava  muito  vêr  postos  em  escrito  os  feitos  do 
infante  D.  Henrique  seu  tio;  e  ordenou-lhe  que  procurasse  saber 
com  grande  verdade  a  maneira  de  sua  virtuosa  vida  e  o  pro- 
cesso dos  seus  memoráveis  feitos  (2).  Gomes  Eannes  de  Zurara, 
com  as  informações  que  obteve  de  pessoas  que  ainda  então  vi- 
viam, e  que  tinham  servido  o  infante  D.  Henrique  (3),  e  com  as 
memórias  que  sobre  as  navegações,  promovidas  pelo  mesmo  in- 
fante, tinha  escrito  Afonso  Cerveira  (4),  compoz  a  obra  que  tem 
por  titulo  Cróinca  da  conquista  de  Guiné.  Depois  de  concluída 
a  obra  foi  feita  uma  cópia  em  pergaminho  por  Joham  Gonçal- 
ves, escrivão  de  livros  dei  rei  D.  Afonso  V,  a  qual  foi  terminada 
na  livraria  do  mesmo  rei  em  18  de  fevereiro  de  1453  (5);  e  Go- 
mes Eannes  de  Zurara  enviou  a  el  rei  a  mesma  cópia,  ilustrada 
com  o  retrato  do  infante  D.  Henrique  (6),  com  a  sua  carta  de  23 
de  fevereiro  de  14-5  3  (7). 

Guarda  mór  da  Torre  do  Tombo.  —  No  tempo  dei  rei  D.  João  I 
a  guarda  do  cartório  das  escrituras  do  reino,  que  era  estabele-   t'^-**^*-' 

(i)  Definições  e  estatutos,  p.  263  ;  Livro  em  que  se  contem  toda  a  fazenda  e  rial  pa- 
trimónio, p.  235,  n."  281. 

(2)  Doe.  IV ;  Crónica  da  conquista  de  Guiné,  cap.  i,  p.  3. 

(3)  Crónca  da  conqusta  de  Guiné,  cap.  xxx,  p.  i56,  e  cap.  xxxaii,  p.  lyS. 

(4)  Idem,  cap.  xxxii,  p.  i65,  e  p.  xii. 

(5)  Idem,  cap.  lrvii,  p.  463. 

(6)  O  manuscrito  está  depositado  atualmente  na  Biblioteca  Nacional  de  Paris,  e 
serviu  para  a  sua  publicação  da  mesma  crónica  feita  pelo  Visconde  de  Santarém,  em 
Paris,  em  1841  ;  esta  impressão  é  acompanhada  do  facsimile  do  retrato  do  infante 
D.  Henrique  e  da  carta  de  Gomes  Eannes  de  Zurara  a  el  rei  D.  Afonso  V. 

(7)  Doe.  IV. 


eido  na  Torre  do  Tombo  no  castelo  da  cidade  de  Lisboa,  estava  a 
cargo  dos  oficiais  da  fazenda  real,  como  se  vê  pela  carta  de  22  de 
dezembro  de  141 1,  pela  qual  o  mesmo  rei  ordenou  com  o  fim  de 
melhor  guarda  das  escrituras,  que  os  traslados  delas  se  dessem 
por  cartas  feitas  em  seu  nome  pelos  escrivães,  que  escreviam  as 
mesmas  escrituras  (i).  Parece  que  depois,  talvez  no  reinado  dei  rei 
D.  Duarte,  o  mesmo  cartório  passou  a  estar  a  cargo  de  um  oficial 
próprio,  que  era  denominado  guarda  mór  da  Torre  do  Tombo. 
Fernão  Lopes,  que  fora  escrivão  da  puridade  do  infante 
D.  Fernando  (2),  e  homem  de  grande  saber  e  autoridade  (3),  era 
no  tempo  dei  rei  D.  Duarte  o  guarda  das  escrituras  do  reino, 
que  estavam  na  Torre  do  Tombo,  no  castelo  da  cidade  de 
Lisboa;  e  foi  encarregado  pelo  mesmo  rei  de  pôr  em  crónica 
as  histórias  dos  reis  que  antigamente  foram  em  Portugal,  assim 
como  os  grandes  feitos  dei  rei  D.  João  I;  e  em  i534  o  mesmo 
rei,  atendendo  a  que  Fernão  Lopes  já  tinha  dispendido  muito 
trabalho  nas  mesma  obra,  e  ainda  havia  de  trabalhar  muito, 
lhe  fez  mercê  da  tença  de  14^5000  reais,  para  seu  mantimento,  em 
cada  ano,  em  todos  os  dias  da  sua  vida  desde  o  primeiro  dia  de 
janeiro  do  mesmo  ano,  pagos  aos  quartéis  do  ano  pelo  seu  tesou- 
reiro de  Lisboa.  ^A  carta  desta  mercê  foi  dada  em  Santarém  a 
c  .     ...       19  de  março  de  1484;  e  depois  confirmada  por  el  rei  D.  Afonso  V 

'^*****^'**T*ah.^  por  carta  de  3  de  junho  de  1489  (4).     O  mesmo  rei  D.  Afonso  V, 
.     ç^   ç^  em   atenção    aos   grandes   trabalhos,    que  Fernão   Lopes    tinha 

'       ^  ^  *  tomado   e   ainda   havia   de  tomar  para   fazer   as  crónicas   dos 

reis  de  Portugal,  lhe  poz  de  mantimentos  5oo  reais  em  cada 
mês,  durante  toda  a  sua  vida,  pagos  pela  portagem  da  cidade  de 
Lisboa.  A  carta  desta  mercê  foi  passada  em  Lisboa  a  1 1  de 
janeiro  de  1449  (5). 

(i)  Doe.  i;  Correia  da  Serra,  C.  I.  H.  P.,  tomo  11,  p.  20S. 

(2)  Testamento  do  infante  D.  Fernando,  na  Crónica  de  D.  João  I,  parte  primeira, 
ed.  Braamcamp,  p.  lii,  e  Crónica  da  tomada  de  Cepta,  cap.  iii. 

(3)  Crónica  da  tomada  de  Cepta,  cap.  iii. 

(4)  Doe.  xxviii. 

(5)  Damião  de  Góes,  Crónica  dei  rei  D.  Manuel,  quarta  parte,  eap.  xxxviii,  (doe.  xxix). 


Em  1454,  Fernão  Lopes  era  já  tão  velho  e  fraco,  que  por  si 
não  podia  bem  servir  o  ofício  de  guarda  das  escrituras  da  Torre 
do  Tombo;  e  por  isso  el  rei  D.  Afonso  V,  com  o  aprazimento  do 
próprio  Fernão  Lopes,  confiando  de  Gomes  Eannes  de  Zurara 
pela  muita  criação  que  nele  tinha  feito,  e  pelo  serviço  que  dele 
tinha  recebido  e  esperava  receber,  deu  o  cargo  de  guarda  das 
escrituras  da  Torre  do  Tombo  ao  mencionado  Gomes  Eannes  de 
Zurara  com  todos  os  direitos  e  proventos  que  pertenciam  ao 
cargo,  e  pelo  modo  que  o  tinha  tido  Fernão  Lopes.  A  carta 
desta  mercê  foi  passada  em  Lisboa  a  6  de  junho  de  1453  (i). 

Isenções  concedidas  a  Garcia  Annes  e  Afonso  Garcia.  —  Em 
1454  Gomes  Eannes  de  Zurara  representou  a  el  rei  D.  Afonso  V, 
que  elle  recebia  e  esperava  receber  serviço  de  Garcia  Annes  e 
Afonso  Garcia  seu  filho,  almocreves  e  moradores  na  vila  de  Cas- 
telo Branco,  por  lhe  arrecadarem  suas  rendas,  procurarem  suas 
cousas  e  lh'as  trazerem  para  Lisboa,  pelo  que  lhe  pedia  que  lhes 
concedesse  alguns  privilégios.  El  rei,  atendendo  ao  seu  pedido, 
privilegiou  os  mencionados  Garcia  Annes  e  Afonso  Garcia,  em 
quanto  Gomes  Eannes  de  Zurara  se  houvesse  por  servido  deles, 
isentando-os  do  serviço  rial,  do  dos  infantes  e  de  outras  quais- 
quer pessoas,  determinando  que  lhes  não  tomassem  contra  sua 
vontade  suas  casas  de  morada,  adegas  ou  cavalariças  para  serem 
dadas  a  outras  pessoas  para  aposentadoria.  A  carta  desta  mercê 
foi  passada  em  Lisboa  a  23  de  agosto  de  1454  (2). 

Traslado  do  foral  de  Miranda.  —  El  rei  Dom  Diniz  deu  foral 
à  vila  de  Miranda,  em  Santarém  a  18  de  dezembro  da  era  de  1 324 
(1286  de  J.  C.).  No  melado  do  século  xv  parece  que  se  tinha 
extraviado  o  original  do  foral;  pelo  que  os  moradores  da  mesma 
vila  solicitaram  um  traslado  do  seu  registo  na  Torre  do  Tombo; 


(i)  Doe.  V. 
(2)  Doe.  VI. 


o  traslado  foi  passado,  é  datado  de  i6  de  fevereiro  de  i556,  e  é 
assinado  por  Gomes  Eannes  de  Zurara  (i). 

Registo  da  Bula:  Inter  caetera.  —  O  Papa  Calisto  III,  pela 
bula  que  começa  pelas  palavras :  Inter  caetera,  dada  em  Roma  a 
3  de  março  de  1455,  outorgou  e  concedeu  à  Ordem  de  Cristo  o 
espiritual  de  todas  as  ilhas  desde  o  Cabo  de  Bojador  e  de  Não 
por  toda  a  Guiné  até  à  índia,  assim  já  adquiridas,  como  de  todas 
as  que  depois  se  adquirissem,  determinando  que  o  descobrimento 
daquelas  partes  não  podesse  ser  feito  senão  pelos  reis  do  Portu- 
gal, confirmando  juntamente  as  bulas  de  Martinho  V  e  de  Nico- 
lau V  sobre  o  mesmo  assunto.  No  transunto  da  mesma  bula 
do  Papa  Calisto  III,  existente  no  Arquivo  Nacional  (Torre  do 
Tombo),  gaveta  7.",  maço  i3,  n."  7,  foi  lançada  no  verso  da  folha 
a  seguinte  verba: 

«E  foy  esta  letra  aqui  lamçada  em  esta  torre  do  tombo  per 
nos  Gomez  e  annes  de  Zurara  comendador  de  pinheiro  dapar  de 
Santarém  que  he  de  dita  hordem  de  Jhú  xpõ  e  cronysta  de  por- 
tugall  e  guarda  moor  da  dita  torre  aos  ij  dias  de  nouembro  do  N." 
de  xpõ  de  mil  e  iiij"  Lbj  anos.» 

Esta  verba  é  muito  interessante  por  ser  de  letra  do  próprio 
Gomes  Eannes  de  Zurara,  e  conter  o  seu  nome  próprio  escrito 
por  extenso. 

Mercês  que  lhe  foram  feitas  em  i45g. — El  rei  D.  Afonso  V 
era  muito  liberal  e  generoso,  e  fazia  muitas  mercês  aos  seus  ser- 
vidores (2). 

El  rei  D.  Afonso  V,  por  cana  dada  em  Cintra  a  7  de  agosto 
de  1459,  fez  mercê  a  Gomes  Eannes  de  Zurara,  comendador  da 
Ordem  de  Cristo,  seu  cronista,  e  guarda  mór  da  Torre  do 
Tombo,  da  receita  de  1 235000  reais  brancos  em  cada  ano,  a  par- 


(i)  Arquivo  Nacional,  gaveta  i5,  maço  i3,  número  21. 

(2)  Pedro  Mariz,  Diálogos  de  vária  história,  Coimbra,  iSgS,  foi.  184,  r. 


tir  de  I  de  janeiro  de  1460,  emquanto  êle  vivesse,  a  qual  quantia 
já  recebia  da  fazenda  rial(i). 

O  mesmo  rei  D.  Afonso  V,  por  carta  dada  em  Cintra  a  9  de 
agosto  de  1459,  deu  licença  a  Gomes  Eannes  de  Zurara,  comen- 
dador do  Pinheiro  Grande  e  da  Granja  do  Ulmeiro,  seu  cronista 
e  guarde  mór  da  Torre  do  Tombo,  para  poder  despender  até  à 
quantia  de  ioííooo  reais  nas  obras  de  melhoramento  e  reparação 
das  casas  dei  rei,  situadas  perto  dos  paços  do  castelo  da  cidade  de 
Lisboa,  em  que  elle  então  morava,  e  para  fazer  uma  cisterna  nas 
mesmas  casas;  e  ordenou,  que  se  el  rei  lhe  não  podesse  pagar 
logo  todas  as  despesas  que  Gomes  Eannes  de  Zurara  tivesse  feito 
nas  mencionadas  obras,  ele  e  seus  herdeiros  possuíssem  as  mes- 
mas casas  até  que  lhe  fosse  paga  a  dita  quantia;  e  que  depois  as 
casas  ficassem  livres  para  el  rei  como  dantes  eram  (2). 

Reforma  dos  livros  de  registo  da  Torre  do  Tombo.  —  No  ano 
de  1459  el  rei  D.  Afonso  V  fez  cortes  em  Lisboa;  e  entre  as  mui- 
tas providências  adotadas  para  o  bom  governo  do  reino,  orde- 
nou a  reforma  dos  livros  de  registo  das  escrituras  do  reino. 
Sabendo  que  no  seu  cartório  da  Torre  do  Tombo  havia  muitos 
livros  de  registo  das  escrituras  do  reis  passados,  onde  os  naturais 
faziam  grandes  despezas  para  procurar  traslados  dos  documentos 
de  que  necessitavam,  em  razão  da  grande  prolixidade  das  escri- 
turas, e  porque  os  mesmos  livros  pereciam  por  serem  velhos; 
ordenou  que  se  tirassem  para  livros  novos  aquelas  cousas  que 
fossem  substanciais,  isto  é,  que  se  fizesse  o  sumário  da  parte  útil 
dos  documentos,  e  que  se  deixassem  as  outras  cousas  de  que  não 
havia  razão  de  aproveitar  a  ninguém.  El  rei  encarregou  de 
fazer  este  trabalho  a  Gomes  Eannes  de  Zurara,  comendador  da 
Ordem  de  Cristo,  guarda  mór  da  Torre  do  Tombo  e  seu  cro- 
nista. Nos  livros  de  registo  assim  reformados,  e  que  se  referem 
aos  reinados  de  D.  Pedro  I,  D.  Fernando  e  D.  João  I,  estão  regis- 

(i)  Doe.  VII. 
(2)  Doe.  vm. 


tadas  doações,  privilégios,  demarcações  de  termos,  apresenta- 
ções, legitimações,  aforamentos,  coutamentos,  morgados,  confir- 
mações e  outras  cousas  semelhantes  (i). 

Da  maneira  como  foi  feita  a  reforma  dos  livros  de  registo  diz 
João  de  Barros  (2):  «Fez  ainda  Gomes  Eanes  outra  obra  no 
tombo  deste  reyno  que  alumiou  muyto  as  cousas  delle,  que  foram 
os  liuros  dos  registros,  recopilando  em  certos  volumes  as  forças 
de  muyta  scriptura  que  andaua  solta,  começando  em  el  Rey  Dom 
Pedro  te  el  Rey  Dom  João  de  gloriosa  memoria,  isto  por  rezão 
de  ser  guarda  mór  do  mesmo  tombo,  ofíicio  muy  próprio  dos 
chronistas  por  ser  húa  custodia  de  toda  a  scriptura  do  reyno.» 

João  Pedro  Ribeiro  (3)  aprecia  muito  desfavoravelmente  o 
trabalho  de  Gomes  Eannes  de  Zurara;  mas  deve  dizer-se  que  este 
se  limitou  a  fazer  em  livros  novos  o  sumário  dos  antigos  livros 
de  registo,  que  eram  em  mau  estado;  e  que  o  desaparecimento 
dos  livros  antigos  sucedeu  entre  i526  e  i532,  quando  Tomé 
Lopes  escrivão  da  Torre  do  Tombo  servia  de  guarda  mór  (4). 

Registo  de  iim  documento  julgado  falso.  —  Com  a  reforma  dos 
livros  de  registo  da  Torre  do  Tombo  liga-se  um  facto,  que  tem 
sido  motivo  para  ser  apreciada  pouco  favoravelmente  a  probi- 
dade de  Gomes  Eannes  de  Zurara  como  guarda  mór  das  escritu- 
ras do  reino. 

O  Livro  I  da  Chancelaria  de  D.  Fernando  é  um  códice  de 
200  folhas  de  fino  pergaminho,  dispostas  era  20  cadernos  de  cinco 
folhas  duplas.  O  livro  está  encadernado  em  pastas  de  grosso 
papelão  cobertas  de  linhagem  cada  uma  com  quatro  taxas  de 
metal  amarelo.  As' folhas  do  livro  tem  o'",46o  xo^jSSo,  e  a  parte 
escrita  em  cada  página  ocupa  um  rectângulo  de  o'",3ioxo'°,255; 
as  folhas  são  numeradas  no  canto  superior  direito   da  página 

(1)  Doe.  IX. 

(2)  Décadas  da  Ásia,  dec.  i,  liv.  i,  cap.  11. 

(3)  João  Pedro  Ribeiro,  Dissertações  cronológicas  e  criticas,  tomo  iv,  p.  222-236. 

(4)  Anselmo  Braamcamp  Freire,  Arquivo  histórico  português,  vol.  iii,  p.  288  e  segs. 
e  Um  aventureiro  na  emprega  de  Ceuta,  p.  23  a  27. 


recto  com  os  números  romanos  j,  ij,  iij,  iiij,  y,  vj, .  .  .  CC. 
Em  cada  página  a  escrita  está  disposta  em  duas  colunas  de 
41  linhas,  tendo  cada  linha  3o  a  35  letras.  A  escrita  é  do  tipo 
meio  gótico  e  meio  cursivo,  do  século  xv,  c  perfeitamente  legí- 
vel. Os  títulos  dos  documentos  são  escritos  com  tinta  vermelha, 
e  os  documentos  com  tinta  preta.  Nas  margens  ha  pequenas  no- 
tas, nas  quais  se  indicam  as  folhas  do  hvro  antigo  em  que  o  docu- 
mento era  escrito.  Alguns  documentos  são  trasladados  na  inte- 
gra; mas  da  maior  parte  deles  somente  é  dado  o  sumário,  a  data, 
c  o  nome  do  escrivão  dei  rei.  O  livro  começa  pelo  seguinte  pró- 
logo, que  serve  de  termo  de  abertura  : 

«Registos  delrrey  dom  Fernando. 

Primeyro  liuro  delles. 

Segunda  feira  em  amanhecendo  aos  xviij  dias  do  mes  de 
janeiro  andados  da  era  de  çesar  de  mil  iiij'^  e  cinquo  annos  em  a 
villa  destremoz  se  finou  o  muyto  nobre  esclarecido  e  uirtuoso 
senhor  elrrey  Dom  Pedro  dos  regnos  de  Portugall  e  algarue  Rey 
per  cuja  morte  nos  ditos  regnos  soçedeo  o  muyto  alto  e  magní- 
fico senhor  e  de  grande  e  louuada  memoria  elrrey  Dom  Fernando 
seu  filho,  o  qual  em  viuendo  fez  muytas  doações  de  terras  e  pos- 
sissões,  e  deu  muytos  priuilegios  a  suas  villas,  e  aforou  muytos 
dos  seus  bêes  próprios,  e  apresentou  aas  suas  egreias  e  moes- 
teiros  pessoas  ydoneas,  e  legitimou  e  abilitou  muytos  ilegilimos 
nados.  E  outras  muytas  e  boas  obras  fez  que  per  seu  registo 
passarom  segundo  se  adiante  segue,  etc.» 

Depois  da  folha  CC  foi  ajuntada  outra  folha,  que  está  nume- 
rada com  os  algarismos  201;  esta  folha  é  de  pergaminho  mais 
grosseiro  e  amarelado,  do  que  o  do  livro;  e  foi  rasgada,  mas 
acrescentada  no  canto  inferior  direito  (página  recto).  Nesta  folha 
está  escrita  a  cópia  de  um  documento,  em  uma  só  coluna,  tendo 
41  linhas  na  página  recto,  e  17  linhas  na  página  verso;  a  escrita 
é  cursiva,  mas  bem  legível,  e  do  século  xv;  na  parte  que  foi  acres- 


centada  faltam  algumas  palavras  no  fim  das  linhas;  mas  é  fácil 
restabelecê-las. 

No  alto  da  página  recto  da  mesma  folha  2ci  está  escrita  a 
seguinte  nota  de  letra  diferente  da  do  documento:  «Esta  carta 
he  falça  e  não  deve  de  estar  aqui.»  No  fundo  da  mesma  página 
está  escrita  estoutra  nota  de  letra  diferente  da  da  anterior : 
«Esta  carta  he  falsa.» 

Sobre  toda  a  escrita  da  cópia  do  documento  da  página  recto 
são  traçadas  duas  linhas  rectas,  diagonais  do  rectângulo  ocupado 
pela  escrita,  como  para  a  trancar.  Na  página  verso,  no  fim  da 
cópia  do  documento,  está  escrita  a  seguinte  nota  de  letra  dife- 
rente da  das  notas  anteriores,  mas  do  século  xv:  «Esta  carta 
atras  em  lugar  de  titolo  diz  que  he  falsa  e  que  nam  deue  destar 
aquy,  e  nam  se  sabe  per  quem  foy  scripta  nem  a  carta  riscada 
como  estaa,  porem  parece  que  deuya  de  seer  per  o  oficial  desta 
Torre  do  Tombo  a  que  pertemçese  e  o  podesse  fazer  e  do  caso 
soubesse  pêra  o  poder  afyrmar  ajnda  que  nom  consta  per  a  letra 
nem  per  outro  nehúu  synal.» 

O  documento  copiado  na  folha  201,  recto  e  verso  é  um  carta 
dada  por  el  rei  D.  Fernando  em  Santarém,  aos  8  dias  do  mes  de 
março  da  era  de  141 1  (iSyS)  e  escrita  por  Afonso  Pires (i). 
Nesta  carta  el  rei  D.  Fernando  diz  que  considerando  os  muitos 
serviços  que  recebeu  de  D.  Frey  Nuno  Rodrigues,  mestre  da  cava- 
laria da  Ordem  de  Cristo,  em  muitos  logares  de  seus  reinos,  e  em 
outros  diversos  logares,  no  tempo  da  guerra  que  teve  com  el  rei 
de  Castela  e  de  Leão,  em  que  o  serviu  e  serve  mui  lealmente  por 
si  próprio  e  com  suas  gentes  com  cavalos  e  armas  à  sua  própria 
custa  e  dos  bens  da  dita  Ordem,  faz  doação  ao  mencionado  mes- 
tre e  à  sua  Ordem,  da  vida  e  de  toda  a  jurisdição  que  tem,  tanto 
no  cível  como  no  crime,  nas  vilas  de  Tomar,  e  de  Pombal,  e  de 
Soure,  e  de  Castelo  Branco,  e  de  Nisa,  e  de  Alpalhão,  e  de  Cas- 
telo de  Vide  e  de  Vila  Franca  de  Xira,  e  em  todos  os  seus  termos 

(i)  Doe.  XXVI. 


das  ditas  vilas^  e  em  todas  as  outras  vilas  e  logares  da  mencio- 
nada Ordem,  em  que  ela  tem  jurisdição,  a  saber :  nos  logares  e 
vilas  em  que  o  mestre  e  a  Ordem  de  Cristo  tem  jurisdição  e 
correcção,  e  das  sentenças  dos  juizes  e  justiças  das  ditas  vilas  e 
logares  apelam  para  o  mestre  e  Ordem  de  Cristo.  E  para  que 
esta  doação  seja  firme,  el  rei  demite  de  si  a  referida  jurisdição  e 
senhorio,  e  o  transfere  para  a  Ordem  de  Cristo. 

D.  Frey  Nuno  Rodrigues,  também  chamado  D.  Nuno  Freyre 
de  Andrade,  era  filho  de  Rui  Freire  de  Andrade  e  de  D.  Inez 
Gonçalves  do  Souto  Maior,  e  foi  o  sexto  mestre  da  Ordem  de 
Cristo  (i).  A  este  D.  Nuno  Freire  de  Andrade  deu  el  rei  D.  Pe- 
dro I  seu  filho  bastardo  D.  João,  para  que  o  criasse  consigo;  e 
êle  foi  depois  mestre  da  Ordem  de  Avis,  e  rei  de  Portugal  (2). 
El  rei  D.  "Pedro  fez  muitas  mercês  à  Ordem  de  Cristo  pelos  ser- 
viços prestados  pelo  mesmo  D.  Nuno  Freire;  e  no  seu  tempo  se 
transferiu  o  convento  e  casa  da  Ordem,  de  Castro  Marim  para 
Tomar,  o  que  se  fez  no  ano  de  i356;  e  logo  fez  capitulo  geral, 
em  que  presidiu  o  abade  do  mosteiro  de  Alcobaça  (3).  Quando 
el  rei  D.  Fernando  era  em  guerra  com  el  rei  D.  Henrique  de  Cas- 
tela, mandou  para  Galiza  por  mar  oito  galés,  de  que  era  capitão 
Nuno  Martins  de  Góes;  e  el  rei,  acompanhado  de  D.  Álvaro 
Pires  de  Castro,  de  D.  Nuno  Freire,  mestre  da  Ordem  de  Cristo, 


(i)  Estatutos  e  definições,  p.  90. 

D.  Frei  Nuno  Rodrigues  mandou  edificar  em  Ferrreira  do  Zêzere  uns  paços,  como 
consta  da  seguinte  inscrição  que  se  lê  na  parede  lateral :  «Em  nome  do  Padre  e  do 
Filho  e  do  Espirito  Santo.  Amen.  Eis  aqui  a  cruz  onde  crucificaram  Jesus  Christo  filho 
de  Deus  vivo.  Estes  paços  foram  do  mestre  de  Christo  Dom  Nuno  Rodrigo,  filho  de 
Rui  Freire  de  Andrade  e  de  Dona  Inez  Gonçalves  de  Souto  Maior,  e  foram  começados 
em  os  cinco  dias  de  Julho,  era  de  mil  e  quatro  centos  annos,  quando  heram  andados 
do  seu  mestrado  4  annos  7  ms.  e  26  dias  mais,  quando  reinava  em  Portugal  o  mui  no- 
bre Rei  Dom  Pedro  o  Primeiro,  quando  herão  andados  de  seu  reinado  cinco  annos  he 
xLiiii  dias  mais.  Estas  letras  pintou  Gonçallo  Tenrreiro,  mordomo  mor,  chanceller 
mor,  Senhor  de  Soure.»  Neste  edifício  são  atualmente  os  paços  do  concelho  de  Fer- 
reira de  Zêzere.  (António  Eduardo  Baião,  A  villa  e  concelho  de  Ferreira  de  Zêzere  no 
Arqueólogo  português,  tomo  xiv,  p.  148  e  i5i). 

(2)  Fernão  Lopes,  Crónica  dei  rei  D.  Pedro,  cap.  i. 

(3)  Estatutos  e  definições,  p.  60. 


de  outros  senhores  e  fidalgos,  e  de  muita  gente,  foi  por  terra,  e 
chegou  a  Tuy,  onde  foi  bem  recebido  de  Afonso  Gomes  de  Lira, 
alcaide  da  cidade,  e  de  todos  os  moradores  dela  (i).  Pouco 
tempo  depois  de  ali  ter  chegado,  quando  el  rei  D.  Fernando  soube 
que  el  rei  D.  Henrique  vinha  com  todo  o  seu  poder  com  inten- 
ção de  lhe  dar  batalha,  el  rei  D.  Fernando  deixou  fronteiros  nos 
logares  que  por  êle  tinham  voz,  e  entre  outros,  na  Corunha 
D.  Nuno  Freire,  mestre  da  Ordem  de  Cristo,  natural  da  mesma 
comarca,  com  quatrocentos  homens  de  cavalo  (2).  Dom  Nuno 
Freire  foi  mestre  da  Ordem  de  Cristo  durante  quinze  anos,  e 
faleceu  em  1372(3). 

De  uma  sentença  da  Casa  de  Suplicação  (4),  dada  em  12  de 
janeiro  de  1479,  consta  que  em  uma  demanda,  que  se  movia 
entre  certos  homens  moradores  de  Punhete  e  Eitor  de  Sousa, 
comendador  da  Cardiga  da  Ordem  de  Cristo,  sendo  oponente  o 
doutor  Lopo  Gonçalves,  como  procurador  da  infanta  D.  Beatriz, 
irmã  dei  rei  D.  Afonso  V,  como  tutora  e  curadora  de  seu  filho 
D.  Diogo,  duque  de  Vizeu,  regedor  e  governador  da  mesma 
ordem,  foi  apresentada  perante  o  doutor  João  de  Elvas,  desem- 
bargador da  mesma  Casa  de  Suplicação  uma  escritura,  que  fora 
passada  pela  Torre  do  Tombo,  cujo  teor  era  a  carta  dei  rei 
D.  Fernando,  doando  à  Ordem  de  Cristo  a  jurisdição,  de  que 
atraz  se  faz  menção.  Vista  esta  carta,  el  rei  D.  Afonso  V  man- 
dou que  Afonso  de  Óbidos,  que  tinha  a  seu  cargo  a  guarda  das 
escrituras  da  Torre  do  Tombo,  lhe  mostrasse  o  livro  dos  registos 
dei  rei  D.  Fernando,  e  o  levasse  à  Relação  para  o  mostrar  aos 
seus  desembargadores,  e  com  elle  fossem  os  escrivães  da  mesma 
Torre  do  Tombo.  Afonso  de  Óbidos,  em  cumprimento  da  ordem 
dei  rei,  foi  com  os  escrivães  à  Relação,  levando  consigo  o  dito 
livro  do  registo  dei  rei  D.  Fernando;  e  pelo  exame  ali  feito  se 

(i)  Fernão  Lopes,  Crónica  dei  rei  D.  Fernando,  cap.  xxx. 

(2)  Ibidem,  cap.  xxxii. 

(3)  Estatutos  e  definições,  p.  60. 

(4)  Doe.  xxvii. 


reconheceu,  que  a  mencionada  carta  de  doação  estava  escrita  em 
uma  folha  ajuntada  no  fim  do  Hvro  e  por  letra  diferente  da  do 
escrivão  que  escrevera  o  mesmo  livro.  E  perguntado  Afonso  de 
Óbidos,  se  êle  sabia  como  o  dito  registo  fora  posto  no  fim  do 
livro,  respondeu  que  não  sabia.  E  perguntado- Fernam  de  Elvas, 
escrivão  da  Torre  do  Tombo,  .que  trasladara  o  dito  livro,  se 
sabia  como  fora  ali  posto  o  dito  registo  no  fim  do  livro,  disse 
que  não  sabia,  nem  fizera  tal  escritura,  nem  conhecia  a  letra,  nem 
sabia  quem  a  tinha  feito,  nem  achara  tal  registo  nos  Uvros  velhos, 
dos  quais  êle  trasladara  os  mesmos  livros;  porque  se  neles  a 
encontrara,  a  trasladara,  como  fizera  a  outros  semelhantes.  E 
perguntado  Rui  Lopes,  que  também  era  escrivão  da  Torre  do 
Tombo,  se  êle  sabia  como  fora  posto  o  dito  registo  no  fim  do 
livro,  se  conhecia  a  letra,  respondeu  que  êle  não  sabia  como  o 
mencionado  registo  ali  fora  posto  nem  conhecia  a  letra.  E  per- 
guntado o  mesmo  Rui  Lopes,  se  êle  escrevera  uma  carta  que 
fora  apresentada  pela  infanta  D.  Beatriz  por  parte  da  Ordem  de 
Cristo,  que  parecia  ser  traslado  do  mencionado  registo,  respon- 
deu que  sim  a  escrevera.  E  perguntado  ainda  se  a  trasladara 
do  dito  livro  ou  de  algum  outro  da  Torre  do  Tombo;  respondeu 
que  não;  mas  que  a  verdade  era,  que  Gomes  Eannes  de  Zurara, 
guarda  mór  da  Torre  do  Tombo,  lhe  dera  o  traslado  dela  escrito 
em  papel,  e  que  por  ali  a  fizera.  E  logo  o  mesmo  registo  foi 
examinado  com  uma  carta,  que  parecia  ser  trasladada  do  mesmo 
registo,  feita  por  Gomes  Eannes,  clérigo,  criado  do  dito  Gomes 
Eannes,  e  comparada  uma  letra  com  a  outra,  se  reconheceu  ser 
toda  igual.  E  tendo-se  ordenado  a  Afonso  de  Óbidos  que  pro- 
curasse entre  todas  as  escrituras  da  Torre  do  Tombo,  se  encon- 
trava algum  registo  ou  carta,  do  qual  fosse  trasladado  o  registo 
que  estava  no  fim  do  hvro;  não  se  encontrou  tal  escritura,  nem 
por  registo,  nem  por  carta,  nem  por  livro  velho  nem  novo.  Em 
vista  deste  exame  e  inquirição  o  doutor  Lopo  Gonçalves  desistiu 
da  oposição  que  fazia  por  parte  da  infanta,  por  não  ter  procu- 
ração do  cabido  da  Ordem  de  Cristo  nem  as  suas  escrituras. 


Depois  de  efectuadas  outras  deligências,  o  doutor  João  de  Elvas, 
a  quem  o  desembargo  da  demanda  tinha  sido  cometido,  consi- 
derando que  a  mencionada  carta  tirada  do  Torre  do  Tombo  não 
foi  encontrada  no  livro  do  registo  dei  rei  D.  Fernando,  mas  que 
foi  posta  e  ajuntada  falsamente  no  fim  do  livro,  sendo  este  já 
acabado  e  encadernado,  e  por  letra  diferente  da  do  escrivão  que 
escreveu  o  mesmo  livro;  e  como  depois  da  data  da  dita  carta, 
el  rei  D.  Fernando  determinou,  por  ordenação  geral,  que  nenhuma 
pessoa  de  qualquer  estado  e  condição  que  fosse,  nem  a  Ordem 
de  Cristo  nem  nenhuma  outra  ordem,  tivesse  nem  podessse  ter 
nenhuma  superioridade  de  jurisdição,  sem  embargo  de  quaisquer 
cartas  dadas  por  êle  e  pelos  reis  seus  antecessores,  com  quais- 
quer clausulas  ou  prerogativas  que  fossem;  e  como  assim  pela 
dita  ordenação,  como  por  direito  comum,  as  superioridades  das 
jurisdições  são  tão  conjuntas  e  unidas  à  dignidade  e  principado 
real  do  reis,  que  dele  não  podem  ser  tiradas  nem  apartadas,  nem 
desmembradas,  nem  alheadas,  por  nenhuma  maneira,  pronun- 
ciou, declarou  e  julgou  que  a  dita  superioridade  de  jurisdição  era 
dei  rei  e  lhe  pertencia,  e  que  el  rei  a  não  podia  tirar  de  si,  nem 
dar  a  nenhuma  pessoa  nem  ordem. 

De  tudo  o  que  precede  resulta,  que  o  Livro  I  da  Chancelaria 
de  D.  Fernando,  (foi.  j  a  cc),  foi  escrito  por  Fernam  de  Elvas, 
escrivão  da  Torre  do  Tombo;  que  a  folha  201  do  mesmo  livro 
foi  ajuntada  depois  do  livro  ter  sido  escrito  e  encadernado;  que 
o  registo  da  mencionada  fôIha  201  foi  feito  por  Gomes  Eannes, 
clérigo,  criado  de  Gomes  Eannes  de  Zurara,  guarda  mór  da 
Torre  do  Tombo;  que  a  carta  de  doação,  apresentada  por  parte 
da  Ordem  de  Cristo,  foi  escrita  por  Rui  Lopes,  escrivão  da  Torre 
do  Tombo,  de  um  traslado  escrito  em  papel,  que  lhe  dera  Gomes 
Eannes  de  Zurara;  e  que  na  Torre  do  Tombo  não  se  encontrou 
nehuma  carta  nem  registo  de  livro  velho  ou  novo,  que  contivesse 
a  escritura  da  carta  de  doação.  Todavia  os  factos  apontados 
não  provam  que  a  doação  não  tivesse  sido  feita  por  el  rei 
D.  Fernando,  porque  nem  todas  as  cartas  passavam  pela  chan- 


celaria;  mas  são  graves  argumentos  contra  a  veracidade  da  doa- 
ção não  ter  sido  apresentada  pela  Ordem  de  Cristo  o  original  da 
carta  de  doação  devidamente  selada,  mas  somente  um  traslado; 
não  ter  sido  encontrada  na  Torre  do  Tombo  nenhuma  carta  ou 
registo  da  doação;  e  o  facto  que  se  observa,  que  sendo  a  carta 
de  doação  datada  de  8  de  março  da  era  de  141 1  (iSyS  J.C.), 
nela  se  diga  que  D.  Frei  Nuno  Rodrigues,  mestre  da  Ordem  de 
Cristo,  ainda  servia  a  el  rei  D.  Fernando,  sabendo-se  que  ele 
era  falecido  em  1372. 

Factos  análogos  aos  precedentemente  narrados,  não  eram  sem 
precedentes :  Fernão  Lopes  conta  na  Crónica  dei  rei  D.  João  /(i), 
que  a  14  de  outubro  de  1 884  o  mestre  da  Ordem  de  Avis  mandou 
decepar  de  mãos  e  pés  e  enforcar  um  homem,  chamado  Joham 
do  Porto,  que  fora  escrivão  da  câmara  dei  rei  D.  Fernando,  por 
cartas  que  falsara  do  mesmo  rei  sendo  vivo,  e  também  do  mestre 
da  Ordem  de  Avis,  depois  que  foi  regedor  do  reino  (2). 

Carta  de  D.  Pedro,  mestre  da  Ordem  de  Avis  e  condestável 
de  Portug-al.  —  D.  Pedro  era  o  segundo  filho  do  infante  D.  Pedro 
e  de  sua  mulher  D.  Isabel  de  Aragão,  e  nasceu  no  ano  de  1429. 
Por  carta  de  7  de  Janeiro  de  1448,  dada  pelo  infante  D.  Pedro, 
regente  do  reino,  em  nome  dei  rei  D.  Afonso  V,  foi  feito  condes- 
tável de  Portugal,  sucedendo  a  seu  tio  o  infante  D.  João;  e  depois 
da  morte  do  infante  D.  Fernando,  sucedida  a  5  de  junho  de  1448, 
D.  Pedro  foi  nomeado  mestre  da  Ordem  de  Avis.  Em  1445  foi 
armado  cavaleiro  pelo  infante  D.  Henrique,  seu  tio,  em  Coim- 
bra (3);  e  por  ordem  de  seu  pai,  acompanhado  de  muitos  senho- 


(1)  Fernão  Lopes,  Crónica  dei  rei  D.  João  I,  parte  primeira,  ed.  Braamcamp, 
cap.  clv,  p.  agi. 

(2)  Um  facto  análogo,  sucedido  no  tempo  dei  Rei  D.  Duarte,  é  referido  por  Fr.  Jo- 
seph  Pereira  de  Sant'Anna  na  Crónica  dos  Carmelitas,  parte  m,  cap.  xxi,  n."  1247.  No 
termo  de  aprovação  do  testamento  do  Infante  D.  Fernando,  escrito  por  Fernão  Lopes 
em  18  de  agosto  de  1437,  foi  testemunha  um  certo  Joham  do  Porto;  mas  certamente 
não  era  aquele  que  fora  enforcado  em  1384. 

(3)  Gomes  Eannes  de  Zurara,  Crónica  da  conquista  de  Guiné,  cap.  li,  p.  234  e  235. 


res  com  dois  mil  cavaleiros  e  quatro  mil  peões,  foi  em  socorro  de 
D.  João  II,  rei  de  Castela,  e  com  êle  assistiu  à  batalha  de  Olmedo, 
e  regressou  depois  a  Portugal.  Depois  que  el  rei  D.  Afonso  V 
tomou  o  governo  do  reino,  por  motivo  das  intrigas  que  se  move- 
ram contra  o  infante  D.  Pedro,  seu  filho  D.  Pedro  foi  privado 
dos  cargos  de  condestável  de  Portugal  e  de  mestre  da  Ordem  de 
Avis;  e  em  seguida  ao  desastre  de  Alfarrobeira,  que  aconteceu 
em  20  de  maio  de  1449,  D.  Pedro  passou  a  Castela,  e  somente 
regressou  a  Portugal,  quando  el  rei  D.  Afonso  V  o  chamou 
para  a  empreza  da  nova  Cruzada.  O  cargo  de  mestre  da  Ordem 
de  Aa'Ís  foi-lhe  restituído  por  carta  de  3o  de  maio  de  1457;  e 
pouco  a  pouco  lhe  foram  restituídas  quási  todas  as  terras,  que 
tinham  pertencido  a  seu  pai  o  infante  D.  Pedro.  Em  1468  acom- 
panhou el  rei  D.  Afonso  V  na  sua  expedição  a  Africa  (Barbaria), 
regressando  também  com  êle  para  o  reino.  Em  1460  estava  em 
Avis,  onde  era  a  sede  da  Ordem  (i).  Em  7  de  novembro  de  1463, 
partiu  novamente  para  Africa  em  companhia  dei  rei  D.  Afonso  V; 
e  estando  em  Ceuta,  foi  chamado  pelos  Catalães,  que  o  tinham 
escolhido  para  ser  rei  de  Aragão,  que  lhe  pertencia  por  herança 
por  parte  de  sua  mãe ;  com  aprazimento  dei  rei,  partiu  de  Ceuta 
em  duas  galés,  que  os  seus  parciais  lhe  tinham  enviado,  e  desem- 
barcou em  Barcelona  no  mês  de  dezembro  sendo  aclamado  rei. 
Na  mesma  cidade  residiu  desde  3i  de  janeiro  de  1464  até  3o  de 
junho  de  1466,  em  que  faleceu,  segundo  dizem  uns  de  consump- 
ção,  segundo  outros  de  peçonha  (2). 

Quando  D.  Pedro  estava  em  Avis,  na  sede  da  Ordem,  rece- 
beu uma  carta  de  Gomes  Eannes  de  Zurara,  na  qual  este  se  ofe- 
recia para  lhe  comunicar  as  novas  da  corte  do  que  fosse  suce- 

(i)  Doe.  X. 

(2)  Acerca  de  D.  Pedro,  mestre  da  Ordem  de  Avis  e  condestável  de  Portugal,  ve- 
jam-se  :  Damião  de  Góes,  Crónica  do  príncipe  D.  João,  cap.  xvii,  ed.  Guimarães,  Coim- 
bra, 1905,  p.  5i,  52,  54;  D.  António  de  Sousa,  História  Genealógica  da  Casa  Real  Por- 
tuguesa, tomo  II,  p.  84-88;  Balaguer  y  Merino,  D.  Pedro  el  Condestable  de  Portugal, 
Génova,  1881  ;  D.  Carolina  Michaelis  de  Vasconcellos,  Uma  obra  inédita  do  Condes- 
tável D.  Pedro  de  Portugal,  na  Homenaje  a  Menende:^ y  Pelayo,  tomo  i,  Madrid,  1899, 
p.  637-732 ;  Oliveira  Martins,  Os  filhos  de  D  João  I,  Lisboa,  1901,  n,  p.  141  e  segs. 


dendo;  a  esta  caria  respondeu  D.  Pedro  com  outra  (i),  que  na 
cópia  existente  tem  a  data  de  1 1  de  junho  de  1406;  esta  data  está 
evidentemente  errada,  e  parece  que  deve  lêr-se  1460  (2).  Nesta 
carta,  que  contêm  muitas  expressões  afectuosas,  D.  Pedro  diz 
aceitar  a  sua  oferta  de  lhe  escrever  as  novas  da  corte;  e  mos- 
tra-se  reconhecido  por  não  se  ter  esquecido  dele  no  meio  das  ocu- 
pações do  seu  cargo  e  dos  seus  estudos.  A  carta  mostra  não  só 
que  Gomes  Eannes  de  Zurara  se  correspondia  com  as  principais 
pessoas  da  corte,  mas  também  que  o  seu  carácter  era  apreciado 
muito  favoravelmente  por  elas. 

Traslado  do  foral  de  Moreira.  —  El  rei  D.  Afonso  Henriques 
deu  carta  de  foro  (foral)  aos  povoadores  do  concelho  de  Moreira ; 
não  é  conhecido  o  ano,  em  que  foi  dada;  mas  como  na  carta  se 
omite  o  nome  da  rainha  D.  Mafalda,  e  é  nomeado  seu  filho 
D.  Sancho  com  o  titulo  rei,  e  se  mencionam  outros  filhos,  con- 
clue-se  que  a  carta  de  foro  foi  dada  depois  de  11  58,  em  que  a 
rainha  faleceu,  e  antes  de  1 185,  em  que  morreu  D.  Afonso  Hen- 
riques. O  foro  de  Moreira  é,  como  na  carta  se  diz,  igual  ao  de 
Salamanca.  O  foral  desta  cidade  serviu  de  modelo  aos  forais 
de  vários  logares  do  reino  de  Portugal,  sobre  tudo  da  província 
(comarca)  da  Beira,  tais  como  de  Trancoso,  Moreira,  Marialva, 
Aguiar  e  Celorico.  Sabe-se  ainda  pelos  mais  antigos  documen- 
tos, que  as  constituições  ou  foros  de  Salamanca  estavam  em 
vigor  nos  territórios  que  constituíram  a  monarquia  portuguesa,  o 
que  não  é  para  estranhar  em  razão  da  proximidade  do  reino  de 
Castela,  do  qual  antes  o  reino  de  Portugal  tinha  feito  parte,  e 
da  conformidade  dos  usos  e  costumes  dos  povos  dos  dois  paizes. 
Contudo  nas  cartas  de  foro,  dadas  pelos  primeiros  reis  de  Portu- 
gal, nem  sempre  foi  transcrito  fielmente  o  foral  de  Salamanca, 
que  tinha  sido  tomado  para  modelo;  mas  nelas  se  encontram 

(i)  Doe.  X. 

(3)  Cf.  Edgar  Prestage,  Tlie  life  andwritings  of  Azurara,  p.  xxxvii,  nota  i ;  e  carta 
particular  do  General  Jacinto  Inácio  de  Brito  Rebelo,  de  i5  de  setembro  de  1894. 


vários  privilégios  e  regras  de  direito  público,  que  faltam  na- 
quele (i).  O  foral  de  Moreira  foi  confirmado  porei  rei  D.  Afonso  II, 
sua  mulher  a  rainha  D.  Urraca,  e  seus  filhos  D.  Sancho,  D.  A.  (?) 
e  D.  Leonor,  por  carta  dada  em  Coimbra  na  era  de  i255  (1271 
J.  C). 

Em  1460  os  moradores  da  terra  de  Moreira  representaram  a 
el  rei  D.  Afonso  V,  que  o  foral  que  tinham,  era  escrito  de  tal 
modo  e  em  tal  latim,  que  o  não  podiam  entender;  e  pediram  que 
lhe  mandasse  dar  um  traslado  do  registo  do  seu  tombo.  El  rei 
D.  Afonso  V,  por  alvará  de  2  5  de  outubro  de  1460,  mandou  a 
Gomes  Eannes  de  Zurara,  comendador  do  Pinheiro  Grande  e  da 
Granja  do  Ulmeiro,  seu  cronista,  e  guarda  mór  do  seu  tombo, 
que  lhes  desse  traslado  do  mesmo  foral.  Em  cumprimento  desta 
ordem  Gomes  Eannes  de  Zurara  procurou  nas  escrituras  da 
Torre  do  Tombo,  e  encontrou  o  foral  pedido.  Gonçalo  Afonso, 
procurador  do  concelho  de  Moreira,  requereu  que  lhe  desse  tras- 
lado do  foral,  e  que  se  declarasse  que  quantia  se  devia  pagar 
pelas  três  mealhas,  de  que  no  mesmo  foral  se  faz  menção,  que  se 
deviam  pagar  de  portagem  por  uma  carga  de  pão  ou  de  vinho. 
Gomes  Eannes  de  Zurara  deu  o  traslado  do  foral  em  forma  de 
carta;  e  no  fim  dela  diz  que  fez  todas  as  diligências  para  saber  a 
quantia  que  se  devia  pagar  da  moeda,  que  nesse  tempo  era  cor- 
rente, pelas  três  mealhas  mencionadas  no  foral,  perguntando-o 
às  pessoas  da  cidade  de  Lisboa,  que  entendia  que  o  deviam 
saber;  e  que  achou  que  as  três  mealhas  da  moeda  antiga  equiva- 
liam a  nove  oitavas  de  prata  (2);  mas  acrescenta,  que  atendendo 
à  ordenação  do  reino,  e  que  o  baixo  valor  da  moeda  da  época 
presente  não  permitia  tão  grande  equivalência;  e  por  quanto  o 
foral  de  Moreira  era  semelhante,  quanto  à  portagem,  ao  de  Pal- 
mela, no  qual  se  estabelecia  que  a  carga  de  pão  ou  de  vinho,  de 


( 1 )  A.  Herculano,  Portugaliae  monumenta  histórica,  Leges  et  consuetudines,  tomo  i, 
p.  435-439. 

(2)  Cf.  Fernão  Lopes,  Crónica  dei  rei  D.  Fernando,   cap.  Iv,  onde  se   diz :    «as 
mealhas  nom  eram  moeda  cunhada  por  si,  mas  era  um  dinheiro  partido  por  meio.» 


besta  grande,  pagasse  de  portagem  nove  (reais)  pretos,  e  de 
besta  pequena,  metade;  Gomes  Eannes  de  Zurara,  julga  que  os 
nove  (reais)  pretos  são  postos  no  foral  de  Palmela  por  equivalên- 
cia com  as  três  mealhas  da  moeda  antiga.  A  carta  com  o  tras- 
lado do  foral  de  Moreira  é  datada  de  Lisboa  a  22  de  outubro  de 
1460,  e  foi  escrita  por  Pêro  Cinza,  e  concertada  pelo  próprio 
Gomes  Eannes  de  Zurara,  que  assinou  com  o  seu  sinal  costu- 
mado. Conforme  no  principio  da  carta  se  diz,  o  foral  que  o 
concelho  de  Moreira  tinha,  era  escrito  em  latim,  e  como  o  tras- 
lado, transcrito  na  carta,  é  em  português,  é  de  presumir  que  a 
tradução  do  antigo  foral  tenha  sido  feita  pelo  próprio  Gomes 
Eannes  de  Zurara,  como  guarda  mór  da  Torre  do  Tombo  (i). 

O  texto  latino  do  foral  de  Moreira  existe  no  Livro  dos  Forais 
antigos  que  pertenceu  ao  mosteiro  de  Santa  Cruz  de  Coimbra, 
e  foi  transcrito  na  carta  de  confirmação  dei  rei  D.  Afonso  II, 
registada  no  livro  da  chancelaria  do  mesmo  rei  também  escrita 
em  latim;  e  a  sua  tradução  portuguesa  é  dada  na  carta  de  22  de 
outubro  de  1460  (Forais  antigos,  maço  7,  n."  3).  O  texto  latino, 
conforme  o  Livro  dos  Forais  antigos,  e  a  carta  de  confirmação 
dei  rei  D.  Afonso  II,  e  a  tradução  portuguesa  do  mesmo  foral, 
foram  publicados  por  A.  Herculano  (2).  Esta  tradução  portu- 
guesa, que  segundo  A.  Herculano  foi  feita  no  século  xv,  é  a  da 
carta  de  22  de  outubro  de  1460,  que  acima  conjecturamos  ser 
feita  pelo  próprio  Gomes  Eannes  de  Zurara. 

Perfilhação  e  doação  feita  por  Alaria  Annes.  —  Por  carta  dada 
em  Évora  a  6  de  fevereiro  de  146 1  (3),  el  rei  D.  Afonso  V  confir- 
mou a  perfilhação  e  doação,  que  Maria  Annes  fez  a  Gomes  Ean- 
nes de  Zurara  de  um  logar  que  ela  tinha  em  Ribatejo,  onde  cha- 
mavam o  Valbom,  e  de  umas  casas  em  que  ela  morava,  situadas 
na  freguezia  de  S.  Julião  na  cidade  de  Lisboa.     Este  documento  é 

(i)  Doe.  XII. 

(2)  Portugaliae  monuinenta  histórica,  Leges  et  comuetudines,  tomo  i,  p.  436-439» 

(3)  Doe.  XI. 


muito  importante  pelas  notícias  que  contêm,  relativas  à  familia 
de  Gomes  Eannes  de  Zurara,  pois  que  é  o  único  documento, 
atualmente  conhecido,  em  que  se  encontra  o  nome  e  estado  de 
seu  pai. 

Na  carta  de  confirmação  declara-se  que  perante  el  rei  fora 
apresentado  um  instrumento  público,  feito  e  assinado  por  Pêro 
Vaz,  tabalião  na  cidade  de  Lisboa,  no  qual  se  continha,  que 
Maria  Annes,  piliteira,  moradora  na  mesma  cidade,  declarara, 
que  considerando  o  grande  amor  e  amizade,  que  Johanne  Annes 
de  Zurara,  cónego  que  tinha  sido  da  cidade  de  Évora  e  de  Coim- 
bra, sempre  tivera  a  sua  mãe  Maria  Vicente,  e  também  a  ela  e  a 
seu  marido  Lopo  Martins,  com  quem  estivera  casada,  e  as  mui- 
tas e  boas  obras  que  ele  recebera  sendo  seu  compadre  e  amigo; 
e  considerando  ela  como  aprouvera  a  Deus  de  lhe  não  dar  filho 
nem  filha,  nem  nenhum  outro  herdeiro  legítimo,  que  à  hora  da 
sua  morte  herdasse  os  seus  bens;  e  por  ser  em  tal  idade,  que  os 
não  podia  haver,  sendo  sempre  seu  desejo  de  os  ter;  e  conside- 
rando ainda  ela  o  grande  amor  e  amizade  que  ela  tinha  e  sempre 
tivera  com  Gomes  Eannes  de  Zurara,  comendador  do  Pinheiro 
Grande,  depois  da  morte  do  pai  dele  até  então,  e  as  muitas  boas 
obras  e  avisos,  que  dele  recebera  para  encaminhar  seus  negócios; 
tomava  e  recebia,  por  modo  de  adopção,  o  dito  Gomes  Eannes  de 
Zurara  por  seu  filho  legítimo  e  universal  herdeiro  de  todos  seus 
bens,  como  se  dela  tivesse  nascido  naturalmente  por  legítimo 
matrimónio;  e  lhe  fazia  doação  entre  vivos,  como  a  seu  filho 
adoptivo,  de  um  seu  logar  que  ela  Maria  Annes  possuía  no  Riba- 
tejo, no  sitio  denominado  Valbom,  com  todas  suas  vinhas,  casas, 
lagar  e  horta,  e  também  de  umas  casas,  em  que  ela  morava, 
situadas  na  freguesia  de  S.  Julião  da  cidade  de  Lisboa,  reser- 
vando ela  para  si  todo  o  uso  e  fruto  do  dito  logar  e  casas,  em 
vida  dela  somente  e  não  mais. 

Este  documento  foi  considerado  por  José  Correia  da  Serra 
como  um  testemunho  da  ambição  de  riqueza  de  Gomes  Eannes 
de  Zurara,  e  pouco  consentâneo  com  as  ideias  da  nobreza  da 


XLVII   

época  em  que  viveu  (i);  mas  os  termos  em  que  o  documento  está 
redigido  fazem  suspeitar  antes,  que  a  doadora  Maria  Annes,  filha 
de  Maria  Vicente,  era  também  filha  do  cónego  Johanne  Annes 
de  Zurara,  ou  que  este  mantivera  relações  de  íntima  amizade 
com  a  mesma  Maria  Vicente;  e  que  o  cónego  Johanne  Annes  de 
Zurara  houvera  de  outra  mulher,  cujo  nome  não  é  conhecido,  o 
filho  Gomes  Eannes  de  Zurara;  e  que  por  tanto  este  e  Maria 
Annes  ou  eram  verdadeiramente  meios  irmãos  por  seu  pai,  ou 
assim  considerados;  e  que,  como  Maria  Annes,  depois  da  morte 
de  seu  marido,  fora  assistida  e  dirigida  em  seus  negócios  por 
Gomes  Eannes  de  Zurara,  ela  em  reconhecimento  e  gratidão  dos 
benefícios,  o  fizera  herdeiro  de  todos  os  seus  bens  adoptando-o 
como  filho,  que  era  um  modo  de  doação  muito  usado  naquela 
época  (2). 

Traslado  do  foral  de  Alvar  e^,  terra  do  mosteiro  de  Folques.  — 
No  mês  de  setembro  do  ano  de  1819  Martim  Gonçalves  e  sua 
mulher  Maria  Viegas,  deram  carta  de  foro  (foral)  aos  homens,  que 
povoavam  a  sua  herdade  de  Alvares,  a  qual  foi  confirmada  por 
el  rei  D.  Denís.  Em  1462  os  moradores  de  Alvares  representa- 
ram a  el  rei  D.  Afonso  V,  que  o  mesma  carta  de  foro  era  já  tão 
velha  e  caduca  em  alguns  logares,  que  lhe  não  queriam  dar  fé 
nem  prestar  autoridade;  e  pediram-lhe  que  lhe  mandasse  dar  um 
traslado  do  seu  tombo.  El  rei  D.  Afonso  V,  por  alvará  de  10 
de  abril  de  1462,  mandou  a  Gomes  Eannes  de  Zurara,  comenda- 
dor do  Pinheiro  Grande,  seu  cronista,  e  guarda  mór  da  Torre  do 
Tombo,  que  lhes  desse  traslado  do  mesmo  foral.  Em  cumpri- 
mento da  mesma  ordem  Gomes  Eannes  de  Zurara  procurou  no 
livro  dos  forais,  e  nele  encontrou  o  registo  do  foral  pedido;  e  a 
requerimento  do  procurador  do  concelho  de  Alvares  lhe  deu  o 
traslado  do  foral  em  forma  de  carta,  datada  de  Santarém  a  24 

(i)  José  Correia  da  Serra,  C.  /.  H.  P.,  tomo  11,  p.  210. 

(2)  Deste  parecer  é  também  E.  Prestage,  Tlie  life  atid  writings  of  Aptrara,  p.  xxxi 
a  xxxiv. 


de  abril  de  1462  (i).  No  fim  da  carta  Gomes  Eannes  de  Zurara 
diz  que  êle  próprio  fez  a  carta  e  a  concertou  por  si  por  não 
haver  escrivão  na  Torre  do  Tombo;  e  em  seguida  assina  com  o 
seu  sinal  costumado. 

Este  documento  é  muito  importante,  não  só  porque  é  o  mais 
extenso,  que  se  conhece,  escrito  por  mão  do  próprio  Gomes 
Eannes  de  Zurara,  mas  também  porque  mostra  que  certas  parti- 
cularidades da  escrita  da  cópia  da  Crónica  da  tomada  de  Cepta, 
contida  no  Códice  n."  368  do  Arquivo  Nacional,  e  que  é  a  mais 
antiga,  são  devidas  ao  seu  autor,  isto  é,  ao  próprio  Gomes  Ean- 
nes de  Zurara. 

Factos  do  ano  de  1463.  —  Em  14  de  junho  de  1463  Gomes 
Eannes  de  Zurara  deu  um  traslado  de  documentos  existentes  na 
Torre  do  Tombo,  relativos  a  certas  terras  pertencentes  a  D.  Pe- 
dro de  Castro.  O  original  deste  traslado,  assinado  por  Gomes 
Eannes  de  Zurara  pertenceu  a  Eça  de  Queirós,  cuja  mulher  se 
dizia  descendente  do  mesmo  D.  Pedro  de  Castro  (2). 

Neste  mesmo  ano  Gomes  Eannes  de  Zurara  alcançou  dei  rei 
D.  Afonso  V  a  concessão  de  duas  mercês  para  um  seu  criado 
Pêro  de  Almada,  filho  de  Álvaro  Fernandes.  Por  carta  dada  em 
Lisboa  a  22  de  junho  de  1463  (3),  o  dito  Pêro  de  Almada  foi  no- 
meado juiz  das  sisas  da  vila  de  Almada,  em  substituição  de  seu 
pai,  que  tinha  renunciado  o  mesmo  oficio;  e  por  carta  de  23 
de  junho  de  1463  (4),  o  mencionado  Pêro  de  Almada  foi  nomeado 
alcaide  e  meirinho  dos  ourivezeiros  da  Adiça,  em  substituição 
de  seu  pai,  que  falecera,  pagando  a  el  rei  de  foro  e  tributo, 
em  cada  ano,  duas  coroas  de  ouro  velhas.  No  século  xv 
dava-se  o  nome  de  ourivezeiros  ao  trabalhadores  empregados  na 
exploração  de  minas  de  ouro;  e  Adiça  era  uma  mina  de  ouro 

(i)  Doe.  XIII. 

(2)  E.  Prestage,  The  life  and  writings  of  Azurara,  p.  xxxiv. 

(3)  Doe.  XIV. 

(4)  Doe.  XV. 


situada  perto  da  vila  de  Almada,  explorada  no  século  xv,  e  depois 
até  ao  fim  do  século  xviii  (i). 

Crónica  do  conde  D.  Pedro  de  Meneies.  — El  rei  D.  Afonso  V 
encomendou  muitas  vezes  a  Gomes  Eannes  de  Zurara,  que  pro- 
curasse informar-se,  e  escrevesse  os  feitos,  que  por  defensão  da  fé 
cristã  e  honra  de  Portugal  obraram  em  Ceuta  o  conde  D.  Pedro 
de  Menezes  e  os  outros  varões,  que  ali  tão  virtuosamente  traba- 
lharam. A  esta  ordem  dei  rei  juntou-se  o  requerimento  de 
D.  Leonor  de  Menezes,  filha  do  mesmo  conde,  senhora  muito 
virtuosa  e  de  grande  saber,  que  foi  casada  com  D.  Fernando, 
bisneto  dei  rei  D.  João  I  (2).  Gomes  Eannes  de  Zurara,  em  cum^ 
primento  da  ordem  dei  rei  D.  Afonso  V,  compôs  a  Crónica  do 
conde  D.  Pedro  de  Meneses,  na  qual  se  referem  os  sucessos  das 
guerras  que  os  Mouros  moveram  para  recuperar  a  cidade  de 
Ceuta,  no  tempo  que  o  conde  D.  Pedro  de  Menezes  foi  capitão 
da  mesma  cidade,  isto  é,  desde  a  tomada  de  Ceuta  em  141  5  até 
ao  ano  de  1437;  ela  é,  como  se  diz  no  título,  a  continuação  da 
Crónica  da  tomada  de  Cepta,  escrita  pelo  mesmo  Gomes  Eannes 
de  Zurara. 

Gomes  Eannes  de  Zurara  compôs  (ajuntou  e  escreveu)  a  Cró- 
nica do  conde  D.  Pedro  de  Meneses  aproveitando  não  só  as  lem- 
branças daquelas  pessoas,  que  serviram  em  Ceuta  no  tempo  em 
que  o  mesmo  conde  foi  capitão  da  cidade,  e  que  lhas  comunica- 
ram verbalmente;  mas  também  as  memórias,  que  antes  tinham 
sido  escritas,  dos  feitos  notáveis  que  os  Portugueses  obraram  em 
defensão  da  mesma  cidade  durante  aquele  tempo  (3). 

Uma  das  memórias  escritas,  de  que  Gomes  Eannes  de  Zurara 
se  aproveitou  para  compor  a  Crónica  do  conde  D.  Pedro  de  Me- 
neses, foi  a  Crónica  da  tomada  de  Cepta  escrita  antes  por  êle 

(i)  Sousa  Viterbo,  Gomes  Eannes  d' Azurara,  na  Revista  portuguesa  colonial  e 
marítima,  vol.  iii,  Lisboa,  1898,  p.  818. 

(2)  Crónica  do  conde  D.  Pedro  de  Meneses.,  parte  i,  cap.  i. 

(3)  Ibidem,  C.  I.  H.  P.,  tomo  11,  p.  280,  3o8,  340,  422,  473,  476,  493,  523,  535,  536 
€56i. 


mesmo;  alguns  capítulos  do  começo  da  Crónica  do  conde  D.  Pe- 
dro de  Aleneies,  foram  tomados  de  outros  da  Crónica  da  tomada 
de  Cepta,  transcrevendo-os  uns  verbalmente  no  todo  ou  em 
parte,  outros  dando-lhes  nova  redação  com  acrescentamento  de 
notícias  ou  de  simples  desenvolvimentos  retóricos  (i). 

Gomes  Eannes  de  Zurara  começou  a  compor  a  Crónica  do 
conde  de  D.  Pedro  de  Meneies  pelos  anos  de  1458,  e  concluiu-a 
na  sua  comenda  do  Pinheiro  Grande,  que  é  a  par  de  Santarém,  na 
véspera  de  S.  João  Batista,  2  3  de  junho  de  1463  (2). 

Procurador  do  jnosteiro  e  convento  de  Almoster.  —  Gomes 
Eannes  de  Zurara  exerceu  o  cargo  de  procurador  do  mosteiro  e 
convento  de  S.  Maria  de  Almoster,  da  Ordem  de  S.  Bernardo, 
fundado  por  D.  Berengaria  no  reinado  dei  rei  D.  Denís.  A  pro- 
curação foi  passada  pela  abadessa  D.  Isabel  de  Andrade,  e  pelas 
donas  e  convento  do  mesmo  mosteiro ;  e  foi  feita  e  assinada  por 
Diego  de  Figueiredo,  notário  geral,  no  alpendre  do  mesmo  mos- 
teiro, em  27  de  dezembro  de  1466,  sendo  testemunhas  Frei  Joham 
de  Alemquer,  monge  do  mosteiro  de  Alcobaça  e  capelão  do  dito 
convento,  Pêro  de  Sousa,  escudeiro  do  infante  D.  Fernando,  já 
então  falecido,  e  morador  em  Santarém,  e  João  Lourenço,  escu- 
deiro de  Pêro  de  Saa.  Pela  procuração  a  abadessa  e  donas  e 
convento  do  mosteiro  de  Almoster  deram  a  Gomes  Eannes  de 
Zurara  poderes  bastantes  para  tirar  quaisquer  prasos  ou  afora- 
mentos ou  arrendamentos  de  bens  do  mosteiro  a  quaisquer  pes- 
soas que  os  tivessem  e  não  pagassem  os  foros,  pensões  ou  ren- 
das, a  que  eram  obrigadas;  e  a  emprazar  de  novo,  aforar  ou 
arrendar  os  ditos  bens  às  pessoas  e  pelos  preços  que  êle  julgasse 

(i)  Comparem-se  os  seguintes  capítulos: 

Crónica  Crónica 

do  conde  D.  Pedro  de  Meneses :  da  tomada  de  Cepta : 

IV,  V,  %a xcjx,  c 

VII  e  vni Cl 

xm Lxxxix. 

(2)   Crónica  do  conde  D.  Pedro  de  Menejes,  parte  ii,  cap.  xl,  C.  I.  H.  f.,  p.  626. 


que  era  bem  e  proveito  do  dito  mosteiro.  Em  seguida  à  procu- 
ração era  escrita  a  carta  de  confirmação  da  mesma  procuração, 
dada  por  D.  Frei  Nicolau,  abade  do  mosteiro  de  Alcobaça  e 
esmoler  dei  rei,  e  por  autoridade  apostólica  padre  abade  visita- 
dor e  reformador  de  todos  os  mosteiros  da  mesma  ordem  em 
Portugal.  A  carta  de  confirmação  era  assinada  pelo  mencionado 
abade  D.  Frei  Nicolau,  e  selada  do  seu  selo  (i). 

Traslado  do  foral  de  A^er.  —  A  petição  dos  moradores  de 
Azer,  Gomes  Eannes  de  Zurara  passou  em  27  de  julho  de  1467 
uma  certidão  do  foral  de  Azer  (2). 

Administração  de  uma  capela  instituída  na  igreja  de  S.  Maria 
Madalena  da  cidade  de  Lisboa.  —  Pelos  anos  de  iSgo,  pouco  mais 
ou  menos,  faleceu  um  certo  Gonçalo  Esteves,  natural  de  Cintra, 
o  qual  antes  da  sua  morte  tinha  edificado  uma  capela  sob  a 
invocação  de  S.  Clara,  dentro  da  igreja  de  S.  Maria  Madalena, 
situada  na  cidade  de  Lisboa,  na  qual  se  mandava  sepultar;  e  em 
seu  testamento  legou  os  seus  bens  à  mesma  capela,  para  que 
nela  se  cantassem  perpetuamente  certas  missas.  Durante  os 
primeiros  vinte  anos  parece  ter  sido  cumprida  a  vontade  do  ins- 
tituidor da  capela;  mas  depois  os  herdeiros  e  detentores  dos 
mesmos  bens  deixaram  de  mandar  cantar  as  missas,  a  que  eram 
obrigados  pela  instituição  da  capela,  apesar  das  solicitações  dos 
priores  e  beneficiados  da  igreja  de  S.  Maria  Madalena,  e  de 
serem  demandados  em  juízo,  e  ter  havido  contra  eles  sentenças, 
morrendo  a  maior  parte  deles  excomungados  por  não  darem 
cumprimento  ao  legado.  Pelos  anos  de  1467  os  bens  da  men- 
cionada capela  estavam  em  posse  de  um  certo  Nuno  Martins, 
morador  em  Cintra,  que  os  houve  por  sua  mulher  Margarida 
Annes,  que  em  linha  direita  descendia  do  mencionado  Gonçalo 
Esteves,  e  de  outros  seus  filhos  com  quem  ela  os  tinha  partido, 

(i)  Cf.  Doe.  XIX  e  XXI. 

(2)  Arquivo  Nacional,  gaveta  8,  maço  i,  n."  17. 


o  que  não  podia  fazer  por  serem  vinculados  à  mencionada  ca- 
pela. El  rei  D.  Afonso  V,  por  carta  dada  em  Santarém  a  28  de 
julho  de  1467(1),  declarou  que  em  virtude  do  disposto  na  orde- 
nação do  reino,  os  bens  da  mencionada  capela  pertenciam  a  êle 
próprio,  isto  é,  declarou  a  capela  como  vaga  para  a  coroa  real, 
podendo  dar  os  bens  da  capela  a  quem  houvesse  por  bem  com 
o  encargo  de  cantarem  as  missas  estabelecidas;  e  por  isso  fez 
mercê  a  Gomes  Eannes  de  Zurara,  cavaleiro  de  sua  casa,  comen- 
dador da  Ordem  de  Cristo,  seu  cronista,  e  guarda  mór  da  Torre 
do  Tombo,  dos  bens  da  dita  capela  com  o  encargo  de  fazer  can- 
tar as  missas  estabelecidas,  e  de  cumprir  tudo  o  que  tinha  sido 
instituído  no  testamento  do  mencionado  Gonçalo  Esteves. 

José  Correia  da  Serra  observa  que  esta  mercê  de  uma  capela, 
que  vagara  para  a  coroa  real,  era  muito  assinalada  para  o  tempo 
em  que  foi  feita,  porque  naquela  época  era  pouco  comum  este 
género  de  bens,  isto  é,  a  instituição  de  capelas,  como  foi  nos 
séculos  seguintes  (2). 

Viagem  a  Alcácer  Cegiier.  —  No  ano  de  1463,  el  rei  D.  Afonso  V 
empreendeu  uma  segunda  expedição  contra  os  Mouros  de  Africa 
(Barbaria),  partindo  de  Lisboa  a  7  de  novembro  do  mesmo  ano. 
Damião  de  Góes,  na  Crónica  do  principe  D.  João  (cap.  xvii)  refere 
os  sucessos  desta  jornada  pelas  seguintes  palavras  :  «No  anno  de 
M  cccc  Ixiii  passou  el  Rei  em  Africa  no  mez  de  dezembro  com 
tençam  de  tomar  Tanger  ahos  mouros,  ha  qual  empresa  lhe 
sucedeo  aho  contrairo  do  que  cuidaua,  porque  perdeo  muita  gente 
na  viagem,  por  respeito  da  áspera  tormenta  que  passou  no  mar, 
e  assi  polo  combate  que  se  deu  ha  cidade  ahos  vinte  dias  de 
janeiro  de  M  cccclxiiij,  e  em  húa  entrada  que  elle  mesmo  fez  polo 
seriam  atee  ha  serra  de  Benacofu,  onde  hos  Mouros  mataram  ho 
conde  de  Viana  D.  Duarte  de  Menezes,  capitam  e  gouernador  de 
Alcácer  Ceguer.»     Depois  do  cerco  de  Tanger  el  rei  D.  Afonso  V 

(i)  Doe.  XVI. 

{2)  José  Correia  da  Serra,  C.  I.  H.  P.,  tomo  11,  p.  209. 


passou  a  Ceuta,  e  dali  a  Gibraltar,  onde  se  encontrou  com  D.  Hen- 
rique, rei  de  Castella,  e  em  seguida  regressou  ao  reino,  tendo 
passado  em  Évora  a  páscoa  de  1464(1). 

Mas  já  antes  destes  sucessos,  dous  ou  três  anos,  el  rei 
D.  Afonso  V,  estando  em  Aveiro,  tinha  escrito  uma  carta  a  Gomes 
Eannes  de  Zurara,  seu  cronista  e  guarda  mór  da  Torre  do  Tombo, 
em  que  lhe  ordenava,  que  deixando  todas  as  outras  ocupações 
do  seu  cargo,  escrevesse  a  crónica  dos  feitos  de  D.  Duarte  de 
Menezes,  capitão  de  Alcácer  Ceguer  (2).  D.  Duarte  de  Menezes  era 
filho  natural  de  D.  Pedro  de  Menezes,  conde  de  Viana  e  primeiro 
capitão  de  Ceuta;  havia  sido  nomeado  capitão  de  Alcácer  Ceguer 
por  carta  de  16  de  janeiro  de  1459;  pelos  seus  longos  e  leais  ser- 
viços foi  feito  conde  de  Viana  de  Caminha  por  carta  de  6  de  julho  de 
1450;  e  morreu  em  fevereiro  de  1464  para  salvar  a  vida  dei  rei 
D.  Afonso  V  na  entrada  que  fez  até  à  serra  de  Benacofu  (3). 

Gomes  Eannes  de  Zurara  julgou  que  para  bem  cumprir  a 
ordem  dei  rei,  de  escrever  os  feitos  de  D.  Duarte  de  Menezes, 
devia  passar  a  Africa;  as  razões  que  o  demoviam  a  esta  jornada 
expõe  êle  mesmo  na  Crónica  do  conde  D.  Duarte  de  Meneses  (cap.  11) 
pelas  seguintes  palavras  (4) :  «E  porque  segundo  [diz]  o  philoso- 
pho,  nunqua  o  conhecimento  da  cousa  he  tão  fortemente  conhe- 
cido per  sua  semelhança  como  per  si  mesma;  entendi  que  me 
convinha  passar  em  aquelas  partes  de  Africa  por  duas  rezões  :  húa 
porque  naquela  vila  dAlcacer  eram  moradores,  assy  os  adays,  e 
almocadens,  e  escuitas,  e  outra  gente  do  campo,  que  torom  os 
principais  meos  per  que  se  as  cousas  ordenaram  e  fizerom, 
sem  cuja  ordedura  se  minha  estória  nom  podia  ordenar  nem  ter, 
como  outra  gente  que  tinha  vida  ordenada  naquela  frontaria,  os 
quaes  como  continuadamente  andavam  naquelle  oficio  seriam  em 

(i)  Damião  de  Góes,  Crónica  do  príncipe  D.  João,  cap.  xvii,  ed.  Guimarães,  Coim- 
bra, igoS,  p.  52  a  56. 

(2)  Gomes  Eannes  de  Zurara,  Crónica  do  conde  D.  Duarte  de  Meneses,  cap.  i, 
C  1.  H.  P.,  tomo  III,  Lisboa,  1793,  p.  7. 

(3)  Ibidem,  cap.  i. 

(4)  Ibidem,  cap.  11,  C.  1.  H.  P.,  tomo  iii,  p.  10  e  11. 


melhor  lembrança  dos  feitos,  que  os  cortezãos,  cujo  sentido  como 
som  no  regno,  ha  mais  dentender  a  outras  partes;  e  a  outra  por- 
que me  pareceo  que  me  convinha  haver  bom  conhecimento  per 
vista  de  todas  aquellas  comarcas,  per  que  as  nossas  gentes  anda- 
ram pellejando  com  seus  imigos,  pêra  saber  como  eram  assenta- 
das, e  o  modo  que  os  Mouros  tinham  em  pellejar;  e  isso  mesmo  a 
maneira  per  que  os  nossos  entravam  antre  elles,  e  como  haviam 
suas  pellejas,  e  a  audácia  que  os  contrairos  tinham  em  se  defen- 
der.» Por  estas  razões  Gomes  Eannes  de  Zurara  solicitou  dei 
rei  licença  para  visitar  Alcácer  Ceguer;  mas  el  rei  deferiu  por 
muito  tempo  a  licença,  e  não  lha  concedeu  senão  depois  de  ser 
muito  instado.  O  mesmo  Gomes  Eannes  de  Zurara  refere  assim 
a  sua  viagem  (i):  «E  no  anno  do  nascimento  de  Christo  de  mil 
cccc  Ixvij  no  octavo  mes  daqueste  anno  passei  naquestas  partes 
dAfrica,  onde  estive  tanto  tempo  atee  que  o  sol  passou  húa  vez 
todolos  signos  do  Zodiaco.»  Desta  passagem  resulta  que  Gomes 
Eannes  de  Zurara  partiu  de  Lisboa  para  Alcácer  Ceguer  em 
agosto  de  1467,  e  que  ali  se  demorou  até  julho  ou  agosto  de 
1468.  Damião  de  Góes  (2)  refere-se  assim  a  esta  viagem  de  Go- 
mes Eannes  de  Zurara :  «No  anno  de  M  cccc  Ixvij ...  [el  rei 
D.  Afonso  V]  mandou  no  mes  dagosto  a  Alcácer  Ceguer  Gomes 
Eannes  de  Zurara  pêra  se  lá  informar  dos  feitos  e  proezas  do 
conde  D.  Duarte,  e  lhe  fazer  sua  crónica,  como  fez,  onde  esteue 
hum  anno,  e  ha  crónica  veo  acabar  aho  regno.» 

Carta  dei  rei  D.  Afonso  V.  —  Durante  o  tempo  que  Gomes 
Eannes  de  Zurara  assistia  em  Alcácer  Ceguer,  el  rei  D.  Afonso  V 
escreveu-lhe  uma  carta  de  sua  mão,  datada  de  21  de  novembro 
sem  indicação  do  ano,  em  resposta  de  outra  que  Gomes  Eannes 
de  Zurara  lhe  havia  escrito  (3).    Esta  carta  é  uma  prova  bem  ma- 

(i)  Gomes  Eannes  de  Zurara,  Crónica  do  conde  D.  Duarte  de  Meneses,  cap.  11, 
C.  I.  H.  P.,  tomo  III,  p.  1 1. 

(2)  Crónica  do  príncipe  D.  João,  cap.  xvii,  ed.  Guimarães,  p.  58. 

(3)  Doe.  XVII. 


nifesta  da  superior  cultura  intelectual  dei  rei  D.  Afonso  V,  e  bem 
assim  da  grande  estima  em  que  o  mesmo  rei  tinha  os  letra- 
dos (i).  Esta  carta,  da  qual  somente  existem  cópias  em  alguns 
manuscritos  dos  séculos  xvi  e  xvii  (2),  é  sem  dúvida  autêntica ; 
Damião  de  Góes,  na  Crónica  cio  príncipe  D.  João,  (cap.  vj),  certa- 
mente alude  a  ela  na  seguinte  passagem  (3) :  «E  deste  tempo  por 
diante  se  pode  crer  que  continuasse  Gomes  Eannes,  porque  viueo 
muitos  annos  depois  dei  rei  dom  Afonso  V  ter  tomado  ahos  mou- 
ros ha  villa  dAlcacer,  onde  ho  mesmo  rei  ho  mandou  pêra  ahi 
screuer  os  feitos  que  este  conde  de  Viana  dom  Eduarte  de  Me- 
nezes e  hos  de  sua  companhia  faziam  em  Africa,  e  lhe  screuia 
cartas  de  sua  própria  mão,  assaz  bem  scriptas  e  copiosas  por 
serem  de  rei,  fauor  mui  notauel,  e  pêra  hos  que  tem  cargo  des- 
creuer  tomarem  cuidado  de  ho  fazerem  como  a  feitos  de  tam 
humanos  e  sclarecidos  reis  convém.» 

João  de  Barros,  é  ainda  mais  explícito;  diz  assim  (4):  «E  assi 
[el  rei  D.  Afonso  V]  mandou  Gomes  Eannes  de  Zurara  seu  cro- 
nista mór  à  villa  dAlcacer  Ceguer  em  Africa,  pêra  que  com  fee 
de  vista  podesse  escreuer  os  feitos  daquella  guerra;  ao  qual 
escreueo  húa  carta  de  sua  própria  mão  em  louuor  do  traba- 
lho que  la  tinha,  por  razão  da  obra  que  fazia :  e  isto  não  com 
palavras  taxadas  e  avaras  segundo  o  uso  dos  príncipes,  mas 
em  modo  eloquente  e  de  pródigo  orador,  como  quem  se  presava 
disso.» 

(i)  «Suas  palavras  (dei  rei  D.  Afonso  V)  no  que  queria  dizer  eram  sempre  bem 
ordenadas  e  entoadas  com  muy  gracioso  orgam,  e  per  pena  de  seu  natural  escrevia  assy 
bem,  como  se  per  longo  ensyno  e  exercício  de  oratória  artificialmente  o  aprendera;  foy 
amador  de  justiça  e  de  ciência,  e  honrou  muyto  os  que  a  sabiam.»  {Ruy  de  Pina, 
Crónica  dei  rei  D.  Afonso  V,  cap.  ccxiii,  C.  I.  H.  P.,  Lisboa,  1790,  tom.  i,  p.  608). 

(2)  Além  da  cópia  mencionada  no  fim  do  documento  xvii,  uma  cópia  da  mesma 
carta  está  no  princípio  do  manuscrito  da  Crónica  do  conde  D.  Duarte  de  Meneses,  que 
pertenceu  à  Biblioteca  do  Paço  das  Necessidades  (atualmente  está  na  Inspecção  geral 
dos  arquivos  e  bibliotecas  eruditas),  e  que  fez  imprimir  José  Correia  da  Serra  {C.  I. 
H.  P.,  tomo  III,  p.  3  a  5);  e  outra  copia  do  século  xvii  está  a  página  276  do  volume  da 
Colecção  da  Graça,  atualmente  na  livraria  do  Arquivo  Nacional,  caixa  19. 

(3)  Crónica  do  príncipe  D.  João,  cap  vi,  ed.  Guimarães,  p.  12  e  i3. 

(4)  Décadas  da  Ásia,  Dec.  i,  liv.  11,  cap.  11. 


Alexandre  Herculano  diz  da  mesma  carta  (i) :  «Este  docu- 
mento prova  quam  bella  era  a  alma  daquelle  monarca,  a  quem 
podemos  seu  receio  chamar  o  ultimo  rei  cavalleiro;  e  cuja  hon- 
rada memoria  teem  pretendido  escurecer  aquelles  que  só  em  seu 
filho  encontram  um  grande  homem.  Vê-se  nesta,  carta  que 
D.  Aífonso  V  entendia  que  uma  penna  vale  bem  um  sceptro,  e  o 
engenho  um  throno.  De  irmão  para  irmão  não  houvera  mais 
afável  e  afectuosa  linguagem,  e  mais  generosas  animações  e 
mercês.» 

Das  passagens  precedentemente  citadas,  uma  do  próprio 
Gomes  Eannes  de  Zurara  e  outra  de  Damião  de  Góes,  resulta 
que  aquele  partiu  para  Africa  em  agosto  de  1467,  e  que  ali  se 
demorou,  assistindo  em  Alcácer  Ceguer,  durante  um  ano  com- 
pleto, isto  é,  até  Agosto  de  1468;  e  como  a  carta  dei  rei 
D.  Afonso  V  tem  a  data  de  2 1  de  novembro,  e  foi  escrita  em 
quanto  Gomes  Eannes  de  Zurara  estava  em  Alcácer  Ceguer, 
segue-se  que  a  mesma  carta  é  do  ano  de  1467. 

A  D.  Duarte  de  Menezes  sucedeu  no  governo  de  Alcácer  Ce- 
guer seu  filho  D.  Henrique  de  Menezes,  4.°  conde  de  Viana,  e 
i.°  conde  de  Valença,  sendo  nomeado  capitão  de  Alcácer  Ceguer 
por  carta  de  i3  de  março  de  1464;  é  este  D.  Henrique  de  Me- 
nezes o  conde,  a  que  se  refere  a  carta  dei  rei  D.  Afonso  V.  O 
mesmo  D.  Henrique  de  Menezes  foi  depois  nomeado  capitão  de 
Arzila  por  carta  de  27  de  agosto  de  1471 ;  e  el  rei  D.  Afonso  V 
lhe  deu  o  título  de  conde  de  Loulé;  faleceu  em  Africa,  sendo 
capitão  de  Arzila,  pouco  antes  de  17  de  fevereiro  de  1480. 

Crónica  do  conde  D.  Duarte  de  Meneies.  —  Esta  crónica  é  ao 
mesmo  tempo  a  vida  do  conde  D.  Duarte  de  Menezes  e  a  histo- 
ria dos  sucessos  das  guerras  com  os  Mouros,  desde  a  conquista 
de  Alcácer  Ceguer,  em  1458,  até  ao  ano  de  1464.  Foi  composta, 
como  já  se  disse,  por  ordem  dei  rei  D.  Afonso  V,  e  começada 

(i)  A.  Herculano,  Gomes  Eannes  d' Azurara,  em  o  Panorama,  vol.  iii,  p.  25o-i5i. 


antes  de  1462  (i),  e  escrita  pela  maior  parte  em  Alcácer  Ceguer 
sob  as  vistas  do  conde  D.  Henrique  de  Menezes,  filho  de 
D.  Duarte  de  Menezes,  com  as  noticias  e  lembranças,  que  alcan- 
çou dele  e  dos  portugueses  que  residiam  em  Alcácer  Ceguer  e 
dos  Mouros  moradores  da  mesma  vila :  e  foi  concluída  depois 
que  Gomes  Eannes  de  Zurara  regressou  ao  reino  em  1468. 

D.  Duarte  de  Menezes,  antes  de  ser  nomeado  capitão  de  Ar- 
zila em  1458,  tinha  servido  em  Ceuta,  primeiramente  sob  as 
ordens  do  conde  D.  Pedro  de  Menezes,  seu  pai,  e  depois  em  seu 
logar  como  capitão  da  cidade  desde  i43i,  em  que  o  conde 
D.  Pedro  de  Menezes  veiu  para  Portugal,  até  agosto  de  1487,  em 
que  regressou  a  Ceuta.  Os  feitos,  que  D.  Duarte  de  Menezes 
obrou  em  defensão  da  cidade  de  Ceuta,  são  contados  na  segunda 
parte  da  Crónica  do  conde  D.  Pedro  de  Meneies^  escrita  por  Go- 
mes Eannes  de  Zurara;  e  quando  este  compoz  a  Crónica  do 
conde  D.  Duarte  de  Mene\es  transcreveu  verbalmente  para  esta 
crónica  a  parte  daquela,  que  dizia  respeito  ao  mesmo  D.  Duarte 
de  Menezes  (2). 

Traslado  do  foral  de  Gralhas.  —  El  rei  D.  Dinis  deu  foral  à 
aldeia  de  Gralhas,  do  termo  de  Montalegre,  por  carta  datada  de 
Lisboa,  a  20  dias  de  setembro  da  era  de  1348  (i3io  J.  C).  Em 
maio  de  1468  os  moradores  da  mesma  aldeia  representaram  a 
el  rei  D.  Afonso  V,  que  os  ratos  tinham  roído  a  maior  parte  da 
carta  do  seu  foral,  de  modo  que  se  não  podia  lêr,  e  pediram  que 
do  seu  tombo  lhe  mandasse  dar  um  traslado.  El  rei  D.  Afonso  V, 
por  alvará  de  21  de  maio  de  1468,  mandou  que  Gomes  Eannes 
de  Zurara,   comendador  da  Ordem   de  Cristo,   seu  cronista,   e 

(i)  Ataa  este  presente  anno.  (Crónica  do  conde  D.  Duarte  de  Meneses,  cap.  cxxi,. 
C.  /.  H.  P.,  p.  294). 

(2)  Este  facto  singular  foi  já  notado  por  Ernesto  do  Canto  no  artigo,  Bre\'es  refle- 
xões sobre  as  Crónicas  do  conde  D.  Pedro  de  Meneses  e  de  seu  filho  D.  Duarte  de 
Meneses  capitães  de  Ceuta,  por  Gomes  Eannes  d'A:^urara,  publicado  no  Boletim  de 
bibliografia  Portuguesa,  sob  a  direcção  de  Anibal  Fernandes  Toma^,  Coimbra,  1879, 
p.  40-51. 


guarda-mór  do  seu  tombo,  lhes  desse  o  traslado  do  foral  por 
carta  assinada  por  êle  e  com  o  selo  dei  rei.  Em  cumprimento 
desta  ordem  Fernam  de  Elvas,  escrivão  da  Torre  do  Tombo,  fez 
a  carta  com  o  traslado  do  foral  de  Gralhas,  que  é  datada  de  25 
de  maio  de  1468;  nela  se  declara  que,  por  quanto  Gomes  Eannes 
de  Zurara  estava  em  Alcácer  Ceguer  por  mandado  e  em  serviço 
dei  rei,  assinou  por  êle  a  mesma  carta  Martim  Alvarez  contador 
dos  contos  da  cidade  de  Lisboa,  que  para  isso  tinha  licença  e 
ordem  dei  rei  por  um  alvará,  que  o  mesmo  escrivão  certifica  ter 
visto,  lido  e  julgado  bastante  para  isso  (i). 

Emprazamento  de  umas  casas  do  convento  de  Almoster.  —  Em 
21  de  janeiro  de  1471,  Gomes  Eannes  de  Zurara  outorgou,  como 
procurador  do  convento  de  Almoster,  no  instrumento  de  empra- 
zamento em  três  vidas,  feito  ao  Dr.  João  Teixeira,  do  desem- 
bargo e  petições  dei  rei,  de  umas  casas  que  o  mesmo  convento 
possuía  na  vila  de  Santarém,  na  freguezia  de  S.  Julião,  devendo 
pagar  200  reais  de  foro  e  pensão  pelo  dia  de  Natal.  O  instru- 
mento de  emprazamento  foi  escrito  em  Santarém,  nas  mencio- 
nadas casas,  por  Fernam  de  Torres,  escudeiro  dei  Rei  e  notário 
geral  (2). 

Traslado  do  foral  de  S.  João  de  Rey.  — A  petição  dos  mora- 
dores de  S.  João  de  Rey,  Gomes  Eannes  de  Zurara  passou,  em 
20  de  abril  de  1471,  uma  certidão  do  foral  da  mesma  vila.  (Ar- 
quivo Nacional,  Forais  antigos,  maço  1.°,  n.°  11). 

Emprazamento  de  um  olival  do  Convento  de  Almoster.  —  Em  22 
de  fevereiro  de  1472,  Gomes  Eannes  de  Zurara  outorgou,  como 
procurador  do  convento  de  Almoster  no  instrumento  da  renun- 
ciação  feita  por  João  Afonso,  sapateiro,  morador  na  vila  de  San- 
tarém, do  emprazamento  de  um  olival,  situado  no  logar  onde 

(i)  Doe.  XVIII. 
(2)  Doe.  XIX. 


chamam  as  Manteigas,  do  termo  da  mesma  vila,  e  pertencente 
ao  dito  mosteiro  e  em  favor  dele ;  e  de  emprazamento  do  mesmo 
olival,  em  vida  de  três  pessoas  a  Diego  Afonso,  carpinteiro  mo- 
rador na  dita  vila,  com  a  condição  de  pagar  ao  mosteiro,  de 
foro  e  pensão,  duzentos  reais  brancos,  em  cada  ano  pelo  Natal. 
O  instrumento  foi  escrito  em  Santarém  na  pousada  de  Gomes 
Eannes  de  Zurara,  que  era  junto  da  Gafaria,  por  Martim  Alva- 
rez, criado  e  contador  dei  rei  e  seu  notário  público  (i). 

Traslado  do  foral  de  Cintra.  —  A  5  de  setembro  de  1472,  Go- 
mes Eannes  de  Zurara,  passou  como  guarda-mór  da  Torre  do 
Tombo,  um  traslado  do  foral  do  concelho  de  Cintra,  a  petição 
dos  moradores  de  Cascais,  pertencente  ao  mesmo  concelho.  (Ar- 
quivo Nacional,  Forais  antigos,  maço  i.",  n."  1 1)  (2). 

Traslado  de  privilégios  da  Ordem  de  Cristo.  —  A  5  de  dezem- 
bro de  1472,  Gomes  Eannes  de  Zurara  passou,  como  guarda-mór 
da  Torre  do  Tombo,  o  traslado  de  alguns  documentos  relativos 
aos  privilégios  da  Ordem  de  Cristo  e  ao  couto  do  Gordam.  (Ar- 
quivo Nacional,  armário  17,  maço  6,  n."  5). 

Traslado  de  carta  de  certos  privilégios  da  Ordem  de  Cristo.  — 
A  17  de  agosto  de  1478,  Gomes  Eannes  de  Zurara  passou,  como 
guarda-mór  da  Torre  do  Tombo,  o  traslado  da  carta  dos  privi- 
légios concedidos,  por  el  rei  D.  Fernando  à  Ordem  de  Cristo  (3), 
do  qual  atrás  se  deu  notícia. 

Emprazamento  de  um  logar  situado  junto  do  rêgo  de  Alvalade. 
—  Em  19  de  dezembro  de  1478,  Gomes  Eannes  de  Zurara  outor- 
gou, como  procurador  do  convento  de  Almoster,  no  instrumento 

(i)  Doe.  XX. 

(2)  Veja-se  Damião  de  Góes,  Crónica  dei  rei  D.  Manuel,  quarta  parte,  cap.  xxxviii. 

(3)  João  Pedro  Ribeiro,  Memórias  autênticas  para  a  história  do  Real  Arquivo  da 
Torre  do  Tombo,  Lisboa,  1819,  p.  21. 


de  emprazamento,  em  vida  de  três  pessoas,  a  Inês  Gonçalves, 
mulher  que  foi  de  Rodrigo  Eanes  Avangelho,  morador  na  cidade 
de  Lisboa,  de  um  logar  que  o  convento  de  Almoster  possuía  no 
rêgo  de  Alvalade,  Junto  da  quinta  da  capela  do  Bispo  D.  Gil 
Alma,  no  termo  da  mesma  cidade,  que  se  compunha  de  uma  vi- 
nha com  suas  oliveiras  e  árvores  de  fruto,  e  suas  casas  e  lagar, 
com  a  condição  de  pagar  ao  convento,  de  foro  e  pensão,  trezen- 
tos reais  brancos  e  um  par  de  frangãos,  em  cada  ano  pela  Pás- 
coa da  Resurreição.  O  instrumento  foi  escrito  em  Lisboa,  no 
paço  dos  tabeliães,  por  Álvaro  Afonso,  tabelião  geral  dei  rei  (i). 

Procurador  do  convento  de  Ahnoster  na  comarca  da  Estrema- 
dura.—  A  2  de  abril  de  1474,  o  mosteiro  e  convento  de  Santa 
Maria  de  Almoster,  representado  por  D.  Isabel  de  Andrade,  aba- 
dessa, Inês  dAfonseca,  prioreza,  Branca  Rodrigues,  sub-prioreza 
Maria  Carvalhaes,  celeireira,  Brás  Afonso,  samchristão,  e  Isabel 
Dornelas,  Beatriz  Velha,  Catalina  Gil  e  Inez  dAfonseca,  consti- 
tuíram seu  bastante  procurador  a  Gonçalo  Pires,  criado  qiae  foi 
de  Gomes  Eannes  de  Zurara,  comendador  da  comenda  do  Pi- 
nheiro Grande,  e  que  Deus  haja,  para  aforar  e  emprazar  os  bens 
que  o  mesmo  mosteiro  possuía  fora  da  comarca  da  Estremadura, 
e  receber  as  rendas,  foros,  pensões  e  dívidas  do  mesmo  mosteiro; 
era  pois  já  falecido  naquela  data  Gomes  Eannes  de  Zurara  (2). 

Falecimento.  —  Resulta  dos  dois  documentos  precedentemente 
citados,  que  tem  respectivamente  a  data  de  19  de  dezembro  de 
1473  e  2  de  abril  de  1474,  que  Gomes  Eannes  de  Zurara  faleceu 
no  intervalo  de  tempo  decorrido  entre  as  mesmas  datas;  mas  não 
é  conhecido  o  dia  certo  do  seu  falecimento,  a  localidade  em  que 
faleceu,  e  o  logar  em  que  foi  sepultado. 

Dos  antigos  escritores  somente  Damião  de  Góes  informa,  que 


(1)  Doe.  XXI. 

(2)  Doe.  XXII. 


Gomes  Eannes  de  Zurara  viveu  alguns  annos  depois  de  1472,  o 
que  é  confirmado  pelos  documentos  precedentemente  citados. 

Retrato  de  Gomes  Eannes  de  Zurara.  —  No  painel  do  altar  de 
S.  Vicente,  atribuído  a  Nuno  Gonçalves,  do  terceiro  quartel  do 
século  XV,  e  que  é  denominado  Painel  do  Arcebispo,  atualmente 
depositado  no  Muzeu  de  arte  antiga,  está  pintada,  junto  do  ân- 
gulo superior  esquerdo,  uma  figura,  que  José  de  Figueiredo, 
no  seu  livro  O  Pintor  Nuno  Gonçalves,  julga  ser  o  retrato  de 
Gomes  Eannes  de  Zurara,  cronista  e  guarda-mór  da  Torre  do 
Tombo  (i).  A  figura  representa  um  homem  de  sessenta  anos,  de 
corpo  grosso,  de  rosto  rugoso  e  sem  barba,  com  um  sinal,  que 
parece  cicatriz,  na  pálpebra  superior  do  olho  direito;  é  vestido  de 
uma  vestimenta  escura  abotoada  até  ao  pescoço;  a  cabeça  está 
coberta  com  um  barrete  preto,  alto  e  de  forma  cilíndrica;  e  na 
mão  esquerda  tem  um  livro  volumoso,  encadernado  e  com  fechos 
de  metal. 

Aires  de  Sá,  no  artigo  intitulado  Frei  Gonçalo  Velho,  publicado 
no  tomo  XXX  da  Revue  Hispanique  {2),  considera  a  mesma  figura 
como  sendo  o  retrato  do  Frei  Gonçalo  Velho,  comendador  da  Or- 
dem de  Cristo.  Para  confirmar  esta  identificação,  Aires  de  Sá  cita 
uma  passagem  das  Saudades  da  Terra,  por  Gaspar  Frutuoso,  na 
qual  se  conta  que  Frei  Gonçalo  Velho,  estando  em  uma  pousada 
lendo  o  Hvro  de  Horas,  foi  agredido  com  um  virotão,  sendo  salvo 
pelo  livro;  e  uma  passagem  da  Crónica  do  conde  D.  Pedro  de  Me- 
neses (parte  u,  cap.  ix),  em  que  se  refere  que  o  mesmo  Frei  Gon- 
çalo Velho  «recebeu  uma  ferida  por  acerca  do  olho,  porque  lhe  ao 
deante  conveiu  perder  gram  parte  da  vista.»  A  esta  identifica- 
ção, porém,  não  se  inclina  Afonso  Lopes  Vieira,  na  sua  conferên- 
cia sobre  Apoesia  dos  painéis  de  S.  Vicente,  considerando  a  mesma 

(i)  José  de  Figueiredo,  O  Pintor  Nuno  Gonçalves,  Lisboa,  1910,  p.  63  a  65,  e  foto- 
tipía  em  frente  da  página  164. 

(2)  Aires  de  Sá,  Frey  Gonçalo  Velho,  comentário,  e.\trato  da  Revue  hispanique. 
Paris,  191 4,  p.  45  a  49. 


ligura  como  sendo  o  retrato  de  Gomes  Eannes  de  Zurara.  Deve 
ainda  observar-se  que  o  retrato  de  Frei  Gonçalo  Velho,  comenda- 
dor da  Ordem  de  Cristo,  teria  de  preferência  o  seu  logar  no  painel 
denominado  dos  Cavaleiros,  do  que  no  painel  do  Arcebispo  (i). 

A  identificação,  proposta  por  Aires  de  Sá,  também  não  foi 
aceite  por  José  de  Figueiredo,  que  diz  que  o  sinal,  que  se  observa 
na  pálpebra  superior  do  olho  direito  da  mencionada  figura,  é 
resultado  dos  desastres  sofridos  pelo  painel,  e  não  um  pormenor 
propositado  do  pintor;  e  que  a  identificação  proposta  por  Aires 
de  Sá  está  em  oposição  com  o  espírito  iconográfico  revelado  na 
obra  de  Nuno  Gonçalves  e  com  regras  especiais  da  época  (2). 

D.  Francisco  Manuel  de  Melo  nos  Apólogos  dialogais,  refe- 
rindo-se  a  Gomes  Eannes  de  Zurara,  diz  (3):  «chronista  antigo, 
tão  cândido  de  penna  como  de  barba».  Não  sabemos  se  este 
caracter  físico,  que  D.  Francisco  Manuel  de  Melo  atribue  a  Gomes 
Eannes  de  Zurara,  é  fundado  na  observação  de  algum  retrato 
deste,  ou  em  alguma  notícia  escrita  ou  tradição  oral;  ou  se  aquela 
frase  é  apenas  uma  figura  de  retórica,  aludindo  à  singeleza  de 
estilo  das  obras  de  Gomes  Eannes  de  Zurara,  e  á  circunstância 
deste  ser  um  dos  mais  antigos  cronistas  dos  reis  de  Portugal. 

Descendência.  —  Os  cavaleiros  e  comendadores  da  Ordem  de 
Cristo  professavam  o  voto  da  castidade,  que  impedia  ou  anu- 
lava o  casamento,  o  que  primitivamente  era  rigorosamente  obser- 
vado (4);  mas  depois,  por  dispensação  da  Papa  Alexandre  VI,  os 
cavaleiros  e  comendadores  podiam  casar,  e  professavam  a  casti- 
dade conjugal  (5).     Não  consta  que  Gomes  Eannes  de  Zurara 

(i)  Acta  da  sessão  da  Comissão  dos  Centenários  da  tomada  de  Ceuta  e  da  morte 
de  Afonso  de  Albuquerque,  de  18  de  janeiro  de  igiS. 

(2)  Acta  da  sessão  da  2.*  Classe  da  Academia  das  Sciências  de  Lisboa,  de  9  de  de- 
zembro de  1915. 

(3)  D.  Francisco  Manuel  de  Melo,  Apólogos  dialogais,  Lisboa,  1721,  p.  455. 

(4)  Definições  e  estatutos  dos  cavaleiros  e  freires  da  Ordem  de  N.  S.  Jesu  Cristo, 
Lisboa,  1628,  p.  70. 

(5)  Rui  de  Pina,  Crónica  dei  rei  D.  Duarte,  cap.  viii,  ed.  A.  Coelho  de  Magalhães, 
Porto,  1914,  p.  io3. 


fosse  casado;  mas  deixou  um  filho  e  duas  filhas  de  ínez  Gon- 
çalves, os  quais  depois  da  morte  de  seu  pai  alcançaram  a  sua 
legitimação  por  cartas  dei  rei  D.  João  II.  Os  filhos  de  Gomes 
Eannes  de  Zurara  foram : 

1 .  Catarina  da  Silveira,  donzela  da  condessa  de  Loulé,  legiti- 
mada por  carta  dada  em  Évora,  a  22  de  junho  de  1482  (i); 

2.  Gonçalo  Gomes  de  Zurara,  escudeiro  da  casa  dei  rei 
D.  João  II,  legitimado  por  carta  dada  em  Torres  Novas,  a  8  de 
abril  de  1483  (2). 

3.  Felipa  Gomes,  legitimada  por  carta  dada  em  Torres  No- 
vas, a  8  de  abril  de  1483  (3). 

Catarina  da  Silveira,  pela  sua  carta  de  legitimação,  não  só 
podia  haver  todas  as  honras  e  privilégios,  que  de  facto  e  de  di- 
reito lhe  pertencessem,  como  se  fosse  nascida  de  legítimo  matri- 
mónio, mas  também  podia  haver  e  herdar  os  bens  de  sua  mãe  e 
de  outras  pessoas,  que  lh'os  dessem  ou  deixassem  por  testamento 
ou  doações,  e  ainda  podia  suceder  em  morgados  e  quaisquer 
outras  heranças  e  direitos,  que  lhe  fossem  doados  ou  deixados;  e 
enfim  era-lhe  concedida  a  nobreza  e  o  privilégio,  que  por  direito 
e  ordenação  do  reino  deveria  ter,  como  se  fosse  nascida  de  legi- 
timo matrimónio. 

E  possível  que  a  Inez  Gonçalves,  mãe  dos  filhos  de  Gomes 
Eannes  de  Zurara,  fosse  a  mulher  do  mesmo  nome,  que  foi  casada 
com  Rodrigo  Eannes  Avangelho,  à  qual  o  convento  de  Almoster, 
por  instrumento  datado  de  i  de  dezembro  de  1473,  aforou  um 
logar  situado  no  rêgo  de  Alvalade,  termo  da  cidade  de  Lisboa, 
junto  da  quinta  da  capela  do  bispo  D.  Gil  Alma,  tendo  outorgado 
por  parte  do  convento  como  procurador  o  próprio  Gomes  Ean- 
nes de  Zurara  (4);  todavia  não  se  conhece  documento  algum  que 
prove  esta  identificação. 

(i)  Doe.  XXIII. 

(2)  Doe.  XXIV. 

(3)  Doe.  XXV. 

(4)  Doe.  XXI. 


Trabalhos  literários.- — Dos  trabalhos  literários  atribuídos  a 
Gomes  Eannes  de  Zurara,  são  autênticos  por  sua  própria  decla- 
ração, a  Crónica  da  conquista  de  Guiné,  a  Crónica  da  tomada  de 
Cepta,  a  Crónica  do  conde  D.  Pedro  de  Meneses  e  a  Crónica  do 
conde  D.  Duarte  de  Meneses,  das  quais  já  atrás  se  deu  notícia,  e 
indicou  a  época  em  que  foram  compostas.  Mas  àlêm  destes,  outros 
trabalhos  literários  lhe  foram  atribuídos  pelos  escritores  posterio- 
res; e  esta  atribuição  mostra,  que  Gomes  Eannes  de  Zurara  go- 
sava,  nos  séculos  xvi  a  xviii,  de  grande  crédito  como  escritor, 
sobre  tudo  como  cronista;  e  por  isso  diversos  escritores  procu- 
rarem autorizar  as  suas  obras,  fazendo-as  divulgar  sob  o  nome 
de  Gomes  Eannes  de  Zurara. 

Crónicas  de  D.  João  I,  de  D.  Duarte  e  de  D.  Afonso  V.  — 
D.  Duarte,  sendo  ainda  infante,  encarregou  Fernão  Lopes  de 
escrever  as  crónicas  dos  reis  de  Portugal,  que  antigamente  tinham 
reinado,  assim  como  os  feitos  dei  rei  D.  João  I,  seu  pai  (i).  Gomes 
Eannes  de  Zurara  informa  que  Fernão  Lopes  não  pode  chegar 
com  a  composição  da  Crónica  dei  rei  D.  João  I  senão  até  ao 
tempo,  em  que  os  embaixadores  de  Portugal  foram  a  Castela 
primeiramente  firmar  as  pazes  com  o  infante  D.  Fernando,  de- 
pois rei  de  Aragão,  e  com  a  rainha  D.  Catarina,  que  naquele 
tempo  eram  tutores  de  D.  João,  rei  de  Castela  (2).  Damião  de 
Góes,  na  Crónica  dei  rei  D.  Manuel  (quarta  parte,  capitulo  xxxviij) 
diz  o  seguinte  acerca  da  parte,  que  Gomes  Eannes  de  Zurara 
teve  na  composição  da  Crónica  dei  rei  D.  João  I,  e  nas  dos  seus 
sucessores  D.  Duarte  e  D.  Afonso  V:  «E  quanto  a  [crónica]  dei 
rei  Dom  Duarte  nom  ai  duuida  senam  que  o  texto  substancial 
delia  he  de  Fernam  Lopez,  e  os  razoamentos  da  ida  de  Tanger 
de  Gomes  Eanes  de  Zurara,  que  parece  que  por  o  volume  ser 
pequeno  lhe  quiz  acrecentar  aquelles  razoamentos,  com  o  enterra- 
mento dei  rei  Dom  Joam,  que  conuinha  á  terceira  parte  da  sua 

(i)  Doe.  XXVIII. 

(2)  Crónica  da  tomada  de  Cepta,  cap.  iij. 


crónica,  se  se  fezera,  que  nam  ao  começo  da  dei  rçi  Dom  Duarte 
seu  filho,  a  qual  se  ve  mui  claro  do  stylo  que  he  tocada  de  três 
príncipes,  o  primeiro  de  Fernão  Lopez,  o  segundo  de  Gomes  Eanes 
de  Zurara,  o  terceiro  de  Rui  de  Pina.  Nem  he  de  crer  que 
mandasse  el  rei  Dom  Afonso  quinto  Gomes  Eanes  de  Zurara 
a  Alcácer  Ceguer  pêra  se  la  melhor  informar  dos  feitos  do  conde 
Dom  Duarte  e  os  escreuer,  sem  ser  acabada  e  apurada  a  crónica 
dei  rei  seu  pai;  porque  quem  era  tão  curioso  de  fazer  vir  em 
luz  os  feitos  deste  conde  Dom  Duarte,  e  do  conde  Dom  Pedro  seu 
pai,  e  os  dos  reis  passados,  que  pêra  se  diuulgarem  em  lingua 
latina  mandou  vir  de  Itália  Dom  Justo  frade  da  Ordem  de  S.  Do- 
mingos, a  quem  por  esse  respeito  fez  bispo  de  Septa,  não  deuia 
de  mandar  começar  a  tal  obra  sem  primeiro  ordenar,  que  se  aca- 
basse de  todo  a  crónica  dei  rei  seu  pai.  E  pois  tenho  dito  de 
todas  estas  crónicas,  razão  he  que  declare  o  que  entendo  da  dei 
rei  Dom  Afonso  V,  a  ordem  da  qual  crónica  mostra  manifesta- 
mente ser  tudo  o  que  se  trata  des  no  tempo  que  el  rei  D.  Duarte 
faleceo  ate  á  morte  do  infante  D.  Pedro,  de  Gomes  Eanes  de 
Zurara,  o  que  se  também  proua  do  capitulo  xxxxiij  da  Crónica 
da  tomada  de  Septa  que  elle  compôs,  onde  diz,  que  do  que  se 
seguio,  depois  do  falecimento  dei  rei  D.  Duarte  acerca  da  morte 
do  dito  infante  dirá  ao  diante.  O  qual  Gomes  Eanes  de  Zurara 
screueo  também  a  tomada  de  Arzila,  que  foi  no  anno  de  mil 
quatrocentos  setenta  e  hum,  porque  elle  viueo  alguns  annos  depois 
dos  de  mil  quatrocentos  setenta  e  dous,  em  que  passou  huma 
carta  per  mandado  do  mesmo  rei  Dom  Afonso  aos  moradores 
de  Cascaes  do  foral  de  Syntra,  nam  he  de  crer,  que  deixasse 
por  escreuer  feitos  tão  notaueis  como  o  foram  os  da  tomada  de 
Alcácer,  Arzila  e  Tanger,  pois  aconteceram  em  seu  tempo;  mas 
depois  de  seu  falecimento  nam  acho  quem  foi  o  que  continuou 
nesta  crónica,  no  qual  tempo  foram  as  guerras  dantre  estes  regnos 
e  os  de  CasteUa,  depois  das  quaes  e  de  serem  feitas  as  pazes,  o 
que  se  mais  screueo  ate  ho  fim  delia,  o  estylo  e  ordem  mostram 
serem  de  Rui  de  Pina,  ao  qual,  posto  que  se  intitule  autor  de 


toda  esta  crónica,  nem  negarei  o  que  se  lhe  deue  por  reuer  e 
concertar  o  que  nella  fez  Gomes  Eanes  e  os  demais  escritores. 
De  maneira  que  esta  crónica  dei  rei  Dom  Afonso  quinto  foi 
começada  per  Gomes  Eanes,  e  depois  continuada  per  outros 
escritores,  e  finalmente  acabada  per  Rui  de  Pina.» 

Do  que  precede  resulta  que  os  trabalhos  de  Gomes  Eannes 
de  Zurara,  relativos  à  composição  das  crónicas  do  reis  de  Por- 
tugal, são: 

I."  Fernão  Lopes  escreveu  a  primeira  e  segunda  parte  da 
crónica  dei  rei  D.  João  I,  até  ao  tempo  em  que  os  embaixadores 
de  Portugal  foram  a  Castela  e  firmaram  as  pazes,  o  que  se  fez  em 
141 1 ;  a  terceira  parte  não  foi  nunca  escrita.  Dos  feitos  de  rei- 
nado dei  rei  D.  João  I,  desde  aquele  ano,  até  ao  seu  falecimento 
em  1432,  somente  foram  escritas  por  Gomes  Eannes  de  Zurara: 
a  Crónica  da  tomada  de  Cepta,  e  como  sua  continuação  a  Crónica 
do  conde  D.  Pedro  de  Meneies;  a  narração  do  falecimento  dei  rei 
D.  João  I,  depósito  do  seu  corpo  na  sé  de  Lisboa,  e  triumpho  com 
que  depois  foi  levado  e  trasladado  ao  Real  Mosteiro  da  Batalha  (i). 
A  Crónica  da  tomada  de  Cepta  e  a  narração  do  falecimento  e  tras- 
ladação dei  rei  D.  João  I  foi  muito  mais  tarde  considerada  como 
formando  a  terceira  parte  da  crónica  do  mesmo  rei,  e  impressa 
com  esse  título  (2). 

2."  Da  Crónica  dei  rei  D.  Duarte,  que  tem  o  nome  de  Rui  de 
Pina,  os  razoamentos  da  ida  a  Tanger  (cap.  x  a  xx). 

3."  Da  Crónica  dei  rei  D.  Afonso  V,  que  tem  o  nome  de  Rui 
de  Pina,  a  parte  desde  o  tempo  em  que  el  rei  D.  Duarte  faleceu 
até  à  morte  do  infante  D.  Pedro  (até  ao  cap.  cxxix). 

As  partes  das  crónicas  dei  rei  D.  Duarte  e  dei  rei  D.  Afonso  V,  que 
compoz  Gomes  Eannes  de  Zurara,  foram  depois  reformadas  por  Rui 
de  Pina,  que  exerceu  o  cargo  de  cronista  desde  1 5 1 3  até  que  faleceu. 

(i)  Crónica  dei  rei  D.  João  I,  dividida  em  três  partes  foi  publicada  pelas  diligên- 
cias de  D.  Rodrigo  da  Cunha,  bispo  do  Porto,  e  impressa  por  António  Alvarez  em  Lis- 
boa no  ano  de  1644. 

(2)  Veja-se  a  edição  citada  na  nota  precedente. 


Milagres  do  santo  condestabre  D.  Nuno  Alvares  Pereira.  — 
frei  Joseph  Pereira  de  Sant'Ana,  na  Crónica  dos  Carmelitas  (i), 
conta  que  Gomes  Eannes  de  Zurara  compoz  no  tempo  dei  rei 
D.  Duarte  (143  3- 1437)  um  livro  com  a  narração  dos  milagres, 
que  Deus  obrou  pelos  merecimentos  do  santo  condestabre 
D.  Nuno  Alvares  Pereira;  e  que  no  seu  tempo  (em  1745)  o 
original  manuscrito  do  mesmo  livro  se  guardava  no  arquivo  do 
convento  de  santa  Maria  do  Carmo  em  Lisboa.  Dos  milagres 
narrados  no  mesmo  livro  fez  o  padre  presentado  frei  Jorge  Co- 
trim um  sumário,  que  incluiu  no  seu  Cannelo  Lusitano;  do  qual 
o  mencionado  frei  Joseph  Pereira  de  SanfAna  transcreveu 
para  a  Crónica  dos  Carmelitas  (tomo  i,  parte  iii,  capítulo  xxi)  as 
notícias  relativas  aos  milagres  em  número  de  duzentos  (n."'  io52 
a  i25i). 

Não  há  outras  notícias  àcêrca  do  manuscrito  da  mencionada 
obra  atribuída  a  Gomes  Eannes  de  Zurara,  nem  da  atribuída  a 
Frei  Jorge  Cotrim,  senão  as  que  são  dadas  pela  Crónica  dos  Car- 
melitas; por  isso  D.  Carolina  Michaèlis  de  Vasconcellos  é  de 
parecer,  que  a  mencionada  obra  é  uma  piedosa  fraude,  inven- 
tada na  primeira  metade  do  século  xvii  com  o  fim  de  preparar 
materiais  para  a  canonisação  do  condestabre  D.  Nuno  Alvares 
Pereira  (2).  E  com  efeito  nos  sumários  feitos  por  frei  Jorge  Co- 
trim, conforme  são  transcritos  por  frei  Joseph  Pereira  de  Sant'Ana, 
fazem-se  alusões  a  pessoas  que  viveram  em  tempos  posteriores 
ao  falecimento  de  Gomes  Eannes  de  Zurara;  referem-se  sucessos 
que  repugnam  à  veracidade  histórica,  que  se  observa  nas  obras 
autênticas  do  mesmo  cronista,  e  que  não  tem  outro  fundamento 
senão  a  crença  dos  fieis;  e  que  os  religiosos  do  convento  de 
santa  Maria  do  Carmo  de  Lisboa  recolheram  para  aumentar  a 
veneração  do  santo  condestabre  e  o  crédito  do  seu  mosteiro;  e 
por  isso  a  atribuição  da  mesma  obra  a  Gomes  Eannes  de  Zurara 

(i)  Crónica  dos  Carmelitas,  por  fr.  Joseph  Pereira  Sant'Anna,  tomo  i,  Lisboa, 
1745,  parte  iii,  capitulo  xxi. 

(2)  E.  Prestage,  The  life  and  writings  of  Azurara,  p.  vii,  nota  2. 


é  um  artifício  literário,  com  que  se  pretendeu  dar  crédito  à  obra 
com  a  autoridade  do  suposto  autor. 

Crónica  de  D.  Duardos,  Princepe  de  Bretanha. — A  Gomes 
Eannes  de  Zurara  é  atribuída  a  tradução  em  português  de  um 
romance  de  cavalaria,  que  tem  por  título,  Crónica  de  D.  Duardos, 
princepe  de  Bretanha,  que  se  diz  ter  sido  composta  por  Henrique 
Frusto,  cronista  inglês.  Esta  obra  compõe-se  de  três  partes,  está 
ainda  inédita,  e  só  é  conhecida  pelas  cópias  manuscritas  exis- 
tentes na  Biblioteca  Nacional  de  Lisboa. 

A  primeira  parte  tem  por  título :  «Chrónica  do  invicto  D.  Duar- 
dos de  Bertanha,  princepe  de  Ingalaterra,  filho  de  Palmeiry  e  da 
Princeza  Polinarda,  do  qual  se  contam  seus  estremados  feitos  em 
armas,  e  puríssimos  amores,  com  outros  de  outros  caualleiros 
que  em  seu  tempo  concorrerão.  Composta  por  Henrrique  Frusto, 
chronista  ingres,  e  tresladada  em  português  por  Gomes  Ennes 
de  Zurara,  que  fes  a  Chrónica  dei  Rey  Dom  Aífonço  Henrriques 
de  Portugal,  achada  de  nouo  entre  seus  papeis.» 

Desta  primeira  parte  existem  três  cópias  na  Biblioteca  Na- 
cional de  Lisboa,  Mss.  6828  (U-2-100),  619(6-10-6)  e  620(6-10-7); 
o  primeiro  destes  manuscritos  é  o  mais  antigo,  e  data  do  século 
XVIII ;  em  duas  destas  cópias  a  obra  tem  oitenta  capítulos,  e  na 
outra  setenta  e  seis. 

Na  cópia  do  Ms.  620  (B-10-7),  que  é  do  século  xviii,  o  título 
da  obra  é:  «Chrónica  de  Primaleão,  emperador  de  Grécia,  Pri- 
meira parte.  Em  que  se  conta  das  façanhas  que  obrou  o  Prin- 
cepe Dom  Duardos  e  os  mais  Princepes  que  com  elle  se  criarão 
na  Ilha  Perigosa  do  sábio  Daliarte.»  A  composição  da  obra  é 
atribuída  a  Guilherme  Frusto  autor  hibernio;  não  é  dado  o 
nome  do  tradutor,  mas  somente  o  do  copista  Simisberto  Pa- 
chorro. 

A  segunda  parte  tem  por  título:  «Segunda  parte  da  crónica 
do  Princepe  Dom  Duardos.  Composta  por  Henrique  Frusto,  e 
tresladada  por  Gomes  Enes  da  Zurara,  autores  da  primeira  parte.» 


Desta  segunda  parte  existe  somente  uma  cópia  na  Biblioteca 
Nacional  de  Lisboa,  Ms.  6829  (U-2-101),  do  século  xvii;  a  obra 
é  dividida  em  oitenta  e  seis  capítulos. 

A  terceira  parte  tem  por  titulo :  «Terseira  parte  da  chronica  do 
Princepe  Dom  Duardos  composta  por  Henrique  Frusto,  e  tresla- 
dada  por  Gomes  Enes  da  Zurara,  a  autores  da  i.''  e  2.*  partes.» 

Desta  terceira  parte  também  só  há  uma  cópia  na  Biblioteca 
Nacional  de  Lisboa,  Ms.  683o  (U-2-102),  do  século  xvm;  a  obra 
é  dividida  em  trinta  e  cinco  capítulos,  mas  termina  abruptamente, 
parecendo  que  está  incompleta. 

Não  é  conhecido  nenhum  cronista  inglês  ou  irlandês  de  nome 
Henrique  (ou  Guilherme)  Frusto  (Frost);  e  o  estilo  e  linguagem 
destas  supostas  traduções  são  muito  dessimilhantes  dos  das 
obras  autênticas  de  Gomes  Eannes  de  Zurara;  o  que  faz  presu- 
mir, que  a  Crónica  de  Dom  Duardos,  contida  nos  manuscritos 
acima  mencionados,  não  é  tradução  de  um  original  inglês,  como 
se  afirma  no  título^  mas  que  é  composição  original  de  um  escri- 
tor português  anónimo,  do  século  xvi,  que  quis  autorizar  a  sua 
obra  com  o  nome  daqueles  dois  escritores,  artifício  literário 
muito  usado  pelos  autores  dos  romances  de  cavalaria  (i). 

Cronista.  —  Nos  séculos  xv  e  xvi  floresceu  em  Portugal  uma 
plêiade  de  cronistas,  que  com  as  suas  obras  fundaram  os  estudos 
históricos  da  sua  nação,  e  muito  contribuíram  para  apurar  a 
língua  portuguesa  e  fixar  o  estilo  da  prosa  narrativa.  Entre  eles 
os  que  mais  se  distinguiram,  foram :  Fernão  Lopes,  Gomes  Ean- 
nes de  Zurara,  Duarte  Galvão,  Rui  de  Pina,  Damião  de  Góes, 
Francisco  de  Andrade,  Fernão  Lopes  de  Castanheda,  Gaspar 
Correia,  João  de  Barros  e  Diogo  do  Couto.  Gomes  Eannes  de 
Zurara  foi  por  ordem  cronológica  o  segundo  destes  cronistas ;  e 
as  suas  obras  foram  compostas  entre  os  anos  de  1448  e  1474, 
isto  é,  antes  do  começo  do  renascimento  literário  em  Portugal. 

(i)  E.  Prestage,  The  life  and  writings  qf  Azurara,  p.  Ixiii  a  Ixvii. 


As  crónicas  compostas  por  Gomes  Eannes  de  Zurara  são  do 
maior  valor  histórico;  em  primeiro  logar  o  seu  autor  foi  contem- 
porâneo dos  acontecimentos,  que  nelas  se  referem;  e  as  pessoas 
que  o  informaram,  e  cujo  testemunho  invoca,  são  as  mais  autori- 
sadas  pela  sua  elevada  posição  social,  por  terem  tomado  parte 
nos  mesmos  acontecimentos,  assistido  a  eles,  ou  pelo  menos  por 
terem  residido  nos  logares  em  que  eles  se  passaram.  Na  sua  narra- 
ção parece  ter  sido  inspirado  somente  pelo  amor  da  verdade,  não 
se  movendo  por  nenhum  respeito  humano,  nem  por  mesquinhas 
emulações;  e  tão  verdadeiro  é,  que  parece  ter  preferido  deixar 
incompleta  a  narração  dos  acontecimentos,  do  que  referi-los  sem 
ter  exacta  informação  de  testemunhas  de  vista  (i).  Posto  que 
confesse  um  ilimitado  respeito  pela  autoridade  rial,  a  sua  crítica 
dos  factos  é  imparcial  e  justa ;  descreve  os  heróis  com  as  eminen- 
tes qualidades  que  os  distinguiram,  mas  sem  encobrir  as  suas  fra- 
quezas humanas.  Os  discursos,  que  êle  põe  na  boca  de  muitos 
personagens,  mostram  que  êle  tomou  como  modelo  as  obras  de 
Tito  Livio  e  de  Salustio,  que  lia  e  cita  frequentes  vezes;  mas  tem 
o  cuidado  de  advertir  o  leitor,  que  os  mesmos  discursos  são  ape- 
nas lembranças,  que  lhe  comunicaram  os  que  os  pronunciaram 
ou  os  ouviram  (2). 

Gomes  Eannes  de  Zurara  evitou,  o  que  não  fez  Fernão  Lopes 
algumas  vezes  (3),  o  uso  de  linguagem  livre,  e  não  empregou 
palavras  torpes,  nem  narrou  factos  obscenos;  é  sempre  muito 
discreto,  guarda  o  respeito  devido  à  honra  e  o  decoro  à  hones- 
tidade ,  e  as  suas  obras  podem  ser  Hdas  sem  hesitação  nem  rubor 

(i)  Visconde  de  Santarém,  Crónica  do  descobrimento  e  conquista  de  Guiné,  Paris, 
1841,  p.  XI  e  XII. 

(2)  E.  Prestage,  The  life  and  writings  of  A:^urara,  p.  xlx  a  liii. 

(3)  Veja-se  na  Crónica  dei  rei  D.  Fernando,  (cap.  liii)  o  dito,  sem  dúvida  popular, 
ãcêrca  do  juramento  do  contrato  do  casamento  do  mesmo  rei  com  a  infante  D.  Leonor, 
filha  de  D.  Henrique,  rei  de  Castela  ;  na  Crónica  de  D.  João  I,  (primeira  parte,  cap.  clviii, 
ed.  Braamcamp)  as  palavras  e  cantiga  de  Fernão  Gonçalves  a  sua  mulher;  e  na  Cró- 
nica dei  rei  D.  Fernando,  (cap.  c  e  ciii)  a  narração  dos  amores  do  infante  D.  João  com 
D.  Maria  Teles,  e  da  morte  desta  :  e  compare-se  com  a  notícia  de  Gomes  Eannes  de  Zu- 
rara acerca  da  doença  da  rainha  D.  Filipa.  (Crónica  da  tomada  de  Cepta^  cap.  Rv). 


deante  de  todas  as  pessoas,  qualquer  que  seja  a  sua  idade  ou 
sexo. 

Sob  o  ponto  de  vista  literário  as  crónicas,  compostas  por 
Gomes  Eannes  de  Zurara,  tem  sido  apreciadas  de  modo  diferente. 

Mateus  de  Pisano  (i),  grande  humanista  e  contemporâneo  de 
Gomes  Eannes  de  Zurara,  dá  a  este  escritor  o  nome  de  grande 
historiador  (magnus  historiographus). 

João  de  Barros  (2)  diz  que  Gomes  Eannes  de  Zurara  no  mis- 
ter da  história  foi  homem  assas  diligente,  e  que  bem  mereceu  o 
nome  do  oficio  de  cronista  que  teve;  que  o  seu  estilo  é  claro;  e 
que  se  alguma  coisa  havia,  até  ao  seu  tempo,  bem  escrita  das 
crónicas  do  reino  de  Portugal,  era  da  sua  mão. 

Damião  de  Góes  (3)  diz  que  Gomes  Eannes  de  Zurara  usou,  no 
que  escreveu,  de  algumas  palavras  e  termos  antigos,  com  razoa- 
mentos  prolixos  e  cheios  de  metáforas  ou  figuras,  que  no  estilo 
histórico  não  tem  logar. 

José  Correia  da  Serra  (4)  diz:  «O  estilo  de  Gomes  Eannes 
de  Zurara  não  he  uniforme,  parecem  duas  diversas  vozes.  A 
sua  narração  ordinária  he  singela,  cheia  de  bom  senso,  e  não 
falta  de  elegância ;  mas  de  tempo  em  tempo  lembra-lhe  a  agreste 
rethorica,  que  tão  tarde  tinha  estudado,  e  ostenta,  seja-me  licito 
dizer  assim,  hum  estilo  de  falsete.  O  primeiro  era  o  que  a  natu- 
reza lhe  tinha  dado,  o  último  era  fruto  dos  seus  mal  sazonados 
estudos.  Comtudo  estes  mesmos  defeitos  são  agora  interessantes 
para  nos  dar  huma  idea  do  saber  e  gosto  daquelle  século,  e  das 
suas  frazes  podem  os  estudiosos  da  nossa  lingua  tirar  informa- 
ções do  passado  e  algum  proveito  para  o  futuro.» 

Alexandre  Herculano  (5)  faz  a  seguinte  apreciação  das  crónicas 
compostas  por  Gomes  Eannes  de  Zurara :  «Do  merecimento  lite- 
rário de  Gomes  Eannes  de  Azurara  diremos  em  breves  palavras  o 

(i)  De  bello  Septensi,  C.  I.  H.  P.,  i,  p.  26-27. 

(2)  Década  primeira  da  Ásia,  liv.  i,  cap.  11  e  liv.  11,  cap.  i. 

(3)  Crónica  do  princepe  D.  João,  cap.  vi. 

(4)  C.  1.  H.  P.,  II,  p.  210. 

(5)  Gomes  Eannes  d' Azurara,  em  o  Panorama,  volume  111,  Lisboa,  iSjg,  p.  25 1. 


que  entendemos.  Pode-se  de  algum  modo  comparar  ao  italiano 
Alfieri,  posto  que  pareça  pouco  exacta  qualquer  comparação  entre 
um  autor  de  crónicas  e  um  poeta  dramático.  £  todavia  muito  ha 
em  um  que  do  outro  se  possa  dizer  :  ambos  chegaram  a  idade  viril 
sem  possuírem  os  rudimentos  sequer  das  boas  letras;  nos  escritos 
de  ambos  aparece  o  resultado  desta  falta  de  educação  literária : 
ha  em  um  e  outro  certa  inflexibiUdade  feroz,  e  ausência  inteira 
daquelas  graças  de  estilo,  que  nascem  do  coração,  amaciado 
desde  a  infância  pela  cultivação  do  espirito;  as  concepções  nas- 
cem-lhes  do  entendimento,  como  Minerva  da  cabeça  de  Júpiter, 
coberta,  por  assim  dizer,  de  um  arnez  de  ferro.  Louva-se  em 
Azurara,  e  de  louvar  talvez  é,  a  sinceridade  bravia,  com  que 
lança  em  rosto  aos  heroes,  cujas  façanhas  escreve,  os  defeitos 
que  tiveram,  os  erros  e  culpas  em  que  caíram ;  nisto  se  parece 
também  de  certo  modo  com  Alfieri.  Mas  nós  preferimos  o  sys- 
tema  de  Froissart  e  Fernão  Lopes ;  para  cada  um  dos  seus  heróis 
havia  nestas  almas  generosas  um  typo  ideal,  a  que  procuraram 
assimilha-los  engrandecendo-os ;  e  por  ventura  que  mais  profícua 
é  assim  a  historia  ao  género  humano.  Para  acabarmos  um 
paralelo,  que  poderíamos  levar  mais  longe,  notaremos  a  tendên- 
cia dos  dois  escritores,  que  colocamos  em  frente  um  do  outro, 
para  philosophar  trivialidades,  e  ostentar  elegâncias  rhetoricas,  e 
erudições  suadas  para  eles,  e  impertinentes  para  os  leitores. 
Move  o  riso  ver  o  pobre  Azurara  a  lidar  pôr  claro  como  a  luz 
do  dia,  com  a  autoridade  de  S.  Jerónimo,  Salustio,  Fulgencio,  e 
casy  todolos  outros  autores,  que  são  temíveis  as  más  linguas, 
como  causa  sono  observar  os  tratos  que  o  ilustre  dramaturgo 
italiano  dá  ao  juizo  para  nos  fazer  odiar  a  tyrania,  acerca  da  qual 
escreveu  um  volume,  cousa  muito  escvisada  na  moderna  litera- 
tura. Todavia  em  ambos  eles  a  sinceridade  das  intenções  supre 
de  algum  modo  a  aridez  e  o  vazio  da  obra.  Posto  porém  que 
Azurara  esteja  em  grau  inferior  a  Fernão  Lopes,  não  deixou  de 
fazer  com  os  seus  escritos  bom  serviço  a  literatura  pátria.  João 
de  Barros  o  tinha  em  subida  conta,  e  até  no  estilo  dele  se  com- 


prazia.  Não  assim  Damião  de  Góes,  que  foi  o  primeiro  a  notar- 
Ihe  as  afectações  rhetoricas.  Infelizmente  para  Azurara,  Góes  era 
melhor  juiz :  e  a  posteridade  confirmando  a  sentença  do  perspi- 
caz chronista  de  D.  Manuel,  rejeitou  o  parecer  do  historiador  da 
índia.» 

O  Visconde  de  Santarém  (i)  diz  :  «Pelo  que  respeita  ao  estylo 
do  autor  [Gomes  Eannes  de  Zurara],  diremos  que  Damião  de 
Góes  o  reprova,  em  quanto  que  o  grande  historiador  João  de 
Barros,  por  certo  melhor  autoridade,  o  louva  e  aprova.  Como 
quer  que  seja,  o  leitor  julgará  per  si  mesmo  do  estylo,  em  nosso 
entender  admirável,  dos  capítulos  ii  e  vi  [da  Crónica  da  conquista 
de  Guiné]  em  um  autor  que  escreveo  quasi  um  século  antes  do 
nosso  primeiro  clássico.» 

A.  da  C.  Vieira  de  Meireles  (2)  faz  a  seguinte  apreciação  de 
Gomes  Eannes  de  Zurara,  como  cronista  :  «Como  historiador,  a 
critica  não  pode  ser  severa  para  Gomes  Eannes.  Coevo  com  os 
grandes  vultos,  cujas  ações  descreve,  era-lhe  dificuldade  quasi 
invencível  não  se  deixar  entrar  de  ruins  paixões.  Mas  a  sua  his- 
toria está  ahi  a  dizer-nos,  que  nem  respeitos  humanos  o  move- 
ram, nem  mesquinhas  invejas  lhe  abalarem  o  animo.  E  se  alguma 
cousa  ha  a  exprobar-lhe  é  talvez  a  demasiada  franqueza  com  que 
pinta  e  fulmina  os  erros  dos  seus  heróis.  Dotou-o  a  natureza 
Hberalmente,  engrandeceu  o  historiador  o  património.  A  um 
juizo  maduro  e  claro  entendimento  aliou  Gomes  Eannes  não 
vulgar  erudição,  colhida  nos  bons  mestres  da  antiguidade,  e 
ainda  que  serôdia,  germinou  a  semente,  não  caiu  em  torrão 
safaro,  mas  frutificou  saborosíssimos  frutos.  Na  sua  veracidade 
como  historiador  não  ha  por-lhe  escrúpulos  o  mais  prudente. 
Naquelas  páginas  tão  singelamente  escritas  ha  mais  que  um 
reverbero  de  verdade,  naquele  estilo  ás  vezes  tão  desgarrado, 
adivinha-se  inteira  sinceridade.  E  quasi  sem  o  querermos,  toma- 
mos de  improviso  outro  objecto,  o  estilo  de  Azurara.     Paliando 

(1)  Crónica  do  descobrimento  e  conquista  de  Guiné,  Paris,  1841,  p.  xi. 

(2)  Gomes  Eannes  d' Azurara,  no  Instituto,  vol.  ix,  Coimbra,  i8õi,  p.  107  e  108. 


deste  ultimo  disse  o  Livio  português,  «se  alguma  cousa  ha  bem 
escrita  das  crónicas  deste  reino,  é  de  sua  mão» ;  e  Damião  de 
Góes  «que  elle  usava  no  escrever  de  algumas  palavras  e  termos 
antigos,  com  razoamentos  prolixos  e  cheios  de  metáforas  ou  figu- 
ras que  no  estilo  histórico  não  tem  lugar».  Nós  cremos  que  na 
frase  de  Barros  vai  exagerado  encarecimento,  e  nas  palavras  de 
Góes  ha  calculado  menospreço.  Se  o  estilo  de  Azurara  nem 
sempre  lhe  cai  dos  bicos  da  pena  fácil  e  natural,  se  o  colorido  da 
frase  desaparece  as  vezes  num  traço  de  erudição  massuda,  não 
ha  todavia  razão  para  o  alcunhar  de  prolixo  e  sempre  afectado. 
O  historiador  da  descoberta  e  conquista  de  Guiné,  o  predecessor 
de  Cadamosto,  não  carece  de  emprestados  louvores;  nos  precio- 
sos livros  que  nos  legou,  está  escrito  o  seu  elogio.» 


MANUSCRITOS 


DA  Crónica  da  tomada  de  Cepta por  el  rey  Dom  Joham  o  pri- 
meiro existem  numerosas  cópias  manuscritas  nas  livrarias 
públicas  e  particulares  de  Portugal.     As  cópias   de  que 
obtivemos  noticia,  são  as  seguintes  : 

Arquivo  Nacional  (Torre  do  Tombo) : 

1.  Códice  n."  368,  do  fim  do  século  xv  ou  principio  do  sé- 

culo XVI,  (A) ; 

2.  Códice  n.°  355,  do  princípio  do  século  xvi,  (B). 
Biblioteca  Nacional  de  Lisboa  : 

3.  Códice  n."  385,  do  século  xvii,  (C); 

4.  Códice  n."  3gi,  do  século  xvi,  (D); 

5.  Códice  de  Alcobaça   n.°  473  (moderno  n."  317),   do  sé- 

culo XVII,  (H). 
Museu  etnológico  de  Lisboa  : 

6.  Códice  E,  3238,  do  século  xvii  ou  xvni,  (E). 
Biblioteca  do  Paço  de  Ajuda  : 

7.  Códice  49-XI-65,  do  século  xvi,  (F). 
Biblioteca  pública  municipal  do  Porto : 

8.  Códice  n."  86,  do  século  xviii,  (M). 
Livraria  de  Anselmo  Braamcamp  Freire  : 

9.  Códice  C,  33 1,  do  século  xviii,  (G). 
Livraria  da  Casa  Cadaval : 

10.  Códice  (sem  numeração),  do  século  xvi,  (N). 


Livraria  do  comendador  José  António  Vieira  Marques,  de 
Braga : 

1 1.  Códice  (sem  numeração),  do  século  x-^q,  (P). 

É  provável  que,  àlêm  dos  manuscritos  precedentemente  men- 
cionados, existam  ainda  outros,  quer  nas  bibliotecas  públicas, 
sobre  tudo  de  Évora,  Coimbra  e  Braga,  quer  nas  livrarias  parti- 
culares. Galhardo  (i)  informa  que  D.  Pedro  Portocarrero  y  Guz- 
man,  patriarcha  das  índias,  de  cuja  livraria  foi  impresso  o  catá- 
logo em  Madrid  em  1708,  possuía  um  manuscrito  intitulado 
Crónica  de  Ceuta  (2).  Consta  também  existir  um  manuscrito  da 
mesma  crónica  na  Biblioteca  Nacional  de  Madrid. 

A.  Manuscrito  do  Arquivo  Nacional  (Torre  do  Tombo),  có- 
dice n.°  368. 

Este  manuscrito  é  um  livro  de  íino  pergaminho,  composto  de 
i3  cadernos,  tendo  cada  um  cinco  folhas  duplas.  Os  cadernos 
estão  cosidos  e  ligados  entre  si,  mas  não  tem  pastas  de  encader- 
nação; guarda-se  dentro  de  uma  pasta  de  papelão  atada  com 
duas  fitas  de  algodão. 

As  folhas  tem  o°',390Xo°',290 ;  em  cada  página  a  parte  escrita 
ocupa  um  rectângulo  de  o'",29oXo"',235 ;  a  escrita  de  cada  pá- 
gina está  disposta  em  duas  colunas,  cada  uma  de  33  linhas ; 
cada  linha  tem  em  média  33  letras. 

A  letra  é  do  tipo  gótico  (francesa),  de  uma  só  mão ;  as  razu- 
ras,  entrelinhas  e  aposições  nas  margens  são  muitas  raras;  a 
forma  da  letra  é  muito  perfeita  e  bela,  e  do  fim  do  século  xv. 

As  folhas  são  marcadas  com  numeração  romana  :  J,  ij,  iij, . . . 
até  cxxx;  a  numeração  está  escrita  por  cima  do  princípio  da 
I,*  linha  da  2.*  coluna  da  página  recto  (3).  No  fim  da  página 
verso  da  última  folha  de  cada  caderno,  por  baixo  da  2.*  coluna, 

(i)  Ensaio  de  uma  biblioteca  espanola,  por  D.  Bartolomé  José  Galhardo,  Madrid, 
i863. 

(2)  E.  Prestage,  The  life  and  writings  of  Azurara,  p.  Iv,  nota  1. 

(3)  Esta  numeração  foi  escrita  evidentemente  em  época  posterior  àquela  em  que 
foi  escrito  o  manuscrito  sem  atender,  a  que  no  princípio  faltava  um  caderno  (dez  folhas). 


na  margem  exterior,  está  escrita  obliquamente  a  primeira  pala- 
vra da  página  seguinte. 

Os  títulos  dos  capítulos  são  escritos  a  tinta  vermelha;  e  a 
indicação  do  número  de  ordem  do  capítulo  é  dada  depois  do 
título. 

A  letra  inicial  da  primeira  palavra  do  texto  de  cada  capítulo 
é  maiúscula,  e  está  compreendida  em  um  rectângulo  de  o",o35x 
o°',025  em  média,  formando  um  fundo  escuro;  a  letra  inicial  é 
floreada,  e  está  ligada  com  uma  silva  de  folhas,  fiores  e  frutos, 
que  se  estende  pela  margem  esquerda  dessa  coluna  em  toda  a 
altura  da  parte  escrita  da  página;  tanto  a  letra  como  a  silva 
são  finamente  desenhadas  a  cores.  A  segunda  letra  da  mesma 
palavra  inicial  é  também  maiúscula,  mas  da  grandeza  das  letras 
do  texto. 

Os  sinais  de  pontuação  são  a  vírgula,  indicada  por  um  traço 
rectilíneo  oblíquo,  e  o  ponto ;  a  sua  distribuição  não  é  bem  con- 
forme com  o  sentido  das  frases.  O  começo  dos  períodos  é  indi- 
cado por  um  sinal  formado  por  um  arco  de  circulo,  como  cres- 
cente, com  a  convexidade  voltada  para  a  esquerda,  e  limitado 
pelo  lado  direito  por  duas  linhas  rectas  paralelas  entre  si;  este 
sinal  é  desenhado  a  azul,  e  muitas  vezes  os  dois  pequenos 
espaços  compreendidos  entre  o  arco  e  as  linhas  rectas  são  dou- 
rados. 

A  cópia  contida  no  códice  n."  368  foi  feita  com  grande  cui- 
dado, e  é  muito  correcta;  contem  diversas  particularidades  de 
escrita,  de  que  em  seguida  se  dá  notícia. 

1.  Abreviaturas. — As  abreviaturas  usadas  são:  cri,  e,  n  (nh), 
os,  per,  pra,  pri,  que,  ser,  ds  (Deos),  Jliú  (Jhesu),  xpó  (Christo), 
xpraãos  (christaãos). 

2.  Vogal  i.  —  A  vogal  i,  inicial  de  palavra,  é  representada 
por;(i);  e  o  i,  vogal  subjuntiva  do  ditongo  oral  iti,  é  também 
representada  pory,  para  evitar  a  confusão  do  ditongo  ui  com  a 

(i)  0^'  é  sempre  maiúsculo  ;  por  isso  fez-se  imprimir  Iffante,  que  é  escrito  Jffante. 


letra  m.     Os  ii,  i  dobrado,  é  representado  por  ij  (tijnha,  perijguo, 
jmmijgo)  para  evitar  a  sua  confusão  com  a  letra  n  ou  u. 

Em  vez  de  z  usa-se  frequentes  vezes  j";  principalmente  como 
vogal  subjuntiva  de  ditcngo,  ou  para  preencher  o  espaço  do  fim 
de  linha. 

3.  Vogais  dobradas.  —  Os  sons  abertos  das  vogais  í7,  e  &  o, 
e  o  i  tónico  são  muitas  vezes  representados  pelas  vogais  dobra- 
das aa,  ee,  oo  e  ij,  (ataa,  ffee,  oolhou,  jmmijgos). 

4.  Nasalação  das  vogais.  —  A  nasalação  das  vogais  é  repre- 
sentada por  m  tanto  antes  de  vogai  e  de  b,  m  e  p,  como  antes  de 
todas  as  outras  consoantes ;  se  porém  o  espaço  disponível  da 
linha  não  é  suficiente  para  escrever  o  m,  a  nasalação  é  indicada 
pela  letra  n,  ou  por  til  colocado  sobre  a  vogal  nasal. 

É  também  representada  por  n  a  nasalação  do  e  da  terminação 
ente  das  palavras,  como  dereitamente ;  e  ainda  muitas  vezes  a 
nasalação  do  u  da  palavra  mundo. 

A  nasalação  das  vogais  dobradas  aa,  ee,  00,  ini,  é  indicada 
pelo  til  colocado  sobre  as  vogais  de  modo  indeciso,  parecendo 
todavia  ser  sobre  a  segunda  vogal. 

5.  Enfraquecimento  das  vogais  a,  i  e  o.  —  As  vogais  a  e  i, 
atonas  enfraquecem  algumas  vezes,  sendo  substituídas  por  e, 
assim :  rreiam  (razão),  deier  (dizer),  dereitamente  (direitamente), 

fe:{estes  (fizestes), /e:{e55e  (fizesse),  esteuesse  (estivesse)  etc. 

O  o  final  da  palavra  co^no  também  enfraquece,  se  a  palavra 
seguinte  começa  por  o;  assim  :  come  homem  (como  homem). 

6.  Queda  do  e  final  da  palavra.  —  O  e  final  de  palavra,  e 
átono,  cai  algumas  vezes,  sobretudo  se  a  palavra  seguinte  começa 
por  vogal :  assim  é  escrito:  ell  (elle),  daquell  (daquelle),  e  Go7n- 
çaleannes  (Gonçalo  Eannes),  Pedreanes  (Pedro  Eannes),  Aliio- 
reannes  (Álvaro  Eannes),  etc. 

7.  Consoante  c  branda.  —  O  som  brando  de  c  é  representado 
por  c  (c  com  cedilha)  tanto  antes  áe  a,  o  e  u,  como  antes  de  e  e  i; 
a  cedilha  todavia  não  é  usada  se  a  letra  c  é  maiúscula  e  inicial  de 
palavra,  como  em  Cepta:  mas  é  empregada  em  Çalla  bem  Çalla. 


8.  Consoante  g.  —  Usa-se  intercalar  a  letra  u  depois  de  g 
sonoro,  seguido  de  a  ou  o,  como  quando  é  seguido  de  e  ou  i, 
assim  chegiiar,  logiio.  É  provável  porém,  que  ga,  go,  gii  se  les- 
sem 7^7,  Jo,  jii,  como  ge  (je)  e  gi  (JiJ;  e  por  isso  a  intercalação 
da  letra  11  indica  somente  que  o  som  de  g  era  sonoro  e  não  fri- 
cativo. 

g.  Consoante  h. — A  consoante  h  é  usada  sempre  antes  da 
vogal  inicial  de  palavra  monosilabica,  assim  :  ha  (á),  he  (é),  hi  (ahi), 
ho  (ao),  e  algumas  vezes  antes  da  vogal  inicial  de  palavra  polisi- 
labica,  como  hordenamça  (ordenança),  Mn  (um).  A  consoante  h 
é  também  usada  em  seguida  às  letras  /  e  jí,  para  representar  os 
sons  molhados  das  mesmas  letras. 

10.  Consoante  r.  —  O  som  brando  dor  é  representado  por 
um  só  r.  O  som  forte  do  r  é  representado  por  rr  (r  dobrado) ; 
mas  se  é  inicial  de  palavra,  umas  vezes  é  representado  por  rr 
(r  dobrado),  e  outras  vezes  por  R  (r  maiúsculo)  (i). 

11.  Consoante  s. — A  consoante  s  é  representada  pelo  f  (s 
alto)  no  começo  e  no  meio  das  palavras;  no  fim  de  palavra  é 
representado  por  s  (s  baixo). 

12.  Consoante  V. — A  consoante  i^  é  representada  pela  letra 
u,  quer  seja  inicial  de  palavra,  quer  media,  e  mesmo  seguida  da 
vogal  II.  Raras  vezes  a  consoante  v  é  representada  por  um  b, 
cuja  haste  não  é  vertical,  mas  inclinada  para  trás. 

i3.  Consoantes  dobradas  (digrafos).  —  As  consoantes  dobra- 
das, cujo  uso  se  observa,  são : 

ff,  usadas  mesmo  como  inicial  de  palavra  :^ee," 

11,  usadas  mesmo  como  final  de  palavra:  tall,  quall,  batell; 

(1)  Nas  palavras  da  língua  portuguesa  o  r  tem  o  som  forte : 
i.»  No  princípio  da  sílaba  inicial; 

2."  No  princípio  de  sílaba  média  ou  final  sendo  precedido  de  consoante. 
Nas  palavras,  compostas  de  palavra,  que  tenha  r  no  princípio  da  sílaba  inicial,  e 
de  um  prefixo,  aquele  r  conserva  o  som  forte. 
O  r  tem  o  som  brando  : 

i."  No  princípio  de  sílaba  média  ou  final  sendo  precedido  de  vogal; 
1."  No  meio  de  sílaba  (som  líquido)  depois  de  b,  c,  d,  f,  g,  (k),  p,  í ; 
3.°  No  fim  de  sílaba. 


mm,  no  meio  de  palavra ;  jmmijgo  ; 

rr,  no  começo  e  meio  de  palavra:  rrainha,  homrra; 

ss,  usada  mesmo  depois  de  consoante;  conisselho. 

É  provável  que  pelas  consoantes  dobradas  _^,  rr,  ss,  iniciais 
de  palavra,  se  quizessem  algumas  vezes  representar  as  letras 
maiúsculas  correspondentes/ee  (Fé),  rrey  (Rey),  ssenhor  (Senhor). 

Na  divisão  das  sílabas  no  fim  de  uma  linha  para  a  seguinte, 
as  consoantes  dobradas  pertencem  ambas  à  sílaba,  com  cuja 
vogal  SC  articulam,  assim :  I-ffante,  hom-rra,  com-sselho,  etc. 

1 4.  Clise.  —  O  pronome  complemento  de  verbo  é  geralmente 
escrito  junto  ao  verbo  (pospositivo)  como  formando  palavra  com 
elle,  sem  sinal  de  separação,  ou  de  ligação  (ifen). 

1 5.  Endiadis.  —  A  terminação  mente  dos  advérbios,  está  geral- 
mente separada  do  adjectivo,  assim:  dereita  mente  (direitamente). 

A  terminação  quer  é  também  separada  das  palavras  qiiall, 
quaees,  assim :  qiiall  quer  (qualquer),  quaees  quer  (quaisquer). 

Também  se  encontra  a  escrita :  da  quclle  (daquele),  por  que 
(porque),  bem  avemtiiramça  (bemaventurança). 

16.  Haplologia.  —  Neste  manuscrito  observa-se  um  notável 
exemplo  de  haplologia ;  o  infante  Dom  Duarte  é  designado  sem 
o  título  de  Dom,  somente  por  Jffamte  Duarte;  este  uso  provém 
verosimilmente  da  linguagem  da  corte,  porque  se  encontra  tam- 
bém em  documentos  contemporâneos  registados  na  Chancelaria 
de  D.  João  I. 

Esta  cópia  da  crónica  está  incompleta;  as  suas  lacunas  são: 

I  .'^  Faltam  a  folha  de  rosto  com  o  título,  e  as  folhas  com  a 
taboada  dos  capítulos. 

2.*  (Cap.  i-xj).  Faltam  os  primeiros  dez  capítulos  e  a  parte  do 
undécimo  desde  o  princípio  até  às  palavras :  determinaram  taees 
conclusões.  A  primeira  linha  da  i  .^  coluna  da  página  recto  da 
folha  J,  começa  pelas  palavras  :  Mas  pêro  que  o  seu  cuidado  fosse 
assai  de  gramde. 

Esta  lacuna  corresponde  com  suficiente  exactidão  ao  con- 
teúdo de  dez  folhas  (cinco  folhas  duplas)  ou  um  caderno. 


3."  (Cap.  xv-xvj).  Na  página  verso  da  folha  8,  a  2.^  coluna 
termina  na  1 3. ^  linha  com  as  palavras:  grandes  homêes  pertee- 
çia,  estando  em  branco  as  restantes  linhas  da  mesma  coluna. 
Falta  a  folha  g  (páginas  recto  e  verso);  a  página  recto  da  folha  10 
está  em  branco;  e  a  primeira  linha  da  i.*  coluna  da  página  verso 
da  mesma  folha  10.*,  começa  pelas  palavras:  ataa  fim  de  panos  de 
suas  cores. 

Esta  lacuna  corresponde  com  suficiente  exactidão  às  20  linhas 
que  faltam  na  2.^  coluna  da  página  verso  da  folha  8,  e  ás  quatro 
colunas  (2  páginas)  da  folha  9,  parecendo  a  mais  a  página  recto 
da  folha  10. 

4.^  (Cap.  xxxviii).  Na  2.*  coluna  da  página  recto  da  folha  46 
estão  em  branco:  a  segunda  metade  da  linha  25,  faltando  as 

palavras :  aes  cousas;  e  a  primeira  metade  da  linha  27 :  çepiam 

a  Lucano,  onde  porem  nenhuma  palavra  parece  faltar. 

5.*  (Cap.  Liv-Lxiii).  A  segunda  coluna  da  página  verso  da 
folha  70  termina  pelas  palavras :  ca  deiiam  que  lhe  noni  fora 
aquello  assi  dito  senorn  por,  e  faltam  as  folhas  71  a  80  (cinco 
folhas  duplas)  ou  um  caderno.  A  primeira  Unha  da  i."  coluna 
da  página  recto  da  folha  8 1  começa  pelas  palavras  :  . . .  çeria 
que  todallas  cousas  que  sse  ataa  llife\eram. 

Esta  lacuna  corresponde  com  suficiente  exactidão  ao  con- 
teúdo das  dez  folhas  que  faltam. 

6.*  (Cap.  Lxxv-Lxxvij).  A  22."  linha  da  i.^  coluna  da  página 
verso  da  folha  94  termina  pelas  palavras :  lhe  parecia,  estando 
em  branco  metade  da  mesma  linha,  e  as  restantes  1 1  linhas  da 
I.*  coluna,  e  a  2.^  coluna;  falta  a  folha  gS;  e  a  primeira  linha  da 
I.*  coluna  da  página  recto  da  folha  96  começa  pelas  palavras: 
de  ficar  sem  parte  de  tajnanha  rriqueia. 

Esta  lacuna  corresponde  com  suficiente  exactidão  às  1 1  linhas 
que  faltam  na  i."  coluna  da  página  verso  da  folha  94,  à  2.'  co- 
luna da  mesma  página,  e  as  quatro  colunas  da  folha  gS,  que 
parece  ter  sido  cortada. 

7."  (Cap.  Lxxxij).  A  24.*  linha  da  i.*  coluna  da  página  verso 


da  folha  loi  termina  pelas  palavras:  orelhas  niiijtos  rrecorreram, 
estando  em  branco  o  termo  da  mesma  linha  e  as  restantes  g  li- 
nhas da  mesma  coluna,  e  a  2.*  coluna  da  mesma  página,  e  as  duas 
colunas  da  página  recto  da  folha  102;  a  primeira  Unha  da  i.^ 
coluna  da  página  verso  da  folha  102  começa  pelas  palavras:  e 
aueram  por  boa  dita. 

Esta  lacuna  corresponde  com  suficiente  exactidão  às  9  linhas 
da  I.*  coluna  da  página  verso  da  folha  loi,  à  2.*  coluna  da 
mesma  página,  e  às  duas  colunas  da  página  recto  da  folha  102. 

8.*  (Cap.  LRij-LRiij).  A  última  linha  (33.*)  da  2.*  coluna  da 
página  verso  da  folha  1 14  termina  pelas  palavras:  mas  dos  chris- 
taãos.  Falta  a  folha  1 1 5 ;  a  primeira  linha  da  i ."  coluna  da  página 
recto  da  folha  1 16  começa  pelas  palavras:  lançar  suas  ancoras. 

Esta  lacuna  corresponde  às  quatro  colunas  da  folha  1 15,  que 
parece  ter  sido  cortada. 

9.''  (Cap.  C).  A  primeira  linha  da  2."  coluna  da  página  recto 
da  folha  1 24  tem  escritas  somente  as  palavras  :  em  aquella,  estando 
em  branco  o  resto  da  linha,  as  outras  32  linhas  da  mesma  coluna, 
e  as  duas  colunas  da  página  verso  da  mesma  folha.  A  primeira 
linha  da  i.^  coluna  da  página  recto  da  folha  i25  começa  pelas 
palavras :  leixaram  todallas  doçuras  da  França. 

Esta  lacuna  corresponde  aproximadamente  às  três  colunas 
que  faltam. 

Gomes  Eannes  de  Zurara  diz  na  Crónica  da  tomada  de  Cepta 
(Cap.  iij),  que  por  mandado  dei  rei  D.  Afonso  V  trabalhou  por 
inquirir  e  saber  as  cousas  que  diziam  respeito  à  tomada  da 
cidade  de  Ceuta,  e  as  escreveu  em  uns  cadernos,  com  intenção 
de  os  acrescentar  ou  diminuir  em  quaisquer  logares  em  que  se 
julgasse  que  o  mereciam.  E  de  presumir  do  que  precede,  que  se 
tenham  extraviado  dois  cadernos  do  códice  n."  368,  e  que  quando 
se  fez  esta  cópia,  alguns  cadernos  do  original  estivessem  em  mau 
estado  de  conservação,  e  que  fosse  difícil  a  sua  leitura,  por  ser  a 
escrita  muito  emendada,  por  estar  a  tinta  algum  tanto  desvane- 
cida, e  por  serem  rotas  algumas  folhas,  do  que  resultariam  as 


lacunas  que  ficam  notadas;  e  que  o  escrivão  deixara  os  corres- 
pondentes espaços  em  branco  com  intenção  de  os  preencher, 
depois  por  outra  cópia  que  fosse  achada. 

B.  Manuscrito  do  Arquivo  Nacional  (Torre  do  Tombo),  có- 
dice n."  355. 

Este  manuscrito  é  um  livro  de  bom  pergaminho,  composto  de 
cinco  folhas  sem  numeração,  e  de  i  5  cadernos,  tendo  cada  um 
cinco  folhas  duplas.  O  livro  está  encadernado,  sendo  as  pastas 
grossas  tàboas  cobertas  de  linhagem  e  taxas  de  metal  amarelo. 

As  folhas  tem  o",525xo'°,38o;  em  cada  página  a  parte  escrita 
ocupa  um  rectângulo  de  o'",365  xo",25o;  a  escrita  de  cada  página 
está  disposta  em  duas  colunas,  cada  uma  de  35  linhas;  cada 
linha  tem  25  a  3o  letras. 

A  letra  é  do  tipo  gótico  (francesa),  de  uma  só  mão;  as  rasu- 
ras, entrelinhas,  e  aposições  nas  margens  são  muito  raras.  A 
forma  da  letra  é  elegante,  e  do  princípio  do  século  xvi. 

As  primeiras  cinco  folhas  não  tem  numeração;  as  folhas  dos 

i5  cadernos  são  marcadas  com  numeração  romana  J,  ij,  iij 

até  cl;  a  numeração  está  escrita  por  cima  da  extremidade  da 
i."  linha  da  2.''  coluna  da  página  recto. 

Os  títulos  dos  capítulos  são  escritos  a  tinta  preta;  a  indicação 
do  número  de  ordem  do  capítulo  é  dada  no  princípio  do  título. 
A  letra  inicial  da  primeira  palavra  do  texto  de  cada  capítulo  é 
maiúscula,  de  grandes  dimensões,  tendo  altura  compreendida 
entre  seis  e  dez  linhas,  e  muito  floreada;  a  segunda  letra  da 
mesma  palavra  é  também  maiúscula,  mas  da  grandeza  das  letras 
do  texto. 

Dos  sinais  de  pontuação  somente  é  usado  o  ponto;  o  começo 
dos  períodos  é  indicado  por  um  sinal  semelhante  ao  usado  no 
códice  n."  368,  mas  de  côr  preta  e  sem  dourado. 

A  cópia  da  crónica  está  completa;  todavia  parece  que  primi- 
tivamente tinha  sido  escrita  com  as  mesmas  lacunas,  que  se  obser- 
vam no  códice  n."  368,  e  que  depois  foi  completada  nos  espaços 


em  branco,  que  haviam  sido  deixados,  com  letra  da  mesma  mão. 
Isto  resulta,  de  que  algumas  vezes  o  texto,  que  foi  escrito  nos  espa- 
ços primitivamente  deixados  em  branco,  não  preencheu  comple- 
tamente os  mesmos  espaços,  e  a  escrita  desta  parte  é  mais  larga 
e  espaçada;  outras  vezes,  por  ser  insuficiente  o  espaço  deixado 
em  branco,  a  escrita  é  mais  apertada,  do  que  na  parte  escrita 
primitivamente. 

No  alto  da  página  recto  da  primeiro  folha  sem  numeração 
está  escrito  o  título  seguinte  : 

Crónica  da  tomada 
da  cidade  de  cepta 
per  ElRey  Dom 
Joham  o  primeiro. 
Por  baixo  do  título,  e  quási  ao  meio  da  altura  da  página  está 
debuxado  o  brazão  de  armas  de  Portugal  usado  no  tempo  dei  rei 
D.  Manuel^  sobre  um  rectângulo,  dividido  pelas  diagonais  e  me- 
dianas dos  lados  em  oito  triângulos,  alternadamente  brancos  e 
pretos. 

Nas  folhas  2,  3,  4  e  5  sem  numeração  está  escrita  a  tauoada 
dos  capítulos. 

A  crónica  começa  na  página  recto  da  folha  J  assim : 
Prologo  de  gome^  e 
annes  de  curara  aa 
crónica  da  tomada  de 
Cepta. 

Capitulo  primeiro. 
Concruiam  he  de  aristotiles  no  seg°  liiiro  da  Natural  filosofia 
que  a  nature^^a  e  o  começo  do  mouimento  he  de  folgança. 

A  crónica  é  dividida  em  io5  capítulos,  incluindo-se  neles  o 
prólogo. 

A  crónica  termina  na  página  recto  da  folha  cl  pelas  seguintes 
palavras : 

E  o  anno  do  regnado  delRey  Dom  Affonso  o  quinto  em  hon^e 
anitos  e  duzentos  e  cinco  dias. 


Esta  cópia  da  crónica  foi  feita  em  época  posterior  à  do  có- 
dice n.°  368,  mas  com  menos  cuidado;  o  escrivão  parece  não  ter 
copiado  as  palavras  com  a  grafia  que  tinha  o  seu  archetipo;  con- 
tem alguns  erros,  que  certamente  provêm  de  ser  difícil  a  leitura 
do  archetipo,  que  provavelmente  estaria  em  mau  estado  de  con- 
servação ou  roto  em  partes,  muito  emendado,  e  algum  tanto  des- 
vanecida a  tinta  da  escrita. 

C.  Manuscrito  da  Biblioteca  Nacional  de  Lisboa,  códice  n."  385 
(B-4-II). 

Este  manuscrito  é  um  livro  de  papel,  de  243  folhas,  encader- 
nado com  pastas  de  papelão. 

As  folhas  tem  o'°,287Xo°',i6o;  em  cada  página  a  parte  escrita 
ocupa  um  rectângulo  de  o°',255xo'",i6o;  a  escrita  de  cada  página 
está  disposta  em  uma  só  coluna,  de  32  linhas;  cada  linha  tem  32 
a  45  letras.     As  folhas  não  estão  numeradas. 

A  letra  é  de  três  mãos,  bem  legivel,  do  século  xvii. 

A  crónica  ocupa  as  folhas  i  a  i83. 

O  título  é  (foi.  I ,  r) : 

Terceira  parte  da  Coronica  delRey  Dom  João  o  primeiro  deste 
nome,  em  a  quall  se  contem  a  tomada  de  çepta. 

O  começo  é  (foi.  i,  r): 

Prelo  giio 

Conclusão  he  de  Aristotiles  no  2°  liuro  da  natural  philosojia  que 
a  natureza  he  começo  de  mouimento  e  de  folgança. 

Depois  do  prólogo  segue-se  a  crónica  dividida  em  102  capí- 
tulos. 

O  crónica  termina  pelas  seguintes  palavras: 

...  e  o  anno  do  Reynado  delRey  dom  Afonso  o  quinto  em  xj 
annos  e  ii.b.  dias  mays. 

Laus  Deo. 

Depois  segue-se  a  Crónica  dei  Rei  D.  Duarte  por  Rui  de  Pina. 

Este  manuscrito  pertenceu  ao  Colégio  da  Companhia  de  Jesus 
em  Santarém. 


D.  Manuscrito  da  Biblioteca  Nacional  de  Lisboa,  códice 
n.°39i  (B-4-17). 

Este  manuscrito  é  um  livro  de  papel  de  247  folhas,  encader- 
nado com  pastas  de  papelão. 

As  folhas  tem  o",265  xo'°,i9o;  em  cada  página  a  parte  escrita 
ocupa  um  rectângulo  de  o'",24oXo"',i  10;  a  escrita  de  cada  página 
está  disposta  em  uma  só  coluna  de  3o  linhas;  cada  linha  tem  35 
a  40  letras. 

A  letra  é  de  uma  só  mão,  de  fácil  leitura,  do  século  xvi. 

A  esta  cópia  faltam  no  princípio  cerca  de  1 2  folhas,  e  começa 
pelas  seguintes  palavras  do  capitulo  vi,  na  página  recto  da  fo- 
lha 1 3  :  nas  gi'andes  vertudes  delRey  Dom  Joham.  Agora  diiião 
eles,  he  Portugal  o  maior  e  mais  bem  aventurado  Reyno  que  ha  no 
mundo . . . 

No  fim  faltam  também  provavelmente  duas  folhas;  a  cópia 
termina  pelas  seguintes  palavras  do  capítulo  ciiij  na  página  verso 
da  folha  23 1  :  ...  virtuosos  homens  forçosamente  arn  seu  mereci- 
mento de  seus  grandes  feitos,  e  por  tanto  dy... 

A  divisão  da  crónica  é  em  capítulos  provavelmente  io5  em 
número. 

Nas  margens  das  páginas  deste  manuscrito,  sobretudo  no 
princípio,  são  escritas  algumas  notas  de  letra  diferente  da  do 
texto  e  mais  moderna ;  estas  notas  são  breves  observações  de 
carater  moral,  resumos  do  conteúdo  no  texto,  indicações  topo- 
gráficas da  cidade  de  Ceuta,  e  notícias  históricas. 

H.  Manuscrito  da  Biblioteca  Nacional  de  Lisboa,  códice  de 
Alcobaça  n.°  473  (moderno  n.°  317). 

Este  manuscrito  é  um  livro  de  papel  de  200  folhas,  encader- 
nado em  pergaminho. 

As  folhas  tem  o°';,3ooXo°',2io;  em  cada  página  a  parte  escrita 
ocupa  um  rectângulo  de  o'",255  xo"",!  55 ;  a  escrita  de  cada  pá- 
gina está  disposta  em  uma  só  coluna  de  29  linhas;  cada  linha 
tem  35  a  40  letras.     As  folhas  não  estão  numeradas. 


A  letra  é  de  uma  só  mão,  bem  legível,  do  século  xvii. 
O  título  e  começo  é  (foi.  i,  r) : 

Crónica  da  tomada  da  cidade  de  Cepta 
Por  el  Rey  Dom  João  o  primeiro 
Prologo  de  Gomei  eamies  depurara 
aa  crónica  da  tomada  de  Cepta. 
Cap.  prim.° 
Conclusom  he  de  Aristóteles  no  segundo  livro  da  natural  filosofia 
que  a  natureza  e  o  começo  do  movimento  he  de  folgança. 
A  crónica  termina  pelas  seguintes  palavras : 
...  e  o  anno  do  Reynado  delrrey  Dom  A.°  o  quinto  em  on^e 
annos  e  duzentos  e  cinco  dias  mais. 

E.  Manuscrito  do  Museu  etnológico  português  de  Lisboa, 
códice  E,  323g. 

Este  manuscrito  é  um  livro  de  papel  de  201  folhas,  desen- 
cadernado. 

As  folhas  tem  o°',3 1 5  x  o^jS  i  o ;  em  cada  página  a  parte  escrita 
ocupa  um  rectângulo  deo'",23oXo°',i5o;  a  escrita  de  cada  página 
está  disposta  em  uma  só  coluna  de  27  ou  28  linhas;  cada  linha 
tem  5o  a  55  letras.  As  folhas  estão  numeradas  de  i  a  201, 
tendo  no  fim  mais  sete  não  numeradas  com  a  taboada  dos  capí- 
tulos. 

A  letra  é  de  uma  só  mão,  de  boa  grafia,  do  século  xvn  ou 
xviii.     A  primeira  letra  do  texto  de  cada  capítulo  é  floreada^ 
O  título  é  (foi.  I,  r): 

Terceira  parte 
da  Chronica  Del  Rei  Dom  Joam  P.™ 
deste  nome  e  dos  Reis  de  Portugal  o  decimo. 
A  qual  trata  a  historia  da  tomada  de  Cepta 
Composta  per  Gomei  eanes  de 
Zurara  Chronista  mor 
dos  Reinos  e  senhorios 
de  Portugal. 


o  começo  é  (foi.  2,  r) : 

Conclitsajn  he  Daristotiles  no  secundo  liuro  da  natural  philoso- 
phia,  que  a  natureia  he  começo  de  mopimento  e  de  folgança. 

A  crónica  é  dividida  em  io5  capítulos. 

A  crónica  termina  pelas  seguintes  palavras :  e  o  ãno  do  Rei- 
nado DelRey  Dom  Aff.°  5°  em  on\e  annos  e  2o5  dias. 

F.  Manuscrito  da  Biblioteca  do  Paço  de  Ajuda,  códice 
49-XI-65. 

Este  manuscrito  é  um  livro  de  papel,  de  seis  folhas  não  nume- 
radas, seguidas  de  283  folhas  paginadas  de  i  a  565,  encadernado 
sendo  as  pastas  de  papelão  cobertas  de  pergaminho. 

As  folhas  tem  o'",3ioXo°',225  ;  em  cada  página  a  parte  escrita 
ocupa  um  rectângulo  de  o'",25o  Xo"',i5o;  a  escrita  de  cada  página 
está  disposta  em  uma  só  coluna,  de  29  a  33  linhas;  cada  linha 
tem,  em  média,  35  letras. 

A  letra  é  do  tipo  gótico,  de  uma  só  mão,  de  boa  grafia,  do 
século  XVI. 

O  título  é  (foi.  <3,  r). 

Crónica:  Da  toma 

da  Da  cidade.  De 

Cepta:  Por  Elrey  dô  Johão:  o  primeyro : 

As  folhas  b,  c,  d,  e/(não  numeradas)  contêm  a  tauoada  dos 
capítulos. 

O  começo  é  (pág.  i): 

Prologo  De  Gomes  e  anes  de  Zurara  aa  crónica  da  tomada  de 
cepta  : 

Capitulo  primeiro. 

Comcrusão  he  de  aristoteles  no  segúdo  liuro  da  natural  Filo- 
sofia . . . 

Depois  do  prologo  segue-se : 

O  principio  da  historia.     Capitulo  segundo. 

O  tempo  e  gramde^a  das  obras  nos  cóstramgê  fortemente  que 
serenamos . . . 


o  fim  é  (capitulo  cb,  pag.  565): 

E  o  ano  do  Reynado  delRey  dó  afonso  o  qiiynto  aos  on^e  anos 
e  doiemtos  e  cinco  dias  mais. 

Laus  Deo. 


M.  Manuscrito  da  Biblioteca  pública  municipal  do  Porto, 
códice  n.°  g6. 

Este  manuscrito  é  um  livro  de  papel  de  i63  folhas  numeradas, 
e  mais  4  em  branco,  e  encadernado  em  pergaminho. 

As  folhas  tem  o^jZgS  X  o",2o5  ;  em  cada  página  a  parte  escrita 
ocupa  um  rectângulo  de  o"',23oXo°',i42;  a  escrita  de  cada  página 
está  disposta  em  uma  só  coluna  de  32  linhas;  cada  linha  tem  5o 
letras  em  média.  As  folhas  estão  numeradas  no  alto  da  página 
recto. 

A  letra  é  de  uma  só  mão,  de  fácil  leitura,  do  século  xviii. 

O  título,  escrito  na  capa,  é : 

Tomada  de  Ceuta 

por  Gomes  Eanes  d" Azurara. 

Tem  1 63  folhas. 

O  começo  é  (foi.  i ,  r) : 

Prologo  de  Gomes  Annes  da  Zurara. 

Conclusão  he  de  Aristóteles  no  segundo  liuro  da  natural  philo- 
sophia  que  a  natureza  he  começo  de  movimento  e  de  folgança. 

O  fim  é  (foi.  i63,  v).-         ' 

E  poa-em  concludindo  este  cap.°  entendemos  que  ...  todos  os 
outros  aião  em  grão  reuerença  essas  sepulturas,  e  bendigão  o  seu 
nome  ouuindo  o  processo  de  suas  virtudes. 

Na  margem  lê-se  a  seguinte  nota  escrita  de  letra  diversa  da 
do  texto: 

Na  obra  impressa  ha  ainda  o  cap.  104,  etc. 

Outras  notas  marginais  se  lêem  nas  folhos  3,  v.,  loi,  v,  e 
1 6 1 ,  3^  relativas  à  comparação  do  manuscrito  com  a  edição  da 
crónica  impressa  em  1644. 


—  xc  — 

G.  Manuscrito  da  livraria  de  Anselmo  Braamcamp  Freire, 
códice  C,  33 1. 

Este  manuscrito  é  um  livro  de  papel,  de  1 76  folhas  numera- 
das, seguidas  de  quatro  não  numeradas,  encadernado  em  pastas 
de  papelão  cobertas  de  couro. 

As  folhas  tem  o°',298xo°',2oo;  em  cada  página  a  parte  escrita 
ocupa  um  rectângulo  de  o°',26oXo°',i7o;  a  escrita  de  cada  página 
está  disposta  em  uma  só  coluna,  de  29  linhas;  cada  linha  tem  5o 
letras  em  média. 

A  letra  é  de  uma  só  mão,  de  boa  grafia,  bem  legível,  do  sé- 
culo XVIII. 

As  primeiras  três  linhas  da  página  recto  da  folha  i  são  desenha- 
das imitando  a  letra  gótica ;  e  a  primeira  letra  do  prólogo  é  floreada. 

A  crónica  ocupa  as  folhas  1-176;  as  três  folhas  seguintes  sem 
numeração  contem  a  taiioada  dos  capítulos  com  indicação  das 
folhas  em  que  começam;  e  a  quarta  folha  sem  numeração  contem 
parte  (cap.  142  a  2o5)  da  taiioada  dos  capítulos  da  2."''  parte  da 
Chronica  dei  Rei  D.  João  I  por  Fernão  Lopes,  e  por  isso  não 
pertence  a  este  livro. 

A  crónica  não  tem  título. 

O  começo  é  (foi.  i^  r): 

Prologo  de  Gomes  Eannes  de  Zurara  a  Chronica  da  tomada 
de  Cepta. 

Concriiião  he  de  Ai'istoteles  no  2°  lib.  da  natural  Jilosop/iia, 
que  a  natureza  e  o  começo  de  mouimento  he  de  folgança.  E  pêra 
declaração  desto  aprendamos  que  cada  húa  cou^a  tem  calidade  per 
a  qual  se  demoue  ao  seu  próprio  lugar  quando  está  fora  delle,  en- 
tendendo aly  ser  confirmado  milhor . . . 

A  crónica  é  dividida  em  io5  capítulos  numerados  seguida- 
mente, incluindo  o  prólogo. 

O  íim  é  (foi.  1 76,  v) : 

...  E  a  era  do  primeiro  Rej  que  foi  em  Portugal  em  348 ;  e  o 
ano  do  reinado  dElRej  D.  A.°  o  5°  em  xi  annos  e  20S  dias  mais. 

Laus  Deo. 


Por  cima  destas  duas  últimas  palavras  está  escrito  por  letra 
de  outra  mão : 

Fim  da  Terceira  Parte. 

A  cópia  deste  manuscrito  é  muito  correcta,  e  conserva  muitas 
particularidades  da  grafia  do  códice  B;  sendo  por  isso  provável 
que  fosse  feita  delle. 

N.  Manuscrito  pertencente  à  Casa  Cadaval  (i). 

Este  manuscrito  é  um  livro  de  papel  de  252  folhas  numera- 
das e  mais  i3  não  numeradas. 

A  letra  é  do  século  xvi;  o  frontespício  e  as  letras  iniciais  dos 
capítulos  são  floreadas. 

O  titulo  é : 

Chronica  da  tomada  da  cidade  de  Cepta  por  elRey  Dom  Joam 
o  primeiro,  por  Gomes  Earmes  de  Zurara. 

P.  Manuscrito  pertencente  ao  comendador  José  António 
Vieira  Marques,  de  Braga. 

Este  manuscrito  é  um  livro  de  papel,  de  i8o  folhas,  encader- 
nado em  pastas  de  madeiras  cobertas  de  couro. 

As  folhas  tem  o",35oXo°',25o.  A  escrita  de  cada  página  está 
disposta  em  duas  colunas,  cada  uma  de  36  a  38  linhas.  As  fo- 
lhas não  estão  numeradas. 

A  letra  é  de  uma  só  mão,  de  boa  e  elegante  grafia,  do  século  xvi. 
A  primeira  letra  do  titulo  do  livro,  e  a  primeira  letra  do  texto  de 
cada  capitulo  são  floreadas. 

O  titulo  é  (foi.  I,  r): 

Tomada  da  miiy  Nobre  Cidade  de  çepta  per  ElT^ey  dom  Joham 
ho  primeiro  do  nome  e  dos  Rex  de  portugall  ho  decimo  Aos  xxj 
dias  do  mes  dagosto  de  mil  e  quatro  cêtos  e  quinze  aunos  composta 


(i)  Catalogo  resumido  da  preciosa  colecção  de  manuscritos  da  Casa  Cadaval,  por 
Martinho  da  Fonseca,  Lisboa,  191 5,  p.  ig,  extracto  do  Boletim  da  Sociedade  de  Biblio- 
philos  Barbosa  Machado. 


por  Gomei  ^'^"(-'^  <^'^  lurara  Corouista  Moor  dos  Reinos  e  Senhorios 
de  portiigall. 

O  começo  é : 

Comcrussão  he  daristytoteks  no  segundo  Liiiro.  da  natural 
ffilossoffm  que  ha  natiireia  começo  do  mouimento  e  de  ffolguamça. 
E  pêra  dedaraçam  desto  Aprendamos  que  cada  híia  cousa  tem  cali- 
dade  pela  quall  se  moue  no  seu  propio  lugar .  . . 

A  crónica  é  dividida  em  io5  capítulos  numerados  seguida- 
mente. 

O  fim  é  (foi.  1 8o,  v) : 

E  ffoy  acabada  esta  obra  na  cidade  de  sylluys  no  reyno  do 
algarue  xxv  dias  de  março.  Quando  andaua  a  era  do  mundo  em 
myll  e  doiemtos  e  om^e  anos  "íRomãos  e  a  era  do  deluuyo ...  E  a 
era  de  noso  Síior  Jlm  Xpõ  em  mill  e  quatro  centos  e  cimquoemta 
anos .  . .  e  a  era  do  prymeyro  %ey  que  foy  em  portuguall  em  tre- 
lemtos  e  quoremta  e  oyto,  e  o  ano  do  Reynado  dellRey  dom  afomso 
quimto  aos  om^e  anos  e  do{emtos  e  cimquo  dias. 

Depois  lia  outras  palavras,  algumas  das  quais  estão  riscadas, 
mas  ainda  pode  lêr-se  : 

Escrita  pêra  os aos  xx  dagosto  bcrxxxj. 

Depois  de  outras  palavras  riscadas,  está  escrito : 
Deo  gr  a  tias. 


fí  ri..vtr!>}í:n}r:^  k^'^ /i^-^TíM 


IMPRESSÕES 


A 


Crónica  da  tomada  de  Cepta  teve  até  ao  presente  duas  im- 
pressões; a  edição  de  1644,  e  a  de  1899-1900. 


Edição  de  1644. 

Esta  edição  foi  feita  em  um  livro  do  formato  de  quarto  de 
folha;  cada  folha  tem  o^jayS  Xo",i75. 

O  livro  tem  no  princípio  seis  folhas  sem  numeração,  sendo  a 
primeira  a  folha  de  rosto,  na  segunda  estão  impressas  as  licenças, 
e  na  3.%  4/,  S.''  e  6.*  o  prologo. 

O  rosto  é  assim : 

Chronica  dei  Rey  D.  Joam  I,  de  boa  memoria  e  dos  Reys  de 
Portugal  o  decimo.  Terceira  parte  em  que  se  contem  a  tomada  de 
Ceita.  Offerecida  á  magestade  dei  Rey  Dom  João  IV.  N.  Se- 
nhor de  miraculosa  memoria.  Composta  por  Gomei  Eannes  d' Azu- 
rara, Chronista  mór  destes  Reynos,  e  impressa  na  linguagem  antiga. 

Segue-se  uma  vinheta  com  a  imagem  de  Cristo  crucificado, 
tendo  aos  lados : 

Anno  de  1644. 

No  fundo  da  página  : 

Em  Lisboa.  Com  todas  as  licenças  necessárias.  A  custa  de 
António  Aluarei,  Impressor  dei  Rey  iV.  S. 


A  crónica  está  impressa  em  142  folhas  paginadas  de  i  a  288; 
a  escrita  é  disposta  em  duas  colunas,  cada  uma  de  36  linhas,  e 
cada  linha  de  20  a  25  letras,  ocupando  tudo  um  rectângulo  de 
o'",245xo'",i5o.  Os  caracteres  são  do  typo  redondo,  excepto 
os  títulos  dos  capítulos  e  os  discursos  que  são  em  tipo  itálico 
(elzevir). 

A  crónica  termina  na  página  283;  nas  páginas  284  a  292  é 
impressa  a  narração  do  Fallecimento  dei  Rey  D.  Joham  o  I;  nas 
páginas  298  a  298,  o  Epitaphio  da  sepultura  dei  Rey  D.  Joarn  o 
Primeiro;  nas  páginas  299  a  307,  o  Testajnento  dei  Rey  Dom 
Joam  o  I;  nas  páginas  3o8  a  3i3  (não  numeradas)  é  impressa  a 
Tauoada  dos  capitulas  contidos  nesta  chronica;  enfim  na  página  3 14 
(não  numerada}  está  impresso  no  alto  o  brazão  de  armas  de  Por- 
tugal usado  no  reinado  dei  rei  D.  João  IV,  e  depois  o  seguinte: 

Com  todas  as  licenças  necessárias. 

Foy  impressa  esta  chronica  dei  Rey  Dom  Joam  o  I  de  boa  me- 
moria em  Lisboa,  Por  António  Aluarei  Impressor  dei  Rey  Nosso 
Senhor.  Anno  de  1644.  Acabouse  de  imprimir  esta  chronica  dei 
Rey  Dom  Joham  o  Primeiro  de  boa  memoria  a  seis  de  Agosto  de 
mil  seiscentos  e  quarenta  e  quatro,  dia  da  Transfiguraçam  de  nosso 
Senhor. 

Esta  impressão  foi  feita  por  diligencia  de  D.  Rodrigo  da  Cu- 
nha, bispo  do  Porto  (i). 

Edição  de  iSgg-igoo. 

Esta  impressão  foi  feita  em  livros  do  formato  de  1 2°  de  folha ; 
e  tem  cada  folha  o"",  190X0",! 25  ;  a  crónica  está  impressa  em 
três  volumes,  tendo  o  primeiro  i53  páginas,  o  segundo  157  pági- 
nas, e  o  terceiro  127  páginas. 

A  parte  impressa  é  disposta  em  uma  só  coluna  cada  uma  de 
34  linhas,  e  cada  linha  de  35  a  40  letras;  e  ocupa  um  rectângulo 

(1)  José  Correia  da  Serra,  Colecção  de  inéditos  de  história  portuguesa,  tomo  ii> 
p.  211. 


de  o'",i4oXo'°,o84.  Os  caracteres  são  do  tipo  redondo,  excepto 
os  títulos  dos  capítulos,  que  são  em  tipo  itálico  (elzevir). 

Esta  edição  é  a  reimpressão  da  edição  de  1644,  tendo  sido 
modernizada  a  grafia  das  palavras  e  a  linguagem ;  não  tem  pois 
valor  filológico ;  foi  feita  somente  com  o  fim  de  vulgarizar  a  cró- 
nica. 

Esta  edição  faz  parte  da  Biblioteca  dos  clássicos  portugue- 
ses, publicada  sob  a  direcção  de  Luciano  Cordeiro  e  Melo  de 
Azevedo. 


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APÊNDICE  I 


DOCUMENTO  VI— A 


i3  DE  DEZEMBRO  DE  1455 


DOM  Aífomso  pella  graça  de  Deus  Rey  de  Portugall  e  do  Algarue  e 
senhor  de  Çepta.  A  quantos  esta  carta  virenn  fazemos  ssaber 
que  dona  abadessa  do  mosteiro  de  Vairam  nos  enujou  dizer  como 
as  outras  prelladas  que  ante  ftbrom  no  dito  moosteiro  perderom  algúas 
scripturas  que  perteeciam  aos  dereitos  e  foros  delle.  E  que  por  quanto 
ssom  mujto  necessareas  aa  dita  bordem  que  nos  pedia  que  lhe  mandásse- 
mos dar  o  trellado  delias  em  publica  ftbrma.  E  nos  visto  sseu  dizer  e 
pidyr  querendolhe  fazer  graça  e  merçee  mandamos  a  Gomez  Eanes  de 
Zurara  comendador  da  bordem  de  Christos  [e  guarjda  moor  do  cartoreo 
em  que  esta  o  tonbo  destes  [nossos]  Regnos  e  nosso  cronjsta  que  lhe  desse 
o  dito  trellado  per  aluara  que  f[oy  fec]to  em  esta  cidade  aos  xij  dias  de 
Julho  per  man[dado  de...]  gill  scripuam  da  fazenda.  O  quall  Gomez 
Eanes  em  conprimento  de  nosso  mandado  íFez  buscar  o  dito  tonbo  onde 
foy  achado  em  húu  liuro  que  foy  das  Jnquiriçoões  dei  Rey  dom  Afomso 
comde  de  Bellonha  huúa  uerba  que  diz  assy. 

Hic  jncipit  jnquisitio  que  vocatur  píjdillus  parrochianorum  ecclesie 
eiusdem  loci.  domjnjcus  zote  eiusdem  ville.  Juratus  et  jnterrogatus  quot 
casalia  sunt  in  ipsa  villa  pTjdilli  dixit  quod  sunt  .Ixxx.v.^  casalia  popullata 
et  sunt  .x.™  casalia  despopullata.  Jnterrogatus  quot  sunt  jn  dominy  Regis 
dixit  quod  audiuit  dici  quot  sunt  três  partes  tocius  ville  et  quarta  pars 
est  mjlitum  et  monasteriorum.  et  dixit  quod  illi  xiij  casalia  que  fuerunt 
do[mi]ny  Petri  Pelagij  troitizendis.  sunt  modo  monasterij  Vairam  et  filio- 
rum  et  nepotum  predicti  domnj  Pelagij,  et  etc.  (i). 

(i )  Esta  verba  está  reproduzida  nas  Inquisitiones,  Portugaliae  Monumenta  histórica, 
tom.  I,  p.  480. 


XCVIII   

E  outra  uerba  que  diz  assy. 

Hic  jncipit  inquisitio  ville  que  vocatur  Zurara  et  parrochianorum  pre- 
dicte  ecclesie  pinjdilli.  dominicus  rromany  eiusdem  loci  juratus  et  jnterro- 
gatus  quot  casalia  habentur  in  ipsa  villa.  dixit  quod  C.  1.  j.  et  sunt  inde 
domine  Regis  .Cxxiij.  et  sunt  despopuUata  .vij.  et  omnia  alya  ssunt  popul- 
lata.  et  dixit  quod  dompna  Maior  egee  habet  ibi  .xiij.  casalia  et  .ij.  due  de 
maladia.  Et  Majore  egitanie  habet  ibi  .viij.  casalia  et  Monasterium  Vairam 
habet  iby  .vj.  casalya  et  etc.  (i). 

As  quaaes  scripturas  assy  achadas  a  dita  dona  abbadessa  pidyu  que 
lhe  dessem  o  trellado  em  publica  forma.  E  dito  Gomez  Eanes  lho  deu 
segundo  no  aluara  dei  Rey  era  contheudo.  Dante  na  cidade  de  Lixboa 
xiij  dias  de  dezembro.  El  Rey  o  mandou  per  o  dito  Gomez  Eanes  de 
Zurara.  Anno  do  naçimento  do  nosso  Senhor  Jhesu  Christo  de  mil!  e 
iiij"^  Lb.  —  Gomez  Eanes  Comendador,  pagou  xbij  rreaaes. 

Arquivo  Nacional,  Cartório  do  Mosteiro  de  Vairão,  maço  1 1,  n.°  28. 


(i)  Esta  verba  está  reproduzida  nas  Inquisitiones,  Portugaliae  Monumenta  histórica, 
tomo  I,  p.  48 J. 


APÊNDICE  II 


NOTICIA  DA  TOMADA  DE  CEUTA 

DADA  POR  ABRAHAM  BEN  SAMUEL  ZACUTO 

ESCRITOR   JUDEU  NO   PRINCIPIO   DO  SÉCULO  XVI 

ABRAHAM  ben  Samuel  Zacuto  (i)  nasceu  em  Salamanca  pelos 
anos  de  1450.  Em  razão  dos  seus  grandes  conhecimen- 
tos de  cosmografia  e  astrologia  foi  mestre  na  universidade 
de  Salamanca  e  depois  na  de  Saragoça.  Estando  Zacuto  ainda 
em  Salamanca,  pelos  anos  de  1478  a  1478  (2),  compoz  em  hebreu 
uma  obra,  que  intitulou  Biiir  Liihot,  Origem  das  táboas,  da  qual 
existem  três  manuscritos,  um  na  biblioteca  de  Lyon,  outra  na  de 
Munich,  e  outro  na  de  Vienna  (3).  Quando  em  1492  os  reis  de 
Castela  D.  Fernando  e  D.  Isabel  lançaram  fora  dos  seus  reinos 
todos  os  Judeus,  que  neles  havia,  muitos  em  número  superior  a 
vinte  mil  famílias  entraram  em  Portugal  com  licença  dei  rei 
D.  João  II,  para  se  embarcarem  daqui  para  outras  terras  (4) ; 
entre  eles  veio  Zacuto  com  sua  família,  que  parece  ter  estabele- 
cido a  sua  residência  em  Beja  (5). 

(i)  Isaac  Broydé,  em  The  Jewish  Encyclopledia,  vol.  xii,  New  York  and  London, 
1907,  p.  627. 

(2)  Joaquim  Bensaude,  L' astronomie  nautique  au  Portugal  à  1'époque  des  grandes 
découvertes.  Berne,  1912,  p.  22  e  i-j. 

(3)  Joaquim  Bensaude,  L'astronomie  nauttque,  p.  57. 

(4)  Ruy  de  Pina,  Chronica  dei  rei  D.  João  II,  cap.  lxv  ;  Damião  de  Góes,  Chro- 
nica  dei  rei  D.  Manuel,  primeira  parte,  cap.  x. 

(5)  Gaspar  Correia,  Lendas  da  índia,  lenda  de  Vasco  da  Gama,  cap.  iii,  (tomo  i, 
p.  10). 


Em  1439  el  rei  D.  João  II  mandou  dar  a  Ahraham  Zacuto, 
astrólogo,  dez  espadins  de  ouro  (i);  o  mandado  de  pagamento (2), 
datado  de  Torres  Vedras,  de  9  de  junho  de  1493,  tem  a  assina- 
tura dei  rei  D.  João  II,  e  mais  abaixo,  em  sinal  de  ter  recebido 
aquela  quantia,  a  de  Abraham  Zacuto  em  caracteres  rabínicos; 
o  mandado  é  do  teor  seguinte : 

Ruy  Gill  mamdamosuos  que  dees  a  Raby  abraão  estrolico  dez 
espadijs  douro  que  lhe  mamdamos  dar.  E  asemtarom  em  vosso 
caderno  pêra  voUo  depois  asynarmos.  fejto  em  torres  vedras  a 
ix  dias  de  Junho,  pêro  lomelim  o  fez  de  mil  iiij'^1  Riij  [annos].  Rey. 

"i2r-'  Tipwma  pirn  na?  nnnsíí  '1^  (3). 
Pêra  Ruy  Gill  que  dee  a  Raby  Abrão  x  espadins  pêra  o  caderno. 

No  verso:  Alvará  dei  Rey  para  se  darem  a  Raby  Abrahão  10  espadins  de  ouro  de 
mercê,  a  9  de  junho  de  1493(4). 

Não  se  sabe  que  serviço  Abraham  Zacuto  prestou  a  el  rei 
D.  João  II,  pelo  qual  lhe  fez  esta  mercê;  mas  a  denominação  de 
astrólogo  (estrolico)  faz  presumir  que  o  serviço  prestado  tinha 
relação  com  a  astrologia ;  e  é  lícito  supor  que  talvez  fosse  a  indi- 
cação do  método  de  determinar  em  qualquer  dia  do  ano  o  logar 

(i)  D.  João  II  fez  lavrar  espadins  de  ouro,  cujo  valor  era  Soo  reais.  (Fr.  Joaquim 
de  Santa  Rosa  Viterbo,  Elucidário,  tomo  i,  Lisboa,  i865,  p.  295,  s.  v.). 

(2)  Memórias  da  literatura  portuguesa,  tomo  11,  p.  363;  Sousa  Viterbo,  Trabalhos 
náuticos  dos  Portugueses,  Lisboa,  189S,  i,  p.  326-327,  n,  p.  285. 

(3)  Pontuando  as  palavras  e  desfazendo  a  abreviatura : 

ín^*n-;i  ínn^ii  '^nn')aii5';  'nb'^in^.  pwíi  ir^ia?  ^ttoá  "lan^ 

«Do  rabino  Abrahão  Zacut,  astrónomo  do  Rei,  seu  Creador  o  conserve  e  mante- 
nha em  vida.»  (José  Benoliel). 

A  palavra  «in  significa  propriamente  explorator,  inspector  (Prov.  16,  2;  21,2);  e 
foi  traduzida  por  matemático  por  Ribeiro  dos  Santos.  Neste  documento  corresponde 
certamente  a  estrolico. 

As  três  letras  finais  "i^n  são  as  iniciais  da  oração  usada  sempre  depois  da  assina- 
tura. Sobre  a  abreviatura  veja-se  Dalman,  Aramaisch-neuhebraisches  Worterbuch, 
Frankfurt  a.  M.,  1901,  anhang  Lexikon  der  abbreviaturen,  1897,  p.  5i. 

(4)  Arquivo  Nacional,  Corpo  Cronológico,  parte  i.',  maço  2.°,  doe.  8. 


do  sol  na  eclítica  (longitude)  e  a  sua  declinação,  para  o  que  se 
serviria  das  táboas  do  seu  livro  Biur  Luhot;  e  que  lhe  daria  uma 
cópia  do  mesmo  livro,  o  qual,  depois  de  traduzido  em  latim  por 
José  Vezinho,  foi  impresso  em  Leiria  em  1496,  e  publicado  sob 
o  título  de  Almanach  perpetinim  (i). 

Gaspar  Correia  nas  Lendas  da  índia  (2)  deu  algumas  notícias 
àcêrca  dos  trabalhos  de  Zacuto  durante  a  sua  permanência  em 
Portugal,  e  que  êle  declara  terem  sido  escritas  em  i56i  (3);  estas 
notícias  são  em  resumo  o  seguinte. 

El  rei  D.  Manuel,  no  começo  do  seu  reinado  (i4g5-i52i), 
querendo  levar  a  efeito  o  descobrimento  da  índia,  cujos  prepara- 
tivos já  começara  el  rei  D.  João  II,  e  como  era  muito  inclinado  à 
astrologia  (estrolomia),  mandou  chamar  a  Beja  um  judeu  muito  seu 
conhecido,  que  era  grande  astrólogo,  chamado  Zacuto  (Çacuto) ; 
e  falando  com  êle  em  segredo,  encarregou-o  de  saber  se  o  acon- 
selhava a  empreender  o  descobrimento  da  índia.  O  judeu  tornou 
para  Beja,  e  depois  de  fazer  as  suas  diligências,  voltou  a  el  rei, 
e  o  informou,  que  a  província  da  índia  era  muito  afastada  de 
Portugal,  separada  por  longas  terras  e  mares,  povoada  de  gente 
preta,  e  em  que  havia  muitas  riquezas  e  mercadorias,  que  cor- 
riam por  diversas  partes  do  mundo ;  e  lhe  pronosticou  que  el  rei 
descobriria  a  mesma  índia,  e  em  breve  tempo  submeteria  ao  seu 
domínio  grande  parte  dela.  El  rei  deu-lhe  os  agradecimentos 
por  tão  boas  novas,  e  mandou-lhe  que  de  tudo  guardasse  segredo. 
El  rei  D.  Manuel  fez  capitão  dos  navios,  em  que  mandou  fazer  o 
descobrimento  da  índia,  a  Vasco  da  Gama,  o  qual  antes  de  sair 
de  Lisboa  falou  a  sós  com  o  judeu  Zacuto,  o  qual  lhe  deu  muitas 


(i)  Desta  preciosíssima  obra  existe  um  exemplar  na  Biblioteca  nacional  de  Lis- 
boa, reservado  n  "  169;  e  foi  descrita  por  António  Ribeiro  dos  Santos  nas  Memórias 
da  literatura  portuguesa,  tomo  iii,  p.  363-366. 

(2)  Gaspar  Correia  nasceu  nos  fins  do  século  xv,  embarcou  para  a  índia  em  i5i2, 
na  armada  de  que  era  capitão  Jorge  de  Melo  Pereira,  regressou  ao  reino,  passando  os 
anos  de  i526  a  1529  em  Lisboa ;  voltou  de  novo  para  a  índia,  e  faleceu  em  Goa,  não  se 
sabe  ao  certo  o  ano,  mas  entre  i56i  e  i583. 

(3)  Lendas  da  índia.  Lenda  de  João  da  Novaj  cap.  viii  (tom.  i,  p.  265). 


CII   

instruções  para  o  que  havia  de  fazer  no  caminho  (i).  Vasco  da 
Gama  partiu  de  Lisboa  a  25  de  março  de  1497,  ^  depois  de  che- 
gar a  Calicut,  na  índia,  regressou  ao  reino  em  setembro  de 
1499  (2).  El  rei  D.  Manuel,  porque  era  muito  inclinado  à  astro- 
logia (estrolomia)  praticava  muitas  vezes  com  o  judeu  Zacuto;  e 
no  ano  de  i5o2,  depois  da  chegada  da  armada  de  João  da  Nova, 
que  fora  à  índia,  não  tendo  encontrado  em  seu  caminho  tempo- 
ral contrário,  do  que  os  pilotos  não  sabiam  dar  razão,  Zacuto 
explicou  a  el  rei  que  a  causa  disto  era  a  diversidade  da  época 
das  estações  do  ano,  conforme  os  lugares,  em  que  navegavam, 
eram  situados  ao  norte  ou  ao  sul  da  linha  equinocial ;  e  infor- 
mou-o  de  que  êle  tinha  feito  observações  àcêrca  da  declinação 
do  sol  para  o  norte  e  para  o  sul  da  linha  equinocial,  e  de  quanto 
tempo  andava  para  um  e  outro  lado  da  mesma  linha,  e  até  onde 
chegava ;  e  que  de  tudo  fizera  um  regimento,  em  que  se  decla- 
rava, quanto  em  cada  dia  o  sol  estava  afastado  da  linha  equino- 
cial; de  tal  modo  que  os  navegantes,  que  em  qualquer  parte 
tivessem  vista  do  sol  ao  meio  dia,  ou  de  noite  vissem  a  estrela 
do  norte,  e  fazendo  conta  com  a  declinação  do  sol,  saberiam  o 
logar  em  que  estavam,  e  navegariam  por  todo  o  mar.  El  rei 
D.  Manuel  encarregou-o  de  continuar  os  seus  trabalhos,  prome- 
tendo fazer-lhe  muitas  mercês.  Zacuto  fez  um  regimento  da 
decUnação  do  sol  para  o  período  de  quatro  anos,  de  um  bisexto 
até  ao  seguinte,  por  meses  e  dias,  de  quanto  anda  o  sol  cada 
dia,  contando  de  meio  dia  a  meio  dia,  tanto  para  a  banda  do 
norte  da  linha  equinocial  como  para  o  sul  da  mesma  linha.  Fez 
também  um  instrumento  de  lâmina  (pasta)  de  cobre  com  suas 
divisões  e  régua  (alidade),  ao  qual  deu  o  nome  de  estrolabio^  por 
meio  do  qual  se  tomava  a  altura  do  sol.  O  mesmo  Zacuto  ensi- 
nou a  alguns  pilotos,  que  el  rei  designou,  a  maneira  de  tomar 
com  o  astrolábio  a  altura  do  sol  ao  meio  dia,  e  de  fazer  a  conta 

(i)  Gaspar  Correia,  Lendas  da  índia,  LenJa  de  Vasco  da  Gama,  cap.  iii,  (tom.  1, 

p.  9-M). 

(2)  Idem,  ibidem,  cap.  in  e  xxi  (tom.  i,  p.  i5  e  i38). 


cm 


(calculo)  do  logar  da  observação  pelas  taboadas  do  regimento; 
e  deu  também  umas  cartas  grandes  com  riscos  de  cores  diferen- 
tes com  os  nomes  dos  ventos  ao  redor  da  estrela  do  norte,  a  que 
poz  o  nome  de  agulha  de  marear.  Emfim  o  mesmo  Zacuto  ensi- 
nou também  a  maneira  de  tomar  o  ponto,  em  que  se  estava, 
pela  estrela  do  norte,  para  servir  quando  o  sol  estivesse  enco- 
berto. El  rei  D.  Manuel  teve  por  tudo  isto  grande  contenta- 
mento, e  fez  ao  judeu  Zacuto  grandes  mercês.  O  mesmo  Zacuto 
fugiu  depois  de  Portugal  com  outros  muitos  judeus,  e  foi  para 
Gulfó  [var.  Julfo)  (i),  onde  morreu  em  sua  erronia  (2). 

Estas  noticias  àcêrca  de  Zacuto,  escritas  por  Gaspar  Correia 
em  i56i  na  índia,  sessenta  anos  depois  dos  acontecimentos  que 
referem,  quando  já  todas  as  pessoas  que  tiveram  parte  neles  ou 
os  presencearam,  eram  falecidas,  e  em  logar  tão  distante  de  Por- 
tugal, onde  poucos  fidalgos  ou  pilotos  portugueses  haveria  que 
os  tivessem  ouvido  contar  em  primeira  voz,  tem  um  carácter 
pronunciadamente  lendário,  e  parecem  ter  sido  muito  desfigura- 
das por  confusão  das  pessoas  e  dos  acontecimentos.  Com  efeito 
nem  na  Historia  do  descobrimento  e  conquista  da  índia  pelos  Por- 
tugueses por  Fernão  Lopes  de  Castanheda,  nem  nas  Décadas  da 
Ásia  por  João  de  Barros,  nem  nas  Crónicas  dei  rei  D.  João  II 
por  Rui  de  Pina  e  Garcia  de  Resende,  nem  na  Crónica  dei  rei 
D.  Manuel  por  Damião  de  Góes,  se  faz  alusão  ao  regimento  da 
altura  do  sol  e  ao  astrolábio,  que  Gaspar  Correia  escreveu  que 
tinham  sido  feitos  por  Zacuto,  nem  aos  seus  ensinamentos  sobre 
a  navegação  dados  aos  pilotos  portugueses. 

Alguns  escritores  portugueses  do  século  x\i  conservaram  a 
memória  das  pessoas,  com  as  quais  el  rei  D.  João  II  e  D.  Ma- 
nuel determinavam  os  assuntos,  que  diziam  respeito  à  navega- 
ção, à  comosgrafía  e  aos  descobrimentos  marítimos;  mas  entre 
eles  não  é  nomeado  Zacuto. 

(1)  Golete,  próximo  de  Tunes  (?). 

(2)  Gaspar  Correia,  Lendas  da  índia,  Lenda  de  João  da  Nova,  cap.  viii  (tom.  i 
p.  261-295). 


o  P.  Francisco  Álvares,  na  Verdadeira  informação  das  terras 
do  Preste  João,  impressa  em  Lisboa  em  i  540,  diz  (cap.  Ciij)  que 
em  Ethiopia  Pêro  da  Covilhã  lhe  contara,  que  quando  el  rei 
D.  João  II  o  despachara  a  êle  e  a  Afonso  de  Paiva,  a  7  de  maio 
de  1487,  lhes  dera  uma  carta  de  marear,  tirada  do  mapamundo, 
e  que  foram  presentes  ao  fazer  desta  carta  o  licenceado  Calça- 
dilha,  que  depois  foi  bispo  de  Vizeu,  o  doutor  mestre  Rodrigo,  e 
o  doutor  mestre  Moisés,  que  aquele  tempo  era  judeu,  e  que  a 
carta  fora  feita  em  casa  de  Pêro  de  Alcáçova. 

João  de  Barros,  que  foi  feitor  da  casa  da  Mina,  conta  (Dé- 
cada I,  liv.  IV,  cap.  11),  que  el  rei  D.  João  II,  quando  se  aplicou  a 
continuar  os  descobrimentos  marítimos,  começados  pelo  infante 
D.  Henrique,  encomendou  o  negócio  da  navegação  a  mestre 
Rodrigo,  a  mestre  Josepe  judeu,  e  a  Martim  de  Bohemia,  que  se 
gloriava  de  ter  sido  discípulo  de  João  de  Monteregio,  os  quais 
acharam  a  maneira  de  navegar  por  todo  o  mar,  e  de  determinar  o 
logar  do  navio  tomando  a  altura,  do  sol  pelo  astrolábio,  e  que  fize- 
ram taboadas  da  declinação  do  sol.  O  mesmo  João  de  Barros  conta 
(Década  i,  liv.  iii,  cap.  xi),  que  el  rei  D.  Manuel  cometia  as  cousas 
que  diziam  respeito  à  cosmografia  e  aos  descobrimentos  maríti- 
mos a  D.  Diogo  Ortiz,  bispo  de  Cepta,  mestre  Rodrigo  e  mestre 
Josepe.  Emfim  Fernão  Lopes  de  Castanheda  na  História  do  des- 
cobrimento e  conquista  da  índia  pelos  Portugueses  (liv.  i,  cap.  11) 
diz  que  el  rei  D.  Manuel,  assim  como  sucedeu  no  reino  a  el  rei 
D.  João  II,  assim  também  lhe  sucedeu  nos  desejos  que  tinha  de 
descobrir  a  índia ;  e  logo  aos  dois  anos  depois  do  começo  do  seu 
reinado  entendeu  no  seu  descobrimento,  para  o  que  lhe  aprovei- 
taram muito  as  instruções  que  lhe  ficaram  dei  rei  D.  João  II,  e 
seus  regimentos  para  esta  navegação. 

O  licenceado  Calçadilha  era  D.  Diogo  Ortiz  de  Vilhegas,  que 
foi  sucessivamente  bispo  de  Tanger,  de  Ceuta  e  de  Vizeu  (i); 

(i)  D.  Diogo  Ortiz  de  Vilhegas  era  natural  de  Calçadilha,  no  reino  de  Leão;  foi 
filho  de  D.  Afonso  Ortiz  de  Vilhegas,  de  quem  descendem  em  Castela  os  Marquezes  de 
Vilar,  e  de  D.  Maria  da  Silva.    Veiu  para  Portugal  como  confessor  da  princesa  D.  Joana, 


—  cv  — 

mestre  Rodrigo  era  físico ;  e  mestre  Josepe  era  o  judeu  José  Vizi- 
nho, físico  dcl  rei  D.  João  II,  que,  como  já  se  disse,  traduziu  do 
hebreu  em  latim  o  livro  Biiir  Luhot  de  Zacuto,  que  foi  impresso 
em  Leiria  em  1496,  e  publicado  sob  o  título  de.Almanach  perpe- 
tuiim.  E  de  presumir  que  as  táboas  do  logar  do  sol  na  eclítica 
(longitude)  e  as  da  declinação,  que  faziam  parte  dos  regimentos 
dados  aos  pilotos  portugueses,  fossem  extraídas  do  Alvianach 
perpetiium,  e  que  a  isso  se  limitasse  a  interferência  de  Zacuto 
nos  descobrimentos  marítimos  dos  Portugueses. 

Em  1496  el  rei  D.  Manuel,  cedendo  às  solicitações  dos  reis 
de  Castela,  D.  Fernando  e  D.  Isabel,  mandou  sair  de  Portugal 
todos  os  judeus  que  se  não  convertessem  a  religião  cristã  (i). 


conhecida  na  história  pelo  título  de  Excelente  senhora ,  e  foi  muito  estimado  dos  reis 
D.  João  II  e  D.  Manuel. 

Em  7  de  maio  de  1487,  quando  el  rei  D.  João  II  despachou  Pêro  da  Covilhã  e 
Afonso  de  Paiva,  que  mandava  a  descobrir  as  terras  do  Preste  João  e  a  índia,  deu-lhes 
uma  carta  de  marear,  tirada  do  mapamundo,  que  foi  feita  em  casa  de  Pêro  de  Alcá- 
çova, sendo  presentes  o  licenceado  Calçadilha  (D.  Diogo  Ortiz  de  Vilhegas),  que  depois 
foi  bispo  de  Vizeu,  o  doutor  mestre  Rodrigo,  morador  às  Pedras  Negras,  e  o  doutor 
mestre  Moisés,  a  esse  tempo  judeu.  (Francisco  Alvares,  Verdadeira  informação  das 
terras  do  Preste  João,  cap.  ciii). 

Em  1491  el  rei  D.  João  II  deu  a  D.  Diogo  Ortiz  de  Vilhegas  o  cargo  de  prior  do 
Mosteiro  de  S.  Vicente  de  Fora,  e  o  nomeou  bispo  de  Tanger;  nesse  mesmo  ano  el  rei 
o  encarregou,  conjuntamente  com  mestre  Rodrigo  e  mestre  Josepe  judeu,  de  examinar 
os  planos  de  navegação  que  lhe  viera  propor  Cristovam  Colombo.  Por  carta  de  11  de 
novembro  de  1494  foi  nomeado  provedor  mor  de  redenção  dos  cativos,  e  capelão  mor 
da  capela  que  nessa  ano  ordenara.  Em  zq  de  setembro  de  1495  assistiu  em  Alvor  à 
morte  dei  rei  D.  João  II,  o  qual  tanto  confiava  dele,  que  em  seu  testamento  recomendava 
ao  duque  de  Beja  (el  rei  D.  Manuel},  que  no  cumprimento  dele  se  aconselhasse  com 
D.  Diogo  Ortiz  de  Vilhegas. 

D.  Diogo  Ortiz  foi  transferido  do  bispado  de  Tanger  para  o  de  Ceuta ;  não  se  sabe 
ao  certo  o  ano,  mas  foi  antes  de  i3  de  março  de  1S04;  e  por  bula  de  27  de  junho  de 
1405  foi  nomeado  bispo  de  Vizeu.  El  rei  D.  Manuel  o  encarregou  do  ensino  e  educa- 
ção de  seu  filho  o  princepe  D.  João  depois  rei.  D.  Diogo  Ortiz  de  Vilhegas  faleceu  em 
Almeirim  em  iSiq,  e  foi  sepultado  no  convento  de  Santa  Maria  da  Serra  da  ordem  de 
S.  Domingos.  Era  considerado  no  seu  tempo  por  letrado  muito  instruído  e  grande 
teólogo  ;  escreveu  :  História  da  paixão  segundo  os  quatro  Evan>{elistas,  e  Rudium 
cathecismum  pentadecadeni,  pequeno  catecismo  da  doutrina  cristã ;  e  ambas  estas  obras 
foram  impressas.  (Visconde  de  Paiva  Manso,  História  eclesiástica  ultramarina,  tomo  i, 
Lisboa,  1872,  p.  40-42  e  62-65). 

(i)  Damião  de  Góes,  Crónica  dei  rei  D.  Manuel,  primeira  parte,  cap.  xviii,  xx  e  xxi. 


Zacuto  com  seu  filho  Samuel  saiu  do  reino,  provavelmente  em 
1497,  ^  passou  a  Tunes,  onde  viveu  alguns  anos.  Em  i5o4, 
Zacuto,  durante  a  sua  residência  em  Tunes,  escreveu  uma  obra, 
que  intitulou  Sefer  ha-Juhasm,  Livro  de  genealogias,  compreen- 
dendo a  história  cronológica  dos  Judeus,  desde  a  creação  do 
mundo  até  i5oo.  Quando  os  Castelhanos  tomaram  a  cidade  de 
Tunes,  Zacuto  abandonou  a  mesma  cidade,  e  passou  a  Turquia, 
onde  viveu  até  ao  seu  falecimento,  que  foi  depois  de  i5io. 

O  Sefer  ha-Juhasin  foi  publicado  por  Samuel  Salom,  com 
muitas  omissões  e  adições  suas,  em  Constantinopla,  em  i566;  e 
foi  reimpresso  em  Cracóvia  em  i58o;  em  Amsterdam  em  17 17; 
em  Kõnigsberg  em  1857;  a  edição  completa  da  mesma  obra  foi 
publicada  em  Londres  em  1857. 

Zacuto,  no  seu  livro  Sefer  ha-Juhasin,  faz  menção  da  tomada 
de  Cepta  por  el  rei  D.  João  I  nos  seguintes  termos  (ed.  de  Cra- 
cóvia, 1 58o,  foi.  i34,a)(i): 

niiuT'  11DM  m  p  D12D  ^Ti  b:'  ri':s5  iiuí*  vcdTO 
diu  sp^-iDST  i<i^Vt2i22p  V^  ^Dmwn  "lapn  wj, 

sti^piuiapia  1X3  niiDíí  D-iiin-^m  ■D■'01D^<rl  í:spia 

«E  no  ano  de  [5]  175  [E.  M.],  D.  João,  rei  de  Portugal,  tomou 
a  cidade  de  Cepta,  a  qual  foi  edificada  por  mão  de  Sem,  filho  de 
Noé;  ella  está  situada  no  mar  do  Estreito,  que  faz  a  separação 
entre  Castela  e  África;  e  ali  a  largura  do  mar  é  de  três  parasan- 
gas;  dizem,  que  [el  rei  D.  João]  a  tomou,  porque  recebeu  os  per- 
seguidos e  os  Judeus  de  Castela.  E  [D.  João]  reinou  oitenta 
anos.» 

(i)  A  cópia  desta  passagem,  com  tradução  inglesa,  foi-nos  comunicada  obsequiosa- 
mente pelo  sr.  L.  D.  Barnet,  conservador  (Keepei)  da  secção  de  livros  orientais,  im- 
pressos e  manuscritos,  do  Museu  Britânico. 


CVII   — 

Esta  passagem  foi  citada,  mas  truncada,  por  M.  Kayserling 
na  sua  História  dos  Judeus  em  Portugal  (i). 

Esta  notícia  merece  especial  consideração  por  ser  dada  por 
um  escritor  estrangeiro,  que  residiu  alguns  anos  em  Portugal; 
contudo  as  informações  que  contem  necessitam  de  explicação. 

I  .*  Zacuto  reíere-se  à  tradição,  segundo  a  qual  a  cidade  de 
Cepta  foi  fundada  por  Sem,  filho  de  Noé.  Gomes  Eannes  de 
Zurara  na  Crónica  da  tomada  de  Cepta  (cap.  ii)  diz  que  Ahilavez 
(Abul  Abbas),  escritor  árabe,  conta  que  a  cidade  de  Ceuta  foi 
fundada  por  Sem,  neto  (sic)  de  Noé,  282  anos  depois  do  dilúvio, 
isto  é,  no  ano  559  +  233  =  792  E.  M. 

2."  Zacuto  informa,  que  o  estreito  do  mar,  que  faz  a  separa- 
ção entre  Castela  e  Africa,  tem  a  largura  de  três  parasangas. 
Segundo  Maçudi  e  Yacut,  o  grau  de  globo  terrestre  valia  2  5  para- 
sangas (2) ;  e  tomando  para  comprimento  do  grau  o  valor  1 1 0800°, 
a  parasanga  valia  4432™.  A  largura  do  estreito  era  pois  de 
13296™,  segundo  a  estimativa  dos  marinheiros  do  século  xv  (3). 

2i.''  Zacuto  informa  que  D.  João,  rei  de  Portugal,  tomou  a 
cidade  de  Cepta  porque  recebeu  os  perseguidos  e  os  Judeus  de 
Castela.  A  palavra  d-iDí:^,  que  L.  D.  Barnet  traduziu  por  j^eríÉ?- 
cuted,  segundo  J.  Benoliel  diz-se  dos  Judeus  portuguezes,  hespa- 
nhois,  etc.  que  foram  obrigados  a  converter-se  ao  cristianismo. 
Em  arameu  03^*  significa  arrancar,  arrebatar,  forçar,  obrigar  (Dal- 
man,  Aramãiches-neuhebrãisches  Worterbuch,  s.  v.).  Não  nos  foi 
possível  averiguar,  que  gentes  quiz  Zacuto  designar  pela  palavra 
COijí*;  Gomes  Eannes  de  Zurara  somente  menciona  entre  os 
estranjeiros  que  vieram  oferecer-se  a  el  rei  D.  João  I  no  tempo, 
em  que  preparava  a  frota  para  ir  contra  a  cidade  de  Ceuta,  um 

(i)  Geschichte  der  Juden  in  Portugal,  vou  Dr.  M.  Kayserling,  Berlin,  iS^iy,  p.  44, 
nota  I. 

(2)  Decourdemanche,  Note  sur  Vestimation  de  la  longueur  dii  dégré  terrestre,  no 
Journal  Asiatique,  xi  série  (ioi3j,  turno  1,  p.  431-432. 

(3)  A  largura  mínima  do  Estreito  de  Gibraltar,  entre  a  Punta  Canales  e  a  Punta 
Cires,  é  de  i3  kilómetros.  (Vivien  de  Saint-Martin,  Nouveau  Dictionaire  de  góogra- 
phie  univerxelle,  tomo  11,  Paris,  1884,  s.  v.  Gibraltar  Detroit. 


grande  duque  de  Alemanha  e  um  barão  (cap.  xxxiij),  três  grandes 
fidalgos  da  casa  (rial)  de  França  (cap.  xxxiij),  um  rico  cidadão  de 
Inglaterra  (cap.  1);  e  também  foi  na  frota  um  inglês  criado  da 
rainha  D.  Filipa.  Quanto  aos  Judeus,  que  por  aquele  tempo 
vieram  de  Castela  para  Portugal,  nenhuma  notícia  encontramos; 
é  pois  possível  que  Zacuto  tenha  confundido  os  sucessos  do  rei- 
nado dei  rei  D.  João  II  com  os  de  D.  João  I,  e  mencionasse  os 
Judeus  entre  as  gentes  que  tomaram  parte  na  tomada  de  Ceuta, 
levado  do  zelo  de  exaltar  a  gente  da  sua  nação. 

4.^  Como  Kayserling  já  observou  (i),  a  indicação  dada  por 
Zacuto,  relativa  à  duração  do  reinado  dei  rei  D.  João  I,  é  inexacta ; 
e  por  isso  propoz,  que  em  vez  de  phe  (S5  =  80),  se  leia  nun  (d=  5o), 
pois  que  D.  João  I  reinou  cerca  de  cincoenta  anos,  desde  6  de 
abril  de  i385  a  14  de  agosto  de  1483,  em  que  faleceu  na  idade 
de  setenta  e  seis  anos. 


(t)  Geschichte  der  Juden  in  Portugal,  von  Dr.  M.  Kayserling,  Berlin,  1867,  p.  44, 
nota  I. 


índice  das  matérias 


Pâg 

Introdução v 

Vida  de  Gomes  Eannes  de  Zurara vii 

Manuscritos lxxv 

Impressões xcm 

Apêndice  I.  —  Documento  VI-A —  i3  de  dezembro  de  1455 xcvii 

Apêndice  II  — Noticia  da  tomada  de  Ceuta  dada  por  Abraham  Ben  Samuel  Zacuto, 

escritor  judeu  no  princípio  do  século  xvi xcix 


TABOADA  DOS  CAPÍTULOS 

Prologo.    Capitullo  primeiro 3 

O  principio  da  estoria.    Capitullo  ij 8 

Como  o  autor  declara  as  rrezões  por  que  esta  força  foy  começada  tam  tarde.  Ca- 
pitullo iij II 

Da  tenção  que  elRey  ouue  de  mandar  rrequerer  as  pazes  a  Castella.  Capi- 
tullo iiij 14 

Como  os  embaxadores  forom  a  Castella  e  da  rresposta  que  ouuerom.    Capitullo  v.         16 

Como  os  embaxadores  tornarem  de  Castella.  e  como  as  pazes  forom  deuulgadas 

per  todallas  partes  do  rregno.     Capitullo  vj ig 

Como  elRey  Dom  Joham  enuiou  rrequerer  ao  Iffante  Dom  Fernando  a  conquista 

de  Grada.    Capitullo  vij 23 

Como  elRey  tinha  vontade  de  fazer  grandes  festas  em  Lixboa  pêra  fazer  seus 
filhos  caualeiros.  e  como  os  Iffantes  falaram  acerqua  dello  antre  sy  que  seme- 
lhante maneira  de  cauallaria  nam  era  honrrosa  pêra  elles.     Capitullo  viij  .   .         24 

Como  Joham  Aflbnso  veedor  da  fazenda  falou  aos  Iffantes  na  cidade  de  Cepta  e 

como  os  Iffantes  falaram  a  seu  padre.    Capitullo  ix 26 

Como  elRey  disse  que  nam  queria  detreminar  nenhuúa  cousa  daquelle  feito  ata 
que  soubesse  se  era  seruiço  de  Deos  de  se  fazer  e  como  mandou  chamar  os 
letrados  pêra  o  saber.    Capitullo  x 3o 


—  cx  

Pág. 

Como  os  letrados  tornaram  com  rreposta  a  elRey  dizendo  que  era  seruiço  de 

Deos  de  se  tomar  a  cidade  de  Cepta.     Capitullo  xj 34 

Como  elRey  moueo  outras  duviidas  que  tijnha  pêra  filhar  aquells  cidade.  Capi- 
tullo xij 38 

Como  os  Iffantes  fallaram  amtre  ssy  açerqua  daquellas  duuidas  e  da  rreposta 

que  trouuerom  a  elRey.    Capitullo  xiij 42 

Em  como  elRey  mamdou  chamar  o  IfFamte  Dom  Hamrrique,  e  das  rrezoões  que 

lhe  disse,  e  como  determinou  de  hir  tomar  a  cidade.     Capitullo  xiiij  ....         46 

Como  o  Iffamte  Dom  Hamrrique  leuou  as  nouas  a  seus  jrmaãos  e  do  gramde 

prazer  que  ouueram.     Capitullo  xv 48 

Como  elRey  mandou  chamar  o  priol  do  Esprital  e  o  capitam  e  do  que  lhes  disse 

que  auiam  de  fazer.    Capitullo  xvj 5 1 

Como  o  prioll  e  o  capitam  partiram  de  Lixboa  e  da  embaxada  que  leuauam  e 

das  cousas  que  fezerom  em  sua  uiagem.     Capitullo  xvij 54 

Como  os  embaxadores  tornaram  e  da  rreposta  que  trouueram.    Capitullo  xviij.         58 

Como  elRey  disse  a  seus  filhos  que  duuidaua  mujto  começar  aquelle  feito,  amte 

de  o  saber  primeyramente  a  Rainha  e  o  comdestabre.     Capitullo  xix 60 

Como  a  Rainha  fallou  a  elRey  no  rrequerimento  de  seus  filhos,  e  da  rreposta 

que  lhe  elRey  açerqua  dello  deu.     Capitullo  xx 62 

Como  elRey  pollo  presemte  nom  quis  determinar  aa  Rainha  que  elle  auia  de 
hir  em  aquelle  feito,  e  como  loguo  mamdou  emcaminhar  as  cousas  que  per- 
teeçiam  pêra  a  frota.    Capitullo  xxj 66 

Como  elRey  e  os  Iffamtes  determinaram  a  maneyra  per  que  sse  auia  de  fallar  ao 

comde  naquelle  feito,  e  como  lhe  foy  fallado  e  per  que  guisa.    Capitullo  xxij .         68 

Como  elRey  começou  dauiar  mais  trigosamente  sua  hida,  e  como  os  Iffamtes 
tornaram  dEuora,  e  como  sse  os  Iffamtes  Dom  Pedro  e  Dom  Hamrrique  par- 
tiram pêra  suas  terras  e  das  cousas  que  lia  fezerom.     Capitullo  xxiij 72 

Como  sse  os  Iffamtes  forom  todos  três  a  Samtarem,  e  da  maneyra  que  teueram 
em  seu  caminho,  e  do  que  fallaram  a  seu  padre  tamto  que  forom  homde  elle 
estaua.    Capitullo  xxiiij 74 

Como  elRey  mamdou  chamar  os  do  seu  comsselho,  e  como  os  Iffamtes  torna- 
ram aa  corte,  e  das  cousas  que  o  Iffamte  Dom  Hamrrique  rrequereo  a  seu 
padre.    Capitullo  xxv. 76 

Como  elRey  tomou  juramento  aos  do  comsselho,  e  per  que  guisa,  e  das  palla- 

uras  que  lhe  disse  acerca  de  seu  propósito.     Capitullo  xxvj 78 

Como  o  comdestabre  rrespomdeo  primeiro  em  aquelle  comsselho,  e  das  rrezões 
que  disse,  e  como  ho  IfFamte  Duarte  e  seus  jrmaãos  rresponderom  e  per 
que  maneira.     Capitullo  xxvij 81 

Como  elRey  teue  comsselho  sobre  ho  emcubrimento  daquelle  propósito,  e  como 
foi  determinado  que  mandasse  desafiar  o  duque  dOlamda,  e  a  maneyra  que 
elRey  teue  naquelle  desafio.    Capitullo  xxviij 83 

Como  Fernam  Fogaça  tornou  com  a  rreposta  de  sua  embaxada,  e  como  sse  as 
cousas  passaram  açerqua  do  corregimento  da  frota  em  quamto  elle  fez  sua 
uiagem.     Capitullo  xxix 87 

Como  elRey  escpreueo  aos  fidallguos  que  sse  fezessem  prestes  pêra  hirem  com 
seus  filhos,  e  do  gramde  trafego  que  emtom  era  no  rregno  açerqua  daquelle 
corregimento.    Capitullo  xxx 90 

Como  em  Castella  ouueram  estas  nouas,  e  do  comsselho  que  açerqua  dello  teue- 


—    CXI   — 

Pág. 

ram,  e  como  determinaram  demuiar  a  elRey  seus  embaxadores  pera  firma- 
rem as  pazes.    Capitullo  xxxj 93 

Como  aquelles  embaxadores  uieram  a  Portugall,  e  como  deram  aquella  emba- 
xada  a  eIRey,  e  da  rreposta  que  ouuerom,  e  como  Dia  Samchez  morreo,  e 
como  sse  o  bispo  tornou  pera  sua  terra.    Capitullo  xxxij 97 

Como  elRey  dAragam  emuiou  seus  embaxadores  a  elRey,  e  da  rreposta  que  leua- 
rom,  e  como  em  este  tempo  uieram  algúus  estramgeiros  offereçersse  a 
elRey,  e  da  maneira  que  com  elles  teue.     Capitullo  xxxiij loi 

Como  os  embaxadores  delRey  de  Graada  uieram  a  elRev,  e  do  que  lhe  rreque- 
reram,  e  como  traziam  rrecado  delRey  ao  Iffamte  Duarte,  e  das  cousas  que 
lhe  promettiam.    Capitullo  xxxiiij io5 

Como  o  Iffamte  Dom  Hamrrique  ueo  depois  de  janeiro  fallar  a  seu  padre,  e 
como  sse  tornou  pera  o  Porto,  e  da  maneira  que  teue  em  sua  armaçom.  Ca- 
pitullo XXXV 109 

Como  elRey  escpreueo  ao  Iffamte  Dom  Hamrrique  que  partisse  com  sua  frota, 

e  como  o  Iffamte  partio,  e  a  hordenamça  que  leuaua.    Capitullo  xxxvj  ...       ii3 

Como  Affomso  Eannes  chegou  aos  Iffamtes  com  as  nouas  da  doemça  da  Rainha, 
e  como  por  aquelle  aazo  aquelle  gramde  prazer  em  que  estauam,  foi  tor- 
nado em  tristeza.     Capitullo  xxxvij 116 

Como  elRey  disse  aa  Rainha  determinadamente  sua  emtemçom,  e  da  rreposta 
que  lhe  a  Rainha  deu,  e  como  por  aazo  algúus  que  alli  adoeceram  de 
pestenemça  elRey  partio  pera  o  moesteiro  dOdiuellas,  e  como  a  Rainha 
ficou  pera  acabar  suas  deuaçoões,  e  como  em  aquelle  dia  adoeçeo.  Capi- 
tullo XXXviiij ijj 

Como  o  Iffamte  Dom  Hamrrique  e  o  comde  Dom  Affomso  chegaram  a  Odiuellas, 

e  como  sse  a  door  acreçemtou  na  Rainha.     Capitullo  xxxix 122 

Como  a  Rainha  auia  uerdadeiro  conhecimento  da  sua  morte,  e  das  obras  que 

açerqua  dello  fazia,  e  como  deu  o  lenho  da  cruz  a  seus  filhos.    Capitullo  R.       i25 

Como  a  Rainha  deu  as  espadas  aos  Iffamtes,  e  das  rrezoões  que  lhes  disse  a  cada 

húu,  quando  lhe  daua  a  sua  espada.     Capitullo  Rj 126 

Como  a  Rainha  tomou  a  fallar  outra  uez  ao  Iffamte  Duarte,  e  lhe  emcomemdou 
os  Iffamtes  seus  jrmaãos  e  Briatiz  Gomçalluez  de  Moura  e  Meçia  Vaaz  sua 
filha,  e  assy  todallas  outras  suas  cousas.    Capitullo  Rij 129 

Como  o  Iffamte  Dom  Pedro  rrequereo  aa  Rainha,  que  fosse  sua  merçee  de  lei- 
xar  suas  terras  aa  Iffamte  sua  jrmãa,  e  como  lhe  forom  outorgadas.  Capi- 
tullo Riij i32 

Como  os  Iffamtes  pidiram  a  elRey  que  sse  partisse  dalli,  e  do  comsselho  que 
açerqua  dello  teueram,  e  as  uisoões  que  a  Rainha  uio  amte  de  sua  morte. 
Capitullo  Riiij i34 

Como  a  Rainha  foy  comumgada  e  humgida,  e  como  fez  fim  do  derradeiro  termo 
de  seus  dias,  e  como  o  autor  diz  que  em  ella  auia  compridamente  todallas 
quatro  uirtudes  cardeaaes.    Capitullo  Rv i38 

Como  ho  autor  faz  deuisom  das  uirtudes,  e  como  diz  que  sse  os  Iffamtes  pani- 

ram  daquelle  moesteyro  pera  Restello.    Capitullo  Rvj 141 

Como  os  Iffamtes  teueram  seu  comsselho  açerqua  dos  feitos  primeiros,  e  como 
forom  falliir  a  elRey,  e  tornarora  outra  uez  a  teer  comsselho  aaquella  aldeã. 
Capitullo  Rvij 144 

Como  os  Iffamtes  e  três  dos  outros  do  comsselho  tornaram  a  fallar  a  elRey  em 


a  determinaçam  de  seus  acordos,  e  das  rrezoões  que  elRey  açerqua  dello 
disse,  e  como  finallmente  determinou  a  partida.    Capitullo  Rviij 147 

Como  sse  os  líTamtes  tornarom  a  Restello,  e  do  auiamento  que  derom  a  todallas 

cousas  que  perteeçiam  a  sua  uiagem.    Capitullo  Rix 149 

Como  elRey  partio  dAlhos  Vedros  na  gallee  do  comde  de  Barçellos,  e  sse  ueo 
lamçar  a  Restello,  e  como  no  dia  seguimte  se  foy  com  sua  frota  amcorar 
açerqua  de  samta  Caierina.     Capitullo  L i52 

Como  elRey  em  aquelle  dia  que  partio  fez  sua  oraçom  muy  deuotamente,  e  das 

cousas  que  em  ella  pidio.     Capitullo  Lj ....       i55 

Como  o  meestre  frey  Joham  Xira  preegou  amte  a  uista  de  todo  o  pouoo,  e  das 

rrezoões  que  disse.    Capitullo  Lij i56 

Como  o  meestre  pruuicou  a  cruzada,  e  como  per  sua  autoridade  assolueo  todos 

de  culpa  e  pena.    Capitullo  Liij 160 

Como  elRey  partio  de  Lagos  e  sse  foy  a  Faaram,  e  como  dalli  seguio  seu  cami- 
nho ataa  que  chegou  com  toda  sua  frota  amte  as  Aljaziras.     Capitullo  Liiij .       1G4 

Como  a  frota  chegou  toda  ante  as  Aljaziras,  e  como  aly  veo  Pêro  Fernan- 
dez  Portocarreiro  e  os  mouros  de  Gibaltar  trazer  seruiços  a  elRey.  Capi- 
tullo Lv i65 

Como  elRey  teue  conselho  se  leuaria  logo  sua  frota  sobre  a  cidade,  e  como  aly 

Paro  Fernandez  mandou  enforcar  hum  almogauere  de  Graada.    Capitullo  Lvj.       168 

Como  elRey  mandou  passar  as  gallees  da  outra  parte  de  Barbaçote,  e  do  conse- 
lho que  elle  teue.     Capitullo  Lvij     ...       169 

Como  o  autor  falia  nas  grandes  diuisoões  que  auia  antre  os  mouros  da  cidade, 

e  das  cousas  que  uconteçerom  no  outro  anno  passado.     Capitullo  Lviij.   .   .        171 

Como  a  frota  por  azo  da  tormenta  tornou  outra  vez  aas  Aljaziras,  e  como  ao 

dobrar  o  cabo  dAlmina  as  gallees  forom  em  grande  prigo.    Capitullo  Lix.  .       174 

Da  maneira  que  os  mouros  teuerom  depois  que  a  frota  partio,  e  como  se  em  ello 
pode  consirar  que  Deos  soomente  foi  aquelle  que  trouxe  a  fim  da  vitoria. 
Capitullo  Lx 176 

Da  visam  que  Fernam  dAluarez  Cabral  vio  açerqua  do  acontecimento  do  Iffante, 

e  das  rrezões  que  sçerca  delo  dezia.     Capitullo  Lxj 178 

Como  elRey  teue  seu  conselho  se  tomaria  outra  vez  sobre  a  cidade  de  Capta,  e 

das  rrezoões  que  se  no  dito  conselho  passaram.     Capitullo  Lxij 180 

Como  os  outros  do  conselho  disserom  a  terceira  rrezam,  e  como  por  elRey  foy 
determinado  a  ponta  do  Carneiro  que  queria  jr  sobre  a  cidade  de  Cepta. 
Capitullo  Lxiij i83 

Como  elRey  ajmda  teue  comsselho  açerqua  do  filhar  da  terra  homde  seria,  e 

das  rrazoões  que  disse  ao  Iffamte  Dom  Hamrrique.     Capitullo  Lxiiij i85 

Como  a  frota  partio  pêra  hir  sobre  a  cidade  de  Cepta,  e  das  rrazoões  que  os  es- 
cudeiros do  Iffamte  Dom  Hamrrique  ouuerom  com  elle.     Capitullo  l.xv  .   .        187 

Como  o  Iffamte  Dom  Hamrrique  rrespomdeo  aquelles  escudeiros,  e  como  a  frota 

chegou  dauamte  a  cidade.     Capitullo  Lxvj 189 

Como  os  da  frota  traziam  per  essa  meesma  guisa  lume  per  sseus  nauíos,  e  das 

temçoões  que  amtre  ssi  auiam.     Capitullo  Lxvij 190 

Como  no  dia  seguimte  os  mouros  e  os  christaãos  trabalhauam  em  seus  feitos. 

Capitullo  Lxviij 193 

Como  eIRey  mamdou  aparelhar  huCa  galleota,  em  que  amdou  auisamdo  todoUos 

capitaães  da  frota  da  maneira  que  ouuessem  de  teer      Capitullo  Lxix.   ...        195 


CXIII    

Pág. 

Como  Çalla  bem  Çalla  estaua  muy  anoiado,  ueemdo  como  a  determinaçam  del- 

Rey  de  todo  era  filhar  terra  amte  os  muros  de  sua  cidade.  Capitullo  Lxx  .  197 
Como  Martim  Paaez  capellam  moor  do  Iffamte  Dom  Hamrrique  fallou  alguuas 

rrezoões  em  presemça  de  todos.     Capitullo  Lxxj 199 

Como  o  batell  de  Joham  Fogaça  foy  o  primeiro  que  sayofora,  e  como  Ruy  Gom- 

çalluez  filhou  primeiramente  terra  e  desi  todollos  outros.  '  Capitullo  Lxxij  .  202 
Como  as  nouas  chegaram  a  Çalla  bem  Çalla  de  como  os  christaãos  eram  demtro 

na  cidade.     Capitullo  Lxxiij 2o5 

Como  os  Iffamtes  partiram  dally,  e  das  rrazoões  que  lhe  Joham  Affomsso  ueedor 

do  fazemda  disse  quamdo  chegou  a  elles.     Capitullo  Lxxiiij 207 

Como  o  Iffamte  Duarte  foi  filhar  a  altura  do  Cesto,  e  o  IflTamte  tornou  aa  rrua 

dereita.    Capitullo  Lxxv 209 

Como  elRey  e  o  IfFante  Dom  Pedro  com  todollos  outros  daquella  frota  filharam 

terra,  e  como  Gonçallo  Lourenço  de  Gomide  foy  caualeiro  chegando  aa 

porta  da  cidade.     Capitullo  Lxxvj 211 

Do  gramde  trafego  que  auia  na  cidade,  e  da  maneira  que  os  mouros  lijnham  em 

seu  defemdimento.     Capitullo  Lxxvij 2i3 

Como  o  Iffamte  Dom  Hamrrique  tornou  aa  rrua  dereita,  e  das  cousas  que  alli 

fez.     Capitullo  Lxxviij 214 

Como  o  Iffamte  pelleiou  alli  muy  gramde  pedaço,  e  como  Fernam  Chamorro 

foy  derribado.    Capitullo  Lxxix 216 

Como  o  Iffamte  ali  esteue  duas  oras  amtre  aquelles  muros,  e  das  rrezoões  que 

o  autor  poõe  açerqua  de  sua  fortelleza.    Capitullo  Lxxx 219 

Como  todos  pemssauam  que  o  Iffamte  era  morto,  e  como  nehúu  nom  ousaua  de 

passar  aaquella  porta  com  temor  dos  mouros,  que  estauam  sobre  os  muros. 

Capitullo  Lxxxj 220 

Como  Garcia  Moniz  filhou  atreuimento  de  passar  aquella  porta  pêra  hir  buscar 

o  Iffamte,  e  das  rrezoões  que  lhe  disse.     Capitullo  Lxxxij 222 

Como  o  Iffamte  tornou  outra  vez  aaquelle  lugar  domde  amte  partira,  e  como  os 

mouros  leixarom  de  todo  o  castello.    Capitullo  Lxxxiij 224 

Como  o  Iffamte  Dom  Hamrrique  chegou  omde  estauam  seus  jrmaãos,  e  como 

Vaasco  Fernamdez  dAtayde  foy  morto.    Capitullo  Lsxxiiij 227 

Como  elRey  mamdou  chamar  ho  Iffamte  Dom  Hamrrique,  e  das  rrazoões  que 

lhe  disse.     Capitullo  Lxxxv 229 

Como  Joham  Vaaz  dAlmadaã  foy  poer  a  bamdeira  da  cidade  de  Lixboa  sobre 

as  torres  do  castello,  e  jsso  meesmo  o  comde  Dom  Pedro  leuou  a  bamdeyra 

do  Iffamte  aa  torre  de  Feez.     Capitullo  Lxxxvj 23 1 

Como  ho  autor  declara  o  tempo  em  que  a  cidade  foy  tomada,  e  quaaes  eram  os 

trabalhos  dos  homees  naquella  noute.     Capitullo  Lxxxvij 233 

Como  os  christaãos  em  aquella  noute  traziam  amtre  ssy  desuayradas  ocupaçoões. 

Capitullo  Lxxxviij 235 

Do  gramde  pramto  que  os  mouros  faziam  sobre  a  perdiçom  da  sua  cidade.  Ca- 
pitullo Lxxxix 237 

Como  elRey  emuiou  seu  rrecado  a  Martim  Fernamdez  Portocarreyro  alcayde 

de  Tarifa  por  lhe  noteficar  sua  uitoria.     Capitullo  LR 241 

Como  mamdou  elRey  Joham  Escudeiro  aa  casa  delRey  Dom  Fernamdo  dAra- 

gam  e  depois  Aluoro  Gomçalluez  da  Maya,.e  das  cousas  que  lhe  emuiou 

dizer.    Capitullo  I.Rj 242 


CXIV    

Pág. 

Como  ho  autor  falia  na  gramde  mortijmdade,  que  sse  fez  em  os  mouros  naquelle 

dia.    CapituUo  LRij 244 

Como  os  mouros  no  outro  dia  olhauam  os  muros  de  Cepta,  e  das  rrezoões  que 

deziam  em  seu  louuor.     Capitullo  LRiij 247 

Como  os  outros  mouros  se  uieram  açerqua  da  cidade,  e  da  escaramuça  que  tra- 
uaram  com  os  christaãos,  e  como  o  Iffamte  Duarte  sayo  a  elles.  Capi- 
tullo LRiiij 25o 

Como  elRey  mamdou  chamar  o  seu  capellam  moor,  e  das  rrezoões  que  lhe 

disse.     Capitullo  LRv 25 1 

Como  o  meestre  frey  Joham  Xira  preegou,  e  como  os  IfFamtes  forom  feitos  ca- 

ualleiros.    Capitullo  LRvj 253 

Como  elRey  teue  seu  comsselho  acerca  da  guarda  da  cidade.     Capitullo  LRvij  .       257 

Como  algúus  daquelles  do  comsselho  rresponderam  a  elRey.    Capitullo  LRviij  .       259 

Como  elRey  determinou  todauia  de  mamteer  a  cidade,  e  como  daua  emcarrego 

delia  a  Martim  AfTomsso  de  Meello.     Capitullo  LRix 261 

Como  o  comde  Dom  Pedro  rrequereo  aquella  fromtaria,  e  quaaes  forom  os  que 

alli  ficarom.     Capitullo  C 262 

Como  elRey  partio  de  Cepta  e  chegou  ao  Algarue,  e  como  fez  em  Tauilla  seus 

filhos  duques.     Capitullo  Cj 265 

Como  elRey  despachou  alli  todos,  e  lhes  fez  merçee  agradeçemdolhes  mujto  seus 

gramdes  trabalhos.    Capitullo  Cij 267 

Como  elRey  partio  do  Algarue  e  chegou  a  Euora,  e  do  rreçebimento  que  lhe  foi 

feito.    Capitullo  Ciij 269 

Como  ho  autor  mostra  que  todallas  cousas  deste  mundo  falleçem,  ssenam  a 

escpritura.    Capitullo  Ciiij 271 

Capitullo  Cv,  no  quall  o  autor  da  graças  a  Deos  em  fim  de  sua  obra 274 

índice  dos  nomes  próprios  de  pessoas 277 

índice  dos  nomes  próprios  geográficos 283 


DOCUMENTOS 

I. — 22  de  dezembro  de  1449 287 

II.  —  21)  de  março  de  1451 » 

III.  —  14  de  julho  de  1452. —  Carta  de  quitaçam  a  Joham  Roíz  Carualho  de  todol- 

los  dinheiros  que  rreçebeo  em  Framdes  homde  foy  emuyado 288 

IV.  —  23  de  fevereiro  de  1453.  —  Carta  que  Gomes  Eannes  da  Zurara  comenda- 
dor da  bordem  de  Cbristo  screueo  ao  Senhor  Rey  quando  lhe  enuyou  este 

liuro  [Crónica  da  conquista  de  Guiné] 289 

V.  —  6  de  junho  de  1454 291 

VI.  —  23  de  agosto  de  1454 » 

VII.  —  7  de  agosto  de  1459 •    .    .   .   .       292 

VIII.  —  9  de  agosto  de  1459.  —  A  Gomes  Eanes  de  Zurara  licença  pêra  fazer 
quaaes  quer  obras  e  corregimentos  que  elle  quizer  em  huíjas  casas  delRey 
que  som  nesta  cidade  de  Lixboa  a  porta  dos  paços  as  quaaes  elle  e  seus  her- 
deiros teram  e  lhe  nam  seiam  tiradas  atee  lhe  nam  seer  paguo  o  que  nellas 
despemder 293 


Pig- 

IX.  —  1459.  [Termo  de  abertura  da  Chancelaria  de  D.  Pedro  I] 294 

X. —  II  de  junho  de  14C0.  — Carta  do  senhor  Dom  Pedro  Mestre  de  Auis,  e 

que  depois  foi  Rey  de  Aragão  filho  do  Infante  Dom  Pedro  a  Guomez  Eanes 

de  Zurara  caronista  e  guarda  mor  da  Torre  do  Tombo  escrita  per  sua  mão.       294 

XI.  —  6  de  fevereiro  de  1461.  —  Gomes  Eanes  de  Zurara  confirmaçam  de  perfi- 

Ihaçam  e  doaçam  que  lhe  fez  Maria  Annes  pilliteira  de  húu  lugar  que  ella 

tijnha  em  Ribatejo  homde  chamam  Vali  bom 2q5 

XII.  —  22  de  outubro  de  1460.  [Foral  de  Moreira] 297 

XIII. —  14  de  abril  de  1462.  [Foral  de  Aluares] 3oi 

XIV.  —  22  de  junho  de  1463.  —  Carta  de  D.  Affonso  V,  nomeando  Paro  dAImada 

juiz  das  sisas  da  uila  de  Almadaã 302 

XV.  —  23  de  junho  de  1463. —  Carta  de  D.  Affonso  V,  nomeando  Pêro  dAIma- 
da alcaide  e  meirinho  dos  ourivezeiros  dAadiça 3o3 

XVI.  —  28  de  julho  de  1467.  —  Aministraçam  de  huGa  capella  jmstituyda  na 
egreia  de  samta  Maria  Madanella  desta  cidade  de  Lixboa  per  huú  Gomcalo 

Esteuez  naturall  de  Symtra  a  Gomez  Eannes  de  Zurara 304 

XVII. —  21   de  novembro  de   [1467].  —  Carta  delRei  dom  Affonso  a  Guomez 

Eanes  da  Zurara  seu  coronista.  escrita  per  sua  mão 3o5 

XVIII.  —  25  de  maio  de  1468.  [Foral  de  Gralhas] 307 

XIX.  —  21  de  janeiro  de  1471 3q3 

XX.  —  22  de  fevereiro  de  1472 3,1 

XXI. —  I  de  dezembro  de  1473 3,3 

XXII.  —  2  de  abril  de  1474 3j5 

XXIII.  —  22  de  junho  de  14S2.  —  Carta  de  legitimação  de  Catarina  da  Silveira.  .       3i8 
XXIV. —8  de  abril  de  1483.  —  [Carta  de  legitimação  de]  Gomçallo  Gomez  da  Zu- 
rara filho  de  Gomes  Eannes  da  Zurara  comendador  da  bordem  de  Christo  .       320 
XXV. —  8  de  abril  de  1483.  — [Carta  de  legitimação  de]  Felipa  Gomez  filha  do 

sobredito  [Gomez  Eannes  da  Zurara  comendador  da  hordem  de  Christo].   .         » 
XXVI. —  8  de  março  da  era  de  141 1  (1373  J.  C.)  —  [Carta  de  privilégios  á  Or- 
dem de  Christo] „ 

XXXII.—  12  de  janeiro  de  1479. —  A  elRey  semtemça  comtra  a  hordem  de 
Christo  per  que  foy  declarado  e  jullgado  a  ssoperioridade  da  jurdiçom  çiuell 
de  todallas  terras  da  dita  hordem  seer  do  dito  senhor  e  lhe  perteemçer  e  a 
nam  poder  de  ssy  tirar  dar  nem  transmudar  em  hordem  nem  em  pessoa 
alguúa,  e  mais  pronumçiamdo  por  nehtíus  e  de  nehuu  efeito  todollos  proce- 
dimentos que  os  offiçiaaes  da  dita  hordem  fezeram  comtra  certas  pessoas 
moradores  em  a  villa  de  Punhete  sobre  os  canaaes  do  Zezer,  e  que  fossem 

rrestituidos^  etc 323 

XXVIII.  —  3  de  junho  de  1439 333 

XXIX.  —  1 1  de  janeiro  de  1449 33^ 

XXX. —  17  de  julho  de  1452 „• 

XXXI.  —  [Extrato  das]  Definições  e  estatutos  dos  Cavalleiros  e  Freires  da 

Ordem  de  N.  S.  Jesu  Christo,  Lisboa,  1628  (p.  201  a  2o3) 335 

XXXII.  —  [Extrato  de]  O  livro  da  virtuosa  bemfeituria  do  infante  D.  Pedro.  .  .       337 

Variantes  do  livro  da  virtuosa  bemfeituria 3.3 

Correções  importantes 


CRÓNICA  DA  TOMADA  DA  CIDADE 

DE  CEPTA  PER  ELREY  DOM  JOHAM 

O  PRIMEIRO 


"^>..<,  "*->>..^.  "■^>>..^,  "*- 


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>^.. 


PROLOGO  DE  GOMEZ   EANNES  DE  ZURARA 
AA   CRÓNICA  DA  TOMADA   DE  CEPTA. 


B,  I, 


CONCRU: 
a  nai 
racai 


Capitullo  primeiro. 

.ONCRUSAM  he  dAristoteles  no  segundo  liuro  da  natural  filosofia  que 
latureza  he  começo  de  mouimento  e  de  folgança.  E  pêra  decla- 
içam  dcsto  aprendamos  que  cada  huua  cousa  tem  calidade.  per  a 
qual  se  moue  ao  seu  próprio  lugar  quando  esta  fora  dellc  entendendo  ai}'  ser 
confirmada  milhor.  e  por  aquella  mesma  propriedade  faz  assessegamento 
depois  que  esta  onde  a  natureza  rrequere.     Exempro  desto  he   a  pedra 

10    que  por  sua  graueza  e  peso  descende  ao  lugar  que  lhe  pertence,  e  depois 

que  o  percalça  nom  se  moue  mais.    *  Semelhauelmente  cada  hum  homem    B,  i, 
tem  deseio  de  conseruar  sua  vida  aa  qual  sam  necessárias  muitas  cousas 
sobre   que  elle   nam  ha  possiçam.   e  por  tanto  ha  mester  que  as   peça 
por  seu  mouimento  a  quem  entender  que  as  pode  outorgar,  e  depois  que 

i5  as  teuer  cobrara  folgança  vsando  delias  segundo  o  que  deue.  E  por 
quanto  a  grandeza  de  nosso  Senhor  Deos  jnfindamente  he  liberal,  a  elle 
conuem  que  peçamos,  esto  se  pode  mostrar  por  alguíãas  rrezoões.  E  pêra 
conhecimento  da  primeira  saibamos  que  no  primeiro  liuro  da  lógica  diz 
o  filosofo  que  se  alguíia  propriedade  conuem  a  duas  cousas,  e  huúa  a  tem 

4.  dAristoteles  E,  de  aristoteles  B,  —  5.  he  começo  de  movimento  e  de  folgança  C  E, 
e  o  começo  do  mouimento  he  de  folgança  B.  —  7.  estaa  B.  —  8.  confirmado  B  —  propie- 
dade  E,  propiedade  B  —  faz  I,  fez  B.  —  9.  depois  E,  despois  B  —  enxempro  B. —  11.  mais 
E,  mas  B.  —  12.  deseio  B. —  i3.  elle  E,  nelle  B.  —  ha  E,  haa  B. —  i5.  as  teuer  C,  este- 
uer  B.  —  16.  quanto  C,  tanto  B  —  grandeza  E,  graueza  B.  —  17.  conuem  E,  que  em  B  — 
algúas  B  —  rrezões  B —  18.  lógica  E,  gloria  B.  — ^  19.  propriedade  E,  propiedade  B  — 
e  E,  ovt  B. 


—  4  — 

por  azo  da  outra,  lie  necessário  que  tal  perfeiçam  compridamente  se)a 

em   a   primeira,   cujo   exempro   he   aqueste.    Certo  he    que   a  quentura 

nam  conuem  ao  ferro  esquentado  se  nam  per  o  fogo.  porem  nam  embar- 

B,  I,  V,  I    gante  que  ambos  sejam  quentes,  ella  *  mais  pertence  ao  fogo.    Sobre  a  qual 

dereitamente  podemos  fundar  nosso  preposito  em  aqueste  meo  creendo      !> 
que  nenhum  bem  fazer  nom  conuem  aos  homcés  se  nom  por  azo  do  Senhor 
Deos.  em  cuja  prouaçam  diz  o  apostollo  Santiago  na  sua  primeira  cano- 
niqua.  que  toda  boóa  doaçam  e  todo  liberal  outorgamento  de  cima  des- 
cende do  padre  dos  lumes  que  sobre  esto  esparge  os  rrayos  da  sua  bon- 
dade.   E  por  que  nos  tenhamos  ousio  de  lhe  pedirmos  ajuda  pêra  todas    lo 
nossas  cousas,   elle  mesmo  nos  conuida  no  xj  capitullo  de  sam  Mateus, 
dizendo  vinde   a  mim  todolos  que  trabalhaes  em  vossos  desfalecimentos 
e  sooes   encarregados,   eu  vos  outorgarej'  abondança  do  que  deseiaaes. 
E   no  capitullo  xvj   do  euangelho  de  sam  Joam  manda  que  peçamos  e 
rreçebamos.     Em   que  parece   que  sem  reçeo  o  deuemos  rrogar  que  nos    i5 
ajude,  pois  que  elle  mesmo  se  oferece  pêra  nos  outorgar  o  que  lhe  pedi- 
remos.    Desy  o  disse  o  profeta  em  os  xlix  salmos  dizendo  a  cada  hum 
homem,   chamame   em  o  dia  da  tribulaçam   e   eu   te  liurarey  e  tu  me 
louuaras.     E  o  mestre  das  sentenças  em   a  quadragésima  quinta  defini- 
çam  do  quarto  liuro  diz  que  a  criatura  rrazoauel  deue  dizer  as  cousas    20 
temporaaes  aa  verdade  eternal  pedindo  aquello  que  bem  deseia  que  lhe 
seja  outorgado.     E   por   nos  rrazoaremos    esto   em   sua    presença  nam 
B,i,v,  2    *  cuidemos  que  entendera  nouamente  o  que  nam  conhece,  que  escrito  he 
em  o  euangelho  que  o  nosso  padre  sabe  as  cousas  que  nos  sam  necessá- 
rias primeiro  que  as  peçamos.     E  porem  diz  sam  Gregório  em  o  dialogo    25 
que  o  nosso  pedir  nam  faz  mudança  em  a  desposiçam  diuinal.  mas  faznos 
jmpetrar  o  que  eternalmente  se  ordenou  pêra  seer  outorgado  per  nossas 
petições.     E  por  tanto  em  o  xviij  capitullo  de  sam  Lucas  se  diz  conuem 
de  orar.   entam  cobraremos  o  que  for  bem  rrequerido.  porem  deuemos 
poer  em  Deos  toda  nossa  esperança  que  he  poderoso  pêra  nos  ajudar  em    3o 
qualquer  obra  pêra  que  o  rrequereremos.     Empero  esta  sua  ajuda  nom 
poderemos  assi  per  nos  mesmos  percalçar.  por  que   elle   des  o   começo 
fez  em  as  criaturas  cadeamento.   per  guisa  que  as  virtudes  do  çeo  nam 
vem  aa  terra   que  nam  passem  primeiramente  per  os  corpos   que   sam 

3.  ferro  C,  frio  B.  —  4.  quentes  E,  om  B.  —  5.  preposito  E,  propósito  B  —  creendo 
C,  querendo  B.  —  7-8.  canónica  E,  cananiqua  B. —  11.  no  E,  nos  B  — xj  C,  om  B. — 
18.  liurarej  B  —  quadragessima  B. —  19-20.  definiçam  E,  definçom  B.  —  21.  aquello  E, 
aquillo  B  —  deseja  B.  —  22.  e  por  nos  C,  e  pêro  nos  E,  e  por  que  nos  B  —  razoaremos  B. 
—  25.  dialogo  E,  dialego  B.  —  27.  emperrar  B.  —  28.  os  xviij  capitullos  E,  o  xviij  capi- 
tullo B.  —  3i.  esta  E,  por  esta  B.  —  32.  poderemos  E,  podemos  B. 


antre  ellas.  nem  se  moue  alguúa  cousa  de  hum  termo  pêra  outro  que 
per  ametade  nam  faça  mouimento.  Porem  como  de  nosso  criador  jnfin- 
damente  sejamos  alongados,  e  no  começo  sam  postos  alguús  corpos  a  que 
elle  deu  parte  em  sua  gloria  e  com  alguús  delles  nos  temos  alguúa  natu- 

5    reza.  compre  que  a  estes  rroguemos  per  nossas  petições  de  que  deseiamos 
auer  bom  desembargo,  e  per  alguúas  rrezoões  se  pode  aquesto  prouar. 
das  quaaes  a  primeira  se  faz  por  aquesta  maneira.     *  Quanto  a  petiçam  he    B,  2,  i, 
mais  humildosa  e  apresentada  sem  presunçam.  tanto  deue  ser  outorgada 
com  maj^or  vontade,  porem  como  mais  humildade  mostre  cada  hum  poendo 

•o  em  outrem  sua  fiança  que  se  presumir  de  si  mesmo,  seguesse  que  com 
raayor  vontade  lhe  deue  seer  outorgado  o  que  demandar,  pois  toda  sua 
esperança  põem  na  bondade  do  Senhor  e  nos  merecimentos  de  quem  por 
elle  pede.  E  por  confirmaçam  desto  he  scrito  em  o  quinto  capitullo  de 
Job.    que  nos  tornemos   a  algum  santo  por  cujo  merecimento  nos  seja 

'5  outorgado  o  que  rrequerermos.  A  segunda  rrezam  he  que  todo  aquelle 
que  se  conhece  por  vil  e  mizquinho  em  presença  do  que  quer  demandar, 
esperara  com  rrezam  de  nam  seer  ouuido  e  de  o  nam  leixarem  chegar 
pêra  dizer  o  que  ha  mester,  e  por  tanto  deue  de  rrequerer  a  outrem 
que  verdadeiramente  peça  por  elle.     E  pois  nos   quanto  aos  corpos   em 

20  aquesta  vida  somos  muy  cujos,  depois  de  morte  seremos  muy  torpe  vianda 
de  vermeés.  e  quanto  aas  almas  diz  o  profeta  em  o  salmo  I  que  em 
maldade  somos  gerados  e  concebidos  em  pecado,  mostrasse  que  deuemos 
rrogar  quem  nam  tenha  empacho  de  ao  jnfindamente  glorioso  Senhor  apre- 
sentar nossa  enformaçam.  nem  duuidaremos  se  alguús  santos  esto  podem 

25    fazer  que  no  *  sexto  capitullo  do  apocalipse  he  scripto  que  a  deuaçam  das    '''  ->  •": 
nossas  oraçoões  sobe  per  maão  do  anjo  aa  presença  de  Deos.  e  no  xij 
capitullo  de  Tobias  se  lee  que  lhe  disse  o  anjo  em  como  presentara  suas 
oraçoões  quando  jejúaua  e  fazia  esmollas  e  soterraua  os  mortos,  em  que 
parece  que  os  anjos  e  os  santos  sam  nossos  ajudadores  quando  deuota- 

3o  mente  os  rrequeremos.  A  terceira  rrezam  he  aquesta.  Neiçeo  he  o  que 
se  trabalha  de  jr  soo  per  o  caminho  duuidoso.  quem  tem  seguro  e  prouei- 

I .  ellas  I,  elles  B  —  outro  E,  o  outro  B.  —  2.  noso  B.  —  3.  selamos  B  —  algus  B.  — 
7.  petição  B.  —  9.  maior  B  —  humildade  E,  humilde  B.  —  10.  seguese  B.  —  11.  maior  B 

—  demandar  C  E,  demanda  B  —  1 3.  capitulo  B.  —  de  E,  om  B.  —  14.  sancto  B.  —  1 5.  re- 
querermos B.  —  18.  haa  B  —  requerer  B. —  19-20.  em  aquesta  E,  naquesta  C,  nesta  B. 

—  23.  rogar  B  —  quem  B,  que  CE  —  nam  E,  nom  C,  nos  B  —  de  ao  jnfindamente  C,  de 
a  infindamente  o  E,  de  jnfindamente  ao  B.  —  23-24.  presentar  E,  apresentar  B.  —  24,  san- 
ctos  B  — esto  E,  jsto  B.  —  26-27.  nos  xij  capitullos  E,  no  xij  capitullo  B.  —  27.  dise  B. 

—  28.  orações  —  esmollas  E,  esmolla  B.  —  29.  sanctos  B.  —  3o.  razam  B  —  se  trabalha 
E,  trabalha  B. 


toso  guiador.  Por  tanto  as  petições  que  fiizemos  a  Deos  de  serem 
quejandas  de  bem  polia  mayor  parte  sam  duuidosas.  e  temos  medeaneiro 
homem  Christo  Jesu  segundo  diz  o  apostolo  sam  Paulo  em  a  primeira  epis- 
tola a  Timoteu.  a  elle  nos  tornaremos  principalmente  por  nos  encaminhar, 
pois  em  o  xiiij  capitullo  do  euangelho  de  sam  Joam  disse,  ninguém  vay  5 
a  o  diuinal  padre  senam  por  elle  que  he  caminho  e  craridade  do  mundo. 
Oraremos  humildosamente  que  por  seus  merecimentos  se)a  guardador  dos 
nosos  deseios  e  por  sua  misericórdia  nos  queira  jmpetrar  as  graças  que 
auemos  mester.  Ora  falando  da  quarta  rrezam  entendamos  que  qual- 
quer que  leixa  cm  as  cousas  necessárias  a  certa  pratica  pollo  duuidoso  m 
entender,  nam  tam  soomente  faz  çimpreza.   mas  ajnda  comete  loucura. 

B,  2,  V,  I  Porem  como  toda  nossa  *  petiçam  seja  duuidosa  de  aprazer  a  Deos.  por 
que  diz  a  santa  scriptura  que  nenhum  sabe  se  merece  odeo  ou  amor 
em  sua  presença,  e  com  jsto  somos  certos  que  Deos  outorga  a  muitos 
grandes  merçes  em  aquesta  e  na  outra  vida  por  a  bondade  dos  que  as  i5 
pedem  por  elles.  mostrasse  claramente  que  se  nos  queremos  bem  pedir 
daquesta  pratica  deuemos  vsar.  Em  cuja  prouaçam  se  lee  em  o  xviij 
capitullo  do  genesi.  que  souertendo  Deos  as  cidades  de  Sodoma  e  Go- 
morra  liurou  Loth  aos  rrogos  do  santo  patriarcha  Abraham.  Quem  souer- 
teo  as  cidades  e  liurou  Loth  ?  E  per  vezes  fora  perdido  o  pouo  de  20 
Isrrael  per  sanha  de  Deos  se  o  nom  abrandaram  os  rrogos  do  profeta  Mou- 
ses.  E  o  linhagem  de  Salamam  de  todo  perdera  a  cadeira  rreal  se  nam 
fora  per  elRey  Dauid  seruidor  do  muy  Alto.  E  dereita  rrezam  he  que 
pois  aos  homeés  sam  outorgadas  m.uitas  graças  per  azo  daquelles  que 
podem  pecar,  muito  mais  lhe  deuem  de  seer  feitas  merçes  aos  rrogos  daquel-  ^5 
les  que  ja  por  sempre  nam  podem  falecer.  E  por  entenderemos  como 
os  santos  rrogam  por  nos  em  a  outra  vida.  saibamos  que  o  mestre  das 
sentenças  diz  em  a  xlv  difiniçam  do  quarto  liuro  que  as  almas  bem 
auenturadas  que  por  a  esperança  diuinal  rreçebem  lediçe  em  a  face  de 
Deos  entendem  as  cousas  que  se  fazem  de  fora  quanto  he  compridoiro    3o 

B,  2,  V,  2  pêra  seu  prazer  ou  pêra  nossa  ajuda.  Em  que  parece  *  que  os  santos  nom 
dizem  a  Deos  o  que  nos  queremos,  mas  elle  lhe  mostra  os  nossos  dese- 
ios querendo  que  per  suas  petições  nos  sejam  compridos,  porem  a  elle 
segundo  cada  hum  teuer  sua  deuaçam  se  tornara  deuotamente.  per  guisa 

2.  queiandas  B.  —  5.  os  xiiij  capitullos  E.  —  7.  seia  gardador  B.  —  9.  quarta  E,  iiij"  B. 
II.  loucura  E,  locura  B. —  i3.  sancta  B.  —  i3.  nenhuú. —  14.  em  sua  E,  e  em  sua  B. 
17.  os  xviij  B. — 19.  rogos  B— sancto  B. — Abrahão  B.— 20.  Loth?  I,  Loth  :  B. — 21.  rogos  B. 
—  21-22.  MousesE,  Mousem  C,  Moyses  B.  —  22.  o  linhagem  E,  alinhagemB  —  Salamão 
B.  —  23.  razam  B.  —  24  homés  B.  —  25.  de  ser  E,  seer  B  —  rogos  B.  —  26.  por  entender- 
mos como  E,  porem  entenderemos  B.  —  27.  sanctos  B.  —  3i.  sanctos  B.  —  33.  seiam  B. 


que  por  onde  o  seu  nequerimcnto  nom  poder  abranger  chegue  o  mereci- 
mento daquelle  em  cuja  santidade  poser  confiança.  Speçialmente  orare- 
mos a  virgem  santa  Maria  senhora  dos  anjos  que  seja  nossa  auogada 
5  por  sua  merçe.  porque  as  cousas  que  forem  per  ella  rrequeridas  pêra 
nos.  sem  tardança  seram  outorgadas.  Ca  diz  santo  Enselmo  no  iiuro  do 
conçebimento  virginal,  que  muitas  vezes  chamando  os  homeés  aquesta 
senhora,  mais  trigosamente  rrcçebem  graça  que  se  Jesu  Christo  fosse 
chamado,    esto  nam    por   ella   teer   melhoria   sobre  seu   filho,   mas  por 

,Q  quanto  elle  he  julgador  dos  merecimentos  de  cada  hum.  nom  embar- 
gante que  ouça  quem  quer  que  o  chama  per  justo  juizo  e  rreteudo 
de  outorgar  o  que  nam  he  merecido  de  quem  sua  madre  he  chamada  e 
rrequerida.  posto  que  o  pcdidor  nam  mereça  de  ser  ouuido  os  mereci- 
mentos delia  sam  abastosos  pêra  comprir  a  petiçam  do  que  for  deseiado. 

,5    E  por  quanto  eu  sento  de  mim  tanta  fraqueza  pêra  continuar  a  seguinte 
obra.  digo  com  toda  humildade  e  rreverençia  em  aquesta  guisa.     Aquelle 
cuja  graça  per  diuinal  rresplandor  enframou  os  corações  dos  seus  santos 
apóstolos   da  perfeita  sabedoria  com  espritual  *  eloquência,  mande  sobre    B,  3,  r,  i 
mim  alguija  parte  dos  átomos  daquella  graça,   que  per  minha  rrudeza  e 

2Q  fraco  engenho  possa  falar  da  franqueza  e  marauilhosos  feitos  deste  virtu- 
oso e  nunqua  vencido  príncipe  senhor  Rey  Dom  Joham  aquello  que  em  seus 
grandes  merecimentos  muy  jnteiramente  cabe.  cuja  estoria  nos  seguintes 
capitullos  escreuer  entendo,  por  que  nam  menos  me  parece  que  deue  o 
seguinte  feito  e  aos  que  de  trás  delle  sam  escritos  auer  autorizado  rregisto. 

25  do  que  ouuerom  os  feitos  do  gram  Macabeu  e  doutros  muitos  duques  e 
príncipes  que  com  suas  obras  a  Deos  muito  prouuerom.  Desy  ponho 
fiúza  em  a  deuina!  madre  mais  gloriosa  que  outra  persoal  criatura  e  vir- 
tuosa pessoidor  em  sobre  auondante  comprimento,  em  cujo  ventre  de 
uirtuosa  pureza  fez  a  deidade  graciosa  morada  e  foy  jerado  fruito  tem- 

3q  poralmente  homem,  que  eternalmente  he  Deos  nosso  remidor  Christo 
Jesu.  per  que  ella  he  exalçada  sobre  todas  três  jerarchias  dos  santos 
principados,  que  per  este  seu  jnfindo  merecimento  pois  ella  de  todas 
graças  he  ministrador.   nam  tanto  por  meus   fracos   rrogos  como  por  a 


2-3.  oraremos  C  E,  poeremos  B.  —  4.  per  E,  por  B.  —  5.  sancto  B.  —  6.  homeés] 
ad  muitas  vezes  B.  —  g.  hú  B.  —  10.  retheudo  E,  pretendo  B.  —  11.  de  quem  E,  e  quem 
B.  —  sua  E,  a  sua  B. —  12.  requerida  B.  —  16.  sanctos  B.  —  18.  algija  B  —  átomos  I, 
atamos  B,  ramos  CE.  —  20.  e]  om  B  —  senhor  E,  om  B  —  Rei  B.  —  21.  cabe  C  E,  sabe 
B  —  22.  capítulos  B  —  entendo  C  E,  entendeoB. — 23.  registo  B.  —  25.  ponha  B.  —  25.  de- 
uinal  B,  uirginal  CE.  —  27.  pesoidor  B.  —  28.  deidade  B,  diuindade  E.  —  29,  homem  que 
eternalmente  he  Deos  C  E,  e  Deos  B.  —  remidor  C,  redentor  B.  —  3o.  sanctos  B. 


singular  deuaçam  que  este  glorioso  príncipe  na  sua  santíssima  pureza 
sempre  ouue.  jmpetrara  per  mim  tal  graça  que  eu  possa  escreuer  sua 
estoria  segundo  seus  grandes  merecimentos  rrequerem.  conhecendo  que 
per  mim  nenhuúa  cousa  posso  sem  sua  graça  e  ajuda,  segundo  he  escripto 
B>  3,  r,  2  per  Avíçena  em  sua  metafísica,  dizendo  que  o*nam  seer  auemos  de  nos  e 
o  seer  doutrem  .ss.  de  Deos  nosso  criador,  em  cuja  prouaçam  diz  sam 
Gregório  que  todallas  cousas  seriam  tornadas  em  nenhuúa  cousa,  se  as 
maãos  do  todo  possante  Deos  as  nam  conseruassem.  porque  nenhuíia  con- 
diçam  he  tanto  jsenta  que  em  fallecímento  nam  aja  sua  parte. 


O' 


O  principio  da  estoria.     Capitullo  ij. 

IO 

tempo  e  grandeza  das  obras  nos  constrangem  fortemente  que  scpre- 
uamos  nos  seguintes  capitullos  a  gloriosa  fama  da  muy  notauel 
empresa  tomada  per  este  virtuoso  e  nunca  vencido  prinçipe  senhor 
Rey  Dom  Joham.  que  seu  preposito  detreminou  forçosamente  per  armas 
conquistar  huija  tam  nobre  e  tam  grande  cidade  como  he  Cepta.  no  qual  '5 
feito  consirando  podemos  esguardar  quatro  cousas  .ss.  grande  amor  da 
fee.  grandeza  de  coraçam.  marauilhosa  ordenança,  e  proueitosa  vitoria, 
a  qual  foy  marauilhoso  preço  de  seu  grande  trabalho.  E  passaremos  ao 
presente  polia  declaraçam  daquestas  cousas,  por  que  se  dalguúa  delias 
B,  3,  V,  I  singularmente  *  falando  pouco  disséssemos  nossa  força  seria  jngrata.  e  se  20 
de  todas  assaz  falássemos  jnfinda  pareceria,  empero  sob  muita  breuidade 
alguúa  cousa  diremos  de  cada  huiJa.  por  que  os  leedores  saibam  como 
se  o  dito  Rey  em  ellas  ouue  açerqua  deste  feito.  Grande  ardor  foy  o  de 
sua  fee  em  todas  suas  obras  singularmente  em  esta.  Ca  todo  seu  prin- 
cipal mouimento  foy  per  seruiço  de  Deos  e  grande  deseio  que  tinha  de  25 
emmendar  alguúa  cousa  se  a  contra  vontade  de  Deos  fezera  no  tempo 
da  guerra  passada,  e  assi  o  dizia  muitas  vezes  em  sua  vida  quando  se 
acertaua  em  ello  falar.  Que  posto  que  elle  ouuesse  guerra  muy  justa 
com  seus  jmigos  a  qual  era  por  defensam  de  sua  terra,  na  qual  suas 
armas  muitas   vezes  forom  tintas  de  sangue,   que  elle  nom  entendia  dello    3© 

I .  sua  E,  om  B  —  sanctissima  B.  —  2.  emperrara  B.  —  3.  requerem  B.  —  4.  nemhuSa 
B.  —  7.  nénhuQa  B.  —  8.  nehúa  B.  —  9.  conseruasse  B.  —  10.  ij]  segundo  B.  —  11.  cõs- 
trange  E,  costrange  B.  —  12.  mui  B.  —  i3.  virtuoso  C,  vitorioso  B,  venturoso  E.  —  14, 
propósito  determinou  B. —  16.  esguardar  E,  esgardar  B  —  da  I,  de  BE. —  17.  maraui- 
lhosa E,  e  marauilhosa  B  —  e  proueitosa  C,  proueitosa  B. —  18.  pasaremos  B.  —  21. 
fallasemos  B.  —  25.  per  E,  om  B  —  deseio  B.  —  26.  algúa  B.  —  27.  uida  B  —  quando  C  E, 
quem  B.  —  28.  elle  C  E,  em  elle  B  —  mui  B. 


—  9  — 

fazer  comprida  pendença  senom  lanando  suas  maãos  no  sangue  dos  jnfiees. 
O  marauilhosa  caridade  de  príncipe  cuja  semelhança  em  homem  daquellc 
tempo  nam  foy  achada,  que  com  tamanho  temor  diuinal  trataua  suas  obras. 
Por  certo  nom  era  sem  rrezam  que  tam  catholico  e  rrelligioso  príncipe  co- 
?  brasse  bem  auenturados  aquecimentos,  pois  sob  o  jugo  da  fee  com  tanto 
temor  de  Deos  trataua  seus  feitos.  Que  scprito  he  per  Valério  Máximo  no 
seu  primeiro  iiuro.  que  por  que  os  Romaãos  guardauam  rreuerençia*  aos 
deoses  e  sem  sua  vontade  alguija  cousa  faziam,  durou  longamente  o 
seu  senhorio.     E  falando  da  grandeza   de   seu  coraçam  que   poderemos 

IO  dizer  senam  que  foy  huíía  cousa  mais  pêra  marauilhar  que  pêra  falar  de 
grandioso  homem  de  tamanha  jdade  pouco  seguro  de  seus  jmigos.  por 
que  as  pazes  que  com  elles  tinha  nam  eram  tam  firmes  que  se  ligeira- 
mente nam  podessem  quebrar,  mayormente  nam  sendo  outorgadas  por 
elRey.  a  qual  cousa  muitos  consirauam  que  podia  empachar  sua  obra. 

i5  mas  elle  com  nenhuúa  cousa  pode  rreceber  embargo,  ante  com  aquella 
firmeza  e  ardor  da  fee  de  que  ja  falamos  desprezou  todollos  contraíres 
que  o  poderiam  empachar  pêra  cobrar  aquella  vitoria  que  o  seu  coraçam 
profetizando  chamaua.  Nam  se  contentando  ajnda  per  si  soo  cobrar 
este  feito,   mas  de  sevs  filhos  que  tinha   os  quatro  que   aaquelle   tempo 

20  eram  pêra  tomar  armas  leuou  consigo,  mas  da  postura  de  seus  filhos  e 
de  como  os  três  delles  forom  caualeiros  falaremos  ao  diante  mais  compri- 
damente.  leixando  soomente  o  rregno  sob  gouernaçam  de  hum  antigo 
caualeiro  criado  seu  que  era  mestre  dAuis.  mas  da  ordenança  de  seus 
feitos  foy  cousa  marauilhosa  aaquelles  que  veuiam  naquella  jdade.  a  qual 

25  polia  estoria  ao  diante  será  diuisada.  E  quem  *compridamente  em  ello 
esguardar  achara  que  nem  o  çerquo  de  Troya  nem  a  passada  de  Cepiam 
em  Affrica  nam  forom  de  tanta  exçellençia.  Pois  da  vitoria  que  lhe  o 
Senhor  Deos  outorgou  em  fim  de  seus  grandes  trabalhos  por  contrairo 
de  suas  famosas  cauallarias  bem  pode  seer  exempro  a  todollos  príncipes 

3o  do  mundo.  Muito  suffiçientes  estoriadores  escreueram  caualeirosos  feitos 
e  façanhosas  estorias  de  muitos  rreis  duques  e  príncipes  passados,  mas 
por  certo  em  escretura  nam  se  achara  em  tam  breue  tempo  huúa  tam 
notauel  e  tam  grande  cidade  filhada  per  força  darmas.  nam  por  que  ella 
de  muitos  por  sua  grande  nobreza  nam  fosse  cobiçada  e  deseiada.  mas 


1.  comprida  pendença  E,  pendença  comprida  C,  om  B  — no  E,  do  B.  —  2.  cuia  B. 

—  relligioso  B.  —  6.  trataua  E,  trabalha  B  —  per  E,  por  B. —  lõ.  jaa  B. —  i-.  coração 
B.  —  19.  seys  C  E,  seus  B.  — 20.  filhos  E,  feitos  B.  —  21.  ao  diante  C,  adiante  B.  —  25. 
ao  diante  C,  adiante  B.  —  26.  esguardar  E,  esgardar  B  —  de  Troya  C.  da  Troya  B  E. 

—  27.  uitoria  B.  —  3o.  muito  C  E,  om  B.  —  escreueram  E,  escreuiam  B. 


por  certo  com  espanto  tornauam  seus  rrostos  os  que  esguardauam  seu 
temeroso  sembrante.  Santo  Agostinho  que  foy  bispo  em  Aftrica  daa 
testemunho  da  nobreza  desta  cidade  e  que  de  quantos  senhores  daquelia 
terra  foy  sempre  deseiado  seu  senhorio.  E  conta  delia  Abilabez  que 
foy  grande  doutor  antre  os  mouros  que  esta  cidade  foy  fundada  de-  5 
pois  da  destruiçam  do  deluuio  duzentos  e  trinta  e  três  annos.  e  assi 
auia  aaqueile  tempo  que  ella  foy  filhada  quatro  mil  e  duzentos  e  oitenta  e 
três  annos.  e  auia  oitocentos  e  dezoito  annos  que  era  em  poder  de  mou- 
ros. E  diz  que  o  fundador  delia  foy  seu  neto  de  Noe.  e  que  esta  foy 
t^  4'  r,  2  *  a  primeira  que  elle  fundou  em  toda  aquella  terra  dAífrica.  e  que  por  lo 
tanto  lhe  pos  nome  Cepta  que  quer  dizer  em  lingua  caldea  começo  de 
fermosura.  e  diz  que  mandou  escreuer  huúas  letras  na  primeira  pedra  que 
se  pos  no  aliçeçe.  Esta  he  a  minha  cidade  de  Cepta  a  qual  eu  pouoei  pri- 
meiramente de  companhas  de  minha  geraçam.  os  seus  cidadãos  seram 
estremados  de  toda  a  nobreza  dAffrica.  Dias  viram  que  sobre  o  seu  i5 
senhorio  se  espargera  sangue  de  diuersas  naçoões  e  o  seu  nome  durara 
ata  o  acabamento  do  derradeiro  segre.  E  assi  devees  de  saber  que  de- 
pois que  esta  cidade  primeiramente  foy  fundada  ata  o  tempo  que  a 
elRey  Dom  Joham  filhou,  nunqua  foy  nenhum  prinçipe  nem  senhor  que 
cobrasse  seu  senhorio  per  torça  darmas.  Por  que  ella  foy  primeiro  de  20 
gentios  como  dito  he.  e  depois  foy  conuertida  aa  fee  de  nosso  Senhor  Jehsu 
Christo.  na  qual  durou  ata  o  tempo  que  a  o  conde  Juliam  entregou  aos 
mouros  quando  por  vingança  delRey  Dom  Rodrigo  primeiramente  os  mou- 
ros passarom  em  Espanha  segundo  conta  santo  Isidro,  e  mestre  Pedro, 
e  Dom  Lucas  de  Tuy.  O  cidade  de  Cepta  diz  o  autor,  antre  todallas  25 
dAffrica  cidade  mais  exalçada,  muito  fauorauees  te  forom  as  planetas  e  os 
sinos  muito  sogeitos  aa  tua  costalaçam  em  que  primeiro  foy  teu  funda- 
is 4,  v,  I  mento,  pois  tam  *  longamente  guardaste  tua  virgindade  em  desprezo  de 
tantos  e  tam  rricos  barões  de  que  sempre  foste  tanto  deseiada  por  te 
dares  jnteira  e  saã  a  hum  tam  alto  e  glorioso  Rey  o  qual  te  depois  3o 
tanto  amou  e  tam  valentemente  defendeo.  dina  será  a  tua  façanha  de 
perpetua  rrelembrança.     Eras  tu  primeiramente  de  naçam  barbara  mais 

I.  rrostos  C,  votos  E,  rrotos  B.  — 4.  delia  C,  a  huQ  delia  B,  om  E  —  Abilabez  C  E, 
abdabiz  B.  —  5.  antre  E,  entre  B.  —  5-6.  despois  B.  —  6.  asi  B.  — 7.  aaqueile  C,  aquelle 
B  —  foi  B.  —  9.  foi  B.  ^  10.  dafriqua  B.  —  11.  Cepta  E,ceit  B,  Ceut  C.  —  12.  húas.  —  i3. 
a  minha  E,  minha  B.  —  Cepta  E,  ceit  B,  ceut  C.  —  1 5.  a  nobreza  E,  nobreza  B  —  dafrica 
B. —  17.  ataaC,  ate  B.  —  17-18.  despois  B.  —  18.  ata  C,  ateB.  —  19.  nenhum  B,  algum  C. 

—  21.  fee  E,  fe  B  —  Jhú  B.  —  22.  ata  E,  ate  B.  —  Juliam  CE,  Jlha  B.  —  23.  Rodrigo  CE, 
RoB.  —  26.  dafrica  B.  —  28.  guardaste  CE,  gardaste  B.  —  29.  desejada  B.  —  3o.  despois  B. 

—  32   barbara  CE,  barbora  B. 


baxa  de  todallas  nações,  e  agora  acompanhada  e  guardada  per  força  de 
linhagem  dos  rreis  dEspanha  e  da  casa  dlnglaterra.  Partidas  sam  de  ti 
as  ençugentadas  cerimonias  do  abominauel  Mafamede  e  as  suas  mezqui- 
tas  sagradas  com  oiio  santo  tornadas  em  templos  do  nom  mortal  Deos. 
5  em  elles  tratado  o  mistério  do  diuinal  sacreficio.  E  qual  cidade  ha 
oje  no  mundo  mais  temida  e  preçada  que  ti.  Por  certo  grande  glo- 
ria te  será  quando  pensares  quanto  nobre  sangue  he  espargido  por  teu 
defendimento.  Alegre  e  com  grado  deueras  tu  de  rreçeber  tal  senhor. 
Ora  com  a  graça  de  Deos  começaremos  nossa  estoria  departida  em  capi- 

«o  tullos  segundo  rreal  ordenança  dos  antigos  estoriadores.  empero  nam 
será  tam  compridamente  contada  como  foy  o  feito,  por  que  nos  começa- 
mos descreuer  trinta  e  quatro  annos  depois  da  sua  tomada,  e  afora  os 
jmpedimentos  que  ao  diante  seram  contados,  no  dito  tempo  faleceram  casi 
a  mayor  parte  das  autorizadas  pessoas  que  forom  no  conselho*  e  feito  da    B4,  v, 

i5  dita  obra  que  dello  perfeitamente  parece  sabiam,  e  os  que  ficarom  per 
que  tínhamos  rrezam.  eram  tam  grandes  senhores  os  quaaes  polia  exce- 
lência de  seu  estado  forom  sempre  tam  ocupados  que  perderam  lem- 
brança de  muy  gram  parte  das  circunstancias  daquellas  cousas,  mayor- 
mente  que  o  principal  destes  era  o  Iffante   Dom  Anrrique.   o  qual   foy 

20  sempre  tam  ocupado  nos  feitos  do  rreino.  desy  teue  sempre  em  elle 
muv  grandes  encarregos  cuja  força  ocupou  muito  seu  acordo  em  este 
feito,  a  calidade  dos  quaaes  contaremos  ao  diante  proseguindo  nossa 
força.  Porem  tomando  alguús  pedaços  que  ficaram  apegados  nas  pare- 
des do  entendimento  deste  senhor  cheas  de  muy  grandes  cuidados  e  çer- 

25  cadas  de  feitos  estranhos  com  alguúas  migalhas  que  de  fora  apanhamos, 
trabalharemos  de  fazer  cousa  que  pareça  jnteira  segundo  a  forma  do  pro- 
cesso que  se  segue. 

Como  o  autor  declara  as  rreiôes  por  que  esta  força 
3o  foy  começada  tam  tarde.    CapituUo  iij. 

QUAL  foy  o  primeiro  mouimento  daquella  demanda  que  era  antre  o 
rregno  de  Castella  e  o  nosso  de  Portugal  e  desy  todollos  aquecimen- 
tos* que  se  dello  seguiram  Assaz  tenho  que  fica  declarado  em  hum    r  5,  r,  1 

I.  todalas  B.  —  3.  abominável  E,  abominabel  B.  —  3-4.  mizquitas  B.  —  4.  com  olio 
santo  CE,  com  eile  sam  todas  B.  —  5.  haa  B  —  7.  nobre  E,  noble  B.  —  9-10.  capítulos 
B.  —  II.  o  feito  E,  feito  B. —  iS.  ao  diante  E,  adiante  B. —  i5.  que  ficarom  C,  seni- 
ficarom  B.  —  16.  rrazam  B. —  18.  mui  B. —  18-19.  maiormente  B  — 22.  ao  diante  E, 
adiante  B.  —  24.  mui  B.  —  25.  aigúas  B.  —  28.  Como  o  autor  C,  em  que  o  autor  B.  — 
3i.  regno  B.  —  desi  B.  —  todolos  B.  —  27.  seguiram  E,  seguiam  B. 


12  

liuro  que  dello  he  escprito.  o  qual  foy  posto  em  ordenança  per  huúa  notauel 
pessoa  que  chamauam  Fe_rnam  Lopez  homem  de  comunal  ciência  e  grande 
autoridade  que  foy  escpriuam  da  puridade  do  Iffante  Dom  Fernando,  ao 
qual  elRey  Duarte  em  sendo  Iftante  cometeo  encarrego  de  apanhar  os 
auisamentos  que  pertenciam  a  todos  aquelles  feitos,  e  os  ajuntar  e  ordenar  5 
segundo  pertencia  aa  grandeza  delles  e  autoridade  dos  prinçipes  e  dou- 
tras notauees  pessoas  que  os  fezerom.  E  por  quanto  o  dito  Fernam 
Lopez  nam  pode  mais  chegar  com  a  dita  estoria  que  ata  a  tomada  de 
Cepta.  assi  polia  grandeza  da  obra  que  se  naquelles  feitos  passados  rre- 
queria.  como  poUos  auisamentos  dello  serem  caros  e  mãos  dapanhar.  lo 
e  esto  por  que  a  dita  estoria  foy  começada  tam  tarde,  que  muitas  das 
pessoas  que  verdadeiramente  sabiam  eram  ja  partidas  deste  mundo,  e 
as  outras  que  ficarom  eram  departidas  per  o  rreino.  cada  hum  onde  lhe 
a  ventura  ordenara  de  seer  agalardoado  de  seu  trabalho  segundo  a 
•  parte  de  seu  merecimento.)  Ca  nam  foy  algum  que  seruisse  em  alguúa  i5 
maneira  aquelle  grande  príncipe  e  senhor  Rey  Dom  Joham  que  ficasse  sem 
marauilhosa  satisfaçam  de  seu  seruiço.  nom  ajnda  segundo  a  calidade  de 
seu  merecimento  mais  muito  milhor  e  muy  grandemente  segundo  em 
sua  estoria  em  alguúas  partes  poderees  achar,  ca  antre  os  rreis  que 
H  5,  r,  2  forom  em  Portugal*  ata  a  sua  jdade  elle  foy  auido  por  mais  grande,  ca  sua  20 
magnificência  procedia  da  sua  grande  magnanimidade.  E  assi  foy  necessá- 
rio ao  dito  Fernam  Lopez  dandar  per  todallas  partes  do  rregno  pêra  auer 
i  comprida  enformaçam  do  que  auia  de  começar,  e  nam  tam  soomente  per 
;  aquelles  que  os  ditos  feitos  trataram  pode  seer  perfeita  enformaçam.  por 
quanto  os  mais  delles  eram  chegados  aa  derradeira  jdade  onde  a  memoria  25 
perde  muitas  das  primeiras  cousas.)  Ca  os  velhos  per  natureza  per  rrezam 
do  esfriamento  do  sangue  perdem  muitas  cousas  que  na  mancebia  apren- 
deram, como  escreuia  sam  Jerónimo  em  huúa  epistolla  a  Nipoçiano  que 
sendo  elle  mancebo  todallas  cousas  rretinha  viuamente.  mas  depois  que 
a  cabeça  foy  caã  e  a  face  enuerrugada  logo  hum  sangue  frio  lhe  cercou  So 
o  coraçam.  de  guisa  que  muitas  cousas  que  vira  e  aprendera  na  mance- 
bia esqueceram  na  velhice.  E  desy  os  grandes  trabalhos  em  que  aquelles 
velhos  andaram  com  elRey  em  todo  o  outro  tempo  passado  foy  grande 
azo  de   se  nam  lembrarem  de  todo  compridamente.     Por  cuja  rrezam  o 

2.  chamavão  B.  —  3.  escprivão  B.  —  5.  avisamentos  B  —  ajuntar  E,  juntar  B.  —  8.  ata 
CE,  ate  B.  —  9.  assy  B  —  pasados  B.  —  12.  )aa  B.  —  14.  agaiardoado  E,  com  galardoado 
B.  —  i5.  toi  B  —  algúa  B.  —  16.  Joam  B  —  licase  B.  —  17.  satisfação  B.  —  20.  portuga]  B 

—  ataaB — ca  C,  eaB.  —  21.  magnanidade  B  —  assi  B. — 22.  dandar  C,  de  andar  B. 

—  23.  enformação  B.  —  26.  muitas  CE,  muito  B.  —  28.  amipociano  B.  —  3i.  coração  B. 

—  32.  esqueceram  E,  esqueciam  B. 


—  i3  — 

dito  Fernam  Lopez  despendeo  muito  tempo  em  andar  per  os  moesteiros  I 
e  jgreias  buscando  os  cartórios  e  os  letreiros  delias  pêra  auer  sua  enfor-  I 
maçam,  e  nam  ajnda  em  este  rreino  mas  ao  rreino  de   Castella  mandou  I 
elRey   Duarte    buscar    muitas   escreturas    que    a   esto   pertenciam,    por 
5    quanto  seu  desejo  nam  era  que  os  feitos  de*  seu  padre  fossem  escritos  se-    b  5  v  i 
nom  mu}'  verdadeiramente.    E  assi  por  esta  tardança  e  polia  estoria  seer 
começada  tarde  o  dito  Fernam  Lopez  nam  pode  com  ella  chegar  senom 
ata  o  tempo  que  os  embaxadores  deste  rreino  forom  a  Castella  primeira- 
mente  firmar  as  pazes  com  eIRey  Dom  Fernando  dAragam   e  com   a 

10  Rainha  Dona  Caterina  que  aaquelle  tempo  eram  tutores  delRey.  !  E  por 
quanto  o  muy  alto  e  muy  excelente  prinçipe  e  senhor  elRey  Dom  Affonso 
o  quinto  ao  tempo  que  primeiramente  começou  de  gouernar  seus  rregnos 
soube  como  os  feitos  de  seu  auoo  ficauam  por  acabar,  consirando  como  o 
tempo  escorregaua   cada  vez  mais.  e   que  tardando   de  serem  escritos 

i5  poderiam  as  pessoas  que  alij  forom  falecer,  per  cuja  rrezam  se  perde- 
ria a  memoria  de  tam  notauees  cousas,  porem  mandou  a  mim  Gomez 
Eannes  de  Zurara  seu  criado  que  me  trabalhasse  de  as  ajuntar  e  escreuer 
per  tal  guisa  que  ao  tempo  que  se  ouuessem  de  ordenar  em  caronica 
fossem  achadas  sem  falleçimento.     E  eu  em  comprimento  de  seu   desejo 

20    por  satisfazer  a  seu  mandado  como  de  meu  senhor  e  meu  rrey.  me  tra- 
balhey  de  enquerer  e  saber  as  ditas  cousas  e  as  escreui  em  estes  cader- 
nos polia  guisa  que  ao  diante  he  conteúdo  com  tençam  de  as  acreçentar 
ou  minguar  em  *  quaaesquer  lugares  em  que  for  achado  per  verdadeiro    b  5  v  2 
juizo  que  o  merecem,   como  quer  que  segundo  meu  entender  e   autori- 

25^  dade  daquellas  pessoas  per  que  fui  anisado  em  ellas  auera  pouco  falecimento. 

C    Ca  he  cousa  certa  que  nos   feitos   que   muitos  viram   e   sabem  nunqua 

homem  tantas  vezes  pode  preguntar  que  sempre  nam  ache  cousas  nouas 

que  saber,  e  jsto  porque  cada  hum  conta  o  feito  por  sua  guisa,  buscando 

muitos  homeés  que  vissem  huúa  cousa   e  preguntando   a  cada  hum  per 

3o  sij.  achara  que  o  primeiro  nam  concerta  com  o  segundo  nem  o  terceiro 
com  o  derradeiro  quanto  aas  circunstancias  da  obra.  E  jsto  sey  eu  bem 
por  que  o  pratiquey  per  muitas  vezes.  Ora  quando  se  esto  faz  em 
huija  cousa  pequena,  que  se  fará  no  filhamento  de  huúa  cidade  ou  no 
rreuoluimento  de  huiJa  batalha  campal,  onde  a  ocupaçam  de  cada  hum 

35    nam  se  pode  mais  estender  que  a  defensam  de  sua  vida  em  que  elle  tanto 

2.  auer  E,  veer  B.  —  4.  muytas  B.  —  6.  assy  B  —  ser  B.  —  8.  ata  E,  ate  B.  —  9.  dara- 
gão  B. —  10.  tutores  CE,  titores  B.  —  17.  e  annes  B  —  me  trabalhasse  CE,  trabalhasse 
B. —  19.  achados  B  —  21-22.  quadernos  E,  cadernos  B.  —  24.  como  quer  que  segundo 
meu  entender]  omB  —  e  autoridade  CE,  e  a  autoridade  B.  —  26.  uiram  C.  —  27.  pergun- 
tar B.  —  29.  homes.  —  34,  húa. 


—  14  — 

tem  que  fazer  que  nam  he  de  creer  que  per  outra  nenliuúa  parte  rreparta 
seu  cuidado.  E  quem  quiser  escreuer  os  falamentos  de  todos  seria 
huúa  cousa  defusa  ou  mais  dereitamente  jmpossiuel.  ca  elles  nam  se 
contentam  de  contarem  o  que  sabem,  mas  ajnda  acreçentam  no  que 
ouuem  em  muitas  partes  tam  largamente  per  que  fazem  aquelles  que 
am  descreuer  a  sustançia  dos  feitos  poer  em  muy  grandes  duuidas.  de 
6,  r,  1  guisa  *  que  he  mais  segura  parte  preguntar  a  poucas  e  certas  pessoas  que 
demandar  a  todos  o  que  perfeitamente  nam  am  rrezam  de  saber. 


M' 


Da  iençam  que  elRey  ouiie  de  mandar  rrequerer 

as  pa^es  a  Castella.    Capitiãlo  iiij.  lo 

AS  he  agora  primeiramente  de  saber  o  grande  desejo  que  elRey 
auia  de  ver  acabados  os  feitos  da  guerra  que  era  antre  elle  e  o 
rregno  de  Castella.  Nam  por  que  elle  em  seu  coraçam  temesse  o 
poder  dos  Castellãos  nem  doutras  nenhuúas  pessoas,  ca  assaz  era  desfor- 
çado e  vallente  em  todollos  casos  perigosos,  e  quanto  o  trabalho  e  o  espanto  i5 
era  mayor.  tanto  o  seu  esforço  era  mais  grande  segundo  bem  ouuistes 
nos  grandes  e  perigosos  lugares  em  que  foy  como  os  sosteue  esforçada- 
mente. Nem  ajnda  auia  elle  rrezam  de  deseiar  paaz  por  que  lhe  as  cousas 
ata  ali)  nam  acodissem  segundo  sua  vontade,  ca  em  todos  aquelles  feitos 
lhe  a  fortuna  rrespondera  milhor  do  que  elle  deseiara.  per  cuja  rrezam  20 
os  feitos  daquella  guerra  eram  per  todallas  partes  do  mundo  muy  nomea- 
dos e  afamados,  ajnda  mais  pollos  dannos  e  perdas  que  os  Castellãos 
B  6,  r,  2  *rreceberam  que  elle  nem  os  seus.  Mas  de  tal  guisa  peleiaua  que 
sempre  peleiando  parecia  que  buscaua  paaz  segundo  se  claramente 
mostrou  per  todos  seus  feitos,  a  qual  cousa  foy  sempre  muito  louuada  25 
assi  pollos  doutores  da  santa  jgreia  como  pollos  filósofos  estóicos  e 
peripateticos.  e  per  todollos  outros  autores  estoriaaes  assi  gregos  como 
latinos.  Os  quaaes  todos  juntamente  e  cada  hum  per  si  acordam  esta 
seer  a  mais  exçellente  virtude  que  se  pode  achar  no  príncipe  .ss.  nas 
aduersidades  seer  forte    e   nas   prosperidades  vmildoso.    ca    per   faleci-    3o 

2.  cuidado]  ca  elles  nam  se  contentam,  add  B.  —  3.  jmposiuel  B.  —  4.  acrecentão 
B.  —  6.  de  escreuer  B.  —  8.  rezam  B.  —  9.  Da  tençam  I,  No  qual  se  dirá  a  tençam  B.  — 
12.  acabado  B. —  14.  Castellãos  C,  castelhanos  B. —  14-15.  desforçado  E,  de  esforçado 
B.  —  18.  paz  B.  —  ig.  ataaly  E,  atelij  B.  —  21.  mui  B.  —  22.  e  afamados  CE,  ca  falamos 
B.  —  Castellãos  C,  castelhanos  B.  —  22.  mas  E,  mais  B.  —  26.  assi  B  —  pellos  B  —  filó- 
sofos C,  phõfos  B  — estóicos  C,  estoricos  B.  —  27.  peripateticos  CE,  peripatericos  B  — 
28.  esta  CE,  esto  B. 


—  i5  — 

mento  de  cada  huúa  delias  cairam  ja  muitos  príncipes  muy  grandes  que- 
das segundo  conta  Joham  Bocaçio  hum  poeta  que  foy  natural  de  Flo- 
rença. Nem  entendaaes  que  elRey  assi  deseiaua  a  paaz  por  força  de 
cansaço  que  ouuesse  em  sosteer  os  trabalhos  da  guerra,  os  quaaes  sam 
5  per  sij  tam  grandes  que  sobre  elles  nam  ha  outros  mayores.  Ca  nom 
ha  prinçipe  que  os  continuadamente  soporte  que  se  lhe  a  velhice  nam 
antiçipe  ante  muitos  annos  do  que  o  a  sua  natureza  rrequere.  como  o 
poderees  veer  na  segunda  década  de  Tito  Liuio  no  dezeno  liuro.  onde  fala 
das  rrezões  que  ouue  Anibal  com  Cepiam  chamandose  velho  sendo  elle 

10    cm   jdade  de  xxxvj  annos.   somente  poUo  trabalho  da  guerra   que  sos- 
tcueia  em  Espanha  e  Itália  per  espaço  de  xvj  annos.     Ca  se  elRey  Dom 
Joham  este*  cansaço  e  enfadamente  sentira  nam  mouera  logo  tanto  que    B  6,  v,  i 
a  paaz  teue  cobrada  tam  grandes  cousas  como  acharees  ao  diante  que 
moueo.     E  pois  que  medo  das  desauenturas  da  fortuna  nem  o  espanto 

i5  da  grande  multidam  dos  jmigos  nam  foy  o  principal  azo  per  que  elle  bus- 
casse paaz  nem  outrosy  vontade  pêra  se  afastar  dos  trabalhos  e  buscar 
rrepouso  e  assessego.  a  quem  poderemos  atrebuir  esta  sua  vontade  senara 
aquelles  dous  princípios  que  sam  escritos  na  primeira  tauoa  pollo  dedo 
de  Deos  dados  a  Mouses  no  monte   Oreb.   nos  quaaes  se  ençarraram 

20  todollos  outros  segundo  o  diz  a  santa  escpritura  .ss.  que  amaua  Deos 
sobre  todallas  cousas  e  o  seu  próximo  como  a  sij  mesmo.  Amaua  Deos 
em  quanto  cobiçaua  e  deseiaua  de  o  seruir  naquelle  offiçio  que  a  seu 
estado  conuinha  oftereçendo  seu  peito  a  rreçeber  muitas  chagas  e  feri- 
das nam  rreçeando  trabalho  corporal  nem  espalhamento  de  sangue  pollo 

25  seu  amor.  e  o  que  mais  caro  era  nam  perdoar  a  sua  vida  por  exalçamento 
de  sua  santa  fee  catholica.  E  posto  que  alguíjs  neiçeos  e  couardos  digam 
que  a  guerra  dos  mouros  nam  he  o  mayor  seruiço  que  a  Deos  pode  seer 
feito  per  os  seus  fiees  christaãos.  erram  grauemente.  ca  se  assi  fora  os 
muy  nobres  rreis   dEspanha  que   lançaram  os  mouros  delia   depois  da 

3o    morte  delRey  Dom  Rodrigo  nam  fezeram  oje  tam  grandes  milagres  como 

Deos  *  por  elles  cada  hum  dia  faz  nas  sepulturas  onde  jazem,  nem  se  fezera    B  6,  v,  2 
tanto  seruiço  como  se  faz  nas  sees  e  moesteiros  e  jgreias   que  elles  tam 
grandemente   edeficaram  e  dotaram  leixandolhes  muy  grandes  rrendas 

I.  delas  B  —  mui  B.  —  3.  assi  B.  — 4.  soster  B.  —  5.  sy  B.  —  7.  ante  CE,  antes  B  — 
requere  B.  —  9.  çepião  B.  —  1 3.  ao  diante  E,  adiante  B.  —  14.  desauenturas  C,  auenturas 
B.  —  i5.  foi  B. —  16.  paz  B.  —  17.  asossego  B  —  poderemos  E,  queremos  B.  —  18.  princi- 
pius  B.  —  19.  Oreb  C,  ores  B.  —  20.  sancta  B.  —  21.  si  B.  —  22.  descjaua  B.  —  24.  rre- 
çeando C,  rrecebendo  B.  —  26.  sancta  fe  B  —  digam  CE,  sigam  B.  —  28.  ca  se  assy  fora 
CE,  que  asssi  forom  B.  —  3 1 .  cada  um  dia  CE,  cada  dia  B.  —  33.  dotarão  B  —  e  leixan- 
dolhes B  —  mui  B. 


—  io- 
de que  se  manteueram  e  mantém  muitas  pessoas  rreligiosas  que  cada  hum 
dia  iouuam  e  adoram  o  nome  do  Senhor,  e  os  bem  auenturados  mártires 
que  por  exalçamento  da  sua  santa  fee  se  forom  antre  os  mouros  a  rre- 
çeber  coroa  de  martírio  nam  teriam  taaes  sedas  como  teem  e  possuem  éter-      5 
nalmente  ante  o  trono  do  emperador  celestial.    E  amaua  a  o  próximo  em 
quanto  se  doya  de  qualquer  danno  que  lhe  viesse,  ca  posto  que  aquellas 
vitorias  ouuesse  contra  elles  sempre  os  rrequeria   e  amoestaua   que  toda 
via  ouuessem  paaz.     E   esto  era  forte  cousa,  que   elle  que  auia  de  seer 
rrequerido   por   ella  polia  vitoria  que   auia.   elle  a  mandaua  rrequerer.    'o 
mas   esto  fazia  elle  a   dous   fins.  o  primeiro  por  que  lhe  pesaua  de  seu 
danno  em  quanto  eram  christaaos.  e  o  segundo  por  que  guerreando  com 
elles  nam  podia  auer  lugar  pêra  seruir  a  Deos  como  deseiaua.     Em  este 
passo  tem  alguús  pouco  menos   que  ereges  que  todallas  criaturas  rrazo- 
auees  de  qualquer  ley  que  seiam  deuemos  de  contar  por  próximos,  o    i5 
que   se  assi  fosse  seria  erro  fazermoslhe  danno  de  certa  ciência,   mas  a 
esto  posso  eu  daar  aquella  rreposta   que  ja   dey   em   cima   com  outras 
muitas  autoridades  da  santa    escritura    que   eu   bem   poderia    amostrar 
7.  ■■;  '    posto   que*  fraco  letrado  eu  seja.  as  quaaes  ficam  por  escreuer  por  que 

nam  sam  pêra  declarar  de  todo  em  semelhantes  lugares.     Porem  con-    20 
eludindo  este  capitullo  o  virtuoso  Rey  Dom  Joham.  em  comprimento  de 
seu  gram  desejo  segundo  os  mandamentos  de  nosso  Senhor,  tanto  como 
elle  pode  buscou   e  rrequereo  paaz.   a  qual   lhe  Deos  encaminhou  conhe- 
cendo sua  vontade  polia  guisa  que  ao  diante  ouuirees. 


Como  os  embaxadores forom  a  Castella  e  da  rreposta  25 

que  ouiierom.     Capitullo  v. 

DEPOIS  da  morte  delRrey  Dom  Anrrique  que  foy  filho  daquelle  Rey 
Dom  Joham  que  veeo  aa  batalha,  ficaram  delle  dous  filhos  .ss.  hum 
filho  que  chamauam  Dom  Joham  como  seu  avoo  e  huíja  filha  que 
ouue  nome  Dona  Caterina  como  sua  madre.  E  por  quanto  aquelle  filho  3o 
delRey  Dom  Anrrique  que  sobçedeo  no  rregno  em  lugar  de  seu  padre 
era  de  muito  pequena  jdade  quando  primeiramente  começou  de  rreinar. 
ficaram  por  seus  tutores  a  Rainha   Dona   Caterina  sua  madre   que  era 

1-2.  cada  um  dia  CE,  cada  dia  B.  —  3.  sancta  B.  — 4.  posuem  B.  —  9.  avia  B.  —  i3- 
14.  rrazoauees  C,  rracionaaes  B.  —  16.  jaa  B.  —  17,  sancta  B.  —  19.  todos  B.  —  20.  Joam 
H.  —  23.  guisa]  omh  —  ao  diante  E,  adiante  B.  —  26.  delrrei  B  —  Rei  B.  —  28.  Joã  B.  — 
3o.  no  C,  o  B.  —  32.  tutores  CE,  titores  B. 


—  '7  — 

jrmã  da  Rainha  Dona  Felipa  e  o  Iffante  Dom  Fernando  seu  tio  que 
depois  foy  rrey  dAragam.  E  logo  a  cabo  de  tempo  elRey  enuiou  seus 
embaxadores  aaquelles  tutores  delRey  com  suas  cartas  de  creença  pêra 
*  acertarem  com  elles  as  pazes  antre  ambos  os  rreinos  assi  e  per  aquella  B  7,  r,  2 
5  guisa  que  fosse  achado  per  dereito  que  se  deuia  fazer,  os  quaaes  em- 
baxadores eram  Joham  Gomez  da  Silua  alferes  delRey  e  rrico  homem 
e  do  seu  conselho,  e  Martini  Dosem  gouernador  da  casa  do  Iffante  Duarte, 
e  o  doutor  Beliago  adayam  da  see  de  Coimbra,  todos  três  e  cada  hum 
em  seu  estado  eram  notauees  pessoas  e  de  grande  autoridade.     E  tanto 

10  que  chegaram  aa  corte  delRey  e  lhe  deram  suas  cartas  de  creença  come- 
çaram daçertar  seus  feitos  com  aquelles  tutores  delRey.  os  quaaes  mos- 
traram logo  poUo  presente  que  eram  bem  contentes  que  a  paaz  se  fezesse. 
com  tanto  que  fosse  buscado  caminho  como  se  bem  e  dereitamente 
podesse  fazer.     Deuees  de  saber  que  as  boõas  vontades  daquestes  eram 

i5  mouidas  per  esta  guisa.  Primeiramente  a  da  Rainha  procedia  por  causa 
do  diuado  que  auia  tamanho  com  a  Rainha  Dona  Felipa  cujos  filhos  eram 
primos  com  jrmãos  do  seu.  e  por  ello  deseiaua  que  ficassem  antre  elles 
taaes  amizades  per  que  ao  diante  nam  ouuesse  nenhuúa  contenda  antre  sy. 
E  o  Iffante  Dom  Fernando  trazia  seus  tratos  no  rregno  dAragam  pêra 

20  auer  de  ser  rrey  como  ao  diante  foy.  E  esto  era  porque  per  morte 
delRey  Dom  Martinho  que  fora  rrey  daquelle  rregno  nam  ficou  nenhum 
seu  filho  nem  neto  que  erdasse  o  rregno.  e  porem  eram  em  contenda 
sobre  a  erança  daquelle  rreino.  Rey  Reinei  que  era  rrey  de  Napole.  e 
o  Iff'ante  Dom  Fernando,  e  o  *  conde  dVrgel  padre  que  foy  da  molher  do    B  7,  v,  1 

25  Iffante  Dom  Pedro,  e  o  duque  de  Gandia.  empero  este  nom  pode  muito 
seguir  sua  demanda  por  azo  do  padre  que  lhe  pêra  ello  faleçeo.  e  ficaram 
os  outros  três  em  contenda.  E  por  quanto  o  conde  dVrgel  era  natural 
do  rreino  e  se  criara  em  elle  sentia  o  Iffante  Dom  P''ernando  que  com 
qualquer  parte  de  dereito   que  teuesse   seria  mais  fauorizado  no  rreino 

3o  que  elle  que  era  estrangeiro,  por  cuja  rrezam  tinha  vontade  de  proceder 
poderosamente  no  rrequerimento  daquelle  feito.  E  por  que  elle  cada  dia 
estaua  em  esperança  de  se  jr  ao  rregno  dAragam  com  poderio  de  gentes 
pêra  tomar  posse  do  senhorio,  sentindo  que  se  a  guerra  dantre  Portugal 

2.  daragão  B  —  emuiou  B.  — 3.  tutores  CE,  titores  B  —  crença  B.  —  4.  acertarem 
E,  aceitarem  B  —  6.  Joã  B.  —  7.  Iffante  Duarte  E,  Iffante  Dom  Duarte  B.  —  8.  e  cada 
hum  C,  cada  hum  B. —  10.  chegarão  B — crença  B.  —  11.  daçertar  C,  çertar  B  —  tuto- 
res E,  titores  B  —  delRei.  —  12.  paaz  B.  —  i5.  precedia  B.  —  16.  diuedo  E,  diuado  B.  — 
17.  deseiaua  E,  se  deseiaua  B. —  19.  Ifante  B -^  daragão  B.  —  21.  que  fora  rrei  daquelle 
regno  CE,  oní  B.  —  22.  erão  B.  —  24.  dVrgel  E,  drogel  B.  —  25.  e  o  duque  E,  e  duque 
B.  —  27.  dVrgel  E,  drogel  B.  —  3o.  razam  B.  —  3i  rrequerimento  CE,  rregimento  B. 
3 


e  Castella  ficasse  aberta  que  nom  poderia  tam  bem  acabar  seus  feitos, 
por  que  era  necessário  que  elle  fosse  o  principal  guiador  delia,  e  que 
sendo  ocupado  em  semelhante  trabalho  perderia  de  todo  o  rreino  dAra- 
gam  que  lhe  era  tamanha  honrra  e  acreçentamento.  E  porem  nam  soo- 
mente  lhe  prouue  de  se  a  paaz  rrequerer  em  tal  tempo,  mas  ajnda  teue  5 
que  lhe  fazia  Deos  merçe  por  lhe  trazer  tamanha  segurança  pêra  seus 
feitos.  Empero  ao  tempo  que  lhe  os  embaxadores  acerca  dello  falaram 
apartadamente,   elle  nom  mostrou  outra  necessidade  por  que  o  fezesse 

B  7,  V,  2    soomente  por  lhe  parecer  rrezam  e  dereito  de  se  fazer  e  assi  polia  *  boõa 

vontade  que  mostraua  a  elRey  Dom  Joham.     E  assi  que  toda  a  duuida  e    10 
tardança  daquelle   feito  ficou  nas  jgualanças  que   se  auiam  de  fazer  por 
causa  dos  danificamentos  que   forom  feitos  antre  hum  rreino   e  outro  no 
tempo  das  guerras  passadas,  sobre  os  quaaes  forom  tiradas  alguúas  jnqueri- 
ções  per  todolios  lugares  do  estremo  assi  de  hum  rreino  como  do  outro, 
e  per  todas  outras  partes  onde  quer  que  os  ditos  danos  forom  feitos.    Desy    i5 
fezerom  seus  descontos,   e  finalmente  firmaram  as  pazes  antre  ambos  os 
rreinos  em  todo  bom  amor  e  concórdia  pêra  todo  sempre,   das  quaaes 
forom  feitos  certos  capitullos  firmados  per  aquelles  tutores  delRey  e  per 
todolios  outros  prinçipaes  do  rreino  ficando  rresguardado  de  seer  depois 
rrequerido  a  elRey  Dom  Joham  de  Castella  ao  tempo  que  fosse  em  jdade    20 
que  firmasse  e  jurasse  os  ditos  capitullos.   por  que  dali   ao  diante  nom 
os  podesse  contradizer  nem  rreuogar.    E  des}'  os  embaxadores  delRey  de 
Portugal  per  poder  de  suas  procurações  que  pêra  ello  tinham  muy  sofi- 
çientes  juraram  e  firmaram  as  pazes  ata  que  os  embaxadores  de  Castella 
viessem  a  este  rreino   e  as  firmassem  de  todo   assi  elRey   e   seus  filhos    25 
como  todallas  outras  pessoas  grandes   do  rregno.     E  esto  todo  acabado 
forom  dados  pregões  per  todo  aquelle  lugar  onde  a  corte   era   com  toda 
solempnidade  que  a  tal  feito  compria.  e  assi  feitas  cartas  pêra  todallas  çida- 

B  8,  r,  1    des   villas   e   lugares  *  daquelles  rreinos  pêra  que  fezessem  apregoar  per 

todallas  suas  praças  e  rruas  prinçipaaes   a  firmeza  em  que  as  ditas  pazes    3o 
eram  feitas,  mandandolhe  que  dalij  ao  diante  tratassem  com  os  deste  rregno 
com  todo  bom  amor  e  concórdia. 


3-4.  daragão  B.  —  10.  Joam  B  —  i3.  os  quaes  E,  as  quaaes  B  —  algúas  CE,  suas  B.  — 
i5.  Desi  B. —  17.  boõ  B  —  e  concórdia  C,  concórdia  BE. —  18.  capitólios  B  —  tutores 
CE,  titores  B. —  19.  resguardado  C,  rresgardado  B.  —  20.  Joam  B.  —  21.  ao  diante  E, 
adiante  B.  —  22.  desi  B.  —  23.  muy  E,  muito  B.  —  24.  firmarão  B — ata  E,  ate  B.  —  28. 
assi  B.  —  29.  pêra  que  C,  per  que  B.  —  3 1 .  ao  diante  E,  adiante  B  —  32.  boõ  B  —  con- 
cordial  add  etc.  B. 


—  19  — 

Como  os  embaxadores  tornaram  de  CastcUa. 

e  como  as  pa\es  forom  deiiulgadas  per  todallas  partes  do  rregno. 

CapitiiUo  vj. 

COMO  as  nouas  chegaram  a  Lixboa  onde  elRey  estaua  da  vinda  dos 
embaxadores  mandou  logo  que  lhe  teuessem  prestes  suas  pousadas, 
e  os  fez  nobremente  agasalhar  assi  pollo  merecimento  de  suas  pes- 
soas como  per  rrezam  da  embaxada  que  traziam.  E  desy  teue  seu  conselho 
no  qual  os  ditos  embaxadores  forom  ouuidos  da  rreposta  que  traziam  con- 
tando a  elRey  toda  a  maneira  que  se  com  elles  teuera  naquelle  rregno  de 

IO  Castella.  dandolhe  as  encomendas  da  Rainha  e  do  Iffante  Dom  Fernando 
assi  a  elle  como  a  seus  filhos  e  a  todallas  outras  grandes  pessoas  de  seus 
rregnos.  Desy  enncgarom  a  Gonçallo  Lourenço  todallas  screturas  que 
traziam  das  firmezas  das  pazes,  as  quaaes  logo  alij  forom  lidas  e  pubri- 
cadas  em  presença  delRcy  e  de  todollos  outros  senhores  que  alij  *  eram. 

i5  E  muito  agradeçeo  elRey  aaquelles  embaxadores  o  que  assi  trataram  e 
encaminharam  por  seu  seruiço.  por  que  fora  todo  muy  bem  tratado  e 
encaminhado.  E  depois  que  esto  todo  assi  foy  acabado  mandou  que  se 
apregoassem  logo  aquellas  pazes  em  aquella  cidade  com  aquella  festa  e 
solennidade  que  tamanho   auto  rrequeria.     E  mandou  jsso  mesmo  que 

20  fossem  feitas  cartas  pêra  todallas  cidades  e  villas  do  rreino  e  pêra  alguús 
nobres  homeés  que  alij  nam  eram  de  presente,  per  as  quaaes  lhe  fazia 
saber  como  per  graça  de  Deos  antre  os  seus  rreinos  e  os  de  Castella 
eram  firmadas  pazes  e  amigauees  lianças  pêra  todo  sempre,  e  porem 
que   lhes  encomendaua   que  dessem  por  ello  muitas  graças   a  Deos.   e 

25  que  fezessem  apregoar  as  ditas  pazes  cada  hum  em  seus  fugares. 
As  quaaes  cartas  assi  feitas  e  enuiadas  foy  feito  per  todo  o  rreino 
o  que  lhes  elRey  assi  mandaua.  Mas  pêra  falarmos  dereitamente 
he  bem  que  digamos  a  diuersidade  das  openiões  que  auia  antre  as  gen- 
tes do  rregno  cada  huijs  em  sua  parte.     E  primeiramente  todollos  velhos 

3o  e  aquelles  que  auiam  dereito  juizo  eram  muito  alegres  ouuindo  a  çer- 
tidam  daqueste  feito  e  conuidauam  seus  amigos  pêra  suas  casas  e  luga- 
res fazendo  muy  grandes  conuites.  nos  quaaes  faziam  grandes  despezas 
soomente   por  se   alegrarem  de   tamanho   bem.     E  nom  podiam  em   ai 

2.  todalas  B.  —  7.  desi  B.  —  8.  trazião  B.  —  i3.  as  quaes  E,  aas  quaaes  B.  —  1 5.  assi 
B.  —  16.  muy  E,  muito  B.  —  18.  aquelas  B  —  aquella  C,  a  qual   B  — -  20.  fossem  B 

—  vilas  B.  —  26.  foi  B.  —  27.  mandaua  CE,  mandara  B  —  falaremos  B.  —  28.  hee  B  — 
diuersidade  C,  deuersidade  B.  —  29.  todolos  B.  —  3i.  pêra  E,  per  as  B.  —  32.  mui  B. 

—  33.  somente  B. 


B  8,  r,  2 


B8,  V,  I  falar  em  quanto  *  assi  estauam  em  seus  ajuntamentos  senam  nas  grandes 
virtudes  delRey  Dom  Joham.  Agora  diziam  elles.  he  Portugal  o  mayor 
e  mais  bem  auenturado  rregno  que  ha  no  mundo,  que  nos  temos  antre 
nos  todallas  boõas  cousas  que  hum  rregno  abastado  deue  teer.  Nos  temos 
grande  auondança  de  pam  per  tal  guisa  que  nunqua  a  destemperança  5 
dos  tempos  pode  seer  tamanha  que  sempre  em  alguiãas  de  nossas  comar- 
cas nom  aja  pam  com  que  se  as  outras  possam  rrepairar.  e  ajnda  quando 
os  annos  forem  jguaaes  da  nossa  auondança  poderemos  aproueitar  a 
muitos  de  nossos  amigos.  Temos  muitos  vinhos  e  de  desuairadas  nações. 
de  que  nam  soomente  a  nossa  terra  he  abastada  mas  ajnda  se  carre-  lo 
gam  muitas  naaos  e  nauios  pêra  socorrimento  das  terras  estranhas.  Pes- 
cados de  maar  e  de  rrio  sam  tantos  e  taaes  que  em  outras  nenhuúas 
partes  do  mundo  nam  sam  achados  em  tamanha  auondança.  ca  dos 
nossos  portos  se  mantém  muy  grande  parte  da  Espanha.  Azeites  e 
meles  sam  antre  nos  tantos  e  tam  boõs  que  os  nossos  vezinhos  am  mes-  i5 
ter  de  nos  e  nos  nom  delles.  Carnes  de  todallas  maneiras  proueitosas  e 
de  grande  sabor  nas  nossas  serras  e  campos  se  criam  pêra  todollos  tem- 
pos do  anno  quaaes  e  quejandas  a  natureza  dos  homeés  saaos  e  doentes 
ham  mester.  Fruitas  e  legumes  com  todallas  outras  cousas  naçem  em 
nossas    terras   sem   gram    trabalho   dos   homeés.    e    assi   auemos    estas    20 

B8,  V,  2  cousas  em  tamanha  abastança  que  a  *multidam  delias  nos  faz  desprezar 
sua  vallia.  E  os  nossos  portos  e  ancoraçÕes  sam  tam  seguros  de  todollos 
tempos  contrairos  que  tarde  ou  per  grande  ventura  rrecebem  os  nauios 
em  elles  nenhuijs  dannos  per  que  ajam  rrezam  de  se  perder.  Ora  pois 
que  assi  he  que  nos  temos  tanta  auondança  antre  nos.  qual  cousa  podere-  25 
mos  mais  rrezoadamente  deseiar  que  a  paaz.  que  sem  ella  nenhuúa  cousa 
per  grande  e  boõa  que  seja  nam  se  pode  em  seu  perfeito  estado  conser- 
uar.  e  os  danos  que  se  per  sua  causa  seguiram  assaz  sam  de  muitos  e 
grandes.  Porem  pois  que  Deos  prouue  de  dar  tanta  vitoria  e  tanto  bem 
a  nosso  bom  Rey  que  nos  procurasse  a  paaz  cora  o  rregno  de  Castella.  3o 
temos  grande  rrezam  de  nos  alegrar  e  rrogarmos  a  Deos  polia  saúde  e 
estado  delRey  nosso  senhor,  que  pois  nos  temos  paaz  com  Castella  todo 
outro  poder  do  mundo  nam  no  auemos  que  temer,  ca  nos  da  huQa  parte 
nos  cerca  o  maar  e  da  outra  temos  muro  no  rreino  de  Castella.  Ora 
daqui  auante  poderemos  aproueitar  nossos  beés  e  vender  nossos  fruitos  sem  35 
alguúa  torua  nem  empacho,  ja  agora   os  nossos  mercadores  poderam  jr 

1 .  senão  B.  —  2.  Johão  B  —  he  DE,  o  B.  —  4.  todalas  B.  —  5.  per  tal  E,  para  tal  B. 
1 1 .  nãos  B.  —  20.  grão  B  —  22.  tão  B.  —  24.  aiam  B.  —  27.  per  E,  por  B.  —  29.  beé  B. 
—  3o.  boõ  B  —  paz  B. —  3i.  pola  B.  —33.  outro  E,  o  outro  B.  —  36.  jaa  B. 


seguramente  per  toda  a  Espanha  a  vender  suas  mercadorias  de  que  nos 
poderam  trazer  muitas  nobres  cousas  pêra  guarniçam  de  nossas  casas,  e 
os  nossos  lauradores  que  morauam  naquelle  estremo  tornaram  a  pouoar 
os  casaaes  e  erdades  que  desempararam  com  temor  dos  jmigos.  e  nos 
5  *  outros  jaremos  em  nossas  camas  rrepousando  sem  esperança  dos  traba-  B  9,  r, 
lhos  da  guerra  pêra  que  ajamos  de  seer  chamados,  nem  ouuiremos  os 
gemidos  das  molheres  a  que  chegarem  as  nouas  da  morte  de  seus  mari- 
dos. E  quando  andarmos  polias  nossas  praças  nom  teremos  nenhum 
temor  de  nos  chegarmos  ao  ajuntamento  de  nossos  amigos  por  rreçear- 

10  mos  de  ouuir  as  desauenturas  de  nossa  terra,  por  que  quando  se  as 
cousas  rreuoluem  per  semeliiante  maneira,  a  meude  correm  as  nouas 
polias  cidades  e  uillas  as  quaaes  continuadamente  nom  podem  seer  ale- 
gres. Nos  andaremoi;  per  nossas  rromarias  visitando  as  rreliquias  dos 
santos   por  que  possamos  cobrar  saluaçam  pêra  nossas  almas,  e  quando 

i5  jouuermos  em  nossas  camas  chegados  aa  morte  teremos  vagar  pêra 
fazermos  nossas  mandas  e  testamentos  com  grande  segurança  que  se  nos 
ajam  de  comprir  nossas  postumeiras  vontades  depois  do  acabamento 
de  nossas  vidas,  e  alegres  nos  partiremos  deste  mundo  quando  certa- 
mente soubermos  que  as  nossas  carnes  se  am  de  gastar  nos  çerimiterios 

20  daquellas  jgreias  onde  dizimas  dos  nossos  fruitos  e  as  premiçias  dos  nossos 
gados  demos  aos  nossos  rreitores  padres  de  nossas  almas.  E  que  será 
outra  cousa  a  terra  que  nos  gastar  senom  carne  dos  nossos  padres  e 
auoos.  filhos  e  parentes,  em  cuja  companhia  nos  aleuantaremos  quando 
derradeiramente  *    formos    chamados   pêra   hirmos    juntamente   aaquelle    b  9,  r, 

25  juízo  no  qual  o  filho  da  virgem  detreminara  nossas  maldades  como  for 
sua  merçe.  os  quaaes  proueitos  nos  trouxe  a  bem  auenturança  da  paaz. 
Outras  departições  muy  contrairás  daquestas  eram  antre  os  fidalgos  man- 
cebos com  todollos  outros  de  sua  jdade  e  assi  alguús  homeés  que  nam 
tinham  outro  bem  senam  esperança  do  ganho  que  lhe  auia  de  seer  dado 

3o  por  auantagem  que  fezessem  no  feito  das  armas.  Certamente  deziam 
elles.  nam  tinha  elRey  menos  cuidado  de  trautar  pazes  com  Castella  que 
se  elle  tiuera  perdido  os  milhores  castellos  de  seu  rreino.  Que  queria 
elle  mais  senom  que  os  Castellãos  viessem  rrequerer  pollos  dannos  que 
lhe  cada  dia  eram  feitos.     Nos  tinhamos  agora  tempo   de   cobrarmos  de 

35    Castella    camanha    parte    quiséramos,    ca    elRey    he    em    muy    pequena 

2.  nobres  D,  nobles  B  —  guarnição  B.  —  4.  desempararão  B.  —  5.  repousando  B.  — 
8.  andaremos  B.  —  9.  chegaremos  B.  —  10.  nossas  B  —  i5.  jouueremos  B.  —  19.  syrimi- 
terios  D,  ceremiterios  E.  —  20.  igrejas  B.  —  21.  nosas  B.  — 24.  foremos  B  —  hiremos  B. 
—  25.  uirgem  B. — 3i.  trautar  E,  tratar  B.  —  32.  elle  E,  nelle  B.  —  33.  Castellãos  D, 
Castilhanos  B.  —  34.  cobraremos  B. 


jdade  per  cuja  rrezam  todo  seu  rreino  se  rrege  per  tutores  os  quaaes  con- 
tinuadamente nam  podem  seer  em  nenhum  acordo,  e  por  qual  quer 
pequena  desauença  que  antre  elles  ouuera  logo  fora  necessário  que  todo 
o  rregno  fora  deuiso.  que  fora  grande  azo  pêra  nos  fazermos  nossas  en- 
tradas per  aquelle  rregno  de  cujos  rroubos  enrrequeçeramos  toda  nossa  5 
terra,  e  os  nobres  liomées  teueram  tempo  e  azo  de  exercitar  suas  forças  e 

B,  9,  V  1  valentias  segundo  pertence  aa  viueza  *  de  sua  jdade.  Quanto  o  trabalho 
fora  milhor  e  a  guerra  mais  continuada  tanto  elles  teueram  mais  vsado  o 
officio  das  armas  e  mais  cousas  e  milhores  e  esprementadas  com  que 
poderam  fazer  grande  empeçimcnto  a  seus  jmigos  o  que  agora  será  poUo  lo 
contrairo.  ca  os  mancebos  perderam  a  milhor  parte  da  sua  jdade  ou  se 
hiram  fora  do  rregno  onde  os  galardoões  dos  seus  trabalhos  seram  atri- 
buídos aos  estranhos.  Empero  esta  culpa  nom  he  se  nam  da  velhice,  ca 
elRey  e  todos  aquelles  que  algo  seguiram  nas  primeiras  guerras  sam  ja 
cansados  e  enfadados  polia  grande  sofrença  dos  trabalhos  que  ouueram.  i5 
e  porem  desciam  rrepouso.  pollo  qual  trabalharam  trazer  todollos  feitos 
a  este  fim.  ca  se  elles  forom  dos  nossos  dias  nam  se  atrigaram  tam 
asinha  de  buscar  assessego  pêra  sy  nem  pêra  o  rregno.  saluo  se  fora  com 
outra  muito  maior  auantagem.  Quem  será  aquelle  que  possa  em  este 
mundo  fazer  cousa  por  santa  e  boõa  que  seja  que  aja  daprazer  a  todos.  20 
quando  aquelle  que  fez  todallas  cousas  obrando  tam  justamente  nam 
pode  fazer  cousa  com  que  aprouuesse  a  todos,  ca  se  for  obra  de  siso 
he  necessário  que  aborreça  ao  sandeu,  e  se  for  feito  de  fortaleza  enteja 
ao  fraco,   e  assi  que  cada  huija  cousa  aborrece  seu  contrairo.     Outras 

B,  9,  V,  2    departições  ouue  em  *  aquelle  feito  como  geralmente  se  faz  em  todas  obras    25 
dos  homeés  das  quaaes  nam  curamos,  por  que  nam  he  bem  que  vamos 
pollo  rrasto  de  todallas  cousas. 


I .  rezam  B  —  tutores  E,  titores  B.  —  4.  regno  B  —  fazeremos  B.  —  5.  regno  B  —  enre- 
queceramos  D.  —  *').  omeês  B  —  teueram  E,  tiueram  B  —  aazo  B.  —  7.  viueza  B,  ardideza 
D  —  quanto  B,  e  quanto  E.  —  8.  milhor  B,  mayor  E. — q.  esprementadas  DE,  esperi- 
mentadas  B. —  12.  dos  B,  de  E.  —  14,  algo  B,  o  E  —  seguirão  B^ — guerras  primeiras  D. 

—  jaa  B.  —  20.  e  E,  nem  B  —  de  aprazer  B,  daprazer  E. — 23.  aboreça  B,  avorreça  D 

—  ao  D,  o  B  —  2G.  omeês  B. 


—  23  — 

Como  ElRey  Dom  Joham  enuiou  rreqiierer  ao  Iffante  Dom  Fer- 
nando a  conquista  de  Grada.      Capitullo  vij. 

Assi  trazia  o  muy  nobre  Rey  Dom  Joham  prantado  o  amor  da  santa 
fee  nas  entranhas  de  seu  coraçam  que  tanto  que  aquella  paaz  teue 
cobrada  logo  se  trabalhou  de  maginar  lugar  e  maneira  como  podesse 
fazer  serviço  a  Deos  segundo  tinha  desejo.  E  por  quanto  o  rregno  de 
Grada  lhe  pareçeo  mais  azado  pêra  a  guerra  que  outro  algum,  fez  saber  sua 
entençam  ao  Iffante  Dom  Fernando,  por  quanto  os  rreis  de  Castella  tem 
assi   aquelle  rregno  casi  em  sogeiçam  dizendo  que  he  da  sua  conquista. 

IO  que  porem  nam  o  deue  guerrear  nenhuúa  pessoa  sem  sua  autoridade  e 
mandado,  e  jsto  ficou  assi  tanto  em  vso  des  o  tempo  que  os  rrex  dEs- 
panha  tinham  os  mouros  antre  sy  que  ja  agora  comunalmente  o  am  por 
dereito.  E  tanto  que  aquelle  rrecado  fo}'  ao  Iffante  Dom  Fernando  deu  em 
*  rreposta  que  os  feitos  de  Castella  estauam  assi  empachados  que  elle  por    B,  io,r,  r 

i5  entam  nom  podia  detreminar  dereitamente  a  rreposta  que  naquelle  feito 
ouuesse  de  daar.  e  também  tinha  sua  demanda  começada  por  parte  do 
rreino  dAragam  a  qual  entendia  proseguir  ata  auer  comprimento  de  seu 
dereito.  E  que  por  ello  tinha  feitas  tregoas  com  o  rregno  de  Grada  por 
certo  tempo,  e  que  elle  rrepousasse  assi  ata  as  ditas  cousas  serem  findas. 

20  e  que  se  se  a  guerra  com  aquelle  rreino  começasse  que  elle  o  faria  saber, 
e  que  entam  poderia  enuiar  seu  rrecado  por  declaraçam  de  sua  vontade 
sobre  a  qual  se  teria  conselho  e  lhe  seria  dada  detreminadamente  sua 
rreposta. 


I.  Joam  B  —  requerer  B.  — 3.  nobre  D,  noble  B  —  Joam  B.  —  4.  paz  B.  —  5.  logar  B 
—  podesse  D,  podessem  BE.  —  7.  pêra  a  E,  para  B. — 8.  entençam  B,  tençam  D. — 
9.  sogeição  B  —  da  B,  de  D. —  11.  Rex  B,  reis  D.  —  12.  jaagora  B,  jagora  D. —  i5.  detri- 
minar  B  —  que  naquelle  B,  que  lhe  naquelle  E.- —  17.  a  qual  B,  a  que  elle  E  — pro- 
seguir D,  perseguir  BE  —  ata  E,  atee  B. —  18.  tinha  E,  om  B — feitas  E,  feito  B. — 
19.  ate  B  —  findas  E,  finadas  B.  —  21.  recado  B.  —  22.  detriminadamente  B. 


—  24  — 

Como  clRey  tinha  vontade  de  fa\er  g}-andes  festas  cm  Lixboa 

pêra  fa\er  seus  filhos  caualeiros.  e  como  os  Iffantes  falaram  acer- 

qua  dello  autre  sy  que  semelhante  7naneira  de  cauallaria  nam  era 

honrrosa  pêra  elles.   CapituUo  viij. 


E 


|M  este  presente  capituUo  nos  he  necessário  que  tornemos  atras  por      5 
trazermos  nosso  processo  em  sua  dereita  ordenança.     Ca  muitas 
vezes  se  acerta  que  jazem  as  primeiras  pedras  ao  pee  da  obra  espe- 

B,  io,r,  1  rando  por  seu  propio  lugar,  e  as  derradeiras  sam  postas  *  no  fundamento  do 
liçeçe  quando  o  mestre  da  geometria  laura  em  seu  offiçio.  Onde  assi  he 
verdade  que  ante  muito  do  presente  negocio  o  muy  nobre  Re}'  Dom  Joham  lo 
dissera  como  tinhti  grande  vontade  de  fazer  seus  filhos  caualeiros  o  mais 
honrradamente  que  se  bem  podesse  fazer,  e  esto  falara  elle  ja  por  vezes 
ante  daquelle  tempo  e  nam  he  duuida  ser  esta  a  principal  cousa  em  que 
seu  coraçam  por  aquelle  presente  fosse  mais  ocupado.  Ca  via  ante  seus 
olhos  taaes  três  filhos  baroÕes  fortes  e  mancebos  como  de  huúa  jdade  que  i5 
pouco  mais  leuaua  hum  ante  o  outro  que  hum  anno.  os  quaaes  cada  vez 
que  pareciam  ante  seu  padre  lhe  acreçentauam  no  desejo  sobre  o  pri- 
meiro pensamento,  como  per  qual  maneira  poderia  mais  honrrada- 
mente daar  estado  caualeiroso  aaquelles  filhos  que  lhe  Deos  por  sua 
mercê  quisera  dar  com  tanta  apostura  de  todallas  cousas  que  a  nobres  20 
príncipes  conuinha.  E  falando  sobre  ello  huiãa  vez  disse  assi.  Se  me 
Deos  por  sua  merçe  traz  assessego  a  este  rreino  per  firmeza  de  pazes 
com  Castella.  eu  quero  ordenar  huúas  festas  rreaaes  que  durem  todo 
hum  anno.  pêra  as  quaaes  mandarey  conuidar  todollos  fidalgos  e  gen- 
tijs  homeés  que  teuerem  jdade  e  desposiçam  pêra  tal  feito  que  ouuer  em    25 

B,  IO,  V,  I  todollos  rregnos  *  da  christandade.  e  ordenarej*  que  nas  ditas  festas  aja  nota- 
uees  justas  e  grandes  torneos  e  muy  abastosos  conuites  seruidos  de  todal- 
las viandas  que  se  per  todo  meu  rregno  e  fora  delle  possam  auer.  E 
desy  danças  e  outros  jogos  seram  tantos  e  taaes  que  assi  delles  como  de 
todallas  outras  cousas  as  gentes  que  o  virem  tenham  que  sobre  a  gran-  3o 
deza  delias  nom  se  possam  fazer  outras  maj-ores.    E  com  esto  darey  tantas 

3.  açerqua  D,  açerqa  B  —  delo  B.  —  5.  Em  este  B,  Neste  E.  —  8.  por  seu  B,  por  o 
seu  D.  —  9.  liçeçe  B,  liçerçe  D,  alicece  E.  —  seu  officio  E,  seus  officios  B.  —  10.  muitos  B 

—  rey  B  —  Joam  B.  —  12.  onrradamente  B  ^  jaa  B  —  por  E,  per  B.  —  1 3.  a  principal  E, 
principal  B.  —  14.  ocupado  D,  acupado  B.  —  i5.  varõis  D.  —  16.  ante  o  B,  ao  D.  —  18.  qual 
D,  qualquer  B.  —  21.  conuinham  B,  convinha  D.  —  23.  quero  E,  queria  B.  —  25.  omeês  B 

—  2G.  dietas  B.  —  28.  todos  meus  reinos  E  —  delles  E.  —  29.  desi  B.  —  3o.  todalas  B.  — 
3i.  delias  E,  dello  B. 


—  25  — 

e  tam  grandes  dadiuas  principalmente  aaquelles  estrangeiros  que  a  gran- 
deza e  doçura  dos  benefícios  que  lhes  eu  assi  fezer  lhes  ponha  necessi- 
dade de  os  apregoarem  grandemente  antre  todollos  seus  amigos,  e  em 
fim  destas  cousas  farey  meus  filhos  caualeiros.  E  esto  fo}'  assi  dito 
■"i  per  eIRey.  a  qual  cousa  bem  queriam  todos  que  se  posesse  em  obra. 
tanto  que  elRey  ouuesse  lugar  pêra  ello.  Empero  os  Iffantes  lembran- 
dosse  quem  eram  e  a  aheza  do  sangue  que  tinham,  posto  que  este  feito 
a  outros  alguús  parecesse  grande  a  elles  pareçeo  muy  pequeno,  empero 
soportaromno  assi   em  quanto  o  feito  das  pazes  era  em  duuida.   consi- 

10  rando  que  se  se  as  pazes  nom  firmassem  e  a  guerra  ficasse  aberta,  que 
taaes  cousas  lhe  viriam  as  maãos  em  que  honrrosamente  podessem  rreçe- 
ber  sua  caualaria.  mas  depois  que  as  pazes  forom  firmadas  entenderom 
elles  que  nom  ficaua  hy  cousa  certa  em  que  elles  podessem  seer  caualei- 
ros polia  guisa  que  o  elles*  deseiauam.     E  sendo  hum  dia  todos  três  jun-    h,  io,v,2 

i3  tos  e  ajnda  o  conde  de  Barçellos  com  elles  trauaram  em  aquella  rrezam 
como  cousa  que  nom  andaua  muito  longe  de  suas  lembranças,  e  esto  era 
na  camará  de  seu  padre  sendo  elles  apartados  de  sua  presença,  dandolhe 
lugar  a  alguús  feitos  em  que  por  entam  estaua  ocupado,  e  tanto  falarom 
naquelle  feito  de  sua   caualaria  mouendose   antre  elles  muitas  rrezoões  a 

20  concrusam  detreminaram  de  o  falarem  a  elRey.  Vamos  disserom  elles 
falar  a  eIRey  nosso  senhor  e  padre,  e  digamoslhe  que  ordene  alguúa 
cousa  em  que  possamos  fazer  de  nossas  honrras.  onde  nos  elle  possa 
fazer  caualeiros.  como  pertence  aa  grandeza  de  seu  estado  e  a  exçellen- 
çia   de  nosso  sangue.     Ca  pois  as  pazes  de  Castella  sam  firmadas,  e  da 

25  parte  de  Grada  nam  temos  esperança  certa,  nom  ha  hy  pollo  presente 
cousa  nenhuúa  azada  em  que  possamos  rreçeber  estado  de  caualaria  se 
nouamente  nam  for  buscada.  Ca  polia  maneira  que  sua  senhoria  tem 
vontade  de  o  fazer  todo  he  cousa  de  pequeno  valor  pêra  a  grandeza  de 
tamanho  feito,  que   por  grandes  que   as  festas  sejam  nunqua  seu  nome 

3o  he  de  grande  vallia  pêra  semelhante  caso.  por  que  semelhantes  pessoas 
nos  grandes  feitos  de  fortaleza  com  grandes  trabalhos  e  perigos  vendo  o 
sangue  dos  seus  jmigos  espargido  ante  seus  pees  soo  he  de  rreçeber  o 
grado  de  sua  caualaria.  E  os  filhos  dos  cidadãos  e  dos  mercadores  cuja 
honrra  *  nom  se  pode  mais  estender  que  a  semelhante  estado  .ss.  de  serem    H,  1 1,  r,  i 

2.  benefficios  B  —  lhe  eu  E.  —  4.  dicto  B,  dito  E.  —  6.  logar  B.  —  10.  se  se  E,  se  B. 
—  II.  viriam  D  E,  veriam  B.  —  12.  despois  B.  —  14.  per  a  guisa  E.  —  i5.  rrezão  B.  — 
16.  muito  B,  muy  E.  —  18.  ocupado  D  E,  acupado  B.  —  20.  determinaram  B,  ordenarão 
D.  —  Vamonos  D.  —  22 .  possa  I,  pode  E,  poder  B.  —  26.  nenhúa  B.  —  'i-j.  buscado  B  — 
polia  B,  per  a  E.  —  29.  seiam  B.  —  3 1 .  perigos  D  E,  prigos  B.  —  33.  cuja  B,  a  cuja  D.  — 
34.  mais  B,  a  mais. D. 


—  26  — 

caiialeiros.  a  estes  he  cousa  conuinhauel  de  se  fazerem  festas  e  jogos, 
porque  toda  a  torça  de  sua  honrra  esta  na  fama  de  sua  despesa.  O 
conde  de  Barcelos  era  mais  velho  que  nenhum  delles.  o  qual  posto 
que  falecesse  na  nobreza  da  geraçam  quanto  aa  parte  da  madre,  fezerao 
Deos  tam  virtuoso  e  de  tamanha  grandeza  de  coraçam  que  em  todalias  5 
cousas  de  honrra  escondia  a  baxeza  do  sangue  da  madre,  e  com  jsto 
auia  elle  muy  grande  siso.  pollo  qual  auia  no  rreyno  grande  lugar  pêra 
conselho,  quanto  mais  que  elle  fora  ja  fora  destes  rreinos  per  espaço  de 
grande  tempo,  e  fora  per  casas  de  grandes  príncipes  e  senhores,  onde  lhe 
fora  dada  grande  autoridade  assi  por  seer  filho  de  quem  era  como  polia  lo 
grandeza  do  seu  corregimento.  porque  aalem  dos  seus  corregimentos 
serem  grandes  e  boõs  leuaua  consigo  muitos  senhores  e  grandes  homeés 
com  outros  muitos  fidalgos  deste  rregno  de  que  sempre  foy  muy  bem 
acompanhado,  e  foy  tam  longe  a  sua  jda  que  chegou  aa  casa  santa  de 
Jerusalém,  em  esta  viagem  que  elle  assi  fez  aprendeo  e  soube  muitas  i5 
cousas  que  vio  naquellas  partes  estranhas  per  as  quaaes  acreçentaua 
muito  mais  em  seu  proueitoso  conselho.  Assi  que  por  todas  estas  cousas 
posto  que  os  Iftantes  fossem  tam  *  prudentes  e  descretos  tomaram  porem 
grande  ousio  pêra  falarem  a  seu  padre  quando  viram  que  lhes  o  conde 
tam  grandemente  louuaua  seu  bom  preposito.  20 


Como   Joham  Affonso  veedor  da  fa:{enda  falou  aos  Iffantes  na 

cidade  de  Cepta  e  como  os  Iffantes  falaram  a  seu  padre. 

Capitullo  ix. 

NAM  eram  ajnda  estas  rrezões  de  todo  postas  em  fim  quando  hi  logo 
sobrechegou  Joham  Affonso  veedor  da  fazenda  delRe3^  o  qual  25 
posto  que  detreminadamente  nam  ouuesse  certidam  do  preposito. 
polias  congeituras  do  que  vio  entendeo  que  o  feito  em  que  aquelles  senhores 
falauam  era  de  grande  peso.  Ca  em  semelhantes  cousas  sam  apartados  os 
homeés  anisados  dos  outros  de  grosso  engenho,  os  quaaes  por  pequeno  moui- 
mento  que  aconteça  e  faça  entrepetam  grande  parte  do  que  homem  tem  3o 
na  vontade.    E  porem  Joham  Affonso  cuja  crareza  dentender  fora  a  prin- 

—  2.  na  fama  B,  a  fama  E.  — 4.  geração  B.  —  5.  vertuoso  D.  —  6.  baixeza  D. — 
7.  legar  B.  —  14.  sancta  B.  —  i5.  em  esta  E,  e  esta  B.  —  16.  per  B,  pêra  E.  —  21.  Joam 
B  —  veador  E.  —  22.  Ceit  DE.  —  25.  Joam.  —  26.  determinadamente  B  —  ouuisse  B  — 
certidam  E,  a  certidam  B.  —  27.  do  que  E,  que  B.  —  3i.  em  vontade  E  —  João  B  —  de 
entender  B. 


—  27  — 

çipal  causa  de  seu  acreçentamento  quando  assi  achou  os  Iffantes  desejou 
de  saber  o  fim  de  seu  preposito  por  lhe  parecer  a  calidade  da  sostançia 
de  tamanha  força  de  que  nom  podia  *naçer  senam  hum  feito  grande  e  Bii,v,  i 
pesado,  e  pediolhes  de  merçe  que  lhe  quisessem  dizer  o  fundamento  de 
-''  sua  entençam.  E  como  quer  que  os  Iftantes  quisessem  dessimular  o  pró- 
prio motiuo  de  seu  rrezoado  conhecendo  como  elle  era  homem  sesudo  e 
boõ  e  que  tinha  grande  autoridade  no  rreino  polia  grande  fiança  que 
elRey  seu  padre  em  elle  auia.  vieramlhe  a  contar  declaradamente  sua 
entençam.  Vossos  pensamentos  disse  elle  sam  assaz  de  grandes  e  boÕs. 
'O  e  pois  que  vos  taal  vontade  tendes  eu  vos  posso  assinar  huúa  cousa  em 
que  o  podees  bem  e  honrradamente  executar.  E  esto  he  a  cidade  de 
Cepia  que  he  em  terra  dAftriqua  que  he  huija  muy  notauel  cidade  e 
muy  azada  pêra  se  tomar,  e  esto  sey  eu  principalmente  per  hum  meu 
criado  que  la  mandey  tirar  alguús  catiuos  de  que  tinha  encarrego,  elle 
'5  me  contou  como  he  huúa  muy  grande  cidade  rriqua  e  muy  fermosa.  e 
como  de  todallas  partes  a  çerqua  o  mar  afora  huúa  muy  pequena  parte 
por  que  am  sayda  pêra  a  terra.  E  segundo  o  grande  desejo  de  vosso 
padre  e  o  vosso  nam  sento  per  o  presente  cousa  em  que  mais  honrro- 
samente  podessees  fazer  de  vossas  honrras  como  no  filhamento  daquella 
*o  cidade.  E  porem  me  parece  que  auereis  bom  conselho  falardes  em  ello 
a  elRey  e  pedirlhe  que  encaminhe  como  se  faça.  ca  esto  he  cousa  pêra 
ter  em  conta  ca  nom  festas  e  conuites  de  comer  e  beber  em  que 
nam  ha  senam  despesa  de  vianda*  e  ocupaçam  de  tempo,  cuja  memo-  Bii,v,  2 
ria  prescreue  com  pequeno  louuor.  Pois  disserom  elles  que  nam  fala- 
25  uees  esto  primeiro  a  elRey  contandolhe  todas  estas  cousas  per  meudo 
pêra  verdes  o  que  rrespondia  açerqua  delo.  Assi  lho  faley  disse  Joham 
Affonso  e  nam  me  parece  que  me  rrespondeo  como  eu  quisera,  ante 
passou  o  feito  como  quem  o  tinha  em  jogo.  Mas  pêra  esto  milhor  seer 
chegaiuos  a  elle  assi  como  estaes  todos  quatro  e  falailhe  no  feito  dizen- 
do dolhe  todo  o  que  sobre  ello  vos  parecer,  e  pode  seer  que  vos  entendera 
milhor  do  que  entendeo  a  mim.  Os  Iftantes  disserom  que  era  muy  bem. 
Desy  foromse   assi   todos  quatro   juntamente   onde   estaua  seu  padre  e 

I.  causa  E,  cousa  B.  —  2.  preposyto  B  —  calidade  I,  craridade  B,  qualidade  E. — 
3.  de  que  B,  que  E. — 4.  pediolhes  D,  pedindolhes  B.  —  5.  entençam  E,  tenção  B. — 
6.  conhecendo  E,  conhecimento  B. —  10.  assinar  B,  ensinar  D. —  11.  honrradamente  B, 
onradamente  E.  —  12.  Ceita  D  —  de  aflriqua  B  —  notauel  D,  notable  B.^14.  tinha 
encarrego  B,  o  tinha  encarregado  E  —  elle  B,  e  elle  E. —  16.  muy  B,  bem  D.  —  17.  grande 
B,  gram  D.  —  18.  sento  E,  sinto  B.  —  23.  ocupação  E,  acupaçam  B.  —  24.  perescreue  B, 
prescreue  E.  —  25.  esto  E,  jsto  B.  —  2G.  rrespondia  B,  vos  respondia  E  —  lho  faley  B, 
o  faley  E  —  Joam  B.  —  28.  jogue  D  —  esto  B,  isto  D.  —  3o.  parece  E. 


começaramlhe  de  falar  em  todo  o  que  passarom  naquella  camará,  dizendo 
que  posto  que  elle  teuesse  vontade  de  fazer  assi  aquellas  festas  com 
íj;randes  despesas  que  a  honrra  que  se  delias  seguia  sempre  seria  pequena 
a  rrespeito  da  obra  que  elle  em  ellas  queria  fazer.  A  qual  cousa  seria  logo 
boõa  pêra  outro  algum  príncipe  cujo  nome  e  fama  fosse  de  mais  pequeno  5 
valor,  mas  que  pêra  elle  que  tantas  e  tam  grandes  cousas  tinha  acaba- 
das que  nom  era  semelhante  cousa  pêra  teer  em  grande  estremo,  rre- 
zoando  açerqua  dello  esto  e  outras  muitas  rrezões  cada  hum  segundo  mi- 
Ihor  as  podia  entender.  Mas  elRey  cujo  coraçam  nom  se  mouia  assi 
ligeiramente  começou  de  se  rrijr  contra  elles  mostrando  que  tinha  em    lo 

B  12.  r,  1  jogo  suas  palauras.  como  ante  *  fezera  a  Joham  AfFonso.  E  este  he  o 
verdadeiro  coraçam  do  magnânimo  o  qual  logo  no  primeiro  mouimento 
por  grande  que  a  cousa  seja  nom  se  derriba  a  consentir  em  nenhum  pro- 
ueito  nem  perda  que  se  lhe  açerqua  dello  possa  mostrar,  mas  estará  posto 
em  huija  firmeza  pollo  qual  liuremente  consira  quaaesquer  azos  ou  i5 
estrouos  que  se  lhe  daquelle  feito  possam  seguir,  e  assi  rresponde  passa- 
mente  como  quem  nam  tem  a  grandeza  do  feito  em  tal  estima  que  lhe 
faça  espanto.  Os  lífantes  assi  como  homeés  desejosos  de  semelhante 
nouidade.  como  quer  que  lhe  seu  padre  aquella  rreposta  desse,  nam  se 
poderam  partir  assi  ligeiramente  de  seu  preposito  ante  consiraram  em  20 
ello  por  alguús  dias.  e  quanto  mais  em  ello  consirauam  tanto  lhe  a  cousa 
parecia  milhor  e  mais  honrrosa.  E  porem  juntaramse  outra  vez  e  falaram 
antre  sy  o  que  ante  consirara  cada  hum  em  sua  parte,  sobre  todo  ouue- 
ram  seu  conselho,  e  se  tornaram  outra  vez  a  elRey  mostrandolhe  todo 
o  que  auiam  consirado.  porque  quanto  era  o  que  a  elles  parecia  a  cousa  25 
era  tam  boõa  que  nam  tinham  senam  que  lha  trouxera  Deos  a  memoria 
por  grande  milagre.  E  assi  forom  a  elRey  auendo  por  boÕa  detremina- 
çam  de  lhe  falarem  todavia  nam  soomente  aquella  vez  mas  outras  mui- 
tas ata  que  lhe  fosse  outorgada,  e  ja  esta  derradeira  vez  falaram  a 
seu   padre  com  muito  ma3'or  peso  como   aquelles  que  teueram  mayor    3o 

B  12,  r,  2  espaço  pêra  cuidarem  no  feito,  e  a  *  jsso  traziam  muitas  e  soficientes  rre- 
sões  enduzidores  a  seu  preposito  antre  as  quaaes  disserom  que  lhe  pediam 
por  merçe  que  esguardasse  bem  naquelle  feito,  ca  sendo  bem  consira- 
das  todallas  partes  de  seu  mouimento  acharia  que  dandolhe  Deos  uitoria 

1.  passara  D.  —  3.  seria  E,  foy  B.  —  6.  que  pêra  elle  E,  porque  elle  B.  —  8.  acerca  B 
—  esto  B,  estas  D.  —  9.  coração  B. —  11.  Joam  B. —  14.  se  I,  om  B.  —  17.  estima  D^ 
estimo  B.  —  20.  preposito  D,  propósito  B  —  consiraram  B,  consirauam  D.  —  25.  pare- 
cia B,  pertencia  D.  —  27-28.  detreminaçam  D,  determinaçam  B. —  28.  mas  B,  se  nam 
D.  —  29.  ataa  B — jaa  B.  —  3o.  muyto  maior  B.  —  3i.  e  a  isso  D,  Hy  se  B.  —  32.  pro- 
pósito B.  —  33.  ca  B,  que  D. 


—  29  — 

que  acabaria  três  cousas  muy  grandes,  as  quaaes  nenhum  grande  príncipe 
nam  deuia  dengeitar  quando  se  lhe  assi  offereçessem  como  se  a  elle 
em  tal  caso  offereçeram  .ss.  a  primeira  grande  seruiço  a  Deos.  ca  se 
elle  semelhante  caso  engeitasse  tarde  ou  per  grande  ventura  lhe  sobre- 
uiria  outro  semelhante.  E  se  vos  senhor  disserom  elles  todo  este  tempo 
trabalhastes  por  paaz  afim  de  fazerdes  seruiço  a  Deos.  muito  mais  he 
rrezam  que  o  siruaaes  agora  em  este  caso.  pollo  qual  seguireis  a  boõa 
entençam  dos  bem  auenturados  rreis  dEspanha  de  cuja  linhagem  deçen- 
deis  per  rreal  geraçam.  E  a  segunda  cousa  he  honrra  que  se  vos  dello 
segue,  ca  posto  que  vos  Deos  desse  muitas  e  grandes  vitorias  contra  vos- 
sos jmigos  esto  foy  em  defensam  de  vosso  rreino.  a  qual  cousa  em  muitos 
lugares  vos  apresentaua  a  necessidade,  porque  vergonhosa  cousa  seria 
nenhum  grande  príncipe  que  possue  nome  rreal  leixar  guerrear  seus  rrei- 
nos  que  ante  nam  oferecesse  sy  e  seu  corpo  pêra  defensam  delles.  E  esto 
he  pollo  contrairo.  por  quanto  *  vos  por  vossa  jnleiçam  própria  sem  cos-  B  i2,v,  » 
trangimento  de  nenhuúa  pessoa  vos  ofereceis  a  este  perigo  e  trabalho 
nam  por  outra  necessidade  senam  por  seruiço  de  Deos  e  por  acreçenta- 
mento  de  vossa  honrra.  E  esto  será  assi  como  hum  sello  firme  que 
poera  grande  firmeza  em  vossas  vitorias.  E  a  terceira  cousa  he  a  grande 
e  boõa  vontade  que  tendes  de  nos  fazerdes  honrradamente  caualeiros  o 
que  por  outra  guisa  nom  podereis  fazer  de  que  se  a  vos  e  a  nos  siga  mayor 
honrra  pois  que  outra  nenhuíia  conquista  nam  tendes  em  que  o  possaes 
fazer.  Porem  vos  pedimos  por  merçe  que  queiraaes  sobre  todo  consirar 
prouendo  sobre  nossas  rrezões  com  outras  muitas  que  o  vosso  nobre  e 
grande  entendimento  concebera,  e  nos  rrespondaaes  com  efeito  a  nossa 
petiçam.  a  qual  quanto  a  nosso  juizo  nam  pode  ser  milhor  nem  mais 
dereita  segundo  as  niuitas  rrezões  que  vos  açerqua  dello  auemos  dito  e 
outras  muitas  que  leixamos  perder. 


I.  grandes  B,  boas  D.  —  2.  dengeitar  D,  de  engeitar  B.  —  3.  tall  D.  —  4-5.  sobre- 
ueria  B.  —  i3.  possue  B,  possuy  D —  i3-i4.  rregnos  D. —  14.  antes  B  —  delle  B. — 
i5.  jnleiçam  B,  enleyçam  D  —  propia  B. —  iC).  prigo  B,  periguo  D.  —  18.  esto  I,  este  B 
—  assy  B.  —  19.  em  B,  de  D  —  uitorias  B.  —  20.  bõa  B  —  honrradamente  B,  bem  e 
omrradamente  D.  —  20-21.  o  que  por  outra  guisa  non  podereis  fazer]  om  D.  —  25.  gram 
D  —  comçebera  D  —  respondaes  B. 


—  3o 


Bi2,  V,  2    Como    elRey   disse   que  nam  queria    detremirar   nenlniíia    cousa 
daquelle  feito  ata  que  soubesse  se  era  seruiço  de  Deos  de  se  fa\er 
e  como  mandou  chamar  os  letrados  pêra  o  saber.    Capitullo  x. 


N' 


•EM  aa  verdade  que  posto  que  elRey  fezesse  aquellas  mostranças  de 
nom  querer  consentir  no  rrequerimento  de  seus  filhos  que  a  sua  von-      ^ 
tade  nam  era  porem  menos  que  aquella  que  cada  hum  delles  tinha, 
mas  quanto  elle  mais  retardaua  o  feito  tanto  fazia  mayor  desejo  aos  Iffan- 
tes.  e  ajnda  prouaua  seus  entendimentos  e  engenhos  negandolhe  o  que  elles 

B  i3,  r,  I    tanto  deseiauam.    *  Porque  as  duuidas  trazem  muitas  vezes  azo  pêra  que 

a  cousa  seja  milhor  entendida,  e  por  ello  tem  os  velhos  mestres  em  cus-    '° 
tume  de  mouerem  grandes  e  muitas  questões  aos  seus  nouos  desçipollos. 
porque  o  trabalho  que  elles  tomam  a  buscar  as  prouações  traz  grande 
acreçentamento  aa  sua  sabedoria,  porque  a  mayor  parte  de  sua  lógica  he 
fundada  em  argumentos  grandes   e  duuidosos   em  que  os  escollares  apu- 
ram todallas  partes  das  outras  ciências.     Bem  ouuy  rrrespondeo  elRey  o    '^ 
que  ata  ora  me  dissestes,  e  posto  que  vossas  rrezões  sejam  justas  e  rre- 
zoadas  eu   tenho   ajnda   outros   contrairos  pêra   vos  rresponder  quando 
quer  que  sobre  ello  falarmos  açerqua  da  detreminaçam.     Empero  ante 
que   eu  nenhuúa  cousa  rresponda  quero  primeiramente  saber  se  esto  he 
seruiço  de  Deos  de  se   fazer,  ca  por  muy  grande  honrra   nem   proueito    ^° 
que  se  me  dello  possa  seguir  se  nom  achar  que  he  seruiço  de  Deos  nom 
entendo  de  o  fazer,   porque  soomente  aquella  cousa  he  boõa   e  onesta 
na  qual  Deos  jnteiramente  he  seruido.     E  porem  vos  vos  hy  pêra  vossas 
casas  e  cada  hum  em  sua  parte  consire  quaaesquer  duuidas  que  se  possam 
seguir  açerqua  do  seruiço  de  nosso  Senhor  Deos.  e  entre  tanto  mandarej'    ^5 
chamar  meu  confessor  e  assi  outros  alguús  letrados  e  falarey  com  elles 

Bi3,  r,  2  toda  a  ordenança  deste  feito  e  *  encomendarlhes  ey  que  prouejam  em 
seus  liuros  e  conçiençias  se  per  uentura  terey  alguúas  duuidas  em  contra 
do  que  eu  deuo  de  fazer  segundo  fiel  e  católico  christão.  e  eu  de  minha 
parte  consirarey  em  ello.  e  em  fim  de  todo  ao  tempo  que  ouuer  dauer  3o 
sua  rreposta  nos  juntaremos  todos  e  teremos  nossa  falia,  onde  se  tratara 
de  toda  a  sustançia  deste  feito  sobre  o  qual  detreminaremos  se  he  bem 
de  se  fazer  ou  nam.  Assi  ficou  elRey  com  aquelle  encarrego  e  os  lífan- 
tes  e  conde  de  Barçellos  forom  a  suas  casas,   onde  cada  hum  tomou  seu 

I.  determinar  B. —  2.  ate  B.  —  4.  aa  B,  ha  D.  —  5.  comsemtir  D.  —  9.  azoo  D. —  10. 
seia  B.  —  II.  decipolos  D. —  16.  atee  agora  D,  atee  ora  B  —  disestes  B  —  seiam  B. — 
18.  detriminaçam  B,  detreminação  D.  —  20.  onrra  B.  —  21.  posa  B.  —  24.  se  possam  D, 
possam  B.  —  26.  allgQs  D.  —  28.  comçiençias  D,  conçiençia  B.  —  29.  xpão  B,  crystão  D. 
—  3o.  elle  B  —  dauer]  om  D.  —  32.  o  qual  D,  a  qual  B  —  detriminaremos  B. 


—  3i  — 

apartamento  pêra  consirar  com  muito  mayor  deligençia  as  circunstancias 
e  casos  duuidosos  que  o  proseguimento  daqueile  feito  podia  trazer  quanto 
a  fee  e  seruiço  de  nosso  Senhor.  E  elRey  mandou  logo  chamar  o  mes- 
tre fre}-  Joham  Xira.  e  o  doutor  frey  Vasco  Pereira  que  eram  os  seus  con- 
5  fessores  e  o  Iffante  Duarte,  e  assi  outros  alguús  prinçipaaes  letrados  que 
se  naquella  cidade  poderam  achar.  E  também  fez  chamar  alguús  prin- 
çipaaes do  concelho  ajnda  que  poucos  fossem  e  sob  grande  segredo  lhes 
disse  por  esta  guisa.  Amigos,  fizuos  aqui  ajuntar  conhecendo  de  vos  que 
assi  per  natural  entender  como  per  auondança  de  ciência   de  que  vos 

10    Deos  guarneçeo  antre  todollos  outros  do  meu  rreino  me  poderees  saam  e 

*  proueytosamente  aconselhar  em  todo  aquello  em  que  minha  alma  possa    B  i3,  v,  i 
seer  em  alguúa  duuida.  e  pêra  esto  sey  certo  que  vos  nam  falleçeram  três 
cousas  prinçipaaes   que   se   rrequerem  pêra  os  conselheiros   dos  grandes 
senhores  antre  outras  muitas  que  bem  sabees  que  sam  detreminadas  em 

'5  todollos  liuros  que  os  antigos  escreueram  pêra  jnsinança  dos  príncipes  .ss. 
a  primeira  que  ajam  amor  aaquelle  príncipe  ou  senhor  que  ouuerem  de 
aconselhar,  porque  o  amor  traz  huúa  necessidade  polia  qual  moue  o 
coraçam  do  seu  possuidor  a  enquerer  e  buscar  todallas  cousas  pro- 
ueitosas  e  honrrosas  pêra  aquella  cousa   que  ama.     Porque  as  cousas 

20  que  descíamos  pêra  nossos  amigos  am  naçimento  daquellas  que  pêra  nos 
queríamos,  ca  cada  hum  naturalmente  deseía  ao  seu  amigo  o  que  pêra  sy 
mesmo  queria,  e  se  os  conselheiros  dos  rreis  falleçessem  desta  paixam 
muitas  vezes  proueitariam  a  mayor  força  de  seus  conselhos.  E  porem 
disse  nosso  Senhor  Jesu  Christo  aos  seus  apostollos  depois  que  lhe  rreue- 

25    lou  seus  segredos  que  lhe  nam  chamaria  mais  seus  seruos,  por  que  o  seruo 
nam  sabe   a  vontade  de   seu  senhor,   mas  que  lhe  chamaria  amigos  por 
quanto  os  ja  tinha  ensinados  na  vontade  de  seu  padre.    E  a  segunda  cousa 
que  se  rrequere  ao  conselheiro  he  que  aja  sabedoria,  porque  sem  *  ella    B,  i3,v,2 
nam  poderia  dereitamente   aconselhar,   ca  posto  que  teuesse   boõa  von- 

3o  tade  se  lhe  falleçesse  saber  nam  poderia  muito  aproueitar  aaquelle  que 
seu  conselho  ouuesse  mester  porque  a  boõa  vontade  sem  a  obra  nam  he 
cousa  perfeita.  E  porem  diz  Salamam  que  dos  conselheiros  se  auia  de 
fazer  hum   antre   mil.   o  que   se  entende  principalmente  porque  da  rre- 

3.  Joguo  D. — 4.  frei  Joam  B  —  doutor  D,  doctor  B.  —  5.  outros  alguús  D,  alguQs  outros 
B.  —  7.  sob  B,  so  D.  —  8.  amjguos  D  —  junctar  D. —  10.  guarneçeo  I,  garneceo  B. — 
14.  detriminadas  B. —  16.  ouueram  D.  —  18.  coração  B  —  do  B,  de  D  —  posuidor  B  — 
possuidor]  add.  em  que  B  —  a  B,  ha  D.  —  20.  pêra  B,  ter  a  D.  —  21.  ca  I,  a  B  —  natu- 
rallmente  D  —  deseja  B  —  ao  seu  D,  o  seu  B.  —  24.  despois  D.  —  25.  seus  I,  0111  B  — 
o  servo  I,  o  seu  seruo  B.  —  ih.  arniguos  D.  —  27.  jmsynados  D.  —  28.  que  se  rrequere  I, 
se  requeria  B  —  he]  om  B,  —  29.  poderia  D,  podia  B.  — •  3o.  falecesse  B.  —  3i.  bõa  B. 


—  32   — 

zam  deue  seer  sabedor,  e  por  que  guisa  e  em  que  cousas  se  esta  sabe- 
doria deue  dentender  seria  sobejo  de  vos  seer  por  mim  rrelatado  per 
extenso,  porque  sam  bem  certo  que  a  vos  nam  falleçe  por  entender  em 
este  caso  o  que  vos  eu  leixo  por  decrarar.  E  a  terceira  cousa  que  se  no 
conselheiro  rrequere  he  grande  segredo,  por  quanto  o  rromprimento  do  5 
conselho  traz  desfazimento  da  obra.  e  sabees  como  no  tempo  dos  Romaãos 
que  bem  e  proueitosamente  rregiam  a  grandeza  daquelle  jmperio.  huúa 
das  cousas  per  que  seus  feitos  sam  tanto  louuados  per  seus  autores  assi 
he  por  guardarem  com  grande  delligencia  a  puridade  de  seus  conselhos. 
E  de  eu  seer  bem  certo  que  em  vos  ha  comprimento  de  todallas  estas  lo 
cousas  e  que  a  mim  pertence  vossa  natureza  e  autoridade,  e  ajnda  a 
minha  boõa  vontade   mo  faz  creer  e  afirmar,   e   porque   comunalmente 

B,  14,  r,  I  *em  vos  outros  que  aqui  sooes  presentes  estaa  toda  a  força  do  conselho 
que  pertence  aa  saúde  de  minha  alma  e  alguúa  parte  da  que  pertence 
ao  corpo,  vos  rrogo  e  encomendo  que  com  toda  a  vossa  delligencia  sS 
queiraes  esguardar  e  consirar  sobre  todo  o  que  vos  agora  entendo  de 
prepoer.  Ora  he  assi  que  posto  que  eu  tanto  trabalhasse  por  firmar  as 
pazes  em  o  rreino  de  Castella  como  vos  outros  todos  sabees.  esto  Deos 
sabe  que  principalmente  era  por  seruiço  de  Deos.  e  por  muy  grande 
vitoria  que  contra  elles  ouuesse  eu  nunca  em  minha  vontade  pude  rreçe-  20 
ber  nenhuija  jntrinsiqua  allegria  soomente  quanto  era  que  pois  elles 
queriam  contra  dereito  e  rrezam  apremar  as  cousas  de  meus  naturaes.  e 
soomente  porque  meu  senhorio  nom  deuia  sogeiçam  praziame  porque  Deos 
por  sua  grande  merçe  me  queria  dar  esforço  e  ajuda  como  os  podesse  con- 
trariar o  mao  preposito  que  contra  mim  e  contra  meus  rregnos  auiam.  25 
Empero  Deos  he  verdadeiramente  sabedor  e  minha  senhora  virgem  Maria 
a  que  muitas  vezes  pedia  juda  em  minhas  orações,  que  sempre  lhe  rroguey 
e  pedi  que  per  mim  nem  per  meu  azo  nunca  nenhuiJa  geraçam  dos  chris- 

P  '4,  r,  2    taãos  rreçebesse  nenhum  mal  nem  danno.  ante  pollo  *  seu  amor  todo  o  fauor 

e   ajuda,   deseiando  sempre   vcer   algum  azo  per  que  pudesse  empecer    3o 
ajnda   que  fosse  com  grande  meu  trabalho  e  perigo  aos  imigos  de  sua 
santa  fee.    E  de  tal  seer  meu  desejo  e  vontade  he  bem  certa  testemunha 
o  rrequerimento  que  eu  açerqua  dello  começey  fazer  ao  Iffante  Dom  Fer- 

2.  demtemder  D,  de  entender  B. . —  4.  decrarar  D,  declarar  B.  —  5.  conselheiro  I, 
conselho  B  —  he  B,  hera  D  —  rrompinnento  I,  comprimento  B.  —  9.  gardarem  B.  —  10. 
ser  B  —  haa  B  —  todas  B. —  12.  comunallmente  D.  —  14.  allma  D  —  da  D,  do  B. — 
16.  esgardar  B.  —  21.  jntrinçiqua  D.  — 22.  apremar  D,  aprimar  B. —  aS.  porque  (i.")  I, 
om  B  —  nom  D,  e  nom  B  —  deuia  D,  deuida  B.  —  25.  reinos  D.  —  26.  Emperoo  B. 
—  27.  rogey  B  —  28.  pedi  B,  pedia  D.  —  jeraçam  B.  —  3o.  desejando  B. —  3i.  prigo 
B,  perigo  I.  —  32.  sancta  B  —  beem.  —  33.  Ifante  B. 


—  33  — 

nando  que  ora  he  defensor  do  rregno  de  Castella  per  cuja  rreposta  senti 
que  meu  desejo  nom  se  podia  comprir  segundo  meu  rrequerimento.  K 
porque  nam  sentia  cousa  que  poUo  presente  podesse  toruar  tal  que 
quisesse  meu  estado,  nam  senti  ai  que  podesse  fazer  soomente  pedir 
3  a  Deos  que  minha  boÕa  vontade  rreçebesse  por  obra  pois  que  por  mim 
nom  falecia  de  a  comprir.  Doutra  parte  consiraua  na  jdade  de  meus  filhos 
e  como  os  Deos  por  sua  merçe  quis  fazer  taaes  em  que  com  grande 
dereito  deuem  rreçeber  estado  de  caualaria  a  qual  pêra  teer  alguija  seme- 
lhança  de  honrra  pois  que   se  por  outra  guisa  nom   podia   fazer  quisera 

,0  que  fora  em  esta  cidade  com  huiías  muy  grandes  festas  porque  ao  menos 
a  sua  grandeza  trouxesse  azo  de  se  soar  per  as  partes  estranhas  a  honra 
deste  feito.  Mas  elles  consirando  em  ello  antre  s}^  tinham  que  se  nom 
podia  de  semelhante  maneira  fazer  cousa  por  grande  que  fosse  que  açer- 
qua  de  semelhante  feito  nom  fosse  pequena.  *  mouendome  açerqua  dello 

,5  muitas  e  justas  rrezões  por  que  deuia  buscar  outra  cousa  em  que  os 
fezesse  caualeiros.  as  quaaes  posto  que  me  justas  e  rrezoadas  parecessem 
nom  podia  porem  mais  fazer  que  o  azo  pêra  semelhantes  cousas  nam 
se  acha  assi  ligeiramente.  E  estando  em  jsto  faloume  Joham  Affonso  na 
cidade  de  Cepta  como  he  grande  e  nobre  e  azada  pêra  se  tomar,  a  qual 

20  cousa  parece  que  soube  per  auisamento  de  hum  seu  homem  que  la  en- 
uiou  tirar  aiguús  catiuos.  Empero  eu  assi  pollo  presente  leuei  o  feito  a 
jogo  porque  era  cousa  em  que  ajnda  nam  consiraua  pouco  nem  muito. 
Mas  os  lífantes  e  o  conde  de  Barçellos  meus  filhos  a  quem  o  dito  Joham 
Affonso  falou  consiraram  milhor  em  ello  e  falaramme  ja  per  duas  vezes 

25  mostrandome  muitas  rrezões  por  que  me  deuia  de  despoer  a  este  traba- 
lho, sobre  a  qual  cousa  lhes  eu  nam  quis  dar  nenhuúa  rreposta  ata  que  pri- 
meiramente nam  saiba  se  o  proseguimento  deilo  será  seruiço  de  Deos.  Ca 
vos  digo  em  verdade  que  ajnda  que  entendesse  de  cobrar  todo  o  mundo  por 
meu.  como  eu  sentisse  que  em  alguúa  parte  nam  era  seruiço  de  Deos.  eu 

3o  o  nam  teria  por  vitoria  nem  o  faria  por  nenhuiia  guisa.  Porem  porque  eu 
possa  saber  certamente  se  jsto  he  seu  seruiço  ou  nam  *  vos  fiz  assi  aqui 
ajuntar  porque  sento  pollo  grande  conhecimento  que  tendes  da  ley  de 
nosso  Senhor  Deos  me  podereis  dello  bem  auisar.  a  qual  cousa  vos 
encomendo  e  mando  que  com  toda  deligençia  queiraaes  escoldrinhar  assi 

3^  per  vossos  boõs  liuros  e  santas  escreturas.  como  polia  alteza  de  vossos 
entendimentos  e  me  tornees  dello  rreposta  o  mais  cedo  que  bem  poderdes. 

3.  sentia  cousa  D,  senti  a  cousa  B — que  D,  e  que  B — trouar  B.  —  lo.  fora  I,  forem  B  — 
porque  I,  per  que  B. —  n.  honra  I,  ora  B. — i3-i4.  acerca  B. — 14.  selhante  B. —  17.  que 
ao  B,  ca  o  I. —  18.  Joam  B  —  20-21.  emuiou  B.  —  23.  dicto  B — 23-24.  .loam  affonso  B. — 
24.  jaa  B. — 25.  devia  D,  deua  B. — 26.  atee  B. — 32.  polo  B. — 34.  escoldrinhar  D,  escodri- 
nhar  B.—  35.  sanctas  B. 
5 


34 


Como  os  letrados  tomaram  com  rreposta  a  elRey 

di{endo  que  era  seruiço  de  T>eos  de  se  tomar  a  cidade  de  Cepta. 

Capitidlo  xj. 


O 


s  confessores  sobre  quem  principalmente  o  encarrego  desto  ficaua 
nom  tomaram  aquelle  feito  com  pequeno  cuidado,  assi  polia  neçessi-  5 
dade  que  os  tanto  costrangia  a  seguir  os  mandados  delRey  como 
polia  sustançia  do  feito  seer  de  tamanho  peso  que  nenhum  homem  de  saao 
entender  nam  o  deuia  de  teer  em  pequena  conta.  E  porem  foramse  logo  pêra 
seus  mosteiros  e  com  grande  cuidado  proueram  seus  estudos  per  tal  guisa 
que  lhe  nam  ficou  nenhuúa  cousa  por  veer  daquelles  textos  e  glosas  da  sa-  lo 
grada  escretura  em  que  os  santos  doutores  detreminaram  taaes  conclusoões. 

A  I,  r,  i  *Mas  pêro  que  o  seu  cuidado  fosse  assaz  de  gramde  no  escolldrinhamento 
desta  duuida,  com  mujto  mayor  dilligençia  e  uoomtade  filharam  os  Iffan- 
tes  a  força  daquelle  emcarrego.  ca  os  seus  pemssamentos  numca  podiam 
seer  liures  nem  apartados  daquella  maginaçom,  e  tamto  corriam  per  ella  i5 
em  diamte,  que  passauam  pertodallas  duuidas,  e  começauam  eproseguiam 
o  feito  per  tall  guisa  que  sse  esqueciam  do  pomto  em  que  estauam,  e 
uiamsse  no  me\'o  daquella  cidade  emuolltos  antre  os  mouros  allegram- 
dosse  com  o  espalhamento  do  seu  samgue.  E  tamta  duçura  semtiam 
em  taaes  magmaçoões,  que  lhes  pesaua  quamdo  sse  lhe  offereçia  cousa  20 
per  que  sse  tirauam  delias.  E  porque  assi  como  naturallnaente  os 
feitos  em  que  a  maginaçam  do  homem  he  ocupada  de  dia,  esses  se 
lhe  rrepresemtam  depois  que  o  sono  tem  ocupado  seus  semtidos,  assi 
aquelles  senhores  polia  gramde  deleitaçam  com  que  tomauam  aquel- 
les  cuidados,  a  mayor  parte  da  noite  depois  de  jazerem  em  suas  camas,  25 
nam  podiam  seer  liures  da  semelhamça  daquellas  cousas.  E  huúa  uez 
lhes  parecia  que  uiam  gramde  multidom  de  nauios  carregados  de  gemtes 

A  I,  r,  2  darmas.  outra  vez  uiam  as  torres  da  cidade  *  apemdoadas  das  suas  bam- 
deiras.  outra  vez  lhes  parecia  que  sse  achauam  antre  a  força  dos  mou- 
ros, e  que  comtinuauam  tamto  sua  pelleia,  que  per  força  os  arramcauam  3o 
damtre  ssi.  E  nom  menos  trabalhados  achauam  seus  corpos,  que  depois 
de  acordados  semtiam  alguú  daquelle  camssaço,  tam  gramde  era  ho  tra- 
balho, em  que  a  uoomtade  passaua  aquellas  cousas.  Nos  tomemos  o 
emtemdimento  destas  cousas  como  christaãos,  como  quer  que  mujtos  dos 
amtijgos  teueram,  que  mujtas  das  cousas  que  ham  de  uijnr,  parecem  aos  35 
homeés  em  semelhamtes  tempos,   segumdo   escpreue   Vallerio  Máximo 

2.  Ceita  D.  —  4.  encarreguo  D.  —  5.  tomauam  D,  —  7.  pola  B  —  sustançia  I,  estancia 
B  —  serB.  —  1 1.  sanctos  B. —  12.  cuidado  E,  cuido  AB.  —  20.  quando  A.  —  25.  iazerem  A. 
—  32.  daquell  A.  —  34.  xpaãos  A. 


—  35  — 

no  seu  primeiro  liuro,  e  Marco  Túlio  no  liuro  da  uelhiçe.  O  dia  em  que 
elRey  auia  dauer  sua  rreposta,  foi  assijnado  aaquelles  senhores  e  leterados, 
no  quall  cada  huú  disse  sua  emtemçom,  segumdo  a  camtijdade  de  seu  em- 
temder  e  saber,  nom  porem  afastados  de  iiuú  propósito.  E  assi  por 
5  rreueremça  da  samta  jgreia,  como  poUo  primçipali  emcarrego  seer  daquelles, 
fallaram  primeiro  os  leterados  e  disseram  assi.  Em  esta  presemte  matéria 
senhor  disseram  eiles,  nom  ouuemos  mester  de  queimar  mujtas  camdeas 
rrequeremdo  seu  estudo,  e  esto  he  por  nom  seer  cousa  noua  nem  sob 
tall  escureza  posta  na  escpritura  per  que  o  seu*  emtempto  nos  posesse  em    ^i  ',  v.  i 

IO  taaes  duuidas,  pêra  cuja  declaraçam  nosso  emtemdimento  soomente  po- 
dasse abastar,  amte  som  cousas  tamtas  uezes  limadas  e  desputadas,  que 
em  quallquer  parte  que  homem  uaa  pella  samta  escpritura,  pode  achar 
muj  largamente  quallquer  cousa  que  açerqua  desto  queira  escpreuer. 
E   pêra   que   som   mais    outras  escprituras,    soomente    as   estorias    que 

i5  teemdes  uos  outros  primçipes  em  nossas  camarás,  pellas  quaaes  uossos 
amteçessores  ssom  amte  uossos  olhos,  e  per  ellas  acharees  o  gramde 
millagre  que  nosso  Senhor  Deos  fez  por  aquelle  boom  Rey  Remigio, 
que  prometeo  os  uotos  ao  apostollo  Samtiago,  pollo  quail  leemos  que 
o  bem   auemturado  apostollo   uisiuellmente  pareçeo  em   sua   batalha,   e 

20  per  sua  diuinall  uirtude  ouue  em  aquella  batalha  tamanha  uitoria  como 
sabees.  em  cujo  testimunho  lhe  ajmda  oje  paguam  aquelles  uotos  em 
todallas  terras  que  aaquella  sazom  eram  de  christaãos.  ElRev  Dom 
Aftbmsso  que  foi  na  batalha  das  Naues,  queremdo  elle  passar  huúa  serra 
pêra  hir  pelleiar  com  o  gramde  Miramollim  de  Alarrocos,   seemdo  eiie 

25    duuidoso  de   seu   caminho   polia    gramde   fragua    que   auia   em   aquella 
serra  per  homde  elle   de  necessidade  auia  de  passar,   nosso  Senhor  Deos 
queremdo  aprouar  a   boa  emteemçom  e  deseio  que  em  elle  semtia,   em- 
ulou* huú  amgio  do  çeeo  que  o  leuou  per  meyo  daquella  serra,  mostram-    A,  t,v,  2 
dolhe  caminho  largo  e  chaSo,  per  que  sua  oste  passasse,  omde  amte  nem 

3o  depois  numca  foi  achado.  Que  foy  senhor  delRey  Dom  Fernamdo  que 
tomou  Coymbra  aos  mouros,  e  fez  outras  mujtas  batalhas  com  elles  no 
rregno  de  Castella.  e  delRey  Dom  Aftomsso  seu  filho,  que  tomou  Tol- 
ledo.  e  do  comde  Fernam  Gomçalluez,  e  do  cide  Ruy  Diaz.  e  dos  outros 
boõs  caualleiros  fiees  e  catholicos,  que  por  amor  de  nosso  Senhor  Jesu 

35  Christo  com  tamtos  e  tam  gramdes  trabalhos  e  com  tam  gramde  espa- 
lhamento de  seu  samgue  passaram  sua  uida.  Ou  em  que  lugar  alloiare- 
mos  suas  almas  segumdo  nossa  piedosa  creemça.  senom  na  companhia 

2.  elRej  A.  —  3.  disse  I,  diz  A  —  segundo  A  —  camijdade  A.  —  ló.  antecessores  A 
—  Rei  A.  —  21.  ajnda  A.  —  27.  emteençom  A.  —  34-35.  JhQ  xpõ  A. 


—  Só- 
lios bem  auemturados  mártires,  ca  posto  que  elles  nom  morressem 
amte  as  seedas  dos  primçipes  jmfiees,  como  mujtos  daquelles  samtos 
faziam,  nom  era  porque  o  seu  deseio  se  afastasse  daquelle  propósito  per 
nehuQ  rreçeo  nem  temor,  amte  com  muy  gramde  fortelleza,  armados  da 
samta  ffe,  cometiam  ardidamente  os  jmmijgos  em  tall  guisa  que  rrijmdo  5 
esperaram  a  sua  derradeira  ora  em  meyo  daquelles  trabalhos.  Mas  pêra 
que  lembro  eu  mujto  exçellemte  primçipe,  outros  nehuiis  rrex  nem  senho- 

A,  2,  r,  I  res,  apartados  de  uossa  *  senhoria,  pois  teemos  amte  nossos  olhos  a  memo- 
ria do  muy  notauell  e  fiell  e  cathollico  christaão  eIRey  Dom  Aftomsso  Am- 
rriquez,  cujas  rrelliquias  trautamos  amtre  as  nossas  maãos.  Veede  senhor  lo 
os  signaaes  que  trazees  em  uossas  bamdeiras,  e  pregumtaae  e  sabee  como 
e  per  que  guisa  forom  gaanhados.  os  quaaes  certamente  de  todallas  par- 
tes mostram  a  paixom  de  nosso  Senhor  Jesu  Christo,  por  cuja  rreueremça 
e  amor  o  bem  auemturado  Rey  ofreçeo  seu  corpo  em  no  campo  dOuri- 
que  ueemdo  aquelles  çimquo  rrex  como  uossa  merçee  sabe.  E  comsijraae  ,5 
jsso  meesmo  senhor,  se  elle  duuidara  se  o  seguimte  trabalho  era  seruiço 
de  Deos,  nom  teuerees  uos  oje  esta  muy  nobre  cidade  nem  a  uilla  de 
Santarém  com  outros  lugares  em  uossos  rregnos,  homde  foram  per  elle 
começadas  mujtas  e  gramdes  jgreias  e  moesteiros,  e  acabadas  per  os 
outros  fiees  e  cathoUicos  christaãos,  em  que  o  offiçio  deuino  com  tamta  20 
sollempnidade  cada  huú  dia  he  trautado  e  adorado.  E  se  esto  assy  nom 
acomteçera,  muy  pequena  parte  ouuera  no  mumdo  homde  os  mamdamen- 
tos  do  samto  euamgelho  cmteyramente  forom  guardados.     Sayba  uossa 

A,  z,  r,  2    merçee   que  o   estado  millitar  nom  he  por  outra  cousa  *  tamto  louuado 

amtre  os  christaãos,  como  por  guerrearem  os  jmfiees,  ca  nom  he  neçessa-    25 
rio  nem  ha  hi  mamdamento  de  nosso  Senhor  Deos  que  façamos  guerra  a 
nehuijs  christaãos,  amte  nos  emcomemda  que  nos  amemos  huús  aos  outros 
como  jrmãaos  que  deuemos  seer  em  elle  que  he  nosso  Senhor,  segumdo 
he  escprito  per  sam  Paulo  em  mujtos  lugares  de  suas  epistoUas.    Bem  he 
uerdade  que  todo  o  rrey  deue  guardar  seu  pouoo,  assy  como  cousa  que    3^ 
lhe  he  emcomemdada  per  nosso   Senhor  Deos.   e  assy  como  pastor  deue 
de  guardar  suas  ouelhas,  nom  tam  soomente  dos  jmfiees,  mas  ajmda  dos 
christaãos,  quamdo  per  alguúa  maneyra  de  soberba  lhe  quiserem  empecer, 
ca  mall  auemturado  he  ho  rrey  em  cujo  tempo  os  seus  senhorios   rreçe- 
bem  queeda.     Mas  esto  porem  deue  cada  huú  de  fazer  com  tamanha    35 
emgiminaçom  e  madureza  de  comsselho,  que  amte   que  nehuúa   cousa 
comece,  proueia   e   saiba  se  ha  justiça   e  dereito  em  aquella  cousa   que 

8.  vosso  senhorio  I. —  i3.  Jhú  xpõ  A.  —  i5.  veemdo  A,  vencendo  I.  — 32.  ajnda  A. 

37.  haa  A. 


-37- 

per  semelhamte  maneira  quer  começar,  ca  nom  deue  seer  a  sua  emteem- 
çom  fazer  ajumtamentos  de  gemtes  por  se  delectar  de  amdar  sobellos 
campos  empeeçemdo  a  seus  uizinhos,  soomente  deuem  de  guardar  sua 
terra  pella  guisa  que  lhes  he  *  emcomemdado.  e  tamto  que  teuerem  sua  a,  2,  v,  r 
j  terra  bem  rrepayrada,  deuem  de  leixar  as  armas  e  buscar  a  paz  per 
quamtas  maneyras  poderem,  como  fazia  o  samto  profeta  Mouses,  e  outros 
alguús  boõs  duques  guiadores  do  pouoo  de  Deos.  mas  os  jmfiees 
per  nenhuúa  guisa  deuemos  comssemtir,  em  quamto  pertinaçiamente 
quiserem  aturar  em  sua  peruersa  teemçom.     E  o  boom  emperador  Jus- 

10  tiniano  que  com  tam.to  trabalho  fumdou  as  primeiras  lex,  e  todollos  jure 
comsulltos  hordinadores  do  dereito  çiuell,  mujtas  vezes  nos  amoestam  e 
mamdam  que  arrimquemos  de  nos  com  toda  nossa  força  esta  maa  e  da- 
nada seita  dos  jmfiees.  Ca  sse  o  assy  as  sagradas  lex  jumtamente  com 
os    degredos    dos   samtos  padres  nom   teuessem,   quem  daria  ousio  ao 

i5  nosso  summo  pomtifice  uigairo  geerall  sobre  toda  a  uniuerssall  jgreia, 
cujo  poderio  creemos  e  comfessamos  per  autoridade  do  samto  euamgelho, 
que  he  tam  abastamte  que  pode  legar  e  assoluer  nossas  almas  assy  e  per 
aquella  guisa  que  o  teue  primeiramente  o  apostollo  sam  Pedro,  que  nos 
desse  assoluiçam  perpetua  quamdo  dereitamente  morrêssemos  guerreamdo 

20    aos  jmfiees.     Ora  senhor  disserom  elles,  nom  auemos  por  que  acreçem- 
tar  mais  soma  de  paliauras,  abasta  que  nos  que  aqui  somos  presemtes 
per  autoridade  da  samta  *  escpritura,  assy  como  homeés  que  ssem  nosso    A,  2,  v,  3 
merecimento  teemos  graao  na  sacra  theollesia,  determinamos  que  uossa 
merçee    pode   mouer   guerra   comtra   quaaesquer   jmfiees    ass}*   mouros 

25  como  gemtios,  ou  quaaesquer  outros  que  per  aiguú  modo  negarem 
alguú  dos  artijgos  da  samta  ffe  catholica,  per  cujo  trabalho  mereçerees 
gramde  gallardom  do  nosso  Senhor  Deos  pêra  a  uossa  alma.  E  aalem 
desto  nom  ouçaaes  cousa  que  uos  açerqua  dello  seia  dito.  nem  ajmda 
que  uos  pareçam  uisoões   em  semelhamça  de  cousas   diuinaaes  nom  lhe 

3o  dees  ffe.  ca  emtemdee  uerdadeyramente  que  he  ho  espiritu  malligno  que 
uem  pêra  uos  tirar  de  uosso  boom  e  samto  propósito. 


i5.  pomtifico  A,  pontífice  I  —  igreia  A.  —  22.  come  A,  como  I.  —  25.  alguum  A. 


38  — 


Como  elRey  moueo  outras  diiuidas  que  tijnha  pêra  filhar  aquella 
cidade.     Capitullo  xij. 


T 


\ODAS  estas  rrazoões  forom  alli  allegadas  em  presemça  delRey  e  outras 
mujtas  de  que  nom  curamos  fazer  expressa  meemçom,  assy  per  os 
Iftantes  e  comde  seus  filhos,  como  per  os  outros  do  comsselho.  5 
Empero  elRey  nom  quis  logo  assy  de  presemte  rrespomder  nehuúa  cousa, 
amte  mamdou  que  lhe  posessem  assy  todo  em  escprito  pêra  o  elie 
railhor  poder  ueer  e  emgeminar  com  alguú  assessego  e  rrepouso, 
e  que  depois  tornaria  a   ello  sua  rreposta,   como  emtemdesse   que  era 

A,  3,  r,  I    rrazom.   e   assy*  lhe  ficou  aquelle  escprito,  o  quall  elle  proueeo  exami-    lo 
namdo  cada  huúa  cousa   em  sua   sustamçia.      Empero   teem   mujtos  e 
eu  que   esto   escpreuj  com   elles,   que  a  necessidade  nom   era  tamanha 
per  que  elRey  assy  ouuesse   de   rretardar  aquella  rreposta.   mas  que  o 
fez  por  teer  aazo  de  guardar  mujto  milhor  seu  segredo,  por  que  de  trimta 
e  huúa  uirtudes  que  ao  primçipe  som  apropiadas,  mujto  lhe  comuem  que    i5 
seia  cautelloso,  segundo  escpreue  samto  Agustinho  no  liuro  da  cidade  de 
Deos,  louuamdo  mujto  em  os  Romaãos  o  seguimento  desta  uirtude.     Nom 
tardou  mujto  elRey  em  proueer  seu  escprito,  como  aquelle  cujo  coraçom 
amdaua  mujto  açerqua  da  obra,   se  elle  nom  teuesse  comtrayros  que  o 
rrazoadamente   podessem  empachar,    e    sobre  todo   a   aficaçia    de  seus    20 
filhos,  os  quaaes  traziam  assy  tall  uiueza  em  aquelle  rrequerimento,  que 
numca    o   leixauom    auer    nehuú    rrepouso    em    quamto    eram    açerqua 
delle.     E  huíj  dia  os  mandou  chamar  todos   quatro  e  fallou  com   elles 
em  esta  guisa.     Pode  seer  que  cuydarees  que  me   le3'xo  rrepousar  na 
hordenamça   do  que  me  teemdes  fallado  com  mimgua  de  uoomtade.   a    25 
quall  cousa  certamente   he  mujto  pollo  comtrayro.  ca  posto  que  eu  em 
esta  hidade  seia,  nom  daria   nuamtagem  a  nehuú  de  uos  de  cubijçar  a 

A,  3,  r,  2  hora  em  *  que  sse  este  feito  podesse  acabar.  Mas  porque  ui  outros  muy 
gramdes  feitos  e  esprimentey  seus  gramdes  carregos,  conheço  como  som 
caros  dacabar,  a  quall  cousa  ajmda  a  uos  outros  he  escura  de  conhecer.  3o 
Disse  outro  dia  como  amte  de  dar  nehuúa  rreposta  em  este  feito,  queria 
saber  se  era  seruiço  de  Deos,  porque  sobre  esto  deuemos  fazer  nosso 
alliçeçe  quamto  aa  primeyra  emtemçom.  E  quamto  aa  segumda  deue- 
mos de  saber  se  o  podemos  fazer  ou  nom.  ca  mujtas  cousas  som  boas  e 
deseiadas  em  alguúas  uoomtades  dos  homeés,  e  falleçelhe  porem  o  pode-  35 
rio  pêra  as  poderem  acabar.     Porem  ja  ssey  que  esto  emteiramente  he 

10.  assi.  —  23.  huum  A.  —  36.  ia  A. 


-39- 

scruiço  de  Deos.  e  quamto  he  do  que  perteeçe  a  elle  que  o  deuo  de 
fazer.  Mas  he  agora  de  ueer,  quamto  eu  som  poderoso  pêra  o  fazer, 
sobre  a  quall  comsijraçom  eu  achey  mujtas  e  gramdes  duuydas,  das 
quaaes  primçipallmente  direy  çimquo,  que  nom  tam  soomente  todas  jum- 
5  tas,  mas  cada  huúa  per  ssy  he  abastamte  pêra  empachar  a  fim  daqueste 
feito,  e  querouos  dizer  quaaes  som,  por  que  possaaes  conhecer  a  força 
da  sua  uallia.  E  primeiramente  comsijro  como  pêra  semelhamte  feito  se 
rrequerem  muy  gramdes  despesas,  pêra  as  quaaes  hey  mester  mujto 
dinheiro,  o  quall  eu  nom  tenho,  nem  sey  pollo  presemte  *  domde  o  aja    A,  3,  v,  2 

10  nem  como.  ca  posto  que  o  quisesse  auer  do  pouoo  lamçamdolhe  alguús 
pedidos,  acho  que  sse  o  fezer,  que  sse  me  seguem  deilo  duas  perdas,  a 
primeyra  escamdallo  do  pouoo,  e  a  segumda  rrompimento  do  segredo. 
E  segumdariamente  comsijro  como  a  cidade  de  Cepta  he  tam  alomgada 
de  nos,  pêra  cujo  combate  nom  soomente  auemos  mester  as  gemtes  deste 

i5  rregno.  mas  ajmda  outras  de  fora  se  sse  offereçerem  pêra  nossa  ajuda,  e 
estas  gemtes  ham  de  leuar  armas  e  fardagees  e  outras  bitualhas  que  lhe 
som  necessárias,  e  nos  auemos  mester  artelharias  de  mujtas  maneyras  e 
mantijmentos  em  gramde  abastamça,  porque  nom  sabemos  camanho 
tempo  estaremos  sobre   aquella   cidade.     Ora  pêra  todas   estas  cousas 

20  seerem  passadas  aalem,  he  necessária  huiãa  muy  gramde  frota  de  mujtos 
nauios  e  gramdes,  afora  os  pequenos  de  que  nom  faço  gramde  comta. 
os  quaaes  nom  ha  em  meus  rregnos,  nem  posso  achar  caminho  como  os 
de  fora  possa  auer  nem  per  que  guisa.  E  a  terçeyra  cousa  acho  que  he 
a  abastamça  da  gemte  que  nom  tenho,   porque  como  ja  disse,  nom  tam 

25    soomente  aquella  que  tenho*  mas  outra  mujta  mais  me  seria  necessária  se    A, 4,  r,  i 
a  rrazoadamente   podesse  auer.   e  eu  nom  tenho  a  de  fora  nem   espe- 
ramça   como  a  aja  primçipallmente  pollo  falliçimento  do  dinheiro  que 
semto  em  meu  rregno.   e  sobre  todo  porque  o  nom  posso  auer  de  meu 
pouoo  poUos  empachos  que  uos  ja   disse,    e   assy  que  com  as  minhas 

3o  gemtes  me  comuem  soomente  fazer  todo  meu  feito.  Mas  que  será  por- 
que eu  tenho  gramde  duuida  e  pouca  seguramça  no  rregno  de  Castella. 
ca  pode  seer  que  semtimdo  como  som  fora  de  minha  terra,  podersseam 
mouer  comtra  meu  senhorio,  a  quall  cousa  será  muy  maa  ao  diamte  de 
rrepayrar.   porque   achariam  toda  a   terra  despercebida,  e  sem  nehuúa 

35  comtradiçom  obrariam  todo  o  que  quisessem.  E  assy  que  por  a  segu- 
ramça desto  comuijnha  que  eu  leixasse  minhas  fromtarias  ao  menos 
acompanhadas  dalguúa  gemte.  e  se  as  quiser  leixar,  nom  teerey  abas- 
tamça pêra  o  que  doutra  parte  ey  mester.     Ca   a   cidade   de   Cepta  he 

4.  direi  I,  tirey  A.  —  16.  bitualhas  1,  bitalhas  A. 


—  40  — 

mu}'  gramde  e  muy  forte,   pêra  cujo  combate   e  cerco  ha  mester  mujtas 
mane3'ras  de  gemte.   da  quall  se   homem  perfeitamente  nom  for  perçe- 

A,  4i  r,  1  bido,  nom  será  outra  cousa  senom  começar  feito  de  cujo  *  doesto  fique 
memoria  pêra  todo  sempre.  E  a  quarta  duuyda  que  tenho  he  comsij- 
ramdo  que  posto  que  me  Deos  desse  a  uitoria  que  em  elle  comfio,  o  5 
filhamento  desta  cidade  me  pode  fazer  mayor  dano,  do  que  proueito 
por  quamto  o  rregno  de  Graada  fica  mujto  mais  aazado  pêra  sse  poder 
comquistar.  ora  que  proueito  tenho  eu  daquelie  rregno  seer  posto  em 
sogeiçam  dos  Castellaãos,  amte  me  he  conhecida  perda,  por  quamto  som 
bem  certo  que  a  mym  e  a  meus  naturaaes  teueram  e  teem  muy  gramde  lo 
ódio.  quanto  mais  ajmda  agora  em  cujo  tempo  a  memoria  do  seu  uem- 
çimento  esta  tam  rrezemte.  e  assy  que  o  filhamento  da  cidade  de  Cepta 
pode  seer  aazo  per  que  sse  cobre  e  aja  o  rregno  de  Graada,  da  quall  cousa 
eu  per  rrazom  deuo  estar  em  mayor  esperamça  de  perda  que  de  pro- 
ueito, por  quamto  ho  acreçemtamento  do  seu  senhorio  fará  menos  fortel-  i5 
leza  aos  meus  pêra  sua  deftemssom,  e  a  elles  maior  esforço  e  poder  pêra 
uimgarem  seus  danos  passados.  E  a  quimta  cousa  me  parece  que  he 
mujto  pêra  duuydar  por  todo  sages  ou  descreto  amte  que  comece  a  cousa, 
deue  descoldrinhar  ataa  homde  chega  seu  emcarrego,  assy  como  aquelle 
que  de  todo  se  deue  proueer  e  auisar,  quanto  mais  nos  feitos  gramdes  e    20 

A,  4,  r,  2  pesados  *  de  que  homem  nom  deue  tam  soomente  comsijrar  as  cousas  pre- 
semtes  mas  as  que  ham  de  uijnr,  nem  ajmda  temer  e  rreçear  os  casos 
duuidosos  que  cumunallmente  aqueeçem,  mas  dos  que  podem  aqueeçer. 
Ora  seemdo  assy  que  Deos  nos  queira  fazer  tamto  bem  que  cobremos 
esta  cidade  a  nosso  poder,  que  nome  ou  que  homrra  nos  uem  sse  ao  25 
diamte  nom  podermos  manteer  ou  deffemder.  nos  certamente  teeriamos 
duas  duuidas  muy  gramdes  sobre  este  pomto.  A  primeyra  que  nosso 
trabalho  nom  seeria  mais  senam  como  huú  paao  que  homem  lamça  de 
sua  maão,  o  quall  soomente  aproueita  em  quamto  mata  ou  derriba,  por- 
que ao  depois  fica  em  duuida  de  sse  poder  cobrar.  E  nos  se  esta  cidade  3o 
cobramos  se  a  nom  podermos  mamteer  e  defiemder,  nom  nos  fica  nehuúa 
cousa  de  que  nos  rrazoadamente  possamos  louuar.  ca  posto  que  mate- 
mos no  seu  filhamento  gramde  multidom  de  mouros,  esto  nom  pode  seer 
sem  nosso  dampno  e  perijgo.  Quamdo  ueemos  que  huúa  alimária  per 
seu  bestiall  semtir  trabalha  de  sse  emparar  e  deffemder  de  quallquer  35 
cousa  per  que  espera  fazer  sua  fim,  ca   esto  lhe  he  dado  naturallmentc 

A, 4,  r,  1    des  do  começo  de  sua  criaçom  .s.  que*  busque  mantijmento  e  morada 

6.    do  que  I,  ca  por  A.- — 8.  de  aquelle  A. —  19.  desculdrinhar  A  —  chegua  A. — 
23.  duuidosos  I,  diuidos  A.  —  36.  lhes  A.  —  37.  busquem  A. 


—  41  — 

e  ajumtamento  pêra  fazer  jeeraçom  e  detíemssom  pêra  ssy  e  seus  fillios. 
E  pêra  esto  forom  prouijdas  cada  huOa  cin  seu  graao  de  marauilhosas 
maneiras  e  detfemssoões  per  aquelle  que  criou  a  natureza,  porque  a 
huúas  foy  posta  fortelleza  em  seus  braços,  assy  como  aos  hussos  e  outras 
5  semelhamtes.  e  aos  lioões  poderio  nos  demtes  e  nas  hunhas.  e  a  outras 
deu  fortelleza  nos  cornos,  assy  como  aos  touros  e  bois.  e  a  outras  deu 
estremada  ligeiriçe,  assy  como  a  toda  ueaçom  e  lebres  que  sse  criam  nos 
campos,  a  outras  deu  emtemdimento  e  emgenho  que  fezessem  suas  mo- 
radas nas  cauernas  dos  montes  e  nas  comcauidades  da  terra,  em   cuja 

IO  profumdeza  podessem  teer  sua  deftesa.  Mas  por  certo  mais  graada  e 
mais  iiberall  foi  a  natureza  ao  homem  damdolhe  caminho  e  maneira  como 
podesse  aalem  do  naturall.  per  sua  jmdustria  e  saber,  buscar  desuairadas 
maneiras  dartcfiçios  pêra  sua  deffcmssom,  emcaminhamdolhe  primeira- 
mente como  fezessem  ajumtamentos  era  certos  lugares,  e  desy  que  os  cercas- 

li    sem  de  muros  e  de  torres  gramdes  e  fortes,  e  que  fezessem  espadas  e  lam- 
ças  fachas  dardos  com  todallas  outras  cousas  que  ueedes  per  que  sse  os 
homeés  defemdem.   pois  emtemdees  que  os  homeés  que  tall  *  emgenho    A,  4,  v  2 
teem  ajmda  que  todo  nom  seia  perfecto,  que  quamdo  matarem  delles  alguús, 
que  mataram  delles  aos  outros.     Certamente  nom  he  de  presumir  o  com- 

20  trairo.  ca  sse  esto  assy  nom  fosse  toda  sua  uitoria  seria  de  baixo  uailor. 
mas  quamto  a  fortelleza  dos  uemçidos  he  mayor,  tamto  a  gloria  dos  uem- 
çedores  fica  mayor  e  mais  exçellemte.  Pois  que  nos  queiramos  gloriar 
na  gramdeza  e  uailor  do  esbulho  da  cidade,  esto  he  assaz  de  pequena 
uitoria,  porque  por  muy  gramde  que  a  rriqueza  seia,  nunca  poderá  seer 

25  jguall  aa  gramdeza  da  nossa  despesa,  nem  ha  nenhuij  que  per  sua  uo- 
omtade  queira  empregar  seu  dinheiro  em  semelhamte  mercadoria.  Pois 
a  homrra  que  deuia  seer  o  primçipall  preço  e  gallardom  de  nossos  gram- 
des trabalhos,  camanha  pode  seer  quamdo  nos  ajmda  nom  seremos  bem 
descamssados  em  nossas  casas,  quamdo  ja  ouuiremos  as  nouas  per  meyo 

3o  das  nossas  rruas,  de  como  os  mouros  ja  estam  em  sua  cidade  buscamdo 
nouas  maneyras  de  fortelleza  aalem  da  que  damte  auiam,  porque  ja 
mais  outra  uez  per  semelhamte  modo  ligeiramente  nom  possam  seer  em- 
trados.  Ca  certo  he  que  os  aqueeçimcntos  da  perda  trazem  nouos  auisa- 
mentos,  se  he  em  lugar  a  cousa  que  pêra  auiso  possa  rreçeber  *  emmemda.    A,  5,  r,  i 

35  E  quamto  a  perda  he  mayor,  tamto  os  auisos  per  seu  aazo  som  buscados 
per  mais  proueitosa  sotilleza,  de  que  sse  nos  seguira  a  segumda  duuyda. 
E  esto  he  que  os  mouros  que  esteucrem  em  aquella  cidade,  rresistaram 

I.  ajuntamento  A.  —  3.  dcflenssoões  A.  —  6.  assi  A.  —  8.  outros  A.  —  17.  defendem 
A. —  19.  contrairo  A. 


—  42  — 

nas  tauoas  de  seus  coraçoÕes  a  nembramça  daquelle  dampno  e  jmiuria, 
por  cuja  uimgamça  carregaram  suas  fustas  e  nauios  da  Iroll  de  sua  man- 
cebia, e  uijram  aos  nossos  do  rregno  do  Algarue  que  jaram  dessegurados 
em  suas  quimtaãs  a  rrouballos  das  uidas  e  dos  aueres.  E  sobre  todo 
perderemos  esperamça  de  ja  mais  nehuúas  nossas  mercadorias  pode-  5 
rem  sem  gram  temor  passar  em  nehuús  nauios  pêra  nehuú  porto  nem 
cidade  que  aja  no  mar  medeoterrano,  polia  diuisa  que  mujtas  vezes  per 
necessidade  uaam  fazer  em  aquella  parte,  e  que  ajmda  quiséssemos 
poer  caso  nem  certo  que  esta  diuisa  se  poderia  escusar,  elles  teeriam  as 
taraçenas  de  sua  cidade  cheas  de  fustas  e  de  nauios  soomente  afim  dem-  10 
peeçer  a  nossos  naturaaes.  Pois  a  semtemça  quall  seria  sobre  as  cabeças 
daquelles  que  assj'  tomassem,  nom  he  a  mym  necessário  que  uolla  aja 
de  declarar.  Ora  ueede  que  nos  aproueitam  tamtas  e  tam  gramdes  des- 
A,  5,r,  2    pesas  com  tamanha  força  de  trabalho  e  cuydado  com  *  esperamça  de  tam 

pequena  uitoria.  ca  a  força  primçipall  da  homrra  esta  na  mamteemça  da    i.s 
cidade,  a  quall  eu  nom  uejo  caminho  nem  maneira  como  sse  per  nos  lom- 
gamente  possa  mamteer  nem  gouernar.     Certamente   eu  diria  que  seria 
mujto  milhor  poermos  em  esqueeçimento  o  mouimento  deste  feito,   que 
de  o  aballarmos  nem  seguirmos,  pois  esta  soo  cousa  he  abastamte,  afora 
as  outras  quatro  que  som  taaes  como  ouuistes,  pêra  nos  empachar  todo    20 
nosso  propósito,  e  sse  per  uemtura  alguú  de  uos  emtemder  que  estas 
duuydas  nom  som  justas  nem  rrazoadas,  mostreme  o  comtrayro,  e  eu  lho ' 
conheçerey  segumdo  for  dereito  e  rrezam. 

Como  os  Iffamtes  f aliaram  amtre  ssy  açerqua  daquellas  duiddas  e 

da  rreposta  que  trouuerom  a  elRey.     Capitullo  xiij.  25 


Q" 


TJEM  poderia  declarar  per  escprito  quanto  aquellas  pallauras  del- 
Rey  eram  comtra  o  que  os  Iftamtes  deseiauam,  polias  quaaes  foy 
amtre  elles  huij  silemçio,  como  se  lhe  fossem  dadas  outras 
alguúas  nouas  per  que  lhe  certificassem  alguúa  perda  que  per  rrezom 
deuesse  delles  seer  mujto  semtida.  E  por  dizer  uerdade,  quamto  aaquella  3o 
sazora  nom  podia  no  mumdo  seer  cousa  que  elles  mais  semtissem  que  o 
A,  5,  V,  1  failiçimento  *  daquelle  feito,  empero  porque  o  caso  nom  ficaua  ajmda 
todo  determinado  per  negaçom,  tomaram  ja  quamto  quer  de  comforto, 
emtemdemdo  de  proueer  sobre  os  comtrairos  que  perteeçiam  aaquellas 
rrezoões.     Pareçeme  diz  aquelle  que  escpreueo  esta  estoria,  que  ueio  os    3.s 

1 1.  semtença  A.  —  33.  quanto  A. 


-43- 

emtemdimentos  destes  gramdes  primçipes  amdar  per  as  uagas  assy  como 
a  naao  quamdo  amda  no  alto  mar,  homde  com  fortuna  de  tempo  com- 
trayro  perde  o  conhecimento  de  sua  dereita  uiagem,  cujos  rregedores  som 
amtre  ssy  em  muy  gramde  desacordo,  porque  cada  huú  em  semelliamte 
i  tempo  por  mujto  sabedor  que  seia,  numca  emteiramente  comfia  de  seu 
saber,  e  mujto  menos  do  conhecimento  de  nehuQ  outro,  porque  quamdo 
as  uoomtades  som  postas  em  alguú  gramde  temor,  nom  ha  lii  parte  tam 
segura  que  lhe  nom  pareça  duuidosa,  quamto  mais  homde  os  homces  tem 
alguúa  esperamça  de  gramde  homrra  ou  proueito  quaaesquer  comtrairos 

10    que  lhe  sobreuenham  primçipallmente  sam  delles  mujto  semtidos.     Bem 
assy  segumdo  juizo  destes  senhores  estimado  poUo  trigoso  deseio  de  suas 
uoomtades,   nom   lhe   parecia   que  seu  padre  husaua    na  determinaçom 
daquelle  feito,  como  quem  deseiaua  de  o  ueer  *  acabado.    Porem  acreçem-    A,  5,  v,  2 
tauam  em  suas  oraçoóes,  pidimdo  aas  uirtudes  do  çeeo  que  lhes  apresem- 

i5  tasse  a  ora  em  que  sse  aquelle  feito  auia  dacabar.  Ora  leixemos  seus 
pemssamentos  desuayrados,  e  concludamos  na  çertidom  de  sua  rreposta. 
Homde  auees  de  saber  que  elles  tomarom  a  ssy  a  força  daquellas  rrezoões 
com  todas  suas  circumstamçias  e  particullaridades,  sobre  as  quaaes  fallaram 
amtre  ssy  per  tamtas  uezes  ataa  que   finallmente  tornarom  com  a  rre- 

20  posta  a  elRey  seu  padre.  Senhor  disserem  elles,  comsijramdo  nos  sobre 
todo  o  que  nos  uossa  merçee  tem  dito,  achamos  que  aa  mayor  parte  de 
uossas  duuidas  teemdes  muy  sofiçicmtes  comtrayros  per  os  quaaes  podees 
todauia  determinar  uossa  hida,  ca  nom  ha  hi  empacho  que  uos  torue 
com  tamto  que  a  uossa  uoomtade  seia  boa.     Dissestes  primeiramente  que 

25  pêra  tamanho  feito  era  necessário  abastamça  de  dinheiro,  o  quall  uos  nom 
teemdes  nem  podees  auer.  a  esto  senhor  se  podem  achar  mujtos  rreme- 
dios,  assy  como  per  prouijmento  de  metall  daquella  sorte  de  que  sse  o  dito 
dinheiro  deua  fazer,  que  sse  pode  auer  per  escaymbo  de  mercadorias, 
fallamdo  uossa  merçee  com  os  mercadores  de  uosso  rregno  *  per  cujo    A,  6,  r,  i 

3o  trauto  se  esto  mais  ligeiramente  pode  emcaminhar.  Doutra  guisa  se 
podem  ajmda  auer  os  ditos  dinheyros.  e  esto  he  fazersse  boom  prouij- 
mento em  uossas  rremdas,  abatemdo  em  alguiias  despesas  menos  necessá- 
rias, e  proueer  aas  outras  que  forem  mester  pêra  uossa  hida.  e  ajmda 
cada  huúa   das   pessoas  primçipaaes  do  rregno  podem  de  suas  rremdas 

35  fazer  muy  gramde  parte  de  seus  corregimentos.  E  assy  como  uossa 
merçee  emtemdia  de  buscar  dinheiro  pêra  as  despesas  das  festas  que 
tinhees  uoomtade  de  hordenar  pêra  nos  fazerdes  caualleiros,  assy  pode- 
rees  buscar  pêra  este  feito  em  que  ha  mujtas  e  luayores  auamtageés  do 

8.  honde  A.  —  i3.  daquell  A.  —  18.  circustancias  A.  —  27.  assi  A.  —  Sy.  uomtade  A. 


—  44  — 

que  sse  no  outro  poderiam  auer.  E  ajmda  senhor  comsijre  uossa  mer- 
ece quaratas  uezes  começastes  em  uossos  trabalhos  passados  mujtos  e 
gramdes  feitos,  em  cuios  começos  nom  tinhees  abastamça  de  dinheiro  com 
que  tam  soomente  podessees  cheguar  aa  meetade  do  feito,  e  prouue  a 
nosso  Senhor  Deos  de  uos  proueer  pêra  todo  mujto  milhor  do  que  uos  5 
poderees  pemsar.  assy  prazerá  a  elle  por  sua  merçee  de  uos  ajudar 
em  este  feito,  que  nom  he  menos  de  seu   seruiço  do    que    os   outros 

A,  6,  r,  2    eram.     E   ajmda  senhor   este   he  huú   arripiamento  que  nenhuú  *  prim- 
çipe  numca  deue  de  tomar,   porque  numca  homem  pode  teer  tamanha 
abastamça  de  dinheiro,  que  lhe  nom  pareça  que  he  pouco,  nem  as  rrem-    'o 
das  do  rregno  numca  podem  seer  tam  certas   que  homem  nom  pareça 
que  som  mujto  aaquem  do  necessário.     E  quamto  he  senhor  aos  nauios 
que  dizees  que  nom  teerees  em  abastamça,  jsto  senhor  he  a  mais  pequena 
torua  que  uos  neste  feito  podees  auer.  e  jsto  he  por  quamto  uos  pode- 
rees emuiar  uossos  rrecados  per  toda  a  costa  de  Galliza  e   de  Bizcaya,    '5 
e  assy  a  Imgraterra  e  a  Alemanha,   e  a  outras  partes  domde  uos  podem 
uijnr  nauios  em  gramde  abastamça,   de  cuja  uijmda  homem  deue  tomar 
pequeno  rreçeo,  comsijramdo  com  quamta  diligemçia  elles  ueem  ao  frete 
do  sall  e  dos  azeites  e  ninhos,  quamdo  quer  que  pêra  ello  som  rrequeridos. 
E  sobre  todo  poderees  amtre  tamto  rrepayrar   uossas  gallees  e   fazer    20 
outras  de  nouo,  e  auisar  os  nauios  que  ha  em  uossos  rregnos,  que  seiam 
prestes  pêra  aquelle  tempo  que  uossa  merçee  hordenar  de  partir.    E  ajmda  ' 
sse  segue  huú  muy  gramde   proueito  porque  por  aazo  do  chamamento 
destes  nauios  que  assy  mamdarees  auisar  pêra  seu  frete,  correra  a  fama  de 
uossa  armada   aa  quall  mujtos  boõs  homeés  estramgeiros  uijnram  pêra    ^5 

■A,6,  V,  1  uos  seruir  *  deseiamdo  fazer  de  suas  homrras.  E  quamto  he  aa  terceira 
cousa  em  que  mostraaes  que  temdes  rreçeo  da  mimgua  que  uos  a  gemte 
pode  fazer,  espiçiallmente  polia  pequena  seguramça  que  teemdes  do 
rregno  de  Castella,  por  cuja  rrezam  uos  he  necessário  leixar  as  fromtarias 
de  uossa  terra  acompanhadas  dalguúas  gemtes,  polia  quall  nom  teerees  3o 
comprimento  segumdo  o  que  uos  he  necessário  pêra  tamanho  feito,  e 
esto  senhor  com  a  graça  de  Deos  nora  he  pêra  rreçear  nem  temer,  ca  em 
uosso  rregno  ha  mujta  e  muy  boa  gemte  e  bem  desposta  pêra  quallquer 
trabalho  que  a  uosso  seruiço  e  homrra  seia  necessário.  E  posto  que  assy 
fosse  que  de  necessidade  uos  corauiesse  de  leixar  uossas  fromtarias  rre-  ->5 
payradas,  ajmda  hi  aueria  gemte  pêra  sse  todo  rremediar,  quamto  mais 
que  com   a  graça   de  Deos  nom  ha  hi  rrezam  por  que  sse  espere  seme- 

6.  pensar  A.  —  8.  arripiamento]  arrependimento  I.  —  14.  neeste  A.  —  22.  aquell  A. 
—  29.  frontarjiis  A. 


-45- 

Ihamte  duuida.  E  esto  por  duas  cousas,  a  primeyra  polia  firmeza  das 
pazes  que  som  amtre  uos  e  elles,  nas  quaaes  ha  tamta  força  de  juramen- 
to, que  nom  tam  soomente  amtre  os  christaãos,  mas  ajmda  amtre  os 
jmfiees  seria  feo  de  sse  quebrar,  e  a  segumda  por  quamto  o  Itfamte 
5    Dom   Fernamdo   que  he   a  primçipal!  pessoa  do  rregno,    per  cujo  aazo 

se   tall   feito   deuia   mouer,    he   assy   ocupado*    em  seus  negócios,   que    A.  6,  r, : 
nom  he  de  creer  que  leixe   a  certa  esperamça  que  tem  dauer  o  rregno 
dAragom,  por  se  tremeter  de  semelhamte  nouidade,  a  quall  ajmda  ficaria 
em  duuyda  se  lhe  dariam  os  do  rregno  comssemtimento   a  ella  ou  nom. 

IO  e  sobre  todo  seemdo  la  a  senhora  rrainha  nossa  tia  a  que  nom  prazeria 
de  semelhamte  feito.  Porem  deuees  teer  seguramça  pêra  começardes 
uossos  feitos  sem  rreçeo  nem  empacho  que  uos  daquelle  rregno  possa 
uijnr.  nem  he  bem  que  semelhamte  duuida  uaa  fora  de  nosso  segredo, 
porque    os   boós    daquelle    rregno  teeriam    rrezom    pêra   rreçeber   dello 

n  escamdallo  polia  pouca  ffe  que  sse  mostraria  açerqua  de  suas  uerdades. 
Ataa  aqui  chegaram  estas  pallauras  segumdo  achamos  per  uerdadeyro 
acordo  daquelles  senhores  que  hi  estauam.  e  nom  emtemdaaes  que  por 
semelhamte  pallaura  se  deua  emtemder  que  hi  estaua  outrem  sse  nom 
elRey  e  seus  filhos,  mas  eu  digo  que  o  ouue  per  seu  acordo,  por  quamto 

20    teemdo  o  lôamte  Dom  Pedro  carrego  do  rregimento  destes  rregnos,   me 
comtou  gram  parte   deste   feito   com  emtemçom  de  o  assemtar  logo  de 
todo  em  crónica  segumdo   dello   fiz  alguíj  começo.     Depois  me  comtou 
assy  o  senhor  Iftamte  Dom  Hamrrique  duque  de  Viseu  e  senhor  *  de  Coui-    A,  7,  r, 
ihaã,   em  cuja  casa  estiue  alguús  dias  per  mamdado  do   senhor  Key.  o 

25  quall  dos  ditos  feitos  auia  mais  certa  nembramça  que  nehuiãa  outra  pessoa 
do  rregno  quamto  aa  sustamçia  das  primçipaaes  cousas  em  que  estaa  a 
força  da  estoria,  e  esto  era  por  duas  cousas,  a  primeira  e  primçipall  por 
quamto  elle  do  uemtre  de  sua  madre  trouxe  comssigo  abraçada  a  seme- 
Ihamça  da  cruz  de  nosso  Senhor  Jesu  Christo,   por  cujo  amor  e  rreue- 

3o  remça  sempre  teue  muy  gramde  deseio  de  guerrear  aos  jmfiees,  no 
quall  uiueo  e  aturou  toda  sua  uida  como  ao  diamte  será  comtado.  E 
esta  declaraçom  fiz  aqui  porque  ueio  em  mujtas  crónicas  escpritas  per 
muy  sofficiemtes  autores  naçer  muy  gramdes  duuidas  por  falleçimento  de 
muy  pequena  declaraçom.     E  tornamdo  a  meu  primeiro  propósito  digo 

35  que  sobre  a  quarta  rrezom,  em  que  elRey  dizia  que  filhamdo  a  cidade 
de  Cepta  daria  aazo  ao  rregno  de  Castella  como  filhaste  o  rregno  de 
Graada,  sobre  esto  se  fallou  alguú  pouco  primçipallmente  poUo  Iffamtc 
Dom  Hamrrique.     E  assy  esta  quarta  duuida  como  a  quimta  ficaram  por 

3.  antre  (1.»)  A. —  16.  Ataa  qui  A.  —  21».  Jhú  xpõ  A. 


-46- 

aquella   vez  sem  determinaçom.   e  esto  foy  por   quamto   elRej'  per  sua 
uoomtade  se  apartou  damtre  seus  filhos  mostramdo  que  por  emtom  nora 
•A,  7,  r,  >.    *  queria  mais  ouuir  daqueilas  rrezoões. 


Em  como  elRey  mamdoii   chamar  o  Iffamte  Dom  Hamvriqiie,  e 
das  rreioóes  que  lhe  disse,  e  como  determinou  de  hir  tomar  a  cidade.     5 
Capitidlo  xiiij. 

licAROM  assy  aquellas  duas  comclusoões  pêra  determinar  nem  porque 
a  rreposta  falleçesse  aos  Iffamtes  pêra  ellas,  soomente  per  uoom- 
tade delRey  como  em  cima  he  declarado.  Mas  nom  passarom  muj- 
tos  dias  quamdo  elRey  mamdou  chamar  o  Iffamte  Dom  Hamrrique  seu  lo 
filho,  e  apartousse  com  elle  dizemdo.  Porque  te  ui  outro  dia  fallar 
mais  que  nehuú  de  teus  jrmaãos  acerca  do  feito  de  Graada,  quero  que 
me  digas  agora  emteyramente  o  que  te  parece.  Senhor  disse  o  Iffamte, 
todo  o  que  eu  emtom  falley  he  a  milhor  parte  do  que  sobrello  emterado. 
nem  era  cousa  que  per  minha  determinaçom  soo  emtemdesse  que  sse  i5 
aula  dacabar,  mas  eu  fallaua  como  quem  tijnha  taaes  três  ajudas  acerca 
de  ssy  como  eram  meus  jrmaãos.  Mas  agora  que  eu  em  minha  parte 
soomente  aja  de  dar  emteira  rreposta,  pareçeme  que  me  deue  abastar 
minha  pouca  hidade  e  o  pequeno  conhecimento  que  tenho  de  semelham- 
tes  feitos  pêra  minha  escusa,  e  sobre  todo  a  pequena  deliberaçom  que  20 
A,  7,  V,  I  sobre  ello  tenho  posta,  empero  por  que  ey  de  comprir  uossos  *  mandados 
como  de  meu  senhor  e  padre,  assy  como  o  milhor  poder  emtemder,  direy 
o  que  me  parece.  Senhor  disse  elle,  eu  acho  que  todallas  cousas  que 
fazemos  em  este  mumdo  se  rresolluem  em  três  pomtos  primçipallmente 
.s.  no  passado  e  no  presemte  e  no  uimdoiro.  E  quamto  he  ao  passado,  25 
eu  comsijro  como  ao  tempo  que  Deos  por  sua  graça  quis  que  uos  ouues- 
sees  nome  de  rre}%  como  nom  tinhees  outra  cousa  senam  huija  muy 
pequena  parte  em  esta  cidade,  ca  o  castello  era  comtra  uos,  e  o  castello 
dAlmadaã  e  de  Simtra  e  de  Torres  Vedras  e  dObidos  e  de  Samtarem,,  e 
assy  quasi  polia  mayor  parte  todollos  outros  do  rregno.  e  quis  Deos  3o 
por  sua  merçee  emcaminhar  uossos  feitos  per  tall  guisa,  que  sem  gramde 
uosso  danno  uieram  todos  aa  uossa  obediemçia  e  sogeiçom.  Pois  nom 
menos  deuuets  esperar  agora,  que  posto  que  aquelle  rregno  de  Graada 
fosse  de  todo  liuremente  em  poderio  delRey  de  Castella,  que  ajmda  uos 
ficaria  poder  com  sua  ajuda  de  lhe  poderdes  comtrariar  quallquer  danno    35 

2.  —  uõtade  A.  —  7.  assi  A.  —  22.  assi  A.  —  24.  resoluem  I,  reuollucm  A.  — 34.  delRej  A. 


—  Al  — 

ou  oífemsa  que  uos  nouamente  quizessem  fazer,  ca  mais  ligeira  cousa 
uos  seria  de  o  fazerdes  agora,  que  naquelle  primeiro  começo,  *  por  mujtas  A.  7,  v,  2 
rrezoões  que  pollo  presemte  nom  som  necessárias  de  uos  seerem  declara- 
das pollo  gramde  conhecimento  que  delias  auees.  E  quamto  he  ao  pre- 
5  semie  comsijro  o  seruiço  de  Deos  e  uossa  gramde  ffe  e  cristijmdade.  e 
a  rrezam  que  nam  comssentem  que  uos  ouuessees  de  neguar  guerra 
comtra  os  jmtiees,  por  se  delia  seguir  alguúa  ajuda  e  fauor  a  elRey  de 
Castella  em  acreçemtamento  da  nossa  ffe,  por  mujto  uosso  jmijgo  que 
fosse,  porque   os  jmfiees  per  natureza  uos  querem   mall  e  elle  por  açi- 

10  demte.  E  quamto  he  ao  que  ha  de  uijnr,  eu  tenho  esto  assy  que  o  filha- 
mento  daquella  cidade  nom  pode  seer  aazo  per  nehuija  maneira  per  que 
a  amizade  e  paz  que  ora  nouamente  filhastes  com  aquelle  rregno  se  aja 
por  eilo  de  gastar  nem  destroir,  amte  o  semto  pollo  comtrairo,  porque 
elles  conhecerem  polia  gramdeza  deste  feito   a  ardideza   e  boa  despo- 

i5  siçom  de  uossos  naturaaes.  e  jsso  meesmo  a  marauilhosa  fortelleza 
com  que  obrastes  tamanho  feito,  e  conheceram  outrossy  como  o 
filhamento  daquella  cidade  será  gramde  aazo  pêra  melhoramento  da 
sua  comquista.  E  quamdo  de  todo  em  todo  em  elles  falleçesse  tall 
conhecimento,    ajmda  sua   maa  uoomtade   nom    tijnha  *  pêra    ello  per-    A,  s,  1-,  i 

20  feito  comprimento  denxucuçom,  assy  pella  comquista  nora  seer  tani 
ligeira  dacabar,  como  depois  de  seu  acabamento,  nom  sse  lhe  seguir 
menos  cuidado  de  a  comseruar  e  manteer.  E  sobre  todo  nosso  Senhor 
Deos  que  he  perfeiçom  de  todallas  cousas,  semtimdo  a  uossa  boa  uoom- 
tade e  desposiçom   será  sempre  polia  uossa  parte,   homde   dereitamente 

25  poderees  dizer  com  ho  samto  propheta.  Pois  que  o  Senhor  he  na  minha 
a)uda,  nom  temerey  cousa  que  me  faça  o  homem.  E  per  esta  guisa 
acabou  o  Iffamte  Dom  Hamrrique  sua  rreposta,  da  quall  elRey  seu  padre 
foy  mujto  ledo.  e  assy  com  a  boca  chea  de  rriso  lamçou  os  braços  em 
elle,  e  lhe  deu  a  sua  beemçom.    Ora  disse  meu  filho,  eu  nom  quero  mais 

3o  rreposta  pêra  a  derradeira  comclusom,  por  quamto  eu  meesmo  a  tenho 
comsijrada.  e  esto  he  que  eu  acho  que  nehuúa  virtude  nom  pode  seer 
em  perfeiçom  sem  alguú  exercício.  E  assy  todollos  offiçios  cada  huú 
em  sua  guisa,  primçipallmente  dos  caualleiros  em  que  sse  rrequere  for- 
telleza,  o   que   se   os  fidallgos  e  outros  boõs  homeés  deste   rregno  nom 

35    acharem  em  quem  exercitar  suas  forças,  he  necessário  que  de  duas  cousas 

façom  huúa.  ou  trauaram  arroidos   e  comtemdas  amtre  ssy,   *  como  sse    A,  8,  r,  2 
lee  que  fezerom  os  Romaãos  depois  que  teuerom  suas  guerras  acabadas. 

3.  presente  A. —  10.  assi  A. —  14    fecto  A. —  14-15.  disposiçom  A,   desposição  1. 
—  20.  assi  A.  —  23.  sentimdo  A. 


-48- 

ou  faram  taaes  dannos  aos  de  Castella,  per  que  seia  aazo  de  sse  as 
pazes  quebrarem,  a  quall  cousa  eu  nom  queria  per  neliuúa  guisa.  E 
porem  me  parece  que  ajmda  que  pêra  ali  nom  aproueitasse  o  filiiamento 
daqueila  cidade,  pêra  esto  soomente  deuemos  dauer  por  bem  despeso 
todo  nosso  trabalho  e  gasto  de  dinheiro.  E  quamto  he  açerqua  do  mam-  5 
tijmento  que  pêra  sua  gouernamça  ao  diamte  perteeçe.  este  carrego 
quero  eu  lei.xar  de  todo  ao  Senhor  Deos,  que  assy  como  elle  he  pode- 
roso pêra  fazer  do  pouco  raujto,  e  de  pequenas  cousas  mujto  gramdes, 
assy  poderá  por  sua  gramde  merçee  abrir  aazo  e  caminho,  como  sse 
aquella  cidade  gouerne  e  mantenha  se  for  sua  uoomtade  de  a  trazer  a  lo 
nosso  poder.  E  porem  determino  com  a  sua  graça  e  ajuda  de  começar 
a  proseguir  este  feito  ataa  o  poer  em  fim,  nom  me  falleçemdo  alguúa 
daquelias  cousas  per  que  rrazoadamente  deua  seer  estoruado.  E  pois 
uos  Deos  aqui  trouxe  em  ora  que  eu  esto  assy  ouuesse  de  determinar, 
prazme  que  uos  seiaaes  o  messegeiro  que  leuees  as  nouas  a  uossos  i5 
A,  S,  V,  I  jrmaãos,  e  lhe  *declarees  toda  minha  emtemçom  per  a  guisa  que  uollo  ja 
tenho  dito.  Bem  he  uerdade  que  todos  aquelles  filhos  delRey  tijnham 
muy  gramde  deseio  de  ueer  aquelle  feito  posto  em  fim,  mas  nehuúa 
daquelias  uoomtades  nom  era  jguall  da  do  Iftamte  Dom  Hamrrique,  ca 
esto  naçera  com  elle  como  ja  disse.  E  porem  assy  como  homem  a  que  20 
mujto  prazia  daquelias  nouas  asseemtou  os  jeolhos  em  terra  e  be3áou  as 
maãos  a  seu  padre  dizemdo  que  lho  tijnha  em  gramde  merçee. 

Como  o  Iffamte  Dom  Hamrrique  letioii  as  nouas  a  seus  jrmaãos  e 
do  gramde  prazer  que  ouueram.      Capitullo  xv. 


J 


A  O  Iffamte  Dom  Hamrrique  sabia  com  quall  uoomtade  auia  de  seer  25 
rreçebido  de  seus  jrmaãos,  quamdo  lhe  leuasse  as  nouas  daquelle 
feito,  e  porem  com  gramde  trigamça  e  prazer  sse  foi  a  elles  com- 
tamdolhe  toda  a  uoomtade  de  seu  padre  segurado  que  passara  com  elle. 
De  cujas  nouas  e  rrecado  os  Iffamtes  e  comde  ouueram  tam  gramde 
prazer  como  sse  nom  poderia  dizer  cousa  que  os  mais  allegrasse.  e  3o 
porem  cauallgarom  logo  todos  cada  huíi  de  sua  casa,  e  foromsse  ao 
A,  8,  V,  2  paaço  delRey  pêra  lhe  *  mostrarem  agradecimento  de  tamanha  merçee 
beyjamdolhe  as  maãos  por  ello,  como  aquelles  que  bem  mostrauom  que 
ataa  aquelle  tempo  numca  uiram  prazer  semelhamte.  Nem  elRey  demtro 
em  sua  uoomtade  nom  semtia  pequena  lediçe  ueemdo   as  uoomtades  de    35 

8.  grandes  A.  —  14.  assi  A.  —  18.  niuj  A.  —  20.  assi  A  —  come  A.  —  25.  sabia]  que 
sabia  D.  —  29.  tam]  om  D.  —  33.  ata  aquelle  B,  ataa  quelle  A. 


—  49  — 

seus  filhos  ass}'  despostas  pêra  as  cousas  da  homrra,  polias  quaaes  conhe- 
cia todo  o  comprimento  de  suas  uirtudes.  Bem  he  uerdade  que  em 
todallas  outras  manhas  que  a  gramdes  homeês  perteeçia,  *  conhecia  elle  B,  23,  r,  2 
toda  sua  desposiçam.  ca  os  via  bem  despostos  a  caualo  e  a  pee.  gran- 
5  des  monteiros  e  caçadores,  e  ligeiros  pêra  correr  e  saltar,  e  lança- 
dores de  barra  e  rremessam.  e  desenuoltos  nas  armas  pêra  justar,  e 
assy  pêra  quaaesquer  outros  autos  que  a  caualaria  pertencessem.  Nam 
porem  que  diga  que  todos  igualmente  auiam  estas  cousas  em  perfeiçam. 
ante  digo  que  he  erro   em  ello  o  que   he  em  todalas  cousas,   que   a  uir- 

To  tude  que  a  huú  falleçe  em  acabado  comprimento  he  achada  no  outro. 
E  assy  em  estes  senhores,  posto  que  em  todos  ouuesse  boõa  deligençia 
pêra  experementar  todallas  cousas  que  a  elles  pertenciam,  alguúas  daquel- 
las  cousas  eram  compridamente  em  hum  que  nam  eram  em  outro,  e 
naquelle   que  alguija  cousa  falecia  acreçentauasse   em   elle   outra,   nam 

i5    porem  que   a  nenhum  delles  falleçesse   desposiçam  boa  pêra  todo  fazer. 
E  deuees  de  saber  que   em  cada  huua  ciência  ou  uirtude  sam  achados 
quatro  graaos  ou  quatro  deferenças.  per  os  quaaes  o  entendimento  sobe 
e   deçe  assy  como  per  huúa  escada  pêra  entender  declaradamente*  as    B, 2J,v, i 
definições  das  cousas.     E  quanto    aa  uirtude    temos   quatro  grãos  per 

20  esta  guisa  .ss.  bom.  milhor.  muito  milhor.  perfeito,  assy  como  dizemos 
que  ha  hy  temperança,  continência,  perseuerança.  e  o  quarto  modo  destes 
se  chama  uirtude  eroyca  sobre  a  qual  nam  ha  hy  outra  mayor.  e  poseram- 
Ihe  tal  nome  porque  os  Gregos  chamam  aos  seus  príncipes  erooes.  e 
porem  dizem  que  a  estes  conuem  esta  uirtude  principalmente.     E   assy 

25  na  çiençia  sam  achadas  quatro  deferenças  .ss.  a  primeira  que  he  a  mais 
baxa  se  chama  singular  sustançia.  sob  a  qual  nam  poderemos  achar 
algúa  outra.  A  segunda  se  chama  sustançia  comum  a  muitas  ciências, 
a  qual  será  principio  de  sua  definiçam.  se  as  primeiras  sustançias 
esto  rreçeber  podessem.     E  a  terceira  se  chama  sustançia  geral,  a  qual 

3o  entra  essencialmente  na  definiçam  de  outras  muitas.  E  a  quarta  he 
chamada  muito  alta  e  muito  geeral  sustançia.  que  de  soo  sy  com- 
prende  todallas  outras.  E  esto  escreuemos  assy  porque  os  exempros 
sam  azo  a  cousa  seer  milhor  entendida.  E  porem  eIRey  todas  estas 
boõas  desposiçoões   e   autos  de   virtudes  conhecia  em  seus   filhos,   mas 

I.  pellas  A.  —  5.  ligeiros]  add  desenuoltos  Dl.  —  7.  assi  B  —  pertencesse  B.  —  8.  em 
D,  e  B.  —  9.  o  que  he  B,  e  que  he  D.  —  10.  achado  B.  —  11.  assi  B.  —  12.  pertencia  B. 

—  i3.  cumpridamente  D.  —  i5.  despossiçam  B.  —  17.  quaees  B.  —  18.  assi  B.  —  20.  assi 
B.  —  21.  ha]  om  R  —  hy]  om  D.  —  22.  hy  D,  om  B.  —  24.  assi  B.  —  25.  achadas  B,  cha- 
madas D. —  28.  difinçam  B.  —  3o.  definçam  B.  —  3i.  sostancia  B.  —  32.  esto  D,  jsto  B 

—  assi  B.  —  34.  despossiçoões  B. 


—  5o  — 

15,2-Sv,  2  nam  era  ajnda  em  certa  segurança  *  com  que  coraçam  soportariam  os 
verdadeiros  autos  da  fortelleza  os  quaaes  principalmente  sam  nos  trabalhos 
das  guerras  mais  que  em  outra  nenhuúa  cousa,  porque  alij  he  presente 
muitas  vezes  perigo  da  morte,  da  qual  o  philosofo  disse  que  era  a  fim 
de  todallas  cousas  terribees  e  espantosas,  e  porem  he  o  estado  da  caual-  5 
laria  muito  mais  preçado  antre  os  homeés.  da  qual  cousa  elRey  via 
assjf  aquelle  começo  per  que  auia  grande  parte  do  conhecimento  de  todo 
o  que  elle  deseiaua  de  veer.  Seus  filhos  passaram  assy  todas  aquellas 
rreuerençias  e  agardeçimentos.  e  desy  forom  escorregando  tanto  por  suas 
rrezões  atee  que  elRey  disse.  A  mim  parece  que  o  principal  começo  lo 
que  a  mim  conuem  fazer  neste  feito  assy  he.  que  primeiramente  aja 
de  saber  o  assentamento  daquella  cidade,  e  assy  a  fortelleza  de  seus 
muros  e  altura  delles.  ou  como  sam  acompanhados  de  torres  e  de  cara- 
manchões pêra  saber  quaaes  artelharias  me  conuem  de  leuar  pêra  seer 
combatida.  Outro  sy  conuem  que  saiba  as  ancorações  que  tem  e  com  li 
quaaes  ventos  trabalham  os  nauios  mais  estando  sobre  ancora,  e  se  per 
uentura  as  prayas  sam  assy  liures  e  desempachadas  que  nossas  jentes  pos- 

B,24,r,  1  sam  sair  sem  grande  trabalho  ou  perigo.  *ou  que  o  mar  he  tam  chegado 
ao  muro  que  dos  nauios  mesmos  se  possa  combater.  Consirando  açerqua 
desto  quaaes  pessoas  la  posso  milhor  enuiar.  por  quanto  cumpre  que  20 
seiam  homeés  descretos  e  entendidos,  e  taaes  que  possam  bem  todo 
prouer  segundo  he  necessário  pêra  tal  caso.  e  nam  me  parece  que  tenho 
outros  que  o  milhor  possam  fazer  que  o  priol  do  Esprital  e  o  capitam 
Afonso  Furtado  .ss.  o  priol  pêra  deuisar  a  cidade  e  o  capitam  pêra  aten- 
tar o  mar  com  todallas  outras  cousas  que  a  ello  pertencem.  Mas  como  25 
seja  que  elles  ajam  lugar  pêra  jsto  poderem  veer  e  saber,  sem  seer  enten- 
dida nem  sabida  a  fim  por  que  elles  vam.  pêra  a  qual  cousa  tenho  von- 
tade de  fingir  huúa  fermosa  dessimulaçam.  e  jsto  he  que  quero  daar 
vooz  que  os  enuio  com  embaxada  aa  rrainha  de  Cezilia.  a  qual  ao  pre- 
sente esta  veuua  e  em  ponto  pêra  casar,  a  qual  cousa  eu  sey  poUo  jo 
rrequerimento  que  me  ella  enuiou  fazer  que  me  prouuesse  de  casar  meu 
filho  o  Iftante  Duarte  com  ella.  e  eu  agora  mandala  ey  rrequerer  pêra  o 
lifante  Dora  Pedro,   a  qual  cousa  eu  sey  bem  certo  que  ella  nam  ha  de 

B,  24,  r,2    fazer,  empero  aproueitaraa  muito  semelhante   *  cometimento  por  quanto 

2.  fortalleza  B  —  quaees  B.  —  7.  assi  B.  —  8.  assi  B.  —  9.  foram  B.  —  11.  asy  B.  — 
12.  assi  B  —  fortaleza  B. —  14.  para  B  —  quãees  B.  —  17.  assi  B — -despachadas  B. — 
17-18.  posam  B. —  18.  prigo  B.  —  19.  considerando  B.  —  20.  disto  B  —  pesoas  B. — ^22. 
hee  B.  —  24.  diuisar  B.  —  24-25.  atentar]  deuisar  D  —  25.  ello]  elle  D.  —  26-27.  enten- 
dido nem  sabido.  —  28.  dissimulação  B.  —  29.  com  embaixada]  om  D.  —  3o.  poUo  D, 
por  o  B. 


—  5i  — 

meus  embaxadores  teram  azo  de  hijr  e  vijr  per  açerqua  daquella  cidade 
onde  poderam  deuisar  todo  o  que  lhe  por  mim  for  mandado.  Aos  lôan- 
tes  pareçeo  muy  bem  a  consiraçam  de  seu  padre,  e  porem  ficou  a  elRey 
o  encarrego  de  poer  todo  em  obra  segundo  o  tinha  consirado. 


^    Como  elRey  mandou  chamar  o  priol  do  Esprital  e  o  capitam  e  do   B,24,v,  i 
que  lhes  disse  que  auiam  de  fa\er.      Capitullo  xvj. 

ElRey  mandou  logo  chamar  o  priol  do  Esprital  e  fezlhc  saber  como 
sua  vontade  era  de  os  enuiar  a  casa  da  rrainha  de  Cezilia  com  sua 
embaxada.  empero*  que  seu  principal  fundamento  e  tençam  era    B,24,v,2 

IO  que  elles  deuisassem  a  cidade  de  Cepta  de  todalas  cousas  que  ante  dissera, 
porem  que  lhes  mandaua  que  se  fezessem  logo  prestes  pêra  seguir  sua 
uiagem.  Pêra  a  qual  cousa  logo  mandou  desembargarlhe  dinheiros  pêra 
alguús  corregimentos  que  lhe  fossem  necessários,  e  mandou  logo  correger 
e  aparelhar  duas  galles   as  milhores  que  estauam  em  suas  taraçenas.   as 

\5  quaaes  foram  assy  corregidas  de  todallas  cousas  como  se  ouuessem 
dandar  darmada.  e  esto  era  porque  aalem  da  nobreza  com  que  lhe 
conuinha  de  os  enuiar  segundo  seus  embaxadores.  queria  que  fossem  de 
tal  guisa  apercebidos  que  nam  podessem  rreçeber  alguú  dano  dalguús 
mouros   se   os   achassem.     E   mandou   ajnda    elRey   fazer   mu}'   nobres 

20    librees  de  seu  moto  e  deuisa  pêra  todos   aquelles  que  nas   ditas  galles 
auiam  de  hijr.  e  jsso  mesmo  apendoar  e  atoldoar  todas  aquellas  galles  e 
des  começo*  ataa  fim  de  panos  de  suas  cores,  a  quall  cousa  numca  ajmda    A, io,v, i 
ataa  aquelle  tempo   fora   uista  em   nehuús  nauios  semelhamtes.   e  dalli 
auamte   o   começarom   de   poer   em   huso  ataa  ora    que   sse   faz  como 

25  ueedes.  E  per  este  modo  forom  assy  as  ditas  gallees  aparelhadas  e  cor- 
regidas, e  os  embaxadores  despachados  per  tall  guisa  que  em  breue 
tempo  começarom  de  seguir  sua  uiagem.  E  partimdo  de  Lixboa  com 
aquella  uoz  e  fama  cheguaram  sobre  a  cidade  de  Cepta  homde  lamçaram 
suas  amcoras,  mostrando  que  queriam  dar  alguú  descamsso  a  sua  gemte. 

3o  E  o  priol  asseemtado  em  sua  gallee  assy  como  homem  muyto  sages  e 
discreto  que  era,  oolhaua  muy  bem  todo  o  assemtamento  da  cidade,  como 
quem   sabia  a  fim  por  que   o  fazia.      E  o  capitam  doutra   parte   com 

I.  hijr  B  —  vir  B— acerca  B.  —  2.  deuisar  I>,  auisar  B.  —  3.  elRey]  a  elRey  B. — 
7.  ElRei  B.  —  14.  tereçenas  B,  taraçenas  D.  —  1 5.  quaees  B.  —  17.  emuiar  B.  —  18.  apre- 
çebidos  B. —  19.  ajnda]  om  D.  — 20.  dietas  B.  —  21.  todas]  om  D.  —  23.  ataa  quelle  A. 
—  25.  assi  A.  —  20.  descansso  A.  —  3o.  assi  A  —  come  A.  —  3 1 .  come  A. 


—   52  — 

gramde  auiso  esguardaua  sobre  a  praya,  oolhamdo  quall  era  mais  liure 
das  pedras  pêra  poderem  em  ella  mais  desempachadamente  sahir  as 
gemtes  darmas,  quamdo  uiesse  a  ora  do  mester,  e  depois  que  foy  noute 
solidou  amdamdo  em  huú  batell  muy  passamente  todallas  amcorageés 
que  eram  darredor  da  cidade,  de  guisa  que  polia  mayor  parte  foi  de  todo  5 
em  conhecimento.     E  no  outro  dia  leuamtaram  suas  amcoras  e  seguiram. 

A, io,v,2  sua  uiagem.  Desy  *  cheguaram  ao  rregno  de  Cezillia  homde  era  a  rrainha, 
aa  quall  logo  fezeram  saber  como  alli  eram.  porem  que  fosse  sua  mer- 
çee  de  lhes  emuiar  mandado  da  maneira  que  ouuessem  de  teer.  As 
quaaes  nouas  ouuimdo  a  rrainha  mamdou  que  sse  uiessem  logo  a  sua  >o 
corte,  homde  forom  assy  rreçebidos  e  agasalhados  como  comuijnha  a 
emhaxadores  de  tamanho  príncipe.  E  leixamdo  suas  maneiras  que  cada 
huú  teem  em  seu  senhorio  como  lhe  praz  por  guarda  de  seu  estado, 
finallmente  depois  que  deram  suas  saudaçoÕes  da  parte  delRey  aa  rrainha 
e  apresemtaram  suas  cartas  de  creemça,  deram  sua  embaxada  per  esta  i5 
guisa.  Muito  alta  e  muito  exçellemte  senhora  rrainha,  nosso  senhor 
elRey  Dom  Joham  de  Portugall  uos  faz  saber  per  nos  seus  embaxadores, 
como  nos  dias  passados  uossa  alteza  emuiou  a  elle  por  rrezom  do  casa- 
mento de  uossa  senhoria  com  o  Iffamte  Duarte  seu  filho,  da  quall  cousa 
elle  fora  mujto  comtemte  se  o  feito  esteuera  em  aazo  de  sse  poder  aca-  20 
bar,  e  lhe  nam  fora  fallado  primeiramente  da  parte  da  Iffamte  Dona  Cate- 
rina  jrmãa  delRey  de  Castella,  por  cuja  rrezom  nom  podia  começar  cousa 
alguúa  em  semelhamte  auto,  ataa  que  elle  de  todo  fosse  posto  em  fim  de 

A,  ii,r,  I    ssi  ou  de  nom,   quamto  mais  ajmda*  que  aquelle  casamento  he  mujto 

proueitoso  pêra   ambollos  rregnos,   polia  gramde  discórdia  que  sse  tam    25 
lomgamente  amtre  elles  seguio.  a  quall  posto  que  a  Deos  graças  agora 
seja  fijmda  per  firmeza  de  pazes  que  amtre  elles  som  trautadas,  que  por 
aazo  deste   casamento   se    firmaram  mujto   milhor.     E   que   esta  foy  a 
causa    primçipall   porque   uossa   embaxada   nom  ouue   outra  mais  gra- 
ciosa rreposta.     Empero  que   elle  comsijramdo  a  desposiçom   de  uossa    3o 
hidade,   e  como  ho  Iffamte  Dom  Pedro  seu  segurado  filho  he  huú  prim- 
çipe  dotado  de  mujtas  uirtudes,  do  quall  uossa  senhoria  seria  muy  bem 
casada,  que  lhe  prazeria  mujto  que  o  dito  casamento  se  firmasse.     Porem 
que  elle  uos  rroga  e  emcomemda  que  uos  esguardees  muy  bem  como  o 
dito  Iffamte  he  seu  filho,  e  a  muy  rreall  geeraçom  de  que  desçemde  assy    35 
da  sua  parte  como  de  sua  madre,  da  quall  o   dito  Iffamte  per  seu  meri- 
çimento  nom  falleçe  alguúa  cousa,   e  como  lhe  será  dado  tam  gramde 

7.  desi  A  —  rreguno  A  —  honde  A.  —  11.  assi  A.  —  1 9.  co  A  —  Iffante  A.  —  29  prin- 
cipal A  —  uossa]  nossa  A. 


—  53  — 

casamento,  como  a  exçelemçia  de  seu  gramde  estado  comuem.  E  que 
auido  sobre  todo  uosso  boom  comsselho,  lhe  erauiees  uossa  rreposta  com 
effecto,  creemdo  que  aalem  de  seer  uossa  homrra  e  proueito,  farees 
cousa  que  uos  elle  mujto  gradeçera.     Sobre  as  quaaes  pallauras  a  rrainha 

5    disse  que  elles   se  fossem  por  emtom  pêra  suas   pousadas,  e   que   ella 

fallaria  com  seus  *comsselheiros,  e  que  lhe  daria  sobrello  sua  rreposta.  A,  ii,r,?. 
Todos  aquelles  gramdes  homeés  que  eram  com  a  rrainha,  esguardarom 
muy  bem  como  aquelles  embaxadores  delRey  de  Portugall  eram  homeés 
de  gramde  autoridade,  e  que  ass\'  por  ello  como  pollo  muj'  nobre  corre- 
io gimento  que  leuauam,  rrepresemtauam  muy  bem  a  gramdeza  daquelle 
senhor  que  os  la  emuiaua.  polia  qual  cousa  poderam  muy  mall  cuydar 
a  dessimullaçom  que  jazia  em  aquelle  feito.  Desy  começaram  de  trautar 
sobre  aquella  embaxada,  da  quall  a  rrainha  era  muy  pouco  comtemte, 
por  quamto  lhe  parecia  que  seu  estado  rreçeberia  abatimento,  mamdamdo 

i5  ella  primejTamente  trautar  casamento  com  ho  Itíamte  Duarte  que  era 
herdeiro  no  rregno,  e  tornar  a  casar  com  ho  Ifíamte  Dom  Pedro  que  era 
sogeito  a  seu  jrmaão  por  rrezam  de  sua  primeira  naçemça.  Porem  rres- 
pomdeo  aos  embaxadores  delRey  como  ella  por  emtom  nom  estaua  em 
pomto  pêra  dar  rreposta  a  ssemelhamte  feito,  por  alguús  negócios  que 

20  tijnha  em  seu  rregno,  nos  quaaes  de  necessidade  emtemdia  trautar. 
porem  que  sse  tornassem  com  boa  uemtura  pêra  seu  rregno,  e  lhe  sau- 
dasssem  elRey  e  a  rrainha  e  toda  a  nobreza  de  sua  geeraçom  que  com 
elle  fosse  em  sua  corte.  Os  embaxadores  como  quer  que  bem  mostras- 
sem que  lhe  prouuera  de  *leuarem  outra  melhor  rreposta,  nom  curarom    A,  ii,v,  i 

25  de  rrepricar  mais  sobre  aquella  matéria,  porque  bem  sabiam  que  nom. 
era  aquella  a  primçipall  cousa  de  sua  primeyra  uiagem.  E  porem  espe- 
diramsse  da  rrainha  e  meteramsse  em  suas  gallees  e  tornaromsse  pêra 
Portugall.  mas  nom  lhe  esqueeçeo  de  chegarem  outra  vez  açerqua  da 
cidade    de    Cepta   fazemdo  alguií  mais  rrepouso  que  o  primeiro,   pêra 

3o  acabarem  de  todo  o  que  lhe  falleçera  da  primeyra  uista.  e  tall  maneira 
teueram  em  todo  que  lhe  nom  ficou  nehuúa  cousa  por  temtar  daquellas 
que  a  elRey  prazia  de  saber.  Alguús  mouros  daquella  cidade  que 
depois  do  filhamento  delia  comsijraram  sobre  a  uimda  destas  gallees,  mal 
diziam  a  ssy  e   a  fraqueza  de  seus  emtemdimentos,  por  que  tam  tarde 

35  conheceram  a  sagazidade  com  que  sse  trautara  sua  destroiçom.  e  emtom 
se  acordauam  como  uiram  o  prioll  hir  com  sua  gallee  ao  lomgo  da 
cidade  assy  uagarosamente,  como  quem  sse  trabalhaua  de   a  esguardar 

9.  assi  A.  —  9-10.  corrigimento  A. —  12.  desi  A. —  19.  semelhante  A.  —  28.  acerca 
A.  —  3õ.  prior  A. 


-54- 

com  fememça.  e  assy  chegarom  a  Lixboa.     Empero  elRe}'  auia  dias  que 
estaua  em  Simtra  e  seus  filhos  com  elle   afora  o  comde  de   Barçellos 
que  sse  tornara  pêra  sua  terra,  por  quamto  elle  ja  era  casado  e  lhe  mam- 
A, ii,v, 2    dará  seu  padre  que  sse  tornasse*  pêra  sua  casa. 


Como  o  prioll  e  o  capitam  partiram  de  Lixboa  e  da  embaxada 
que  leuauam  e  das  cousas  que  feierom  em  sua  uiagem.     Capi- 

tidlo  xpij. 


P 


EQUENA  tardamça  fezeram  as  gallees  depois  que  partiram  de  Cepta 
pêra  chegar  a  Lixboa,  ca  o  uemto  foy  muy  prospero  e  as  gallees 
uijnham  muy  bem  aparelhadas,  de  guisa  que  lhe  nom  falleçia  'o 
nehuúa  cousa  pêra  seguirem  breuemente  sua  uiagem.  E  quis  Deos 
assy  hordenar  que  todo  aquelle  porto  de  Lixboa  estaua  muy  bem  acom- 
panhado de  mujtas  naaos  e  outros  nauios  pequenos,  que  uieram  alli  des- 
carregar suas  mercadorias  com  emtemçom  de  hirem  ao  Algarue  carregar 
de  figo  pêra  leuarem  a  suas  terras,  por  quamto  o  tempo  da  carregaçam  '5 
era  ja  açerqua.  E  as  gallees  acertaram  de  trazerem  assy  sua  uiagem 
hordenada,  que  huú  domimgo  a  ora  de  missas  apareceram  aa  boca  da 
foz  de  Lixboa.  e  como  era  dia  em  que  os  homeês  nom  eram  ocupados 
em  nehuús  trabalhos,  começarom  de  correr  pêra  a  rribeyra  como 
comuúmente  teem  por  custume  quamdo  alguú  gramde  nauio  emtra  per  20 
A,  i2,r,  1  aquella  foz.  E  as  gallees  com  a  deçemte  da  maree  *  fezerom  tamanha 
detemça  per  aquelle  rrio,  que  as  gemtes  teuerom  espaço  de  comer,  e 
tornarem  a  oolhar  como  sse  uijnham  chegamdo  pêra  a  cidade,  e  certa- 
mente que  era  gramde  prazer  assy  nos  que  estauam  na  terra  como  nos 
que  uijnham  per  o  mar,  por  quamto  as  gallees  uijnham  nobremente  apem-  25 
doadas  e  toldadas,  e  cada  huúa  trazia  duas  muy  rricas  trombetas  cujo 
soom  allegraua  os  coraçoÕes  daquelles  que  as  estauam  oolhamdo.  e 
nom  era  pequeno  descamsso  aaquelles  das  gallees,  ueemdo  os  ajumta- 
mentos  que  a  gemte  da  cidade  fazia  pêra  oolharem  sua  chegada,  ca 
todas  aquellas  torres  e  muros  eram  cheos  de  homeês  e  molheres  que  sse  3o 
chegaram  pêra  alli  por  esguardarem  a  doçura  daquella  uista.  E  os  mer- 
chamtcs  estramgeyros  eram  mujto  marauilhados  com  aquella  nouidade 
que  uiam  no  corregimento  das  gallees,  o  quall  certamente  era  assy  fre- 
moso  e  boom,  que  lhes  fazia  rrepresemtar  muy  gramde  estado.  Certa- 
mente diziam  aquelles  estramgeiros,  este  rrey  de  Portugall  assy  como  he    35 

16.  assi  A.  —  27.  allegrauam  A.  —  35.  assi  A. 


—  55  — 

gramde  em  todos  seus  feitos,  assy  faz  gramdiosamente  todas  suas  cousas. 
Os  outros  da  cidade  mouiam  amtre  ssy  gramdes  perfias  sofismamdo  *cada  A,  12,  r,  2 
huú  a  fim  daquella  embaxada.  E  em  esto  chegaram  as  gallees  dauamte 
a  cidade  homde  ja  estauam  a  mayor  parte  dos  gramdes  e  boÕs  que  hi 
5  auia  pêra  acompanharem  aquelles  embaxadores,  assy  por  seu  merecimento 
como  polia  homrra  da  embaxada  que  traziam.  E  assy  eram  todos  cegos 
no  emtemder,  que  nom.  auia  hi  alguú  que  podesse  maginar  outra  cousa, 
senom  que  toda  a  força  daquella  embaxada  fora  soomente  pêra  trautar 
aquelle  casamento.     O  rrepouso  que  os  embaxadores  fezerom  na  cidade 

10  foi  pequeno,  ca  logo  no  dia  seguimte  fezerom  saber  a  elRey  as  nouas  de 
sua  chegada,  e  amtre  tamto  emcaminharam  suas  bestas  de  guisa  que 
aa  quarta  feira  mujto  cedo  partiram  pêra  Simtra,  homde  os  elRey  mam- 
dou  mu}^  bem  rreçeber  e  agasalhar  segumdo  mereciam  taaes  pessoas, 
quamto  mais  por  uijrera  assy  nouamente  com  semelhamte  embaxada  de 

i5    fora  do  rregno.     E  por  quamto  todoilos  outros  comsselheiros  tijnham  que 
aquelles  embaxadores  nom  foram  a  outra  cousa  emulados  soomente  por 
trautar  aquelle  casamento,  teue  elRey  maneyra  de  os  ouuir  logo  primey- 
ramente  peramte  elles,  homde  compridamente  disserom  todoilos  *  aqueeçi-    A,  i2,v,  i 
mentos  de  sua  uiagem  callamdo  aquelle  priínçipall  que  sse  guardaua  pêra 

20  outro  mayor  segredo.  E  porque  a)mda  esta  dissimullaçom  podesse  seer 
melhor  trautada,  quamdo  elRey  ouuio  determinadamente  a  uomtade  da 
rrainha  fez  sembramte  como  que  lhe  desprazia  de  aquelle  feito  nom 
uijnr  a  fim,  mas  os  outros  dous  lhe  rrazoaram  sobre  os  rremedios  que 
lhe  pareciam  que  eram  necessários  pêra  tornar  outra  uez  a  rrepricar  no 

25  comitimemto  daquelle  feito.  ElRey  nom  desprezamdo  seus  rrezoados 
mostrou  que  era  muyto  milhor  leixar  assy  o  feito  quedo  per  alguú 
espaço  de  tempo.  Mas  nom  tardou  mujto  que  o  prioU  e  o  capitam 
fossem  auisados  da  maneira  que  auiam  de  teer  quamdo  lhe  fossem  dar 
o  uerdadeyro  rrecado  daquella  cousa  por  que  os  elle  emulara,   teemdo 

3o  maneyra  como  os  Iftamtes  se  chegassem  aaquelle  tempo  pêra  a  camará 
de  seu  padre  sob  semelhamça  dalguúa  outra  necessidade  que  cada  huú 
figurasse  aos  seus  por  milhor  emcubrimento  daquelle  segredo.  Jumtos 
assy  todos,  primeyramente  pregumtou  elRey  ao  capitam  polia  rreposta 
de  seu  emcarrego.   o  quall  sem  outra  sollempnidade  de  pallauras  disse. 

i5    Senhor,  eu  nom  trago  outra  rreposta  senam  que  teemdes  muy  boa  praya, 

e  muy  boa  amcoraçam,   e  que  *podees  emcaminhar  uossos  feitos  e  hir    A,i2, v,2 
mujto  em  boa  ora  quamdo  quiserdes,  ca  a. cidade  sem  gramde  tardamça 

5  meriçimento  A.  —  6.  assi  A. —  10.  fezeram  A. —  11.  cheguada  A. —  i<i.  callanJo 
A.  —  22.  fecto  A.  —  33.  assi  A. 


—  So- 
corri a  graça  de   Deos  será   posta  em  uosso  poder.     Assy  aprazerá   a 
Deos  disse   elRey.   empero  quero   saber  particullarmente  a  amcoraçam 
com  todallas  outras   cousas  que  uos  eu  emcomemdey.     Nom  mais  disse 
o  capitam,  senam  que  podees  hir  como  ja  disse  que  todo  teemdes   boõ 
e   aa  uossa  uoomtade.    e   ajmda  mais  senhor  emtemdo   que  nom   tam      3 
soomente  cobrarees  aquella  cidade,  mas  ajmda  outros  mujtos  lugares  por 
seu  aazo  uijram  a  uosso  poder  ou  de  uossa  geeraçom.     E   esto  senhor 
sey  eu  por  huú  marauilhoso  acomteçimento  que  me  acomteçeo  quamdo 
era  moço.  do  quall  sempre  trouxe  muy  gramde  nembramça  pollos  mara- 
uilhosos  aazos  que   sempre   depois    açerqua  dello   ui    seguir,    e  porque    lo 
uem  a  preposito,  nom  he  mall  de  o  saberdes  per  a  guisa  que  me  acomte- 
çeo.    E  foy  assy.  que  elRey   Dom  Pedro  uosso  padre  cuja  alma   Deos 
aja,  mamdou   meu  padre   fora  deste  rregno  com  huúa   sua  embaxada.  e 
como  quer  que    eu  fosse  moço  de  poucos  dias,    leuoume  porem  meu 
padre  comsiguo  pêra  auer  rrezam  de  ueer  terra  e  apremder.     E  seguimdo    i5 
nos   assy  nossa  uiagem,   chegamos    a  huú  porto  açerqua  de   huú   lugar 

A,i3,  r.  I  dAfrica  que  chamam*  Cepta,  homde  me  eu  trabalhey  de  ueer  alguúas 
daquellas  cousas  que  me  pareciam  mais  espiçiaaes.  E  amdamdo  assy, 
chegueime  a  huúa  fomte  que  alli  estaua  com  huú  muy  nobre  chafariz, 
homde  me  eu  acostey  huú  pedaço  tomamdo  desemfadamente  em  ueer  20 
a  fremosura  dos  cauallos  que  alli  traziam  a  beuer,  os  quaaes  eram  mujtos 
e  boÕs.  e  estamdo  assy  sobrechegou  hi  huú  homem  de  comprida 
hidade,  cujos  auitos  e  barba  eram  manifesto  sinall  de  sua  uelhiçe.  o  quall 
chegamdosse  a  mim  começoume  de  oolhar  pregumtamdome  domde  era. 
e  eu  lhe  disse  como  era  espanholl.  Nom  uos  pregumto  disse  elle,  senom  22 
de  que  lugar  sooes  da  Espanha.  E  eu  lhe  rrespomdi  como  era  natu- 
rall  da  cidade  de  Lixboa.  Essa  cidade  disse  o  uelho,  em  que  rregno  he. 
E  eu  lhe  rrespomdi  como  era  do  rregno,  de  Portugall.  E  quall  he  o  rrey 
que  agora  rregna  em  esse  uosso  rregno,  disse  o  uelho.  He  huú  muy  boom 
rrey  disse  eu,  que  sse  chama  elRey  Dom  Pedro,  lilho  que  foy  do  muy  3o 
nobre  Rey  Dom  Affomso  que  foy  na  batalha  do  Sellado.  o  quall  he 
huú  rrey  muy  justiçoso  e  amador  de  seu  pouoo.  Que  aiaaes  prazer 
disse  o  uelho,  dizeeme  quamtos  filhos  baroões  tem  esse  rrey.    Eu  lhe  disse 

A,  i3,r,2    como  tinha  três  .s.  o  primeiro  que  auia  *  nome  Dom  Fernamdo,  e  outro 

Dom  Joham,  e  o  terceiro  Dom  Denis.     E  nom  tem  mais  disse  o  mouro.    35 
Certamente  nom  disse  eu,  de  que  eu  sayba  parte.     E  elle  começou  de  me 
rrogar  que  comsijrasse   bem   se   tijnha  outro  alguú  filho.     E  por  uossa 

12.  assi  A.  —  16.  assi  A  —  acerca  A.  —  17.  da  africa  A.  —  iS.  assi.  —  32.  que  aiaaes]  1, 
Qu  ueiaaes  A. 


-57  - 

muy  pequena  hidade,  nam  me  uijnha  aa  memoria  uosso  naçimento  nem 
estado.  Porem  como  quer  que  me  aquelle  uelho  mujtas  uezes  aficasse 
rrequeremdome  sempre  que  esguardasse  bem  se  aalem  daquelles  três 
filhos  tijnha  elRey  outro  alguú.  o  quall  lhe  eu  sempre  negaua,  e  ajmda 
i  mujtas  uezes  com  juramento  como  aquelle  a  que  nom  podia  uijr  aa  me- 
moria mais  daquello  que  lhe  sempre  dizia.  Empero  aa  fim  ueemdome  assy 
aficado  delle,  começey  de  comsijrar  com  fememça,  ataa  que  me  cayo  no 
emtemdimemto  a  uerdadeyra  nembramça  de  uossa  naçemça.  E  emtom 
lhe  disse,   amigo,  he  muy  gramde   uerdade  que  elRey  tem  ajmda  huú 

10  filho  pequeno  que  chamam  Dom  Joham.  mas  eu  nom  me  nembraua  delle, 
porque  amtre  nos  os  filhos  bastardos  nom  sam  auidos  em  tamanha 
comta  como  os  lídimos.  Por  jsso  uos  pregumtaua  disse  elle.  e  em 
dizemdo  esta  pallaura,  deu  huú  muy  gramde  sospiro,  e  abaixou  o  rros- 
tro  assy  choramdo.    Da  quall  cousa*  eu  fui  mujto  espamtado.  e  por  elle    A, i3,v,  i 

i5  assv  comtinuar  em  seu  choro  e  tristeza,  rrogueilhe  mujto  que  me  dissesse 
a  causa  que  o  a  jsso  mouera.  E  como  quer  que  mo  per  mujtas  uezes 
negasse,  aa  comclusom  aficado  de  meus  rrequerimentos  disse,  amigo,  o 
meu  choro  nom  he  tamto  como  eu  tenho  rrezam,  nem  emtemdas  que 
choro  cousa  nehuúa   que  seia   presemte,    mas  poUo   conhecimento  que 

20  tenho  da  perda  que  a  de  uijnr  a  meus  naturaaes  e  amiguos.  E  porque 
a  tua  uemtura  te  trouue  aqui,  nota  bem  o  que  te  agora  disser.  Sabe  que 
esse  Rey  Dom  Pedro  que  uos  agora  teemdes  por  uosso  rrey  em  esse 
rregno,  nom  ha  mujto  de  uiuer,  per  cuja  morte  rregnara  em  seu  lugar  o 
Iftamte  Dom  Fernamdo  seu  primeyro  filho,   o  quall   será  casado  com 

25  huúa  molher,  per  cujo  aazo  o  rregno  depois  da  morte  de  seu  marido  ficara 
em  gramde  rreuolta.  e  os  outros  dous  filhos  per  emgano  de  sua  cunhada 
seram  lamçados  em  Castella,  homde  faram  fim  de  seus  dias.  E  finall- 
mente  esse  filho  pequeno  que  tu  uees  menos  preçado  em  comparaçom 
de  seus  jrmaãos,  será  ajmda  em  esse  rregno  como  huúa  pequena  faisca, 

3o    de  que   sse  leuamta  muy  gramde  fugueyra.   ca  dias  uijram,  em   que  elle 

primeiramente  *uimgara  a  desomrra  de  seu  jrmaão.  e  depois  per  escolhi-    A,  i3,v.v 
mento  do  pouoo  será  aleuamtado  por  rrey.  o  quall   auera  gramdes   de- 
mamdas  com  o  rregno  de  Castella,   de  que  sempre   ficara  uemçedor.   e 
elle  será  o  primeiro  rrey  dEspanha  que  teera  posse  em  Africa,   e  será  o 

33  primeiro  começo  da  destruiçom  dos  mouros,  e  ajmda  elle  ou  os  de  sua 
geeraçom  uijram  a  este  chafariz  dar  de  beuer  a  seus  cauallos.  Ora 
ueede  senhor,  quem  estas  cousas  assy  ouuio  e  as  uio  passar  per  aquella 
própria  hordenamça,  se  creera  que   a  cidade  de  Cepta  he  ja  posta  em 

G,  assi  A.  —  7.  consijrar  A.  —  17.  aficado  I,  aficada  A.  —  27.  finalmente  A. 


—  58  — 

uosso  poder.  E  porem  torno  a  dizer  o  que  ja  disse,  que  podees  hir  com 
boa  uemtura  quamdo  quiserdes,  ca  todo  teemdes  aa  uossa  uoomtade 
assy  as  prayas  como  as  amcoraçoões.  ElRey  era  homem  que  tijnha 
em  pequena  comta  semeiiiamtes  juizos.  e  porem  começou  de  sse  rrijr 
teemdo  em  joguo  as  pallauras  dAífomsso  Furtado,  dizemdo  que  lhe  5 
dissesse  todauia  a  çertidom  do  que  lhe  emcomemdara.  ca  bem  sabia 
elle  que  o  nom  mamdara  fora  deste  rregno  primçipallmente  ssenam 
aaquella  fim  creemdo  que  elle  era  tal!  pessoa  que  saberia  prouar  e  conhe- 
cer nom  tam  soomente  semelhamte  cousa,  mas  ajmda  outro  muyto  mayor 
A,  14,  r,  I  feito  quamdo  quer  que  fosse  necessário.  *  e  que  porem  passasse  per  aquel-  10 
Ias  pallauras,  e  dissesse  se  aquella  amcoraçom  era  sobre  pedra  ou  sobre 
área,  ou  sobre  bassa,  ou  se  per  uemtura  era  allí  o  mar  tam  alto  que  os 
gramdes  r.auios  podessem  amcorar  preto  dos  muros  da  çi4ade,  ou  se 
per  uemtura  por  aazo  das  marees  ou  corremtes  seriam  os  nauios  em 
alguú  trabalho  na  erachemte  ou  uazamte  da  maree.  Todas  estas  rra-  i5 
zoões  prestaram  pouco  açerqua  do  capitam,  ca  elle  per  nehuQa  guisa 
numca  mais  quis  dizer  do  que  tijnha  dito.  E  emtom  pregumtou  elRey 
ao  prioll  que  lhe  dissesse  ho  assemtamento  da  cidade  com  todallas  outras 
cousas  que  lhe  emcomemdara. 


Como  os  embaxadores  tornaram  e  da  rreposía   que  trotiiieram. 
Capitullo  xviij. 


S' 


ENHOR  disse  o  prioll,  de  cousa  que  uisse  nem  achasse,  nom  uos  ey 
de  dar  rreposta  atee  que  me  façaaes  trazer  quatro  cousas  .s.  duas 
carregas  darea  e  huú  nouello  de  fita  e  meyo  alqueyre  de  fauas  e 
huúa  escudella.  Cuydaaes  disse  eIRey,  que  nom  teemos  aqui  o  capitam 
com  suas  profecias.  E  emtom  começou  de  sse  rrijr,  e  disse  que  leixasse  25 
A, i4,r,2  o  jogo,  e  que  lhe  desse  rrecado  do  que  lhe  pregumtaua.  Senhor  disse*  o 
prioll,  eu  nom  tenho  custume  de  joguetar  com  uossa  merçee,  mas  ajmda 
uos  torno  a  dizer  que  sem  as  ditas  cousas  uos  nom  darey  nehuúa  rreposta. 
Ja  elRey  começaua  de  tomar  alguú  queixume  pemssamdo  que  os  emba- 
xadores nom  arrecadarom  seu  feito  per  a  guisa  que  lho  elle  mamdara.  3o 
Veede  disse  elle  comtra  seus  filhos,  que  bem  comçertadas  duas  rrepostas 
pêra  homeés  de  tall  autoridade,  estoulhe  pregumtamdo  per  as  cousas 
a  que  os  mamdei,  e  huú  me  falia  em  estroilomia,  outro  me  falia  em 
semelhamça  de  feitiços.     Quem   auia  de  cuidar  que  taaes  dous  homeés 

18.  asemtamento  A. 


-59- 

ouuessem  de  trazer  semelhamte  rrecado.  Os  Iffamtes  conheçemdo  quem 
era  o  prioll,  nom  podiam  emtemder  que  etle  tornasse  de  sua  uiagem  sem 
trazer  certo  rrecado.  porem  lhe  disserem  que  sse  arrecadara  como  delle 
comfiauam,  que  desse  a  rreposta  a  elRey  seu  padre.  O  prioll  estaua 
5  rrijmdo  porque  uia  que  elRey  nom  conhecia  sua  teemçom,  porem  disse 
que  ajmda  que  elle  quisesse  rrespomder  que  nom  saberia  sem  lhe  traze- 
rem as  ditas  cousas,  as  quaaes  lhe  forom  trazidas  per  a  guisa  que  as 
elle  rrequeria.  E  tamto  que  as  teue  demtro  em  huúa  camará  meteosse 
demtro  soo,  e  com  *aquella  área  começou  a  deuisar  sua  embaxada  per    A,"4>v,  i 

10  esta  guisa.  Tomou  aquella  escudella  e  fez  logo  o  monte  da  Almina  com 
toda  a  cidade  assy  como  jaz  com  suas  alturas  e  os  ualles  e  fumdos  delias, 
e  desy  a  Aljazira  cora  a  serra  de  Xemeyra  assy  como  jaz  em  sua  parte,  e 
homde  auia  de  fazer  mostra  de  muro  çercaua  com  aquella  fita.  e  homde 
auia  dassijnar  casas  poinha  aquellas  fauas,  em  tall  guisa  que  lhe  nom  ficou 

i5  nada  por  deuisar.  E  depois  que  todo  teue  assy  acabado,  chamou  elRey 
e  seus  filhos  e  disselhe.  agora  podees  ueer  a  semelhamça  dos  meus  feiti- 
ços, ora  me  podees  pregumtar  por  todo  o  que  uossa  merçee  for.  e  eu 
poderuos  hey  rrespomder  com  espiriemçia  amte  uossos  olhos.  Esguardou 
elRey  muy  bem  toda  aquella  mostra  como  estaua,   e  desy  o  prioll  come- 

20  çoulhe  a  deuisar  todo,  mostramdolhe  logo  toda  a  lomgura  do  muro  como 
estaua  da  parte  do  mar.  e  quamto  era  acompanhado  de  torres,  e  de 
que  altura  era  a  mayor  parte  delias,  e  depois  lhe  mostrou  o  castello  com 
todo  seu  assemtamento.  e  quaaes  eram  os  lugares  per  homde  a  cidade 
podia  rreçeber  combate,  com  todallas  outras  cousas  que  a  elRey  prouue 

25    de  saber.     E  como  quer  que  o  phillosofo  digua  que  o  conhecimento  da 

cousa  he  mais  forte  conhecida  per  ssi  meesma*  que  per  sua  semelhamça,    A, i4,v,2 
nom  rreprouamdo  seu  dito  que  seria  escarnho  pêra  mym.   certamente 
nom  falleçeo  nehuúa   cousa  daquellas  que  eram  na  cidade  pêra  ueer  e 
saber,  que  todas   hi  nom  fossem  muy  bem  declaradas  e  conhecidas  se- 

3o  gumdo  compria,  da  quall  cousa  elRey  foy  muy  comtemte  louuamdo  mujto 
a  boa  discriçom  do  prioll,  e  mujto  lhe  pareçeo  aquella  cidade  aazada  pêra 
o  que  elle  deseiaua.  E  depois  dalguú  pequeno  rrezoado  que  sobre 
aquelle  feito  ouue,  mamdou  elRey  que  tirassem  a  área  e  aquellas  cousas 
que    alli  <;stauam.   e    por   cmtom   nom  sse   fallou    mais   em  cousa   que 

35    aaquelle  caso  perteeçesse. 


1 1 .  assi  A  —  alturas  I,  altezas  A.  —  n.  desy  A  — assi  A.  —  14.  dasijnar  A.  —  1 5.  assi  A. 


—  6o  — 

Como  elRey  disse  a  seus  filhos  que  duuidaua  mitjto  começar  aquelle 

feito,  amte  de  o  saber  primeyramente  a  Rainha  e  o  comdestabre. 

Capitidto  xix. 


V 


'iSTA  assy  aquella  mostramça  que  o  prioll  fez,  elRe\'  comsijrou  sobre 
todo  per  alguú  pequeno  espaço   de  dias.   e  depois  que  todo  teue     5 
bem  comsijrado,  fallou  com  seus  filhos  em  esta  guisa.     Comsijre}' 
açerqua  de  nossos  feitos  começados,   e  aciío  que  pêra   sse  bem  poderem 
emxucutar,    tenho  dous  muy  gramdes  jmpedimentos.     O  primeiro  he  a 

A,  i5,r,  1    Rainha  minha  sobre  todos  mujto  preçada  e  amada  molher,   a  quall  *por 

suas  gramdes  uirtudes  e  bomdades  he  assy  amada  de  todos  geerallmente,    lo 
que  sse  elia  em  este  feito  nom  da  comssemtimento,  nehuú  dos  do  pouoo 
nem  ajrada  dos  outros  ma\'ores,  numca  poram   maão  em  este  feito  com 
nehuúa  fiúza   nem  esforço.     O  segumdo  empacho  he  o  comdestabre,   o 
qual!  sabees  que  ass}^  por  sua  muy  boa  uida  como  pollos  gramdes  e  bem 
auemturados  aqueeçimentos  que  ouue,  tem  assy  as  gemtes  do  rregno  che-    i5 
gadas  a  sua  amizade,  que  sse  elle  per  uemtura  comtradisser  este  comsse- 
Iho,  todos  teeriam  que  nom  era  feito  dereitamente.   a  quall  cousa  lhes 
faria  menos   esforço  pêra  nos  ajudarem  a  ello  quamdo   fossem  rrequeri- 
dos.     Porem  amte   de  nehuúa  cousa  he  bera  que  ueiamos  per  quall  ma- 
neira lhe  faremos  saber  a  determinaçam  que  em  esto  auemos,  porque  ao    20 
depois  per  seu  desprazimento  nom  rreçebamos  alguú   peio.     Os  Iftam- 
tes  forom  alguú  pouco  descomtemtes  no  mouimento  daquelle  feito,  pem- 
ssamdo  que  em  ambas  aquellas  pessoas  teeriam  muy  gramdes  dous  com- 
trayros,  e  esto  comsijrauam  per  esta  guisa.    Primeyramente  que  a  Rainha 
era  molher,   a  quall  segumdo  sua  natureza  nom  lhes  poderia  deseiar  ne-    25 
huúa  cousa  perijgosa.     E  quamto  era  aa  parte  do  comdestabre  comsijra- 

A,  i5,r,2  uam  como  era  homem  *  uelho,  e  que  toda  sua  mamçebia  despemdera  em 
tamtos  trabalhos,  dos  quaaes  per  a  graça  de  Deos  auia  dias  que  tijnha 
rrepouso  com  gramde  e  proueitoso  gaiardom  de  seu  merecimento,  a  quall 
cousa  per  uemtura  seria  aazo  de  o  poer  em  duuida  na  esperamça  da  3o 
uitoria  que  lhe  daquelle  feito  podia  uijr.  Empero  assy  como  homeés  em 
que  moraua  huúa  marauilhosa  fortelleza,  nom  quiseram  mostrar  que 
aquelles  eram  os  mayores  jmpidimentos  que  naquelle  feito  podiam  auer. 
E  comsijramdo  em  ello,  disseram  a  elRey  que  semelhamtes  cousas  nom 

1.  duuidaria  A,  duuidaua  I.  —  4.  assi  A.  —  9.  muyto  A.  —  10.  assi  A.  —  i3.  porram  A, 
poram  I.  —  i5.  assi  A.  —  20.  fazemos  A.  —  22.  foram  A.  —  24.  rrainha  A.  —  27.  home  — 
mancebia  A.  —  3 1 .  assi  A  —  come  A.  —  34.  elRej  A. 


—  6i  — 

eram  pêra  tccr  em  gramde  estima,  porque  disseram  elles,  tamto  que  a 
Rainha  nossa  senhora  e  madre  for  comtemte  açerqua  de  nosso  moui- 
mento.  o  comdestabre  nom  he  homem  que  comtradigua  nehuúa  cousa 
que  uos  hordenardes  por  seruiço  de  Deos,   e  por  acreçemtamento  de 

5  uossa  homrra  e  estado.  Porem  quamto  aa  Rainha,  nos  hiremos  a  ella  e 
lhe  fallaremos  per  tall  guisa,  que  ella  meesmo  seia  aquella  que  uos  peça 
que  nos  outorguees  o  proseguimento  daqueste  feito.  A  elRey  pareçeo 
boom  comselho  o  que  tijnham  seus  filhos,  e  disse  que  sse  trabalhassem 
de  o  poer  em  fim,  por  quamto  semtia  que  estes  dous  jmpedimentos  tira- 

10    dos,  nom  tijnha  outra  *  duuida  per  que  leixasse  de  proseguir  sua  demanda.    A,i5,v,  i 
Os  Iftamtes  se   forom  logo  aa  Rainha,  e  apartaromna  em   seu  estrado 
dizemdo  per  esta  guisa.     Senhora,   bem  sabe  uossa  merçee  a  alteza   do 
samgue  domde  per  graça  de  Deos  uijmos  a  este  estado  em  que   de  pre- 
semte  somos,  a  quall  nos  acarreta  comtinuadamente  a  muy  gramdes  cuy- 

i5  dados,  porque  possamos  comsseguir  a  uirtude  daquelles  primçipes  de  cujo 
linhagem  a  Deos  prouue  de  nos  trazer  a  este  mundo,  e  sobre  todo  com- 
sijramos  a  hidade  em  que  somos,  e  como  poderemos  mais  homrrada- 
mente  rreçeber  estado  de  cauallaria  em  alguú  lugar,  homde  sse  moues- 
sem  alguijs  gramdes  feitos  darmas  ou  trabalhos  perijgosos,  homde  nossa 

20  uirtude  podesse  seer  demostrada  amte  a  uista  de  todos.  Ca  pois  que 
os  caualleiros  primçipallmente  forom  hordenados  porque  amtre  os  outros 
homeés  tenham  auamtagem  no  feito  das  armas,  quamto  mais  aquelles  a 
que  Deos  quis  dar  nobreza  de  geeraçom,  nos  lugares  homde  sse  prouam 
as  forças   e  se  esperimentam  os  coraçoões  deuem   mais  homrrosamente 

25    rreçeber  a  hordem  daquelle  estado.     E  por  quamto  elRey  nosso  senhor  e 

padre,  deseiamdo  nossa  homrra*  e  acreçemtamento  como  de  seus  filhos    A,i5,v,2 
quisera  fazer  gramdes  festas  e  comuites  pêra  homrrar  nossa  cauallaria, 
da  quall  cousa  nos  per  nehuú  modo  podíamos  seer  comtemtes  comsijramdo 
o  que  dito  he.   e   estamdo  em  esta  duuida   quis  Deos  que  sobrechegou 

3o  hi  Johara  Affomsso  ueedor  da  fazemda,  e  fallounos  em  huúa  cidade  que 
he  em  Africa  que  chamam  Cepta  mostramdonos  como  era  muy  aazada 
pêra  seer  filhada,  a  quall  cousa  falíamos  a  elRey  nosso  senhor  e  padre. 
o  quall  emuiou  alia  o  prioll  e  o  capitam  por  deuisarem  o  assemtamento 
da  cidade,  se  per  uemtura  seria  tall  como  Joham  Aftbmso  dezia.  ora  sam 

35  ja  tornados  delia,  e  segumdo  o  rrecado  que  trouxeram  a  cidade  he  muy 
aazada  pêra  sse  filhar  auemdo  boom  auiamento  pêra  ello.  E  por  quamto 
senhora  nos  teemos  mujto  gramde  uoomtade  de  sse  este  feito  poer  em 


I.  estimo  A.  —  >.  rrainha  A  —  n.  rrainha  A.  —  28.  comsijrando  A.  —  37.  fecto  A. 


—  62 


fim.  e  semtimos  que  eIRey  se  nam  quer  despoer  a  ello  assy  despachada- 
mente  como  nos  queríamos  pidimosuos  por  merçee  que  primeyramente 
uos  praza  comssemtirdes  em  ello,  porque  semtimos  certamente  que  oprim- 
çipall  jmpedimento  que  elRey  ha  de  teer,  assy  he  a  duuida  que  em  estará 

A,  i6,r,  I     nom  sabemdo   se  uos  aprazerá  dello  ou  nom,  por  quamto  *cuydara  que      5 
por  o  amor  que  nos  uos  teemdes  segumdo  a  comdiçom  das  outras  mo- 
Iheres,  nom  uos  prazerá  que  cometamos  cousa  de  que  nossas  uidas  fiquem 
em  perijgo.  e  desy  que  lhe  peçaaes  da  uossa  parte,  que  seia  sua  merçee 
de  nos   emcaminhar  como  esto  seia   aposto  em  fim.     Bem  he  uerdade 
rrespomdeo  a  Rainha,  que  eu  uos  tenho  assy  aquelle  amor  que  quallquer    lo 
madre  per  obrigaçam  naturall  deue  teer  a  seus  filhos,   e  ajmda  mujto 
mayor  por  duas  cousas.     A  primeyra  pollo  gramde   amor  que  tenho  a 
elRey  uosso  padre,  assj'  polias  gramdes  uirtudes  que  em  elle  ha,  como  por 
seer  meu  senhor  e  marido,  e  semtir  que  me  tem  tam  gramde  amor,  como 
homem  do  mundo  que  o  moor  tem  a  sua  molher.     E  a  segumda,  por  uos    i5 
Deos  fazer  taaes  de  que   eu   nom  espero  que  possa  naçer  outra  cousa 
senom  aquella  que  rrequere  o  estado  que  teemdes,  e  o  gramde  linhagem 
de  que  deçemdees.     Empero  quamto  pêra  semelhamtes  feitos,  eu  numca 
uos  poderia  priuar  uossas  boas  uoomtades,   amtes  uos  ajudarey  a  ellas 
com  todas  minhas  forças  e  poder,    e   certamente  que  eu  nom  poderá  oje    20 
ouuir  nouas  com   que  me  mais  prouuera,  ca  per  semelhamte  rrequeri- 

A,  i6,r,2    mento  *  me   fazees  emtemder  queiamdas  uoomtades  terees  ao  diamte, 
pêra  obrardes  aquellas  cousas  que  sempre  obrarom  e  obram  aquelles 
rrex  e  príncipes  de  linhagem  de  que  deçemdees.    Porem  a  mim  praz  mujto 
de  poer  logo  maão  em  este   feito  per  tall  guisa   que   com  a  graça  de    25 
Deos,  uossas  boas  uoomtades  ajam  effecto  segumdo  deseiaaes. 


Como  a  Rainha  f aliou  a  elRey  no  rreqiieriínento  de  seus  filhos,  e 
da  rreposta  que  lhe  elRey  açerqua  dello  deu.     Capitulo  xx. 

N'OM  quis   a  Rainha  poer  aquella  cousa  em  tamanha  tardamça,  per 
que  parecesse  que  mimguaua  na  boa  uoomtade  que  amostrara  a    3o 
—  seus  filhos,   e  fez  logo  saber  a  elRcy  como  lhe   era  necessário  de 

lhe  fallar.  porem  que  fosse  sua  merçee  de  lhe  fazer  saber  a  desposiçom 
em  que  estaua.  Mas  elRey  husamdo  de  sua  nobre  cortesia,  nom  quis 
comssemtir,  que  sse  ella  metesse  em  tall  trabalho,  e  disse  ao  messegeiro 

1.  assi  A.  — 4.  assi  A.  —  5.  quanto  A.  —  8.  desi  A.  —  9.  posto  I.  —  10.  rrainha  A. — 
II.  ajnda  A.  —  i3.  assi  A.  —  14.  come  A.  —  26.  segundo  A.  —  27.  rrainha  A. —  29.  rrainha. 


—  63  — 

que  lhe  dissesse,  que  elle  hiria  homde  ella  estaua,  como  de  feito  logo 
foy.  Senhor,  disse  a  Rainha,  eu  uos  quero  rrequerer  huúa  cousa  que 
he  mujto  comtrayra  pêra  rrequerer  madre  pêra  filhos,  porque  comuú- 
mente  as  madres  rrequerem  *  aos  padres  que  arredem  seus  filhos  dos  tra-  A,  i6,v,  i 
5  baihos  perijgosos,  teemdo  sempre  gramde  arreçeo  de  quaaesquer  danos 
que  lhe  possam  acomteçer.  eu  tenho  teemçom  de  uos  rrequerer  que  os 
arredees  dos  jogos  e  das  foligamças,  e  os  metaaes  nos  trabalhos  e  perijgos. 
e  esto  senhor  he  per  esta  guisa.  Vossos  filhos  e  meus  uieram  oje  a  mim, 
e  me  comtarom  todo  o  feito  que  tinhees  passado  açerqua  da  cidade  de 

]o  Cepta  sobre  que  uos  fallou  Joham  Affomsso  ueedor  da  uossa  fazemda, 
dizemdome  como  semtiam  que  uos  nom  despoinhees  a  emcaminhar  seu 
filhamento  segumdo  elles  deseiauam.  porem  que  me  pediam  que  me 
prouuesse  de  uos  fallar  em  ello,  e  uollo  rrequerer  da  sua  parte  e  da  mi- 
nha.    E  eu  senhor  esguardamdo  como   elles  ueem  de  linhagem   dempe- 

is  radores  e  rrex  e  doutros  muy  notauees  e  gramdes  primçipes,  cujo  gramde 
nome  e  boa  fama  he  oje  per  as  partes  do  mundo  muy  nomeada,  nom 
queria  per  nehuúa  guisa,  pois  lhe  Deos  por  sua  merçee  quis  dar  a  despo- 
siçom  dos  corpos  e  do  emtemder,  que  elles  per  seu  trabalho  falleçessem 
de  comsseguir  os  feitos  daquelles  que  disse,  e  por  tamto  eu  açeitey  seu 

20    emcarreguo  e  me  prouue  mujto  de  seu  rrequerimento,  auemdo  seu  deseio 

por  boom,  pêra  começo  de  sua  noua  hidade.     Por  o  quall*  uos  peço  por    A,i6,v,2 
merçee   que   queiraaes  emcaminhar  como    elles  possam   eixerçitar  suas 
forças   e  prouar  suas  uirtudes  segumdo  deuem.   pêra   a  quall  cousa  me 
parece  que  teemdes  muy  boom  aazo,  queremdo  auiar  que  sse  ponha  em 

25  obra  aquello  que  ja  teemdes  fallado.  e  aalem  da  parte  que  a  uos  acerca 
dello  acomteçe,  eu  da  minha  uollo  teerey  em  gramde  merçee.  Senhora, 
rrespomdeo  elRey,  tall  rrequerimento  me  fazees  uos  de  que  eu  rreçebo 
muy  gramde  empacho,  e  esto  he  por  me  rrequererdes  primeyramente 
o  que   eu  ouuera   de   rrequerer  a  uos,   metendo  a  mim   em  prazimento 

3o  aquello  que  per  uemtura  eu  mujto  duuidara  de  uos  sem  costramgimento 
de  gramdes  rrogos  quererdes  outorgar.  Porem  dou  mujtas  graças  a 
Deos  porque  uos  trouue  a  tempo  de  me  tall  cousa  rrequererdes,  da  quall 
eu  som  mujto  ledo  e  me  praz  de  o  poer  em  obra  segumdo  me  rreque- 
rees,  o  que  com  a  graça  de  Deos  espero  que  uenha  a  proueitosa  fim.     E 

35  por  quamto  senhora  me  uos  teemdes  feito  este  rrequerimento,  prazcruos 
ha  que  eu  uos  faça  outro  nom  muy  lomge  deste  propósito,  que  uos 
praza  de  eu  seer  homde  nossos  filhos  forem  assy  como  partiçipador  de 
seus  comsselhos,  e  companheiro  de  seus  perijgos.   Bem  *  foj'  a  Rainha  leda    A  i7,r,  i 

2.  rrainha  A.  —  húa.  —  25.  ia  A.  —  3o.  comstamgimento  A.  —  32.  tal  A. 


-64- 

de  ouuir  todallas  rrazoões  que  sse  atee  lli  passaram,  mas  quamto  aquelle 
pomto,  bem  mostrou  que  lhe  nom  prazia  de  ouuir  semelhamte,  e  disse. 
Senhor,  a  mym  seria  mujto  graue  de  poder  com  meu  coraçom  que  outor- 
gasse semelhamte,  ca  per  aquella  guisa  que  a  mim  pareçeo  rrezoado  o 
rrequerimento  que  uos  primeyramente  fiz,  per  essa  me  parece  quamto  5 
a  meu  juizo,  o  uosso  fora  de  rrezam.  por  quamto  aquello  que  meus 
filhos  rrequerem  he  pêra  gaanharem  homrra  que  uos  ja  teemdes  gaanha- 
da.  a  quall  elles  ajmda  nom  tem  senam  por  rrezam  de  uos  e  daquelles 
primçipes  e  senhores  de  que  deçemdem.  e  porem  lhes  he  necessário  de 
a  buscarem  agora,  ssometemdo  seus  corpos  a  gramdes  trabalhos  e  perij-  lo 
gos,  Hom  rreçeamdo  sua  morte  sse  per  alguú  caso  acomteçer,  por  che- 
garem aaquello  que  seus  auoos  percalçarom.  ca  por  certo  nom  lhes  fica 
pequeno  emcarrego  depois  de  uossos  dias,  de  comsseguirem  uossas  uirtu- 
des  e  parte  de  uossa  homrra.  E  pois  que  a  Deos  graças  per  mujtas  partes 
do  mundo  he  notório  como  uos  per  uossos  gramdes  merecimentos  e  tra-  ib 
balhosos   emcarregos  cobrastes   tamta  homrra,    que   nom  soomente   ao 

A,  i7,r,2  mais  poderoso  rrey  do  mundo  *  poderia  abastar,  mas  ajmda  três  ou  quatro 
se  teeriam  dello  por  comtemtes.  e  assj^  senhor  me  parece  uossa  hida 
escusada  se  uossa  merçee  for.  ca  sobre  todo  deuees  de  comsijrar  na 
hidade  em  que  sooes,  a  quall  creo  que  he  pouco  menos  de  çimquoemta  20 
e  dous  ou  çimquoemta  e  três  annos.  e  como  toda  uossa  mamçebia  des- 
pemdestes  em  trabalhos  por  deffemssom  e  acreçemtamento  de  uossos 
rregnos.  a  quall  cousa  prouue  a  Deos  de  uos  poer  em  termo  e  fim  bem- 
auemturada.  E  que  pois  a  elle  prouue  de  assy  seer,  que  mais  honesto  e 
mais  rrazoado  he  que  os  annos  que  uos  derradeyramente  ficam  pêra  25 
uiuer,  despemdaaes  em  corregimento  de  uosso  rregno  e  em  ememda  de 
uossos  peccados.  porque  assy  como  a  Deos  prouue  de  uos  homrrar  o 
corpo  em  este  mundo,  que  assy  uos  homrre  a  alma  no  outro,  que  de 
mouerdes  agora  nouas  pelleias,  das  quaaes  se  pode  seguir  per  uemtura 
que  ajmda  que  depois  queyraaes  assessegar,  o  nom  poderees  fazer,  por-  3o 
que  os  feitos  se  aqueeçem  mujtas  uezes  per  tall  guisa,  que  com  huúas  guer- 
ras se  começam  outras,  e  som  semelhamtes  ao  fogo  que  os  lauradores 
pooem   nos  matos,  os  quaaes  pemssamdo   queymar  huúa  muy  pequena 

A,i7,v,  1    mouta,  queymam  suas  sementeyras.    E  deuees  ajmda*  de  comsijrar  como 

todallas  homrras  deste  mundo  caaem  ao  pomto  de  huúa   soo  ora.  e  por    35 
huíja  muy  pequena  desauemtura  perdem  os  homeées  muy  gram  parte  de 
suas  homrras  passadas,   porque  toda  boa  amdamça  dos  homeés  comuú- 

18    assi  A.  —  24.  assi  A.  —  27.  assi  A.  —  28.  assi  A.  —  ?4.  ajnda  A.  —  35.  caãe  A  — 
hua  A. 


—  65  — 

mente  se  julga  polia  fim,  ca  em  nehuúa  daquellas  cousas  que  os  homeés 
esperam  em  este  mundo  nom  rrespomde  menos  a  sorte  e  a  fortuna  que 
os  feitos  das  pelleias.  Porem  de  nossos  filhos  hirem  e  cometerem  quall- 
quer  cousa  que  lhe  uos  hordenardes.  a  mim  parece  que  he  bem.  e  que 
5  uos  fiquees  em  nosso  rregno.  e  aqueeçemdo  o  que  Deos  nom  queira,  que 
seus  feitos  nom  soçedam  segumdo  sua  uoomtade  e  nossa,  milhor  he  que 
uos  lenhaaes  com  que  os  uimgar  ao  depois,  que  a  comtrayra  fortuna 
abramger  assy  a  uos  como  a  todollas  gramdes  pessoas  do  rregno.  ca 
necessário  será  se  uos  fordes,   que  nom  fique  no  rregno  nehuúa  pessoa 

10    notauell  sem  uosso  gramde  costramgimento.     E  assy  senhor,  que  minha 
teemçora  he,  que  milhor  he  ficardes,  que  por  nehuúa  cobijça  de  homrra 
uos  mouerdes  de  partir  de  uosso  rregno.     Todas  uossas  rrezoões  senhora 
disse  elRey,  som  pêra  comsijrar  quamto  perteeçe  aaquelle  que  *  sse  mo-    A,  17,7,2 
uesse  priínçipallmente  por  causa  de  homrra,  o  que  certamente  noai  he  em 

i5  013111,  soomcnie  me  lembra  como  çuge}'  meus  braços  em  samgue  dos 
christaãos.  o  quall  posto  que  justamente  fezesse,  ajmda  me  parece  dem- 
tro  em  minha  comçiemçia  que  nom  posso  dello  fazer  comprida  peem- 
demça,  saluo  se  os  muy  bem  lauasse  no  samgue  dos  jmfiees.  ca  deter- 
minado he  na  samta  escpritura  que  a  perfecta  satisfaçom  do  peccado  he 

20  cada  huú  per  homde  peca  per  alli  auer  peemdeniça.  Pois  que  peemdemça 
posso  eu  fazer  de  quamtos  homeés  per  m3'm  e  per  meu  aazo  forom  mortos, 
.soomente  matar  outros  tamtos  jmfiees  ou  niujto  mais  se  poder  por  ser- 
uiço  de  Deos  e  eixalçamento  da  samta  fe  catholica.  ca  posto  que  eu  qui- 
sesse fazer  semelhamte  ememda  per  oraçoões  ou  esmoUas,  nom  me  parece 

25  que  aueria  perfeita  satisfaçam,  pois  a  peemdemça  he  desiguall  do  erro. 
ca  o  offiçio  de  rrezar  primçipalimente  he  dos  clérigos  e  frades  e  outras 
pessoas  rrelligiosas.  e  a  esmolla  que  a  quisesse  fazer,  som  dinheiros  de 
minhas  rremdas,  dos  quaaes  eu  nom  posso  semtir  mingua,  pois  doutra 
quallquer  parte  meu  estado  ha  de  seer  gouernado.   E  ajmda  me  *pareçe    A,  iS,r,i 

3o  que  segumdo  este  feito  perfaço  todas  estas  cousas,  porque  assaz  desmolla 
será  buscar  dinheiros  e  mamtijmento  pêra  gouernar  tamtas  gentes  como 
eu  com  a  graça  de  Deos  espero  de  leuar  a  esta  samta  rromaria.  Pois 
quamto  aas  oraçoões  pareçeme  que  assaz  será  Deos  seruido  per  seme- 
lhamte modo,   quamdo  per  sua  graça  aquellas  casas  em  que  sse  agora 

35  serue  e  adora  o  nome  de  .Mafamede,  cuja  alma  por  seus  justos  meriçi- 
mentos  he  sepultada  nas  fumduras  do  jmferno,  forem  acompanhadas  de 
clérigos  e  rreiligiosos,  homde  de  noite  e  de  dia  se  sirua  e  adore  o  seu 
sanito  nome.     Quamto  senhor  disse  a  Rainha,  ao  seruiço  do  Senhor  Deos 

38.  rrainha  A. 
9 


—  66  — 

eu  nom  fallo  nehuúa  cousa,  amte  me  praz  e  lhe  dou  mujtas  graças  por 
uos  poer  em  tall  propósito,  ca  nom  poderia  toruar  nem  seer  comtrayra 
em  nehuúa  cousa  que  a  seu  seruiço  tocasse,  e  elle  que  he  sabedor  de 
todalias  cousas,  sabe  bem  certamente  que  em  minha  uoomtade  nam  esta 
o  comtrayro. 


Como  elRey  pollo  presemte  nnm  quis  determinar  aa  Rainha  que 

elle  auia  de  hir  em  aquelle  feito,  e  como  logiio  mamdou  emcaminhar 

as  cousas  que  perteeçiam  pêra  a  frota.     Capitullo  xxj. 


Q"i 


A, i8,r,2  ^  ^uEM  poderia  ouuir  aquellas  pallauras  que  sse  amtre  aquelles  senho- 
res passauam,  que  nom  ouuesse  extrema  follgamça.  por  certo  lo 
bem  disse  Sallamam  em  seus  prouerbios,  que  a  mayor  parte  da 
bem  auemturamça  desta  uida  pêra  quallquer  homem  esta  em  teer  boa 
molher.  Nem  elRey  nom  era  pouco  ledo  de  ouuir  assy  aquellas  palla- 
uras aa  Rainha,  das  quaaes  em  sua  uoomtade  foy  mujto  comtemte. 
Empero  nom  quis  determinar  sua  hida  comsijramdo  que  sse  a  Rainha  iS 
determinadamente  soubesse  que  elle  auia  de  hir  que  sse  lhe  rrecreçeria 
mayor  trabalho  desprito.  da  quall  cousa  se  lhe  poderia  seguir  alguú 
danno  polia  fraqueza  de  sua  compreissom.  mas  a  hida  de  seus  filhos  ficou 
logo  posta  em  determinaçam.  e  logo  elRey  começou  demcaminhar  auiua- 
damente  o  corregimento  que  perteeçia  pêra  sua  hida.  E  a  prime3'ra  20 
cousa  que  loguo  mamdou  fazer  foy  prouijmento  de  suas  tereçenas  pêra 
saber  parte  dos  nauios  que  tijnha  e  como  eram  rrepayrados,  mamdamdo 
loguo  trigosamente  cortar  madeyra  pêra  rrefazimento  dalguúas  gallees  e 
fustas   que  lhe  falleçiam   pêra  comprimento  do  numero  que  elle  emtem- 

A,i8,v,  1  dia  de  leuar  .s.  quimze  gallees  e  quimze  fustas.  E  assy  mamdou*  loguo  zS 
aparelhar  carpemteyros  e  callafates,  que  obrassem  nos  ditos  nauios.  e 
desy  guarniçoóes  pêra  elles  com  todalias  outras  cousas  que  lhe  pertee- 
çiam. Mamdou  ajmda  elRey  apanhar  quamto  cobre  e  prata  sse  pode 
achar  no  rregno.  e  assy  mamdou  trazer  outro  de  fora  fazemdo  seu  trauto 
com  os  mercadores  pollo  milhor  modo  que  elle  pode.  em  tall  guisa  que  3o 
a  muy  breue  tempo  teue  delle  muy  gramde  abastamça.  E  Joham  Affomsso 
ueedor  da  fazemda  proueeo  logo  todalias  rremdas  da  cidade,  e  fallou 
com  Ruy  Pirez  do  Allamdroall  que  era  thesoureiro  da  moeda  nom  lhe 
declaramdo  porem  o  segredo,   per  tall  guisa  que  as  fornaças  da  moeda 

6.  rrainha  A  —  determinar  A,  declarar  I.—  8.  uijmte  e  huum  A. —  10.  exterma  A. 
—  1 5.  rrainha  A.  —  18.  jda  A.  —  j5.  assi  A.  —  26.  carpemteiros  A.  —  27.  desi  A. 


-67- 

forom  loguo  todas  prestes,  e  despachadamente  começaram  de  laurar.  e 
tamanha  trigamça  se  poinha  naquelle  lauramento  que  afora  alguGs  dias 
de  mu}'  gramdes  festas  todollos  outros  comtinuadamente  de  dia  e  de  noite 
laurauam.  Miçe  Carlos  almiramte  foy  logo  anisado  per  mamdado  delRey 
b  que  proueesse  todollos  mareantes  cada  huijs  em  seu  estado,  de  guisa  que 
despachadamente  podesse  fazer  delles  o  que  lhe  elRey  mamdasse.  Gom- 
çallo  Louremço  de  Gomide  que  era  escpriuam  da  puridade  mamdou  logo 
fazer  cartas  em  nome  delRey  pêra  o  escpriuam  dos  marauidijs,  *e  assy  A,iS,r,2 
pêra   todollos  coudees  e  anadees  dos  beesteiros  do  rregno,  que  fezessera 

IO  lofiuo  seus  alardos,  e  lhe  emuiassem  os  quadernos  delles  homde  quer  que 
eile  esteuesse.  nos  quaaes  declaradamente  fossem  escpritas  as  hidades 
das  pessoas  e  corregimentos  que  lijnham  pêra  seruiço  delRe3\  Mas  quem 
poderia  escpreuer  a  multidom  das  semtemças  que  sse  dauam  sobre 
aqueste  feito,   ca  o  rrumor  do  pouoo  era  muy  gramde  ueemdo  o  aballa- 

i5  mento  destas  cousas,  e  posto  que  cada  huú  em  sua  parte  se  trabalhasse 
descolldrinhar  aqueste  segredo  nom  auia  hij  alguij  que  certamente  sou- 
besse determinar  o  lugar  pêra  homde  aquelle  corregimento  era.  e  as 
semtemças  que  sse  dauam  açerqua  dello  leixamos  pêra  outro  capitulio, 
por  quamto  aquellas  cousas  nom  sse  faziam  ajmda  tam  trigosamente  como 

20  sse  ao  diamte  fezeram.  E  deuees  de  saber  que  a  dilligemçia  que  elRey 
mamdou  poer  na  moeda  e  rremdas  foy  por  nom  lamçar  pedidos,  a  quall 
cousa  fez  a  duas  fijns.  A  primeyra  por  quamto  aquelle  feito  primçipall- 
mente  era  mouido  por  seruiço  de  Deos,  e  nom  queria  elRey  que  nehuúa 
pessoa  de  seu  rregno  teuesse  aazo  de  rreçeber  nehuíi  escamdalio.     E  a 

25    segumda  era,  porque  sse  ouuera  de  lamçar  pedidos,   fora  necessário  de 

fazer  *ajumtamento  de  cortes  nas  quaaes  de  necessidade  se  ouueram  de    A,  i9,r,  i 
declarar  alguijas  comjeituras  ou  partes  do  feito  per  tail  guisa,   que  sse 
poderá  emtemder  a  uerdadeira  determinaçam  que  elRey  sobre  esto  tijnha. 
Em  este  corregimento  e  cousas  que  elRey  assy  mamdou  fazer  sse  poseram 

3o  bem  dezoito  meses,  no  quall  espaço  os  íffamtes  fallaram  a  seu  padre  pidimdo- 
Ihe  por  merçee  que  quisesse  poer  mayor  trigamça  naquelle  feito,  ca  posto 
que  elRey  mujto  trabalhasse  a  elles  nom  parecia  tamto,  porque  nas  cousas 
que  homem  mujto  deseia  quamdo  esta  em  esperamça  de  as  cobrar  numca 
o  espaço  pode  seer  tam  pequeno  que  lhe  nom  pareça  gramde.     E  aalem 

35  desto  huúa  das  propiedades  dos  homeés  mamçebos  segumdo  declara 
frcy  Giil  de  Roma  per  autoridade  do  phillosofo  na  terceyra  parte  do  se- 
gumdo liuro  do  rregimento  dos  primçipes,  e  Paullo  Virgerio  na  emsi- 
namça   dos  moços  fidallgos,   he  seerem  trigosos  e  arreuatados  em  seus 

1.  foram  A.  —  8.  assi  A.  —  25.  lançar  A.  —  27.  algúas.  —  29.  assi  A.  —  36.  rroma  A. 


—  68  — 

feitos,  e  esto  por  nez;im  do  esquemtamento  do  samgue  que  em  elles 
naturallmente  he  naquella  hidade.  E  tamto  lhes  parecia  aos  Iffamtes 
que  esta  cousa  se  fazia  de  uagar,  que  disseram  a  seu  padre  que  pemssa- 
uam  que  elle  queria  cessar  do  propósito  que  com  elles  determinara.  Bem 
A,  19,  r,  2  sabees  disse  elRey,  como  amte  *  que  fallassemos  aa  Rainha  uos  disse  que  5 
nom  podia  em  este  feito  fazer  nehuúa  cousa  que  o  primeyramente  ella 
e  o  comdestabre  soubessem,  e  pois  da  Rainha  ouuemos  seu  prazimento, 
comuem  que  fallemos  ao  comde,  por  cuja  rrazom  nom  posso  mais  trigo- 
samente  despachar  meus  feitos  pêra  auiar  o  que  me  he  necessário.  Os 
Iffamtes  disseram  que  era  muy  bem  que  sua  merçee  emcaminhasse  como  10 
sse  logo  posesse  em  obra  de  sse  fallar  ao  comde,  porque  ao  diamte  teues- 
sem  certa  determinacam  do  que  auiam  de  fazer. 


Como  elRey  e  os  Iffamtes  determinaram  a  maneyra  per  que  sse 
auia  de  fallar  ao  comde  naquelle  feito,  e  como  lhe  foy  f aliado  e  per 

que  guisa.      Capitullo  xxij.  ,5 

ElRey  e  os  Iffamtes  eram  aaquelle  tempo  em  Samtarem  quamdo  sse 
estas  cousas  amtre  elles  forom  falladas,  homde  determinaram  que 
este  feito  nom  fosse  fallado  ao  comde  per  escprito  nem  messegeiro 
soomente  que  elRey  lho  dissesse  persoallmente.  e  que  pêra  sse  esto 
fazer  mais  fora  de  sospeita  que  o  Iffamte  Duarte  e  o  Iffamte  Dom  Ham-  20 
rrique  partissem  logo  caminho  de  rriba  dOdiana  leuamdo  comssigo  mon- 
A,i9,v,i  teiros  e  caçadores,  e  que  amdassem  assy  despemdemdo  dous  *  ou  três 
meses  em  seus  desemfadamentos,  ataa  que  elRey  e  o  Iffamte  Dom  Pedro 
passassem  o  Teio  e  se  fossem  chegamdo  comtra  alguú  lugar  que  fosse 
mais  açerqua  domde  quer  que  o  comdestabre  emtom  esteuesse.  O  i5 
Iffamte  Duarte  auisou  loguo  seus  offiçiaaes  como  se  fezessem  prestes 
pêra  comtinuar  seu  caminho,  e  escpreueo  a  Martim  Aftbmsso  de  Melloo 
porque  era  huú  fidallgo  gramde  caçador  e  monteyro  fazemdolhe  saber 
como  elle  e  o  Iffamte  Dom  Hamrrique  seu  jrmaão  hiam  follgar  comtra 
aquella  parte,  porem  que  lhe  rrogaua  que  elle  esteuesse  prestes  com  3o 
suas  aues  e  caães.  e  que  esso  meesmo  auisasse  quaaesquer  pessoas  que 
semtisse  que  tijnham  desposiçom  pêra  ello.  E  loguo  os  Iffamtes  parti- 
ram sem  toda  sua  gemte  emtemder  o  tall  segredo  soomente  no  monte  e 
caça.   e  amtre  tamto  elRey  esteue  em  Samtarem  ataa   que  lhe   pareçeo 

4.  secar  A.  —  5.  ante  A  —  rrainha  A.  —  6.  o  A,  a  I.  —  7  rrainha  A.  —  11.  diante  A. 
—  16.  Santarém  A.  —  17.  foram  A.  —  22.  assi  A. 


-69- 

que  era  tempo  de  partir,  e  tamto  que  passaram  os  dous  meses  loguo  na 
segumda  semana  do  terçeyro  mes  elRey  fez  emcaminhar  sua  partida.  E 
porque  sua  teemçom  fosse  miliior  dessimullada,  disse  huú  dia  comtra  o 
Iffamte  Dom  Pedro  per  tall  maneyra  que  o  ouuissem  todos.  Ja  agora 
5  uossos  jrmaãos  *cuydaram  que  nom  ha  mais  na  caça  nem  no  monte  que  A, lo,  v,2 
quamto  elles  sabem,  empero  meu  filho  ajmda  eu  quero  ueer  se  lhe 
posso  leuar  auamtagem,  porque  uos  outros  homeés  mamçebos  pemssaaes 
que  nos  outros  nom  sabemos  as  cousas  tam  perfeitamente  como  uos. 
mas  prazemdo  a  Deos  nos  partiremos  ora  daqui,   e  hiremos  ueer  estes 

'O  montes  homde  eu  ja  mujtas  uezes  achey  mujtos  e  gramdes  porcos,  e  sse 
a  Deus  prouuer  de  nos  aparar  cousa  em  que  nos  desemfademos,  podere- 
mos ueer  quamdo  nos  ajumtarmos  quaaes  forom  milhores  monteyros. 
Aquelles  senhores  e  fidaligos  que  eram  com  eIRe}'  começarom  mujto  de 
departir  naquelia  montaria,  de  guisa  que  todo  o  emtemdimento  da  corte 

i5  nom  era  por  emtom  em  outra  cousa  senam  no  corregimento  que  pertee- 
çia  pêra  aquelle  caminho.  Partio  elRey  loguo  daquella  uilla  de  Samta- 
rem,  e  o  Iffamte  Dom  Pedro  com  elle.  e  correram  loguo  aquella  rribeyra 
de  Muja,  desy  foromsse  aa  rribeyra  de  Soor  que  he  açerqua  de  Curuche. 
e  rrepousarom  alli  alguij  pouco,   e  por  quamto  o  comdestabre  aaquelle 

20    tempo  estaua    em    Arrayollos,   emcaminharom  sua  hida  comtra   Monte 
Moor,   e  esto  muy  de  uagar.     E  amte  que   partissem  daquella  rribeyra 
de  Soor*  disse  elRey  comtra  o  Iffamte.   Certamente   eu   acho  ja  agora    A,2o,r, i 
minha  casa  desfeyta  de  boõs  caães  espiçiallmente  dallaãos.  ca  me  parece 
que   estes   que  tiago,  ou  he   porque  os  mais  delles  som  nouos  e  nom 

25  forom  ajmda  bem  emcarnados,  ou  per  uemtura  nom  ssam  boõs  de 
sua  naturaleza,  nom  tem  conhecimento  das  matas  desta  terra,  como 
teem  das  outras  da  Estremadura  homde  forom  criados.  Pois  disse- 
ram alguús  dos  que  hi  estauam.  Senhor  seria  bem  mamdardes  saber 
parte  a  casa  dalguús  fidaligos  desta  comarqua  se  teem  alguús  caães  que 

3o  uollos  emuiem  espiçiallmente  pêra  aquella  rribeyra  de  Lauer  em  que 
sempre  sohees  dachar  gramdes  porcos  e  boõs.  Nom  emtemdo  que  apro- 
ueita  disse  elRey,  por  quamto  o  meestre  dAuis  que  he  huú  homem  que 
sempre  tem  mujtos  e  boõs,  sey  que  será  ja  com  meus  filhos,  ou  lhe  em- 
ulariam pedir  os  milhores  que  teuesse.  ca  assy  fezerom  a  Martim  Affom- 

35  sso  de  Meloo.  mas  emtemdo  disse  elle,  que  o  comdestabre  terá  alguú 
boom  que  nos  possa  emuiar.  Se  uossa  merçee  for  disse  o  Iffamte,  escpre- 
uerlhe  ey  eu,  por  quamto  me  ueem  mais  a  geito  que  a  uos,  por  seer  alom- 
gado  de  minhas  terras,   e  uijr  aa  corte  despercebido  de  semelhamte  des- 

7.  mancebos.  —  22.  soor.  —  3.S.  condestabre  —  terra  A.  —  38.  semelhante  A. 


A, 2o,r,2  emfadamento.  EIRey  disse*  que  era  muy  bem  comsijrado.  e  todollos 
outros  assy  disseram  como  sse  comuQmente  faz  amtre  os  senhores,  que 
quallquer  cousa  que  dizem  em  louuor  ou  doesto,  todos  comsseguem  seu 
propósito,  e  tamto  sse  pos  esto  em  husamça  em  nossos  dias,  que  aiguGs 
fumdamdo  sobre  ello  jmteresse,  filhauom  semelhamte  geito  por  offiçio.  5 
mas  do  que  sse  dello  seguio,  fallaremos  adiamte  depois  do  acabamento 
destas  cousas,  passamdo  primeyramente  pollos  feitos  do  rregnado  delRey 
Dom  Joham  e  Dom  Duarte,  por  quamto  em  seus  dias  neiíuú  daquestes 
achamos  que  amte  sua  presemça  ouuesse  auamteiado  fauor.  Ora  tor- 
namdo  a  nosso  propósito,  o  escpriuam  foy  logo  chamado  ao  quall  foy  lo 
mamdado  que  fezesse  logo  huúa  carta  em  nome  do  Iftamte  Dom  Pedro 
pêra  o  comdestabre.  na  quall  depois  de  suas  emcomendas,  lhe  fazia 
saber  como  elRey  seu  padre  e  elle  eram  partidos  de  Samtarem  com  em- 
temçom  de  sse  desemfadarem  per  aquelles  montes,  e  que  por  quamto 
elle  uiera  de  suas  terras  aa  corte  aforrado  mais  com  emtemçom  de  i5 
desembarguar  seus  feitos,  que  de  amdar  a  monte,  que  lhe  rrogaua  que 
sse  teuesse  huú  boom  allaão  de  filhar  que  lho  emuiasse,  por  quamto 
aquelles   que  seu  padre  trazia  nom  eram  taaes  que  amtre   elles  ouuesse 

A,2o,v, I    nehuú  spiçiall.     *E  esta  carta  foy  logo  feita  e  assijnada,  e  o  moço  destri- 

beyra  prestes  pêra  a  leuar.  mas  foy  necessário  de  a  leuarem  ajmda  aa  20 
camará  do  Iffamte  pêra  lhe  elle  poer  o  sinete,  e  esto  era  porque  aalem 
daquelles  seellos  que  o  seu  escpriuam  trazia,  custumaua  elle  sempre 
trazer  huú  com  que  aseellaua  alguúas  cartas  espiçiaaes  que  a  elle  prazia. 
E  ao  tempo  que  lhe  ouue  de  poer  aquelle  sinete  teue  tall  modo  que  fez 
huú  escprito  per  sua  maão  mujto  secretamente,  no  quall  fazia  saber  ao  25 
comde  como  a  elRey  seu  padre  era  necessário  de  fallar  com  elle  alguúas 
cousas  sustamçiaaes  e  de  gramde  segredo,  porem  que  lhe  emcomemdaua 
que  elle  dessemullasse  per  alguúa  boa  maneyra,  como  bem  podesse  che- 
guar  a  Monte  Moor,  homde  elRey  seu  padre  loguo  açerqua  emtemdia  de 
seer.  A  quall  carta  assy  emuiada,  quamdo  o  comde  uio  a  alma  que  em  3o 
ella  uijnha,  como  homem  sages  e  discreto,  callou  muy  bem  aquelle  segredo 
fazemdo  ao  moço  alguúas  pregumtas  muy  alomgadas  daquelle  propósito 
.s.  polia  saúde  delRey  e  de  seu  filho,  e  desy  dos  desemfadamentos  que 
trazia  em  suas  montarias.  Sey  disse  elle,  que  elRey  meu  senhor  ouue 
nouas   da  boa  esqueemça   que  seus  filhos  ca  trazem   em  seus  montes,  e    35 

A,2o,Vj2    quis  uijr  tomar  sua  parte,  por  liie  elles  nom*  leuarem  a  auamtagem.  mas 
mujto  me  pesa  porque  nom  tenho  agora  taaes  caães  com  que  liie  possa  fazer 

2.  assi  A.  —  4.  preposito  A.  —  5.  jnteresse  A. —  ig.  asijnada  A.  —  29    elRej  A. — 
32.  preposito  A. 


—  7'  — 

seruiço.  empero  amtre  estes  que  tenho,  sera  buscado  o  millior  pera  seruiço 
do  senhor  Ifiamte  Dom  Pedro  que  mo  emuia  pedir.  Desy  fez  loguo  fazer 
a  rreposta  assy  de  praça,  como  o  líTamte  fez  a  que  lhe  emuiou.  dizemdo 
que  de  seus  desemfadamentos  lhe  prazia  mujto,  mas  que  lhe  pesaua  por 
5  nom  teer  cousa  tam  espiçiall  como  elle  deseiaua  pera  lhe  fazer  seruiço. 
Empero  que  daquelles  aliaãos  que  auia  em  sua  casa  lhe  emuiaua  o  mi- 
Ihor.  e  que  lhe  pedia  por  merçee  que  quallquer  outra  cousa  em  que  elle 
eirtemdesse  que  o  poderia  seruir,  o  nom  ouuesse  dello  por  escusado. 
EIRey  foy  assy  fazemdo  sua  uiagem  ataa   que  chegou   a  Monte  Moor.   e 

10  tamto  que  o  comde  soube  que  elle  alli  estaua,  disse  comtra  os  seus.  Que 
pois  elRey  seu  senhor  alli  era  tam  preto  que  nom  som  mais  de  três 
legoas  ajmda  que  gramdes  seiam,  que  lhe  seria  desmesura  nom  lhe  hir 
fallar  auemdo  tamto  tempo  que  o  nom  uira.  Porem  emcaminhou  loguo 
sua  partida,  e  foy  fallar  a  elRey.    E  assy  loguo  como  chegou  lhe  foy  fal- 

i5    lado   todo   o  feito  passado,   dizemdolhe  elRey  que  posto  que   ja  alguúas 

*  cousas  teue<=se  começadas  de  hordenar,  que  nom  eram  porem  com  deter-    a,2i,  r.  i 
minaçom  de   sse  o   feito  poer  em  exucuçom,  ataa  seer  fallado   a  elle. 
porem  que  lhe  rrogaua  que  lhe  dissesse  o  que  lhe  daquelle  feito  parecia, 
O  que   a  mim  parece  rrespomdeo  o  comde,   he  que  este  feito  nom  foy 

20  achado  per  uos  nem  per  outra  nehuúa  pessoa  deste  mundo,  soomente 
que  foy  rreuellado  per  Deos  queremdouos  abrir  aazo  e  caminho  per  que 
lhe  fezessees  este  tam  espiçiall  seruiço,  per  que  uossa  alma  amte  elle 
possa  rreçeber  gramde  meriçimento.  E  pois  que  a  elle  praz  de  sse  ser- 
uir de  uos  em  este  feito,  hi  nom  ha  mais  que  escolldrinhar.  ca  assy  como 

25  a  elle  prouue  de  o  trazer  amte  os  olhos  de  uosso  conhecimento,  assy  lhe 
prazerá  por  sua  merçee  de  o  trazer  a  proueitosa  fim.  E  uos  por  merçee 
nom  çessees  de  obrar  em  ello,  de  guisa  que  por  uossa  mimgua  nom  fal- 
leça  nehuúa  cousa  do  que  pera  semelhamte  feito  perteeçe.  E  em  esto 
chegarom  os  IfFamtes  Duarte   e  Dom  Hamrrique  domde  amdauom  em 

3o    seus  desemfadamentos.  e   sem  outra  mostramça   de  comsselhos  nem  de 
falk  secreta  semtiram  a  uoomtade  do  comde,  e  breuemente  se  partiram 
cada  huús  pera  sua  parte  .s.  elRey   e  o  Iffamte  Dom  Pedro  pera  Samta- 
rem,  e  os  IfFamtes  Duarte  e  Dom  Hamrrique  *  pera  Euora,  e  o  comde  pera    A,2i,r,2 
Arrayollos. 


12.  assi  A.  —  i5.  aigúas. —  i6.  fecto  A.  —  i8.  mumdo  A.  —  24.  assi  A  —  conhecimento 
A,  entendimento  I.  —  zí.  assi  A. 


72 


Como  elRey  começou  dauiar  mais  trigosamente  sua  hida,  e  covio  os 

Iffamtes  tornaram  dEuora,  e  como  sse  os  Iffamtes  Dom  Pedro  e 

Dom  Hamrrique  partiram  pêra  suas  terras  e  das  cousas  que  lia 

fe{erom.     Capitullo  xxiij. 


O 


espaço  foy  pequeno  que  os  Iftamtes  esteueram  em  Euora,  porque 
tamto  que  souberam  que  seu  padre  era  em  Samtarem,  loguo  par- 
tiram daquella  cidade  e  se  forom  pêra  elle,  homde  seu  ajumta- 
mento  nem  durou  mujto,  porque  o  Iftamte  Dom  Pedro  e  o  Iftamte  Dom 
Hamrrique  se  forom  loguo  pêra  suas  terras.  E  eIRey  e  o  Iffamte  Duarte 
ficarom  alli  damdo  auiamento  mais  trigoso  aas  cousas  começadas,  do  'o 
que  sse  ataa  lli  fezera.  E  o  Iffamte  Dom  Pedro  e  o  Iftamte  Dom  Ham- 
rrique teueram  tal!  maneyra  em  seu  caminho,  que  sse  o  desemfadamento 
de  rriba  dOdiana  foy  gramde,  aqueile  nom  foy  menos,  ca  tamto  que 
chegaram  a  Coymbra,  loguo  o  Iff"amte  Dom  Pedro  fez  buscar  quamtos 
desemfadamentos  se  poderam  achar  pêra  folgamça  de  seu  jrmaao  e  sua.  «5 
e  com  esto  gramde  abastamça  de  uiamdas  de  que  sempre  forom  gouer- 
B,2i,v,i  nados  em  quamto  esteueram  per  as  terras*  do  Iffamte.  E  per  semelhamte 
fez  o  Iftamte  Dom  Hamrrique  tamto  que  emtraram  na  comarqua  da 
Beyra,  homde  elle  tijnha  seu  senhorio.  Mais  fez  ajmda  o  Iffamte  Dom 
Hamrrique  por  acreçemtar  seus  desemfadamentos.  ca  hordenou  logo  20 
como  sse  fezessem  huúas  nobres  festas  em  Viseu,  pêra  as  quaaes  mamdou 
comuidar  o  comde  de  Barçellos  seu  jrmaao  com  todoUos  senhores  bispos 
fidallgos  e  outros  boõs  homeés  que  auia  em  aquella  comarqua.  aos  quaaes 
fez  saber  como  aquellas  festas  se  auiam  de  começar  em  uespera  de  na- 
tall,  e  auiam  de  durar  ataa  dia  dos  rrex.  porem  que  lhes  prouuesse  de  ^5 
teerem  tall  maneyra  em  sua  uijmda,  que  aaquelle  tempo  fossem  alli,  ou 
primeyramente  se  o  fazer  podessem  por  aazo  de  suas  pousemtadorias 
serem  milhor  auiadas.  E  pêra  esto  mamdou  o  Iffamte  a  Lixboa  e  ao 
Porto  por  pannos  de  sirgo  e  de  laã  e  brolladores  e  alfayates  pêra  fazerem 
suas  liurees  e  momos  segumdo  pêra  sua  festa  rreallmente  perteeçia.  e  3o 
desy  uiamdas  forom  buscadas  per  todallas  partes  mais  abastadamente 
que  sse  poderam  achar.  Alli  forom  trazidas  mujtas  carregas  de  cera 
que  sse  despemderam  em  mujtas  tochas,  assy  de  seruir  como  de  damças, 
A,2i,v,2    bramdoões*  e  uellas  e  contos  em  tamanho  numero  que  casy  seria  empos- 

siuell  de   sse  poderem  comtar.     Alli  forom  outrossy  de  todallas  uiamdas    35 

3.  Hanrrique  A. —.7.  foram  A.  —  21.  mandou  A.  —  28.  esto  I,  jsto  A.  —  3i.  foram 
A.  —  32.  foram  A.  —  35.  foram  A  —  outrossi. 


-73- 

daçucar  e  comseruas  que  sse  poderom  achar  no  rregno  em  muy  gramde 
abastamça.  e  assy  de  todallas  maneyras  despeçias  e  outras  fruytas  uer- 
des  e  secas  que  compriam  pêra  sua  festa  seer  abastada,  e  também  uie- 
ram  alli  piparotes  de  maluasia  com  mujtos  outros  uinhos  bramcos  e  uer- 
5  melhos  da  terra  de  todallas  partes  homde  os  auia  miihores.  E  quamdo 
ueo  aa  uespera  de  natal!  eram  )a  todas  estas  cousas  prestes,  e  assy 
mujtos  corregimentos  de  justas  e  outros  arreos  de  desuayradas  maneyras. 
e  a  cidade  e  aldeãs  darredor  eram  todas  cheas  de  gemte  de  guisa  que 
parecia  a  alguus  estramgeiros  que  per  alli  passauam  que  aquelle  ajumta- 

10  mento  nom  era  senam  corte  de  rrey.  Em  aquellas  festas  ouue  muy 
gramde  prazer,  porque  auia  em  ellas  mujtos  senhores  e  gramdes  com 
mujtas  maneyras  de  desemfadamentos.  e  sobre  todo  a  abastamça  que 
era  muy  gramde  de  mujtas  deleitosas  uiamdas.  ca  nom  sse  acha  que 
em  todos  aquelles  dias  ouuesse  nehuú  falliçimento,  per  que  aquella  festa 

i5    em  alguúa  parte  podesse  seer*  abatida.     E  deuees  de  saber  que  o  Iftamte    A,2i,r, i 
Dom  Hamrrique  foy  huú  homem  cujos  feitos  e  estado  amtre  todos  seus 
jrmaãos  teue  mayor  auamtagem  de  rrealleza,  leixamdo  o  Iftamte  Duarte  a 
que  per  dereita  soçessom  comuijnha  de  o  fazer.     E  como  quer  que  sse 
estas  festas  começassem  com-emtemçom  de  nom  seerem  em  ellas  outras 

2o  pessoas  de  gramde  estado  afora  aquellas  que  ja  dissemos,  o  Iftamte 
Duarte  que  estaua  em  Samtarem  com  seu  padre,  tamto  que  soube  as 
nouas  daquelle  ajumtamento,  ouue  muy  gramde  deseio  de  seer  em  elle. 
e  loguo  como  passou  o  dia  de  janeiro  ouue  liçemça  de  seu  padre,  e 
escolheo  seis  fidallguos  os  mais  gemtijs  homeés  de  sua  casa,   com  alguú 

25  outro  pequeno  corregimento.  e  assy  aforrado  partio  de  Samtarem,  e 
trigou  tamto  seu  amdar  que  posto  que  os  dias  fossem  pequenos  e  os 
caminhos  maaos,  chegou  a  Viseu  a  taaes  horas  que  ouuio  ajmda  ho  offi- 
çio  de  uespera  dos  rrex  com  seus  jrmaãos.  Mas  quem  poderia  dizer  o 
acreçemtamento  da  festa  que  aquelles  senhores  fezerom  com  sua  uijmda. 

3o    E  no  outro  dia  forom  as  justas  muy  gramdes  nas  quaaes  justou  o  Iftamte 
Duarte  e  aquelles  gemtijs  homeés  que  com  elle  uieram.   e  da  outra  parte 
justáramos  Iffamtes,  e  os  mais  *  daquelles  fidallguos  e  gemtijs  homeés  que    a,  22,r,2 
eram  com  elles.   e  todo  aquelle   dia  sse  despemdeo  naquellas  justas  e 
damças  e  outros  desemfadamentos.   alli  ouue  momos  de   tam  desuayra- 

3.'i  das  maneyras,  que  a  uista  delles  fazia  muy  gramde  prazer  a  quamtos  alli 
eram,  e  ajmda  a  mujtos  de  fora  que  o  souberom.  E  no  dia  seguimte 
disse  o  Iff"amte  Dom  Hamrrique  ao  Iftamte  Duarte  seu  jrmaão.     Senhor, 

I.  conseruas  A.  —  1 1.  muytos  A.  —  12.  rnuytas  A.  —  i3.  muytas  A.  —  3o.  foram  A  — 
muj  A. 


—  74  — 

pois  que  uossa  merçee  foy  de  uirdes  a  esta  terra  homde  nos  estamos  nom 
como  cortesaãos  mas  como  homeés  que  comtinuadamente  seguíamos  o 
monte,  seia  uossa  merçee  filhardes  de  huúa  liuree  que  aqui  teemos  feyta 
pêra  nos  outros  os  montejTos.  O  Iffamte  disse  que  lhe  prazia  mujto.  a 
quall  liuree  foy  rrepartida  per  alguús  daquelles  fidaligos  e  gemtijs  homecs. 
e  posto  que  ella  nom  fosse  de  mujto  finos  pannos,  era  porem  de  mujtos 
deseiada,  porque  a  nom  dauam  ssenam  a  espiçiaaes  homeés. 


Como  sse  os  Iffamtes  forom  todos  três  a  Satntarem,  e  da  maueyra 

que  teueram  em  seu  caminho,  e  do  que  f aliaram  a  seu  padre  tamto 

que  forom  homde  elle  estaua.     Capitullo  xxiiij. 


K 


A,22,v,  í  i  GABADAS  assy  aquellas  festas  como  teemdes  ouuydo,  partiramsse*  os 
Iffamtes  com  seu  jrmaao  caminho  de  Samtarem,  e  o  comde  de 
Barçellos  e  os  outros  senhores  e  fidaligos  espediramsse  delles  e 
tornaramsse  pêra  suas  terras.  E  os  Iffamtes  todos  trcs  teueram  amtre 
ssi  tall  maneira  .s.  o  Iffamte  Dom  Hamrrique  fez  a  despesa  a  seus  i5 
jrmaãos  em  quamto  forom  per  a  comarqua  da  Beyra.  e  o  Iffamte  Dom 
Pedro  depois  que  forom  na  Estremadura,  e  o  Iffamte  Duarte  em  quamto 
esteueram  em  Samtarem.  e  esto  todo  fezeram  amtre  ssy  tam  abastada- 
mente, que  o  segumdo  nom  estudaua  em  ali,  senam  como  sobrepoiaria  ao 
primeyro,  e  o  terceiro  ao  segumdo.  empero  tam  gramdemente  foy  todo  20 
feito  e  hordenado,  que  nom  tijnha  em  que  leuar  auamtagem  huú  ao  outro. 
A  Deos  diz  o  autor,  e  como  posso  eu  fallar  em  estas  cousas,  que  sse  me 
nom  demouam  as  amtredanhas  da  uoomtade  pêra  auer  delle  huúa  sahu- 
dosa  lembramça.  ca  assy  como  os  emfermos  sse  deieytam  em  comsijrar 
os  desemfadamentos  da  saúde,  e  os  uelhos  em  comtar  os  boõs  aqueeçi-  25 
mentos  das  cousas  passadas  de  que  elles  teem  alguíja  parte,  nom  menos 
follgamça  seemto  em  mym    em   comsijrar   e   saber  as  cousas  daquelle 

A,i2,v,2  tempo.  E  ajmda  que  naturallmente  todollos  homeés  *  depois  que  passam 
as  primeyras  três  hidades,  doestam  mujto  aquelle  tempo  em  que  ssom, 
dizemdo  que  elles  uiram  outro  milhor  mundo  prasmamdo  aquelle  pre-  3o 
semte,  buscamdolhe  nouas  maneyras  de  falleçimentos  pêra  ajudarem  seu 
propósito,  o  qu€  segumdo  nosso  emtemder  nom  he  tamto  polia  malldade 
das  cousas  daquelle  tempo  como  polia  fraqueza  da  sua  hidade.  Certa- 
mente nam  sse  pode  esto  emtemder  em  mym,  por  quamto  a  minha  hidade 
nom  he  semelhamte   aa  daquelles  que  disse,  nem   a  Deos  graças   ssom    35 

2.  come  bis  A.  — 9.  tanto  A.  —  lo.  foram  A.  —  16.  foram  A.  —  17.  foram  A. 


-75- 

assy  apassionado  per  jnfirmidade,  per  que  me  anoje  a  uida  presemte, 
soomente  me  despraz,  porque  nom  uejo  huú  tempo  semelhamte  aaquelle. 
ca  todollos  senhores  do  rregno  naquelles  dias  amauam  mujto  seu  prim- 
çipe,  e  o  primçipe  a  elles.  amtre  os  quaaes  auia  huús  geeraaes  desemfa- 
5  damentos.  e  os  çidadaáos  tijnham  amtre  ssy  comcordia  e  amizade.  Como 
os  Iffamtes  chegaram  a  Samtarem,  forom  rreçebidos  de  seu  padre  e  de 
toda  a  outra  gemtilleza  da  corte  com  muy  gramde  prazer  e  desemfada- 
mento.  e  o  Iffamte  Duarte  em  cuja  pessoa  e  casa  emtam  era  a  gemti- 
lleza do  rregno,   teue  emcarrego  de   fazer  a  custa  a  seus  jrmaãos,   em 

IO    quamto  esteueram  em*  aqueila  uilla  com  seu  padre.     E  como  quer  que    A, 23,r,  i 
elles  assy  amdassem   em  suas  follgamças   e  desemfadamentos,   nom  per- 
diam porem  cuydado  de  acabar  aqueste  feito  em  que  ja  tijnham  fallado, 
pareçemdolhes  que   sse  allomgaua  mais  do  que   seu  deseio  queria.     Ca 
segumdo  achamos  des  que  neeste   feito  primeyramente   foy  fallado  ata 

i5  aquelle  pomto  eram  passados  melhoria  de  três  annos.  e  acordaram  amtre 
ssy  de  fallarem  em  ello  a  seu  padre,  o  que  assy  fezerom  pedimdolhe  por 
merçee  que  posesse  aquelle  feito  em  alguú  certo  termo,  pêra  elles  emca- 
minharem  seus  feitos  segumdo  lhe  perteeçia.  Ao  que  lhe  eIRey  rres- 
pomdeo  e  disse  esto.     Nom  foy  ajmda  fallado  a  nehuú  dos  do  meu  com- 

20  sselho,  e  tenho  determinado  pêra  o  sam  Joham  a  Deos  prazemdo  fazer 
ajumtamento  de  comsselhos  em  Torres  Vedras,  homde  emtemdo  propoer 
este  feito  e  determinar  o  termo  certo  em  que  com  a  graça  de  Deos  aja- 
mos de  partir.  E  porque  a  coreesma  era  ja  açerqua,  partiramsse  os  Iffam- 
tes Dom  Pedro  e   Dom  Hamrrique  e  foromsse  pêra  Temtugall,  homde 

25    jumtamente  teueram  a  coreesma.     E  porque  nossos  feitos  de  todo  leuem 
sua  dereita  hordem,  diremos  aqui  o  que  falleçeo  em  este  outro  capitullo 
passado  por  acreçemtar  no  boom  auiso  que  *  elRey  teue  em  sua  herde-    A,23,r,2 
namça.    Homde  he  de  saber  que  queremdo  clRey  chegar  a  Monte  Moor 
que  era  húua  uespera  demtrudo  ouue  nouas  como  seus  filhos  em  aquelle 

3o  meesmo  dia  chegauom  a  Euora.  e  porque  semtio  que  elles  nom  poriam 
gram  tardamça  de  uijr  a  elle  sabemdo  sua  uijmda.  o  que  lhe  por  aazo  do 
comdestabre  que  hi  auia  de  uijr  poderia  fazer  alguúa  prosumçom.  mam- 
doulhes  logo  dizer  que  sem  nehuQa  tardamça  se  partissem  logo  dalli,  e 
tornassem  outra  uez  a  comtinuar   sua  momtaria.    ca   posto   que    fosse 

35  coreesma  a  mamçebia  rrelleuaua  todo.  e  que  depois  que  assy  amdassem 
alguús  dias  tornassem   pêra  Monte  Moor.     A  quall  cousa  os  Iffamtes 

i.  assi  A.  —  6.  foram  A.  —  i5.  ponto  A.  —  i6.  assi  A.  —  19.  disse.  Esto  não  foi  ainda 
falado  I.  —  31.  ajuntamento  A. —  28.  honde  A.  —  29.  dentrudo  A.  — 3o.  porriam  A.  — 
35.  assi  A. 


-76- 

poserom  em  obra,  e  loguo  aa  quarta  feyra  acabado  ho  offiçio  da  çijmza 
partiram  caminho  de  Beja.  ca  outro  tempo  passado  amdarom  per  Elluas 
e  per  outros  lugares  de  rriba  dOdiana.  E  tamto  que  assy  passaram 
alguús  dias,  fezeram  a  uolta  pêra  Monte  Moor,  e  no  caminho  açerqua 
de  Porteil  mataram  huú  muy  gramde  husso  que  emuiaram  a  seu  padre 
mamdamdolhe  dizer  pallauras  graciosas,  de  que  seu  padre  ouue  gramde 
prazer.  E  do  que  sse  amtre  elles  mais  passou  fica  escprito  no  outro 
capitullo  amte  deste. 


A,23,v,  I    Como  elRey  mamdou  chamar  os  do  seu  comsselho,  e  como  os  Iffam- 

tes  tornaram  aa  corte,  e  das  cousas  que  o  Iffattite  Dom  Hamrrique    lo 
rrequereo  a  seu  padre.     Capitullo  xxv. 


G 


OMÇALLO  Caldeyra  soomente  foy  aquelle  que  era  escpriuam  da 
camará  delRey,  a  que  a  puridade  deste  segredo  foy  rreuellada. 
e  esto  era  porque  Gomçallo  Louremço  escpriuam  da  puridade 
cujo  criado  elle  fora,  nom  podia  per  ssi  soo  escpreuer  tamta  escpritura  is 
como  perteeçia  pêra  este  feito,  e  porem  foy  reuelado  assy  aaquelle  por 
semtirem  delle  que  era  homem  que  o  guardaria.  Certamente  elle  tomou 
dello  tamanho  cuydado,  que  posto  que  depois  da  tomada  de  Cepta  mujtos 
annos  uiuesse,  numca  foy  homem  que  lhe  em  ello  ouuisse  fallar  soomente 
per  gramde  uemtura.  e  ajmda  aquello  que  fallaua  sob  muy  gramde  cau-  20 
tella  e  temor.  Aaqueste  Gomçallo  Caldeyra  foy  dado  carrego  de  fazer 
as  cartas,  per  que  elRey  mamdou  chamar  aquelles  do  comsselho  que 
auiam  de  seer  com  elle  em  Torres  Vedras,  e  com  todo  esto  elRey  nom 
çessaua  demcaminhar  seus  feitos  o  mais  despachadamente  que  podia.  E 
passada  a  festa  da  páscoa,  os  Iffamtes  partiram  de  Temtugall,  e  foramsse  25 
A,23,v.2  *pera  Simtra  homde  seu  padre  estaua  e  teuera  aquella  festa.  E  outrossy 
o  comde  de  Barçellos  e  o  comdestabre  e  o  meestre  de  Christo  e  o  meestre 
de  Samtiago  e  o  meestre  dAuis  e  o  prioll  do  Espitall,  e  Gomçallo  Vaaz 
Coutinho,  e  Martim  Aífomsso  de  Melloo,  e  Joham  Gomez  da  Sillua, 
com  todollos  outros  senhores  e  fidallgos  que  auiam  de  seer  em  aquelle  3o 
comsselho,  ueheramsse  chegamdo  pêra  aquelle  lugar  homde  lhes  era 
mamdado  que  uiessem.  E  chegamdosse  aquelle  tempo  elRey  partio 
de  Simtra,  e  foy  foUgamdo  per  aquella  comarqua  de  Lixboa  caminho 
de  Torres  Vedras,  e  amte  desto  chegamdo  elRey  a  Carnide,  o  Iffamte 
Dom  Hamrrique  que  mujto  deseiaua  per  seu  corpo  fazer  alguúa  cousa    35 

8.  ante  A.  —  1 3.  poridade  A.  —  27.  xps  A.  —  32.  honde  A  —  elRej  A. 


—  77  — 

auamtajada,  chegou  a  seu  padre  e  disse.  Senhor,  primeiro  que  per 
estes  feitos  mais  uaades  a  diamte,  porque  semto  que  com  a  graça  de 
Deos  uaão  ja  per  tall  uia  que  uijram  a  boa  fim.  eu  uos  peço  por  merçee 
que  me  outorguees  duas  cousas  .s.  a  primeyra  que  eu  seia  huú  dos  pri- 
í)  meyros  que  filhe  terra  quamdo  a  Deos  prazemdo  chegarmos  dauamte  a 
cidade  de  Cepta.  e  a  segumda  he  que  quamdo  a  uossa  escalia  rreall  for 
posta  sobre  os  muros  da  cidade,  que  eu  seia  aquelle  que  uaa  primeyra- 
raente  em  ella  que*  outro  alguú.  ElRey  ooihou  comtra  elle  com  comte-  A,24,r,  i 
nemça  toda  chea  de  rrijso,  e  lhe  rrespomdeo  per  esta  guisa.     Meu  filho, 

10  uos  ajaaes  a  beemçam  de  Deos  e  a  minha,  por  teerdes  tam  boa  uoomtade 
pêra  meu  seruiço,  e  pêra  acreçemtamento  de  uossa  homrra.  empero 
poUo  presemte  eu  nom  uos  rrespomdo  a  nehuúa  dessas  cousas,  mas  pra- 
zemdo a  Deos  eu  uos  rrespomderey  a  ellas  em  outro  tempo  mais  per- 
teeçemte  pêra   sse  dar   que   agora.     Assy  chegou  elRey  aaquella  uilla 

i5  de  Torres  Vedras,  homde  sse  ajumtarom  com  elle  todos  aquelles  senho- 
res que  forom  chamados  pêra  aquelle  comsselho.  e  amte  que  sse  ne- 
huija  cousa  fallasse,  disse  elRey  ao  comdestabre.  Por  quamto  este  feito 
he  assy  árduo  e  gramde,  eu  som  em  muy  gramde  duuida  de  o  mouer  a 
estes  como  per  noua  determinaçom.   ca  posto  que  eu  uerdadeyramente 

20  delles  conheça  que  ssom  todos  muy  boõs  e  deseiadores  de  meu  seruiço, 
acho  porem  que  todollos  homeés  teem  cada  huú  seu  desuayro  nas  com- 
diçoÕes  e  uirtudes,  e  que  assy  nom  som  todos  em  huú  coraçom  e  uoom- 
tade. e  pode  seer  que  poemdo  eu  este  feito  determinadamente  em  seu 
juizo,  que  a  semelhamça  do  perijgo  com  a  mimgua  da  fortelleza,  poderá 

25    poer  em  alguús  taaes  duuidas  *  que  leixamdolhas  homem  limar  per  rrezam,    A,24,r,í 
fará  aos  outros  tamanho  rreçeo,  que  pode  seer  aazo  de   sse  este  nosso 
feito  leixar  dacabar.     Porem  queria  saber  a  maneyra  que  uos  parece  que 
deuo  teer,  pêra  me  poder  segurar  daquesta  duuida.    Senhor,  disse  o  com- 
destabre, uossa  comsi)raçom  me  parece  muy   boa,  mas  o  rremedio  pêra 

3o  ello  me  parece  que  será  bem  que  uos  nom  mouaaes  esta  cousa  como  quem 
a  moue  nouamente,  mas  como  cousa  que  teemdes  determinada  por  justa 
e  boa.  ca  pois  uosso  primçipall  mouimento  foy  por  seruiço  de  Deos,  a 
elle  primçipallmente  deuees  de  leixar  a  determinaçom  do  comsselho.  e 
o  que  a  uos  perteemçe  he  firme  propósito  pêra  o  poerdes  em  fim  com  a 

35  sua  graça  e  ajuda,  e  o  que  a  estes  do  uosso  comsselho  quiserdes  dizer, 
nom  seia  por  uos  elles  comsselharem  se  he  bem  de  sse  fazer  ou  nom. 
mas  soomente  que  lho  dizees  por  seu  auiso.  e  assy  por  uos  elles  dizerem 

3.  uiiram  A.  —  i3-i4.  perteemçemte  A. —  i8.  árduo  I,  arduu  A.  —  22.  sam  A. — 
28.  duuyda  A.  —  28-29.  condestable  I,  comde  A. 


-78- 

e  comsselharem  os  milhores  aazos  e  caminhos  per  que  este  feito  possa 
acabar.     E  pêra  sse  esto  milhor  emcaminhar,  uos  hordenarees  que  eu 
falle  primeyro  no  comsselho  que  outro  nenhuú.   e  eu  com   a  graça   de 
Deos  hordenarey  minha   falia  per  tall  guisa,  que  nehuú  delles  nom  aja 
A,24,v,  I    rrezom  *  depois  que  eu  fallar,  de  comtradizer  uosso  propósito.     A  elRey     5 
prouue  mujto  daquelle  comsselho.   e  mamdou  loguo  chamar  seus  oíBçi- 
aaes,  aos  quaaes  mamdou  que  fezessem  prestes  aquellas  cousas  que  per- 
teeçiam  pêra  corregimento  da  casa  em  que  elle  auia  de  teer  seus  com- 
sselhos.  a  quall  era  huúa   salla  deamteyra  que   esta  em  aquelles  paaços    ■ 
de  Torres  Vedras,  homde  esta  a  capella.  e  foy  todo  assy  corregido  como    lo 
compria   aa  exçellemçia   de  seu  estado  .s.  o  asseemtamento  delRey  em 
meyo,  e  os  bamcos  dos  outros  de  huúa  parte  e  da  outra.     E  o  dia   em 
que  sse  esto  ouue  de  começar,   era  huúa  quimta  feyra,  na  quall  elRey  e 
seus  filhos  ouuiram  huúa  missa  de  Samto  Spritu  ofhçiada  com   gramde 
sollempnidade,  por  tall  que  a  sua  samta  graça  lhe  podesse  dar  uerdadeyro    i5 
conhecimento  de  todo  o  que  naquelle  feito  por  seu  samto  seruiço  emtem- 
diam  de  fazer.     E  dalli  ficou  a  elRey  sempre  por  deuaçom  ouuyr  seme- 
Ihamte  missa  cada  somana  em  aquelle  dia.  nom  tam  soomente  ajmda  elle, 
mas  todos  seus  filhos  o  cusiumarom  sempre  em  suas  capellas  em  quamto 
uiuerom. 


Co7no  elRey  tomou  juramento  aos  do  comsselho,  e  per  que  guisa,  e   20 
das  pallauras  que  lhe  disse  acerca  de  seu  propósito. 
Capitullo  xxvj. 


y 


A,24iV,2  -r  TTijMDA  a  hora  em  que  aquelle  comsselho  auia  dauer  fim,  e  jumtos 
aquelles  senhores  e  fidallgos  em  aquella  salla,  amte  que  elRey 
fallasse  nehuúa  cousa  do  que  deseiaua,  disse.  Aquellas  cousas  zS 
soemos  auer  por  fortes  e  ásperas,  as  quaaes  per  alguú  aqueeçimento  com- 
tra  nosso  deseio  nouamente  acomteçem.  porque  a  husamça  das  cousas 
geera  menos  preço  delias,  e  a  uos  assy  parecera  alguú  pouco  graue 
esta  nouidade  que  ora  emtemdo  de  fazer,  a  quall  per  uemtura  cuyda- 
rees  que  he  feita  com  mimgua  de  fiamça,  ou  com  alguúa  noua  sospeita  3o 
que  tenho  comtra  alguús  de  uos,  ou  per  uemtura  comtra  todos,  o  que 
certamente  nom  he  assy,  amte  uos  tenho  por  boõs  e  leaaes  e  amadores 
de  minha  homrra  e  seruiço,  e  assy  conheço  que  fuy  sempre  de  uos  leall- 

1 .  consselharem  A.  —  3.  nehuum  A.  —  1 5.  uerdadey  A.  —  23.  Vjimda  A. — 29.  alguum 
A.  —  3i  algúa  A. 


—  79  — 

mente  seruido  e  acomsselhado.  Ca  sse  assy  fora,  que  eu  dalguú  de  uos 
teuera  duuida  ou  sospeita,  bem  poderá  buscar  aazo  per  que  o  afastara 
de  meus  comsselhos.  mas  esto  que  eu  faço,  he  huúa  amoestaçam,  a 
quall  ho  peso  e  a  gramdeza  do  feito  rrequere.  E  nosso  Senhor  Deos 
5  quamdo  foy  a  sua  transfiguraçom  em  monte  Tabor,  nom  ouue  por  mall  de 
amoestar  aaquelles  três  apostollos  que  apartou  comssyguo,  que  callassem 
o  segredo  daquella*  çellestriall  uisom.  como  quer  que  aquelles  três  eram  A,25,r, i 
os  primçipaaes,  que  elle  sempre  tijnlia  quamto  aa  humanidade  no  seo  de 
seus  comsselhos  por  testimunha  de  seus  segredos.     Porem  amte  que  eu 

IO  nehuúa  cousa  falle  comuosco  daquello  sobre  que  aqui  fostes  chamados, 
quero  que  me  façaaes  preito  e  menagem  que  guardarees  fiellmente  todal- 
las  cousas  que  eu  de  presemte  comuosco  fallar.  e  que  as  nom  direes  a 
nehuúa  pessoa  per  pallaura  nem  per  escprito.  amte  afastarees  todo  aazo 
e  geito  per  que  sse  nehuúa  cousa  que  ao  dito  feito  perteeça  possa  saber 

!.■)  nem  emtemder.  Todos  disseram  que  lhe  prazia,  empero  cada  huú  era 
duuidoso  amtre  ssy  pemssamdo  que  cousa  podia  ser  aquella  sobre  que 
sse  fazia  tam  nouo  fumdamento.  E  emtom  lhes  deu  elRey  juramento  no 
lenho  da  uera  cruz  e  sobre  o  liuro  dos  euamgelhos,  que  guardassem  assy 
todo  aquelle  segredo  como  dito  he.     E  esto  assy  acabado  começou  elRey 

20  seu  propósito  em  esta  guisa.  Amigos,  este  dia  foy  sempre  de  mym  mujto 
deseiado.  ca  bem  sabees  quamto  minha  uoomtade  sempre  foy  chegada 
ao  amor  de  todollos  christaãos.  e  esto  podees  claramente  emtemder  com- 
sijramdo  como  seemdo  guerra  amtre  mym  e  o  rregno  de  Casteila,  quam- 
tas  uezes  *  fuy  rrequerido  delRey  de  Graada,  oftereçemdome  gemtes  pêra    A,25,r,2 

25  me  ajudarem  a  destroyr  ou  deneficar  meus  comtrairos.  a  quall  cousa 
sempre  emgeitey,  conheçemdo  que  posto  que  me  trouuesse  proueito,  que 
nom  era  rrezam  tomar  tall  ajuda  seemdo  elles  jnmijgos  da  nossa  samta 
ffe.  Outrossy  fuy  per  elles  rrequerido  pêra  lhes  dar  de  mym  e  de  meus 
rregnos  paz  perpetua,   ou  tregoas   por  alguú   tempo,  offereçemdosse  por 

3o  ello  a  meu  seruiço  per  suas  cartas  e  rrecados.  a  quall  cousa  menos  quis 
outorgar  auemdo  tall  amizade  e  comcordia  por  maa  e  desonesta,  e  que 
seemdo  a  elles  fauor  que  he  uituperio  de  nossa  ffe,  pois  a  uida  delles  em 
este  mundo  segumdo  sua  emtemçom  he  por  seu  doesto.  E  sabees 
outrossy  que  em  todollos  feitos  passados,  posto  que  per  graça  de  Deos 

35  sempre  ouuesse  uitoria  de  meus  emmijgos.  numca  em  meu  coraçom  pude 
deseiar  outra  cousa  se  nom  paz.  nom  porque  esta  cobijça  ouuesse  auem- 
dome  por  camssado  de  semelhamtes  trabalhos,  soomente  nembramdome 
que   eram    christaãos,   cujo  dano  eu  mujto  semtia.   e   como  e  quamtas 

14.  perteemça  A.  —  29.  rregnnos  A  —  alguum  A.  —  33.  mumdo  A.  —  38.  muyto  A. 


—  8o  — 

uezes  eu  esta  paz  deseiey  e  busquey  com  elles,  manifesto  he  amtre  o 
conhecimento  de  uos  outros.     E  porque  nosso  Senhor  Deos  uerdadeyra- 

A,52,v,  I  mente  conhecia  meu  deseio,  e  com  que  temçom*  me  mouia  a  rrequerer  a 
dita  paz,  prouuelhe  por  sua  merçee  de  a  trazer  a  esta  fim  que  sabees.  a 
quall  cousa  eu  nom  tiue  nem  tenho  por  menos  uitoria,  do  que  tiue  5 
o  uemçimento  da  batalha  rreal,  na  qual!  se  determinou  muy  gram 
parte  de  nossa  duuida.  E  porque  naquelles  tempos  passados  eu  sem- 
pre deseiey  fazer  alguú  tall  seruiço  a  nosso  Senhor  Deos,  per  cujo 
gramde  trabalho  e  perijgo  podesse  satisfazer  per  meriçimento  alguija 
oflemssa,  se  a  comtra  sua  uoomtade  per  myra  ou  per  meu  aazo  lo 
teuesse  feita,  e  trazemdo  assy  este  cuydado,  mujto  a  meude  rreuoll- 
uia  meu  emtemdimento  escolldrinhamdo  homde  ou  como  lhe  poderia 
fazer  aquelle  seruiço.  empero  nom  me  podia  uijr  aa  memoria  lugar 
aazado  em  que  ho  fazer.  E  porque  eu  podesse  emtemder  que  o  meu  tra- 
balho nem  escolldrinhamento  era  de  pouca  sustamçia  e  uallor  amte  a  sua  i5 
muy  perfeita  e  alta  sabedoria,  mu}'  ligeyramente  me  apresemtou  amte  a 
jmagem  do  conhecimento  per  aazo  nom  maginado  nem  pemssado,  como 
lhe  este  seruiço  perfeitamente  poderia  fazer  filhamdo  a  cidade  de  Cepta, 
mostramdome  logo  certos  aazos  e  caminhos  per  que  mais  ligeyramente 

A,25,v,2  poderia  acabar  meu  deseio.  E  porque  semti  e  soube  a  gramdeza  *  daque-  20 
Ha  cidade,  e  a  muitidom  das  gemtes  que  em  ella  mora.  e  comsijramdo 
outrossy  como  he  nas  partes  daalem  deste  nosso  mar,  rretiue  assy  este 
segredo  sem  uollo  deuulgar  por  duas  cousas,  a  primeyra  por  saber  se 
teeria  pejo  no  auiamento  de  meu  feito,  quamto  aas  pazes  de  Castella.  e 
a  segumda  por  auer  certo  conhecimento  se  aueria  alguús  empidimentos  25 
em  minha  passagem.  E  ora  que  ja  de  todo  som  auisado  fizuos  aqui 
assy  ajumtar  por  duas  cousas,  a  primeyra  por  me  ajudardes  a  dar  graças 
a  nosso  Senhor  Deos  que  me  tam  boa  e  tam  homrrada  cousa  trouxe  aa 
maão,  em  que  o  podessemos  seruir.  o  que  deuees  de  fazer  com  mujto  boa 
uoomtade,  porque  todos  os  que  aqui  estaaes  fostes  comigo  naquelles  meus  3o 
primeiros  trabalhos,  por  cuja  rrezam  eu  som  mujto  ledo  de  auerdes  )sso 
meesmo  comigo  parte  em  quallquer  cousa  que  eu  faça  por  salluaçam  de 
minha  alma.  e  a  segumda  pêra  rreçeber  de  uos  auiso  e  comsselho,  como 
milhor  e  mais  proueitosamente  possa  cobrar  a  fim  do  dito  feito,  e  ajmda 
a  terçeyra  por  uos  auisar  que  vos  façaaes  prestes  daquellas  cousas  que 
forem  necessárias  pêra  corregimento  de  uossa  hida. 


I.  desegey  A.  —  6.  no  A.  —  8.  desegey  A  —  alguum  A.  —  i5.  ante  A. 


Como  o  comdestabre  rresponideo  primeiro  em  aquelle  comsselho,  e 
das  *  rre^oões  que  disse,  e  como  ho  Iffamte  Duarte  e  seus  jrmaãos   a,  20,  r,  1 
rrespomderom  e  per  que  maneira.      Capiíullo  xxvij. 

POSTO  que  elRey  despemdesse  pouco  tempo  em  apremder  çiemçia, 
todas  suas  pallauras  porem  eram  ditas  com  muy  gramde  autori- 
dade, e  tamto  que  elle  assy  teue  acabada  sua  rrezam,  a  pri- 
meyra  uoz  que  deuera  seer  do  Iffamte  Duarte,  ficou  ao  comdestabre 
segumdo  per  elRey  fora  hordenado,  teemdosse  porem  tal!  maneyra  que 
alguú  dos  outros  nom  podesse  emtemder  que  era  feito  de  certa  sabedo- 

10  ria.  e  como  quer  que  o  comdestabre  fimgidamente  rrefusasse  mujto  de  o 
fazer,  empero  ouueo  de  fazer  de  rrogo  do  Iffamte  aperfiamdo  sobre  ello 
primeyramente  alguú  pouco.  E  aqui  auees  de  saber  que  sempre  ata 
aquelle  tempo  se  custumaua  no  comsselho  dos  rrex  fallarem  primeyra- 
mente as  mayores  pessoas,  e  desy  as  outras,  deçemdo  cada  huúa  per  seu 

i5  graao  ata  a  mais  pequena,  e  dally  auamte  ficou  em  huso  de  fallarem 
primeyramente  as  mais  pequenas,  e  per  semelhamte  sobirem  hordenada- 
mente  pêra  cima  ataa  chegarem  aa  mayor.  a  quall  certamente  he  huúa 
muy  boa  maneyra  pêra  todoilos  comsselhos  dos  gramdes  senhores,  por- 
que  quamdo  as  mayores   pessoas*    faliam   primeyro,   as   mais   pequenas    A,2Ó,r,2 

20  tomam  rreçeo  de  comtrariarem  o  que  as  mayores  disseram,  ajmda  que 
lhe  pareça  o  comtrayro.  Que  arguymento  de  pallaura  senhor,  rrespom- 
deo  o  comdestabre,  posso  eu  fazer  nem  outra  nehuúa  pessoa  que  aqui  seia 
amte  uossa  presemça  que  pareça  rrezoado  soomente  dizeruos  como  pro- 
feta.  Esto  he  feito  ao  Senhor,   e  he  marauilhoso  amte   os  nossos  olhos. 

25  Nem  uos  nom  queyraaes  meter  este  feito  no  comto  dos  outros,  porque 
as  outras  cousas  sobre  que  uos  filhaauees  comsselho  ajmda  que  justamente 
o  fezessees,  era  porem  pêra  buscar  certos  caminhos  per  que  mais  ligeyra- 
mente  podessees  segurar  uossa  uida  e  homrra,  e  assy  de  uossos  sogeitos 
e  naturaaes.   mas  este   feito  soomente  perteeçe   ao  seruiço  de   Deos   e 

3o  saluaçam  das  almas,  uossa  e  daquelles  que  uos  em  ello  seruirem.  e 
quamto  a  alma  he  mais  nobre  que  o  corpo,  tamto  nosso  Senhor  Deos 
toma  mayor  cuydado  demderemçar  os  comsselhos  daquelles  que  sse 
mouem  pêra  sua  saluaçom.  Porem  eu  nom  semto  outro  comsselho  que 
uos  em   ello  dar,  soomente   que  o  carrego  deste   feito  primçipallmente 

35    leixees  a  Deos,  rremereçemdolhe   o  cuydado  que  teue   e  tem   de  uossa 

3.  rresponderam  A.  —  4.  despendesse  A.  —  7.  Iffante  A.  —  10.  condestable  I,  comde 
A.  —  12.  atee  A.  —  20.  o  que  I,  as  que  A.  —  22.  condestable  I,  comde  A. 


—  82  — 

A,2G,v,  1  saluaçom.  *  e  eu  de  minha  parte  ponho  ley  a  mym  meesmo  de  lhe  dar 
mujtas  graças  por  ello,  polia  parte  que  a  mim  acomteçe.  E  assy  como 
uos  serui  em  todailas  outras  cousas,  assy  uos  seruirei  em  esta.  e  ajmda 
quamto  a  cousa  he  miihor  e  mais  proueitosa,  tamto  poerei  em  ello  mayor 
uoomtade  e  diliigemçia.  Em  acabamdo  esta  pallaura,  sse  aleuamtou  ; 
domde  estaua,  e  foi  poer  os  giolhos  amte  elRey,  e  em  lhe  beyiamdo  a 
maão  disse.  Eu  uos  faço  esta  rreueremça  teemdouos  mujto  em  merçee 
de  me  aazardes  cousa  em  que  uos  sirua  em  meu  offiçio  de  cauallaria  em 
que  me  Deos  por  sua  merçee  pos,  seemdo  cousa  tamto  de  seu  seruiço. 
Depois  que  o  comdestabre  acabou  suas  rrazoÕes,  fallou  o  lífamte  Duarte  lo 
per  esta  guisa.  Pois  que  o  comdestabre,  que  he  huú  homem  que  foy  em 
tamtas  e  tam  boas  cousas  per  seu  corpo,  homde  gaanhou  tamtas  e  tam 
gramdes  homrras  como  tem  per  seus  boõs  merecimentos,  ha  por  tam 
boom  uosso  propósito  e  fumdamento  nom  achamdo  comtradiçam  aiguQa, 
que  posso  eu  hi  dizer,  que  ajmda  per  mim  nom  fuy  em  nehuúa  cousa  perij-  i5 
gosa  nem  de  temor,  soomente  follgar  mujto  por  me  Deos  trazer  aazo  em 
que  possa  fazer  de  minha  homrra.  e  por  ello  dou  mujtas  graças  a  Deos, 

A,2G,v,2  e  a  uos  tenho  em  gramde  merçee  por  uos  prazer  de  auiar  cousa*  em  que 
uos  possa  seruir  com  tamto  seruiço  de  Deos  e  acreçemtamento  de  minha 
homrra.  E  em  acabamdo  estas  pallauras  leuamtousse  em  pee,  e  foy  bey-  20 
iar  a  maão  a  seu  padre,  e  per  semelhamte  maneyra  fezeram  seus 
jrmaãos,  de  cujas  pallauras  nom  curamos  de  fazer  expressa  memçom, 
porque  comuiãmente  todas  faziam  este  propósito.  Ora  quall  pemsaaes 
que  auia  de  seer  neiíuú  dos  outros  por  ousado  que  fosse  em  faltar,  que 
teuesse  atreuimento  de  comtradizer  o  fumdamento  daqueile  propósito.  25 
ca  nom  emtemdaaes  que  ajmda  que  a  emtemçom  delRey  fosse  tam  boa 
como  era,  que  hi  nom  ouuera  alguús  debates  sobre  que  sse  poderam 
seguir  mujtas  rrazoões,  se  aquelli  maneira  nom  fora  primeiramente  com- 
sijrada.  Porque  assy  como  nosso  Senhor  Deos  pos  gramde  desuairo  nas 
comtenemças  dos  homeés,  assy  lhe  prouue  que  nos  emtemdimentos  fossem  3o 
desiguaaes.  e  dizem  os  amtijgos,  que  esta  soomente  he  aquella  cousa 
que  no  mumdo  foi  miihor  rrepartida,  porque  nehuú  homem  nom  teem  tam 
pouco  siso  que  sse  delle  nom  comtemte  ssem  cobijça  dauamtagem  que 
em  outrem  conheça.  Empero  foi  rrequerido  aaquelies  que  dessem  suas 
vozes   cada  huíj  segumdo  miihor  emtemdesse.   mas  nom  ouue  hi  alguú    35 

A,27,  r  I    que  soubesse  dizer  o  comtrayro.     Mas  Joham*  Gomez  da  Siliua  que  era 
huú  homem  forte  e  ardido,  cujas  pallauras  sempre  traziam  jogo  e  sabor, 

9.  tanto  A.  —  10.  suas]  sas  A  —  Iffante  A.  —  20  leuamtouse  A.  —  25.  fundamento  A. 
—  3o.  assi  A.  —  3i.  antijgos  A.  —  36.  comtrairo  A. 


—  83  — 

leuamtousse  em  pee.  Quamto  eu  senhor,  disse  elle  comtra  elRey,  nom 
ssei  ali  que  diga  ssenom  rruços  aalem.  E  esto  dezia  elie,  porque  elRey 
e  os  mais  dos  que  aili  estauam  tijnham  ja  as  cabeças  cheas  de  caãs.  E 
elRey  e  todollos  outros  começarom  de  sse  rrijr.  e  assy  folgamdo  fezeram 
fim  de  suas  falias,  quamto  aaquelle  propósito. 


Como  elRey  teue  comsselho  sobre  ho  emcubrimento  daquelle  propó- 
sito, e  como  foi  determinado  que  mandasse  desafiar  o  duque  dOlam- 
da,  e  a  maneyra  que  elRey  teue  naquelle  desafio. 
Capituílo  xxviij. 

,o  /^  OBRE  estas  cousas  passadas  teue  elRey  seu  comsselho,  per  que  ma- 
^V  neira  poderia  milhor  emcubrir  o  auiamento  da  sua  frota,  porque 
^^  todos  teuessem  em  ello  olho,  e  perdessem  cuydado  de  emquerer  a 
çertidom  daquella  uiagem.  E  pêra  esto  foi  achado  huú  muy  proueitoso 
rremedio   .s.   que   o  duque    dOlamda  fosse  logo  desafiado,  e  pêra  esto 

i5    hordenaram  que  Fernam  Fogaça  que  era  ueedor  do  Illamte  Duarte,  fosse 
portador   daquelle   desafio,   e  alli  ficou  loguo  determinado,   que  pêra  o 
outro  sam  Joham  que  seria  dalli  a  huú  anno,  fossem*  todos  prestes  cada    A,27,r,2 
huú  omde  ouuesse  dembarcar.     E  feita  a  embaxada  que  Fernam  F^ogaça 
auia  de  leuar,   foi  loguo  despachado,   de  guisa   que   em  breue  tempo  fez 

20  sua  uiagem.  e  tamto  que  chegou  a  casa  do  duque,  fezlhe  saber  como 
elle  era  a  elie  emuiado  da  parte  delRey  Dom  Joham  de  Portuga!!, 
segumdo  lhe  dello  fazia  certo  per  sua  carta  de  creemça,  porem  que  lhe 
pedia  por  merçee  que  lhe  assijnasse  tempo  em  que  lhe  podesse  dizer 
comprldamente  sua  embaxada.     O  duque  rrespomdeo  que  elle  se  fosse 

25  por  emtam  pêra  sua  pousada,  e  que  elle  comsijraria  quamdo  poderia  seer 
despachado,  e  que  lho  faria  saber.  Fernam  Fogaça  tamto  que  foi  na 
pousada,  muy  secretamente  fez  saber  ao  duque  como  lhe  era  mujto  nece- 
ssário de  lhe  primeiro  fallar  apartadamente,  por  quamto  aquello  que  lhe 
emtom  assy  auia   de  dizer  era   a  primçipall  causa  de  sua  uijmda.   e   o 

3o  que  lhe  depois  emtemdia  de  dizer  de  praça,  nom  era  senom  cautcilosa- 
mente  por  milhor  emcubrimento  de  seu  propósito,  ao  duque  prouue 
mujto  de  fazer  seu  rrequerimento.  e  assy  emcaminhou  como  secreta- 
mente lhe  desse  sua  audiemçia.  E  tamto  que  Fernam  Fogaça  foi  com 
elle,  disse.     Senhor,  uossa  merçee  poderá  bem  saber,  como  elRey  Dom 

4.  assi  A.  —  10.  consselho  A.  —  14.  dolanda  A.  —  24.  embaixada  A.  —  25.  comsira- 
ria  A.  —  27.  muj  A. 


-84- 

A,27.v, I  Joliam  de  Portugall  meu  senhor,  se  faz  ora  prestes*  com  todos  os  senho- 
res de  seu  rregno  pêra  auer  de  fazer  huú  gramde  feito  por  seruiço  de 
Deos,  e  acreçemtamento  de  sua  homrra.  e  esto  he,  que  elle  emtemde  em 
este  anno  seguimte  de  hir  sobre  os  jmmijgos  da  samta  ffe.  E  que  por 
quamto  a  elle  prazeria  mujto  de  sua  uerdadeira  emtemçom  seer  emcu-  5 
berta  por  mayor  descuydo  dos  ditos  jmfiees,  que  acordara  de  uos  mam- 
dar  desafiar,  porque  os  que  uissem  assy  este  corregimento,  nom  tenham 
aazo  de  sospeitar  a  çertidom  do  que  elle  deseia.  Porem  uos  rrogua  que 
uos  praza  rreçeber  assy  este  desafio  com  mostramça  de  o  auer  por  firme, 
pêra  cuja  comfirmaçam  façaaes  alguúa  maneyra  de  perçebimento.  e  lo 
que  prazerá  a  Deos  que  lhe  trazera  alguúa  cousa  aa  maão  pêra  acreçem- 
tamento de  sua  homrra,  em  que  uos  elle  poderá  amostrar  o  agradeci- 
mento de  uossa  boa  uoomtade,  e  despesa  que  em  uosso  perçebimento 
fezerdes.  O  duque  rrespomdeo  que  elle  agradecia  mujto  a  elRey  de  o 
querer  fazer  sabedor  de  tamanho  segredo,  o  quall  lhe  certificaua  que  elle  i5 
guardasse  muj  bem.  e  esto  dezia  o  duque,  porque  Fernam  Fogaça  lhe 
comtou  toda  a  uerdade  do  feito,   e  que  quamto  era  ao  desafio,  que  elle 

A,27,v,2  daria  açerqua  dello  tall  maneira,  que*  elle  ouuesse  por  bem  empreguado 
o  atreuimento  que  em  elle  teuera.  Tornousse  Fernam  Fogaça  pêra  sua 
pousada,  e  o  duque  ficou  em  seu  paaço.  e  a  cabo  de  dous  dias  lhe  20 
mamdou  dizer  que  elle  ouuesse  assy  paciemçia,  por  quamto  elle  queria 
mamdar  chamar  seus  comsselheiros,  em  cuja  presemça  queria  ouuir  a 
sustamçia  de  sua  embaxada.  ca  bem  era  de  presumir  que  huú  tara 
homrrado  primçipe  como  era  elRey  Dom  Joham,  nom  poderia  a  elle  em- 
ular ssenam  com  cousa  de  gramde  peso  e  autoridade.  E  porem  mamdou  25 
loguo  o  duque  fazer  suas  cartas  pêra  todos  aquelles  gramdes  senhores  de 
sua  terra,  per  as  quaaes  lhes  fazia  saber  como  alli  estaua  huú  embaxador 
delRey  Dom  Joham  de  Portugall.  o  quall  lhe  trazia  huúa  embaxada. 
porem  que  lhe  mamdaua  que  trigosamente  fossem  com  elle,  por  quamto 
nom  emtemdia  de  ouuir  delia  nehuúa  cousa  fora  de  sua  presemça.  E  em  3o 
esto  fazia  o  duque  duas  cousas  muy  sages.  a  primeira  fazia  emtemder 
aaquelles  que  os  tijnha  em  gramde  comta,  pois  nom  queria  ouuir  seme- 
Ihamte  cousa  ssenam  em  sua  presemça.  e  a  segumda  fazia  gramde  ser- 
uiço a  elRey,  porque  estamdo  alli  aquelles  ao  tempo  de  seu  desafio  seria 

A,28,  r,  I    aazo  de  seer  deuulgado*  com  mayor  autoridade  e  firmeza.     Depois  que    35 
todo  foi  prestes,  e  o  duque  posto  em  seu  estrado,  fez  chamar  Fernam 
Fogaça,  e   lhe   mamdou   que   dissesse   todo  o  porque  alli  fora  uijmdo. 

1 1 .  algúa  A.  —  21.  assi  A  —  quanto  A.  —  23.  embaixada  A.  —  27.  embaixador  A.  — 
28.  purtugall  A  —  embaixada  A.  —  36.  estrado  I,  estado  A. 


—  85  — 

Senhor,  disse  elle,  o  mujto  alto  e  mujto  exçellemte  primçipe  elRey  Dom 
Joham  de  Portugall  meu  senhor,  uos  emuia  dizer  per  uirtude  da  carta  de 
creemça  aa  uossa  merçee  apresemtada,  que  a  elle  sam  per  mujtas  uezes 
feitas  gramdes  querellas  e  queixumes  per  seus  súbditos  e  naturaaes  de 
5  mujtos  rroubos  e  dannos,  que  lhe  os  moradores  de  uosso  senhorio  ham 
feito  e  fazem  cada  huii  dia,  nom  queremdo  leixar  passar  liuremente  as 
mercadorias  dos  ditos  seus  naturaaes  per  os  mares  e  portos  de  uosso 
senhorio,  e  ajmda  per  outros  de  fora  homde  elles  podem  abramger, 
fazemdo  rrepresarias  emjustas  e  nom  certas,   sobre   as  quaaes  sse  ham 

10  socorrido  aa  uossa  merçee  pidimdouos  dereito  e  justiça,  pois  aquelles 
danadores  em  o  dito  tempo  eram  uossos  súbditos  e  naturaaes,  e  habitam- 
tes  em  os  ditos  uossos  senhorios,  e  uos  poderoso  de  os  castigar  e  corre- 
ger.  aa  quall  cousa  nom  quisestes  proueer  com  a  dita  justiça,  amtes 
posestes  os  negócios  em  dillaçoões  *  tramssitorias.    Sobre  o  quall  os  ditos    .A,28,r,2 

i5  denificados  se  tornarom  aa  sua  merçee,  nom  achamdo  em  uos  satisfaçam 
nem  justiça,  no  que  sse  mostra  uos  dardes  a  eilo  fauor  e  comssemti- 
mento.  quamto  mais  ajmda  que  sua  merçee  ha  por  certo  que  uossos  offi- 
çiaaes  em  uosso  nome  rreçeberam  o  dereito  das  mais  das  cousas,  no  que 
sse  mostra  uos  dardes  a  ello  comssemtimento  e  fauor.     Porem   sua  alta 

20  senhoria  queremdo  prouueer  sobre  as  ditas  cousas,  uos  rrequere  que  lhe 
façaaes  loguo  emmemda  delias  cora  perfeita  satisfaçam,  doutra  guisa  que 
elle  ha  por  desafiada  uossa  pessoa  e  todas  uossas  terras  e  senhorio  pêra 
fazer  em  ellas  guerra  per  mar  e  per  terra,  e  que  porem  uollo  faz  saber 
por  seerdes  auisado  de  sua  parte  como  perteeçe   aa  sua   alteza  de  uos 

25  auisar  em  semelhamte  caso.  Gramde  queixume  mostrou  o  duque  ouuimdo 
assy  aquella  embaxada,  e  todoilos  outros  que  eram  com  elle  per  seme- 
lhamte guisa  ficaram  muy  espamtados.  e  emtam  mamdaram  a  Fernam 
Fogaça  que  sse  sahisse  fora  da  casa  pêra  elies  fallarem  em  aquelle  feito. 
O  duque  mostraua  todauia  que  nom  podia  auer  nehuúa  paçiemçia.  dizem- 

3o    do,  que  nom  soomente  elRey*  de  Portugall.  mas  que  toda  a  Espanha  nom    A,28,v,  i 
temia  nehuúa  cousa.     E  deuees  de  saber  que  esta  desafiaçom  trazia  muy 
justa  coor.  porque  certo  era  que  os  naturaaes  daquelle  duquado  faziam 
muy  gramdes  rroubos  no  mar  em  os  nauios  destes  rregnos.  mas  tamto 
aproueitou  aquella   embaxada,  que  jamais  numca  sse   fezeram  como  sse 

35  amte  faziam,  primçipalmente  porque  o  duque  ficou  mujto  amigo  delRey, 
por  aquella  fiamça  que  em  elle  teuera.  Alguús  dnquelles  comsselheiros 
ouue   alli,  que  disseram   que  seria  bem  de  o  duque  emuiar  a  elRey   sua 

17.  ainda  I,  ajuda  A.  —  26.  assi  A  —  embaixada  A.  —  33.  rregunos  A. —  34.  embaix.i- 
da  A. 


—  86  — 

rreposta  bramda.  por  quamto  disseram  elles.  Senhor,  este  rrey  de  Portu- 
gall  he  huú  homem  forte  e  ardido  e  bem  esqueemçado.  e  todos  seus 
naturaaes  som  homeés  que  ham  husado  as  armas,  e  estam  agora  brauos 
e  argulhosos  polias  gramdes  uitorias,  que  ouuerom  comtra  o  rregno  de 
Castella.  e  sobre  todo  elRey  he  homem  que  uio  ja  mujtas  cousas,  e  5 
posto  que  uos  ora  este  rrecado  assy  emuiasse,  certo  he  que  ja  teera  todos 
seus  feitos  corregidos.  e  amte  que  uos  uos  possaaes  perceber,  uijnra  sobre 
uos  com  todo  seu  poder,  ca  bem  ha  dous  annos  disse  huú  delles,  que  eu 

A,28, v,2    ouuy  a  huú  mercador  que  uijnha  de  Bruges,   que  eram  hy  *nouas  que 

elRey  fazia  rrepayrar  sua  frota,  e  mamdaua  fazer  outra  de  nouo  com  lo 
outros  gramdes  corregimentos  de  guerra,  de  que  sse  percebia  callada- 
mente.  e  pois  elle  teem  pazes  feitas  com  Castella,  bem  sse  moítra 
segumdo  este  rrecado,  que  aa  uossa  homrra  se  fazia  toda  esta  festa.  E 
por  merçee  nom  queiraaes  pollo  mall  que  quatro  ladroóes  de  uossa  terra 
querem  fazer,  meter  uossa  pessoa  e  senhorio  em  proua  nom  certa,  ca  esta  i5 
espiriemçia  nom  sse  deue  fazer  senam  sobre  os  derradeiros  rremedios,  pois 
em  ella  pemde  a  homrra  e  uida.  Outros  ouue  hi  que  rrezoaram  pollo 
comtrairo,  mas  o  duque  todauia  nom  podia  abramdar  de  seu  queixume. 
E  emtom  fez  chamar  Fernam  Fogaça,  e  com  sua  comtenemça  mujto  áspera 
começou  de  lhe  dar  sua  rreposta  em  esta  guisa.  Segumdo  parece,  este  20 
uosso  Rey  ficou  assy  posto  em  argulho  dos  boõs  aqueeçimentos  que  ouue 
nos  tempos  passados  comtra  seus  uizinhos.  empero  pois  ssesudo  he, 
deue  de  comsijrar,  que  nom  morrem  todos  de  sob  huúa  maça.  e  que 
em  este  meu  senhorio  assy  ha  homeés  que  sabem  ho  offiçio  da  cauallaria 
como  no  seu.   e  que  nom  teem   menos  uoomtade   de  me   seruir,  que  os    25 

A,29,r, I  seus  teem  a  elle.  Porem  uos*  lhe  dizee  que  a  mym  praz  mujto  de  sua 
uijmda,  e  que  elle  me  achara  prestes  quamdo  uier.  e  que  lhe  faço  certo 
que  o  uaa  rreçeber  a  quallquer  lugar  homde  sua  frota  uier  portar.  E  pêra 
esto  lhe  mamdou  fazer  sua  cana  de  creemça,  e  desy  mamdou  que  sse  par- 
tisse quamdo  quisesse.  Mas  depois  que  foi  noute.  mamdou  o  duque  por  Fer-  3o 
nam  Fogaça  muy  secretamente  damdolhe  suas  emcomemdas  muy  graciosas 
pêra  elRey  com  outras  mujtas  pallauras  de  rregradiçimento.  e  sobre  todo 
fezlhe  merçee,  e  mamdou  que  sse  tornasse  mujto  em  boa  ora  pêra  seu 
rregno.  Nem  Fernam  Fogaça  nom  ficou  tam  simprez  que  lhe  muy  bem  nom 
soubesse  agradecer  per  suas  boas  pallauras  polia  parte  delRey  seu  senhor,  35 
toda  a  boa  maneira  que  elle  em  aquelle  feito  teuera.  E  assy  fez  fim  de 
sua  embaxada. 

6.  assi  A.  —  7.  ante  A.  —  21.  assi  A.  —  24.  assi  A.  —  29.  desi  A. —  36.  assi  A.' —  37 
embaixada  A. 


-87- 

Como  Fernam  Fogaça  tornou  com  a  rreposta  de  sua  embaxada,  e 

como  sse  as  cousas  passaram  açerqua  do  covregimento  da  frota  em 

quamto  elle  fe{  sua  uiagem.      Capiíullo  xxix. 

BEM  mostrou  o  duque  dOIamda  que  tijnha  uoomtade  de  fazer  prazer 
a  elRey,  porque  tamto  que  seu  embaxador  Fernam  Fogaça  partio, 
elle  logo  fez  saber  a  todollos  lugares  de  seu  senhorio,  como  per 
certos  rrecados  que  auia*  delRey  de  Portugall  era  necessário  de  seer  prés-  A,  29,r,2 
tes,  por  quamto  o  mamdara  desafiar.  E  assy  começou  de  sse  correger 
dallguúas  cousas,  que  em  todo  seu  senhorio  nom  podiam  em  ali  emtemder 

IO  senam  que  todauia  tijnham  guerra  aberta  com  o  rregno  de  Portugall. 
ElRey  depois  que  sse  Fernam  Fogaça  partio,  começou  mujto  mais  trigo- 
samente  de  correger  todallas  cousas  que  lhe  compriam  pêra  boom  auia- 
mento  de  sua  partida,  mamdamdo  logo  fazer  prestes  certos  escudeiros 
com  suas  procurações  abastamtes,   os  quaaes  mamdou  per  toda  a  costa 

i5  de  Galliza  e  de  Bizcaya,  e  a  Imgraterra,  e  a  Allemanha  fretar  nauios 
grossos,  quamtos  sse  podessem  achar,  a  quall  cousa  nom  era  senam 
huú  manifesto  pregom  que  corria  per  mujtas  partes  da  christijmdade 
daquesta  armaçom  que  elRey  assy  fazia,  e  porque  as  nouas  de  lomge 
sempre  fazem  a  cousa  mayor  do  que  he,  posto  que  o  corregimento  delRey 

20  fosse  muy  gramde,  ajmda  a  fama  era  mujto  mayor.  E  em  sse  corregemdo 
estas  cousas  e  outras  mujtas  sobrechegou  Fernam  Fogaça  com  seu  rre- 
cado,  do  quall  mujto  prouue  a  elRey.  e  mamdou  que  sse  deuulgasse  per 
todo  o  rregno  que  os  primçipaaes  capitaães  desta  armada  auiam  de  seer 
os  Iffamtes  *  Dom  Pedro  e  Dom  Hamrrique.   mas  nom  quis  que   sse    A,2o,v,  1 

23  deuulgasse  determinadamente  que  auiam  de  hir  sobre  o  duque  dOlamda. 
empero  que  em  sua  uoomtade  bem  lhe  prazia  que  o  creessem  assy  todos, 
porque  semelhamte  maneira  demcobrimento  fazia  parecer  a  cousa  mais 
certa  aaquelles  que  a  presumiam.  E  ajmda  que  sse  determinadamcnie 
dissesse,   nam  leixariam   alguús  de  conhecer  que   a  disposiçom   daquella 

3o  terra  nom  rrequeria  taaes  artefiçios,  como  elRey  ao  presemte  mamdaua 
fazer,  e  comsijramdo  em  ello  poderiam  comgeitorar  a  outra  mais  çerla 
determinaçam.  E  em  esto  tijnha  elRey  maneira,  que  quamdo  llie  falla- 
uam  açerqua  daquella  hida,  assessegaua  sua  comtenemça  per  tall  guisa, 
que  lhes  fazia  emtemder  que  nom  era  aquelle  o  lugar  certo  pêra  homde 

35    elle  fazia  seu  perçebimento.     Doutra  parte  mouia  questoÕes  e  fazia  figu- 

I.  embaixada  A.  —  5.  embaixador  A.  —  8.  assi  A. — 9.  dalguCas  A.  —  10.  rregnno  A. 
—  17.  xpijmdade  A. —  18.  assi  A.  —  23.  rregnno  A.  —  26.  assi  A.  —  34.  logar  A. 


ras,  que  queriam  rrepresemtar  a  comquista  daquella  comarqua,  homde  elle 
deseiaua  que  sse  presumisse.  Ora  que  seria  que  estamdo  elRey  em 
estes  çeumes  daquelie  segredo,  sobrechegou  a  elle  huú  homem  pêra 
arrecadar  seus  feitos,  e  trouxelhe  a  cidade  de  Cepta  toda  debuxada  assy 

A,29,v.?    perfeitamente  como  ella  esta.  e  como  quer  que  aquelle*  homem  seme-     í> 
Ihamte   emtemçom  nom  trouuesse  de  sospeitar  alguúa   cousa   daquelie 
segredo,  elRey  foy  em  gram  trabalho  amtre  ssi  meesmo,  pemssamdo  que 
sua  uoomtade   era  descuberta   per  prosumçom  dalguús,   a  quall  mouera 
aaquelle  homem  de  lhe  trazer  assy  aquella  figura,  pareçemdolhe  que  lhe 
prazeria  com  ella  segumdo  o  deseio  que  tijnha.     Empero  elRey  teue  tall    lo 
auisamento  ao  tempo  que  lhe  assy  aquello  foi  apresemtado,  que  nom  fez 
mostramça  de  nehuij  comtemtamento,  nem  ajmda  segumdo  crcemos  fez 
nehuúa  comta  de  semelhamte  figura,  amte  a  menos  preçou  de  todo.     Bem 
poderemos   certamente   emtemder,  que   a  uoomtade   de  Deos  era  dem- 
caminhar  todauia  como  elRey  ouuesse   a  uitoria  daquelie  feito,   quamdo    i5 
aquelle  simprez  homem   fora   de  nehuúa  presumçom  que   a  semelhamte 
negocio  tamgesse,  mouido  per  graça   espiçiall,  a   quall  elle  nom  conhe- 
cia nem  sabia,  lhe  apresemtaua  assy  aquella  figura,  per  que  mais  ligei- 
ramente podesse   tirar  alguúas  duuidas,  sse  as  em  sua  uoomtade  tijnha 
açerqua  da  comquista  daquella  cidade.     Outrossy  depois  do  acabamento    20 
daquelles  comsselhos,  determinou  elRey  como  toda  a  gemte  da  comarqua 
da   Beyra   e   Trallos  Montes  e  damtre  Doyro  e  Minho,  embarcasse  na 

A,3o,r,  I    cidade  do  Porto.  *  e  mamdou  ao  Iffamte  Dom  Hamrrique  que  sse  fosse  aa 
comarqua  da  Beyra,  e  que  fezesse  ajumtar  todollos  coudees  e  anadees, 
assy  daquella  comarqua  como  da  outra  de  Trallos  Montes,   e  que  per    25 
seus  liuros  fezesse  apurar  toda  a  gemte  que  fosse  pêra  seruir,  damdolhe 
os  quadernos  dos  alardos   que  ja  amte  desto  mandara  fazer,   os  quaaes 
em   ssi   tijnha  Gomçallo  Louremço  como  dito  he.     E  per  esta  meesma 
guisa  mamdou   ao  comde  de  Rarçellos  que  teuesse  carrego  da  comarqua 
damtre  Doyro   e  Minho.     E   a  gemte  da  Estremadura,  e  damtre  Tejo  e    3o 
Odiana,   e  do  rregno  do  Algarue  determinou  que  embarcasse   na  cidade 
de  Lixboa  sob  capitania  do  Irtamte  Dom  Pedro,  ao  quall  leixou  emcarre- 
guo  da  apuraçam   das  gemtes  destas  três  comarquas  per  a  guisa  que   a 
tijnham  seus  jrmaãos  das  outras.     E  porque  os  uassallos  e  toda   a  outra 
gemte  que  auiam  dauer  comtia  e  solido,  podessem  auiar  milhor  seu  corre-    35 
gimento,  mamdou   que  lhes  paguassem   as  ditas  comtias  e   solido.     E 
mamdou  outrossy  ao  Iffamte  Duarte  seu  filho,  que  teuesse  por  elle  emtei- 

4.  assi  A.  —  8.  prosunçom  A.  —  9.  assi  A.  —  11.  assi  A.  —  18.  assi  A.  —  20.  outrossi 
A.  —  25.  assi  A.  —  37.  outrossi  A. 


ramente  carrego  e  rregimento  da  justiça  e  da  fazemda  de  todo  ho  rregno. 
E  era  emtom  o  Iffamte  Duarte  aaquelle  tempo  que  lhe  esto  foi  cometido 
em  hidade  de  uijmte  e  dous  annos.  e  porque  estes  dous*  trabalhos  som  A,3o,r,3 
muy  gramdes,  e  elle  era  homem  mamçebo,  e  nom  os  auia  acustumado, 
i  quamto  mais  que  os  tomou  com  muy  gramde  cuidado,  poemdo  em  elles 
gram  dilligemçia.  ca  mujto  cedo  se  leuamtaua  da  cama,  e  ouuia  suas 
missas,  de  guisa  que  a  pouco  espaço  depois  de  soll  saydo  era  ja  na  rre- 
llaçom,  homde  estaua  comtinuadamente  ata  as  homze  e  doze  oras.  e 
loguo  como  acabaua  de  comer,  daua  audiemçias  muy  gramde  espaço,   e 

IO  sem  filhar  gramde  rrepouso  tornaua  a  desembargar  pitiçoões  ou  proueer 
feitos  da  fazemda,  de  guisa  que  pêra  seu  descamsso  lhe  ficaua  muy  pe- 
quena parte  da  noute.  O  que  foi  causa  per  que  sse  geerou  em  elle  doemça 
de  humor  menemcollico.  a  quall  se  acreçemtaua  em  elle  ajmda  mujto 
mais  comtinuamdo  em  ello,  seemdo  homem  mujto  gracioso  e  mujto  ma- 

iS  uioso  de  comdiçom,  que  numca  soube  a  nehuú  homem  dar  maa  reposta, 
e  aquella  door  segumdo  sua  naturali  propiedade  he  anojarsse  da  gemte, 
e  querer  sempre  apartamento.  Eram  em  aquelle  boõ  primçipe  duas  muy 
gramdes  pelleias.  porque  per  sua  comdiçom  queria  estar  amtre  a  gemte, 
e  ouuir  graciosamente  seus  rrequerimentos.  e  aquella  triste  einfirmidade  o 

20    costramgia  a  auorreçer  todas  aquellas  cousas.  *     Empero  tamta  era  a  uir-    A,3o,v,  i 
tude  e  boomdade  em  elle,  que  uemçia  a  malldade  da  door,  e  seguia  sua 
boa  natureza  e  comdiçom,  de  guisa  que  de  muy  poucos  homeés  era  conhe- 
cido  que   em  elle  tall  padiçimento  auia.     Por  certo  diz   o   autor,   gram 
espramdiçimento  fazia  no  mundo  tamta  bomdade  e  uirtude  de   primçipe, 

25  da  quall  me  aparto  dollorosamente  leixamdo  de  fallar  em  ella  por  tornar 
aas  outras  cousas,  ca  por  çertó  bomdades  dos  homeés  daquelle  tempo 
eram  nada  em  comparaçom  da  sua.  Mas  do  marauilhoso  rremedio  que 
elle  achou  pêra  sua  cura,  seria  proueitoso  a  quallquer  que  semre  alguú 
padiçimento  desta  emfirmidade,  se  leesse  per  aquelie  liuro  que  elle  compôs 

3o  que  sse  chama  ho  liall  comsselheiro,  homde  achara  o  rremedio  daquella 
cura  compridamente  escprito  aos  uijmte  e  três  capitullos.  E  assy  forom 
rrepartidos  os  emcarregos  do  rregno  per  os  Iffamtes  e  comde  de  Barçe- 
llos.  c  a  elRey  soomente  ficou  cuidado  de  suas  artelharias  e  armas  com 
todallas  outras  cousas,  que  perteeçiam  pêra  auiamento  de  sua   frota,   e 

35  pêra  sse  estas  cousas  milhor  poderem  emcaminhar,  foisse  elRey  chegamdo 
comtra  a  cidade  de  Lixboa,  pêra  dalli  mamdar  mais  ligeiramente  perceber 
todas  suas  cousas. 

4.  mancebo  A.  —  i3.  a  I,  o  A.  —  18.  per  I,  a  A.  —  24.  mumdo  A.  —  3o.  ho  liall]  holl- 
tall  A,  o  Leal  I.  —  3 1.  assi  A  —  foram  A. 


—  90 


A,3o,v,2    Como  elRey  escpreueo  aos  fdallgiios  que  sse  fedessem  prestes  pêra 
hirem  com  seus  filhos,  e  do  gramde  trafego  que  emtom  era  no  rregno 
açerqua  daquelle  corregimento.     Capitullo  xxx. 


01 


UEM  poderia  aaquelle  tempo  fallar  em  outra  cousa  senam  em  armas 
e  em  perçebimento  de  guerra.     Ca  loguo  elRey  escpreueo  a  todo-     5 
lios  senhores  e  fidallgos  e  liomeês  de  comta  suas  cartas  de  perçe- 
bimento. nas  quaaes  lhe  fazia  saber  como  elle  por  seu  seruiço  e  homrra 
do  rregno,  tijnha  hordenado  demuiar  seus  filhos  .s.  o  Iffamte  Dom  Pedro 
e  o  IlTamte  Dom  Hamrrique  por  capitaaes  de  sua  frota  pêra  o  seruirem 
no  que  elle  mamdasse,  com  os  quaaes   lhe  prazia  que  fossem  aquelles  a    lo 
que  elle  assy  escpreuia.  porem  que  lhes  mamdaua  que  sse  fezessem  logo 
prestes  pêra  hirem  com  elles  em  a  dita  frota,   e  lhe   fazerem  primeira- 
mente saber  as  gemtes  com  que  o  emtemdiam  de  seruir,  pêra  lhe  desem- 
bargar seus  dinheiros  e  hordenados  pêra  corregimento  seu  e  das  ditas  suas 
gemtes.     E  com  esto  era  o  feruor  tam  gramde  no  rregno,   que  em  todo-    i5 
lios  lugares  as  gemtes  nom  trabalhauam  em  ali.   porque  huús  amdauam 
em  alimpar  suas  armas,   outros  em  mamdar  fazer  bizcoitos  e  sallguar 

A,3i,r,  I  *  carne  e  mamãjmentos,  outros  em  correger  nauios  e  aparelhar  guarniçoões, 
de  guisa  que  ao  tempo  da  necessidade  nom  sse  achassem  dalguúa  cousa 
falleçidos.  Mas  primçipallmente  era  este  trafego  na  cidade  de  Lixboa  e  20 
do  Porto,  porque  comuiJmente  nom  auia  hi  alguú  que  fosse  liure  deste 
cuydado.  e  tamta  e  tamanha  era  a  rreuollta  no  corregimento  destas 
cousas,  que  quamdo  fazia  tempo  callado,  claramente  ouuiam  o  arroydo 
per  muy  gram  parte  dos  lugares  de  Ribatejo.  E  em  uerdade  era  fre- 
mosa  cousa  de  ueer.  ca  per  toda  aquella  rribeyra  jaziam  naaos  e  nauios,  25 
nos  quaaes  de  dia  e  de  noute  amdauam  callafates  e  outros  mesteiraaes, 
que  lhe  rrepayrauam  seus  falliçimentos.  Doutra  parte  jaziam  mujtos  bois 
e  uacas  decepadas,  e  alli  mujtos  homeés  huús  a  esfollar,  e  outros  a  cortar 
e  sallguar,  outros  a  meter  em  tonees  e  botas  em  que  auiam  dhir.  Os 
pescadores  e  suas  molheres  tijnham  cuidado  de  abrir  e  sallgar  as  pesca-  3o 
das  e  caçoões  e  rrayas,  e  semelhamtes  pescados,  dos  quaaes  todollos 
lugares  em  que  o  soll  tijnha  mayor  assessego  eram  cheos.  Os  offiçiaaes 
da  moeda  de  dia  e  de  noute  numca  seus  martellos  estauam  quedos,  per 

A,3i,r,2    tall  guisa  que  ajmda  que*  huú  homem  braadamdo  dissesse  alguúa  cousa 

amtre  aquellas  fornaças,  escassamente  podia  seer  emtemdido.     E  os  teno-    35 

3  da  quell  A. —  11.  assi  A. —  14.  e]  om  A,  e  I. —  17.  alimpar]  e  correger  add.  na 
margem  A.  — 29.  de  hir  A.  —  32   luguares  A. 


—  91  — 

eiros  nom  eram  pouco  trabalhados  em  fazer  e  rrepairar  as  uasilhas  pcra 
os  uinhos  e  carnes  e  outros  mamtijmentos.  alfayates  e  tosadores  em  apa- 
relhar panos  e  fazer  liurees  de  desuairadas  guisas,  cada  huú  segumdo  lhas 
o  senhor  delias  mamdaua  fazer,  carpemteiros  em  emcaixar  bombardas  e 
5  troõs  e  emderemçar  todallas  outras  artelharias,  as  quaaes  eram  mujtas 
e  gramdes.  cordoeiros  em  fazer  guimdaressas  e  estremques  e  caabres 
e  outra  mujta  cordoalha  de  linho,  que  faziam  assy  pêra  os  nauios  da  terra 
como  pêra  os  de  fora,  ca  todo  se  rrepayraua  em  este  rregno.  Quem 
seria  aquelle   que  destimtamente  podesse  comtar  os  trabalhos,  que  auia 

10  amtre  aquellas  gemtes.  ca  nom  era  alguij  que  fosse  escusado  daquelie 
emcarr^go.  ca  posto  que  os  uelhos  per  rrezom  de  sua  hidade  soubessem 
que  auiam  de  ficar,  nom  tijnham  porem  pequeno  cuidado  descolldrinhar 
quall  seria  certamente  a  parte,  pêra  homde  aquella  frota  auia  de  fazer 
sua  uiagem.   e  sobre  esto   tijnham   gramdes  departiçoões,   ca  este  offi- 

t5    cio  primçipalmente  leixão   a  natureza  aos  uelhos,  por  rrezom  das  mujtas 

cousas  que  *uiram   e   sabem,    e  porque   ssom  ja  liures  das  paixoões,   as    A,3i,v, i 
quaaes  aos  mancebos  nom  leixam  liure  poder  pêra  cuidarem  dereitamente 
as  cousas,  e  como  quer  que  os  seus  cuidados  fossem  tam  agudos,  nom  auia 
hi  porem  nehuú   que  podesse  determinar  a  çertidom  daquelie  feito.     Ca 

2o  huús  diziam  que  elRey  mamdaua  a  lífamte  a  Imgraterra  pêra  casar  em 
aquelle  rregno  muy  homrradamente.  e  que  hiam  seus  jrmaãos  com  ella 
com  aquelle  poderio  de  gemtes  e  corregimentos  de  guerra,  pêra  ajudarem 
elRey  seu  primo  a  comquistar  o  rregno  de  Framça.  Outros  diziam  que 
hia  sobre  o  rregno  de  Naapuli,   porque  a  rrainha  estaua  uiuua,   e  que 

25  escpreuera  a  elRey  que  emulasse  ta  huii  de  seus  filhos  pêra  casar  com 
ella,  e  rreçeber  o  senhorio  do  rregno.  e  que  desta  meesma  uiagem 
auiam  de  fazer  semelhamte  no  rregno  de  Cezilia.  e  que  por  isso  em- 
uiaua  elRey  assy  aquelles  dous  filhos  por  rrezam  dos  dous  casamentos. 
Outros  disseram  que  elRey  no  começo  daquella  demamda  que  ouuera  no 

3o    rregno  de  Castella,   que  prometera  dhir  em  rromaria   aa  casa   samta  de 
Jerusalém,  por  tall  que  o  Senhor  Deos  lhe  desse  uitoria  comtra  seus  em- 
mijgos.  e  que  por  quamto  lhe  o  Senhor  Deos  dera  assy  aquelle  *  estado,    A,3i,v,2 
e  os  de  seu  comsselho  nom  eram   em  acordo  que  elle  fosse  fora  de  seus 
rregnos,  que  emuiaua  la  seus  filhos  assy  poderosamente  por  duas  rrazoões. 

35  A  primeira  por  comprirem  a  rromaria  por  elle,  e  poderem  passar  per 
todollos  lugares  sem  rreçeo  de  nehuúa  pessoa,  dizemdo  ajmda  que  quamdo 

2.  e  tosadores  I,  tosadores  A.  —  4.  em  I,  om  A.  —  7.  assi  A.  —  20.  Iffante  A. — 
25.  elRej  A.  —  27-28.  enuiaua  I,  emuiara  A.  —  28.  assi  A.  —  3 1 .  jhrim  A.  —  32.  quanto  A 
—  assi  A.  —  34.  assi  A.  —  36.  luguares  A. 


—  92  — 

alia  fora  o  comde  de  Barçellos,  que  esta  fora  a  primçipall  cousa  de  sua 
hida  .s.  que  o  mamdara  seu  padre  com  emtemçom  de  ueer  aquella  samta 
cidade  e  os  portos  e  amcoraçoões  que  auia  em  este  mar  medeoterrano 
naquelle  porto  de  Jafta  omde  faz  sua  fim.  e  esto  he  quamto  a  este  mar 
que  emtra  pollo  estreito  de  Cepta.  E  a  segumda  era  por  trazerem  5 
aquelie  samto  sepulcro  com  todallas  outras  samtas  rreliiquias  que  sse 
podessem  achar  em  aquella  cidade  e  termos  delia.  Outros  diziam  que 
auiam  -dhir  sobre  a  cidade  de  Bruges  por  certas  rrazoões  que  allegauam 
que  elRey  lijnha  de  o  fazer,  as  quaaes  aquy  nom  declaramos  por  extemsso, 
porque  ssom  tamtas  e  com  tamtas  particuUaridades  sem  proueitoso  efleito,  lo 
que  teuemos  por  milhor  de  as  leyxar,   por  dar  lugar  aas  outras  cousas. 

A,32,r,  I  Outros  disserom  que  os  Iffamtes  todauia  auiam  dhir  *  sobre  o  duque 
dOlamda,  per  a  guisa  que  ja  ouuistes.  ca  posto  que  aquelie  segredo  assy 
emfimgidamente  fosse  callado,  aquelles  que  hiam  com  Fernam  Fogaça  o 
comtauam  a  seus  amiguos.  e  quamto  lhes  elles  mais  emcomemdauam  i5 
que  fosse  em  segredo,  tamto  o  elles  mais  asinha  descobriam,  porque  aquella 
cousa  he  mais  asinha  quebramtada,  que  em  ssi  traz  mayor  força  de  deflesa, 
quamdo  per  medo  dalguúa  penna  se  nom  leixa  de  quebramtar.  Disse- 
rem ajmda  alguús  outros,  que  por  quamto  em  Auinham  aaquelle  tempo 
estaua  ho  amtipapa  que  sse  chamaua  Clemente  septimo,  ao  quall  obedecia  20 
toda  a  Espanha,  afora  este  rregno  de  Portugall.  que  elRey  como  fiell  e 
cathollico  christaão,  que  sempre  teuera  com  ho  papa  de  Roma,  teemdo 
uerdadeiramente  que  aquelie  era  o  dereito  uigairo  de  nosso  Senhor  Deos 
em  lugar  do  apostollo  sam  Pedro,  e  uerdadeiro  pastor  na  samta  jgreia, 
emuiaua  seus  filhos  queremdo  desfazer  tamanha  diuisom  como  estaua  aS 
amtre  os  christaãos.  e  que  os  Iflamtes  hiam  assy  poderosamente,  porque 
sse  per  ueratura  alguijs  daquelles  seus  súbditos  quisessem  tornar  a  ello, 

A,32,r,2  que  os  Iffamtes  leuassem  tamanho  poder  que  lho  *  podessem  comtrariar. 
Outros  disserom  que  aquella  frota  primçipallmente  hia  sobre  Normamdia, 
porque  elRey  achaua  que  tijnha  dereito  em  ella,  por  rrazom  delRey  Dom  3o 
AfFomsso  que  fora  uisauoo  de  seu  padre  elRey  Dom  Pedro,  o  quall  fora 
comde  de  Bellonha.  Outros  fallauam  outras  mujtas  cousas  tam  desuay- 
radas  que  seriam  lomgas  descpreuer,  porque  he  determinado  na  samta 
escpritura,  que  homde  uerdade  sse  escomde,  alli  sse  multiplicam  mujto 
mais  pallauras.  E  como  quer  que  assy  estes  desuairos  e  outros  mujtos  35 
auia  amtre  elles,  nom  era  porem  alguú  que  podesse  certamente  nem 
assy  apalpando  fallar  na  cidade  de  Cepta.  soomente  quamto  achamos  que 

8.  de  hir  A.  —  i3   assi  A.  —  17.  da  A.  —  i6.  assi  A.  —  29.  disseram  A.  —  35.  assi  A. 
37.  assi  A. 


-93- 

huú  judeu  seruidor  da  Rainha  Dona  Fillipa  que  chamauam  Yuda  Negro, 
que  era  gramde  trobador  segumdo  as  trobas  daquelle  tempo,  em  huQa 
troba  que  emuiou  a  huú  escudeiro  do  Iffamte  Dom  Pedro  que  chamauam 
Martim  Affomsso  da  Atouguia,  comtamdolhe  as  nouas  da  corte,  disse  todas 
estas  cousas  que  dissemos  e  outras  mujtas,  amtre  as  quaaes  no  derra- 
deyro  pee  da  quarta  troba  disse,  que  os  mais  ssesudos  emtemdiam  que 
elRey  hiria  sobre  a  cidade  de  Cepta.  Mas  esto  emtemdiam  que  elle  nom 
*  soubera  tamto  por  nehuú  sinall  certo  que  uisse,  soomente  per  juizo  des-  A,32,v,  i 
trellomia  em  que  elle  mujto  husaua. 


,0    Como  em  Castella  ouueram  estas  nouas,  e  do  comsselho  que  açerqua 
dello  teueram,  e  como  determinaram  demuiar  a  elRey  seus  embaixa- 
dores pêra  Jirmarem  as  pa^es.     Capitullo  xxxj. 

TODOLLOS  homeés  segumdo  semtemça  do  philosofo  no  primeiro  liuro 
da  tramsçemdemte  philosofia,  naturallmente  desciam  saber,  e  aques- 
te  naturall  deseio  nos  mostra  o  çeguo,  a  que  nosso  Senhor  Jesu 
Christo  pregumtou  que  era  o  que  deseiaua.  rrespomdeo  que  lhe  desse 
uista,  nom  determinamdo  que  uisse  huija  cousa  nem  outra,  porque  na 
samta  escpritura  por  saber  ueer  sse  poõe,  segumdo  disse  o  propheta  no 
quarto  uerso  do  oitauo  salmo.     Porque  eu  uerey  os  teus  çeeos  obra  dos 

20  teus  dedos,  etc.  mostramdo  que  aquella  uista  era  a  perfeita  sabedoria, 
que  elle  emtemdia  de  percalçar  depois  do  trespassamento  desta  uida. 
Mas  sobre  esta  semtemça  do  philosofo  sse  faz  huú  fremoso  argumento, 
sse  per  uemtura  este  deseio,  a  que  assy  nos  moue  a  natureza,  he  quamto 
aas  cousas   que  perteeçem  a  alma,   sse  quamto  aas  do  corpo,   sobre  o 

25    quall   argumento    breuemente   emtemdamos    que    em   ambas   ha   lugar, 

teemdo  cada*  huúa  parte  seus  graaos  apartados,  cuja  declaraçom  pollo    A,32,v,2 
presemte  nom  he  pêra  nosso  processo.    E  fallamdo  deste  deseio  que  per- 
teeçe  aas  cousas  do  corpo,  saibamos  que  este  deseio  he  partido  em  quatro 
partes,  porque  huú  deseio  he  aqueile  que  homem   deseia  de  saber   nom 

3o  soomente  a  outra  fim,  senam  por  filhar  em  ssi  huú  desemfadamento  que 
o  emtemdimento  rreçebe,  quamdo  ha  perfeito  conhecimento  da  cousa 
sobre  que  tem  duuida,  cuja  experiemçia  cada  huú  pode  ueer  cm  ssi. 
ucemdo  nouamcntc  alguú  homem  ou  molher  que  elle  per  uemtura  conhece, 

I.  rrainha  A.  —  5.  muytas  A.  —  9.  em  A,  de  I.  —  1 1-12.  embaixadores  A,  emb;ixa- 
dores  I. —  i3.  segundo  A  —  phillosofo  A. —  14.  transçendemte  A.  —  i5-i6.  Jhu  xpõ  A. 
—  22.  sentemça  A  —  se  A.  —  23.  se  A  —  assi  A  —  quanto  A.  —  25.  ha]  aa  A. 


—  94  — 

mas  nom  he  em  certa  nembramça  domde  nem  de  quamdo  ha  delle  este 
conhecimento,  e  posto  que  lhe  proueilo  nem  perda  tragua,  empero  o 
emtemder  naturallmente  deseia  chegar  a  esta  sabedoria,  e  cobramdoa 
seemte  foligamça.  Outro  saber  he  quamdo  o  homem  apremde  alguiia 
ciemçia,  per  cuja  fim  espera  rreçeber  homrra  ou  proueito.  e  quamdo  a  5 
percallça,  seemte  foligamça  por  rrezam  da  homrra  e  do  proueito,  mas  nom 
por  outra  fim.  Outro  saber  he  quamdo  aiguii  deseia  saber  alguúas 
cousas  sotijs  taaes  que  elle  magina  que  poucos  sabem,  e  quamdo  as  per- 
calça   seemte  lediçe    possoymdo  em  ssi  meesmo  huú  emtrimssico  pra- 

A,  33,r,  I  zer,  comsijramdo  como  elle  he  em*  perfeito  conhecimento  daquello  que  lo 
poucos  sabem.  O  quarto  deseio  de  saber  he  quamdo  homem  deseia  de 
saber  aquellas  cousas,  de  que  nom  he  certo  se  lhe  uijmra  dano  ou  pro- 
ueito. e  mujto  mais  ajmda  trabalhem  os  emtendimentos  por  saber  a  çer- 
tidom  daquellas  de  que  certamente  esperam  rreçeber  dano,  que  das  outras 
de  que  sse  segue  proueito.  ca  soomente  o  temor  he  aazo  de  filharem  os  i5 
homeés  comsselho.  Cujo  mouimento  foi  em  alguús  daquelles  primçipaaes 
do  rregno  de  Castella.  ca  ouuimdo  as  nouas  como  este  feito  creçia  cada 
uez  mais,  teueram  muy  gramde  cuidado  de  saber  o  primçipall  mouimento 
delRe}^  mas  este  deseio  nom  era  saluo  por  aquella  derradeira  rrezam 
que  ja  dissemos,  temendo  ho  dano  que  lhe  podia  vijr,  e  diziam  amtre  20 
ssi.  Como  pode  seer  que  elRey  aja  de  fazer  armada  nem  tamanho 
ajumtamento  de  gemtes,  pêra  hir  sobre  o  duque  dOlamda,  seemdo 
amtre  elles  tam  poucas  emjurias  passadas,  ca  posto  que  o  elRey  assy 
mamdasse  desafiar,  seria  a  outra  fim,  mas  nom  ja  porque  a  sua  uerda- 
deira  teemçom  seia  dhir  sobre  elle.    E  sobre,  esta  duuida  alguús  Genoe-    25 

A,33,r,  2  ses  estamtes  na  cidade  de  Lixboa  escpreueram  a  outros  *seus  parceiros 
estamtes  em  Seuilha,  rrecomtamdolhe  todo  ho  ardimento  que  sse  trazia  no 
rregno  de  Portugall  acerca  do  auiamento  daquella  frota,  e  posto  que 
sse  alguúas  cousas  dissessem  de  desuayradas  maneiras,  os  mais  dos  sse- 
sudos  crijam  que  todo  se  fazia  pêra  hirem  sobre  a  cidade  de  Seuilha.  3o 
porem  que  elles  fossem  auisados  de  tirarem  de  hi  sagesmente  suas  mer- 
cadorias e  cousas,  de  que  emtemdiam  rreçeber  alguú  dano  em  abati- 
mento de  sua  fazemda.  E  com  estes  rrecados  e  mujto  mais  com  a  pro- 
sumçom  que  sse  fazia  manifesta,  se  ajumtarom  aquelles  uijmte  e  quatro 
da  quadra  de  Seuilha,  e  teueram  sobre  ello  gramdes  comsselhos.  sobre  35 
os  quaaes  escpreuerom  ao  comsselho  delRey  .s.  aa  rrainha  e  a  alguús 
outros  gramdes  senhores  que  eram  com  ella.  por  quamto  o  Iffamte  Dom 

8-9.  percalçani  semtem  A.  —  23.  assi  A.  —  25.  de  hir  A.  —  25-26.  Jenoeses  A.  — 
28.  purtugall. 


-95- 

Fernamdo  era  ja  rrey  dAragam,  e  estaua  em  seu  rregno  proueemdo  sua 
terra.  Chegou  assy  este  rrecado  a  Pallemça  homde  elRey  estaua,  sobre 
o  quall  se  fallarom  mujtas  cousas,  amtre  os  quaaes  fallou  prímçipallmente 
huú  bispo  de  Aauila,  a  que  aquelle  rrecado  de  Seuilha  em  espiçiall  fora 
5    emcomemdado,  por   quamto  elle    era  naturall    daquella   cidade,    e   esto 

fallou  elle  assy,  porque  mujtos  daquelles  do  comsselho  deziam  que  *  nom    A,  33,v,  i 
era  pêra  fallar  em  semelhamte  cousa,  que   bem  era  de  presumir  que  sse 
elRey  Dom  Joham  teuera  uoomtade  de  cometer  semelhamte  cousa,  que 
nom  mamdara  la  seus  embaxadores  rrequerer  paz.     Senhores,  disse  o 

IO  bispo,  mujtas  mais  uezes  dam  as  cousas  comsselho  aos  homeés,  do  que 
os  homeés  dam  aas  cousas,  e  sobre  todo  a  experiemçia  que  he  meestra 
de  todallas  cousas  nom  certas,  e  porem  o  que  os  de  Seuilha  rrequerem 
nom  he  sobre  fumdamento  uaão,  ca  nom  ha  tam  simprez  em  este  rregno, 
que  nom  semta  que  semelhamte  ajumtamento,  quall  se  faz  no  rregno  de 

o  Portugall  nom  seia  mujto  pêra  temer  e  arrecear,  ca  nom  tam  soomente  nos 
outros  que  somos  seus  uezinhos,  mas  ajmda  os  alomguados  de  seu  rregno 
pem.ssam  semelhamte  cousa,  e  comsijram  bem  ho  dano  que  sse  lhe  dello 
pode  seguir,  ca  aquelle  he  auido  por  prudemte  e  ssesudo  que  comsijra 
as  cousas  amte  que  uenham.  ca  por  jsso  disseram  os  uelhos  amtijgos  que 

20    ho  homem  percebido  he  meo  combatido,  e  aquelle  boom  caualleiro  Dom 
Joham  Manuell  por  tamto  pos  naquelle  liuro  que  fez,   que   sse   chama 
o   comde  Lucanor,   huíi  exemplo   que   acomteçeo  a  amdorinha  com  as 
*  outras  aues,  que  faz  mujto  a  este  propósito.     Certo  he  que  o  rregno  de    A,33,  v,2 
Portugall  he  cercado  todo  de  mar  de  huúa  parte,  e  da  outra  o  cercam 

25  estes  nossos  rregnos.  ca  ajmda  ata  agora  nom  sse  acha  que  alguú  dos 
rrex  de  Portugall  teuesse  outra  comquista,  em  que  tamto  tempo  nem  tam 
gramdemente  trabalhasse  como  com  a  guerra  destes  rregnos,  leixamdo 
aquelle  primeiro  rrey,  que  sse  ocupou  em  despelar  mujtos  daquelles  luga- 
res que  tijnham  os  mouros,   nem  ajmda  aquelle  nom  foi  de  todo  liure, 

3o  ca  mujtas  cousas  achamos  em  as  crónicas  amtijgas  que  sse  passaram 
amtre  elle  e  este  nosso  rregno.  Mas  pêra  que  fallo  eu  em  estas  cousas, 
abasta  o  que  ja  disse  .s.  que  elles  nom  tem  com  quem  ajam  comtemda 
senam  comnosco.  pois  como  pemssaremos  que  elRey  agora  aja  de  fazer 
armada  pêra  hir  buscar  nouas  comquistas  nom  auemdo  nehuúa  causa  pêra 

35  ello.  He  boom  pêra  crcer  aquelles  que  nom  tem  ssiso,  que  elRey  aja  de 
fazer  huúa  armada,  em  que  ha  quatro  annos  que  emtemde  e  despemde 
dinheiro,  e  nom  tam  soomente  aballa  pêra  ella  as  cousas  de  seus  rregnos, 

1.  daragom  A.  —  2.  assi  A.  —  3.  os  I,  as  A.  —  6.  assi  A.  —  9.  embaixadores  A. 


-96- 

mas  ajmda  mamda  per  todallas  partes  da  chrijstamdade  buscar  nauios  e 
A,34,r. .  armas  pêra  hir  *  sobre  o  ducado  dOlamda.  Por  certo  as  jmmijzades  nem  os 
danos  nom  ssam  passados  amtre  elles  tam  gramdesnemtaaes,  que  por  rre- 
zam  delles  sse  ouuessem  de  mouer  tamanhas  cousas,  nem  ajmda  elRey  he 
homem  que  por  semelhamtes  cousas  cometidas  por  pessoas  uijs  e  de  tam 
pequeno  preço,  ouuesse  de  mamdar  dous  seus  filhos  fora  de  sua  terra  com 
tamanho  poder,  mas  por  certo  o  feito  que  assy  amda  callado,  alguúa  gramde 
cousa  ha  de  parir.  E  os  Genoeses  estamtes  em  Lixboa  que  semeihamte 
escpreueram,  alguúa  cousa  conhecem  e  sabem,  porque  fezerom  tall  auiso  a 
seus  amigos.  Porem  meu  comsselho  he  que  em  quamto  a  cousa  assy  esta,  lo 
que  a  cidade  de  Seuilha  seia  logo  auisada,  e  os  muros  rrepayrados  e  os 
almazeés  prouijdos.  e  que  as  portas  seiam  muy  bem  fechadas,  e  as  chaues 
emtregues  a  homeês  fiees.  e  que  seia  mamdado  a  todollos  fidallgos  e 
caualleiros  comarcaãos  daquella  cidade,  que  sse  uenham  logo  pêra  eila. 
e  façam  comprir  e  guardar  todas  estas  cousas,  como  semtirem  que  per-  li 
teeçe  pêra  seguramça  da  dita  cidade,  e  proueiam  todallas  galees  e  nauios 
que  esteuerem  nas  taraçenas,  que  lhe  nom  falleça  nehuúa  cousa  pêra 
A,34,r,2  sse  aproueitarem  delias*  quamdo  comprir.  Depois  que  o  bispo  acabou  sua 
falia,  estaua  hi  amtre  aquelles  senhores  o  adiamtado  de  Caçorlla,  que  era 
huú  fidallgo  mujlo  ssesudo,  posto  que  mujto  uelho  nom  fosse,  o  quall  se  20 
estaua  sobrrijmdo  em  quamto  o  bispo  fallaua.  He  bem  disse  elle,  que 
nos  ajamos  de  tomar  o  temor  por  todollos  outros,  a  que  per  uemtura 
ma3'or  parte  desto  perteeçe.  Como  poderiamos  nos  fazer  nehuij  moui- 
mento  pêra  nos  percebermos,  que  nom  fezessemos  muy  gramde  jmjuria 
a  elRey  de  Portugall  teemdo  com  elle  nossas  pazes  e  liamças  firmadas.  25 
e  auemdo  hi  tam  cheguado  diuedo,  como  ha  amtre  nosso  rrey  e  seus 
filhos,  e  seemdo  elle  huij  primçipe  tam  gramde  e  tam  nobre,  e  que  aja- 
mos de  sospeitar  delle  que  aja  de  quebrar  sua  uerdade  e  sua  fte,  homde 
numca  sse  acha  que  semeihamte  fezesse.  E  o  que  os  Genoeses  de  Lix- 
boa escpreueram  nom  he  cousa  rrezoada,  que  sse  por  ello  aja  de  mouer  3o 
o  comsselho  delRey.  ca  o  feito  daquelles  nom  he  outra  cousa  senam 
saluar  aquelle  dinheiro  que  teem,  porque  em  elle  esta  toda  a  sustamçia  de 
sua  uida  e  homrra.  Porem  o  que  a  mim  parece  açerqua  dello,  he  que 
nos  nom  façamos  mudamça  açerqua  de  nehuúa  cousa,  per  que  sse  possa 
A,34,v,  I  *  sospeitar  que  nos  teemos  rreçeo  de  cousa  alguúa,  que  sse  naquelle  rregno  35 
faça.  mas  que  ajamos  nossas  pazes  por  boas  e  firmes  como  he  rrezam, 
que  numca  Deos  quisesse  que   a  uerdade  sahisse  em  semeihamte   caso 

I.  xpimdade  A.  —  8.  em  Lisboa  I,  om  A. —  10.  assi  A. —  19,  antre  A.  —  20.  fidall- 
guo  A.  — 22.  alamos  A.  —  23.  perteemçe  A.  —  25.  purtugall  A. 


—  97  — 

damtre  os  senhores  e  primçipes.  ca  sse  assy  fosse,  gramdes  malles  se 
rrecreçeriam  dello.  E  porque  ajmda  esta  cousa  fique  mais  firme  e  mais 
segura,  podemos  a  elRej^  emuiar  nossos  embaxadores  pêra  tomarem 
juramento  a  elRey  segumdo  ficou  determinado,  quamdo  seus  embaxadores 
5  daqui  partiram,  e  este  mouimento  será  justo  e  honesto,  e  podere- 
mos per  elie  fazer  dous  gramdes  proueitos.  O  primeiro  será  que  sse 
elRe}'  jurar  as  pazes  como  he  de  creer  que  faça,  ficaram  nossos  feitos 
todos  seguros,  e  sse  per  uemtura  eile  teem  em  uoomtade  de  fazer  outra 
cousa,  loguo  poera  alguúas  escusas  ao  nam  fazer,   do  que  sse  eile  nom 

10  pode  escusar  que  nom  fique  perjuro  e  emfamado.  e  nos  poderemos 
emtom  emtemder  por  quallquer  pequena  duuida  que  elie  ponha,  que 
todo  seu  fumdamento  he  pêra  nos  empeeçer.  e  emtom  teeremos  rre- 
zom  de  nos  percebermos  descubertaraente  e  sem  nehuú  prasmo.  Alli 
estauora  em  aquelle  comsselho  muy  gramdes*  senhores,  ca  estaua  hi    A,34,v,2 

i5  o  duque  dArjona,  e  o  meestre  de  Callatraua,  e  o  prioll  de  sam  Joham, 
e  o  comde  de  Benauemte,  e  o  arcebispo  de  Tolledo,  e  o  bispo  de 
Burgos,  e  huú  adayam  de  Samtiago  que  era  muv  gramde  doutor,  e  assy 
outros  mujtos  doutores  e  caualleiros,  que  alli  leixara  elRey  Dom  Fernamdo 
pêra  determinarem  as  duuidas,  que  sobreuiessem  ao  comsselho  delRey 
seu   sobrinho,    e   estes  todos   fallaram  amtre  ss}',   auemdo   seus  debates 

20  açerqua  daquelle  feito,  e  finallmente  acordarem  que  o  comsselho  do  adiam- 
tado  era  boom.  e  porem  mamdaram  loguo  fazer  a  embaxada,  e  emiegeram 
pêra  ella  ao  bispo  de  Momdanhedo  e  Dia  Samchez  de  Benauides. 


Como  aquelles  embaxadores  iiieram  a  Portugall,  e  como  deram 
aquella  embaxada  a  elRey,   e  da  rreposta  que  ouuerom,  e  como 
Dia  Samchei  morreo,  e  como  sse  o  bispo  tornou  pêra  sua  terra. 
25  Capitullo  xxxij. 

NOBREMENTE  mamdou  a  rrainha  correger  aquelles  embaxadores,  assy 
pollo  que  perteeçia  aa  exçellemçia  do  estado   de  seu  filho,  como 
por  serem  os  primeiros  que  uieram  a  este  rregno  depois  da  morte 
3o    delRey  Dom  Hamrrique.     Os  quaaes  partidos*  de  Castella  traziam  em    A,35,r, 
ssi  muy  grande  duuida   de  acabarem  o  porque  uijnham,   tamanho  era  o 
espamto  que  lhe  poseram  açerqua  do  mouimento  delRey  comtra  a  cidade 

I .  assi  A.  —  3.  embaixadores  A.  —  4.  embaixadores  A.  —  11.  duueda  A.  —  17.  assi  A. 
—  19.  duuedas  A.  —  21.  embaixada  A.  —  23.  embaixadores  A  —  purtugall.  —  24.  em- 
baixada A. —  27.  embaixadores  A  —  assi  A.  —  2!^.  perteemçia  A. 
i3 


de  Seuilha.  a  quall  openiom  lhes  fazia  pemssar  que  seriam  mall  rreçebi- 
dos  e  pior  agasalhados.  Empero  acharom  o  feito  mujto  pollo  comtrayro 
do  que  o  elles  esperauam.  ca  tamto  que  elRey  ouue  nouas  de  sua  uijmda. 
mamdou  loguo  huú  escudeiro  ao  estremo  que  os  fezesse  muy  bem  rre- 
çeber  em  todoilos  lugares  do  rregno  por  homde  elles  uiessem.  O  quall  5 
escudeiro  leuaua  poder  abastamte  delRey,  per  que  lhe  fezesse  dar  abasta- 
damente todallas  cousas  que  lhe  fezessem  mester,  sem  lhe  seer  leuado  por 
ello  nehuú  preço  de  dinheiro  soomente  todo  aa  custa  delRey.  E  quamdo 
assy  aquelles  embaxadores  uiram  semelhamte  começo,  prouuelhes  mujto, 
do  quall  loguo  mamdaram  rrecado  aa  rrainha  e  aos  de  seu  comsselho,  lo 
fazemdolhe  saber  aquelle  boom  gasalhado,  que  lhe  elRey  de  presemte 
mamdaua  fazer.  Mas  quamdo  elles  chegarom  açerqua  de  Lixboa,  homde 
eIRey  estaua,  alli  poderam  elles  de  todo  conhecer  quamto  a  sua  primeira 

A, 35,r,2    openiom  *  jazia  em  erro.  ca  mamdou  elRey  pêra  elles  muy  gram  parte  dos 

boõs  que  auia  em  a  cidade,  e  tamto  que  forom  amte  elle,  rreçebeos  muy    i5 
graciosamente   de  sua  pessoa,   do  que  elles  sobre  todo  forom  mais  com- 
temtes.     Senhor,  disse  o  caualleiro,  elRey  nosso  senhor  e  a  rrainha  sua 
madre  uos  emulam  mujto  saudar,  e  o  duque  com  todoilos  outros  de  sua 
uallia  se  encomemdam  em  uossa  merçee.  e  os  outros  fidallgos  e  cauallei- 
ros  com  toda  a  outra  gemtilleza  da  corte  emuiam  beyjar  uossas  maãos  e    20 
emcomemdar  em  uossa   merçee.    As  quaaes  emcomemdas  assy  dadas, 
forom  rreçebidos  per  elRey  com  aquella  mesura  e  cerimonia  que  comuij- 
nha  a  seu   estado  e  boa  uoomtade.     E  emtam  lhe  deram   a  carta  de 
creemça,  e  lhe  apresemtaram  sua  embaxada  em  esta  forma.    Muy  pode- 
roso  e  sereníssimo  primçipe,  senhor  elRey.  o  bispo  de  Momdanhedo  e    25 
Dia  Samchez  de  Benauides  súbditos  e  naturaaes  e  feituras  do  mujto  alto 
e  mujto  poderoso  sereníssimo  jllustrissimo  primçipe,  senhor  elRey  de  Cas- 
tella  e  de  Leom  uosso  sobrinho,  nosso  senhor,  notificamos  aa  uossa  mer- 
çee como   amte   a  sua  rreall  magestade  forom  uossos   embaxadores  .s. 

.'^,35,v,i  Joham  Gomez  da  Sillua  uosso  alferez  moor,  e  o  doutor*  Martim  Dossem.  3o 
e  o  doutor  Belleago,  os  quaaes  com  uossa  autoridade  e  poder  trautaram 
com  a  senhora  rrainha  e  com  elRey  Dom  Fernamdo,  que  emtoni  era 
Iffamte,  como  tutores  do  dito  senhor,  pazes  perpetuas  firmes  e  ualledoyras 
pêra  todo  sempre  amtre  a  sua  rreal  senhoria  com  todos  seus  rregnos  e 
senhorios  e  terras,  e  uossa  alteza  com  todos  seus  rregnos  e  senhorios  e  35 
terras,   sobre   as  quaaes  forom   feitos  huús  capituUos,   em  que  emteira- 

I.  pensar  A.  —  2.  contrairo  A.  —  9.  assi  A  —  embaixadores  A.  —  16.  foram  A. — 
19.  emcomendam  A.  —  21.  emcomendar  A  —  assi  A.  —  22.  foram  A.  —  24.  embaixada 
A.  —  27.  prinçipe  A.  —  29.  embaixadores  A.  — 33.  tetores  A. — 34.  antre  A.  —  36.  foram  A. 


—  99  — 

mente  se  comtem  a  forma  das  ditas  pazes,  e  a  maneyra  como  sse  deuem 
firmar  e  guardar.  E  por  quamto  os  ditos  senhores  tutores  e  curadores 
delRey  fezeram  juramento  soUemne,  segumdo  pêra  tall  auto  compria.  e 
assy  todollos  outros  primçipaaes  daqueiles  rregnos,  passamdosse  todo  assy 
b  em  presemça  dos  ditos  uossos  embaxadores,  segumdo  dello  tomaram 
suas  escprituras  pruuicas.  os  quaaes  embaxadores,  juraram  outrossi  em 
uosso  nome  e  de  uossos  filhos,  per  uirtude  e  poder  de  uossas  procura- 
çoões  que  pêra  ello  leuauam  soffiçiemtes  e  abastamtes,  ficamdo  rresguar- 
dado  aos  ditos  tutores  de  emuiarem  ao  diamte  seus  embaxadores,  pêra 

IO    seer  tomado  persoallmente  o  dito  juramento*  de  uossa  merçee,  e  assy  de    A,35,v,2 
todollos  outros  a  que  perteeçe  semelhamte  juramento.     E  porque  depois 
dos  ditos  trautos  passados,  se  seguiram  outros  negócios  naquelle  rregno, 
primçipallmente  os  feitos  delRey  Dom  Fernamdo,  nom  poderam  emuiar 
aa  uossa  merçee  rrequerer  o  dito  juramento.     Porem  porque   as   ditas 

i5  pazes  seiam  firmes  e  rratas,  elRey  nosso  senhor  per  autoridade  da  rrainha 
sua  madre  e  dos  outros  de  seu  comsselho,  nos  mamdou  como  seus 
embaxadores  que  firmássemos  o  dito  juramento,  e  lhe  leuassemos  dello 
nossas  escprituras  pruuicas,  nas  quaaes  sse  comteuesse  todo  o  auto  que 
sse  açerqua  dello  passasse.     Ora  mujto  alto  e  mujto  poderoso  primçipe, 

20  aa  uossa  senhoria  praza  emcaminhar  como  o  dito  juramento  seia  feito,  por 
tall  que  as  ditas  pazes  se  guardem  e  firmem,  segumdo  per  uossos  emba- 
xadores foi  trautado  e  firmado.  Acabada  assy  a  sustamçia  daquella  em- 
baxada  disse  elRey.  Como  quer  que  em  todallas  outras  cousas  os  gram- 
des  primçipes  tenham  maneira  de  rretardarem  alguú  pouco  suas  rrepos- 

25    tas,   pêra  auerem  rrezam  de  sse  comsselhar.  quamto  açerqua  desta  pre- 

semte  mujtos  dias  ha*  que  eu  tenho  auido  meu  comsselho.  ca  por  tam    A, 3r',r, i 
firme  tiue   e  tenho  quallquer  cousa,  que  aquelles  meus  embaxadores  em 
meu  nome  trautassem,  como  sse  a  eu  per  minha  própria  pessoa  fezera. 
E  por  tamto  me  praz  mujto  de  fazer  o  dito  juramento,  per  a  guisa  que 

3o  me  per  uos  he  rrequerido.  e  daqui  em  diamte  trautar  com  todallas  cou- 
sas de  meu  sobrinho  per  aquella  guisa  que  trauto  com  as  minhas,  tecmdo 
seus  naturaaes  com  os  meus  aquella  maneira  que  he  rrezam.  E  quamto 
ao  juramento  disse  elRey,  que  pêra  sse  fazer  como  compria,  que  elle 
mamdaria  chamar  alguQs  dos  primçipaaes  do  seu  rregno  que   alli  nom 

35  estauam.  e  que  emtom  emcaminharia  como  elles  fossem  despachados 
segumdo  seu  rrequerimento.     E  assy  fezeram  fim  quamto  em  aquelle  dia 

2.  titores  A.  —  3.  fizeram  I,  fazerem  A. — 4.  assi  bis  A. —  .'>.  embaixadores  A. — 
6.  embaixadores  A.  —  9.  titores  A  —  diante  A  —  embaixadores  A.  —  10.  assi  A.  — 
12.  rregnno  A. —  17.  embaixadores  A. —  21-22.  embaixadores  A.  —  22.  assi  A. —  22- 
23.  embaixada  A.  —  27.  embaixadores  A.  —  36.  assi  A. 


das  cousas  suso  ditas.  E  os  embaxadores  ouueram  nobres  pousadas,  e 
sse  amte  eram  bem  agasalhados  e  prouijdos  das  cousas  que  lhe  faziam 
mester,  dalli  auamte  ho  forom  mujto  milhor.  ca  elles  eram  em  aquella 
cidade,  homde   a  elRey  uijnham  mujtas  cousas  deleitosas  espiçiallmente 

A,  36  r,2  pescados  frescos,  de  que  elles  em  *  allguijas  partes  de  seu  rregno  som  mall  5 
prouijdos.  elRey  tijnha  maneira  de  os  mamdar  abastar  de  todo.  E  dcsy 
quamdo  foi  tempo.  elRey  e  seus  filhos  fezeram  seu  juramento  assy  e  per 
aquella  guisa  que  fora  feito  em  Castella,  de  que  os  ditos  embaxadores 
tomaram  seus  estormentos  e  escprituras,  segumdo  semtiram  que  compria 
pêra  seguramça  de  seus  feitos.  Mas  porque  aalem  da  dita  embaxada  lo 
elles  traziam  outras  alguGas  cousas  que  auiam  de  rrequerer.  assy  como 
tomadas  dalguús  nauios,  ou  danos  que  sse  sempre  fazem  amtre  os  uizi- 
nhos  dos  extremos,  foilhes  necessário  destarem  ajmda  alguús  dias  na 
corte  pêra  rrequererem  aquellas  cousas,  no  quall  espaço  se  seguio  que 
aquelle  caualleiro  Dia  Samchez  de  Benauides  adoeçeo.  e  como  quer  que  i5 
per  mamdado  dclRey  fosse  muy  bem  curado,  a  emfirmidade  era  tall  de 
que  per  necessidade  ouue  de  fazer  fim  de  sua  uida.  da  quall  cousa  a 
elRey  desprougue.  e  assy  lhe  mamdou  fazer  muy  homrradas  eyxequias. 
e  aa  sepultura  forom  a  mayor  parte  dos  boõs  homeés  que  auia  naquella 
cidade  per  mamdado  delRey.     E  assy  dello  como  de  todo  outro  gasalhado    20 

A,36,v,  1  que  lhe  elRey  mamdou  fazer,  o  bispo  foi  muy  comtemte.  *  e  assy  louuaua 
mujto  elRey  per  todollos  lugares  per  homde  hia,  quamdo  se  tornou  pêra 
sua  terra,  ca  loguo  em  breue  tempo  foi  despachado.  E  auees  de  saber 
que  depois  que  estes  embaxadores  emtraram  em  Portugall,  ataa  que  sse 
o  bispo  tornou,  sempre  forom  mamteudos  elles  e  seus  homeés  e  bestas  aa  25 
custa  delRey,  assy  gramdemente  como  elle  custumaua  de  o  fazer.  E  em 
fim  forom  dadas  ao  bispo  gramdes  dadiuas  de  joyas  douro  e  de  prata  e 
panos  e  penas  de  gramde  uallia.  as  quaaes  com  outras  cousas  forom 
aazo,  per  que  aquelles  seruidores  que  uieram  com  os  ditos  embaxadores^ 
comtra  sua  natureza  louuauom  mujto  a  gramde  manifiçemçia  delRey.  3o 


I.  embaixadores  A.  —  4.  deleitosas]  e  deleitosas  A.  —  6.  desi  A.  —  7.  assi  A.  —  S.  em- 
baixadores A.  —  10.  embaixada  A.  —  11.  assi  A.  —  18.  assi  A.  —  19.  foram  A.  —  20.  assi 
A.  —  21.  mandou  A  —  comtente  A — assi  A. —  24.  embaixadores  A  —  purtugall  A  — 
2G.  assi  A.  —  27.  foram  A.  —  28.  e  penas]  om  I  —  foram  A  —  29.  embaixadores  A. 


CotJio  elRey  dAragam  emiiioii  seus  embaxadores  a  elRey,  e  da 

rreposta  que  leuarom,  e  como  em  este  tempo  uieram  algiiús  estram- 

geiros  offereçersse  a  elRey,  e  da  maneira  que  com  elles  teue. 

Capitullo  xxxiij. 

5     "r~\0's  que  ja  dissemos  dos  embaxadores  de  Castella,  e  de  todo  o  que 

I — ^    sse  seguio  em  sua  embaxada,  digamos  agora  todolios  outros  em- 

-*-         baxadores,  que  uieram  a  elRey  por  rrezam  daquella  armada  que 

assy  *  fazia,  ca  a  fama  delia  como  ja  dissemos,  era  muy  gramde,  que  soaua    A,36,v,  2 

per  todallas  partes,  e  espamtaua  mujto  os  coraçoões  dos  homeés  espiçiall- 

10  mente  daquelles  que  eram  mais  cheguados  a  este  rregno.  E  foi  assy  que 
tamto  que  em  Castella  foi  determinado  que  os  embaxadores  uiessem  a 
Portugall,  logo  alguús  daquelles  senhores  do  comsselho  escpreueram  a 
elRey  Dom  Fernamdo  fazemdolhe  saber  todo  o  feito  como  passara,  ca 
posto  que  elle  esteuesse  assy  alomguado,  nom  sse  fazia  nehuiia  cousa  de 

i5  peso  em  Castella  que  a  elle  nom  soubesse,  e  esto  era  porque  os  mais 
daquelles  eram  sua  feitura,  e  assy  como  lhe  fezeram  saber  a  partida 
dos  embaxadores,  assy  lhe  escpreueram  depois  toda  a  rreposta  que  leua- 
ram.  Mas  emtom  ficou  a  elle  outro  mujto  mayor  cuydado,  porque  com- 
sijrou  em  ssi,  que  pois  elRey  de  todo  seguraua  o  rregno  de  Castella,  fir- 

20  mamdo  as  pazes  per  juramento  como  dito  he,  que  poderia  seer  que  seria 
a  uerdadeira  temçom  de  hirem  comtra  elle  ou  comtra  alguú  lugar  de  seu 
senhorio.  E  este  pemsamento  tijnha  elle  assy,  por  quamto  ouuera  o 
rregno  per  aquella  guisa  que  ja  ouuistes,  do  quall  auia  tam  pouco  que 
*  estaua  em  posse,  e  foralhe  dito  como  ho  comde  dOrgel,  que  pemssaua  teer    A,37,  r,  i 

25  mayor  dereito  no  rregno  que  elle,  ueemdo  como  ja  per  ssi  nom  podia 
cobrar  nome  de  rrey,  que  escpreuera  a  elRey  Dom  Joham,  como  elle  era 
assy  forçado  do  seu.  e  que  pois  naquelle  rregno  nom  podia  cobrar  dereito, 
que  lhe  prouuesse  de  o  ajudar,  e  que  com  pequeno  mouimento  que  elle 
fezesse  açerqua  dello,  seria  de  todo  posto  em  posse  delle,   ca  os  mais  e 

3o  mayores  daquelle  rregno  nom  obedeciam  a  elRey  Dom  Fernamdo  senam 
per  força,  ca  conhecido  era  a  todos,  que  o  rregno  justamente  perteeçia  a 
elle  mais  que  a  elRey  Dom  Fernamdo.  E  que  sse  a  Deos  prouuesse 
delle  cobrar  assy  a  dita  posse,  que  elle  nom  queria  filhar  nome  de  rrey. 

1 .  daragom  A  —  embaixadores  A.  —  5.  embaixadores  A.  —  6.  embaixada  A.  —  6-7. 
embaixadores  A.  —  io.  assi  A. —  1 1.  embaixadores  A. —  12.  purtugall  A. —  14.  assi  A. — 
1 6.  assi  A.  —  17.  embaixadores  A  —  assi  A.  —  21.  luguar.  —  22.  assi  A.  —  23.  rreyno  A. 
—  27.  assi  A.  —  29.  postoj  ponto  A,  I.  —  33.  assi  A. 


mas  que  elle  tijnha  duas  filhas  pera  casar,  e  elle  jsso  meesmo  a  Deos  gra- 
ças tijnha  filhos,  que  as  casasse  com  dous  delles.  com  tamto  que  o  que 
casasse  com  a  mayor,  tomasse  logo  nome  de  rrey  dAragam.  e  que  ao 
outro  filho  seria  dada  terra  em  aquelle  rregno,  em  que  podesse  uiuer 
homrradamente.  e  que  per  seu  falliçimento  lhe  ficaria  o  seu  comdado  com  5 
toda  sua  terra.  E  como  quer  que  nehuúa  cousa  disto  fosse  fallada  a 
elRey  Dom  Joham,  he  porem  certo  que  foy  assy  dito  a  elRey  Dom  Fer- 

A,37,r,2  namdo.  e  de  o  elle  creer  nom  era  ssem  rrezom,  *  por  quamto  elle  estaua 
assy  em  aquelle  rregno,  homde  era  quasi  estramgeiro.  e  conhecia  bem  que 
ajmda  que  o  seu  dereito  fosse  mayor,  que  mujtos  daquelles  que  lhe  obe-  lo 
deçiam,  quiseram  amte  o  comde  por  seu  rrey  por  aazo  da  natureza  que 
auia  com  elles.  ca  bem  conhecia  que  seu  obedeeçimento  era  mais  cos- 
tramgido  que  per  uoomtade,  porque  obediemçia  costramgida  numca  sse 
pode  possuir  sem  gramde  sospeita.  E  porque  os  seus  lhe  conheciam 
assy  aquelle  cuydado,  e  que  lhe  prazia  de  ouuir  quallquer  cousa  de  moui-  i5 
mento  de  cada  huú  de  seus  comtrairos,  trabalhauamsse  de  saber  todo  o 
que  açerqua  dello  podiam  e  deziamlha.  e  queremdolhe  comprazer,  muj- 
tas  uezes  lhe  afirmauam  o  que  nom  sabiam,  de  que  sse  seguiam  penas 
jmjustas  a  alguús.  ca  jsto  he  huúa  cousa  que  faz  a  mujtos  primçipes 
gaanhar  gramdes  jmmijzades  com  seu  pouoo.  e  os  malles  que  sse  dello  20 
seguiram,  manifestos  ssam  a  todos  aquelles  que  sabem  as  crónicas  amtij- 
gas.  Nom  era  esta  cousa  pera  elRey  Dom  Fernamdo  nom  creer,  tra- 
zemdo  comssigo  tam  manifesta  coor.  e  porem  mamdou  loguo  fazer  prestes 
seus  embaxadores,  os  quaaes  emuiou  com  suas  cartas  a  elRey  Dom  Joham. 

A,37,v,  1    E  leixamdo  a  prollixidade  das  outras  cousas,   *  breuemente  chegarom,  e    25 
tamto  que  forom  em  pomto  de  seer  ouuidos,  disseram  a  elRey  per  esta 
guisa.     Senhor,   elRey  dAragam  nosso  senhor  uos  faz  saber,   como  ha 
mujto  tempo  que  ha  nouas  que  uos  uos  perçebees  de  guerra,  e  que  elle  em 
quamto  uosso  perçebimeuto  nom  foi  mujto  ssoado,  sempre  pemssou  que 
era  alguúa  cousa  pequena,  mas  depois  que  ouue  certas  nouas,  que  mam-    3o 
dauees  perceber  todallas  gemtes  de  uosso  rregno,   e  buscar  per  diuersas 
partes  naaos  e  nauios  pera  fazer  gramde  ajumtamento  de  frota,  que  em- 
temdeo  e  emtemde   que  huú  tam  alto  primçipe  como  uos  nom  pode  mo- 
uer  semelhamte  feito  senom  a  alguú  gramde  fim.   e   que  quamto  a  çerti- 
dom  do  feito  he  mais  duuidosa,  tamto  he  mayor  rrezom  que  sse  proueja    35 
sobre  ello.     E  porque  amtre  as  mujtas  partes  que  sse  determinam  açer- 

6.  fallado  A.  —  7.  elRej  A  —  assi  A.  —  9.  assi  A.  —  i5.  assi  A.  —  19.  jnjustas  A.  — 
24.  embaixadores  A.  —  23.  chegaram  a  este  reyno,  e  1,  om  A. —  26.  foram  A. —  29.  muyto  A. 
33.  entende  A. 


—  io3  — 

qua  de  uossa  armaçam,  primçipailmente  ssom  duas  que  a  elle  perteeçem 
.s.  que  alguQs  seus  comtrairos  uos  moueram  partido,  que  os  ajudassees  a 
cobrar  aquelle  rregno,  poemdouos  em  esperamça  de  o  darem  depois  a 
cada  huú  de  uossos  filhos,  e  a  outra  he,  que  emuiaaes  *  sobre  o  rregno  A,37,v,2 
5  de  Cezillia,  de  que  elle  teem  tamta  parte  como  sabees.  Porem  que  elle 
uos  rrogua,  que  comssijrees  a  boa  uoomtade  que  elle  sempre  teue  a  uos  e 
a  todos  uossos  feitos,  e  o  dereito  que  elle  teem  naquelles  rregnos.  o  quall 
ja  foi  uisto  e  determinado  per  o  samto  padre,  e  assjf  per  todoUos  leterados 
e  sabedores  dos  ditos  rregnos.  por  cuja  rrezom  elle  foy  posto  em  posse  e 

10  rrecebido  por  rrey  e  senhor  como  bem  sabees.  E  que  uos  nom  queiraaes 
mouer  comtra  elle  por  nehuúa  esperamça  de  proueito,  que  uos  açerqua 
dello  seia  mouido,  nom  auemdo  justa  rrezam  pêra  ello.  e  que  sobre  todo 
pêra  obrardes  segumdo  perteeçe  aa  uossa  preclara  magnifiçemçia,  praza- 
uos  que  lhe  emuiees  dizer   açerqua  de   todo  uossa    uoomtade.   ca   elle 

•  5  posto  que  lhe  estas  cousas  fossem  ditas,  numca  determinadamente  em  seu 
coraçom  pode  caber,  que  uos  semelhamte  mouimento  fezessees  nom  auemdo 
mais  justa  causa,  porque  uos  conhece  por  justo  e  dereito  em  todos  uossos 
feitos,  e  assy  obrador  de  gramdes  cousas.  ElRey  nom  quis  mais  alom- 
guar  rreposta,  porque  nom  era  cousa  que  perteeçesse  ao  comsselho.    Vos 

20    direes  disse  elle,  a  elRey  Dom  Eernamdo  meu  amigo,  depois  *  que  lhe  der-    A,38,r,i 
des  minhas  saudaçoões,  que  elle  saiba  certamente  que  meu  ajumtamento 
nom  he  comtra   elle,  nem   comtra  cousa  que   a  elle  perteeça.   ca  sayba 
elle  que  com  milhor  uoomtade  ho  ajudaria  a  gaanhar  outro  rregno,  em  que 
elle  teuesse  alguúa  justa  parte   de  dereito,   que  de  lhe  dar  fadigua  sobre 

25  aquelle  que  elle  teem  gaanhado,  do  quall  Deos  sabe  que  me  prouue  e 
praz  mujto.  E  que  sse  per  uemiura  eu  teuesse  determinado  de  dizer  este 
segredo  a  alguú  primçipe  semelhamte,  que  elle  seria  o  primçipall.  mas 
que  prazemdo  a  Deos  muy  cedo  saberá  certo  rrecado  da  minha  emtem- 
çom.     Nom  auemos  aqui   porque  escpreuer  os  gasalhados  nem  as  mer- 

3o  çees,  que  elRey  fez  aaquelles  embaxadores.  ca  esto  auia  elRey  auam- 
taiadamente  amtre  todollos  primçipes  do  mundo.  Mas  elles  forom  mujto 
comtemtes  delRey,  e  mujto  mais  o  foy  elRey  Dom  Fernamdo,  depois  que 
lhe  os  embaxadores  comtaram  a  booa  uoomtade  que  tijnha  pêra  elle  e 
pêra  toda  sua  homrra.     E  porque   as  nouas  eram  taaes  com  que  a  elle 

35  tamto  prazia,  com  gramde  dilligemçia  lhas  comtauam  aquelles  seus  em- 
baxadores. e  assy  toda  a  maneira  que  elRey  tijnha  em  seu  estado,  e  *o    A, 38,r,2 

6.  comssirees  A.  —  8.  assi  A.  —  i8.  assi  A. —  ig.  consselho  A.  —  21.  ajuntamento  A. 

—  22.  contra  (2.°)  A  —  perteemça  A.  —  3o.  embaixadores  A.  —  3i.  mumdo  A  —  foram  A. 

—  34.  embaixadores  A  —  boa  A  —  uoontade  A.  —  35-36.  embaixadores  A.  —  36.  assi  A. 


—  I04  — 

corregimento  da  sua  frota,  e  primçipallmente  louuauam  a  apostura  dos 
Iftamtes.  e  de  todo  mujto  prazia  a  elRey  Dom  Fernamdo.  Certamente 
disse  elle,  sempre  conheci  elRey  Dom  Joham  seer  huij  muy  auamtaiado 
primçipe.  e  em  todos  seus  feitos  sempre  sse  mostrou  gramde  e  uirtuoso. 
e  elle  que  este  feito  assy  moue,  nembreuos  que  a  de  seer  huúa  cousa  nota-  5 
uell  e  gramde,  cuja  fama  será  de  muy  gramde  preço,  e  ajrada  emueja  de 
mujtos  primçipes  do  mundo.  Outrossy  uieram  em  este  emsseio  a  elRey 
huQ  gramde  duque  dA-llemanha  e  huij  barom  com  elle  pêra  o  seruir  em 
aquelle  feito,  e  o  duque  disse  a  elRey,  que  ouuimdo  nouas  de  sua  arma- 
çam,  que  partira  de  sua  terra  com  emtemçom  de  o  seruir.  porem  que  lhe  'o 
pedia  por  merçee,  que  lhe  declarasse  ho  lugar  certo  pêra  homde  armaua 
sua  frota,  porque  pêra  tall  poderia  seer,  que  nom  seria  rrezam  de  o  elle 
seruir  em  ello.  ElRey  rrespomdeo  que  elle  tijnha  determinado  por  seu 
seruiço  de  nom  rreuellar  aquelle  segredo  a  alguúa  pessoa  fora  de  seu 
comsselho.  e  que  ajmda  saberia  que  nem  todollos  do  comsselho  eram  dello  i5 
sabedores,  soomente   alguiis  certos  e  espiçiaaes.   porem  sse  a  elle  prou- 

A,38,v,i  uesse  dhir  assy  com  elle*  por  acreçemtar  em  sua  homrra,  que  lho  teeria 
em  seruiço,  e  lhe  faria  por  ello  merçee.  O  duque  rrespomdeo  que  sua 
determinaçam  nom  era  tall,  senam  per  a  guisa  que  lhe  ja  dissera,  porem 
que  com  sua  liçemça  se  queria  tornar  caminho  de  sua  terra.  ElRey  mam-  20 
doulhe  fazer  merçee  segurado  rrequeria  a  seu  estado,  e  desy  emcaminhou 
pêra  Samtiago,  e  dhi  caminho  de  sua  terra.  E  o  barom  ficou  com  elRey, 
e  o  seruio  depois  muy  bem,  segurado  fezeram  outros  mujtos  estramgeyros, 
que  uieram  fazer  de  suas  homrras  em  este  feito,  amtre  os  quaaes  prim- 
çipallmente forom  três  gramdes  fidallgos  gemtijs  homeés  da  casa  de  25 
Framça.  e  o  primçipall  delies  auia  nome  Mosse  Arredentam.  e  o  segurado 
Perribatalha.  e  o  terceiro  Gibotalher.  empero  nehuíj  delies  nom  uijnha 
tam  grarademente  corregido  como  o  gram  baram.  ca  trazia  comssigo  qua- 
reemta  escudeyros  fidallgos  gemtijs  homeés,  que  depois  prouaram  muy 
bem  per  seus  corpos  na  tomada  daquella  cidade.  E  posto  que  estas  em-  3o 
baxadas  e  cousas  assy  uaao  jumtamente,  nora  seiam  porem  apropriadas 
aaquelles  tempos,  ca  aratre  huúas  e  as  outras  se  metiam  alguús  espaços,  os 

A,38,v,2    quaaes  homem  *  destiratamente  nom  poderia  escpreuer.  porque  as  crónicas 
que  leuam  semelhamte  hordenamça,  nom  podem  leuar  mais  certa  declara- 
çom,  saluo  aquellas  que  leuam  os  feitos  comtados  de  huú  anno  ao  outro,    35 
semelharates  aquellas  a  que  os  Romaãos  chamauam  anaaes.  porque  auia 

2.  Iffantes  A.  —  5.  assi  A.  —  7.  mumdo  A.  —  17.  assi  A.  —  21.  desi  A.  — 25.  foram  A. 
28.  come  A.  —  3o-3i.  embayxadas  A.  —  3i.  assi[A.  —  32.  antre  A. — 35.  contados  A. 
—  36.  aquelles  A  I. 


—  io5  — 

hi  hordenamça  que  sse  escpreuessem  os  feitos  de  cada  huú  comssuU  apar- 
tadamente, e  porque  elles  nom  rregnauam  raais  que  huú  anno,  era 
necessário  que  sse  fezesse  cada  huú  anno  o  dito  liuro.  Empero  ajmda 
estes  liuros  tijnham  outro  nome,  ca  lhe  chamauam  os  liuros  dos  dias  fas- 
5  tos.  e  era  fasto  em  sua  limguagem  como  dia  comuinhauell  pêra  pelleiar 
ou  fazer  outros  gramdes  feitos,  a  quail  cousa  sempre  era  mu}'  bem 
esguardada  per  ho  rregimento  das  rrodas  çelestriaaes.  e  ora  uemçessem 
ou  fossem  uemçidos,  todauia  auiam  de  fazer  escpreuer  todo  seu  acomte- 
çimento.  e  ao  dia  em  que  elles  uemçiom,  chamauam  fasto   s.  dia  comui- 

10    nhauell,  e  ao  dia  em  que  lhes  nom  comuijnha  pelleiar,  chamauam  nefasto, 
porque  tamto  quer  dizer  em  nossa  própria  limguagem  fasto,  como  bem 
auemturado,  e  nefasto  nom  bem  auemturado.   A  quall  *hordenamça  nos    A,39,r,i 
nom  podemos  guardar  em  esta  obra,  por  seer  começada  tam  tarde  como 
ja  ouuistes.  e  trautada  em  tam  gramde  segredo,  por  cuja  rrezara  ouue  em 

i5  aquelles  feitos  muy  poucas  escprituras  que  ao  depois  parecessem,  soo- 
mente  aquellas  que  sse  fezeram  depois  do  comsselho  de  Torres  Vedras, 
quamdo  ficou  determinado  de  sse  deuu'lgar  a  partida  dos  Ifíamtes.  E  as 
cousas  que  sse  emtom  escpreuiam,  nom  eramsenam  hordenamças,  que  sse 
geerallmente  fazem  em  todallas  armaçoões,   em  que  ha  de  seer  alguúa 

20  multidom  de  gemte.  o  que  ajmda  nom  foi  feito  senam  no  derradeiro 
anno.  e  sobre  todo  as  cousas  forom  muy  gramdes  e  emburilhadas  huúas 
com  as  outras,  por  cuja  rrezam  nom  se  poderam  escpreuer  per  outra 
guisa,  ca  as  mujtas  cousas  nom  ssom  assy  ligeyras  de  abraçar,  ca  aquelle 
que  acha   as  rrodas  do  carro  apartadas,  alguú  tempo  ha  mester  pêra  as 

25    ajumtar. 


Como  os  embaxadores  delRey  de  Graada  iiieram  a  elRey,  e  do 

que  lhe  rrequereram,  e  como  tra{iam  rrecado  delRey  ao  Iffamte 

Duarte,  e  das  cousas  que  lhe  promettiam.      Capitidlo  xxxiiij. 


F 


liCA  agora  pêra  dizer  de  como  elRey  de  Graada  emuiou  seus  emba-    A,39,r,2 

3o     |~^     xadores   a   elRey  de  Portugall.   ca  sse  os  outros  rrex  christaãos 

tijnham  rrezam  dauer  temor,  mujto  mais  tijnha  elle,  comsijramdo 

quamtas  uezes  emulara  seus  rrecados  a  elRey  pcra  cobrar  sua  amizade 

e  seguramça  de  paz,  e  numca  ha  delle  poderá  auer.     Que  poderia  agora 

sospeitar  ouuimdo  as  nouas  de  tamanho  ajumtamento,  cuja  fama  espam- 

1.  ordenamça  A. —  10.  lhes]  elles  A.  —  21.  foram  A.  — 23.  assi  A.  —  24.  haa  A. — 
26.  embaixadores  A.  —  29-30.  embaixadores  A. 


—  io6  — 

taua  mujtos  primçipes  da  chrijstamdade.  quamto  mais  que  os  mouros 
forros  que  uiuem  em  este  rregno,  ueemdo  assy  aquelle  ajumtamento  como 
homeés,  que  nom  perderam  aquella  amizade  com  todollos  outros  mouros 
que  a  sua  seita  rrequeria,  numca  çessauam  de  pregumtar  quall  era  o 
uerdadeiro  propósito  delRey.  E  nom  he  duuida  que  este  segredo  lhe  5 
nam  fora  rreuellado,  segumdo  a  gramde  deligemçia  que  elles  tijnham  de  o 
saber,  sse  alguú  dos  do  rregno,  afora  aquelles  que  ja  dissemos,  ouuera  aazo 
de  o  saber.  Empero  apalpamdo  assy  depois  que  uiram  que  elRey  segu- 
raua  Castella  e  Aragam,  sospeitaram  que  aquelle  ajumtamento  nom  podia  , 
seer  senam  sobre  o  rregno  de  Graada.   e  assy  ho  escpreuerom   a   elRey    lo 

A,39,v,  I  de  Graada  per  suas  cartas.  O  quall  *  ouuimdo  assy  aquellas  nouas  de 
tamtas  partes,  emuiou  seus  embaxadores  a  elRey,  os  quaaes  eram 
certos  mouros  de  gramde  autoridade,  leuamdo  seus  trugimaães  que  lhe 
emterpretassem  a  linguagem.  E  elRey  assy  como  tijnha  custume  de  rre- 
çeber  bem  todollos  estramgeiros,  rreçebeo  a  elles  segumdo  seu  estado.  i5 
E  quamdo  foi  tempo  de  darem  sua  embaxada,  disserom.  ElRey  nosso 
senhor  uos  emuia  dizer,  como  depois  que  este  uosso  senhorio  esta  em 
posse  de  rregno,  numca  amtre  os  seus  naturaaes  e  os  uossos  foi  achada 
tall  discórdia,  per  que  leixassem  de  trautar  huús  com  os  outros,  trazem- 
dosse  daquelle  rregno  ao  uosso  gramdes  mercadorias  e  do  uosso  ao  seu.  20 
E  que  aalem  de  todo  o  dito  senhor  uos  teue  sempre  em  sua  uoomtade 
muy  gramde  amor,  primçipallmente  por  uossas  gramdes  uirtudes  e  boom- 
dade.  a  quall  o  costramgeo  emuiar  a  uos  per  mujtas  uezes  seus  presem- 
tes,  como  o  que  numca  fez  a  nehuú  rrey  christaão.  Porem  disseram  elles, 
que  porque  alguijs  seus  naturaaes  tijnham  rreçeo  de  uijr  a  seus  rregnos  25 
com  suas  mercadorias  como  amte  soyam,  por  aazo  das  nouas  que  auiam 

A,39,v,2  do  corregimento  da  sua  frota,  sospeitamdo  *que  per  uemtura  poderia  seer 
comtra  alguú  dos  lugares  de  seu  senhorio,  e  outros  mercadores  de  seu 
rregno  leixauam  de  leuar  suas  mercadorias  rreçeamdo  que  lhe  fossem 
rretheudas  per  elle  ou  per  seu  mamdado.  que  lhe  prouuesse  por  euitar  3o 
assy  aquella  sospeiçam  de  lhe  emuiar  certa  seguramça,  que  huíis  e  os 
outros  podessem  estar  e  comtrautar  amigauellmente  como  sempre  feze- 
ram.  na  quall  cousa  lhe  faria  huúa  gramde  graça,  a  quall  elle  prazemdo 
a  Deos  emtemdia  demmemdar  com  outra  semelhamte  ou  mujto  mayor 
quamdo  lhe  rrequerida  fosse.  Nom  ssei  que  rrezam  teem  os  mouros  35 
rrespomdeo  elRey,  de  teerem  semelhamte  sospeita  nem  os  meus  natu- 

2.  assi  A.  —  8.  assi  A.  —  10.  assi  A.  —  11.  assi  A.  —  12.  tantas  A  —  embaixadores  A 
—  a  elReyJ  add  de  Portugal  I.  —  14.  assi  A.  —  16.  quando  A  —  embaixada  A.  —  25.  seus] 
uossos  I.  —  27.  sua]  uossa  I.  —  3 1 .  assi  A. 


—  loy  — 

raaes  jsso  meesmo,  teemdo  tam  pequena  çertidom  de  minha  uoomtade, 
porque  ajmda  que  eu  assy  raamde  correger  minhas  gemtes  pera  emuiar 
meus  filhos  por  meu  seruiço,  a  uerdadeira  temçom  dello  esta  muy  lomge 
de  seu  conhecimento,  nem  ueio  que  rrezam  podesse  teer  que  parecesse 
5  rrezoada  pera  fazer  semeihamte  seguramça.  Porem  uos  lhe  dizee  que  eu 
nom  emtemdo  fazer  com  elle  nem  com  outra  nehuúa  pessoa  tall  emnoua- 
çam,  pois  que  a  numca  fiz  em  todos*  meus  dias.  E  porque  esta  he  a  A,4o,r,i 
comclusom  de  meu  propósito,  uos  podees  hir  mujto  em  boa  ora  quamdo 
uos  prouuer.  Os  mouros  semtiram  que  per  aquella  rreposta  nom  leuauam 

IO  nehiiúa  seguramça,  faliaram  aa  Rainha  por  ueer  se  poderiam  emcaminhar 
o  feito  per  outra  guisa,  ca  tall  auisamento  traziam  delRey  de  Graada.  o 
quall  era  que  a  rrica  forra,  que  era  a  primçipall  das  molheres  daquelle 
rrey  mouro,  emuiaua  dizer  aa  Raynha  Dona  Fellipa,  como  elRey  seu  senhor 
e  marido  emuiara  seus  embaxadores   a   este   rregno    rrequerer  alguúas 

ij  cousas  a  elRey,  as  quaaes  a  ella  prazeria  mujto  que  fossem  bem  auiadas. 
E  por  quamto  ella  sabia  quamto  os  boÕs  rrequerimentos  das  molheres  mo- 
uiam  os  coraçoões  dos  maridos,  quamdo  lhe  rrequeriam  alguijas  cousas 
em  que  tijnham  uoomtade,  que  lhe  rrogaua  que  por  comtemplaçam  sua  lhe 
prouuesse  filhar  emcarrego  de  rrequerer  a  elRey  a  rreposta  daquelle  feito, 

20    poemdo  em  ello  todo  seu  bom  deseio,  de  guisa  que  a  uoomtade  delRey  de 
Graada  seu  senhor  e  marido  fosse  posta  naquella  fim  que  elle  deseiaua. 
E  que  pois  ella  tijnha  filha  pera  casar,  que  em  breue  tempo  poderia  ueer 
o  agradecimento  de  sua  boa  uoomtade.  ca  lhe  çertificaua*  que  lhe  emuia-    A,4o,r,a 
sse  pera  ella  o  milhor  e  mais   rrico  emxouall  que  numca  fora  dado  a 

25  nehuúa  primçeza  moura  nem  christaa.  Mas  quem  auia  de  seer  aquelle 
que  mouesse  a  Rainha  pera  fallar  em  tall  partido,  ca  a  Rainha  era  huija 
molher  mujto  amiga  de  Deos,  e  segumdo  suas  obras  filhara  de  muy  maa- 
mente  emcarreguo  de  nehuQ  emfiell  pera  lhe  procurar  alguú  fauor. 
quamto  mais  ajmda  que  era  naturall  dHimgraterra,  cuja  naçam  amtre  as 

3o  do  mumdo  naturallmente  desamam  todollos  jmfiees.  Eu  nom  sei  rres- 
pomdeo  ella,  a  maneyra  que  os  uossos  rrex  teem  com  suas  molheres. 
mas  amtre  os  christaãos  nom  he  bem  comtado  a  nehuúa  rraínha  nem  a 
outra  nehuúa  gramde  primçesa  de  sse  tremeter  nos  feitos  de  seu  marido, 
quamto  em  semelhamtes  casos,  pera  os  quaaes  elles  teem  seus  comsseihos, 

35  homde  determinam  seus  feitos  segumdo  emtemdem.  e  as  suas  molheres 
quamto  melhores  ssam,  tamto  com  mayor  dilligemçia  se  guardam  de  que- 
rerem saber  o  que   a  ellas  nom  perteeçe.  ca  conhecem  certamente  que 

2.  assi  A. —  10.  rrainha  A. —  i3.  rrainha  A. —  14.  embaixadores  A. —  18.  contem- 
plaçam  A.  —  20.  rrainha  bis  A.  —  33.  princesa  A.  —  36.  dilligençia  A.  —  3y.  perteemçe  A. 


—  io8  — 

seus  maridos  com  seus  comsselheiros  teem  mayor  cuidado  do  que  aa 
homna  de  seu  estado  perteeçe,  do  que  ho  ellas  podem  coniieçer.     Ver- 

A,4o,v,  1  dade  he  que  *  ellas  nom  som  assy  afastadas  de  todo,  que  lhe  nom  fique 
poder  de  rrequerer  o  que  lhes  praz.  mas  estes  rrequerimentos  ssom  taaes, 
que  os  maridos  nom  ham  rrezam  de  lhos  neguar.  e  alguúas  que  o  comtrairo  b 
fazem,  nom  ssom  auidas  por  emsinadas  nem  discretas.  Porem  uos  direes 
aa  rrainha  uossa  senhora,  que  eu  lhe  agradeço  sua  boa  uoomtade.  mas 
que  ella  poderá  de  seu  emxouall  fazer  o  que  lhe  prouuer.  ca  com  a  graça 
de  Deos  a  minha  filha  nom  falleçera  emxouall  pêra  seu  casamento.  E 
uos  rrequeree  uosso  feito  a  elRey  meu  senhor,  ca  elle  he  tall  que  sse  lhe  lo 
uos  rrequererdes  o  que  he  rrezam,  que  uoUo  fará  com  muy  boa  uoomtade. 
Os  mouros  semtiram  que  nom  tijnham  boom  rrecado  na  Rainha,  proua- 
ram  de  temtar  o  Iftamte  Duarte  pêra  ueer,  se  com  suas  gramdes  prome- 
ssas o  poderiam  emclinar  a  sua  deuaçam.  e  foromsse  a  elle  e  disseromlhe 
como  elRey  de  Graada  seu  senhor  era  huO  homem  que  mujto  deseiaua  i5 
teer  amizade  com  seu  padre,  e  per  comsseguimte  com  elle  e  com  toda  a 
casa  de  Portugall.  e  que  pêra  elle  creer  que  sua  uoomtade  era  tall,  que 
poderia  bem  saber  de  todollos  mercadores  e  outros  quaaesquer  naturaaes 

A,4o,v,2    deste  rregno,  como  eram  trautados  *  tam  docemente  e  com  tamto  fauor 

leyxamdolhe  trazer  suas  mercadorias  e  trautar  com  seus  naturaaes,  assy  20 
como  sse  fossem  súbditos  dalguú  rrey  mouro  com  que  elle  ouuesse  muy 
chegada  liamça  de  samgue.  Por  cuja  rrezam  disserom  elles,  senhor,  nos 
emuiou  ao  dito  uosso  padre  com  sua  embaxada,  da  quall  creeo  que  uossa 
merçee  auera  ja  certa  emformaçam.  porem  senhor,  porque  elRey  de 
Graada  nosso  senhor,  mujto  deseia  cobrar  aquella  seguramça  que  rreque-  25 
remos,  elle  uos  emuia  dizer  que  por  quamto  elle  sabe  que  elRey  uosso 
padre  ha  dobrar  em  este  feito  primçipallmente  por  uosso  comsselho.  que 
uos  rroga  que  por  sua  comtemplaçom  uos  praza  filhar  emcarrego  do  dito 
rrequerimento,  de  guisa  que  polia  boa  uoomtade  que  uos  em  ello  poser- 
des,  possa  uijnr  a  fim  de  seu  deseio.  E  por  uos  nom  auerdes  uosso  tra-  3o 
balho  por  mall  despeso,  que  elle  uos  promette  assy  como  rrey  que  he,  de 
uos  fazer  huú  tall  seruiço,  que  em  todallas  partes  do  mundo  seia  no- 
meado por  gramde.  pêra  seguramça  do  quall  uos  será  feita  per  nos 
quallquer  firmeza  que  uossa  merçee  demamdar,  e  ajmda  se  mester  fezer, 
abastamte  fiamça.     Os  primçipes  desta  terra,  rrespomdeo  o  Iffamte,  nom    35 

A,4i,r,  1     *  ssom  acustumados  de  uemder  suas  boas  uoomtades  por  preço  de  dinheiro, 
ca  husamdo  per  semelhamte  modo  teriam  mayor  rrezam  de  sse  chama- 

3.   assi   A. —  12.   rrainha  A.  —  20.   assi  A.  —  22.  liança  A.  —  23.   embaixada  A. — 
3i.  mal  A  —  assi  A. 


—  log  — 

rem  mercadores  que  senhores  nem  primçipes.  Porem  uossas  promessas 
som  escusadas  acerca  de  semelhamte  caso.  ca  nom  tam  soomente  esse 
presemte  que  elRe}'  diz  que  me  emuiara,  mas  que  me  fezesse  seguramça 
que  me  daria  todo  seu  rregno  per  semelhamte  modo,  eu  ho  nom  rreçe- 
beria  delle,  nem  poderia  fazer  a  elRe_v  meu  senhor  e  padre  nehui:  rrequi- 
rimento,  senom  aquelle  que  fosse  justo  e  rrazoado.  E  elRey  de  Graada 
uosso  senhor  nom  ha  porque  tomar  taaes  coçeguas,  nom  auemdo  mais 
justa  causa  pêra  ello.  E  desta  guisa  se  tornaram  os  mouros  pouco  com- 
temtes  de  tall  rreposta. 


'O    Como  o  Iffamte  Dom  Hamrrique  ueo  depois  de  Jatieirnfallar  a  seu 
padre,  e  como  sse  tornou  pêra  o  Porto,  e  da  maneira  que  teue  em  sua 
armaçom.      Capitullo  xxxv. 

JA  me  parece  que  tenho  tempo  de  leixar  estas  cousas,  e  fallar  nas 
outras  que  ssom  mais  cheguadas  ao  auiamento  da  frota.  Empero 
amte  direy  huú  pouco  das  boas  uoomtades  que  todos  traziam  pêra 
*seruir  elRey  em  aquelle  feito,  porque  cada  huú  trazia  tamanha  lediçe  em  A,4i,r,2 
seu  corregimento,  como  sse  determinadamente  soubesse  que  sem  nehuú 
perijgo  auia  dauer  uitoria.  nem  lhes  fazia  nehuú  empacho  a  duuida 
que  tijnham  do  luguar  certo,  que  nora  sabiam  pêra  homde  auia  dhir.     E 

20  era  emtom  a  gemte  do  rregno  rrepartida  em  duas  partes,  porque  auia  hi 
huús  que  seruiram  elRey  em  todos  seus  trabalhos,  e  eram  cumunall- 
mente  pouco  mais  ou  menos  assy  como  de  huúa  hidade.  e  os  outros  eram 
os  filhos  daquestes,  os  quaaes  traziam  em  ssi  muy  gramdes  deseios  de 
cheguarem  aos  meriçimentos   de  seus  padres.     Ca   assy  como  os  filhos 

25  dos  gallgos  geerallmente  seguem  a  natureza  de  seus  padres,  assy  os  filhos 
dos  boõs  homeés  comuúmente  se  cheguam  aaquelle  offiçio,  em  que  seus 
padres  husarom  per  que  mereceram.  Nom  fallo  dalguús  que  per  sua 
desuairada  costellaçom  perdem  sua  boomdade.  ca  assy  ha  hi  outros  que 
per  sua  naçom  nom  som  obrigados  a  seguir  uirtude,   e  dalhe  Deos  graça 

3o    que  sse  cheguam  a  ella  e  a  seguem,  per  que  cobram  depois  homrra,  ca 
em  todallas  cousas  se  toma  a  mayor  parte  poUo  todo.     Mas  pêra  este 
corregimento  nom  seer  tam  perfeito  como  todos  tijnham  *em  uoomtade,    A,4i,v,i 
sobreueyo  huú  muy  gramde  empacho,  porx^ue  começaram  de  morrer  de 

2.  ssomente  A.  —  i8.  a  I,  aa  A  —  duueda  A. —  20.  gente  A.  —  22.  assi  A.  —  23.  gran- 
des A  — 24.  assi  A.  —  25.  assi  A.  —  26.  comuunmente  A.  —  28.  costollaçom  A — assi 
A.  —  29.  naçom]  nacença  I.  —  33.  grande  A. 


—  lio  — 

pestenemça  na  cidade  de  Lixboa  e  também  no  Porto,  e  esto  foi  se- 
gumdo  deziam  por  aazo  dos  nauios  que  uieram  de  mujtas  partes,  e  em 
alguús  delles  auia  pestenemça.  E  porque  esta  emfirmidade  segumdo  diz 
samto  Isidoro  no  Etimollogicum  he  comtagiosa,  fez  muy  gramde  dano 
no  auiamento  daquella  frota,  primçipallmente  na  morte  da  Rainha,  que  5 
sobre  todo  foi  mais  semtida.  Nom  podemos  failar  dereitamente,  que 
alguú  do  rregno  teuesse  mayor  cuidado  dauiar  o  que  lhe  perteeçia,  que 
o  Iffamte  Dom  Hamrrique.  ca  tamto  que  passou  o  mes  de  janeiro,  ueo 
failar  a  seu  padre,  comtamdolhe  o  pomto  em  que  leixaua  todallas  cousas, 
e  dizemdolhe  outrossi  que  lhe  pedia  por  merçee,  que  lhe  desse  seu  rregi-  lo 
mento  per  escprito,  da  maneira  que  auia  de  teer.  Meu  filho  disse  elRey, 
a  mim  nom  praz  que  uos  pollo  presemte  leuees  outra  ordenamça  nem 
rregimento,  senam  uossa  boa  discreçom  e  a  boa  uoomtade,  que  eu  em 
uos  seemto  pêra  me  seruir.  mas  leuarees  huúa  minha  carta,  per  que  uos 
obedeçam  todos  assy  como  a  capitam  geerall.  e  outra  semelhamte  darey    i5 

A,4i,v,2  a  uosso  jrmaão  o  Iftamte  Dom  Pedro.  *E  uos  partijuos  logo  pêra  a 
cidade  do  Porto,  e  trigayuos  quamto  a  uos  possiuell  for,  que  façaaes  uijr 
essa  frota  delia,  mas  seede  auisado  que  o  mais  que  poderdes,  escusees 
demtrar  na  cidade,  senam  quamdo  for  mujto  necessário.  E  assy  partio  o 
Iffamte  domde  seu  padre  estaua,  que  era  de  Sacauem,  homde  elle  sem-  20 
pre  esteue,  depois  que  a  pestenemça  foy  gramde  em  Lixboa,  ataa  que  a 
Rainha  adoeçeo.  E  o  Iffamte  teue  tall  modo  em  seus  feitos,  que  naque- 
lles  três  meses  seguimtes  auiou  todas  suas  gemtes  e  armas  e  mantijmen- 
tos  per  tall  guisa,  que  no  começo  do  mes  de  mayo  foy  demtro  na  cidade 
do  Porto,  homde  loguo  começou  dar  trigoso  auiamento  a  sua  frota,  e  zS 
fazer  emcaminhar  todallas  cousas,  que  pêra  ella  perteeçiam  tam  bem  e 
tam  hordenadamente,  que  nem  sua  noua  hidade  nem  falleçimento  de  pra- 
tica de  taaes  feitos  nom  o  poderam  empachar,  que  nom  rreçebesse  gramde 
louuor  de  seu  marauilhoso  trabalho,  ca  deziam  aquelles  uelhos  que  era 
mujto  pêra  marauilhar,  huú  homem  de  hidade  de  uijmte  annos  seer  tam  3o 
deestro  e  tam  desempachado  pêra  auiar  tamanho  feito.     E  sse  Tito  Liuio 

A,  42,r,  I  diz  o  autor,  louua  tamto  no  liuro  da  segumda  guerra,  a  *prudemçia  de 
Cepiam,  porque  estamdo  em  Cezillia  hordenou  tam  bem  sua  frota  pêra 
passar  em  Africa,  seemdo  elle  em  hidade  açerqua  de  trimta  e  çimquo 
annos,  e  auemdo  ja  cometidas  mujtas  pelleias  per  mar  e  per  terra,  como  35 
nom  louaremos  este  primçipe  seemdo  em  hidade  de  uijmte  annos,  sem 
auer  conhecimento  de  semelhamtes   feitos  per  certa  pratica,   soomente 

1-2.  segundo  A.  —  4  etimollogiarum  A.  —  6.  semtido  A.  —  7.  de  auiar  A.  —  9.  ponto 
A.  —  i5.  assi  A.  —  18.  delia]  de  la  I.  —  19.  assi  A.  —  28.  grande  A.  —  35.  muytas  A. 


—  Ill  — 

quamto  era  huúa  naturall  emclinaçam,  que  em  elle  auia  pêra  cometimento 
de  gramdes  feitos.  Nem  falíamos  aqui  darmaçam  do  Iffamte  Dom  Pedro, 
porque  posto  que  o  nome  fosse  seu,  o  cu\'dado  era  primçipailmente  del- 
Rey  seu  padre  e  do  Iffamte  Duarte.  E  com  todas  estas  cousas  nom 
5  esqueeçia  ao  Iliamte  Dom  Hamrrique  de  mamdar  fazer  muy  rricas 
liurees,  as  quaaes  hordenou  que  leuassera  todollos  capitaaes  que  eram 
hordenados  sob  sua  capitania.  E  em  trautamdo  estas  cousas  cheguauamsse 
uijmdo  pêra  a  cidade  todollos  senhores  e  fidallgos,  que  auiam  dhir  com  ellc. 
AUi  chegou  Ayres   Gomçalluez   de  Figueyredo  nobre  caualleiro,  seemdo 

IO    em  hidade  de  nouemta  annos,  corregido  com  seus  escudeiros  e  gemte  de 

pee,  e  elle  com  sua  cota  uistida,  cuja  comtenemça  parecia  pouco  *  dhomem    A,42,r,2 
de  sua  hidade.  e  quamdo  o  Iffamte  o  uio  cheguar  a  elle  pêra  lhe  beyiar 
a  maão,  começou  de  sse  rrijr  e  disse.    Ja  me  parece  que  homem  de  tam- 
tos  annos  deuera  de  filhar  rrepouso,  por  descamsso  de  tamtos  trabalhos. 

[5  Eu  nom  sei  disse  o  caualleiro,  se  os  membros  por  rrezam  da  hidade  em- 
fraqueçeram,  mas  a  uoomtade  nom  he  agora  menos  do  que  foi  em  todo- 
llos outros  trabalhos,  que  eu  leuey  com  uosso  padre.  Por  certo  disse  elle, 
eu  nom  poderá  auer  mais  homrradas  eixequias  pêra  minha  sepultura,  que 
amte  de  meus  dias  seer  em  aqueste  feito.     Per  esta  guisa  fezeram  dous 

20  escudeiros  Bayoneses,  que  por  mujtos  seruiços  que  fezeram  a  elRey  na 
guerra,  lhes  dera  alli  muy  boas  teemças  em  que  uiuessem,  porque  eram  ja 
homeés  de  hidade  pouco  menos  que  Ayres  Gomçalluez.  os  quaaes  se 
forom  ao  Iffamte  rrequerer  que  lhes  mamdasse  dar  seu  prouijmento  pêra 
sua  jda.     Assaz  he  disse   o  Iffamte,   o  que  uos  teemdes  trabalhado,   eu 

25    uos  tenho  mujto  em  seruiço  uossa  boa  uoomtade.  pareçeme  que  he  bem 
que  fiquees,  ca  ja  a  uossa  hidade  nom  he  pêra  mais  trabalhos.     Os  escu- 
deiros per  nehuúa  guisa  quiserom  ficar,  amte  mostraram  suas  *comte-    A,42,v,  i 
nemças  queixosas,  quamdo  lhe  foi  fallado  que  ouuessem  de  ficar.     Pois 
que  será  disse  o  Iffamte,  porque  as  armas  que  tijnha  som  ja  todas  rre- 

3o  partidas,  e  nom  teeria  assy  prestes  com  que  uos  armasse.  Nom  he  boom 
homem  disserom  elles,  aquelle  que  per  nehuúa  necessidade  uemde  suas 
armas,  e  nos  posto  que  per  alguúas  uezes  nos  fezessem  mimgua  nossos 
sólidos  per  falleçimento  da  pagua,  e  a  teemça  depois  que  nos  foi  asse- 
emtada,  as  nossas  sempre  esteueram  comnosco.     Porem  o  mantijmento 

35  nos  daae  segumdo  uossa  hordenamça,  e  das  armas  nom  tenhaaes  cuidado. 
Muito  ledo  foi  o  Iffamte  de  suas  booas  uoomtades.  e  aalem  do  seu  hor- 
denado  lhe  mamdou  fazer  merçee,  conheçemdo  que  era  mujto  pêra  agra- 

2.  Iffante  A.  —  5.  mandar  A.  —  9.  seendo  A.  —  19.  dias]  add.  acabados  I.  —  22.  ay- 
ras  A.  —  23.  foram  A  —  mandasse  A.  —  27.  amtes  A.  —  3o.  assi  A.  —  33.  per]  pêra  A. 


112  

çer  a  homeés  de  tall  hidade  semelhamte  deseio.  Nom  sey  diz  o  autor, 
se  falle  aqui  como  gemtio.  mas  por  certo  eu  pemsso  que  os  ossos  dos 
finados  deseiauam  seer  uestidos  em  carne,  liomde  jaziam  gastados  em  suas 
sepulituras,  pêra  seerem  companheiros  de  seus  filhos  e  paremtes  no  ajum- 
tamento  daquelle  feito.  E  dereitamente  poderemos  dizer  que  sse  os  uiuos  5 
tijnham  lediçe,  que  as  almas  daquelles  que  per  rresplamdor  diuinall  sabiam 

A,42,v, !  a  uerdade  desto*  se  allegrauam  mujto  mais.  Pêra  cuja  prouaçam  he  bem 
que  saibaaes  o  que  acomteçeo  a  huú  frade  da  hordem  de  sam  Domim- 
gos,  que  estaua  em  aquella  cidade  do  Porto,  o  quall  no  segumdo  dia 
das  ladainhas,  seemdolhe  mamdado  que  ouuesse  de  preegar  na  proçissom  lo 
do  outro  dia,  se  alleuamtou  depois  do  primeiro  gallo,  e  estamdo  amte  o 
altar  da  uirgem  Maria  fazemdo  sua  oraçam,  amte  que  emtrasse  a  seu 
estudo,  lhe  pareceram  marauilhosas  uisoões,  amtre  as  quaaes  lhe  pareçeo 
que  uija  amte  a  uirgem  Maria  elRey  Dom  Joham,  estamdo  armado  com 
os  jeolhos  em  terra  e  as  maãos  aleuamtadas  comtra  o  çeeo,  homde  lhe  i5 
apresemtauam  huija  espada,  cujo  rresplamdor  parecia  aaquelle  boom  ho- 
mem que  nom  tijnha  comparaçam.  mas  o  portador  daquella  espada  nom 
conheçeo  elle,  como  quer  que  a  sua  uista  quamto  ao  seu  conhecimento  lhe 
parecia  cousa  diuinall.  E  porque  este  boom  homem  era  simprez,  nom 
quis  comtar  esta  uisom,  senam  a  huú  outro  frade  seu  amiguo  que  era  sam-  20 
christaão  daquelle  moesteiro.  Oo  como  as  almas  daquelles  boõs  homeés 
que  morriam  em  aquella  pestenemça,  partiam  suydosas  dos  corpos,  nom 

A,43,r,  I    tamto  por  aquella  naturall  suydade  com  que  sse  as  almas*  partem  das 
carnes,  como  por  nom  ueerem  a  fim   daquelle  feito.     Aa  diziam  elles, 
morte  sem  rremedio,  fim  de  todallas  cousas  terribees,  sobre  cujo  empereo  e.   25 
senhorio  nom   ha  poder  nehuúa  cousa  criada  de  ssoo  no  uello  daalua,  e 
amte  cujo  braado  tremem  todallas  cousas  que  sse  neste  mundo  mouem. 
E  porque  trigauas   tamto  teus  dollorosos  passos  pêra  nos  leuar  daquesta 
uida.   porque  nos  nom  leixauas  alguú  pequeno  espaço  pêra  ueermos   a 
fim  desto,   homde  teueras  rrezoado  tempo  pêra  te  emtreguar  de   nossa    3o 
diuida,  se  as  nossas  almas  te  faziam  mimgua  pêra  pouorares  as  casas  do 
outro  mundo.    Bem  auemturados  seram  aquelles  que  rreçeberem  os  der- 
radeiros goUpes  amte  os  olhos  de  seus  senhores,  aos  quaaes  seus  parem- 
tes e  amigos  comtaram   as  chaguas,  porque  depois  os  filhos   rreçebam 
homrra  pollo  meriçimento  de   seus   padres,    e  o    seu   nome   depois  da    35 
uitoria   nom   poderá  escorregar  damte  o  conhecimento  dos  que  depois 

6.  rresplandor  A.  —  10.  mandado  A.  —  16.  boo  A.  —  21.  xpaão  A.  —  22.  suydosos  A. 
—  24.  nam  A.  —  26.  de  sso  no  uello  daalua]  de  soo  nouello  da  alua  D,  de  sob  novela 
dalma  C,  de  sob  nouello  da  lua  I,  de  soo  ho  uello  da  lua  (?). — 27.  mumdo.— 3i.  diueda  A. 


—  ii3  — 

uierem.  Mas  nos  nom  ajmda  dos  que  ham  de  uijr,  mas  de  todollos  pre- 
semtes,  nossas  mortes  ssom  esquecidas,  ca  o  trabalho  do  presemte 
negocio  nom  lhes  daa  uaguar  que  sse  possam  apartar  pêra*  chorar  nosso  A,43, r,2 
falieçimento.  Era  alli  o  trafego  tamanho  em  aquella  rribeira,  que  de  dia 
5  nem  de  noute  numca  estaúa  soo.  nem  os  marinheiros  nom  eram  pouco 
camssados  em  arrimar  tamanha  multidom  de  frasca.  E  com  esto  as  estra- 
das e  caminhos  eram  cheos  de  carros  e  de  bestas,  que  uijnham  carregados 
com  mamtijmentos  e  armas  das  terras  daquelles  fidallgos,  e  doutras  cousas 
que  lhe  compriam  pêra  sua  hida.  E  aquelles  que  tam  asinha  nom  podiam 
10  despacharsse  da  terra,  trigauaos  o  Iffamte  per  suas  cartas,  de  guisa  que 
nom  aballasse  sua  frota,  e  elles  ficassem  comtra  suas  uoomtades. 


Como  elRef  escpreueo  ao  Iffamte  Dom  Hamrrique  que  partisse  com 

sua  frota,  e  como  o  Iffamte  partio,  e  a  hordenamça  que  leuaua. 

Capitullo  xxxvj. 

i5  ^^— ^ADÂ  dia  elRey  auia  nouas  do  corregimento  da  frota  que  estaua  na 
I  cidade   do  Porto,  assy  por  as  cartas  que  lhe  o  Iffamte  escpreuia, 

^— ^  como  per  outros  mujtos  que  cada  huú  dia  hiam  de  huQa  cidade 
pêra  a  outra,  ca  segumdo  o  tempo  nom  podiam  os  caminhos  estar  muy 
liures,   por  quamto  aquelles   fidallgos  esperauam  dhir  aa  cidade  de   Lix- 

20    boa,   e  mamdauam  *  porem  seus  honveés  e  cousas  diamte  cada  huú  se-    A,43,v,  i 
gumdo  lhe  compria.     E  escpreueo  elRey  ao  Iffamte,  que  tamto  que  aque- 
lles primçipaaes  fossem  prestes,  que  partisse  loguo  mais  trigosamente  que 
podesse.  porque  tamto  que  elle  uiesse  com  sua  frota,  emtemdia  loguo 
a  auiar  a  outra  de  Lixboa,  de  guisa  que  ao  tempo  que  tijnha  hordenado 

25  partissem.  E  como  o  Iffamte  foy  prestes  pêra  partir,  mamdou  aparelhar 
huúa  fusta,  na  quall  mamdou  huú  seu  escudeiro,  que  charaauam  Affomso 
Eannes,  que  depois  foi  comtador  daquella  cidade,  o  quall  leuaua  rrecado 
a  elRey,  como  o  Iffamte  seu  filho  partia  ja  da  cidade  do  Porto  com  sua 
frota.     E  logo  o  Iffamte  mamdou  a  todos  que  sse  rrecolhessem  pêra  seguir 

3o  sua  uiagem.  e  era  fremosa  cousa  de  ueer  o  corregimento  daquella  frota, 
porque  todallas  naaos  e  gallees  e  outros  nauios  eram  nobremente  apem- 
doadas  com  balssoões  e  pemdoões  pequenos  das  coores  motos  e  deuisa 
do  Iffamte.  e  porque  eram  todos  nouos  e  bem  acompanhados  douro, 
dauam  mujto  gramde  uista.   e   as  gallees  eram  toUdadas  de  finos  panos 

3.  daaj  da  A.  —  i6.  assi  A.  —  19.  de  hir  A.  —  20.  mandauam  A.  —  26.  mandou.  —  2Ó- 
27.  affomseannes  A.  —  27.  contador  A. 


—  1(4  — 

A,43,v,2  daquelles  motos  e  deuisa  que  ja  disse.  *  e  os  capitaães  das  gallees  eram 
estes  que  sse  seguem  .s.  o  senhor  Ifíamte,  e  o  comde  seu  jrmaao,  e 
Dom  Fernamdo  de  Bragamça  filho  do  Ifíamte  Dom  Joham,  e  Gomçallo 
Vaasquez  Coutinho  marichall,  e  Joham  Gomez  da  Sillua  alferes  delRey,  e 
Vaasco  Fernamdez  dAtayde  gouernador  da  casa  do  Iffamte,  e  Gomez  5 
Martimz  de  Lemos  ayo  que  fora  do  comde  de  Barçellos.  e  assy  eram 
sete  gallees  e  sete  capitaães.  E  assy  estes  como  todollos  outros  que  hiam 
nas  naaos,  de  quallquer  comdiçom  que  fossem,  que  capitania  dalguúa 
gemte  teuessem,  leuauam  a  liuree  do  senhor  Iffamte,  a  quall  era  de  panos 
de  sirgo,  e  outra  de  finos  panos  de  laã,  rrepartida  polio  comtrairo.  por-  lo 
que  as  mayores  pessoas  ouueram  as  liurees  de  pano  de  laã,  e  as  outras 
de  menos  estado  uestiam  os  panos  de  sirgo.  E  porque  falíamos  nos  capi- 
taães das  gallees  he  bem  que  saybaaes  dalguús  primçipaaes  que  hiam  da 
outra  frota  .s.  Dom  Pedro  de  Castro  filho  de  Dom  Aluaro  Pirez  de  Cas- 
tro, e  Gill  Vaaz  da  Cunha,  e  Pêro  Louremço  de  Tauora,  e  Diego  Gomez    i5 

A,44,  r,  I  da  Silua,  e  Joham  Roiz  de  Saa,  e  Joham  Aluarez  Pereyra,  e  Gomçallo 
Eannes  de  Sousa,  e  Martim  Aftomso  de  Sousa,  e  *Martim  Lopez  dAzeuedo, 
e  Luís  Alvarez  Cabrall,  e  Fernam  dAluarez  seu  filho,  e  Esteuam  Soarez 
de  Melloo,  e  Mem  Roiz  de  Refoyos,  e  Garcia  Moniz,  e  Ayres  Gomçall- 
uez  de  Figueyredo,  e  Pa}^  Roiz  dAraujo,  e  Vaasco  Martimz  da  Albergaria,  20 
e  Aluaro  da  Cunha,  e  Fernam  Lopez  dAzeuedo,  e  Aluaro  Fernamdez  Maz- 
carenhas.  Todos  estes  leuauam  a  liuree  do  Iffamte,  e  assy  outros  alguús 
fidallguos  e  escudeiros,  cujos  nomes  nom  podemos  perfeitamente  saber.  E 
quamdo  foi  o  dia  daquella  partida,  era  amtre  todos  aquelles  da  frota  muy 
gramde  allegria,  ca  todollos  nauios  eram  acompanhados  de  trombetas  e  25 
outros  estormentos,  cujo  ssoom  espertaua  seus  coraçoÕes  pêra  seerem  alle- 
gres.  E  aimda  auiam  outro  aazo  pêra  seerem  muyto  mais  ledos,  ca  em 
aquelle  dia  forom  todos  uestidos  de  nouo,  a  quall  cousa  per  sua  nouidade 
sempre  traz  alguii  acreçemtamento  de  follgamça  em  no  coraçom  de  quall- 
quer, e  mujto  mais  no  dos  homeés  mamçebos,  cuja  clara  esperiemçia  nom  3o 
ha  mester  outra  proua.    E  aalem  daquella  liuree  que  assy  o  Iftamte  deu 

A,44,r,2  aaquelles  senhores  e  fidallgos,  e  assy  geerallmente  a  todollos  seus,  cadahuú 
delles  daua  aos  seus  *  apartadamente  sua  liuree  como  lhe  prazia.  Mas 
porque  seria  gramde  prolixidade  escpreuermos  a  deuisa  de  cada  huij,  abasta 
soomente  que  a  do  Iffamte  eram  huúas  capellas  de  carrasco  bem  acompa-  35 
nhadas  de  chaparia,  e  por  meyo  huús  motos  que  deziam  uoomtade  de  bem 
fazer,  e  as  suas  coores  eram  bramco  e  preto  e  uijs.    Todollos  boõs  homeés 

6.  Martimz]  miz  A.  —  7.  assi  A.  —  16-17.  gomçalleannes  A.  —  19.  ayras  A.  —  22.  assi 
A.  —  28.  foram  A.  —  3o.  mancebos  A.  —  3i  assi  A. 


—  ii5  — 

da  cidade  que  alli  ficauam,  se  espediram  em  aquelle  dia  do  Iffamte  oftere- 
çemdolhe  seu  seruiço.  porque  aalem  de  em  elle  auer  huúa  graça  simgullar 
pêra  todos  aquelles  que  com  elle  trautauam,  por  quamto  elle  era  naturall 
daquella  cidade,  tijnha  espiçiall  cuydado  dos  moradores  delia  pêra  rrequi- 
5  rimento  de  seus  feitos,  por  cuja  rrezam  era  muy  amado  delles  todos,  e 
o  tijnham  casi  por  seu  çidadaão.  Tamto  que  as  nouas  cheguaram  a  Lix- 
boa  da  uijmda  do  Iffamte  Dom  Hamrrique,  loguo  elRey  mamdou  ao 
Iff'amte  Dom  Pedro  que  fosse  rreçeber  seu  jrmaão.  pêra  cuja  hida  logo 
forom  prestes  as  outras  oito  gallees  que  alli  estauam,  e  assy  todollos  ba- 
io tees  e  nauios  pequenos  que  auia  na  frota,  nas  quaaes  hia  primeyramente 
o  Iffamte  Dom  Pedro,  e  na  segumda  o  meestre  de  Christus,  e  na  terceira 
Dom  Affomsso,  e  na  quarta  *  o  prioll  do  Espitall,  e  na  quimta  o  almiramte,  A,44,v,  i 
e  na  sexta  seu  filho  miçe  Carlos,  e  na  septima  o  capitam,  e  na  oitaua 
Joham  Vaaz  dAlmadaa.  e  o  comdestabre  com  todollos  outros  senhores, 
i5  que  eram  hordenados  pêra  hir  com  o  Iff^amte  Dom  Pedro,  forom  nos  ba- 
tees  de  suas  naaos  e  assy  em  alguús  nauios  pequenos.  E  sse  a  frota  que 
uijnha  do  Porto  era  bem  apemdoada  e  tolldada,  esta  outra  que  partia  de 
Lixboa  nom  era  menos,  empero  todo  era  dos  motos  e  deuisa  delRey. 
e  assy  começaram  de  fazer  sua  uiagem  caminho  da  foz  comtra  homde  os 
20  outros  uijnham.  E  o  Iffamte  Dom  Hamrrique  trazia  tall  hordenamça  em 
sua  frota,  que  parecessem  primeiramente  per  a  foz  os  nauios  pequenos, 
e  depois  as  naaos  gramdes,  e  após  ellas  as  gallees,  das  quaaes  a  mais 
derradeira  era  a  do  Iffamte.  e  desy  todollos  nauios  começaram  damdar 
brollauemteamdo  ao  traues  daquelle  mar  fazemdo  sempre  deuisa  sobre  a 
25  gallee  do  Iffamte.  E  pollo  espalhamento  que  assy  faziam,  era  aquella 
frota  de  todos  estimada  em  mujto  mayor  numero,  e  assy  amdaram  huú 
pedaço  ataa  que  sse  jumtou  huúa  frota  com  a  outra,  homde  aquelles 
jrmaáos  ouueram  amtre  ssi  muy  gramde  prazer,  como  aquelles  cuja  ami- 
zade *  amtre  os  uiuos  nom  foi  outra  semelhamte.  Ca  certamente  taaes  A,44,v,  2 
3o  çimquo  filhos  assy  obediemtes  a  seu  padre  e  amigos  amtre  ssi,  numca  sse 
achou  em  espcrituras  que  os  alguú  primçipe  teuesse.  E  assy  forom  aque- 
lles senhores  jumtamente  acompanhados  de  sua  frota  ataa  que  cheguaram 
aaquelle  lugar,  homde  ho  Iffamte  Dom  Hamrrique  depois  mamdou  fazer 
huúa  egreia,  a  quall  sse  agora  chama  samta  Maria  de  Belleem. 


I.  da  cidade]  na  margem  A.  —  9.  foram  A  —  assi  A.  —  11.  xps  A.  —  i3.  karlos  A. 

—  i5.  foram  A.  —  16.  assi  A.  —  19.  assi  A  —  25.  assi  A. —  26.  assi  A. —  28.  grande  A. 

—  3o.  assi  A.  —  3i.  foram  A. 


—  ii6  — 

Como  Affomso  Eatvies  chegou  aos  Iffamtes  com  as  nonas  da  doemça 

da  Rainha,  e  como  por  aquelle  aaio  aquelle  gramde  prazer  em  que 

estauam,  foi  tornado  em  tristeza .     Capitullo  xxxvij. 


H 


o  quamto  minha  uoomtade  deseiaua  cheguar  aa  fim  daquesta  uito- 
ria  sem  alguú  amtrepoimento  de  tristeza,  mas  a  çegua  fortuna  5 
com  seus  tristes  aqueeçimentos  nom  quis  que  a  nossa  gloria  fosse 
liure  dalguú  triste  acomteçimento.  nem  ha  cousa  amtre  os  uiuos  mais 
certa  que  o  mouimento  das  cousas  terreaaes.  E  por  tamto  se  determina 
em  phiiosofia  que  a  dereita  deriuaçom  do  tempo  he  seer  duramento  do 
mundo  em  perseueramça  mudauell.  o  quall  he  departido  em  quatro  lo 
partes,  segumdo  o  desuairo  quaternário  do  çircoUo  do  çeeo  que  he  cha- 

A,45,r,  I  mado  zodiaco,  o  quall  em  cada  huúa  quarta  tem  *  três  sinaaes  chamados 
per  nomes  desuayrados  danimaaes,  os  quaaes  se  rregem  amtre  os  homeés 
per  quatro  ternários  de  meses,  em  que  som  desuayradas  emfruemçias,  que 
geeram  em  os  homeés  nouos  falleçimentos.  E  porem  huii  philosofo,  cujo  i5 
comsselho  rrequeria  huii  homem  pêra  comssollaçom  da  tristeza  que  tijnha 
per  morte  de  seu  padre,  lhe  disse.  Amigo,  nembrete  depois  que  naçeste 
quamtas  uodas  e  allegres  desemfadamentos  ouueste.  e  soporta  em  pa- 
çiemçia  este  triste  aqueeçimento  que  te  ueyo.  ca  o  mouimento  do  mun- 
do por  tall  comdiçom  foy  assy  hordenado,  que  nom  leixasse  nehuúa  cousa  20 
em  perdurauell  assesseguo.  Ora  pois  que  assy  he,  uaamos  per  nossa  esto- 
ria  em  diamte  sem  rreçeo.  homde  auees  de  saber,  que  tamto  que  os 
Iffamtes  cheguarom  com  sua  frota  aaquelle  porto  de  Restello  segumdo  ja 
dissemos,  mamdaram  alli  lamçar  as  amcoras  de  seus  nauios.  e  a  outra 
frota  fazia  amdamdo  suas  uoltas  ao  traues  daquelle  mar,  tamgemdo  suas  25 
trombetas  e  estormentos  que  traziam,  como  homeés  que  queriam  mostrar 
aos  outros  que  estauam  em  na  terra,   a  gramde  lediçe  que  traziam  seus 

A,45,r,2  coraçoôes.  Nem  o  Iftamte  Dom  Hamrrique  nom  estaua  *  pouco  ledo  assy 
polia  uista  de  seus  jrmaãos  e  de  toda  a  outra  gemte  da  corte,  que  o  alli 
uiera  rreçeber,  como  por  trazer  assy  sua  frota  bem  aderemçada  de  todo  o  3o 
que  lhe  compria.  mas  porque  a  sua  gloria  nom  fosse  de  todo  acabada, 
chegou  alli  Affomsso  Eannes,  aquelle  seu  escudeiro  que  trouxera  o  rrecado 
a  elRey  de  sua  uijmda,  e  lhe  disse  como  a  Rainha  sua  senhora  e  madre 
estaua  doemte.     Empero  disse  elle,  que  nom  ficaua  a  dita  senhora  tam 

1.  affomseannes  A.  —  2.  rrainha  A.  —  5.  a  I,  om  A.  —  7.  ha  I,  he  A. —  10.  mumdo 
A. —  i5.  phillosofo  A. —  19-20.  mumdo  A.  —  20.  assi  A.  —  21.  assi  A. —  28.  assi  A. — 
3o.  assi  A.  —  32.  affomsseannes  A.  —  33.  a  elRey  I,  delRey  A. 


—  117  — 

aficada  de  sua  door.  per  que  elle  deuesse  tomar  nehuúa  tristeza,  amte 
lhe  fora  dito  que  a  primçipall  causa  daquella  emfirmidade  era  por  aazo 
da  gramde  abstinemçia  que  fazia  em  seus  jeiuús  e  oraçoóes.  ca  posto 
que  ella  em  toda  sua  uida  tosse  huúa  das  primçesas  do  mundo  de  mais 
5  simguilar  deuaçom,  ajmda  que  nos  outros  tempos  quisesse  jeiuúar,  eralhe 
defteso  per  seus  abades  com  acordo  dos  físicos,  ca  por  aazo  da  fraqua 
compreissom  que  tijnha,  determinauam  os  ditos  físicos  que  a  dita  absti- 
nemçia seria  muy  perijgosa  pêra  sua  uida,  e  porem  cessaua  de  a  fazer. 
Ca  determinado  he  per  samto  Agostinho,  que  cada  huii  tenha  tall  tempe- 

10    ramça  em  seu  jeiuií  ou  oraçom,  per  que  lhe  fíque  liure  poder  pêra  husar 

das  outras  uirtudes.   ca  doutra  guisa   seria   omeçido*  de  ssi    meesmo.    A,45,v, i 
Mas  depois  que   a  Rainha  foi  certa  da  hida  de  seus  filhos,   ca  ajmda  ata 
aquelle  tempo  nom  sabia  da  delRey  nem  do  Itfamte  Duarte,  ca  posto  que 
lhe  damte  fosse  fallado  como  ja  ouuistes,  elRey  nom  quis  que  o  ella  sou- 

i5  besse  ata  açerqua  da  sua  partida,  por  lhe  arredar  o  coraçom  de  cuidado 
que  semtia  que  ella  filharia.  AUi  nom  curou  ella  de  físicos  nem  de  com- 
fessores,  mas  jeiúaua  mujto  a  meude,  e  fazia  gramde  oraçom  aalem  do 
que  tijnha  custumado.  ca  tamto  que  era  manhaã  loguo  sse  hia  aa  egreia, 
homde  estaua  ataa  o  meo  dia.  e  tamto  que  comia  e  filhaua  huú  pequeno 

20  rrepouso,  loguo  tornaua  a  sua  oraçom.  Mamdaua  uisitar  as  casas  dos 
samtos,  e  dar  gramdes  esmollas  aos  pobres,  e  fazer  outros  beés  por  acre- 
çemtar  seu  meriçimento.  E  de  como  lhe  elRey  comtou  determinada- 
mente sua  temçom,  e  desy  o  seguimento  de  sua  door,  ataa  que  a  Deos 
leuou  deste  mundo,  ouuirees  agora  em  os  seguimtes  capitullos. 


25    Como  elRey  disse  aa  Rainha  determinadamente  sua  emtemçom,  e  da 
rreposta  que  lhe  a  Rainha  deu,  e  como  por  aa^o  dalguús  que  alli 
adoeceram  de  pestenemça  elRey  partio  pêra  o  moesteiro  dOdiuellas, 
e  *  como  a  Rainha  ficou  pêra  acabar  suas  deuaçoóes,  e  como  em    A,45v.2 
aquelle  dia  adoeçeo.      Capitullo  xxxviij. 

3o    "|~^ORQUE  toda  a  primçipall  fim  dos  autores  estoriaaes  esta  no  rrecomta- 

I — ^    mento   das  uirtuosas  pessoas,  porque   a   sua  clara  memoria  per 

-^         nehuú   perlomgamento  de  hidade  possa  seer  afastada  damte  os 

presemtes,  a  quall  cousa  por  certo  traz  c-omssigo  duas  muy  proueitosas 

fijns.     A  primeira  em  quamto  amoesta  aaquelles  que  ueem  e  oueem  o 

4.  mumdo  A. —  12.  despois  A.  —  i3.  Iffante  A. —  23.  desi  A. — 24.  mumdo  A  — 
capitólios  A.  — 32.  afastado  A. 


—  ii8  — 

memoriall  das  suas  iiirtuosas  obras,  o  quall  certamente  he  aquelle  espe- 
lho, que  Sócrates  gramde  philosofo  mamdaua  que  os  homeés  mamçebos 
esguardassem  a  meude,  por  tall  que  os  boõs  feitos  de  seus  amteçessores 
fossem  a  elles  proueitoso  emsino.  ca  assy  como  no  beesteiro  nom  pode 
seer  conhecida  auamtagem,  se  amte  que  faça  seu  tiro  nom  teem  certo  5 
sinall.  assy  nehuú  boom  homem  nom  poderia  obrar  perfeitamente  ho  auto 
dalguúa  uirtude,  se  nom  trouuesse  amte  os  olhos  a  jmagem  dalguíã  tam 
uirtuoso,  cuja  proueitosa  emueja  lhe  mostrasse  o  uerdadeiro  caminho  pêra 
cheguar  aa  fim  de  seu  deseio.     A  segumda  fim  he  porque  sse  os  homeês 

A,46, r,  1  semtissem  que  pollo  falleçimento  de  sua  *uida,  se  acabaria  toda  sua  rre-  lo 
nembramça,  certamente  nom  sse  poeriam  a  tam  gramdes  trabalhos  e 
perijgos,  como  ueemos  que  sse  manifestamente  poõe.  a  quall  cousa  foy 
o  pnmçipall  aazo  per  que  os  primeiros  autores  se  esforçaram  a  compoer 
estorias.  Ca  naturallmente  toda  criatura  rresoauell  deseia  duraçam,  por 
cuja  rrezam  os  primeiros  philosofos,  semtimdo  este  naturall  deseio,  pem-  i5 
ssamdo  que  a  morte  nom  uijnha  aos  homeés  per  ley  determinada,  soo- 
mente  por  corrompimenio  dos  humores,  sse  trabalharam  mujto  de  bus- 
car certo  artefiçio,  per  que  os  manteuessem  em  duraçam,  hordenamdo 
proueitosas  uiamdas  segumdo  a  callidade  das  compreissoões.  e  assy  bus- 
caram leitoayros  e  meezinhas,  per  que  arredassem  as  emfirmidades  do  20 
corpo,  mas  depois  que  conheceram  que  em  aquello  nom  auia  nehuú  pro- 
ueito,  disseram  que  por  quamto  o  homem  era  feito  de  mujtos  comtrairos, 
que  per  necessidade  auia  de  falleçer.  E  Aristotilles,  que  desto  tomou 
muy  espiçiall  cuidado,  disse  naquelle  liuro  que  sse  chama  segredo  dos 
segredos,  que  emuiou  a  Alexamdre  açerqua  da  fira  de  seus  dias,  que  çer-    25 

A,46,r,2  tamente  elle  se  marauilhaua  do  homem  que  comia  pam*  de  trijgo  e  carne 
de  dous  demtes,  poder  naturallmente  falleçer.  E  depois  que  os  homeés 
determinadamente  conheceram  que  per  ssy  meesmos  nom  podiam  durar, 
buscaram  certas  maneiras  de  semelhamça,  per  que  elles  fossem  aos  pre- 
semtes  em  certo  conhecimento.  Huús  tezeram  tam  gramdes  sepulturas  jo 
e  assy  marauilhosamente  obradas,  cuja  uista  fosse  aazo  de  os  presemtes 
pregumtarem  por  seu  possuydor.  Outros  fezeram  ajumtamento  de  seus 
beés  auemdo  autoridade  deirrey,  per  que  o  fezessem  moorgado  pêra  ficar 
ao  filho  mayor,  de  guisa  que  todollos  que  daquella  linhagem  deçemdessem, 
ouuessem  rrezam  de  sse  lembrarem  sempre  daquelle  que  o  primeiramente  33 
fezera.  Outros  sse  trabalharam  de  fazer  tam  exçellemtes  feitos  darmas, 
cuja  gramdeza  fosse  aazo  de  sua  memoria  seer  eixemplo  aos  que  depois 


2.  mancebos  A.  —  4.  fosse  A  —  assi  A.  —  6.  assi  A. —  19.  assi  A.  —  3i.  assi  A. 


—  119  — 

uiessem,  por  cuja  rrezom  homrrauam  mujto  todollos  autores  das  taaes 
cousas,  como  diz  Vallerio  que  fazia  Cepiam  a  Lucano,  e  assy  outros 
mujtos  aos  seus  autores.  E  porem  dezia  Alexamdre  ho  gram  rrey  de 
Macedónia,  que  elle  seria  bem  comtemte  de  trocar  a  prosperidade  que  lhe 
i  os  deoses  tijnham  aparelhada,  e  afastar  sua  maão  de  toda*  parte  que  lhe  A,46,v, i 
no  çeeo  podiam  dar,  por  auer  huií  tam  alto  e  tam  sumrao  autor  pêra  seus 
feitos,  como  ouuera  Achilles  em  Omero  poeta.  E  huií  rromaão  seemdo 
pregumtado  em  huú  comuite,  qual!  era  a  cousa  que  mais  deseiaua,  disse 
que  saber  certamente   que  depois  de  sua  morte   seus  feitos  seriam  assy 

!o  compridamente  escpritos  como  os  elle  fezera.  Creo  que  o  dezia,  porque 
fora  três  uezes  leuado  no  carro  do  triumpho,  e  ouuera  homze  coroas, 
daquellas  que  sse  dauam  aaquelles  que  primeiramente  emtrauam  em 
alguúas  cidades  ou  villas,  ou  gramdes  nauios  quamdo  era  em  pelleia  de 
mar.     E   nom   soomente    filharam   os   amtijgos  cuidado   descpreuer  os 

i5  feitos  dos  uirtuosos  homeés,  mas  ajmda  das  uirtuosas  molheres,  assy  como 
sse  acha  nas  estorias  da  Briuia  da  rrainha  Ester  e  de  Judie,  e  assy  nas 
obras  de  Tito  Liuio  de  Lucrécia  de  Virgínea  e  doutras  semelhamtes.  E 
sse  estes  autores  assy  quiseram  rrenembrar  os  feitos  uirtuosos,  daquesta 
pequena  culpa  mereceremos  nos  ao  diamtc   escpreuemdo  ho  acomteçi- 

20    mento  e  uirtuosa  fim  desta  Rainha,  cujas  gramdes  uirtudes  ssom  dignas 
de  gramde  memoria.     Ja  dissemos   a  maneira  como  lhe  seus  filhos  falla- 
ram,  e  como  lhe  elRey  fallara  em  Simtra,  e  *  como  sua  hida  e  do  Iffamte    A,46,v,2 
Duarte  nom  ficara  posta  em  determinaçam.     Ora  sabee   que  depois  que 
elRey  de  todo  teue  seus  feitos  auiados  pêra  partir,  queremdolhe  deter- 

25  minadamente  declarar  sua  uoomtade,  estamdo  huú  dia  follgamdo  na 
camará  da  dita  senhora,  seemdo  hl  açerqua  de  seu  estrado  Briatiz  Gom- 
çalluez  de  Moura  e  sua  filha  Meçia  Vaasquez,  começou  eIRey  de  hor- 
denar  suas  departiçoÕes  per  tall  guisa,  que  chegou  aa  comclusom  de  sua 
uoomtade.      Senhora    disse   elle,    como   quer   que    ao   tempo,   que    me 

3o  fallastes  açerqua  da  hida  de  nossos  filhos,  eu  por  estomçe  nom  determi- 
nasse soomente  a  hida  do  Iffamte  Dom  Pedro  e  do  Iffamte  Dom  Hamrri- 
que,  e  pêra  elles  primçipallmente  hordeney  todo  este  feito,  comsijramdo 
como  faria  gramde  agrauo  a  nosso  filho  o  Iffamte  Duarte,  seemdo 
elle   de    tall  hidade   e    tam  deseioso  de  prouar  sua  força,   nom  horde- 

35  nar  como  elle  fosse  em  tall  feito,  e  desy  a  mim  nom  seria  bem  cabido 
de    os    mamdar   assy   sem    minha    presemça,   pois  per  graça    de    Deos 

I.  homrrariam  A,  honrauão  I.  —  1-2.  taaes  cousas]  B  I,  lac.  A.  —  2.  a  Lucano]  prec. 
lac.  —  7.  archilles  A.  —  9.  assi  A. —  i5.  assi  A. —  16.  assi  A. —  18.  assi  A.  —  23.  despois 
A.  —  35.  desi  A. 


som  em  tempo  de  lhe  poder  mostrar  a  emsinamça,  que  apremdi  de  semc- 
Ihamtes  feitos  por  comtinuaçom  de  raujtos  dias,  e  sofrimento  de  gram- 

A,47.r,  1  des  trabalhos  e  mujtos  perijgos.  e  pêro  que  uos  alguúas  uezes  tocasse 
açerqua  da  uoomtade  que  tijnha  dhir  neste  *  feito,  agora  uolla  declaro, 
que  a  Deos  prazemdo,  eu  emtemdo  dhir  e  leuar  comiguo  assy  o  Iffamte  5 
como  seus  jrmaãos.  E  como  quer  que  a  Rainha  dos  outros  dias  pas- 
sados semtisse  a  uoomtade  que  elRey  trazia  dhir  naquelle  feito,  ouuym- 
doo  assy  determinadamente,  nom  pode  soster  sua  comtenemça,  que  nom 
mostrasse  em  ella,  que  auia  gramde  semtimento.  ca  posto  que  assy 
fosse  uirtuosa  como  ja  ouuistes,  a  natureza  das  molheres  em  semelhamtcs  lo 
casos  nom  pode  seer  tam  esforçada,  que  nom  faça  mouer  o  coraçom  a 
alguúa  tristeza,  mas  Briatiz  Gomçalluez  e  sua  filha,  ouuimdo  aquellas 
pallauras,  soltarem  de  todo  seus  olhos  em  lagrimas.  E  a  Rainha  tor- 
namdo  a  sua  rrezom,  disse  a  elRey,  nom  como  cabia  dizer  a  molher,  mas 
como  quem  fallaua  per  rrespeito  daquella  linhagem  de  que  deçemdia.  i5 
^'erdade  he  senhor  disse  ella,  que  eu  uos  pedi  que  mamdassees  uossos 
filhos  em  este  feito,  e  uos  disse  loguo  emtom,  quamto  me  parecia  seer 
rrazoado  de  uos  nom  hirdes.  e  de  uos  agora  mamdardes  o  Iffamte 
segumdo  dizees,  conheçemdo  quamto  lhe  he  compridoyro,  como  quer  que 
gramde  semtimento  por  ello  ouuesse,  meu  geesto  numca  o  poderá  mos-    20 

A,47,  r,2  trar.  Mas  a  uossa  hida  me  faz  que  me  nom  abaste  ssiso  nem  emtemder, 
pêra  me  rreteer  de  nom  mostrar  *  o  que  semtia.  Mas  pois  uos  por  bem 
ouuestes  e  auees  dhir,  a  Deos  praza  que  uossa  hida  emderemçe  per 
tall  guisa,  que  seia  mujto  a  seu  seruiço  e  uossa  homrra  e  de  uossos  filhos 
e  bem  de  uossos  rregnos.  E  desy  comtra  as  outras  que  estauam  cho-  25 
ramdo  com  gramde  semtido.  Amigas  nom  auees  porque  chorar,  porque 
o  choro  em  taaes  casos  nom  he  cousa  que  aproueite,  amte  uos  rroguo 
que  daqui  em  diamte  husemos  do  que  a  nos  e  a  nosso  offiçio  perteeçe,  e 
esto  he  emcomemdarmos  a  Deos  este  feito  mujto  aficadamente  fazemdo 
taaes  obras  e  beês,  per  que  mereçamos  seer  ouuidas.  e  nom  tam  soo-  3o 
mente  ajmda  per  nos,  mas  per  todas  aquellas  pessoas,  per  cujo  uirtuoso 
merecimento  simtamos  que  este  feito  pode  seer  ajudado,  ca  certo  he  que 
em  taaes  cousas  presta  mujto  a  oraçom,  segumdo  se  mostrou  nos  feitos 
da  ley  amtijga,  que  polia  oraçom  que  fazia  Mouses,  quamdo  o  pouoo  dos 
Judeus  pelleiaua,  rreçebiam  mayor  ajuda,  que  per  suas  próprias  forças.  3j 
E  nos  assy  oremos  menos  preçamdo  todo  trabalho  e  camssaço  que  sse 
nos   em  ello  possa  seguir,  façamos  outros  beês,  per  que  nossas  oraçoÕes 

4.  de  hir  A  —  assi  A.  —  7.  assi  A.  —  8.  assi  A.  —  17.  mandardes  A.  —  22.  dehir  A. 
24.  desi  A,  disse  I.  —  35.  assi  A. 


seiam  dignas  de  seer  ouuidas  amte  Deos.  e  esto  he  milhor  que  espar- 
gimento  de  lagrimas  nem  outra  nehuúa*  maneira  de  gramde  tristeza.  E  A,47,v,  i 
acabamdo  esto  disse  a  elRey.  Senhor,  eu  uos  peço  por  merçee  que  sse 
me  Deos  quiser  dar  dias  de  uida,  que  chegue  ataa  o  tempo  de  uossa  par- 
5  tida,  que  uos  façaaes  uossos  lilhos  caualleiros  presemte  mym,  ao  tempo  de 
uosso  embarcamento  com  senhas  espadas,  que  lhe  eu  darey  e  com  a 
minha  beemçam.  ca  posto  que  seia  dito,  que  as  armas  das  molheres  em- 
fraqueçem  os  coraçoões  dos  caualleiros,  bem  creeo  que  segumdo  a  gee- 
raçom  de  que  eu  uenho,  numca  seram  emfraqueçidos  por  as  rreçeberem 

IO  de  minha  maão.  Ao  que  elRey  rrespomdeo  que  lhe  prazia  mujto.  E  a 
Rainha  mamdou  no  outro  dia  chamar  Joham  Vaasquez  dAlmadaã,  ao 
quall  disse  que  lhe  mamdasse  fazer  três  espadas,  e  as  mamdasse  guarne- 
cer muy  rricamente  douro  e  daliofar  e  de  pedras  preciosas,  e  que  tamto 
que  fossem  acabadas   que  lhas  trouxesse.     E  desy  proseguimdo  ella  em 

li  suas  oraçoões,  tamto  que  era  manhaã  loguo  sse  hia  aa  egreia,  homde 
estaua  ataa  o  meo  dia.  e  tamto  que  era  uespera  loguo  sse  a  ella  tornaua 
outra  uez,  e  assy  estaua  ataa  noute,  que  sse  tornaua  pêra  sua  casa. 
homdé  a  despesa  do  seraão  nom  era  em  damças  nem  em  outros  nehuijs 
desemfadamentos  deste*  mundo,  soomente  em  sprituall  comtemplaçom.    A,.i7,v,2 

20  E  aalem  desto  mamdou  a  Rainha  per  mujtos  moesteiros  gramdes  esmo- 
llas,  e  assy  a  outras  alguQas  pessoas  que  ella  sabia  que  eram  de  boa  uida, 
emcomemdamdolhe  que  toda  sua  primçipall  emtemçom  fosse  emcomem- 
dar  a  Deos,  que  lhe  prouuesse  por  sua  piedade  trazer  aquelle  feito  a  pro- 
ueitosa  fim.     E  estamdo  assy  alguús  dias,  seguiosse  que  adoeceram  algu- 

25  úas  pessoas  de  pestenemça  em  aquelle  lugar  de  Sacauem.  e  esto  era  por- 
que a  pestenemça  amdaua  muy  gramde  em  Lixboa,  como  ja  ouuistes.  e 
por  seer  tam  preto,  a  comuersaçom  da  gemte  que  era  necessário  que 
teuesse  huiJa  com  a  outra  segumdo  a  necessidade  do  tempo,  nom  podia 
seer  que  o  dito  lugar  fosse  lomgamente  liure   daquelle  padecimento.     E 

3o  como  elRey  soube  que  assy  alli  adoeceram  aquellas  pessoas,  disse  aa 
Rainha  que  seria  bem  que  sse  partissem  loguo  amte  de  comer.  Senhor 
disse  ella,  uos  uos  podees  partir,  e  eu  depois  que  acabar  meus  offiçios,  me 
partirey.  ca  molher  tam  uelha  como  eu,  nom  deue  auer  medo  de  peste- 
nemça.    E  esto  dezia  a  Rainha,  porque  ella  era  emtom  de  hidade  de  çim- 

35    quoemta  e  três  annos.     Pois  que  senhora  disse  elRey,  uos  assy  querees, 

podello  fazer,  mas  peçouos  que  o  mais  cedo  *que  poderdes,  uos  partaaes    A,4>^,r,  i 
deste  lugar.     E  emtom  sse  partio  elRey  caminho  do  moesteiro  dOdiue- 

14.  desi  A.  —  17.  assi  A.  —  19.  mumdo  A  —  spúall  A.  —  21.  assi  A.  —  24.  assi  A.  — 
3o.  assi  A.  —  35.  assi  A. 
16 


lias,  e  a  Rainha  nom  quis  partir  ataa  meyo  dia,  como  )a  dissera.  E 
estamdo  assy  cm  na  egreia,  lhe  deu  a  door  de  pestenemça.  nom  porem 
que  ella  semtisse  que  era  semeliiamte  emfirmidade,  soomente  maginaua 
que  seria  alguúa  outra  door,  que  lhe  uijmria  por  parte  de  sua  fraqueza, 
segumdo  lhe  ja  outras  uezes  uiera.  E  assy  partio  caminho  do  dito 
moesteiro. 


Como  o  Iffamte  Dom  Hamrnqiie  e  o  comde  Dom  Affomsso  chega- 
ram a  Ociiitellas,  e  como  sse  a  door  acreçemtou  na  Rainha. 
Capihdlo  xxxix. 


H 


E  aguora  pêra  fallar  como  as  nouas  foram  tam  asinha  a  clRey,  como  lo 
sse  a  Rainha  semtia.  ca  por  aazo  daquelle  aar  corruto  que  assy 
amdaua,  nom  podia  nemguem  semtir  nehuúa  emfirmidade,  que 
loguo  poUo  presemte  cuydasse  que  era  outra  cousa.  Mas  tamto  que  a 
Rainha  chegou,  loguo  a  elRey  foy  ueer,  assy  como  aquelle  que  de  sua  em- 
firmidade tijnha  ma3'or  cujaiado  que  outra  nehuúa  pessoa.  E  mujto  foi  i5 
ledo  quamdo  lhe  achou  tam  boa  mostramça  de  comtenemça,  polia  quall 

A,4S,r,2  lhe  pareçeo  que  sua  emfirmidade  nom  era  cousa  de  nehuú  perijgoo.  *E 
em  este  emsseio,  seemdo  ja  porem  passados  três  dias  da  emfirmidade  da 
dita  senhora,  chegou  hy  o  Iftamte  Dom  Hamrrique  e  o  comde  Dom 
Affomsso,  com  todollos  outros  senhores  e  fidallgos  que  uijnham  em  sua  20 
frota,  os  quaaes  loguo  no  dia  seguimte  que  cheguaram  a  Restello,  forom 
a  Odiuellas  fazer  rreueremça  a  elRey  e  aa  Rainha  e  ao  Iffamte  Duarte. 
E  muy  graciosamente  forom  rreçebidos  delRey,  e  espiçiallmente  o  Iflamte, 
ca  mujto  ledo  fora  elle,  quamdo  no  dia  passado  lhe  fora  comtado  poiio 
meudo,  como  a  frota  uijnha  do  Porto,  e  a  hordenamça  que  trazia,  e  sobre  25 
todo  a  gramde  dilligemçia  que  o  Iftamte  teuera  em  dar  a  todo  auiamento. 
Bem  parece  meu  filho  disse  elle,  que  o  emcarrego  que  uos  eu  dey,  nom 
foy  filhado  per  uos  como  per  homem  de  uossa  hidade,  ca  segumdo  me 
comtarom,  toda  uossa  frota  ueem  muy  bem  auiada,  como  per  homem 
que  teem  uoomtade  de  me  seruir  e  acreçemtar  em  sua  homrra.  e  bem  3o 
podees  dizer,  que  teuestes  mayor  dilligemçia  em  uosso  corregimento,  do 
que  o  nos  teuemos  no  nosso,  pois  que  fostes  prestes  primeyro  que  nos. 
Emtom.  forom  fallar  aa  Rainha,   da  quall  a  força  do  gramde  prazer  fez 

A,4^,v, I    escomder  ho*  padecimento  da  emfirmidade.  ca  assy  o  rreçebeo  com  tam 

2.  estando  A  —  assi  A.  —  5.  assi  A.  —  11.  assi  A.  —  i3.  presente  A.—  14.  assi  A.  —  18. 
emsejol,  asseio  A  — jníirmidade  A.  —  21.  foram  A.  —  23.  foram  A.  —  28.  foi  A— come  A. 


—   123  — 

boa  comtenemça,  que  pouco  parecia  molher  semtida  de  tamanha  door. 
Mas  da  lediçe  que  o  Ifiamte  Duarte  trazia,  era  cousa  que  poderia  pollo 
presemte  seer  mall  comtada.  porque  ajmda  ata  aquelle  tempo  sua  hida 
esteuera  emcuberta,  per  a  guisa  que  esteuera  a  delRey.  por  cuja  rrezam 
5  lhe  fora  necessário,  posto  que  elle  bem  soubesse  que  auia  dhir,  mostrar 
fimgida  tristeza,  por  fazer  creer  aos  outros  a  çertidom  de  sua  ficada. 
Nem  tijnha  outrossi  ousio  dauiar  nehuús  corregimentos  de  sua  pessoa  por 
arredar  todollos  aazos,  per  que  aquelle  segredo  podesse  seer  comrrompido, 
soomente   quamto  mamdara  a  Joham  Vaasquez  dAlmadaã  que   fezesse 

jo  correger  muy  bem  a  sua  gallee,  por  quamto  hordenaua  dhir  em  ella.  E 
assy  com  aquella  lediçe  e  boa  uoomtade  que  trazia,  rreçebeo  seus  jrm.aãos 
e  toda  a  outra  boa  gemte  que  com  elles  uijnha.  e  por  certo  nom  era 
emfimgida  a  boa  uoomtade  que  elle  naquelle  feito  trazia,  per  a  quall  se 
podia   conhecer   parte   da  gramdeza  de  seu  coraçom.     E  posto  que  o 

i5    tempo  fosse  pequeno,   nom  lhe  falieçeo  nehuija  cousa  pêra  seu  corregi- 
mento.  ca  tam  bem  e  tam  compridamente  ouue  todallas  cousas,  que  per- 
teeçiam  pêra  corregimento  *  de  sua  pessoa,  como  sse  des  o  começo  daque-    A,48,v,2 
lies  feitos  mamdara  hordenar  seu  corregimento.     E  bem  he  de  creer,  que 
sse  a  doemça   da  Rainha  nom  fora,   que  ajmda  o  Iffamte  Dom  Hamrri- 

20  que  fora  delle  mujto  milhor  agasalhado,  ca  alem  do  gramde  amor  que 
lhe  auia,  mujto  sse  desemfadara  em  fallar  no  começo  daquelles  feitos,  de 
como  os  Deos  trouxera  por  sua  graça  a  tempo  de  os  poderem  proseguir. 
Ja  o  Iflamte  Dom  Pedro  aaquelle  tempo  estaua  na  frota,  como  aquelle 
que  tijnha  a  capitania   de  todallas  naaos.   e  assy  tijnha  a  sua  naao  certo 

25  sinall,  per  que  ouuesse  de  seer  conhecida  amtre  todallas  outras,  ca  leuaua 
huú  gramde  estemdarte,  auamtajado  de  todollos  outros,  e  huQ  foroll  de 
noute  segumdo  custume.  mas  a  capitania  de  todallas  gallees  era  JelRey. 
E  depois  que  o  Iffamte  Dom  Hamrrique  fallou  aaquelles  senhores,  torna- 
romsse    ambos   os   Iftamtes   e   comde  pêra   a   frota,  pemssamdo  que   a 

3o    doemça  da  Rainha  nom  era  aquella  que  depois  pareçeo.   ca  loguo  no  dia 
seguimte  o  Iff"amte  Duarte  mamdou  chamar  os  Iflamtes  seus  jrmaãos, 
fazemdolhe  saber,  como  a  Rainha  sua  senhora  e  madre  sse  semtia  mujto 
mall.     Os  quaaes  loguo  trigosamente  cauallgaram  e  se  forom  a  *  Odiue-    A,4o,r,  i 
lias,  domde  numca  depois  partirem  ataa  o  acabamento  da  dita  senhora. 

35  Nem  foy  sua  tristeza  pequena  quamdo  cheguaram  aa  Rainha,  e  a  acha- 
ram tam  aficada  da  door,  tomamdo  muy  gramde  cuidado  de  a  seruir 
assy  em  aquelle  presemte,  como  depois,   e  de   lhe  fazer  buscar  todollos 

IO.  quanto  A  —  em]  com  A  I.  —  24.  capitonia  A.  —  25.  antre  A.  —  27.  capitonia  A. 
28.  despois  A.  —  33.  foram  A.  —  37.  assi  A. 


—   124  — 

rremedios  que  ssc  podiam  achar  pêra  aliuamento  de  sua  emfirmidade. 
E  posto  que  todos  gramde  cuidado  dello  teuessem,  o  primçipall  emcarre- 
guo  era  do  líiamte  Duarte,  o  quall  com  gram  dilligemçia  numca  podia 
dar  seu  cuidado  a  outra  cousa,  senam  a  pemssar  e  rrequerer  todallas 
meezinhas  e  cousas  que  perteeçiam  pêra  rremedio  da  Rainha.  Nom  ssey  5 
diz  o  autor,  em  quamtas  maneyras  louue  tamta  uirtude  de  primçipes.  por 
certo  se  o  próprio  emtemdimento  daquelle  preçepto,  que  foy  escprito 
na  segumda  tauoa  que  diz,  que  aquelle  que  homrrar  seu  padre  e  sua  ma- 
dre uiuera  lomgamente  sobre  a  terra,  he  quamto  a  esta  uida  corporall, 
bem  creo  que  estes  deuiam  compridamente  seer  aquelles.  Certamente  lo 
assy  forem  sempre  obediemtes  a  elRey  seu  senhor  e  padre  e  aa  Rainha 
sua  madre,  que  nem  aquelle  filho  de  Vemturia  CorioUa,  de  quem  Vallerio 
faz  memçom,  nem  outros  nehuús  que  seiam  emmentados  na  escpritura, 
A,49,r/2    nom*  sse  podem  jguar  a  estes.    E  esto  nom  emtemda  alguú  que  sse  diz 

por  fallar  de  graça,   ca  eu  que  esta  estoria  escpreui,  lij  muy  gram  parte    '5 
das  crónicas   e  liuros  estoreaaes,   e  numca  em  elles  achey  semelhamte. 
Todollos  outros  cuidados  da  guerra  em  aquelles  dias  forom  esqueeçidos. 
e  soomente  a  ocupaçom  era  em  ouuir  físicos  e  çellorgiaães,  e  em  fazer 
poer   em   execuçom   todallas  cousas,  que  elles  hordenauam  pêra   saúde 
daquella    senhora,    como   quer   que   seus   rremedios    e  trabalhos  pouco    20 
prestassem,   porque  a  door  se  acreçemtaua  mujto  mais  aa  Rainha,   ca  a 
determinaçom   da  fim  nom  teem  alguú   certo  rremedio,   ca  escprito  he. 
Posuisti  términos  eius  etç.     Da  quall  cousa  elRey  estaua  muy  anojado, 
como  aquelle  que  conhecia  a  perda  que  sse  lhe  seguia  per  morte  de  tam 
boa  molher,  com  a  quall  auia  uijmte  e  sete  annos  que  estaua  casado,  ssem    25 
nehuú   amtrepoimento    de   desacordo,    que    amtre    elles    ouuesse,    amte 
mujto  amor  e  comcordia  como  ja  ouuistes.     E  tamanho  era  o  semtido 
que  elRey  tomaua  polia  emfirmidade  da  Rainha,   que  sse  lhe  priuaua  o 
comer  e  dormir,   por  cuja  rrezam  mujtos  presumiam  que   sse  lhe  segue- 
ria   alguíja   gramde   emfirmidade   por   aquelle  aazo,   se  nom  fora  o  seu    3o 
gramde  esforço. 


I.  aliuiamemo  I.  —  2.  prinçipall  A.  —  1 1 .  foram  A.  —  17.  foram  A.  —  25.  uijnte  A. 


—    125  — 

Como  a  Rainha  aiiia  nerdadeiro  conhecimento  da  sua  morte,  e  das    A,49,v.i 
obras  que  açerqua  dello  fa^ia,  e  como  deu  o  lenho  da  cru^  a  seus 
filhos.     Capitullo  R. 

JA  falley  em  outro  luguar  daquella  semtemça  do  philosofo,  como  todo- 
llos  homeés  naturallmente  desciam  saber,  e  falley  tam  soomente 
deste  naturall  deseio,  quamto  aas  cousas  corporaaes,  assy  como 
cousas  que  ssom  dadas  ao  homem  como  primçipios  do  uerdadeiro  saber. 
Ca  toda  sabedoria  em  este  mundo  seria  de  pouco  uallor,  soomente  em 
quamto  per  ella  podemos  cheguar  aaquelle  uerdadeiro  conhecimento  das 

ío  obras,  per  que  a  alma  rreçebe  saluaçom,  porque  todo  saber  sem  Deos  nom 
he  saber,  porem  toda  a  fim  da  uirtuosa  uida  he  no  uerdadeiro  conheci- 
mento de  Deos.  E  porque  ja  mujtas  uezes  falíamos  das  gramdes  uirtu- 
des  que  auia  em  esta  Rainha,  he  de  saber  como  lhe  nosso  Senhor  Deos 
quis  dar  conhecimento  do  uerdadeyro  saber,  mostramdolhe  a  escuridade 

i5    da  presemte  uida  per  jmtrimsico  amor,  que  lhe  deu  de  ssi  meesmo  com 
certo  conhecimento  da  fim  da  sua  uida.     E  posto  que  o  juizo  dalma  seia 
soomente  no  comspeito  de*  nosso  Senhor  Deos,  o  quall  segredo  quis  que    A,4g,v,2 
nom   soubesse  nehuúa  pessoa  uestida  em   esta  carne  humana,  todollos 
sabedores,   espiçiallmente  sam  Thomas,  que  por  comtemplaçom  diuin;Ul 

20  sobio  ao  monte  do  uerdadeyro  saber,  tem  que  quando  a  criatura  açerqua 
de  sua  fim  ha  uerdadeyro  conhecimento  do  Criador,  e  se  arrepemde 
amargosamente  dos  seus  peccados,  que  o  juizo  deste  he  uerdadeyra  salua- 
çom. O  quall  signall  sse  pode  conhecer  per  aquelles,  que  era  semelhamte 
tempo  fallom  com  seus  abades  quaaesquer  falleçimentos  que  semtem  em 

25  sua  comçiemçia,  segurado  aquelle  samto  comsselho  que  o  propheta  em- 
ssina  no  sallrao  dizemdo.  Eu  tornarej'  per  todollos  meus  annos  atras, 
alimpamdo  as  amtredanhas  da  minha  comçiemçia  pêra  te  rrecoratar  as 
amarguras  da  rainha  alma.  Per  o  quall  arrepemdimento  poderemos  uer- 
dadeiramente  saber,  como  aquesta  sarata  Rainha  cobrou   a  uerdadeyra 

3o    beraauemturamça.   ca   posto  que   mujto   a  meude  fosse  comfessada  em 
todollos  outros  tempos,   depois  que  sse  assy  a  emfirmidade  esforçou  em 
ella,   fallou  muy  compridamente   com  seu  abade,   e   em   satisfaçom   dal- 
guús  emcarregos  se  os  tijnha,*  mamdou  fazer  mujtas  esmollas  e  outras    A,5o,r,i 
gramdes  obras  de  piedade,  dizemdo  mujtas  rrezoões  em  arrepemdimento 

35  de  seus  peccados,  as  quaaes  faziam  gramde.comtriçom  aaquelle  seu  cora- 
fessor.     E  acabado  esto  fez  chamar  seus  filhos,  e  disselhes.     Deos  sabe 

3.  R]  quoremta  A.  —  4.  phillosofo  A.  —  8.  mumdo.  —  i3.  esta  Rainha  I,  este  Rey  A. 
—  vestida  A.  —  3i.  despois  A. 


—    126  — 

camanho  deseio  sempre  tiue  de  ueer  a  ora,  em  que  uos  uosso  padre 
fezesse  caualleiros.  e  pêra  ello  mamdey  fazer  e  guarnecer  três  espadas. 
e  pois  a  Deos  apraz  que  eu  em  este  mundo  nom  ueia  tamanho  prazer,  elle 
seia  louuado  por  todo.  E  loguo  mamdou  saber  parte,  se  lhe  emuiara  ja 
Joham  Vaasquez  as  ditas  espadas,  e  disseromlhe  que  nom.  Pois  disse  5 
ella.  Vaão  loguo  trigosamente  a  Lixboa,  e  façammas  trazer.  Quisera 
meus  filhos,  disse  ella  comtra  os  Iffamtes,  daruos  agora  as  espadas,  em  que 
uos  amte  falley,  mas  por  nom  seerem  aqui,  leixo  de  uollas  dar.  empero 
daruos  ey  agora  o  uerdadeyro  escudo  da  fortelleza  e  defiemssom,  que  he 
o  lenho  da  uera  cruz.  e  de  menhaã  a  Deos  prazemdo,  uos  darey  as  espa-  lo 
das.  E  emtom  mamdou  trazer  huúa  cruz  daquelle  uerdadeyro  paao,  em 
que  nosso  Senhor  Jesu  Christo  padeçeo,  e  partio  em  quatro  partes,  se- 
gumdo  os  quatro  braços  que  estam  na  cruz.  e  deu  a  cada  huij  dos  Iffam- 
A,5o,r,2    tes*  seu  braço,  e  o  quarto  guardou  pêra  elRey  seu  senhor.     Meus  filhos 

disse  ella,  eu  uos  rroguo  que  uos  rreçebaaes  esta  preciosa  jo3'a,  que  uos  eu    i5 
dou  com  gramde  dcuaçam,   e  que  creaaes  perfeitamente  na  gramde  uir- 
tude  que  Deos   em  ella  pos,   e  como  he  perfeito  rremedio  pêra  todollos 
perijgos  dalma   e  do  corpo,   e  quem  nella  teem  uerdadeira  feuza,  cobra 
escudo  firme  e  forte  pêra  sua  deffemssom,  comtra  o  quall  nom  pode  em- 
peeçer  nehuij  emmijgo  sprituall  nem  temporal!,  espiçiallmente  comtra  os    20 
jmfiees.     E  nom  tam  socmente  he  deffemssom  comtra  elles,   mas  ajmda 
destroimento,  segumdo  se  comta  no  seu  offiçio  o  quall  diz.  ffugij  partes 
auersas.  ca  uemçeo  ho  liam,  o  quall  he  Jesu  Christo   que  nella  padeçeo. 
E  eu  uos  rroguo  filhos,  que  sempre  comtinuadamente  o  comuosco  quei- 
raaes  trazer,  ca  nom  sabees  os  dias  nem  as  horas  dos  perijgos.     E  elles    25 
lhe  beyiarom  as  maãos,  e  lho  teuerom  mujto  em  merçee,  em  fim  do  quall 
lhes  lamcou  a  sua  beemcam. 


Como  a  Rainha  deu  as  espadas  aos  Iffamtes,  e  das  rre\oÓes  que  lhes 
disse  a  cada  hiai,  quamdo  lhe  daua  a  sua  espada. 

Capitullo  Bj.  3o 


z 


A,5o,v,i     r--yELLO  de  gramde  amor  mostrou  sempre  a  Rainha*  aos  Iffamtes,  espi- 
çiallmente açerqua  deste  tempo   em  que  fallam.os.   a  quall  cousa 
per  elles  foy  sempre  mujto  conhecida,  espiçiallmente  aquelle  lenho 
da  cruz,   que   lhe   assy  foy  dado,  o  quall  elles   filharam  com  muy  gram 


?.  mumdo  A  —  nom]  om.  A,  nom  I.  —  7.  as]  om.  A,  as  I. —  12.  JhOxpo  A.  —  20.  spQall 
A  —  contra  A.  —  23.  Jhfl  xfJo  A.  —  25.  perijgoos  A.  —  34.  assi  A  —  foi  A. 


127  — 

deuaçom,  e  assy  o  trouxeram  sempre  comssiguo  em  todollos  dias  de  sua 
uida.  E  tarato  o  trazia  comtinuadamente  o  Iffamte  Duarte,  que  depois  de 
Rey,  ao  tempo  do  seu  finamente  o  soterrarem  com  elle,  e  depois  de  muytos 
dias  foi  nembrado  que  o  leuaua  comssigo,  e  foy  necessário  de  abrirem  a 
b  coua  em  que  jazia,  pêra  lhe  tirarem  o  dito  lenho,  o  quall  ouue  a  rrainha 
sua  molher.  E  o  Iftamte  Dom  Pedro  nom  sabemos  que  maneyra  teue 
com  o  sseu,  empero  bem  he  de  creer,  que  homem  tam  cathoilico  como 
elle  era,  nom  partiria  de  ssy  cousa  tam  boa  nem  tam  samta.  Mas  do 
Iffamte  Dom  Hamrrique  podemos  nos  dar  certo  testimunho,  porque  ao 

IO  tempo  que  escpreucmos  esta  estoria,  elle  auia  hidade  de  çimquoemta  e 
seis  annos,  ffallamdo  açerqua  desto  nos  disse,  que  numca  lhe  nembraua, 
depois  que  lhe  o  dito  lenho  fora  dado,  que  o  teuesse  fora  de  ssy,  soo- 
mente  huú  dia,  que  o  tirara  per  esqueeçimento  em  desuestimdo  a  camisa. 
E  ouuimos  depois*  a  Luis  de  Sousa,   claueiro  dordem  de  Christo,  seu    A,5o,v,3 

i5  camareiro  moor,  e  filho  de  Gomçallo  Roiz  de  Sousa,  que  quamdo  sse  o 
dito  Iffamte  finou,  que  lhe  tirara  o  dito  lenho  da  cruz,  e  o  dera  a  elRey 
em  Euora  com  o  sinete  e  o  seu  liuro  de  rrezar.  E  em  acabamdo  assy 
estas  cousas,  chegou  hi  Joham  Vaasquez  dAlmadaã,  que  trazia  feitas  e 
guarnecidas  aquellas  espadas  em  que  ja  falíamos,  com  as  quaaes  mujto 

20  prouue  aa  Rainha  pêra  com  ellas  comsseguir  seu  boom  propósito.  E 
tamto  que  as  teue  em  seu  poder,  fez  cheguar  pêra  açerqua  de  ssy  seus 
filhos,  e  tomou  a  espada  maj^or,  e  disse  comira  ho  Iftamte  Duarte.  Meu 
filho,  porque  Deos  uos  quis  escolher  amtre  nossos  jrmaãos  pêra  seerdes 
herdeiro  destes  rregnos,  e  teuessees  o  rregimento  e  justiça  delles,  a  quall 

25  uos  ja  elRey  uosso  padre  tem  cometida,  conheçemdo  uossas  uirtudes  e 
boomdades,  tam  compridamente  como  sse  ja  fosse  uossa,  eu  uos  dou 
esta  espada,  e  uos  emcomemdo,  que  uos  seia  espada  de  justiça  pêra  rre- 
gerdes  os  gramdes  e  os  pequenos  destes  rregnos,  depois  que  a  Deos  prou- 
uer  que   seiam  em  uosso  poder,  per  falleçimento  delRey  uosso  padre,   e 

3o    uos  emcomemdo  seus  pouoos.   e  uos  rroguo  que*  com  toda  fortelleza    A,5i,r,r 
seiaaes  sempre  a  elles  deftemssom,  nom  comssemtimdo  que  lhe  seia  feito 
nehuú  desaguisado,  mais  a  todos  comprimento  de  dereito  e  de  justiça.    E 
ueedes  filho,  como  diguo  justiça,  justiça  com  piedade,  ca  a  justiça,  que  em 
alguúa  parte  nom   he  piedosa,  nom  he  chamada  justiça  mas  cruelldade. 

35  E  assy  uos  rroguo  e  emcomemdo  que  queiraaes  seer  com  ella  caualleyro. 
E  estas  espadas  mamdei  assy  fazer  pcra  as  dar  a  uos  e  uossos  jrmaãos 
amte  de  uossa  partida  pêra  uos  elRey  meii  senhor  fazer  com  ellas  caua- 

1.  assi  A.  —  2.  dcspois  A  —  de  I,  om  A.  —  3.  de  I,  om  A.  —  14.  xpõs  A  —  3i.  com- 
sscmtindo  A.  —  36.  assi  A. 


—    128  — 

lleiros  presemte  mym  como  ja  disse,  mas  a  Deos  prouue  de  nom  seer 
assy.  Porem  uos  rroguo  que  sem  empacho  uos  queyraaes  filhar  esta  de 
minha  maão,  a  quall  uos  eu  dou  com  a  minha  beemçom  e  de  uossos  auoos, 
de  que  eu  deçemdo.  E  como  quer  que  seia  cousa  empachosa  de  os 
caualleiros  tomarem  armas  de  maão  das  molheres,  eu  uos  rroguo  que  uos  3 
nom  queiraaes  teer  açerqua  desta  que  uos  eu  dou,  semelhamte  embarguo. 
Ca  segumdo  a  linhagem  domde  eu  deçemdo,  e  a  uoomiade  que  tenho  pêra 
acreçemtamento  de  uossas  homrras,  numca  emtemdo  que  uos  por  ello 

A, 5i,r,2    empeeçimento  nem  dano  possa  uijnr,  *amte  creo  que  a  minha  beemçam 

e  delles  uos  fará  gramde  ajuda.  E  o  Iffamte  Duarte  com  gramde  obe-  lo 
diemçia  pos  os  joelhos  em  terra,  e  lhe  beyiou  a  maão,  dizemdo  que  elle 
compriria  o  que  lhe  ella  assy  mamdaua  com  mujto  booa  uoomtade.  O 
que  certamente  elle  numqua  esqueeçeo  em  todos  seus  dias,  amte  o  com- 
prio  mu}'  perfeitamente,  como  adiamte  será  comtado.  E  a  Rainha  ouuim- 
dolhe  assy  aquellas  pallauras  prouguelhe  mujto,  e  alçou  sua  maão  e  lhe  i5 
lamçou  a  sua  beemçam.  E  depois  tomou  a  outra  espada,  e  chamou  o 
Iffamte  Dom  Pedro,  e  disselhc.  Meu  filho,  porque  sempre  des  o  tempo 
de  uossa  mininiçe  uos  ui  mujto  chegado  aa  homrra  e  seruiço  das  donas  e 
domzellas,  que  he  huúa  cousa  que  espiçiallmente  deue  seer  emcomemdada 
aos  caualleiros,  e  porque  a  uosso  jrmaão  emcomemdei  os  pouoos,  emco-  2& 
memdo  ellas  a  uos.  as  quaaes  uos  rroguo  que  sempre  ajaaes  em  uossa 
emcomemda.  E  elle  lhe  rrespomdeo  que  lhe  prazia  mujto,  e  que  assy  o 
faria  sem  nehuúa  duuida.  E  emtom  sse  assemtou  em  joelhos,  e  lhe  bey- 
iou a  maão,  E  ella  lhe  disse  que  lhe  rrogaua  que  fosse  com  ella  caua- 
lleiro,    dizemdolhe  outras  mujtas  rrezoões,   como  ja  dissera  ao  Iffamte    25 

A,5i,Vji  Duarte,  e  sobre  todo  lhe  lamçou  sua*  beemçam.  Mas  he  de  comsijrar 
com  quaaes  comtenemças  os  Iftamtes  poderam  ouuir  semelhamtes  palla- 
uras, ca  no  trautamento  de  semelhamte  rrezoado  nom  podia  seer,  que 
escusassem  gramde  multidom  de  lagrimas,  as  quaaes  posto  que  as  elles 
forçosamente  rreteuessem,  suas  comtenemças  estauam  muy  tristes  ouuym-  5o 
do  as  pallauras  da  Rainha,  ditas  a  elles  com  tamto  amor  e  com  tam 
gramde  ssiso  e  conhecimento  de  sua  morte.  E  ella  outrossi  ueemdo  ho 
gramde  semtido,  que  os  filhos  auiam  de  seu  padecimento,  aalem  da  sua 
door,  auia  por  ello  gramde  tristeza.  Ajmda  nos  fiqua  por  dizer  da  ter- 
ceira espada,  que  foi  dada  ao  Iffamte  Dom  Hamrrique,  o  quall  a  Rainha  j5 
chamou  dizemdo.  Meu  filho,  chegaiuos  pêra  ca,  uistimdo  ella  sua  com- 
tenemça  de  nova  lediçe,  e  emchemdo  sua  boca  de  rriso  muy  hones- 
tamente,  e  disse.     Bem  uistes  a  rrepartiçom,   que  fiz  das  outras  espa- 

2.  assi  A. —  10-1 1.  obeditncia  A.  —  12.  assi  A.  —  22.  assi  A.  —  20.  escusasse  A. 


—  i2g  — 

das  que  dey  a  uossos  jrmaãos.  e  esta  terceira  guardey  pêra  uos,  a 
quall  eu  tenho  que  assy  como  uos  sooes  forte,  assy  he  ella.  E  por- 
que a  huú  de  uossos  jrmaãos  emcomemdei  os  pouoos,  e  a  outro  as  donas 
e  domzellas,  a  uos  quero  emcomemdar  todollos  senhores,  *cauallei-  A,5i,v,2 
5  ros  fidallgos  e  escudeiros  destes  rregnos,  os  quaaes  uos  emcomemdo 
que  ajaaes  em  uosso  espiçiall  emcarreguo.  Ca  pêro  todos  seiam  delRe\', 
e  eile  delles  tenha  espiçiall  cuidado,  cada  huii  em  seu  estado,  elles  porem 
aueram  mester  uossa  ajuda  pêra  seerem  mamteudos  em  dereito,  e  lhe  see- 
rem  feitas    aquellas  merçees   que   esteuer  em   rrezom.   ca  mujtas  uezes 

10  acomteçe,  que  per  emformaçoões  fallsas  e  rrequerimentos  sobeios  dos 
pouoos  os  rrex  fazem  comtra  elles  o  que  nom  deuem.  Pêra  o  quall 
emcarreguo  uos  eu  escolhi,  conheçeindo  de  uos  quamto  amor  lhe  sempre 
ouuestes,  e  uoUos  emcomemdo,  porque  aalem  de  uossa  boa  uoomtade 
uos  seia  posto  por  necessidade.     Eu  uos  dou  esta  espada  com  a  minha 

li  beemçam,  com  a  quall  uos  emcomemdo  e  rrogo,  que  queiraaes  seer  caua- 
lleiro.  Nom  poderia  bem  declarar  per  escprito  a  gramde  tristeza  com 
que  o  Iftamte  Dom  Hamrrique  estaua,  porque  aalem  das  boas  uoomtades 
de  seus  jrmaãos,  elle  auia  rrazom  de  a  teer  mujto  mayor,  como  no 
seguimte  capitullo  será  comtado.     Senhora  disse  o  Iffamte,  uossa  merçee 

20    seia  mujto  certa,  que  em   quamto  me  a  uida  durar,  teerey  firme  nem- 

bramça  de  todo  aquello  que  me  ora  assy  *  emcomemdaaes,  pêra  compri-    A,  52,r,  i 
mento  do  quall  ofereço  todo  meu  poder  e  boa  uoomtade.     E  emtom  lhe 
beyiou  a  maão,  dizemdo  que  lhe  tijnha  mujto  em  merçee  aquella  espada 
que   lhe  assy  daua,   a  quall  elle  nom  sabia  estimar  a  nehuii  preço.     E  a 

2b  Rainha  ouuimdolhe  assy  aquellas  pallauras  esforçousselhe  a  uoomtade 
pêra  rrijr,  e  alçou  a  maão,  e  lamçoulhe  a  sua  beemçam. 


Como  a  Rainha  tornou  a  f aliar  outra  uei  ao  Iffamte  Duarte,  e  lhe 
emcomemdou  os  Iffamtes  seus  jrmaãos  e  Briatii  Gomçalluei  de 
Moura  e  Meçia  Vaa^  sua  filha,  e  assy  todallas  outras  suas  cousas. 
3o  Capitullo  Kij. 

EM   mostrou   a  Rainha   em    aquellas  pallauras,   que   assy  disse  ao 

Iffamte   Dom    Hamrrique,    que    o   amaua    espiçiallmente.    e    por 

tamto  dissemos  no  capitullo  amte  .deste,  que  elle  auia  rrazom  de 

teer  em   ssy   mayor  tristeza,   que  nehuú   de   seus  jrmaãos.    e  podemos 

2.  assi  (2.°)  A. —  8.  manteudos  A. —  ig.  capitólio  A.  —  21.  assi  A.  —  25.  assi  A. — 
2í).  assi  A.  —  3i.  assi  A. —  33.  capitólio  A. 
17 


—  i3o  — 

ajmda  emtemder  que  a  Rainha  semtia  per  diuinall  comsijraçom,  quaaes  e 
queiamdas  uirtudes  auia  dauer  o  Iffamte  seu  filho  ao  diamte.     E  posto 

A,52,  r,2  que  ja  agora  rrazoadamente  em  ellas  podessemos  fallar,  leixemoUas  pêra 
depois  por  failarmos  de  cada  huúa  cousa  *  em  seu  próprio  lugar.  E 
quamto  aa  emcomemda  que  lhe  sua  madre  deu,  elle  a  mamtéue  tam  com-  3 
pridamente  como  lhe  prometeo.  e  desto  som  eu  bem  certa  testimunha, 
porque  uiuemdo  com  elRe}'  Duarte,  cuja  alma  Deos  rreçeba  na  bemauem- 
turamça  do  çeeo,  ui  per  mujtas  uezes  seus  gramdes  rrequirimentos,  que 
fazia  por  mujtos  senhores  fidallgos  e  caualleiros,  pellos  quaaes  rreme- 
diauam  seus  feitos,  e  acreçemtauam  em  suas  homrras.  Vi  outrossi  que  10 
ao  tempo  que  a  Rainha  Dona  Lionor  foy  em  desacordo  com  ho  Iffamte 
Dom  Pedro,  mujtos  fidallgos  e  escudeiros  deste  rregno  forom  em  tempo 
de  sse  perder,  se  nom  acharam  em  elle  emparo  a  ajuda.  E  sobre  todo 
aquello  que  elle  tijnha,  numca  foi  neguado  a  todos  aquelles,  que  sse  a  elle 
socorriam,  fazemdolhe  mujtas  merçees  a  cada  huú  segumdo  seu  estado.  i5 
E  depois  que  a  Rainha  ass}'  deu  as  espadas  a  seus  filhos,  como  ja  ouuis- 
tes,  disse  ao  Iffamte  Duarte.  Filho,  eu  uos  rroguo  que  pois  uos  Deos  fez 
em   este   mundo  senhor  de  uossos  jrmaaos,   que  uos  tenhaaes  espiçiall 

A,5í,v,  1    cuidado  delles,  e  os  ajaaes  por  uossos  espiçiaaes  seruidores,  homrramdoos 

sempre  quamto*  em  uos  for,  e  fazemdolhes  aquellas  merçees,  que  mere-  20 
cem  de  seer  feitas  a  taaes  e  tam  boós  jrmaãos,  como  em  elles  teemdes, 
porque  nom  creaaes  que  outros  melhores  seruidores  que  elles  podees 
teer.  nem  queiraaes  amte  elles  prepoer  outros  nehuús.  ca  quamdo  uos 
nembrar  que  ssom  meus  filhos  e  de  uosso  padre,  que  uos  tamto  ama- 
mos, com  rrezam  deuees  creer,  que  elles  nom  podem  ali  deseiar  senam  25 
uossa  homrra  e  seruiço.  E  posto  que  alguús  por  emueia  sse  emtremetam 
de  uos  dizer  alguúa  cousa  comtra  elles,  numca  lhe  dees  comprida  ffe, 
amte  os  ouuy  sempre,  e  bem  creo  que  acharees,  que  elles  numca  sse  par- 
tem daquella  uerdadeira  temçom,  que  deuem  teer  a  seu  senhor  e  jrmaão. 
Por  certo  diz  o  autor,  esto  guardou  o  Iffamte  Duarte  muy  espiçiallmente,  3o 
o  que  eu  uy  muy  bem,  quamdo  o  Iffamte  Dom  Hamrrique  ueo  de  Tam- 
ger,  porque  alguús  daquelles  fidallguos  que  com  elle  forom,  queremdo 
emcobrir  seus  falleçimentos,  deziam  alguúas  cousas  comtra  o  Iffamte,  aas 
quaaes  seu  jrmaão  nom  quis  dar  nehuúa  ífe,  amte  dezia  que  seu  jrmaão 
nom  poderia   fazer  cousa   que  nom  fosse  justa  e  boa.   mas   que   elles  o    35 

A,  52,v,2    deziam   por   se  escusar,  do  que  comtra  elles  rrazoadamente  podia  seer 
dito.     *E  nom  tam   soomente  guardaua  esto  amtre  seus  jrmaãos,   mas 

4.  logar  A.  —  5.  quanto  A —  manteue  A.  —  16.  despois  A  —  assi  A.  —  18.  mumJo  A. 
—  20.  quanto  A.  —  23.  amtej  anatre  A,  a  I.  — 3i.  Iffante  A.  —  3i-32.  tanger  A. 


—  i3i  — 

ajmda  amtre  todallas  pessoas  de  seu  rregno.  ca  tamto  era  elle  boom, 
que  tarde  e  per  gramde  força  podia  creer  nehuú  mall  de  nehuúa  pes- 
soa, e  bem  creo,  segumdo  ja  disse  em  outro  lugar,  que  nom  he  esta 
pequena   uirtude  pêra  quallquer  primçipe,  espiçiallmente  pêra  aquelles, 

•5  e  n  cujo  rregimento  he  posta  a  uara  da  justiça.  Outrossy  disse  a  Rainha, 
uos  emcomemdo  Briatiz  Gomçalluez  de  Moura  e  Meçia  Vaaz  sua  filha, 
que  ssom  molheres  que  me  teem  bem  seruida,  e  sabees  na  comta  em 
que  as  sempre  tiue.  e  assy  uos  emcomemdo  todallas  outras  minhas  ser- 
uidores  e  criadas.    Ao  que  o  Iffamte  rrespomdeo,  que  lhe  tinha  mujto  em 

IO  merçee  de  lhe  leixar  tall  emcomemda,  a  quall  elle  comprida  o  melhor 
que  podesse.  e  que  a  Deos  aprazeria  de  o  ajudar  per  tall  guisa,  que  sua 
uoomtade  e  mamdado  fosse  em  perfeyta  execuçom.  E  emtam  disse  ao 
Iffamte  Dom  Pedro  e  ao  Iffamte  Dom  Hamrrique.  Filhos,  deuees  de  creer 
firmemente  que  Deos  hordena  todallas  cousas,  como  elle  ha  por  bem.   e 

i5    todollos  boõs  deuem  de  comformar  sua  uoomtade   ao  seu   querer.     E  a 
elle  prouue  por  sua  merçee  de  hordenar  que  uosso  jrmaão  fosse  herdeiro 
deste  rregno  e  uosso  senhor,  *da  quall  cousa  uos  deuees  de  seer  mujto    A,53,r,  i 
comtemtes,  comsijramdo  que  pois  seruidores  auees  de  seer,  de  o  serdes 
de  huú  uosso  jrmaão  mais  uelho  que  uos.  o  quall  conhecidamente  he  tam 

20  boom  como  uos  sabees,  e  uos  tamto  ama.  e  do  seu  pouco  segumdo  a  des- 
posiçom  da  terra  uos  deuees  mais  comtemtar,  que  do  muito  doutro  nehuú 
primçipe,  ajmda  que  fosse  mayor  do  mundo,  e  porem  o  deuees  sempre 
seruir  e  amar  com  gram  uoomtade  e  deseio.  E  os  ItTamtes  com  gramde 
mesura  rrespomderam  aa  Rainha  que  lhe  tijnham  mujto  em  merçee  seme- 

25  Ihamte  comsselho.  o  quall  elles  com  a  graça  de  Deos  poeriam  em  obra 
muy  compridamente.  por  que  aalem  da  rrezam  a  natureza  e  o  samgue 
que  com  elle  auiam,  os  costramgeria  pêra  ello.  A  quall  cousa  foi  per 
elles  muy  bem  guardada,  ca  em  todollos  dias  do  dito  senhor  o  seruiram 
e  amaram  com  gramde  uoomtade  e  obediemçia. 


I.  antre  A  —  tanto  A.  —  2.  grande  A  —  nemhuúa  A.  —  8.  asíi  A  —  21.  comtentar  A. 
■  22.  mumdo  A.  —  25.  pooriam  A. 


—    l32 


Como  o  Jffamte  Dom  Pedro  rrequereo  aa  Rainha,  que  fosse  sua 

merçee  de  leixar  suas  terras  aa  Jffamte  sua  jrmaã,  e  como  Ihcforom 

outorgadas.     Capitullo  Riij. 


N' 


OM  me  posso  partir  deste  rrazoado,  posto  que  o  seu  rrecomtamento 
A,53,r,2  j  "^1  me  cause  tristeza,  conheçemdo  quamto*  a  sua  comtemplaçom  he  5 
proueitosa  pêra  emsinamça  daquellas  pessoas,  que  uerdadeira- 
mente  querem  comsseguir  uirtude.  Creemos  que  ja  fiqua  escprito  no 
outro  uoUume,  em  que  sse  rrecomtam  os  feitos  passados  delRey  Dom 
Joham,  quamtos  filhos  elle  ouue  da  Rainha  sua  molher,  e  como  nom 
ouue  mais  de  huúa  filha,  que  depois  foy  duquesa  de  Bergonha,  a  qual!  lo 
aaquelle  tempo  era  molher  de  perfeita  hidade.  E  ueemdo  a  Rainha  sua 
senhora  e  madre  em  aquella  desposiçom,  apartousse  dalli  com  as  outras 
senhoras  e  domzeilas,  homde  estaua  com  gramde  tristeza  rrogamdo  a 
Deos  polia  saúde  da  dita  senhora.  E  depois  que  ella  assy  rrepartio  suas 
emcomemdas  como  ja  ouuistes,  chegousse  a  ella  Briatiz  Gomçalluez  de  lí 
Moura,  e  disselhe.  Senhora,  pareçeme  que  todoUos  do  rregno  a  uosso 
filho  o  Iffamte  auees  emcomemdado,  e  nomteuestes  nembramça  daiffamte 
uossa  filha,  que  he  molher  e  em  tall  hidade  como  sabees,  aa  quall  he  mais 
necessário  seer  emcomemdada  a  elle,  que  outra  nehuíia  pessoa.  A  meu 
filho,  rrespomdeo  a  Rainha,  todallas  minhas  cousas  som  emcomemdadas  70 
espiçiallmente  minha  filha,  de  que  elle  sabe  que  eu  tenho  tamanho  cui- 
A,53,v,  1  dado.  e  porem  nom  curey  de  lhe  fallar  em  ello,  semtimdo  *que  elle  he 
tall,  que  lhe  nom  fará  mimgua  de  lhe  seer  mais  dito  per  mym.  O  Iffamte 
Dom  Pedro  que  hy  estaua  disse  aa  Rainha.  Senhora,  sse  uossa  merçee 
fosse,  a  mim  parece  que  seria  bem  chamarem  elRey,  e  lhe  pedirdes  que  25 
as  terras  que  uos  teemdes,  que  seia  sua  merçee  de  as  dar  aa  Iftamte  uossa 
filha  pêra  seu  soportamento,  em  quamto  hi  outra  rrainha  nom  ha.  E  os 
Irtamtes  ajudamdo  a  rrazom  de  seu  jrmaão,  disseram  que  lhe  parecia  que 
era  mujto  bem  de  sse  fazer  assy.  Sobre  o  quall  o  Iffamte  Dom  Hamrrique 
foy  fallar  a  elRey  seu  padre  per  mamdado  da  dita  senhora,  dizemdo  como  3o 
lhe  a  Rainha  emuiaua  pedir,  que  cheguasse  a  ella  pêra  fallar  com  elle 
alguúas  cousas  que  lhe  era  necessário,  no  que  elRey  nom  pos  nehuúa 
tardamça.  Senhor  disse  ella,  de  todos  quamtos  som  em  este  rregno,  de 
que  eu  tenha  carrego,  eu  nom  ssey  quem  uos  aja  demcomemdar  em  esta 
ora  em  que  estou,  porque  de  todos  semto  que  teemdes  espiçiall  cuidado,    35 

5.  quanto  A. —  14.  despois  A  —  assi  A. —  17.  emcotnendado  A. —  19.  emcomen- 
dada  A.  —  2g.  .Tssi  A. 


—  i33  — 

primçipallmente  daquelles  que  meus  ssom  e  me  seruiram,  segumdo  as 
merçees  e  bem  que  lhe  sempre  fazees.  bem  creo  segumdo  as  gramdes 
uirtudes  que  Deos  em  uos  pos,  que  depois  de  minlia  morte  Uio  farees 
assy  *  compridamente  e  ajmda  mujto  milhor.    Mas  porque  uossa  senhoria    A,53,v,2 

5  bem  sabe,  como  a  Iftamte  uossa  filha  ha  ja  de  sua  hidade  açerqua  de  dez 
e  noue  annos,  e  como  tem  forma  comprida  de  molher.  e  que  depois  de 
minha  morte  todallas  senhoras  donas  e  domzellas,  que  amdam  em  minha 
casa,  he  necessário  que  fiquem  a  ella,  e  que  ella  as  soporte  com  a  uossa 
merçee  e  ajuda,   porem  eu  uos  peço  que  as  terras  que  eu  de  uos  tijnha, 

10  que  lhe  façaaes  delias  merçee,  atee  que  a  Deos  praza  lhe  trazer  casamento, 
ou  que  uenha  rrainha  a  este  rregno,  ajmda  que  eu  espero  em  Deos,  que 
uos  a  casarees  muy  cedo  como  he  rrazom.  E  como  quer  que  elRey  fosse 
homem  de  tamanho  coraçom  como  ja  ouuistcs,  poUo  gramde  amor  que 
auia   aa  Rainha,  ouuimdo  as  suas  pallauras  nom  sse  pode  teer  que  nom 

i5  chorasse,  e  assy  com  os  olhos  chcos  dagua  lhe  rrespomdeo.  Senhora, 
eu  ssom  mujto  ledo  de  comprir  todo  esto  que  me  uos  rrequerees.  e  mais 
ajmda  lhe  faço  merçee  e  doaçom  de  todallas  joyas  e  baixella  e  corregi- 
mentos,  que  de  uos  ficarem  e  a  mym  perteeçerem.  E  ella  disse  que  lho 
tijnha  mujto  em  merçee.     E  a  Iffamte  que  ja  hi  estaua,  lhe*   foy  beyiar    A,54,r, i 

20  a  maão,  e  aa  Rainha  sua  madre,  e  per  semelhamte  guisa  fezeram  os 
Iftamtes  todos  três  que  presemte  estauam.  Nom  falíamos  aquj  do  Iftamte 
Dom  Joham  nem  do  Iftamte  Dom  Fernamdo,  por  quamto  os  mandara  do 
dito  moesteiro,  por  rrazom  da  dita  pestenemça  que  assy  amdaua  amtre 
elles.  comsijramdo  por  quamto  eram  assy  moços,  que  lhe  poderia  aquelle 

25  aar  mais  asinha  empeeçer,  porque  huú  delles  auia  quimze  annos,  e  o  outro 
doze.  e  assy  ficaram  em  este  rregno  com  a  Iffamte  sua  jrmaã  sob  a 
gouernamça  do  meestre  dAuis,  a  que  o  rregimento  do  rregno  ficou  emco- 
raemdado.  E  por  acabarmos  de  todo  as  emcomemdas  da  Rainha,  auees 
de  saber  que  depois   que  sse  assy  elRey  partio  delia  e  a  Iftamte  sua 

■jo  filha,  ficaram  os  Iftamtes  todos  três.  e  o  Itíamte  Duarte  se  apartou  com 
os  fisicos  e  çellorgiaães  pêra  fallar  com  elles  em  rrazom  da  cura,  que  per- 
teeçia  aa  Rainha  sua  madre.  E  ficamdo  os  outros  Iftamtes  jumto  com 
ella,  assy  fraqua  como  ella  estaua  lhes  começou  de  dizer.  Porque  sem- 
pre uos  uy  em  huQ  amor  e  uooratade,  sem  auer  amtre  uos  nehuúa  desa- 

35    ueemça  per  obra  nem  *pallaura,  assy  como  uerdadeiros  jrmaãos,  uos  rro-    A,54,r,2 
guo  e  emcomemdo,  que  assy  como  uos  ata  aqui  amastes,  assy  uos  amees 
daqui  em  diamte  em  seruiço   de  nosso  Senhor,   e  sempre  uossos  feitos 
hiram  de  bem  em  milhor.  e  nom  auera  nehuú  no  rregno   que  uos  possa 

i3.  pcllo  A.  —  22.  Itíantc-  A.  —  3i-32.  pertecmçia  A.  —  35.  vos  A.  —  3ó.  assi  (bisj  A. 


-  i34- 

empeeçer.  E  se  fordes  desua3Tados  e  jmmijgos,  nom  auera  em  uos  a 
lorça  que  ha,  seemdo  ambos  em  huú  amor.  como  claramente  podees 
emtemder  poUo  exemplo  da  frecha,  de  que  em  nossa  terra  ha  huúa  estoria, 
em  que  sse  diz.  que  ligeiramente  pode  huú  homem  quebrar  huúa  e  huúa, 
e  pêra  quebrar  mujtas  jumtas  compre  mujto  mayor  força.  E  os  Iffam'es  ? 
lhe  disseram  que  prazeria  a  Deos,  que  assy  o  fariam.  E  certamente  sem- 
pre amtre  elles  foy  gramde  amor.  e  nom  tam  soomente  quamto  aas 
uoomtades  de  demtro,  mas  ajmda  per  certos  synaaes  de  fora.  ca  nos 
motos  e  deuisas  assy  tomaram  ambos  casi  huúa  semelhamça.  ca  o 
Iffamte  Dom  Pedro  trazia  no  seu  moto  deseio,  e  a  sua  erua  era  carualho.  «o 
e  o  moto  do  Iffamte  Dom  Hamrrique  era  tallamte  de  bem  fazer,  e  a  sua 
A,54,v, I  erua  carrasco,  e  ajmda  sse  acertara,  que  a  rrepartiçom  das*  terras  era 
ass}'  jumta  huúa  com  a  outra.  Mas  do  que  sse  depois  seguio  açerqua 
da  morte  do  lífamte  Dom  Pedro,  fica  huú  gramde  processo  pêra  sse  com- 
tar  ao  diamte,  homde  perfeitamente  poderees  saber,  quamto  o  Iffamte  Dom  "5 
Hamrrique  trabalhou  por  saluaçom  de  seu  jrmaão.  e  mujtos  que  em 
esto  fallarom,  nom  como  homeés  que  emteiramente  sabiam  a  uerdade, 
disseram  que  o  Iffamte  poderá  dar  uida  a  seu  jrmaão,  se  teuera  boa 
uoomtade  de  o  fazer.  O  que  he  certo  que  sse  fora  comtra  outra  alguúa 
pessoa,  que  elle  trabalhara  em  ello  como  por  ssi  meesmo.  mas  comtra  20 
seu  Rey  e  senhor,  achou  que  o  nom  podia  fazer  sem  quebramtar  sua 
lealldade,  o  que  elle  dezia  que  nom  faria,  nom  tam  soomente  por  seu 
jrmaão  mas  por  mill  filhos,  ajmda  que  os  teuera.  nem  ajmda  por  salua- 
çom de  ssy  meesmo,  posto  que  por  sua  deffemssom  se  podesse  saluar. 
Das  quaaes  cousas  a  obra  foy  manifesta  testimunha.  2-"^ 


Como  os  Iffamtes  pidiram  a  elRe\^  que  sse  partisse  dal  li,  e  do  coni- 

sseílio  que  acerca  dello  teueram,  e  as  uisoóes  que  a  Rainha  uio  amte 

de  sua  morte.      Capitullo  Riiij. 


S' 


E  quiséssemos  julgar  determinadamente  quall  era  o  lugar,  que  nosso 
A,54,v,2  ^^  *  Senhor  tijnha  aparelhado  a  alma  da  Rainha,  bem  poderíamos  dizer,  3o 
jullgamdo  as  cousas  do  outro  mundo  polias  çircumstamçias  daqueste, 
que  era  aquelle  omde  os  bem  auemturados  teem  o  seu  perdurauell  allo- 
iamento.  ca  dito  he  per  a  boca  da  uerdade,  que  da  auomdamça  do 
coraçom  falia  a  boca.  porque  cada  huú  numca  profetiza,  senom  daquello 
que  deseia.   e  quem  ouuyo  taaes  rrazoões  como  a  Rainha  dezia  amte    35 

3.  pcllo  A.  —  6.  assi  A.  —  7.  quanto  A.  —  27.  ante  A.  —  29.  logar  A.  —  3 1 .  mumdo  A. 


—  i35  — 

de  sua  fim,  bem  poderia  jullgar  que  as  nom  fallaua  senam  per  spiritu  pro- 
fético, segumdo  podees  ueer  per  as  seguimtes  pallauras.  Ca  estamdo 
assy,  depois  que  tallou  a  seus  filhos,  seemdo  elles  assy  jumto  com  sua 
cama,  começou  o  uemto  de  sse  esforçar  em  tall  guisa,  que  o  semtiam 
5  aquelles  que  estauam  na  casa.  e  a  Rainha  pregumtou  que  uemto  era 
aquelle  que  assy  corria.  E  os  Wamtes  disseram  que  era  aguiam.  Creo 
disse  el!a,  que  boom  seria  este  pêra  uossa  uiagem.  Respomdeolhe  o  líTamte 
que  era  o  milhor  que  hi  auia.  Que  cousa  tam  estranha  disse  ella,  eu 
que  tamto  deseiaua   de  ueer  o  dia   de  uossa  partida,  em  que  pemssaua 

10    tomar  tamanho  prazer,  por  rrezam  da  uoomtade  que  tenho  de  ueer  uossa 

cauallaria,  segumdo  compre  *  a  uosso  rreall  estado,  e  agora  eu  seer  tama-    A,55,r,t 
nha  causa  da  torua  delio.   e   de  mais  seer  certa  de  a   nom  poder  aqui 
ueer.     A  Deos  prazerá  senhora,  disse  o  Iftamte  Duarte,  que  uos  o  uerees 
tam    compridamente  como    deseiaaes.    ca   posto  que  agora  seiaaes   em 

i5  tall  pomto  por  rrazom  de  uossa  emfirmidade,  outros  mujtos  forom  ja 
mujto  mais  doemtes,  e  prouue  a  Deos  de  lhe  dar  saúde,  assy  lhe  prazerá 
por  sua  merçee  de  a  dar  a  uos,  porque  nos  ueiaaes  fazer  caualleiros,  e 
partirmos  nossa  uiagem  como  deseiaaes.  A  Deos  prazerá  disse  a  Rai- 
nha, de  me  nom  dar  em  este  mundo  tall  prazer,  porque   emtemdo  que 

20  sse  mo  aqui  desse,  que  me  mimguaria  alguúa  parte  da  bemauemturamça 
do  outro,  ca  espero  na  sua  merçee,  que  pois  llie  praz  de  eu  aqui  nom 
auer  prazer,  de  mo  dar  no  outro  mundo,  homde  me  será  mais  proueito 
pêra  a  saúde  perdurauell.  E  o  Iffamte  tornou  a  rrepetir,  que  todauia  ella 
aueria  prazer  neste  mundo,   como  amte  dissera,  e  ueria  o  que  deseiaua. 

25    E  ella  como  molher,   que  das  cousas  temporaaes  nom  tijnha  nehuú  sem- 
tido,  começou  de  dizer.     Eu  sobyrei  no  alto,  e  do  alto  uos  uerey.   e  a 
minha  doemça  nom  toruara*   a  uossa  hida.  ca  uos  partirees  per  festa  de    A,55,r,2 
Samtiago.  Do  que  todos  forom  mujto  marauilhados,  duuidamdo  mujto  que 
tall   cousa   podesse  seer.   porque  dalli  ata  aquella  festa  nom   auia  mais 

3o  doito  dias.  e  per  nehuú  modo  podiam  cuidar,  que  sse  sua  hida  podesse 
emcaminhar  em  tam  breue  tempo,  segumdo  a  disposiçom  das  cousas, 
ca  sse  a  Rainha  uiuesse,  auia  mester  mais  tempo  pêra  sahir  daquella  fra- 
queza em  que  ja  estaua,  e  de  rrezam  elles  nom  deuiam  fazer  nehuú  mo- 
uimento,   ataa  que  ella  fosse  em  milhor  pomto.  e  sse  ouuesse  de  morrer, 

35  comuijnha  de  lhe  seerem  feitas  suas  emxequias,  como  perteeçia  a  seu 
rreall  estado.  E  parecia  a  cada  huú  que  esto  comsijraua,  que  era  nece- 
ssário de  passarem  primeiro  alguús  dias,  amte  que  elRey  passasse  o  sem- 

S.assi  A.  —  6.  assi  A. —  i6.  assi  A.  —  iq.  mumdo  A.  —  20.  minguaria  A.  —  22.  mumdo 
A.  —  24.  mumdo  A.  —  29.  ataa  quella  A.  —  35.  perteemçia  A. 


—  i36  — 

timento  de  tamanho  nojo,  pêra  auer  de  tomar  comsselho  acerqua  de  sua 
hida.  Empero  a  samta  Rainha  fallaiia  como  quem  o  sabia,  ca  assy  foi 
perfeitamente  comprido,  como  ao  diamte  será  comtado.  Porque  a  ora  da 
morte  he  a  mais  forte  cousa  e  mais  terribeil,  que  sse  pode  achar  amtre 
todallas  cousas  do  mundo,  homde  teem  mujtos  que   as  almas  ssom   assy     3 

A,55,v,i  apressadas  com  as  jmfernaaes*  uisoÕes,  que  lhe  alll  aparecem,  que  o 
espamto  lhe  faz  perder  a  uerdadeira  fortelleza.  ca  posto  que  nossa  Senhora 
fosse  tam  fora  de  peccado,  como  todos  uerdadeiramente  creemos,  nom 
pode  comssemtir  na  dita  ora  em  semelhamtes  uisoões,  segumdo  se  lee, 
que  pedio  ao  seu  filho  que  lhas  nom  mostrasse,  pois  quamdo  ella  que  he  lo 
madre  de  Deos  e  a  mais  samta  amtre  todallas  criaturas,  teue  este  rreçeo. 
que  pemssamento  deue  seer  o  nosso,  quamdo  pemssarmos  o  estado  em 
que  somos,  primçipallmente  os  primçipes  terreaaes  que  tamanho  lugar 
teem  de  pecar,  os  quaaes  posto  que  mujto  uirtuosos  seiam,  nom  podem 
porem  segumdo  diz  Sallamam,  amdar  de  cote  sobre  as  brasas,  que  nom  i5 
escalldem  seus  pees,  nem  trazer  o  foguo  em  seu  seeo,  que  sse  lhe  nom 
queimem  os  uestidos.  Pollo  quall  se  escpreue  no  apocallipsse.  Nome 
teés  que  uiuas,  e  es  morto,  e  porem  ham  perijgoso  porto.  Ca  assy 
como  o  gramde  nauio  e  mujto  carregado  ha  mester  mais  sabedores  e 
fortes  marinheiros,  que  outro  mais  pequeno,  assy  comuem  aos  gramdes  20 
senhores  sobre  os  outros  homeés.  e  deuees  porem   de  creer,   que  assy 

A,55,v,2    como*  elles  teem  liure  poder  sem  prema  de  nehuú  superior  pêra  peccar 
em  esta  uida,   assy  teem  gramde  meriçiménto  na  outra  aquelles  que  per 
uirtude  o  leixam  de  fazer,  e  assy  lhes  he  ma3'or  exçellemçia  prometida 
no  outro  mundo,   segurado  uerdadeiro  testimunho  do  euamgellista   que    25 
disse.     Que  rrespramdeçiam  assy  como  soU.     E  mujtas  estorias  ha  hi  de 
mujtos  e   gramdes   primçipes,  porque  Deos  fez  mujtos  millagres.    assy 
como  sse  acha  daquella  samta  Rainha  Dona  Isabell,  que  foy  molher  del- 
Rey  Dom  Denis,  que  jaz  em  samta  Clara  de  Coymbra,  aa  quall  foy  rre- 
uellado  o  dia   da  sua  morte,  e  delRey  Dom  Pedro,  que  seemdo  partido    3o 
desta  uida,  per  boom  espaço  tornou  a  sua  alma  outra  uez  aa  carne  pêra 
comfessar  huú  soo  peccado,  sem  cuja  penitemçia  nom  podia  rreçeber  bem 
auemturada  gloria.     E  esta  Rainha  Dona  Fellipa,  que  estamdo  naquelle 
pomto   que   ja   ouuistes,   lhe  apareçeo  nossa  Senhora  pêra  lhe  dar  uer- 
dadeyro    esforço  pcra  passagem  daquella   hora   forte,  ca  depois   destas    35 
cousas  que  ja  dissemos,  ella  emderemçou  seu  rrostro  pêra  cima,  teemdo 

A,56,r,  I    seus  olhos  dereitamente  comtra  o  çeeo,  sem  nehuú  *  mudamento  de  com- 

5.  mumdo  A.  —  G.  jnfernaaes  A  —  visoões  A.  —  17.  pello  A.  —20.  assi  A.  —  23.  assi  A. 
—  24.  assi  A.  —  25.  mumdo  A. —  26.  assi  A. 


-  .37- 

tenemça.  e  fo}'  uisto  em  ella  huú  aar  todo  cheo  de  graça,  o  quall  todos 
uisiuellmente  conheciam  que  era  sprituall,  jumtamdó  suas  maãos,  como 
teemos  em  custume  de  fazer  quamdo  ueemos  o  corpo  do  Senhor,  e 
disse.  Gramdes  louuores  seiam  dados  a  uos  minha  Senhora,  porque  uos 
5  prouue  do  alto  me  uijrdes  uisitar.  E  ass}'  filhou  a  rroupa  que  lijnha  sobre 
ssy,  e  a  beyiou,  como  sse  beyiasse  luiúa  paz.  Quamdo  os  Iftamtes  uijram 
assy  estas  cousas,  conheceram  bem  que  aquelles  eram  os  derradeiros 
synaaes  do  conhecimento  da  morte  de  sua  madre,  e  comsijraram  que 
seria  gramde  empeeçimento,  se  eIRey  sfíu  padre  alii  esteuesse.  ca  sabiam 

10  mujto  certo,  segumdo  o  gramde  amor  que  lhe  auia,  que  estamdo  alli 
quamdo  ella  morresse,  que  nom  poderia  teer  aquella  temperamça,  que  lhe 
compria  pêra  guarda  de  sua  saúde,  e  foromsse  a  elle  assy  jumtamente 
dizemdo.  Senhor,  porque  semtimos  que  a  senhora  Rainha  he  era  tall 
pomto,  que  em  breue  tempo  fará  fim  de  sua  uida,  pareçenos  que  he  bem 

i5    que  uossa  merçee  sse  parta  daquy  pêra  alguúa  parte,  porque  o  mall  nom 
aja  rrazom  de  seer  mayor,  sobreuimdouos  alguíía  gramde  emfirmidade 
*  pollo  aazo  de  uosso  gramde  nojo.  o  quall  com  menos  pena  semtirees  nom    A,56,r,2 
teemdo  amte  os  olhos  a  força  do  caso,  porque  o  auees  de  semtir.    E  bem 
uos  parece,  rrespomdeo  elRey,  que  eu  aja  de  desemparar  a  ssemelhamte 

20  tempo  huíja  molher,  com  que  tam  lomgamente  niamtiue  companhia,  por 
certo  hi  sse  pode  seguir  quallquer  caso  que  a  Deos  aprouuer,  mas  eu  per 
nehuú  modo  nom  partirey  dapar  delia,  em  cuja  companhia  me  Deos 
faria  merçee  de  me  leuar  pêra  o  outro  mundo.  Porque  querees  uos 
senhor,  disseram  os  Iftamtes.  aazar  dous  muy  gramdes  malles  por  uossa 

25  estada  sem  esperamça  de  nehuú  proueito.  O  primeyro,  que  semtimdo- 
uos  a  Rainha  açerqua  de  ssi,  acreçemtarlhees  mayor  trabalho,  quamdo  lhe 
lembrar  que  ja  uos  mais  nom  ha  de  ueer.  ca  posto  que  a  sua  uoom- 
tade  seia  comforme  aas  cousas  do  outro  mundo,  em  quamto  a  alma  esta 
na  carne,  he  necessário  que   a  humanidade  rrequeyra  o  que  he  de  sua 

3o    natureza.     O  segumdo  he  que  uos  estamdo  aqui,  he  necessário  que  estees 
a  todos  seus  offiçios,  c  que  a  ueiaaes  depois   de  fimda.   a  quall  uista  uos 
trazera  aa  comsijraçom  mujtas  cousas,  cuja  nembramça  *  acreçemtara  o    A,56,v,  i 
uosso  gramde  nojo,   de  que  sse  uos  depois  pode  seguir  alguúa   emfirmi- 
dade que  será  mujto  peor.    Porem  uos  pedimos  por  merçee,  que  uos  nom 

35  apartees  daquello  que  sempre  husastes  .s.  rrezam  e  comsselho,  mayor- 
mente  sobre  cousa  tam  assijnada.  Pois  que  assj'  he,  rrespomdeo  elRey 
comtra  o  Iftamte  Duarte,  uos  mamdaae  chamar  todollos  do  comsselho 

2.  jumtando  A.  —  5.  assi  A.  —  6.  beyjoii  A.  —  12.  foranisse  A  —  as.si  A.  —  16.  sseer 
A.  —  17.  pello  A.  —  20.  mantiue.  —  23.  mumdo  A.  —  24.  grandes  A. 
18 


—  i38  — 

que  aqui  ssom,  e  fallaae  com  elles,  e  o  que  acordardes  que  he  bem  que 
eu  faça,  isso  farey.  E  breuemente  o  comsselho  feito,  determinaram  que 
todauia  elRey  se  deuia  partir  dalli,  e  sse  passar  aalem  do  Tejo  a  huú 
luguar  que  chamam  Alhos  Vedros,  como  sse  de  feito  partio.  Mais  daquelle 
triste  espidimento  que  elle  fez  da  Rainha  sua  molher,  quamdo  a  foi  ueer 
amte  que  sse  partisse,  nom  posso  eu  fallar  tamto  como  deuia,  porque  a 
força  das  lagrimas  me  embarguam  a  uista,  que  nom  posso  escpreuer, 
comsijramdo  em  cousa  tam  triste,  ca  sse  me  apresemta  amte  a  jmagem 
do  emtemder,  como  o  uerdadeiro  e  leall  amor  he  mais  forte  cousa  daque- 
llas  que  a  natureza  em  este  mundo  jumtou.  do  quall  Sallamam  disse  no 
camtar  dos  camtares  que  era  forte  como  a  morte. 

A,56,T,3    Coffio  a  Rainha foy  comumgada  e  humgida,  e  co7nofe\fim  do  de- 
rradeiro termo  de  seus  dias,  e  como  o  autor  di{  que  em  ella  auia  com- 
pridamente  todallas  quatro  uirtudes  cardeaaes.     Capitullo  Rv. 


G 


RAMDE  tristeza  semtiram  os  Iffamtes  quamdo  certamente  souberam,  i5 
que  a  morte  de  sua  madre  per  nehuú  modo  se  escusaua.  e 
fezeram  loguo  chamar  os  físicos  e  cellorgiaães  pêra  fallarem  com 
elles  açerqua  dallguús  rremedios  que  sse  podessem  achar,  pêra  que  ao 
menos  seu  padecimento  nom  fosse  tamanho,  e  acordarem  os  ditos  físi- 
cos que  era  bem  que  a  Rainha  se  mudasse  pêra  outra  cama  mais  baixa,  20 
pêra  lhe  aquella  seer  corregida  como  compria.  Mais  ella  que  no  çeeo 
tijnha  firmadas  as  àmcoras  da  sua  uoomtade,  tamto  que  foy  assy  mudada, 
rrequereo  que  lhe  trouxessem  o  corpo  do  Senhor,  e  foilhe  loguo  trazido. 
e  ella  com  todo  acatamento  e  rreueremçia  como  melhor  pode,  alleuamtou 
suas  maãos,  e  disse  mujtas  pallauras  de  gramde  deuaçom,  pedimdolhe  com  25 
gramde  humilldade  perdom  de  seus  peccados,  e  saluaçom  pêra  a  sua 
alma  com  tamta  humilldade  e  graça  sprituall,  que  a  quamtos  hi  estauam 
A,57,r,  I  *  parecia  que  eram  ditas  per  alguíi  amjo  çellestriall.  E  depois  que  rreçebeo 
sua  comunham,  foi  humgida,  e  amostrou  que  sse  semtia  de  huija  perna 
afum.do  do  joelho,  e  uista  per  os  físicos  assy  honestamente  como  era  rra-  3o 
zom,  acharam  que  tijnha  huú  cabrumculo,  o  quall  foy  bem  conhecido 
que  era  cousa  noua.  porque  atee  alli  nom  lhe  semtiram  outra  door,  se- 
nam  huiiía  leuaçam.  E  posto  que  semtissem  que  com  nehuú  rremedio 
podia  rreçeber  saúde,  mamdaram  porem  que  lhe  furassem  aquelle  cabrum- 
culo,  dizemdo  loguo,   que  nom  podia  mais  durar  per  determinaçom  da    35 

18.  dalguús.  —  22.  assi  A.  —  27.  spirituall  A.  —  28.  anjo  A.  —  34-35.  cabrumcullo  A. 
35.  de  A,  da  I. 


—  i3g  — 

física,  que  ataa  ho  outro  dia  que  era  huúa  quimta  feyra.  na  quall  pouco 
mais  de  meo  dia  a  dita  senhora  mamdou  chamar  os  clérigos,  e  disse  que 
começassem  ho  offiçio  dos  mortos.  E  ella  com  todo  seu  emtemdimento 
ouuimdo  o  dito  offiçio  per  tall  guisa,  que  quamdo  alguú  delies  erraua,  eila 
5  o  corregia.  e  em  sse  acabamdo  a  derradeyra  oraçom,  ella  corregeo 
todo  seu  corpo  e  nembros  hordenadamente,  e  alleuamtou  seus  olhos 
comtra  o  çeeo,  e  sem  nehuú  trabalho  nem  pena,  deu  a  sua  alma  nas 
maãos  daquelle  que  a  criou,  pareçemdo  em  sua  boca  huú  aar  de  rrijso, 
como  quem   fazia  escarnho  da  uida   deste  mundo.*  ca  assy  ha  de  seer    A,57,r,2 

10  segumdo  teemçam  dalguús  doutores,  que  o  homem  que  dereitamente  ha 
de  uiuer,  uenha  a  este  mundo  choramdo,  e  se  parta  delle  rrijmdo.  Os 
Iflamtes  teueram  seu  comsselho  açerqua  da  emterraçam  da  Rainha,  e 
acordarom  porque  o  tempo  era  queemte,  ca  era  quamdo  o  soll  estaua 
em  dous  graaos  do  signo  do  liom,   que  a  soterrassem  de  noute,  o  mais 

i5  secretamente  que  sse  fazer  podesse.  e  no  outro  dia  polia  manhaá,  lhe 
foy  feito  ho  offiçio  segumdo  compria  aas  eixequeas  de  tamanha  senhora. 
empero  eu  creo,  que  nom  seria  tam  gramde  em  este  mundo,  como  lhe 
seria  feito  no  outro.  Os  líiamtes  forom  em  aquella  noute  uestidos  de 
burell,   e  assy  todollos  outros  casy  polia  mayor  parte,   ca  todollos  boõs 

20  do  rregno  eram  jumtos  em  aquella  cidade,  e  nom  auia  hi  alguú,  que  de 
seu  moto  próprio,  nom  tomasse  doo  por  ella.  ca  certamente  perdiam 
em  ella  muy  gramde  esteeo  pêra  todas  suas  homrras  e  acreçemtamentos, 
segumdo  ja  ouuistes.  que  nem  ajmda  aa  ora  da  morte  lhe  pode  esquee- 
çer  demcomemdar  todollos  estados  do  rregno  a  seus  filhos,  como  aquella 

25    que  delies  todos  tijnha  espiçiall  cuidado.     Por  certo  diz  o  autor,  nos 

poderíamos  *aqui  fallar  mujtas  rrazoões  acerca  do  gramde  doo  que  foy    A,57,v,i 
feito  por  esta   senhora,   as  quaaes  nos  parece   que  sse  deuem  escusar, 
comsijramdo  como  seu  rrecomtamento  nom  trás  homrra  aas  gramdes 
uirtudes  daquella  senhora,   cujo  falleçimento  escpreuemos.  porque  todos 

3o  certamente  sabemos,  que  no  dia  que  emtramos  em  esta  presemte  uida,  per 
ley  determinada  somos  jullgados  aa  morte,  ca  nossa  uida  nom  he  senom 
huúa  tralladaçam,  que  fazemos  do  uemtre  ao  sepuUcro,  segumdo  diz  Job. 
E  porque  per  nossa  uijmda  nos  ssom  mostrados  em  este  mundo  dous 
caminhos  .s.  huú   de  uirtude,  e  outro  de  deleitaçom,  segumdo  os  poetas 

35  fimgem  que  Hercolles  achou  no  deserto,  e  o  caminho  da  deleitaçom  he 
aquelle,  que  nos  leua  dereitamente  ao  jmferno,  e  a  morte  dos  que  este 
cammho  seguem,  deuemos  chorar  por  suaperpetua  danaçam.    Mas  com  o 

1.  quinta  A.  —  5.  acabando  A.  —  7.  contra  A. —  11.   mumdo  A. —  i5.  pclla  A. — 
17.  mumdo  A. —  33.  per  nossa  uijmda  A,  nesta  vida  I  —  mumdo  A.  —  3õ.  jnlcrno  A. 


—  140  — 

falleçimento  daquelles  que  uaão  per  o  caminho  das  uirtudes,  nos  deuemos 
dallegrar  tamto,  quamto  mais  nos  a  sua  bem  auemturamça  perteeçe  per 
naturall  diuedo,  ou  ajumtamento  damizade.     E  por  tamto  dezia  Ouuydio 

A,57,v,2    poeta.   Nom  me  homrre  nehuú  com  lagrimas,*  nem  uaa  ao  meu  emterra- 

mento  com  choro,  porque   nom  deue  com   rrazom  chorar  a  morte,  que     5 
me  leua  aa  uida  jmmortall.     E  Xenofomte  comta,   que  Cyro  o  mayor 
estamdo  pêra  morrer  dezia.   Oo  meus  mujto  amados  filhos,  nom  quey- 
raaes  cuidar  que  como  me  eu  partir  de  uos,  que  me  tomarey  em  nehuúa 
cousa,  nem  serey  em  alguú  luguar.  porque  quamdo  eu  comuersaua  com- 
uosco,  certo  he  que  nom  podiees  ueer  a  minha  alma,   mais  emtemdiees    lo 
que   moraua  em  este  corpo  polias  cousas,   que  me  uiees  obrar.     Pois 
aquella  meesma  alma  creede  que  me  ficara  pêra  sempre  depois  de  minha 
morte,   a  qual  emtom  perfeitamente  começara  de  uiuer.   e  porem  nom 
me  queyraaes  chorar  com  door.     Mais  poderia  alguém  dizer  per  autori- 
dade do  sabedor.     Quall   dos  homeés  poderá   este  caminho  certo  saber.    >5 
ca  escprito  he  que  nemguem  sabe,  se  merece  ódio  ou  amor  na  presemça 
de  nosso   Senhor.     Ao  que   eu  dereitamente  posso  rrespomder,   que  de 
tamta  çiemçia  comprio  Deos  ho  emtcmdimento  dos  homeés,  que  legeira- 
mente  podem  conhecer  polias  obras  de  cada  huii,  per  quall  destes  cami- 

A,58,r,  1  nhos  faz  sua  uiagem.  *  E  porque  ja  disse  que  a  uirtude  era  aquelle  cami-  20 
nho,  poUo  quall  podíamos  cheguar  aa  uerdadeira  uida,  quero  dizer  como 
esta  Rainha  uerdadeyramente  seguio  este  caminho,  per  homde  com  rra- 
zom nom  deuemos  chorar  seu  falleçimento.  Gramde  cuydado  teueram 
os  amtijgos  sabedores  descolldrinhar  uerdadeiramente  quaaes  em  tama- 
nho numero  ssom  estas  uirtudes,  per  que  assy  auemos  de  fazer  nossa  uia-  25 
gem,  porque  ellas  ssom  assy  como  proueitosas  bailisas  que  ssom  postas 
em  alguij  uaao  perijgoso,  em  cujo  passamento  os  homeés  teem  alguúa 
duuida  de  poderem  falleçer.  e  huús  disseram  que  eram  trijmta  e  huúa 
uirtudes,  outros  disseram  que  nom  mais  de  omze.  e  breuemente  deter- 
minaram que  posto  que  hi  mujtas  aja,  que  soomente  quatro  ssom  aquellas  3o 
que  nos  podem  dereitamente  emcaminhar.  por  tamto  lhe  chamarom  uir- 
tudes cardeaaes,  porque  cardam  em  latim  quer  dizer  couce,  em  que  sse 
a  porta  rreuolue.  que  per  semelhamte  guisa  se  rreuoluem  todallas  outras 
uirtudes  sobre  o  couce  daquestas,  que  som  justiça,  prudemçia,  esperamça, 
fortelleza.  as  quaaes  a  Rainha  ouue  em  muy  exçellemte  graao.   e  ajmda    35 

A,58,r,2    as  *  outras  três,  que  sse  chamam  theollogaaes  segumdo  no  seguimte  capi- 
tullo  será  comtado. 


6.  Cyro  I,  tijro  A.  —  25.  assi  A.  —  32.  cardam  A,  Cardo  I.  —  36-37-  capitólio  A. 


—  141  — 

Como  lio  autor fa\  deuisovi  das  uirtudes,  e  como  dii  que  sse  os  Iffam- 
tes  partiram  daquelle  moesteyro  pêra  Restello.      Capitullo  Rvj. 

JUSTIÇA  he  a  primeyra  uirtude  e  a  primçipall  de  todas,  a  quall  segurado 
diz  Séneca  he  tall  uirtude,  que  nom  tam  soomente  perteeçe  aaque- 
lies  que  ham  de  jullgar,  mais  ajmda  a  cada  huúa  criatura  rrazoauell 
pêra  jullgar  a  ssi  meesmo.  A  quall  uirtude  era  muy  perfeitamente  em 
aquella  senhora,  ca  assy  trazia  sua  uida  justamente  hordenada,  que  numca 
achamos  que  a  alguúa  pessoa  fezesse  emjuria  per  nehuú  modo.  porque 
suas  pallauras  sempre  eram  ditas  muy  mamssamente,  e  fora  de  toda  esca- 

>o  tema,  fazemdo  mujtas  amizades,  per  que  sse  escusaram  gramdes  jmiurias 
e  malles.  ca  tamto  que  sabia  que  alguús  sse  queriam  mall,  loguo  traba- 
Ihaua  de  os  auijr  per  ssi  ou  per  alguijas  pessoas  rrelligiosas.  e  mujto 
lhe  prazia  de  despemder  hi  alguúa  cousa  do  seu,  se  emtemdia  que  pêra 
acabar   seu    deseio    era    necessário.     Numca    do    alheo   mamdou  tomar 

i5    nehuúa  *  cousa  forçosamente,  nem  comtra  uoomtade  de  seus  donos.   Trouxe    A,58,v,  i 
sua  uida  assy  hordenada,  que  todalias  cousas  que  pêra  ella  eram  necessá- 
rias, eram  compradas  ou  auidas  segumdo  a  uoomtade  daquelles  que  as  tij- 
nham.    Da  uirtude  da  prudemçia  seeria  sobeio  fallar  em  camanho  graao 
husou  delia  em  todollos  seus  feitos,  e  porque  ja  disse  assaz  do  claro  conhe- 

20  cimento,  que  teue  pêra  seguir  todalias  uirtudes.  ca  a  prudemçia  nom  he 
outra  cousa  senam  huú  abito  ou  clara  desposiçom,  per  que  o  homem  per 
jmtrimsico  conhecimento  pode  rreçeber  comsselho  pêra  sse  arredar  das 
cousas  maas,  e  sse  acheguar  aas  boas.  Em  outros  rramos  se  parte  esta 
uirtude  assy.  em  huúa  que  sse  em  grego  chama  sienesis,  e  outro  ciballea, 

25  de  que  a  nos  nom  comuem  fallar.  A  uirtude  da  temperamça  foi  mujto 
louuada  em  esta  senhora,  porque  em  todalias  cousas  achamos,  que  uiueo 
muy  temperadamente.  Seus  trajos  forom  sempre  mujto  honestos  assy 
hordenadamente,  que  nem  eram  de  tam  baixo  uallor,  que  per  seu  aazo 
naçesse  prosumçom  descaçesa  ou  menos  preço,  nem  assy  altamente  obra- 

3o    dos,  que  per  sua  uista  mostrassem  aos  outros  huiía  *  conhecida  louuaminha.    A,58,v,2 
Mujto   louua  o  philosofo  a  todalias   molheres   silemçio   e  ocupaçom,  a 
quall  cousa  certo  era  achada  em   ella  em  gramde  sofRçiemçia,   ca  tarde 
e  per   gramde  uemtura    fallaua   sem  necessidade,    e   as  suas  pallauras 
sempre  eram  ditas  com  a  comtenemça  baixa  e  muy  mamssamente  rrazoa- 

35    das,  nem  sse  parecia  em  ella  o  geito  que  mujtas  senhoras  tomam  em  fallar, 

4.  perteemçe  A.  —  7.  assi  A.  —  9.  manssamente  A. —  11.  alguús  que  A. —  i5.  uoon- 
tade  A. —  22.  jntrimsico  A.  —  29.  assi  A.  —  3 1.  muyto  A  —  phillosopho  A.  —  32.  achado 
A.  —  33.  grande  A.  —  34.  mansamente  A.  —  35.  muytas  A. 


—  142  — 

que  leixam  a  mane3'ra  que  lhes  perteeçe,  e  faliam  apareçemça  como  mo- 
ças criadas  em  mimos,  a  sua  comtenemça  sempre  era  baixa,  e  o  rros- 
tro  a  meude  uistido  de  huú  aar  cheo  de  honestidade.  E  seu  comer  nom 
era  por  deleitaçom,  soomente  por  sosteer  a  uida.  nem  o  seu  cozinheiro 
nom  era  mujto  costramgido  pêra  buscar  nouas  maneiras  diguarias.  5 
Jeiúaua  tamto  como  a  sua  natureza  podia  sofrer,  e  mayor  trabalho  tij- 
nha  o  físico  em  a  costramger  que  comesse  pêra  ajudar  a  natureza,  que  o 
comfessor  tijnha  em  a  rrepremder  da  sobegidom.  Amaua  mujto  a  uene- 
rosa  castidade,  e  assy  fazia  gramde  homrra  a  todallas  pessoas  que  a 
mamtijnham.     Nom  sse  deleytaua  em  jazer  lomgamente  na  cama  depois    10 

A,59,r,  1  das  oras  rrazoadas,  mas  mujto  primeiro  do  que  a  sua  *  natureza  e  seu 
estado  rrequeriam,  era  leuamtada.  A  mayor  parte  da  sua  ocupaçom  era 
em  rrezar,  e  todollos  dias  rrezaua  as  oras  canónicas  segumdo  ho  custu- 
me  de  Sallusbri,  e  as  oras  de  nossa  Senhora,  e  dos  mortos,  o  os  sete 
sallmos  com  outras  mujtas  deuaçoões.  e  mujtas  uezes  rrezaua  o  sallteiro  i3 
todo,  e  outras  oras  certas  uigilias,  segumdo  a  hordenamça  de  sua  deua- 
çom.  E  o  tempo  que  lhe  ficaua,  nom  era  despeso  em  proueer  o  cofre  das 
joyas  nem  corregimentos  de  seus  toucados,  mais  em  proueitoso  eixerçiçio 
obramdo  per  suas  maãos  alguúas  obras  perteeçemtes  a  seu  estado,  nas 
quaaes  mujto  a  meude  fazia  ocupar  todallas  molheres  de  sua  casa,  polias  20 
arredar  dalguQs  aazos  comtrairos  da  sua  fortelleza.  nom  quero  dizer  mais, 
porque  a  fim  da  sua  uitoria  he  manifesta  proua  de  sua  gramde  uirtude. 
E  pois  que  ja  disse  destas  quatro  uirtudes,  que  perteeçem  a  emcaminha- 
mento  da  bem  hordenada  uida,  quero  dizer  das  outras  três,  que  ssom 
chamadas  theollogaaes,  que  jmteiramente  perteeçem  a  alma.  Nom  foi  25 
pequena  sua  ffe,  quamdo  por  amor  do  Senhor  Deos  lhe  prouue  trabalhar 
sua  uida  por  chegar  aa  fim  de  seu  deseio,  conheçemdo  que  o  perfeito  bem 

A'5q  r,2  era  o  rregno  dos  çeeos.  E  assy  amaua  todollos  *  guiadores  da  nossa  samta 
fíe,  e  auia  gramde  ódio  aos  jmfiees.  e  nom  he  duuida  que  o  Iftamte 
Dom  Hamrrique  seu  filho  ouue  aquella  meesma  empressam  demtro  no  3o 
seu  uemtre,  a  quall  o  fez  ao  depois  sempre  comsseguir  aquelle  deseio, 
segumdo  ao  diamte  em  nossa  estoria  será  comtado.  A  sua  uerdadeira 
esperamça  sempre  foi  em  Deos  e  nas  suas  uirtudes,  ca  numca  foi  achado 
que  temtasse  outras  maneyras  de  pouca  firmeza,  soomente  teer  sua  espe- 
ramça uerdadeira  naquelle  Senhor,  em  cujo  seruiço  deseiaua  uiuer  e  aca-  35 
bar.  o  quall  deseio  lhe  Deos  comprio,  como  ja  ouuistes.  Da  sua  cari- 
dade nom  direy  tamto,  quamto  com  rrezam  se  pode  dizer,  ca  sua  rri- 
queza  toda  era  thezouro  de  pobres,  fazemdo  mujtas  esmollas  segumdo  ja 

8.  muyto  A.  —  9.  assi  A. —  12.  leuantada  A.  —  19.  perteeçentes  A.  —  28.  assi  A. 


—  143  — 

teemos  dito.  Ella  tijnha  niujtas  merçee3Tas  em  todas  suas  terras, 
e  em  todollos  moesteiros,  em  que  auia  pessoas  rrelligiosas  e  de  boa 
uida,  daua  em  cada  huú  anno  ajuda  pêra  seu  mamtijmento.  e  assy 
pêra   casar   horfaas    e   criar   meninos.      Requeria    a  elRey  que  husase 

5      de  piedade  com   alguQas  pessoas,  em  que   a  justiça  nom  auia  tamanho 
lugar,   e  fazia  outros  mujtos  beés  em  comprimento  das  obras   da  cari- 
dade.    Por  todas  estas  cousas  *  cobrou  assy  a  bem  auemturamça  deste    A,59,v,  i 
mundo,  como  do  outro,  ca  em  este  mereçeo  naçer  da  mais   alta  geera- 
çom,   que   auia  amtre   todollos  primçipes  christaãos,   e  muy  aposta  de 

10  seu  corpo,  com  exçellemçia  de  uirtudes.  e  ouue  liuú  dos  homrrados  prim- 
çipes do  mundo  por  marido,  comstituido  em  dignidade  rreall,  o  quall  a 
amaua  mujto.  e  assy  ouue  filhos,  de  que  numca  uio  nojo,  amte  teue  rre- 
zam  de  sse  allegrar  mujto  com  elles,  porque  conhecia  que  nehuúa  rrai- 
nha  do  mundo  tijnha  filhos  semelhamtes  a  elles.  ouue  rriqueza  e  ser- 

i'5  uidores  mujto  obediemtes  e  seguidores  de  sua  uoomtade.  Assy  que  em 
este  mundo  nom  auia  mais  que  auer.  e  pêra  merecer  a  gloria  do  outro, 
lhe  deu  nosso  Senhor  a  sua  graça,  que  seguisse  o  caminho  das  uirtudes, 
per  que  mereçeo  de  cheguar  aaquella  fim  que  ja  dissemos.  Morreo  em 
sua  cama  acompanhada   de  seus  fihos.   ouue  assaz  espaço  em  sua  door 

20    pêra  fazer  os  derradeiros  offiçios   que   a  christaãos  perteeçem.   ca  durou 
treze  dias  em  sua  emfirmidade.     Ouue  uerdadeiro  conhecimento  do  Se- 
nhor Deos  com  gramde  arrepimdimento  de  *  seus  peccados.     Sua  com-    A,59,y,z 
çiemçia  desemcarregou,  sem  nehuú  trabalho  se  partiu  deste  mundo  mos- 
tramdo  taaes  synaaes  amte  de  sua  morte  pollos  quaaes  conhecemos  uer- 

25  dadeiramente  que  he  no  lugar  dos  samtos,  domde  conhecem  quamtas 
treeuas  jazem  sob  a  claridade  de  nosso  dia.  Pois  como  poderemos  com 
rrezom  chorar  a  sua  morte,  amte  altamente  deuemos  de  nos  allegrar 
aquelles  a  que  praz  da  sua  bem  auemturamça.  e  creamos  certamente  que 
nosso  Senhor  Deos  mamdou  por  ella  aas  prisoões  deste  mundo,   porque 

3o  a  sua  alma  lamçaua  amte  os  seus  pees,  que  lhe  pedisse  piadosamente  uito- 
ria  pêra  seu  marido  e  filhos,  com  saluaçom  de  todo  ho  outro  poboo  des- 
tes rregnos.  que  por  aazo  de  sua  morte  seus  filhos  podessem  seer  mais 
homrradamente  caualleyros.  ca  sse  ella  uiuera,  seus  filhos  forom  feitos 
caualleiros   em  Portugall,   segumdo  lho  elRey  tijnha  prometido,   que  lhe 

3i  nom  fora  tamanha  homrra,  como  foi  de  o  seerem  em  terra  dAíTrica  em 
huúa  tam  homrrada  cidade  depois  do  acabamento  de  tamta  uitoria.    Ora 

3.  assi  A.  —  4.  horfaãos  A,  orfas  I.  —  7.  assi  A.  —  8.  mumdo  A.  —  11.  mumdo  A.  — 
12.  assi  A. —  i5.  assi  A. —  16.  mumdo  A. — 20.  perteeçem]  perteem  A.  —  23.  mumdo  A. 
—  25.  logar  A.  —  26.  dia]  dija  A.  —  20-  mumdo  A.  —  33.  foram  A.  —  36.  despois  A. 


—  144  — 

A,6o,  r,  i  fazemdo  fim  deste  capitullo,  auees  de  saber  que  *  tamto  que  aquella  samta 
Rainha  foi  posta  em  sua  sepulltura  e  feitas  suas  exéquias,  os  Iffamtes  se 
partirom  dalli  acompanhados  daquelles  senhores  e  fidallgos.  e  sse  forom 
pêra  huúa  aldeã  que  esta  acima  daquela  jgreia,  que  o  Iffamte  Dora  Ham- 
rrique  mamdou  fazer,  que  chamam  Samta  Maria  de  Belleem,  e  a  aldeã  ha 
nome  Restello  por  rrazom  daquella  amcoraçam  que  alli  esta,  que  sse 
chama  per  essa  meesma  guisa,  e  alli  esteuerom  ataa  que  a  frota  partiu, 
como  adiamte  ouuirees. 


Como  os  Iffamtes  tciieram  sen  comsselho  açcrqna  dos  feitos  primei- 
ros, e  como  forom  faltar  a  elRey,  e  tornarom  outra  uei  a  teer  com- 
sselho aaquella  aldeã.      Capitullo  Rvij. 


P 


OR  aazo  daquelle  forte  acomteçimento  era  feito  em  todo  aquelle 
ajumtamento  huú  geerall  silemçio,  com  que  todos  amdauam  nom 
menos  pemssosos,  do  que  eram  de  ledos  amte  daquelle  feito.  E 
assy  como  todos  amdauam  uistidos  de  doo,  assy  tirarom  todollos  arreos  i5 
que  tijnham  as  gallees  e  nauios,  de  guisa  que  nom  parecia  a  frota  outra 
cousa  senom   aruores  dalguúa  mata,   a  que  a  força  do  foguo  priua  das 

A,6o,r,2  folhas  e  fruito.  E  nom*  sabiam  faliar  em  outra  cousa  senam  das  gramdes 
uirtudes  que  auia  na  Rainha,  nas  quaaes  nom  auia  hy  alguú  que  podesse 
achar  comtrayro.  E  mujto  duuidauam  de  sse  fazer  nehuú  mouimento  70 
açerqua  do  que  era  começado,  ca  deziam  que  tamanhos  três  synaaes, 
como  nosso  Senhor  Deos  em  aquelle  feito  mostrara,  nom  eram  pêra  teer 
em  joguo  .s.  a  gramde  pestenemça  que  dias  auia  que  amdaua  amtrelles, 
polia  quall  ja  falleçeram  mujtas  e  boas  pessoas.  E  o  segumdo  fora  o  cris 
do  soll,  que  foi  amte  alguiãs  dias  da  morte  da  Rainha,  em  tamanho  graao  25 
como  amte  na  memoria  daquelles  que  emtam  eram,  nem  depois  ataa 
este  presemte  numca  foy  uisto.  ca  duas  oras  comtinuadas  esteue  cuberto 
per  tall  guisa,  que  pareciam  todallas  estrellas,  e  assy  todollos  outros 
sinaaes  do  çeeo,  que  geerallmente  parecem  depois  que  o  soll  passa  ho 
oçidimtall  orizom,  e  o  crespucoUo  nos  traz  a  escuridade  da  noute.  E  o  3o 
terçeyro  foy  a  morte  da  Rainha,  que  sobre  todo  era  mais  semtida.  Os 
Iftamtes  tamto  que  forom  em  Restello  como  ja  ouuistes,  fallarom  loguo 
amtre  ssi  que  maneira  deuiam  teer  açerqua  de  seus  feitos,   e  acordarem 

A,6o,v,  i    *  que  era  bera  de  hirem  faliar  a  seu  padre,  a  quall  cousa  loguo  em  aquella 

I.  capitólio  A.  —  3.  foram  A. —  i5.  assi  (bis)  A.  —  26.  despois  A.  —  29.  despois  A. 
—  32.  foram  A. 


-145- 

noute  segLiimte  poserom  em  obra,  ca  pouco  mais  de  mea  noute  mamdarom 
fazer  prestes  os  batees,  e  sse  forom  Alhos  Vedros,  em  tall  guisa  que 
quamdo  era  manhaã  estauam  com  seu  padre,  o  quall  acharam  muy 
anoiado,  uestido  de  panos  timtos.  E  quamdo  outrossj'  uio  os  filhos  ues- 
5  tidos  de  burell,  rrenouousse  em  sua  uoomtade  huúa  muy  doorosa  nem- 
bramça  da  Rainha  sua  molher.  e  com  elle  estaua  o  comde  de  Barçellos 
seu  filho,  e  Gomez  Martimz  de  Lemos.  Senhor  disserom  os  Iffamtes, 
comsijramos  de  uos  uijr  fallar  açerqua  destes  feitos,  pêra  sabermos  a 
maneira   que  querees  teer,   e  fazermos  segumdo  semtirmos   uossa  uoom- 

10  tade.  Meus  filhos  rrespomdeo  elRey,  bem  ueedes  no  pomto  em  que 
estou,  e  que  cuidado  deue  de  seer  o  meu,  comsijramdo  em  tamanha  perda 
como  perdi,  cuja  nembramça  me  traz  tamanho  nojo,  que  nom  sei  cuydar 
em  outra  cousa.  Porem  leyxo  este  emcarreguo  a  uos,  disse  elle  comtra 
o  Iffamte  Duarte,  que   com  uossos  jrmaãos,  e  com  esses  outros  do  com- 

i5    sselho  fallees  açerqua  deste  feito,  e  o  que  acordardes  me  fazee  saber  pêra 

eu  comsijrar  sobre  ello.   e  determinar*   o  que  milhor  e  mais  proueitoso    A,óo,v,2 
parecer.     E  loguo  sse  os   lâamtes  tornarom  sem  outra  deteemça  pêra 
Restello,   e  fezerom  chamar  aquelles   do  comsselho  que  estauam  mais 
prestes,   os  quaaes  per  comto   forom  quatorze  comtamdo  hi  os  Iffamtes, 

20  cuios  acordos  forom  partidos  em  duas  partes  .s.  sete  a  cada  huúa  parte. 
E  os  lífamtes  todos  três  e  quatro  dos  do  comsselho  eram  era  acordo,  que 
todauia  elRey  deuia  partir,  como  primeiramente  tijnha  hordenado,  porque 
deziam  que  tamanhas  despesas  como  ja  eram  feitas,  e  taaes  prouijmentos 
com   tamtos   trabalhos  rremediados   e  buscados,   nom   deuiam   assy   de 

25  passar  em  uaão.  quamto  mais  pois  aquello  fora  mouido  primçipall- 
mente  por  seruiço  de  Deos,  se  nom  deuia  leixar  dacabar  por  nehuúa 
cousa,  nem  auia  hi  rrezom  per  que  sse  justamente  leixasse  de  fazer,  ca 
posto  que  assy  a  Rainha  falleçesse,  sua  morte  a  tall  feito  nam  deuia  fazer 
empacho,  ca  a  Rainha  nom  era  mais  que  huúa  molher,  cuja  morte  nom 

3o    trazia  outra  torua  pêra  seu  propósito,  soomente  'a  tristeza  que  elles  por 
sua   causa  filhauam.    a   quail  prazeria    a   Deos   que   abramdaria   a  boa 
amdamça  da  uitoria.     Quamto  *mais   que  a  fama  deste  feito   era   tam    A,<H.r,  i 
deuulgada  per  mujtas  partes  do  mundo,  que  todos  pemssauam  que  tama- 
nho mouimento  nom  podia  parar  sem  cometimento  dalguú  gramde  feito. 

35  polia  fim  do  quall  estauam  cada  dia  em  esperamça  de  ouuir  certo  rre- 
cado.  a  quall  cousa  seria  muy  uergonhosa  assy  pêra  elRey  como  pêra 
todo  o  rregno,  quamdo  soubessem  que  por  semelhamte  aazo  o  leixauam 

20.  foram  A.  —  3i.  abramdaria]  ajudaria  I.  —  33.  mumdo  A.  —  34.  grande  A. — 
36.  assi  A. 


—  146  — 

de  poer  em  fim.  Os  outros  sete  acordauam  que  todauia  elRey  por  nehuú 
caso  deuia  partir.  Por  certo  deziam  elles,  se  uos  dizees  que  por  esto  seer 
seruiço  de  Deos  o  deuemos  primçipallmente  de  seguir,  bem  sse  mostra 
que  lhe  nom  praz  de  semelhamte  mouimento.  por  quamto  amte  os  nossos 
olhos  traz  tam  manifestos  synaaes,  per  que  de  rrezam  deuemos  creer  que  o  5 
nosso  mouimento  he  comtrayro  de  sua  uoomtade.  Que  cousa  tam  maraui- 
Ihosa  pemssaaes,  que  he  o  dano  que  esta  pestenemça  fez  e  faz  cada  dia  em 
tamta  boa  gemte,  como  per  sua  causa  falleçeo  e  falleçe.  e  nom  he  duuida, 
que  depois  que  forem  todos  demtro  nos  nauios,  que  sse  nom  açemda  mujto 
mais,  ca  o  ajumtamento  a  fará  mujto  mais  açemder,  e  o  rremedio  pro-    10 

A,f>i,r,2  ueytoso  pêra  ello  seria  de  sse  espalhar  *  agora  esta  gemte,  e  he  certo  que 
nom  poderia  tamanho  foguo  estar  muyto  que  sse  nom  apaguasse.  E  sse 
nos  agora  partissemos,  pode  seer  que  assy  como  morreo  a  Rainha,  morre- 
ram outras  pessoas  taaes,  cujo  dano  trazera  mujto  gramde  perda.  Deue- 
mos ajmda  mujto  rreçear  tamanho  dano,  como  rreçebemos  na  morte  i5 
daquella  senhora,  porque  soomente  as  suas  oraçoões  eram  abastamtes 
pêra  nos  liurarem  de  quaaesquer  perijgos.  ca  bem  mostrou  nosso  Senhor 
Deos  sj'naaes  açerqua  da  sua  morte,  per  que  mujto  deuemos  semtir  a 
perda  de  seu  falleçimento,  do  quall  nom  ha  nehuú,  posto  que  de  pequena 
comdiçom  sela,  que  nom  tenha  muy  gramde  semtido.  Certamente  nos  20 
lhe  mostraríamos  sinall  de  pouco  amor,  perdemdo  em  tam  breue  tempo 
memoria  de  sua  morte,  nom  tomamdo  sequer  alguú  espaço  per  que  o 
mundo  conhecesse  o  semtido  que  tijnhamos  de  sua  morte,  mas  logo 
assy  tirados  dos  choros  de  sua  sepultura  fazermos  partida,  nom  seria  bem. 
E  que  ajmda  qtiisessemos  leixar  estas  cousas,  teemos  outro  muy  gramde  25 
empacho,  que  he  mujto  pêra  comsijrar.  e  esto  he  que  por  aazo  da  doemça 
da  Rainha  sse  desauiaram  mujtas  cousas,  pêra  corregimento  das  quaaes 

A,6i,y,i  nom  ha  mester  menos  de  huú  mes.  *pois  nos  somos  agora  casi  em  fim  de 
julho,  e  quamdo  huú  mes  passasse,  seriamos  em  fim  dagosto,  que  he  ja 
começo  do  jmuerno,  em  que  sse  nom  deue  começar  semelhamte  feito.  E  3o 
assy  que  por  todas  estas  rrezoões  se  deue  por  agora  escusar  a  eixecuçom 
desta  cousa.  Sobre  estes  dous  comtrairos  ouue  em  aquelle  comsselho 
muy  gramde  debato,  no  quall  dizem  alguús  que  o  Iffamte  Dom  Pedro  rres- 
pomdeo  alguúas  rrezoões  mais  ásperas  do  que  deuia  ao  comdestabre, 
porque  disseram  que  o  comde  era  huú  daquelles  que  mais  afirmaua  que  35 
elRey  deuia  ficar,  empero  nos  nam  o  soubemos  determinadamente,  nem 
o  Iffamte  Dom  Hamrrique  nos  em  ello  fallou.  creemos  que  o  fez  por 
escusar  alguú  prasmo,  que  ouueram  aquestes  que  estas  uozes  mamtijnham. 

2.  ser  A.  —  8.  duuyda  A.  —  24.  assi  A.  —  3i.  assi  A  —  eixucuçom  A.  —  33.  grande  A. 


—  147  — 

Como  os  Iffamtes  e  três  dos  outros  do  comsselho  tornaram  a  f aliar 

a  elRey  em  a  determinaçam  de  seus  acordos,  e  das  rre^oões  que 

elRey  açerqua  dello  disse,  e  como  finallmente  determinou  a  partida. 

Capitullo  Rviij. 

5     i"     OGUO  em  aquelle  dia  aquelle  comsselho  foy  posto  em  determinaçam, 

I         de  guisa  que   a  noute  seguimte  hordenaram  os  Iffamtes  de  tornar 

-■— i    com  *  a  rreposta  de  todo  a  seu  padre,  mas  porque  elles  todos  três    A,6i,v,2 

eram  de  huija  parte  segumdo  ja  ouuistes,  disseram  os  outros  que  tijnham 

a  outra,   que  fossem  outros  três  pêra  dar  cada  huú  sua  rrezam  segumdo 

10  a  alegara,  e  os  Iffamtes  disseram  que  era  muy  bem.  E  teueram  tall 
maneira  em  sua  partida,  que  quamdo  era  menhaã  ao  domimguo  seguimte 
forem  com  seu  padre  segumdo  fezeram  o  dia  damtes.  ElRey  se  apartou 
loguo  com  elles  em  huú  alpemdre,  que  estaua  naquellas  casas  liomde 
pousaua,  e  o  Iffamte  Duarte  disse  todallas  rrezoões  que  os  outros  allega- 

i5  uam,  comtrariamdo  a  hida  delRey,  damdolhe  ajmda  melhores  emtem- 
dimentos  e  mais  claros,  do  que  lhe  os  outros  que  alli  estauam  deputados 
pêra  ello  poderom  dar.  Em  fim  pregumtoulhes  se  queriam  ajmda  aalem 
daquello  dizer  alguúa  cousa,  e  elles  disseram  que  nom.  ca  tam  bem  o 
rrazoara  polia  sua  parte,  que  elles  semtiam  de  ssy  que  nom  poderam  mi- 

20    Ihor  dizer.     Mujtos  fallarom  depois  açerqua  daquelle  rrazoamento  que 
assy   fez  o  IfTamte,   auemdo  por  gramde  marauilha  tomar  assy  aquellas 
cousas  na  memoria  e  rreteellas  per  extemsso,  louuamdo  mujto  a  clareza 
de  seu  emtemder.  outros  *  porem  de  mais  dura  creemça  nom  podiam    A,b2,r, « 
emtemder  senom  que  artefiçiallmente  tomara  o  Iffamte  assy  aquellas  cou- 

25  sas,  ca  per  outra  guisa  nom  maginauam  que  sse  podesse  fazer,  como 
quer  que  em  ello  fossem  emganados.  ca  aquello  era  assaz  de  bem 
pouco  pêra  as  outras  mujtas  uirtudes,  que  lhe  o  Senhor  Deos  outorgara. 
Acabadas  assy  aquellas  cousas  que  perteeçiam  a  primeira  rrezom,  disse  o 
Iffamte  per  essa  meesma  guisa   as  outras,  que  a  elle  e  aos  de  sua  parte 

3o  perteeçiam.  ElRey  ouuidas  assy  aquellas  rrezoões,  descobrio  sua  cabeça 
que  tíjnha  cuberta  com  seu  doo,  e  disse.  Mujto  me  pesa  porque  cm  tam 
boas  pessoas  he  achado  nehuú  falliçimento  de  fraqueza  em  semelhamte 
caso.  ca  certamente  eu  cuidara,  que  posto  que  eu  por  causa  de  minha 
gramde  tristeza,  ou  por  outro  alguú  aazo  quisera  ficar,  que  elles  me  cos- 

35    tramgeram  pêra   ello,  comsselhamdome  que  todauia  seguisse  minha  uia- 

II.  dominguo  A. —  12.  foram  A. —  i3.  logo  A  —  alpemdere  A. —  14.  Duarte]  dom 
duarte  A.  —  zi.assi  (bis)  A.  —  24.  assi  A.  —  28.  assi  A.  —  3o.  assi  A.  —  32,  nehuú]  alguú  I. 


—  148  — 

gem.  Porem  comsijramdo  açerqua  de  todollos  empachos  que  elles  pose- 
ram  em  minha  hida,  cuja  força  primçipaUmente  esta  em  estes  acomteçi- 
mentos  que  sse  ora  seguiram,  comtamdo  pollo  mais  forte  ho  falliçimento 

A,62,r.2    da  Rainha  que  Deos  aja.  creemdo  que  o  aparecimento  *  destes  sj'naaes  he 

muy  gramde  amoestaçam  de  nossa  ficada,  o  que  eu  todo  emtemdo  5 
pollo  comtrairo,  porque  notório  he,  que  pêra  proseguimento  de  tamanho 
feito  nom  compre  mais  que  hirmos  arrepemdidos  e  purgados  de  nossos 
peccados,  emclinamdo  ao  Senhor  Deos  nossas  almas,  tornamdonos  a  elle 
de  todo  coraçom,  fazemdo  penitemçia  dos  erros  passados  que  comtra  elle 
cometemos,  e  demamdamdolhe  mu}'  humilldosamente  que  nos  liure  de  10 
nossos  jmmijgos,  e  que  lhe  praza  dar  gloria  a  seu  nome,  exallçamdo  a  sua 
samtaffe,  quebramtamdo  e  destroimdo  todollos  seus  comtrayros  com  a  sua 
própria  uirtude.  Esto  deuemos  tamto  com  mayor  dilligemçia  fazer,  quamto 
a  nossa  teemçom  he  mouida  a  mais  certa  fim.  a  quall  humilldade  nos  nom 
poderemos  mostrar  milhor  nem  mais  compridamente  em  outra  aiguúa  t5 
cousa,  como  sofreemdo  com  boom  coraçom  todollos  casos  comtrayros,  pois 
creemos  certamente  que  per  elle  som  hordenados.  ca  lhe  nom  fazemos 
em  ello  tamanho  seruiço,  como  fazemos  de  nosso  proueito.  porque 
necessário  he,  que  Deos  huse  das  suas  creaturas  como  lhe  prouuer. 
Quall  he  o  caualleiro  que  ha  demtrar  em  alguiãa  justa,  que  nom  proua    20 

A,62,v,  I  primeiro  seu  *  cauallo.  e  huú  dia  uee  com  que  assessego  soporta  ho 
arroido  e  peso  das  armas,  outro  com  que  força  toma  o  trabalho,  e  assy 
todallas  outras  cousas.  Pois  que  sabemos  nos,  se  nosso  Senhor  Deos  per 
estas  cousas  nos  quis  prouar.  ca  o  ouro  proua  o  fogo.  e  os  casos  da  for- 
tuna prouam  os  boõs  homeés.  Certamente  eu  creo  que  todas  estas  cousas  25 
que  assy  acomteçeram,  ssom  mais  porque  Deos  per  ellas  nos  mostra  a 
çertidom  da  uitoria  que  o  comtrayro,  porque  a  fim  da  tristeza  he  lediçe, 
e  a  fim  da  lediçe  he  tristeza.  E  nos  que  agora  somos  tristes,  prazemdo 
a  Deos  começamdo  nosso  feito  seremos  ledos,  porque  todallas  cousas 
depois  que  cheguam  a  moor  alteza,  nom  ham  lugar  de  mais  sobir.  E  a  3o 
nossa  tristeza  nom  poderá  seer  moor  pêra  todos  em  ella  teermos  parte, 
que  morrer  huúa  semelhamte  pessoa,  em  cujo  falleçimento  nom  ha  hi 
algui!  por  de  pequena  comdiçom  que  seia,  que  com  rrezam  nom  mostre 
semtido.  E  sua  perda  quamto  a  nos  fallamdo  dereytamente,  nom  faz 
outro  dano,  soomente  huúa  suydosa  nembramça,  a  que  nos  sua  presemça  35 
por  rrezam  de  seu  falleçimento  acarreta,  que  quamto  he  pêra  rrogar  a 
Deos  por  nos,  certo  he  que  nehuíia  pessoa  em  esta  uida  por  uirtuosa  que 

3.  pello  A.—  i3.  dilligençia  A.  —  22.  assi  A.  —  26.  assi  A.  —  3i.  pêra]  por  I. — 
35.  lembrança  A. 


—  149  — 

seia,  nom  he*  tam  dina  de  ouuir  uiuemdo  em  este  mundo,  como  depois    A,62,v,2 
que   he  apartada   desta  miserauell   casa  que  he  a  carne,   cujos  apetites 
comtinuadamente   nos  costrangem  a  peccado.     E  assy  emtemdemos  que 
nosso  Senhor  Deos,  queremdo  mais  limpamente  ouuyr  suas  oraçoões,  lhe 

5  prouue  de  a  tirar  damte  nos,  porque  sollta  deste  corporal!  carçer,  a  sua 
alma  mais  liuremente  podesse  comtemplar  na  diuinall  magestade  procu- 
ramdo  a  nossa  uitoria.  E  pêra  nos  isto  firmemente  creermos,  ponhamos 
amte  os  nossos  olhos  as  marauilhosas  cousas,  que  lhe  acomteçerom  amte 
de  sua  morte,  polias  quaaes   certamente  sabemos,  que  a  sua  alma   esta 

IO  em  bem  auemturado  rrepouso.  Porem  por  todas  estas  rrezoões  eu  deter- 
mino com  a  graça  do  Senhor  Deos  de  seguir  todauia  minha  temçom  por 
seu  seruiço.  ca  doutra  guisa  nom  me  parece  que  faria  o  que  deuo.  O 
comde  de  Barçellos  que  alli  estaua,  fallara  ja  com  elRey  açerqua  daquello, 
comsselhamdoo  que  todauia  seguissie  seu  propósito,  e  assy  fez  em  aquella 

i5  ora  que  ajudou  mujto  a  temçom  dos  Iftamtes.  e  per  semelhamte  fez 
Gomez  Martimz  de  Lemos,  que  era  huú  homem  de  gramde  ssiso,  pollo 
quall  elRey  daua  gramde  autoridade  a  seus  comsselhos. 


Como  sse  os  Iffamtes  tornarom  a  Restello,   e  do  auiamento  que   A,63,r,  i 
deroTii  a  todallas  cousas  que  perteeçiam  a  sua  uiagem. 
20  Capitullo  Rix. 

QUAMDO  os  Iftamtes  semtirom  de  todo  a  uoomtade  de  seu  padre, 
ouuerom  gramde  rrefrigerio  pêra  seu  nojo  passado,  e  ass}'  dis- 
serem que  lhe  tijnham  mujto  em  merçee  semelhamte  determina- 
çom.  Ora  que  será  senhor,  disseram  os  outros  três  que  alli  estauam,  ca 
25  ajmda  nom  teemdes  todo  acabado,  porque  huúa  das  mayores  duuidas  que 
achamos,  assy  he  que  o  descomçerto  que  sse  fez  na  frota  por  aazo  da 
morte  da  Rainha,  nam  sse  pode  tam  asinha  emcaminhar,  que  ao  menos 
nom  seia  necessário  esperar  huú  mes.  E  a  uossa  frota  disse  eIRey  com- 
tra  o  Iffamte  Dom  Hamrrique,  assy  esta  descomçertada  que  lhe  seia  neçe- 
3o  ssario  aquelle  espaço  pêra  sse  tornar  a  auiar.  O  descomçerto  senhor  que 
ella  tem  disse  o  Iff"amte,  he  que  uos  podees  logo  agora  meter  em  ella,  e 
partir  quamdo  quiserdes,  ca  a  mayor  deteemça  será  em  alleuamtar  as 
amcoras  e  aparelhar  as  uellas.  Pois  que  -assy  he  disse  elRey,  toda  minha 
deteemça   será  daqui  ataa   quarta  feyra,   e  depois  siguame  quem  poder. 

I.  ouuir]  ser  ouuida  I  —  mumdo  A  —  despois  A.  —  3.  assi  A.  —  19.  perteemçiam  A. 
21.  sentirem  A.  —  22.  noio  A  —  assi  A.  —  26.  assi  A.  —  28.  seja  A. — 20.  assi  A.  —  33.  assi  A. 


—  i5o  — 

A,63,r.2  E  uos  meus  *  filhos  tornayuos  loguo  a  uossa  frota,  e  fazee  dar  a  todo  tall 
auiamento,  que  quarta  feira  a  Deos  prazemdo  possamos  partir.  E  porque 
o  feito  das  armas  nom  ha  mester  tristeza  nem  choro,  nem  rroupas  de 
doo,  amte  rrequere  que  os  caualleiros  se  guarneçam  das  melhores  cousas 
que  teuerem,  porque  a  sua  uista  lhes  allegre  os  coraçoões,  como  sse  5 
escpreue  que  faziam  os  Romaãos.  porem  uos  tiraae  loguo  uosso  doo,  e 
uistiuos  como  amte  sohijeis,  e  ajmda  milhor.  e  assy  daae  auiamento  a 
todollos  outros  que  o  façom.  e  outro  tempo  com  a  graça  de  Deos  esco- 
lheremos em  que  sse  possa  mais  rrazoadamente  fazer  nosso  doo.  Os 
Iffamtes  partiram  logo  caminho  da  frota,  e  o  Iffamte  Dora  Hamrrique  lo 
comuidou  a  seus  jrmaSos  pêra  jamtarem  com  elle  em  sua  gallee.  e 
tamto  que  forom  em  ella,  trouxeram  loguo  os  uistidos  aos  outros  Iffamtes, 
e  elle  uistiusse  jsso  meesmo,  e  mamdou  apemdoar  toda  sua  gallee,  e  disse 
aas  trombetas  que  sse  posessem  na  mayor  altura,  e  que  fezessem  em 
seus  estromentos  todo  sinall  de  lediçe  que  podessera.  E  como  era  li 
domimgo,  e  os  homeés  por  rrezam  das  calmas  estauam  todos  jugamdo  e 

A,63,v.  1  follgamdo  em  seus  nauios.  ca  o  mais  que  *  podiam,  escusauam  a  cidade 
por  causa  da  gramde  pestenemça  que  nella  amdaua.  e  quamdo  ouui- 
rom  o  soom  das  trombetas,  de  que  tijnham  por  emtom  pequena  espe- 
ramça,  fiquaram  amtre  ssi  meesmos  mujto  marauilhados.  empero  pem-  20 
ssarom  que  os  Iffamtes  nom  estauam  alli.  e  que  por  ello  aquelles  seus 
trombetas  com  pouco  auisamento  filharam  assy  aquelle  ousio.  E  alguiis 
daquelles  capitaães  que  alli  estauam.,  quiseram  mamdar  rrequerellos  que 
sse  callassem.  mas  quamdo  lhe  os  seus  disseram  como  a  gallee  estaua 
toda  apemdoada,  e  que  aallem  do  soom  das  trombetas  ouuiam  em  ella  25 
charamellas  e  outros  estromentos,  bem  criam  que  era  todo  feito  a  outra 
fim.  e  trigosamente  mamdaram  aparelhar  seus  batees  pêra  saber  parte, 
que  queria  seer  aquella  nouidade.  E  os  que  pousauam  nas  aldeãs,  ou 
amdauam  follgamdo  ao  lomgo  daquella  praya,  mujto  asinha  se  chegarem 
aa  rribeyra  pêra  seerem  certos  do  que  aquello  queria  seer.  em  breue  3o 
tempo  forom  tamtos  os  batees  darredor  da  gallee  do  Iftamte,  que  queriam 
jugar  as  punhadas   quall  poderia  primeiro  chegar  ao  bordo.     E  depois 

A,63,v,2    que  souberam  a  determinaçam*  do  feito,  poserom  logo  mujta  trigamça  em 
tornarem  a  correger  seus  nauios  per  a  guisa  que  ja  estaua  aquella  gallee. 
Em  uerdade  era  fremosa  cousa  de  ueer  huúa  frota,  que  polia  menhãa    35 
parecia  alguúa  mata   que  perdera  as  folhas  e  o  fruito,   e  em  tam  breue 
tempo  tornaua  a  parecer  huú  tam  fremoso  pumar  acompanhado  de  muj- 

7.  assi  A.  —  12.  foram  A.  —  18.  neella  A.  —  19-20.  esperança  A.  —  22.  assi  A.  — 
26.  feito]  o  feito  A.  —  82.  despois  A.  —  35.  pella  A. 


—  i5i  — 

tas  folhas  uerdes  e  frolles  de  mujtas  coores.  ca  assy  eram  os  pemdoóes 
de  desuayradas  guisas,  e  que  camtauam  em  elle  mujtas  aues  de  gracioso 
soom.  ca  os  estromentos  nom  eram  poucos,  ca  em  cada  nauio  estauam 
estromentos  de  desuayradas  guizas.  os  quaaes  todo  aquelle  dia  a  huúa 
b  uoz  numca  fizeram  fim  de  tamger.  Nom  tardou  mujto  que  as  nouas 
chegaram  aa  cidade,  as  quaaes  fezeram  em  ella  huú  nouo  aluoroço.  por- 
que todos  estauam  ja  casi  despercebidos  de  semelhamte  mouimento,  por 
cuja  rrezom  lhes  foy  necessário  de  sse  trigarem  pêra  tornarem  todo  a 
correger.    ca   o  espaço  era  muy  breue  pêra   sse   mouer  tamanho  feito. 

IO    e  forom  logo  dados  pregoões,  que  ataa  terça  feyra  per  todo  o  dia  fossem 
todos  rrecolhidos  a  sua  frota.     Boom  he  de  comsijrar  que  mamdado  tam 
trigoso*  de  semelhamtes  cousas,  nom  lhes  daria  gramde  espaço  pêra  dor-    A,64,r,  i 
mir.     Mujtas   cousas  fallaria  aqui  se  quisesse,  açerqua  dos  desuayrados 
juizos  que  sse  dauam  sobre   aquella  partida,  espiçiallmente  a  gemte  do 

i5  pouoo,  culpamdo  mujto  elRey,  porque  fazia  semelhamte  mouimento. 
dizemdo  que  o  prioll  do  Espitall  com  suas  sotillezas  mouera  primeira- 
mente aquelle  feito,  e  que  elle  tiraua  ajmda  elRey  agora  de  seu  ssiso. 
Outros  diziam  que  elRey  nom  quisera  partir,  posto  que  aquelle  ajumta- 
mento  assy  esteuesse  feito,  uistos  os  marauilhosos  sinaaes  que  lhe  acom- 

20  teceram,  mas  que  o  prioll  jmduzira  os  Iffamtes,  e  que  elles  como  homeés 
mamçebos  deseiadores  de  cousas  nouas,  aficaram  seu  padre  tamto  que  o 
fezeram  partir  comtra  sua  uoomtade.  Ora  bom  pay  deziam  elles,  ca  pa- 
lhas foy  a  perda  da  Rainha  pêra  a  que  muy  cedo  ha  de  seer.  ca  nos 
outros  nom  partimos  senam  como  homeés,   que  queremos  temtar  Deos. 

25    e  elRey  cuyda  que  com  estes  filhos  ha  de  tomar  a  garça  no  aar,  porque 
os  uee  assy  homeés  de  proU  e  desemuolltos  nas  manhas,   e  que  nom  ha 
mais  na  força  das  armas  que  quamto  elles  sabem.     Ajmda*  he  de  ueer    A,64,r,2 
queiamdos  homeés  seram,   depois  que  forem  nos  perijgos.   ca  elles  atee 
aguora  nom  prouaram  como  sabe  o  ferro  frio.     Mas  a  culpa  deste  feito 

3o  nom  he  tamto  de  nehuú  delles,  como  doutros  mujtos  senhores  de  Portu- 
gall  que  ssom  homeés  diosos,  e  que  teem  esperiemçia  de  mujtas  cousas, 
que  lhe  deuiam  de  comtradizer.  e  que  ao  menos  comssijrassem  taacs  sinaaes 
como  acomteçem  cada  dia  no  çeeo  e  na  terra.  Quem  cuydaaes  deziam 
outros,  que  ha  de  teer  atreuimento  de  fallar  a  elRey  em  tall  cousa,   ca 

35  mais  de  três  anos  auia,  que  elle  tijnha  este  feito  começado,  e  ajmda  nom 
sabia  outrem   senam  os  Iffamtes  e  o  prioll.   e  he  certo  que  aquella  hida, 

I.  assi  A.  —  4.  guysas  A.  —  5.  nunca  A.  —  7.  cassi  A.  —  14.  gente  A.—  20.  jnduzira 
A.  —  21.  mancebos  A.  —  22.  bom  I,  boa  A.  —  26.  assi  A.  —  28.  despois  A.  —  28-29.  ^^^^ 
aguora]  atee  guora  A. 


—    l52  — 

que  elle  fez  a  Castella  nonrfoy  senam  per  mamdado  delRey,  nem  a  pri- 
sam  em  que  o  teueram,  nom  foi  feita  senam  açijmte.  Ora  diziam  outros, 
callayuos,  ca  nos  ho  ouuimos  a  pessoas  que  ham  rrezam  de  o  saber,  que 
eIRey  nom  quisera  hir  uistas  as  cousas  que  acorateçeram,  se  o  líTamte 
Dom  Hamrrique  nom  fora.  ca  diziam  todos  que  a  frota  nom  podia  seer  5 
prestes  se  nom  passamte  de  huú  mes.  por  cuja  rrezom  elle  quisera 
fiquar,  se  lhe  o  Iffamte  nom  dissera  que  fosse  na  sua,  que  estaua  de  todo 
A,64,v,  I  prestes.  Nom  foy  ail  diziam  *os  outros,  ca  elRey  sempie  teue  este  filho 
por  mais  homem,  que  nehuij  dos  outros  pêra  feito  darmas.  e  assy  sse 
gloriaua  estranhamente  de  fallar  em  elle,  quamdo  lhe  disseram  que  trazia  lo 
sua  frota  bem  corregida  do  Porto,  empero  ajmda  he  de  ueer,  ca  gramde 
deferemça  ha  de  tratar  os  porcos  monteses  na  Beyra,  a  pelleiar  com  os 
homeés  armados  que  sse  sabem  defíemder.  elles  cuydam  que  sam  as 
justas  daqui,  que  sse  nom  quer  nemguem  atreuer  de  os  hir  emcomtrar. 
Sobre  todo  praza  a  Deos  que  seia  por  bem,  o  que  aa  bofte  esta  em  duuida,  i3 
segumdo  muitos  sesudos  presumem,  comsijramdo  os  duuidosos  casos  que 
sse  açerqua  dello  podem  seguir. 


Corno  elRey  partio  d  Alhos  Vedros  na  gallee  do  comde  de  Barçellos, 

e  sse  ueo  lamçar  a  Restello,  e  como  no  dia  seguimte  se  foy  cotn  sua 

frota  amcorar  açerqua  de  sanita  Caterina.      Capitullo  L. 

2C 

EM  este  pequeno  espaço  que  teemos  dito,  se  fezeram  prestes  casi  a 
ma}'or  parte  de  todoUos,  que  auiam  de  hir  em  aquella  frota,  e 
omde  amte  pediam  espaço  de  huij  mes,  lhes  abastaram  três  dias,  e 
ajmda  nom  de  todo  acabados.  Aa  quarta  feira  se  meteo  elRey  na  gallee 
do  comde  Dom  Aftomsso,  e  foromsse  pêra  elle  os  Ifíamtes  e  mujtos  25 
A,64,v.2  daquelles  *  senhores  que  alli  eram,  e  ueo  aquella  noute  cear  e  dormir  a 
Restello.  a  quall  nos  podemos  bem  afirmar  que  foy  milhor  uigiada,  que 
por  uemtura  fora  a  noute  da  naçemça  de  nosso  Senhor  Jesu  Christo, 
porque  o  arroido  era  tam  gramde  na  frota,  que  os  homeés  huijs  com  os 
outros  nom  sse  podiam  emtemder.  e  aquella  praya  nom  era  menos  allu-  3o 
miada  de  tochas  e  acompanhada,  que  sse  sse  em  ella  fezeram  festas  dal- 
guú  gramde  primçipe.  e  nom  menos  era  o  trafego  na  cidade,  por  aazo 
das  mujtas  cousas  que  lhe  eram  necessárias  pêra  sua  uiagem.  No  dia 
seguimte,  que  era  uespera  de  Samtiago  uijmte  e  quatro  dias  do  mes  de 
julho,  partio  elRey  dalli,  e  mamdou  lamçar  amquoras,  e  foy  aquella  noute    35 

1.  ell  A.  —  7.  lhe  I,  lho  A.  —  9.  assi  A.  —  28.  Jhú  xpõ  A.  —  35.  lamçar  A,  leuar  I. 


—  i53  — 

açerqua  de  samta  Caterina.  Este  pouso  que  assy  elle  fez  tam  preto,  foy 
pêra  dar  aazo  que  sse  rrecolhesse  a  jemte  com  mayor  trigamça.  mas  no 
outro  dia,  que  era  dia  de  Samtiago  mamdou  dar  aas  trombetas  da  sua 
gallee,  porque  tamto  que  fora  em  Restello  sse  sahira  da  outra.  E  assy 
5  como  deram  aas  trombetas  na  sua,  assy  deram  em  todollos  outros  nauios, 
fazemdo  sinall  aos  marinheyros  que  desfalldrassem,  o  quall  em  huú  pomto 
foy  posto  em  obra.  e  assy  emcaminharam  com  boauemtura*  caminho  A,c,5,r,i 
da  foz.  ElRey  como  ja  disse  leuaua  a  capitania  das  gallees,  e  o  Iffamte 
Dom  Pedro  das  naaos,  ieuamdo  cada  huú  seu  foroU  pêra  rregimento  das 

10  outras.  E  porque  aiguús  quereram  saber  quaaes  eram  estes  primçipaaes 
que  hiam  com  elRey,  escpreuemollos  aqui.  empero  nom  lhe  guardamos 
nehuOa  hordenamça  no  escpreuer,  porque  achamos  que  per  nehuij  modo 
o  poderíamos  fazer.  Era  primçipallmente  depois  delRey  o  Iffamte  Duarte, 
e  o  Iffamte   Dom  Pedro,  e  o  Iffamte  Dom  Hamrrique,   e  o  comde   de 

i5  Barçellos,  e  o  meestre  de  Chrísto  Dom  Lopo  Diaz  de  Sousa,  e  o  prioll  do 
Espitall  Aluoro  Gomçailuez  Camello,  e  o  comdestabre,  e  o  alm.iramte 
miçe  Lamçarote,  o  marichali  Gomçallo  Vaaz  Coutinho,  o  capitam  Affomsso 
Furtado  de  Memdoça,  Joham  Gomez  da  Sillua  alferez  delRey,  o  comde 
de  Viana  Dom  Pedro  alferez  do  ItTamte,  Dom  Fernamdo  de  Bragamça 

20    filho  do  Iffamte  Dom  Joham  jrmaão  que  fov  delRev,   Dom  Affomsso  de 
Casquaaes,   Dom  Joham   de  Crasto,   Dom  Fernamdo  seu  jrmaão,   Dom 
Aluoro  Pirez  de  Castro,  Dom  Pedro  seu  filho,  Dom  Joham  de  Loronha, 
Dom  Hemrrique   seu  jrmaão,  ISIartim  Affomsso*  de  Mello  guarda  moor    A,ó5,r,2 
delRev,  Joham  Freyre  dAmdrade,   Lopo  Aluarez  de  Moura,   Gill  Vaaz 

25  da  Cunha,  Vaasco  Martimz  da  Cunha,  Diego  Gomez  da  Sillua,  Gomçallo 
Eannes  de  Sousa,  Pêro  Louremço  de  Tauora,  Aluoro  Nogueyra,  Joham 
Alvarez  Pereyra,  Joham  Rodriguez  de  Saa,  Martim  Vaaz  da  Cunha, 
Affomsso  Vaaz  de  Sousa,  Gomçallo  Louremço  de  Gomide  escpriuam  da 
puridade,  Nuno  Martimz  da   Sillueyra,  Joham  Affomsso   de  Samtarem, 

3o  Ayras  Gomçallues  de  Figueyredo,  Gomçallo  Nunez  Barreto,  Aluoro 
Meemdez  Cerueyra,  Meemdo  Affomsso  seu  jrmaão,  Diego  Lopez  de 
Sousa,  Gomçallo  Eannes  dAabreu,  Vaasco  Fernamdez  Coutinho,  Aluoro 
Perevra  sobrinho  do  comdestabre,  aquelle  cujos  filhos  ao  depois  teueram 
carrego  da  criaçom  delRey  Dom  Affomsso,  como  adiamte  será  comtado, 

35  Gomez  Martimz  de  Lemos,  Joham  Affomsso  de  Brito,  Diego  Aluarez 
meestre  sala,  Luis  Aluarez  Cabrall,  Fernam  dAlluarez  seu  filho,  o  doutor 

I.  assi  A.  —  2.  jente  A.  —  4.  assi  A.  —  10.  queriam  A.  —  i3.  despois  A.  —  23.  AfTom 
A.  —  25.  Martimz]  miz  A.  —  25-26.  Gomçalle  annes  A.  —  27.  Rodriguez]  noiz  A.  — 
29.  Martimz]  miz  A.  —  3i.  afTom  A,  —  32.  Gomçalle  annes  A.  —  35.  Martimz]  raiz  A. 


—  i54  — 

Martim  dOssem,  Diego  Fernamdez  dAlmeyda,  Diego  Soarez  dAlbergaria, 
Aluoro  da  Cunha,  Aluoro  Fernamdez  Mazquarenhas,  Joham  Affomsso 
dAllamquer,  Gomçallo  Pereyra  de  Vouzella,  Ruy  Vaaz  seu  jrmaão,  Gom- 

A,65,v,  1    çallo  Pereyra  das  armas,  Lopo  Diaz  dAzeuedo,  Martim  *  Lopez  dAze- 

uedo,   Fernam   Lopez  dAzeuedo,   Gomçallo  Gomez  dAzeuedo  alcayde      5 
dAllamquer,   Johane  Meemdez  de  Vaascomçellos,   Ruy  de  Sousa,  Nuno 
Vaaz   de  Castello  Bramco,   Lopo  Vaasquez,  Fero  Vaasquez,   Gill  Vaas- 
quez,  Paj'o  Rodriguez,  Diego  Soares,  Joham  Soarez,  todos  estes  jrmaãos 
de  Nuno  Vaasquez,  Ruj'  Gomez  dAlua,   Garcia  Moniz,  Paay  Rodriguez 
dAraujo,   Joham  Fogaça,  Vaasco  Martimz  do  Carualhal,  Fernam  Vaas-    lo 
quez   de   Sequeyra,   Fernam   Gomçalluez  dArqua,   Esteuam   Soarez  de 
Mello,   Meem  Rodriguez  de   Refoyos,    Vaasquo   Martimz   dAlbergaria, 
Joham    Vaasquez    dAlmadaã,   Pêro   Vaasquez,    Aluoro   Vaasquez    seus 
filhos,    Aluoro    Gomçalluez   dAtayde    gouernador    da    casa   do    Ifíamte 
Dom  Pedro,  Vaasco  Fernamdez  dAtayde  gouernador  da  casa  do  Ifíamte    i3 
Dom    Hamrrique,    Pêro    Gomçalluez   Mallafaya,    Luis   Gomçalluez    seu 
jrmaão,    Joham   Rodriguez    Taborda,    Pêro    Gomçalluez    de   Curutello, 
Joham  dAtayde,  Joham  Pereyra,  Aluoro  Peixoto,  Pêro  Peixoto,  Bem- 
bendim   de    Barbudo,   Pedro   Eannes   Lobato,  Ruy  Vaasquez   Ribeyro, 
Diego  Lopez  Lobo,  Aluaro  Eannes  de   Cernache,  Aluoro  Ferreyra,  que    20 
depois  foy  bispo  de  Coymbra,   Gomez  Ferreyra.     Todos  estes  senhores 

A,r)5,v,2  fidallgos  eram  capitaaes  de  jemte  *mujta  ou  pouca,  cada  huú  segumdo  seu 
estado.  E  afora  estes  eram  com  elRej'  aquelles  estramgeiros  que  ja 
dissemos,  e  huú  rrico  cidadaão  de  Imgraterra,  que  chamauam  Momdo, 
que  ueo  a  seruiço  delRey  com  quatro  ou  çimquo  naaos  e  mujtos  arche}'-  25 
ros  e  outra  gemte.  Ficarom  jsso  meesmo  no  rreyno  per  todallas  comar- 
quas  fidallgos  rrepartidos  pêra  guardar  as  fromtarias,  e  sobre  todos  o 
meestre  dAuis  que  ficaua  em  pessoa  delRey. 


8.  Rodriguez]  roiz  A.  —  9.  dAlua  A,  da  Silua  I  —  Rodriguez]  roiz  A.  —  10.  Martimz] 
miz  A. —  12.  Rodriguez]  roiz  A  —  darrefoyos  A  —  Martimz]  miz  A. —  17.  Rodriguez] 
roiz  A.  —  18.  Pêro  Peixoto]  na  margem  A.  —  18-19.  Belendim  de  Barbuda  I.  —  19.  Pedre 
annes  A.  —  20.  Aluara  annes  A. 


—  i55  — 

Como  elRey  em  aquelle  dia  que  partio  fe:{  sua  oraçom  muy  deuota- 
mente,  e  das  cousas  que  em  ella  pidio.     Capitidlo  Lj. 

GRAMDE  foy  sempre  a  deuaçom  que  elRey  teue  em  todos  seus  dias, 
segumdo   ja   disse  no  prolloguo  daquesta  estorea.   e  dizem  que 
_,  em   aquelia  sesta  feyra  que  ouue  de  partir,  teemdo  seu   altar 

corregido,  em  desfalldramdo  as  uellas  de  sua  frota  se  pos  em  jeoihos,  e 
alieuamtou  os  olhos  e  as  maãos  comtra  o  çeeo,  e  disse.  Senhor,  porque 
tua  emfimda  merçee  e  piedade  amtre  as  tuas  gramdes  e  marauiihosas 
obras  feitas  per  teu  jmfimdo  poder,  te  prouue  trazeres  a  mym  teu  pequeno 

,o    seruo  a  este  estado,  em  que  me  poseste  *  por  tua  graça,  damdome  rreynos    A,tj6,r,  i 
e  terras  a  rreger  e  mamdar,  no  quall  me  fezeste  mujtas  e  gramdes  mer- 
çees,   primçipallmente   damdome   ajuda   e  esforço  pêra  comtrariar  meus 
jmmijgos,   e   agora  me  chegaste   a    este  tempo,   prazate  por  tua  samta 
merçee   que  te  nembres  de   mym  e  deste  teu  pouoo,  de  que  me  deste 

i5  emcarrego  que  somos  aqui  ajumtados  pêra  fazer  teu  samto  seruiço,  e  nos 
queyras  dar  uitoria  comtra  os  jmmijgos  da  tua  samta  ffe,  guardamdo  a 
satisfaçom  de  nossos  peccados  pêra  outro  tempo.  E  uos  minha  senhora 
uirgem  Maria,  que  sempre  de  meus  feitos  fostes  uogada,  prazauos  comti- 
nuardes  em  minha  ajuda,  porque  pollos  uossos  meriçimentos  eu   rreçeba 

20  uitoria  daquello  que  sabees,  que  com  tamanho  deseio  uou  rrequerer.  O 
uemto  frio  nas  uellas  começou  de  lamçar  a  frota  polia  boca  da  foz,  a 
quall  cousa  era  tam  fremosa  de  ueer,  que  aquelles  que  o  uiam  nom 
podiam  cuydar,  que  sobre  semelhamte  prazer  auia  outro  mayor.  E  de 
todo  o  ajumtamento  daquelles   que  ficarom  em  Lixboa,  era  pollos  muros 

25    dalcaçoua  e  assy  per  todollos  outros  lugares,  domde  sse  bem  podia  ueer 

a    sahida   daquella  frota,  na  quall  cousa*  todos  nom  semtiam  pequena    A,6t>,r,2 
follgamça  saluo  alguús   que  elRey  per  necessidade  mamdara  ficar.     Oo 
Senhor  deziam   elles,   camanho  amor  mostraste  ao  pouoo  de  Portugall, 
quamdo    lhe   deste    semelhamte    primçipe    pêra   seu    rregimento.     Bem 

3o  auemturado  foy  o  dia  em  que  o  seu  naçimento  apareçeo  em  este  mundo, 
ca  elle  por  certo  pos  a  uerdadeira  coroa  sobre  a  cabeça  do  seu  pouoo. 
Vaa  deziam  elles,  com  tamta  boa  uemtura,  que  a  fama  da  sua  uitoria 
faça  emueja  a  todollos  primçipes  do  mundo.  E  alli  queria  cada  huú 
çerteficar  que  sabia  a  uirtude  daquelle  segredo,  mas  nom  porem   que  o 

35  nehuú  soubesse  certamente,  outros  se  qxieriam  trabalhar  de  saber  o 
numero   da  frota,   como  quer  que  seu  trabalho  açerqua  dello  prestasse 

1.  aquell  A. —  i3.  emmijgos  A. —  25.  assi  A.  —  27.  foUganca  A.  —  3o.  mumdo  A. 
3i.  ell  A.  —  33.  mumdo  .K. 


—  i56  — 

pouco.  E  assy  esteueram  em  suas  departiçoões  com  pouca  nembramça 
de  comer  nem  beuer.  e  mujtos  delles  tijnham  os  rrostros  clieos  dagua, 
nom  podemdo  rreteer  a  força  de  suas  lagrimas  amte  a  gramdeza  de 
sua  marauilhosa  allegria,  nom  sse  queremdo  dalli  partir  ataa  que  os 
montes  de  Cezimbra  escomderam  toda  a  uista  da  frota.  Assy  correram 
todos  aquelles  nauios  sua  uiagem,  de  guisa  que  ao  sábado  sobre  a  tarde 
A,66,v,  1  *  começarom  de  dobrar  o  cabo  de  sam  Vicemte.  e  por  rrazora  de  certas 
rrelliquias  que  alli  jaziam,  mesurarom  todas  suas  uellas  em  dobramdo  o 
cabo  por  sinall  de  rreueremça.  e  aquella  noute  foi  a  frota  toda  jumta- 
mente  amcorar  na  bahia  de  Laguos.  E  ao  domingo  seguimte  sahio 
elRey  em  terra,  e  teue  loguo  alli  seu  comsselho,  no  quall  foy  determinado 
que  sse  deuulgasse  claramente  toda  a  uerdadeira  emtemçom  daquelle 
mouimento.  porem  foy  mamdado  ao  meestre  frey  Joham  Xira  que  pree- 
gasse,  porque  todo  o  pouco  podesse  uerdadeiramente  saber  quall  era  a 
emtemçom,  por  que  sse  elRev  mouera  a  fazer  aquelle  ajumtamento. 


Como  o  meestre  frey  Joham  Xira  preegou  amte  a  uista  de  todo  o 
pouoo,  e  das  rre{o5es  que  disse.      Capitidlo  Lij. 


M" 


UJTAS  uezes  falley  nos  capituUos  amte  deste,  com  quamto  cuydado 
e  dilligemçia  foy  sempre  guardado  o  segredo  daqueste  feito  ataa 
este  pomto,  que  ja  a  sua  rrotura  nom  podia  trazer  nehuú  dano.    20 
e  porem  determinou  elRey  com  acordo   de  seu  comsselho  de  seer  alli     - 
deuullgado,  pêra   a  quall  cousa  mamdou  preegar  ao  meestre  frey  Joham 
A,C6,v,2    Xira,  o  quall  auisado  do  que  auia  de  dizer  sobio  *  em  seu  pullpito  pêra 
auer  de  preegar  amte  aquelle  pouoo.     E  ajmda  que  lhe  muy  breue  espaço 
fosse   dado,  elle   assy  como  homem  mujto  abastado  de   çiemçia  fallou    25 
mujtas  cousas  de  gramde  autoridade,  das  quaaes  nos  apanhamos  alguúas 
pequenas  partes,  assy  como  as  podemos  apremder  segumdo  a  lomgura  do 
tempo  por  acompanharmos  nossa  estoria.     Creo  disse  elle,   que  depois 
que   elRey   nosso   senhor   teue  determinada    a   emxucuçom   deste   feito, 
forom  amtre  uos  outros  desuayrados  juyzos  açerqua  de  sua  emtemçom,    3o 
nom  cora  pequeno  deseio  de  saber  o  seu  uerdadeiro  propósito,  elle  assy 
como  primçipe  mujto  sesudo,  acaudellamdosse  dos  danos  que  poderiam 
acomteçer  a  uos  e  a  elle,  guardou  sempre  seu  segredo,  como  compria  aa 
gramdeza  de  tamanho  feito.     Agora  homrrados  senhores,  que  serate  que 

1.  os]  o  A.  —  5.  assi  A. —  i5.  aquell  A.—  18.  Mvitas  A.  —  20.  ponto  A.  —  24.  aquell 
A.  —  25.  come  A.  —  3 1.  assi  A. 


-  i57- 

he  rrazoado  de  uos  seer  rreuellado,  uos  faz  saber  que  comsijramdo  elle 
as  mujtas  e  gramdes  merçees,  que  Deos  teem  feitas  a  estes  seus  rreynos 
e  a  uos  outros  seu  pouoo,  damdolhe  tamtas  e  tam  gramdes  uitorias  com- 
tra  seus  jmmijgos,  polias  quaaes  trouxe  seus  feitos  a  este  fim.  e  porque 
5  em  trautamdo  assy  aquellas  primeiras  cousas,  *  ajmda  que  comtra  sua  A,67,r,  i 
uoomtade  fosse,  se  fezerom  mujtos  danos  comtra  os  christaãos,  dos 
quaaes  elle  sempre  mujto  deseiou  fazer  comprida  peemdemça.  nom  por- 
que elle  semtisse  sua  comçiemçia  por  ello  agrauada.  ca  pequena  culpa 
merece  o  que  erra   sem  comssemtimento  de  sua  uoomtade,   mas  porque 

10  das  boas  uoomtades  he,  segumdo  diz  sam  Bernardo,  conhecer  homem 
culpa  omde  culpa  nom  tem.  quis  elle  mouersse  de  fazer  tall  seruiço  a 
nosso  Senhor  Deos,  per  que  merecesse  pêra  ssi  e  pêra  uos  outros  parte 
na  sua  gloria,  o  quall  por  certo  nom  podia  seer  ma3'or  que  guerrear 
os  jmmijgos  da  nossa  samta  lie  catholica.     Ca  aquelle  que  pode  comtra- 

i5  dizer  ao  erro  e  nom  o  comtradiz,  por  esse  meesmo  comssemtimento 
parece  que  o  aproua,  segumdo  he  escprito  na  terçeyra  causa  e  na  ter- 
çeyra  questam  do  degredo,  dizemdo  que  aquelle  que  pode  comtradizer 
e  empachar  aos  maaos  e  nom  o  faz,  nom  he  outra  cousa  saluo  darlhes 
fauor  a  sua  malldade,  e  nom  carece  descrupoUo  da  sospeyçom  da  compa- 

20    nhia  escomdida,  o  que  manifestamente  uee  o  peccado  comtra   a  samta 
ffe,  e  nom   o  comtraria.     E  pois  tall  como  este,  que  he  outra  cousa  se- 
nom  semelhauell  aaquelles  jmmijgos  que  o  fazem.  poUo  quall  *he  digno    A,67,r,2 
e  merecedor  daquella  meesma  culpa,  e  assv  deue  por  Deos  seer  juUgado. 
Ca  como  diz  o  apostoUo  no  primeiro  capitullo  da  sua  epistolla  aos  Romaãos, 

25  que  nom  soomente  aquelles  que  ssom  comtra  a  fte  sam  dignos  de  morte, 
mas  ajmda  os  que  o  comssemtem  nom  lho  comtrariamdo  com  todas 
suas  forças.  Polia  quall  cousa  parece  aquelle  que  sse  teem  por  cathol- 
lico  e  uerdadeyro  christaão,  e  com  toda  sua  força  nom  sse  despoõe  a 
deffemder  a  sua  samta  ffe,  nom  he  uerdadeiro  caualleiro  nem  nembro  de 

3o  Jesu  Christo,  nem  teem  parte  alguúa  com  elle,  e  que  he  pior  que  cada 
huú  daquelles  jmfiees.  Ca  todo  aquelle  que  uiue  sob  alguúa  ley,  he  theudo 
de  sse  poer  a  perijgo  de  morte  polia  guardar  e  mamteer.  Ca  diz  Tullio 
no  primeyro  liuro  dos  offiçios,  e  o  philosofo  no  terceiro  liuro  das  eeticas, 
que  aquelle  he  uerdadeiramente  forte,  que  uiuamente  sofre  a  morte  por 

35  deftemssam  de  sua  ley.  Ora  quamdo  o  homem  he  obrigado  a  deflemder 
as  leys   de  sua  terra,  quamto  mais  deue  seer  polia  ley  de  nosso  Senhor 

4.  emmijgos  A.  —  7.  muyto  A.  —  14.  emmijgos  A.  —  17.  contradizer  A.  —  20.  many- 
festamente  A.  —  22.  emmijgos  A.  —  23.  assi  A  —  pella  A.  —  29.  membro  A.  —  33.  phil- 
losofo  A. 


—  i58  — 

Jesu  Christo,  polia  quall  somos  certos,  que  posto  que  moyramos  em  esta 
uida,  uiueremos  sempre  na  outra,  segumdo  da  testimunho  sam  Leam  papa 
na  uiçesima   terçia  causa  e  na  oitaua  questam  dos  degredos  dos  samtos 

A,f)7,v, I    padres,  omde  diz.    *Tyraay  todo  pauor  e  espamto,  e  estudaae  em  pelleiar 

esforçadamente  comtra  os  jmmijgos  da  samta  ífe.  ca  Deos  todo  pode-  5 
roso  sabe,  que  sse  alguú  de  uos  outros  morrer,  que  morre  polia  uerdade 
da  ffe  e  saluaçom  da  sua  ley.  pollo  quall  elle  meesmo  lhe  dará  o 
çellestriall  guallardom.  poemdo  exemplo  de  Moyses  coudell  do  seu 
pouoo,  ca  tamtos  perijgos  e  trabalhos  sofreo  por  deffemssom  da  sua  ley. 
Porem  elRey  nosso  senhor  assy  como  uerdadeyro  caualleiro  se  mouco  lo 
primçipallmente  pêra  fazer  seruiço  a  nosso  Senhor  Jesu  Christo  empee- 
çemdo  aaquelles,  que  em  doesto  da  sua  ley  uiuem  na  terra  que  elle 
primeiramente  deu  aos  christaãos.  Ca  podees  saber  que  a  cidade  de 
Ccpta  com  toda  a  outra  mourisma  depois  da  sua  paixom  foy  comuertida 
aa  sua  samta  fie,  na  quall  durou  ataa  o  tempo  do  comde  JuUiam  que  a  i5 
per  sua  uoomtade  deu  aos  jmfiees.  os  quaaes  tornaram  as  suas  samtas 
egrcias  em  mizquitas,  tiramdo  dhi  as  cousas  samtas  e  lamçamdoas  em 
nosso  doesto  per  lugares  cujos  e  uijs.  e  dalli  fezeram  depois  mujtos 
danos  na  Espanha,  pollos  quaaes  nos  justamente  podemos  fazer  aquelle 
pramto,   que  sse   escpreue  no  segumdo  capituUo  do  primeiro  liuro  dos    20 

A,67,v,2  Macabeus,  que  fez  aquelle  samto  barom  Matias*  sobre  a  cidade  de  Jeru- 
salém dizemdo.  Guay  de  mym,  porque  naçi  pêra  ueer  a  destruyçom  da 
samta  cidade,  uemdoa  posta  nas  maaos  dos  jmmijgos.  e  as  cousas 
samtas  lamçadas  em  çugidade.  e  o  seu  templo  feito  assy  como  homem 
sem  homrra.  e  os  uasos  do  seu  samto  sacrifício  som  leuados  catiuos,  e  25 
tornados  em  husos  abominauees  e  cujos,  e  toda  a  fremosura  lhe  he  qui- 
tada, e  a  que  era  liure,  agora  he  feita  serua  amte  a  uista  de  nossos  olhos. 
O  quall  samto  barom  depois  deste  chamto,  que  assy  fazia  com  tamanha 
door  pollo  abatimento  da  sua  ley,  e  mouido  com  zello  de  uirtude,  muy 
housadamente  matou  huii  Judeu  de  seu  pouoo  sobre  a  ara,  omde  3o 
pubricamente  em  presemça  de  todos  queria  fazer  sacrifício  aos  jdollos,  e 
matou  outrossy  huú  gemtio  delRey  Antioco,  porque  o  rrequeria  que 
fezesse  aquelle  abominauell  sacrifício,  elle  loguo  começou  a  dar  gramdes 
uozes  cham;  mdo  os  seus  dizemdo.  Todo  aquelle  que  teem  zello  da  ley, 
saya  depôs  mym.  E  assj'  morou  com  elles  com  gramdes  trabalhos  no  H5 
deserto,  ataa  que  lhe  ueo  o  tempo  da  morte,   amte  da  quall  os  comfor- 

9.  tantos  A.  —  10.  nosso  senhor  elRev  AI  —  assi  A.  —  14.  maurisma  A.  —  1 5.  fe  A.. 

—  18.  despois  A. —  19.  pellos  A. —  20.  pranto  A.  —  21-22.  Jhrlm  A.  —  23.  emmijgos  A 

—  14.  iissi  A.  —  28.  despois  A.  —  3o.  matou]  mamdou  A,  matou  I. 


-i59- 

tou  todos,  que  perseuerassem  todos  fiellmente  pelleiamdo  e  padeçemdo 
por  amor  da  ley  de  seu  Senhor  Deos*  dizemdo.  Agora  filhos  mujto  ama-  A,68,r,  i 
dos,  sede  amadores  da  ley,  e  daae  uossas  almas  pollo  testamento  dos 
padres,  e  acordaayuos  das  obras  que  elles  fezerom  em  suas  geeraçoões, 
5  e  rreçeberees  gramde  gloria  e  nome  perdurauell.  Ora  homrrados  senho- 
res, elRey  nosso  senhor  uos  faz  a  saber,  como  por  todallas  rrezoões 
suso  ditas,  sua  emtemçom  he  com  a  graça  do  Senhor  Deos  hir  sobre  a 
cidade  de  Cepta,  e  trabalhar  quamto  elle  poder,  polia  tornar  aa  fie  de 
nosso   Senhor  Jesu  Christo.   porem  uos  emcomemda  que  ajumtees  em 

IO  uos  meesmos  todas  uossas  forças,  pêra  cobrardes  uerdaJeira  fortelleza 
segumdo  sua  emtemçom,  e  auerdes  com  elle  parte  de  seu  gramde  meri- 
çimento.  e  arredaae  de  uos  openioões  que  alguOs  outro  dia  traziam  em 
Lixboa,  pareçemdolhe  graue  mouimento  o  que  elRey  assy  queria  fazer, 
e  jsso  meesmo  o  doo  que  mamdou  tirar  tam  em  breue  polia  morte  de  sua 

i5  molher.  o  quall  juizo  certamente  foy  assy  deliberado,  como  de  prim- 
çipe  mujto  uirtuoso  e  conhecedor  de  todo  bem.  O  quall  bem  deuees  de 
saber,  que  teue  mayor  semtido  da  morte  de  sua  molher,  que  outra 
nehuúa  pessoa,  empero  por  fazer  limpamente  o  seruiço  de  Deos,  tirou 
de  ssy  pollo  *  presemte  todo  synall   de  tristeza.     E  em  esto  nom  fez  elle    A,68,r,2 

20  cousa  noua.  ca  rrecomta  Vallerio  Ma.ximo  no  seu  primeiro  liuro,  e  Tito 
Liuio  no  liuro  da  segumda  guerra,  que  auemdo  os  Romaãos  huúa  batalha 
com  Aniball  açerqua  do  rrio  de  Canas,  morreram  dos  Romaãos  de 
demtro  da  cidade  quaremta  e  sete  mill  e  trezemtos  e  trijmta  e  quatro, 
afora  seus  amygos  e  liados,   de  que  morreram  casy  numero  jmhjmdo. 

25  pollo  quall  nom  ficou  molher  em  Roma,  que  nom  fosse  timta  de  doo. 
empero  acabados  os  trijmta  dias,  forom  todas  uestidas  de  uestiduras 
bramquas.  e  assy  leyxarom  todo  outro  synall  de  tristeza,  soomente  por 
sacrificarem  mais  allegremente  suas  animalias  amte  os  altares  de  seus 
deoses.     Da  quall  cousa  poderemos  tirar  dous   rrespeitos.  o  primeiro  ho 

3o  estimo  em  que  aquelles  tijnham  a  morte  de  seus  filhos  jrmaãos  e  parem- 
tes,  ca  era  amtre  elles  auida  por  homrrada  e  digna  de  gloria,  quamdo 
a  rreçebiam  por  deffemssam  ou  acreçemtamento  da  sua  própria  terra, 
e  porem  tijnham  que  nom  deuia  per  elles  de  seer  tam  lomgamente  cho- 
rada, segumdo  era  o  gramde  açemdimento  e  feruor  que  tijnham  açerqua 

35    das  cerimonias  e  sacrifícios  de  seus  *  deoses,  pois  que  sobre  tamto  espar-    A,68  v,  i 
gimento  de  seu  samgue  comtra  a  naturall  jmclinaçom  de  suas  uoomtades, 
soomente  com  uoomtade   de  rrelligiam  sse   arredauam  de  toda  tristeza. 

i3.  assi  A. —  14.  enbreue  A.  —  i5.  assi  A.  —  21.  guerra]  graça  A.  —  24.  casi  A 
—  jnfijmdo  A.  —  25.  pello  A,  —  26.  foram  A.—  3õ.  jnclinaçom  A. 


—  i6o  — 

A  quall  cousa  por  certo  he  a  nos  muy  gramde  doesto,  quamdo  estes  que 
certamente  sabiam  que  as  almas  daquelles  dereitamente  hiam  ao  jmferno, 
que  rrezam  teemos  nos  de  chorar  a  morte  daquella,  que  sabemos  que  he 
na  companhia  dos  bem  auemturados  samtos.  Ca  uisiuellmente  ulmos 
s}'naaes  amte  os  nossos  olhos,  per  que  o  com  gramde  rrezam  deuemos  3 
creer.  quamto  mais  em  semelhamte  auto,  pêra  o  quall  allegremente 
deuemos  emderemçar  nossas  uoomtades,  tamto  mais  certamente  sabe- 
mos que  a  sua  fim  he  saudauell  e  digna  de  gramde  meriçimento. 

Como  o  meestre  priniicoii  a  cni\ada^  e  como  per  sua  autoridade 

assolliíeo  todos  de  culpa  e  pena.     Capitullo  Liij.  10 

EPOis  que  o  meestre  assy  acabou  sua  rrazom,  quamto  era  aaquelle 
processo  em  que  tomara  seu  fumdamento,  disse.  Homrrados  senho- 
res, todo  o  que  uos  ata  aqui  disse,  foy  dito  e  fallado  per  autoridade 
e  mamdado  delRey  nosso  senhor,  mas  o  que  uos  agora  quero  dizer,  será 

A,68,v,2    diio  como  de  meu  offiçio,  porque  nos  outros  nom  *  somos  senam  como    i5 
atallayas  no  pouoo  de  Deos,  pêra  o  auisar  comtra  seus  jmmijgos  corpo- 
raaes  per  escprituras,   segumdo   he   escprito  em  mujtas   pollos  samtos 
profetas,  espiçialimente  em  o  terceiro  e  em  os  xxxiij  capitullos  dEzechiell, 
omde  diz  aos  semelhamtes  pastores  que  os  ha  feitos  atallayas  sobre  o 
seu  pouoo  ameaçamdoos   que  sse  nom  forem  dilligemtes  em  amoestar    20 
todollos  seus  errores  peccados  perijgoos  e  danos,  em  que  de  presemte 
estam  ou  ao  diamte  poderem  estar,  que  a  morte  e  danaçam  que  lhe  por 
eilo  possa  uijnr,  que  a  demamdara  de  suas  mãaos,  e  comdenara  por  ella 
o  seu  samgue  delles  meesmos.     E  per  essa  meesma  guisa  se  querella  o 
profeta  Jeremias  em   a  lamemtaçam   e  pramto  que  fez  sobre  Jerusalém,    25 
dizemdo  que  os  seus  profetas  e  sacerdotes  forom  causa  de  seu  catiuciro 
e  destruyçam,  segumdo  mais  compridamente  se  declara  no  segumdo  capi- 
tullo, homde  diz.     Os  teus  profetas  te  uiram  cousas  fallssas  e  loucas,   e 
nom   te  mostrauam  a  tua  malldade,  pêra  te  prouocarem  a  penitemçia. 
Ca  em  semelhamtes  tempos  disse  o  meestre,  ssom  as  nossas  armas  neçe-    3o 
ssarias  .s.  a  pallaura  do  Senhor  Deos,  presemtamdo  os  seus  samtos  sacra- 

A,r,o, r, I    mentos  aos  fiees  e  cathollicos  christaãos,  por  que  a  sua*  fim  possa  seer 
segumdo  perteeçe  aa  sua   samta  rrelligiam.     Assy  como  he  escprito  no 

2.  jnferno  A.  —  5.  ante  A, —  i3.  ataa  qui  A. —  14.  mandado  A. —  17.  per  escpiitu- 
ras]  e  espirituaes  I.  —  iq.  semelhantes  A.  —  21.  perigos]  na  margem  A.  —  25.  allamen- 
tacam  A  —  Jhrlm  A.  —  2G.  foram  A.  —  33.  assi  A. 


—  i6i  — 

meesmo  capitullo  do  deuteronomyo,  que  chegamdosse  a  ora  da  batalha, 
esteuesse  o  sacerdote  diamte  da  face  da  hoste,  dizemdo.  Ouue  Isrraell, 
e  uos  outros  que  querees  cometer  pelleia  comtra  uossos  jmmijgos,  nom 
aja  medo  em  uossos  coraçoões,  nem  queyraaes  temer  nehuúa  cousa 
5  com  o  seu  espanto,  nem  queyraaes  fugir  com  o  seu  temor,  ca  nosso 
Senhor  Deos  em  meo  de  nos  pelleiara  comtra  nossos  auerssavros, 
por  que  uos  liure  do  seu  perijguo.  E  esto  meesmo  comfirma  sam 
Tomas  jn  secumda  secumde  R  q.  no  artijgo  segumdo,  homde  trauta 
esta    matéria,    comcludimdo    que    ajmda    que   aos   prellados    e   clérigos 

IO  nom  comuenha  pelleiar,  pêro  a  elles  primçipallmente  comuem  e  he 
justo  e  meritório  animar  e  emduzir  e  esforçar  a  todollos  fiees  chris- 
taãos,  por  que  justamente  possam  pelleiar  polia  maneira  que  ja  tenho 
dito.  Açerqua  do  quall  propósito  diz  sam  Leam  papa,  fallamdo  de  ssi 
meesmo  na  xxiij   causa   e  na  oitaua  questam   do  degredo,   que  elle  fez 

i5    ajumtar  o  seu  pouoo  comtra  os  mouros,  que   era  fama   que  uijnham  a 
huú  porto  de  mar.  e  elle  per  sua  própria  pessoa   ssahio   com  elles.     E 
porem  husamdo  de  meu  oííiçio,  *uos  rrequeiro  e  rrogo  a  todos  quamtos    A,6o,r,2 
aqui  presemtes  sooes,  que  comsirees  bem  em  uossas  comçiemçias  quaaes- 
quer  peccados,  malles,  ou  erros,  que  tenhaaes  cometidos,  e  que  peçaaes 

20  ao  Senhor  Deos  perdam  deiles  com  todo  coraçom  e  uoomtade,  e  façaaes 
delles  penitemçia,  auemdo  firme  propósito  de  uos  guardar  de  pecar  daqui 
em  diamte.  Polia  quall  cousa  serees  assoUtos  de  culpa  e  pena,  per  uir- 
tude  de  huúa  letera  que  o  samto  Padre  outorgou  a  elRey  nosso  senhor 
ueemdo  seu  samto  deseio.     A  quall  letera  logo  alli  de  presemte  o  mees- 

25  tre  pruuicou.  em  fim  da  quall  fez  a  assolluçom  a  todos,  e  disse.  Ami- 
gos, deuees  de  teer,  que  a  uida  destes  jmfiees  nom  he  amtre  nos  per 
uirtude  da  sua  própria  força,  soomente  por  uoomtade  do  Senhor  Deos. 
ao  quall  praz  dar  lugar  que  nos  dem  fadiga  e  trabalho,  porque  nos 
afregidos  e  trabalhados  per  o  poder  de  tam  uijs  jmmijgos,  conheçamos  os 

3o    mujtos  erros  que  comtra  elle  cometemos,  e  nos  tornemos  a  elle  per  uer- 
dadeira  penitemçia.   e  nos  assy  tornados  ao  uerdadeiro   caminho,  possa- 
mos delle  rreçeber  esforço   e  ajuda  pêra  os  destroir.   os  quaaes  ata   aqui 
eram  por  sua  gramde  piedade  soportados,  *  nom  sem  gramde  escomdido    a,6q,v,  i 
juizo.     Ca  assy  como  nosso  Senhor  Deos  no  tempo  do  patriarca  Abraão 

35  soportaua  aos  gemtios  jmmijgos  da  sua  fle  soomente  por  correiçom  do 
seu  pouoo.  assy  mamtem  agora  aquestes  amtre  nos  em   uista  de   nossos 

I.  do  deutoronomio  I,  do  uteronomyo  A.  —  5.  com  I,  om  A.  —  lo.  prinçipallniente 
A.  —  17.  quantos  A.  —  20.  e  façais  I,  façaaes  A.  —  24.  ueendo  A.  —  25.  prouicou  A.  — 
—  26.  jnfiees  A.  —  32.  ataa  qui  A.  —  36.  mantém  A. 


102  

olhos,  fazendo  dano  a  mujtos  dos  nossos  jrmaãos,  soomente  a  fim  de  nos 
amoestar  e  castigar,  homde  sse  lee  que  Deos  disse  aaquelle  samto 
patriarca.  Tu  hiras  a  teus  padres,  e  serás  emterrado  em  tua  uilhiçe, 
pêro  em  a  quarta  geeraçam  tornaram  aca  .s.  os  que  de  ti  deçemderem, 
ca  ajmda  nom  ssom  compridas  ataa  este  tempo  presemte  as  malldades  5 
dos  que  esta  terra  possuem.  Pois  se  nos  teuermos  em  elle  comprida 
esperamça,  he  de  creer  que  nos  ajudara  comtra  toda  esta  maa  geera- 
çom.  que  por  certo  nom  será  a  nos  pequena  gloria  e  liomrra,  amtre 
todoUos  pouoos  que  forom  em  esta  Espanha,  seermos  os  primeiros  que 
passamos  em  Affrica,  e  começamos  de  poer  o  jugo  da  ffe  sobre  os  pes-  lo 
cocos  dos  jmfiees.  E  assy  teeremos  dous  muy  gramdes  proueytos.  o 
primeiro  he  a  saluaçom   que  sabemos  certamente  que  rreçeberemos  pêra 

A,6i;),v,2  nossas  almas,  e  o  segumdo  homrra  muy  gramde  amtre  *  todos  nossos 
uizinhos,  e  memoria  perdurauell  que  fiquara  pêra  todo  sempre,  em  quamto 
hi  ouuer  homeês  que  possam  fallar.  e  nom  ajmda  aquelle  nome  que  os  i5 
gemtios  cobrauam  por  suas  uitorias  e  façanhas,  ou  que  alguús  primçipes 
christaãos  ajmda  rreçeberam  por  quererem  ssoiugar  seus  uizinhos  sem 
causa  justa  nem  honesta,  mas  rreçeberemos  o  uerdadeiro  nome,  porque 
o  fazemos  soomente  por  amor  e  homrra  daquelle,  que  por  acorrer  a 
nossa  miséria  e  comdenaçam  em  que  éramos,  e  liurarnos  delia,  nom  20 
duuidou  deçemder  do  çeeo,  e  poersse  amtre  nos,  uistido  de  nossa  humani- 
dade, em  a  quall  padeçemdo  pos  sua  alma  por  nos,  ataa  seer  morto  na 
cruz  e  liurarnos.  Em  o  que,  como  diz  sam  Pedro  no  segumdo  capi- 
tullo  da  sua  primeira  canónica,  nos  deu  exemplo  marauilhoso,  pêra  que 
siguamos  as  suas  peegadas.  Em  cuja  prouaçom  diz  sam  Joham  no  ter-  25 
çeiro  capitullo  da  sua  primeyra  canónica,  que  assy  como  elle  morreo 
por  cada  huú  de  nos,  assy  deuemos  nos  morrer  se  for  mester,  por  saúde 
e  saluaçom  da  sua  samta  ffe,  dizemdo.    Em  esto  conhecemos  a  caridade 

A,70,r,  t    de  Deos,  por  quamto  elle  pos  *  sua  alma  por  nos,  e  nos  outrossi  deuemos 

poer  nossas  almas  comtra  aquelles  que  brasfemam  o  seu  samto  nome.  3o 
Que  como  em  este  corpo  glorioso  da  egreia  millitamte,  cuja  cabeça  he 
Jesu  Christo  nosso  rremijdor,  seiamos  todos  seus  nembros.  e  todallas 
perfeiçoões  dignidades  e  rriquezas  e  estados  nos  selam  despemssadas  per 
Deos,  por  que  com  ellas  ajudemos  e  siruamos  na  sua  samta  casa,  doem- 
donos  da  desomrra  que  foi  feyta  nas  suas  samtas  egreias,  seemdo  torna-  35 
das  em  seruiço  dos  jmmiigos  da  ffe,  assy  como  se  fosse  feita  a  nos  mees- 
mos,  segumdo  mais  largamente  nos  emsina  o  apostollo  nos  doze  capitullos 

6.  pessuem  A.  —  9.  foram  A.  —  u.  assi  A. —  (3.  antre  A.  —  24.  canónica  I,  crónica 
A.  —  26.  assi  A.  —  3o.  santo  A.  —  32.  membros  A.  —  36.  emmijgos  A  —  assi  A. 


—  i63  — 

da  epistolla  que  emuiou  aos  Romãaos,  e  em  outra  semelhamte  que  sse 
escpreueo  aos  de  Corimtio.  E  mujtos  exemplos  da  samta  escpritura  uos 
poderia  aqui  emmemtar,  se  nom  semtisse  as  uossas  uoomtades  tam  imcli- 
nadas  a  todo  bem.  Empero  por  acabar  meu  offiçio,  uos  quero  aqui  poer 
5  huú  breue  exemplo  do  gramde  amor,  que  huúa  samta  molher  teue  açer- 
qua  do  seruiço  de  Deos  e  da  sua  samta  fie.  a  quall  foy  aquelia  samta 
madre  dos  Macabeus.  ca  como  assy  fosse,  que  ella  uisse  sete  filhos  estar 
postos  em  duros  e  graaues*  tormentos,  por  mamdado  daquelle  maao  rrey  A,  7o,r,2 
Antiocho,  por  quamto  nom  queriam   fazer  comtra  a  ley  do  seu  uerda- 

lo  deiro  Deos  e  comer  carne  de  porco,  esta  gloriosa  molher  com  o  amor 
da  lev  e  da  homrra  de  Deos,  esqueeçeo  o  naturall  diuido  que  cora  os 
filhos  auia.  e  espertouos  a  sofrer  doorosa  morte  sobre  sua  carne  mees- 
ma,  que  sse  geerara  em  o  seu  uemtre.  amoestamdo  os  filhos  com  uoz 
nam  de  molher,  mais   de  forte   e  samto  barom  que  morressem  polia  lev 

i5  do  seu  Deos.  Domde  assy  he  escprito  delia  no  septimo  capitullo  do 
segurado  liuro  dos  Macabeus,  das  cousas  que  disse,  e  corao  esforçaua  os 
filhos,  quarado  os  uio  em  os  tormentos,  e  por  tamto  madre  assy  maraui- 
Ihosa  em  tamta  maneira  he  dina  de  boa  memoria,  a  quall  ueemdo  sete 
filhos  perecer  sob   espaço   de  huú  dia,  sofriao  com  boom  coraçora  polia 

20  fiell  esperamça  que  tijnha  em  Deos.  e  assy  amoestaua  fortemente  com 
uoz  paternall  a  cada  huij  delles  em  esta  maneyra  dizemdo.  Nom  ssey  eu 
em  que  maneyra  parecestes  em  meu  uemtre.  ca  eu  nom  uos  dey  ho  spi- 
ritu  nem  a  alma  nem  a  uida,  nem  ajumtey  os  nembros  de  cada  huú  de  uos. 
mas  ho  criador  do  mundo,  o  quall  primeiramente  formou  a  natureza  de 

25    todallas*  cousas,   e  achou  o  naçimento   e  começo  de  todollos  homeés.  e    A,7o,v,  i 
elle  uos  dará  outra  uez  com  misericórdia  o  espiritu  e  a  uida,   assy  como 
agora  menos  prezaaes  a  uos  meesmos  polias  suas  lex.     E  disse  ao  pos- 
tumeiro  filho,  aue  misericórdia  de  mym,  que  te  trouxe  noue  meses  em  o 
meu  uemtre,  e  te  dey  leite  três  annos,  e  te  criey  e  trouxe  ataa  esta  hidade. 

3o  rroguote  filho,  que  esguardes  ao  çeeo  e  aa  terra  e  a  todallas  cousas  que 
ssora  era  ella,  e  conheças  que  de  nehuúa  cousa  as  fez  Deos,  e  a  geera- 
çom  dos  homeés,  e  assy  será  feito  em  ti  esforço  polia  sua  merçee,  que 
nom  temas  este  carniçeyro.  mas  seemdo  feito  dino  com  teus  jrmaãos, 
rreçebe   morte.     A   quall  cousa  o  mamçebo   com   muy   boom   coraçom 

35  sofreo.  e  depois  a  madre  com  gramde  comstamçia  e  com  aquelia  bem 
auemturada   esperamça   que   em  seu  coraçom  tijnha,  rreçebeo  coroa   de 

I.  semelhante  A.  —  7.  assi  A.  —  g.  Amtioco.  —  17.  assi  A.  —  18.  dina  I,  digna  A.  — 
20.  assi  A.  —  22.  uentre  A.  —  23.  a  I,  om  A  —  membros.  —  24.  mumdo  A.  —  32.  assi  A. 
—  34.  mancebo  A. 


—  164  — 

martirio.  E  pois  aquella  molher  cuja  natureza  he  fraca,  tam  esforçada- 
mente comsselhaua  os  filhos  que  sofressem  morte  por  seruiço  de  Deos, 
quamto  mais  seemdo  ajmda  da  ueliia  ley,  aos  quaaes  segumdo  diz  o 
apostollo.  Todallas  cousas  em  fegura  acomteçeram.  que  amostramça 
posso  eu  fazer  a  uos  outros,  que  sooes  fiees  nembros  de  Jesu  Christo, 
A,7o,v,2  *  comprados  pollo  seu  samgue  precioso.  E  porque  disse  em  cima  que  a 
memoria  desto  duraria  pêra  todo  sempre  amtre  os  homeés,  quero  que 
saybaaes  que  sse  os  juizos  estrollogos  som  uerdadeiros,  segumdo  apremdi 
dalguús  sabedores,  que  sabiam  a  ora  em  que  sse  primeiramente  este 
feito  determinou,  por  emtrar  Martes  em  sua  exaltaçom  em  casa  de  Vénus 
de  ssahimento  do  Soll,  e  a  Saturno  emtomçe  que  he  o  signo  de  Libra, 
significador  das  cousas  rrenembradores,  mostra  que  a  memoria  desto  ha 
de  durar,  e  sse  ha  de  poer  em  escprituras,  cujo  tresumto  será  leuado  a 
a  mujtas  partes  em  rrenembramça  de  uossos  boõs  feitos. 


Como  elRey  partio  de  Lagos  e  sse  foy  a  Faaram,  e  como  dalli 
seguia  seu  caminho  ataa  que  chegou  com  toda  sua  frota  amte  as    i5 
Alja^iras.     Capitullo  Liiij. 


K 


GABADAS  assy  aquellas  pallauras  do  meestre,  todos  teuerom  muy  boa 
uoomtade  pêra  seguir  seu  emsino,   sse  elles  crerom  que  aquella 
determinaçom  que  lhes  elRey  fazia  saber,  era  uerdadeira,  o  que 
elles  tijnham  mujto  pollo  comtrayro  do  que  o  tijnham  da  primeira,   ca    20 

B,89,r,  2  deziam  que  lhe  nom  fora  aquello  assy  dito,  senom  por  *  esconder  a  outra 
mais  certa  determinaçam  que  elRey  tinha  ordenado.  He  mao  de  conhecer 
deziam  elles,  estas  praticas  que  elRey  traz  por  encubrir  sua  vontade. 
Sabe  ja  todo  o  mundo  que  vay  pêra  Cezilia,  e  agora  nos  quer  fazer 
entender  que  vay  sobre   a  cidade  de  Cepta.   tal  he  agora  esta  como  a    25 

B,89,v,i  outra,  que  disseram  *  agora  ha  hum  anno,  que  auia  dir  sobre  o  duque 
dOlanda.  dizeilhe  que  busque  outra  mais  fremosa  encuberta,  que  quanto 
esta  muito  ha  que  a  sabiamos.  Assi  esteue  ali  elRey  ata  quarta  feira 
que  partio  pêra  Faram.  e  porque  em  seguindo  sua  viagem  encalmou  o 
vento,  foilhe  necessário  de  estar  aly  ata  outra  quarta  feira,  que  eram  sete  3o 
dias  do  mes  dagosto,  e  entom  partio  viagem  do  estreito.  E  a  sesta  feira 
hum   pouco  ante  de  noite  ouueram   uista   de    terra    de   mouros,    e    aly 

5.  membros  A,  —  10.  Martes  I,  mares  A.  —  14.  rrelembramça  A.  —  17.  aliaziras  A  — 
18.  assi  A.  —  21.  pello  A. —  22,  deziam  B,  diziam  A  —  assi  A.  —  23.  elRei  B  —  orde- 
nada Dl.  —  24.  deziam  I,  diziam  B.  —  27.  diseram  B.  —  28.  fermosa  B.  —  29.  ata  I,  ate 
B  —  33.  ouuiram  B,  ouueram  I. 


—  i65  — 

mandou  elRey  que  fezessem  andar  todollos  nauios  de  mar  em  roda,  por- 
que nom  era  sua  vontade  entrar  polia  boca  do  estreito  senom  de  noite, 
cremos  que  seria,  por  que  os  mouros  de  terra  nom  podessem  tam  asinha 
saber  a  viagem,  que  elRey  queria  leuar.     Tanto  que  foy  a  noite  começa- 

5  ram  de  caminhar  polia  boca  do  estreito,  e  em  aquela  noite  aqueçeo  aly 
hum  pequeno  caso,  de  que  se  ouuera  de  seguir  muy  grande  prigo.  ca 
foi  assi.  que  por  quanto  aquella  gallee  de  Joam  Vaaz,  em  que  hia  o 
Iffante  Duarte,  tinha  cheiro  por  azo  de  sua  bondade,  sahiose  o  lífante  delia, 
e   foise  pêra  a  gallee  do  Iffante  Dom   Anrrique  seu  jrmaão.  e  aqueçeo 

10    de  se  acender  fogo  em  huúa  alanterna,  pollo  *  qual  foy  grande  aluoroço    8,89, v,2 
dentro  na  gallee.  e  o  Iffante  Duarte  que  jazia  em  cima  da  c aberta  por  azo 
da  calma  que  era  grande,  lembrouse  de  seu  jrmaão,  e  abrio  trigosamente 
a  porta,   e  o  Iff"ante  Dom  Anrrique  tomou  a  alanterna  assi  como  estaua 
ardendo   e  a  pos  em   cima,   e   o  Iff"ante  Duarte  a  lançou  na   agoa.   e   o 

i5  líTante  Dom  Anrrique  tomou  em  sy  menencoria  pensando  que  lhe  empo- 
lassem as  maãos,  e  lhe  fezesse  empacho  ao  tempo  da  necessidade,  mas 
alguús  que  hy  estauam,  lhe  ensinarom  pêra  seu  rremedio  que  posesse  as 
maãos  no  mel,  e  que  seria  seguro  daquelle  danno,  como  de  feito  foy. 
ca  posto  que   ao  depois  pelassem  aquelles  coiros  das  maãos,  nam  leixou 

20  porem  de  trabalhar,  como  se  nam  teuesse  algum  empacho,  bem  he  ver- 
dade que  este  rremedio  he  proueitoso.  Mas  assi  pollo  presente,  segundo 
a  força  do  fogo  foi  grande,  se  a  forte  compreysom  do  Iffante  nam  fora, 
nam  poderá  assi  trabalhar,  que  primeiro  nam  passaram  alguús  dias. 
empero   todos   aquelles  coyros  forom  pelados   ao  depois,   em  quanto  o 

25    fogo  abrangeo. 


Como  a  frota  checou  toda  ante  as  Alja^iras,  e  como  aly  veo  Pêro 

Fernande\  Portocarreiro  e  os  mouros  de  Gibaltar  trazer  seriiiços  a 

elRey.     Capitullo  Lv. 

BEM  he   de   consirar  qual  esperança  os  mouros  de  Gibaltar  teriam,    B,9o,r,  i 
quando  vissem  chegar  tamanha  soma  de  frota  tam  preto  de  seus 
termos,  porque   ao  sábado  sobre   a  tarde  foy  ancorar   antre   as 
Al)aziras,   a  qual  cousa  pos  muy  grande  espanto  antre  todollos  mouros 
daquella  parte.     E  pollo  presente   nam  souberam  outro  rremedio  senam 

I.  maar  B.  —  6.  perigo  B,  perijguo  D.  — 8.  vondade  B.  —  9.  galee  B.  —  1 1.  galee  B.  — 
i5.-i6  empolassem  I,  empolase  B.  —  16.  mãos  B.  —  18.  foj  B.  —  19.  pelasse  B  —  não  B. 
—  20-21.  uerdade]  e  uerdade  B.  —  23.  asi  B  —  pasaram  B.  —  24.  despois  B. 


—  i66  — 

ajuntar  as  milhores  cousas  que  se  poderam  auer,  e  leuaramnas  em  pre 
sente  a  eIRey.  Senhor  disserom  aquelles  que  lhe  o  presente  leuauam, 
os  vezinhos  e  moradores  desta  villa  de  Gibaltar  vos  enuiam  este  seruiço, 
nam  cousa  jgoal  a  excelência  de  tamanho  príncipe,  mas  como  se  pode 
auer  per  semelhantes  pessoas,  çerteficandouos  que  vos  nam  he  oferecido  5 
com  menos  vontade,  do  que  seria  a  elRey  de  Graada  nosso  senhor,  se 

B,i)o,r,2  presente  fosse.  Porque  *  sentimos  e  creemos  que  todo  seruiço  que  vo5 
fezermos,  elle  o  auera  por  tam  bem  empregado  como  em  sy  mesmo.  E 
vos  enuiam  pedir  por  merçe,  que  nam  ajaaes  por  mal  de  elles  mandarem 
fechar  suas  portas  e  poer  rrecado  em  sua  villa.  ca  o  fezeram  por  duas  lo 
cousas,  a  primeira  porque  lhes  foy  certificado  que  nam  quiserees  dar 
segurança  de  vossa  frota  a  elRey  de  Graada,  quando  vola  enuiou  rreque- 
rer.  a  segunda  porque  alguús  daquelles  mouros  mancebos  nam  tenham 
liure  poder  pêra  sair  fora  da  villa.  ca  poderia  seer  que  se  trauaria  antre 
huús  e  os  outros  tal  escaramuça,  per  que  vossa  merçe  aueria  alguíia  i5 
sanha,  e  por  ventura  podia  ser  aazo  de  vos  mouerdes  de  todo  contra 
elles.  o  que  poderá  seer  que  agora  nam  tendes  em  vontade.  Porem  por 
lhe  fazerdes  merçe  e  os  tirardes  deste  cuidado,  vos  pedem  que  lhe  man- 
dees  declarar  vossa  vontade  açerqua  do  que  a  elles  pertence,  polia  qual 
cousa  seram  muito  mais  obrigados  a  vosso  seruiço  do  que  ata  aqui  forom.  20 
E  se  eu  rrespondeo  elRey,  nam  quis  a  elRey  de  Graada  fazer  semelhante 
rrogo,  que  mo  tam  aficadamente  mandou   rrequerer,  que  rrezam  teeria 

B,9o,v,  I    *  agora  de  o  fazer,  pois  a  determinaçam  deste  feito  ajnda  nam  esta  fora 
daquellas  pessoas,  que  sam  ordenadas  pêra  meu  conselho,  quanto  pêra  dar 
semelhante  segurança,  quanto  he  ao  presente  lhe  dizei  que  lho  tenho  muito    25 
em  seruiço,   e  que  me  praz  de  lho  rreçeber,  por  entender  de  lhe  fazer 
merçe  em  alguúa  outra  cousa  fora  daquesta,  que  me  de  presente  rreque- 
rees.     Os  mouros  ficaram  muy  tristes  ouuindo  semelhante  rreposta,  por- 
que quanto   elles  podiam  entender,  todo  o  mouimento  daquelle  feito  se 
ordenara  por  causa  de  sua  estroiçam.  pêra  a  qual  cousa  nam  auia  mester    3o 
mais  certa  proua,  que  a  uista  da  frota  que  viam  rrepousada  e  ancorada 
ante  a  face   da  sua  terra,   a  qual  cousa  lhes  fazia  acarretar  desuairados 
pensamentos,  porque  as  adeuinhas  das  vontades  sobre  os  males  duuidosos 
sempre  aduzem  tristes  cuidados.     Em  Tarifa  tinha  elRey  de  Castella  por 
fronteiro  e  alcaide  huú  nobre  caualeiro,  que  fora  natural  destes  rrcgnos.    35 
jrmaão  da  condessa  Dona  Guiomar,  tio  do  conde  Dom  Pedro  de  Meneses, 

I.  poderom  B.  —  12.  uosa  B.  —  i2-i3.  requerer  B.  —  14.  uila.  —  19.  uosaB.  —  10.  ate 
qui  B.  —  22.  rogo  B  —  requerer  B.  —  26.  receber  B.  —  27-28.  requerees  B.  —  28.  reposta 
B.  —  'ii.  repousada  B. —  33.  douidosos  B.  —  35.  regnos  B.  —  36.  Menesses  B. 


—  lõy  — 

o  qual  se  chamaua  Martim  Fernandez  Portocarreiro.  E  assi  aqueçeo 
que  o  dia  passado,  quando  a  frota  chegou  a  cabeça  do  estreito  como 
ja  ouuistes,  os  de  Tarifa  ouuerom  *  vista  delia,  e  porque  viam  tamanha  B,9o,v,2 
multidamde  frota,  como  nunqua  virom  nem  esperauamem  aquelle  estreito, 
5  estauam  em  sy  muito  marauilhados,  mas  a  cabo  de  pouco  amainaram 
todallas  vellas,  e  como  eram  longe  e  sobre  a  tarde,  os  de  Tarifa  que 
estauam  olhando  disserom  certamente,  que  aquello  eram  fantasmas.  Mas 
hum  português  que  hi  estaua,  disse,  mais  asinha  creo  eu  que  he  aquelle  o 
poder  delRey  de  Portugal  meu  senhor,  que  outra  nenhuúa  vaã  seme- 
io Ihança.  Pois  disserom  os  outros,  que  todallas  aruores  de  Portugal  fossem 
desfeitas  em  madeira,  e  todollos  homeés  se  tornassem  caipinteiros,  nam 
poderiam  em  toda  sua  vyda  fazer  tamanha  multidam  de  nauios.  Vos 
verees  disse  elle,  muito  cedo  aquillo  que  agora  chamaaes  fantasmas,  car-  ' 
regadas  de  boas  gentes  darmas  com  as  bandeiras  de  Portugal  passar 
i5  perante  os  vossos  olhos.  A.  qual  cousa  nenhum  dos  outros  podia  creer. 
porque  alem  da  multidam  da  frota,  quando  os  nauios  assy  andam,  e  muito 
mais  se  os  homem  vee  de  longe,  parecem  dez  tanta  soma.  O  português 
teue  cuidado  de  dar  vista  a  rribeira  pêra  veer  a  çertidom  *  do  que  elle  B,  (ji.r.  i 
sospeitaua.  e  quando  no  outro  dia  era  manham,  a  frota  começaua  ja 
20  de  passar  per  dauante  os  muros  da  villa,  e  pêra  ajnda  seer  a  sua  vista 
mais  fremosa,  açertarase  em  aquella  manham  huúa  grande  neuoa  que  a 
encobrio  toda,  senam  quando  elles  ouuirom  o  soom  das  trombetas  e  dos 
outros  estromentos  que  se  tangiam  em  todollos  nauios,  cujo  som  parecia 
a  elles  cousa  çelestriai.  em  esto  rrompeo  a  força  do  sol,  e  pareçeo  a 
25  frota  que  passaua  sua  viagem.  Mas  qual  seria  aquelle  que  podesse  fazer 
outra  cousa  na  villa,  que  leixasse  de  veer  tamanha  fremosura.  Certa- 
mente disse  Martim  Fernandez,  bem  pareça  esta  obra  ordenada  per 
eIRey  Dom  Joham.  pareçeme  quando  consiro  nos  feitos  deste  homem, 
que  he  huú  sonho,  que  me  parece  quando  jaço  dormindo.  Consiray 
3o  bem,  disse  elle  contra  os  outros  que  aly  estauam,  que  nunqua  vistes 
nem  ouuistes  que  nenhum  rrey  dEspanha  nem  doutra  nenhuúa  parte  per 
sy  soo  ajuntasse  tamanha  multidom  de  frota.  E  tanto  que  a  frota  anco- 
rara ante  as  Aljaziras,  mandou  logo  Martim  Fernandez  fazer  prestes 
hum  grande  presente  de  vacas  e  de  carneiros,  e  mandou  com  ellas  Pêro 
Fernandez  seu  filho  fazer  seruiço  a  elRey. 


2.  pasado  B.  —  6,  eram  I,  era  B.  —7.  purtugues  R.  —  8.  purtugal  B. —  i3.  booas  B. 
—  19.  jaa  B.  —  28.  Joham  I,  Joam  B.  —  29.  hee  B.  —  33.  ante  l,  antre  R  —  fazer  prestos 
Martim  Fernandez  B  D,  Martim  Fernandez  fazer  prestes  I. 


—  i68  — 

B,9i,r,2    Como  elRey  teue  conselho  se  leuaria  logo  sua  frota  sobre  a  cidade, 
e  como  aly  Pêro  Fernandes  mandou  enforcar  hum  almogauere  de 
Graada.     Capitullo  Lvj. 


C 


jOMO  ali  chegou  Pêro  Fernandez  com  aquelle  presente,  logo  ouue 
hum  batel  em  que  foy  falar  a  elRey  a  bordo  da  gallee,  e  depois  5 
que  elle  beijou  a  maão,  disse.  Senhor,  meu  padre  Martim  Fer- 
nandez uos  enuia  pedir  por  merçe,  que  se  entenderdes  que  vos  elle  em 
alguija  cousa  pode  seruir,  que  façaaes  delle  conta  como  de  cada  hum 
dos  outros  de  vossa  casa.  E  uos  enuia  dizer  que  porque  elle  tem  em 
si  encarrego  daquella  villa  por  elRey  de  Casteila  seu  senhor,  que  vos  10 
nam  pode  vir  per  si  fazer  aquella  rreuerença  que  he  theudo  segundo 
vosso  grande  estado,  nem  esso  mesmo  se  pode  fazer  prestes  pêra  se  hir 
comuosco  pollo  encarrego  que  teem.  mas  queruos  fazer  seruiço  de  mym 
que  sam  seu  filho  em  hidade   e  despossiçam  pêra  vos  poder  seruir  em 

B,9i,v,  1    qualquer  cousa  que  me  vossa  merçe  *  mandar.    E  porque  entende  que  ha    i5 
ja  dias  que  sooes  no  mar,   e   que   auereis  mester  algum  rrefresco  pêra 
vossos  caualeiros  e  fidalgos,  vos  enuia  aly  aquelle  gaado,  o  qual  vos  pede 
por  merçe  que  rreçebaaes  delle  em  seruiço  como  de  cousa  vossa.     ElRey 
foy  muito  ledo  com  aquelle  oferecimento  de  Pêro  Fernandez,  e  disse.    A 
boa  vontade  de  vosso  padre  rreçebo  eu  por  grande  seruiço,  e  por  ello  lhe    20 
farey  merçe  e  assi  a  vos,  quando  quer  que  me  for  rrequerido.  e  quanto 
he  as  vacas  e  carneiros,  dizeelhe  que  eu  tenho  prouisam  por  agora,  que 
me  abaste  pêra  mim   e  pêra  minha  frota,    e  que  aquello  sento  que  será 
milhor  pêra  elle  pêra  gorniçam  de  sua  fortaleza.     Pêro  Fernandez   tanto 
que  foy  fora  do  batel,  caualgou  em  hum  genete  que  trazia,  e  começou  de    25 
lancear  todo  o  gaado   ao  longo  daquella  praya.   e  os  da  frota  quando 
aquillo  viram,  mataram  todallas  vacas  e  carneiros,  e  proueitaramse  delias 
cada  hum   como  milhor   podia,   o  que   elRey  e    todollos  boõs  que   aly 
eram,  teuerom  a  grande  bem  aaquelle  fidalgo.     Mas  outro  seruiço  fez  elle 
que  lhe  elRey  muito  mais  agradeçeo.   ca  ouuindo  o   dito  Pêro  Fernan-    3o 
dez  dizer  como  hum  grande  almogauere  do  rregno  de  Graada  andaua  aly 

B,Qi,v,2    salteando  os  moços  que*  sayam  a  fruita,  como  entam  leuaua  hum,  traba- 
lliouse  de  o  filhar,  e  trouxeo  ali  preso  em  huús  pardieiros  velhos  que   ali 

2.  almogauere  D  í,  almogauer  B.  —  5.  galle  B.  —  6.  elle  B,  lhe  Dl.  —  9.  emuia  B. 

—  TI.  fazer  per  sy  D  —  reuerença  B, —  i5.  vosa  B. —  16.  refresco  B. —  17.  guado  B  — 
peede  B.  —  18.  récebaes  B.  —  19.  leedo.  —  20.  booa  B  —  padre  I,  pay  B  —  recebo  B.  — 
21.  requerido  B.  —  22.  vaquas  B  —  dizelhe  B  — 27.  matarão  B.  —  29.  beem  B  —  ele. 

—  3i.  regno  B. 


—  169  — 

estauam,  antre  os  quaaes  era  huúa  torre  que  tinha  ameas,  e  ali  o  mandou 
enforcar.  Mas  o  mouro  nam  rreçebeo  pequena  honrra  em  sua  justiça,  que 
foy  acompanhado  de  muita  e  muy  boõa  gente,  que  com  boÕa  vontade  o 
hiam  veer.  os  quaaes  tanto  que  o  viram  enforcado,  o  atassalharom  todo 
5  as  espadas,  e  esto  fez  Pêro  Fernandez  com  muy  boõa  vontade  sem  em- 
bargo do  rreino  de  Castella  teer  entam  paazes  com  o  de  Graada.  Mas 
estes  seruiços  nom  lhe  forom  a  elle  mal  agradecidos,  e  logo  aly  elRey 
lhe  mandou  dizer  que  lhe  rrogaua,  que  tanto  que  fosse  em  seu  rregno  o 
veese  veer,  como  de  feito  depois  veeo.  onde  lhe   foy  dado  soomente  por 

10  elRey  mil  dobras  douro  em  huúa  copa.  dizendo  que  lhas  mandaua  pêra 
hum  cauallo,  fora  outras  muitas  joyas  que  forom  estimadas  em  outro 
tanto  valor,  e  com  todo  esto  lhe  fezerom  os  Iffantes  cada  hum  per  sy 
mu)'  grandes  mercês,  de  que  elle  foy  muy  contente.  E  estando  assy 
elRey  em  aquelle  lugar,  teue  seu  conselho  de  jr  sobre  a  cidade  a  segunda 

i5    feira  seguinte,   e   em  fazendo  naquelle   dia   sua  viagem,  sobreueo  huiia 

*muy  grande  çerraçam,  que  fez  grande  empacho  a  toda  a  frota  pêra  gouer-    B,  92,r,  1 
nar  dereitamente  onde  queria,  e  porque  as  correntes  sam  ali  muy  grandes, 
lançarom  toda  a  frota  das  naaos  caminho  de  Malega,  a  fora  huúa  em  que 
hia   Esteuam   Soarez   de  Mello,   e   as   gallees  e   fustas  e   outros  nauios 

20  pequenos  forom  em  aquelle  mesmo  dia  ante  a  cidade,  onde  a  toruaçam 
era  antre  os  mouros  por  semelhante  chegada,  empero  nam  grande,  por 
quanto  elles  nam  uiram  ajnda  toda  a  frota  junta  tam  preto  de  sy  como 
viram  as  gallees.  nem  podiam  cuidar  que  elRey  hya  sobre  aquella  cidade, 
porem  fecharom  suas  portas,  e  poseromse  per  cima  mais  por  veer  ca  por 

25    se  defender. 


Como  elRey  íj^andoii  passar  as  gallees  da  outra  parte  de  Barba- 
çote,  e  do  conselho  que  elle  teue.     Capilullo  Lvij. 

DEPOIS  que  os  mouros  virom  de  todo  as  gallees  ancoradas  sobre  o 
seu  porto,  forom  ja  algum  tanto  perdendo  de  sua  primeira 
segurança,  especialmente  Çalabençala  e  assi  alguús  daquelles 
velhos  da  cidade,  por  cuja  rrezam  escreuerom  logo  a  todos  aquelles 
lugares*  daly  açerqua,  que  se  veessem  com  suas  armas  e  corrcgimentos,  6,92,  r,2 
ata    que   vissem    que    podia    seer    aquella   vinda,    outros   disserom    que 

2.  recebeo  B.  —  5  boa  B.  —  6  reino  B  —  pazes  R  —  Grada  B.  —  8.  rogaua  B  —  regno  B. 
— 18.  nãos  B.  —  ig.  galles  B. —  21.  era]  om  D.  —  23.  galles  B.  — 24.  per]  por  D.—  25.  defen- 
sar B  D.  —  26.  galles  B.  —  29.  jaa  B.  —  3o.  Çallabençalla  B  —  assv  B.— 3i.perD. — 
32.  dalij  B.— 33    ataa  B. 


—  lyo  — 

logo  como  a  frota  parecera  pollo  estreito,  aquelle  rrecado  fora  enuiado. 
Mas  de  qu^qiier  guisa  que  fosse,  o  espaço  podia  seer  pequeno,  porque 
ao  sábado  ouuerom  elles  primeiramente  vista  da  frota,  e  a  segunda 
feira  chegou  sobre  a  cidade,  e  daquelles  mouros  que  estauam  sobre  os 
muros,  começaram  alguíãs  datirar  com  troõs  e  beestas  contra  os  da  frota.  5 
no  que  bem  mostrauam  que  tinham  perdida  toda  a  esperança  de  paz.  E 
como  quer  que  assi  trabalhassem  de  fazer  seus  tiros,  nom  podiam  muito 
empecer  a  nenhum  dos  christaãos.  porque  os  nauios  estauam  bem  afas- 
tados do  muro  a  fora  a  gallee  do  almirante,  a  qual  logo  no  começo  foy 
ancorar  mais  perto  da  praya  que  as  outras,  onde  estaua  muy  sogeita  ao  '» 
prigo  daquellas  setas,  mas  elle  por  nenhuúa  guisa  se  quis  dali  mais  afas- 
tar, como  quer  que  lhe  fosse  dito  per  alguúas  pessoas,  aos  quaes  elle 
rrespondia.  Que  pois  que  o  a  ventura  aly  primeiramente  acertara,  que  aly 
queria  esperar  qualquer  prigo  que  lhe  veesse.  que  pois  que  elles  aly  vee- 

ii,in,'/,  1    rom  pêra  jr  pêra  diante,  nom  era  rrezam  que  elle  tornasse  atras.    *  Certo    '5 
que  elle   foy  sempre   em  sua  vida  muy  esforçado  homem  darmas,  e  por 
tanto  nom  queria  que  por  elle  passasse   cousa  grande  nem  pequena,  que 
nom  pertencesse   ao  nome   que  tinha.    Alguús  daquelles  mouros  mance- 
bos sahiram   a  praya  a  escaramuçar  com  os  christaãos.   e  os  christaãos 
jsso  mesmo  sairom  nos  batees,  e  andauam  ao  longo  daquelia  praya  tirando    20 
huús  aos  outros,   e  assi  trauaram  sua  escaramuça  hum   grande  pedaço. 
e   alguús  daquelles  mouros  filharem  hum  penedo,   que  estaua  no  mar, 
pêra  teerem  dal}^  milhor  aazo  pêra  empecer  aos  christaãos.  mais  Esteuam 
Soarez  conheçendolhe  aquella  auantajem  foy  rrijamente  a  elles,  e  tomou- 
Ihes  o  dito  penedo,   e  assi  andarom  hum   grande  pedaço,  ata   que   dos    25 
mouros  morrerem  alguús,   e  os  outros  ouuerom   por  seu  barato  de  se 
rrecolherem  pêra  a  cidade.     Aa  quarta  feira  que  era  véspera  de  sancta 
Maria  dagosto,   teue  elRey  seu  conselho  de  se  passar  da  outra  parte  da 
cidade,  onde  se  chama  Barbaçote,  com  tençam  desperar  ai}'  as  naaos  que 
a  corrente  lançara  em  Malega  como   ja  dissemos,   e  depois  que  ala  foy,    3o 
porque  vio  que  as  naaos  punham  grande   tardança  em  sua  vinda,  man- 
dou o  Iffante  Dom  Anrrique  que  fosse  na  sua  gallee  pollo  Iffante  Dom 

B,92,v,2    Pedro  seu  jrmão,   e  que  dissesse  a  toda  a  outra  frota   que  *  trabalhasse 
muito  de   se  ajuntar  com   elle.     E  o  Iffante  Dom    Anrrique   partio   aa 
quarta  feira  açerqua  da  noite,   e  começou  de  seguir  sua  viagem,   e  polia    35 
vista  do  forol,  que  a  naao  do  Iffante  Dom  Pedro  trazia,  logo  em  aquella 

1.  emuiado  B.  —  6.  beê  B.  —  7.  muito]  om  D.  —  10.  sogeito  B  D.  —  11.  elle]  el  B.  — 
i3.  acertara  B,  lançara  I. —  14.  perigo  B. —  i5.  elle]  el  B. —  17.  pasasse  B.  — 23.  dalij  B 
—  enpeçer  B.  —  25.  ataa  B.  —  27.  vespora  D.  —  29,  ali  B.  —  3o.  jaa  B.  —  32.  galle  B.  — 
3G.  nao  B. 


—  lyi  — 

noute  mesma  a  gallee  de  seu  jrmão  chegou  a  ella.  Senhor  disse  o  Iffante 
Dom  Anrrique,  elRey  nosso  senhor  e  padre  manda  que  vos  vades  logo 
em  esta  minha  gallee,  porque  quer  teer  conselho  açerqua  do  filhar  da 
terra,  se  será  em  aquella  parte  de  Barbaçote  onde  ja  esta,  se  tornara 
5  destoutra  parte  onde  primeiramente  esteuemos,  e  que  mandees  jsso 
mesmo  rrecado  per  todallas  outras  naaos  daar  auisamento  que  se  traba- 
lhem o  mais  que  poderem  de  fazerem  sua  viagem  dereitamente  aaquelle 
lugar  onde  as  gallees  estam.  Nom  sey  porque  maneira  senhor,  liie  rres- 
pondeo  o  Iffante  Dom  Pedro,   que  aja   de  partir  assi  e  leixar  esta  gente. 

10  na  qual  sento  bem  que  será  muj'  grande  desconsolaçam,  alem  da  que 
trazem  ja  polia  pestenença  que  anda  antre  elles,  como  pollo  anojamento 
que  os  saãos  trazem  dos  mortos  e  doentes,  e  outrosy  o  enfadamento 
do  maar  que  poucos  homeés  soportam  de  boõa  uontade.  empero  dou- 
tra parte  consiro  que  vaão  ao  mandado  delRey,  quanto  mais  seer  cha- 

i5    mado  per  tal  pessoa  como  vos.    E  entam  mandou  daar  auisamento  a  toda 

a  outra  frota*  que  se  trigassem  o  mais  que  podessem  segundo  elRey    B,  Q3,r,  i 
tinha  mandado.     E  os  Iffantes  ambos  foromse  em  sua  gallee.     E  a  sesta 
feira  polia  manham  cedo  hindo  assi  sua  viagem,  aconteçeo  que  hum  pei.Ke 
hia  voando  pollo  ar  e  cayo  dentro  na  gallee,  com  que  os  Iffantes  aquelle 

20  dia  ouuerom  algum  rrefresco.  e  porque  esta  estoria  escreui,  nunca  vy 
semelhante,  o  rrecon'o  assi  por  me  parecer  cousa  marauilhosa,  e  algum 
tanto  afastado  da  natureza  segundo  meu  juizo. 


Como  o  autor  falia  nas  grandes  diuisoáes  que  atiía  antre  os  mouros 
<^a  cidade,  e  das  cousas  que  aconteçerom  no  outro  anno  passado. 
a5  Capitullo  Lviij. 

POR  certo  diz  o  autor,  a  mim  conueria  falar  per  muitas  mr.nciras,  se 
eu   quisesse  contar  toda  a  mayor  murmuraçam  que  auia  antre  os 
mouros,   depois  que   as  gallees  primeiramente  lançarom  ancoras 
dauante  a  cidade.     E  diremos   primeiramente  o  que  aconteçeo    naquelle 
3o    março  passado,  em  que  elles  teuerom  o  seu  Ramadam,  o  qual  se  começara 

a  xxvij   dias   de  feuereiro,   *  quando   a  liãa   fazia  hum  bisexto  segundo  o    B,i)3,r,2 
conto  dos  seus  annos,  porque  elles  trazem  a  sua  era  segundo  o  costume 

I.  galee  B.  — 4.  jaa  B.  —  6.  recado  B.  —  S.  galees  B.  —  8-9.  respondeo  B.  —  10.  na  I, 
no  BD  —  becm  B. —  11.  consolação  D. —  12.  trazem  I,  traziam  B  D. —  18.  pella  B  — 
hú  B. —  icj.  pello  B. —  20.  algú  B.  —  27.  cornar]  otn  D.  —  28.  gallcs  B. — 29.  disse- 
mos B  D.  —  io.  Ramadão  B,  que  he  o  jejum  add  I  —  3 1 .  luQa  B. 


—  172  — 

da  lua.  e  porque  o  circulo  da  lua  he  mais  pequeno  que  o  do  sol,  tor- 
nam elles  sempre  atras  onze  dias  com  o  começo  daquelle  jejum,  a  que 
elles  chamam  Ramadam.  e  em  pouco  menos  de  três  annos  tem  acabada 
a  volta  de  sua  rroda,  em  que  ha  xix  bisextos.  e  assi  dam  os  dias  do  anno 
solar  iij'^lxv,  e  do  anno  da  lúa  iij^^lxiij  e  huúa  ora  e  xvij  menutos  e  corenta  5 
e  noue  pontos  mais.  E  porque  os  mouros  em  aquelle  tempo  fazem  suas 
austlnençias,  assi  como  nos  outros  fazemos  em  nossas  coresmas,  pensam 
elles  que  quaaesquer  sinaaes  que  naquelle  tempo  apareçam,  ou  sonhos 
assinados  per  que  elles  muito  crem.  ca  dizem  que  per  húua  de  quatro 
cousas  vem  a  qualquer  homem  os  sonhos  quando  dormem,  a  primeira  10 
per  sobegidam  da  vianda,  de  que  o  estamago  este  empachado,  a  segunda 
per  mingoa  de  mantimento,  a  terceira  per  força  de  pensamentos  que  o 
homem  traga  de  dia  em  alguúa  cousa,  e  a  quarta  per  rreuelaçam  diui- 
nal.  ,Ora  foy  assi,  que  naquelle  Ramadam  que  ja  dissemos,  forom  três 
partes  da  lúa  criz.   e  pareçeo  logo  seguinte  na  nouidade   da  outra   lúa    '5 

B,()3,v,  1  huúa  estrella  açerqua  delia  de  mayor  grandeza  e  rresplandeçimento,  *  que 
outra  nehuúa  que  ouuesse  no  çeo  daquellas  mil  vinte  e  duas,  em  cujo 
conto  alguús  astrólogos  poserom  o  numero  das  estrellas  de  que  se  possa 
filhar  alteza.  A  qual  estrella  durou  assi  antre  elles  toda  a  circulaçam  da 
lúa.  cuja  vista  a  elles  trouxe  grande  cuidado,  e  muito  mais  porque  hum  ^o 
daquelles  seus  mouros  sanctos  durando  o  tempo  do  jejum  sonhou  que 
via  aquella  cidade  cuberta  dabelhas,  e  que  polia  boca  do  estreito  vinha 
hum  liam  com  huúa  coroa  douro  na  cabeça,  e  que  trazia  muito  grandes 
bandos  de  pardaaes  depôs  si,  que  comiam  todas  aquellas  abelhas.  Por 
cuja  rrezam  Çalabençala  fez  ajuntar  quantos  sabedores  se  poderom  achar  25 
per  toda  aquella  terra,  antre  os  quaaes  veo  aly  hum  grande  estroliquo, 
que  era  almocadem  mayor  na  cidade  de  Tunez,  grande  sabedor  cm  mui- 
tas cousas  de  sua  seita  especialmente  em  estrolomia,  ao  qual  chamauam 
Azmede  ben  Filhe,  e  tanto  que  assi  forom  juntos,  teuerom  seu  conselho 
na  mizquita  mayor.  onde  forom  rrecontadas  todas  estas  cousas  passadas,  3o 
sobre  as  quaaes  ouue  mui  grandes  debates.  Mas  aquelle  almocadem 
nunqua  falou  palaura,  antes  meteo  as  maãos  de  so  huúa  aljuba  que  trazia, 
e  a  contenençia  muito  triste,  e  os  olhos  baxos  contra  a  terra,  sospirando 

8,93, v,2    muito  a  meude,  *  se  leixou  estar  acerca   de   duas  oras  sem   nunqua  dar 

nehuúa  rreposta  a  cousa  que   lhe  preguntassem.  em  fim  costrangido  per    35 

1-2.  tornarão  D  —  5.  iij^lxiij  B,  trezentos  sessenta  e  oito  I.  —  11.  esta  D. —  i3.  algúa  B. 

—  14.  jaa  B  —  18.  estrologos  D.  —  19.  a  circulaçam  D,  circulaçam  B.  —  24.  bandas  BD 

—  pardaesB  —  despos  B.  —  25.  razam  B  —  Çalabençalla  B.  —  26.  veo  B,  vyo  D.  —  28.  cou- 
sas] om  D.  —  29.  bem  B.  —  3o.  recontadas  B  —  todas]  o?n  D  —  pasadas  B.  —  3 1 .  debates 
B  D.  —  32.  mãos  B. 


-173- 

Çalabençala  aleiíantou  sua  cabeça,  e  pos  a  mão  em  sua  barba  que  tinha  sem 
nenhum  cabello  preto.  Dou  o  demo  disse  elle,  taes  mouimentos  e  taes 
sinaaes.  ca  o  curso  do  mundo  anda  fora  de  toda  sua  ley,  e  os  pranetas 
perderam  sua  certa  carreira,  ou  a  destroiçam  de  toda  a  terra  dAfriqua  he 
5  aparelhada,  ca  semelhantes  três  sinaaes  nunqua  me  lembra  que  os  lesse, 
que  assi  parecessem  sobre  hum  efteito.  Verdade  he  que  o  cris  da  lua 
traz  muitas  vezes  pestelença,  outras  vezes  fome  ou  discórdia,  mas 
estrella  nunqua  foy  homem  que  a  visse  ante  a  face  da  terra  senam  agora. 
Bem  he  que  eu  acho  que  elia  parece  certos  tempos  do  anuo  em  terra  da 

"O  índia  maior,  mas  nam  que  acompanhe  a  lua  nem  siga  seu  curso,  como  fez 
agora  esta.  Chamamlhe  alguús  dos  nossos  autores  Oriam,  porque  traz 
figura  despada,  e  dizem  alguús  que  a  sua  jnfluençia  traz  fogo  e  sangue, 
ca  ella  he  huúa  daquellas  estrelias  que  cayo  do  cabo  do  Carneiro,  segundo 
he   declarado  nos   textos  de    Tolomeu.     E  porque   a   calidade   daquellc 

i5    sino  que  se  chama  Aries,   he  quente  e  seco.  dizem  que  traz  esta  estrella 
consigo  fogo.  e  porque  outrosy  os  primeiros  autores  a  poserom  em  figura 
despada,  he  forte  *  sinal,  ca  se  o  planeta  do  Saturno,  que  he  estrella  que    8,94,  r,i 
empece  aa  praçeira  desuiada   de  seu  curso,  nam  me  anojara  tanto  como 
esta.   e  sobre   todo  o  cris  que  ante   pareçeo,  me  faz  ajnda  a  esperança 

20  muito  pior.  ca  acho  poUos  almenaques,  que  quando  os  mouros  outra  vez 
perderam  Espanha,  que  outro  semelhante  cris  foi  visto  primeiramente,  e 
ajnda  nam  tam  forte  como  este.  porque  acho  que  aaquelle  tempo  mais 
estaua  na  casa  do  Escorpião,  o  qual  com  o  seu  cabo  ardente  apremaua 
Júpiter  em  sua  alteza.     E  Vénus  que  he  nossa  planeta  vejoa  triste  e  fora 

25  de  toda  alegria.  Mercúrio  outrosy  que  lhe  deuia  dacorrer,  que  sua  tri- 
gança  que  traz  pollo  çeo,  acho  muy  afastado  de  sua  companhia.  Ora 
que  leixassemos  estas  cousas,  soomente  aquelle  sonho  he  abastante  pêra 
nos  poer  muy  grande  espanto,  porque  creo  que  tendes  em  vossos  escpri- 
tos,  como  no  tempo  do  grande  Mirabolim,  que  a  primeira  vez  que  passou 

3o  desta  terra  em  Espanha,  andaua  hum  mouro  cauando  em  huúa  sua  orta 
açerqua  desta  cidade,  e  tirando  a  pedra  de  huús  aliçeçes  velhos  achou  hum 
mármore,  em  o  qual  era  esculpida  huúa  jmagem  de  hum  nosso  propheta 
que  chamauam  Brafome  de  Marrocos  natural,  sob  cujos  pes  estauam 
escritas  huúas  letras  em  quatro  rregras  que  deziam  assi.     Da  casa  dEspa- 

35    nha   sairá   hum  liam  com   três  cachorros  seus   filhos,   acompanhado  de 

I.  sua  D,  húa  B.  —  2.  o  B,  ao  I  —  taes  (i")]  taees  B.  —  5.  sinaes  B.  — 7.  pestenença  D. 

—  9.  do  annoj  om  D.  —  12.  algús  B.  —  r3.  húa  B.  —  i5.  que  I,  om  B.  —  16.  a  I,  om  BD.  — 
17.  do  B,  om  I.  —  18.  enpeçe  B  —  desuiada  B,  designada  I.  —  21.  perderão  B.  —  25.  que 
(2  °)  B,  por  I.  —  26.  achoo  D.  —  28-29.  escritos  I,  espritos  B.  —  29.  pasou  B.  —  32.  liúa. 

—  34.  cassa  B. 


—  174  — 

*^)94>  ■",  2  gnindc  frota,  carregada  de  muitas  gentes,  *  e  apremara  a  tua  nobre  cidade. 
O  cidade,  e  do  seu  xemel  vira  o  destruidor  das  partes  d  Africa.  Mou- 
ros fogij,  e  nam  queiraaes  esperar  o  brandimento  de  sua  espada.  E  assi 
concerta  esta  profecia  com  o  sonho  deste  mouro,  porque  diz  que  via  liam 
coroado  polia  boca  do  estreito,  outrosy  as  abelhas  sinificamos  nos  outros.  5 
e  os  pardaaes  sam  os  christaãos.  ca  semelhante  vio  hum  mouro  em  Cor- 
doua  em  sonhos,  quando  os  mouros  a  perderam.  Porem  o  meu  conselho 
he  que  nos  socorramos  aa  prouidençia  diuinai,  fazendo  nossas  orações 
mu}'  deuotamente  que  nos  liure  de  tamanho  prigo.  E  pêra  jsto  seer  bem 
feito,  compre  de  escreuerdes  a  alguús  lugares,  onde  sintaaes  que  estam  lo 
alguijs  rrelligiosos  que  lhe  praza  rreçeberem  este  feito  em  sua  enco- 
menda, o  que  eu  creo  que  elles  faram  de  necessidade,  porque  estes 
sinaaes  assi  pertencem  a  elles  como  a  nos.  senom  tanto  que  aquelle 
sonho  dos  pardaaes  que  filhauam  as  abelhas,  sinifiqua  que  o  dano  seria 
primeiro  em  esta  cidade.  E  será  bem  que  se  tenha  todo  bom  auisamento  i5 
cm  quaaesquer  estrangeiros  que  aqui  sejam,  de  guisa  qne  nam  tenham 
azo  desguardarem  os  muros  da  cidade,  nem  os  leixem  andar  soltamente 
per  onde  elles  quiserem,  porque  nam  sabe  homem  a  tençam  que  trazem. 


B,94,v,  I    Como  a  frota  *  por  aio  da  tormenta  tornou  outra  vei  aas  Aljaiiras, 

e  como  ao  dobrar  o  cabo  dAlmina  as  gallecs  forom  em  grande  prigo.    20 
Capitullo  Lix. 

FICARAM  OS  mouros  muy  desconsolados  ouuindo  assi  aquellas  nouas 
de  sua  destroiçam.  empero  foi  em  jsto  como  he  em  todallas 
cousas,  que  quamdo  am  de  seer  nam  podem  leixar  de  seer.  e  a 
fortuna  cega  os  entendimentos  dos  homeés,  que  se  nam  sabem  desuiar  25 
daquellas  cousas  que  lhe  sam  ordenadas.  Que  cousa  foy  dAnibal,  que 
com  tanta  fortaleza  correo  toda  Itália  fazendo  tantos  e  tam  marauilhosos 
fcitcs  darmas,  e  aa  derradeira  costrangido  da  fortuna  rrequeria  piadosa- 
mente  paz  a  seu  jmigo  capital  Cepiam.  E  Pompeo  naquella  derradeira 
batalha  que  ouue  com  Júlio  seu  sogro  nos  campos  dEmaçea,  pêro  teuesse  3o 
tamanho  poderio,  elle  mesmo  confessa  que  a  fortuna  forçosamente  o 
tirara  do  seu  entender  pollo  trazer  aa  batalha,  afim  de  se  mostrar.  E 
Gayo   César  quando   foy  a  ora  de  sua  fim,   como  quer  que   tamanho 

2.  O  cidade  B  D I,  om  C  —  uira  I,  viram  B,  vvrão  D.  —  7.  a  I,  om  B  D.  —  q.  perigo  B.  — 
1 1.  Pellegiosos  B.  —  i5.  boõ  B.  —  19.  tromenta  D,  tormenta  B.  —  27.  Italiia  B.  —  3o.  Jelio 
B  —  deemacea  B. 


-175- 

sabedor  fosse,  e  lhe  tantos  sinaaes  fossem  *  rreuelados  em  declaraçam  de  B,g4,v,2 
sua  morte,  nunqua  porem  se  pode  desuiar  de  seu  cruel  aquecimento.  E 
assi  o  deziam  alguús  daquelles  mouros  sabedores,  a  quem  preguntauam, 
que  pois  elles  sabiam  que  elRey  hia  sobre  a  cidade,  e  passaram  tantos  dias 
5  sem  lhe  fazer  nenhum  nojo,  porque  nam  punham  em  si  e  em  seus  muros 
milhor  guarda,  quanto  mais  sendo  assi  auisados  per  aquelles  sinaaes  que 
ja  viram.  Verdade  he  deziam  elles,  que  nos  tínhamos  esse  auisamento.  e 
bem  poderamos  em  treze  dias,  que  elRey  andou  darredor  de  nos  sem  nos 
fazer  nenhum  empeçimento,  a  afortalezar  muito  mais  nossa  cidade,  e  fazer 

,0  pêra  nossa  guarda  mil  rremedios  se  teueramos  jndustri;'. .  mas  as  rrodas 
çelestriaaes  nos  tinham  assi  atados,  que  éramos  feitos  qua.-i  immouibles.  e 
por  tanto  nam  era  em  nosso  liure  poder  rreçeber  nenhum  conselho  nem 
auisamento  sobre  a  cousa  determinada.  Depois  que  os  lííantes  forom  assi 
com  seu  padre  como  dito  he,  toda  a  outra  frota  se  a)untou  em  aquclle  dia 

]5  segundo  lhes  ficara  mandado.  ElRey  teue  seu  conselho,  no  qual  se  determi- 
nou de  filhar  a  terra  em  dereito  de  huúas  saleguas  que  ahv  estam.  nas  quaacs 
se  aconteçeo  que  alguús  dos  christaãos  sairam  fora,  assi  como  homeês  de 
pouco  siso,  e  sairam  os  mouros  a  elles.  e  começaram  de  se  emburilhar 
por  tal  guisa,  que  morreo  hum  christaão.  *  pollo  qual  se  a  frota  pos  em    6,95,  r,i 

20  tamanho  aluoroço,  que  quiserom  a  mayor  parte  delles  sair  fora,  se  nam 
fora  com  temor  delRey,  que  o  mandou  defender  muy  rrijamente.  Porque 
certamente  fora  huiã  muy  grande  prigo,  por  azo  da  grande  multidam  dos 
mouros  que  estauam  muy  açerqua,  e  doutros  muitos  que  se  poderam  rre- 
creçer.   os  quaaes  todos   emburilhados  fora  azo  de  grande  perdiçam,  e 

25  muito  mais  dos  christãos  que  dos  mouros,  assi  polia  auantagem  do  lugar 
como  polia  pouca  ordenança  que  antre  si  leuauam.  E  estando  assi  elRey 
em  este  conselho  pêra  filhar  aly  terra,  sobreueo  huúa  grande  tormenta, 
pollo  qual  foi  necessário  que  se  elRey  dahy  partisse  pêra  outra  parte, 
poique   o  lugar  era  tal  que  a  frota  nam  podia  alj'  rrepairar,  mas  esto  foi 

3q  enuiado  polia  graça  de  Deos  segundo  adiante  será  contado,  e  assi  forom 
as  gallees  em  muj'  grande  prigo  ao  dobrar  da  ponta  da  Alniina.  e  as  naaos 
nam  poderam  tam  asinha  fazer  sua  volta.  E  andando  assi  rrepairando  ao 
mar  abrandou  a  tormenta,  e  quando  quiserom  seguir  a  viagem  das  gallees, 

I .  declaração  B.  —  4.  passaram  I,  pasaua  B.  —  6.  sinaes  B.  —  7.  jaa  B  —  diziam  B.  — 
8.  derrador  B. —  10.  garda  B. —  11.  jmmovybyles  D. —  i3.  detreminada  B. —  i5.  ficara 
B,  fora  ja  D— se  D,  om  B. —  iC.  saleguas  B,  sallgas  D,  salgas  I. —  18.  emburilhar  D, 
embrulhar  B.  —  22.  mui  B.  —  23.  mouros]  muros  B.  — 27.  alij  B —  sobreueo  I,  sobre  B 
—  tromenta  D,  tormenta  B.  —  28.  pollo  D,  polia  B  —  dahij  B.  — 2<i.  ali  repairar  B  D, 
alli  pairar  I  —  foi  I,  oní  B.  —  3i  gales  B  —  mui  B  —  perigo  B  —  nãos  B.  —  32.  pode- 
rão B  —  repairando  B,  pairando  I  —  ao  I,  o  B  D. 


—  176  — 

que  eram  tornadas  as  Aljaziras  onde  primeiro  esteuerom,  lançouas  a  cor- 
B,95,r,2  rente  a  via  de  Malega  segundo  ante  fezerom.  Do  qual  aballamento*  que 
assi  aquella  frota  fez,  os  mouros  ouuerom  muy  grande  prazer,  como 
quer  que  se  em  ello  muito  enganauam.  porque  aqueile  foi  hum  muv  grande 
azo,  per  que  a  cidade  foi  tam  asinha  tomada,  segundo  adiante  será  contado.      5 


Da  maneira  que  os  mouros  tcuerom  depois  que  a  frota  partio,  e 

como  se  em  ello  pode  consirar  que  Deos  soomente  foi  aqueile  que 

trouxe  a  fim  da  vitoria.     Capitullo  Lx. 


G 


RANHE   folgança  teuerom  os  mouros  por  aquella  partida  delRcy, 
nam  conhecendo  o  calado  segredo  que  a  prouidençia  diuinal  em    10 
ello  ordenaua.     E  porque  verdadeiramente    em   ello   possamos 
conhecer,  quanto  nosso  Senhor  Deos  em  ello  quis  obrar  per  sua  graça, 
deuemos  de  esguardar  três  marauylhosas  cousas,  que  se  em  ello  seguiram 
aalem  da  ordenança  da  rrezam.  polias  quaaes  podemos  rreçeber  auisamento 
pêra  o  diante,  que  posto  que  alguúas  nom  venham  aa  nossa  vontade,  que    i5 
B,q5,v,  I    35  ajamos  por  *  boõas,  consirando  que  nos  acontecem  a  fim  de  outro  mayor 
bem.  o  qual  nos  por  aqueile  presente  nam  conhecemos.    Onde  he  de  saber, 
que  a  determinaçam  delRey  era  de  filhar  terra  daquella  parte  de  Barba- 
çote  segundo  ja  ouuistes,  pensando  que  a  nam  poderia  tam  desempachada- 
mente  filhar  da  outra  parte.     A  qual  cousa  se  assi  fora,  poderá  seer,  que    20 
posto  que  se  a  cidade  depois  filhara,  que  fora  com  muy  grande  trabalho  e 
nam  sem  grande   espargimento  de  sangue,  ca  o  lugar  era  muito  fragoso, 
e  a  multidão  dos  mouros  muy  grande,  ca  alem  dos  vezinhos  da  cidade 
eram  hi  outros  de  fora  que  estauam  em  numero  de  cem  mil.   e  aquella 
tormenta  foi  azo  de  se  elRey  partir  e  escusar  aqueile  prigo.     E  mais  que    25 
tanto  que  os  mouros  viram   assi  partir  aquella   frota,  pensaram  que  se 
partira  ja  de  todo.  e  porque  os  outros  mouros  de  fora  lhes  faziam  nojo 
e   damno.   ca   elles  per  natureza  sam  grandes   estragadores   de   cousas 
alheas.   porem   mandou  Çalabençala   per   rrequerimento   dos  outros  da 
cidade,  que  se  fossem  muito    em    boõa   ora    pêra    suas   casas,   porque    3o 
sua    presença    a    elles    ja    nam   era   necessária,    agradeçendolhe    porem 
muito  seu  trabalho  e  boõa  voontade  que  tiueram  pêra  os  vijr  ajudar.    Ora 
vede  se  poderemos  dereitamente   atrebuir  este  acontecimento  senam   a 

3.  mui  B. —  8.  vitorea  B.  —  i3.  esgardar  B.  —  i5.  alguiís  B.  —  lõ.  acontecem  I,  acon- 
tece B.  —  10.  jaa  B.  —  21.  muiB.  —  23.  mui  B.  —  27.  jaa  B.  —  28.  caa  B.  —  29.  Çalla  bem- 
çalla  B.  —  3o.  fosem  B.  —  3i.  jaa  B.  —  32.  bõa  B.  —  33.  poderamos  B,  poderemos  D. 


—  177  — 

Deos.  o  qual  he  aquelle  *  segundo  diz  o  apostollo,  que  obra  em  nos  o  6,95, v,2 
seu  comprimento,  segundo  diz  Arato  poeta,  viuemos  aa  perfeiçam  de 
todallas  cousas.  Outra  cousa  diremos  ainda  aqui,  porque  pertence  a 
Deos.  e  esto  he,  que  elRey  Dom  Joham  era  assi  compressionado,  que 
b  tanto  na  terra  era  forte,  enfraquecia  no  maar.  ca  soomente  em  passar  de 
Lixboa  pêra  Couna  enjoaua  per  tal  guisa,  que  nam  sabia  de  si  parte, 
e  porque  elle  conhecia  em  si  este  falecimento,  se  encomendou  aa  uirgem 
Maria  da  Escada  que  o  liurasse  daquelie  trabalho,  e  foy  cousa  maraui- 
Ihosa,   que  em  todo  hum  mes   que  andou  no  mar,  nunqua  fez  nenhuúa 

10  mostra  denjoamento.  ElRey  quisera  teer  logo  aly  seu  conselho,  porque 
toda  a  outra  frota  leuara  a  corrente,  como  ja  dissemos,  mandou  outra 
vez  elRey  ao  Itlante  Dom  Anrrique  que  fosse  com  as  gallees  polias  naaos, 
como  ante  fezera.  E  em  jndo  assi  sua  viagem,  de  noite  ouuiram  as  vozes 
da  companha  que  vinha  em  huúa  naao,  em  que  era  Joham  Gonçaluez  Omcm 

i5  com  outros  muitos  do  Iffante  Dom  Pedro,  e  segundo  parece  que  encon- 
trara outra  naao  com  ella,  de  cujo  encontro  abrio  per  tal  guisa,  que  pare- 
cia que  a  escalaram  com  hum  cuitelo.  e  porem  eram  em  muy  grande 
prigo  os  que  vinham  em  ella,  do  que  lhes  nam  foy  pequeno  conforto, 
quando  sentiram  as  gallees  junto  consigo,  pedindo  ao  Iftante  Dom  *  Anrri-    B,96,r,  1 

20  que  que  lhes  fezesse  acorrer,  e  o  Iftante  fezea  logo  aliuar  da  mor  parte 
da  carrega,  e  apertar  com  cabres  grossos  e  fortes,  mas  toda  via  foilhe 
dito  que  aquella  naao  per  nenhuúa  via  podia  fazer  vella,  que  logo  de  todo 
nam  fosse  alagada,  e  assi  a  leuaram  aa  toa,  de  guisa  que  delia  nam  se 
perdeo  nenhuúa  cousa,  e  a  naao  foy  ao  depois  corregida  segundo  lhe  era 

25  necessário  pêra  nauegar  como  da  primeira.  E  o  Iftante  seguio  sua  via- 
gem, e  trou.xe  as  naaos  como  lhe  fora  mandado. 


I.  aquele  B  —  o  I,  e  o  BC.  —  2.  orato  BC.  —  4.  Joam  B — compreissionado  I. — 
10.  ali)  B. —  12.  Ifante  B  —  galees  B  —  nãos  B.  —  14.  nao  B  —  Joam  B.  —  i5.  Ifante  B. 
—  16.  nao  B.  —  17.  mui  B.  —  18.  perigo  B.  —  19.  galles  B.  —  20.  fezera  B,  feia  I  —  ali- 
uar B  C  D,  alijar  I.  —  22.  nao  B.  —  zb.  Ifante  B. 
a3 


—  178  — 

Da  visam  que  Fervam  dAhiarei  Cabral  vio  açerqua  do  aconteci- 
mento do  Iffante,  e  das  rre^óes  que  acerca  delo  de^ia. 
Capitullo  LxJ. 


H 


UM  outro  aquecimento  se  seguio  ajnda  marauilhoso  em  aquella  frota. 
E  foi   assi,  que   ao  tempo  que  elRcy  ouue  de  partir  de  Lixboa.      5 
alem  da  gente  que  o  Iffante  Dom  Anrrique  trouxera  do  Porto,  llie 
sobreueo  ajnda  outra  muito  mais.  per  cuja  rrezam  lhe  foy  ordenada  per 
seu  padre  iiuúa  naao  grande,  em  que  a  dita  gente  podesse  leuar.  da  qual 

8,96,  r,  2    o  Iffante  fez  capitam  Luis  Aluarez  Cabral  seu  vedor,  e  mandou  *a  seu 

filho  Fernam  dAluarez  Cabral  que  fosse  com  elle  em  lugar  de  seu  padre,  10 
pêra  o  fazer  seruir  em  sua  gallee.  e  estando  assi  naquella  abra  de  Gibaltar, 
aqueçeo  que  o  dito  Fernam  dAluarez  se  lançou  a  dormir  sobre  huúa 
mesa  que  estaua  debaxo  do  telhado,  e  jazendo  assi  huiJa  peça  acordou. 
e  assi  acordado  começou  de  dizer  com  hum  esprito  apressurado  e 
trigoso.  que  acorressem  ao  Iffante  seu  senhor,  que  andaua  emburi-  i5 
Ihado  antre  os  mouros,  e  tantas  vezes  e  com  tal  aficamento  dezia 
jsto,  que  alguús  dos  que  andauam  polia  gallee  se  chegauam  per  alij.  E 
porque  o  viram  assi  acordado,  forom  muito  marauilhados,  empero  fala- 
ramlhe  alguús  dizendo  que  cousa  era  aquella,  que  assi  parecia  que  o  Iff"ante 
estaua  fora  de  semelhante  cuidado.  Vedes  disse  elle,  que  cousa  pêra  20 
crer.  vejoo  eu  andar  antre  aquelles  perros  sem  nenhum  acorrimenio  de 
nenhum  de  vos  outros,  mas  empero  Deos  he  com  elle,  ca  ja  tem  derri- 
bados dous.  ajudaio  por  Deos  que  o  nam  leuem  aquelles  mouros  antre 
sy.  ca  sam  tantos,  que  sam  espantado  como  se  pode  delles  defender. 
E  entam  começou  a  dizer.  Oo  virgem  Maria  acorreilhe.  ca  se  tua  25 
ajuda  lhe  falece,  de  nenhum  dos  seus  pode  seer  ajudado,  queixandosse 
fortemente  contra  os  seus,  porque  o  nam  hiam  ajudar.  E  quando  lhe 
parecia,  que  o  Iffante  daua  algum  golpe  em  algum  mouro,  o  seu  prazer 
era  tamanho  que  todo  o  rrosto  se  lhe  enchia  de  rriso,  e  muito  mais 
quando  lhe  parecia  que  o  mataua.  e  entam  começaua  desforçar  o  Iffante,    3o 

B,96,v, I  dizendo,*  que  nam  temesse  nenhuúa  cousa,  que  Deos  o  ajudaria.  E  assi 
dezia  outras  muitas  cousas,  como  se  propiamente  visse  o  Iffante  andar 
antre  mouros,  como  de  feito  depois  andou.     A  qual  cousa  fezeram  saber 

I.  de  Aluarez  I,  dalurez  Dalurez  B.  —  7.  muita  I  —  ordenado  C.  —  8.  húa  nao  B.  — 
9.  Ifante  B  —  alurez  B.  —  10.  dalúrz  C,  dalurez  B.  —  1 1.  o  I,  om  B  —  galle  B  —  abra  B I^ 
obra  C. —  12.  dalurez  B. —  i3.  acordou]  arfi.  bradando  I. —  14.  apresurado  B.  —  i5.  acor- 
resem  B.  —  17.  pola  galle  B.  —  22.  jaa  B.  —  23.  ante  I.  —  32.  propriamente  I. 


—  179  — 

ao  Iffante.  o  qual  posto  que  bem  conhecesse,  que  aquello  nam  era  outra 
cousa  senam  ar  de  pestelença,  mandou  porem  ao  seu  físico  mestre 
Joanne  que  o  fosse  veer,  e  quando  chegou  a  elle  e  lhe  falou,  foi  Fernam 
dAluarez  muito  mais  queixoso,  dizendolhe  que  faria  milhor  de  jr  ajudar  seu 
5  senhor,  ca  de  estar  com  elle  em  semelhantes  rrezões.  Empero  disse  elle, 
leixai  vos  os  fanados,  ca  cuido  eu  que  lhes  vai  a  elles  de  quando  em  quando 
o  Iffante  meu  senhor  corregendo  a  fazenda,  e  assi  tornaua  aas  suas  pri- 
meiras rrezoões.  E  mestre  Joanne  disse  ao  Iffante.  Eu  tenho  bem  visto 
Fernam  dAluarez,  e  querouos  acerca  dello  falar  como  físico  e  como  con- 

10  selheiro.  E  quanto  a  físico  me  parece  que  o  deuees  toda  via  de  jr  veer. 
por  certo  he  que  jsto  que  assi  fala,  nom  he  ai  senam  rramo  de  peste- 
lença, a  qual  lhe  presenta  assi  estas  rreuelaçoões,  como  cousas  que  am  de 
seer,  trazendo  a  alma  casi  apartada  do  corpo  pêra  conhecer  aquellas 
cousas,  que  pêra  si  soo  depois  ha  de  veer.  e  tanto  que  vos  vijr,   nam  he 

i5    duuida   que  nam  perca  aquella  maginaçam,  e  torne   a  seu  propio  enten-    B,96,v,2 
der.     E  faiando  como  conselheiro  me  parece,  que  nom  *  deuees  laa  de  jr. 
ante  vos  afastar  delle  quanto  poderdes,   porque  este   aar  he  contagioso 
como  sabees.   chegandouos   a   elle  ficarees  em  duuida  de  prigo.   porem 
sobre  todo  vossa  merçe  pode  fazer  o  que  lhe  prouuer.     O  Iffante  disse 

20  que  Deos  fezesse  o  que  sua  merçe  fosse,  que  toda  via  o  entendia  de  jr 
veer.  E  tanto  que  chegou  a  elle  e  lhe  falou,  Fernam  dAluarez  saltou 
logo  em  pee  fora  da  mesa,  e  aleuantou  as  maaõs  contra  o  çeeo,  dizendo 
que  louuaua  muito  ao  Senhor  Deos  polia  vitoria  de  tamanho  prigo,  con- 
tandolhe  todo  o  que  lhe  parecera.     Ora  pois  disse  o  Iffante,  tornaiuos  a 

25  a  rrepousar  e  folgar,  ca  esto  nam  foi  ai  senam  algum  asombramento  de 
algum  aar  corruto,  que  vos  quisera  empecer  e  nam  pode.  O  rrepouso 
que  eu  ey  de  fazer,  disse  Fernam  dAluarez,  mandaruos  fazer  a  çeea.  ca 
ja  pedaço  ha  que  me  quisera  aleuantar  pêra  ello,  senam  esteuera  em 
aquelle  trabalho.     E  todas  estas  cousas  que  assi  Fernam  dAluarez  disse, 

3o  aconteceram  depois  ao  Iffante,  sem  lhe  falecer  nenhuiãa  cousa.  E  assi 
aconteçeo  a  elle.  ca  estando  a  frota  ante  a  cidade  de  Cepta,  lhe  deu  huúa 
leuaçam,  polia  qual  logo  o  Iffante  o  mandou  muy  bem  curar  de  sangrias 
e  de  todallas  cousas,  que  lhe  ao  presente  eram  necessárias,  e  mandou  que 
o  leuassem  a  Tarifa  pêra  seer  la  milhor  curado,  mas  elle   per  nenhum 

35    modo  quisera  partir   ata   que  se  despedisse  do  Iffante.  o  qual  o  man- 

I  Ifante  B.  —  4.  dalurez  B.  ^  5.  destar  C.  —  6'.  os  I,  om  B  —  cuido  eu]  cuidou  C  — 
a  I,  om  B  —  em  quando  I,  om  B  —  de  quamdo  em  quando]  de  cando  C.  —  7.  Ifante  B.  — 
9.  dalurez  B.  —  11.  por  B,  porque  I.  —  i3.  ser  B.  —  14  pêra  B,  por  I.  —  i5.  não  B  —  ma- 
ginação  B  —  próprio  I.  —  17.  delle  I,  dello  B  —  2 1 .  dalurez  B.  —  23.  perigo  B.  —  25.  ai 
senam]  om  C.  —  27.  dalurez  B.  —  29.  dalurez  B.  —  34  leuasem  B.  —  35.  atee  B. 


—  i8o  — 

B,97,  r,  I  dou  trazer  ao  bordo  de  sua  gallee,  *  e  lhe  falou.  Senhor  disse  elle,  Deos 
sabe  quanto  desejo  de  vos  fazer  seruiço,  e  nom  quiseram  os  meus  peca- 
dos, que  em  este  tempo  vos  seruisse  segundo  desejaua,  de  que  a  minha 
alma  nam  leua  pequena  magoa,  porem  som  neste  tempo  que  vedes, 
do  qual  nam  sey  a  fim  que  ei  de  auer.  mas  qualquer  que  seja,  eu 
vos  peço  por  merçe  que  me  encomendees  em  vossas  oraçoÕes.  e  se  eu 
morrer,  que  vos  lembrees  de  minha  alma.  ca  se  me  Deos  daa  vida, 
bem  creo  que  per  meu  seruiço  conheçerees  minha  boõa  vontade.  Prouue 
a  Deos  de  lhe  dar  vida,  e  mostrou  bem  o  efeito  de  suas  palauras  per 
obra.  ca  sempre  depois  seruio  bem  o  Iffante.  e  assi  mesmo  em  seu 
seruiço  morreo  sobre  o  çerquo  de  Tangere. 


Como  clRey  teiie  seu  conselho  se  tornaria  outra  ve^  sobre  a  cidade 

de  Cepta,  e  das  rreioóes  que  se  no  dito  conselho  passaram. 

Capitullo  Lxij. 

JA  na  frota  nam  auia  nenhum,  que  cuidasse  que  auiam  dalij  de  fazer    i5 
viagem  senom  pêra  Portugal,  e  entam  auia  antre  elles  muitas  e 
»^,y/,.,-  desuairadasdepartiçoões.  Agora  * deziam  elles,  poderá  elRey  conhe- 

cer as  traições  do  priol.  ca  certo  he  que  nos  trazia  todos  vendidos  pêra  nos 
rresgatar  como  seus  presioneiros.     Vede  que  cousa  hia  meter  em  cabeça  a 
elRey,  que  auia  de  tomar  a  cidade  de  Cepta.  onde  se  adergaramos  de  filhar    20 
terra,  nunqua  de  nos  tornara  pee  de  homem  pêra  Portugal.    Quem  duuida 
que  elle  nam  escreuesse  a  Çalabençala,  que  posesse  em  sy  rrecado,  aui- 
sandoo  de  todo  corregimento  delRey.  ca  certo  he  que  quando  elle  foy  a 
Cezilia,  em  vez  de  olhar  os  muros  da  cidade,  foy  falar  com  Çalabençala. 
e  a  bofe  segundo  alguiis  disserom,  mais  leuou  elle  daqui,  do  que  rrende    25 
o  seu  priolado  vinte  annos.     Pois  vede  vos,  deziam  outros,  ca  ajnda  com 
todas  estas  cousas,  os  Iffantes  nam  ho  chegam  menos  a  sy.  ca  se  per  ven- 
tura entendessem  per  seu  azo  de  cobrar  a  cidade.     Ca  assi  lho  metera 
elle  em  cabeça,  rrespondiam  outros,  elles  como  sam  gente  manceba,  crer- 
Iheam  quantas  abusoões  lhe  elle  disser.     Nom  pode  seer,  deziam  alguús,    3o 
ca  elRey  nam  he  paruo.   nem  este  feito  nom  he  pêra  teer  em  jogo.   e 
posto  que  elRey  calle,  vos  verees  aa  derradeira,  que  lhe  dará  tam  bom 

I .  de  B,  da  I  —  galee  B.  —  6.  se  eu  I,  seu  B.  —  9.  mostrou  I,  mostrouse  B  —  beem  B. 
—  lo-ii.  assi  morreu  em  seu  seruiço  sobe  o  cerco  de  Tangere  D. —  11.  morreo  Dl, 
om  BC.' —  i3.  pasaram  B.  —  i5.  jaa  B.  —  17.  diziam  B.  —  21.  domem  BC.  —  22.  cala 

bençala  B.  —  24.  Cezylia  C,  Ceçilia  B.  —  cala  bençala  B. 27.  ho  C,  om  B.  —  ?8.  en- 

tendesem  B.  —  29-30.  crerlheão  B. 


—  I»I  — 

castigo,  que  pêra  todo  sempre  seja  memoria,  e  o  que  lhe  a  elle  faleçeo 
pêra  fazer,  quando  jouue  no  castello  de  Coimbra,  acabarlhoam  agora. 
Mas*  sobre  todo  foy  prazer  de  veer,  quando  elRey  aa  segunda  feira  8,97, v,i 
mandou  chamar  todollos  do  conselho,  que  viessem  nos  batees  pêra  falar 
5  com  elles  açerqua  daquelle  feito.  Quando  o  priol  passaua  por  açerqua 
dos  nauios  em  seu  batel,  ca  nam  olhauam  todos  menos,  que  se  elles  cer- 
tamente souberom  que  era  verdade,  o  que  ante  deziam.  e  nam  cuida- 
uam  ai,  senam  que  elRej^  lhe  queria  demandar  rrezam  daquelle  feito,  e 
nam  era  a  gente  do  pouo  muito  de  culpar,  quando  muitos  daquelles  capi- 

10  taães  lhe  dauom  culpa,  dizemdo  que  elle  ordenara  todo  aquelle  feito. 
Mas  o  priol  que  era  homem  sesudo,  porque  ouuisse  todas  aquellas  pala- 
uras,  leuaua  todo  a  jogo.  soomente  quanto  he  achado,  que  disse  a  alguús 
daquelles  fidalgos  que  o  atormentauam  por  aquella  rrezam,  que  os  cora- 
coões  lhes  nom  falleçessem,  ca  o  que  elle  encaminhara  e  ordenara,  elle  daria 

i5  dello  boõa  conta.  Depois  que  aquelles  do  conselho  forom  assi  ajunta- 
dos, propôs  elRey  sua  rrezam,  dizendo  que  bem  sabiam  com  quantos 
trabalhos  e  despesa  trouxera  alij  aquelle  ajumtamento,  a  fim  de  filhar  a 
cidade  de  Cepta,  como  elles  bem  sabiam,  sobre  a  qual  se  fezera  ja 
quanto  elles  viram,   porem   que  lhe  dissessem  o  que  açerqua  dello  lhes 

20    parecia.     Sobre   a  qual  proposiçam  forom  rrezoadas*  muitas  cousas,  e    8,97, v,2 
finalmente   fo}^  o  conselho  partido  em  três  partes  .s.   huús  disserom  que 
era  bem  toda   via  tornar   a  Cepta.   outros  disserom  que  filhassem   Gibal- 
tar.  outros  que  se  tornassem  pêra  Portugal.     E  dos   que  eram  em  con- 
selho de  filharem  Cepta,  principalmente  forom  os  Iffantes,  os  quaaes  rres- 

25  ponderam  a  seu  padre  per  esta  guisa.  Senhor,  vos  deuees  de  consirar 
quanto  tempo  ha  que  começastes  este  feito,  e  quantas  e  quam  grandes 
cousas  tendes  mouidas  pêra  chegardes  aa  fim.  per  cuja  rrezam  a  fama 
deste  feito  voou  per  muitas  partes  do  mundo,  e  como  posto  que  no 
começo  encobrissees   este  segredo,   que  o  tendes  ja  agora  rreuelado.   e 

3o  tornandouos  assi,  ou  apontando  em  outra  cousa  de  menos  valia,  nam 
podees  auer  vitoria  que  vos  nam  ficasse  maior  prasmo.  quanto  mais  por 
nam  prouardes  nem  ensayardes  vossa  força  e  poder  sobre  a  grandeza 
daquella  cidade.  Ca  se  per  ventura  ja  vos  jouuerees  em  seu  cerco 
alguús  tempos   rrazoados,  nam  tiuera  o  mundo  por  que  vos  dar  tama- 

35  nha  culpa,  mas  tornardesuos  assi,  parecera  que  vos  espantou  a  sombra 
dos   mouros.    Nem   aos  mouros  nam  será   pequena   alteraçam,  quando 

4.  viesem  B.  —  8.  Rezão  B.  —  i3.  atormentavão  Cl.  —  i3-i4.  corações  B.  —  14.  falle- 
çesse  B.  —  i5.  despois  B.  —  16.  prepos  B,  propôs  I.  —  18.  a  B,  o  Cl  —  jaa  B.  —  19.  lhes 
dissesse. B.  —  21.  hOs  B.  —  24.  Ifantes  B.  —  26.  haa  B.  —  3i.  podeis  B.  —  32.  ensayar- 
des BC,  sairdes  I.  —  34  algús  B.  —  35.  espantou  I,  espantaram  BC. 


consirarem  que  vos  vos  assi  espantaaes  da  sombra  da  sua  cidade,  e  pode 
seer  que  lhes  ficara  daqui  ousio  e  atreuimento  de  correrem  em  seus 
naaios   a  costa   do   Algarue,   mais  do  que    ata   aqui   fezeram.     Porem 

B,ti8,r. .     nosso  conselho*   he   que  toda  via  vos  vades  sobre  a  cidade,   e   que  a 

çerquees   e   combataaes   com  vossos  engenhos,    e  esperamos  em  Deos     5 
que  vos  dará  vitoria.     Ca  pois  esto  principalmente   foy  ordenado   por 
seu   seruiço,  pollo   qual   despresastes  tantos  contrairos,  quantos  se  vos 
ofereciam   no  começo  deste   feito,  nam  deuees  agora  tornar  atras  por 
este,  que   he  muito  mais  pequeno.     E  Deos  que  sabe  vossa  vontade  e 
tençam,  vos  aiudara  per  tal  guisa,   que  acabees  vosso   feito  como  dese-    lo 
jaaes.     E  estas  rrezoões  e  outras  muitas  açerqua  deste  propósito  disse- 
rom  os  lífantes  e  conde  de  Barcelos  a  elRey,  com  os  quaaes  concordaram 
poucos  mais  de  dous  ou  três  dos  outros  do  conselho.     E  os  outros  que 
falaram  em  Gibaltar,  proposeram  suas  rrezoões  em  esta  forma.     Se  per 
ventura  este  feito  nam  pertencesse  senam  aa  cidade  de  Cepta  soomente.    i5 
ou  ella  fosse  tal  que  se  podesse  bem  cercar,  logo  seria  bem  de  auentu- 
rarmos  nossos  corpos  e  fazendas  por  cobrar  seu  senhorio,   e  ainda  que 
víssemos  milhares  de  mortes  dos  nossos  christaos,  e  nos  outros  feridos  e 
cansados  sobre  elles  pelejando,  nom  era  rrezam  que  nos  partíssemos  de 
semelhante  contenda.     Mas  que  será  quando  cuidarmos  que  auemos  de    20 
pelejar  com  todollos  mouros   dAfrica,   auenturar  com  tamto   fim  o  que 
nom   tem   fim,   quanto  mais   que   nos   nom   podemos   cercar  a  cidade, 
ajnda  que  nos  muito  trabalhemos,  que  lhe  tolhamos  que  nom  aja  man- 
timentos e   jcnte  de  fora,   quanta  lhes  prouuer.  e  entam  vos  digo,  disse 
hum  daquelles,  que  será  a  peleja  bem  jgual,  nos  afastados  de  nossa  terra    25 
comendo  cada  dia  os  mantimentos  que  trouxemos  de  nossa  terra,   per 
cujo  falecimento  nom  estamos  em  certa  esperança,   que  possamos  tam 
asinha  cobrar  outros.     E  entam  será  nossa  peleja  bem  rrezoada,   elles 
seram  muitos  mais  que  nos,   que  nom  am  de  vir  senom  como  quem 
vem  a  perdam,  como  souberem  que  nos  aqui  estamos,  e  faram  escarneo    3o 
de  nos,  se  nos  virem  jazer  em  nosso  cerco  sentindo  per  nossa  vinda  rre- 

B,98,r,  2  zoado  *  temor.  Veede  que  lugar  he  Cepta,  que  ha  nelle  huúa  legoa  pêra 
a  cercar  assi  de  ligeiro,  per  boa  fee  que  nom  auia  mester  senom  toda  a 
Espanha  pêra  a  cercar.     Per  cuja  rrezam  somos  em  acordo,  que  pois  que 

I.  vos  {2.°)]  voos  B,  om  I.  —  3.  ate  qui  B.  —  4.  noso  B  —  todavia  B.  —  7.  desprias- 
tes  B  —  tantos  contrairos]  todos  outros  C.  —  8.  oferecerão  C. —  11.  rezões  B  —  prepo- 
sito  B.  —  12.  Iffantes  B.  —  14.  rezões  B.  —  i5.  pertençese  B.  —  16.  cercar  I,  acerca  B.  — 
17.  seu  I,  huú  B.—  18.  mortos  CL—  19.  peleiando  B  —  rezam  B  —  partisemos  B.  — 20. 
que  será  I,  quisera  B.  —  21.  com  tanto  I,  conto  B.  —  23.  aia  B.  —  24.  dise  B.  —  2  5.  peleia 
B  —  nosa  B.  —  26.  os]  nos  B.  —  27.  posamos  B.  —  28.  rezoada  B.  —  32.  haa  B. 


—  i83  — 

ca  ja  somos,  que  vos  contentees  de  filhardes  a  villa  de  Gibaltar.  Ca  sem 
todas  estas  rrczoões  he  pêra  consirar,  como  somos  oje  em  xix  dias  dagosto, 
e  que  pêra  assentardes  vosso  arrayal  e  enderençardes  vossas  artelharias 
passaram  dez  ou  xij  dias  de  setembro,  e  nom  tardara  muito  que  o  jnuerno 
5  nom  comece  de  mostrar  os  sinaaes  de  sua  frialdade,  ca  tanto  que  o 
sol  entra  no  sino  de  Libra,  logo  os  dias  começam  de  abaxar  cada  vez  muito 
mais,  e  as  tromentas  sam  aqui  muito  grandes  no  jnuerno.  de  guisa  que 
grauemente  podem  aqui  estar  nenhuús  nauios  sobre  a  ancora  muito  tempo. 
E  esta  he  huúa  das  cousas,  que  vos  he  muito  necessária  .s.  a  frota,  por- 
lo  que  a  moor  parte  delia  como  vedes,  he  cercada  de  maar.  onde  ha 
mester  estes  nauios,  e  ajmda  mais  se  os  teuessees.  Porem  he  bem  que 
consirees  sobre  todo.  ca  estas  cousas  sam  muito  grandes,  e  ham  mester 
muy  bem  prouidas  todas  suas  partes. 

Como  os  outros  do  conselho  disserom  a  terceira  rre^ani.  e  como 
i5  por  elReyfoy  determinado  a  ponta  do  Carneiro  que  queria  jr  sobre 
a  cidade  de  Cepta.     Capitullo  Lxiij. 

LONGO  mais  do  rrazoado  fora  este  capitullo,  se  quiséramos  em  elle 
escpreuer  a  declaraçam  de  todalas  rrazoões  daquelle  conselho,  e 
porem  guardamos  pêra  aqui  a  derradeira  *  entençam,  dos  que  deziam    6,98,7,  i 

20  que  se  tornassem  pêra  Portugal,  os  quaaes  ouuidas  as  rrezoões  dos  outros 
disserom.  Nem  o  conselho  primeiro,  em  que  dizem  que  vades  a  Cepta. 
nem  o  segundo,  em  que  vos  aconselham  que  tomedes  Gibaltar,  nom  sam 
cousas  que  deuaaes  de  poer  em  execuçam  segundo  nosso  conhecimento. 
E  falando  primeiramente  do  que  pertence  a  Cepta,  assaz  nos  parece  que 

25  vos  forom  ja  falados  muitos  contrairos.  os  quaaes  euidentemente  sam 
conhecidos  antre  aquelles,  que  entendem  em  semelhantes  feitos,  empero 
nom  foi  em  ello  falado  na  tardança,  que  se  segue  de  necessidade,  se  a 
cidade  for  cercada  segundo  pertence,  ca  deuees  de  consirar,  que  nom 
será  vossa  honrra  aleuantardesuos  do  seu  cerco,  depois  que  a  huúa  veez 

3o  cercardes.  Ca  sabees  como  se  diz,  que  elRey  Dom  Fernando  de  Cas- 
tella  jouue  sobre  a  cidade  de  Coimbra  vij  annos.  e  outros  dizem  que 
elRey  Dom  Afonso  de  Castella  jouue  outros  vij  annos  sobre  esta  cidade, 
no  qual  tempo  fez  aquelle  cerco  dAljazira  que  esta  de  fora.     Pois  vos  ao 

I .  caa  B  —  contenteis  B.  —  2.  rezões  B.  —  4.  pasaram  B  —  ou  I,  o  B.  —  10.  haa  B. 

—  12.  consireis  B.  —  14.  rezam  B.  —  i5.  por  I,  om  B.  —  18.  rrazões  B.  —  19.  gardamos  B. 

—  20  rrezóes  B.  —  21.  diserom  B — o]  he  I,  om  B.  —  23    execução  B.  —  27.  neçesida- 
de  B.  —  29.  vosa  honra  B  —  despois  B. 


—  i84  — 

menos  que  esteuessees  aqui  hum  anno  se  mester  fosse,  nom  seria  muito. 
Ora  vede  que  frete  auees  mester  pêra  multidam  de  tantos  nauios,  como 
aqui  tendes,  quanto  mais  ainda  que  elles  per  sua  vontade  nom  estaram 
aqui.  ca  tem  de  leuar  as  mercadorias  pêra  gouernança  de  suas  terras, 
sem  as  quaaes  per  ventura  se  nom  poderam  gouernar.  Ora  pêra  que  5 
sam  mais  rrezoões.  acerca  dello  abaste  que  consirados  todos  casos  con- 
trairos,  acharees  que  he  casi  jmpossiuel  de  o  poderdes  acabar.  E  quanto 
he  aa  filhada  de  Gibaitar,  jsto  nom  hc  cousa  que  nom  deuees  fazer,  polias 

B,q8,v,2    pazes  que  tendes  com*  o  rregno  de  Castella.  ca  diram  que  o  nam  fezestes 

senam  a  fim  de  os  jniuriar,   mostrando  que  o  seu  poder  nom  era  bas-    >o 
tante  pêra  acabar  sua  conquista,  e  vos   em  seu  desprezo   querees   vir 
guerrear  sua  empresa.     Ca  bem  sabees  como  escreuestes  a  elRey  Dom 
Fernando,  que  vos  filhasse  na  companhia  daquella  conquista,  e  o  que  vos 
elle  rrespondeo.   e  poderia  seer  que  durando  vos  sobre   o  cerco  desta 
villa,   os   Castellaãos   aueriam  as  pazes  por  quebradas,    e   se   trabalha-    '5 
riam   de   fazer   alguúa  nouidade  em  vossos  rregnos,   o   que   seria   azo 
de    grande   prigo.      E   finalmente    nossa   tençam    he,   que    vos   tornees 
pêra  Portugal,  visto  como  nam  podees  nem  deuees  mais  fazer.     E  pois 
que  vos  principalmente  começastes  este  feito  por  seruiço  de  Deos.  elle 
que  sabe  vossa  entençam,  e  conhece  que  nom  podees  em  ello  mais  fazer,    20 
rreçeba  vossa  boõa  vontade  com  a  grandeza  do  trabalho,  que  acerca 
dello  tendes  leuado,  compridamente  por  obra.   ca  nom  he  seu   seruiço 
leuardes   tanta   gente  a  morrer,    sem   alguúa   esperança   de   vitoria,   ca 
escprito  he,  que  os   mortos  nom  louuam  o  Senhor,  mas  aquelles  que 
viuem  e  conhecem  o  seu  nome.     E  esto  ata  aqui  disserom  aquelles  derra-    ^5 
deiros.   mas  elRey  nom  quis  nenhuúa  cousa  rresponder,   ante  disse  que 
a  detreminaçam  daquello  leixaua  pêra  depois.     E    mandou  logo   fazer 
prestes  toda  a  frota,  que  se  fosse  lançar  a  ponta  do  Carneiro,   a  qual 
cousa  foy  feita  muy  ledamente,  porque  todos  maginauam  que  hi   nom 
auia  ja  outra  cousa  senom  tornar  pêra  Portugal,  tendo  pequeno  cuidado    3o 
de  quanto  trabalho  e  despesa  sobre  aquelle  feito  era  leuado,  e  como  todo 

A,^i,r,  I  juntamente  se  perderia  ao  ponto  de  huúa  soo  ora.  E  assi  *  pareceria  que 
todallas  cousas  que  sse  ataa  alli  fezeram,  forom  feitas  a  fim  de  trazerem 
desomrra  a  elRey  e  ao  rregno.  Depois  que  a  frota  foy  assy  toda  jumta 
na  pomta  do  Carneiro,  elRey  sahio  em  terra,  e  ajumtou  comssigo  todos    35 

I .  esteuesees  B.  —  2.  multidão  B.  —  6.  rezões  B.  —  7.  achareis  B  —  case  B  —  jmpo- 
siuel  B.  —  9.  dirão  B  —  o  2.°]  I,  om  B. —  16.  regnos  B.  —  20.  entenção  B,  tenção  C. — 
24.  escrito  B  — louuom  B.  —  25.  ate  qui  B,  ataqui  I  — diserom  B. — 27.  de  aquello  B 
—  despois  B.  —  33.  ataalli  A  —  foram  A.  —  24.  rreyno  A  —  despois  A  —  assi  A.  —  35.  ponta 
A  —  ajuntou  A. 


—  i85  — 

aquelles  do  comsselho,  e  assemtousse  no  chaão,  e  elles  todos  darredor 
delle.  Ora  disse  elle,  uos  quero  rrespomder  a  todo  o  que  me  fallastes 
açerqua  de  meus  feitos.  E  quamto  he  ao  que  dizees  que  me  torne  pêra 
meu  rregno,  pareçeme  que  assaz  seria  de  gramde  mimgua  auer  açerqua 
5  de  seis  annos,  que  amdo  em  este  trabalho  fazemdo  sobre  elle  tamtas  çir- 
custamçias  como  sabees,  polias  quaaes  o  mundo  esta  com  as  orelhas 
abertas  pêra  ouuir  a  fym  da  uitoria,  e  leixallo  assy  agora  pareçeme  que 
nom  será  outra  cousa  senam  huú  escarnho.  Outrossy  acerca  do  que 
dizees  de  Giballtar,   assaz  seria  de  fea  cousa   teer  o  fito  posto  em  huOa 

IO  tamanha  cidade,  e  aa  derradeira  desfechar  em  huija  semelhamte  uilla. 
Porem  abreuiamdo  as  çircustamçias  dos  comtrairos,  que  sse  açerqua  dello 
poderiam  acarretar,  declaro  que  minha  uoomtade  he  o  dia  de  oje  a  Deos 
prazemdo  seer  sobre  a  cidade  de  Cepta.  e  de  manhaS  filhar  terra,  e  dhi 
em  diamte  proseguir  minha  emtemçom,  ataa  que  a  Deos  traga  aaquella 

i5    fim  que  sua  merçee  for.     Ora  comuera  diz  o  autor,  que*  digamos  aqui,    A,8i,r,2 
de  como  Pêro  Fernamdez  Portocarreiro,  tamto  que  semtio  que  a  determi- 
naçom   delRey   era   filhar   a   cidade  de   Cepta,    rrequereo   a   seu  padre 
liçemça  pêra  sse  hir  pêra  elle.     Leixa  primeiramente   disse  seu  padre,  a 
elRey  assemtar  seu  arrayal,  e  amtre  tamto  emcaminharemos  alguúa  boõa 

20  cousa  que  lhe  leues  em  seruiço,  ca  assaz  de  tempo  auera  hi  pêra  o  seruires. 
E  esto  escpreuemos  assy  aqui,  como  nembro  que  fazem  os  pedreiros 
sobre  a  parede,   pêra  tornarmos  aqui  ao  depois  a  fumdar  outra  rrezam. 

Como  elRey  ajmda  teue  comsselho  açerqua  do  filhar  da  terra  homde 
seria,  e  das  rra^oões  que  disse  ao  Iffamte  Dom  Hamrrique. 
25  Capitullo  Lxiiij. 

MUITO  parecia  aa  mayor  parte  daquelles  do  comsselho  delRey,  que 
aquella  uiagem  era  perijgosa.  empero  nom  teuerom  nehuúa 
rrezam  de  a  comtradizer,  depois  que  uiram  determinadamente 
a  uoomtade  delRey,  quamto  mais  seemdo  seus  filhos  primeiramente  em 
3o  aquelle  acordo.  E  bem  poderamos  aqui  nomear  expressamente,  quaaes 
eram  aquelles  comsselheiros  que  alli  estauam,  e  as  uozes  que  cada 
huú  daua.  mas  porque  poderia  seer  que  seriam  juUgadas  ao  rreuees  de 
suas  emtemçoões,  leixamos  de  o  fazer.  Ora  sabee  que  nom  foy  *  menos  A,Si,v,  i 
comtemda  sobre  o  desembarcar  daquella  frota,  do  que  foy  primeiramente 

1.  conseslho  A.  —  3.  quanto  A. — 4.  rreyno  A.  —  G.  mumdo.  —  9.  fito  I,  om  A. — 
12.  doje  A.  —  i3.  prazendo  A.  —  19.  boa  A.  —  21.  assi  A.  —  22.  rrazam  A.  —  23.  cons- 
selho  A.  —  28.  despois  A.  —  29.  quanto  A. 
34 


—  i86  — 

sobre  o  çerquo  da  cidade,  por  quamto  elRey  determinadamente  disse 
que  queria  poer  seu  arrayall  na  Almina.  a  quall  cousa  era  comtra  a 
opiniam  de  todos,  ca  lhe  disseram  que  seu  cerco  nom  prestaria  nehuúa 
cousa,  se  elle  nom  empachasse  aquella  parte  do  sertaão.  Parece 
senhor  disseram  eiles,  que  uos  uijmdes  pêra  cercar,  e  querees  seer  çer-  5 
cado,  bem  sabees  uos  que  os  mouros  nom  teem  tamanho  poder  per 
o  mar  como  per  a  terra,  e  sse  uos  teuerdes  tomada  aquella  pequena 
parte  do  sertaão,  com  a  frota  que  uos  teemdes  podellos  hees  teer  cerca- 
dos assy  per  mar  como  per  terra.  E  terces  abastamça  de  mais  auguas  e 
melhores,  e  serees  seguro  de  elles  emuiarem  rrecado  a  nehuúa  parte.  E  lo 
posto   que  gramde  multidoõe   de   mouros  uenha,   poderees   afortellezar 

^  uosso  arrayall  de  cauas  e  artefiçios  de  madeira,  per  tall  guisa  que  numca 

uos  poderam  empeeçer.     E  sse  esteuerdes  na  Almina,  elles  podem  meter 
quamtos  mouros   quiserem  demtro  na  cidade,  e  emtrar  e  sahir  quamdo 

A,8i,v,2  lhes  aprouuer.  e  adubar  seus  bees,  e  trazer  *seus  fruitos  pêra  suas  casas,  iS 
como  sse  uos  hi  nom  esteuessees.  e  assy  que  uos  estarees  mais  cercado 
que  elles.  E  per  esta  guisa  sse  passaram  sobre  este  feyto  outras  mujtas 
rrazoões.  Ao  que  elRey  rrespomdeo,  que  elle  auia  por  railhor  de  teer 
assy  seu  arrayall,  ca  estamdo  alli  nom  auia  mester  outro  pallamque,  e  que 
soomente  auia  de  teer  cuydado  depois  que  alli  esteuesse  de  pelleiar  com  20 
os  mouros  da  cidade,  e  sse  esteuesse  da  outra  parte,  que  teeria  dous 
cuydados,  huú  de  pelleiar  com  os  mouros  da  cidade,  e  outro  de  sse  deffem- 
der  daquelles  que  ueessem  a  seu  socorro.  Ora  disse  elle  comtra  o 
Iftamte  Dom  Hamrrique.  Meu  filho,  bem  me  nembra  os  rrequerimentos 
que  me  fezestes,  quamdo  éramos  açerqua  de  Lixboa,  homde  uos  eu  disse,  25 
que  uos  rrespomderia  quamdo  fosse  mester,  e  porque  agora  he  tempo 
de  uos  rrespomder  ao  que  me  rrequerestes,  que  uos  outorgasse  que 
fossees  em  companhia  daquelles  que  primeiramente  filhassem  terra, 
porem  a  mym  nom  praz  que  nos  em  ello  uaades  como  companheiro, 
mais  como  primçipall  capitam.     E  quamdo  elRey  esto  fallaua,  toda  sua    3o 

A,82,r,  I  cara  estaua  chea  de  rrijso,  como  aquelle*  que  tijnha  gramde  esperamça 
no  emgenho  e  fortelleza  de  seu  filho  Nos  prazemdo  a  Deos  disse  elRey, 
hiremos  oje  sobre  a  noute  amcorar  nossa  frota  dauamte  da  cidade,  e 
uos  hirees  primeiramente  com  a  uossa  frota  que  trouxestes  do  Porto, 
dereitamente  a  Almina,  e  hi  farees  lamçar  uossas  amcoras  e  alloiar  uossa  35 
frota,  e  nos  hiremos  desta  outra  parte  dos  banhos,  por  tall  que  os 
mouros  quamdo  uirem  a  maj^or  força  da  frota  em  aquella  parte,  emtem- 

9.  assi  A.  —  16.  assi  A.  —  17.  feito  A.  —  19.  assi  A.  —  20.  despois  A.  —  27.  rrespon- 
der  A.  —  28.  terra]  add.  eu  volo  concedo  I.  —  3o.  quando  A. 


—  iSy  — 

dam  que  alli  ha  de  seer  nosso  primçipall  desembarcamento.  per  cuja 
rrezam  acudiram  pêra  alli  a  mayor  parte  delles  por  nos  empacharem 
nossa  sabida,  e  dessa  outra  parte  da  Almina  nom  faram  gramde  comta, 
polia  sospeiçam  que  teeram  que  nom  auees  alli  de  filhar  terra.  E  uos 
tamto  que  uirdes  meu  sinal!,  lamçarees  logo  uossas  pramchas  em  terra,  e 
sahirees  o  mais  despachadamente  que  poderdes,  e  depois  que  nos  sem- 
tirmos  que  uos  teemdes  a  praya  filhada,  mudaremos  nossa  frota  pêra 
açerqua  da  uossa.  e  emcaminharemos  de  uos  seguir,  de  guisa  que  uos 
nom  leixemos  mujto  estar  sem  companhia.  Outrossi  disse  elRey,  porque 
a  corremte  nom  aja  lugar  de  nos  lamçar  as  naaos  caminho  de  Mallega, 
como  ja  fez  duas  uezes,  *  terees  maneira  de  leuar  uossas  gallees  per  tall  A,82,r,2 
hordenamça,  que  posto  que  alguú  dos  nauios  de  nossa  companhia  queira 
escorregar  per  força  da  corrente,  que  nom  aja  lugar  de  correr  mais 
auamte. 


i5    Como  a  frota  par  tio  pêra  hir  sobre  a  cidade  de  Cepta,  e  das  rra^oões 
que  os  escudeiros  do  Iffamte  Dom  Hamrrique  ouuerom  com  elle. 
Capitullo  Lxv. 

NOM  poderia  dereitamente  comtar  o  gramde  prazer  que  ouue  o 
Iffamte  Dom  Hamrrique,  quamdo  lhe  seu  padre  deu  aquellas 
nouas.  e  assy  como  homem  que  o  rreçebia  em  espiçiall  mer- 
çee,  lhe  foy  beyiar  a  maão  com  a  comteneniça  muy  allegre.  E  tamto 
que  todos  forom  na  frota,  mamdou  logo  o  lífamte  aparelhar  todas  suas 
cousas  pêra  partir,  e  disse  a  todos  que  pemssassem  de  ssy,  de  guisa 
que  depois  que  a  frota  partisse,  nom  sse  amdassem  acupamdo  em  outras 

25    cousas,   de  que  todos  ouueram  muy  gramde  prazer,  pemssamdo  que  a 
sua  uiagem  dereytamente  auia  de  seer  pêra  Portugall.    E  assy  com  aquella 
lediçe  ajmda   que  fosse  uaã,   corregeram  muy  asinha  todas  suas  cousas, 
de  guisa  que  quamdo  as  trombetas  *fezeram  sinall  de  partida,  elles  eram    A,S2,v,i 
de  todo  prestes,   e  porque  era  em  tall  tempo  como  sabees,  e  era  açer- 

3o  qua  da  tarde,  mujtos  delles  fezeram  sua  çea  temporaa  por  darem  mayor 
esforço  a  seu  prazer.  E  o  Iffamte  mamdou  logo  emderemçar  suas  gallees 
per  aquella  hordenamça  que  lhe  seu  padre  mamdara,  pêra  rreteer  ho 
cosso  da  augua,  quamdo  a  corremte  trouxesse  os  nauios.     E  depois  que 

4.  pella  A.  —  22.  foram  A.  —  23.  cousas]  add.  de  guisa  que  quando  as  trombetas 
fizeram  sinal  I  —  dessy  A,  desy  C .  —  24.  despois  A.  —  32.  per]  pêra  A,  por  I.  —  33.  cosso 
A,  corrente  I.  —  navios]  add.  da  frota  delRey  C  I. 


o  Iflamte  e  o  comde  seu  jrmaão  forom  partidos,  começaram  demcamiiihar 
todoUos  outros  nauios  da  frota  delRey.  E  depois  que  os  mareamtes  e 
todos  aquelles  que  auiam  de  rreger  a  frota,  semtiram  que  todauia  auiam 
dhir  dauamte  a  cidade,  alleuamtauam  uaguarosamente  suas  amcoras  e 
corregiam  seus  aparelhos,  assy  como  tem  per  costume  de  sse  alleuamta-  i 
rem  alguús  homeés  priguiçosos,  quamdo  jazem  nas  camas  bramdas  em 
tempo  frio,  de  guisa  que  per  sua  tardamça  mostram,  quamto  suas 
uoomtades  ssam  comtrairas  aaquello  que  elles  fazem.  Per  semelhamte 
faziam  aquelles  mareamtes  em  correger  seus  aparelhos,  porque  ja  a 
gallee  delRey  era  açerqua  dAljazira,  quamdo  o  derradeiro  nauio  partia  ,o 
da  pomta  do  Carneiro,   e  assy  hiam   hordenados  huú   amte   ho   outro, 

A,82,v,2  que  nom  *  parecia  senam  huúa  pomte  que  chegaua  de  terra  a  terra.  E 
depois  que  os  nauios  do  IfFamte  Dom  Hamrrique  assy  forom  partidos 
como  ja  dissemos,  e  os  da  frota  delRey  começarem  de  partir  caminho 
dAljazira.  aquelles  que  hiam  na  gallee  do  Iffamte  pemssauam  que  sse  i.s 
tornauam  pêra  Portugall,  ficaram  dello  mujto  espamtados.  e  disseram 
que  caminho  era  aquelle,  que  aquella  frota  assy  leuaua.  Leixaae  disse  o 
Iffamte,  ca  aquelle  que  a  gouerna  ja  sabe  pêra  homde  ha  dhir.  Amte 
nos  parece  que  o  nom  sabe,  rrespomderam  elles,  pois  que  leua  tall  cami- 
nho, ca  elles  leuam  caminho  de  Cepta,  e  nos  hijmos  pêra  Portugall.  20 
Leyxaae  fazer,  tornou  ho  Iffamte  a  rrespomder,  a  frota  fazer  sua  uiagem, 
ca  uay  acabar  o  por  que  aqui  foi  uijmda.  A  quall  pallaura  nom  foi  muy 
doce  nos  ouuydos  daquelles,  amtre  os  quaaes  sse  começou  logo  huú  nouo 
rrumor,  fallando  cada  huús  apartadamente  sobre  a  determinaçam  daquelle 
feito,  e  primçipallmente  sse  apartaram  todos  aquelles  escudeiros,  que  hiam  jS 
com  o  Iffamte.  E  a  cabo  de  pouco  forom  assy  todos  jumtamente  fallar  ao 
Iffamte.  Senhor  disseram  elles,  nos  uos  pedimos  por  merçee,  que  nos  quei- 

A  83  r,  I  raaes  perdoar  alguúas  rrazoões  *  que  nos  queremos  dizer,  porque  semtimos 
que  será  mujto  milhor  de  uolas  dizermos  agora,  que  ao  depois  que  o 
feito  for  começado,  ca  poderia  seer  que  pareçemdo  nossas  teemçoões  30 
justas  e  rrazoadas,  ao  tempo  que  nos  ouuessees  de  mamdar,  nom  compri- 
riamos  uosso  mamdado  com  aquella  obediemçia  que  deuemos.  a  quall 
cousa  seria  aaZo  de  uos  teerdes  mujto  mais  rrezom  de  uos  queixardes,  do 
que  agora  terees,  amte  que  o  feito  seia  começado.  Ora  senhor  disserom 
elles,  nos  somos  bem  certos  que  elRey  uosso  padre  fez  duas  uezes  com-  35 
sselho  açerqua  de  sua  uijmda,  porque  semte  que  nom  pode  filhar  a 
cidade  de  Cepta  como  queria,   e  nom  sabe  como  sse  torne,  que  pareça 

i.foram  A.  — 2.  despois  A.  —  5.  assi  A. —  i3.  despois  A  —  foram  A.  —  i5.  daliazira  A. 
—  1 7.  assi  A.  —  26.  foram  A  —  assi  A.  —  28.  nos  A,  om  I.  —  33.  rrazom  A.  —  34.  teerees  A. 


rrazoddo  ao  inundo.  Quer  leuar  a  frota  sobre  a  cidade,  e  mamdar 
ssahir  a  mayor  parte  da  gemte  meuda  com  alguús  capitaães  daquelles 
mais  somenos,  e  elle  comuosco  e  com  os  outros  primçipaaes  ficardes  na 
frota,   porque   ao  depois  sse   possa  dizer,   que  elle  trabaliiou  por  tomar 

5    terra  e  nom  pode,   e  que  fez  sobre  ello  toda  sua  posse.     O   que  senhor, 
sse  assy  he,  uos  sabee  que  será  muy  gram  mall,  ca  outra  milhor  cautella 
deuia  uosso  padre  buscar,  que  nom  aquesta,*   que  notório  he,  que  nos    A,83,r,2 
espedaçaram  alli  todos  na  meetade  daquella  área  amte  a  uista  de  uossos 
olhos,  sem  nehuúa  esperamça  de  rremedio.     Porem  uos  sabee,  que  posto 

jo  que  nos  ouçamos  tall  mamdado,  que  mujtos  ham  de  poer  duuida  de  o 
comprir.  porem  uoUo  fazemos  assy  a  saber  por  uosso  auisaraento,  que 
comsirees  se  será  bem  de  o  fazerdes  saber  a  uosso  padre,  ca  segumdo 
creemos  nom  menos  tem  em  uoomtade  todollos  outros. 


Como  o  Iffamte  Dom  Hamrriqiie  rrespomdeo  aquelles  escudeiros,  e 
i5  como  a  frota  chegou  dauamte  a  cidade.      Capitullo  Lxvj. 

O  Iffamte  ficou  aiguú  tamto  espamtado  de  semelhamte  nouidade,  e 
assy  mostrou  a  comtenemça  em  alguúa  maneira  queixosa,  quamdo 
lhes  deu  a  rreposta,  primçipallmente  por  rrepreemder  suas  desaui- 
sadas  pallauras.     Parece  disse  elle,  que  elRey  meu  senhor  teue  huú  com- 

20    sselho  em  terra  e  uos  outro  no  mar,  e  pemssaaes  que  elle  nem  nos  outros 
nom  teeremos  de  uossas  uidas  aquelle  emcarrego  que  he  rrezom  de  teer- 
mos.     Porem  uossas  pallauras  me  forçaram  de  uos  declarar  o  que  amte 
tijnha  *  pouco  em  uoomtade.  e  esto  he  que  prazemdo  a  Deos,  de  menhaa    A,83,v,i 
uos  me  uerees  primeiramente  sahir  polia  pramcha  desta  minha  gallee.  e 

25  porque  nehuú  de  uos  nom  aja  rrezam  dhir  após  mym,  mamdarey  uijr 
dos  outros  nauios  dous  dos  meus  pêra  os  leuar  comigo,  e  uos  podees 
bem  seguir  uossas  uoomtades.  porque  a  mym  praz,  que  ataa  que  me 
uos  nom  ueiaaes  sahir,  que  por  mamdado  que  uenha  delRey  meu  senhor 
nem  meu,   que  nom   façaaes  nehuú   mouimento.     Gramde   arrepeemdi- 

3o  mento  mostraram  todos  aquelles  daquellas  pallauras,  que  disseram  ao 
Iffamte.  e  amte  quiseram  perder  toda  sua  fazemda,  que  teer  fallado 
em  semelhamte  cousa.  E  alli  começaram  de  sse  aqueixar  muy  forte- 
mente, dizemdo  que  aquello  seria  ja  mujto  peor,  que  o  da  primeyra.  ca 
o  que  elles  disseram,  nom  fora  dito  com  maa  emteemçom,  soomente  por 

1.  mumdo  A.  —  6.  assi  A. —  ii.  assi  A.  —  12.  consirees  A. —  17.  assi  A.  —  21.  rra- 
zom  A.  —  24.  gallee]  add.  em  terra  I. 


—  igo  — 

lhes  parecer,  que  nom  seria  rrezam  de  os  alli  leyxar  morrer  sobre  cousa, 
de  que   a   elle  ficaua  pequena  homrra.     Empero  disseram  elles,  senhor, 

A,83,v,2  uos  nom  cuydees  que  assy  auees  de  sahir  sem  nossa  companhia.  *amte 
tcemde  que  nom  ha  aqui  tall  que  amte  sse  nom  leixe  morrer,  que  de  lhe 
seer  feita  semelhamte  emjuria.  e  posto  que  uos  queiraaes  sahir  como  5 
dizees,  uos  sabee  que  nos  sahiremos  todos  a  par  de  uos,  ou  nos  aliagare- 
mos  neste  maar.  Nom  mais  disse  o  líTamte,  ca  sobre  o  que  uos  disse, 
nom  emtemdo  fazer  outra  mudamça.  E  assy  com  aquelle  nojo  ficarom 
todos  aquelies  escudeiros,  despemdemdo  a  parte  que  lhes  ficaua  do  dia 
em  fallamdo  sobre  aquelle  feito.  E  os  mouros  da  cidade,  tamto  que  lo 
uiram  a  frota  açerqua  de  seus  muros,  emcheram  todas  suas  janellas  e 
freestas  de  camdeas,  por  mostrarem  que  eram  mujtos  mais  do  que  os 
christaãos  presomiam.  e  assy  polia  gramdeza  da  cidade,  como  por  seer 
de  todallas  partes  tam  allumeada,  era  muy  fremosa  de  ueer.  Sobre  a 
quall  nos  aqui  podemos  emterpretar,  que  assy  como  a  camdea  quamdo  i5 
sse  quer  apagar,  da  sempre  gramde  lume,  assy  estes  que  no  outro  dia 
auiam  de  leixar  suas  casas  e  fazemdas,  e  mujtos  delles  per  uemtura  sse 
auiam  de  partir  pêra  todo  sempre  das  uidas,  faziam  assy  aquella  sobeia 

A,84,r,  i    mostramça  de  claridade  *sinificamdo   sua    fim.    ou   per  uemtura   mais 

dereitamente  podemos  dizer,  que  nosso  Senhor  Deos,  queremdo  mostrar  20 
como  aquelies  maaos  sacrifícios  que  sse  ata  alli  fezeram,  estauam  pêra 
fazer  fim,  quis  assy  em  figura  demostrar,  que  assy  como  em  aquella  ora 
a  cidade  era  mais  allumeada,  do  que  numca  fora  per  fogo  temporall,  assy 
seria  no  dia  seguimte  allumeada  do  uerdadeiro  fogo  do  Sprito  Samto, 
quamdo  os  christaãos  trouxessem  os  sinaaes  da  cruz  per  todallas  partes  25 
da  cidade. 


Como  os  da  frota  trariam  per  essa  meesma  giiisa  lume  per  sseus 
nauios,  e  das  temçoóes  que  amtre  ssi  auiam.     Capitullo  Lxvij. 

POSTO  que  aquelies  mouros  assy  allumeassem  sua  cidade,  a  fim  de 
acreçemtar  em  a  ssemelhamça  de  sua   multidom,  os  outros  que    3o 
estauam  nos  nauios,  nom  allumeariam  menos  sua  frota,  mas  esto 
era  mais  per  necessidade,  que  por  mostrar  sua  gramdeza.     Que  tamto 
que  assy  os  nauios  teueram  suas  amcoras  lamçadas,  logo  cada  huú  come- 

3.  assi  A.  —  4.  aqui]  qui  A.  —  7.  mar  A.  —  8.  assi  A.  —  12.  do]  dos  A.  —  i3.  assi  A. 

—  i5.  assi  A. —  16.  assi  A. —  18.  assi  A. — 22.  assi  (bis)  A.  —  23.  assi  A.  —  24.  spú  A. 

—  29.  assi  A.  —  33.  assi  A. 


—  191  — 

çou  de  cuidai-  no  que  lhe  compria  pêra  o  dia  seguimte.  E  amtre  as 
tochas  que  os  capitaães  tijnham  amte  ssi,  e  as  camdeas*  que  os  homeés  A,84,r,2 
traziam  nas  maãos,  quamdo  amdauam  corregemdo  suas  cousas,  era 
a  frota  mujto  allumeada,  e  parecia  ajmda  mujto  mais  aos  que  esta- 
5  uam  na  cidade,  porque  o  fogo  feria  na  augua  do  maar,  e  parecia  que 
todo  era  lume.  a  quall  cousa  nom  punha  pequeno  espamto  aaquelles 
mouros,  que  o  dereitamente  podiam  esguardar.  Mais  depois  que  sse 
a  noute  começou  de  gastar,  e  os  senhores  se  meteram  em  suas  cama- 
rás  pêra   filharem  seu   rrepouso,    começarem    cada   huús   daquelles   de 

IO  sse  acostar  em  seus  ailoiamentos.  E  porque  em  semelhamte  tempo  os 
homeés  teem  uagar  de  cuydarem  quaaesquer  cousas,  porque  era  quamto 
lhes  a  força  do  sono  nom  tira  o  naturall  semtir,  nom  podem  arredar  de 
ssi  desuairadas  maginaçoões,  omde  cada  huíi  leua  seu  emtemder  aaquello 
que  traz  mais  açerqua   da  uoomtade.    e  certo  he    que   em  tall   tempo 

i5    pode  homem  milhor  comsijrar  o  dano  ou  proueito  que  lhe  pode  uijr,  que 
em  outro  nehuú.   ca  dito  he  pollo  filosofo,   que  o  coraçom  seemdo  sse 
faz  prudemte.     E  jazemdo  assy  aquelles,  começauam  de  comsijrar  quall 
seria  a  sua  fym  no  outro  dia.  ca  posto  que  hy  *  ouuesse  mujtos  ardidos    a,84,v,i 
e  fortes,  assy  estauam  outros  de  pequenos  coraçoões.  ca  na  gramde  mul- 

20  tidom  necessário  he  que  aja  de  todo  metal,  os  quaaes  toda  aquella  noute 
nom  podiam  dormir  senam  a  bocados,  e  batiam  em  seu  peito  tam  desuay- 
rados  pemssamentos,  que  os  nom  queriam  leixar  liures  a  huú  soo  cuy- 
dado.  E  assy  como  a  naao  quamdo  traz  pequena  carrega,  a  aruor  seca 
amda  sobre  as  omdas  dhuúa  parte  pêra  a  outra,  sem  teer  certo  rrumo  per 

25  que  faça  sua  uiagem,  bem  assy  amdauam  os  pemssamentos  daquelles 
alloymdo  sem  certo  curso.  E  huúa  uez  se  lhes  apresemtaua  ante  a  jma- 
gem  da  alma,  como  os  mouros  eram  homeés,  que  rreçeauam  pouco  suas 
mortes,  com  tamto  que  elles  podessem  comprir  suas  uoomtades,  matamdo 
seus  jmmijgos.  outra  uez  pemsauam  que  sse  alii  falleçessem,  no  que  elles 

3o  punham  gramde  duuida,  quaaes  sepuUturas  aueriam.  e  como  nom  seriam 
acompanhados  de  seus  filhos  e  de  seus  paremtes,  quamdo  lhe  fezessem 
sua  derradeira  homrra,  nem  poderiam  gemer  sobre  suas  couas  aquelles 
que  gramde  semtido  de  sua  morte  teuessem.  Oo  deziam  elles  amtre 
ssi,  como  forom  bem*  auemturados  todos  aquelles  a  que  Deos  leixou  aca-    A,84,v,2 

35  bar  seus  dias  no  apartamento  de  seus  leitos,  os  quaaes  em  tall  tempo 
ssom  acompanhados  de  suas  molheres  e.  filhos,   e  comsselhados  de  seus 

5.  agua  do  mar  A.  —  7.  despois  A.  —  16.  pello  fillosofo  A.  —  17.  assi  A.  —  19.  assi  A, — 
2 1 .  batiam]  andauão  I.  —  23.  assi  A.  —  25.  assi  A.  —  3o-32.  e  como . . .  homrra]  e  como 
os  nom  veriam  seus  filhos,  nem  seriam  acompanhados  de  seus  parentes  no  seu  enterra- 
mento I.  — 32.  gemer]  chorar  I.  —  34  foram  A. 


—  ig2  — 

abades  com  gramde  proueito  de  suas  comçiemcias.  e  estam  fazemdo  a 
rrepartiçam  de  seus  bees  segurado  o  mouimento  das  suas  uoomtades. 
Mas  nos  outros  que  aqui  morrermos,  nom  ueremos  nehuúa  destas  cousas, 
amte  jaremos  ssem  sepulhuras,  desprezados  de  todollos  uiuos.  e  assy 
sse  gastaram  nossas  carnes,  ssem  de  nos  saber  alguém  parte,  ssenam  5 
depois  da  derradeira  rresurreyçom  do  juizo.  E  que  proueito  nos  pode 
trazer  o  gaanho  dos  trabalhos  que  leuamos  de  nossas  mocidades  e 
mancebias,  se  nom  auemos  de  teer  poder  em  nossos  dinheiros  pêra 
os  darmos  pêra  saúde  de  nossas  almas.  Por  certo  mais  nobres  pem- 
ssamentos  tijnham  aquelles,  a  que  a  natureza  guarnecera  de  uerda-  lo 
deira  fortelleza.  os  quaaes  comsijramdo  em  este  feito,  deziam  amtre  ssy. 
Bem  auemturados  somos  nos,  a  que  Deos  amtre  todollos  dEspanha 
outorgou   primeiramente    graça    de    cobrar  terra   nas  parte   dAffrica.    e 

A,85,r, I    que  auemos   primeiramente   de   despregar  nossas  bamdeiras  sobre*    a 

fremosura  de  tamanha  cidade.     Vaa  com  Deos  deziam  elles,   por  bem    i5 
empreguado  nosso  trabalho  em  semelhamte  seruiço,  pois  que  o  nosso  sam- 
gue  ha  de  seer  espargido  por  rremijmento  de  nossos  peccados.     E  que 
perda  rreçeberemos  aquelles   que  aqui   fezermos  fim   de  nossas  uidas, 
quamdo  teemos  certo  conhecimento,  ca  as  nossas  almas,  que  ssom  spiri- 
tuaaes,  ueeram  uerdadeiros   prazeres  no  outro  mundo.      E   os  autores    20 
das   estorças   apartados    em   seus   estudos,    estaram   comtemplamdo   na 
boomdade  de  nossas  forças,  e  escpreueram  nossos  feitos  pêra  jmsinamça 
de  mujtos  uiuos.   e  uoara   a  fama   de  nossa  morte  per  todallas  partes, 
omde  os  homeés  conhecerem   escprituras.     E  nossa  fortelleza  será  como 
espelho  de  todas  aquellas  gemtes,   que  deçemderem  de  nossa  linha,  os    25 
quaaes  sempre   uiueram  em  fauor  de   nosso  merecimento,    ca  os   rrex 
que  depois  ueerem  a  Portugall,  sempre  teeram  rrezam  de  sse  nembrarem 
de  tamanho  feito.     E  pemssamdo  assy  em  estas  cousas,  mujto  a  meude 
sse  leuamtauam  a  oolhar  o  mouimento  das  estrellas,  pêra  conhecer  cama- 

A,85,r,2    nha  parte  ficaua  por  amdar  da  noute.  ca  tarde  lhe  parecia  que  *chegaua    3o 
a  claridade  do  dia,  pêra  ueerem  a  ora  que  amte  deseiauam. 


II.  consijramdo  A  —  antre  A. —  12.  deespanha  A.  —  20.  veram  C,  ueeram  A  — 
mumdo  A.  —  21.  contemplamdo  A. — 24.  forteleza  A. — 25.  linha  A,  linhagem  I. — 
27.  despois  A  —  rrazam  A.  —  3i.  ante]  tanto  I. 


—  igS  — 

Como  no  dia  seguimte  os  mouros  e  os  christaãos  trabalhauam  em 
seus  feitos.      Capitullo  Lxviij. 

PEQUENA  tardamça  pos  o  soll  em  começar  seu  diurnall  trabalho,  ca 
era  esto  huúa  quarta  feira  xxj  dias  do  mes  dagosto.  em  a  quall 
aquella  emperiai!  planeta  emtraua  em  seis  graaos  do  sino  que 
sse  chama  de  Virgo,  e  em  aquella  ora  que  Ganimedes  começou  de  rrom- 
per  a  primeira  tea  do  oriemtall  crepuscuUo.  A  gemte  da  frota  que  no 
começo  da  noute  fora  trabalhada,  huús  em  corregimento  de  suas  farda- 
geés,   outros  aparelhamdo  as  guarniçoÕes  de  seus  nauios,   eram  ajmda 

IO  alguú  pouco  assonoremtados.  e  quamdo  uiram  a  claridade  do  soll,  que 
temdia  seus  rrayos  polias  arcas  de  seus  nauios,  começaram  de  sse  esper- 
tar huQs  aos  outros,  chamamdosse  per  seus  nomes,  e  desi  meteram  suas 
maãos  a  rreuolluer  as  armas,  prouemdoas  de  todallas  partes,  se  tijnham 
alguú  falleçimento.     Outros  amdauam  com  os  ferramentaaes  nos  braços, 

i5    e  com  os  martellos  nas  maãos,   pêra  pregarem  seus  arneses.     Outros 

temtauam  as  atacas  de  *  seus  giboões,  se  tijnham  aquella  fortelleza  que    A,85,v,  i 
lhe  compria.     Outros  se  nembrauam  de  seus  peccados,  e  amdauam  bus- 
camdo  seus  abades,  mostramdo  a  Deos  o  gramde  rrepemdimento  que 
auiam  em  seus  coraçoões.     Outros  prouauam  suas  armas,  tomamdo  as 

20  fachas  nas  maãos,  e  desemuolluemdo  seus  braços  pêra  huúa  parte  e  pêra 
a  outra,  pêra  ueer  sse  os  embargauam  em  alguúa  parte.  Outros  tirauam 
as  espadas  das  bainhas,  e  começauam  de  as  bramdir,  prouamdo  sse  tij- 
nham aquelle  fio  que  lhes  compria.  Aa  deziam  elles,  boõa  espada,  que 
quamdo  Deos  queria  soyees  uos  a  cortar  per  cima  das  solhas  e  das  cotas. 

25  ueremos  oje  o  que  sabees  fazer  polia  carne  destes  perros,  que  nom  podem 
soportar  nehuúa  coberta.  Outros  abriam  as  çarraduras  das  suas  botas, 
em  que  traziam  seus  bizcoitos,  apresemtamdo  a  seus  amigos  as  milho- 
res  uiamdas  que  tijnham.  Coymamos  deziam  elles,  ca  per  uemtura  este 
he  o  nosso  derradeyro  dia.   e  sse  nos  Deos  por  sua  merçee  leixar  uiuos, 

3o    depois  da  uitoria  nom  nos  falleçera  uiamda.     Taaes  auia  hi,   que  ja  tij- 
nham as  coores  quejamdas*  lhe  a  morte  auia  daparelhar  a  pouco  tempo.    A,85,v,2 
Outros  amdauam   tam  ledos,   que   ja  em  seu  rrosto  se  parecia   a  sseme- 
Ihamça   da  uitoria.     Nem   os  mouros  nom  estauam  tamto  ouçiosos,  ca 
nom  çessauam   de  rrepayrar  todallas  cousas,  que  semtiam  que  lhe  pode- 

35  riam  prestar  pêra  sua  deffemssam.  e  assy  amdauam  corremdo  per  aque- 
lles  muros  de  huúa  parte  aa  outra,  mostramdo  que  nehuú  medo  nom 

6.  ganimodes  A.  —  7.  crespuscullo  A.  —  i3.  rreuoluer  A.  —  23.  boa  A.  —  24.  solhas  A, 
folhas  I.  —  3i.  quegemdas  A.  —  35.  assi  A. 
a5 


—  194 -- 

auia  rrepouso  em  seus  coraçoões.  Mais  outro  cuydado  era  o  dos  mou- 
ros uelhos  e  de  todos  aquelles,  que  sabiam  a  declaraçam  daquelles  synaaes 
que  ja  dissemos,  e  huús  amdauam  escomdemdo  seus  aueres,  outros  esta- 
uam  descallços  em  suas  mezquitas,  com  os  corpos  temdidos  amte  as  rre- 
lliquias  de  seus  profetas,  pedimdo  merçee  aas  diuinaaes  uirtudes,  que  5 
quizessera  trazer  aquelle  feito  a  tall  fim,  que  a  sua  cidade  nom  ficasse 
quebramtada  amte  a  yra  daquelle  rrey.  Aa  Deos  deziam  elles,  e  pêra 
que  era  tall  fumdamento  de  cidade,  cuja  nobreza  nas  partes  dAffrica  tijnha 
coroa,  sse  a  fremosura  das  nossas  rruas  ha  de  seer  timta  de  nosso  sam- 
gue.     E  tu  samto  profeta  Maffamede,  que  na  casa  de  Deos  padre  teés  a    lo 

A,86,r,  I  *  segumda  cadeyra,  porque  nom  abres  os  olhos  da  tua  diuinall  magestade, 
e  esguardas  sobre  nos  que  uiuemos  sso  a  tua  deçeplina,  e  nom  nos  leixes 
assy  trilhar  em  poder  destes  jmfiees,  que  com  tamanha  soberua  querem 
destruyr  a  tua  ley.  E  sse  tu  sabias  que  a  tua  cidade  auia  de  seer  casa 
de  christaãos,  porque  nom  rreuellauas  a  nossos  padres  que  a  leixassem  i5 
despouoar.  mas  agora  que  os  seus  ossos  ja  ssom  desfeitos  em  cijmza 
darredor  das  tuas  sagradas  mezquitas,  cujas  paredes  elles  com  seus  tra- 
balhos alleuamtaram,  e  nos  obrigados  de  as  acompanhar,  queres  tu  agora 
comssemtir  que  nos  uaamos  buscar  as  terras  alheas,  participar  cora 
aquelles  em  jgualleza,  que  por  rrezam  de  nobreza  da  nossa  cidade  nos  20 
uiuiam  em  obediemçia.  Certamente  a  tua  diuinall  clememçia  nom  com- 
ssemtira  a  ora  de  tamanha  crueza,  e  sse  per  uemtura  a  gramdeza  de 
nossos  peccados  te  forçarem  de  o  comssemtir,  tu  ouuiras  os  nossos  gimi- 
dos  no  meo  da  nossa  cidade,  quamdo  rreçebermos  os  derradeyros  gollpes 
amte  as  aras  sagradas  das  tuas  mezquitas,  espargemdo  nosso  samgue  sobre    25 

A,85,r,2  as  sepullturas  de  nossos  padres,  e  nos*  alli  temdidos  rreçeberas  nossas 
allmas,  que  sahiram  de  nossos  corpos.  E  as  nossas  molheres  e  filhos  que 
escaparem  da  crueza  do  triste  ferro,  carregados  de  prisoões  passaram 
nas  partes  dEspanha,  omde  mujtos  de  nossos  paremtes  ja  teueram 
tamanho  senhorio,  alli  faram  os  seus  netos  uida  miserauell  pollo  falleçi-  30 
mento  da  çelestriall  ajuda,  e  sobre  todo  a  força  do  catiueiro  lhes  fará 
a  rrenumçiar  a  tua  ley,  que  tu  amtre  todallas  outras  cousas  deuias  mais 
semtir.  Ora  uee  com  quall  piedade  poderás  soportar  todas  estas  cousas. 
e  que  proueito  nos  ueo  a  nos  de  guardarmos  a  tua  ley,  e  seguirmos  os 
teus  mamdamentos,  sse  na  ora  de  tam  estreita  necessidade  nom  acorres  35 
a  este  pouoo  mezquinho  com  a  tua  çelestriall  ajuda. 

5.  deuinaaes  A.  —9.  ha  I,  aa  A.  —  10.  maffomede  A.  — 12.  esguarda  A,  esguardas  I 
—  uiuamos  A,  uiuemos  I.— i3.  assi  A.  —  i5.  despouoar  AI. —21.  clemência  A  —  21- 
22.  conssemtira  A.  —  23-24.  gimedos  A.  —  25.  espargemdo  A I.  —  27.  almas  A.  —  29.  dees- 
panha  A.  —  3o.  miserauel  A. 


-195- 

Como  elRey  mamdou  aparelhar  hiiúa  galleoia,  em  que  amdou  aui- 

samdo  todollos  capitaães  da  frota  da  maneira  que  ouuessem  de  teer. 

Capitullo  Lxix. 

QUAMDo  elRey  uio  que  o  soll  começaua  daqueeçer,  e  que  a  sua 
gemte  amdaua  toda  em  trabalho  de  sse  correger  e  perceber, 
mamdou  fazer  prestes  huúa  galleota,  e  *  meteosse  em  ella.  Como  A,86,v,  i 
quer  que  por  aquelle  presemte  fora  mais  necessário  ho  rrepouso  que  o 
trabalho,  por  quamto  se  acertara  que  em  queremdo  emtrar  em  sua  gallee, 
quamdo  estaua  da  outra  parte  de  Barbaçote,  sse  ferio  em  huúa  perna,  e 

IO  por  aazo  do  gramde  trabalho  e  polia  ferida  nom  seer  muy  pequena,  era 
em  aquella  perna  huú  gramde  jmchaço,  o  quall  cada  huú  dia  sse  fazia 
mayor,  que  pêra  a  door  de  semelhamtes  lugares  nom  ha  hi  milhor  meezi- 
nha  que  teer  assessego.  empero  com  todo  elRey  nom  fez  em  ello  outra 
mostramça,   ssenom  em  quamto  escusou   de  leuar  ho  arnês   de  pernas. 

i5  e  assy  com  huúa  cota  uestida  e  com  huúa  barreta  na  cabeça  e  a  sua 
espada  çimta,  amdou  per  todos  aquelles  nauios  damdo  auisamento  a  cada 
huú  da  maneyra  que  ouuessem  de  teer.  e  assy  trazia  sua  comtenemça 
allegre,  que  a  todos  parecia  manifesto  synall  da  uitoria.  E  quamdo  fa- 
llaua  com  aquelles  capitaães,  todollos  outros  dos  nauios  sabiam  a  bordo 

ao    pêra  ouuir  suas  pailauras.   e  nom  menos  esforço  rreçebiam  de  as  ouuyr, 
que  sse  certamente  souberam  que  lhes  Deos  emuiaua  huú  amjo  do  çeeo 
pêra  lhas  dizer.    Todos  disse  elle   comtra  os  capitaães  da   sua  frota, 
teemde  *tall  auisamento  que   nehuú  de  uos  nom  saya  em  terra,  senam    A,86,v,2 
depois  que  uijr  que  meu  filho  o  Iftamte  Dom  Hamrrique  tem  filhada  a 

a5  praya,  daquella  parte  domde  esta,  teemdo  porem  todos  uossos  batees 
corregidos  per  tall  guisa,  que  com  pequena  tardamça  possaaes  seer  em 
aquelle  lugar  homde  o  Iffamte  esteuer.  E  chegamdo  aa  gallee  do  Illamte 
Dom  Hamrrique  começou  de  sse  rrijr,  e  pregumtoulhe  em  que  pomto 
estaua  seu  corregimento.     Neeste   que  ueedes  senhor,  rrespomdeo  elle, 

3o  pareçemdo  todo  armado  e  todollos  seus  açerqua  delle  ao  bordo  da 
sua  gallee.  e  assy  estam  todollos  outros  desta  frota  que  aca  mamdas- 
tes.  Veedes  disse  elRey,  nom  uos  disse  eu  que  amte  manhaã  auia  meu 
filho  de  seer  de  todo  prestes,  ca  em  taaes  tempos  como  estes,  logo  elle 
sabe  perder  o  sono  toda  huúa  noute  ssem  mostramça  de  semtir  por  ello 

35  trabalho.  Ora  pois  meu  filho,  disse  elle  comtra  o  líiamte,  com  a  beem- 
çam  de  Deos  e  com  a  minha,  quamdo  uirdes  tempo,  ja  sabees  o  que 

6.  galliota  A.  —  li.  assi  A. —  17.  assi  A,  —  22.  centra  A.  —  23.  teende  A.  —  25.  vos- 
sos A.  —  3i.  assi  A  —  3i-32.  mandastes  A. 


—  196  — 

auees  de  fazer.     Tamto  que  aquelle  nobre  primçipe  acompanhado  de 
mujtas  uirtudes  o  IfTamte  Duarte  uio  seu  padre  fora  da  gallee,  ca  ambos 

A,87,r,  1  *  estauam  em  huúa  em  aquelle  dia,  mamdou  trazer  suas  armas  com  em- 
teemçom  de  seer  com  os  primeiros  no  cometimento  daquelle  feito,  e 
começamdo  de  sse  armar,  acertou  de  auer  huúa  pequena  ferida  em  huúa  5 
maão.  Certamente  senhor,  disserom  os  que  alli  estauam,  nom  seria 
maao  descusardes  uossa  hida  em  terra  por  este  dia,  ca  o  espalhamento 
deste  samgue  he  mujto  darreçear.  ca  ssom  synaaes  que  aas  uezes  pare- 
cem por  bem,  se  homem  se  quer  guardar  per  seu  auisamento.  assy 
como  dizem  que  fez  huú  comssull  rromaão,  quamdo  estaua  pêra  pelleiar  'o 
com  Aniball  açerqua  da  cidade  de  Taramto,  que  por  uista  de  huú  seme- 
Ihamte  synall  escusou  sua  partida  em  aquelle  dia.  polio  quall  salluou  sua 
uida  e  de  toda  sua  hoste.  E  o  Iffamte  ouuimdo  aquellas  rrazoões  come- 
çou de  sse  rijr  comtra  elles,  dizemdo  que  sabiam  muy  mall  conhecer  a 
uerdadeira  emteemçam  daquelle  ssynall.  Pois  que  quer  esto  ali  dizer,  '5 
disse  elle,  ssenom  que  assy  como  em  esta  minha  maão  primeiramente 
pareçeo  samgue,  assy  espargerey  eu  oje  com  ella  com  a  graça  de  Deos 
tamto  samgue  dos  corpos   dos  jmfiees,  ataa  que  per  força  do  meu  braço 

A,87,r,2    os  ueja  sahir  *  amte  mym  fora  de  sua  cidade.    E  certamente  que  o  esforço 

do  dito  primçipe  era  gramde.   e  posto  que  elle   aquellas  cousas  dissesse    20 
em   jogo,   certo   foy  que   a  sua  espada  em   aquelle  dia   foy  mujtas  uezes 
banhada  em  samgue.   ca  aquelle   que  elle  açertaua  amte   ssy  com  o  pri- 
meiro gollpe,  nom  auia  espaço  desperar  o  segumdo.  e  taaes  hi  auia,  que 
alli  achauam   a  sua  derradeira  ora.     E  porque  todos  aquelles  do  Iffamte 
semtiara  o  gramde  prazer  que  elle  tijnha,   em  quamto  lhe  uestiam  as    25 
armas,   departiam  estamdo  em  mujtas  cousas  de  seus  desemfadamentos, 
fallamdo  naquello   que  os  homees  mamçebos  mais   trazem   açerqua  de 
suas  uoomtades  .s.  bem  queremça  de  suas  amigas.     E  uos  senhor,  disse 
F"ernamdo  Afiomsso  de  Carualho,  que  era  page  do  Iffamte,  auees  oje  de 
fazer  alguúa  cousa  dauamtagem  por  amor  de  uossa  dama.     Se  ma  tu    3o 
nembrasses,  rrespomdeo  o  Iffamte,  em  tall  tempo  que  eu  teuesse  lugar  de 
fazer  pollo  seu  amor  tam  assinada  cousa,  per  que  podesse  cobrar  sua 
graça.     Bem  mostrou  o  Iftamte,  diz  o  autor,  per  aquellas  razoÕes,  que  era 
pouco  de  damas,  ca  sse  o  elle  fora  uerdadeyramente,  nom  ouuera  mes- 

A,87,v,  I    ter  outra  rrenembramça,  sse  nom  aquelle  *mortall  tormento,  que  os  bem    35 
amamtes  per  força  de  rrezam  trazem  escuUpido  em  seu  peito. 

4.  cometimento  I,  começamento  A. — 8.  sangue  A.  —  11.  caramco  A,  Taranto  I.  — 
12  saluou  A.  —  14.  contra  A.  —  iS.  emtemçam  A.  —  ly.assi  A  — espargirei  I.  —  27.  man- 
cebos A.  —  29.  fernamdaffomsso  A. — 33.  graça]  add  farias  boa  cousa  I.  —  36.  escul- 
pido I,  esculpidos  A. 


—  197  — 

Como  Çalla  bem  Çalla  esiaua  muy  anoiado,  ueemdo  como  a  deter- 
minaram delRey  de  todo  era  filhar  terra  amte  os  muros  de  sua 
cidade.     Capitullo  Lxx. 

REZAM  he  que  digamos  alguG  pouco  da  maneyra  que  tijnha  Çalla 
bem  Çalla,  depois  que  uio  de  todo  a  determinaçam  delRey.  O 
qSall  deuees  de  saber,  que  era  huii  homem  quamto  quer  de 
hidade,  á&  linhagem  dos  Marijs.  a  quall  amtre  todallas  outras  geeraçoões 
que  ssom  em  Africa,  he  auida  por  melhor,  e  pêra  elle  ajmda  acreçemtar 
mais  sua  nobreza,   era  senhor  daquella   cidade  e   doutros  mujtos  boõs 

10  lugares  da  costa  daquelle  mar.  E  bem  deuees  demtemder,  quall  seria  o 
seu  pemssamento,  quamdo  uisse  a  nouidade  de  tall  uizinhamça,  quall  lhe 
chegaua  amte  as  portas  de  sua  cidade.  E  porque  quamto  os  homeês 
ssom  mais  ssesudos,  tamto  acham  mais  duuidas  nas  cousas  gramdes  e 
perijgosas.  e  porem  comsijraua  Çalla  bem  Çalla,  como  elRey  Dom  Joham 

i5    era  huú  primçipe  de  gramde  fortelleza.  *  ca  posto  que  elle  uiuesse  aalem    A,87,v,2 
do  mar,  nom  eram  os  feitos  delFley  tam  pequenos,   nem  elle  tara  pouco 
nora  era  desauisado,   que  nom  soubesse  muy  bem  parte  de  todo.     Com- 
sijraua  como  cora  tara  pouca  gemte  nom  negara   a  batalha  a  elRey  de 
Castella,  uemdoo  acerca  de  ssi  com  tam  gramde  poderio,  e  o  uemçera  e 

20  desbaratara,  e  depois  per  suas  gemtes  ouuera  com  os  naturaaes  daquelle 
rregno  tam  gramdes  çomtemdas  como  todos  sabiam,  das  quaaes  sempre 
ficara  uemçedor.  e  que  começara  assy  aquelle  feito  com  tam  gramde 
sajeza,  que  numca  poderá  seer  rreuellado,  senom  quamdo  a  frota  pare- 
cera dauamte  os  muros  da  sua  cidade,  homde  o  elle  uia  companhado  de 

25  quatro  filhos  baroões  nobres  e  de  gramde  ardimento,  e  com  tam  gramde 
poderio  de  gemtes  e  com  tamanha  gramdeza  de  frota.  Pois  dezia  elle 
amtre  ssi  meesmo,  quamdo  posso  eu  seer  socorrido  e  rrepayrado  pêra 
rresistir  a  tamanha  força.  ElRey  de  manhaã  me  começara  de  combater, 
e  eu  nom  tenho  ajmda  quatro  pedras  no  muro,  a  rrespeyto  das  que  hey 

3o    mester  pêra   rredomdeza   de   tamanho   cerco.     Quamdo   o  farey   eu  ja 

saber  a  clRey  de  Feez,  ou  quamdo*  teera  elle  tempo  pêra  mamdar  auisar    A,88, r, i 
suas  gemtes,  e  espaço  pêra  se  correger,  que  primeiramente  os  muros  de 
Cepta  nom  seiam  desfeitos  pedaço  e  pedaço.     Em  estes  pemssamentos 
estaua  muy  duuidoso  de  nehuú  boom  aqueeçimento.     A  Dcos  dezia  elle, 

35    que  peccado  foi   este  meu  tam  gramde,  que   me  trouxe   a  tamta  maa 

5   despois  A.  —  7  o  A,  a  I.  —  20.  despois  A  —  23  nunca  A  —  quando  A,  —  26.  gen- 
tes A.  —  28.  a  I,  om  A  —  menhaã  A.  —  3 1 .  terra  A  —  34.  douidoso  A  —  a  A,  ah  I. 


—  igS  — 

uemtura  açerqua  de  minha  uelhiçe.  Estamdo  assy  em  este  triste  cuy- 
dado,  chegou  a  elle  huúa  gramde  companha  daquelies  mouros  mamçebos, 
que  sse  ajumtaram  pera  deffemder  a  cidade,  e  por  quamto  o  acharom 
assy  estar  pemssoso,  começarem  de  o  rrepreemder  dizemdo,  que  era  escar- 
nho  pera  semelhamte  pessoa  mostrarsse  de  tam  pequeno  esforço  sem  5 
perijgo  arrezoado.  Que  ha  hi  mais,  deziam  elles,  senam  uijrem  os  chris- 
taãos  sobre  nos.  os  quaaes  em  numero  nom  ssam  tamtos  que  nos  muy  bem 
nom  possamos  pelleiar  com  elles.  E  que  sabemos  nos,  sse  per  uemtura 
sua  uijmda  he  a  fim  da  nossa  mayor  homrra  e  acreçemtamento  de  nosso 
proueito.   ca  pode  seer  que  esta  fremosura  de  frota,  que  elles  jumtaram    lo 

A,88,r,2  pera  nos  çerquar,  ficara  ajmda  nas  nossas  taraçenas.  e  as  suas*  baixellas 
douro  e  de  prata  ficaram  pera  casamento  de  nossos  filhos,  e  os  corre- 
gimentos  das  suas  capellas  poeremos  em  nossas  mezquitas  por  testimunho 
de  nossa  uitoria.  Ora  disseram  elles,  a  sua  frota  esta  rrepartida  em  duas 
partes,  e  creemos  que  sua  teemçom  he  de  filharem  oje  terra,  o  que  sse  i5 
assy  for,  jremos  a  elles  aa  praya.  e  amte  que  sayam  dos  batees,  faremos 
em  elles  muy  gramde  matamça.  ca  os  mais  e  melhores  ueem  todos 
cubertos  de  ferro,  por  cuja  rrezam  o  seu  mouimento  nom  pode  seer  sem 
gramde  força  e  trabalho,  e  nos  desemuolltos  e  ligeyros  chegaremos  a 
elles  quamdo  quisermos.  E  tamto  que  os  huúa  uez  teuermos  em  terra,  20 
tarde  ou  pera  gramde  uemtura  se  poderam  depois  alleuamtar.  e  que 
geito  poderam  teer  per  sse  erguer,  aquelles  que  pouco  seram  menos  de 
pesados  que  gramdes  penedos,  e  em  tamto  huús  de  nos  empacharem 
os  que  quiserem  sahir  per  os  batees,  os  outros  teeram  em  tamto  cuy- 
dado  de  buscarem  lugar  e  maneyra  pera  auer  as  çarraduras  daquelle  25 
ferro,  per  omde  tirem  as  uidas  aaquelles  que  primeiramente  sahirem  em 

A,88,v,i  terra.  Nom  sey,  rrespomdeo  Çalla  bem  Çalla,  sse  *terees  essas  cousas 
assy  aazadas  pera  acabar  como  rrazoaaes.  praza  a  Deos  que  nom  achees 
sobrello  outro  empacho.  Porem  hiuos  com  boõa  uemtura,  e  hordenaae 
uossos  feitos  o  melhor  que  poderdes,  e  de  quallquer  cousa  que  sse  la  3o 
passar,  a  meude  teemde  cuydado  de  mo  fazer  saber.  Mais  do  que  sse 
depois  seguio,  diz  o  autor  que  fallara  adiamte,  declaramdo  a  maneira 
que  Çalla  bem  Çalla  teue  açerqua  dello. 


2.  mancebos  A. — 4.  assi  A.  —  6.  arrezoamdo  A,  rezoando  I  —  diziam  A. — 8.  uen- 
tura  A—  16.  assi  A—  17.  grande  A.  — 23.  tanto  A.  —  25.  auer  A,  averem  I.  —  27.  ter- 
rees  A.  — 28.  assi  A.  —  29.  boa  A. 


—  199  — 

Como  Martim  Paaei  capellam  moor  do  Iffamte  Dom  Hamrrique 
fallou  alguúas  rreioóes  em  presemça  de  todos.     Capitullo  Lxxj. 

SOMA  de  gramde  processo  se  faria  em  nossa  estorea,  sse  quiséssemos 
seguir  todallas  cousas,  segumdo  as  achamos  per  emformaçam 
daquelles  que  as  uerdadeiramente  sabem,  empero  sseguimdo  a 
teemçom  dos  modernos,  abreuiamos  todo  aquello  que  com  rrezam  pode- 
mos, ca  ajmda  ficauam  pêra  dizer  mujtas  cousas,  que  os  mouros  passa- 
uam  amtre  ssi,  em  quamto  a  gemte  da  frota  nom  filhaua  terra.  E  estamdo 
assy  o  Iffamte  Dom  Hamrrique  com  a  pramcha  prestes,  e  todollos  seus 

IO    armados  pêra  ssahir  quamdo  uisse  o  ssynall,  Martim  Paaez,  que  era  seu 
capellam  moor,  tomou  o  corpo  do  Senhor  em  suas  maãos,  e  pousousse 
*diamte  de  todos,  e  começou  de  os  esforçar  em  aquesta  guisa.    Irmaãos    A,88,v,2 
e  amigos,   disse  elle,    eu    acho  que  numca  homem   pode  dereitamente 
fazer  alguúa  cousa,   se  nom  sabe  a  fim  porque   o   faz.    e    uos   outros 

i5  que  aquy  sooes  ajumtados,  per  uemtura  nam  sabees  dereitamente 
porque  aqui  uiestes.  Agora  sabee,  que  sooes  aqui  uijmdos  por  ser- 
uiço  de  nosso  Senhor  Jesu  Christo.  o  quall  uos  aqui  apresemto,  por 
cujo  amor  e  seruiço  elRey  nosso  senhor  sse  moueo  a  começar  esta 
demamda.     E  este  he  aquellc,  que  de  nehuúa  cousa  primeiramente  for- 

20  mou  o  mundo,  e  criou  em  elle  todallas  cousas  soomente  per  seu  querer. 
e  sobre  todo  formou  os  homeés  da  mais  nobre  nem  melhor  natureza 
que  outra  alguúa  criatura  terreall,  teemdolhes  aparelhada  casa  perdura- 
uell,  pouco  mais  baixa  que  a  dos  amjos,  segumdo  diz  o  profeta.  E  como 
quer   que   os   homeês  sse   desemcaminhassem   do   uerdadeiro   caminho, 

25  nosso  Senhor  quis  uijnr  a  este  mundo  tomar  carne  humana,  e  uiuer  em 
elle  ataa  soffrer  morte,  por  rremijr  o  nosso  peccado.  Leixo  de  uos  dizer, 
como  depois  da  sua  samta  paixom  aquelle  emçugemtado  e  abominauell 
cismático  Mafamede,  tomou  falsso  nome  de  profeta,  sob  collor  de  uirtude 
*e  onestidade  semeou  poUo  mundo  esta  sua  danada  seyta.  a  quall  assy    A,88,r. i 

3o  como  as  maas  heruas  ham  natureza  de  creçer  mujto  mais,  que  as  pro- 
ueytosas  e  boõas.  bem  assy  esta  maa  semente  dos  jmfiees  creçeo  tamto 
na  horta  do  Senhor,  que  sse  nom  fosse  arrimcada  pollos  fiees  e  cathoUi- 
cos  primçipes,  em  breue  tempo  creçeria  tamto,  que  amortificaria  toda  a 
boõa  semente.     E  porque  elRey  nosso  senhor  he  huú  daquelles  obreiros 

35    que  o  Senhor  comuida  no  Euamgelho,  ajumtou  aqui  este  seu  pouoo  pêra 

6.  temçom  A  —  rrazam  A  —  9.  assi  A. —  10.  quando  A.  —  11.  pousouse  A.  —  16.  uijn- 
dos  A.  —  17.  JhQ  xpõ  A.  —  25.  mutndo  A.  —  27.  despois  A.  —  29.  assi  A.  —  3 1 .  boas  A  — 
assi  A.  —  32.  pellos  A.  —  34.  boa  A  —  nosso  senhor  elRey  A  I. 


—  200  — 

fazer  seu  samto  seruiço.  o  quall  oje  com  a  sua  graça  e  ajuda  espera 
de  poer  em  obra.  Ora  disse  elle,  porque  sabees  que  todoUos  boõs  ser- 
uidores,  que  uerdadeiramente  deseiam  trabalhar  em  alguúa  cousa,  com 
gramde  cuydado  buscam  todallas  maneiras,  per  que  melhor  possam  achar 
sua  fim.  e  porque  o  nosso  uerdadeyro  rremedio  he  a  nossa  comçiemçia,  5 
a  quall  deuemos  de  alimpar  e  proueer  de  todallas  magoas  que  em  ella 
semtirmos,  e  sem  a  graça  de  nosso  Senhor  Deos  nom  podemos  percall- 
çar,  uollo  apresemto  aqui.  no  quall  comtemplamdo  uos  possaaes  doorosa- 
mente  arrepemder  de  uossos  peccados.     Ca   escprito  he  nas  estorias  da 

A,89,r,2    Briuia.   omde  diz   que  fallou  *Ahyor  primçipe  dos  filhos  de  Amon  ao    >o 
gramde  capitam  Holofernes,  quamdo  tijnha  cercados  os  Judeus  na  cidade 
de  Betulia,  declaramdo  como  o  Senhor  marauilhosamente  sabia  deffemder 
todollos  seus,  quamdo  elles  perfeitamente  guardauam  seus  mamdamentos. 
e  que  numca  ouue  quem  podesse  comtradizer  a  este  pouoo,  saluo  quamdo 
sse  apartou  da  homrra  do  seu  Senhor  Deos.  ca  logo  forom  dados  em  preá    '5 
e  rroubo  de  seus  jmmijgos.   e  como  outrossi  fezeram  penitemçia,  e  sse 
arrepemderam  de  seus  peccados,  logo  a  uirtude  do  çeeo  foy  com  elles 
pêra  rresistir  a  todos  seus  jmmijgos.     As  quaaes  cousas  ssom  escpritas 
no  quimto  capitullo  do  liuro  de  Judith.  pollo  quall  emtemdemos  que  duas 
cousas  soomente  nos  ficam  pêra  fazer  com  toda  diligemçia  .s.  cobijçar  a    20 
perfeiçom  da  uitoria  comtra  os  jmmijgos  da  ffe,   e  a  segumda  humilldar 
nossas  almas  ao  Senhor,   tornamdonos   a  elle  de  todo  coraçom,  fazemdo 
penitemçia  de  todos  nossos  erros  passados,   e  pidimdolhe   que  por  sua 
samta  piedade  nos  queyra  ajudar,  dizemdo  aquello  que  no  uiçesimo  capi- 
tullo do  Parallipomenom  he  escprito,  omde  diz.     Porque  Senhor  nom    ^5 
sabemos,  que  mais  deuamos  nem  possamos  fazer,  esto  soomente  nos  fica 

A,89,v,i  -s.  que  emderemçemos  *  nossos  olhos  a  ti,  pois  nom  ha  hi  cousa  per  que 
deuamos  seer  alheeos  deste  negocio.  E  porque  o  dia  doje  seremos  ajum- 
tados  com  a  graça  de  Deos  sobre  este  feito  casi  todollos  do  pouoo  de 
Portugall,  deuees  uos  ajudar  e  esforçar  huús  aos  outros  com  todo  cora-  3o 
com  e  uoomtade.  ca  este  he  o  próprio  offiçio  da  naturall  justiça,  segumdo 
he  escprito  no  primeiro  liuro  dos  offiçios,  omde  Tullio  allega  huú  dito  de 
Platam  dizemdo.  Muy  altamente  he  escprito  per  este  gramde  filosofo 
.s.  que  nom  soomente  naçemos  pêra  nos  meesmos,  ca  parte  de  nosso 
naçimento  rrequere  o  seruiço  de  nossa  terra,  e  es  nossos  amigos,  que  de  35 
nos  alguúa  cousa  ham  mester.     E  segumdo  praz  aos  Estóicos,  as  cousas 

1 1.  quando  A. —  i5.  foram  A. —  16.  utrossi  A.  —  19.  Judich  AC.  —  21.  contra  A. 
25.  parallipemenon  A.  —  27.  emderençemos  A.  —  29.  sobreste  A. — 3o.  deues  A. — 
3i.  segundo  A.  —  33.  fillosofo  A.  — 36.  Estóicos  I,  estoricos  A. 


que  ssom  em  a  terra  geeradas,  primçipallmente  ssom  pêra  o  huso  dos 
homeés,  e  os  homeés  outrossy  ssom  geerados  por  causa  e  proueito  dos 
homeés.  por  que  elles  amtre  ssi  meesmos  aproueitem  huús  aos  outros, 
no  quall  seguimos  natureza  comuúa  a  Deos.  E  esto  ueemos  em  as  bru- 
5    tas   animalias.    as    quaaes   naturallmente   sse   amam   huúas    aas   outras, 

segumdo  diz  o  sabedor  aos  xiij  capitullos*  do  Ecclesiastico,  poemdo  a    A,89,v,2 
semelhauell  ley  do  amor  em  os  homeés,  dizemdo.    Toda  animalia  ama  a 
outra   a  ssi  semelhamte.   e   todo  homem  deue  jsso  meesmo  de  amar  a 
seu  próximo,  segumdo  sse  mostra  nos  estromentos  da  musica,  nos  quaaes 

IO  todallas  uozes  comcorrem  huú  comssoamte,  e  sse  comrrespomdem  e  dam 
perfeiçam  huúas  aas  outras.  E  assy  diz  Pollicrato,  que  deue  seer  na 
comunidade  dos  homeés,  os  quaaes  sse  deuem  dajudar  e  acorrer  huús  aos 
outros.  E  esto  meesmo  parece  na  supernall  natura  e  comunidade  dos 
amjos,  a  cuja  semelhamça  deuem  em  na  jgreia  miilitamte  seer  ordenados 

i5  os  homeés,  os  quaaes  todos  ssam  em  huú  amor  e  comcordia,  despostos  e 
partidos  segumdo  diuersas  gerarchias  e  ordeés.  e  sse  comrrespomdem 
huús  aos  outros  aa  gloria  de  Deos,  cada  huú  segumdo  suas  exçellemçias 
e  perfeiçoões.  e  todos  comcorreram  prestesmente  de  huú  coraçom  pêra 
destroyr  e  derribar  aquelles,  que  sse  quiseram  alleuamtar  comtra  a  sua 

20    samta  cidade  çelestriall,   e  jguallar  ao  seu  glorioso  Deos   .s.  Lúcifer  e 
os  seus  maaos  amjos,   segumdo  que  no  duodécimo  capitullo  do  Apoca- 
llipse  he  escprito,  que  ssam  Myguell  *  e  os  seus  amjos  pelleiarom  comtra    A.go.r,  i 
elles  ataa  derribalios  do  çeeo.     Deuees   ajmda  cobrar  uerdadeira  forte- 
lleza   poemdo   amte  nossos  olhos,  como  pelleiaaes  por  amor   de   nosso 

25  Senhor  Deos,  que  he  uerdade,  comsijramdo  que  assy  como  uos  elle  ajudou 
comtra  os  uossos  jmmijgos  christaãos,  que  eram  mujto  mayor  numero  que 
uos  outros,  assy  uos  ajudara  comtra  estes,  que  ssom  uossos  jmmijgos  e  de 
Christo.  Nem  deuees  rreçear  o  espargimento  de  uosso  samgue  sobre 
semelhamte  comquista.   ca  escprito  he  que  na  edificaçom  do  templo  de 

3o  Jerusalém  todallas  pedras  hiam  primeyramente  lauradas  e  picadas  com 
martellos,  porque  mamssamente  fossem  postas  na  obra  que  auia  de  durar. 
E  por  este  exemplo  tem  os  samtos  doutores,  que  aquelles  que  sse  ham  de 
poer  no  fumdamento  e  aliçcçe  daquelle  muro  do  templo  çelestriall,  que  he 
dito  Jerusalém,  ham  de  seer  primeiro  em  este  mundo  picados  com  ferro, 

35  porque  o  seu  assemtamento  ha  de  seer  em  aquelle  lugar  pêra  todo  sem- 
pre.    E   de  como  uos  o  samto  Padre  outorga  os  uerdadeiros  perdoões, 

2.  jeerados  A.  —  3.  antre  A. — 6.  capitólios  A.  —  7.  semelhacel  A.  —  9.  prouximo  A. 

—  20.  s.  luçifer  D,  Lúcifer  I,  Silluester  A,  Sylvester  C.  —  23-24.  fortalleza  A.  —  25.  assi  A. 

—  3o.  Jhrlm  A.  —  3i.  manssamente  A.  —  34.  Jhrlm  A.  —  35.  legar  A. 

36 


A,9o,r,  2  que  he  saluaçam  das  almas  per  sua  samta  letera,  assaz  uos  foy  *  fallado 
pollo  meestre  frey  Joham  Xira,  quamdo  esteuestes  em  Laagos.  e  os  que 
em  ssi  ajmda  semtirem  alguúa  cousa,  per  que  as  suas  comçiemçias  seiam 
agrauadas,  cheguemsse  a  seus  abades,  e  mostrem  delias  arrepemdimento. 
e  desi  uijníde  todos  aqui  darlhe  paz,  por  tal!  que  elle  uolla  dee  pêra  todo  5 
sempre  no  seu  rregno.  E  emtam  se  leuamtou  o  Iffamte  domde  estaua 
em  jeolhos,  fazemdo  sua  oraçom  amte  o  corpo  do  Senhor,  e  foy  beyiar 
o  pee  de  huúa  custodia  muy  rrica,  em  que  elle  sempre  estaua  depois 
que  elle  partio  de  Portugall.  e  per  esta  meesma  guisa  fezeram  todollos 
outros.  E  depois  desto  disse  Martim  Paaez  que  fimcassem  todos  os  lo 
giolhos  em  terra,  e  que  fezessem  a  comfissam,  em  fim  da  quall  os  assolueo 
de  culpa  e  pena  segumdo  o  poder  da  samta  cruzada.  Agora  disse  elle, 
)rmaãos  e  amigos,  teemdes  sobre  uos  as  armas  da  fortelleza.  ora  daqui 
em  diamte  pelleiaae  sem  nehuú  temor,  ca  o  nosso  Senhor  estará  aqui  em 
presemça  de  todos  ataa  fim  de  uosso  trabalho,  sem  nehuú  temor  dos  ,5 
jmmijgos  pêra  uos  dar  o  seu  uerdadeiro  esforço.    E  depois  que  o  Iffamte 

A,9o.,v,  1  foy  fora,  sempre  Martim  Paaez  *  acompanhado  de  mujtos  outros  capellaães 
alli  esteue  com  o  corpo  do  Senhor,  rrezamdo  mujtos  salmos  e  oraçoÕes  de 
gramde  uirtude  ataa  fim  de  todo  o  feito.  E  como  quer  que  mujtos  uiro- 
toões  e  pedras  fossem  lamçadas  de  fora  pêra  a  gallee,  prouue  a  elle  de  20 
numca  empeeçerem  em  aquelle  lugar  homde  estaua,  nem  a  nehuú  daque- 
lles  clérigos  que  amte  elle  rrezauam. 


Como  o  baíell  de  Joham  Fogaça  foy  o  primeiro  que  sayo  fora,  e 
como  Riiy   Gomçallue{  filhou  primeiramente  terra  e  desi  todollos 

outros.     Capitullo  Lxxij.  25 

TODAS  aquellas  pallauras  que  assy  rrazoou  Martim  Paaez,  fezeram 
gramde  fortelleza  e  acreçemtamento  de  ífe,  em  quamtos  estauara 
em  aquella  gallee,  mais  porque  em  todollos  outros  nauios  nom 
sse  fazia  semelhamte  auto.  E  o  soll  começaua  ja  aqueeçer,  anojauamsse 
os  homeés  porque  tamto  tardaua  o  signall,  que  lhes  auia  de  seer  feito  jo 
pêra  sahirem  em  terra,  e  desi  os  mouros  amdauam  ja  polia  rribeira 
fazemdo  suas  maneiras,  polias  quaaes  punham  gramde  aluoroço  na  gemte 
que   estaua  em  nos  nauios.   e  cada  huú  deseiaua   sayr,   se  nom  teue- 

2.  pello  A.  —  6.  rreyno  A  —  levantou  A.  —  8.  húa  A. —  i3.  forteleza  A. —  14.  pelle- 
jaae  A.  —  16.  despois  A.  —  19.  atee.  —  26.  assi  A.  —  3i.  pella  A. 


—  2o3  — 

ram  rreçeo  da  deliesa  delRey.  Empero  Joham  Fogaça,  que  era  ueedor  do 
comde  *  de  Barçellos,  nom  pode  soportar  tamanha  tardamça.  e  mamdou  A,9o,v,2 
emderemçar  seu  batell  dereitamente  aa  praya.  e  o  primeiro  homem  que 
salltou  em  terra,  foy  Ruy  Gomçalluez  comemdador  que  depois  foi  de 
5  Canha,  e  ueedor  da  Iffamte  molher  do  Iffamte  Dom  Joham.  mais  nom  o 
acharom  os  mouros  tam  ligeiro  de  derribar,  como  elles  amte  deziam  a 
Çaiia  bem  Çalla.  ca  tamto  que  saiitou  amtrelles,  começou  de  os  ferir 
tam  rrijamente,  que  os  fez  afastar  daquelle  lugar  omde  os  batees  auiam 
de  sayr.     E  o  Iffamte  Dom  Hamrrique,  porque  tijnha  sua  pramcha  alguú 

IO  pouco  afastada  da  terra,  lamçousse  demtro  em  huú  batell  que  passaua 
per  hi.  e  meteo  comssigo  Esteuam  Soarez  de  Mello  e  Meem  Roiz  de 
Refoyos,  que  era  seu  alferez.  e  mamdou  que  as  trombetas  fezessem 
rrijamente  sinall  pêra  sahirem  todollos  outros  em  terra.  E  tamto  que  o 
Iffamte  foy  na  praya,   começou  a  gemte  de  rrecreçer.  e  Ruv  Gomçalluez 

i5    que  sahira  primeyro,  amdaua  ja  diamte  amtre  os  mouros,  e  huíi  jemtill 
homem  allemam  em  sua  companhia,   os  quaaes  derribaram  huú  gramde 
mouro,   que  amtre  todollos  outros  mostraua  mayor  fortelleza.     Alas  he 
agora  de  saber  como  o  Iffamte  Duarte   *  ass}' como  uallente  caualleiro    A,9i,r,  i 
sahio  de  sua  gallee,   em  quamto  seu  padre  amdaua  proueemdo  a  outra 

20  frota,  e  sse  foi  pêra  aquelle  porto,  omde  o  Iffamte  Dom  Hamrrique 
filhara  terra,  e  Martim  Affomsso  de  Mello  e  Vaasquo  Eannes  Corte  Reall 
eram  açerqua  delle,  quamdo  salltou  na  pra3'a.  ca  assy  fezeram  outros 
mujtos,  sse  lho  elle  quisera  comsseratir,  mais  com  rreçeo  de  seu  padre 
leixauam   de  o  fazer.     E  em  esto  seriam  os  christaãos  ja  fora  naquella 

25  praya  ataa  çemto  e  çimquoemta.  e  assy  começarom  muy  rrijamente  de 
sse  meter  com  os  mouros,  magoamdoos  a  meude  com  suas  armas,  ataa 
que  per  força  os  fezeram  meter  per  a  porta  dAlmina.  E  o  primeiro 
homem  que  foy  demtro  com  elles,  foi  Vaasquo  Eannes  Corte  Reall  e  desi 
os  outros  após  elle.    E  himdo  assy  pelleiamdo  com  os  mouros,  açertousse 

3o  que  o  Iffamte  Dom  Hamrrique  conheçeo  seu  jrmaão.  ca  posto  que  o 
Iffamte  Duarte  auia  pedaço  que  amdaua  amtre  os  mouros,  nom  emtem- 
daaes  que  os  homeés  em  semelhamtes  lugares,  quamto  mais  seemdo 
armados,  sse  tam  asinha  podem  conhecer.  Empero  quamdo  o  Iffamte 
assy  conheçeo  seu  jrmaão,  fezelhe  muy  gramde  mesura,  dizemdo  que  daua 

Í5    mujtas  graças  ao  Senhor  Deos  por  lhe  dar  tam  boõa  companhia.     E  a  uos 

senhor,  *  disse  elle,  tenho  mujto  em  merçee  a  boõa  uoomtade  que  teuestes  e    A,9i,r,2 

2.  conde  A.  —  4.  despois  A.  —  9.  Iffante  A.  —  10.  batel  A.  —  18.  assi  A.  —  21.  uaas- 
queãnes  A.  —  22.  quando  A  —  assi  A.—  25.  atee  A.  —  28.  uaasqueannes  A  —  rreal  A. 
—  29.  assi  A.  —  34.  assi  A  —  fezelhe  A  C,  fezlhe  1.  —  35.  boa  A.  —  36.  boa  A. 


204  — 

teemdes  pera  nos  uijr  ajudar.  Nom  era  aquelle  o  lugar  segumdo  o  tempo, 
em  que  sse  mujtas  pallauras  semelhamtes  ouuessem  de  passar,  porque 
as  lamças  e  as  pedras  nom  estauam  em  uaão.  E  em  esto  forem  assy 
leuamdo  os  mouros  comtra  a  porta  da  cidade,  ferimdo  e  matamdo  em 
elles  ssem  alguúa  piedade,  ca  eram  ja  com  os  Iffamtes  melhoria  de  ;> 
trezemtos  homeés.  e  ordenaram  alli  sua  batalha  com  emtemçom  despe- 
rarem  elRey,  segumdo  lhe  fora  mamdado.  Nom  me  parece  que  he  bem, 
disse  o  Iffamte  Duarte,  que  façamos  agora  alguúa  deteemça,  porque  estes 
mouros  ssom  aqui  açerqua  de  nos.  e  sse  os  leuarmos  assy,  poderá  seer 
que  quamdo  elles  emtrarem,  que  emtraremos  de  uoilta  com  elles,  ou  ao  lo 
menos  forçallos  emos  tamto,  que  nom  possam  fechar  a  porta,  e  amtre 
tamto  acudira  a  nossa  gemte  e  emtraremos  a  seu  despeito.  O  Iffamte 
Dom  Hamrrique  disse  que  lhe  parecia  muy  bem.  e  em  esto  começarem 
de  seguir  os  mouros,  em  tamto  que  os  fezeram  tirar  damtre  as  cisternas 
e  huú  chafariz  que  alli  esta,  em  que  sse  coaua  agua  quamdo  uijnha  de  i5 
cima  daquelles  outeiros.     E  amtre   aquelles  mouros  amdaua  huú  mouro 

A,9i,v, I    gramde  *e  crespo  todo  nuu,  que  nom  trazia  outras  armas  senam  pedras, 
mais  aquellas  que  elle  lamçaua  da  maão,  nom  parecia  que  sahia  senom 
dalguú  troom  ou  colobreta  tamto  era  forçosamente  emuiada.     E  quamdo 
os  mouros  assy  forom  empuxados  como  ja  dissemos,  aquelle  mouro  uirou    20 
o  rrostro  comtra  os  christaãos   e  dobrou  o  corpo,   e  foy  dar  huúa  tam 
gramde  pedrada  a  Vaasco  Martimz  dAlbergaria  sobre  o  baçinete,  que  lhe 
lamçou  a  cara  fora.  nem  a  uista  daquelle  mouro  nom  era  pouco  espam- 
tosa.  ca  elle  auia  o  corpo  todo  negro  assy  como  huú  coruo,  e  os  demtes 
muy  gramdes   e  aluos,   e  os  beyços  muy  grossos  e  rreuolkos.     Mais   a    25 
Vaasco  Martimz  nom  esqueeçeo  de  lhe  paguar  seu  trabalho,  ca  posto  que 
aquella  pedrada  fosse  muy  gramde  e  em  semelhamte  lugar,  Vaasco  Mar- 
timz nom  perdeo  o  temto,  mas  ajmda  ho  mouro  nom  auia  uagar  de  sse 
uyrar  da  outra  parte,  quamdo  elle  adiamtou  seus  pees,  e  correo  a  lamça 
polias  maãos,  e  passou  ho  com  ella  de  parte  a  parte.    E  tamto  que  aquelle    3© 
mouro  foy  morto,  loguo  todollos  outros  uiraram  as  costas,  e  acolheramsse 

A,9i,v,2    aa  cidade,  e  os  christaãos  de  uoilta  com  elles.  *     E  sobre  a  emtrada  desta 
porta  ha  hi  mujtas  deuisoões,  espiçiallmente  amtre  aquelles  que  sse  acer- 
taram seer  alli  açerqua.   os  quaaes  com  deseio  de  cobrarem  nome  de 
homrra,  apropriaram  a  ssy  o  grado  daquella  emtrada.  e  ajmda  o  peor    35 
foy,  que  mujtos  que  estauam  ajmda  nos  nauios  disseram  em  alguúas  par- 

2.  muytas  A.  —  3.  foram  A  —  assi  A.  —  7.  segundo  A.  —  10.  entremos  I. —  11.  antre 

A.  —  16.  outeiros  I,  outros  A.  —  20.  assi  A  —  foram  A.  —  22    míz  A.  —  24.  assi  A. 

—  26.  uaasquo  míz  A.  —  27-28.  mlz  A.  —  20.  lança  A.  —  3o.  pellas  A  —  tanto  A.  — 
32.  uolta  A.  —  36.  foy]  que  foy  A. 


—  2o5  

tes,  que  aquella  horarra  fora  sua.  empero  a  uerdade  he,  que  Vaasco 
Martimz  dAlbergaria  foi  aquelle  que  emtrou  primeiro  polias  portas  da 
cidade,  e  dizem  ajmda  que  em  chegamdo  aa  porta  deu  huú  gramde 
apupo,  e  bramdimdo  a  lamça  dizemdo.    Ja  uaae  o  da  Albergaria.     E  assy 

5  como  elle  foy  o  primeiro  que  emtrou  a  cidade,  assy  fez  depois  mujtas 
auamteiadas  cousas  per  sua  maão,  como  nobre  caualleiro  que  era.  E  a 
primeira  bamdeira  rreall  que  emtrou  em  a  cidade,  foy  a  do  Iffamte  Dom 
Hamrrique.  e  certamente  que  aquella  bamdeira  deuera  de  seer  bem 
conhecida  amtre  toda  a  nobreza  e  geeraçom  daquelles  Marijms.  ca  muj- 

lo    tas  uezes  foy  depois  despreguada  amtre  gramdes  ajumtamentos  delles, 
omde  sse  fez  gramde  mortijmdade  amtre  os  mouros,  segumdo  adiamte  em 
mujtas  partes  de  nossa   estoria  *emtemdemos  de  comtar.   nem  auia  hi    A,g2,  r,  i 
outra  bamdeira  nem  estemdarte,  sse   nom   huúa   bamdeira   de   Martim 
Aííbmsso  de  ]\Ieello,  e  huú  estemdarte  de  Gill  Vaaz.    E  quamdo  os  Iftam- 

i5    tes  emtraram,  emtrarani  com  elles  obra  de  quinhemtos  homeês  darmas. 


Como  as  nouas  chegaram  a  Çalla  bem  Çalla  de  como  os  christaãos 
eram  demtro  na  cidade.      Capitullo  Lxxiij. 

VENHAMOS  agora  dizer  a  maneira  que  os  mouros  teueram  em  leuar 
aquellas  nouas  a  Çalla  bem  Çalla,  e  aqui  faremos  tim  de  todallas 
cousas,  que  a  elle  perteeçem.  Omde  auerees  de  saber,  que  depois 
que  aquelles  mouros  disserem  a  Çalla  bem  Çalla,  que  queriam  hir  empa- 
char a  uijmda  dos  christaãos  aa  rribeira,  elle  mamdou  hordenar  seus 
mouros  per  tall  guisa,  que  mujto  a  meude  lhe  trouxessem  as  nouas  de 
quallquer  cousa  que  sse  passasse  pêra  seu  auisamento.     E  os  primeyros 

25    que  cheguarom  a  elle,  forom  aquelles  que  lhe  comtarom  como  os  chris- 
taãos tijnham  ja  a  praya  filhada,   e  como  mataram  huú  delles,  e  feriram 
outros  mujtos.     E  agora  disse  Çalla  bem  Çalla,  em  que  pomto  ssam  ja. 
Sam  acerca  dAlmina,  disse  o  mouro.    E  *  estamdo  assy  em  estas  rrazoÕes,    A,92,r,2 
chegarom  outros  mouros,  que  disseram  como  a  Almina  era  filhada,   e 

3o  nom  tam  soomente,  disseram  aquelles,  estam  os  christaãos  em  este  pomto, 
mas  trazem  os  nossos  amte  ssy  como  ouelhas,  caminho  da  porta  da 
cidade.  Parece,  disse  Çalla  bem  Çalla,  que  os  nom  acham  tam  ligeiros 
de  uemçer,  como  elles  amte  deziam.  Ca. forom  mujto  emganados,  rres- 
pomdeo  o  mouro,  açerqua  daquelle  ferro  que  os  christaãos  trazem  sobre 

2.  mlz  —  3.  grande  A. — 4.  assi  A.  —  9.  antre  A  —  marljs  A. —  10.  despois  A  — 
grandes  \.  —  11.  mortimdade  A.  —  antre  A.  —  25.  foram  A.  —  28.  assi  A.  —  33.  foram  A. 


—  2o6 

ssi.  ca  pemssauam  que  sse  nom  podessem  com  elle  aballar.  o  que  he 
mujto  pollo  comtrairo,  porque  nom  menos  salltam  e  correm,  como  sse 
amdassem  cubertos  de  papell,  sem  outra  nehuúa  cousa.  Ora  disse  Çalla 
bem  Çalla,  hy  e  daae  auisamento  a  todos,  que  cerrem  muy  bem  as  portas 
da  cidade,  e  trabalhem  muy  bem  de  as  deffemder  de  cima  do  muro,  5 
quamto  poderem.  E  estamdo  assy  pêra  emuiar  aquelles,  chegarom  outros 
depenamdo  suas  barbas,  e  fazemdo  gramde  doo.  Ja  disseram  elles,  nom 
presta  nehuú  auisamento  açerqua  dello,  que  os  christaãos  sam  ja  demtro 
na  cidade,  e  sobreueem  outros  mujtos  mais,  e  matam  nos  nossos,  como 
se    fossem   caães.     E   assy  como  uieram  estes,   sobrecheguarom  outros    lo 

A,q2,v,  I  mujtos  mais.  que  comtarom  *aquellas  meesmas  nouas  e  outras  mujto  peo- 
res.  ca  lhe  disseram,  como  os  christaãos  se  espalhauam  ja  polias  rruas,  e 
faziam  nos  mouros  muy  gramde  mortijmdade.  Çalla  bem  Çalla  uirou  o 
rrostro  pêra  outra  parte  pêra  escomder  a  força  das  lagrimas,  que  lhe  co- 
rriam dos  olhos,  e  tornamdo  comtra  elles  lhes  disse.  Pois  que  a  minha  i5 
maa  uemtura  e  a  uossa  assy  hordena,  que  ajamos  de  perder  nossa  homrra 
e  nossas  casas  e  fazemda,  trabalhaae  por  salluardes  nossas  uidas  o  me- 
lhor que  poderdes,  porque  das  rriquezas  ja  me  parece  que  mall  uos 
podees  aproueitar.  E  pois  que  na  cidade  posestes  tam  maao  rremedio, 
eu  nom  semto  co.mo  sse  guarde  o  castello.  Os  Iftamtes  e  comde  de  20 
Barçellos  e  os  que  eram  com  elles,  depois  que  forom  demtro  na  cidade, 
filharom  logo  huúa  pequena  altura  que  alli  esta,  per  comsselho  do  IfTamte 
Duarte,  e  esto  era  huúa  mota  que  sse  alli  fezera  com  as  esterqueiras 
das  casas,  que  sse  alli  per  gramde  tempo  custumara  lamçar.  e  alli  este- 
uerara  huú  pouco  esperamdo  que  rrecreçesse  mais  gemte,  porque  ajmda  25 
nom  eram  com  elles  mais  daquelles  quinhemtos  que  ja  dissemos,  porque 
a  cidade  he  mujto  gramde,  e  era  necessário  que  sse  espalhassem  aquelles 

A,92,v,2  per  ella.  e  poderia  *  seer  que  nom  uijmriam  outros  tam  asinha,  que  pode- 
ssem empachar  os  mouros,  que  nom  çarrassem  as  portas.  Mas  a  tardamça 
nora  foy  muy  gramde.  ca  a  gemte  da  frota  nom  punha  uagar  em  sua  3o 
sabida,  e  em  breue  tempo  sse  jumtarom  alli  outros  mujtos.  E  Vaasco 
Fernamdez  dAtayde  nom  sse  teue  por  comtemte  demtrar  por  aquella 
porta,  por  omde  os  Iffamtes  emtraram.  e  apartousse  com  alguijs  seus,  e 
assy  com  outros  alguús  de  pee  de  Gomçallo  Vaaz  Coutinho  seu  tio.  e 
foisse  per  acaram  do  muro  da  parte  de  fora  a  huúa  outra  porta,  que  estaua  35 
acima   daquella,   e   começou  de  a  britar,   em  esto  cheguaromsse  outros 

2.  saltam  A.  —  6.  assi  A  —  chegaram  A.  —  8.  dentro  A.  —  9.  muytos  A.  —  14.  rrosto 
A — esconder  A. —  16.  assi  A.  —  21.  foram  A.  —  3o.  nom  1.°]  no  A  —  grande  A— 
32.  contemte  A.  —  34.  assi  A.  —  35.  outra]  na  margem  A. 


207  — 

alguús  que  uijnham  de  fora,  e  a  força  de  machados  e  de  fogo  forom 
aquellas  portas  de  todo  britadas.  Mais  esto  nom  foy  ligeiramente  aca- 
bado, ca  primeiramente  morreram  alli  sete  ou  oito  homeés  daquelles,  que 
nom  eram  tam  bem  armados,  ca  os  mouros  eram  ajmda  mujtos  sobre  os 

5  muros,  e  rrecreçiam  pêra  alli  cada  uez  mujto  mais,  porque  pemssauam 
deftemder  a  emtrada  aos  christaãos  com  a  força  das  pedras  e  armas,  que 
lamçauam  de  cima.  e  empero  esto  era  gramde  emgano,  que  elles  tijnham. 
ca  posto  que  as  suas  portas  esteueram  fechadas,  abastamte  era  a  forte- 
lleza  dos   christaãos  pêra  as  abrirem,*   assy   como  Vaasco  Fernamdez    A,93,r, i 

IO  aquella.  e  empero  elle  foy  ferido,  por  cuja  rrazom  lhe  comueo  estar  alli, 
ataa  que  foy  emtrada.  Gramde  maa  uemtura  diz  o  autor,  que  foy 
aquelle  dia  açerqua  da  morte  de  tam  boom  homem,  ca  por  certo  elle 
era  huú  fidallgo,  em  que  auia  mujtas  bomdades.  e  assy  era  mujto  amado 
delRey  e  de  todos  seus  filhos,   e  espiçiallmente  do  Iftamte  Dom  Hamrri- 

i5    que  com  que  elle  uiuia.  e  como  elle  fez  sua  fim,  fallaremos  em  outro  lugar. 


Como  os  Iffamtes  partiram  dally,  e  das  rraioóes  que  lhe  Joham 

Affomsso  iieedor  dafa{emda  disse  quamdo  chegou  a  elles. 

Capiíullo  Lxxiiij. 

CHRisTO  Jesu  nosso  Senhor  foi  aquelle,  a  quem  dereitamente  pode- 
remos dar  a  homrra  deste  feito,  empero  nom  ficam  os  homeés 
que  em  elle  trabalharam  sem  muy  gramde  parte  da  homrra. 
amtre  os  quaaes  Joham  Affomsso  ueedor  da  fazemda  merece  a  sua  parte, 
por  seer  por  elle  mouida  huúa  tam  samta  e  tam  homrrada  cousa.  E  assy 
tijnha  elle  muy  gramde  prazer,  quamdo  lhe  disseram  que   a  cidade  era 

25    emtrada.  nom  porem  que  elle  fosse  achado  ao  tempo  que  lhe  deram  estas 
nouas  dormimdo,  amte  era  ja  na  praya,  e  começaua  de  seguir  o  caminho 
*  dos  primeiros.    E  quamdo  chegou  aaquella  pequena  altura,  omde  estauam 
os  Iffamtes,   alleuamtou  sua  cara   e  disselhes.     Senhores,  pareçeuos  que    A,93,r, 
ssom   estas  assaz  de  homrradas  festas  pêra  o  dia  da  uossa  cauallaria. 

3o  melhor  me  parece,  que  uos  uejo  ora  omde  estaaes,  ca  de  uos  ueer  nas 
logeas  frias  de  Simtra,  proueemdo  os  assemtamentos  do  rregno.  E  em 
passamdo  assy  estas  cousas,  nom  çessaua  a  gemte  darmas  de  cheguar 
cada  uez  mujto  mais.  E  porque  Gomçallo  Vaaz  Coutinho  fallamdo  per 
alguúas  uezes  naquella  armada  dissera,   que  lhe  pesaua  mujto,  porque  a 

I.  foram  A.  —  o.  assi  A  —  Vaasquo  A.  —  i3.  assi  A.  —  i5.  luguar  A.  —  17.  affõm  A. 
—  19.  Xpõ  Jhú  A.  —  20.  a  I,  om  A.  —  23.  mouido  A  —  assi  A.  —  25.  elle]  em  elle  A. 


—  20S  — 

homrra  daquelle  dia  seria  toda  dos  homeés  de  pee,  por  rrezam  das  poucas 
armas  que  leuauam,  e  que  seriam  mais  desemuoUtos  que  os  homeés  dar- 
mas.  a  quall  pallaura  nora  esqueeçeo  ao  Iffamte  Duarte,  o  quall  quamdo 
assy  uio  aquelles  homeés  darmas  seguir  auamte  tam  desemuoUtamente, 
disse  comtra  o  Iffamte  Dom  Hamrrique.  Pareçeme  jrmaão,  que  nom  he  5 
oje  a  homrra  toda  dos  homeés  de  pee,  como  dezia  Gomçallo  Vaaz.  E 
porque  a  gemte  era  ja  mujta,  mamdou  o  Iffamte  Dom  Hamrrique  per 
rrequerimento  de  seu  jrmaão,   que  sse  rrepartissem  cada  huús  per  suas 

A,93,v. I    partes  .s.  o  comde  Dom  Aff"omso  per  huúa  rrua*,  e  a  sua  bamdeira  com 

parte  daquella  gemte  per  outra,  e  Martim  Affbmsso  de  Meelio  per  outra.    10 
E  disse  o  Iffamte  Duarte,   que  era  bem  que  elles  ambos  se  fossem  per 
açerqua  daquelle  muro  a  filhar  todallas  altezas,  que  sse  podessem  achar, 
porque  os  mouros  nom  teuessem  lugar  de  sse  acolherem  a  ellas  primeira- 
mente.    E  jmdo  assy,  porque  o  soll   era  muy  gramde  e   aquella  costa 
áspera  de  sobir,   tirou  o  Iffamte  Duarte  parte  das  suas  armas,   porque    i5 
semtio  que  era  trabalho  sobeio  de  as  trager,  ueemdo  como  os  mouros  ja 
leuauam  caminho  de  desempachar  a  cidade.     Mais  o  Iffamte  Dom  Ham- 
rrique, porque  hia  ajmda  todo  armado,  nom  o  podia  seguir,  por  cuja  rrezam 
o  seu  jrmaão  esperou   duas  uezes,  ataa   que   lhe   foi  necessário  tirar  a 
mayor  parte   de   suas  armas,   de  guisa  que  nom  ficou  senom  com  huúa    20 
soo  cota.     Mais  porque   falíamos  nas   rrezoões,   que  os  escudeyros  do 
Iffamte  Dom  Hamrrique  disseram  a  seu  senhor,  quamdo  uijnha  da  pomta 
do  Carneiro,  e  na  rreposta  que  lhes  elle  deu,  prazeruos  ha  de  saberdes 
a  comclusom   que  ouueram  por  ememda  de  seu  fallamento.     E  foy,  que 

A,93,v,2    quamdo  elles  uijram  ao  Iffamte  no  batell,  nembramdosse  *  do  que  lhes  elle    25 
dissera,  acreçemtaram  mujto  mais  sua  trigamça,  comsijramdo  como  todos 
nom  podiam  caber  na  pramcha,  quiseram  arremedar  ho  Iffamte  lamçam- 
dosse  em  huú  batell,  forom  tamtos  jumtamentc,  que  os  nom  pode  soportar, 
e  allagousse  com  elles.   mas  prouue   a  Deos,   que  pêro  alli  fosse  a  agua 
d  altura  de  huúa  lamça  darmas,  e  elles  assy  fossem  todos  armados,  nehuú    3o 
delles  nom   falleçeo.     E  foy  ajmda  mujto  mayor   marauilha,   porque  a 
Duarte  Pereyra,  que  era  huú  daquelles,  cahio  huú  cuyteilo  que  leuaua  do 
Iffamte,  e  nembramdosse   delle   depois  que  foy  fora,  oolhou  comtra  o 
peego  da  agua   e  uio  jazer,   por  quamto  a   agua  he   alli  mujto  clara,  e 
tornou  outra  uez  por  elle,  assy  armado  como  estaua.     Mais  as  cotas  dar-    35 
mas  e  prumoões  de  cada  huú  que  leuauam  aa  sua  maneira,  perderam  alli 

4.  assi  A.  —  8.  requirimento  A.  —  9.  húa  A. —  i3.  colherem  A,  acolherem  1. — 
14.  assi  A. —  17.  desempachar  I,  despachar  A. —  18.  rrazam  A.  —  21.  mães  A. — 
2S.  foram  A.  —  3o.  lança  A  —  assi  A.  —  3).  foi  A.  —  33.  despois  A. 


—  2og  — 

toda  sua  fremosura.  ca  bem  deuees  demtemder  cousas  de  taaes  iauores, 
como  sse  corregeriam  em  semelhamte  lugar.  E  empero  em  alguúa  cousa 
lhes  prestou  aquelle  allagamento,  ca  lhes  deu  ajuda  pêra  soportarem  a 
força  da  quemtura. 


5    Cotiio  o  Iffamte  Duarte  foi  filhar  a  altura  do  Cesto,  e  o  Iffamte  tor- 
nou aa  rrua  dereita.     Capitullo  Lxxi>. 

EM  aquelle  lugar  omde  o  IfFamte  tirou  suas  armas,  aquelles  escudei-    A,Q4,r,  i 
ros  de  que  ja  falíamos,  os  quaaes  sse  per  o  ssoom  das  suas  palla- 
uras  nom  fossem   conhecidos,  camta  por  suas  deuisas  nem  cotas 

10  darmas  pequeno  conhecimento  delles  podia  auer.  e  sse  dizem  que  os 
homeés  numca  melhor  pelleiam,  que  quamdo  sam  acesos  em  sanha, 
aquelles  em  aquella  ora  deueram  de  pelleiar  auamteiadamente,  que  assaz 
de  sanha  hia  com  elles,  assy  polia  primeira  menemcoria,  como  pollo 
segumdo  aqueeçimento,  de  que  elles  nom  leuauam  pequeno  semtido.     E 

i5  o  Iffamte  depois  que  assy  tirou  suas  armas,  ficou  com  huúa  soo  cota,  e 
trigousse  mujto  por  alcamçar  seu  jrmaão,  e  seguio  tamto  ataa  que  chegou 
a  elle  aa  fim  da  primeira  alteza.  E  tornamdosse  dalli  o  Iffamte  Duarte 
em  salltamdo  huúas  paredes,  foy  necessário  de  sse  partirem  cada  huú 
pêra   sua  parte,  porque  o  lifamte  Dom   Hamrrique  pemssou,   que  pois 

20    aquella  alteza   era  filhada,  que  seu  jrmaão  tornasse  pêra  fumdo.   e  com 
tall  emtemçom  tomou  aquelle  caminho.     Mais  o  Iffamte  Duarte  foi  assy 
filhamdo  todallas  altezas,   ataa  que  chegou  aa  fim  da  mayor,  omde  sse 
chamaua  o  Cesto.     E*  nom  cuydees  que  a  passagem  destes  lugares  era    A,94,r,2 
sem  alguíi  trabalho,  que  a  cidade  per  todas  partes  era  chea  de  mouros,  e 

25  nom  podiam  os  homeés  amdar  per  nehuúa  parte,  que  nom  achassem 
alguús.  mais  nom  podia  o  Iffamte  Duarte  emcomtrar  com  tamtos,  que 
nom  deseiasse  ajmda  mujtos  mais.  porque  aquella  uista  auia  mujtos 
dias,  que  elle  deseiaua.  E  mujtas  cousas  se  poderam  dizer  acerca  de 
sua  ardideza,   as  quaaes  comtadas  per  sua  dereita  fegura   em  quallquer 

3o  outro  homem  por  gramde  e  boom  que  fosse,  poderiam  seer  comtadas 
por  gramdes.  mais  o  Iffamte  nom  quis  delias  fazer  gramde  comta, 
porque  era  mujto  aaquem  do  que  elle  deseiaua.  Empero  posto  que 
alguús  boós  homeés  com  elle  fossem,  ca  toda  a  força  da  sua  jemte 
ficaua  ajmda  na  frota,  os  quaaes  depois  ueeram  com  a  sua  bamdeira.  a 

i3.  assi  A.  —  i5.  assi  A  —  com  I,  em  A.  —  17.  Iffante  A.  —  19.  Iffante  A.  —  20.  sseu  A. 
—  21.  assi  A.  —  22.  atee  A.  —  26.  tantos  A.  —  32.  porque  era  A,  por  serem  I.  —  34.  des- 
pois  A. 
37 


2IO  

sua  espada  era  a  primeyra  que  feria  em  quallquer  lugar,  que  sse  açer- 
taua  de  seer  necessário,  assy  como  teemdes  ouuydo,  que  foy  primeira- 
mente filhada  a  praya  e  desi  a  Almina  e  depois  a  cidade.  Porque  todo- 
llos  da  frota  delRey  esperauam  que  ouuessem  de  sahir  per  outra  horde- 
A,94,v,  I  namça,  segumdo  era  hordenado,  nom  estauam  tam  *  prestes,  como  sse  o  b 
caso  ofFereçeo.  Mais  depois  que  uiram,  como  todollos  da  frota  do  Iffamte 
Dom  Hamrrique  sayam  com  tamanha  trigamça,  e  como  depois  que  emtra- 
uam  a  Almina,  nom  tornaua  mais  nehuú.  e  uijam  jsso  meesmo,  como 
os  mouros  que  estauam  no  muro.  corriam  todos  pêra  a  porta,  semtiram 
que  toda  a  força  do  feito  estaua  em  aquelle  lugar.  E  porque  elRey  lo 
amdaua  ajmda  pollos  nauios,  ca  a  frota  era  mu}'  gramde,  e  elle  auia  de 
failar  com  mujtos.  mamdou  o  Iffamte  Dom  Pedro  e  huú  seu  ueedor,  que 
chamauam  Dieguo  Gomçalluez  de  Trauaços,  que  fossem  em  huú  batell 
dizer  ao  Iffamte  Duarte,  se  lhe  parecia  bem  de  filharem  terra,  pois  que  o 
Iffamte  Dom  Hamrrique   seu  jrmaão  ja  era  na  Almina,  e  estaua  açerqua    i5 

B,  U2,v,  I    das  portas,  segumdo  lhe  parecia*  no  sair  da  gente  que  saya  da  sua  frota. 
Mas   quando  Diogo   Gonçaluez  chegou  com  o  rrecado.   como  o   Iffante 

B,  ii2,v,2    Duarte  ja  era  fora.  mandou  elle  Diogo  de  Seabra,   que  *  era  seu  alferez 
que  posesse   a  bandeira  no  seu  batel,  e  mandou  fazer  sinal  com  as  trom- 
betas a  todollos  outros  nauios,  que  se  fezessem  trigosamenie  prestes.     E    20 
estando  pêra   jr  falar   a  elRey   seu   padre,   chegaram   alguús   daquelles 
senhores,   que   vinham  buscar  elRey.   o  qual  se  acertou   logo  de  chegar 
alij  com  entençam  de  dizer  ao  Iffante,  que  saisse  o  mais  trigosamente  que 
podesse,  pêra  filharem  terra  elle  e  todollos  da  frota.     A  bom  tempo,  disse- 
rom  alguús   daquelles  fidalgos,   podemos  nos  ja  jr  pêra  leuarmos  daqui    25 
honrra  nem  nome,  que  nos  muito  preste,  quando  a  cidade  he  ja  entrada. 
E  entam  contaram  a  elRey  o  grande  arroido  que  ouuiam  dentro,   como 
lhe  parecia  que  aas  vezes  ouuiam  o  soom  das  trombetas.     Por  certo, 
disserom  elles,  bem  auenturados  forem  aquelles  que  se  acertaram  de 
seer  em  aquelle  ajuntamento,  ca  de  toda  a  honrra  deste  feito  leuam  elles    3o 
a  milhor  parte.     E  em  esto  chegaram  as  nouas  em  certo,  como  a  cidade 
era  entrada,  e  os  Iffantes  e  conde  de  Barçellos  andauam  dentro  espalha- 

B,  112,  r,  1    dos  cada  hum  por  sua  parte.     Na  sua  *  lediçe  nom  fallo.  ca  posto  que  elle 
na  sua  vontade  teuesse  tamanha  como  era  rrezam.   nam  a  demostrou 
muito  em  sua  contenença.  ca  este  era  seu  geito  em  todallas  cousas  nun-    35 
qua  amostrar  contenença  allegre,  por  grande  bem  auenturança  que  lhe 

2.  assi  A.  —  4.  delRej.  — ^11.  pellos  A.  —  14.  Iffante  A  —  pareceria  C.  —  18.  jaa  B.  — 
21.  estando]  add.  o  Infante  Dom  Pedro,  I.  — 22.  chegar  C,  achegar  A  D.  —  25.  daque- 
les B.  —  26.  quando  B,  pois  I.  —  3o.  elles  leuam  C  —  leuão  B.  —  32.  era]  add.  ja  D.  — 
33.  huú  B  —  sua  lediçe  B,  ledice  delRey  I.  —  34.  não  B.  —  35.  seu]  ho  seu  D. 


211   

viesse,  nem  jsso  mesmo  tristeza  pollo  contrairo.  mas  começou  de  se 
rrijr  contra  os  outros,  quando  soube  a  maneira  que  o  Iffante  Duarte 
teuera  em  se  esconder  delle,  pêra  jr  com  seu  jrmaão  em  aquella  dianteira. 
Parece,  disse  elle,  que  meu  filho  nam  quis  esperar,  porque  entendeo  que 
por  azo  de  minha  velhice  sairia  mais  tarde,  ou  seria  mais  pesado  que  elle 
pêra  saltar,  e  quis  hijr  com  seu  jrmaão,  porque  lhe  sentio  a  vontade  mais 
acesa  que  ha  minha.  Mas  dou  muitas  graças  a  Deos,  porque  lhe  mos- 
trou tam  asinha  a  fim  do  seu  desejo. 


Co7Jio  elRey  e  o  Iffante  Dom  Pedro  com  todollos  outros  daqiiella   B,  ii3,v,2 
10  frota  filharam  terra,  e  como  Gonçallo  Lourenço  de  Gomidefoy  caiia- 
leiro  chegando  aa  porta  da  cidade.     Capitullo  Lxxij. 

NAM  era  pequena  trigança  a  que  tinham  todos  aquelles,  que  estauam 
pêra  sairem  em  terra,  e  sabey  que  enueja  e  cobiça  nam  era  muy 
longe  da   mayor  parte  daquelles,  porque  os   fidalgos   e  gentijs 

i5  homeés  deseiauam  de  seer  na  companhia  daquelles,  que  entraram  primeiro 
na  cidade,  aos  quaaes  parecia  que  o  agradecimento  daquellas  cousas, 
em  que  elles  mais  trabalhassem,  todo  seria  nenhum,  pois  que  elles  nam 
forom  naquella  dianteira,  ca  elles  nam  contauam  nenhuúa  outra  cousa  por 
grande,  senom  aquella  entrada,  que  os  primeiros  fezeram  na  cidade,  e  os 

20    outros  do  pouo  auiam  em  sy  muy  grande  despeito  polia  cobiça,  que  lhe 
em  sy  traziam  da  rriqueza,   a  que  pensauam  que   os  outros  tinham,   e 
deziam  em  suas  vontades,   que  todo  seu  trabalho  fora  despeso  em  vão. 
porque  elles  auiam*  de  ficar  sem  parte  de  tamanha  rriqueza,  como  elles    A,96,r,i 
crijam   que   auia   em   aquella   cidade.     Amigos   deziam   elles,   forom   la 

25  mujto  em  boa  ora  aquestes,  que  uieram  em  companhia  do  Iffamte  Dom 
Hamrrique  na  frota  do  Porto,  ca  toda  a  homrra  e  proueito  desta  demamda 
fica  com  elles.  empero  assv  trabalhamos  nos,  e  despemdemos  como  cada 
huú.  elles  apanharom  ho  ouro  e  a  prata  e  toda  a  outra  rriqueza,  e  nos 
chegaremos  ao  esbulho  dos  almadraques  uelhos   e  das  outras  cousas  de 

3o  semelhamte  uallia.  E  assy  sahiram  todos  cada  huú  como  milhor  podia, 
ataa  que  elRey  chegou  aa  porta  da  cidade,  homde  fez  sua  deteemça,  assy 
por  rrezam   da  perna   que  tijnha   ferida,   como  por  emtemder  que  a  seu 

5-6.  pêra  saltar  que  elle  D.  —  -.  dou  D I,  deu  BC.  —  lo.  Gomide  D I,  Gouue  de  B C. 
12.  estauam]  add.  na  frota  delRey  D.  —  i3.  eram  D.  —  i6.  na]  dentro  na  D  —  o  I,  ao  B, 
ho  CD  —  de  aquellas  B.  —  17.  nenhú  B.  —  20.  lhe]  oní  D.  —  21.  a  que]  que  D  —  tinham] 
add.  cobrada  D.  —  22.  dezvam  B  —  24.  foram  A.  —  27.  assi  A  — come  A.  —  3o.  assi  A. 
—  3i.  assi  A. 


—  212  — 

estado  nom  comuijnha  partir  dalli,  ssenam  ao  combate  do  castello,  uisto 
como  a  cidade  ja  estaua  em  tall  pomto.  E  todoUos  outros  se  espalharam 
polias  partes  da  cidade  .s.  a  bamdeira  do  Iffamte  Duarte  com  todollos 
seus  per  huúa  parte,  e  o  Iftamte  Dom  Pedro  com  sua  gemte  per  outra. 
e  o  comdestabre  e  o  meestre  de  Christo  e  assy  todollos  outros  capitaães  5 
cada  huú  omde  os  a  uemtura  leuaua.  empero  cada  huú  delles  tijnha  assaz 
de  trabalho,   porque  todallas  rruas  ajmda   amdauam  cheas  de  mouros. 

A,96,r, 2  *E  Ruy  de  Sousa,  que  era  sobrinho  do  meestre  de  Christo  e  padre  de 
Gomçallo  Roiz  de  Sousa,  que  foy  capitam  dos  genetes  destes  rregnos, 
queremdo  fazer  auamtagem  leuou  os  mouros  per  huija  rrua,  homde  rre-  lo 
creçeram  tamtos  que  o  çercarom  em  huúa  torre,  homde  oje  em  dia 
chamam  o  postigo  de  Ruy  de  Sousa,  e  alli  ardidamente  se  deffemdeo, 
ataa  que  foy  socorrido.  Nuno  Martijmz  da  Sillueyra,  filho  de  Martim 
Gill  Pestana,  que  foy  da  linhagem  daquelles,  que  primeyramente  fum- 
daram  a  cidade  dEuora,  foy  em  aquelle  dia  bem  conhecido  amtre  i5 
todollos  do  Iffamte  Duarte,  porque  assy  como  lhe  Deos  dera  gram- 
deza  na  forma  do  corpo,  assy  tijnha  espiçiall  força  pêra  soportar  gram- 
des  trabalhos  segumdo  pareçeo  em  aquelle  dia.  ca  fez  tamto  per  ssi,  per 
que  mereçeo  seer  huú  daquelles,  que  o  Iffamte  Duarte  fez  caualleiros  no 
domimgo  seguimte,  e  lhe  fez  depois  mujta  merçee  e  acreçemtamento,  20 
segumdo  em  nossa  estoria  adiamte  será  comtado.  Doutros  mujtos  boós 
poderia  fallar,  se  quisesse  alargar  meu  processo,  mas  leixo  todo  por  me 
chegar  aas  primçipaaes   cousas.     Quamdo  elRey  estaua  asseemtado  aa 

A,96,v,  I    porta  da  cidade,  chegou  alli  Gomçallo  Louremço  de  Gomide  *  seu  escpri- 

uam  da  puridade,  acompanhado  de  quatroçemtos  homeés  todos  de  sua  25 
liuree,  e  a  mayor  parte  delles  de  sua  criaçom.  e  disse  a  elRey.  Senhor 
assy  em  guallardom  do  seruiço  que  uos  tenho  feito,  e  por  acreçemtardes 
em  mym  e  em  minha  homrra,  uos  peço  por  merçee  que  aqui  me  façaaes 
caualleiro.  Da  quall  cousa  elRey  disse,  que  era  muy  ledo.  E  assy  fez 
alli  elRey  Gomçallo  Louremço  caualleyro,  como  dito  he.  3o 


5.  condestabre  A  —  xpõs  A  —  assi  A.  —  7.  todollas  A.  —  8.  xpõs  A.  —  1 3.  martijz  A. 
16.  assi  A.  —  17.  assi  A.  —  17-18.  grandes  A.  —  27  assi  A.  —  28.  mynha  A.  —  29.  caua- 
leyro  A. 


2l3 


Do  gramde  trafego  que  anta  na  cidade,  e  da  maneira  que  os  mouros 
tijnliam  em  seu  defemdimento.     Capiíullo  Lxxvij. 

BEM  podees  comsijrar  quall  seria  o  trabalho  de  huús  e  dos  outros, 
depois  que  a  fazemda  esteuesse  em  tall  estado,  amtre  os  quaaes 
era  huú  arroydo  tam  gramde,  que  mujtos  deziam  ao  depois  que  o 
ouuiam  em  Giballtar.  e  mujtas  cousas  notauees  se  passaram  em  aquelle 
dia  no  rreuolluimeiito  daquelie  feito,  que  forom  bem  dignas  de  memoria, 
se  cheguaram  a  nosso  conhecimento.  Ca  boom  he  de  comssijrar,  que  homde 
era  tamta  boõa  gemte  deseiosa  de  bem  fazer,  que  sse  nom  passariam  cou- 

10    sas  senam  gramdes  e  boõas,  quamto  mais  pareçemdo  o  signal  tam  mani- 
festo, como  era  a  gramde  mortijmdade  dos  mouros,  que  foy*  em  aquelle    A,96,v,2 
dia.     Mas  deuees  de  saber,  que  duas  cousas  ouue  alli,  per  que  a  boom- 
dade   de  todos  nom  foy  tam  perfeitamente  conhecida   como  deuera.     A 
primeira  e   a   primçipall   foy  por  seer  aquella  pelleia  demtro  na  cidade, 

•  3  quamto  mais  ajmda  seemdo  as  rruas  tam  estreitas  como  eram,  cuja 
estreytura  nom  comssemtia  em  ssi  senam  muy  poucos,  ca  sse  aquella 
pelleia  fora  em  campo  ou  em  alguúa  praça  larga,  mujto  mayor  fora  o  seu 
nome.  E  a  segumda  cousa  foy  a  tardamça  que  sse  pos  em  escpreuer 
o  acomteçimento  deste   feito,   porque  como   ja  disse  no  prollogo   desta 

20  estoria,  a  mayor  parte  de  todollos  boõs  eram  ja  finados,  ca  a  outra  gemte 
do  pouoo  nom  trazia  em  aquelle  dia  o  cuydado  senam  em  rroubar,  do  que 
achauam  bem  assaz  pêra  fartar  suas  cobijças.  E  era  este  huii  caso  muy 
perijgoso,  por  quamto  as  casas  tijnham  as  portas  baixas  e  estreitas,  e 
eram  feitas  segumdo  hordenamça  dos  mouros,  e  os  homeês  com  aquelle 

25    açemdimento  da  cobijça  que  traziam,  emtrauam  sem  nehuú  rresguardo,  e 
mujtos  daquelles  mouros  jaziam  em  suas  casas  mostramdo  huúa  desaui- 
sada  perfia,  a  quall  era   a  morte  que  poderam  escusar,  e  a  tomauam  de 
certa  sabedoria  dizemdo  amtre  ssi.     Pois  que  a  *  minha  maa  ucmtura  foi    A,r47.r.  i 
tamta,  per  que  uisse  a  ora  de  tamanho  mall,  aqui  quero  morrer  em  esta 

3o  casa,  em  que  morreram  meus  padres  e  auoos.  E  assy  amdauam  os  mez- 
quinhos  per  meo  daquellas  casas,  em  quamto  nom  chegaua  a  sua  derra- 
deira ora.  e  esguardauam  com  mortall  fememça  na  fremosura  das  cousas 
que  seus  padres  ou  auoos  em  ellas  fezeram.  E  quamto  a  esperamça  era 
mais  certa   da   sua  perdiçam,   tamto  lhe. pareciam  aquellas  cousas  mais 

35    nobres,  porque  o  deseio  naturailmente  he  sempre  da  cousa  que  mais  dcs- 

5.  orroydo  A. —7.  foram  A.  —  9.  boa  gente  A. —  10.  boas  A.  —  32.  esgardauam  A. 

lllMnrrt    A. 


33.  quanto  A 


—   214  — 

falleçe.  e  quamdo  as  assy  oolhauam,  punham  os  olhos  hirtos  em  ellas,  e 
dauam  muy  gramdcs  gimidos  nembramdosse  da  sua  fim.  Aa  samto  pro- 
feta deziam  elles,  e  quall  he  ho  outro,  em  que  nos  tu  as  de  dar  polia  fiell- 
dade  que  guardamos  em  tua  lej',  se  nos  tu  desemparas  na  ora  de  tama- 
nho mester.  E  taaes  hi  auia,  que  nom  auiam  uagar  dacabar  este  pemssa-  5 
mento,  quamdo  ja  semtiam  os  jmmijgos.  com  aquella  lastima  tamanha 
metiamsse  de  trás  das  portas  pêra  matarem  os  jmmijgos,  quamdo  quisessem 
emtrar.  mas  esto  nom  lhes  aproueitaua  mujto,  ca  achauam  os  christaãos 
A,97,r,2    armados,  e  assy  ligeiramente  nom  lhe  podiam  empeeçer.     *E  com  esto 

numca  sse  açertaua  em  semelliamtes  lugares,  que  huú  soo  emtrasse,  que    lo 
loguo  nom  achasse  outros  alguús  açerqua  de  ssi.  e  era  a  magoa  daquelles 
mouros  tamanha,  que  sem  arma  nem  ferro  se  lamçauam  aos  christaãos. 
e  nom  auia  hi  tall  nem  tam  desesperado,  nem  por  gramde  multidom  que 
uisse,  que  nom  mostrasse  sinall  de  deífemssom.  e  ja  jaziam  temdidos  na 
terra,  e  os  spiritos  quasi  fora  dos  corpos,  e  ajmda  mouiam  seus  braços    i5 
pêra  huúa   parte   e   pêra  a  outra,   como  quem  deseiaua   cortar   alguúa 
cousa.     E  alguQs  daquelles  mouros  tomauam  suas  rriquezas,  e  as  allaga- 
uam  nos  poços,  ou  as  soterrauam  nos  camtos  das  suas  casas,  maginamdo 
que  posto  que  por  emtam  perdessem  sua  cidade,  que  a  tornariam  ajmda 
a  rrecobrar,   homde  lhe  aproueitariam  aquellas  cousas,  que   assy  guar-    20 
dauam. 


Como  o  Iffamte  Dom  Hamrriqiie  tornou  aa  mia  dereita,  e  das  cou- 
sas que  allifei.      Capihillo  Lxxviij. 


D 


issEMOs  nos  outros  capitulios,  como  o  Iffamte  Dom  Hamrrique 
presumio  que  seu  jrmaão  era  em  outra  alguúa  parte,  e  porem  «5 
deçeosse  comtra  a  rrua  dereita  pêra  hir  atemtar  a  fortelleza  do 
A,97,v,i  castello.  ca  de  todallas  *  outras  cousas  da  cidade  nom  fazia  ja  nehuúa 
comta,  pollo  uemçimento  em  que  os  mouros  amdauam.  e  menos  era  seu 
deseio  comtemte  de  nehuúa  boõa  dita,  que  naquelle  feito  ouuesse,  nom  por- 
que elle  bem  nom  conhecesse  a  gramdeza  da  uitoria.  mas  por  quamto  3o 
sse  ouuera  com  tam  pequeno  trabalho.  Ca  certo  he  que  aquella  cousa 
he  de  nos  mais  amada  e  prezada,  cujo  senhorio  per  gramde  trabalho 
cobramos,    e  por  tamto  diz  o  filosofo  no  liuro  da  yconomica,   que   os 

I.  assi  A.  —  2.  muj  A  —  gimedos  A  —  lembramdosse  A.  —  3.  e  quall  he  ho  outro, 
em  que  nos  tu  as  de  dar  A,  e  que  he  o  que  nos  has  de  dar  I.  —  9.  assi  A.  —  i5.  spiri- 
tus  A.  —  29.  boa  A.  —  32.  grande  A.  —  33.  tanto  A  —  yconymica  A,  económica  I. 


—  2l5  — 

mancebos  desprezam  as  rriquezas,  porque  as  cobraram  ligeiramente,  e 
por  tamto  naturallmente  som  liberaaes  e  gastadores,  o  que  os  uelhos  ssom 
pollo  comtraiio.  E  porem  fimge  aqui  o  autor,  que  dezia  o  Iftamte  amtre 
ssi  meesmo.    Que  me  prestou  a  mym  seer  o  primeiro  capitam,  que  elRey 

5  meu  senhor  e  padre  mamdou  que  filhasse  terra,  pois  com  tam  pouco 
trabalho  auia  dauer  a  minha  uitoria,  ou  que  gloria  poderey  teer  no  dia 
da  minha  cauallaria,  sse  a  minha  espada  nom  for  molhada  no  samgue 
dos  jmfiees.  E  jmdo  assy  em  este  pemssamento,  chegou  aa  rrua  dereita, 
polia  quall  seguimdo  huíí  pequeno  espaço  chegaram  a  elle  mujtos  chris- 

10    taãos,  os  *  quaaes  segumdo  justa  stimaçom  seriam  ataa  quinhemtos,  que    A,q7,v,2 
uijnham  fogimdo  amte  os  mouros,  e  uemdoos  ho  lífamte  çarrou  a  cara  do 
baçinete,   e   embraçou   huú  escudo  que  trazia,   e  leixou  passar  per   ssi 
todoUos  christaãos,  ataa  que  cheguarom  os  mouros,  os  quaaes  mujto  asinha 
conheçerom  os  seus  goUpes  amtre  todoUos  outros,  ca  assy  os  cometeo 

i5  rrijamente,  que  os  fez  per  força  uirar  as  espadoas.  pêra  homde  amte  tra- 
ziam os  rrostos.  E  os  christaãos  tamto  que  conheceram  o  Iffamte,  cobra- 
rem esforço,  e  fezerom  outra  uez  a  uollta  sobre  os  mouros,  e  começarom  de 
o  seguir,  ataa  que  cheguaram  com  elles  a  huúas  casas,  homde  descarrega- 
uam  as  mercadorias,  que  uijnham  de  fora.  e  ajmda  pousauam  alli  Genoeses, 

20  e  chamauasse  a  aduana,  e  ajmda  sse  agora  chama,  as  quaaes  casas  tijnham 
huúa  porta  barreyrada  daquella  parte  dAlmina.  E  quamdo  alli  chegua- 
ram os  mouros,  ou  por  auerem  outros  de  nouo  em  sua  ajuda,  ou  por  sem- 
tirem  que  os  christaãos  nom  traziam  tamanho  esforço  como  da  primeira, 
uolltaram  outra  uez  os  rrostos  sobrelles.   e  fezeromlhe  uirar  as  costas 

25    com  mujto  mayor  força  *  que  da  primeira,  e  trazemdoos  amte  ssy,  toparom    A, 98,  r,  i 
outra  uez  com  o  Iftamte,  o  quall  aaquelle  tempo  era  de  hidade  de  uijmte  e 
huú  annos.  e  auia  os  nembros  grossos  e  fortes,  e  coraçom  nom  lhe  falle- 
çia  nem  pomto  pêra  lhe  fazer  soportar  os  trabalhos.     E  quamdo  assy  uio 
outra  uez  os  christaãos  desbaratados,  dobrousselhe  a  sanha,  e  salltou  outra 

3o  uez  amtre  elles,  e  tam  fortemente  os  cometeo,  que  os  fez  desborralhar 
pêra  huúa  parte  e  pêra  a  outra,  mas  os  christaãos  traziam  comssigo 
tamanho  temor,  que  a  mayor  parte  delles  passaram  per  o  Iffamte  ssem 
auer  dellc  nehuú  conhecimento,  e  nom  tornaram  mais  atras.  E  os  outros 
que  ficarom,  salltaram  com  o  Iffamte  no  meo  daquella  pressa,  e  rreuoll- 

35  ueram  o  feito  per  tall  guisa,  que  alguús  dos  mouros  cahiram  alli,  e  os 
outros  nom  poderam  soportar   a  fortelleza.  daquelles  gollpes,   e  uolltaram 

5.  mandou  A.  —  7.  sangue  A.  —  8.  assi  A.  —  14.  assi  A  —  i3.  ante  A.  —  ui.  Jenoe- 
ses  A.  —  25.  ante  A.  —  íô.  com]  co  A.  —  28.  assi  A.  —  3o.  desborralhar  A,  esborralhar  I. 
—  34.  com]  CO  A. 


—  2  1  6  — 

as  espadoas,  por  cuja  rrezam  rreçeberam  mujto  mayor  dano.  Mas  ho 
lííamte  nom  os  quis  leixar  assy  como  fezerom  da  primeira,  amte  os  seguio 
leuamdoos  amte  ssi  ataa  que  cheguaram  aa  sombra  dos  muros  do  cas- 
tello.  Mas  aquella  passagem  se  podia  bem  conhecer  per  o  rrastro  dos 
A,98,r,2  mouros,  que  jaziam  mortos  na  rrua.  ca  em  breue  espaço*  tijnham  compa-  5 
nhia  huús  aos  outros.  E  assy  o  deziam  elles  em  seus  braados,  quamdo 
fallauam  aos  deamteyros,  que  sse  aballassem  rrijamente,  ca  os  seus 
paremtes  e  jrmaãos  nom  podiam  soportar  tamanho  dano.  E  esto  era 
porque  aquella  rrua  era  aaquelle  tempo  estreita,  e  os  mouros  eram  muj- 
tos,  e  rrecreçiam  cada  uez  mujtos  mais,  de  guisa  que  os  christaãos  pri-  lo 
meiíos  e  os  mouros  derradeiros  nom  podiam  pelleiar  senom  muy  poucos, 
dos  quaaes  o  deamteiro  foy  sempre  o  lííamte,  cujos  gollpes  eram  bem 
conhecidos  amtre  todollos  outros.  E  assy  forom  os  mouros  rrecolhem- 
dosse  os  que  podiam,  ataa  que  cheguaram  aa  sombra  dos  muros,  homde 
rreçeberam  alguú  acorro,  por  que  sse  ajumtam  alli  três  muros  .s.  o  muro  i5 
do  castello,  e  huíi  muro  de  Barbaçote.  e  o  outro  muro  que  departe  as 
uillas  ambas. 


Como  o  Iffamte  pelleiou  alli  iniiy  gramde  pedaço,  e  como  Fernam 
Chamorro  foy  derribado.      Capitullo  Lxxix. 


K 


LI  amtre  aquelles  muros  pemssaram  os  mouros  de  rrecobrar  suas  zo 
forças,  e  assy  pararam  os  rrostos  dereitamente  comtra  os  jmmijgos, 
atreuemdosse  na  estreitura  do  lugar  e  na  multidom  dos  mouros 
A,98,v,  I  que  *  estauam  sobre  os  muros,  a  quall  cousa  nom  era  sem  rrezam,  que 
elles  cuidassem,  porque  o  lugar  he  assy  aazado,  que  por  poucos  que  em 
cima  esteuessem,  fariam  gramde  dano  nos  outros  de  fumdo,  ou  per  força  ^b 
sse  tornariam  pêra  trás.  e  pêra  ajmda  elles  teerem  mayor  esforço,  uijam  o 
pequeno  numero  dos  christaãos  que  estauam  com  ho  Iffamte,  o  quall  os 
fazia  teer  esperamça  de  sse  uimgarem  alli  do  dano  de  seus  amigos  e 
paremtes.  ca  de  quamtos  primeiramente  abaliaram  com  o  Iffamte,  quamdo 
partio  da  aduana,  nom  eram  alli  com  elle  mais  que  dez  e  sete,  porque  os  3o 
outros  poucos  e  poucos  sse  partiram  cada  huús  pêra  sua  parte,  ca  huús 
riraua  a  cobijça  do  rroubo,  a  outros  a  gramde  sede  que  auiam,  porque 
toda  sua  uiamda  era  sallgada,  e  a  gramde  força  do  soll  secaualhes  as 
humidades  dos  corpos,  e  faziaos  mujto  a  meude  buscar  os  poços,  homde 
sse  nom  podiam  auer  fartos  dagua.  outros  auiam  as  compreissoões  molles    35 

2   assi  A.  —  6.  assi  A.  —  i3.  antre  A  —  assi  A  —  foram  A.  —  21.  assi  A.  —  23.  rra- 
zam  A.  —  29.  com]  co  A. 


217  — 

e  dellicadas,  e  nom  podiam  sosteer  lomgamente  a  força  do  trabalho,  e 
tirauamsse  a  fora.  E  assy  com  aquelles  dez  e  sete  sosteue  o  Iffamte  sua 
peHeia,  melhoria  de  duas  oras  e  mea.  e  em  estes  cometimentos  cahiam 
aas  uezes  aiguijs  daquelles  mouros  em  terra,  e  deram  huQa  *tam  gramde  A,98,v,2 
5  ferida  a  huú  escudeiro  do  IlTamte,  que  sse  chamaua  Fernam  Chamorro,  o 
quall  sem  nehuíi  acordo  cahio  em  terra  temdido,  sem  teer  nehuíía  seme- 
Ihamça  de  uida,  e  os  mouros  se  trigaram  mujto  pêra  o  filhar,  e  o 
Iffamte  e  aquelles  que  com  elle  estauam,  nom  lho  queriam  comssemtir.  e 
sobre  a  deffemssom  e  filhada  daquelle  escudeiro  durou  a  comtemda  muy 

jo  gramde  pedaço,  ataa  que  o  Iffamte  deu  huúa  sahida  gramde,  a  quall  os 
mouros  nom  quiseram  esperar,  e  começamdo  de  sse  rretraer,  forom  assy 
fortemente  seguidos,  que  lhes  comueo  per  força  leixar  toda  aquella  rrua, 
e  meteramsse  per  aquella  porta,  que  uay  pêra  a  outra  uilla,  e  o  Iffamte 
de  uoUta  com  elles.    Mas  daquellas  dez  e  sete  que  primeiramente  o  acom- 

i5  panhauam,  nom  seguiram  mais  de  quatro  .s.  Aluoro  Fernamdez  Mazqua- 
renhas,  que  depois  foy  senhor  de  Carualho,  e  Vaasco  Esteuez  Godinho,  e 
Gomez  Diaz  de  Góes  naturall  dAlamquer.  os  quaaes  todos  três  uiuiam 
com  ho  Iffamte.  e  o  quarto  era  huíj  escudeiro  delRey,  que  sse  chamaua 
Fernam  dAlluarez.  e  por  seer  homem  que  deseiaua  seruir  o  Iffamte,   sse 

20    acertou  alli  com  elle.   e  assy  comtinuou  em  todo  aquellc  feito,  e  bem  he 

uerdade,  que  o  seu  deseio  era  boom  pêra  seruiço  daquelle  senhor.  *mas    A,99,  r,  i 
a  uoomtade  do  Iffamte  nom  foy  menos,  pêra  lhe  ao  diamte  dar  ho  guallar- 
dom.     Dos  outros  nom  digo,  porque  eram  seus,  e  uiuiam  com  elle,   e 
geerallmente  tijnha  maneyra  de  os   comgallardoar.    nom   era  o  seruiço 

25  daquestes  pêra  teer  em  pequeno  stimo.  e  de  dous  destes,  que  eu  conheci, 
posso  dar  certo  testimunho,  que  forom  bem  alloiados  e  paguados  de  seu 
seruiço.  Mas  quem  auia  de  cuydar  que  o  Iff'amte  nem  nehuú  daquelles 
quatro  que  com  elle  forom,  podesse  escapar  daquelle  feito  uiuo.  porque  sobre 
aquella  porta  esta  o  muro,  que  he  grosso  e  forte,   no  quall  estam  duas 

3o  hordeés  dameas,  de  guisa  que  damballas  partes  he  deffemssauell.  e  esta 
ajmda  hi  mais  huúa  torre  com  huúa  abobeda  furada  em  certos  lugares,  e 
daquella  torre  saae  a  segumda  porta  feita  em  uoUta.  e  assy  uaão  per 
amtre  aquelle  muro  e  a  barreira,  ataa  que  cheguam  aa  terceira  porta. 
Ora  que  seria,  ca  os  mouros  que  elles  leixauam  amte  ssi  eram  mujtos,  e 

35  os  muros  esso  meesmo  estauam  cheos,  cujo  cujdado  nom  era  outro  se- 
nom  empeeçer  aaquelles  christaãos,  homde  elles  podiam  chegar  com  suas 

2.  assi  A. —  IO.  grande  A. —  ii.  foram   assi  A.  —  14.  dezasete  A  —  o  I,  om  A. — 
17.  de  Góes  naturall  dalanquer]  na  margem  A.  —  26    foram  A.  —  27  nem  I,  om  A.  — 
28.  foram  A.  —  3 1 .  luguares  A.  —  32.  assi  A  —  35.  cheos]  add  delles  I. 
18 


A,92,r,2  armas,  e  quamdo  semtiram  que  os  jmmijgos  hiam  de  uollta  *  com  os  seus, 
poseromsse  sobre  os  buracos  da  abobeda,  por  tall  que  cora  as  pedras  que 
lamçassem  de  cima,  podessem  empachar  aquella  passagem  aos  christaãos, 
quamdo  quisessem  passar  per  de  furado.  Mas  quis  Deos  que  o  seu  deseio 
nom  ouue  aquella  emxecuçam,  que  elles  com  tara  boõa  uoomtade  quise-  5 
ram.  e  a  despeito  de  toda  sua  força  passou  o  lífamte  aalem  com  aquelles 
mouros  que  leuaua  amte  ssi.  empero  presumem  alguijs,  que  por  os 
christaãos  seerem  tara  poucos  e  os  mouros  tamtos,  rreçeauam  os  de  cima 
de  lhe  lamçarem  as  pedras,  por  nom  empeeçerem  aos  seus  meesmos. 
ca  nom  sabiam,  que  posto  ouuessem  de  teer  sobre  tara  pequeno  numero,  lo 
Assy  forom  aquelles  mouros  todos  empuxados,  ataa  que  passaram  a  ter- 
çe3^ra  porta,  mas  aquella  passagem  nom  foi  sem  gramde  trabalho  dos 
christaãos  e  dano  dos  jmfiees.  ca  parte  delles  jaziam  per  aquelle  caminho, 
cuja  morte  os  outros  de  cima  do  muro  chorauam  com  gramde  semti- 
mento.  Aa  deziam  elles,  foaão,  nomeamdo  per  seu  nome  cada  huú,  i5 
ajmda  oje  o  teu  coraçom  estaua  afastado  de  tamanho  cu3'dado.  Por 
certo  nom  he  este  pequeno  synall,  quamdo  o  poderio  de  çimquo  homeés 

A,99,v,  I  soomente  teue  esforço  e  ardideza  dempuxar  tamanha  multidom*  com 
tamanho  dano  e  estrago  do  seu  samgue.  e  sse  quer  ao  menos  nom  fora 
a  nossa  fortuna  tam  sobramçeira,  e  uiramos  alguú  daquelles  christaãos  20 
jazer  na  companhia  dos  nossos,  porque  uimgados  do  seu  samgue  pode- 
ramos  abramdar  nossa  tristeza.  Bem  parece  que  Mafamede,  o  nosso 
samto  profeta,  quer  pouoar  de  nossas  almas  outra  cidade  no  outro 
mundo.  Ja  daqui  auamte  nom  auera  hi  esforço  nem  comsselho  amtre 
nehuús  dos  nossos  çidadaãos,  pois  que  a  froll  de  nossa  mamçebia  he  par-  zS 
tida  damtre  nos.  Bem  auemturados  sooes  uos  outros,  que  ja  nom  semtijs 
das  cousas  deste  mundo  alguúa  parte,  cujas  almas  por  o  marteiro  de 
uossas  carnes  uiuem  agora  satisfeitas  dos  eternaaes  prazeres,  que  nos 
amtijgamente  forom  prometidos  pollo  uerbo  de  Deos  padre,  que  he  o 
nosso  profeta  Mafamede.  Mas  de  nos  he  dauer  piedade,  que  estamos  3o 
ajmda  uestidos  de  humanall  conhecimento,  e  semtimos  com  tamta  door 
ho  espargimento  de  nosso  samgue.  e  o  que  mais  he,  que  nom  sabemos 
ajmda  quall  será  o  lugar  de  nossa  queeda,  ou  com  quaaes  tormentos 
faremos  fim  de  nossa  uida. 


I.  jmijgos  A—  uolta  A.  —  5.  boa  A.—  11  assi  foram  A. —  14  grande  A. —  22.  Mafa- 
mede] Maffoma  AI.  —  24.  mumdo  A.  —  zí  mancebia  A.  —  26.  dantre  A.  —  29.  foram  A. 
—  32.  sangue  A.  —  33.  luguar  A. 


219  — 

Como  o  Iffamte  ali  esteue  duas  *  oras  avitre  aquelles  muros,  e  das   A,99,v,2 
rre^oôes  que  o  autor  poõe  açerqua  de  sua  Jortelle^a. 
Capitullo  Lxxx. 

POR  comsseguir  a  matéria  da  humanall  fortelleza,  nom  posso  partir 
damte  meus  olhos  a  uirtude  de  huíi  primçipe  simguUar,  que  com 
tamanha  força  e  gramdeza  de  seu  coraçom  arrimcou  tamanha 
multidom  demfiees  fora  da  terra  da  sua  natureza.  Por  certo  eu  nom 
rrecomto  estas  cousas  em  tamanha  gramdeza  como  deuia.  porque  eu 
meesmo  me  espamto,   quamdo  aileuamto  minha  comsijraçom  pêra  com- 

10  templar  na  profumdeza  de  tamanho  feito,  ca  me  nembra  que  lij  nas  obras 
de  Tito  Liuio,  como  aquelle  uallemte  rromaão  Oraçio  Cocres  tem  tama- 
nho nome,  porque  teue  atreuimento  de  pelleiar  com  três  jmmijgos,  cuja 
uirtude  de  fortelleza  Vallerio  Máximo  na  summa  da  estoria  rromaã  amte 
poõe  deamte  os  feitos  de  Romullo,  que  foy  o  primeyro  fumdador  daquella 

i5    cidade.     Ora  que  posso  eu  dizer  da  fortelleza  de  huú  homem,   que  sem 
esperamça   de  nehuúa  companhia,   cometeo  tamtas  uezes  huú   tamanho 
ajumtamento  de  seus  jmmijgos,  derribamdo  amte  os  seus  pees  *  aquelles    A,  ioo,r,  i 
que  com  mayor  atreuimento  de  sua  fortelleza  queriam  esperar  ho  bram- 
dimento   da  sua   espada.     Certamente   eu  creo  segumdo  meu  juizo,  que 

20  sse  as  cousas  mudas  ham  alguú  semtimento,  que  as  portas  daquelles 
muros  estam  ajmda  espamtadas  de  tam  marauilhosa  fortelleza.  Empero 
nom  quero  este  feito  de  todo  atrebuir  aa  sua  força,  porque  comsijro  que 
quis  nosso  Senhor  Deos  trazer  ao  mundo  por  deffemssam  do  seu  samto 
templo,  que  he  a  sua  samta  egreia,   e  por  uimgamça  dos  erros  e  come- 

25  timentos  que  aquelles  jmmijgos  da  ffe  fezeram  per  mujtas  uezes  aos  seus 
fiees  christaãos,  a  este  primçipe,  que  assy  como  seu  caualleiro,  armado 
das  armas  da  samta  cruz,  pelleiasse  no  seu  nome.  E  pêra  prouar 
minha  emtemçom,  ponho  amte  meus  olhos  o  processo  da  sua  uida.  no 
quall  acho  taaes  e  tam  marauilhosas  uirtudes,  que  comsijramdo  em  ellas, 

3o  nom  me  parecem  ssenom  dalguú  homem  trazido  a  este  mundo  pêra 
espelho  de  todollos  uiuos.  as  quanes  uirtudes  a  Deos  prazemdo  eu  com- 
tarey  distimtamente  em  seu  próprio  lugar,  porque  possaaes  uerdadeira- 
mente  conhecer  a  prouaçam  de  minhas  pallauras.  Oo  exçellemte  prim- 
çipe diz  *  o  autor,  froll  da  cauallaria  do  nosso  rregno,  coraçom  e  fortelleza  A,  100,  r, 2 
digna  de  gramde   memoria,   e  quall  outro  posso  eu  louuar  em  superla- 

5.  dante  A.  —  6.  arrincou  A.  —  11.  titolliuio  A.  —  12.  emmijgos  A.  —  22.  consijro  A. 
—  23.  quis]  o  quiz  I  —  mumdo  A.  —  santo  A.  —  26.  assi  A.  —  27.  pelejasse  I,  pelleias- 
seni  A  —  no]  polo  I.  —  28.  ante  A.  —  3o.  sse  nam  A  —  mumdo.  —  32.  cn  A. 


tiuo  graao,  que  ouuesse  a  uerdadeira  fortelleza,  saluo  se  disser  este  he 
outro  Iffamte  Dom  Hamrrique.  Os  mouros  assy  empuxados  per  amtre 
aquelles  muros,  passaram  a  terceira  porta,  que  uaay  pêra  a  uilla  de  fora. 
mas  aiii  uolitaram  eiles  rrijamente,  acordamdosse  que  sse  aquellas  portas 
fossem  fechadas,  que  teeriam  elles  de  todo  perdida  a  esperamça  de  cobra-  5 
rem  jamais  aquella  uilla  primeira,  e  assy  poserom  toda  sua  força  polia 
empachar,  e  o  Iffamte  e  os  outros  que  com  elle  estauam,  tijnham  o  com- 
trairo  daquelle  deseio,  poemdo  toda  dilligemçia  pêra  acabar  de  fechar 
aquellas  portas,  mas  com  todo  seu  trabalho  huú  gramde  pedaço  este- 
ueram  assy,  que  numca  poderam  fechar  mais  de  huúa  porta,  porque  lo 
quamdo  queriam  fechar  a  outra,  loguo  os  mouros  os  cometiam  rrijamente, 
de  guisa  que  lhe  nom  queriam  leixar  husar  do  que  queriam,  mas  daua 
gramde  ajuda  a  deffemssam  dos  christaãos  huíia  parede,  que  estaua  amte 
a  face  daquella  porta,  a  quall  empachaua  os  mouros  per  tall  guisa,  que 
A,ioo,v,i  nom  podiam  alli  pelleiar  senaiamuy*  poucos.  E  tamtoesteueram  naquella  i5 
perfia,  que  cada  huú  daquelles  escudeiros  per  sua  liez  prouou  de  teer 
assy  aquella  porta,  e  nom  a  podia  lomgamente  sofrer  assy  polia  força  do 
trabalho,  como  pollo  nojo  que  lhe  os  mouros  faziam  nas  pernas  com 
azaguayas  que  metiam  por  debaixo.  E  ueemdo  o  Iffamte  como  sua 
estada  alli  nom  aproueitaua,  fez  de  todo  solhar  as  portas,  e  salltou  fora  e  20 
os  outros  com  elle.  e  começou  de  seguir  os  mouros,  os  quaaes  ssem 
nehuúa  mostramça  de  deffemssam  começarom  de  fugir,  que  nom  pare- 
ciam outra  cousa  senam  homeés  que  fogem  dalguú  touro,  quamdo  o 
ssimtem  uijr  depôs  ssi  per  alguúa  rrua.  E  daquella  hida  que  os  mouros 
fezeram,  teue  o  Iffamte  e  os  seus  tempo  pêra  tornarem  a  fechar  sua  porta  25 
segumdo  amte  deseiauam.  e  depois  que  elles  emtrarom  primeiramente 
polia  porta  da  abobeda  ataa  que  sse  tornarom,  passarom  duas  oras. 


Como  todos  pemssauam  que  o  Iffamte  era  morto,  e  como  nehuã  nom 
oiisaua  de  passar  aaquella  porta  com  temor  dos  mouros,  que  estauam 

sobre  os  muros.      Capitullo  Lxxxj.  ^° 


QUEM  poderia  jullgar  que  o  Iffamte  nem  nehuú  daquelles  estaua  em 
tall  *  pomto,  segumdo  os  mujtos  aazos  comtrairos  que  sse  em  ello 
podiam  maginar.   ca  aquella  uilla  de  fora  estaua  toda  chea  de 
mouros   sem  esperamça  de  nehuú  socorro,   e  polias  portas  nom  ousaua 


2.  assi  A. —  6.  assi  A.  —  7.  Iffante  A.  — 9.  grande  A—  i3.  húa  A. —  17.  assi  A  (bis). 
27.  aboboda  A. 


221    

nehuú  de  passar  por  aazo  da  gramde  guarda,  que  os  mouros  de  cima  do 
muro  açerqua  dello  puynliam.  E  assy  com  esta  esperamça  deram  todos 
uoz  que  o  Iffamte  era  morto,  e  todos  pemssauam  que  eIRey  fezesse  por 
ello  mostramça  de  gramde  nojo.  por  cuja  rrazom  nom  ousaua  nehuú  de 
5  lho  dizer,  mas  quamdo  sse  acertou  de  lhe  seer  dito,  rrespomdeo  elle  que 
nom  montaua  mujto,  pois  que  morrera  em  seu  offiçio.  Mais  depois  que 
lhe  comtarom  a  uerdade  do  feito,  ouue  elle  em  sua  uoomtade  muy 
gramde  prazer,  espiçiallmente  porque  aquelle  filho  o  parecia  mais  que 
outro  alguú  nas  feituras  do  corpo.     Pemssaua  elRey  que  sse  o  assy  nom 

IO  parecesse  nas  propiedades  de  demtro,  que  lhe  seria  casy  hui:  doesto 
depois  de  seus  dias.  ca  he  comuii  fallar  amtre  os  homeés,  quamdo  fa- 
liam em  alguú  que  he  ja  finado,  loguo  lhe  buscam  huú  semelhamte,  per 
cuja  proporçam  o  possam  fazer  conhecer  aaquelies  com  que  faliam,  e 
mujto  milhor  sse  faz   ajmda  esto,  quamdo  hi  ha  filho  que  pareça   a  seu 

i5    padre,  ca  loguo  dizem*  que  nom  auia  mais  em  elle,  que  em  aquelle  seu    A,  ioi,r,  i 
filho,   e  por  boom  que   o  padre   seja,   loguo  rreçebe  doesto,  quamdo  ho 
apropiam  com  alguú  tall  filho,  que  per  uemtura  nam  o  parece  nas  uirtudes 
e  custumes.     Mais  por  certo  mais  conhecida  esperamça  leuou  elRey  Dom 
Joham   do  Iftamte  seu  filho,   quamdo  sse  partio  deste  mundo,   espiçiall- 

20  mente  por  aquelle  começo  que  sse  alli  seguio  tam  manifesto,  que  nom 
tam  soomente  elle  que  era  seu  padre,  mais  quallquer  outro  do  pouoo 
follgaua  douuir  semelhamte  cousa.  E  posto  que  o  amor  dos  padres  aos 
filhos  nom  tenha  jguall  comparaçom  amtre  aquellas  cousas,  que  a  natu- 
reza em  este  mundo  jumtou.   empero  o  feito  foy  per  ssi  tam  gramde   e 

25  tam  notauell,  que  amtre  todollos  gramdes  feitos  dos  homeés  deue  seer 
auido  por  marauilhoso.  ca  elle  per  si  soo  acreçemtou  toda  a  gramdeza 
desta  uitoria.  Gramde  padecimento  tijnham  os  mouros  que  estauam  em 
cima  dos  muros,  porque  semtiam  como  o  Iffamte  e  os  outros  tijnham  a 
porta  fechada,  e  nom  lhe  podiam  empeeçer.   e  esto  era  por  rrezam  da 

3o    uollta  do  muro  que  uijnha  sobre  aquella  porta,  homde  elles  estauam   so 
cuja   sombra  rreçebiam   emparo.    Nem  aquella  deteemça  que  o  Iffamte 
alli  fazia,  nom  era  a  outra  fim  senom  pêra  esperar  que  rrecorressem  *  os    A,  ioi,r,2 
seus  pêra  alli.   ca  a  sua   uoomtade  de  todo   era  desposta  pêra   tornar 
outra  uez  a  pelleiar  com  aquelles  mouros,  ataa  que  os  botasse  de  todo 

35  fora.  E  quamdo  uio  que  a  tardamça  era  tamanha,  que  nehuú  dos  seus 
nom  acodia.  disse   a  huú   daquelles  que  com  elle  estauam,  que  os  fosse 

2.  assi  A.  —  9.  assi  A.  —  10.  propiadades  A.  —  i3.  proporaçam  A.  —  i5.  logo  A. 
—  18.  leuou]  leixou  I.  —  19.  mumdo  A.  —  24.  mumdo  A.  —  2i.  grandes  A.  —  28.  Iffante  A. 
29.  rrazam  A.  —  3i.  soombra. 


222  

chamar,  ou  outros  quaaesquer  que  achasse,  per  que  elle  podesse  rreçeber 
ajuda,  mas  cada  huú  per  ssi  lhe  rrespomdeo,  que  o  nom  faria  per  nehuúa 
guisa,  nom  porque  rreçeasse  o  perijgo  de  seu  caminho,  soomente  por 
elle  ficar  alli  tam  desacompanhado,  que  sse  lhe  aiguíja  cousa  rrecre- 
çesse,  que  seria  gramde  mall  nom  seemdo  todos  jumtamente  com  elle.  5 
Mas  será  mujto  milhor  rrespomdeo  o  Iffamte,  que  uaades  toda  uia,  por- 
que per  uossa  hida  acabaremos  nosso  feito,  porque  os  mouros  correm 
pêra  aquella  outra  parte  de  cima.  e  com  atreuimento  do  socorro  que 
teem  em  esta  outra  uilla,  dam  trabalho  aos  nossos,  o  que  nom  fariam  sse 
semtissem,  que  alguíía  gemte  ca  amdaua  amtre  elles.  e  ajmda  pode  seer  lo 
que  cada  huú  de  meus  jrmaãos  sabemdo  parte  deste  feito,  sahira  per 
aquella  porta  e  nos  sahiremos  per  esta.  e  assy  os  poderemos  ligeyramente 
A,  ioi,v,  I  empuxar  fora  da  cidade.  Como  querees  senhor  rrespomderom  *  elles,  que 
nehuú  de  nos  aja  de  filhar  atreuimento  pêra  uos  leixar  aqui.  ca  ajmda 
que  esteuessees  em  huúa  salla  seguro  de  todo  perijguo,  uergonha  aueria-  i5 
mos  de  uos  leixar  seemdo  tam  poucos.  E  breuemente  nehuú  delles 
numca  sse  dalli  quis  partir,  dizemdo  que  pois  que  os  a  uemtura  assy  acer- 
tara, que  mortos  ou  uiuos  apar  delle  os  auiam  dachar. 


Como  Garcia  Monii  filhou  atreuimento  de  passar  aquella  porta  pêra 
hir  buscar  o  Iffamte,  e  das  rre^oões  que  lhe  disse.     Capitullo  Lxxxij. 


C 


|OMO  quer  que  a  doçura  do  gaanho  que  os  homeês  auiam  nos  des- 
pojos daquella  cidade,  trouuesse  suas  uoomtades  allegres,  quamto 
mais  a  uitoria,  que  de  todallas  cousas  omde  a  comtemda  he  tamto 
deseiada.  tamto  que  as  nouas  do  Iffamte  chegaram  aas  suas  orelhas, 
B,  ii9,v,2  mujtos  rrecorreram  *pera  cerca  daquella  porta  peraauerem  çertidam  dello.  25 
B,  i2o,r,  I  e  quanto  o  passo  daquella  porta  era  mais  *  perigoso  tanto  a  çertidam  de 
sua  tristeza  se  acreçentaua  muito  mais  e  preguntauam  huús  aos  outros 
cada  hum  como  vinha  mais  tarde  polias  nouas  que  auiam  do  Iffante.  Nam 
sabemos  deziam  elles  nem  ha  hy  nenhum  que  o  possa  saber,  ca  depois 
que  elle  passou  aquella  porta,  e  quatro  que  forom  com  elle  nunca  3o 
mais  tornou  nenhum,  empero  quaaesquer  nouas  que  ellas  seiam  nam 
podem  ser  senom  muy  tristes  pêra  todos  aquelles  que  o  amauam.  ca 
certo  he  que  toda  aquella  villa  dalém  he  chea  de  mouros,  e  mais  que 
elle  afora  o  grande  prigo   em  que   seria  ao  passar  destas  portas  nom  se 

4.  ficar]  nom  ficar  I.  —  12   assi  A.  —  17.  assi  A.  —  23.  a  uitoria]  com  a  uitoria  A  — 
a  comtenda  A  D,  acontece  I.  —  28.  Ifante  B.  —  29.  despois  B. 


223  — 

auia  de  tcer  que  nom  passasse  aalem.  onde  nom  auia  rremedio  que  o  escu- 
sasse de  morte,  elle  e  aquelles  que  com  elle  passaram,  saluo  se  fora  a 
graça  de  Deos  que  os  quisesse  guardar,  empero  bem  he  de  crer  que  se 
elles  uiuos  forom.  ja  algum  delles  acudira  em  duas  oras  que  rrazoadamente 
pode  auer  que  eiles  daqui  sam  partidos.  E  em  estas  departições  estauam. 
mas  nom  auia  hy  algum  que  ousasse  de  passar  aquella  porta,  porque 
5  poucos  ha  hi  que  se  queiram  poer  em  auentura.  onde  a  morte  conheci- 
damente estaa  aparelhada.  Mas  quando  Garcia  Moniz  que  era  hum 
fidalgo  que  fora  guarda  do  Iffante  quando  era  moço.  chegou  aly  e  lhe 
disserom  o  feito  como*  era  nam  quis  mais  esperar  nenhuúa  cousa,  mas  B,  i2o,r,2 
assy  como  ardido  caualeiro  se  despos  a  todo  prigo.  e  saltou  rrijamente 

IO  polias  portas  dentro  atee  que  chegou  onde  o  Iffante  estaua.  Ha  por 
merçe  disse  elle  porque  meteis  os  vossos  em  tamanlias  desesperações,  ca 
nom  estaa  agora  ali  tal  aquella  porta,  que  nom  tenha  por  fee  que  nunca 
jamais  vos  ha  de  veer.  e  estam  maldizendo  a  sj'  e  a  sua  ventura,  porque 
os  apartou  de  vos.   ca  consiram  o  grande  doesto  que  lhes  poderá   ficar. 

i5  se  se  acertara  de  vos  falecerdes  por  nam  serem  convosco.  Par  Deos 
senhor  vos  querees  cometer  huúas  cousas  e  perdoaime  porque  vollo  digo 
que  sam  aalem  de  toda  ardideza  dos  homeés.  e  ajnda  leixaesvos  aqui 
estar  com  esperança  que  se  ajam  de  vijr  pêra  vos  alguús  dos  outros,  e 
nom  querees  consirar  como  aquelles  muros  estam  cheos  de  mouros,  e 

20  que  acima  desta  porta  esta  outra  per  onde  entram  os  mouros  e  saem 
quantas  vezes  querem.  Ca  nom  cuidees  que  todo  o  cuidado  dos  vossos 
he  em  pelejar  com  os  mouros,  ca  os  mais  delles  tem  mor  cuidado  de 
rroubar  as  casas  que  acham  vazias,  e  vossos  jrmaos  e  todollos  outros 
capitães  andam  espalhados  polia  cidade  cada  huGs  por  sua  parte,  e  antre 

25    tanto  pode  ser  que  sairam  alguús  daquelles  mouros  que  estam  no  castello. 
ou  por  ventura  muitos  que  andam  na  cidade  querendosse  rrecolher  viram 
por  esta  porta.  *e  aueram   por  boa  dita  de  uos  acharem  aqui,  pêra  sse    A,  io2,v,  i 
uimgarem  no  uosso  samgue.    Porem  por  merçee  partiuos  daqui,  e  tornaai- 
uos  pêra   fora,  omde  poderees  fazer  de  uossa  homrra  com  maj^or  segu- 

3o  ramça  de  uossa  uida.  O  Iffamte  conhecia  bem  Garcia  Moniz,  que  era 
homem  sesudo  e  boom  caualleiro,  e  conheçeo  que  o  comsselhaua  muy 
bem.  e  assy  o  pos  logo  em  obra,  e  os  outros  jsso  meesmo  que  lhe  fallaram 
acerca  dello.  e  porem  cometeo  seu  caminho  pêra  sse  tornar,  omde  achou 
ja  estar  Fernam  Chamorro  aleuamtado  com  huiJa  muy  gramde  ferida  no 

35 

1.  pasasse  B.  —  2.  foro  B.  —  3.  gardar  B.  —  6.  muniz  B.  —  7.  garda  B.  —  9.  assi  B 
—  perigo  B.  —  1 3.  e  a  sua  D,  a  sua  A.  —  17.  omês  B.  —  23.  roubar  B.  —  25.  castelo  B. 
26.  querendose  B.  —  27.  uos]  nos  B.  —  32.  assi  B 


224  — 

rrostro.  Nem  cuidees  que  os  que  amte  alli  estauam,  passauam  seu  tempo 
OCIOSOS,  ca  os  mouros  acudiam  alli  a  meude,  e  comtinuadamente  aturauam 
sua  pelleia.  Mas  depois  que  o  lífamte  chegou,  cobraram  elles  em  ssi 
mujto  moor  esforço,  e  cometeramnos  rrijamente,  de  guisa  que  derribaram 
alli  alguGs.  E  estamdo  assy  os  feitos  em  este  pomto,  chegou  hi  Nuno 
Antunez  filho  dAmtam  Vaaz  de  Gooes.  Senhor  disse  elle  ao  Iffamte,  a 
uossa  bamdeyra  e  o  estemdarte  do  Iffamte  Dom  Pedro  uaão  caminho 
daquelia  outra  porta  de  cima,  com  teemçam  de  sse  hirem  per  alli  pêra  a  uilla 
A,  102,  v,2  de  fora,  *  e  os  mouros  ssam  mujtos  açerqua  daquelia  porta,  faço  uollo  saber, 
porque  me  parece  que  he  bem  que  uos  uaades  comtra  lia.  por  tall  que 
os  uossos  rreçebam  esforço  e  ajuda.  O  Iffamte  disse  que  lho  tijnha  mujto 
em  seruiço,  e  assy  emcaminhou  loguo  rrijamente  polia  rrua  acima,  ataa 
que  chegou  omde  os  seus  estauam.  E  certamente  sua  chegada  foi  alli  muy 
proueitosa,  ca  a  força  dos  mouros  era  muy  gramde  sobre  a  emtrada 
daquelia  porta,  os  quaaes  puinliam  toda  sua  dilligemçia  em  deffemder 
a  passagem  aos  christaãos.  e  assy  deram  huija  muy  gramde  pedrada  na 
aste  da  lamça  em  que  estaua  a  bamdeira  do  Iffamte,  que  a  derribaram 
em  terra,  a  quall  mujto  asinha  foy  leuamtada  per  força  daquelle  que  a 
trazia.  E  o  Iff"amte  ueemdo  assy  aquelle  feito,  salltou  mujto  asinha  amtre 
elles.  e  cometeos  de  tall  força  que  lamçou  os  mouros  aalem  das  portas, 
mas  nom  traziam  alli  todos  tall  ardideza  como  elle.  ca  soomente  Garcia 
Moniz  achou  comssigo  na  escuridade  daquellas  abobedas,  que  estauam 
sobre  aquella  porta. 


Como  o  Iffamte  tornou  outra  vei  aaquelle  lugar  domde  amte  par- 
tira, e  como  os  mouros  leixarom  de  todo  o  castello.  ^^ 
CapituUo  Lxxxiij. 


G 


A,  io3,r.  1  *  y^— >.  uTRAuez  sse  tornou  ho  Iffamte  pêra  aquelle  lugar  domde  amte  par- 
tira, per  aquella  rrua  dereita  per  omde  suas  bamdeiras  ueeram. 
nom  que  elle  esteuesse  naquelle  próprio  lugar,  mas  aa  emtrada 
doutra  trauessa  que  he  a  ff"umdo  daquelia,  omde  elle  assy  primeiramente  3^ 
esteuera,  porque  alli  estaua  huQ  gramde  ajumtamento  de  mouros,  com 
que  ajmda  tornou  a  pelleiar.  E  em  esto  lhe  chegou  rrecado  de  seu 
Irmaão  o  Iffamte  Duarte,   que  o  emuiaua  chamar  a  huúa  mezquita  que 

5.  assi  A.  — 6.  Antonez  A.  —  10.  comtra  Ha  A,  contra  la  I.  —  1 1.  Iffante  A  —  disse  I, 
om  A. —  12.  pella  A. —  16.  assi  A.  ^  19.  assi  A.  —  22.  cometeo  os  I. —  24.  luguar  A. 
—  3o.  assi  A. 


225   — 

alli  estaua  açerqua.  omde  depois  fo}'  a  ssee  catedrall.  Dizee  uos  rres- 
pomdeo  elle  aaquelle  messegeiro,  ao  Iffamte  meu  senhor  e  jrmaão,  que 
melhor  seria  se  o  sua  merçee  ouuesse  por  bem,  de  elle  uijnr  pêra  aca  pêra 
arramcarmos  estes  mouros  de  todo  daqui,  que  de  me  eu  partir  agora 
5  pêra  nehuúa  parte,  e  que  esto  lhe  emuio  dizer,  polia  boÕa  uoomtade  que 
lhe  semto  pêra  semeihamtes  feitos,  e  que  sa3'ba  que  como  eu  daqui 
partir,  que  emtemdo  que  nom  ficara  aqui  mais  nehuú.  E  como  quer  que 
alli  mujtos  boõs  esteuessem  com  o  Iffamte,  assy  poUo  gramde  trabalho 
que  ja  tijnham  passado,  como  por  rrazam   da  muy  gramde  callma  que 

10    fora  aquelle  dia,  estauam  ja  muy  anojados,  tomamdo  *  muy  a  meude  follga,    A,  io3,  r,  2 
quamdo  quer  que   auiam   alguú  pequeno   despaço.    e    chegauamsse  ao 
Itfamte  rrequeremdoo  que  leixasse  aquelle  feito,  porque  ao  tempo  que 
sse  o  castello  ouuesse  de  combater,  todos  aquelles  mouros  era  necessário 
que  sse  partissem   dalli.   mas  esto  nom  prestaua  mujto,  ca  tall  deseio 

i5  tijnha  elle,  que  em  quamto  os  alli  semtira,  numca  os  ouuera  de  leixar,  se 
nom  fora  o  mamdado  de  seu  jrmaão,  a  quem  elle  em  todallas  cousas 
guardaua  obediemçia.  Porque  a  fora  aquelle  rrecado  que  assy  primeiro 
ueo,  forom  outros,  aos  quaaes  o  Iffamte  sempre  achou  rreposta,  dizemdo 
que  em  aquelle  dia  nom  era  pêra  leixar  semelhamte  lugar,  nom  tamto 

20  pollo  dano  que  os  mouros  ao  depois  poderiam  fazer,  como  por  lhe  nom 
dar  alguú  aazo,  per  que  lhe  podesse  ficar  nehuúa  esperamça  de  sua  sall- 
uaçam.  E  esto  dezia  o  Iffamte,  pemssamdo  que  aquella  mezquita  era 
mujto  mais  allomguada  domde  elle  estaua.  e  que  jsso  raeesmo  nom  era 
chamado  a  outra  alguúa  fim,  senam  pollo  tirarem  daquelle  trabalho  polia 

25    gramde   comtinuaçam  que  sabiam  que   elle  aquelle  dia  teuera  açerqua 
dello.     Empero   aa  fim  lhe  emuiou  dizer  o  Iffamte  Duarte,   que  uiesse 
todauia  sem  outra  nehuúa  tardamça.  *    Senhor  disse  o  messegeiro,  uosso    A,  io3,v,  1 
jrmaão  uos  emuia  dizer,   que  elle  e  os  outros  uossos  jrmaãos  som  alli 
ajumtados,  omde  teem  comssigo  a  mayor  parte  dos  capitaães  que  ueeram 

3o  em  este  feito,  a  fim  de  fallarem  no  filhamento  do  castello,  pêra  a  quall 
cousa  lhe  uossa  presemça  he  mujto  necessária,  porem  que  uos  emco- 
memda  que  uaades  logo  sem  outro  detijmento.  Ao  que  o  Iffamte  nom 
pos  mais  nehuúa  tardamça.  amte  chamou  logo  aquelles  que  com  elle 
estauam,  dizemdo  que  pois  a  uoomtade  de  seu  jrmaão  era  que  sse  parti- 

35  ssem  dalli,  que  seria  muj^  bem  de  partirem  per  tall  maneira,  que  os  mouros 
nom  semtissem  que  sse  elles  partiam  co.stramgidos.  E  pêra  esto  disse 
elle,  me  parece  que  será  bem  que  uos  uaades  uos  diamte,  e  eu  fiquarey 

2.  aquelle  A.  —  3.  uijr  A.  —  5.  boa  A.  —  8.  assi  A.  —  9  grande  A.  —  18.  foram  A.  — 
22.  dizia  A.  —  3o.  afSm  A.  —  3i.  presença  A.  —  34.  a]  om  A. 
«9 


—  226  — 

detrás,  ou  ficaae  uos  detrás  e  hirey  eu  diamte.  Isso  nom  he  rrezam 
disseram  elles,  que  uos  senhor  ajaaes  de  ficar,  teemdo  aqui  taaes  pessoas 
que  uos  podem  dello  bem  escusar.  E  a  esto  rrespomdeo  o  lífamte,  que 
pois  elles  assy  queriam,  que  teuessem  tall  modo  em  sua  hida,   que  nom 

A,  io3,v,2  mostrassem  a  seus  jmmijgos  que  partiam  costramgidos.  O  que  elles  5 
*  fezeram  pollo  comtrairo.  porque  seguimdo  seu  caminho  assy  o  Iffamte 
oolliou  pêra  detrás,  e  uio  que  os  seus  nom  traziam  aquella  hordenamça 
como  deuiam,  segumdo  o  que  lhes  elie  amte  dissera,  e  tornou  outra 
uez  sobre  os  mouros  que  o  seguiam,  e  os  leuou  amte  ssi  per  aquella 
rrua,  ataa  que  chegaram  aaquelie  lugar  homde  primeyramente  cayo  i© 
Fernam  Chamorro.  Mas  em  aquelle  hida  nom  seguia  nehuú,  nem  os 
mouros  jsso  meesmo  nom  quiseram  tornar  após  elle,  perassamdo  que 
ficauam  todoUos  outros  trás  aquelle  camto  afim  de  os  emganar.  E  assy 
se  tornou  o  Iffamte  seu  passo  e  passo,,  ataa  que  chegou  aa  mezquita 
homde  estauam  seus  jrmaãos.  De  Çalla  bem  Çalla  nom  falley  ataa  aqui,  i5 
da  maneyra  que  teue,  depois  que  lhe  os  mouros  leuaram  aquelias  nouas 
que  ja  teemdes  ouuido.  mas  agora  me  mamdou  elle  rrequerer,  que 
escpreuesse  o  seu  feito  pêra  dar  fim  a  sua  triste  espedida.  Porem  he  de 
saber,  que  depois  que  elle  de  todo  uio  que  a  cidade  era  emtrada,  e  os 
christaãos   per   ella   espalhados,    semtio  que   nom   auia  outro   rremedio    20 

A,  104,  r,  I  senom  perdersse  de  todo,  tomou  certos  daquelles  seus  seruidores  de  que 
sse  mais  fiaua,  e  emtregoulhe  *  suas  molheres  pêra  lhas  poerem  fora  da 
cidade,  mas  elles  com  a  trigamça  e  desacordo  que  tijnham,  nom  sse  nem- 
brauam  senam  de  muy  poucas  cousas  que  leuauam  comssiguo.  E  Çalla 
bem  Çalla  amdaua  amtre  tamto  passeamdo  per  aquelias  casas,  alleuam-  25 
tamdo  mujtas  uezes  os  olhos  comtra  o  çeeo,  e  gememdo  fortemente  como 
quem  tamanha  perda  rreçebia,  ataa  fim  de  todo  que  cauallgou  em  huú 
ginete,  e  sse  foi  fora  da  cidade.  Mas  quall  seria  o  pramto  que  elle  por 
tamanha  perda  fezesse,  boom  será  de  conhecer  a  todos  aquelles  que 
dereito  juizo  teuerem.  mas  tamto  ssey  eu,  que  pêro  seu  nojo  fosse  3o 
gramde,  que  numca  o  mujto  mostrou  em  sua  comtenemça.  ca  elle  era 
homem  fidallguo  e  de  gramde  ssiso  e  autoridade,  e  o  nojo  que  tijnha 
soportauao  amtre  ssy  meesmo. 


4.  assi  A.  —  6.  assi  A.  —  10.  atee  A  —  luguar  A.  —  1 3.  canto  A  —  assi  A.  —  1 5.  atee  A. 
23-24.  lembrauam  A. —  24.  conssiguo  A.  —  25.  antre  A.  —  33.  soportauoo  A. 


227  — 

Como  o  Iffamte  Dom  Hamrrique  chegou  omde  estmiam  seus  jrmaãos, 

e  como  Vaasco  Feniamde{  dAtayde  foy  morto. 

Capitullo  Lxxxiiij. 


F 


AZEMDo  comclusom  de  todollos  aqueeçimentos  do  Iffamte  Dom  Ham- 
rrique, nos  quaaes  foy  a  força  de  todallas  cousas,  que  sse  em  aquelle 
dia  fezeram  que  de  notar  seiam.  nem  *  presuma  alguú  que  eu  nom  A,  to4,r,  2 
puz  tamanha  dilligemçia  em  rrequerer  e  buscar  todollos  aqueeçimentos 
dos  outros  senhores,  e  nom  ajmda  daquelles  primçipaaes,  mas  de  quall- 
quer  outro  do  pouoo  escpreuera  seu  feito,  se  o  achara  em  merecimento, 

>o  ou  o  poderá  saber  per  quallquer  guisa,  conheçemdo  bem  que  a  uoom- 
tade  delRey  meu  senhor  he  perfeitamente  saber  todollos  merecimentos 
de  seus  naturaaes  pêra  homrrar  a  memoria  dos  mortos,  e  remunerar  aos 
uiuos  per  os  trabalhos  de  seus  padres  ou  delles  meesmos.  e  esto  he  porque 
sua  uoomtade  toda  he  posta  em  huúa  jgualleza  de  justiça,  segumdo  no  pro- 

i5  cesso  de  seus  feitos  mais  compridamente  será  achado.  E  de  eu  nom  saber 
tam  perfeitamente  a  uerdadc  das  cousas,  tenho  três  rrazoões  pêra  minha 
escusa  .s.  as  primeiras  duas  que  ja  disse,  huúa  a  estreitura  daquelias  rruas, 
e  a  outra  a  lomgura  do  tempo,  e  a  terceira  o  pouco  cuydado  que  alguús 
queriam  teer  em  me  dizerem  as  cousas  que  sabiam,  e  taaes  rrequeri  eu,  que 

20    pêro  lhes  mostrasse  mamdado  delRey  meu  senhor,  nom  me  faziam  menos 
aguardar  a  sua  porta,  que  sse  per  uemtura  eu  primçipallmente  uiuera 
per  sua  bemfeytoria.   *  outras  uezes  me  dauam  suas  escusas  allegamdo    A,  io4,v,  i 
escusaçoões,   as  quaaes  conhecidamente  eram  mais  por  tomarem  seme- 
Ihamça  destado,   que   por  nehuúa  outra  necessidade.     Em  uerdade  nom 

25  leixarey  de  o  dizer,  quamdo  eu  comssijraua  que  huú  doutor  e  outro  seme- 
Ihamte  me  mostrauam  taaes  mostramças,  rreçebia  por  fadiga  de  hir  mujtas 
uezes  a  sua  casa,  nembramdome  como  aquelle  com  que  uiuo  que  he  meu 
senhor  e  meu  rrey,  oííereçe  suas  orelhas  pêra  ouuyr  meus  rrazoados 
com  menos  cerimonias,  quamdo  semte  que  he   rrazam.   e  perdoarmees 

3o  porque  me  afastey  tamto  da  estoria,  ca  o  fiz  por  me  escusar  dalguúa 
cuUpa,  se  ma  alguém  quiser  poer.  No  rreçebimento  que  o  Iffamte  Duarte 
fez  a  seu  jrmaão,  nom  fallei  alguúa  cousa,  porque  mujtas  uezes  disse  o 
gramde  amor,  que  amtre  elles  auia.  e  jsso  meesmo  como  o  Iflamte  Duarte 
íoy  huij   primçipe  muito  mauioso  e   agasalhador.     Mas  ficame  por  dizer 

35    daquelle    boom   caualleiro   Ayres   Gomçalluez   de   Figueyredo,    de    cuja 

4-5.  hanrrique  A. —  i3.  he  I,  om  A.  —  21.  a]  á  I,  otn  A — prinçipallmente  A. — 
22.  dauam  dauam  A.  —  25.  consijraua  A. — 27.  lembramdome  A.  —  3\.  culpa  A. — 
35.  Gomçalluez  I,  Gomez  A  D. 


—  228  — 

gramdeza  de  hidade  )a  falley.  o  quall  em  aquelle  dia  amdou  sempre  armado, 
e  sse   acertou  alli  com   o  Iffamte,   depois  que  os  mouros  sahiram   polia 

A,  104, V,  2  outra  porta  de  cima,  homde  derribaram  *  a  bamdeira  a  Meem  Rolz,  pelle- 
iamdo  sempre  comtinuadamente  melhor  que  outros  alguús  de  mujto 
menos  hidade.  E  os  outros  dous  escudeiros  Bayoneses,  que  morauam  no  5 
Porto,  acharam  o  Iffamte  no  meo  daquella  rrua,  quamdo  logo  primeyra- 
mente  começaua  de  seguir  per  ella.  Nom  uos  parece  senhor,  disserani 
elles,  que  estamos  agora  melhor  aqui,  que  nas  logeas  do  Porto,  omde  nos 
uossa  merçee  rrequeria  que  ficássemos.  E  em  aquelle  segumdo  cometi- 
mento que  o  Iffamte  fez  aos  mouros,  quamdo  assy  foi  chamado  da  parte  10 
de  seu  jrmaão,  Vaasco  Fernamdez  dAtayde  ouue  nouas  como  seu  senhor 
amdaua  em  aquelle  trabalho,  e  trabalhousse  de  o  hir  buscar,  e  quamdo 
chegou  aaquelle  lugar,  omde  o  Iffamte  esteuera  primeiramente  com  os 
mouros,  que  era  açerqua  da  porta,  lamçaram  os  jmmijgos  de  cima  huúa 
pedra,  a  quall  era  tam  gramde  e  per  tamanha  força  lamçada,  que  tamto  i5 
que  lhe  deu  sobre  a  barreta,  Vaasco  Fernamdez  cayo  morto  em  terra. 
E  este  soo  caualleiro  foy  aquelle,  que  per  seu  samgue  pagou  toda  a 
desauemtura  daquelle  feito,  empero  bem  auemturado  foy  elle,  que  em 
tall  lugar  fez  fim  de  sua  uida.   e  a  sua  alma  soomente  leuou  as  nouas 

A, io5,r, i    ao  outro  mundo*  da  perfeiçam  daquella  uitoria.   e  nom   he  duuida  que    20 
sua  morte  nom  fora  mujto  mais  chorada,  se   fora  per  outra  maneira. 
Gramde  desemfadamento  filharom  todos  aquelles  senhores,  que  estauam 
jumtos  em  aquella  mezquita,  e  assy  todollos  outros  fallamdo  na  boõa  uito- 
ria que  lhe  Deos  dera.  e  cada  huú  comtaua  seu  aqueeçimento  quejamdo 
fora.  mas  sobre  todo  aquelles  escudeiros  que  forom  com  o  Iffamte  tijnham    25 
muy  gramde   gloria   em  comtar  a  sua  parte,  porque  nom  ha  no  mundo 
tamanha  honestidade,  que  nom  seia  tocada  de  doçura  de  gloria,  e  tamto 
he  mayor,  quamto  o  seu  merecimento  he  auido  com  mayores  trabalhos,  o 
quall  certamente  era  assaz  de  gramde  quamto  aaquelles,  ca  foi  achado 
que  depois  que  cheguaram  aaquelle  lugar,  homde  cayo  Fernam  Chamorro,    3o 
ataa  que  o  Iffamte  partio  pêra  a  mezquita,  passaram  çimquo  oras  traba- 
Ihamdo  comtinuadamente.   e  posto  que  nos  em  outras  partes  digamos  o 
numero  do  tempo  mayor  ou  mais  pequeno,  a  uerdade  he  esta.  e  o  ali  sse 
diz  segumdo  o  fallamento  daquelles  que  ememtamos. 


i.  grandeza  A.  —  2.  co  A.  —  8.  logeas  I,  lojas  A.  —  10.  quando  assi  A.  —  11.  detay- 
de  A.  —  1 3.  logar  A.  —  17.  sangue  A.  —  20.  mumdo  A.  —  23.  assi  A  —  boa  A.  —  24.  lhe  I, 
om.  A. — 25.  foram  A  —  co  A. —  26.  mumdo  A.  —  3o.  chegaaram  A.  —  34.  ementa- 
mos A. 


229 

Como  elRey  mamdoii  chamar  ho  Iffamte  Dom  Hamrrique,  e  das 
rraioóes  que  lhe  disse.     Capititllo     Lxxxv. 

MORTO  assy  Vaasco  Fernaindez  como  dito  he,  loguo  os  mouros  come-  A,  io5,  r,2 
çarom  de  desempachar  de  todo  aquella  uilla  primeira,  e  estamdo 
assy  aquelles  senhores,  teueram  seu  comsselho,  e  começarem 
dauiar  as  cousas  que  compriam  pêra  o  combate  do  castello,  determinamdo 
que  por  aquella  noute  nom  fezessem  nehuOa  cousa,  soomente  que  lhe 
fossem  postas  suas  guardas  ataa  ho  outro  dia,  que  o  combatessem  rreall- 
mente.     E  o  Ifíamte  Dom  Hamrrique,  tamto  que  foy  naquella  mezquita, 

>o  por  causa  do  gramde  trabalho  que  tijnha  passado,  lamçousse  allguú  pouco 
a  rrepousar.  e  todo  seu  primçipall  camssaço  era  as  feridas  que  tijnha  nas 
pernas,  de  que  era  alguú  tamto  semtido.  e  em  jazemd©  assy  lhe  chegou 
rrecado  delRey  que  o  emuiaua  chamar,  o  quall  estaua  em  outra  mezquita 
apartada  daquella,  omde  agora  he  ho  moesteyro  de  sam  Jorge.     E  bem 

•  5  deuees  emtemder  e  comssijrar,  que  omde  elle  esteuesse  a  semelhamte 
tempo,  quall  seria  a  companha  que  com  elle  fosse,  ca  dizem  os  dereitos, 
que  testemunho  que  elRey  der,  deue  de  ualler  por  sete.  e  esto  disserom 
porque  aalem  da  sua  uirtude,  segumdo  rrezam  e  dereito  sobre  os  outros 
homeés  teem  exçellemçia.  comssijraram  *  que  elRe}'  nom  poderia  estar  tam    A,  io5,v,  i 

20  desacompanhado,  que  ao  menos  nom  esteuessem  com  elle  seis  mil! 
homeés,  aos  quaaes  departiram  certos  offiçios  segumdo  em  seus  liuros 
estaa  declarado.  Ora  sse  de  necessidade  os  homeés  ham  dacompanhar 
o  rrey,  certo  he  que  com  melhor  uoomtade  se  chegam  a  elle  no  dia  da 
foUgamça  e  lediçe,  que  quamdo  estaa  pollo  comtrairo.  e  nom  ajmda  a  elle, 

25  que  sobre  todollos  outros  homeés  teem  exçellemçia.  mas  ajmda  a  quall- 
quer  outro  do  pouoo  sse  chegam  de  boamente  no  dia  de  sua  lediçe.  como 
ueemos  geerallmente  quamdo  sse  fazem  uodas,  que  aalem  dos  que  pêra 
ello  sam  comuidados  sse  chegam  outros  mujtos.  E  por  tamto  compre 
mais   aos   rrex,  que  ham  daguasalhar  gemte,  amostrarem  sempre  suas 

3o  caras  allegres,  mamdamdo  aas  uezes  fazer  festas  em  sua  casa,  quamdo  o 
tempo  o  rrequere.  ca  diz  o  autor  dos  feitos  delRey  Dom  Joham  de  Cas- 
tella,  que  foy  na  batalha  da  Aljubarrota,  que  huíia  das  cousas  porque 
elle  perdeo  mujtos  fidallgos,  quamdo  uijnha  pêra  este  rregno,  assy  foi  por 
seer  homem  que  sempre  em  sua  comtenemca  mostraua  tristeza.    *  Toda-    A,io5,v,2 

35    lias  pallauras  que  sse  alli  deziam  amte  elRey,  uijnham  a  comclusom  do 

3.  assi  A.  —  4.  desempachar  C,  despachar  A,  despejar  Dl.  —  5.  assi  A.  —  7.  noite  A. 
—  9.  Hanrrique  A.  —  11.  canssaço  A. —  12.  assi  A. —  i5.  semelhante  A.  —  17.  disse- 
ram A.  —  19.  consijrarã  A.  —  32.  daaliubarrota  A.  —  33.  assi  A. 


—  23o 

louuor  da  uitoria.  e  huús  fallauam  no  filhar  da  terra,  outros  de  como  sse 
o  lífamte  Duarte  sahira  escomdidamente  da  gallee  com  deseio  de  seer 
com  os  primeiros,  outros  de  como  a  Deos  prouguera  de  a  uilla  seer  emtrada 
tam  asinha,  outros  fallauam  da  discreçam  do  prioll,  que  amte  doestauam, 
dizemdo  que  soubera  muy  bem  emcaminhar  todo  o  que  lhe  fora  mam-  5 
dado.  Bem  sabia  rrespomdeo  elRej',  o  prioll  o  rrecado  que  me  leuaua. 
e  eu  bem  conheci  quamdo  o  primeiramente  eu  emuiey,  que  sse  elle  uisse 
que  a  cidade  era  desposta  ou  aazada  pêra  a  eu  poder  filhar,  que  o  saberia 
conhecer,  nem  eu  nom  começara  nehuija  cousa  em  este  feito,  sse  me  elle 
o  comtrairo  dissera,  conheçemdo  quem  elle  he.  ca  creo  uerdadeiramente  lo 
que  sse  alguC  homem  per  siso  e  emgenho  ouuesse  de  sobir  ao  çeeo  uiuo 
em  carne,  o  prioll  seria.  Certamente  diz  o  autor,  nom  era  pequena 
homrra  aaquelle  caualleiro  aquellas  pallauras,  que  elRey  assy  dezia  delle 
amte  aquelle  pouoo.   e  sse  nos   amte  dissemos  da  homrra,   que  deuia 

A, io6, r,  I  seer  dada  a  Joham  Aftomsso  ueedor  da  fazemda,  nem  *o  prioll  nom  fica  i5 
deste  feito  em  pequena  parte.  E  tornamdo  aa  nossa  estoria,  amtre 
todallas  cousas  que  alli  fallauam,  primçipallmente  se  dezia  como  Deos 
quisera  por  sua  merçee  em  aquelle  dia  guardar  o  IfFamte  Dom  Hamrri- 
que,  comtamdo  seus  aqueeçimentos  per  a  mais  fremosa  maneira  que  elles 
podiam  dizer,  conheçemdo  que  nom  podiam  em  ello  fallar  tamto,  com  que  20 
a  seu  padre  mais  nom  prouuesse.  ca  doce  cousa  he  a  todollos  homeés 
ouuir  os  louuores  de  quaaesquer  cousas  que  a  elles  perteeçem,  espeçiall- 
mente  dos  filhos,  aalem  dos  quaaes  nom  ha  hi  moor  amor.  E  queremdo 
o  IfFamte  uijr  a  mamdado  de  seu  padre,  achou  que  lhe  furtaram  aquelle 
boom  cuytello,  com  que  elle  em  aquelle  dia  tamtos  e  taaes  gollpes  fezera,  25 
por  cuja  boomdade  ho  Iffamte  ouue  queixume  de  lhe  assy  seer  leuado, 
dizemdo  que  por  nehuúa  cousa  dalli  nom  partiria,  ataa  que  lho  tornassem 
alli.  e  posto  que  alli  esteuessem  mais  de  çimquo  mill  homeés,  tall  dilli- 
gemçia  foi  posta  em  o  buscar,  que  lhe  foy  tornado  aa  sua  maão.  E 
quamdo  o  IfFamte  chegou  homde  elRey  estaua,  foi  delle  rreçebido  com    3o 

A,  ioG,r,2  gramde  prazer.  Meu  filho  disse  elle,  pois  que  a  Deos  *prouue  daruos 
oje  tall  aqueeçimento,  assy  como  elle  foi  auamteiado  de  todollos  outros 
feitos,  assy  praz  a  mym,  que  por  louuor  de  uossa  fortelleza  rreçebaaes 
loguo  aqui  ordem  de  cauallaria.  Senhor  rrespomdeo  o  Iffamte,  posto  que 
meu  merecimento  nom  seia  tamanho,  eu  uos  tenho  mujto  em  merçee  a  35 
boõa  uoomtade  que  teemdes  pêra  acreçemtar  em  minha  homrra.  empero 

3.  de  a  uilla  I,  a  uilla  A.  —  5.  dizendo  A.  — 8.  a  I,  om  A.  —  9.  em  este]  neeste  A, 
neste  I.  —  20.  podiam  I,  podia  A.  —  22.  perteemçem  A.  —  25.  tamto  A,  tantos  I.  —  27.  ne- 
húa  A  —  atee  A.  —  3o.  Iffante  A.  —  32.  assi  A.  —  36.  boa  A, 


—  23l    — 

eu  uos  peço  por  merçee,  que  me  nom  queiraaes  fazer  semelhamte,  senam 
ao  tempo  que  o  fezerdes  a  meus  jrmaãos.  porque  assy  como  nos  Deos 
trouxe  a  este  mundo  huú  amte  o  outro,  assy  me  prazeria  que  nos  a 
homrra  fosse  dada  hordenadamente.  ElRey  disse  que  lho  agradecia 
mujto,  e  que  assy  emcaminharia  que  sse  fezesse. 


Como  Joham  Vaa^  dAlmadaã  foy  poer  a  bamdeira  da  cidade  de 

Lixboa  sobre  as  torres  do  castello,  e  jsso  nieesmo  o  comde  Dom 

Pedro  leuoii  a  bamdeyra  do  Iffamte  aa  torre  de  Fee^. 

Capitullo  Lxxxpj. 

10     T— >y  EPois  que  aquelle  comsselho  assy  foy  feito  açerqua  das  guardas,  que 

I     I     em  aquella  noute   auiam   de  poer  sobre  o  castello,  himdo  assy 

J — -^     aquelles  que  pêra  ello  *  forom  hordenados  seu  caminho,  porque    A,  iod,v,i 

o  tempo  era  ja   açerqua  em  que  comuijnha  de  começarem  seu  trabalho, 

açertousse  de  oolhar  huú  delles  comtra  o  castello,  sobre  o  quall  uio  estar 

i5  huúa  gramde  bamda  de  pardaaes.  Nom  ueedes  disse  elle  comtra  os 
outros,  como  aquelles  pardaaes  alli  estam  assessegados,  que  me  matem 
sse  Çalla  bem  Çalla  com  todoUos  outros  nom  he  partido  daili,  e  leixou 
ho  castello  uazio.  ca  sse  assy  nom  fosse,  nom  estariam  alli  aquelles  pardaaes 
assy  dassessego.     E  todollos  outros  disserom  que  lhes  parecia  seer  assy. 

20  sobre  a  quall  cousa  tornaram  a  elRey,  e  pêra  rreçeber  seu  mamdamento 
açerqua  do  que  auiam  de  fazer,  mas  por  uemtura  nom  seriam  aquelles 
os  pardaaes,  que  o  outro  sonhaua  que  comiam  as  abelhas.  Pois  que  assy 
he,  disse  clRey,  uaão  chamar  Joham  Vaaz  dAlmadaã  que  traz  a  bamdeyra 
de  sam  Viçemte,  e  digamlhe  da  minha  parte  que  a  uaa  loguo  poer  sobre  a 

25    mais  alta  torre.     Joham  Vaaz  foi  loguo  chamado,  e  a  bamdeyra  prestes,  e 
ajumtaramsse  com  ella  peça  daquelles  boõs  homeés,  e  foromsse  caminho 
do  castello.  e  queremdo  quebrar  as  portas  que  estauam  fechadas,  pare- 
ceram sobre  *  os  muros  dous  homeés  que  demtro  estauam.  s.  huú  Bizcai-    A,  io6,v,2 
nho  e  huú  Genoes.     Nom  filhees  trabalho  disseram  elles,  em  quebramtar 

3o  as  portas,  ca  nom  teemdes  nehuú  empacho  em  uossa  emtrada.  ca  os 
mouros  sam  ja  todos  partidos  daqui,  e  soomente  ficamos  nos  ambos,  que 
uos  abriremos  as  portas  quamdo  quiserdes.  Ora  pois  disse  Joham  Vaaz, 
fiihaae   la  essa   bamdeira,   e  pomdea  sobre  esse  muro  ataa  que  nos  uaa- 

2.  assi  A.  —  3.  assi  A.  —  5.  assi  A.  —  8.  ffeez  A. —  10.  assi  A. —  11.  assi  A. — 
12.  foram  A. —  18.  assi  A.  —  19.  assi  A  —  disseram  A.  —  22.  assi  A.  —  23.  uaáo  A. — 
24.  logo  A.  —  25.  logo  A.  —  26.  foramsse  A.  —  28.  dentro  A. 


232  — 

mos.  Aiguús  disseram  aqui  queremdo  fazer  este  caso  mayor,  que  aquelle 
Genoes  com  outros  aiguús  que  demtro  estauam,  quiseram  mostrar  sinall 
de  deíTemssam.  e  que  elRey  mamdara  sobre  elles  certa  gemte  darmas  e 
beestaria,  e  que  per  força  de  combate  sse  filhara  o  castello,  a  quall  cousa 
uerdadcyramente  achamos  que  nom  foy  assy.  E  tamto  que  o  castello  5 
foi  aberto,  foi  demtro  o  Iffamte  Duarte  e  o  Iffamte  Dom  Pedro  e  o  comde 
de  Barçellos,  e  assy  outros  senhores  e  fidallgos.  ca  o  Iffamte  Dom  Ham- 
rrique  estaua  com  elRey.  e  amdamdo  assy  proueemdo  todallas  cousas  que 
auia  em  aquella  fortelleza,  deram  mujtas  graças  ao  seu  Senhor  Deos,  que 
por  semelhamte  maneira  os  posera  em  posse   de  todo.     E  he   pêra  rrijr    lo 

A,  io7,r,i  do  que  alli  acomteçeo  a  huij  escudeiro  do  meestre  de  *Christo,  ca  omde 
os  outros  amdauam  apanhamdo  ouro  e  prata  e  outras  cousas  de  gramde 
uallia,  elle  sse  foi  ocupar  com  huú  gauiam  terçoo,  que  trazia  na  maão  que 
achara  naquelle  castello.  e  tam  comtemte  amdaua  daquelle  boom  acha- 
dego,  que  nom  tijnha  lembramça  doutro  nehuú  gaanho  nem  proueito,  e  i5 
jstimamdo  seu  presemte  naquelle  preço  que  o  elle  tijnha,  foi  fazer  ser- 
uiço  delle  ao  Iffamte.  Mas  eu  nom  ssei  se  o  agradecimento  de  seme- 
lhamte dadiua  seria  tamanho,  como  a  perda  do  proueito  que  elle  poderá 
auer  carregamdosse  daquellas  cousas  que  assaz  auia  no  castello.  Muitos 
se  começaram  alli  dapousemtar  com  teemçam  de  seer  companheiros  de  20 
Joham  Vaaz.  mas  elRey  nom  o  quis  comssemtir,  e  mamdou  la  o  Iffamte 
Dom  Hamrrique  que  os  fezesse  todos  sair  fora,  e  que  a  posse  do  cas- 
tello leixasse  soomente  a  Joham  Vaaz  e  aos  seus.  E  segumdo  aprem- 
demos  melhor  emcomtro  achou  elle  alli,  que  o  gauiam  terçoo  do  escu- 
deiro do  meestre.  ca  a  melhor  parte  das  mais  e  melhores  cousas  que  25 
tijnha  Çalla  bem  Çalla,  e  todoUos  outros  que  com  elle  estauam  naquelle 
castello,  ouue  Joham  Vaaz.  as  quaaes  eram  nelle  muy  bem  empregadas, 

A,  i07,r,  2  *  que  era  nobre  caualleiro,  e  trabalhou  sempre  em  sua  uida  por  acreçem- 
tar  em  sua  homrra  com  mujtos  seruiços,  que  fez  a  elRey  e  ao  rregno. 
Como  o  castello  foi  assy  desempachado  como  dito  he,  mamdou  logo  o  3o 
Iffamte  Duarte  ao  comde  Dom  Pedro  de  Meneses  que  era  seu  alferez,  que 
leuasse  a  sua  bamdeira  aa  outra  uilla  de  fora,  e  que  a  posesse  sobre  a  torre 
de  Feez.  Mas  esto  nom  era  assy  ligeiro  de  fazer,  porque  os  mouros  nom 
podiam  assy  leixar  de  boamente  a  posse  de  sua  cidade,  ca  mujtos  delles 
determinauam  amte  fazer  alli  fim  de  suas  uidas,  que  de  emsayar  as  35 
cousas  que  auiam  de  uijr,   e  nom  ssem  rrazam,  ca  nom  soomente  ao? 

2.  Janoes  A.  —  5.  assi  A.  —  6.  Iffante  (2.°)  A.  —  7.  assi  A.  —  8.  assi  A.  —  11.  aconte- 
çeo  A — xpõs  A. —  14.  andaua  A. —  19.  carregandosse  A.  — 21.  Iffante  A.  —  26.  daquelle  A, 
naquelle  I.  —  29.  rreyno  A.  —  3o.  desempachado  C,  despachado  A,  desparado  D,  desem- 
parado  I.  —  33.  ffeez  A  —  assi  A.  —  34.  assi  A. 


—  233  — 

homeés  em  que  ha  uerdadeiro  conhecimento,  mas  ajmda  aas  brutas  ani- 
malias  he  naturall  cousa  mostrarem  semtimento,  quamdo  ssam  tiradas  do 
seu,  segumdo  diz  o  filiosofo  no  liuro  de  proprietatibus  rrerum.  E  assy 
ouue  alli  huúa  escaramuça  aa  saida  daquella  porta,  que  sse  agora  chama 
5  de  Fernamdo  Affomsso,  na  quall  mataram  huú  alferez  de  Dom  Hamrrique 
de  Loronha.  empero  esto  prestou  pouco  aos  mouros,  porque  a  bamdeira 
era  acompanhada  de  muy  nobres  pessoas,  ca  era  aili  o  dito  Dom  Hamrri- 
que e  Dom  Joham  seu  jrmaão.  e  Pêro  Vaaz  dAlmadaã.  *e  Aluoro  Meem-  A,  io7,v,  i 
dez  Cerueyra.  e  Meemdo  Affomsso  seu  jrmaão.  e  Aluoro  Nogueyra.  e  Nuno 

10  Martijmz  da  Sillueyra.  e  Vaasco  Martijmz  do  Carualhall.  e  o  gram  baram 
dAlemanha.  o  quall  em  aquelle  dia  prouou  como  uallemte  caualleiro, 
ca  assy  fezeram  a  moor  parte  de  todollos  gemtijs  homeês  que  com  elle 
uijnham.  e  Nuno  Vaaz  de  Castell  Bramco.  e  çimquo  jrmaãos  seus  que 
alii  uijnham.    e  Diego  Fernamdez  dAlmeyda.    e   outros  mujtos  e  boõs 

i5  fidailgos,  cujos  nomes  nom  podemos  perfeitamente  saber.  E  assy  forom 
todos  jumtamente  poer  aquella  bamde3Ta  sobre  a  torre  de  Feez,  e  a 
guardaram  aquella  noute.  E  Dom  Fernamdo  de  Castro  e  Dom  Joham 
seu  jrmajio  acompanhados  doutros  mujtos,  sahiram  polia  outra  porta  de 
cima,   escaramuçamdo  com  os  mouros,  ataa  que  os  lamçaram  fora  polia 

20    outra  porta,  que  sse  ora  chama  dAluoro  Meemdez. 


Como  ho  autor  declara  o  tempo  em  que  a  cidade  foy  tomada,  e 

quaaes  eram  os  trabalhos  dos  homeês  naquella  noute. 

Capítullo  Lxxxvij. 


V 


-iJMTE  e  huú  dias  eram  do  mes  dagosto,  quamdo  amdaua  a  era  dAdam 
25  \/  *  que  he  o  anno  do  mundo,  em  cimquo  mill  e  cemto  e  seteemta  e  A,  io7,v,2 
seis  annos  abraycos.  e  a  era  do  diluuio,  em  quatro  mill  e  qui- 
nhemtos  e  xvij  annos  rromaSos.  e  a  era  de  Nabucodonosor,  em  dous 
mill  e  çemto  e  sesseemta  e  dous.  e  a  era  de  Phillipe  o  gram  rrey  de 
Grécia,  em  mill  e  seteçemtos  e  xxviij  annos.  e  a  era  dAllexamdre  o 
3o  gram  rrey  de  Macedónia,  em  mill  e  seteçemtos  e  xxvj.  e  a  era  de  César 
emperador  de  Roma,  em  mill  e  quatroçemtos  e  çimquoemta  e  três.  e  a 
era  de  nosso  Senhor  Jesu  Christo,  em  mill  e  quatroçemtos  e  xv.  e  a  era  dAcy- 
mos  ho  Egiçiaão,  em  noueçemtos  e  seteemta  e  huú.  e  a  era  dos  Alarues,  em 

I.  ajnda  A.  —  3.  assi  A.- — 5.  fernamdafonsso  A. — 9.  meemdafonso  A. —  10.  miz 
(bis)  A. —  i5.  assi  foram  A. —  16.  ffeez  A.  —  24.  Vjimte  A.  —  2  5.  mumdo  A.  —  28.  mill] 
om.  A  —  seseemta  A  —  de  (1°)  I,  do  A  —  phillipo  A. —  32.  Jhú  xpõ  A.  —  32-33.  dacy- 
mos  A.  de  Alimus  I. 
3o 


—  234  — 

seteçemtos  e  nouemta  e  três,  segumdo  os  seus  annos,  ca  os  outros  annos 
todos  ssam  rromaãos.  e  a  era  dos  Persianos,  em  seteçemtos  e  oiteemta 
e  três.  e  a  era  do  rreynado  delRey  Dom  Afíomsso,  que  foy  o  primeiro 
rrey  de  Portugal!,  em  trezemtos  e  xiij.  e  o  anrio  do  rreynado  deste  rrey 
Dom  Joham,  em  xxxij  annos  dos  annos  sollares,  quamdo  estaua  o  soll  em  5 
seis  graaos  do  syno  de  Virgo,  e  a  luiJa  sobre  o  primeiro  quarto  do  seu 
creçimento,  no  primeiro  graao  dos  dous  gémeos,  que  ssam  Pollos  e  Cas- 

A,  io8,r,  I      tor  filiios  de  Leda.  ja  passauam  *  de  sete  oras  e  mea  depois  de  meo  dia, 
quamdo  a  cidade  foy  de  todo  liure  dos  mouros.     E  os  nossos  assy  como 
amdauam  muy  camssados  por  rrazam  do  trabalho,  e  assy  por  a  força  da    lo 
queemtura  que  passaram,   começaram  de  sse  apousemtar  aquelles  que 
ajmda  nom  eram  apousemtados.  ca  mujtos  auia  hi,  que  depois  que  huúa  uez 
eratraram  na  casa,  alli  aguardauam  a  uijmda  da  noute.  outros  tomaram 
as  esperamças  tam  largas,  que  nom  sse  comtemtaram  do  primeiro  acha- 
dego,  e  aa  derradeyra  ficaram  sem  nehuúa  cousa.     E  depois  que  a  noute    i5 
de  todo  foy  çarrada,  tamanho   foy  o  menos  preço  em  que  teueram  os 
mouros,  polia  uitoria  que  tam  ligeyramente  cobraram,  que  nom  teueram 
cuydado  de  poer  nehuúa  guarda  sobre  a  cidade,  soomente  quamto  teue- 
ram acordo  de  fecharem  as  portas.     Como  quer  que  segumdo  meu  juízo, 
as  guardas  nom  eram  mujto  necessárias  por  aquelle  presemte,  porque  a    20 
cidade   polia  mayor  parte  he  cercada  dagua,   omde  tijnha  assaz  segu- 
ramça.  e  aquelle  pequeno  spaço  que  ficaua  da  parte  do  sertaão,  nom 

A,  io8,r,2      lhe  compria  milhor  guarda,  que  a  gemte  do  Iffamte  que  *  estaua  sobre  a 
porta  de  Feez.  e  outra  mujta  que  jsso  meesmo  estaua  aa  porta  dAluoro 
Meemdez.  e  as  outras  companhas,  que  jaziam  polia  cidade,  nom  tijnham    2b 
mayor  cuydado  doutra  cousa,  que  de  apanharem  o  esbulho.     E  quamto 
mais  o  tempo  sse  afastaua  do  primeiro  começo,  tamto  o  fogo  da  sua 
cobijça  era  mujto  mais  aceso,   ca  emtam  começauam  de  sse   arrepem- 
der  do  dano  que  fezeram  em  mujtas  cousas,  de  que  sse  depois  poderam 
aproueitar.     Ca  logo   no  primeiro   começo,  nom   esguardamdo   nehuúa    3o 
cousa,  fezeram  tamanho  dano   em  mujtas  cousas  de  gramde  uallia,  cuja 
cobijça   lhes   ao  depois  trazia  gramde   arrepemdimento.   porque   mujtos 
que  sse  acertaram   primeiramente  naquellas  logeas  dos  mercadores  que 
estauam  na  rrua  dereita,  assy  como  emtrauam  polias  portas,  sem  nehuúa 
temperamça  nem  rreguardo,  dauam  com  suas  fachas  nos  sacos  das   spe-    35 
ciarias,   e  esfarrapauamnos  todos,   de  guisa  que  todo  lamçauam  per  o 
chaão.     E  bem  era   pêra  auer  doo  de  semelhamte  estrago,  quall  alli  foi 

5.  em  (i.°)  I,  om.  A.  —  8.  lleda  A.  —  9.  assi  A.  —  12.  ajmda  A  —  pousentados  A.  — 
i5.  noite  A.  —  24.  ffeez  A.  — 25.  que  I,  om.  A.—  33.  logeas  I,  leias  A.  —  34.  assi  A. 


—  235  — 

feito  naquelle  dia.  ca  as  speçiarias  eram  mujtas  e  de  grosso  uallor.  e 
as  rruas  nom  menos  jaziam  cheas  delias,  do*  que  poderiam  jazer  de  jum-  A,io8,v, i 
quo  nos  dias  das  gramdes  festas,  as  quaaes  depois  que  forom  acouça- 
das  dos  pees  da  multidam  das  gemtes,  que  per  cima  delias  passauam. 
5  e  desi  com  o  feruor  do  soU  que  era  gramde,  dauam  depois  de  ssi  muy 
gramde  odor.  Mas  porque  aquelle  dano  sem  proueito  lhe  podesse  logo 
emprouiso  trazer  arrepemdimemto,  a  cobijça  daquella  perda  os  soiugaua 
ao  depois  de  amdarem  polias  rruas  apanhamdo  os  pedaços  de  canella  e 
graãos  da  pimenta,  menos  preçamdo  todo  trabalho  e  fadiga  que  lhe  sobre 

IO  ello  uijnha.  Ca  em  treze  dias  que  elRey  alli  depois  esteue,  numca  as  rruas 
era  desacompanhadas  daqueilas  gemtes  de  pouco  uallor,  emtamto  que  nom 
podiam  os  homeés  passar  liuremente  que  nom  fossem  empachados  daquella 
multidam.  Buçetas  de  coraseruas  e  jarras  de  mell  e  mamteiga  e  arrobe  e 
azeite  eram  alli  tamtas  estroidns,   que  nom  faziam  menos  emxurro  polia 

i5  rrua,  que  sse  fossem  alguús  canos  dagua  quamdo  choue.  a  quall  perda 
era  mujto  chorada  dalguús  daquelles  de  uill  geeraçam.  ca  os  boõs  e 
nobres  nom  puynham  seu  cuydado  em  semelhamtes  cousas.  Mamtij- 
mentos  ouueram  alli  assaz,  assy  dos  que  achauam  nas  casas  como  outros 
que  faziam  uijr  da  frota,  *  espiçiallmente  o  uinho,  que  em  semelhamte  tempo    A,  io5>,v,2 

20  era  tam  deseiado,  que  este  era  huú  liquor  de  que  nas  casas  dos  mouros 
auia  pequena  camtidade,  ajmda  que  aaquelles  que  sse  acerta  de  o  beuer 
lhe  prazerá  mujto  do  boÕ,  etc. 


Como  os  christaãos  em  aquella  noitte  trariam  amtrc  ssy  desiiayra- 
das  ocupaçoôes.     Capititllo  Lxxxviij. 


Tc 


25  r  g  ^oDA  ocupaçam  dos  mais  daquelles  era  deleitosa,  ca  posto  que  todo 
aquelle  dia  fossem  trabalhados,  e  o  espaço  da  noute  fosse  tam 
pequeno,  nom  auia  hi  tam  preguiçoso  que  sse  comtemtasse  de  a 
toda  dormir,  ca  huús  se  ocupauam  de  fazer  trouxas  daqueilas  cousas 
que  apanharam,   outros  estauam  jguallamdo  suas  partilhas  com  aquelles 

3o  que  primeyramente  traziam  comserua.  outros  amdauam  cauamdo  as 
casas.,  omde  achauam  a  terra  mouediça,  e  faziam  nellas  muy  gramdes 
fo3'os,  pemssamdo  dacharem  alguúas  rriquezas  soterradas,  e  por  huú 
pouco  que  achauam,  desfaziam  gramdes  alliçeçes,  pemssamdo  dacharem 
mais.   outros   temtauam   as  alturas  das  aguas   que  jaziam   nos   poços,   e 

3,  foram  A.  —  S.  ile  canella  \,om  A.  —  11.  gemes  A.  —  i3.  manteiga  A.  —  23.  noite  A. 
—  26.  noite  A.  —  28  acupauam  A. 


—  236  — 

metiamsse  neellas,  apallpamdo  com  os  pees  pêra  ueer  se  poderiam  ajmda 
A,  io9,r,  I  achar  alguúas  rriquezas  *  sobre  aquellas  que  ja  tijnham.  e  por  dizer  uer- 
dade,  que  em  mujtos  nom  eram  seus  trabalhos  em  uaão,  que  sse  acha- 
uam  mujtas  cousas  em  elles  de  grossa  ualUa.  E  os  que  mayor  efficaçia 
traziam  em  estes  trabalhos,  assy  eram  as  gemtes  do  pouoo,  speçiallmente  5 
os  que  eram  casados,  aos  quaaes  nom  podia  parecer  cousa  sobeia  por 
rrefeçe  que  fosse,  se  elles  auiam  lugar  pêra  a  trazer.  Oo  como  a  uem- 
tura  muda  suas  cousas  como  lhe  praz,  e  acreçemta  e  mimgua  segumdo 
seu  querer,  ca  tall  auia  amtre  aquelles,  que  em  este  rregno  nom  tijnha 
huúa  choça,  e  alli  açertaua  por  pousada  gramdes  casas  ladrilhadas  com  ,0 
tigellos  uidrados  de  desuayradas  coores.  e  os  teitos  forrados  doUiuell 
com  fremosas  açoteas  çerquadas  de  mármores  muy  aluos  e  pollidos.  e 
as  camas  bramdas  e  molles  e  com  rroupas  de  desuairados  lauores,  como 
ueedes  que  geerallmente  sam  as  obras  dos  mouros.  E  em  forte  ora 
deziam  elles,  aquelles  pelleiassem  sobre  tamto  uiço,  pêra  nos  outros  mez-  ,5 
quinhos,  que  amdamos  no  nosso  Portugall  pollos  campos  colhemdo  nossas 
messes,  afadigados  com  a  força  do  tempo,  e  aa  derradeira  nom  teemos 
A,io9,r,2  outro  rrepouso,  senam  proues  casas,  que  em  comparaçam  *  destas  querem 
parecer  choças  de  porcos.  Os  nobres  homeés  tijnham  o  primeiro  açer- 
tamento  ja  comtcmtes,  e  nom  curauam  doutra  cousa,  senam  despemder  20 
o  tempo  que  lhes  o  sono  nom  ocupaua  os  semtidos,  em  rrecomtar  a 
gramdeza  daquella  uitoria.  e  huijs  louuauam  os  goUpes  que  acertaram 
de  ueer  a  seus  amigos,  ou  os  aqueeçimentos  que  ouueram.  outros  cull- 
pauam  alguii  estoruo  se  lhe  aqueeçera,  per  que  perderam  alguú  gollpe 
que  poderam  fazer,  outros  estimauam  a  multidam  dos  mortos  quamtos  25 
seriam,  sobre  cujo  numero  eram  desuayradas  openioões,  nom  com  pequena 
gloria  da  desauemtura  de  seus  jmmijgos.  Mas  sobre  todallas  cousas  se 
fallaua  nos  feitos  que  o  Iffamte  Dom  Hamrrique  fezera,  que  todo  ho  ali 
estimauam  por  pequena  cousa.  Outros  tijnham  cuydado  de  rrecadarem 
os  prisoneiros,  sobre  cuja  guarda  sse  puynha  gramde  delligemçia,  huús  3o 
leuamdo  aas  gallees,  outros  metemdo  em  taaes  prisoões,  per  que  teuessem 
delies  seguramça.  Muytos  tijnham  cuydado  de  quererem  escoUdrinhar 
per  quall  parte  se  aazara  mais  certamente  aquella  uitoria.  e  huús  eram 
que  a  atribuhiam  de  todo  a  Deos,  os  quaaes  amtre  todollos  outros  falla- 
A,  109,  V,  I  uam  *  mais  uerdadeiramente,  dizemdo  que  todallas  hordenamças  prestaram  35 
pouco,  sse  os  mouros  teueram  auisamento  de  fecharem  suas  portas  e  nom 
quiseram  sayr  fora.  ca  per  pouco  tempo  que  sse  teueram  deffemdemdo 
sua  cidade,  nom  poderá  seer  que  lhe  em  breue  tempo  nom  uiera  gramde 

I.  apalparado  A.  —  5.  assi  A.  —  7.  logar  A.  —  23.  culpauam  A. 


—  237  — 

socorro  de  seus  uezinhos  e  paremtes.  Outros  deziam  que  aquello'nom 
prestaua.  ca  posto  que  elles  fecharom  as  portas,  nom  teueram  uiamda, 
nem  lhe  poderá  uijr  tam  asinha  de  fora,  segumdo  seu  gramde  desperçc- 
bimento.  Como  poderá  seer  deziam  aquelles,  que  os  mouros  deftemde- 
5  ram  a  cidade,  posto  que  fecharam  as  portas,  ca  eIRey  tijnha  ordenado 
de  poer  seu  arra3'all  na  Almina,  homde  os  mouros  forom  assy  combatidos 
per  força  de  seus  jmmijgos.  e  com  a  multidam  da  sua  gemte  que  numca 
sse  escusara,  que  em  breue  tempo  nom  sobirom  os  homeês  per  cima  de 
seus   muros,    e   posto  que   os  da   cidade   teueram   mamtijmentos,   nom 

10    poderam  seer  tamtos,  que  podessem  abastar  tamanha  multidom  de  mou- 
ros,  como  era  na   cidade,   porque  aalem  dos  moradores  delia,  eram  hi 
outros  mujtos*  de  fora,   que  ficaram  alli  da  primeyra  uez  que  os  nauios    A,  iog,v,2 
forom  a  Barbaçote,  leixamdo  os  outros  que  Çaila  bem  Çalla  nom  quis  rre- 
çeber  na  uilla,  que  estauam   fora.   os  quaaes  era  necessário  que  rrece- 

i5  besse,  quamdo  uisse  que  de  todo  queriam  combater  a  cidade.  Ora  uos 
caliaae,  deziam  outros  aaquelles.  ca  depois  de  Deos  nom  tem  hi  nehuúa 
cousa  tamanho  louuor,  como  o  nobre  comsseiho  que  elRey  teue.  ca  sse 
os  mouros  teueram  auisamento,  ajmda  que  mais  nom  fora  que  de  huú 
mes,  numca  sse  a  cidade  cobrara,   que  sse  primeiro  nom  gastara   todo 

2o  Portugall  pedaço  e  pedaço.  E  assy  em  estes  feitos  e  departiçoões  des- 
pemderom  as  suas  gemtes  aquella  parte  da  noute.  mais  o  emtemdimento 
delRey  nom  buscaua  nehuúa  destas  cousas,  amte  jazia  pemssamdo  na 
gramde  merçee  que  lhe  Deos  fezera.  pêra  a  quall  lhe  pedia  em  sua 
uoomtade,  que  lhe  abrisse   aazo  e  címinho,   como  a  podesse  guardar  e 

25  deftemder  por  testimunho  de  tamanho  millagre.  e  por  tall  que  a  rre- 
nembramça  daquella  uitoria  ficasse  por  soçessom  a  todollos  rrex  que 
depois  possuyssem  sua  herdade. 


Do  gramde  pramto  que  os  mouras  f a  {iam  sobre  a  perdiçom  da  *  sua   A,  i  lo,  r,  i 
cidade.      Cafitullo  Lxxxix. 

3o    y->v  lADOSA  cousa  era  douuir  os  gemidos  daquelies  mouros,   depois  que 

I — '    forom  afastados  da   sombra   dos   muros  da   sua  cidade,   ca  sse 

*~         começarom  de  apartar  per  amtre  as  espessuras  dos  aruoredos  de 

suas  ortas  e  pumares.  e  nom  auia  hi  tall,  que  logo  aa  primeira  chegada 

podesse  teer  seguramça  por  rrujto  escuso  que  o  lugar  fosse,   ca  assv 

6.  foram  assi  A. —  i3.  foram  A — i6.  despois  A.  —  20.  assi  A.  —  21.  noite  A. — 
27.  possuysem  A.  —  3i.  foram  A  — soombra  A.  —  34.  assi  A. 


—  238  — 

uijnham  amedoremtados  da  mortijmdade,  que  uirom  fazer  em  seus  uezi- 
nhos  e  paremtes.  Mais  depois  que  a  noute  começou  de  sobreuijr,  cobra- 
rem elles  ja  quamto  quer  de  mayor  atreuimento,  è  começarem  de  sse 
sahir  daquelies  matos  cada  huijs  per  sua  parte,  e  chamarsse  huús  aos 
outros  per  seus  próprios  nomes,  e  as  madres  chamauam  os  filhos,  e  5 
os  maridos  as  molheres.  e  aquelles  que  sse  açertauam  de  sse  acharem, 
tijnham  alguíi  rremedio  pêra  seu  comforto,  ajmda  que  lhe  mujto  nom 
podesse  durar,  porque  a  nembramça  de  sua  perda  geerall  nom  podia 
esqueeçer  por  outra  nehuúa  cousa  de  melhoria  por  gramde  que  fosse,  e 
sobre  todo  nom  auia  hi  alguú,  que  nom  teuesse  em  sua  parte  que  chorar,    lo 

A,  iio,r,2  porque*  a  huús  falleçiam  filhos,  a  outros  molheres  e  amigos,  e  taaes  ste 
açertauam  alli,  a  que  falleçiam  todos.  E  assy  começauam  de  fazer  seu 
pramto  muy  doorido,  choramdo  sua  perdiçam.  ca  sse  nembrauam  das 
cousas  que  perderam,  as  quaaes  eram  tamtas  e  tam  gramdes,  que  cada 
huú  per  ssi  lhe  fazia  muy  dooroso  semtimento.  e  emtam  nomeauam  a  i3 
nobreza  delias,  cada  huú  como  as  perdera.  Ha  no  mundo  deziam  elles, 
emtemdimento  em  que  poderá  ctber,  que  huúa  tam  nobre  e  tam  rreall 
cidade  em  huú  soo  dia  se  podesse  perder.  Por  çerlo  nom  forom  esto 
homeês  uiuemtes,  mas  forom  os  poderios  do  jmferno  que  chegarom  sobre 
nos.  ca  semelhamte  obra  mall  se  poderá  creer,  que  foy  em  tam  breue  20 
tempo  acabada  per  nehuúa  força  ou  poderio  terreall.  E  escpreuam  deziam 
elles,  os  autores  das  estorias,  que  numca  foy  alguúa  companha  tam  mall 
auemturada  como  aquesta  nossa,  ca  ajmda  que  nos  esteueramos  no 
meo  de  huú  campo  com  huúas  poucas  de  palhas  amte  nos,  nom  podera- 
mos  tam  ligeiramente  seer  uemçidos.     E  sse  quer  ao  menos  nos  leixara    25 

A,  iio,v,  i  nossa  maa  uemtura  tamto  bem,  que  teueramos  alguú  *  espaço  em  que 
poderamos  conhecer  nosso  uemçinento,  o  quall  nos  nom  aproueitara 
pouco  pêra  nosso  auisamento.  E  emtom  começauam  de  comtar  huús 
aos  outros  todollos  aqueeçimentos  de  sua  partida,  e  quaaes  eram  os 
que  morreram  logo  na  primeira  rruí,  e  quaaes  ao  depois,  e  comtauain  3o 
outrossy  da  gramde  multidoõe  de  seus  paremtes  e  amigos,  que  jazia 
espargida  per  as  rruas  e  praças  da  çiiade.  Os  uelhos  deziam  que  ouuj- 
ram  a  seus  padres  e  auoos  fallar  naquella  perdiçam,  dizemdo  que  dias 
auiam  de  uijr,  que  aquella  cidade  auia  de  seer  toda  rregada  com  samgue 
de  seus  filhos  .s.  de  seus  moradores.  Outros  comtauam  sonhos  que  35 
sonharam  de  cousas  marauilhosas  que  '.he  apareçerom,  as  quaaes  depois 
do  dano  declarauam.  Huú  foy  que  disse  alli.  Quamdo  eu  era  moço 
me  mamdou  meu  padre  pêra  Tunez,  peia  huú  meu  tio  que  alia  moraua. 

2.  despois  A  —  noite  A.  —  12.  assi  A  —  19.  fontn  A.  —  3o.  despois  A. 


—  239  — 

o  quall  me  deu  a  emsinar  a  huQ  almoedam  da  mezquita  ma3'or.  e 
estamdo  eu  huú  dia  fallamdo  com  elle,  comtamdolhe  as  boomdades  daquesta 
cidade,  e  elle  emfim  de  minhas  pallauras  pos  a  maão  sobre  os  olhos,  e 
começou  de  suspirar  muy  fortemente,  e  mujtas  uezes  lhe  pareciam  as 
i  lagrimas  per  de  so  a  maão.  e  emtom  me  disse.  *  Filho  meu  rrogote  que  A,iio,v,2 
me  nom  digas  mais  das  boomdades  da  tua  cidade,  que  me  nom  podes  tu 
tamto  dizer,  que  eu  mujto  mais  nom  sayba.  mas  tamto  te  digo,  que  sse 
os  da  terra  dAflrica  soubessem  o  que  eu  sey,  ja  em  ella  nom  estaria  pedra 
sobre  outra,  que   nom  fosse  toda  derribada  no  chaão.  ca  sua  fremosura 

IO  e  boomdade  ha  ajmda  de  seer  por  nosso  gramde  mall,  o  quall  semtiram 
primeiro  os  delia,  e  depois  o  semtiremos  nos  outros  os  de  ca.  E  esto  sey 
eu  disse  elle,  porque  nom  ha  mujtos  annos  que  jazemdo  em  esta  mezquita 
dormimdo  huúa  noute,  sonhaua  que  uia  huiía  molher  com  mujtos  filhos 
darredor  de  ssi.   e  que  uia  huúa  pomte   que  sse  começaua  daçerqua   de 

i5  seus  pees,  e  chegaua  ataa  o  rregno  do  Algarue,  polia  quall  uijnham  da 
terra  dos  christaãos  gramdes  manadas  de  moços,  os  quaaes  pelleiauam 
com  os  filhos  daquella  molher,  ataa  que  os  matauam  todos,  e  mamauam 
em  suas  tetas.  E  isto  comtey  eu  a  outros  mouros  sabedores,  e  todos 
acordamos  que  aquella  molher  rrepresemta  a  terra  dAflrica.   e  os  pri- 

20    meiros  filhos  somos  nos  outros,   os  quaaes  empuxarom  os  christaãos  de 
suas  tetas  .s.  de  sua  terra.     E  todo  esto  sse  ha  dalleuamtar  por  cobijça 
da  uossa  cidade.     E  porque  *  disse  aquelle  mouro,  eu  numca  em  estes    A,  iii,r,  i 
sonhos  tiue  gramde  fememça,  nom  curey  mujto  desguardar  sobre  ello. 
Disserom  ajmda  mais,   que  quamdo  a  frota  delRey  partio  de  Barbaçote 

25  pêra  as  Aljaziras,  huúa  das  molheres  de  Çalla  bem  Çalla  sonhara  que  seu 
marido  sse  mudaua  dalli  pêra  outras  casas,  e  que  porque  o  ella  uia 
mujto  triste,-  que  lhe  pregumtaua  porque  uijnha  assy  anoiado.  e  que  lhe 
rrespondia  elle,  que  pollo  coraçom  que  lhe  ficaua  em  Cepta.  Pois  dezia 
ella,  porque  nom  tornaaes  la  por  elle.  Porque  me  tem  as  portas  fechadas, 

3o  rrespomdia  elle.  E  Çalla  bem  Çalla  dezia  que  sonhara  aquella  manhaã, 
que  seu  padre  o  uijnha  abraçar.  Outros  comtauam  quamtas  abusoões 
sonharom  auia  çemto  annos,  aas  quaaes  todos  dauam  ho  emtemdimento 
daquella  perdiçam.  E  assy  esteueram  aquella  noute  em  suas  tristes 
departiçoões,  cada  huú  comtamdo  sua  parte,  ataa  que  os  o  sono  forçaua, 

3i  homde  lhe  passauam  pollos  semtidos  cousas  mujto  desuayradas,  segumdo 
sse  faz  cumunallmente  a  todos  aquelles  que  uigiamdo  ssom  carregados 

2.  bomdades  A.  —  6.  da  I,  de  A.  — 7.  tanto  A.  —  8.  os]  add.  mouros  I.  —  r3.  noite  A. 
—  16.  grandes  A. — 20.  xpaãos  A.  —  25.  aliaziras  A. — 27.  assi  A.  —  33.  assi  A. — 
35.  sentidos  A. 


—  240  — 

de  pemssamentos.  Taaes  hi  auia  a  que  pareciam  gramdes  chamas  de 
A,  iii,r,2  fogos,  outros  aguas  corremtes.  outros  multidom  de  nauios.  *  outros  uijam 
pelleiar  touros,  outros  uiam  a  luúa  e  as  estrellas  e  outros  ssynaaes  do 
çeeo.  a  outros  parecia  que  fallauam  seus  padres  e  seus  paremtes  e  ami- 
gos finados,  e  ajmda  mujtos  daquelles  que  naquelle  dia  falleçeram.  Muj-  5 
tos  eram  que  sse  hiam  pêra  as  herdades  e  quimtaãs,  homde  tijnham  suas 
casas,  em  que  estauam  no  tempo  do  seu  allacill,  segumdo  ueedes  que  os 
mouros  costumam  quamdo  passam  suas  fruitas.  e  alli  se  lamçauam 
sobre  os  montes  das  palhas,  que  alli  tijnham  pêra  suas  camas,  ca  aquelle 
era  o  tempo  em  que  elles  mais  aturauam  semelhamtes  lugares,  por  rrezam  10 
dos  fruitctô  que  emtom  amadurecem.  E  alli  sse  começauam  de  nembrar 
quamto  proueito  elles  ouuerom  naquellas  herdades,  e  das  aruores  frutí- 
feras que  em  ellas  poseram,  e  quamta  despesa  fezeram  em  seus  hedi- 
fiçios.  e  como  todo  em  tam  breue  tempo  auiam  de  leixar  a  seus  jmmij- 
gos.  Outros  hi  auia,  que  sse  lamçauam  a  chorar  poUos  cômoros  dos  i5 
uallados  das  suas  hortas,  em  fim  daquelle  triste  pemssamento.  a  outros 
sobreuijnha  tamanha  braueza,  que  com  aquella  lastima  sse  emuiauam  aas 
uergomteas  de  seus  emxertos,  e  começauam  de  as  britar.  E  assy  amda- 
A  ,iii,v, I    uam  *  dhuúa  parte  pêra  a  outra,  como  homees  fora  de  ssiso.  pareçemdo 

aquella  saçerdota  Edonys,  que  moraua  nas  montanhas  do  monte  Pimdo,  20 
a  quall  fazia  cada  huij  anno  seus  sacrifícios  ao  deos  Baco,  que  era  deos 
do  uinho,  segumdo  comta  meestre  Gonfedro,  pareçemdolhes  que  sse  far- 
tauam  em  fazer  aquelle  estrago  ataa  que  camssados  faziam  fym.  Outros 
que  tijnham  alguija  ferramenta  em  aquellas  quimtaãs,  deçepauam  as  aruo- 
res pollos  pees.  mais  outros  auia  hi  que  sse  temperauam  em  suas  sanhas,  25 
esperamdo  que  per  uemtura  cobrariam  ajmda  sua  cidade,  homde  lhe 
aquellas  cousas  poderiam  proueitar.  e  traziam  a  suas  memorias  mujtas 
escprituras  que  leeram,  nas  quaaes  achauara  mujtos  acomteçimentos 
doutras  cidades  e  uillas,  que  depois  tornarem  a  cobrar  seus  primeiros 
moradores,  homde  sse  lograuom  das  cousas  semelhamtes  que  amte  leixa-  3o 
uom.  Ora  pois  deziam  elles  amtre  ssy  meesmos,  porque  quebramtaremos 
nos  as  nossas  cousas,  ca  pode  seer  que  Deos  obrara  em  nos  com  a  sua 
misericórdia,  e  tornamos  ha  aa  posse  da  nossa  cidade,  a  quall  ajmda  que 
A.  iii,v.2  ali  nom  fosse,  he  tam  lomge  do  rregno  de  Portugall,  que  os  christaãos* 
a  nom  poderam  mamteer. 


10.  semelhantes  A. —  11.  lembrar  A. —  12.  ouueram  A.  —  i3.  quanta  I,  com  quamta  A. 
—  18.  assi  A.  —  20.  Edonys  I,  e  donys  A.  —  22.  Gonfredo  I.  —  25.  pellos  A.  —  28.  muy- 
tos  A.  —  29.  despois  A.  —  33.  ajnda  A.  —  34.  xpaãos  A. 


241   — 

Como  elRey  emuiou  seu  rrecado  a  Martim  Fernamde^  Portoca- 

rreyro  alcayde  de  Tarifa  por  lhe  noiejicar  sua  uitoria. 

Capitullo  LR. 

SOOMENTE  a  dous  lugares  achamos  que  elRey  emuiou  noteficar  ho 
boom  aqueeçimento,  que  lhe  Deos  dera  em  sua  uitoria.  Homde 
auees  de  saber  que  polia  boÕa  uoomtade,  que  Martim  Fernamdez 
Portocarreyro  mostrou  a  seu  seruiço,  quamdo  emuiou  seu  filho  a  elle  aa 
frota,  como  ja  ouuistes.  teue  elRey  por  bem  de  lho  fazer  saber  primeiro 
que    a   outro  nehuú.    e   ajmda   disserom    alguús    que    lhe   emuiou    assy 

!o  aquellas  nouas,  aalem  do  que  dito  he,  porque  as  podesse  o  dito  Martim 
Fernamdez  noteficar  per  outras  partes  daquelle  rregno  de  Castella.  E 
porem  tamto  que  foy  demtro  na  cidade,  mamdou  fazer  prestes  huij  bra- 
gamtim,  no  quall  emuiou  com  seu  rrecado  Joham  Rolz  comitre,  que  lhe 
comtasse   as  nouas  daquelle  aqueeçimento,  e  assy  todo  outro  feito  como 

i5    passara.     Tamto  que  Joham  Roíz  chegou  a  Tarifa,  foi  logo  cora  aquelle 
rrecado  a  Martim  Fernamdez.   o  quall  foy  tam  ledo  com  elle,  que   por 
muy  gramde  espaço  nom  sse  podia  *  fartar  de  o  ouuir,  tornamdo  mujtas    A,  ii2,r,  i 
uezes  a  pregumtar  por  todallas  circustamçias   daquelles  aqueeçimentos 
como   passarom.     Vos   disse  elle  aaquelle  messageiro,   seiaaes  assy  tam 

20  bem  uijmdo,  como  a  milhor  páscoa  dorida  que  eu  neste  mundo  ouue. 
Direes  a  elRey  meu  senhor,  que  lho  tenho  mujto  em  gramde  merçee.  e 
que  sayba  elle  que  sua  uoomtade  nom  foy  emganada  em  me  querer  fiizer 
sabedor  de  sua  uitoria.  ca  nom  ha  em  seu  rregno  homem  de  meu 
estado,   a   que   eu   desse  auamtagem  de   lhe  mais  prazer  de   seu  boom 

25  aqueeçimento.  Mas  que  sse  mo  elle  assy  nom  fezera  saber  per  uos  ou 
per  outro  alguú  de  seu  mamdado,  que  eu  fora  mujto  duuidoso  de  o  creer 
per  outra  alguíia  maneira.  Mas  nom  sabees  disse  elle,  como  estaua  o 
castello  acompanhado,  ou  sse  tijnham  os  mouros  teemçom  de  sse  poerem 
em  sua  deffesa.   da  quall  cousa  me  nom  prazeria,   porque  o  castello  he 

3o  forte,  e  poderia  dar  alguii  trabalho  a  elRey.  Ajmda  quamdo  eu  parti, 
rrespomdeo  Joham  RoTz,  os  mouros  eram  em  posse  delle.  mas  depois 
que  eu  fuy  no  mar  alomgado  quamto  seria  huúa  legoa  da  cidade,  uy  as 
bamdeiras  cm  cima  das  torres.  E  quamdo  Pêro  Fernamdes  Portoca- 
rreiro  ouuyo  assy  aquelle  rrecado,  *ouue  gramde  queixume,  porque  nom    ^  na  r  2 

35    fora  naquelle   feito,   segumdo  amte  rrequerera  a  seu  padre.     Vos  disse 

2.  notilicar  A. — 6.  boa  A. —  14.  assi  A.  —  17.  muytas  A. —  19.  messegeiro  A  — 
assi  A.  —  20.  mumdo  A.  —  21.  em  muito  I.  —  25.  assi  A.  —  26.  douidoso  A.  —  28.  tem- 
çom  A.  —  33-34.  Portocarreiro]  add  seu  filho. 

3i 


242  — 

elle  comtra  o  padre,  me  tirastes  de  meu  boom  propósito,  estoruamdome 
que  nom  fosse  com  elRey,  que  me  fora  gramde  homrra.  da  quall  cousa 
em  todos  meus  dias  numca  perderey  magoa.  Se  eu  cuydara,  rrespomdeo 
o  padre,  que  sse  este  feito  tam  ligeyramente  auia  dacabar,  nom  fezera 
tamanha  deteemça  em  te  auiar  teus  feitos  como  fiz.  ca  bem  sabes  a  5 
teemçam  que  tijnha  acerca  dello.  e  esto  era  emcaminharte  alguii  corre- 
gimento  pêra  hires  segumdo  te  perteemçia.  mas  parece  que  Deos  quis 
acabar  o  feito  per  outra  guisa,  pollo  quall  me  parece  que  numca  ouuy 
faliar  que  cidade  nem  uilla  fosse  tam  em  breue  filhada.  Ca  ja  mujtas 
uezes  me  acomteçeo  mamdar  huúa  meada  de  fiado  a  temgir  aaquella  i© 
cidade,  e  nom  foy  tam  asinha  cuberta  da  timtura,  como  agora  foy  tomada 
per  elRey.  Certamente  disse  elle,  este  he  tamanho  feito  que  he  duuida 
de  sse  creer  assy  logo  pollo  presemte,  ataa  que  a  fama  dello  nom  seia 
mais  declarada.  O  escudeiro  foy  muy  bem  agasalhado,  e  assy  aquelles 
A,  ii2,T,i  que  com  elle  forom.  E  desi  partio  Martim  Fernamdez  *com  elle  em  j5 
nome  daluissara,  segumdo  seu  estado  rrequeria.  Aqui  auees  de  notar 
que  aalem  da  boõa  uoomtade  que  aquelle  fidallgo  tijnha  a  elRey,  auia  muy 
gramde  rrazom  assy  elle  como  todollos  moradores  de  Tarifa,  de  sse  alle- 
grarem  daquelle  feito,  espiçiallmente  por  lhe  seer  tirada  damte  os  olhos 
tamanha  uergonha,  como  tijnham  em  aquelles  mouros,  ca  depois  ataa  20 
ora  elles  e  seus  soçessores  sempre  fezeram  e  fazem  muy  gramdes  pro- 
ueitos  pêra  ssi  em  aquella  cidade,  uemdemdo  hi  seus  fruitos  e  mercadoria 
com  gramdes  auamtageés  de  gaanho. 

Como  mamdoii  elRey  Joham  Escudeiro  aa  casa  delRey  Dom  Fer- 
namdo  dAragam  e  depois  Aluoro  Gomçalluei  da  Maya,  e  das  cousas   25 
que  lhe  emuiou  dí{er.     Capitullo  LRJ. 


O 


UTROssi  mamdou  elRey  Joham  Escudeiro  huú  boom  homem  de  sua 
casa  com  seu  rrecado  a  elRey  dAragam,  Direes  disse  elRey,  a 
elRey  Dom  Fernamdo  como  trouxe  minha  frota  de  Portugall 
sobre  esta  cidade,  e  os  comtrayros  que  ouue  assy  por  aazo  das  sarraçoÕes  30 
como  das  corremtes  que  me  leuaram  os  nauios.  e  como  aa  fim  determi- 
nei sem  embargo  de  todo  uijnr  sobre  a  cidade,  ajmda  que  de  mujtos  fosse 
A,ii2,v,2  comsselhado  pollo  comtrairo.  *  E  comtarlhees  a  hordenamça  que  teue- 
mos  em  trazer  nossa  frota,  e  como  meus  filhos  sahirom  na  Almina,  e 

3.  rrespondeo  A.—  i5.  foram  A.—  17.  boa  A. —  18.  assi  A.  —  20.  vergonha  I,  uer- 
gomça  A  —  atee  A.  —  22.  mercadaria  A.  —  28.  daragom  A.  —  3o.  assi  A.  —  32.  muytos  A. 
33.  pello  contrairo  A. 


—  243  — 

polia  guisa  que  a  cidade  foy  emtrada,  da  quall  agora  polia  graça  de  Deos 
som  em  posse.  Cujo  aqueeçimento  escpreuo  a  elle  primeyramente  que 
a  outro  alguij  primçipe,  polia  gramde  e  boõa  uoomtade  que  Ilie  tenho,  e 
desi  pollo  deseio  que  lhe  semto  pêra  guerrear  aos  jmfiees.  E  logo  a 
5  cabo  de  poucos  dias  emuiou  a  elle  Aluoro  Gomçalluez  da  Maya,  que  era 
seu  ueedor  da  fazemda  na  cidade  do  Porto,  com  outra  embaixada,  na  quall 
lhe  fez  saber,  que  por  quamto  elles  ja  tratarom  per  suas  cartas  sobre  a 
comquista  dos  jmfiees.  Pollo  quall  disse  elRey,  me  eu  trabalhei  de  tomar 
assy  esta  cidade,  por  emtemder  que  faço  daqui  muy  gramde  empacho  aos 

10  mouros  daaquem  e  daalem.  ca  por  seu  aazo  se  podem  agora  mouer 
quaaesquer  cousas,  que  quiserem  fazer  em  cada  huúa  destas  partes 
acerca  da  destruiçom  dos  mouros,  ca  os  que  ouuerem  de  uijnr  guerrear 
estas  partes  dAffrica,  teem  ja  lugar  omde  uenham  desembarcar  sua  frota, 
e  boõa   fortellcza   domde  possam  correr   a  terra,    e  que   pêra   os   que 

i5    quiserem  guerrear  o  rregno  de  Graada,   aproueitara  mujto,  porque   em 
esta  cidade  poderam  sempre  estar  nauios  que  guardem  todo  o  estreito,  de 
guisa  que  nom  possam  passar  nehuús  *  mouros  pêra  ajudarem  os  outros.    A,  ii3,r,i 
Porem  que  eu   lhe  rrogo,   que   elle  me  faça  saber  a  uoomtade  que  teem 
acerca  deste  feito,  porque  eu  possa  auiar  e  correger  os  meus  pêra  prose- 

20  guir  minha  emtemçom.  Mujto  prouue  a  elRey  Dom  Fernamdo  com  serae- 
Ihamtes  nouas,  e  assy  disse  que  daua  mujtas  graças  a  Deos  por  tam  boom 
aqueeçimento  dar  a  elRey  Dom  Joham  seu  amigo,  mas  porem  que  elle 
era  ja  assy  aficado  de  huúa  emfirmidade  que  tijnha,  que  duuidaua  mujto 
uiuer   tamto,  porque   podesse   ueer  tamanho   prazer  podemdo   cometer 

25  semelhamte  feito.  Empero  que  elle  sse  faria  leuar  em  huGas  amdas  ao 
estremo  de  Portugall,  omde  lhe  rrogaua  que  elle  quisesse  chegar  pêra 
fallarem  ambos  mais  largamente  açerqua  de  todos  seus  feitos.  E  que 
posto  que  elle  morresse  em  aquella  uiagem,  o  que  emtemdia  que  sse  lhe 
nom  escusaua  segumdo  o  gramde  padecimento  que  tijnha,  que  aueria  por 

3o  muy  bera  despesa  sua  uida  em  semelhamte  trabalho.  E  per  esta  guisa 
se  partio  Aluoro  Gomçalluez  de  Vallemça  do  çide,  omde  emtam  elRey 
estaua,  muy  comtemte  do  boom  gasalhado  que  rreçcbera.  ca  assy  elle 
como  Joham  Escudeiro  ouueram  delle  suas  joyas  e  outras  merçees  muy 
graadamente,  segumdo  que  elRey  era.     O  quall  tamto  que  Aluoro  Gom- 

35    çalluez  partio,  começou  sua  uiagem,*  mas  em.  poucas  jornadas  fez  fim    A,  i[3,r,* 
de  sua  uida.  e  de  tall  guisa  foi  todo  emcaminhado,   que  primeiramente 

I.  pella  (bis)  A.  —  2.  cuio  A.  —  3.  boa  A.  —  4.  emfiees  A.  —  9.  assi  A. —  14.  boa  A. 
i5.  aproueitaram  A,  aproveitara  I.  —  20.  muito  A.  —  21.  assi  A.  —  23.  assi  A  —  muy  to  A. 
—  3o.  semelhante  A.  —  32.  contemte  A  —  assi  A. 


—  244  — 

ouue  clRey  as  nouas  da  morte  delRey  Dom  Fernamdo,  que  Aluoro  Gom- 
calluez  chegasse  a  elle.  E  certamente  que  a  Espanha  deuera  mujto  sem- 
tir  a  morte  de  tall  primçipe.  ca  era  huú  homem  de  gramdes  uirtudes,  as 
quaaes  o  emcaminhauam  a  gramdes  feitos,  e  elle  ficou  Iftamte  muy 
poderoso  e  bem  amado  de  todo  o  pouoo  de  Castella,  quamdo  elRey  Dom  5 
Hamrrique  seu  jrma;1o  falleçeo  deste  mundo,  homde  sse  elle  poderá 
nomear  por  rrey  se  quisera,  porque  seu  sobrinho  aaquelle  tempo  nom  era 
mais,  que  em  hidade  de  dous  annos.  a  quall  cousa  elle  nom  quis  fazer, 
como  quer  que  lhe  mujto  rrequerido  fosse,  dizemdo  que  Deos  numca 
quizesse  que  elle  fezesse  cousa,  per  que  seu  nome  rreçebesse  nehuij  lo 
prasmo.  E  assy  pos  elRey  seu  sobrinho  na  cadeira  rreall,  e  o  fez  rreçe- 
ber  por  rrey  em  todo  seu  rregno.  e  o  rregeo  depois  com  a  rrainha  sua 
madre  muy  proueitosamente  com  gramde  comtemtamento  de  todollos  do 
rregno.  E  elle  cercou  Antique}'ra,  e  a  filhou  aos  mouros,  e  fez  mujto 
dano  em  aquelles  rregnos  de  Graada,  em  quamto  durou  em  Castella.  e  i5 
cobrou  depois  o  rregno  dAragam,  como  ja  teemos  fallado.  E  sse  sse  a 
A,  ii3,v,  1  a  morte  nom  amtiçipara  *  de  o  leuar,  nom  forom  os  seus  dias  despesos 
em  outro  ofliçio  senom  na  guerra  dos  jmfiees,  cuja  emtemçom  he  de  creer 
que  seria  muy  gramde  parte  de  seu  meriçimento  no  outro  mundo,  ca 
a  boÕa  uoomtade  homde  o  poder  nom  abasta,  em  mujtos  lugares  he  rreçe-  20 
bida  por  obra.  Quatro  coroas  rreaaes  ficarom  na  Espanha,  que  sahiram 
da  sua  primeira  geeraçom.  e  huij  meestre  de  Samtiago,  senhor  das  terras 
do  Iftamtado  com  mujtas  e  boõas  fortellezas  em  Castella.  e  o  outro  filho 
duque  de  Gamdia  com  outros  mujtos  lugares  em  Castella  e  em  Aragam. 
Mas  porque  os  feitos  daquelle  rregno  em  mujtos  lugares  som  tecidos  ^5 
com  os  nossos,  fallaremos  nos  adiamte  mais  compridamente  em  todas 
estas  cousas. 


Como  ho  autor  falia  na  gramde  mortijmdade,  que  sse  fe{  em  os 
mouros  naqiielle  dia.      Capítullo  LRij. 


E 


IM  todollos  liuros  estoreaaes  custumarom  sempre  os  autores  de  em-    5o 
memtar  assy  o  numero  dos  mortos  como  dos  catiuos.  mais  esto 
nom  emtemdemos  que  sse  possa   fazer  geerallmente   em  todollos 
lugares,  porque  os  uemçedores  em  tall  tempo  sempre  trazem  mayor  cui- 
A, ii3,v,2    dado*  de  apanharem  o  despojo  dos  jmmijgos,  que  comtar  per  pessoa  os 


G.  tnumdo  A. —  16.  despois  A  —  daragom  A.  —  17.  antiçipara  A.  —  20.  boa  A. 
20-21.  rreçibida  A.  —  aS.  boas  A — 24.  muytos  A  —  aragom  A.  —  25.  da  quell  A. — 
28.  grande  A.  —  3 1 .  assi  A.  —  34.  emmijgos  A. 


—  245  — 

que  jazem  mortos  no  campo.  Bem  pode  seer  que  sse  possa  jsto  fazer  por 
os  capitaães  dos  uemçidos,  os  quaaes  per  os  liuros  dos  seus  allardos  que- 
rem mujtas  uezes  auer  conhecimento  de  sua  perda,  ou  seemdo  tam  poucos 
mortos  que  os  possam  os  uemçedores  ligeiramente  comtar.  cujo  numero 
i  nos  em  este  feito  numca  podemos  certamente  saber,  porque  huús  forom 
que  disseram,  que  eram  mortos  çimquo  mill.  outros  fallaram  mais  larga- 
mente, e  disseram  dez  mill.  outros  poseram  o  comto  em  dous  mill.  e 
assy  amdaram  errados  em  seus  comtos,  que  nos  nom  queremos  determi- 
nadamente escpreuer   nehuú  delles.   leixamdo   este   juizo  aaquelles  que 

10  teuerem  descriçom,  comssijramdo  que  omde  o  feito  amdaua  per  tall  guisa, 
quall  seria  a  fim  dos  jmmijgos  amtre  aquelles,  cuja  pelleia  era  per  desi- 
gual! comparaçam  em  duas  maneiras.  A  primeira,  por  quamto  os  chris- 
taãos  eram  todos  armados,  pouco  ou  mujto  cada  huú  em  seu  estado,  e  a 
segumda  a  uitoria  que  os  nossos  cobraram,  e  a  natureza  comssemte  que 

i5    os  corpos  postos  em  desauemtura  siguam   mais  ligeiramente  os  medos, 

que*  aquelles  que  a  fortuna  mostra  ho  comtrairo  sembramte.     E  quamto    A, ii4,r.  1 
os  uitoriosos  semtiam  mais  fraqueza  nos  uemçidos,  tamto  faziam  em  elles 
mayor  dano.  por  cuja  rrazom  foi  feita  em  aquelle   dia  gramde  mortijm- 
dade,  a  quall  jazia  espargida  per  todallas  ruas  da  cidade,   ca  posto   que 

20  alguús  matassem  nas  casas,  como  de  feito  matauam  espiçiallmente  molhe- 
res  e  moços  pequenos,  quamdo  foy  açerqua  da  noute,  cada  huú  como  os 
achaua  na  pousada,  posto  que  a  casa  fosse  sua  na  uida,  muy  asinha  os 
lamçauam  fora  delia,  nom  sse  comtemtamdo  de  os  rreçeber  por  aquella 
noute  em   sua  companhia.     Empero  com  gramde  allegria  albergauam  os 

25  mouros,  huús  polia  esperamça  que  tijnham  do  gaanho,  que  auiam  dauer 
por  seu  rresgate.  outros  pollo  seruiço  que  delles  esperauam.  e  assy  que 
todallas  rruas  jaziam  acompanhadas  daquelles  mortos,  cada  huú  com 
aquella  jazeda,  em  que  o  a  sua  derradeira  uemtura  leyxara,  saluo  alguús 
cujas  rroupas  faziam  cobijça   aos  christaãos,   per  que  os  tirauam  delias. 

3o    e  os  primçipaaes  lugares  em  que  esta  mortalha  jazia  ass}',  era  naquellas 

rruas  açerqua  do  castello,  homde  sse  o  Iftamte  *  Dom  Hamrrique  acertara    A,  1  i4,r,2 
com  aquelles  seus,  como  ja  dissemos.     Oo  como  nos  outros  arripiamos 
nossas  carnes,   quamdo  per  açidemte  ueemos  alguú  homem  morto  amte 
nossos   olhos,    e  estamos  esmoreçemdo  sobre   elle,  marauilhamdonos  do 

35  desuayro  de  sua  comtenemça.  e  uem  a  nos  huú  mordimcnto  de  piedade, 
posto  que  na  sua  uida  lhe  ouuessemos  ódio.    Pois  uos  outros  diz  o  autor, 

I.  isto  A.  —  9.  deixamdo  A,  leixamdo  I. —  11.  fym  A. —  12.  xpaãos  A. —  17.  uitu- 
riosos  A. —  21.  noite  A. —  23.  comtemtando  A. — 24.  noite  A.— 25.  pelia  A — 29.  xpraãos  A. 
—  3o.  prinçipaaes  —  mortualha  I  —  assi  A. 


—  246  — 

que  amdauees  alli,  porque  uos  nom  fartauees  doolhar  a  semelhamça 
daquelles,  que  per  força  de  uossos  goUpes  perdiam  as  uidas.  os  quaaes 
jazemdo  em  terra  nom  podiam  dereitamente  seer  conhecidos,  e  tamto 
eram  atormemtados  das  feridas,  que  nom  dauam  nehuG  uagar  aas  almas 
pêra  sayr  das  carnes,  e  taaes  sse  lhe  partiam  os  spiritos  apressados,  que  5 
lhe  leixauam  as  caras  tam  feas,  que  uerdadeiramente  arremedauam  a 
semelhamça  dos  amjos  jmfernaaes.  cuja  fera  e  áspera  companhia  elles  em 
breue  tempo  auiam  de  conhecer.  Nem  creaaes  que  a  todos  geerall- 
mente  a  morte  leixaua  huú  jeito  de  jazeda.  ca  huús  jaziam  com  os  corpos 
temdudos   e   as  maãos  apertadas  e   os  demtes  fechados,  outros  jaziam    10 

A, ii4,v, I  com  os  focinhos  sobre  a  terra,  emburilhados  no  seu*  samgue  meesmo. 
outros  com  os  corpos  embuizados,  apertamdo  com  seus  punhos  a  rroupa 
que  traziam,  outros  jaziam  assy  espedaçados,  que  homem  nom  poderia 
dereitamente  julgar  quall  fora  primeiramente  sua  queeda.  taaes  hi  auia 
que  os  gollpes  primeiros  nom  eram  tam  feros,  como  o  trilhamento  dos  i5 
uiuos,  quamdo  sse  açertaua  de  sse  rreuolluerem  com  os  pees  sobre  elles. 
Pouco  prestauam  alli  os  falissos  prometimentos  das  torpes  deleitaçoÕes, 
per  que  aquelle  uelhaco  profeta  primeiramente  jmduzio  aqueile  simprez 
pouoo.  ca  os  primçipes  jmfernaaes  emuiarom  alli  gramdes  aazes  de  suas 
companhas  jmuisiuees,  que  com  muy  gramde  trigamça  arramcauam  as  20 
almas  daquelles  mezquinhos,  e  as  leuauam  com  gramdes  aliegrias  pêra 
aquelle  eternall  catiueyro,  homde  em  preço  da  esperada  luxuria  lhe  apre- 
scmtauam  caras  tristes  e  espamtosas,  nas  quaaes  pêra  sempre  comtinua- 
damente  ham  de  comtemplar.  e  assy  todalias  outras  duçuras  pagadas 
por  triste  preço.  E  por  quamto  a  luúa  fora  noua  nos  primeiros  graaos  25 
do  signo  dArias,  seguia  a  sua  claridade  as  primeiras  oras  da  noute.  e  com 
esto  era  necessário  que   as  gemtes   fossem  dhuúas  casas  pêra   as  outras 

A,ii4,v,2  uisitar  seus  amigos*  e  buscar  suas  necessidades,  anoiauamsse  fortemente 
com  a  uista  daquelles  mortos,  espiçiallmente  porque  mujtos  delles  jaziam 
tam  feos,  que  na  meetade  do  dia  traziam  auorrimento.  e  sobre  todo  3o 
ajmda  sse  açertaua  que  alguús  delles  nam  eram  de  todo  mortos,  e  tijnham 
seus  membros  cortados,  e  depois  que  os  leixaua  alguiã  pouco  a  door, 
prouauam  de  sse  leuamtar  com  as  caras  cheas  de  samgue  e  de  poo,  com 
que  acreçemtauam  mujto  mais  sua  fealldade.  E  porem  com  todollos 
trabalhos  do  Iftamte  Dom  Hamrrique  nom  lhe  esqueeçeo  o  cuidado  35 
daquelle  feito,  e  emuiou  a  seu  padre  huú  escudeiro  a  preguratarlhe  que  era, 

4.  atormentados  A. — 7.  anjos  jnfernaaes  A. —  12.  embuizados  I. —  i3.  assi  A. — 
14.  iulgar  A.  —  16.  rreuoluerera  A.  —  17.  falssos  A.  —  20.  jnuisiuees  A.  —  28.  amjgos  A. 
—  29.  muytos  A.  —  32.  despois  A. 


—  247  — 

o  que  sse  faria  daquelles  mouros,  a  quall  cousa  lhe  elRey  mujto  gradeçeo. 

e  disse  que  pois  elle  dello  teuera  tall  nembramça,  que  lhe  emcomemdaua 

que  teuesse  cuidado   de  mamdar  aaquella  gemte   que  os  leuassem  ao 

mar.   sobre   a  quall  cousa  foy  huúa  rreferta,  porque  elles  deziam  que 

os  mareamtes  deuiam  teer  tall  cuydado,   e  os  outros  deziam  que  nom. 

empero  a  quallquer  delles  que  perteeçesse,  a  cidade  foi  liure  per  a  guisa 

que  elRey  tijnha  mamdado.     E  assy  do  numero  dos  mortos  nem   dos 

catiuos,  nom  poemos  certo  termo  poilo  que  dito  he.  mas  dos  christaãos 

*  sabemos  certamente  que  morreram  oito  em  aquelle  dia.  conuem  a  saber    B,  i33, r,2 

çinquo  aa  porta  que  Vasquo  Fernandez  britou  e  dous  dentro  na  cidade. 

contando  hy  Vasquo  Fernandez  dAtaide  e  mais  o  alferez  de  Dom  Anrrique. 


Como  os  mouros  no  outro  dia  olhauam  os  muros  de  Cepta^  e  das   B,  iJ4,r,  i 
rreioóes  que  deliam  em  seu  louuor.      Capitullo  LRiij. 

COMO  a  noite  foy  trazendo  a  fim  de  sua  escoridade  e  o  sol  começou 
de  ferir  no  oriental  orizam.  os  mouros  que  sairam  da  cidade 
tomaram  suas  molheres  e  filhos  e  ieuaramnos  pêra  cima  de  serra, 
onde  as  leixaram  acompanhadas  daquelles  que  por  rrezam  de  sua  velhice 
nom  podiam  jnteiramente  mandar  seus  nembros.  todollos  outros  rrijos 
e  poderosos  pêra  pelejar  se  vieram   caminho  da  cidade  com  entençam 

20  de  tornarem  aa  escaramuça  com  os  christaãos  pêra  os  tirarem  fora  dos 
muros  pensando  que  alli  aueriam  com  elles  milhor  dereito.  Mas  os 
outros  que  ficauam  sobre  a  serra  assentados  sobre  os  penedos  nom 
podiam  partir  seus  olhos  das  torres  da  cidade,  onde  começauam  de  con- 
sirar  como  tam  pouco  tempo  auia  que  estauam  em  suas  casas  e  em 

25    tamanho  rrepouso.  abastados  de  grandes  *rriquezas,  e  agora  que  se  viam    B,  i34,r,2 
pouoradores  dos  montes  hermos  fazendo  vida  pouco  menos  de  bestas,  e 
desy   começauam   de  olhar  o  assentamento  da  cidade  e   fremosura  de 
suas  mizquitas.   desy  a  ordenança  das  casas  com  todallas  outras  cousas 
e  bondades   de  sua  terra.     E  per  ventura  auia  hy  tal  que  numqua  com 

3o  tamanha  femença  esguardara  onde  viam  os  seus  muros  cheos  de  gentes 
estranhas,  e  com  estes  pensamentos  a  taaes  e  outros  semelhantes  lhe 
sobreuinham  grandes  choros,  e  ora  culpauam  seus  santos,  ora  Cala  ben 
Cala.   dizendo  que   fora  preguiçoso  e    couarde    em   sua  defensa,   outra 

2.  emcomendaua  A.  —  5.  diziam  A.  —  9  morrerom  A.  —  14.  tragendo  D.  —  17.  hom- 
de  D.  —  18.  podia  B  —  nembros  D,  membros  B.  —  20.  xpaãos  B.  —  27.  desi  B  —  assen- 
tamento I,  satamento  B  —  fermosura  B.  —  3o.  fememça  D,  fimença  B  —  homde  D. — 
3o-3i.  Çalla  bem  Çalla  D. 


—  248  — 

vez  culpauam  seus  ofiçiaaes  e  aquelles  que  primeiramente  abriram  suas 
portas  pêra  hirem  peleiar.  ora  culpauam  sua  maa  ventura  ate  que  nam 
achauam  jaa  outrem  a  que  posessem  mais  culpa,  e  entam  começauam 
huús  cantares  de  palauras  muito  tristes  louuando  as  bondades  de  sua 
cidade.  O  deziam  elles  cidade  de  Cepta  frol  de  todalas  outras  da  terra  5 
dAfrica.  onde  acharam  os  teus  moradores  terra  em  que  façam  outra 
semelhante,  ou  como  poderam  elles  consentir  que  as  suas  vontades 
se  nom  agastem  com  tamanha  perda,  onde  acharam  daqui  adiante  os 
mouros  estranhos  que  vinham  de  Ethiopia  e  de  Alexandria  e  de  terra 
de  Siria  e  de  Barbaria  e  de  terra  de  Assiria  que  he  o  rregno  de  10 
Turcos,  e  os  do  oriente  que  uiuem  aalem  do  rrio  de  Eufrates  e 
das  índias,  e  doutras  muitas  terras  que  sam  aalem  do  exo  que  estaa 
ante  os  nossos  olhos  todos  estes  vinham  a  ti  carregados  de  tantas 
e  tam  rricas  mercadorias.     Onde  acharam  elles  outro  logar  semelhante 

A,  ii6,r,  (  em  que  possam*  lamçar  suas  amcoras,  ou  nos  outros  mezquinhos  homde  i5 
hiremos  morar,  que  sciamos  uisitados  de  tamtas  e  tam  nobres  cousas.  Por 
certo  ja  na  rredomdeza  do  mundo  nom  fica  outra  semelhamte.  cuja  perda 
nom  soomente  será  semtida  de  nos  que  a  perdemos,  mas  de  todos 
aquelles  que  naçerem  do  uemtre  de  Agar,  ou  que  uiuerem  sob  a  diçiplina 
do  nosso  samto  profeta  Mafamede.  Que  faram  agora  os  moradores  de  20 
Giballtar  e  assy  todollos  outros  do  rregno  de  Graada,  ca  perdido  he  o 
seu  acorro  e  o  seu  emparo.  E  nos  desauemturados,  que  faremos  de 
nossos  filhos  e  filhas  que  tijnhamos  casados  daquella  parte,  das  quaaes 
nos  partíamos  em  huú  dia,  e  naquelle  meesmo  tornauamos  pêra  nossas 
casas,  agora  ja  acabamos  de  as  ueer  pêra  todo  sempre.  Quaaes  joyas  lhe  25 
mamdaremos.  que  tragam  nas  suas  gramdes  páscoas,  ou  por  homde  nos 
uijram  seus  rrecados  como  soyam.  acabadas  ssom  ja.  e  assy  choremos  a 
sua  perda,  como  sse  as  teuessemos  postas  nas  sepuUturas.  Quaaes  de 
nos  acharam  agora,  quamdo  sse  alleuamtarem  das  suas  camas,  as  bestas 
carregadas  dos  panos  da  seeda,  que  nos  uijnham  da  cidade  de  Damasco.    3o 

A,  116,  r,  2  ou  as  casas  cheas  *  de  pedras  preciosas  dos  da  cumunidade  de  Veneza, 
ou  os  gramdes  sacos  da  especiaria,  que  nos  uijnham  dos  desertos  da 
Libia.  e  que  rriquezas  ou  nobrezas  poderíamos  nos  nomear,  que  nos 
cada  dia  nom  achássemos  amte  as  portas  de  nossas  logeas.  ou  quall  nauio 
poderia  correr  per  todo  o  mar  medeoterrano,   que  nom  mesurasse  suas    35 

2.  pelejar  B.  —  3.  posesem  B.  —  8.  homde  D. — y.  uinham  B  —  dalexamdrya  D. — 
10.  Siria  I,  lx°  B — regno  B.  —  12.  aliem  do  exo  D,  alem  do  eyxo  C.  —  14.  homde  D 

—  acharom  B,  acharam  D. —  17.   mumdo  A.  —  20.  mafomede  A  D.  —  21.   gyballtar  A 

—  assi  A.  —  22.  desauenturados  A.  ^  25.  as]  os  I.  —  27.  acabados  I  —  assi  A.  —  3i.  dos  I, 
os  A  D. 


—  249  ~ 

uellas  amte  a  gramdeza  da  nossa  cidade.  Nos  éramos  conhecidos  nom 
soomente  anitre  os  mouros,  mas  na  mayor  parte  da  ciiristijmdade.  ca 
todos  nos  auiam  mester,  e  todos  nos  buscauam.  nom  tam  soomente  os 
amigos,  mas  ajmda  os  jmmijgos  nom  nos  podiam  escusar.  E  sse  te  tu 
5  nom  comtemtauas  cidade  de  Cepta  dos  teus  próprios  moradores,  porque 
nom  mamdauas  chamar  outros  por  toda  a  terra  dAffrica,  que  te  uiessem 
pouorar.  ca  assaz  acharas  hi  delles.  E  sse  quer  tamto  nos  fezesses  ora 
em  gallardom  de  quamto  bem  em  ti  fezeram  nossos  amteçessores. 
porque  ao  menos  nos  ficara  poder  pêra  uijrmos  uisitar  as  tuas  sagradas 

10    mezquitas,   homde  ssom  as  sepuUturas  de  nossos  padres,   e  teueramos    A,  ii6,v,  i 
liçemça  demtrar  nas  nossas  casas,  e  nom  fora  tamto  o  nosso  mall,*  quamdo 
as  uiramos  pouoradas  da  gemte   da  nossa  ley.  mas  trouxeste   aqui  os 
nossos  jmmijgos   do  cabo  do  mundo,   porque  timgissem  as  suas  maãos 
do  samgue  dos  teus  çidadaãos.     Nom  tijnhas  tu  forteileza  de  muros,  em 

i5  que  nos  poderamos  deflemder,  ataa  que  fôramos  acorridos  dos  outros 
lugares  de  nossa  comarca.  Pois  que  mall  foy  este  tamanho,  porque  te 
tam  asinha  leyxaste  soiugar  aaquelles  que  te  numca  conheceram  nem 
sabiam,  nom  foy  isto  por  certo  com  raimgua  de  tua  forteileza.  ca  muros 
e   torres  teês  tu    darredor  de  ti    feitos  per  gramde  meestria.   e  o  teu 

20  alcácer  nom  era  elle  feito  de  terra  mouediça,  nem  de  pedra  emssossa, 
que  sse  poderá  derribar  do  primeiro  combate,  mais  feito  de  muy  fremosa 
camtaria  liado  com  muy  forte  betume  dargamassa.  e  as  torres  muy 
bastas  e  dereitas  com  todollos  outros  lauores,  que  sse  a  huúa  proueitosa 
forteileza  rrequerem.  e  o  teu  assemtamento  era  assy  aazado  pêra  gramde 

25    cidade,  quall  nom  auia  outra  semelhamte  des  a  boca  do  Estreito  ataa  o 
porto  de  Jafa,  que  he  o  postumeiro  do  mar  medeoterrano.     E  por  certo 
deziam  elles,  nom  podemos  dereitamente  dizer  que  a  tua  boomdade  te    A,ii6,v,2 
derribou,  agora*  he  ja  acabada  a  emueja  que  nos  nossos  uezinhos  auiam. 
Mezquinhos  de   nos,   que  proueito  fazemos   agora  sobre   nossa  uelhiçe 

3o  amdar  per  terras  estranhas,  melhor  nos  seria  aguardarmos  nossa  fim  em 
esta  terra  que  nos  criou,  e  que  rreposta  daremos  aaquelles  que  nos 
preguntarem  como  perdemos  nossa  cidade,  senam  que  a  leixamos  como 
uijs  çidadaãos.  A  lomga  hidade  que  gasta  todallas  cousas,  e  as  rrenem- 
bramças  delias,  nom  poderam  tirar  damtc  o  conhecimento  dos  homeés  a 
memoria  de  tamanho  feito,  a  quall  sempre  uiuera  em  nosso  doesto. 


2.  spistijmdade  A.  —  4.  emmijgos  A. —  5.  contemtauas  A.  —  6.  dafrica  A.  —  i3.  mum- 
do  A  —  timgessem  A.  —  24,  assi  A.  —  28.  nos]  na  margem  A. 


25o 


Como  os  outros  mouros  se  uieram  açerqua  da  cidade,  e  da  escara- 
muça que  irauaram  com  os  christaãos,  e  como  o  Iffamte  Duarte 
sayo  a  elles.     Capitullo  LRiiij. 

--0M  tijnham  os  outros  mouros  que  sse  uieram  açerqua  da  cidade 
semelhamte  ocupaçom,  amte  era  todo  seu  deseio  de  tirarem  os  b 
christaãos  mais  alomgados  da  cidade  que  podessem,  segumdo  ja 
dissemos,  e  porem  chegaromsse  assy  tamto,  como  bem  podiam  estar 
seguros  da  beestaria  que  estaua  sobre  os  muros.  As  quaaes  nouas  che- 
garom  aos  Iftamtes,  cada  huú  em  sua  parte,  e  o  Iffamte  Dom  Hamrri- 
que    estaua  ouuymdo    missa  naquella  mezquita  que  ora    de    Samtiago.    lo 

A,ii7,r,  I  *  tamto  que  aquelle  offiçio  foi  acabado,  mamdou  que  lhe  trouxessem  huú 
cauallo.  o  que  creemos  que  pouco  mais  auia  hi,  pollo  quall  lhe  era  nece- 
ssário que  esperasse,  porque  -doutra  guisa  nom  poderá  fazer  nehuúa 
cousa  por  rrezam  das  feridas  que  tijnha  nas  pernas.  E  chegamdo  ass}'^ 
aa  porta  de  Feez,  homde  sse  deçeo  pêra  hir  acima  da  torre  ueer  o  que  i5 
os  mouros  faziam,  e  estamdo  elle  assy  em  cima  da  torre  como  dito  he,  sobre- 
chegou  o  Iffamte  Duarte,  e  cauallgou  sobre  o  cauallo  de  seu  jrmaão.  e 
sahio  fora,  dizemdo  que  dissessem  ao  Iffamte  Dom  Hamrrique,  que  ouuesse 
paçiemçia  por  aquella  uez.  ca  elle  queria  hir  ucer  a  teemçom  daquelles 
mouros.  E  tamto  que  assy  foi  fora,  jumtousse  mujta  gemte  com  elle,  e  20 
ordenou  suas  batalhas,  as  quaaes  teue  assy  hordenadas  huú  gramde  pedaço, 
ataa  que  uio  que  os  mouros  nom  queriam  deçer  pêra  pelleiar.  E  por  emtom 
nom  sse  fez  alli  ali  que  de  comtar  seia,  senom  tamto  que  o  jmgres 
criado  da  rrainha,  que  chamauam  Inequixius  Dama,  queremdo  fazer 
auamtagem  amtre  todollos  outros,  leixou  a  hordenamça,  e  foi  pelleiar  25 
com  os  mouros,   por  cuja  rrezam  foi  alli   morto.     E  porque   estas  ssom 

A,  ii7,r,2  cousas  de  pequena  sustamçia,  nom  queremos  comtar  mais  *  largamente 
suas  partes.  Outra  uez  sse  ajumtaram  aquelles  meesmos  e  outros  mujtos 
mais,  que  uieram  de  fora.  as  quaaes  nouas  chegaram  ao  Iffamte  Duarte, 
e  elle  assy  como  lhe  tijnha  boom  deseio,  fezesse  logo  prestes  pêra  hir  a  3o 
elles.  e  assy  o  coradestabre  que  sse  acertou  dauer  semelhamte  rrecado. 
E  estamdo  assy  o  Iffamte  e  o  comde  com  elle,  acompanhados  de  mujtos 
senhores  e  fidallgos  com  emtemçam  de  sahirera  pêra  pelleiar  com  os 
mouros,   e  em  esto   sobrechegou   elRey,   e  mamdou  a  seu  filho  que  sse 

2.  xpaãos  A.  —  5.  semeltiamte]  de  semelhamte  A.  —  6.  xpaãos  A  —  ia  A.  —  7.  assi  A. 
10.  sam  tiago  A.  —  12.  poucos  I  —  pelo  A.  —  14.  rrazam  A.  —  i5.  ffeez  A.  —  16.  assi  A. 
20.  gente  A.  —  21.  assi  A.  —  22.  atee  A.  —  24.  Iniquixius  I.  —  26.  rrazom  A.  —  3o.  assi  A 
—  fezse  I.  —  3 1 .  assi  A.  —  32.  assi  A.  —  34.  mandou  A. 


25  I    

tornasse  logo  pêra  a  cidade,  ca  elle  nom  uiera  pêra  amdar  todo  o  dia 
em  escaramuça  com  os  mouros,  as  quaaes  eram  cousas  ssem  fim  com 
pequena  auamtagem  de  sua  homrra.  e  assy  sse  tornarom  todos  por  aquella 
uez.     E  em  homze   dias  que   elRey  alli  esteue,   depois  que  a  cidade  foi 

5  tomada,  cada  dia  os  mouros  alii  uijnham,  e  os  christaãos  sabiam  a  elles. 
homde  trauauam  suas  escaramuças,  em  as  quaaes  morriam  alguús,  como 
sse  faz  comuúmente  homde  sse  trauam  taaes  cousas.  E  por  ora  nom 
queremos  fazer  maj^or  detijmento,  porque  achamos  que  ssom  cousas  de 
baixo  uallor.   cujo  rrecomtamento  traz  pequeno  fruito.   e  queremos  leuar 

IO    esta  gemte   a  Portugal!,  porque*  mujtos  delles  querem  ajmda  tornar  a    A, hj.t, i 
fazer  suas  uimdimas  e  aproueitarsse  de  seus  fruitos,  segumdo  a  desposi- 
çom  do  tempo. 


Como  elRey  mamdou  chamar  o  seu  capellam  moor,  e  das  rreioóes 
que  lhe  disse.      Capitullo  LRv. 

i5        A     ^  sesta  feira   seguimte  que  eram  xxiij  dias  do  mes,  mamdou  eIRey 

l\       chamar  o  meestre  frey  Joham  Xira  e  Affomsso  Eannes  seu  capellão 

•^    ^    moor,  e  disselhes.     Domimgo  prazemdo  a  Deos,  eu  emtemdo  de 

hir  ouuir  missa  sollene   e  preegaçam   aa  mezquita  mayor.  porem  teerees 

cuidado  de   ajumtar  todollos   capellaães  de   meus  filhos,   e   quaaesquer 

20  outros  clérigos,  que  uenham  em  minha  frota,  e  assy  mamdarees  fazer 
prestes  todollos  corregimentos  pêra  a  capella,  que  mester  fezerem  pêra 
semelhamte  auto.  E  logo  no  outro  dia  o  capellam  moor  foy  ueer  aquella 
mezquita,  e  achou  que  lhe  compria  ck  seer  limpa,  ca  posto  que  ella  fosse 
muy  bem   ladrilhada  acerca  do  chaão,  jazia  em  ella  gramde  multidam 

25    desterco.   e  esto  era  por  rrezam  das  mujtas  esteiras  uelhas   e   podres 

que  era  ella  jaziam,  por  quamto  os  mouros  quamdo  fazem*  sua  oraçam,    A,  117, v,2 
mujtas  uezes  jazera  em  terra  e  outras  uezes  estam  descalços,  lamçara 
assy  aquellas  esteiras  por  rrezara  da  frielldade.  e  segumdo  parece,  que 
depois  que  a  primeira  esteira  que  alli  lamçarara  apodreçeo,  nom  a  quiseram 

3o  tirar,  e  lamçaram  outras  sobre  ella.  e  assy  fezeram  sempre  ataa  aquelle 
tempo,  de  guisa  que  as  primeyras  esteyras  eram  saãs,  e  todallas  outras  se 
moeram  jazemdo,  per  tall  guisa  que  eram  tornadas  em  esterco,  por  cuja 
rrezam  em  aquelle  sábado  forom  jumtadas  mujtas  emxadas  e  cestos,  com 
que  lamçaram  toda  aquella  esterqueyra  fora.  e  alimparam  muy  bem  toda 

1.  loguo  A.  —  3.  auantagem   A  —  assi  A. —  16.  alTomsseannes  A.  —  24.  muj  A. — 
28.  assi  A.  —  3o.  assi  A  —  ataaquelle  A.  —  33.  foram  A. 


252  

a  casa.  e  trouxeram  lii  jsso  meesmo  liuúa  tauoa  iarga  pêra  o  altar  com 
seus  pees.  e  per  semelhamte  todollos  outros  corregimentos,  que  pertee- 
çiam  pêra  aquelle  offiçio  do  dia  seguimte.  No  outro  dia  mujto  cedo 
forom  jumtos  em  aquella  casa  todollos  clérigos,  que  uijnham  em  aquella 
companha,  os  quaaes  todos  jumtos  faziam  huú  fremoso  collegio.  e  foy  5 
assy  que  aaquelle  tempo  nom  sse  acertou  alli  nehuij  bispo,  porque 
naquelle  emsseio  que  sse  a  armada  fez,  huús  morreram,  outros  estauam 
em  seu  estudo,  outros  eram  em  corte  de  Roma.  e  assy  per  açertamento 

A,  ii8,  r,  I    nom  foy  alli  nehuú.  empero  sua  presemça  *  nom  foi  alli  mujto  necessária. 

ca  assaz  auia  hi  de  clérigos  bem  sofiçientes  pêra  acabarem  aquelle  offiçio.  lo 
E  porem  tomaram  logo  mujtos  daquelles  clérigos  suas  capas  muy  rricas, 
de  que  hi  auia  assaz,  e  o  preste  jsso  meesmo  com  seu  diácono  e  sub- 
diacono,  teemdo  prestes  sua  calldeyra  com  agua  e  sall  pêra  fazer  seu 
offiçio.  E  em  esto  chegou  elRey  e  seus  filhos  com  elle.  e  assy  ho  com- 
destabre  e  o  meestre  de  Christo  e  o  prioU  "do  Espitall  com  todollos  )5 
outros  baroÕes  e  rricos  homeés,  e  gramdes  senhores  que  alli  eram.  os 
quaaes  todos  eram  uestidos  muy  rricamente  por  homrra  de  tamanha 
festa.  E  emtom  começou  aquelle  sacerdote  primeiramente  a  fazer  suas 
escomjuraçoões  sobre  o  sall,  dizemdo  sobre  elle  huúa  oraçom  que  sse 
rreza  em  na  samta  madre  egreia,  cujas  pallauras  dizem  assy.  Piadosa-  20 
mente  te  rrogamos  todo  poderoso  Deos,  que  polia  tua  imfijmda  clememçia 
queiras  beemzer  e  samtificar  esta  creatura  deste  sall,  a  quall  te  prouue  por 
tua  samta  merçee  dar  por  bem  e  saúde  da  humanall  geeraçam.  E  per 
semelhamte  guisa  foy  feito  a  agua,  que  estaua  em  huija  calldeyra  de  prata. 
e  amtre  tamto  os  outros   sacerdotes  camtauam  huúa  amtifana   que  diz.    25 

A,  ii8,r,2  Fumdada  he  a  casa  do  Senhor  sobre  todalias  altezas*  dos  montes,  aa  quall 
uijnram  todalias  gemtes  dizemdo,  gloria  seia  dada  a  ti  nosso  Senhor. 
E  emtom  começou  o  preste  outra  oraçom,  em  que  disse  as  seguimtes  palla- 
uras. Todo  poderoso  Deos,  que  em  todo  lugar  he  o  teu  poderio  e  obra, 
como  a  ti  praz.  emclina  tua  uoomtade  aas  nossas  sopricaçoões,  porque  3o 
esta  casa  que  ora  nouamente  he  fumdada  no  teu  nome,  seia  per  ti  guar- 
dada por  tall,  que  a  malldade  de  nehutj  poderio  a  possa  comtrariar.  mas 
o  Spirito  Samto  obrador,  que  faça  sempre  em  ella  obrar  puro  seruiço  e 
deuota  liberdade.  Dizemdo  assy  outras  oraçoões,  ataa  que  ajumtou  o 
sall  e  agua.  E  esto  assy  acabado  tomaram  as  cortinas,  e  começaram  de  35 
as  armar,   e  desi   assemtaram  o  altar  em  seu  lugar,   que  era  huúa  muy 

4.  foram  A.  —  6.  asy  A  —  aaquele  A.  —  7.  emsseio]  asseio  A.  —  i3.  caldeyra  A. — 
i5.  xpõs  A.  —  21.  jnfijmda  A  —  clemência  A.  —  24.  caldeyra  A.  —  25.  cantauam  A  — 
húa  A.  —  26.  ffundada  A.  —  27.  todas  as  A.  —  3o.  enclina  A.  —  33.  spiritu  A. 


—  253  — 

fremosa  cousa  de  ueer   a  rrepartiçam  daquellas  cousas,  como  amdaua 

.  tam  ordenadamente  per  todos  aquelles  clérigos,  ca  huti  trazia  huúa  sarja, 
e  ho  outro  o  cordell  e  os  pregos  pêra  armarem,  e  assy  todallas  outras 
cousas  hordenadamente,  ataa  que  o  altar  de  todo  foy  assemtado,  sobre 
5  o  quall  foy  feito  o  sinall  da  cruz  com  agua  beemta,  dizemdo.  Paz  seia 
comtigo.  E  depois  se  forom  assy  espargemdo  sua  agua  per  as  paredes 
da  jgreia,  começamdo  nas  partes  do  Ouriente  *  assy  çercamdo  toda  aquclla  A,  ii8,v,  t 
casa  darredor.  e  amtre  tamto  os  outros  clérigos  camtauam.  Esta  he  a  casa 
do  Senhor  Deos,  a  quall  he  bem  fumdada  sobre  firme  pedra,  leuamtesse 

IO  o  Senhor,  e  destruya  os  seus  jmmijgos,  por  tall  que  fujam  todos  aquelles 
que  auorreçeram  aa  sua  face.  Dizemdo  ajmda.  A  minha  casa  sse  cha- 
mara casa  de  oraçam.  rrecomtarey  o  teu  nome  aos  meus  jrmaãos,  em  meo 
da  tua  egreia  te  louuarey.  E  assy  forom  dizemdo  suas  oraçoÓes  e  amtifa- 
nas,  ataa  que  chegaram  aa  fim  da  sua  beemçam,  que  cobriram  o  altar 

i5  com  lemços  muy  delgados  e  aluos,  sobre  os  quaaes  poseram  a  ara 
sagrada  com  seus  corporaaes.  e  assy  poseram  naquelle  altar  huú  muy  rrico 
fromtall,  açemdemdo  per  toda  a  casa  mujtos  çirios  e  tochas.  Oo  quamto 
me  parece,  que  seria  em  aquelle  dia  leuamtado  o  coraçam  delRey  pêra 
dar  mujtas  graças  ao  Senhor  Deos,  uemdo  o  seu  estado  rreall  posto  em 

20  semelhamte  casa  com  tamto  louuor  e  liomrra  do  samto  nome  de  Jesu 
Christo,  e  acreçemtamento  da  rreallidade  da  sua  coroa.  Nem  aos  outros 
nom  era  pequena  follgamça  ueer  semelhamte  feito,  ca  leixamdo  a  homrra 
em  que  todos  tijnham  tamanha  parte,  foUgauam  de  ueer  a  hordenamça 
daquelles  estados  com  toda  a  nobreza  das  outras  cousas,*   que  sse  alli    A,  ii8,v,2 

35  faziam.  E  esto  assy  acabado,  começaram  todollos  clérigos  em  alta  uoz 
Te  Deum  laudamus  muy  bem  comtrapomteado.  em  fim  do  quall  fezeram 
todallas  trombetas  huúa  sonada.  e  ueede  queiamda  seria,  homde  passauam 
de  duzemtas. 


Como  o  meestre  frey  Joham  Xira  preegou,  e  como  os  Iffamtes  forom 
3o  feitos  caiialleiros.     Capitullo  LRvj. 

BEM  mostrou  o  Senhor  Deos  que  queria  seer  seruido  em  aquella  casa, 
que  com  tamta  homrra  sse  corregia   no  seu  nome.   e    esto   he 
porque  em  todallas   egreias  per  hordenamça   apostollica  deuem 
seer  postos  synos,  com  que  chamem  o  pouQO  de  Deos  pêra  a  sua  samta 

6.  foram  assi  A  — espargendo  A.  —  7.  assi  A. —  10.  fugam  A. —  11.  aborrecem  I. — 
i3.  foram  A. —  16.  assi  A.  —  20-21.  Jhú  xpõ  A.  —  25.  fazia  A  —  assi  A.  —  29.  e]  om  A  — 
foram  A  —  3i    o  I,  no  A. 


-254- 

casa.  E  estamdo  assy  em  aquelle  corregimento,  nembrou  ao  Iffamte  Dom 
Hamrrique  como  em  outro  tempo  os  mouros  leuaram  de  Lagos  dous 
sj'nos  pêra  aquella  cidade,  e  mamdou  logo  que  sse  buscassem  com  muy 
gramde  dilligemçia,  e  que  os  trouxessem  logo  alli.  Os  quaaes  prouue  a 
Deos  que  forom  achados,  e  corregidos  per  tall  guisa,  que  logo  em  aquella  5 
missa  seruiram  de  seu  ofiiçio.  Ho  meestre  preegou  alli  huiãa  preegaçam 
com  mujtas  autoridades  da  samta  escpritura,  aprouamdo  ho  gramde  ser- 
uiço   que  nosso   Senhor  Deos  rreçebera  em  aquelle  feito,  dizemdo  que 

A,  ii9,r,  I    *  todos  poderiam  dereitamentc  dizer  o  seu  tema  .s.  que  em  Cepta  era 

toda  gloria   e  homrra.     Gloria   disse   elle,   sse  toma  per  mujtas  guisas,    10 
porque  cada  huií  cobramdo  aquella  cousa,   em  cuja  bem  auemturamça 
tem  posta  sua  fim,   propriamente  lhe  parece  que  teem  a  perfeiçam  da 
gloria,  empero  fallamdo  dereitamente,  em  duas  cousas  soomente  esta  a 
perfeiçam  da  gloria   .s.   na  bem   auemturamça  que   perteeçe   a  alma,   a 
quall  sobre  todallas  outras  cousas  he  a  perfeiçam.   e  segumdo  a  gloria    15 
he  a  homrra  deste  mundo,  quamdo  a  os  homeés  percalçam,  cobramdo 
per  husamça  dalguúa  uirtude  a  uitoria  dalguúa  cousa  trautada  ou  come- 
tida a  fym  dalguú  bem.     E  pêra  seer  aquella  que  deue,  sempre  o  seu 
rrespeito  deue  de   comsseguir   o  seruiço   de  Deos,    ssem  o  quall   nom 
deuemos  comtar  nehuua  cousa  por  boõa.  ca  os  fillosofos  amtijgos,  pêro    20 
que  gemtios  fossem,  departimdo  a  gloria  em  mujtas  maneiras,  disseram 
que  huúa  das  cousas  por  que  o  homem  em  este  mundo  rreçebe  mayor 
gloria,  assy  era  por  sse  marauilharem  os  outros  das  suas  uirtudes  e  boom- 
dades,  auemdoo  por  digno  de  gramde  homrra.     E  ajmda  ho  autor  do  rre- 

A,ii9,r,2    gimento  dos  primçipes,  na  primeira  parte*  do  seu  primeiro  liuro,  depar-    25 
timdo  a  bem   auemturamça  em  mujtas  maneyras,  finallmente  comcludio 
que  todollos  primçipes  e  gramdes  senhores  na  bem  auemturamça  da  alma 
deuem  pocr  toda  sua  fim,   da  quall  dereitamente  naçe  homrra,  que  aos 
homeés  he  dada  neste  mundo,   porque  a  homrra  nom  sse  da  ssenam  por 
rrezam  de  uirtude.     Ora  ueede  sse  he  assaz  de  gloria  pcra  elRey  nosso    30 
senhor,  e  pêra  todos  uos  outros  seus  criados  e  naturaaes,  ueerdes  oje  per 
força  de  uossos  trabalhos  edificar  huúa  casa  aa  homrra  e  louuor  de  nosso 
Senhor  Deos.  ca  posto  que  lhe  uos  nom  fezessees  as  paredes  de  nouo, 
mujto  mayor  merecimento  he  a  uos,  tirardella  de  poder  dos  jmfiees,  domde 
primeiramente  estaua  sogeita  aos  maaos  e  abominauees  sacrifícios,  per    35 
exemplo  daquelle  Senhor,  que  as  mesas  dos  cambadores  derribou,  e  os 

I.  lembrou  A.  —  5.  foram  A.  —  12.  da  I,  de  A.  —  i5.  e  segumdo  a  gloria]  a  segumda 
gloria  I. —  16.  murndo  A. —  20.  boa  A — antijgos  A.  —  23.  assi  A.  —  29.  mumdo  A. — 
34. jnfiees  A. 


—  255  — 

que  uemdiam  as  poombas  lamçou  com  azorragues  fora  do  seu  samto 
templo,  mostramdo  a  nos  que  deuemos  com  toda  nossa  força  trabalhar, 
por  as  suas  samtas  casas  nom  seerem  corrompidas  per  nehuú  maao 
sacrifício,  e  nom  tam  soomente  aquelias  que  forom  da  nossa  le}',  mas 
5    a  todallas  outras,  em  que  os  jmfiees  fazem  seus  sacrifícios,  deuemos  de 

quebramtar  ou  tornar  em  moesteiros  e  jgreias*,  se  o  bem  podessemos    A,ii(),v.i 
fazer,  e  em  esto  mostraríamos  sinall  de  uerdadeyros  seruidores  de  Christo. 
Porque   a   Mousem,  que  foy  huú  homem  que  eile  mujto  amou,  mam- 
dou  primeiramente  na  uelha  ley,   que   fezesse  tall  tabernáculo,  que   era 

IO  como  huúa  temda,  em  que  faziam  os  filhos  disrraell  ortiçam  e  sacrifício 
a  Deos.  e  depois  rrei  Sallamam  a  ssemelhança  desto  fez  o  templo  de 
Jherusalem,  que  foi  outrossy  a  primeira  casa  doraçam  que  os  Judeus 
ouueram.  e  dalli  em  diamte  husaram  elles  de  fazer  casas,  em  que  orassem 
e  fezessem  seus  sacrifícios,  que  ssom  chamadas  sinagogas.    E  outrossy  os 

iS  christaãos  fezeram  na  noua  ley  jgreias  a  ssemelhamça  do  templo,  em  que 
fezessem  limpamente  o  sacrifício  uerdadeyro  de  nosso  Senhor  Jesu 
Christo.  e  rrogassem  a  Deos,  e  lhe  pedissem  merçee,  e  que  lhe  perdoasse 
os  seus  peccados.  E  pois  uos  teemdes  feito  o  uerdadeyro  templo  e  uer- 
dadeira  casa  a  nosso  Senhor,  na  quall  cousa  o  seruistes  em  duas  guisas. 

20    a  primeira  em  quamto  lamçastes  desta  cidade  os  maaos  jmfiees,  e  os 
tirastes   da   posse   de   seus   templos,  que  ssom  as  suas  mezquitas.  e   a 
segurada  em  quamto  tornastes  aquella  meesma  casa  em  templo  uerda- 
dej^ro,  que*  he  a  jgreia  de  nosso  Senhor.    E  ajmda  comtemplamdo  açer-    A,  n9,v,2 
qua  dello,  acho  que  des  o  fumdamento  desta  cidade  teue  o  nosso  Senhor 

25  Deos  hordenado  de  seer  aqui  posta  a  cabeça  da  jgreia  de  toda  a  terra 
dAffrica.  porque  per  duas  guisas  sse  comtem  em  o  nome  desta  cidade  a 
uerdadeyra  essência  do  nosso  Senhor  Deos.  A  primeira  em  quamto  o 
seu  nome  comtem  em  ssy  três  sillabas,  que  rrepresemtam  como  nosso 
Senhor  Deos  em  perssoall  ternário  he  sua  essemçia  em  noda  escprita.  cujo 

3o  çemtro  segumdo  diz  Hermes,  he  em  todo  lugar,  a  circumferemçia  nom  he 
em  alguú.  E  porem  som  três  ternários  em  geerall  uniuersidade  do  mundo, 
compridos  de  todo  em  çircullaçom.  Ho  profumdo  fíllosofall  theologo 
gramde  Alberto  sobre  o  primeiro  capitullo  da  çelestriall  gerarchia  poõe 
três  graaos  demtemdimento,  per  que  sse  ha  de  conhecer  Deos.    A  segurada 

35  maneira  he,  porque  em  o  nome  desta  cidade  se  comtem  cimquo  leteras, 
que  rrepresemtam  as  çimquo  chagas,  per  que  nosso  Senhor  Jesu  Christo 

4.  foram  A.  —  7  xpõ  A.  —  8.  a  Mouses  I,  amou  sem  A  DC.  —  11.  despois  A  —  seme- 
lhança I,  semelhamte  A. —  i.S.  xpaãos  A.  —  16-17.  JhC  xpõ  A.  —  20.  emfiees  A. — 
23.  ajnda  A.  —  26.  contem  A.  —  3i.  mumdo  A.  —  36.  JhQ  xpõ  A. 


—  256  — 

rremyo  a  linhagem  humanall.     E  assy  que  nom  he   a  Cepta   pequena 
gloria,  quamdo  o  seu  nome  traz  laaes  sinificaçoões.     Cobrastes  ajmda  a 

A, i2o,r,  i  segumda  maneira  *de  gloria,  que  he  a  homrra  deste  mundo,  cuja  perfei- 
çam  esta  naquelle  decorum,  a  que  os  Gregos  disseram  prepain,  que  quer 
dizer  em  nossa  dereita  limguagem,  fremosura  das  obras.  Em  uerdade  ; 
assaz  de  fremosa  obra  he,  cujo  nome  em  todo  tempo  será  gramde,  filhar 
assy  huúa  tamanha  cidade  em  tam  breue  espaço,  e  tam  alomgada  de 
nossa  terra,  e  fica  pêra  os  letereiros  de  uossas  sepullturas  huúa  tall  palla- 
ura,  quall  mujtos  per  uemtura  deseiaram.  E  os  autores  das  estorias  nom 
poderam  callar  a  gramdeza  de  tamanho  feito,  ca  certamente  nom  será  lo 
a  uos  pequena  gloria,  quamdo  pemssardes  que  depois  de  uossos  dias  o 
uosso  nome  e  a  fama  de  uossos  feitos  amtre  todallas  presemças  dos 
uiuos.  e  nom  tam  soomente  amtre  os  homeés  de  nossa  geeraçam,  mas 
per  todallas  partes  do  mundo  uoara  a  uossa  fama.  ca  assy  como  a  uos 
trouxeram  os  feitos,  que  sse  fezeram  em  Itallia  e  em  Lombardia  e  em  i5 
outras  partes,  nos  quaaes  ueedes  os  nomes  daquelles  que  numca  uistes 
nem  conhecestes,  e  louuaaes  os  seus  boÕs  feitos  polia  escpritura  que 
delles  leedes.  o   que   deuees   de  creer,   que  nom  menos  faram  de  uos 

A,  i2o,r,2    pollo  meriçimento  de  uossas  obras,   e  assy*  comcludo  que  Cepta  he  a 

perfeita  gloria   e  homrra.     E  per  esta  guisa  fez  o  meestre  fim  de  sua    20 
preegaçam.     Nom  seia  porem  alguií  de  tam  simprez  conhecimento,  que 
presuma  que  este  he  o  próprio  theor  daquelle  sermam.  ca  boom  he  de 
conhecer  que  nom  ha  nenhuíí  homem  por   emtemdido  que  fosse,  que 
podesse   tomar   todallas   pallauras    de    huiia    preegaçam.    quamto    mais 
seemdo  tamto  tempo  passado  como  ja  dissemos,  soomente  apanhamos    25 
assy  alguúas  cousas,  que  podemos  percallçar  pêra  acompanharmos  nossa 
estoria.     Depois  que  a  missa  foy  acabada,   os  Iffamtes  se  forom  pêra 
suas  pousadas  armar,  e  assy  todos  jumtamente  uieram  aa  jgreia,  a  quall 
cousa  era  muyto  fremosa  de  ueer.  ca  elles  auiam  todos  gramdes  corpos 
e  bem  feitos,  e  uijnham  armados  em  seus  arneses  muy  limpos  e  guarni-    30 
dos.  e  com  as  espadas  da  beemçam  çimtas.  e  suas  cotas  darmas.  e  amte 
elles  hiam  mujtas  trombetas  e  charamellas,  de  guisa  que  nom  sey  homem 
que  os  podesse  ueer,  que  nom  tomasse  muy  gramde  prazer,  e  mujto  mais 
aquelle  que  com  elles  auia  mayor  diuido,  que  era  elRey  seu  padre.     E 

A,  i2o,v,i    tamto  que  chegarom  amte  elie,  o  Iffamte  Duarte*  sse  pos  primeyramente    35 
em  joelhos,  e  tirou  a  espada  da  bainha  e  beyioua,  e  meteoa  na  maão  a  seu 
padre,  e  fezeo  com  ella  caualleyro.  e  per  semelhamte  guisa  fezeram  seus 

I .  a  I,  o?/j  A.  —  8.  uossa  I.  —  12.  antre  A.  —  14.  mumdo  A  —  assi  A.  —  1 5.  ytallia  A. 
—  27.  despois  A  —  Iffantes  A  —  foram  A.  —  33.  nam  A.  —  36.  giolhos  I  —  beyjoua  A. 


—  257  — 

jrmaãos.  E  esto  assy  acabado  beyiaromlhe  a  maão,  e  afastaramsse  pêra 
huúa  parte  cada  huú  pêra  fazer  os  de  sua  quadrilha  caualleiros.  Mujto 
me  pesa  porque  nom  pude  saber  os  nomes  daquelles,  que  alli  rreçeberam 
bordem  de  cauallaria.  empero  dalguús  que  apremdi  .s.  o  Iffamte  Duarte 
fez  caualleiro  o  comde  Dom  Pedro,  e  Dom  Fernamdo  de  Meneses,  e 
Dom  Joham  de  Loronha.  e  Dom  Hamrrique  seu  jrmaão.  e  Pêro  Vaaz 
dAlmadaã.  e  Nuno  Martimz  da  Sillueira.  e  Diego  Fernamdez  dAlmeyda. 
e  Nuno  Vaaz  de  Castell  Bramco.  e  assv  outros  alguús.  E  o  Iffamte  Dom 
Pedro  fez  hi  caualleiros,  Ayres  Gomez  da  Sillua  filho  de  Joham  Gomez. 
e  Aluoro  Vaaz  dAlmadaã.  e  Ayres  Gomçalluez  dAabreu.  e  Martim 
Corrêa,  e  Joham  dAtayde.  e  Martim  Lopez  dAzeuedo.  e  Diego  Gomçall- 
uez de  Trauaços.  e  Diego  de  Seabra,  e  Fernam  Vaaz  de  Sequeyra.  E 
o  Iffamte  Dom  Hamrrique  fez  caualleiros,  Dom  Fernamdo  senhor  de 
Bragamça.  e  Gill  Vaaz  da  Cunha,  e  Aluoro  da  Cunha.  *  e  Aluoro  Pereyra.  A,  120, v,2 
e  Aluoro  Fernamdez  Mazquarenhas.  e  Vaasco  Martimz  da  Albergaria. 
e  Diego  Gomez  da  Sillua.  e  assy  outros.  E  delRey  nom  falíamos  nada, 
porque  fez  a  tamtos,  ataa  que  com  emfadamento  os  leixou  de  fazer. 


Como  elRey  teiie  sem  comsselho  acerca  da  guarda  da  cidade. 
Capitullo  LRpij. 

20    1"^  OY  huú  gramde  fallamento  açerqua  da  guarda  desta  cidade,  no  qual 
rH     forom  desuairadas  opinioões.    Porem  tamto  que  estas  cousas  forom 
-■-        acabadas,  elRey  mamdou  ajumtar  todos  aquelles  que  tijnha  orde- 
nado pêra  seu  comsselho.  e  tamto  que   assy  forom  jumtos,  prepos  elRey 
amtre   elles   estas   seguimtes   pallauras   acerca   de  seu  propósito.     Bem 

25  sabees  disse  elle,  todo  o  fumdamento  que  tiue  no  começo  deste  feito,  e 
seede  mujto  certos  que  eu  nom  fuy  assy  ligeiro  de  trazer  aa  fim  daqueste 
propósito,  como  sabem  meus  filhos,  que  forom  os  primçipaaes  mouedores 
daquesta  empresa.  E  posto  que  me  mujtas  e  soffiçiemtes  rrezoões  mos- 
trassem, per  que  o  deuia  de  fazer,  eu  rresguardey  sempre  muy  bem  todollos 

3o    comtrairos,  que  podiam  empachar  nossa  uitoria.  e  primçipallmente  *  rrcs-    A,  r2i,r,  1 
guardey  sse  seria  seruiço  de  Deos  começarmos  semelhamte  obra.  e  bem 
sabees  toda  a  maneira  que  açerqua  dello  tiue.     Comssijrey  ajmda  mais, 
sse  per  uemtura  poderia  mamteer  e  guardar  esta  cidade  sso  a  fie  e  rrelli- 

5.  fernando  A.  —  7.  mlz  A  —  ffrz  A.  —  8.  assi  A.  —  10.  daabreu  A.  —  12.  sseabra  A. 
—  i5.  miz  A. —  19.  nouemtae  sete  A.  —  21.  foram  A —  forom  {2.°)]  foran  A.  —  23.  fo- 
ram A.  —  27.  preposito  A.  —  foram  A.  —  29.  todollo  A. —  32    conssijrey  A. 
33 


—  258  — 

giam  de  nosso  Senhor  Jesu  Christo.  porque  doutra  guisa  me  parece  que 
nosso  trabalho  nom  fora  justamente  despeso,  a  quall  cousa  nom  quis 
mujto  escolldrinhar,  comssijramdo  cjue  sse  uoomtade  fosse  de  nosso  Senhor 
Deos  de  a  trazer  aas  nossas  maãos,  nom  lhe  seria  deffiçill  de  dar  aazo  e 
caminho,  per  que  a  podessemos  guardar  e  mamteer.  Agora  polia  sua  5 
graça  cobramos  toda  a  fBm  de  nosso  deseio.  polia  quall  dereitamente  lhe 
deuemos  dar  mujtas  graças  por  três  rrezoões.  A  primeyra,  por  nos  dar 
uitoria.  a  segurada,  por  nolla  dar  em  tam  breue  tempo  e  com  tam  pouco 
trabalho,  a  terceira,  porque  nos  quis  guardar  de  muy  gramdes  perijgos, 
que  poderamos  auer,  sse  per  sua  graça  e  ajuda  nom  fora.  Porem  minha  lo 
uoomtade  he  com  a  graça  de  Deos  de  leixar  esta  cidade  sso  a  obediem- 
çia  de  nosso  Senhor  Jesu  Christo  e  da  coroa  de  meu  rregno.  aa  quall 
cousa  me  mouem  quatro  rrezoões  muy  soffiçiemtes  segumdo  meu  juizo,  s. 

A,i2i,r,2    a  primeira,  porque  sse  faça*  em  ella  o  sacrifício  deuino,  em  memoria  e 

rrenembramça  da  morte  e  paixam  de  nosso  Senhor  Jesu  Christo.  este  i5 
he  o  uerdadeiro  sinall  de  conhecimento,  que  lhe  poderemos  mostrar  da 
gramde  merçee  que  nos  açerqua  dello  tem  feita,  ca  doutra  guisa  seria 
errado  nosso  primeiro  fumdamento,  homde  dissemos  que  nos  mouiamos 
por  seu  seruiço.  ca  sse  agora  assy  leixassemos  esta  cidade,  nom  sey 
que  seruiço  rreçeberia  de  nosso  trabalho,  ca  os  jmfiees  tornariam  logo  a  20 
ella.  e  por  doesto  da  sua  samta  ffe  naquellas  casas  homde  o  seu  sacrifício 
foi  feito,  fariam  outras  cousas  de  gram  uituperio  e  desomrra  nossa.  E 
a  segumda  rrezam  he,  porque  fícamdo  assy  esta  cidade  sso  nosso  pod»2r, 
poderá  seer  aazo  de  sse  mouerem  alguús  primçipes  christaãos  pêra  uij- 
rem  aqui.  e  com  seu  poderio  e  frota  soiugarem  alguús  outros  lugares  25 
desta  comquista.  primçipallmente  eu  ou  cada  huú  dos  rrex,  que  depois  de 
meus  dias  soçederem  em  meu  senhorio,  os  quaaes  ueemdo  amte  os  olhos 
o  portall  aberto,  mais  ligcyramente  sse  moueram  de  acreçemtar  em  sua 
homrra.  A  terceira  rrezam  he,  porque  os  boõs  homeés  de  meus  rregnos 
nom  ajam  rrezam  desqueeçer  o  uirtuoso  exerçiçio   das  armas,   ou  per    3o 

A,  i2i,v,i  uemtura  queremdo  obrar  em  *  ello,  nom  hiram  buscar  os  rregnos  alheos, 
homde  prouem  sua  força,  teemdo  amte  ssi  cousa  tam  aazada  em  que  o 
possam  fazer.  Ca  sabees  quamdo  me  alguiis  pedem  leçemça  pêra  hir 
fazer  em  armas  a  Framça  ou  a  Imgraterra,  he  necessário  que  os  correja 
e  lhe  faça  merçee  pêra  sua  uiagem.  com  menos  da  quall  despesa  os  eu  35 
posso  corrcger  e  os  emuiar  a  esta  cidade,  homde  me  faram  mujto  mayor 

I.  Jhú  xpõ  A.  —  5.  manteer  A.  —  12.  Jhú  xpõ  A.  —  i3.  soficientes  A. —  i5.  Jhú  xpó  A. 
—  20.  jnfiees  A.  —  21.  onde  A.  —  24.  xpaãos  A.  —  27.  em  I,  om  A.  —  33.  quando  A.  — 
34.  correga  A. 


—  259  — 

seruiço.  E  ajmda  mujtos  de  meus  naturaaes,  que  per  alguús  negócios 
ssam  desterrados  de  meus  rregnos,  milhor  estaram  aqui  fazemdo  seruiço 
a  Deos,  e  comprimdo  sua  justiça,  que  sse  hirem  polias  terras  estranhas  e 
desnaturaremsse  pêra  todo   sempre  de  sua  terra.     A  quarta  rrezam  he, 

5  porque  a  memoria  de  tamanho  feito  possa  durar  amte  os  olhos  dos 
homeés,  em  quamto  a  Deos  prouuer  de  comseruar  a  sua  obediemçia  de 
sob  o  poderio  dos  rrex  de  Portugall.  e  porque  alguús  gemtijs  homeés, 
que  por  homrra  e  amor  de  nosso  Senhor  Deos  quereram  trabalhar  com- 
tra  os  jmmijgos  da  sua  samta  ffe,  tenham  casa  e  lugar,  homde  o  possam 

IO    fazer.     Ca  sabees  muy  bem,  como  ho  rregno  de  Graada  nom  he  tam 
aazado  pêra  ello,  como  he  esta  cidade,   polias  pazes  e  tregoas,  que  sse 
amtre  elles  *  fazem  a  meude.    E  porque  saybaaes  minha  emtemçam,  como    A,  i2i,v,2 
he  rrezoado  de  saberem  homeés   de  que  tamto  comfio,  uollo  faço  saber 
pêra  rreçeber  de  uos  comsselho  naquellas  cousas,  que  per  uemtura  meu 

i5    emtemdiraento  nom  percallça  naquella  perfeiçam  que  deue. 


Como  alguús  daquelles  do  comsselho  rrespomderam  a  elRey. 
Capitullo  LRjnij. 

VISTA  assy  amtre  todos  aquella  temçam  que  elRey  tijnha,  todos  lou- 
uaram  que  era  muy  boõa.  e  ouue  naquelle  comselho  alguúas  deui- 
soões,  como  sse  geerallmente  fazem  em  todallas  cousas  gramdes. 
Ca  bem  deuees  de  comsijrar,  que  o  mouimento  de  tamanha  cousa  nom 
podia  seer  sem  mujtas  duuidas,  segurado  uerees  em  este  capitullo.  em- 
pero  por  escusarmos  soma  de  pallauras,  departiremos  o  comsselho  em 
duas  partes.     A  primeyra  foy  daquelles,  a  que  de  todo  pareçeo  a  temçom 

25    delRey  boõa  sem  nehuúa  contradiçam.   e  das  rrezoões  destes  nom  aue- 
mos  por  que  fallar,  pois  nom  desacordaram  do  propósito,  mas  os  da 
segumda  parte  disseram  assy.    Por  quamto  senhor,  conhecemos  de  uossa 
uoomtade  que  he  sempre  seerdes  comsselhado*  em  todallas  cousas,  e  que    A,  i22,r, i 
uos  nom  despraz   de  uos  serem  ditas  quaaesquer  cousas,   que   homem 

3o  semta  comtra  uosso  propósito,  uos  diremos  agora  o  que  nos  parece  pêra 
uosso  milhor  auisamento.  E  quamto  he  aa  uossa  temçam  assy  simprez- 
mente  filhada,  nom  ha  hi  alguúa  rrezam  que  a  possa  afastar  de  seer  mujto 
justa  e  mujto  boõa.  mas  he  de  ueer,  se  ha  hi  outros  comtrairos  que  uos 
possam  embargar,  e  nomearuos  emos  aqui  alguús  pêra  ueerdes  sse  ssom 

i3.  tanto  A. —  i6.  consselho  A. —  17.  nouemta  e  oito  A. —  19.  boa  A.  —  22.  duuy- 
das  A.  —  a5.  boa  A.  —  27.  quanto  A.  —  33.  boa  A. 


—  26o 

taaes,  que  ajam  lugar  pêra  dereitamcnte  empachar  uossa  uoomtade.  E 
primeiramente  senhor,  deuees  de  comsijrar  como  esta  cidade  he  muy 
allomgada  de  uossa  terra,  e  como  esta  em  meo  de  uossos  jmmijgos,  os 
quaaes  por  uimgamça  de  sua  jmiuria  quereram  trabalhar  quamto  poderem, 
e  tamto  que  uos  daqui  semtirem  afastado,  buscaram  suas  ajudas  de  todallas  5 
partes,  a  quall  de  rrezam  lhe  nom  será  negada  pêra  semelhamte  feito. 
E  nom  he  duuida,  que  sse  nom  faça  muy  gramde  ajumtamento  sobre  esta 
cidade,  ao  quall  per  uemtura  os  que  aqui  leixardes  nom  poderam  rreses- 
tir.   e  uos  posto  que  lhe  queyraaes  emular  acorro,  ou  nom  saberees  sua 

A,  i22,r,2  necessidade,  ou  nom  *  terees  abastamça  de  frota  tam  prestes,  com  que  lhe  lo 
possaaes  acorrer,  ca  todo  he  pêra  comssijrar.  E  posto  que  lhe  huúa  uez 
acorraes,  nom  o  poderees  ass}'  fazer  outras  mujtas.  e  uos  seemdo  tam 
allomgado  desta  terra,  e  os  mouros  aa  porta,  será  a  pelleia  muy  desíguall. 
os  quaaes  cada  dia  sse  ham  de  trabalhar  quamto  poderem  de  uimgar 
sua  desomrra.  E  comssijraae  jsso  meesmo  a  gramdeza  desta  cidade,  pêra  i5 
cuja  deffemssam  uos  he  necessária  raujta  gemte  e  boõa.  e  que  pode  seer 
que  uijmdo  elRey  de  Castella  aa  sua  hidade,  nom  quererá  estar  polias 
pazes  que  seus  tutores  teem  firmadas  comuosco.  por  cuja  rrezam  uos 
comuijra  auerdes  mester  essa  gemte,  e  outra  mujta  mais  sse  a  teuesees, 
pêra  deffemssam  de  uossos  rregnos.  E  comssijraae  como  a  gemte  que  20 
aqui  esteuer  ha  mester  mamtijmentos  e  dinheyros  pêra  solido  e  pêra 
merçees.  e  que  por  pouco  seruiço  que  uos  aqui  façam,  semtimdo  a  uoom- 
tade que  auees  na  deffemssam  deste  lugar,  uos  rrcquereram  mayores  mer- 
çees do  que  seu  estado  rrequere,  sobre  o  quall  he  necessário  que  rreçe- 
baaes  fadiga  e  escamdallo  de  uosso  pouoo.     E  porque  he  necessário  que    25 

A, i22,v, I  seiam  costramgidos  pêra  mujtas*  cousas  de  sua  seruemtia,  cujo  trabalho 
lhe  nom  fará  pequeno  empacho,  quamto  mais  ajmda  sse  for  necessário 
de  lhe  tomarem  alguijas  cousas  pêra  gouernamça  delia,  será  aazo  de 
mujtos  leixarem  o  rregno,  e  sse  hirem  pêra  as  terras  estranhas.  E  ueede 
ajmda  senhor,  a  pequena  fortelleza  que  ha  em  esta  cidade,  a  quall  posto  3o 
que  bem  cercada  seia,  nom  he  porem  tamto  como  compria.  ca  logo 
acerca  delia  seria  boÕa  e  assaz  defíemssauel,  se  a  cidade  toda  fosse  chea 
de  gemte  que  morasse  em  ella.  mas  estamdo  aqui  como  fromteiros,  nuraca 
podem  seer  tamtos  que  a  soomente  possam  de  mear.  E  quamto  he 
senhor,  ao  que  dizees  que  uosso  primçipall  mouimento  he  por  seruiço  de  33 
Deos,  queremdo  que  sse  traute  aqui  o  deuinall  sacrifício,  assy  deuees 
uos  hordenar  semelhamte   cousa  que  o  bem  que  hi  fezerdes,  nom  seia 


I.  uoontade  A.  —  iC.  boa  A.  —  i8.  tetores  A.  —  21.  mantijnientos  A.  —  32.  boa  A. 


—  26[   — 

aazo  doutro  mujto  mayor  mall.  que  quamto  por  fazerdes  jgreias,  em  que 
sse  faça  ho  samto  sacrifício,  assaz  delias  teemdes  em  uossa  terra,  que  ssom 
casi  todas  destroidas,  que  seri;-,  mayor  mérito  de  as  rrepayrar  e  correger, 
que  fazer  aqui  outras  semelhamtes  de  nouo.  em  deftemssom  das  quaaes 
5    uossos   seruidores   e  naturaaes  estem  em  tamanho  perijgo.     Omde  nos 

parece*   que  deue  seer  mais  semtida  a  perda  de  cada  huú  delles,   que    A,i22,v,2 
rreçebido   em  merecimento  ha  edificaçam  das  jgreias  que  sse  tam  justa- 
mente pode  escusar.     Ca  diz  o  apostollo,  que  nos  outros  somos  templos 
de  Deos,  por  o  quall  sse  parece  que  mayor  merecimento  he  comseruar  os 

•o  templos  spirituaaes,  que  hedificar  nouamente  os  templos  materiaaes. 
Outrossy  o  sostijmento  desta  cidade  pode  seer  aazo  de  auer  mais  mall 
feitores  em  uosso  rregno,  do  que  ata  aqui  ouue.  ca  o  atreuimento  da 
liberdade  que  ha  dauer,  os  fará  cometer  mais  ousados  crimes,  que  faria 
sse  nom   soubessem  que  a  determinaçam   da   pena  seria   tam   certa.     E 

i5  finallmente  senhor,  comssijramdo  todas  estas  cousas  poderees  esguardar 
as  cousas  que  ham  de  uijr.  e  sse  uos  nossas  rrezoões  parecem  sofficiem- 
tes,  hordenay  sobre  ellas  uosso  feito,  de  guisa  que  ao  diamte  uos  nom 
possa  trazer  empidimento. 


Como  elRey  determinou  todauia  de  mamteer  a  cidade,  e  como  daiia 
20       emcarrego  delia  a  Martitn  Affomsso  de  Meello.    Capitullo  LRix. 

Eu  ssom  bem  nembrado  rrespomdeo  elRey,  quamtos  comtrairos  ouue 
no  começo  daqueste  feito,  e  quamtas  *uezes  fuy  comsselhado  per  A,  i23,r,  i 
alguiJs  de  uos  outros,  que  leixasse  de  proseguir  minha  demamda, 
mostramdome  outras  mujtas  rrezoÕes  per  que  o  deuia  de  fazer.  E  eu 
25  sempre  tiue  amte  meus  olhos  o  fumdamento  que  tomey  pêra  proseguir 
esta  obra.  e  como  me  nembraua  que  era  seruiço  de  Deos,  logo  me 
parecia  que  nom  tijnha  rrezam  pêra  a  leixar  dacabar,  amte  me  deuia  a 
despoer  a  todo  trabalho  e  perijgo  pollo  poer  em  fim.  E  comssijro  agora 
como  sobre  tamtos  comtrayros  oferecidos,  nosso  Senhor  Deos  quis  dar  a 
3o  uitoria  comtra  todo  naturall  juizo  dos  homeés.  assy  espero  em  elle  que 
lhe  prazerá  trazer  minha  emtemçom  a  fim  de  seu  samto  seruiço.  E  cer- 
tamente, que  quamto  eu  em  ello  mais  comssijro,  tamto  me  parece  que  pre- 
sumo que  ajmda  esta  cidade  ha  de  seer  aazo  doutro  mujto  mayor  bem 
pêra  mym,  ou  pêra  alguús  da  minha  geeraçom.     E  finallmente  ponho  estes 

I.  quanto  A. —  2.  teendes  A.  —  i2.  ataaqui  A.  —  21.  quantos  A.  —  22.  quantas  A.  — 
2.5.  ante  A.  —  29.  oferiçidos  A.  —  32.  comsijro  A.  —  33.  muyto  A. 


202  — 

feitos  nas  maãos  de  nosso  Senhor  Deos,  e  de  minha  Senhora  a  uirgem 
Maria  sua  madre,  sob  cuja  esperamça  determino  de  guardar  e  mamteer 
esta  cidade  aa  sua  homrra  e  louuor.  Acabadas  assy  estas  rrezoões  logo 
alli  naquelle  meesmo  comsselho  elRey  disse  a  Martim  Aftomsso  de  Mee- 

A,  i23,r,2    Ho,  por  fazer  logo  começo  de  sua  *  emtemçom  que  sse  fezesse  prestes     5 
pêra  ficar  por  fromteiro  em  aquella  cidade.     Martim  Affomsso,  disse  elle, 
assy  pollos  mujtos  seruiços  que  uos  e  uosso  padre  e  todollos  outros  de 
uossa  geeraçom  teem  feitos  a  mym  e  aos  rrex  domde   eu  uenho.  como 
por  semtir  que  o  saberees  muy  bem  fazer,  a  mym  praz  de  uos  emtregar 
esta  cidade,  na  quall  semto  que  farees  seruiço  a  Deos  e  a  mym,  e  acre-    lo 
çemtarees  em  uossa  homrra  e  de  uossa  linhagem.     E  eu  uos  leixarey  dos 
fidaligos  de  minha  casa  e  de  meus  filhos,   e  assy  dos  outros  meus  natu- 
raaes,  per  que  uos  seiaaes  bem  ajudado  a  uosso  trabalho.     E  jsso  mees- 
mo  uos    leixarey   artelharias   e   corregimentos   pêra   uossa  deffemssom, 
quamtES  uos  mester  fezerem.     E  logo  poUo  presemte  uos  ficaram  bita-    i5 
lhas  e  mamtijmentos  pêra  uossa  gouernamça.     E  tamto  que  a  Deos  pra- 
zemdo  eu  for  em  Portugall,  eu  teerey  aquelle  cuydado  de  hos  que  he 
rrezam.     Martim  Affomsso  assy  pollo  presemte    foy  beyiar  a  maão  a 
elRey,  dizemdo  que  lho  tijnha  mujto  em  merçee.  empero  que  aueria  acerca 
dello  seu  comsselho.     Mas  quallquer  que  o  comsselho  fosse,  diz  o  autor,    20 
a  sua  determinaçam   foi  mujto  prasmada  da  mayor  parte  dos  boõs  que 

A,i23,v,i    alli  eram.  porque  Martim  Afíomsso  '^  foi  comsselhado  de  dous  homeés,  que 
nom  comssijraram  bem  a  gramdeza  daquelle  feito,   nem  escolldrinharam 
dereitamenle  a  homrra  de  Martim  Affomsso,  comsselhamdoo  que  nom  acei- 
tasse tall  emcarrego,  dos  quaaes  huú  foi  huíí  escudeiro  dEuora,  que  cha-    25 
mauam  Joham  Gomez  Arnalho,  e  ho  outro  Joham  Jusarte. 


Como  o  comde  Dom  Pedro  rrcquereo  aquella  fromtaria,  e  quaaes 
forovi  os  que  allificarom.     Capitullo  C. 

DESPROUUE  mujto  a  elRey  quamdo  Martim  Affomsso  allegou  suas 
escusas  rrefusamdo  aquella  ficada,  ca  certamente  nom  lhe  fazia  3o 
elRey  semelhamte  mouimento  senom  com  gramde  amor  que 
lhe  auia.  e  pollo  conhecer  outrossy  por  muy  boom  caualleiro  e  bem  auto 
pêra  semelhamte  emcarrego.  E  aalem  de  seu  gramde  esforço  e  ardideza, 
compôs  huú  liuro  per  seu  emgenho  e  saber,  que  sse  chama  da  guerra,  no 

2.  manteer  A  — 3.  assi  A  —  loguo  A. —  7.  assi  A.  —  12.  assi  A. —  18.  assi  A. — 
22.  Affom  A.  —  23.  cosijraram  A.  —  28.  foram  A.  —  Capitólio  A  —  C]  cemto  A.  — 
29.  elRej  A  —  affom  A. 


—  263  — 

quall  sse  comtem  mujtas  e  boõas  emsinamças  e  auisamentos  pêra  todos 
aquelles  que  teuerem  fortelleza,  ou  alguú  lugar  cercado  em  fromtaria  de 
)mmijgos.  Mas  mujtas  uezes  os  maaos  comsselheiros  *priuam  os  boõs  A,  i23,v,2 
homeés  de  seu  emtemder.  por  cuja  rrezam  disse  o  sabedor.  Do  maao 
5  comsselheiro  guardaras  a  tua  alma.  E  porque  elRey  semtio  que  o 
primçipall  mouimento  de  Martim  Affomsso  forom  aquelles  que  o  assy 
comsselharam,  aa  quall  cousa  os  fez  mouer  seu  próprio  jmteresse,  mais 
que  outra  nehuúa  justa  necessidade,  semtimdo  que  sse  elle  alli  ficasse,  que 
era  necessário  ficarem  elles.  porem  mamdou  elRey  que  amtre  os  outros 

IO  que  ali!  ouuessera  de  ficar  que  fossem  elles,  ficamdo  assy  este  feito  pêra 
elRey  emieger  em  sua  uoomtade  outro  alguú  que  alli  ouuesse  de  ficar 
com  aquelle  emcarrego.  O  comde  Dom  Pedro  de  Meneses  soube  dello 
parte,  e  foysse  muy  trigosamente  ao  meestre  de  Christo,  rrogamdolhe 
raujto  que   o  quisesse  ajudar  em  aquelle  feito,   ca  sua  uoomtade  era  de 

i5  ficar  alli,  se  lhe  elRey  fezesse  merçee  daquelle  emcarrego.  A  quall  cousa 
o  meestre  fez  com  muy  boom  deseio,  semtimdo  a  desposiçam  do  comde, 
e  jsso  meesmo  por  seer  homem  que  lhe  mostraua  boom  deseio.  e  assy 
foy  logo  fallar  acerca  dello  ao  Iffamte  Duarte,  pedimdolhe  que  rreque- 
resse   a   elRey  seu  padre   aquella  cousa   pêra  o  comde,   do  que  mujto 

20    prouue  ao  Iffamte.  *  e  assy  foi  logo  todo  emcaminhado  per  a  guisa  que  o    A,  i24,r,  i 
comde  rrequeria,  do  que  elle  foi  mujto  ledo.  e  ass}'  foy  por  ello  beyiar  a 
maão  a  elRey  e  ao  Iffamte.     Ruy  de  Sousa  que  depois   foi  alcayde  do 
castello  de  Maruam,  padre  de  Gomçallo  Rolz  de  Sousa,  foi  ho  primeiro 
fidallgo  que  rrequereo  a  elRey,  que  o  leixasse  em  aquella  cidade,  dizemdo 

25  como  tijnha  quoremta  homeés  muy  bem  armados  e  com  boÕas  uoomta- 
des  pêra  ficarem  com  elle  em  seu  seruiço.  ora  ueede  sse  em  tall  tempo 
era  pêra  outorgar  semelhamte  rrequerimento.  ElRey  foi  mujto  ledo  com 
tall  pititorio,  e  assy  disse  que  lho  agradecia  mujto,  e  que  prazeria  a  Deos 
que  o  acreçemtaria   ao  diamte  por  ello,   e  lhe  faria  mujtas  merçees.   e 

3o  emtom  disse  aos  Iff^amtes  que  escolhessem  de  suas  casas  certos  fidallgos 
e  escudeiros  que  ficassem  alli.  Os  quaaes  forom  estes  que  sse  adiamte 
seguem  .s.  Lopo  Vaaz  de  Castell  Bramco  alcayde  de  Moura,  que  era 
momteiro  moor  delRey,  ficou  alli  por  coudell  de  todollos  seus.  e  os  do 
Iffamte  Duarte  ficaram  sob  gouernamça  do  comde  Dom  Pedro,   e  os  do 

35    Iff"amte  Dom  Pedro  ficaram  a  Gomçallo  Nunez  Barreto,  e  os  do  Iff"amte  Dom 

Hamrrique  a  Joham  Pereyra,  que  depois  foy  muy  boom  caualleyro  *  em    A,  i24,r,2 

1.  boas  A.  —  3.  emmijgos  A  —  muytas  A.  —  6.  foram  A.  —  7.  jnteresse  A. —  i3.  xpõs  A. 
—  17.  assi  A.  —  18.  loguo  A.  —  21.  assi  A  —  beyjar  A.  —  24.  elRej  A.  —  25.  boas  A.  — 
28.  assi  A.  —  3 1 .  foram  A.  —  36.  despois  A. 


—  264  — 

B,  m3,  r,  1    aquella   *  cidade,  e  em  outras  *mujtas  forom  elle  e  outros  boõs  homeés 
'''*''^'*    ante   daqueste  feito,   os  quaaes  andando  nas  guerras  de   França  e  de 

A,  125,  r,  2  Ingraterra  ouuindo  as  nouas  da  armaçam  que  elRey  fazia  *leixaram 
todallas  doçuras  de  Framça  e  daquellas  terras  por  uijnr  a  seruiço  delRey, 
os  quaaes  eram  o  dito  Joham  Pereyra.  e  Diego  Lopez  de  Sousa,  e  Pêro  5 
Gomçalluez  a  que  deziam  Mallafaya.  e  Aluoro  Meemdez  Cerueira.  Fica- 
ram ajmda  na  dita  cidade,  afora  estes  que  ditos  auemos,  Ruy  Gomez  da 
Sillua,  Fero  Lopez  dAzeuedo,  e  os  ja  ditos  Fero  Gomçalluez  e  Aluoro 
Meemdes.  e  Luis  Vaaz  da  Cunha,  e  Luis  Aluarez  da  Cunha,  e  Fernam 
Furtado,  e  o  caualleiro  de  samta  Cruz.  e  Aluaro  Eannes  de  Cernache.  e  10 
Diego  de  Seabra,  e  Meem  de  Seabra,  e  Gill  Louremço  dEluas.  e  Diego 
Aluarez  Barbas,  e  Gomez  Diaz.  e  Fero  Vaaz  Pimto.  e  Joham  Ferreira.  E 
com  estes  ficarom  per  toda  gemte  dous  mil!  e  seteçemtos  homeés.  e  miçe 
Itam  que  ficou  hi  com  duas  gallees  pêra  guardar  o  estreito.  E  mamdou 
elRey  que  lhe  ficassem  mujtas  bitalhas  e  armaria,  assy  armas  do  corpo  i5 
como  beestas  e  almazem.  Outrossi  amtre  as  cousas  que  forom  achadas 
em  Cepta  que  de  comtar  seiam,  forom  quatro  gallees  e  huQa  gallee  rreal  e 
mujtos  uirotoões  e  beestas  e  scudos  e  huiãa  bombarda  e  mujta  poluora  e 
cera  e  seuo  e  pez  dardos  amcoras  cabres  treus  mastos  uergas  artimoÕes 

A,  i25,r,2  gouernalhos,  e  todo  esto  em  gramde  abastamça,  *  as  quaaes  cousas  forom  20 
achadas  nas  taraçenas.  E  estas  cousas  assy  todas  postas  em  fim,  amte  que 
elRey  dalli  partisse,  disse  ao  Iffamte  Dom  Hamrrique  que  fosse  meter  de 
posse  do  castello  ao  comde  Dom  Pedro.  E  a  menagem  senhor,  disse  o 
Itlamte,  rreçebella  ey  eu  delle,  ou  a  uijra  fazer  a  uos.  Nom  quero  outra 
menagem  rrespomdeo  elRey,  senom  o  conhecimento  que  tenho  de  sua  25 
boomdade,  polia  quall  delle  comfio  que  o  guardara  como  he  rrezam.  E 
assy  foi  o  Iffamte  tirar  Joham  Vaasquez  do  castello,  e  emtregallo  ao  comde, 
dizemdolhe  aquellas  meesmas  pallauras  que  lhe  elRey  dissera  acerca  da 
menagem,  a  quall  cousa  o  comde  disse  que  tijnha  mujto  em  merçee  a  elRey 
e  ao  Iffamte.  e  emtom  filhou  o  Iffamte  as  chaues  em  sua  maão  e  lhas  3o 
emtregou,  e  o  leixou  assy  em  posse.  E  como  quer  que  Joham  Vaasquez 
auia  tamtos  dias  que  alli  estaua,  e  cada  huú  dia  emuiaua  daquellas  cousas 
que  ally  achara  pêra  os  nauios,  ajmda  aaquelle  tempo  que  elle  leixou  o 
castello,  hi  ficarom  mujtas  que  o  comde  depois  ouue.  empero  nom  das 
primeiras.  35 

10.  aluareannes  A. —  13-14.  meçeitam  A,  mice  Itam  I.—  i5.  assi  A. —  16.  foram  A. 

—  17.  foram  A  —  uiratoões  A. —  19.  e  seuo]  seuo  A.  —  20.  foram  A.  —  21.  assi  A. — 
22.  elRej  A  —  hanrrique  A.  —  24.  ei  A.  —  25.  elRej  A.  —  27.  assi  A.  —  3o.  Iffant  ( 1  .°j  A. 

—  3i.  assi  A.  —  34.  despois  A, 


—  265  — 

Como  elRey  partio  de  Cepta  e  chegou  ao  Algariie,  e  como  fe\  em 
Tauilla  seus  filhos  duques.     Capitullo  Cj. 

JA  agora  a  gemte  de  nossa  frota  amda  corregemdo  *seus  aparelhos  a  i25  v  i 
pêra  fazer  sua  uiagem.  empero  amtre  elles  auia  duas  temçoões 
muy  desiguaaes,  fallamdo  soomente  daquellas  pessoas  de  baixo 
estado,  porque  os  fidallgos  e  outros  boõs  homeés  auiam  gramde  foll- 
gamça  por  ficarem  em  aquella  cidade,  speramdo  que  pollo  bem  que  em 
ella  fezessem  acreçemtariam  mujto  mais  em  suas  liomrras.  mas  os  outros 
do    pouoo   tijnham    as    temçoões    muy    comtrairas    daquesta.    ca    nom 

IO  podiam  presumir  que  depois  que  elRey  partisse,  nehuú  delles  auia  de 
ficar  uiuo.  E  quamto  os  outros  que  auiam  de  uijr  pcra  Portugall,  tra- 
ziam de  lediçe,  tamto  auiam  os  que  ficauam  mayor  tristeza,  e  huús 
buscauam  rrogadores  que  os  escusassem  daquelle  trabalho,  outros  bus- 
cauam  nouas  maneiras  de  rromçaria,  fimgindo  emfirmidades  que  conhe- 

i5  çidamente  numca  teueram.  outros  prometiam  aalem  de  sua  fazemda  o 
que  nom  tijnham,  por  nom  auerem  rrezam  de  ficar.  Empero  estas  cousas 
nom  lhe  aproueitauam  mujto,  por  quamto  aquelles  que  eram  determina- 
dos pêra  ficarem,  se  a  necessidade  nom  era  manifesta,  por  seus  fimgimen- 
tos  nom  sse   leixaua   de  emxecutar  toda  a  primeira  hordenamça.     Dous 

20    dias  eram  do  mes  de  setembro  a  huúa  segumda  feira,  quamdo  *  a  frota  de    A,  i25,v,2 
todo  foi  prestes  pêra  partir,  e  todos  aquelles  fidallgos  e  escudeiros  forom 
beyiar  a  maão  a  elRey,  o  quall  lhes  fez  muy  gramde  gazalhado,  dizemdo 
primeiramente  ao  comde.     Pois  que  a  Deos  aprouue  de  uos  emcaminhar 
pêra  rrequerer  semelhamte  cousa  com  muy  boõa  uoomtade,  que  teemdcs 

25  pêra  me  fazerdes  seruiço.  pollo  quall  eu  som  theudo  de  uos  acreçemtar 
e  fazer  homrra  e  merçee.  eu  uos  emcomemdo  que  tenhaaes  sempre 
amte  os  olhos  o  emcarrego  que  filhastes,  e  que  nom  menos  coraçom 
tenhaaes  pêra  o  guardar  e  defemder,  do  que  teuestes  pêra  o  rrequerer,  e 
ajmda  mujto  mayor  comssijramdo  bem,  que  na  guarda  desta  cidade  sse 

3o  comtem  uossa  homrra  e  uida.  E  uos  emcomemdo  que  agasalhees  muy 
bem  estes  fidallgos  que  aqui  leixo,  pêra  uos  ajudarem  a  guardar  c  deffem- 
der  esta  cidade,  e  jsso  meesmo  uos  emcomemdo  toda  a  outra  gemte  que 
aqui  fica,  que  os  trautees  docemente  e  com  todo  fauor  que  rrazoada- 
mente  poderdes,   e  a  huús   e  aos  outros  emcomemdo  que  uos  obedeçam 

35  como  a  capitam  e  a  uerdadeiro  fromteiro.  E  ditas  estas  pallauras  lhe 
beyiaram  todos  a  maão,  e  sse  spediram  delle.     Aos  fidallgos  disse  elRey, 

6-7.  follgança  A.  —  17.  muyto  A.  —  20.  quando  A.  —  21.  foram  A.  —  24.  boa  A. — 
2G.  emcomendo  A.  —  29.  muyto  A.  —  3i .  fidalgos  A. 
34 


—  266  — 

que  lhes  emcomemdaua  que  nom  fezesse  mimgua  sua  presemça  amte  os 
A,  126, r, I  seus  olhos,  mas  que  sempre  trabalhassem*  por  sua  homrra,  segumdo  a 
linhagem  de  que  uijnham  rrequeria,  e  a  comfiamça  que  em  elles  auia. 
Ao  que  todos  rrespomderam  que  elles  fariam  per  tall  guisa,  que  amtes 
elle  ouuisse  nouas  de  sua  morte,  que  de  nehui]  outro  seu  falecimento.  5 
Os  nauios  que  auiam  de  partir,  eram  ja  todos  prestes,  e  huOs  tijnham  as 
uergas  altas  e  soomente  estauam  sobre  huúa  amcora,  e  outros  amdauam 
ja  aa  uella.  E  tamto  que  elRey  foi  demtro  na  gallee,  mamdou  fazer 
sinall  com  suas  trombetas,  per  que  todollos  outros  nauios  desfalldrassem 
suas  uellas  seguimdo  sua  uiagem,  na  quall  cousa  foi  posta  pequena  10 
deteemça.  e  assy  começaram  todos  demcaminhar  com  muy  gramde  pra- 
zer caminho  do  Algarue,  fazemdo  desuayrados  soõs  em  seus  estromentos, 
como  aquelles  que  a  doçura  da  uitoria  e  a  esperamça  que  traziam  de 
ueer  sua  terra  e  seus  amigos  e  paremtes,  fazia  os  coraçoões  mujto  alle- 
gres.  Mas  os  outros  que  ficauam,  esteueram  todo  aquelle  dia  sobre  os  i5 
muros,  oolhamdo  a  frota  com  muy  gramde  soydade.  e  taaes  hi  auia  que 
nom  chorauam  menos,  que  sse  teuessem  certa  speramça  de  numca  mais 
ueerem  sua  teera  nem  seus  amigos  e  naturaaes.  E  em  uerdade  fallamdo 
A,'i2G,r,2    dcreitamente,  nom  era  ssem  rrezam  de  auerem  amtre  *  ssi  muy  gramde 

soydade.  ca  o  lugar  e  o  tempo  e  a  presemça  do  feito  trazia  gramde  aazo    ao 
pêra  ello.  ca  ueemos  quamdo  sse  huú  homem  parte  do  outro,  ajmda  que  o 
espaço  seia  pequeno  de  seu  apartamento  e  todo  em  huú  rregno  ou  senho- 
rio, nom  pode   a  uoomtade  mouida  com  o  mauioso  zcllo  estar,  que  nom 
amostre  alguíja  semelhamça  de  semtimento.     Ora  que   fariam  aquelles 
que  per  semelhamte  guisa  ficauam.  certamente  nom  os  deuemos  de  cul-    25 
par  por  nehuúa  mostramça  que  em  ello  fezessem.  ca  aquella  braueza  os 
fez  ao  depois  seer  mujto  mais  ardidos  comtra  os  jmmijgos,  segumdo  ao 
diamte  será  comtado.     A  hordenamça  da   frota  quamto   aas  gallees   e 
outros  alguús  certos  nauios  era  de  hirem  dereitamente  ao  porto  de  Faa- 
ram.  porque   aos  outros  era  dada  leçemça  que  sse  fossem  a  Lixboa  pêra    3o 
lhe  despacharem  seu  frete   e  emcaminhar  cada  huú  pêra  sua  terra.     E 
foi  assy  que  os  marinheiros  da  gallee  delRey  errarom  a  uiagem,  e  omde 
ouueram  de  hir  a  Faaram  forom   a  Crasto  Marim,  e  os  outros  nauios 
quamdo  de  noite  perderam  a  uista  do  foroll,  seguiram  sua  uiagem  derei- 
tamente a  Faaram.   e  queremdo  hir  per  terra  buscar  elRey,  açertousse    35 
de  sse  ajumtarem  todos  em  Tauilla.     Omde  elRey  estamdo  chamou  seus 

9.  synall  A. —  n.  assi  A  —  de  emcaminhar  A. —  17.  sperança  A. —  19.  antre  A. — 
20.  grande  A.  —  27.  despois  A  —  muyto  A.  —  32.  assi  A.  —  33.  faarom  A  —  foram  A.  — 
35.  faarom  A. 


—  267  — 

filhos,  e  disselhes  assy.  *Todollos  seruiços  naturallmente  rrequerem  gua-  A,  i26,v,i 
llardom.  e  porque  aalem  de  seerdes  meus  filhos  semto  que  rreçebi  de 
uos  espiçiall  seruiço  em  todo  este  feito,  quero  que  por  ello  rreçebaaes 
alguú  guallardom.  E  primeiramente  a  meu  filho  o  Iffamte  Duarte  nom 
5  sey  que  acreçemtamento  e  que  homrra  lhe  possa  fazer,  sobre  aquella  que 
lhe  Deos  quis  dar.  s.  seemdo  meu  primeiro  filho  e  herdeiro  de  meus 
rregnos  e  de  minha  terra,  elle  pode  filhar  em  minha  uida  tamta  quamta 
lhe  prouuer.  Mas  a  uos  outros  me  praz  de  fazer  duques  .s.  a  uos 
Iffamte  Dom  Pedro  faço  duque  de  Coymbra.  e  ao  Iffamte  Dom  Hamrri- 

10  que  duque  de  Vizeu.  e  polia  gramdeza  do  trabalho,  que  filhou  em  todo- 
llos  estes  feitos,  assy  na  armaçom  que  fez  no  Porto,  como  no  trabalho  e 
perijgo  que  ouue  no  dia  que  filhamos  a  cidade,  e  por  todallas  cousas  que 
em  ello  obrou,  o  faço  senhor  de  Couilhaã.  E  os  Ifíamtes  todos  três  lhe 
beyiarom  por  todo  a  maão  teemdolho  mujto   em  merçee.     E  emtom  os 

i5  fez  duques  com  aquella  sollenidade  e  cerimonias  que  sse  custuma.  ca 
assaz  auia  hi  de  nobres  homeés  e  corregimentos,  per  que  aquella  festa 
fosse  homrrada. 


Como  clRey  despachou  alli  todos,  e  lhes  fe{  merçee  agradeçemdolhes 
mujto  seus  gramdes  trabalhos.      Capilullo  Cij. 

20    "1~^0K  quamto  o  rregno  do  Algarue  jaz  todo  na  costa  do  mar  ouçiano,    A,  i26,v,2 
I — '    a   mayor  parte  de  sua  seruemtia  he   em  nauios.   e  ajmda  ha  hi 
A         poucas  bestas  por  rrezam  da  terra,  que  nom  he  mujto  forte  pêra 
seu  mamtijmento.   por  cuja  rrezam  elRey  comssijrou  que  seria  bem  des- 
pachar alli  toda  aquella  gemte,  por  tall  que  podessem  hir  nos  nauios  ataa 

25  Lixboa.  ca  era  necessário  que  todos  alli  fossem  desembarcar  por  aazo 
do  frete  que  auiam  dauer.  No  quall  Joham  Affomsso  dAlamquer  fez 
huú  muy  spiçiall  seruiço  a  elRey,  amtre  outros  mujtos  que  lhe  tijnha  fei- 
tos. E  foi  assy,  que  comssijramdo  elle  as  muy  gramdes  despesas  que 
elRey  tijnha  feitas,  e  como  lhe  era  necessário  despemder  ajmda  no  frete 

3o  de  todos  aquelles  nauios.  tamto  que  foy  na  cidade  de  Lixboa,  mamdou 
comprar  pêra  elRey  todo  o  ssall  que  auia  per  toda  aquella  terra,  o  quall 
ouue  assaz  de  boõ  barato  por  rrezam  da  emposiçom.  e  quamdo  lhe  os 
meestres  dos  nauios  rrcqucriam  o  frete,  fazialhe  pregumta  sse  lhes  pra- 
zeria  de  auerem  aquello  em  preço  de  suá  pagua.  os  quaaes  todos  jumta- 

10-11.  todos  A.  —  II.  assi  A.  —  19.  grandes  A.  —  23.  mantijmento  A  —  comsijrou  A. 
—  24.  atee  A.  —  20.  Affom  A.  —  27.  elRej  A.  —  28.  assi  A.—  29.  neçessareo  A. — 32.  boõ  A, 
bem  I.  —  33.  pregunta  A. 


V 


—  268  — 

mente  forom  muy  comtemtes  comssijramdo  como  lhes  seria  milhor  leua- 
rem  seus  nauios  carregados  dalguúa  mercadoria,  que  de  leuarem  o  dinheiro, 

A,  i27,r,  I  que  ligeiramente  poderiam  *  gastar,  e  assy  forom  todos  muy  bem  paga- 
dos com  pequena  custa  delRey.  E  estamdo  assy  elRey  em  Tauilla  como 
dito  he,  fez  ajumtar  todos  aqueiles  primçipaaes,  e  disselhes.  Por  quamto  b 
minha  uoomtade  he  de  uos  despachar  por  uos  arredar  de  custa  e  de 
trabalho,  cada  huús  de  uos  outros  poderees  auisar  a  todos  aqueiles  que 
uem  em  uossa  companhia,  que  me  uenham  rrequerer  quaaesquer  merçees 
ou  cousas  que  a  suas  homrras  e  liberdades  perteeçam.  e  como  quer  que 
ja  eu  per  mujtas  uezes  teuesse  esperimentadas  nossas  boõas  uoomtades  lo 
em  todallas  outras  cousas  pêra  que  uos  rrequeri,  em  este  presemte  traba- 
lho semti  mujto  as  boÕas  uoomtades  de  todos,  as  quaaes  fezeram  mujto 
mais  esforçar  a  minha,  pêra  uos  sempre  buscar  toda  homrra  e  acreçem- 
tamento  que  em  minha  posse  for.  E  sobre  todo  dou  mujtas  graças  a 
nosso  Senhor  Deos,  por  me  fazer  rregnar  sobre  gemte,  que  me  tam  uer-  i5 
dadeiramente  e  tam  leallmente  teem  seruido.  pollo  quall  lhe  peço  por 
sua  samta  merçee,  que  me  dee  sempre  aazo  e  poder,  per  que  os  possa 
rreger  e  gouernar  em  todo  dereito  e  justiça,  e  aos  boõs  homrrar  e  acre- 
çemtar  segumdo  he  rrezam.  Todos  forom  mujto  comtemtes  daquellas 
pallauras  delRcy,   dizemdo  que  lho  tijnham  mujto  em  merçee.   e  assy    20 

A,  i27,r,2  começaram  logo  alguús  de  fazer  *  suas  pitiçoÕes,  pêra  rrequerer  suas  cousas 
segumdo  lhes  perteeçia.  as  quaaes  eram  muy  graciosamente  desembar- 
gadas, outorgamdo  a  todos  aquello  que  achaua  que  era  rrezam  e  sse 
podia  fazer,  e  aaquelles  que  per  uemtura  pediam  aalem  do  rrazoado, 
era  dada  graciosa  rreposta,  de  guisa  que  a  doçura  da  pallaura  lhe  fazia  25 
gramde  comtemtamento.  Outros  ouue  alli  que  nam  quiseram  pollo  pre- 
semte pedir  nehuúa  cousa,  e  sse  espediram  assy  spaçamdo  seus  rrequeri- 
mentos  pêra  outro  tempo.  E  per  tall  guisa  foi  todo  emcaminhado,  que 
todos  partiram  muy  ledos  e  comtemtes  da  presemça  delRey,  e  elle 
outrossy  das  boõas  uoomtades  que  lhe  seratija  pêra  seu  seruiço.  3o 


t.  foram  A  —  contemtes  A.  — 2.  mercadaria  A.  —  3.  assi  foram  A.  —  4.  assi  A. — 
9.  perteemçatn  A. —  10.  boas  A.  —  12.  boas  A. —  17.  dee]  de  A. —  19.  foram  A. — 
27.  assi  A.  —  28.  emcamynhado  A.  —  3o.  boas  A. 


—  26g  — 

Como  elRey  partio  do  Algarue  e  chegou  a  Euora,  e  do  rreçebi- 
mento  que  lhe  foi  feito.      Capitullo  Ciij. 

ACABADO  assy  aquelle  espedimento,  começou  de  sse  espalhar  toda 
aquella  gemte  cada  huúa  pêra  sua  parte,  e  porque  os  mais  delles 
eram  anojados  do  mar,  quiseram  amte  fazer  sua  uiagem  per  terra, 
empero  esto  era  muy  graue  de  fazer,  por  rrezam  das  bestas  que  hi  nora 
auia.  e  assy  era  muy  gramde  trabalho  em  as  buscar  e  auer.  ca  por 
dinheiro  nom  podiam  seer  achadas  em  tamanho  numero,  como  eram 
necessárias.     E  tamto  bem  fez  alli  a  necessidade,*  que  emsinou  a  mujtos    A,i27,v,i 

'O  comtemtarsse  das  cousas  pequenas,  que  em  outro  tempo  desprezauam  as 
gramdes.  ca  mujtos  delles  nom  sse  comtemtauam  damdar  em  grossas 
facas  nem  boõs  cauallos,  sse  tijnham  alguú  geito  comtra  seu  prazer,  e  em 
aquelle  emsejo  auiam  por  boõa  dita,  quamdo  percallçauam  huú  proue  muu 
ou  asno  dalbarda,   que  os  podesse  scusar  do  trabalho  que  esperauam  de 

i5  semtir  em  aquelle  caminho,  sse  ouuessem  damdar  de  pee.  Amte  que 
leue  elRey  aa  cidade  dEuora,  me  parece  que  he  bem  que  faça  aqui 
meemçam  dalguús  fidallgos,  que  morreram  de  pestenemça.  e  esto  escpre- 
uemos,  porque  achamos  que  alguús  homeés,  que  escpreueram  aiguúas 
cousas   que  uiram   deste  feito,  nom  declarauam   a  morte  destes,  senam 

20  que  morreram  em  Cepta.  o  que  mujtos  simprezmente  podiam  emtem- 
der  que  morreram  na  filhada  da  cidade.  E  porque  ja  espiçiallmente 
falíamos  dos  outros,  diremos  agora  dos  que  morreram  de  pestenemça, 
fallamdo  soomente  daquellas  pessoas  de  comta.  e  esto  depois  que  a 
frota  partio  de  Lisboa,  ataa  que  tornou  ao  Algarue.   e  aimda  no  cami- 

25    nho,   depois  que  partio  pêra  Euora.     Morreo  primeiramente   Gomçallo 

Eannes*  de  Sousa,  e  Dom  Joham  de  Castro,  e  Aluoro  Nogueira,  e  Aluoro    A,  127,  v,a 
dAguiar,   e  Vaasco  Martimz   do  Carualhall,  e  Nuno  da  Cunha,  e  Aluoro 
da  Cunha,  e  Aluoro  de  Pinhel,  e  Amtam  da  Cunha,  e  Pêro  Taauares,  e 
Dom   Pedro  de  Meneses.     Tamanha  deteemça  fez   alli  elRey  naquelle 

3o  rregno  do  Algarue,  quamto  durou  o  cuydado  que  tijnha  de  despachar 
suas  gemtes.  e  tamto  que  esto  teue  despachado,  logo  emcaminhou  pêra 
a  cidade  dEuora,  omde  estauam  seus  filhos  e  o  meestre  com  elles.  cuja 
lediçe  nom  era  pequena,  ouuimdo  as  nouas  daquella  uitoria,  como  quer 
que  de  sua  uoomtade  mujto  deseiara  dauer  quinham  em  aquelle  feito. 

3i    Tamto  que  soube  que  elRey  uijnha,   fez  prestes  todo  seu  corregimento 

3.  assi  A.  —  4.  gente  A.  —  7.  assi  A. —  i3.  ensejo  I,  açejo  A  —  boa  A  — quando  A. 
i5.  sentir  A. —  17.  meençam  A.  —  23.  conta  A.  —  25.  despois  A.  —  25-26.  Gomçalle- 
annes  A.  —  27.  mlz  A.  —  3o.  quanto  A.  —  35.  que  soube  A,  que  o  mestre  soube  I. 


—  270  — 

.  pera  o  rreçeber  seguindo  perteeçia  a  seu  estado,  e  segumdo  o  caso  e  a 
terra  domde  elle  uijnha.  E  em  aquelle  dia  sayram  os  Iffamtes  Dom 
Joham  e  Dom  Fernamdo  e  o  meestre  com  elles  per  muy  gramde  espaço. 
e  nom  ficou  homem  na  cidade,  que  de  pee  ou  de  cauallo  nom  sahisse 
fora,  tamta  era  a  sua  lediçe  com  a  uijmda  delRey.  e  as  molheres  alimpa-  5 
uam  as  rruas,  lamçamdo  aas  janellas  as  melhores  cousas  que  tijnham.  e 
ajumtauamsse  cada  huúas  de   sua  freeguesia  uestidas  de  suas  milhores 

A,  128,  r,  I  rroupas.  e  com  gramdes  càmtares  filhauam  quinham  *  daquelle  rreçebi- 
mento.  E  quall  seria  o  coraçom  que  uisse  aquelle  rreçebimento  que 
todos  faziam  a  elRej^  que  podesse  rreteer  aquellas  ueas  per  homde  10 
correm  as  lagrimas,  que  nom  sse  emchessem  seus  olhos  dagua.  e  nom 
soomente  as  pessoas  de  comprido  emtemdimento,  mas  os  meninos  par- 
uoos  auiam  emtemder  pera  sse  allegrarem  com  a  uijmda  daquelle  prim- 
çipe.  e  assy  uijnham  todos  amte  elle  camtamdo,  como  sse  fosse  alguQa 
cousa  çellestriall  emuiada  a  elles  pera  sua  saluaçam.  Em  todo  aquelle  i5 
dia  nom  fczeram  cousa  alguúa  em  aquella  cidade,  ca  os  offiçiaaes  dos 
offiçios  mecânicos  auiam  por  bem  despeso  o  gaanho  daquelle  dia,  por 
homrrarem  a  festa  de  seu  primçipe.  Todallas  nobres  molheres  daquella 
cidade  sse  forom  pera  a  Iffamte,  e  a  acompanharam  ataa  que  elRey  seu 
padre  chegou,  omde  ella  sahio  aa  primeira  salla  assy  acompanhada  de  20 
todas  aquellas  nobres  molheres,  e  com  gramde  mesura  e  rreueremça 
rreçebeo  seu  padre  e  seus  jrmaãos,  e  ass}'  todollos  outros  nobres  homeés, 
que  com  elles  uijnham  cada  huíi  segumdo  seu  estado.  E  por  agora 
acerca  do  seu  rreçebimento  e  follgamça  nom  departo  mais.  porque  boom 

A,i28,r,'.!    será  de  comssijrar  a  quallquer,  que  leer  os  uirtuosos  feitos  *  deste  gramde    25 
primçipe,   e  os  gramdes  trabalhos,  que  filhou  por  saluaçom  e  homrra  do 
seu  pouoo,  quall  seria  o  amor  com  que  o  elles  rreçeberiam,  quamto  mais 
trazemdo  comssigo   tamanha   uitoria.     Por   certo   eu   diria   aqui   mujtas 
cousas  acerca  das  gramdes  uirtudes  delRey,  se  nom  ouuesse  descpreuer 
as  suas  homrrosas   emxequeas   com  todallas  outras  cerimonias,  que  per-    3o 
teeçem  aa  sua  sepulltura,  omde  me  parece  que  tenho  rrezoado  lugar  pera 
fallar  de  minha  eniteemçom,  o  que  de  suas  boomdades  uerdadeiramente 
souber,   porque  toda  a   bem  auemturamça  do  homem  na  fim  he  de  lou- 
uar.    Nom  he  pera  callar  a  geerall  follgamça,  que  todos  auiam  com  a  çer- 
tidom  das  nouas  daquelle  feito,   e  mujto  mais  quamdo  uiram  as  presem-    35 
ças  daquelles,   de  cujas  uidas  tijnham  alguúa  duuyda.   porque  aalem  da 

6.  cousas  A,  colchas  ?  —  14.  assi  A.  —  19.  foram  A  —  Iffamte]  add.  Dona  Isabel  I.  — 
20.  assi  A.  —  22.  assi  A.  —  23.  estado]  add.  Deshi  elRey  com  seus  filhos  se  foi  pelo 
reyno  como  antre  sy  por  melhor  ordenarem  I.  —  25.  comsijrar  A.  —  32.  emtemçom  A. 


—  271  — 

uitoria  nom  auia  hi  tall,  que  uiesse  sem  parte  da  rriqueza  daquella  cidade. 
e  toda  a  ocupaçom  das  molheres  emtom  era  em  rrecomtar  cada  huúa  as 
cousas,  que  seu  marido  trouxera,  porque  em  ellas  naturallmente  mora  uaã 
gloria,  deleitauamsse  mujto  em  rrecomtar  aquelle  bem  que  ouueram.  E 
i    per  tall  guisa  foi  este  feito  emcaminhado,  que  mujtos  que  leixaram  o  pam 

de  seus  agros  guardado  em  seus  çelleiros,  tornaram  ajmda  a  apanhar*  a    A,i28,v,i 
nouidade  de  suas  uinhas. 


Como  ho  autor  mostra  que  todallas  cousas  deste  tnundo  falleçem, 
ssenam  a  escpritura.      Capitullo  Ciiij. 

10  y^^>  KAMDE  louuor  deram  os  fillosofos  amtijgos  a  Numa  Pompillio,  porque 
I  ---  foy  o  primeiro  que  achou  a  arte  da  moeda,  por  cuja  rrezam 
^» — ^  ficou  aaquelles  que  faliam  o  latim  chamamdo  dinheiros  simprez- 
mente  dizer  numos.  e  certo  he  que  elle  merece  por  a  sua  boÕa  emuem- 
çam  gramde  louuor  amtre  os  uiuos,  porque  achou  uerdadeiro  meo  em 

i5  toda  a  justiça  comotatiua.  Nom  foy  elle  porem  aquelle  que  departio 
tamtas  maneiras  de  moeda,  como  ueedes  que  ha  no  mundo,  ca  depois 
sobre  aquella  forma  hordenou  cada  huií  em  seu  senhorio  a  deuisom  delia, 
segumdo  lhe  prouue.  soomente  quamto  ficou  huúa  moeda  geeral,  per  que 
os  homeés  possam  fazer  uerdadeira   comudaçom  em  todallas  partes,   e 

20  desto  nom  curamos  fazer  mayor  destijmçom  por  chegarn:os  a  nosso  pro- 
pósito. Ora  se  Numa  Pompillio  merece  tamanho  louuor  por  arte  da 
moeda,  íjue  deuem  merecer  aquelles  que  primeiramente  fezeram  letra, 
pois  trouxeram  a  nosso  conhecimento  nom  tam  soomente  a  sabedoria  das 
cousas  terreaaes,  mas  ajmda  nos  fezeram  que  conhecêssemos*  e  soubesse-    A,  128, v,2 

25  mos  as  cousas  que  sam  sobre  a  espera  da  luíía  ataa  o  postumeyro  çeeo. 
Ca  polia  samta  escpritura  conhecemos  aquella  rreall  hordenamça  das 
noue  hordeés  dos  amjos.  e  como  ssam  departidas  em  três  gerarchias,  e 
quall  he  ho  ofBçio  de  cada  huúa.  e  assy  deçemdemdo  pêra  fumdo  ataa 
spera  de  Saturno,  que  de  todas  sete  he  a  mais  alta.     E  em  uerdade  seria 

3o  fremosa  departiçom,  sse  eu  dissesse  alguúa  cousa  acerca  da  diuisam 
daquellas  planetas,  e  os  caminhos  que  trazem  cada  huúa  em  sua  uolta, 
saluo  a  nouena  que  he  única  e  nom  tem  epiçicollo,  segumdo  mais  compri- 
damente  podem  saber  aquelles  que  tem  uistos  os  teistos  de  Tollomeu 
ou  leeram  per  Almajesta,  ou  per  aquelló  que  escpreueo  Alfarjano  em 
íuas  deferemças,  e  per  outros  mujtos  autores  que  acerca  dello  assaz  falla- 

8.  mumdo  A. —  i3.  boa  A. —  13-14.  emuençam  A. —  ifi.  tantas  A  —  mumdo  A  — 
dcspois  A.  —  18.  quanto  A.  —  20.  pella  A.  —  27    anjos  A.  —  28.  assi  A.  —  35.  asaz  A. 


—  272  — 

ram.  E  de  como  esta  escpritura  foi  primeiramente  achada,  e  as  rrazoões 
porque  acharees  ao  diamte  em  nosso  prollogo,  omde  começarmos  a  fallar 
das  outras  cousas  do  rregno.  Que  cousa  pode  millior  seer  amtre  os 
uiuos  que  a  escpritura,  polia  quall  seguimos  dereitamente  o  uerdadeiro 
caminho  das  uirtudes,  que  he  o  premeo  da  nossa  bem  auemturamça.  esta  5 
he  aquella  que  nos  mostra  quaaes  seram  os  nossos  gallardoões  depois  do 

A,  i29,r,  1  trespassamento  desta  uida,  e  outras  mujtas  *  cousas  que  propriamente 
peiteeçem  a  alma,  das  quaaes  nora  curamos  mujto  fallar  em  este  lugar, 
por  quamto  nossa  emteemçom  nom  he  mostrar  em  este  capitullo  outra 
cousa,  senom  como  todalias  boõas  obras  deste  mundo  sse  perderiam,  sse  10 
a  escpritura  nom  fosse.  Como  soubéramos  agora  queiamdo  fora  aquelle 
emperio  dos  Assirios,  o  quall  amtre  os  outros  emperios  assy  per  lomgura 
de  tempo  como  em  gramdeza  foy  mujto  acreçemtado,  cujo  começo  foy 
rrey  Nino  duramdo  per  mujtos  segres,  corremdo  per  soçessom  de  rrex 
ataa  o  tempo  de  Ozias  rrey  de  Juda.  e  por  aazo  da  desordenamça  de  i5 
Sardanapallo  foy  destroido  per  Arbato  capitam  dos  Medos.  Outrossy  o 
rregno  dos  Calldeos,  do  quall  a  samta  escpritura  tam  a  meudo  faz  memo- 
ria, omde  rregnou  Nabucadonosor,  porque  Baltasar  seu  neto  se  pos  em 
gramde  oufana  em  aquelle  comuite,  do  quall  Daniell  faz  memçam,  e  em  a 
seguimte  noite  foi  emcuruado  per  o  rrey  dos  Romaãos.  Como  poderamos  20 
saber  a  desordenamça  de  rrey  Xerxes,  quamdo  com  tresemtos  e  oitemta 
mill  homeés  darmas  e  çem  mill  nauios  passou  em  Greçia,  e  per  huúa 
pouca  companha  dos  Gregos  foi  desbaratado  soomente  por  sua  soberuosa 
presumçom,  desprezamdo  o  proueitoso  comsselho  de  Amagaro  philosofo. 

A, i29,r,2    *E  como  soubéramos  outrossy  os  uirtuosos  feitos  darmas  que  fezeram    25 
primeiramente  os  rrex  de  Roma  ataa  o  tempo  de  Tarquino  soberbo,  per 
cuja  desordenada  luxuria  os  rrex  forom  lamçados  fora  do  senhorio  de 
Roma,  e  sse  começaram  de  rreger  per  hordenamça  de  ditadores  e  com- 
ssullos,  omde   achamos   as  gramdes  emsinamças,  que  rreçebemos  pêra 
rregimento  da  cousa  pubrica.  nas  quaaes  se  ouueram  tam  uirtuosamente    3o 
Marco  Furio  Camillo,   e  Marco  ReguUo,  e  Apios  Claudius,  e  Quimçios 
Fabios,  e  Lúcios  Paullo,   e  Cláudio  Vero,  e  Marcos  Marcellos,  e  Luçios 
Pinarios,  e  o  gramde  Cepiam  africano,  e  depois  Marco  Tullio  Ciçerom,  e 
Marco  Claso,  e  Gayo  César,  e  Pompeo  o  magno,  e  o  uirtuoso  Catam, 
e  assy  todollos  outros  nobres  homeés  daquelle  tempo,  os  quaaes  de  boa-    35 
mente  sofriam   a  morte,  porque  depois  pêra  todo  sempre  os  seus  nomes 
fossem  achados  nas  escprituras  por  dignos  de  gramde  memoria,  como 

í>.  perteemçem  A. —  10.  boas  A. —  i5.  desordenançaA. —  i5-i6.  ssardanapollo  A. — 
19.  conuite  A  —  mençam  A. —  24.  phõ  A.  —  25.  outrossi  A.  —  27.  foram  A.  —  33.  des- 
pois  A.  —  35.  assi  A.  —  36.  despois  A. 


—  273  — 

dezia  Vulteo,  quamdo  em  terra  Dalmácia  na  rribeira  do  mar  Adriático 
que  jaz  comtra  ho  ouçidemte,  se  rrezoaua  comtra  César  e  comtra  sua 
uemtura,  esforçamdo  os  seus  caualleiros,  que  sperassem  a  morte  no  dia 
sseguimte,  a  quall  tijnham  mujto  certa  per  Outauiano  capitam  de  Pompeo. 
5    Oo  dezia  elle,  nobres  mamçebos  esforçaaeuos  em  uirtude  comtra  afortuna, 

e   daae  comsselho  aas  cousas*  de  uossa  postumaria.   ca  nom  he  pouca    A, i29,r,  1 
uida  a  que  nos  fica,  pois  em  ella  teemos  tempo  descolher  quall  morte 
quisermos,  nem  a  gloria  de  nossa  morte  nom  he  peor  que  a  uida,  que  per 
alguú  pouco   de  mais  tempo  poderamos  auer.   ca  morrer  pêra  uiuer  he 

10  bem  auemturada  cousa,  segumdo  Lucano  escpreue  todo  esto  no  septimo 
e  oytauo  capitullos  do  seu  quarto  liuro.  E  por  certo  nom  som  pêra 
esqueeçer  as  uirtudes  daquelles  primeiros  autores,  que  com  tam  forçosa 
emdustria  e  elloquemte  estillo  rreformaram  amte  nossos  olhos  os  pree- 
meos   e  nobres  meriçimentos  dos  exçellemtes  feitos   darmas  e  a  gloria  e 

i5  homrra  da  corte  judiçiall,  pollo  quall  estado  quamtas  cousas  marauilhosas 
forom  feitas  per  maão  e  ditas  per  liragua  som  trazidas  a  fim  de  claro 
conhecimento.  E  tamto  he  esta  emdustria  mais  perfeita  uirtude,  em 
quamto  rreforma  o  homem  aa  sua  duraçam  ataa  fim  da  uida  dos  homeés, 
cuja  clara  memoria  sempre  traz  praziuell  deleitaçom  aos  coraçoões  apa- 

20  relhados  e  despostos  a  seguir  homrra.  E  por  certo  nom  he  o  nosso 
pequeno  emcarrego,  quamdo  per  nosso  trabalho  os  uirtuosos  homeés  jus- 
tamente ham  seu  meriçimento  de  seus  gramdes  feitos.  E  por  tamto 
dezia  Tullio  no  liuro  de  senectute,  que  lhe  nom  pesaua  de  morrer,  porque 
sabia  que  a  sua  memoria  *nom  auia  de  perecer  com  a  sua  morte,  porque    A,  i29,v,2 

25  dezia  elle,  assy  proueitosamente  uiuy,  que  me  parece  que  nom  naçi  deball- 
de.  E  quall  he  mais  segura  sepulltura  pêra  quallquer  primçipe  ou  baram 
uiriuoso,  que  a  escpritura  que  rrepresemta  o  claro  conhecimento  de  suas 
obras  passadas.  Certo  toda  a  nobreza  dos  homeés  fora  destroida,  sse  as 
penas  dos  escpriuaães  a  nom  poseram  em  fim.     E  porem  dezia  Lucano 

3o  no  oitauo  liuro  de  sua  estoria,  fallamdo  de  como  César  chegou  aaquelle 
lugar  homde  foy  a  Troya,  comtamto  alli  a  destroiçam  daquellas  cousas 
tam  gramdes  as  quaaes  Jullio  César  esguardaua  com  tam  gramde  fememça. 
porque  elle  e  toda  a  linhagem  rreall  de  Roma  dcçemdia  da  geeiaçam  de 
Eneas.     Oo  samto  e  gramde  trabalho  diz  Lucano,  dos  autores  estoriaaes 

35    como  tolhes  aa  morte  todallas  cousas  que  achas,  e   as  guardas  em  me- 

I .  dizia  A.  —  3.  uentura  A.  —  4.  pompeeo  A.  —  5.  dizia  A  —  mancebos  A.  —  11.  capi- 
tólios A.  —  i5.  quantas  A.  —  16.  foram  A  —  língua  A.  —  17.  tanto  A.  —  iS.  quanto  A.  — 
20-21.  nom  he  o  nosso  pequeno  emcarrego  A,  nom  he  pequeno  encarrego  o  nosso  I. — 
21.  quando  A.  —  22.  tanto  A.  —  23.  dizia  A.  —  25.  dizia  A  —  assi  A.  —  26.  sepultura  A. 
—  29.  fym  A  —  dizia  A.  —  3i.  comtamto  A,  comtando  I.  —  32.  grandes  A  —  femença  A. 
35 


—  274  — 

moria  que  nom  esqueeçam  nem  moyram.  e  das  aos  homeés  mortaaes 
hidade  que  lhes  dure  sempre.  E  porem  comcludimdo  este  capitullo,  em- 
temdamos  que  os  gramdes  primçipes  e  outros  boõs  homeés  deuem  assy 
uirtuosamente  obrar  em  seus  feitos,  per  que  os  autores  das  estorias  ajam 
rrezam  descpreuer  suas  obras  por  sua  notauell  memoria  e  erasinamça 
dos  outros,  que  depois  delles  quiserem  comsseguir  uirtude,  e  arredarsse 
A,  i3o,  r,  I  dos  uiçiosos  custumes,  por  tall  *  que  o  seu  nome  nom  uiua  amte  os  homeés 
pêra  todo  sempre  em  seu  doesto,  porque  aalem  do  boom  nome  que 
numca  morre,  ou  o  comtrairo  que  numca  sse  perde,  acreçemtam  na  bem 
auemturamça  que  perteeçe  aa  sua  alma.  Por  quamto  aquelles  que  deçem- 
dem  de  sua  geeraçam,  rreçebemdo  homrra  poUo  sem  meriçimento,  rrogam 
a  Deos  por  elles.  e  assy  todollos  outros  ham  em  gramde  rreueremça 
suas  sepullturas,  e  bem  dizem  o  seu  nome  ouuymdo  ou  ueemdo  o  pro- 
cesso de  suas  bomdades. 


Capitullo  Ci\  no  qiiall  o  autor  da  graças  a  Deos  em  fim  de  sua  obra.    15 

Esu  Christo  nosso  rremidor  e  saluador  foi  aquelle  que  chamei  no 
começo  de  minha  obra,  conheçemdo  minha  fraqueza,  pêra  rreçeber 
sua  ajuda,  sem  a  quall  em  este  mundo  nom  sse  pode  começar, 
mear,  nem  acabar  nehuúa  cousa,  porque  disse  no  começo  que  esta  sua 
ajuda  nom  podíamos  per  nos  meesmos  percallçar  sem  rrequerimento  e  20 
inteçessom  dos  samtos,  primçipallmente  da  gloriosa  e  sem  nehuíia  mazella 
uirgem  nossa  Senhora  samta  Maria  sua  madre,  a  quall  segumdo  diz  o 
philosofo  no  liuro  da  natureza  das  animalias,  que  a  própria  comdiçom  da 
poomba  he  em  toda  sua  uida  sempre  gemer.  Nossa  Senhora  he  aquella 
A,  iio,r,2  que  sempre  geme  *  amte  a  presemça  de  seu  filho,  pidimdo  saluaçam  pêra  25 
nossas  almas  e  ajmda  pêra  nossas  uidas.  Porem  em  comclusom  de 
minha  obra,  com  toda  rreueremça  e  humilldade  dou  mujtas  graças  a  elle 
uerdadeiro  Deos  meu  Senhor  Jesu  Christo,  porque  lhe  prouue  por  sua 
merçee  emcaminhar  meus  feitos  per  tall  guisa,  que  os  trouuesse  a  fim  em 
louuor  e  homrra  deste  uiturioso  Rey,  e  do  muy  exçellemte  piimçipe  3o 
e  muy  uirtuoso  barom  o  IfFamte  Duarte  seu  filiio,  e  dos  outros 
Iffamtes  seus  jrmaãos,  e  assy  de  todollos  primçipes  senhores  caua- 
lieiros  fidallgos,  que  no  dito  feito  ouueram  parte.  Dou  outrossy  muj- 
tas graças  aa  uirgem  Maria,   por  cuja  graça   e  meriçimento  meu  peti- 

3.  prinçipes  A  —  assi  A.  —  6.  despois  A.  —  8.  boo  A.  —  9.  nunca  A  —  acreçentam  A. 
—  10.  quanto  A  —  rreçebendo  A. —  12.  assi  A.  —  i5.  C  v]  çemto  e  çimquo  A.  —  16.  JhCÍ 
xpõ  A.  —  18.  mumdo  A.  —  28.  JhC  xpõ  A.  —  3 1  lífantc  A.  —  32.  assi  A.  —  33.  outrossi  A 
34.  merecimento  A. 


—  275  — 

tório  foy  outorgado,  e  aa  senhora  samta  Caterina  mártir  e  uirgem, 
em  cuja  samtidade  ey  simgullar  deuaçom.  e  assy  a  todollos  outros 
samtos  e  samtas  da  çeilestriall  corte.  E  peço  com  gramde  rreueremça 
a  elRey  meu  senhor,  que  me  perdooe  todollos  falleçimentos,  que  em  esta 
5  obra  de  minha  parte  forem  achados,  culpamdo  em  ello  mais  minha  rru- 
deza  e  fraco  emgenho,  que  a  determinaçom  de  minha  uoomtade.  E  peço 
e  rrogo  outro ssy  a  todollos  fiees  christaaos  e  espiçiallmente  *aos  naturaaes  A,  i3o,v,  i 
destes  rregnos,  que  leemdo  esta  obra  sempre  ajam  em  memoria  a  alma 
daquelle  samto  Rey,  per  cuja  uirtude  e  força  esta  cidade  de  Cepta  foy 

10  gaanhada  e  tirada  do  poder  dos  jmfiees,  e  posta  sso  o  jugo  da  ffe  de 
nosso  Senhor  Jesu  Christo.  e  outrossy  polia  alma  delRey  Dom  Duarte 
seu  filho  de  gloriosa  memoria,  que  a  ajudou  a  gaanhar,  e  a  mamteue  e 
dctfemdeo  em  todollos  dias  (de  sua  uida.  e  assy  de  todos  aquelles  que 
primeyramente  em  ella  trabalharom,  e  depois  ataa  ora  morreram  em  seu 

i5  dcííemdimento.  E  deuem  outrossy  pedir  a  Deos  de  todo  coraçom  e 
uoomtade,  que  queyra  comseruar  o  estado  delRey  nosso  senhor,  e  o  queira 
sempre  ajudar  pêra  mamteer  e  gouernar  seus  rregnos,  spiçiallmente  aquella 
cidade,  que  esta  por  acreçemtamento  da  ffe  de  nosso  Senhor  Jesu  Christo 
e  por  homrra  da  sua  coroa  rreall.  nom  esqueeçemdo  ho  Iffamte  Dom  Ham- 

20  rrique,  que  com  tam  gramdes  trabalhos  e  despesa  a  gouernou  sempre  em 
seu  estado.  E  foy  acabada  esta  obra  na  cidade  de  Sillues,  que  he  no 
rregno  do  Algarue,  a  uijmte  e  çimquo  dias  de  março,  quamdo  amdaua  a 
era  do  mundo  em  çimquo  mill  e  duzemtos  e  homze  annos  rromaãos.  e  a 
era  do  deluuj'©  em  quatro  *mill  e  quinhemtos  e  çimquoemta  e  dous  annos.    A,i3o,v,2 

25  e  a  era  de  Nabucadonosor  em  dous  mill  e  çemto  e  nouemta  e  sete  annos. 
e  a  era  de  Phillipe  ho  gram  rrey  de  Greçia  em  mill  e  seteçemtos  e 
sesseemta  e  três  annos.  e  a  era  dAllexamdre  ho  gram  rrey  de  Macedónia 
em  mill  e  seteçemtos  e  sesseemta  e  huú.  e  a  era  de  César  em  mill  e 
quatroçemtos  e  oitcmta   e   oito   annos.   e  a   era  de  nosso  Senhor  Jesu 

3o  Chiisto  em  mill  e  quatroçemtos  e  çimquoemta  annos.  e  a  era  de  dAçianus 
ho  Egiçiaão  em  mill  e  seys  annos.  e  a  era  dos  Arauigos  em  oitoçemtos  e 
uijmte  e  oito  annos.  e  a  era  dos  Perssianos  em  oitoçemtos  e  dez  e  sete 
aiinos.  e  a  era  do  primeyro  rrey  que  foy  em  Portugall  em  trezemtos  e 
quorcmta  e  oito  annos.   e  o  anno  do  rregnado  delRey  Dom  Atfomsso  ho 

35    quimto  em  homze  annos  e  duzemtos  e  çimquo  dias  mais. 

7.  xpaãos  A. —  II.  Jhú  xpõ  A  —  eduarte  A. —  17.  pêra  I,  e  A  —  manteer  A. — 
22.  a  ( i.")  1,  om  A  —  çinquo  A.  —  23.  mumdo  A  —  çimquo]  om.  A,  sinco  I.  —  23.  sinco 
mil  cento  e  onze  annos  hebraicos  I.  —  24.  annos]  om.  A.  —  25.  nouenta  A.  — 26.  Ke- 
Hipo  A.  —  27.  seseemta  A.  —  2S.  sesecmta  A. — 29-30.  Jhú  xpõ  A.  —  3o.  Dacianus  A, 
Alimus  I  (dAnianusPj.  —  3i.  annos]  om.  A. —  34.  annos  I,  om.  A. 


índice  dos  nomes  próprios  de  pessoas 


(Excluiram-se  pela  sua  frequente  repetição:  eIRey  Dom  Joham,  o  If&mte  Duarte,  o  Iftamte  Dom  Pedro, 
e  o  Ufamte  Dom  Hamrrique).  —  Os  númros  indicam  as  páginas. 


Abilabez  —  lo. 

Abraham  —  6,  i6i. 

Achilles —  119. 

dAçymos,  dAçianus  —  233,  275.  Anianus, 
monge  egípcio. 

Adam  —  233. 

Dora  Affomsso  Amrriquez,  rei  de  Portu- 
gal —  36,  234. 

Dom  Affomsso  quarto,  rei  de  Portugal  — 
35,  56. 

Dom  Affomsso  quinto,  rei  de  Portugal  — 
i3,  275. 

Dom  Affomsso,  rei  de  Castella — 35,  i83. 

Dom  Affomsso,  comde  de  Barçellos —  ii5, 
122,  i52,  20S.  Veja-se  comde  de  Barçel- 
los). 

Dom  Affomsso  de  Casquaaes —  i53. 

Affomso  Eannes,  escudeiro — -iiS,  116. 

Afforaso  Eannes,  capellão  moor  delRei  — 

25l. 

Affomsso  Furtado  de  Memdoça,  capitão 
do  mar  — 5o,  5i,  55,  56,  58,  ii5,  i53. 

Affomsso  Vaaz  de  Sousa —  i53. 

Agar  —  248. 

santo  Agostinho —  10,  38,  117. 

Ahyor  —  200. 

duque  d.\llemanha  —  104.  Veja-se  Chro- 
nica  do  Conde  Dom  Pedro,  cap.  Ix. 

barom  dAUemanha  —  104,  233. 

Alarues  —  233. 

Alberto,  gramde  theologo  —  255.  Alberto 
magno,  bispo  de  Ratisbona. 


Alexandre,  rei  de  Macedónia  —  118,   119, 

233,  275. 
Alfarjano — 271.  Alfragan,  astrónomo  ára- 
be do  século  IX. 
Aluoro  dAguiar  —  269. 
Aluoro  da  Cunha  —  1 14,  154,  257,  269. 
Aluoro  Eannes  de  Cernache —  134,  264. 
Aluoro  Fernamdez  de  Mazquarenhas — 114, 

154,217,  257. 
Aluoro  Ferreira,  bispo  de  Coimbra —  154. 
Aluoro   Gomçalluez  dAtayde,  gouernador 

da  casa  do  Iffamte  Dom  Pedro —  154. 
Aluoro  Gomçalluez  Camello,  prioU  do  Es- 

pitall  — 5o,'5i,  53,  55,  58,  59,  i53. 
Aluoro  Meemdez  Cerueyra —  i53,  233,  234, 

264. 
Aluoro   Gomçalluez  da   Maya,  veedor  da 

fazemda  delRey,  na  cidade  do  Porto  — 

242,  243,  244. 
Aluoro  Nogueira — i53,  233,  2Ó9. 
Aluoro  Peixoto  —  154. 
Aluoro  Pereira  —  i53,  257. 
Aluoro  de  Pinhel  —  269. 
Aluoro  Vaaz  dAlmadaã  —  i54,  25". 
Dom  Aluoro  Pires  de  Castro —  1 14,  i53. 
Amagaro,  philosofo  —  272. 
Amon  —  200. 
Amtàm  da  Cunha  —  269. 
Amtam  Vaaz  de  Góes  —  224. 
Amtiocho —  i58,  i63. 
Dom  Anrique,  rei  de  Castella  —  16. 
Anibal  —  i5,  159,  174,  196. 


—  278  — 


Arato,  poeta  grego  —  177. 

Arauigos  —  275. 

Arbato  —  272. 

Aries,  signo —  173,  246. 

Aristóteles,  filosofo  grego  —  3,  117. 

duque  dArjona  —  97. 

mosse  Arredemtam,  Henry  dAntoing —  104. 

Assírios  —  272. 

Aviçena,  filosofo  árabe  —  8. 

meestre  dAuis — 9,69,  i33,  i54,  269,  270. 
Dom  frey  Fernam  RoTz  de  Sequeira, 
21.°  mestre  ou  melhor  Comendador  mor 
da  Ordem  de  Aviz,  falecido  em  1433. 

Ayres  Gomçalluez  dAbreu  —  257. 

Ayres  Gomçalluez  de  Figueyredo —  iii, 
114,  153,227. 

Ayres  Gomez  da  Sillua  —  257. 

Azmede  ben  Filhe —  172. 

almiramte,  veja-se  Lamçarote. 

Baco  —  240. 

Baltasar,  rei  dos  Caldeus  —  272. 

comde  de  Barçellos  —  í5,  26, 3o,  33,  54,  72, 
74,  92,  114,  145,  (53,  182,  206,  210,  232. 
Veja-se  Dom  Affomsso,  comde  de  Bar- 
çellos. 

Bayoneses  —  1 1 1,  228. 

Belleago  —  17,  98.  Doutor  Joham  Gonçall- 
uez  Beleago,  adayam  da  see  de  Coimbra. 
Veja-se  Fernam  Lopes,  Chronica  de  Dom 
João  },  parte  segunda,  capitulo  193  e  198. 

comde  de  Bellonha  —  92. 

Bembendim  de  Barbudo —  154. 

comde  de  Benauente  —  97. 

duquesa  de  Bergonha,  Iffamte  Dona  Isabel 
—  i32,  270. 

sam  Bernardo  —  157. 

Bizcainho  —  23 1. 

Brafome  —  173. 

Briatiz  Gomçalluez  do  Moura — 119,  120, 
129,  i3i,  i32. 

adiamtado  de  Caçorlla  —  96. 

Çalla  bem  Çalla —  169,  172,   173,  180,  197, 

198,  2o3,  2o5,  206,  22G,  23i,  232,  237,239, 

247. 
meestre  de  Callatraua  —  97. 
Calldeos  —  272. 


Carneiro,  signo  —  173. 

miçe  Carlos  Façanha,   filho   do  almirante 

miçe  Lamçarote  Façanha  —  67,  ii5.     • 
Castor  —  234. 
Castellaãos  —  '4)  21,  40. 
Catam  —  272. 
santa  Caterina  —  275. 

Dona  Caterina,  rainha  de  Castella —  i3,  16. 
Dona  Caterina,  irmã  dei  Rey  de  Castella 

—  52. 

Cepiam  —  9,  i5,  110,  119,  174,  272. 

César  —  233, 275  ;  veja-se  Gayo  César  e  Ju- 
lho César. 

rainha  de  Cezilia  —  5o,  5i,  52,  53,  55. 

meestre  de  Christo,  veja-se  D.  Lopo  Dias 
de  Sousa. 

Cláudio  Vero  —  272. 

Clemente  vii.  Papa  —  92. 

santa  Clara  de  Coymbra —  i36. 

Comdestabre,  Dom  Nuno  Aluares  Fereira, 

—  60,  68,  6g,  70,  71,  1 15,  i53,  212,  252. 
caualleiro  de  samta  Cruz  —  264. 

Cyro,  rei  da  Pérsia  —  140. 

Daniell,  profeta  —  272. 

Dia  Sanchez  de  Benauides  — 97,  98,  100. 

Dom  Denis,  rei  de  Portugal —  i36. 

Dom  Denis,  filho  de  Dom  Pedro  i  —  56. 

Diego  Aluarez,  meestre  sala  —  i53. 

Diego  Aluarez  Barbas  —  264. 

Diego  Gomçalluez  de  Trauaços  —  210,  257. 

Diego  Fernamdez  dAlmeida  —  154,  233,257, 

Diego  Gomez  da  Sillua —  114,  i53,  257. 

Diego  Lopez  Lobo —  154. 

Diego  Lopez  de  Sousa  —  i53,  264. 

Diego  de  Seabra,  alferes  do  Iffamte  Duarte 

—  210,  257,  264. 
Diego  Soares —  154. 

Diego  Soares  de  Albergaria —  154. 
Duarte  Fereira  —  208. 

Edonis  —  240. 
Egiçiaão  —  233,  275. 
santo  Enselmo  — 7. 
Escorpiam,  signo —  173. 
prioll  do  Espitall,  Dom  Aluaro  Gonçalluez 
Camelo  — 5o,  5i,  53,  54,  58,  59,  60,  61, 

Il5,    180,    181,   23o,  252. 


279  — 


Esther  —  1 19. 

Esteuam  Soarez  de  Mello  —  114,  i54,  169, 

2o3. 
Estóicos  —  200. 
Ezechiell,  profeta  —  160. 

Dona  Felipa,  Rainha  de  Portugal —  17,  60, 

61,  62,  63,  65,  66,  93,  107,  108,  116,  140. 
Fernam  dAluarez  —  217. 
Fernam  dAluarez  Cabral — 114,   i53,   178, 

Fernam  Chamorro  —  216,  217,  223,  226,  228. 

Fernam  Fogaça,  ueedor  do  Iffamte  Duarte 
—  83,  84,  86,  87,  92. 

Fernam  Furtado  —  264. 

comde  Fernam  Gomçalluez  —  35. 

Fernam  Gonçalluez  dArqua —  154. 

mestre  Fernam  Joanne,  físico  do  Iffamte 
Dom  Amrrique  —  179. 

Fernam  Lopez,  chronista  —  12,  i3. 

Fernam  Lopez  dAzcuedo  —  114,  154. 

P'ernam  Vaaz  de  Sequeira —  154,  257. 

Dom  Fernamdo,  infante  de  Castella,  e  de- 
pois rei  de  Aragão  —  i3,  17,  19,  23,  45,  gS, 
97,  98,  99,  101,  102,  io3,  104,  242,  243,  244. 

Dom  Fernamdo,  rei  de  Castella  —  35,  i83. 

Iifamte  Dom  Fernamdo,  filho  de  Dom  Pe- 
dro I  —  12,  56,  57. 

Iffamte  Dom  Fernamdo,  filho  de  Dom  Jo- 
ham  I  —  i33,  270. 

Dom  Fernamdo  de  Bragamça,  filho  do 
líTamte  Dom  Joham  —  1 14,  i53,  257. 

Fernamdo  AtTomsso  —  233. 

Fernamdo  Atfomsso  de  Carualho —  196. 

Dom  Fernamdo  de  Castro —  i53,  233. 

Dom  Fernamdo  de  Meneses  —  257. 

duque  de  Gamdia —  17,  244. 

Garcia  Moniz  —  1 14,  154,  222,  223,  224. 

Ganimedes  —  193. 

Gayo  César —  174,  272. 

Genoeses  —  94,  96,  2i5,  23i,  232, 

Gibotalher,  Guy  le  Bouttiller —  104. 

Gill  Louremço  dEluas  —  264. 

Gill  de  Roma  —  67.  Fr.  Gil  de  Roma,  autor 
do  livro  De  Regimine  principum,  que  teve 
grande  voga  nos  séculos  xiv  e  xv. 

Gill  Vaaz  —  2o5. 


Gill  Vaaz  da  Cunha  —  114,  i53,  257. 

Gill  Vaasquez —  154. 

Goraez  Diaz  —  264. 

Gomez  Diaz  de  Góes  —  217. 

Gomez  Eannes  de  Zurara  —  i3. 

Gomez  Ferreira  —  154. 

Gomez  Martimz  de  Lemos,  ayo  do  comde 
de  Barçellos, —  114,  145,  149,  i53. 

Gomçallo  Caldeira  —  76. 

Gomçallo  Eannes  de  Sousa —  1 14,  i53,  269. 

Gomçallo  Eannes  dAbreu  —  i53. 

Gomçallo  Louremço  de  Gomide,  escrivão 
da  puridade  delRey  —  19,67,  76,  i53, 211, 
212. 

Gomçallo  Gomes  dAzeuedo,  alcayde  dAl- 
lamquer  —  1 54. 

Gomçallo  Nunes  Barreto —  i53,  263. 

Gomçallo  Pereyra  das  armas  —  04. 

Gomçallo  Pereyra  de  Vouzella  —  1 54. 

Gomçallo  Rofz  de  Sousa,  capitam  dos  gine- 
tes —  127,  263. 

Gomçallo  Vaaz  Coutinho,  marichal  —  76, 
1 14,  206,  207,  208. 

Gonfedro — 240.  Gondofre,  escritor  italiano, 
que  viajou  na  Palestina. 

sam  Gregório,  Papa  —  4. 

Gregos — 49,  256,  272. 

condessa  D.  Guiomar  de  Meneses  —  166. 

rei  de  Graada,  io5, 106,  107,  108,  109.  O  rei 
de  Granada  chamava-se  Muhamad  ben 
Yusef,  e  reinou  de  1399  a  1420. 

D.  Hamrrique,  rei  de  Castella — 97,  244. 
Veja-se  D.  Anrique. 

D.  Hamrrique  de  Loronha —  i53,  233,  257. 

Hercolles  —  139. 

Hermes,  titulo  de  um  livro  apócrifo  do 
Novo  Testamento  —  255.  Veja-se  Gomez 
Eannes  de  Zurara,  Chronica  da  conquista 
de  Guiné,  cap.  Ixxiv,  e  Chronica  do  Con- 
de D.  Pedro,  parte  i,  cap.  11. 

Holofernes  —  200. 

Inequixius  Dama,  imgres,  criado  da  rainha 

Dona  FcUipa  —  25o. 
Dona  Isabell,  rainha  de  Portugal  —  i36. 
Iffamte  Dona  Isabel,  veja-se  duquesa  de 

Bergonha. 


—  28o 


santo  Isidoro —  lo,  i  lo.  Veja-se  Isidori  His- 
pcilensis  episccpi  Etimologiorum  sive 
Origitwm  libri  xx. 

Isrraell  —  6,  i6i. 

mice  Itam,  (mice  Ettore  ?),  irmão  do  almi- 
rante miçe  Lamçarote  Façanha  —  264. 
Veja-?e  Gomez  Eannes  de  Zurara,  Cróni- 
ca do  Conde  Dom  Pedro,  parte  i,  cap.  xxxi. 

Jeremias —  160. 

sam  Jerónimo  —  12. 

Dom  Joham  11,  Rei  de  Castella — 16,  18,  229. 

Dom  Joham,  filho  de  D.  Pedro  i  —  56,  i53. 

Dom  Joham,  filho  bastardo  de  Pedro  i, 
depois  Mestre  de  Avis,  e  Rei  de  Portu- 
gal—57. 

Iffante  D.  Joham,  filho  de  D.  João  i —  i33, 
2o3,  270. 

priol  de  sam  Joham  —  97. 

Joham  Affomsso,  ueedor  da  [fazenda  dei 
Rey  —  26,  27,  28,  33,  61,  63,  66,  207, 23o. 

Joham  Affomso  dAllamquer —  i54,  267. 

Joham  Affomsso  de  Brito  —  i53. 

Joham  Affomsso  de  Samtarem  —  i53. 

Joham  dAtayde  —  i54,  257. 

Joham  Aluarez  Pereira —  114,  i53. 

Joham  Bocaçio  —  i5.  João  Bocacio,  escri- 
tor italiano,  autor  do  livro  De  Casibus 
princtpum. 

Dom  Joham  de  Castro —  i53,  233,  269. 

Joham  Escudeiro  —  242,  243. 

Joham  Ferreira  —  264. 

Joham  Fogaça,  ueedor  do  comde  de  Bar- 
çellos —  154,  202,  2o3. 

Joham  Freire  dAndrade  —  i53. 

Joham  Gomez  Arnalho  —  2b2. 

Joham  Gomez  da  Sillua,  alferes  moor  del- 
Rey —  17,  76,  82,  98,  114,  iS3,  257. 

Joham  Gomçalluez  Omem —  177. 

Joham  Jusarte  —  262. 

Dom  Joham  de  Loronha  —  i53,  233,  257. 

Dom  Joham  Manuel!,  autor  do  livro  O  com- 
de de  Lucanor  —  q5. 

Johane  Meemdez  de  Vaascomçellos  —  154. 

Joham  RoTz  Comitre  —  241. 

Joham  Rodriguez  de  Saa —  1 14,  i53. 

Joham  Rodriguez  Taborda —  154. 

Joham  Pereyra  —  1 54,  263. 


Joham  Soares  —  154. 

Joham  Vaasquez  (ou  Vaaz)  dAlmadaã— 1 15, 

121,  123,  126,  127,  i54,  i65,  23i,  232,  2G4. 
frey  Joham  Xira,  confessor  delRey  — 3i, 

34,  i56,  202,  25 1,  253. 
sam  Joham,  evangelista  —  4,  6,  75,  83,  162. 
sam  Jorge  —  229. 
comde  Juliam  —  10,  i58. 
Jullio  César —  174,  273. 
Júpiter,  signo  —  173. 
Juda  —  272. 
Judeus  —  120,  200. 
Judie,  Judith  —  1 19,  200. 
Justiniano,  imperador  de  Roma  —  37. 

Leda  —  234. 

mice  Lamçarote  Paçanha,  almiramte  —  1 1 5, 
i53. 

sam  Leam,  Papa —  161. 

Liom  (signo)  —  139. 

D.  Lionor,  rainha  de  Portugal —  i3o. 

Libra,  signo  —  164. 

Lopo  Aluarez  de  Moura —  i53. 

Lopo  Diaz  d.Azevedo  —  154. 

Dom  Lopo  Diaz  de  Sousa,  meestre  da  Or- 
dem de  Christo —  11 5,  1 53,  232,  252, 263. 

Lopo  Vaaz  de  Castell  Bramco,  alcayde  de 
Moura,  monteiro  moor  delRey  —  263. 

Lopo  Vaasquez —  154. 

Loth— 6. 

Lucano,  poeta  romano  —  119,  273. 

comde  de  Lucanor  —  gS. 

sam  Lucas,  evangelista  —  4, 

Dom  Lucas  de  Tuy  —  10. 

Lúcifer  —  201. 

Lúcios  PauUo  —  272. 

Lúcios  Pinarios  —  272. 

Lucrécia,  matrona  romana —  119.  Veja-se 
Tito  Livio,  I,  I,  57. 

Luis  Aluarez  Cabral,  ueedor  do  Iffamte 
Dom  Hamrrique —  114,  i53,  178. 

Luis  Aluarez  da  Cunha  — 264. 

Luis  Gomçalluez  —  154. 

Luis  de  Sousa,  claveiro  da  Ordem  de  Chris- 
to —  127. 

Luiz  Vaaz  da  Cunha  —  264. 

Macabeu  —  7;  Macabeus —  i58,  i63. 


—  28l   — 


Mafamede  —  1 1,  65,  194,  199,  218,  248. 
satnta  Maria  de  Bellem —  11 5,  144. 
samta  Maria  da  Escada  —  177. 
Marco  Furio  Camillo  —  272. 
Marco  Regullo  —  272. 
Marco  Tullio  Ciçerom  —  35,  272. 
Marcos  Marçellos  —  272. 
Marijms  —  197,  2o5. 
Martes,  signo —  164. 

Martim  Affomsso  de  Melloo,  guarda  moor 
dei  Rey  —  68,  69,  76,  i53,  2o3,  2o5,  208, 
261,  262,  263. 
Martim  Affomso  de  Sousa —  114, 
Martim  Correia  —  257. 
doutor  Martim  Dossem,  gouernador  da  casa 
do  IfFamte  Duarte —  17,  98,  154.  Veja-se 
Fernam  Lopes,  Chronica  de  D.  João  /, 
parte  2.',  cap.  ig3  e  198. 
Martim  Fernamdez  Portocarreyro,  alcaide 

da  Tarifa —  167,  168,  241,  242. 
Martim  Gill  Pestana  —  212. 
Martim  Lopes  dAzeuedo  —  114,  154,  257. 
Martim  Paaez,  capellam   do  lífamte  Dom 

Hamrrique —  199,  202. 
Martim  Vaaz  da  Cunha —  i53. 
Dom  Martinho,  rei  de  Aragão  —  17. 
sam  Mateus,  evangelista  —  4. 
Matias  —  i58. 

Mecia  Vaasquez  (ou  Vaaz) —  119,  129,  i3i. 
Medos  —  272. 

Meem  Rodriguez  de  Refoyos,  alferes  do 
Iffamte  Dom  Hamrrique  —  1 14,  154,  2o3. 
Meem  de  Seabra  —  264. 
Meemdo  Affomsso —  i53,  233. 
Mercúrio,  signo  —  173. 
meestre  de  Christo,  veja-se  D.  Lopo  Diaz 

de  Sousa, 
meestre  dAuis,  veja-se  Auis. 
sam  Mvguell — 201. 
Mirabolim  ou  Miramolim  —  35,  173. 
Momdo  Arnaut,  rico  cidadão   de  Imgra- 
terra  —  154.  Veja-se  Chancelaria  de  D. 
João  I,  liv.  5,  foi.  24,  V. 
bispo  de  Mondanhedo  —  97,  98. 
Mouses  —  6,  i5,  37,  120,  i58,  255. 

Nabucadonosor,  rei  dos  Calldeus  —  233,  272, 
275. 
36 


Nipoçiano  —  12. 

Nino,  rei  dos  Assírios  —  272. 

Noa  —  10. 

Numa  Pompillio,  rei  de  Roma  —  271. 

Nuno  Antunez  —  224. 

Nuno  da  Cunha  —  269. 

Nuno  MartimzdaSillueyra—  i53,  212,  233, 

257. 
Nuno  Vaaz  de  Castell  Bramco-i  54, 233,  257. 
Nuno  Vaasquez  —  154. 

comde  dOrgel,  veja-se  comde  dUrgel. 

duque  dOlamda  —  83,  87,  92,  94,  164.  O 
duque  dOlamda,  ou  antes  conde  de  Hol- 
landa,  é  conhecido  pelo  nome  de  Guilher- 
me da  Baviera,  cunhado  de  Jean-sans- 
peur,  duque  de  Borgonha. 

Omero,  poeta  grego  —  119. 

Oraçio  Cocrez — 219.  Veja-se  Tito  Livio, 
I,  2,  10. 

Oriam  (constellação  Orion)  —  173. 

Outauiano  (Octaviano)  —  2-3. 

Ouuydio,  poeta  romano  —  140. 

Ozias,  rei  de  Juda  —  272. 

sam  Paulo  —  3,  36. 

Paulo  Virgereo  —  67.  Pietro  Paulo  Verge- 
rio,  nascido  em  Capo  d'Istria  em  1370, 
professou  em  Pádua,  donde  fugiu  para 
Hungria,  e  foi  morto  em  Buda  em  1444. 

Paay  Rodriguez  dAraujo —  114,  154. 

Payo  Rodriguez —  154. 

sam  Pedro  —  37,  92,  162. 

Dom  Pedro  1,  Rei  de  Portugal  —  56,  57,  i36. 

mestre  Pedro  —  10.  Mestre  Pedro  é  o  fa- 
moso Pierre  d'Ailly,  ou  Pierre  Lombard, 
denominado  mestre  djs  senteriçjis,  fale- 
cido em  Paris  em  11G4;  escreveu  entre 
outras  obras:  Libri  qtiatuor  senlentiarum. 

Dom  Pedro  de  Castro  —  1 14,  i53. 

Dom  Pedro  de  Meneses,  conde  de  Viana, 
alferez  do  Iffamte  Duarte,  e  primeiro 
capitão  de  Ceuta — i53,  166,  232,  257, 
262,  263,  264,  265. 

Dom  Pedro  de  Meneses  —  269. 

Pedro  Eannes  de  Lobato  —  154. 

Pêro  Fernamdez  Portocarreiro  —  i65,  167, 
168,  169,  i8>,  241. 


282 


Pêro  Gomçalluez  de  Curutello —  154. 

Pêro  Gomçalluez  Mallafaya —  i54,  264. 

Pêro  Lopez  dAzeuedo  — 264. 

Paro  Louremço  de  Tauora —  114,  i53. 

Pêro  Peixoto —  154. 

Pêro  Vaasquez  —  154. 

Pêro  Vaaz  dAlmadaã  — 233,  257. 

Pêro  Vaaz  Pimto  —  264. 

Pêro  Tauares  —  269. 

Perribatalha,  Pierre  Bataiile  de  Boullenoiz 

—  104. 
Persianos  —  234,  275. 
Phillipe,  rei  de  Grécia  —  233,  275. 
philosopho,  veja-se  Aristóteles. 
Platam,  philosopho  grego  —  200. 
PoUicrato  —  201. 
Pollos,  PoUux  —  234. 
Pompeo  —  174,  272,  273. 

Quindos  Fabios  —  272. 

Reinei,  rei  de  Nápoles —  17. 

Remigio  (Ramiro),  rei  de  Castella  que  ven- 
ceu a  batalha  de  Clavijo  —  35.  Veja-se 
Gomes  Eannes  de  Zurara,  Chronica  da 
conquista  de  Guiné,  cap.  xi. 

Dom  Rodrigo,  ultimo  rei  godo  de  Hespa- 
nha  —  10,  i5. 

Romaãos  —  9,  38,  47,  104,  i5o,  157,  tSg, 
i63,  272. 

RomuUo,  primeiro  rei  de  Roma  — 219. 

Ruy  Gomçalluez,  comendador  de  Canha  — 

203. 

Ruy  Gomez  dAlua  —  154. 

Ruy  Gomez  da  Sillua  —  264. 

Ruy  de  Sousa,  alcayde  do  castello  de  Mar- 

uam  —  i54,  212,  263. 
Ruy  Pires  do  Alandroal,  thesoureiro   da 

moeda  —  66. 
çide  Ruy  Diaz  —  35,  24.3. 
Ruy  Vaasques  Ribeiro —  154. 
Ruy  Vaaz  —  154. 

Sallamam  —  6,  3i,  66,  i36. 
Samtiago,  apostolo — 4,  35,  i52,  25o. 
adayam  de  Samtiago  —  97. 
mestre  de  Samtiago  —  244. 
Sardanapallo  —  272 


Saturno,  planeta —  164,  173,  271. 
Séneca,  escritor  romano —  141. 
Sócrates,  filosofo  grego  —  117. 
SoU,  planeta  —  164. 

Tarquino,  rei  de  Roma  —  272. 

sam  Thomas —  i25,  161. 

Timoteu  —  6. 

Tito  Livio,  historiador  romano —  i5,  110, 

1 19,  t59,  219. 
Tobias  —  5. 

arcebispo  de  ToUedo  —  97. 
ToUomeu,  geógrafo  grego  —  173,  271. 
TuUio,  veja-se  Marco  Tullio  Cicerom. 
Turcos  —  248. 

comde  dUrgel —  17,  loi. 

Vaasco  Eannes  Corte  Reall  —  2o3. 

Vaasco  Esteuez  Godinho  —  217. 

Vaasco  Fernandez  dAtayde,  governador  da 

casa  do  Iftamte  Dom  Hamrrique  —  1 14, 

i54,  206,  207,  227,  228,  229,  247. 
Vaasco  Fernandez  Coutinho —  i53. 
Vaasco  Martimz  da  Albergaria — 114,  154, 

204,  2o5,  257. 
Vaasco  Martimz  de  Carualhal —  154,  233, 

269. 
Vaasco  Martinz  da  Cunha —  i53. 
frey  Vaasco  Pereira,  comfessor  dei  Rey — 3 1 . 
Valério  Máximo,  historiador  romano  —  9, 

34,  119,  124,  159,  219. 
Vemturiu    Coriolla,    matrona    romana  — 

124.  Veja-se  Tito  Livio,  11,  40,  i. 
sam  Vicemte  —  i56,  23 1. 
Virgo,  signo  —  ig3,  234. 
Virgínea,  matrona  romana  —  119.  Veja-se 

Tito  Livio,  III,  44. 
Vulteo  —  273. 

Xenofonte,  escritor  grego  —  140. 
Xerxes,  rei  da  Pérsia  —  272. 

Yuda  Negro,  judeu  (Dom  Juda  ibn-Jahia) 
criado  da  Rainha  Dona  Fclipa  — 93.  Ve- 
ja-se Historia  da  litteratura  portuguesa, 
no  Grundriss  der  Romanischen  Philolo- 
gie,  pag.  234  e  38o. 


índice  dos  nomes  próprios  geográficos 


(£xceptuam-se  Portugal,  Cepta,  Castella,  Espanha).  —  Os  números  indicam  as  páginas. 


mar  Adriático  —  273.  Canha  —  2o3. 

AfFrica  —  9,  10,  27,  56,  5y,  61,  110,  192,239,    ponta  do  Carneiro —  i83,  184,  188,  208. 

243,  248,  249.  Carnide  —  76. 

Allamdroall  —  66.  santa  Caterina  (de  riba  mar)  —  i52,  i53. 

Alamquer — 217.  Cesto  —  209. 

Albergaria  —  245.  Cezilia  —  5o,  5i,  52,91,  io3,  iio,  164. 

Algarue  —  42,  54,  88,   182,  239,  205,  266,    Cezimbra — i56. 

267,  269,  275.  Coymbra — 17,  35,72,  i36,  154,  181,  183,267. 

Alhos  Vedros —  i38,  145,  i52.  Cordoua  —  174. 

Allemanha  —  44,87,  104.  Couna — 177. 

Aljazira  —  59,  i83,  188.  Couilhaã  —  45,  267. 

Aljaziras —  i65,  167,  174,  176,  239.  Crasto  Marim  — 266. 

Aljubarrota  —  229.  Curuche  —  69. 
Almadaã  —  46. 

Almina — 59,  174,  175,  186,  187,  2o3,  2o5,    Dalmácia — 273. 

210,215,237,242.  Damasco  —  248. 

Antiqueyra  —  244.  Doyro  —  88. 
Aragam  — 13,  17,23,45,  95,  loi,  106,242,244. 

Arrayolos  —  69,71.  Emaçea — 174. 

Assiria  —  248.  Estremadura  —  69,  74,  88. 

Aauiia  —  95.  Ethiopia — [248. 

Auinham —  92.  Euora  —  71,  72,  75,  127,  212,  262,  269. 

Barbaria  —  248.  Faaram  —  164,  266. 

Barbaçote —  170,  171,  igS,  216,  237.  Feez—  197,  232,  233,  234. 

Beyra  —  72,  74,  88,  i52.  Floremça  —  i5,  258. 

Beja  —  76.  Framça — 91,258,264. 
Betulia  —  200. 

Bizcaya  —  44,  87.  Galliza  —  44,  87. 

Bruges  —  86,  92.  Gamdia  —  17,  244. 

Giballtar—  i65,  166,  178,  i8i,  182,  i83,  i85. 

Canas — 159.  213,248. 


284  — 


Goniorra  —  6. 

Graada  —  23,  25,  40,  79,  io5,  243,  244,  248, 

259. 
Greçia —  233,  272,  275. 

Himgraterra,  veja-se  Imgraterra. 

Imgraterra  —  44,  87,  91,  107,  154,  258. 
Itallia  —  i5,  256. 

Jafa  —  92. 

Jerusalém  —  91,  i58,  160,  201,  255. 

Juda  —  272. 

Laguos  —  i56,  164,  202. 

Lauer  —  69. 

Leom  —  98. 

Libia  —  248. 

Lixboa  —  19,  24,  5i,  54,  56,  72,  88,  89,  90, 

96,  110,  ii3,  ii5,  i55,  iSg,  186,  25i,  266, 

267. 
Lombardia  —  256. 

Macedónia  —  1 19,  233,  275. 

Malega —  169,  170,  176,  187. 

Maruam  —  263. 

Marrocos  —  35,  173. 

Minho  —  88. 

Monte  Moor  —  69,  70,  71,  75,  76. 

Moura  —  263. 

ribeira  de  Muja  —  69. 

Napole  —  17,  91. 
Naues  —  35. 
Normamdia  —  92. 

Óbidos  —  46. 

Odiana  —  68,  72,  76,  88. 

Odiuellas —  117,  121,  122,  i23. 

Olamda  —  96. 

Oreb— i5. 

Orgel,  veja-se  Urgel. 


Ouriqne  —  36. 

Pallemça  —  95. 
monte  Pirado  —  240. 
Portell  — 75. 

Porto  —  72,90,  109,  110,  112,  ii3,  ii5,  178, 
186,  211,  228,  243. 

Restello  —  116,  144,  i52,  i53. 
Ribatejo  —  90. 
Roma  —  67,  233,  273. 

Sacauem  —  1 10,  121. 

Samtarem  —  46,  68,  69,  70,  71,  72,  73,  74. 

Seuilha  —  94,  gS,  96. 

Sillues  —  275. 

Simtra  —  46,  54,  76,  119,  207. 

Siria  — 248. 

Sodoma  —  6. 

ribeira  de  Soor  —  69. 

Tabor  —  79. 

Tangere  —  180. 

Taramto  —  196. 

Tarifa —  166,  167,  179,  241,  242. 

Tauilla —  265,  266,  268. 

Tejo  — 68,  88,  i38. 

Temtugall  —  75,  76. 

Tolledo  —  35. 

Torres  Vedras  —  46,  75,  76,  77,  78,  io5. 

Tróia  —  9,  273. 

Tunez  —  172,  238. 

Urgel  —  17,  loi. 

Vallemça  do  çide  —  243. 
Veneza  —  248. 
cabo  de  S.  Viçemte  —  i56. 
Vizeu  —  45,  72,  73,  267. 

Xemeyra  —  5g. 


DOCUMENTOS 


I 

22  DE  DEZEMBRO  DE  1449 

Nos  elRey  fazemos  saber  a  uos  Gonçalo  Esteuez  nosso  contador  que 
tendes  encarego  das  nossas  escripturas  que  estam  em  o  castello  da  cidade 
de  Lixboa  que  nos  acordamos  por  nosso  seruiço  e  por  melhorar  guarda 
dessas  escripturas  que  os  trellados  que  se  ata  aqui  derom  per  estormentos 
pubricos  per  os  aluaraees  nossos  que  uos  sobre  ello  mandamos  das  ditas 
escripturas  que  se  dem  daqui  em  deante  per  cartas  feitas  em  nosso  nome 
per  os  escripuãees  que  ora  escrepuem  ou  escrepuerem  aas  ditas  escriptu- 
ras e  que  as  ditas  cartas  sejam  asynaadas  per  nos  e  asellaadas  do  noso 
seello  dos  contos  dessa  çydade.  E  porem  nos  mandamos  que  esta  regra 
tenha  Deus  daqui  em  deante  e  o  façades  per  gisa  que  dito  he  rrepartindo 
as  ditas  cartas  perante  os  ditos  escripuãees  per  destrybuiçom  ou  como 
uos  uirdes  que  he  melhor  por  nosso  seruyço.  E  per  este  aluara  manda- 
mos a  Gonçalo  Rodriguez  nosso  contador  moor  ou  outro  qualquer  que 
teuer  o  nosso  sello  dos  ditos  contos  que  selle  as  ditas  cartas  sendo  por 
nos  asynadas  como  dito  he.  Unde  ai  nom  façades.  feito  em  Lixboa  xxij 
dias  de  Dezembro.  El  Rey  ho  mandou.  Rodrigo  Anes  a  fez.  era  de 
mil  iiij'=  R  IX  anos.     Gonçalo  Esteuez.     Lourenço  Vicente. 

Chancelaria  de  D.  João  I,  liv.  v,  foi.  82. 


II 

29  DE  MARÇO  DE  1451 

Dom  Afomso  etc.  A  quantos  esta  carta  virem  fazemos  saber  que  nos 
querendo  fazer  graça  e  mercee  a  Gomez  Eanes  caualleiro  de  nossa  cassa 
e  nosso  canonista.  Teemos  por  bem  e  lhe  outorgamos  que  tenha  e  aja 
de  nos  des  primeiro  dia  de  Janeiro  que  ora  foy  desta  era  pressente  de 
iiij^  Ij   de  teença  em  cada  huú  ano  em  quanto  nossa  mercee  tor  seis  mill 


—  288  — 

reaaes  brancos  os  quaaes  auera  per  costa  que  lhe  delles  em  cada  ano 
seera  dada  em  a  nossa  fazenda,  e  em  testemunho  dello  lhe  mandamos  dar 
esta  nossa  carta  sijnada  per  nos  e  sseellada  do  nosso  seelo  pendente  pêra 
teer  ssua  guarda.  Dante  em  a  nossa  villa  de  Santarém  xxix  dias  de  março. 
Ruy  Dias  a  fez.  ano  de  nosso  Senhor  Jhesu  Christo  de  Mil  iiij'=  Ij. 

Chancellaria  de  D.  Afonso  V,  liv.  xi,  foi.  26,  v. 


III 

14  DE  JULHO  DE  1452 

Carta  de  quitaçam  a  Joham  Rol:{  Carualho 
de  todollos  dinheiros  que  rreçebeo  em  Framdes  hotnde  foy  emuyado. 

Dom  Aíibnso  etc.  A  quantos  esta  nossa  carta  de  quitaçom  virem 
fazemos  saber  que  nos  mandamos  tomar  conta  e  recado  a  Joham  Roíz 
Carualho  nosso  escudeiro  da  guarda  e  rreçebedor  da  nossa  chançelarya 
da  corte  per  Esteuam  Vaasquez  contador  da  nossa  casa  de  todolos  dinhei- 
ros que  por  nos  rreçebeo  em  a  villa  de  Bruges  condado  de  Framdes, 
homde  ho  enuyamos  por  alguúas  cousas  que  eram  comprydoyras  a  nosso 
seruiço  no  ano  da  era  de  nosso  Senhor  Jhesu  Christo  de  mill  e  iiij^^  Ij. 

E  vijnte  e  húa  libras  cynquo  soldos  por  cem  duzyas  de  purgamynhos 
rrespançados  que  emtregou  a  Gomez  Eanes  da  Zurala  nosso  criado  comen- 
dador dAlcãjz  autor  dos  feytos  notauees  de  nossos  rregnos  pêra  os  teer 
em  guarda  na  nossa  lyuraria  que  esta  em  a  cydade  de  Lixboa  de  que  ele 
tem  cargo  per  aluara  de  mandado 

Dante  em  a  nossa  cidade  dEuora  xiiij  do  mes  de  Julho.  Pêro  Aluarez 
a  fez.  ano  do  naçimento  de  nosso  Senhor  Jhesu  Christo  de  mill  iiij'=  lij. 

Chancelaria  de  D.  Affonso  V,  liv.  xii,  foi.  62,  r. 


—  289  — 

IV 

23  DE  FEVEREIRO  DE  1453 

Caj~ta  que  Gomes  Eannes  da  Zurara 

comendador  da  Jiordem  de  Christo  screueo  ao  Senhor  Rey 

quando  lhe  enuyou  este  liuro. 

Muyto  alto  e  muyto  excellente  príncipe  e  muyto  poderoso  Senhor. 

Como  milhor  sabe  a  uossa  alteza  que  húa  das  propriedades  do  magnâ- 
nimo he  querer  ante  dar  que  receber.  E  porque  aos  homeés  nom  pode 
seer  dada  mayor  cousa  em  este  mundo  que  honra,  a  qual  diz  o  philoso- 
pho  que  de  todos  naturalmente  he  deseiada  assy  como  alguú  grande  bem, 
porque  de  todallas  cousas  corporaaes  ella  he  mayor  nem  milhor.  E  por 
tanto  diz  elle  que  o  recompensamento  da  honra  deue  seer  dado  ao  que 
he  muyto  nobre  e  excellente.  e  o  recompensamento  do  guaanho  ao  que 
he  mesteiroso.  O  que  certamente  mostra  seer  assy  pois  que  a  Deos  nom 
podemos  dar  mayor  cousa  que  honra,  nem  aos  muy  boõs  e  virtuosos  por 
testemunho  e  gallardom  de  sua  virtude. 

E  como  quer  que  em  vossos  feitos  se  podessem  achar  cousas  assaz 
dignas  de  grande  honra  de  que  bem  poderees  mandar  fazer  vellume, 
Vossa  Senhorya  husando  como  verdadeiro  magnânimo,  a  quis  ante  dar 
que  receber.  E  tanto  he  vossa  magnanimidade  mais  grande  quanto  a 
cousa  dada  he  mais  nobre  e  mais  excellente.  Pollo  qual  stando  vossa 
mercee  o  ano  passado  em  esta  cidade  me  dissestes,  quanto  deseiauees 
veer  postos  em  scripto  os  feitos  do  Senhor  Iffante  dom  Henrique  vosso 
tyo.  ca  conheciees  que  se  alguús  principes  cathollicos  em  este  mundo 
cobrarem  perfeiçom  das  virtudes  eroicas,  elle  deuya  seer  contado  por 
huú  dos  principaaes.  Porem  que  me  mandauees  que  me  trabalhasse  muy 
verdadeiramente  saber  a  maneira  que  sempre  teuera  em  sua  vida  com 
todo  o  outro  processo  de  seus  feitos.  E  que  auendo  de  todo  comprida 
enformaçom  me  ocupasse  de  o  screuer  na  milhor  maneira  que  podesse, 
allegandome  huú  dito  de  Tullyo  que  diz  que  nom  abasta  ao  homem  fazer 
bõa  cousa,  mas  fazella  bem.  Ca  vos  parecia  que  serya  erro  se  de  tam 
sancta  e  tam  virtuosa  vida  nom  ficasse  exemplo,  nom  soomente  pêra  os 
principes  que  depois  de  vossa  jdade  possoissem  estes  rregnos,  mas  ajnda 
pêra  todollos  outros  do  mundo,  que  de  sua  scriptura  cobrassem  conheci- 
mento, por  cuja  rezom  os  naturaaes  aueriam  causa  de  conhecer  sua 
37 


—  290  — 

sepultura  perpetuando  sacrifficios  deuinos  pêra  acrecentamento  de  sua 
glorya.  e  os  estrangeiros  trazeriam  seu  nome  ante  os  olhos  com  grande 
louuor  de  sua  memoria.  E  por  que  em  comprindo  eu  vosso  mandado, 
conheço  que  vos  nom  faço  tanto  seruiço,  como  bem  a  mym  meesmo.  sem 
outra  reposta  me  despus  ao  trabalho.  Mas  Senhor  depois  que  o  tiue 
começado,  conheci  que  errara  em  me  tremeter  do  que  bem  nom  sabya, 
porque  a  fracos  nembros  ligeira  carrega  parece  grande.  Empero  Senhor 
esforçandome  com  aquella  voontade  que  aos  boõs  seruidores  as  cousas 
graues  faz  parecer  ligeiras  e  boas  dacabar.  trabalheime  de  lhe  dar  fim 
o  milhor  que  pude,  ajnda  que  eu  vos  confesso  que  em  o  fazer  nom  pus 
tamanha  deligencia  como  deuera  por  outras  ocupaçoões  que  no  prosse- 
guimento da  obra  se  me  recrecerom.  Porem  tal  queiando  he  o  enuyo  aa 
vossa  mercee,  do  qual  sabendo  que  vos  praz  auelloey  por  grande  soldada 
daqueste  trabalho.  E  porque  Senhor  assy  como  sam  Jerónimo  screpuya 
em  huúa  epistolla,  que  aquelie  que  screpue,  muytos  toma  por  juizes,  ca 
antre  muytos  ha  desuairamento  assy  dentender  como  de  voontades,  e  som 
alguijs  que  cuidam  que  os  maaos  feitos  se  screpuem  por  enueia  ou  mal- 
querença, e  o  que  se  diz  da  virtude  e  glorya  dos  boõs  quando  passa 
alguúa  cousa  aallem  do  que  a  elles  parece,  ligeiramente  o  julgam  por 
mentira,  como  excrama  Sallustryo  em  começo  de  seu  Catallynaro.  Se 
aquelles  que  meu  trabalho  plasmarem  nom  forem  em  sabedorya  ou  auto- 
ridade sofecientes,  por  merccee  nom  consentaaes  que  seia  a  obra  porem 
condampnada.  Ca  pêro  veiam  em  ella  tam  altas  vertudes  douidosas  per 
alguú  corpo  mortal,  conheçam  que  aas  vezes  a  mingua  do  huso  faz  pare- 
cer forte,  o  que  os  husados  ham  por  ligeiro  e  boõ  dacabar.  Empero 
muyto  alto  e  muyto  excellente  príncipe  estas  cousas  a  vos  nom  perteecem 
porque  o  sabedor  dos  feitos  alheos  nom  tem  em  costume  julgar  de 
ligeiro.  E  do  que  dito  he  com  boa  entençom,  a  ssentença  tira  sempre  aa 
milhor  parte.  E  Deos  que  o  mundo  gouerna  e  rege  vos  guarde  de  peri- 
goo  também  de  desonra,  e  compra  vossa  vida  e  grande  stado  de  honra 
saúde  riqueza   e  prazer.     Amen.     Scripta  em  Lixboa  xxiij   de  feuereiro 

1453. 

Crónica  da  conquista  de  Guiné,  manuscrito  da  Biblio- 
teca nacional  de  Paris,  facsimile  na  impressão  da 
mesma  chronica,  feita  em  Paris  em  1841. 


—  291  — 

V 

6  DE  JUNHO  DE  1454 

Dom  Afíomso  etc.  A  quantos  esta  carta  virem  ffazemos  ssaber  que 
esguardando  nos  como  Fernam  Lopez  scpriuam  que  foy  da  puridade  do 
Ifante  Dom  Fernando  meu  tyo  cuja  alma  Deos  aja,  guardador  das  nossas 
scprituras  do  tonbo  que  estam  no  castello  desta  cidade,  he  ja  tam  velho 
e  flaco,  que  per  ssy  nom  pode  bem  seruir  o  dito  offiçio,  hordenaraos  per 
sseu  prazimento  de  o  dar  a  outra  pessoa,  que  o  bem  possa  seruir,  e  ííazer 
a  elle  merçee  como  he  rrezom  de  sse  dar  aos  boõs  seruidores.  E  con- 
fiando de  Gomez  Eanes  de  Zurara  caualleiro  comendador  da  hordem  de 
Christo  polia  muyta  criaçom  que  em  elle  teemos  ffecta  e  seruiço  que  delle 
rreçebemos  e  speramos  rreçeber,  querendolhe  fazer  graça  e  merçee  lhe 
damos  o  dito  carrego  assy  e  pella  guysa  que  o  dito  Fernam  Lopez  atee 
qui  teue,  e  mjlhor  sse  o  elle  dereitamente  poder  auer.  E  porem  manda- 
mos aos  veedores  da  nossa  ftazenda,  e  contadores,  e  almoxarifes,  e  a 
outros  quaaesquer  a  que  esto  pertencer  per  quallquer  guisa  que  seja,  a 
que  esta  nossa  carta  ííor  mostrada,  que  lho  leixem  teer  e  auer  o  dito 
encarrego  com  todollos  prooes  e  dereitos  que  a  elle  perteencem  assy  e 
pella  gujsa  que  os  auia  o  dito  Fernam  Lopez  e  os  outros  que  ante  elle 
forom  que  o  dito  encarrego  teuerom,  ssem  lhe  poendo  ssobre  ello  outro 
nehuú  embargo,  o  quall  Gomez  Eannes  jurou  em  a  nossa  chancellaria 
aos  ssantos  euangelhos  que  bem  e  dereitamente  e  como  deue,  obre  e  huse 
do  dito  oficio,  e  guardar  a  nos  nosso  seruiço  e  ao  pouoo  sseu  dereito. 
Dada  em  Lisboa  bj  de  Junho.  Joham  Gonçaluez  a  fez.  ano  do  naçi- 
mento  de  nosso  Senhor  Jhesu  Christo  de  mil  iiij"^  liiij  anos. 

Chancelaria  de  Dom  Affonso  V,  liv.  x,  foi.  3o,  r. 


VI 

23  DE  AGOSTO  DE  1454 

Dom  Affomso  etc.  A  quantos  esta  carta  virem  fazemos  saber  que 
Gomez  Eanes  de  Zurara  comendador  dAlcãjz  e  da  Granja  dHulmeiro 
nosso  criado  que  teem  carreguo  da  nossa  liuraria  e  cartório  que  teemos 
na  torre   do  tombo  que  esta  em  esta  nossa  cidade  de  Lixboa  nos  disse 


—  292  — 

que  elle  rreçebia  e  speraua  rreçeber  seruiço  de  Guarda  Anes  e  Afomso 
Guarçia  seu  filho  almocreues  moradores  em  a  villa  de  Gastei  Bramco  e 
esto  em  lhe  arrecadarem  sua  rrenda  e  procurarem  suas  coussas  e  lhas  tra- 
zerem a  esta  cidade  o  que  elle  per  ssy  persoalmente  nom  podia  fazer  e 
que  pollos  assy  achar  deligentes  a  sseu  mamdado  nos  pedia  que  lhos  priui- 
ligiassemos  dalguúas  liberdades.  E  nos  veendo  sseu  dizer  e  pedir,  querem- 
dolhe  fazer  graça  e  mercee  teemos  por  bem  e  priuiligiamos  o  dito  Guarçia 
Anes  e  Afomsso  Guarçia  que  daqui  em  diamte  nom  ssejam  costramgidos 
per  nehuíías  carreguas  e  seruidoõs  nossas  nem  dos  Ifamtes  meu  yrmão  e 
tio  nem  doutras  alguúas  perssoas  pêra  que  com  rrazom  deuam  ou  possam 
seer  costramgidos  nem  ysso  meesmo  ssejam  costramgidos  pêra  nehuíjs 
encarregues  e  seruidoõs  do  concelho,  nem  lhe  tomem  suas  cassas  de 
morada  adeguas  nem  caualariças  pêra  seerem  dadas  a  nehuúas  persoas 
de  poussentadoria  contra  sua  vomtade.  E  porem  mamdamos  aos  juizes  e 
oíiçiaaes  dessa  villa  de  Gastei  Bramco  e  a  quaaesquer  outros  juizes  e  jus- 
tiças de  nossos  rregnos  a  que  esto  pertencer  e  esta  carta  for  mostrada 
que  os  nom  costramgam  nem  mandem  costramger  pêra  nehuúas  das 
sobre  ditas  coussas.  por  quanto  nossa  mercee  he  sseerem  dello  escussados 
pello  do  dito  Gomez  Eanes  que  noilo  por  elles  pedio.  en  quanto  sse  assy 
delles  ouuer  por  seruido  ssem  lhe  sobrello  sseer  posta  outra  alguúa  duuida 
nem  embargo.  Dada  em  Lixboa  xxiij  dias  dagosto.  Gonçallo  de  Moura 
a  fez.  anno  de  nosso  senhor  Jhesu  Christo  de  mil  iiij<=  cimquoemta  e  qua- 
tro annos. 

Chancelaria  de  D.  Affonso  V,  liv.  x,  foi.  ii3,  r. 


VII 

7  DE  AGOSTO  DE  1459 

Dom  Afomso  etc.  A  quantos  esta  nossa  carta  virem  fazemos  saber 
que  consijrando  em  os  muytos  seruiços  que  teemos  recebidos  e  espera- 
mos ao  diante  receber  de  Gomez  Eanes  de  Zurara  comendador  da  Hordem 
de  Christo  nosso  canonista  e  goarda  moor  do  nosso  tombo  e  querendo- 
Ihe  fazer  graça  e  mercee  teemos  por  bem  e  nos  praz  que  elle  tenha  e 
aja  de  nos  de  receita  em  quanto  elle  viuer  doze  mil  reaes  brancos  do 
primeiro  dia  de  janeiro  que  vem  em  diante  os  quaaes  dinheiros  elle  de 
nos  ataa  ora  ouue  porem  mandamos  aos  veedores  escriuaães  etc.  Dada 
em  a  nossa  villa  de  Sintra  bij  dagosto.     Rosendo  a  fez.  ano  de  mil 

iiij'=  lix. 

Chancelaria  de  D.  Afonso  V,  liv.  xxxi,  foi.  76,  v. 


—  293  — 
VIII 

9  DE  AGOSTO  DE  1459 

A  Gomes  Eanes  de  Zurara  licença  pêra  fa:{er  qiiaaes  quer  obras 

e  corregimentos  que  elle  qui:{er  em  huíias  casas  dclRey 

que  som  nesta  cidade  de  Lixboa  a  porta  dos  paços  as  quaaes  elle  e  seus 

herdeiros  teram  e  lhe  nam  seiam  tiradas 

atee  lhe  nam  seer  paguo  o  que  nellas  despemder. 

Dom  Afomsso  etc.  A  quantos  esta  nossa  carta  virem  fazemos  saber 
que  a  nos  praz  e  damos  liçemça  e  lugar  a  Gomez  Eanes  de  Zurara 
comendador  do  Pinheiro  Gramde  e  da  Gramja  dUImeiro  nosso  coronista 
e  guarda  do  tombo  dos  nossos  rregnos  que  elle  possa  despemder  em 
quaaes  quer  obras  e  corregimentos  que  elle  quyser  nas  nossas  casas  que 
sam  a  porta  dos  nossos  paços  da  cidade  de  Lixboa  em  que  ora  elle 
pousa  ataa  dez  mjl  reaes  e  mais  posa  mandar  fazer  huúa  cisterna  ém  as 
ditas  casas  as  quaaes  despesas  todas  da  dita  cisterna  e  corregimentos 
seram  vistas  e  feitas  presente  o  nosso  scripuam  das  nossas  obras  em  a 
dita  cidade  e  elle  as  poera  em  scprito  e  asinara  per  sua  maao  e  quere- 
mos que  se  logo  lhe  nom  podermos  mandar  pagar  todo  esto  que  assy 
despemder  que  elle  e  seus  herdeiros  possam  teer  todallas  ditas  casas  e 
em  ellas  morar  ou  fazer  em  ellas  o  que  lhe  prouuer  nam  as  dinificamdo 
partindo  ou  emalheamdo  mas  amtes  aproueitandose  delias  como  de  cousa 
sua  e  posam  morar  em  ellas  as  pesoas  que  lhe  a  elles  aprouuer  posto 
que  nam  viuam  comnosquo  ou  nossos  offiçiaaes  nom  seiam  auemdo  a 
seruemtia  delias  como  ora  ha  o  dito  Gomez  Eanes.  E  esto  ataa  lhes 
mandarmos  pagar  todollos  dinheiros  que  assy  elle  despemder  em  corre- 
gimento  e  obras  das  ditas  casas  ata  a  dita  contia  de  dez  mjll  reaes.  E 
assy  o  que  jsso  mesmo  despemder  no  fazimento  da  dita  cisterna  segumdo 
o  mostrara  escprito  e  assynado  per  o  dito  escpriuam  e  tamto  que  lhe 
esto  pagarm.os  as  ditas  casas  ficaram  liures  a  nos  como  ora  som  e  em 
testemunho  desto  lhe  mandamos  dar  esta  nossa  carta  sinada  per  nos  e 
assellada  do  nosso  sello  pendemte.  Dada  em  Simtra  a  ix  dias  do  mez 
dagosto.     Joham  Vogado  a  ífez.   anno  de  nosso   Senhor  Jhesu  Christo 

de  mil  iiij'=  lix. 

D.  Affonso  V,  liv.  VII  da  ExtremaJura,  foi.  255,  v. 


—  294  — 
IX 

1459 

Depois  que  o  muy  serenjsimo  príncipe  e  senhor  e  rrey  Dom  Affonso 
o  quinto  dos  Reys  de  Portugal  a  primeira  uez  pasou  em  Africa  e  tomou 
a  uilla  dAlcaçer  aos  Mouros  que  foy  no  anno  do  naçimento  de  nosso 
senhor  Jhesu  Christo  de  mil  iiij'=  e  cinquoenta  e  oyto  annos.  no  anno 
seguinte  fez  cortes  em  Lixboa  e  antre  as  muytas  cousas  que  fez  por  cor- 
regimento  e  prol  de  seu  povoo  foy.  que  por  quanto  soube  que  na  sua  torre 
do  tombo  jaziam  mujtos  liuros  de  rregisto  dos  rreis  pasados  onde  seus 
naturaaes  faziam  grandes  despesas  buscando  algijas  cousas  que  lhes  com- 
priam  por  razam  da  grande  prolexidade  descprituras  que  se  nos  ditos 
registos  contijnham  sem  proueito.  e  ajnda  porque  pereciam  por  ueihos(i). 
Mandou  que  se  tirasem  em  este  liuro  aquellas  que  sustançiaaes  fosem 
pêra  perpetua  memoria,  e  que  as  outras  ficasem.  que  a  nehuú  auiam 
razam  daproueytar.  E  som  em  este  liuro  doaçoões,  priuilegios,  demar- 
caçoões  de  termos  confirmações  e  assy  outras  semelhantes  (2).  E  eu 
Gomez  Eannes  de  Zurara  comendador  da  hordem  de  Christo  cronista 
do  dito  senhor  guarda  da  dita  torre  a  que  o  dito  senhor  deu  carrego 
desto  mandar  fazer. 

Chancelaria  de  Dom  Pedro  I,  foi.  i,  r,  a,  e  foi.  81,  r,  a. 

João  Pedro  Ribeiro,  Dissertações  chronologicas  e  criticas, 
tomo  I,  Lisboa,  1860,  p.  336. 


X 

II  DE  JUNHO  DE  1460 

Carta  do  senhor  Dom  Pedro  Mestre  de  Anis, 

e  que  depois  foi  Rey  de  Aragão  filho  do  Infante  Dom  Pedro 

a  Guome^  Eanes  de  Zurara  caronista 

e  guarda  mor  da  Torre  do  Tombo  escrita  per  sua  mão. 

Guomez  Eannes  Amigo  uos  enuio  muito  saudar  como  aaquelle  cuio 
bem  deseio.  em  grande  obrigação  me  meteo  a  uossa  carta  por  duas  rezoins. 

(i)  E  ajnda  porque  pereciam  por  uelhos,  om  foi.  81,  r,  a. 

(2)  E  som  em  este  liuro  doaçoões  priujlegios  apresentaçoões  legitimaçoões  afora- 
mentos coutamentos  moorgados  confirmaçoões  e  assy  outras  semelhantes.  Foi.  81 ,  r,  a. 


—  295  — 

a  húa  por  me  escreuerdes  e  emuiareis  nouas  sem  uos  eu  escreuer  sobre 
ello,  e  a  outra  porque  estando  nessa  nobre  cidade  acompanhado  de  estu- 
dos e  de  occupaçoens  reais  e  ainda  de  desemfadamentos  curiais,  e  tam 
allongado,  uos  uir  em  lembrança,  conheço  porem,  que  a  uossa  antiga  bon- 
dade e  doce  natureza  com  os  uossos  amigos  não  uos  deixa  ser  esquecido. 
Eu  aceito  uossa  offerta  que  he  de  me  escreuerdes  as  cousas  que  se  laa 
seguem  dignas  de  escreuer,  porque  estou  qua  nesta  terra  seca  de  tudo, 
e  o  pior  he  que  mal  sentido  em  tal  maneira  que  não  posso  desemfadarme 
nos  aldeãos  desemfadamentos  senão  uzar  dos  que  os  prezos  e  os  enfer- 
mos acostumão,  pello  qual  uos  confesso  que  deseio  algíias  cousas  como 
mulher  prenhe,  que  se  fora  são  eu  me  dera  ao  cuidado  da  caça  e  do 
monte,  deixando  a  Lionel  de  Lima  e  a  Pêro  Vaz  de  MelK>  o  pezo  e  cui- 
dado da  corte.  Ao  Príncipe  meu  senhor  beijai  a  mão  por  mim  e  a  elRey 
meu  senhor  se  o  laa  colherdes  nessa  liuraria.     A  .ii.  de  iunho  de  1406  (i). 

de  Auis. 

Biblioteca  Nacional  de  Lisboa,  manuscrito  n."  3776 

(N-i-26),  foi.  42,  V.-43,  r. 
O  Panorama,  vol.  v,  Lisboa,  1841,  p.  336. 

XI 

6  DE  FEVEREIRO  DE  1461 

Gomes  Eanes  de  Zurara  confirmaçam  de  perjilhaçam 

e  doaçam  que  lhe  fe\  Maria  Annes  pillileira  de  huú  lugar  que  ella  tijnha 

em  Ribatejo  homde  chamam  Vali  bom. 

Dom  ACFomsso  etc.  A  quamtos  esta  nossa  carta  de  confirmaçam 
virem  fazemos  saber  que  peramte  nos  foy  apresemtado  huú  pruuico  estor- 
mento  de  comfirmamento  que  parecia  seer  feito  e  assynado  per  Pêro  Vaaz 
tabaliam  por  nos  em  a  nossa  cidade  de  Lixboa.  per  o  quall  se  comtijnha 
amtre  as  outras  coussas  que  per  Maria  Annes  piiiteira  morador  em  a  dita 
cidade  fora  dito  que  era  verdade  que  comssijramdo  ella  o  gramde  amor  e 
amizade  que  Johane  Annes  da  Zurara  coniguo  que  foy  desta  cidade 
dEuora  e  de  Coymbra  teuera  sempre  com  Maria  Viçemte  sua  madre,  e 
ysso  mesmo  a  ella  e  a  Lopo  Martijs  seu  marido  com  que  esteuera  casada 
e  as  muytas  boõas  obras  que  elle  rreçebera  seemdo  seu  compadre  e  ami- 
guo.     E  comssijramdo  ella  como  a  Deos  prouuera  de  lhe  nom   dar  filho 

(i)  A  data  deve  ler-se  :  A  1 1  de  junho  de  14G0. 


—  296  — 

nem  filha  nem  outro  nehuú  herdeiro  lidimo  que  seus  beês  a  ora  de  sua 
morte  ouuessem  dherdar.  e  por  seer  em  tall  hidade  ella  os  nam  podia 
aver.  sseemdo  sempre  seu  preposito  dos  os  teer  e  aveer.  E  pois  que  a 
Deus  nam  aprouuera  que  porem  comssiramdo  ella  o  gramde  amor  e 
amizade  que  ella  tijnha  ora  e  sempre  teuera  com  Gomez  Eannes  da 
Zurara  comendador  do  Pinheiro  gramde  e  nosso  canonista.  depois  da 
morte  do  dito  seu  padre  atee  ora  e  as  muj^tas  boÕas  obras  e  emcamjnha- 
mento  de  seus  feytos,  que  do  dito  Gomez  Eannes  tinha  rreçebidas.  que 
ella  de  sua  boõa  liure  vomtade  e  de  seu  propio  moto  ssem  prema  nem 
costramgimento  de  pessoa  allguíia  rreçebia  como  de  feito  rreçebera  e 
tomara  per  modo  de  adopçam  com  desejo  de  teer  filho  o  dito  Gomez 
Eannes  em  seu  filho  lidimo  e  herdeiro  a  todas  suas  possissoÕes  e  coussas 
e  direitos  seus  e  em  sua  famillia  e  filiaçom  e  poderio  paterno,  afeituossa- 
mente  o  rreçebeo  e  tomou  em  seu  huniuersal  herdeiro  que  per  sua  morte 
herdasse  e  ouuesse  todos  seus  beês  moues  e  de  rraiz  avijdos  e  por  aveer 
assy  como  sse  fosse  seu  filho  legitimo  e  delia  naçesse  naturallmente  e  lidi- 
mamente  per  legitimo  matrimonio.  E  outrossy  disse  que  ella  fazia  liure 
e  pura  doaçam  amtre  viuos  pêra  sempre  valledoíra  ao  dito  Gomez  Ean- 
nes seu  filho  adouptiuo  de  huú  seu  lugar  que  ella  dita  Maria  Annes  avia 
e  tijnha  em  Ribatejo  em  logo  que  chamam  Vali  boõ  com  todas  ssuas 
vynhas,  e  cassas,  e  lagar  e  horta  e  com  todas  suas  pertenças  per  a  guissa 
que  o  ella  ha.  E  mais  de  huíãas  cassas  em  que  ora  ella  mora  que  ssam 
em  a  dita  cidade  de  Lixboa  na  freguesia  de  ssam  Giaão  como  as  ella  ha 
e  possue  rresalluamdo  ella  pêra  ssy  todo  huso  e  fruito  do  dito  lugar  e 
quimtaã  e  cassas  em  sua  vida  delia  e  mais  nam.  E  que  aa  sua  morte 
delia  o  dito  Gomez  Eannes  seu  filho  aja  todo  jmteiramente  como  dito  he 
como  seu  filho  adoutiuo  e  herdeiro  segumdo  que  todo  esto  e  outras 
coussas  melhor  e  mais  compridamente  em  o  dito  estormento  de  perfi- 
Ihamento  e  doaçam  eram  comtheudas.  Pidimdonos  por  merçe  a  dita 
Maria  Annes  que  lhe  confirmássemos  o  dito  perfilhamento  e  o  ouuesse- 
mos  por  boõ  e  firme  e  valliosso.  E  nos  vemdo  o  que  nos  ella  assi  dizia 
e  pedia  ssem  embarguo  de  sobre  ello  primeiro  nom  mandarmos  tirar 
}mquiriçam  segumdo  nossa  hordenamça,  e  queremdolhe  fazer  graça  e 
merçee  aa  dita  Maria  Annes  visto  per  nos  o  dito  estormento  de  doaçam 
e  perfilhamento.  Temos  por  bem  e  comfirmamoslhe  e  rretificamos  e 
outorgamos  e  aprouamos  a  dita  doaçam  e  perfilhamento  em  todo  e  per  a 
guissa  que  feito  he  e  no  estormento  do  dito  perfilhamento  he  comtheudo. 
E  porem  mamdamos  a  todollos  juizes  e  justiças  dos  nossos  rregunos  e  a 
outros  quaees  quer  ofiçiaaes  e  pessoas  a  que  desto  o  conhecimento  per- 
temçer  per  quall  quer  guissa  que  seja,  e  esta  nossa  carta  lhe  for  mostrada. 


—  297  — 

que  a  cumpram  e  guardem  e  façam  cumprir  e  goardar  por  que  nossa 
merçe  e  vomtade  he  de  lhe  o  dito  perfilliamento  seer  comfirmado  e 
outorgando  per  a  guissa  que  em  elie  he  comtheudo.  Com  emtemdimento 
que  esto  nom  faça  perjuizo  allguús  herdeiros  lidimos  se  os  hij  ha,  e  a 
outras  quaees  quer  pessoas  que  allguú  direito  ajam  em  os  ditos  beés. 
E  em  testemunho  desto  lhe  mamdamos  dar  esta  nossa  carta.  Dada  em 
a  nossa  cidade  dEuora  seis  dias  do  mes  de  Feuereiro.  ElRey  o  mamdou 
per  o  doutor  Lopo  Gomçalluez  caualeiro  de  sua  cassa  e  do  seu  desem- 
bargo e  pitiçoões  a  que  esto  ssoomente  mandou  liurar.  Joham  Jorge  a 
fez.  anno  de  nosso  Senhor  Jhesu  Christo  de  miil  iiii'^  Ixj  annos. 

Dí  AfFonso  V,  liv.  iii  da  comarca  de  Odiana,  foi.  5j  r  ev. 


XII 

22  DE  OUTUBRO  DE  14Ó0 

Dom  Affomso  pella  graça  de  Deos  Rey  de  Portugal  e  do  Alguarue 
senhor  de  Çepta  e  dAIcaçer  em  Aífrica.  A  quamtos  esta  carta  virem 
fazemos  saber  que  os  homeés  boõs  de  terra  de  Moreira  nos  enuiarom 
dizer,  como  huú  foral  que  teem  he  asy  scripto  e  de  taaes  latíjs  que  ho 
rom  podem  entender,  pedindonos  que  lhe  mandássemos  dar  outro  do 
nosso  tombo.  E  nos  visto  seu  dizer  e  pedir,  querendolhe  fazer  graça  e 
merçee.  mandamos  a  Guomez  Eannes  da  Zurara  comendador  do  Pinheiro 
Grande  e  da  Granja  dUImeiro  nosso  cronista  e  guarda  moor  do  dito 
tombo  que  lhe  desse  o  dito  foral,  per  aluara  que  foy  feito  em  esta  cidade 
a  xxb  dias  doctubro  desta  era.  O  qual  Gomez  Eannes  em  con:primento 
de  nosso  mandado  fez  buscar  as  scripturas  da  dita  torre,  honde  loy 
achado  huú  foral  que  diz  asy.  Em  nome  da  sancta  e  jndiuidua  Trijn- 
dade  Padre  e  Filho  e  Spiritu  Sancto  que  he  huú  muy  alto  Deos  em  cujo 
nome  firmamos  esta  carta.  Eu  elRey  Affomso  com  meu  filho  elRey  San- 
cho e  com  os  outros  meus  filhos,  a  vos  homeés  de  Moreira  que  hy  de 
presente  sooes  pouoadores  per  meu  mandado  e  de  meus  filhos,  e  também 
aos  que  hy  vierem  pouoar.  fazemos  a  vos  carta  assy  como  fezemos  per 
scriptura  e  per  meu  mandado  que  firmemente  tenhaaes  que  ajaaes  boõ 
foro  e  custume  asy  como  ham  os  homeés  de  Sallamanca.  e  nom  dees  a 
mym  nem  aos  que  despois  de  mym  vierem,  nem  a  nehuú  homem  por 
omeçidio  senom  a  setena  ao  paaço  de  trezentos  soldos  apreçados  per 
concelho  e  per  maão  de  juiz.  Nom  entre  hy  nehuú  meirinho  se  nom  o 
juiz  do  concelho.     E  façam   fossado  a  terça  parte  dos  cauallciros.   e   as 


—  298  — 

duas  partes  estem  em  Moreira,  e  daquella  huúa  parte  que  ouuer  dhir  ao 
fossado  e  nom  for  pague  çinquo  soldos  em  preço.  E  nom  façades  ende 
fossado  senom  com  vosso  senhor,  huúa  vez  no  anno  e  nom  mais.  se  nom 
for  vossa  vontade,  e  os  pioÕes  nem  os  clérigos  nom  façam  fossado.  E 
nom  entre  hy  mandadeiro  nem  carta  de  mandamento  poUo  foro  de 
Moreira.  E  quem  em  termo  de  Moreira  filha  alhea  rroussar  contra  sua 
voontade  per  qualquer  maneira  peyte  trezentos  soldos  ao  paaço  e  saya 
do  omyzieiro  a  seus  parentes.  E  se  alguú  antre  vos  em  mercado  ou 
jgreja  ou  no  concelho  apreguoado  per  pregom  ferir  a  seu  vezinho  peite 
seseenta  soldos  ao  concelho  e  bij"''  ao  paaço  per  maão  do  juiz.  E  de 
qualquer  furto  tornado  o  cabedal  a  seu  dono  polia  callumpnia  par- 
talhe  o  juiz  quanto  teuer  per  meo.  E  qualquer  que  hedificar  vinhas 
ou  casas  ou  que  honrrar  sua  herdade  e  huú  anno  em  ella  seuer,  e 
despois  se  quiser  hir  a  outra  terra,  per  esta  maneira  aja  sua  noui- 
dade  e  ha  leue  pêra  honde  lhe  prouuer.  e  se  lhe  prouuer  de  ha  vender 
que  o  possa  fazer  a  quem  lhe  prouuer  (i)  pello  foro  de  Moreira.  E 
os  homeés  de  Moreira  que  ouuercm  juizo  ou  ajuntamento  com  homeés 
doutras  terras,  possamno  auer  com  elles  em  cabo  de  seus  termos.  E  dou 
a  uos  foro  que  este  o  caualleiro  de  Moreira  per  jnfançom  de  todallas  outras 
terras,  assy  em  juramento  como  em  juizo.  e  passem  sobre  elles  com  dous 
juradores.  E  aquelles  pioões  de  Moreira  que  passem  caualleiros  e 
villaãos  de  todallas  outras  terras  em  juizo  e  em  juramento  com  dous 
juradores.  E  os  homeés  que  de  suas  terras  sairem  com  omeçidio  ou 
com  molher  rroussada  ou  com  outra  callumpnia  qualquer  que  seja.  se  nom 
tanto  que  nom  tragua  molher  alhea  de  beençom  tornesse  ao  senhor  de 
Moreira,  e  seia  solto  e  defeso  per  o  foro  de  Moreira.  E  se  alguQs 
homeés  de  quaaesquer  terras  com  jmijzade  ou  com  penhora  vierem  em 
ihermo  de  Moreira,  nehuú  seu  jmijgo  possa  entrar  após  elle  nem  lhe  possa 
tomar  penhor,  nem  fazer  outro  nenhuú  mal.  e  se  lhe  o  contrairo  fezer 
que  peite  ao  senhor  de  Moreira  quinhentos  soldos  e  dobre  aquella  penhora 
ou  aquelles  carreguos.  E  aquelles  que  aos  homeés  de  Moreira  penho- 
rarem nom  ho  auendo  per  concelho  dereito  peitem  ao  senhor  de  Moreira 
seseenta  soldos  e  dobrem  a  penhora  a  seu  dono.  E  quem  prender  aos 
homeés  de  Moreira  e  hos  poser  em  prisam.  per  esta  maneira  peite  aaqueile 
trezentos  soldos.  E  se  os  homeés  de  Moreira  prenderem  outros  homeés 
doutras  terras  e  os  poserem  em  prisom.  per  esta  maneira  peitem  çinquo 
soldos.     E  se  os  homeés  de  Moreira   por  qualquer  fiadoria  nom  forem 

(1)  E  se  lhe  prouuer  de  ha  vender  que  o  possa  fazer  aquém  lhe  prouuer:  aposi- 
<wo  marginal. 


—  299  — 

requeridos  ataa  meo  anno,  que  sejam  soltos,  e  se  se  trespassarem  dally. 
seiam  os  filhos  e  molher  liures.  E  nom  paguem  os  homeés  de  Moreira 
penhora  por  o  senhor,  nem  por  o  meirinho,  se  nom  por  seu  vizinho.  E 
nom  dem  pousada  pollo  foro  de  Moreira  era  casa  de  caualleiro.  nem  de 
viuuas  nem  de  cleriguos.  senom  pella  maão  do  juiz  em  casa  de  pioões. 
E  os  homeês  de  Moreira  que  homeés  teuerem  em  suas  herdades,  ou  em 
seus  soUares,  e  nom  for  hy  seu  senhor,  venha  a  sinal  de  juiz  e  de  fiador 
ataa  vijnda  de  seu  senhor,  e  faça  o  que  lhe  mandarem.  E  qualquer 
callumpnia  que  fezer,  seja  de  seu  senhor,  e  a  setena  ao  paaço.  e  nom 
serua  a  nehuú  homee  se  nom  a  seu  senhor  em  cujo  sollar  seuer.  E  a 
seara  ou  vinhas  delRey  ajam  tal  couto  como  do  vezinho  de  Moreira.  E 
aquelle  vezinho  ferir  e  fugir  em  sua  casa,  aquelle  que  após  elle  entrar 
e  ho  matar  em  sua  casa  peite  trezentos  soldos  aos  parentes  do  morto. 
E  aquelle  que  molher  forçar,  e  ella  vier  dando  vozes  e  o  forçador  se 
nom  poder  saluar  com  doze  peite  trezentos  soldos  aa  molher  e  a  seus 
parentes.  E  quem  molher  alhea  ferir  peite  a  seu  marido  irijnta  soldos  e 
a  setena  ao  paaço.  E  os  homeés  de  Moreira  que  parar  fiador  por  qual- 
quer calumpnia  lhe  pedirem  e  o  fiador  outorguar  com  dous  vizinhos,  e 
aquelle  nom  quiser  tomar  fiador,  e  sobre  isso  ho  ferir,  nos  todo  o  con- 
celho peitaremos  esse  omeçidio.  E  o  paaço  delRey  ou  do  bispo  ajam 
calumpnia.  e  em  toda  a  outra  villa  ajam  huú  foro.  e  outro  paaço  nom  aja 
calumpnia.  E  os  homeés  de  Moreira  que  por  fiador  entrem  e  contentor 
nom  ouuer.  qual  fiador  fiar  tal  peite,  e  se  contentor  ouuer  meta  aquelle 
nas  maãos.  e  saya  daquella  fiadoria.  E  de  sospeita  de  dez  soldos  arriba, 
ou  nomee  doze  vizinhos  enrredor  sua  casa.  e  jure  com  dous  e  saya  da  cal- 
lumpnia. e  de  dez  sólidos  a  juso  jure  semelhante,  e  o  outro  e  quaaes  ho 
fiar  que  vizinhos  seiam.  E  todo  homeé  de  Moreira  que  se  tornar  a  outro 
senhor  que  bemfezer  suas  casas  e  suas  herdades,  sua  molher  e  seus  filhos 
sejam  liures  e  soltos  per  o  foro  de  Moreira.  E  douuos  por  foro  que  nom 
ajaaes  por  senhor  senom  Rey  ou  seu  filho,  ou  quem  vos  concelho  quiser- 
des. E  todo  homeé  de  Moreira  que  desherdado  for  e  per  sua  maão  nora 
ho  peitar,  doutra  maneira  que  se  torne  a  sua  herdade  homde  ella  for  sem 
nehuúa  callumpnia.  E  todo  homeé  que  herdade  teuer  em  outra  terra  nom 
faça  fossado  senom  pello  foro  de  Moreira.  E  todo  homeé  de  Moreira  que 
ouuer  molher  de  beençom  e  ha  leyxar  peite  huú  dinheiro  ao  juiz,  E  se 
molher  ao  seu  marido  leixar  que  ouuer  de. beençom  peite  trezentos  soldos, 
a  meetade  ao  paaço  e  a  meetado  a  seu  marido.  E  de  casa  derrocada  com 
scudos  e  com  lanças  quem  quer  que  ha  rromper  peite  trezentos  soldos, 
meo  pêra  o  paaço  e  meo  pêra  o  dono  da  casa.  E  quem  der  a  seu  vezi- 
nho com  spada  dez  soldos  e  setena  ao  paaço.     E  quem  der  com  lança  a 


—  3oo  — 

seu  vezinho  e  sayr  dhuúa  parte  aa  outra  peite  xx.  soldos  e  setena  ao 
paaço.  e  se  nom  sayr  peite  dez  soldos  e  setena  ao  paaço.  E  de  chagua 
domde  osso  sayr  por  cada  osso  dez  soldos  e  setena  ao  paaço.  E  de  outra 
chagua  çinquo  soldos  e  setena  ao  paaço.  E  per  toda  penhora  ou  do 
paaço  ou  do  concelho  colha  fiador  sobre  aquella  penhora  per  foro.  E 
dou  a  uos  que  hy  nom  aja  nehuúa  defesa  nem  nehuij  monte  nem  nehuú 
laguo  senom  que  todo  seja  de  todo  o  concelho.  E  o  montado  de  termo 
de  Moreira  montemno  caualleiros  de  Moreira  com  seu  senhor.  E  nehuQ 
gaado  de  Moreira  nom  seia  montado.  E  de  portagem  de  pam  e  de  vinho  e 
de  carrega  três  mealhas,  e  de  cauallo  e  de  muu  quem  ho  vender  huú  soldo. 
e  dasno  seis  dinheiros.  E  de  carneiro  ou  de  cabra  ou  de  porco  três  mealhas. 
E  de  toda  portagem  que  a  Moreira  vier  tome  seu  hospede  a  terça.  E  nehuú 
homem  de  Moreira  nom  responda  sem  rrancuroso  per  foro  de  Moreira. 
O  qual  foral  asy  achado.  Gonçallo  Aífomso  procurp.dor  do  dito  con- 
celho rrequereo  que  lhe  dessem  dello  sua  carta,  rrequerendo  que  lhe  fosse 
declarado  que  conthija  se  deuia  paguar  desta  moeda  presente  por  aquellas 
três  mealhas,  de  que  no  dito  foral  faz  mençom  que  se  deue  paguar  por 
carregua  de  pam  ou  de  vinho.  E  eu  Gomez  Eannes  dou  de  m3'm  fe  que 
o  preguntey  em  esta  cidade  a  quantas  pessoas  entendi  que  o  deuyam 
saber,  e  que  per  minha  dilligençia  segundo  Deos  e  minha  consciência 
nom  ficou.  E  finalmente  achey  que  estas  três  mealhas  segundo  a  moeda 
antijga  sobiam  em.  noue  oytauas  de  prata.  E  por  que  a  hordenaçom  do 
rregno  e  a  baixeza  da  presente  moeda  nom  consente  tal  uallia.  por 
quanto  o  foral  de  Palmella  quanto  ha  portagem  he  semelhante  a  este  de 
Moreira,  soube  que  se  pagua  por  cada  carregua  de  pam  ou  de  vinho  que 
se  merca  ou  vende  de  besta  grande  noue  pretos,  e  de  besta  pequena 
ameetade.  per  que  em  tanto  forom  postas  aquellas  três  mealhas  pellos 
antigos  depois  que  as  ditas  moedas  chegarom  a  este  ponto.  E  porem  ho 
fiz  asy  screpuer  é  lhe  de}'  delo  sua  carta  asijnada  per  m3'm  e  seellada  do 
seello  dei  Rey  segundo  costume.  Dante  na  cidade  de  Lixboa  xxij  doctubro. 
EIRey  o  mandou  per  mym  dito  Gomez  Eannes  a  que  pêra  esto  tem 
dado  seu  spiçial  encarregue.  Pêro  Cijnza  ha  fez.  anno  do  naeimento 
de  nosso  Senhor  Jhesu  Christo  de  mil  ilij*^  Ix  anos.  Nom  seja  duuida  na 
sobre  scripta  antrelinha  porque  eu  scripuam  ha  fiz  por  tirar  erro.  Con- 
certada por  mym  Gomez  Eannes.    pg.  Liiis. 

Arquivo  Nacional,  Forais  antigos,  Maço  7,  n."  3 ;  Portugaliae  monu- 
menta  histórica,  Leges  et  consuetudines,\o].  i,  pag.  436  a  439. 


—  3oi  — 
XIII 

14  DE  ABRIL  DE  1462 

Dom  Aífomso  pella  graça  de  Deos  rrey  de  Portugall  e  do  Algarue  e 
senhor  de  Cepta  e  dAIcaçer  em  Africa.  A  quantos  esta  carta  virem 
fazemos  saber  que  os  moradores  dAluares  terra  do  mosteiro  de  Folques 
nos  emujarom  dizer  como  teem  huú  foral  e  que  por  seer  ja  uelho  e  caduco 
em  alguús  lugares,  que  lhe  nom  queriam  a  elle  dar  ffe  nem  abtoridade, 
pedindonos  por  [mercee]  que  lhe  mandássemos  dar  outro  do  nosso  tombo. 
E  nos  visto  seu  dizer  e  pedir,  querendolhe  fazer  graça  e  merçee  man- 
damos a  Gomez  Eannes  de  Zurara  comendador  do  Pinheiro  Grande 
nosso  cronista  e  guarda  moor  do  dito  tombo  que  lhe  desse  o  dito  foral 
per  aluara  que  foi  feito  em  esta  vila  a  x  dias  dabril  per  Fero  Afomso. 
O  quall  Gomez  Eannes  em  cumprimento  do  nosso  mandado  fez  buscar 
o  liuro  dos  foraaes  que  se  acertou  dos  que  tem  pêra  buscar  outras  cou- 
sas, onde  foy  achado  huú  rregisto  de  foral  que  diz  assy.  In  Dey  nomine 
etc.  Esta  he  a  carta  de  foro  perpetuo  que  mandamos  fazer  eu  Martim 
Gonçaiues  e  mjnha  molher  Maria  "\^iegas  a  vos  homeés  que  pouoaaes 
essa  nossa  herdade  dAluares,  damolla  e  outorgamolla  a  uos  per  foro 
perpetuo,  que  a  lauredes  e  chantedes  e  edifiquedes  de  vinhas  e  daruores, 
como  parte  de  contra  o  oriente  com  o  ssouto  de  santa  Maria  per  cumieira 
ante  Carualhio  e  Pessagueiro,  e  vay  a  Oniaães,  e  ssaae  acima  de  machio 
de  Martim  Viegas,  e  descende  ao  Zezer,  e  parte  com  Aluoro  per  vea  do 
Zezer  e  filha  a  foz  de  Vehaães,  e  donde  vay  a  foz  de  Maga,  e  parte 
com  Pedrógão  e  vea  de  Maga,  e  donde  vay  aa  Cabeça  de  Pêra  assy  como 
parte  com  termo  de  Góes.  com  tal  preito  e  condiçom  que  pêra  sempre 
cada  huú  de  vos  que  laurar  com  huú  boy  ou  com  mais  de  a  nos  huú 
quarteiro  de  pani,  a  meatade  de  trijgo  e  a  meatade  de  segunda  na  eira 
€  nom  mais.  e  se  o  nom  quisermos  receber  na  eira,  que  o  percamos,  e 
o  que  nom  laurar  com  boys,  de  a  nos  húa  meatade  de  teyga  de  trigo  e 
outra  meatade  de  segunda,  e  do  linho  de  a  nos  húa  verga  e  mea,, 
e  nom  mais.  e  do  vinho  qualquer  de  uos  outros  que  vinha  teuer  ou 
laurar,  nos  de  huú  puçall,  e  nom  mais.  e  os  homeés  que  nom  laura- 
rem  com  boys,  e  bestas  ouuerem,  e  per  ellas  gaanharera  sseu  pam, 
façam  a  nos  senhas  carreiras  no  anno.  per  tall  guisa  que  esse  meesmo 
dia  venham  dormir  a  suas  casas,  e  nom  mais.  E  o  que  fizer  moinho, 
de  a  nos  a  decima  parte.  E  o  coelheiro  que  morar  fora  húa  noyte  pêra 
tomar  coelhos,  de  a  nos  huú  coelho  com  sua  pelle.     E  per  omizio,  e 


3o2 


per  rrousso,  merda  em  boca,  e  casa  rrota,  quem  quer  que  o  fezer,  per 
testemunho  de  homeés  boõs,  peyte  Ix  soldos,  s.  a  terça  parte  pêra  o  con- 
celho e  a  terça  parte  pêra  a  jgreja,  e  a  outra  terça  parte  pêra  nos.  E 
quem  fizer  furto,  peyte  segundo  custume.  E  o  caualleyro  nom  de  nehúa 
jugada.  e  se  per  uentura  perder  seu  cauallo  ata  três  anos  compridos  nom 
de  jugada.  Todo  esto  em  sima  scripto  confirmamos  e  abtorizamos,  e 
mandamos  firmemente  que  nehuú  seja  da  nossa  parte  nem  da  estranha 
que  nenhuúa  destas  cousas  quebrante,  e  quem  quer  que  o  contrairo  quizer 
fazer,  seja  mal  dito  a  Deos  e  ascomungado.  Amen.  Fecta  foy  esta  carta 
em  Coymbra  no  mes  de  setembro  e  confirmada  pelo  muy  nobre  Rey  Dom 
Denis  no  anno  de  iii<^  xix.  E  nos  sobreditos  que  esta  carta  fazer  man- 
damos a  confirmamos  de  nossos  sinaaes.  A  qual  scriptura  assy  achada, 
o  procurador  do  dito  concelho  rrequereo  sua  carta  a  qual  lhe  o  dito  comen- 
dador deu.  Dante  na  vila  de  Santarém  xiiij  dias  dabril.  ElRey  o  man- 
dou per  o  dito  Gomez  Eannes,  a  quem  pêra  esto  tem  dado  sseu  spiçial 
emcarrego.  o  qual  a  fez  e  comçertou  per  ssy  por  quanto  aquy  nom  era 
sseu  scripuam.  anno  do  naçimento  de  nosso  Senhor  Jhesu  Christo  de  mil 
iiij»  Ixij.     Gomez  Eannes. 

Arquivo  Nacional,  Corpo  cronológico,  parte  2.',  maço  i.", 
doe.  3i. 


XIV 

22  DE  JUNHO  DE  1463 

Caria  de  D.  Affonso    V,   nomeando  Pêro  dAlmada 
jui\  das  sisas  da  uila  de  Almadaã 

Dom  Affomso  etc.  A  quantos  esta  nossa  carta  virem  fazemos  saber 
que  nos  querendo  fazer  graça  [e]  merçee  a  Pêro  dAlmadaã,  criado  de 
Gomez  Eanes  da  Zurara  nosso  caualeiro  e  comendador  do  Pinheiro 
Grande  e  da  Granja,  nosso  canonista  e  guarda  moor  da  torre  do  nosso 
tombo  desta  cidade,  teemos  por  bem  e  damollo  por  juiz  das  nossas  sisas 
da  dita  vila  dAlmadaã  asi  e  per  a  guisa  que  o  era  Aluaro  Fernandez  seu 
pay  que  o  dito  oficio  tijnha  per  nossa  carta  e  o  renunciou  em  nossas 
maãos  que  o  desemos  a  quem  nosa  merçee  fose.  E  porem  mandamos 
ao  noso  contador  da  dita  comarqua  e  aos  rendeiros  etc.  carta  em  forma. 
E  esto  pollo  do  dito  Gomez  Eanes  que  nolo  por  ele  pedio.     Dada  em 


—  3o3  — 

Lixboa  xxij  dias  da  Junho.  ElRey  o  mandou  per  Lopo  dAlmeida  do  seu 
conselho  e  veedor  da  sua  fazenda.  Joham  Roiz  a  fez.  ano  de  noso 
Senhor  Jhesu  Christo  de  mil  iiij'=  Ixiij. 

Chancellaria  de  D.  Affonso  V,  liv.  ix,  foi.  94,  r. 


XV 

23  DE  JUNHO  DE  1463 

Carta  de  D.  Affonso  V,  nomeando  Pêro  dAlmadaã 
alcaide  e  meirinho  dos  ourii'e:{eiros  dAadiça. 

Dom  Affomso  etc.  A  quantos  esta  nosa  carta  virem  fazemos  [saber] 
que  nos  querendo  fazer  graça  e  merçe  a  Pêro  dAlmadaã  criado  de  Gomez 
Eanes  da  Zurara  etc.  teemos  por  bem  e  damollo  por  alcaide  e  meirinho 
dos  nossos  ouriuizeiros  dAadiça  asi  e  per  a  guisa  que  o  era  Aluaro  Fer- 
nandez  seu  pay  que  o  dito  oficio  tijnha  per  nossa  carta  e  se  ora  finou. 
E  porem  mandamos  aos  juizes  da  dita  Aadiça  e  mestres  dela  e  a  outros 
quaaes  quer  ofiçiaees  e  pessoas  a  que  o  conhecimento  desto  pertencer 
que  o  leixem  prender  em  Almadaa  e  em  outros  lugares  todos  aqueles 
mesteiraes  que  laurarem  e  forem  theudos  laurar  no  dito  serviço,  que  lhe 
per  eles  ditos  juizes  e  meestres  for  mandado,  de  que  eles  ham  jurisdiçom 
segundo  seus  priuilegios,  e  assi  outros  quaeesquer  que  lhes  for  per  eles 
mandado,  e  mandamos  que  ele  dito  Pêro  dAlmadaã  aja  todalas  liberda- 
des e  priuilegios  como  cada  huú  dos  outros  ouriuizeiros,  e  elle  nos  pagara 
em  cada  huíi  ano  de  foro  e  tributo  duas  coroas  douro  velhas  segundo  nos 
ham  de  pagar  os  outros  ouriuizeiros  que  tem  os  moores  priuilegios  e  he 
contheudo  em  huúa  nosa  carta  que  elles  delo  tem  de  que  cada  huú  nos 
deue  de  paguar,  e  a  primeira  pagua  nos  fará  por  dia  de  sam  Joham 
Baptista  que  vijnra  de  mf  Ixiiij.  E  asi  em  cada  huú  ano  em  quanto  tal 
carreguo  teuer.  O  quall  Pêro  dAlmadaã  jurou  em  a  nosa  chancelaria 
etc.  carta  em  forma.  Dada  em  Lixboa  xxiij  dias  de  Junho.  ElRey  o 
mandou  per  o  dito  Lopo  dAlmeida.  Joham  Roiz  a  fez.  ano  de  nosso 
Senhor  Jhesu  Christo  de  mill  e  iiij'  Ixiij. 

Ckancelaria  de  D.  Affonso  V,  liv.  ix,  foi.  94,  r. 


—  3o4  — 

XVI 

28  DE  JULHO  DE  1467 

Aministraçam  de  hufia  capella  jmstituyda 

na  egreia  de  sanita  Maria  Madanella  desta  cidade  de  Lixboa 

per  hiiíí  Gomçalo  Esteue^  nattirall  de   Symtra 

a  Gome:{  Eannes  de  Zurara. 

Dom  AfFomso  etc.  A  quantos  esta  carta  virem  fazemos  saber  que 
a  nos  disseram  que  poderia  aver  nouemta  annos  pouco  mais  ou  menos, 
que  huú  Gomçalo  Esteuez  naturall  de  Symtra  se  finou  da  vida  deste 
mumdo.  O  quail  amte  de  sua  morte  edificou  huúa  capella  a  homrra 
de  samta  Clara  demtro  na  egreia  de  samta  Maria  Madanella  setuada  em 
esta  cidade  de  Lixboa.  em  a  quall  se  mandou  emterrar.  e  que  de  seus 
beés  se  camtasse  a  dita  capella  comtinuadamente  pêra  sempre.  A  quall 
se  camtara  certos  tempos  per  elles  e  per  os  teedores  dos  ditos  beés.  E 
ora  poderá  aver  satemta  annos  pouco  mais  ou  menos  que  seus  herdeyros 
e  teedores  dos  ditos  beés  nom  camtarom  a  dita  capella,  pêro  fossem 
mujtas  vezes  rrequeridos  per  os  priores  e  beneficiados  da  dita  egreia  da 
Madanella,  e  per  elles  demandados  em  juizo.  e  ávido  contra  elles  mujtas 
semtemças,  e  que  a  mayor  parte  dos  passados  morreram  por  a  dita  rrazom 
escomumgados.  E  que  ora  trazia  os  ditos  beés  huíí  Nuno  Martijz  mora- 
dor em  Simtra  per  bem  de  huúa  sua  molher  Margayda  Annes  que  vem 
de  linha  dereita  do  dito  Gomçallo  Esteuez  e  outros  filhos  delles  com  que  o 
ella  partio,  o  que  nom  podia  fazer  nem  o  deuera  partir  por  serem  moorga- 
dos  da  dita  capella.  O  quall  Nuno  Martijz  fora  demandado  e  ávido  com- 
tra  elle  per  semtemça  por  a  quall  rrazom  per  bem  da  nossa  hordenaçam 
sobre  ello  feita  sse  assy  he  como  nos  disserom,  os  ditos  beés  perteem- 
çem  a  nos,  e  os  podemos  dar  a  quem  nossa  merçee  for  com  o  emcarreguo 
de  camtarem  a  dita  capella.  E  ora  queremdo  nos  fazer  graça  e  merçee 
a  Gomez  Eannes  de  Zurara  caualleiro  da  ordem  de  Christo  e  nosso  cro- 
nista e  guarda  moor  do  nosso  tombo,  teemos  por  bem  e  fazemoslhe  mer- 
çee do  dito  moorgado  com  o  dito  emcarreguo  de  fazer  camtar  comtinua- 
damente a  dita  capella,  e  de  comprir  todo  o  em  o  dito  testamento  e  man- 
dado do  dito  Gomçallo  Esteuez.  E  porem  mamdamos  a  todollos  corre- 
gedores juizes  justiças  offiçiaaes  e  pessoas  etc.  em  forma.  Dada  em 
Lixboa  a  xxviij  dias  de  Julho.     ElRey  o  mamdou  per  Lopo  dAlmeyda 


—  3o5  — 

do  seu  comsselho  e  veedor  da  sua  fazemda.     Diego  Lopez  a  fez.  anno  de 
mil  iiij'^  Ixvij. 

Arquivo  Nacional,  Extremadura,  liv.  x,  foi.  270  r  e  v. 


XVII 

21  DE  NOVEMBRO  DE  [1467] 

Caria  dei  Rei  dom  Affonso  a  Giiome~  Eanes  da  Zurara 
seu  coronista.  escrita  per  sua  mão. 

Guomez  Eanes,  eu  vos  cmvio  muito  saudar,  vi  húa  carta  que  me 
emviastes  per  Affonso  Fernandez  com  que  muito  folguei  por  saber  que 
éreis  em  boa  disposição  da  saúde :  porque  certo  tanto  tempo  auia  que 
uos  la  hereis  e  eu  nam  via  carta  vossa  que  avia  por  muito  certo  que 
dalgúa  jnfirmidade  éreis  ocupado,  por  que  não  podíeis  escreuer :  e  desto 
dou  por  testemunha  ao  rreuerendo  padre  bispo  de  Lameguo  com  que  eu 
muitas  vezes  falaua.  que  causa  seria  por  que  vos  não  me  escreuieis.  que 
por  mui  sem  duuida  unha  que  não  seria  por  minguoa  de  vontade  e  lem- 
brança vossa :  e  muito  me  prouve  de  saber  como  vos  o  conde  apousentara, 
e  ho  guasalhado  que  delle  rreçebestes:  e  posto  que  ho  elle  deue  assi  fazer 
por  vsar  de  sua  virtude:  eu  lho  aguardeço  muito:  e  uos  assi  lho  dizei  de 
minha  parte:  nam  he  sem  rrazão  que  os  homens  que  tem  vosso  carguo 
sejam  de  prezar  e  homrrar.  que  depois  daquelles  prinçipes  ou  capitães  que 
fazem  os  feitos  dignos  de  memoria :  aquelles  que  depois  de  seus  dias  os 
escreuerão.  muito  louuor  merecem,  bemaventurado  dezia  Alexandre  que  era 
Archiles  por  que  teuera  a  Homero  por  seu  escritor:  que  fora  dos  feitos  de 
Roma  SC  Tito  Liuio  os  não  escreuera :  e  Quinto  Curçio  os  feitos  dAlexan- 
dre  :  Homero  os  da  Troya :  Lucano  os  de  César :  e  assi  outros  autores :  mui- 
tas cousas  estes  fizeram  as  quaes  nam  são  tam  dinas  de  memoria  quanto 
sam  doces  de  ouvir  e  ler  pollo  bom  estillo  em  que  foram  escritas:  lesse  no 
primeiro  de  Tito  Liuio  como  vos  milhor  sabeis  que  se  não  fora  a  oração 
que  fez  hum  nobre  barão  daquelle  tempo  :  quasi  todo  o  pouo  de  Roma  fora 
perdido  :  muitos  sam  os  que  se  daó  ao  exercício  das  armas  e  mui  poucos 
ao  estudo  da  arte  oratória  :  assi  que  pois  vos  sois  nesta  arte  assaz  ensinado 
e  a  natureza  vos  deu  mui  gram  parte  delia:  com  muita  rrazão  eu  e  os 
prinçipes  de  meus  rreinos  e  capitães  deuem  dauer  a  merçe  que  vos  seja 
feita  por  bem  empreguada:  muitos  certo  vos  sam  obriguados  porque 
ajnda  que  os  feitos  de  Cepta  sejam  assaz  de  rrezentes:  depois  que  eu  vi 
a  coronica  que  vos  delles  escreucstes  a  muitos  fiz  homrra  e  mercê  com 
39 


—  3o6  — 

melhor  vontade  por  ser  certo  de  alguús  boõs  feitos  que  laa  fizerão  por 
seruiço  de  Deos  e  dos  rreis  meus  antecessores  e  meu:  e  a  outros  por 
serem  filhos  daquelles  que  assi  laa  bem  seruiram:  do  que  eu  nam  era 
amtes  em  tem  comprido  conhecimento:  e  creo  que  nom  menos  seraa  aos 
que  depois  de  mim  vierem,  quando  virem  ho  que  aveis  de  escrever  dos 
feitos  de  Alcácer,  e  se  alguíis  merecem  gloria  por  jrem  a  essa  terra  por 
seruirem  a  Deos  e  a  mim  e  fazerem  de  suas  homrras :  vos  assaz  sois  de 
louuar  que  com  desejo  descreuer  ha  verdade  do  que  elles  fizeram:  vos 
desposestes  a  leuar  ho  trabalho  que  elles  soportarão :  vos  podereis  la  ser 
bem  aguasalhado  do  conde :  mas  se  o  desejo  que  tendes  de  seruir  e  fazer 
ho  que  a  nosso  seruiço  pertence  vos  la  fizesse  viuer  contente,  certo  he 
que  não  pode  Alcácer  dar  ho  que  Lixboa  tem :  aquella  vida  fostes  vos 
buscar  por  vsardes  de  virtude  que  aos  outros  em  luguar  de  pena  dam  por 
desterro :  assi  que  quanto  eu  isto  melhor  conheço :  tamto  vos  mais  tenho 
em  seruiço  de  ho  fazerdes :  e  não  quero  que  esteis  laa  mais  que  quanto 
sentirdes  que  he  compridoiro  pêra  o  que  tendes  descreuer  e  a  vos  aprou- 
uer  :  do  que  dizeis  do  comendador  Aluoro  de  Faria :  eu  estimo  seu  seruiço 
como  he  rrezão.  e  assi  espero  de  lhe  fazer  merçe :  quanto  ao  que  dizeis 
da  minguoa  do  mantimento  fazse  nisso  por  minha  parte  tudo  ho  que  se 
pode  fazer :  mas  duas  cousas  se  rrequerem  pêra  os  que  estão  em  Alcácer 
serem  bem  prouidos :  a  húa  estar  la  milho  em  almazem  pêra  socorro  de 
quando  pollo  tempo  ou  per  outra  necessidade  tam  azinha  não  vai  ho  pão: 
e  a  outra  que  o  conde  ou  qualquer  outro  capitão  que  la  estiuer  me  faça 
saber  aos  quartees  do  anno  a  gente  que  la  estaa  pêra  homem  concertar 
ha  despesa  com  a  rreçepta  :  todo  ho  bem  que  me  dizeis  do  conde  :  eu  creo 
que  ha  nelle:  e  certo  cuido  que  nom  he  menor  pollo  que  delle  conheço: 
tenhovos  em  seruiço  de  quererdes  saber  nouas  de  minha  desposição :  e 
graças  a  Deos  eu  me  acho  bem  assi  do  corpo  como  das  outras  cousas : 
empero  homem  anda  no  mar  deste  mundo  onde  he  continuamente  com- 
batido das  omdas  delle  em  especial  pois  todos  andamos  naquella  tauoa 
depois  do  primeiro  naufrágio :  assi  que  ninguém  se  pode  segurar  atee  que 
não  chegue  aaquelle  verdadeiro  porto  seguro  que  homem  não  pode  ver 
senão  depois  de  sua  vida :  ao  qual  a  Deos  apraza  de  nos  leuar  quando 
vir  que  he  tempo :  porque  elle  he  marinheiro  e  piloto  sem  o  qual  algum 
homem  não  pode  emtrar:  do  bispo  nosso  amiguo  sabereis  que  ho  vejo 
ledo  e  são.  e  de  boa  desposição:  e  praza  a  Deos  de  lhe  encaminhar  as 
cousas  segundo  elle  deseja  se  forem  de  seu  seruiço :  da  torre  dos  purgua- 
minhos  eu  terei  aquella  lembrança  que  vir  que  he  meu  seruiço  :  ho  meu 
vulto  pintado  eu  ho  não  tenho  pêra  voUo  aguora  la  poder  emviar :  mas  o 
próprio  prazerá  a  Deos  que  vereis  la  em  algum  tempo :  com  que  vos  la 


—  3o7  — 

mais  deue  prazer:   ha  vossa  jrmaã  auerei  em  rainha  encomenda  segundo 
me  escreveis :  escrita  a  xxj  de  nouembro. 

Bibliotheca  Nacional  de  Lisboa,  Cod.  de  Alcobaça, 
n.°  475,  (moderno  257)  foi.  79,  v  a  80,  v. 


XVIII 

25  DE  MAIO  DE  1468 

Dom  Aftomso  pela  graça  de  Deos  Rey  de  Portugal  e  do  Algarue  e 
senhor  de  Cepta  e  dAlcaçer  em  Africa.  A  quantos  esta  carta  virem 
fazemos  saber  que  os  moradores  daldea  de  Gralhas  do  termo  da  ujlia  de 
Monte  Alegre  nos  enujarom  dizer  que  elles  tjnham  huú  priujllegio  delRey 
Dom  Denis  per  que  lhes  outorgou  certos  priujllegios  e  liberdades  e  per 
que  pagasem  certos  foros  em  eile  contheudos,  e  que  lhe  rroeram  a  maj'or 
parte  delle  os  rratos  em  guisa  que  se  nom  podia  leer.  Pedindonos  por 
merçee  que  do  nosso  tombo  lhe  mandássemos  dei  dar  o  trellado.  E  nos 
veendo  seu  dizer  e  pedir  querendolhe  fazer  graça  e  merçee  mandamos  a 
Gomez  Eannes  de  Zurara  comendador  da  Ordem  de  Christo  nosso  cro- 
njsta  e  guarda  moor  do  dito  tombo  que  per  nossa  carta  per  elle  signada 
e  sellada  com  nosso  sello  segundo  nossa  hordenança  lhe  de  o  trellado  do 
dito  priujllegio  o  qual  mandado  lhe  mandamos  per  nosso  aluara  feito  em 
Santarém  per  Pêro  dAlcaçoua  a  xxj  de  mayo  do  presente  ano.  E  o  dito 
Gomes  Eannes  em  cumprimento  do  dito  nosso  mandado  fez  buscar  as 
scripturas  do  dito  tombo  per  mjm  Fernam  dEluas  scripuam  delle,  onde 
nos  registos  delRey  Dom  Denis  foi  achada  esta  carta  de  priujllegio  que 
se  adiante  segue.  Dom  Denis  polia  graça  de  Deos  Rey  de  Portugal  e  do 
Algarue,  a  quantos  esta  carta  virem  faço  saber  que  Marcos  Johannes 
procurador  dos  pobradores  da  minha  aldeã  de  Gralhas  termo  de  Monta- 
legre per  poder  dhíia  procuraçam  auondosa  que  me  ende  mostrou  feita 
per  maão  de  Pêro  Pires  tabaliom  de  Montalegre  veo  a  mim  e  pediome 
por  merçee  pollos  ditos  moradores  por  poder  da  dita  procuraçom  que  lhe 
desse  foros  e  costumes  boõs,  e  que  elles  me  queriam  fazer  em  cada  huú 
anno  por  ende  foro.  E  eu  tenho  por  bem  de  lhe  fazer,  e  mando  que  os 
ditos  moradores  de  Gralhas  aiam  taaes  foros  e  taaes  costumes  quaaes 
ham  os  de  Montalegre  saluo  que  nom  façam  outro  foro  com  elles  nem 
a  mjm  se  o  ante  nom  faziam.  E  que  elles  dem  ende  a  mjm  por  todo  foro 
em  cada  huú  anno  todo  homem  que  morar  em  termo  dessa  Vila  que  laurar 
com  huú  jugo  de  bois  que  pague  cada  huú  çinquo  soldos  em  cada  huú 


—  3o8  — 

anno.  e  os  que  nom  laurarem  com  jugada  de  bois  e  ouuerem  des  uinte  e 

çinquo  libras  acima  ataa  çinquoenta  libras  que  pague  dous  soldos  e  meo 

em  cada  huQ  anno.  e  o  que  chegar  a  çinquoenta  libras  que  pague  çinquo 

soldos  como  os  que  lauram  com  jugo  de  bois.  porque  mando  e  defendo  que 

nom  seia  nehuú  ousado  caualleiro  nem  dona  nem  scudeiro  nem  outro  homeé 

poderoso  que  contra  elles  uaa  nem  lhe  faça  mal  nem  força  sob  pena  de 

minha  merçee.  ca  aquel  que  lhe  fizer  ficara  por  meu  emmijgo  e  peitarmea  os 

meus  encoutos  de  seis  mjl  soldos.     E  mando  ao  alcaide  e  juizes  de  Monta- 

alegre  que  os  emparem   e  os  defendam  e  que  nom  sofram  a  nehuú  que 

lhes  faça  mal  nem  força  sob  pena  dos  meus  encoutos.     E  em  testemunho 

desto  lhes  mande}'  dar  esta  minha  carta.     Dante  em  Lixboa  xx  dias  de 

setembro.     ElRey  o  mandou  per  Gonçall  Eannes  dayam  de  Braga  seu 

clérigo  e  per  Pêro  Steuez  seu  vasallo.     BertoUameu  Pirez   a  fez.  era  de 

mil  iij'^  R  viij  annos.     E  achada  assy  a  dita  carta  de  priuillegio  como  dito 

he  os  sobreditos  nos  pedirom  per  seu  procurador  delia  o  trellado,  e  nos 

querendolhe  fazer  graça  e  merçee  lhe  mandamos  dar  esta  carta  testemu- 

nhauel.     Dante   na  cidade  de  Lixboa  xxv  do  mes  de  Mayo.     ElRey  o 

mandou  per  o  dito  Gomez  Eannes  a  que  pêra  esto  tem  dado  seu  speçial 

encargo.     E  por  quanto  ora  o  dito  Gomes  Eannes  he  em  Alcácer  por 

seruiço  e  mandado  do  dito  senhor,   assignou  por  elle  esta  carta  Martim 

Aluarez  contador  dos  contos  da  dita  cidade,  que  pêra  ello  tem  licença  e 

mandado  delRey  nosso  senhor  segundo  he  contheudo  em  seu  aluara  que 

eu  escripuam  vi  e  lij  suficiente  pêra  ello.     Fernam  dEluas  scripuam  das 

scripturas   do  dito  tombo  a  fez.     anno   do  naçimento  de  nosso  Senhor 

Jhesu  Christo  de  mil  e  quatrocentos   e  sasenta  e  oyto  annos.     Martim 

Aluarez. 

Arquivo  Nacional,  Gaveta  i5,  maço  i6,  n."  7. 


XIX 

2  1  DE  JANEIRO  DE  1471 

Saibham  quantos  este  estormento  de  emprazamento  virem  que  eu 
Gomez  Eannes  caualleiro  da  cassa  delRey  nosso  senhor  comendador  da 
ordem  de  Christo  e  sseu  cronista  como  procurador  que  ssoom  do  moes- 
teiro  e  comuemto  dAlmoester  per  virtude  de  huQa  procuraçom  que  tenho 
abastamte  e  ssobfiçiemte  da  senhora  abadessa  e  comuemto  do  dito 
moesteiro  pêra  poder  emprazar  e  aforar  e  arrendar  quaaesquer  beés  do 
dito  moesteiro  em  estes  rregnos  a  quall  procuraçom  eu  notairo  jeerall 
vy  e  lly  e  pareçya  ser  ífeita  e  asynada  per  Diego  de  P^igueiredo  notairo 


—  Sog  — 

jeerall  em  estes  regnos  a  vimte  e  ssete  dias  do  mes  de  dezembro  do  naçi- 
mento  de  nosso  Senhor  Jhesu  Christo  de  mill  e  quatro  cemtos  e  ssassenta 
e  çimquo  annos  sob  ho  alpemdere  do  dito  moesteiro  e  testemunhas  em 
ella  nomeadas  fre}'  Joham  dAIemquer  monje  do  moesteiro  dAlcobaça  e 
capellam  do  dito  moesteiro.  e  Pêro  de  Ssoussa  escudeiro  do  Ifamte  Dom 
Fernamdo  que  Deus  aja  morador  em  esta  villa  e  Joham  Louremço  escu- 
deiro de  Pêro  de  Ssaa.  e  ao  pee  da  dita  procuraçom  huu  estormento  de 
cutorguaamento  do  senhor  Dom  Abade  do  dito  moesteiro  dAlcobaça 
como  padre  abade  que  he  da  dita  casa  dAlmoester  synada  por  o  dito 
senhor  Dom  Abade  e  sseellada  do  sseu  seello,  per  a  quall  procuraçom  a 
mim  cometida  e  estormento  do  dito  senhor  Dora  Abade,  emprazo  a  uos 
Doutor  Joham  Teixeira  do  dessembargo  e  pitiçoões  delRe}-  nosso  Senhor 
huíjas  cassas  que  o  dito  moesteiro  ha  em  a  dita  villa  de  Ssamtarem  na 
freguess3'a  de  ssam  Jgiaão  que  partem  com  a  rua  pubrica  que  vaay  pêra 
Auallada  e  com  outras  cassas  do  dito  moesteiro  que  traz  Pedro  Afomso 
pedreiro  e  com  celeiro  do  dito  moesteiro  as  quaaes  cassas  vosso  padre 
trazya  emprazadas  do  dito  moesteiro  em  duas  pessoas  .s.  na  ssua  e  de 
huú  sseu  filho  quall  elle  nomeasse,  das  quaaes  voos  dizees  que  ssooes  a 
derradeira  pessoa  per  bem  do  que  dito  he.  e  per  bem  da  nomeaçam  que 
o  dito  vosso  padre  vos  fez  aa  ora  de  ssua  morte  em  sseu  testamento,  e 
porque  voos  em  as  ditas  cassas  teemdes  feitas  alguGas  bemfeitoryas  e 
ajnda  dessejaaes  de  mais  fazer,  a  mym  praz  e  outorgo  pello  poder  que 
tenho  do  dito  moesteiro  e  comuemto  e  donas  e  padre  abade,  vos  emprazo 
as  ditas  cassas  em  uyda  de  três  pessoas  per  esta  guissa  .s.  que  o  com- 
trauto  per  que  as  voos  temdes  as  ditas  cassas  em  uossa  pessoa  soomente 
dure  e  aja  sseu  vigor  em  vossa  vida  como  em  elle  e  em  vossa  nomeaçam 
he  comtheudo  e  per  vossa  morte  e  dy  em  diamte  sse  comtem  as  ditas 
três  pessoas  assy  que  vos  possaaes  nomear  a  primeira  pessoa  deste  com- 
trauto  que  vos  eu  faço  e  a  primeira  pessoa  nomee  a  ssegumda  e  a 
ssegumda  nomee  a  terceira  pessoa.  E  acomteçemdo  que  voos  [nom] 
nomees  pessoa  alguúa  primeira,  nem  a  primeira  a  ssegumda  ou  a  sse- 
gumda a  terceira,  que  em  taaes  cassos  sse  emtenda  ssempre  ser 
nomeado  no  dito  emprazamento  o  vosso  filho  mayor  que  ficar  ao  tempo 
da  morte,  e  bem  asy  da  primeira  pessoa  e  a  ssegumda  e  terceira,  e  por 
quamto  voos  sooes  theudo  per  o  primeiro  comtrauto  de  paguar  duzemtos 
reaes  em  cada  huú  anno  de  foro  e  pemssam  do  dito  prazo  a  mim  praz 
que  voos  paguees  os  ditos  duzemtos  reaes  em  vossa  vida.  e  per  vossa 
morte  e  dy  em  diamte  as  ditas  três  pessoas  que  vierem  sejom  theudas 
de  pa[gua]r  em  cada  huú  anno  duzemtos  e  cimquoemta  reaes  e  esto  em 
paz  e  em  saluo  por  dya  de  Natall  demtro  no  dito  moesteiro  dAlmoester. 


—  3io  — 

€  com  comdiçom  que  nam  paguamdo  ao  dito  tempo  e  per  todo  o  mes  de 
Janeiro  seguinte  em  cada  huú  anno  que  dhy  em  diamte  dees  e  paguees  o 
dito  foro  com  todas  perdas  dapnos  custas  e  despessas  que  o  dito  moes- 
teiro  ssobre  ello  fezer  e  com  vimte  reaes  bramcos  de  pena  em  cada  huG 
dya.  e  com  comdiçom  que  voos  e  as  ditas  pessoas  que  depôs  vos  vierem 
sejaaes  theudos  de  rrespomder  por  o  dito  casso  em  esta  villa  de  Ssam- 
tarem  peramte  os  juizes  delia,  e  voos  dito  Doutor  e  pessoas  que  depôs 
voos  vierem  sejaaes  theudos  e  obriguaados  de  fazer  e  refazer  as  ditas 
cassas  de  todos  adobyos  que  lhe  mester  fezerem.  e  com  aquella  bemfeito- 
r3'a  que  me  dissestes  que  tinhees  vomtade  de  fazer,  em  guissa  que  fiquem 
melhoradas  e  nom  pejoradas.  e  posto  que  per  alguú  casso  fortoyto  de 
fogo  ou  augua  ou  terremotos  perecerem  que  voos  e  as  ditas  pessoas 
derradeiras  ssejaaes  theudos  de  as  correjer  e  a  uossa  propya  despessa.  e 
com  comdiçam  que  voos  as  nam  possaaes  emalhear  nem  trocar  nem 
vemder  nem  escambar  seem  liçemça  da  dita  abadessa  e  comuemto  ou 
de  quem  sseu  carrego  teuer.  e  bem  asy  sse  nam  possam  partir  e  ssem- 
pre  andem  em  huúa  pessoa  jumtamente  de  tall  comdiçam  que  pague  bem 
e  como  deue  a  dita  penssam  ao  dito  moesteiro.  e  que  nam  seja  pessoa 
defessa  em  dereito  nem  de  mayor  comdiçam  que  vos.  e  o  dito  comen- 
dador como  procurador  do  dito  moesteiro  obrigou  os  beés  e  remdas 
delle  de  defemdeer  e  fazer  defemder  as  ditas  cassas  e  as  fazer  de  paz  e 
ssaluo  ao  dito  Doutor  e  pessoas  de  quem  quer  que  lhe  em  ellas  ou  em 
parte  delias  poser  embargo  per  quallquer  guisa  que  seja.  e  o  dito  Doutor 
a  todo  pressemte  estepullante  e  açeptante  reçebeo  em  ssy  o  dito  prazo  com 
as  claussollas  e  comdiçoÕes  ssobreditas  as  quaaes  se  obrigou  de  comprir  e 
manteer  per  ssy  e  per  sseus  beés.  e  fazer  paguamento  do  dito  foro  polo 
modo  ssusso  ditos,  e  em  testemunho  dello  mandaram  fazer  ssenhos  estor- 
mentos  ambos  de  huij  theor  que  foram  outorguaados  na  dita  villa  de  Ssam- 
tarem  nas  ditas  cassas  a  vimte  e  huú  dias  do  mes  de  janeiro  do  naçi- 
mento  de  nosso  Senhor  Jhesu  Christo  de  mill  e  quatroçemtos  e  ssa- 
temta  e  huú  anos.  testemunhas  que  presemtes  foram  Joham  Diaz  cryado 
do  dito  comendador  e  Pêro  Dyaz  cryado  do  Doutor  Luis  Martinz  padre 
do  Dito  Joham  Teixeira  doutor  e  Joham  da  Gorda  cryado  do  dito  Doutor 
e  Rodrigo  Annes  morador  em  Estremoz,  e  eu  Fernam  de  Torres  escudeiro 
do  dito  senhor  Rey  notairo  jeerall  em  todos  sseus  rregnos  e  senhoryo 
que  a  todo  com  as  ditas  testemunhas  presemte  fuy  e  este  estormento 
per  outorguamento  das  ditas  partes  cscrepuy  e  em   elle  meu  synall   fiz 

que  tall  he. 

Arquivo  Nacional,  Documentos  do  Convento  de  Al- 
moster, liv.  7.°,  doe.  G3  (55),  n.°  608  vermelho. 


—  3ii  — 
XX 

22  DE  FEVEREIRO  DE  1472 

Em  nome  de  Deos  amem.  Saybham  os  que  este  estormento  de  renun- 
daçom  e  emprazamento  feito  de  nouo  virem,  que  no  anno  do  naçimento 
de  nosso  Senhor  Jhesu  Christo  de  mil  e  iiij*^  sateenta  e  deus  annos  [aos] 
xxij  dias  do  mes  de  feuereiro  em  a  villa  de  Santarém  nas  pousadas  de 
Gomez  Annes  de  Zurara  comendador  da  hordem  de  Christo  cronysta  del- 
Rey  nosso  senhor  e  guarda  moor  do  tonbo  de  seus  rregnos.  que  som 
junto  com  a  Guafar3'a  em  presença  de  mym  notairo  geeral  e  testemunhas 
ao  diante  nomeadas,  pareçeo  Joham  Afonsso  çapateiro  morador  na  dita 
villa  de  Santarém,  e  disse  que  uerdade  era  que  elle  trazija  emprazado  em 
vida  de  três  pessoas  do  moesteiro  dAlmoester  que  he  em  termo  da  dita 
villa  huú  oliual  que  o  dito  moesteiro  ha  onde  chamam  as  Manteigas  termo 
da  dita  villa  que  parte  de  húa  parte  com  oliual  que  foy  de  Joham  do 
Porto  e  da  outra  parte  cora  oliual  de  Santa  Cruz  de  Cojnbra  e  da  outra 
parte  com  oliual  de  Diego  Gonçalluez  alfayate  e  com  outras  confronta- 
çoÕes  com  que  de  dereyto  deue  de  partir,  no  qual  enprazamento  doli- 
ual  elle  dito  Joham  Afonsso  era  a  primeira  pessoa.  E  que  ora  esguar- 
dando  elle  sua  hidade  e  como  era  em  ponto  pêra  o  nam  poder  aproueytar 
nem  paguar  o  foro  e  peenssom  ao  dito  moesteiro  e  desy  por  algúas  rra- 
zoões  que  o  a  ello  mouyam  disse  que  a  elle  aprazija  como  logo  de  feito 
aprouue  rrenunçiar  de  ssy  o  dito  prazo  e  encanpar  em  maãos  do  dito 
Gomez  Annes  de  Zurara  que  jsso  meesmo  presente  estaua  como  procu- 
rador abastante  do  dito  moesteiro.  e  que  nom  queria  mais  gouujT  do  dito 
enprazamento  nem  o  possuyr  como  lhe  perteençia,  mas  ante  queria  que 
o  dito  moesteiro  enprazasse  de  nouo  o  dito  oliual  a  quem  lhe  aprouuesse 
e  fezesse  delle  o  que  quisesse  e  por  bem  teuesse.  E  visto  per  o  dito 
Gomez  Annes  a  dita  rrenunciaçom  e  encanpaçom  logo  elle  como  procura- 
dor do  dito  moesteiro  que  era  e  segundo  logo  mostrou  per  húa  procura- 
çom  de  Dona  Isabel  dAndrade  dona  abadessa  do  dito  moesteiro  e  donas 
e  conuento  delle  que  parecia  seer  feita  e  asynada  per  Dieguo  de  Figuei- 
redo notairo  geeral  em  estes  rregnos  aos  xxvij  dias  do  mes  de  dezembro 
da  era  de  mil  e  iiij'=  e  Ixb  annos.  per  a  qual  antre  as  outras  cousas  em 
ella  contheudas  a  dita  dona  abadessa  e  monjas  do  dito  moesteiro  com 
licença  e  conssentimento  do  Dom  Abade  dAlcobaça  seu  padre  abade  fazia 
seu  procurador  o  dito  Gomez  Annes  dandolhe  seu  comprido  poder  que 
elle  podesse  tirar  quaaesquer  prazos  ou  aforamentos  ou  arrendamentos  a 


—  3l2  — 

quaaesquer  pessoas  que  os  trouuessem  e  lhes  nom  paguassem  aquellas 
peensoões  que  obriguados  eram.  e  os  podasse  emprazar  de  nouo  arrendar 
ou  aforar  por  aquellas  peensoões  e  preços  que  elle  sentisse  que  era  bem 
e  proueito  da  dita  casa.  auendo  por  firme  e  estauel  todo  o  que  pello  dito 
seu  procurador  acerca  delio  fosse  feito,  sob  obriguaçom  de  todallas  rren- 
das  e  becs  mouees  e  rraiz  do  dito  moesteiro  que  pêra  ello  obriguauam 
segundo  todo  esto  e  outras  cousas  mais  compridamente  em  a  dita  procu- 
raçom  era  contheudo.  per  bem  da  qual  logo  elie  dito  Gomez  Annes  disse 
que  elle  per  poder  da  dita  procuraçom  emprazaua  como  logo  de  feito 
enprazou  e  deu  denprazamento  em  vida  de  três  pessoas  a  Dieguo  Afonsso 
carpinteiro  morador  em  a  dita  villa  de  Santarém  que  também  no  presente 
estaua  e  a  duas  pessoas  que  despois  elle  veherem  nomeando  elle  a 
segumda  e  a  segurada  a  terceira,  de  guisa  que  sejam  três  pessoas  e  mais 
nom.  emprazoulhe  o  dito  oliual  que  o  dito  moesteiro  dAlmoester  ha  omde 
chamam  as  Manteiguas  termo  da  dita  villa  que  parte  com  as  ditas  con- 
frontaçoões  segumdo  em  cima  faz  declaraçom.  com  condiçom  que  elle 
dito  Dieguo  Afonsso  e  pessoas  que  despois  elle  veherem  correguam  o 
dito  oliual  de  laurar  e  esmoutar  a  seus  tempos  e  sazoões  de  guisa  que 
sempre  em  as  ditas  três  vidas  seja  feito  e  ande  aproueytado  melhorado  e 
nom  pejorado  e  que  posto  que  peresça  per  fogo  ou  augua  ou  outro  caso 
furtuyto  que  acontecer  possa  que  sempre  em  as  ditas  três  vidas  seja  feito 
e  aproueitado  como  dito  he.  e  com  condiçom  que  elle  dito  Dieguo  Afonsso 
e  pessoas  dem  e  paguem  do  dito  oliual  ao  dito  moesteiro  em  cada  huú 
anno  de  foro  e  peensom  duzentos  reaes  brancos  desta  moeda  ora  cor- 
rente paguados  em  paz  e  em  saluo  ao  dito  moesteiro  per  dia  de  Natal,  e 
começar  de  fazer  a  primeira  pagua  por  este  dia  de  Natal  que  ora  vijnra 
em  que  se  começara  a  era  de  mil  e  iii)'^  e  sateenta  e  três  annos.  E  assy 
dhi  em  diante  em  cada  huú  anno  por  o  dito  dia  e  com  condiçom  que  elle 
Dieguo  Afonsso  e  pessoas  nom  possam  vender  dar  nem  doar  trocar  nem 
escaj'nbar  o  dito  oliual  a  nehiia  pessoa  das  em  dereyto  defesas.  E  que- 
rendoo  vender  que  o  faça  primeiramente  fazer  saber  ao  senhorio  se  o 
quiser  tanto  por  tanto  que  o  aja.  e  nom  o  querendo  que  entom  com  auto- 
ridade e  conssentimento  do  dito  senhorio  o  possa  vender  a  tal  pessoa  que 
pague  e  conpra  as  condicoÕes  deste  contraucto.  e  fijndas  as  ditas  três  pes- 
soas o  dito  oliual  fique  ao  diio  moesteiro  liurcmente  e  despachado  sem 
outra  brigua  nem  demanda  com  todas  suas  bemfeytoryas.  e  o  sobredito 
Gomez  Annes  como  procurador  do  dito  moesteiro  obrigou  os  beés  e 
rendas  delle  de  lhes  liurar  e  defender  o  dito  oliual  em  as  ditas  três  vidas 
de  qualquer  pessoa  ou  pessoas  que  lhe  sobrello  embarguo  poser.  sob 
pena  de  todas  custas  que  se  sobrello  fezerem  e  rrecreçerem  e  com  vijnte 


—  3i3  — 

reaes  brancos  em  cada  huú  dia  de  pena.  e  o  dito  Dieguo  Afonsso  por  ssy 
e  por  as  ditas  duas  pessoas  tomou  e  rreçebeo  o  dito  oliual  do  sobredito 
moesteiro  denprazamento  e  sse  obrigou  fazer  os  ditos  adubyos  e  de  dar 
e  paguar  os  ditos  duzentos  reaes  de  foro  e  peenssom  como  dito  he  e  sob 
a  dita  pena  per  seus  bées  e  das  ditas  pessoas  que  pêra  ello  obrigou,  e 
assy  o  outorguarom  e  pedirom  senhos  estormentos.  testemunhas  que  a 
esto  presentes  forom  Gonçallo  Perez  criado  do  dito  Gomez  Annes  mora- 
dor em  Almoester  e  Braz  Diaz  reictor  na  igreja  de  Santestovom  da  dita 
villa  e  Joham  Annes  criado  de  mym  notairo  e  outros.  E  eu  Martim 
Aluarez  criado  e  contador  delRey  nosso  senhor  e  seu  pubrico  notairo 
geeral  per  sua  real  autoridade  em  sua  corte  e  em  todos  seus  rregnos  e 
senhorio  que  a  todo  o  que  dito  he  com  as  ditas  testemunhas  presente 
fuy  e  este  estormento  que  he  pêra  o  dito  moesteiro  per  outorgamento  das 
ditas  partes  escrepuy  e  em  elle  fiz  meu  signal  pêra  ello  chamado  e  rro- 
guado. 

Arquivo  Nacional,  Documentos  do  Convento  de  Almoster, 
livro  3.»,  doe.  n."  43,  n."  435  vermelho. 


XXI 

I  DE  DEZEMBRO  DE  1473 

Em  nome  de  Deus  amem.  Saibham  quantos  este  estormento  den- 
prazamento virem  que  no  anno  do  nascimento  de  nosso  Senhor  Jhesuu 
Christo  de  mill  e  quatrocentos  e  sateenta  e  três  annos  primeiro  dia  do 
mes  de  dezembro  na  cidade  de  Lixboa  no  paaço  dos  taballiaães  pareçeo 
Gomez  Eanes  de  Zurara  comendador  do  Pinheiro  da  ordem  de  Christo 
e  cronjsta  delRey  noso  senhor  e  guarda  moor  da  sua  torre  do  tombo 
como  procurador  da  senhora  Dona  Isabel  dAndrade  abadessa  do  moes- 
teiro dAlmoester  e  das  donas  e  conuento  do  dito  moesteiro  segundo  logo 
hi  fez  certo  per  hija  procuraçom  que  hi  apresentou  que  parecia  ser 
feita  e  asijnada  per  Diego  de  Figueiredo  notairo  geeral  em  estes  rregnos 
aos  vijnte  e  sete  dias  do  mes  de  Dezembro  do  ano  do  Senhor  de  mill  e 
quatrocentos  e  saseenta  e  çinquo  e  eram  em  ella  nomeados  por  testemu- 
nhas frey  Joham  capeilam  do  dito  moesteiro  e  Pêro  de  Soussa  escudeiro 
do  senhor  Ifante  Dom  P^crnando  que  Deos  aja  morador  em  Samtarem  e 
Joham  Lourenço  escudeiro  de  Pêro  Saa.  per  a  quall  procuraçam  antre 
as  outras  coussas   em   ella   contheudas  se  mostraua   que  as   ditas   aba- 


—  3i4  — 

dessa  e  donas  e  conuento  deram  poder  ao  dito  Gomez  Eanes  que 
podesse  arrendar  ou  aforar  quaaesquer  beés  do  dito  moesteiro  por 
aquellas  pensoÕes  e  preços  que  elle  sentisse  que  era  bem  e  proueito 
da  dita  casa  e  que  ellas  ho  auiam  por  firme  e  estauel  pêra  sempre  sob 
obrigaçam  de  todallas  rrendas  e  bées  do  dito  moesteiro  que  pêra  ello 
obrigaram  segundo  todo  esto  e  outras  cousas  na  dita  procuraçam  miihor 
e  mais  compridaraente  eram  contheudas.  e  ao  pee  delia  era  scripta  húa 
carta  de  confirmaçam  do  senhor  Dom  frey  Nicollaao  abade  dAlcobaça  e 
esmoller  moor  delRey  nosso  senhor  e  per  autoridade  apostollica  padre 
abade  ujsitador  e  rreformador  de  todollos  moesteiros  da  dita  ordem  per  a 
qual  o  diio  senhor  Dom  Abade  confirmou  a  dita  procuraçam  pella  guisa 
que  em  ella  era  contheudo  a  qual  carta  parecia  seer  assijnada  pello  dito 
Dom  Abade  e  aseellada  do  seu  seello  segundo  mais  compridamente  em 
ella  se  contijnha.  per  virtude  das  quaaes  precuraçam  e  confirmaçam  o 
dito  Gomez  Eanes  disse  que  ueendo  e  consijrando  ser  seruiço  de  Deos 
prol  e  honrra  do  dito  moesteiro  enprazaua  como  logo  de  feito  enprazou  a 
Inês  Gonçalluez  molher  que  foy  de  Rodrigue  Annes  Auangelho  e  morador 
na  dita  cidade  que  no  pressente  estaua  huíí  logar  que  o  dito  moesteiro 
dAlmoester  ha  ao  rrego  dAluallade  termo  da  dita  cidade  junto  com  qujn- 
taã  da  capeella  do  Bispo  Dom  Gil  Alma  .s.  Húa  ujnha  com  suas  oUi- 
ueiras  e  aruores  de  frujto  e  com  suas  casas  e  lagar  assy  como  parte  de 
duas  partes  com  caminhos  pubricos  e  doutra  com  ujnha  da  dita  Inês 
Goncaluez  e  doutra  parte  com  outra  ujnha  dOdiuellas  e  com  outras 
confrontaçoões  com  que  de  dereito  deue  de  partir,  o  qual  lugar  lhe 
asy  enprazou  em  uidas  de  três  persoas  com  todas  suas  entradas  e 
ssaidas  e  dereitos  e  perteenças  e  logradoiros  asy  e  pella  guissa  que 
o  dito  moesteiro  ha  e  lhe  de  dereito  perteençe  dauer  .s.  aa  dita  Inês 
Goncaluez  em  primeira  persoa,  e  que  ella  posa  nomear  a  segunda 
ante  de  sua  morte  e  a  segunda  per  semelhante  maneira  nomee  a  ter- 
ceira em  tal  guissa  que  sejam  três  persoas  e  mais  nom.  com  condi- 
com  que  a  dita  Inês  Gonçalluez  e  persoas  despois  delia  corregam  e  adu- 
bem as  cassas  e  lagar  de  paredes  e  madeira  e  telha  e  pregadura  e  feixe  e 
cousso  e  dornas  e  a  ujnha  com  suas  olliueiras  e  aruores  descauar  e  podar 
e  amergualhar  e  cauar  e  enpaar  e  arrendar  e  asy  de  todollos  outros  adu- 
bios  que  lhe  forem  necesarios  e  conpridoiros  em  tall  guissa  que  sempre 
nas  ditas  três  persoas  o  dito  logar  ande  bem  corregido  e  aproueitado 
melhorado  e  nom  pejorado  e  posto  que  peresça  per  agua  ou  fogo  ou 
terramotos  e  per  outro  quallquer  caso  furtuito  e  nom  furtuito  que  auijr 
possa  que  a  dita  Inês  G«nçaluez  e  persoas  despois  delia  ho  façam  e  rrefa- 
çam  de  todo  o  que  lhe  conpre  e  mester  for  aas  suas  próprias  custas  e 


—  3i5  — 

despessas  e  dem  e  paguem  a  dita  Inez  Gonçalucz  e  persoas  despois  delia 
cada  huú  a  seu  tempo  de  foro  e  penssam  do  dito  lugar  ao  dito  moesteiro 
em  cada  huú  ano  trezentos  reaes  brancos  destes  ora  correntes  de  trinta 
e  çinquo  liuras  ho  real  e  mais  huij  par  de  frangaãos  boõs  e  reçebondos 
pagado  todo  juntamente  em  húa  paga  dentro  no  dito  moesteiro  per 
Páscoa  da  Resurreiçam  e  começara  de  lhe  fazer  a  primeira  paga  por 
Páscoa  primeira  que  uem  no  anno  de  sateenta  e  quatro  e  assy  dhi  em 
deante  pello  dito  dia  em  cada  huíã  ano.  e  com  condiçam  que  a  dita  Inês 
Gonçaluez  e  persoas  despois  delia  nom  possam  uender  dar  nem  doar 
trocar  nem  escaimbar  o  dito  logar  e  emprazamento  delle  a  nenhúa  persoa 
das  em  dereito  defessas.  e  quando  o  quiserem  uender  que  o  façam  pri- 
meiramente saber  ao  dito  moesteiro  e  abadessa  e  conuento  delle  se  o 
querem  tanto  por  tanto  que  o  ajam.  e  nom  ho  querendo  que  entam  ho 
possam  uender  a  tal  persoa  que  nom  seja  das  sobreditas  mas  que  seja 
tal  que  cumpra  e  guarde  e  mantenha  as  condiçoÕes  deste  contracto  e 
daquello  por  que  foi  uendido  que  o  dito  moesteiro  aja  sua  quarentena 
como  ho  dereito  quer.  e  finadas  as  ditas  três  persoas  da  ujda  deste  mundo 
que  entam  fique  o  dito  logar  ao  dito  moesteiro  bem  corregido  e  apro- 
ueitado  melhorado  e  nom  pejorado  liuremente  e  sem  nehuQa  contenda,  e 
elle  dito  Gomez  Eanes  obrigou  os  bées  do  dito  moesteiro  de  lhe  o  dito 
moesteiro  liurar  e  defender  e  enparar  o  dito  logar  sempre  nas  ditas 
três  persoas  de  quem  quer  que  lho  embargar  e  de  lhe  manteer  este 
contracto  sob  pena  de  todas  custas  e  despessas  e  perdas  e  dapnos 
que  a  dita  Inês  Gonçalucz  e  persoas  despois  delia  por  ello  fezerem 
e  rreçeberem  e  com  çinquoenta  reaes  brancos  em  cada  huú  dia  de 
pena  e  jnteresse.  e  lhe  deu  poder  que  a  dita  Inês  Gonçaluez  per  poder 
deste  contracto  tome  e  possa  tomar  a  posse  do  dito  logar  sem  nehuúa 
autoridade  de  justiça  nem  figura  de  jajzo.  e  a  dita  Inês  Gonçaluez 
que  asy  presente  estaua  tomou  e  rrecebeo  em  sy  o  dito  logar  denpra- 
zamento  nas  ditas  três  ujdas  com  todallas  condiçoões  suso  ditas  as 
quaaes  se  obrigou  de  ella  e  as  ditas  persoas  todas  conprirem  e  mantee- 
rem  e  pagarem  o  dito  foro  e  penssam  em  cada  huú  anno  per  a  gujsa 
que  dito  he  sob  a  dita  pena  de  çinquoenta  reaes  brancos  em  cada  huú 
dia  com  custas  e  despessas  e  perdas  e  dapnos  que  o  dito  moesteiro  por 
ello  fezer  e  receber  por  todos  seus  bces  aujdos  e  por  auer  e  os  das  ditas 
persoas  que  outros)'  pêra  ello  obrigou,  e  em  testemunho  dello  mandaram 
asy  fazer  senhos  estormentos.  testemunhas  que  presentes  foram  Fernam 
Rodriguez  e  Pêro  Gonçaluez  e  Pêro  Vaasquez  do  Auellaar  tabelliaács  e 
outros  e  eu  Aluaro  Afomso  pubrico  taballiam  geeral  delRey  nosso  senhor 
cm  todos  seus  rregnos  e  senhorio  que  a  esto  pressente  fu}'  e  este  estor- 


—  3i6  — 

mento  per  mandado  e  outorgamento  das  ditas  partes  pêra  a  dita  Inês 
Gonçaluez  screpuy  e  em  elle  meu  publico  signal  fiz  que  tal  he.  Lxx 
reaes. 

Arquivo  Nacional,  Documentos  do  Convento  de  Almoster, 
livro  8.°,  doe.  n."  14,  n.°  184  vermelho. 


XXII 

2  DE  ABRIL  DE  1474 

Em  nome  de  Deus  amem.  Saybham  quamtos  esta  presemte  procu- 
raçom  virem  que  no  anno  do  naçimento  de  nosso  Senhor  Jhesuu  Christo 
de  mill  iiij'^  seteemta  e  quatro  annos  doos  dias  do  mes  dabrill  demtro  no 
alpemder  do  moesteiro  de  samta  Maria  dAlmoester  da  Ordem  de  sam 
Bernaldo  do  arcebispado  de  Lixboa  e  termo  da  viila  de  Samtarem 
seemdo  hy  presemtes  a  muyto  omrada  e  onesta  religiosa  senhora  Dona 
Isabell  dAndrade  abbadessa  do  dito  moesteiro  e  Inês  dAfomseca  prioresa 
e  Branca  Rodriguez  sobprioresa  e  Maria  de  Carualhaaes  çeleireira  e  Eras 
Afomsso  samchristão  e  Isabell  Dornellas  e  Breatiz  Velha  e  Catalina  Gill  e 
Inês  dAfomseca,  e  Dona  Isabell  e  as  outras  monjas  e  conuemto  do  dito 
moesteiro  que  estauam  jumtas  e  chamadas  per  ssoom  de  campa  tamgida 
segumdo  seu  costume,  per  a  dita  Dona  Abadessa  monjas  e  conuemto  foy 
dito  que  faziam  e  de  feito  fezerom  ordepnarom  e  estabeleçerom  por  seu 
certo  procurador  auomdoso  e  ssofiçiemte  no  melhor  modo  e  forma  que  o 
deuya  seer  e  per  dyreyto  mais  valer  a  Gomçalo  Perez  criado  que  foy  de 
Gomez  Annes  de  Zurara  comendador  da  comenda  do  Pinheiro,  e  que  Deos 
aja,  amostrador  da  presente,  ao  qual  derom  e  outorgarem  todo  seu  com- 
prido e  liure  poder  e  especial  mamdado  que  por  elas  e  em  seu  nome  e  do 
dito  seu  moesteiro  e  conuemto  possa  ssoliçitar  requerer  e  procurar  todolos 
feitos  do  dito  moesteiro  mouydos  e  por  mouer  que  ora  ellas  e  seu  moes- 
teiro ham  e  ao  diante  ouuerem  com  quaaesquer  pessoas  e  sobre  quaaes- 
quer  cousas  que  nomeadas  possam  seeer  presemte  elRey  nosso  senhor  ou 
presente  quaaesquer  outros  corregedores  juizes  e  justiças  assy  ecresiasti- 
cas  como  secullares  a  quem  o  conhecimento  pertencer  reseruando  que 
sse  alguija  parte  contrayra  o  quiser  citar  e  demamdar  per  auçam  noua 
que  o  nom  possa  fazer  nem  valha  o  que  sse  hy  fezer  a  menos  de  primei- 
ramente a  dita  Dona  Abadessa  e  seu  conuemto  sseer  citada  em  pessooa 
pêra  saber  a  causa  da  demaaida  sobre  que  he.  e  sse  consselhar  e  dellibe- 
rar  sua  rreposta  e  dar  emformaçora  a  seu  procurador  e  a  sseos  sobesta- 


-3i7- 

beleçidos  como  deuiam  fazer.  E  que  possa  pedir  demandar  e  receber 
geeralmente  todalas  remdas  e  dyreitos  foros  e  pemssoões  e  diuidas  que  ao 
dito  moesteiro  pertencem  ou  pertencerem  per  qualquer  modo  e  maneira 
que  seja,  ora  ssejam  rrendas  de  pam  vynlio  lynho  azeyte  dinheiros  cera  mell 
manteiga  geyras  esmollas  ou  merçees  de  reix  ou  senhores  dyuidas  passa- 
das ou  por  vyr,  e  quaaesquer  cousas  outras  que  a  ellas  e  ao  dito  seu  moes- 
teiro perteençerem,  e  do  que  ass}'  elle  ou  cada  huú  de  seos  sobestabele- 
çidos  per  seu  poder  e  mandado  rreçeber  possa  dar  conhecimentos  pagas 
e  quitaçoões  quamtas  e  quaaes  comprirem,  e  que  outrossy  podesse  e  possa 
tirar  quaaesquer  prazos  aforamentos  ou  arrendamentos  que  aa  dita  Dona 
Abadessa  conuento  e  seu  moesteiro  pertençam  aquellas  que  com  dyre3'to 
€  rrazom  sse  desfazer  e  tirar  possam  em  proueito  delias  e  do  dito  seu 
moesteiro.  E  breuemente  possa  emtrar  por  ellas  e  em  seu  nome  e  do 
dito  moesteiro  em  quaaesquer  preytos  e  demandas  perante  as  sobreditas 
justiças  como  dito  he  com  poder  de  citar  estar  em  juizo  pedir  demandar 
e  rreçeber  neguar  conhecer  louuar  em  juizes  ordinários  compromisairos 
e  comisayros  e  assy  em  quaaesquer  outros  ofiçiaaes  que  aos  negócios  e 
feito  forem  necessários  e  compridoiros  reuelias  e  abssoluçoÕes  gaançar  e 
as  outras  purgar  libellos  emformaçoões  petiçoões  arrestos  defesas  contra- 
riedades testemunhas  escripturas  e  quaaesquer  outras  prouas  dar  e  con- 
tra os  das  partes  auersas  contestar  depoer  contrariar  e  contradizer  impu- 
nar  precurar  rrazoar  e  concludir  e  jurar  em  suas  allmas  juramento  de 
calunia  e  deçessoryo  e  de  veritate  dicenda  e  quaaesquer  outros  juramen- 
tos ou  juramento  que  lhe  com  dyreyto  for  demandado  e  em  as  partes 
auersas  o  lleixarsse  conprir  ouuir  sentenças  e  em  ellas  comsimtir  não 
consentir  e  das  outras  apellar  e  agrauar  seguir  e  renunciar  exceiçoões 
ssospeiçoões  enbargos  poer  e  allegar  fazer  frontas  requerimentos  e  pro- 
testaçoões  e  de  todo  filhar  estonnento  ou  estormentos  e  os  persseguir 
outros  e  quando  conprir  e  dar  toda  a  execuçam  e  breuemente  e  final- 
mente ssobre  todo  esto  que  dito  he  e  dello  naçer  e  deçender  e  aos  ditos 
feitos  e  casos  pertencer  assy  no  prinçipall  como  necessário  o  dito  seu 
precurador  possa  precurar  dizer  e  fazer  todo  aquello  que  o  boom  e  fiell 
precurador  deue  e  pode  fazer  e  como  ellas  meesmas  fariam  e  deuiam 
sse  a  todo  de  presente  fossem  rreseruando  ssoomente  pêra  ellas  que  o 
dito  seu  precurador  nom  possa  arrendar  emprazar  nem  aforar  nem  fazer 
dello  scriptos  de  todollos  herdamentos  terras  e  bées  que  o  dito  moesteiro 
ha  e  ouucr  em  toda  a  terra  da  Estremadura,  mas  desto  em  fora  em  todollos 
outros  lugares  e  partes  do  regno  elle  Gonçallo  Pirez  seu  precurador  possa 
aforar  emprazar  arrendar  e  fazer  a  escripturas  e  contratos  que  compri- 
rem abastantemente  assy  como  ellas  o  fariam  sse  de  presente  fossem  e 


—  3i8  — 

per  aqui  lhe  outorgaram  todallas  outras  clausollas  que  huúa  precuraçam 
jeerall  pode  teer  pêra  sseer  abastante  e  ssofiçiente  e  com  poder  de  sso- 
bestalabelleçer  outro  precurador  ou  precuradores  em  seu  llogo  e  em 
nome  seu  delias  e  do  dito  moesteiro  pêra  fazerem  e  comprirem  as  ditas 
cousas  e  cada  huúa  delias  como  elle  precurador  deuisar  e  ordenar  nos 
sobestabelleçimentos  e  os  reuogar  cada  uez  que  quizer  e  oficio  da  pro- 
curaçom  em  sy  a  de  cabo  filhar,  e  lhes  deram  também  poder  reuogar 
quaaesquer  outros  precuradores  quando  vir  que  nom  ssom  compridoiros 
ou  proueytossos  ao  dito  moesteiro  e  a  ellas  e  as  fazer  de  nouo  se  elle 
uir  que  compre  pêra  proll  do  dito  moesteiro  e  seu  delias,  e  disserom 
que  ellas  auiam  e  prometiam  dauer  por  firme  e  estauell  pêra  ssempre 
todo  aquillo  que  per  o  dito  seu  precurador  e  per  cada  huú  de  seos  sob- 
estabelleçidos  foi  feito  dito  precurado  rreçebido  reuogado  e  outorgado  no 
que  dito  he  sobregaçara  de  sseuos  bées  e  rrendas  do  dito  moesteiro  que 
pêra  ello  rreallmente  comprirom  e  os  rrelleuarom  de  todo  carrego  de 
satisfaçom  como  o  dyreyto  em  tall  caso  outorga,  e  em  testemunho  desto 
lhe  outorgaram  sseer  feita  esta  precuraçom  testemunhas  presentes  a  esto 
Nuno  Pacheco  caualeiro  morador  em  Samtarem  e  Fernam  Martinz  allmo- 
creue  e  Ayras  Martinz  teçellam  moradores  no  couto  do  dito  moesteiro  c 
Afomso  Esteuez  hy  morador  e  outros  e  eu  Dieguo  Gonçaluez  escudeiro 
amo  do  Ifante  Dom  Fernando  meu  senhor  que  Deos  tem  e  notairo  ppu- 
brico  jeerall  por  elRey  nosso  senhor  em  todos  seos  regnos  e  senhorio 
que  esta  procuraçom  por  outorga  das  sobreditas  screpui  e  a  todo  esto 
com  as  ditas  testemunhas  presemte   fui   e  aqui  meu  ppubrico  sinall  fiz 

que  tal  he. 

Arquivo  Nacional,  Documentos  do  Convento  de  Almoster, 
liv.  7.°,  doe.  49. 


XXIII 

22  DE  JUNHO  DE  1482 
Carta  de  legitimação  de  Catarina  da  Silveira 

Dom  Joham  etc.  Item  carta  de  legitimaçam  de  Catarina  da  Silueira 
donzella  da  Condessa  de  Loulé  filha  que  foy  de  Guomez  Eanes  dAze- 
uedo  (i)  caualeiro  da  hordem  de  Christo  e  comendador  do  Pinheiro  ja 

(i)  Sic,  leia-se  da  Zurara. 


—  3ig  — 

finado  e  de  Inês  Gonçaluez  molher  solteira  ao  tempo  da  sua  naçença,  e 
de  nossa  certa  ciência  e  poder  absoluto  que  auemos,  despensamos  com 
ella  e  legitimamolla  e  abilitamolla  e  fazemmola  legitima,  e  queremos 
e  outorgamos  que  ella  aja  e  possa  auer  todallas  honrras  e  priuilegeos 
liberdades  e  jsenções  que  de  feito  e  de  dereito  auer  poderia  asy  como 
de  ligitimo  matrimonio  nada  fosse,  e  que  outrosy  possa  auer  e  herdar 
os  bées  de  sua  madre  e  doutras  quaesquer  pesoas  que  lhos  derem  e 
leixarem  per  quallquer  guisa  que  seja  asy  per  testamentos  como  cou- 
diçilhos  e  per  outra  quallquer  maneira  de  doaçom,  e  que  as  ditas  pesoas 
e  quaesquer  outras  lhe  posam  fazer  quaesquer  doações  tam  bem  antre 
viuos  como  causa  mortis,  asy  puros  como  condiçionaes,  e  que  ella  as 
aja  e  possa  auer  asy  aquellas  que  lhe  forem  feitas  per  nos  como  per 
outras  quaesquer  pesoas  e  que  outrosy  posa  ssoçeder  em  morgados  e 
quaesquer  outras  heramças  e  dereitos  que  lhe  foram  dados  e  leixados  per 
quallquer  guysa  que  seja  per  aquelles  que  pêra  ello  poder  ouuerem,  con- 
tanto que  nom  sejam  bées  nem  terras  que  pertençam  a  coroa  dos  nossos 
regnos,  outrosy  queremos  e  outorgamos  que  per  esta  legitimaçom  a  dita 
Catarina  da  Silueira  aja  a  nobrezia  e  priuilegio  delia  que  per  dereito  e 
commum  hordenaçom  e  husamças  de  nosos  regnos  auer  deueria  asy 
como  se  de  legitimo  matrimoneo  nada  fosse,  nom  embargando  quaesquer 
lex  degredos  decretaaes  custumes  custituições  foros  façanhas  opiniões  de 
doutores  quaesquer  outras  que  esta  legitimaçom  poderiam  anular  ou 
embargar,  posto  que  taaes  sejam  de  que  em  esta  despensaçam  deuese  ser 
feita  espresa  mençam,  as  quaes  nos  aquy  auemos  por  expresas  e  nomea- 
das, e  queremos  que  em  ela  nom  aja  lugar,  porque  nosa  tençam  he  de 
legitimarmos  a  dita  Catarina  da  Silueira  o  mais  firmemente  que  nos  poder- 
mos fazer,  e  ella  pode  e  deue  ser  pella  guisa  que  dito  he,  nom  embargamdo 
todos  os  direitos  e  cousas  suso  ditas,  que  esto  poderiam  embargar,  e  sopri- 
mos  todo  falecimento  de  solenidade  que  de  feito  e  de  dereito  for  necessário 
pêra  esta  legitiraaçam  firme  ser  e  mais  valer,  empero  nom  he  nosa  ten- 
ção que  per  esta  legitimaçom  seja  feito  nehú  prejuízo  a  algíis  herdeiros 
se  os  hy  ha  e  a  outras  quaesquer  pesoas  que  algum  dereito  ajam  em  os 
ditos  bées  e  cousas  que  lhe  asy  forem  dadas  e  leixadas.  em  testemunho 
desto  lhe  mandamos  dar  esta  nosa  carta,  dada  em  a  nosa  cidade  dEuora 
xxij  dias  do  mes  de  junho.  ElRei  o  mandou  pellos  doutores  Joham  Tei- 
xeira do  seu  conselho  e  Fernam  |Rodriguez  anbos  descnbargadores  do 
paço.  Joham  Jorge  a  fez.  ano  do  naçimento  de  noso  Senhor  Jhesuu 
Christo  de  mill  e  iiij"^  Ixxxij  [anos]. 

Chancelaria  de  D.  João  II,  liv.  2.°,  foi.  i38. 


320  

XXIV 

8  DE  ABRIL  DE  1483 

Gomçallo  Gome:{  da  Zurara  filho  de  Gome\  Eannes  da  Zurara 
comendador  da  liordem  de  Christo. 

Dom  Joham  etc.  Item  carta  de  legitimaçam  em  forma  de  Gomçallo 
Gomez  da  Zurara  escudeiro  de  nossa  casa  filho  de  Gomez  Eanes  da  Zu- 
rara comendador  da  hordem  de  Christo  e  de  Inês  Gomçalluez  molher 
solteira  ao  tempo  de  ssua  nacemça  e  de  nossa  certa  çiemçia  etc.  Dada 
em  Torres  Nouas  biij  dias  dabrill.  ElRey  ho  mamdou  per  os  doutores 
Fernam  Rodriguez  e  per  Martim  Pinheiro  etc.     Joham  Jorje  a  ffez.  de 

iiij'^  Ixxxiij. 

Arquivo  Nacional,  Legitimações  de  leitura  nova,  liv.  1.°,  foi.  248,  r. 


XXV 

8  DE  ABRIL  DE  1483 

Felipa  Gome:{  filha  do  sobredito  [Gome{  Eannes  da  Zurara 
comendador  da  hordem  de  Christo]. 

Dom  Joham  etc.  Item  outra  tall  como  a  de  cima  de  Felipa  Gomez 
filha  dos  sobreditos,  etc  no  dito  dia  per  os  ditos  doutores.  Joham  Jorje 
a  fez.  anno  de  mill  e  iiij'^  Ixxxiij. 

Arquivo  Nacional,  Legitimações  de  leitura  nova,  liv.  i.",  foi.  243,  r. 


XXVI 

8  DE  MARÇO  DA  ERA  DE  141 1  (iSyS  J.  C.) 
Esta  carta  he  falsa  e  nam  deue  de  estar  aquy 

Dom  Ffernando  pella  graça  de  Deos,  Rei  de  Portugal  e  do  Aigarue. 
A  quantos  esta  carta  virem  fazemos  saber  que  veendo  e  conssijrando 
muitos  seruiços  que  recebemos  de  Dom  frey  Nuno  Rodriguez  meestre  da 
cauallaria  de  hordem  de  Jhesuu  Christo  em  muitos  lugares  de  nossos 


—  321    — 

rregnos  e  em  Galliza  c  em  nos  rregnos  de  Castella  e  em  outros  lugares 
desuairados  em  tempo  de  guerra  aficada  e  contenda  que  ouuemos  e  aue- 
mos  com  elRey  de  Castella  e  de  Liam  em  que  nos  elle  seruio  e  serue 
muy  lealmente  per  o  corpo  e  com  suas  jentes  com  cauallos  e  armas  aas 
suas  próprias  despesas  e  dos  beens  da  ditta  bordem  e  com[o]  justa 
rrazom  e  digna  cousa  he  que  os  leaaes  vassallos  e  bem  niereçentes  rece- 
bam gualardom  e  mcrçee  dos  senhores  que  seruem  moormente  em  tempo 
tam  arduu  e  de  tanta  necessidade  como  elle  a  nos  seruio  e  serue  e  que 
lhe  seja  per  nos  rremunerado  e  aos  outros  meestres  de  cauallarias  e 
caualleiros  e  fidalgos  e  vassallos  sseja  exemplo  meritiuo  de  lealmente 
seruirem  a  nos  e  aos  outros  rrex  que  depois  vierem.  E  porem  nos  de 
de  nossa  própria  e  liure  vontade  e  mera  liberdade  e  de  nosso  poderio 
absolluto  e  próprio  mouimento  ssem  outro  rrequerimento  e  emduzimento 
que  nos  fosse  feito  nem  pedido  per  nehúa  pessoa  ffazemos  mera  e  pura 
e  liure  doaçam  ao  dito  meestre  e  a  dita  sua  hordem  pêra  todo  ssen- 
pre  assy  como  antre  os  viuos  per  razam  da  vida  de  toda  a  jurdiçam  omni- 
moda  e  mero  e  misto  inperio  que  nos  auemos  e  de  dereito  podemos  auer 
tam  bem  no  ciuell  como  no  crime,  em  as  villas  de  Tomar  e  de  Poomball 
e  de  Soure  e  de  Castell  Bramco  e  de  Nisa  e  de  Alpalham  e  de  Castell 
da  Vide  e  de  Villa  Franca  de  Xira  e  em  todos  seus  thermos  das  ditas 
villas  e  em  todallas  outras  villas  e  lugares  da  dita  hordem,  em  que  a 
dita  hordem  ha  jurdiçam  .s.  em  nos  quaaes  sobreditos  lugares  e  villas  o 
dito  meestre  e  hordem  ha  jurdiçam  e  correiçam,  e  das  sentenças  dos 
juizes  e  justiças  das  ditas  villas  e  lugares  apellam  pêra  o  dito  meestre  e 
sua  hordem.  e  das  sentenças  do  dito  meestre  ou  seu  ouuj^dor  ou  corre- 
jedor  apellam  pêra  nos  tam  bem  nos  feitos  ciuees  como  nos  crimes. 
Outrossy  os  taballiaães  das  ditas  villas  e  lugares  apresentam  a  elles  o 
dito  meestre  e  hordem,  e  elles  ditos  taballiaães  juram  a  nos  e  nos  con- 
firmamollos  e  chamamsse  nossos  taballiaães  e  per  nossas  cartas  ssom 
dados.  Outrossy  os  corregedores  que  per  nosso  mandado  correjem 
nos  ditos  nossos  rregnos  entram  e  correjem  nos  ditos  lugares  da  dita, 
em  que  assy  a  dita  ordem  ha  jurdiçam  como  dito  he,  e  assy  se  husou 
e  continuou  ataa  ora.  E  nos  querendo  conhecer  e  rremunerar  os  ditos 
seruiços  que  nos  o  dito  meestre  e  sua  hordem  fez  e  faz  como  dito  he 
anpliando  e  decrarando  sobre  a  dita  mera  e  pura  doaçam  damos  e 
outorgamos  aa  dita  hordem  toda  e  omnimoda  jurdiçam  e  senhorio  e 
mero  e  misto (i)  inperio  que  auemos  e  de  dereito  deuemos  auer  em  todas 
as  sobreditas  villas   e  lugares  e  em  seus  thermos  tam  bem  nas  pessoas 

(i)  Ms.  místico 


—  322  — 

como  nas  terras,  tam  bem  no  [ciuell]  como  no  crime,  com  esta  modi- 
fi[ca]çam  que  se  ssegiie.  Que  os  taballiaaes  ssejam  confirmados  e  jura- 
dos e  dados  pello  meestre  des  aqui  adiamte  e  sua  hordem  tan  ssolla- 
mente  e  per  suas  cartas  e  [nom  per]  nos.  E  que  dos  feitos  ciuees  sseja 
apellado  das  sentenças  dos  juizes  e  justiças  [das  ditas]  villas  e  lugares 
tam  soomente  das  sentenças  que  assy  forem  dadas  pêra  o  meestre  ou 
pêra  [os  seus  ouuydores]  e  nos  ditos  feitos  ciuees  nom  ssejam  apellados 
pêra  nos  mais.  E  das  sentenças  que  forem  [dadas]  per  os  ditos  mees- 
tres  ou  ouu3'dores  ou  correjedores  nos  feitos  crimes  sseja  [apellado  pêra] 
nos,  como  sse  senpre  husou.  E  que  os  sobreditos  correjedores  nossos 
nom  [entrem  nem]  corregam  nas  villas  nem  lugares  da  dita  ordem  per  a 
dita  correiçam  que  de  nos  ouuerom.  saluo  sse  do  dito  meestre  ou  seu 
ouuidor  ou  correjedor  forem  dadas  querellas  ou  denunçiaçoões  per  algúas 
pessoas  dalguús  malleficios  e  os  nom  querem  correjer  e  fazer  dereito  e 
justiça  o  dito  meestre  ou  seus  ouuidores  e  correjedores,  que  então  entre 
o  nosso  corregedor  [e]  correga  nos  ditos  lugares  e  faça  dereito  e  justiça 
aos  ditos  querellosos  e  doutra  guisa  nam.  E  queremos  e  outorgamos 
que  o  dito  meestre  e  sua  ordem  [ajam]  pêra  senpre  a  dita  omnimoda 
jurdiçam  e  mero  e  misto  inperio  como  dito  he.  E  que  nos  nem  outros 
rrex  que  depôs  nos  vierem  nunca  possam  rreuogar  esta  doaçam,  e  sse  a 
reuogarmos  que  nom  ualha.  E  pêra  esto  seer  firme  queremos  e  dimiti- 
mos  e  damos  toda  a  dita  jurdiçam  e  senhorio  e  dito  mero  e  misto  inpe- 
rio e  todo  outro  nosso  dereito  na  dita  hordem  exsseymdoo  e  tirandoo 
de  nos  e  poendoo  na  dita  hordem  ssegundo  dito  he.  Mandamos  a 
todallas  justiças  dos  ditos  rregnos  que  lhe  nam  ponham  embargo  nehúu 
nas  ditas  jurdiçoões  das  sobreditas  villas  e  lugares  e  de  cada  húu  delles 
mais  que  deixem  acusar  e  possuir  o  dito  meestre  e  seos  subçessores  e 
sua  hordem  pêra  senpre  polia  guisa  que  dito  he.  E  em  testemunho 
desto  mandamos  dar  ao  dito  meestre  e  a  dita  sua  hordem  esta  nossa 
carta.  Dante  em  Ssantarem  biij  dias  de  março.  ElRey  o  mandou. 
Afomso  Pirez  a  fez.     Era  de  mill  e  nVf  xj.  anos. 

(De  outra  letra  mais  moderna): 

Esta  carta  atras  em  lugar  de  titolo  diz  que  he  falsa  e  que  nam  deue 

destar  aquj'   e  nam  se  sabe  per  quem  foy  scripta  nem  a  carta  riscada 

como   estaa,  porem  parece   que  deuya  de  seer  per  oficial  desta  Torre 

do  Tombo  a  que  pertemçese  e  o  podesse  fazer  e  do  caso  soubesse  pêra 

o  poder  afyrmar  ajnda  que  nom  consta  per  a  letra  nem  per  outro  nehúu 

synal. 

Chancelaria  de  Dom  Fernando  I,  livro  i.°,  foi.  201  r  e  v. 


—  323  — 

XXVII 

12  DE  JANEIRO  DE  1479 

A  elRey  semtemça  comtra  a  hordem  de  Chvislo  per  que  foy  declarado  e 
juUgado  a  ssoperioridade  da  jurdiçorii  çiiiell  de  todallas  terras  da  dita 
hordem  seer  do  dito  senhor  e  lhe  perteemçer  e  a  nam  poder  de  ssy 
tirar  dar  nem  transmudar  em  hordem  nem  em  pessoa  algíiua,  e  mais 
proniimçiamdo  por  nehãus  e  de  nehmi  efeito  todoUos  procedimentos 
que  os  ojffiçiaaes  da  dita  hordem  federam  comtra  certas  pessoas  mora- 
dores em  a  villa  de  Punhetc  sobre  os  canaaes  do  Ze^er,  e  que  fossem 
rrestituidos,  etc. 

Dom  Affomsso,  per  graça  de  Deus,  Rey  de  Castella,  e  de  Liam,  de 
Portugall,  de  Tolledo,  de  Galliza,  de  Seuilha,  de  Cordoua.  de  Murçia,  de 
Jahem,  e  dos  Algarues  daaquem  e  daalem  mar  em  Allrica,  das  Aliaziras, 
de  Juballtar,  senhor  de  Bizcaia  e  de  Mollina.  A  todollos  Corregedo- 
res, juizes  e  justiças,  offiçiaaes  e  pessoas  de  nossos  rregnos,  a  que  o 
conhecimento  desto  perteemçer,  e  esta  nossa  carta  de  semtemça  for  mos- 
trada, saúde.  Sabede  que  peramte  nos  em  esta  nossa  corte  e  casa  de 
sopricaçom  se  trautou  húu  fecto  amtre  partes  .s.  Lopo  Dias,  e  Fernam 
Martins,  e  Joham  Aluares,  e  Amtam  Affomsso  Couchado,  e  Dieg[o] 
Alluares,  e  Fernam  Fernamdes,  escudeiros  moradores  em  Punhete,  como 
rreeos  e  sopricantes  de  huúa  parte,  e  Eytor  de  Sousa  caualleiro  da  casa 
do  Duque  de  Vizeu,  meu  muyto  amado  e  prezado  sobrinho,  e  comenda- 
dor da  Cardiga  como  autor,  e  opoemte  em  o  dito  fecto  a  Iffamte  Dona 
Briatiz  minha  mujto  prezada  e  amada  jrmãa,  como  tutor  e  curador  do  dito 
Duque  seu  filho,  rregedor  e  gouernador  de  hordem  de  Christo  e  em  seu 
nome.  E  isso  meesmo  o  Doutor  Joham  dFlluas  procurador  dos  nossos 
fectos  como  nosso  procurador  e  em  nosso  nome.  O  qual  fecto  veeo  aa  dita 
nossa  corte  per  huiía  carta  testemunhauel,  que  os  ditos  rreeos  tomarom 
damte  Sabastiam  da  Costa  ouuydor  do  dito  Duque  em  suas  terras  do 
dito  meestrado  de  Christo,  com  o  theor  de  certos  autos  que  sse  peramte 
o  dito  ouuydor  passarom,  per  os  quaaes  se  mostraua  que  peramte  elle 
pareceram  os  ditos  rreeos,  e  lhe  apresentarom  huij  nosso  aluara  per 
nos  sijnado,  per  o  quall  lhe  mamdauamos,  que  rrestituisse  e  metesse 
logo  em  posse  os  ditos  rreeos  dos  beês  e  canaaes,  de  que  eram  esbu- 
lhados pollos  rregedores  da  dita  hordem,  assy  como  dantes  estauam,  e 
assy  das  rremdas   que  os  ditos  becs  e  canaaes  tiuessem  remdido  des  o 


-324- 

tempo,  que  da  dita  posse  eram  fora;  por  quamto  os  ditos  rregedores 
lhe  deueram  rreçeber  e  dar  apellaçom  dos  fectos,  que  o  dito  Eytor  de 
Sousa  comtra  eiles  ouuera  sobre  os  ditos  canaaes,  em  que  os  ditos  rrege- 
dores comdepnarom  e  esbulharem  da  dita  posse,  e  os  deueram  leixar 
estar  em  ella,  atee  a  dita  apellaçom  seer  fijmda.  E  visto  como  os 
ditos  rreeos  emtam  eram  leygos  por  a  propiedade  por  que  eram  demam- 
dados  nom  seer  da  dita  hordem  de  Christo,  e  elles  dizerem  e  afirma- 
rem, que  os  ditos  beés  eram  seus,  mamdamos  aos  ditos  rregedores  que 
lhe  dessem  a  dita  apellaçom  pêra  os  sobrejuizes  da  nossa  casa  do  ciuell 
desta  cidade  de  Lixboa,  e  lhe  assinassem  termo,  e  assy  ao  dito  comem- 
dador,  a  que  parecessem  peramte  elles  a  rrequerer  seu  dereito.  E  em 
comprimento  do  dito  nosso  mamdado  o  dito  Sabastiam  da  Costa  se  fora 
logo  aas  ribas  do  Zêzere,  omde  os  ditos  canejn-os  estam,  e  metera  e 
ouuera  logo  os  sobreditos  por  metidos  em  posse  delles,  e  assi  dos  outros 
bêes  de  que  os  sobreditos  eram  esbulhados  e  forçados  pollos  ditos  rre- 
gedores e  comemdador,  nom  os  meterado  logo  porem  em  posse  das 
remdas  que  os  ditos  canaaes  e  bées  rcmderam.  E  que  sem  embargo 
de  elles  rreeos  serem  pollo  dito  ouuydor  metidos  de  posse  dos  ditos 
caneyros  e  herdades,  e  estarem  ja  em  ella,  que  logo  dhi  a  dous  dias, 
teemdo  elles  os  ditos  caneyros  lamçados  per  seus  homées,  que  homées 
do  dito  comemdador  foram  per  seu  mamdado  aos  ditos  caneyros,  e  lhe 
tomaram  homze  lampreas,  que  os  ditos  caneyros  aquella  noite  pescarom, 
forçr.mdoos  e  esbulhamdoos  da  dita  sua  posse,  em  que  ja  assi  estavam, 
rrequeremdo  elles  ao  dito  ouuydor  que  os  rrestituisse  a  sua  posse  outra 
vez,  como  lhe  per  nos  era  mamdado.  Por  cuja  razom  o  dito  ouuydor 
mandara  dizer  per  huú  escripuam  damte  elle  ao  dito  comemdador,  que 
sob  pena  de  çem  cruzados  rrestituisse  logo  os  ditos  rreeos  aa  sua  posse,  e 
lha  leixasse  teer  liuremente,  atee  os  ditos  fectos  seerem  fimdos  em  a  dita 
nossa  casa  do  çiuell,  como  per  nos  era  mamdado.  O  que  todo  lhe  o 
dito  escripuam  fora  dizer,  e  pubricar.  E  ssem  embargo  de  todo  o  dito 
comemdador  os  nom  quisera  rrestituir  aa  dita  posse,  antes  viera  com 
húus  embargos  a  sse  o  dito  nosso  aluara  nom  auer  de  executar,  dizemdo 
e  allegamdo,  que  o  conhecimento  delle  nom  perteemçia  a  elle  ouuydor 
soomente  aos  ditos  rregedores,  que  do  dito  caso  for^i  juizes,  e  tijnham 
dello  bõo  conherimento.  E  sem  embargo  dello,  o  dito  ouuydor  mam- 
dara  ao  dito  comemdador,  que  sob  a  dita  pena  leixasse  logo  liuremente 
a  posse  dos  ditos  canaaes  aos  ditos  rreeos,  a  mamdara  ao  escripuam 
damte  elle,  que  lhe  desse  dello  carta  de  posse.  Do  quall  mamdado  o 
dito  çomem«dador  apellara  e  agrauara  pêra  os  ditos  rregedores,  e  elle 
ouuydor  lhe  nom  rrecebera  apellaçom  nem  agrauo,  aqueixamdosse  o  dito 


—  325  — 

comemdacior  dello  aos  ditos  regedores  por  cuja  rrazom  elles  mamdarom 
ao  dito  escripuam  que  nom  desse  cartas  de  posse  aos  sobreditos,  e  lei- 
xasse  ass}'  todo  estar  quedo,  dizemdo  que  o  conhecimento  do  caso  nom 
perteemçia  a  elle  ouuydor,  soomente  a  elles.  Polia  qual  razom  os  ditos 
rreos  rrequereram  ao  dito  escripuam,  que  lhe  desse  suas  cartas  de  posse, 
e  elle  lhas  nom  quisera  dar,  por  lhe  seer  mamdado  pollos  ditos  rrege- 
dores  que  lha  nom  dessem  etc.  E  com  todo  e  com  a  rreposta  do  dito 
ouu3-dor  e  comemdador,  e  autos  que  sse  sobre  ello  passarom,  os  ditos 
rreeos  pediram  a  dita  carta  testeraunhauell,  e  o  dito  ouuydor  lha  man- 
dou dar,  segumdo  que  em  ella  todo  esto  e  outras  cousas  muy  mais 
compridamemte  eram  comtheudas.  A  quall  peramte  nos  foy  apresem- 
tada,  e  mamdamos  que  o  dito  Eytor  de  Sousa  fosse  citado  pêra  em  a 
dita  nossa  corte  auer  de  rrespomder,  e  lhe  seer  fecto  dereito.  E  õoy 
satisfeito  o  nosso  mamdado.  E  o  dito  comemdador  veo  peramte  nos 
citado,  e  per  seu  procurador,  e  assy  pollo  procurador  dos  ditos  rreeos 
ao  dito  fecto  razoado,  dizendo  o  procurador  dos  ditos  rreos,  que  elles 
foram  primeiro  demamdados  per  o  dito  Eitor  de  Sousa,  presemte  os 
rregedores  da  dita  hordem,  por  os  ditos  canaaes,  pêra  os  obrigar  a  lhe 
fazer  foro  e  pemsam  delles,  e  que  elles  sopricamtes  diclinarom  seu 
foro,  dizendo  que  eram  seus  próprios.  E  que  sem  embargo  dello  os 
ditos  rregedores  deram  semtemça  comtra  elles,  e  lhe  nom  quiserom  rrece- 
ber  apellaçom  pêra  nos,  saluo  pêra  o  Iffamte  Dom  Fernamdo  meu 
irmaão  que  Deos  aja.  Pollo  quall  nos  mamdarpmos  que  a  dessem  toda- 
uia  pêra  os  sobrejuizes,  e  que  emtre  tamto  nom  procedessem  cousa 
alguúa  comtra  elles  sopricamtes.  O  que  elles  rregedores  fazer  nom  quise- 
rom, amte  o  dito  Eitor  de  Sousa  se  fora  loguo  meter  de  posse.  Pollo 
quall  nos  mamdaramos  por  nosso  aluara  que  logo  fossem  tornados  a  sua 
posse  ass}'  dos  canaaes  como  do  pescado.  E  como  quer  que  fossem 
rrestituydos  na  dita  posse  dos  canaaes,  pêro  nom  do  pescado,  logo  dhi  a 
dous  dias  o  dito  Eitor  de  Sousa  per  sua  própria  força,  e  sem  embargo 
do  dito  nosso  mamdado,  e  da  pena  de  cem  cruzados  pollo  dito  ouuydor 
posta,  fora  esbulhar  outra  vez  os  sopricamtes,  e  os  tijnha  ajmda  forçados. 
Pollo  quall  nos  pediam  por  merçee  que  os  rrestituissemos  e  mamdasse- 
mos  rrestituir  aa  posse  dos  ditos  canaaes,  com  todo  o  pescado  que  des 
emtam  atee  ora  teuera,  e  mais  lho  comdenassemos  nas  custas.  E  visto 
per  nos  todo,  ouuydos  os  procuradores  das  partes,  e  esso  meesmo  Dom 
Pedro  vigayro  de  Tomar,  que  em  nossa  rrelaçom  e  peramte  nos  disse, 
que  sse  queria  ao  dito  fecto  opoer  por  bem  e  proueyto  da  jurdiçom  da 
dita  hordem  de  Christo.  Mamdamos  que  as-  ditas  partes  e  o  dito 
vigayro  apresemtassem  em  o  dito  fecto  todas  escripturas  e  autos  e  sem- 


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temças  de  que  sse  emtemdessem  dajudar,  e  trouuessem  primçipallmente 
as  semtemças  e  autos,  de  que  sayrom,  em  que  o  dito  Eitor  de  Sousa 
demamdara  aos  ditos  sopricamtes  presemte  os  ditos  rregedores,  e  sobre 
todo  as  ditas  partes  dissessem  de  seu  dereito,  e  o  dito  doutor  Joham 
dElluas  visse  e  procurasse  o  dito  fecto  por  nossa  parte  etc.  E  foy  em  todo 
satisfe3'to  a  nosso  mamdado,  e  per  as  ditas  partes  em  o  dito  fecto  apresem- 
tadas  certas  escripturas,  e  assy  apresemtarom  os  ditos  fectos  e  autos  que 
sse  peramte  os  ditos  rregedores  tratarom,  e  per  os  quaaes  se  mostraua 
que  o  dito  comemdador  demamdara  os  ditos  sopricamtes  peramte  o  ouuy- 
dor  da  dita  hordem,  dizemdo  comtra  elles  que  verdade  era  que  a  dita  sua 
comemda  da  Cardiga  tijnha  privillegios  amtijgos,  per  que  lhe  era  feita  per 
os  rrex  que  amte  nos  foram  pura  doaçam  pêra  todo  sempre  da  meetade 
daugua  do  Zezer.  E  que  sobre  ello  tijnha  certas  cartas  do  Iffamte  Dom 
Hamrrique  meu  tio,  e  do  Iffamte  Dom  Fernamdo  meu  jrmaão,  que  Deos 
aja,  per  que  mamdauam  que  nenhuQ  nom  fizesse  caneyros  no  dito  rrio  do 
Zezer  sem  licemça  do  comemdador.  E  que  nom  esguardamdo  elles 
rreos  esto,  per  sua  força  e  autoridade  se  emtremeteram  a  fazer,  como 
de  feito  fezerom  seus  canaaes  no  dito  rrio  naugua  da  dita  hordem,  sem 
o  fazerem  saber  ao  senhorio,  per  a  quall  rrazom  deuiam  perder  todo  o 
que  assy  fezerom  pêra  a  dita  hordem,  ou  lhe  fazerem  foro  delles,  como 
cousa  da  dita  hordem.  Pedimdo  elle  dito  comemdador  comtra  os  ditos 
rreeos  que  elle  dito  ouuydor  lhe  jullgasse  os  ditos  caneyros  seerem  da 
dita  hordem.  E  que  elle  por  seer  comemdador,  a  que  de  dereito  per- 
teemçiam,  por  seerem  da  dita  sua  comemda,  os  ouuesse,  e  mais  lhe  com- 
denasse  os  ditos  rreos  nas  custas.  Sobre  o  quall  libello  foy  pronumçiado 
pollo  dito  ouuydor  que  procedia.  E  mamdando  aos  ditos  rreeos  que 
rrespomdessem  a  elles.  Pollos  quaaes  foy  dito  e  allegado,  que  elles  eram 
homées  leygos,  e  que  sua  jurdiçam  nom  perteemçia  ao  dito  ouuydor, 
por  elle  seer  caualleyro  da  dita  hordem,  e  elles  rreeos  eram  da  nossa 
jurdiçam,  e  moravam  em  Punhete,  em  o  quall  lugar  a  hordem  nom 
tijnha  jurdiçam,  soomente  nos  e  os  juizes  per  nos  postos.  E  que  os 
ditos  caneyros  eram  seus  delles  sopricamtes  e  nom  da  dita  hordem.  E 
assy  que  elle  ouuydor  nom  era  seu  juiz,  nem  elles  peramte  elle  deuiam  de 
rrespomder,  rrequeremdo  que  as  rremetesse  aos  juizes  de  seu  foro,  que 
eram  os  juizes  da  dita  villa  de  Punhete,  protestamdo  nom  o  queremdo 
elle  ouuydor  fazer,  lhe  seer  todo  per  nos  corregido.  E  sem  embargo 
das  ditas  rrezoões  e  protestaçoões  o  dito  ouuydor  procedera  tamto  per  o 
dito  fecto  em  diamte,  que  os  comdenara  que  abrissem  maao  dos  ditos 
caneyros  e  bees  que  tijnham  a  par  delles,  e  jullgou  todo  ao  dito  Eytor 
de  Sousa,   e  comdenou  os   ditos  rreeos  nas  custas,  e  elles  apellarom  da 


—  327  — 

dita  semtemça,  e  elle  ouuydor  lha  rreçebeo  para  os  rregedores  da  dita 
bordem,  os  quaaes  em  todo  comfirmarom  a  semtemça  segumdo  todo 
esto  e  outras  muytas  cousas  se  mostrava  per  os  fectos,  que  o  dito  Eytor 
de  Sousa  autor  comtra  os  ditos  sopricamtes  ouuera  peramte  o  dito  ouuy- 
dor e  offiçiaaes  da  dita  bordem.  E  litigamdo  as  ditas  partes  sobre  elies 
e  sobre  o  dito  fecto,  a  dita  Iffamte  se  veo  opoer  a  elle,  em  nome  e  como 
tutor  ligitima  do  dito  Duque  seu  filho,  rregedor  da  dita  bordem,  dizemdo 
que  sabemdo  ella  como  em  a  dita  nossa  corte  pemdia  a  dita  demamda  e 
fecto  amtre  os  sobreditos  sopricamtes  e  o  dito  comemdador  autor  sobre 
os  ditos  canaaes,  em  o  qual!  fecto  se  trazia  em  duuyda  a  jurdiçam  que 
aa  dita  bordem  perteemçia,  e  per  comseguimte  ao  dito  Duque  seu  filho, 
rregedor  e  governador  delia,  ella,  pollo  que  em  ello  perteemçia  ao  dito 
dito  Duque  seu  filho,  como  sua  legitima  tutor,  se  opunha  em  o  dito  fecto, 
pêra  allegar  por  sua  parte  e  da  dita  bordem  seu  dereito.  Offereçera- 
do  logo  por  sua  parte  e  em  nome  da  dita  bordem  e  comemdador  cer- 
tas escripturas,  amtre  as  quaaes  era  huúa  delRei  Dom  Fernamdo,  que 
fora  tirada  da  nossa  Torre  do  Tombo,  em  a  quall  se  comtijnha,  amtre  as 
outras  cousas  que  veemdo  elle  e  comsijramdo  os  muytos  serviços,  que 
rrecebera  de  Dom  Frey  Nuno  Rodriguez,  meestre  da  cauallana  de  bor- 
dem de  Jesus  Cbristo,  elle  de  sua  liure  voom.tade  e  mera  liberallidade,  e 
de  seu  poderio  absolluto  e  próprio  mouimento,  sem  outro  rrequerimento 
e  emduzimento,  que  lhe  fosse  fecto  nem  pedido  per  nenhuúa  pessoa, 
fezera  mera  e  pura  e  liure  doaçam  ao  dito  meestre  e  aa  dita  sua  bordem 
pêra  todo  o  sempre,  assy  como  amtre  os  viuos  per  razom  diuida  de  toda 
jurdiçam  e  mero  misto  império,  que  elle  auia  e  de  dereito  podia  auer, 
tam  bem  no  çiuel  como  no  crime,  em  as  villas  de  Tomar,  e  de  Pomball,  e 
de  Soure,  e  de  Castell  Bramco,  e  de  Niza,  e  dAlpalham,  e  de  Castell  da 
Vide,  e  de  Villa  Franca  de  Xira,  e  em  todos  seus  termos  das  ditas  villas, 
e  em  todallas  outras  villas  e  lugares,  em  que  a  dita  bordem  ouuesse 
senhorio,  por  esta  guisa  .s.  que  os  taballiaães  fossem  dados  e  comfir- 
raados  e  jurados  per  o  meestre  e  sua  bordem  tam  sollamente  e  per 
suas  cartas,  e  nom  per  elle  Rey  Dom  Fernamdo,  e  que  dos  fectos  çiuees 
fosse  apellado  das  semtemças  dos  juizes  e  das  justiças  das  ditas  villas  e 
lugares  tam  sollamente  das  semtemças  que  assy  fossem  dadas,  pêra  o 
meestre  ou  pêra  os  seus  ouu}'dores,  e  nos  ditos  fectos  çiuees  nom  fosse 
apellado  pêra  elle  mais.  E  das  semtemças  que  fossem  dadas  per  os 
ditos  meestres  ou  ouuydores  ou  coi  regedores  nos  fectos  crimes  fosse 
apellado  pêra  elle  como  sse  sempre  busara.  E  que  os  seus  corregedores 
■om  emtrassem  nem  corregessem  nas  villas  nem  lugares  da  dita  bordem 
per  correyçom  jecral,   que  assy  delle  ouuessem,  saluo  se  do  dito  mees- 


—  328  — 

tre  ou  seu  ouuydor  ou  corregedor  fossem  dadas  querellas  ou  denunçia- 
çoões,  e  doutra  guisa  nam.  E  queria  e  outorgaua  que  o  dito  meestre 
e  sua  bordem  ouuessem  pêra  sempre  a  dita  jurdiçom  e  mero  e  misto 
jmperio,  como  dito  he,  segundo  todo  esto  na  dita  carta  do  dito  Rey  Dom 
Fernamdo  mais  compridamente  se  contijnha.  A  quall  vista  per  nos,  e 
pêra  sse  a  verdade  saber,  e  a  dita  carta  examinar,  mamdamos  a  Aífonsso 
dObidos  que  tijnha  carguo  da  Torre  do  Tombo,  domde  a  dita  carta  fora 
tirada,  que  nos  mostrasse  o  liuro  dos  rregistos  do  dito  Rej'  Dom  Fer- 
namdo, e  o  leuasse  aa  nossa  rrellaçom  a  amostrar  aos  nossos  desembarga- 
dores, e  leuasse  comssigo  os  escripuaães  da  dita  Torre.  O  quall  satisfa- 
zendo a  nosso  mamdado  leuou  comsigo  o  dito  liuro  e  escripuaães  da  dita 
Torre,  em  o  quall  estaua  escripta  a  dita  carta  de  doaçara  no  cabo  do  dito 
liuro,  nom  per  letra  do  escripuam  que  o  dito  liuro  escrepuera.  O  quall 
rregisto  mamdamos  peramte  nos  leer,  e  fezemos  pregumta  ao  dito  Afíomso 
dObidos  se  sabia  elle  como  fora  posto  o  dito  rregisto  no  cabo  do  dito 
liuro,  o  quall  disse  que  o  nom  sabia.  E  nos  isso  meesmo  fezemos  pre- 
gunta  a  Fernam  dElluas,  escripuam  do  dito  Tombo,  que  o  dito  liuro 
trelladara,  se  sabia  como  fora  alli  posto  o  dito  rregisto  no  cabo  do  dito 
liuro.  O  quall  disse  que  nom  sabia  nem  tall  letra  nom  fezera,  nem  a 
conhecia,  nem  sabia  quem  a  fezera,  nem  tall  rregisto  nom  achara  nos 
liuros  velhos  por  homde  elle  trelladara  o  dito  liuro,  porque  se  o  em  elles 
achara,  que  o  trelladara,  como  fezera  a  outros  semelhantes.  E  também 
fezemos  pregumta  a  Ruy  Lopes,  outrossy  escripuam  da  dita  Torre,  se 
sabia  elle  como  fora  posto  o  dito  rregisto  no  cabo  do  dito  liuro,  e  sse 
conhecia  a  dita  letra,  o  quall  disse  que  elle  nom  sabia  como  o  dito  rre- 
gisto alli  fora  posto,  nem  conhecia  a  dita  letra.  E  nos  lhe  fezemos  en- 
tam  pregumta,  se  escrepuera  elle  huúa  carta  da  dita  Iffamte,  que  pare- 
cia seer  trellado  do  dito  rregisto.  E  elle  disse  que  ssy.  E  nos  lhe  feze- 
mos ajmda  pregumta,  sse  a  trelladara  do  dito  liuro,  ou  doutro  alguú  da 
dita  Torre.  E  elle  disse  que  nom,  mas  que  verdade  era  que  Gomez 
Eannes  de  zurara,  seemdo  guarda  da  dita  Torre,  lhe  dera  o  trellado 
delia  escripto  em  papell,  e  que  per  alli  a  fezera.  E  logo  o  dito  rregisto 
foy  uisto  com  huiJa  carta,  que  parecia  ser  trelladada  do  dito  rregisto, 
fecta  per  Gomez  Eannes  crelligo  criado  do  dito  Gomez  Eannes,  e  vista 
huíia  letra  com  a  outra,  foy  achado  seer  toda  jrmãa.  Ao  quall  Aífomso 
dObidos  nos  jsso  meesmo  mandamos,  que  buscasse  todallas  escripturas 
da  dita  Torre,  sse  acharia  algúu  rregisto  ou  carta,  per  homde  fora  trella- 
dado  o  dito  rregisto,  que  estaua  no  cabo  do  dito  liuro.  O  quall  logo 
foy  buscar  todallas  escripturas,  que  na  dita  Torre  estauam,  e  nom  achou 
tall  escriptura,   nem  rregisto,  per  carta  nem  per  liuro   velho  nem  nouo 


—  329  — 

etc.  As  quaaes  pregiimtas  e  exame  que  sse  assy  fézerom,  foram  escriptas 
no  dicto  fecto,  e  passado  assy  tudo  esto,  seemdo  ja  a  verdade  do  dito 
fecto  sabida,  pollo  Doutor  Lopo  Gomçalluez,  em  nome  da  dita  Iffamte,  e 
do  dito  Duque  seu  filho,  e  per  ella  meesma  foy  dito,  que  ella  se  deçia 
da  dita  oposiçom  a  que  se  oposera,  por  nom  teer  procuraçom  do  cabido 
da  bordem,  nem  suas  escripturas,  pêra  em  seu  nome  o  dito  fecto  auer 
de  rrequerer  etc.  E  visto  assy  todo  por  nos,  e  como  per  parte  da  dita 
bordem,  pollo  dito  Doutor  Lopo  Gomçalluez  em  nome  da  dita  Iffamte, 
como  tutor  legitima,  que  he  do  dito  Duque  seu  filho,  fora  allegado  per 
escripto,  e  per  pallaura  em  a  nossa  rrellaçom,  presemte  a  dita  Iff'amte, 
que  o  comssemtira,  e  nom  comtradissera,  em  ajuda  do  dito  Eytor  de 
Sousa,  que  a  dita  bordem  tijnba  jurdiçom  ecclesiastica,  e  toda  a  jurdi- 
çom  temporal!  çiuell  de  todallas  cousas  e  terras  que  aa  dita  bordem  per- 
teemçiam,  sem  nos  em  ella  mais  termos  superioridade.  E  esto  afim  de 
nom  perteemçerem,  nem  vijrem  as  appellaçoões  nem  agrauos  dos  ditos 
canaaes  a  nos  nem  a  nossos  desembargadores,  allegamdo  o  dito  Doutor 
pêra  esto  a  dita  carta  do  dito  Rey  Dom  Fernamdo,  e  assy  a  allegarom  o 
procurador  do  dito  comemdador,  e  assy  o  vygayro  na  dita  bordem, 
que  dissera,  que  se  queria  por  parte  delia  ao  dito  fecto  opoer.  E  visto 
como  fora  mamdado,  que  sse  posesse  no  dicto  fecto  a  procuraçom  da  dita 
Iffamte,  pêra  o  dito  Doutor  por  parte  da  dita  bordem  o  poder  procurar, 
e  que  o  dito  Duque  desse  a  ello  comssemtimento,  segumdo  que  em  sua 
ydade  coubesse;  e  por  seer  mais  firme  que  o  dito  Doutor  lhe  fosse 
dado  por  curador.  E  como  nom  era  rrazom,  que  a  comtemda  da  dita 
jurdiçom  ficasse  por  determinar,  por  seer  cousa  que  tamto  a  nos  e  a 
nossos  rregnos  perteemçe,  e  aa  diçisom  do  dito  fecto,  nos  demos 
em  o  dito  fecto  por  curador  ao  dito  Duque  o  dito  Doutor,  vista  sua 
boomdade,  sabedoria  e  firmeza,  que  a  dita  Iffamte  e  o  dito  Duque 
tijnham  em  o  elle  por  elles  muy  bem  e  fiellm.ente  fazer,  e  o  dito  vigayro 
dissesse  por  parte  da  dita  bordem  quallquer  cousa  que  elle  quizcsse, 
pois  dissera  que  ao  dito  fecto  se  queria  opoer,  etc.  O  quall  nosso 
mamdado  foy  noteficado  ao  dito  vigayro,  dizemdo  elle,  que  por  parte 
da  dita  bordem  se  nom  queria  ao  dito  fecto  opoer,  e  em  caso  que  o 
fazer  quisesse,  que  nom  tijnba  procuraçom  da  bordem,  e  que  nos  o 
desembargássemos  como  per  dereito  achássemos.  E  estamdo  assy  o  dito 
fecto  em  estes  termos,  em  elle  foy  offerecido  búu  nosso  aluara  per  nos 
signado,  por  o  quall  mamdamos  que  o  dito  fecto  sse  desembargasse,  assy 
açerqua  dos  ditos  canaaes,  como  da  dita  jurdiçom;  e  amte  de  sobre  ello 
darmos  finall  desembargo,  por  mais  abastamça,  e  sse  satisfazer  ao  que  a 
dita  Iffamte  e  o  dito  Duque  seu  filbo  rrcqueriam,  .s.  que  o  comuemto 

4» 


—  33o  — 

da  dita  hordem  deuia  seer  rrequerido,  mamdamos  que  húu  escripuam 
da  dita  nossa  corte,  por  se  mais  em  certo  e  em  breue  o  dito  fecto  ao 
todo  finallmente  desembargar,  assy  sobre  a  jurdiçom,  que  he  a  mais 
primçipall  e  mais  perjudiçiall  parte  delle,  posto  que  sobre  os  canaaes 
se  primeiramente  começasse,  fosse  aa  villa  de  Tomar,  homde  o  com- 
uemto  da  dita  hordem  de  Christo  estaa,  e  seemdo  jumtos  o  prioU  e 
fravres  delia  em  cabidoo,  elle  os  rrequeresse  e  citasse,  que  emuiassem  seu 
procurador  a  esta  nossa  corte  pêra  alegar  e  dizer  quallquer  cousa,  que 
elles  emtemdessem,  que  aa  dita  hordem  perteemçesse  açerqua  da  jurdi- 
çom çiuell  e  soperioridade  delia  que  o  sobreditos  lífamte  e  Duque  deziam 
que  aa  dita  hordem  perteemçiam,  sem  nos  em  ella  mais  rreconheçer,  e 
emuiassem  quaaesquer  escripturas  que  emtemdessem  que  lhes  fossem 
necessárias,  e  jsso  meesmo  sobre  os  ditos  canaaes  se  quizessem.  E 
demos  poder  e  autoridade  ao  dito  escripuam  que  per  ssy  podesse  fazer 
todos  os  ditos  autos,  e  delles  dar  ffee  e  testemunho  de  verdade  pêra 
todos  .s.  nos  e  a  dita  lífamte  e  Duque  seu  filho,  e  \ygayro  da  dita 
hordem  e  o  dito  comuemto,  e  moradores  de  Punhete  serem  cumpri- 
damente  ouuydos,  e  lhe  seer  fecto  comprimento  de  direito;  e  foy  em 
todo  satisfeito  ao  dito  nosso  mamdado,  e  os  sobre  ditos  foram  citados, 
e  os  autos  que  sse  sobre  ello  fezerom  em  o  dito  fecto  apresemta- 
dos,  e  sobre  elles  e  sobre  todo  o  dito  fecto  e  escripturas  de  huúa 
e  outra  parte  em  elle  apresemtadas  pollos  procuradores  das  ditas  partes 
tamto  rrazoado,  que  o  dito  fecto  foy  peramte  nos  finallmente  com- 
cluso.  O  qual  visto  per  nos  em  rrellaçom  com  os  do  nosso  desem- 
bargo acordamos,  que  visto  o  dito  fecto  com  todoUos  autos  e  proces- 
sos e  escripturas  em  elle  comtheudas,  em  o  quall  se  mostra  que  Eytor 
de  Sousa,  comem.dador  da  Cardiga  da  hordem  de  Christo,  autor  demam- 
dou  peramte  o  dito  ouuydor  e  offiçiaaes  da  dita  hordem  estes  rreeos 
por  certos  canaaes  de  pescaria,  que  possoyam  no  rrio  do  Zezer,  dizemdo 
que  eram  da  dita  hordem,  e  lhe  perteemçiam  e  por  comsseguimte  a 
elle  dito  comemdador,  por  seerem  das  perteemças  da  dita  comemda.  E 
visto  como  a  Iffamte  Dona  Briatiz,  como  tutor  legitima  do  dito  Duque 
Dom  Diego  seu  filho  rregedor  da  dita  hordem  e  o  vygayro  delia  se 
opozeram  ao  dito  fecto,  e  ella  e  seus  procuradores  e  leetrados,  sobre  a 
comtemda  dos  ditos  canaaes,  foram  por  parte  da  dita  hordem  compri- 
damente  ouuydos,  e  como  pemdemdo  o  dito  fecto  sobre  elles,  ella  dita 
Ifíamte.  e  seus  procuradores  disserem  e  allegarom  por  parte  da  dita 
hordem,  e  com  ajuda  do  dito  comemdador,  que  a  soperioridade  da  jur- 
diçom ciuell  de  todas  suas  terras  lhe  perteemçia,  e  por  comsseguimte 
ao  dito  Duque  seu  filho,  rregedor  delia,  e  a  seus  offiçiaaes,  sem  nos  em 


—  33i  — 

ella  rreconheçer,  nem  nossos  desembargadores,  e  assi  o  conhecimento  do 
dito  fecto  nom  perteemçia  a  elles,  allegamdo  huúa  carta  dclRej'  Dom 
Fernamdo,  que  Deos  aja.  de  doaçom  de  soperioridade  da  dita  jurdiçom, 
cujo  trellado  apresemtarom  em  iiuija  carta  da  nossa  Torre  do  Tombo, 
em  que  era  comtheudo,  que  o  dito  Rey  Dom  Fernamdo  dera  aa  dita 
hordem  em  todas  suas  terras  a  soperioridade  da  dita  jurdiçom  çiuell,  e 
por  se  a  dita  carta  examinar  e  a  verdade  saber,  foy  mamdado  que  o  liuro 
de  rregisto  do  dito  Rey  Dom  Fernamdo  fosse  trazido  aa  dita  rrellaçom, 
na  quail  foy  visto  e  examinado  per  os  ditos  desembargadores  com  os 
offiçiaaes  da  dita  Torre,  e  foy  sabida  a  verdade,  e  fecto  esto,  a  dita 
lííamte  e  seus  procuradores  e  vygayro  cessarom,  e  nom  quiserom  mais 
fallar  nem  proseguir  a  comtemda  da  dita  jurdiçom.  E  visto  como  a 
comtemda  da  dita  jurdiçom  era  tam  perjudiçiall  e  tamto  tocamte  a  nos  e 
a  nossos  rregnos,  e  isso  meesmo  aa  dita  hordem  he  necessária,  pêra  sse 
o  fecto  dos  ditos  canaaes  determinar,  e  como  outrossy  nos  em  espiçiall 
mamdamos  que  sse  determinasse,  e  a  dita  Iffamte  foy  rrequerida  e  foy 
dado  curador  ao  dito  Duque  seu  filho,  rregedor,  o  quall  isso  meesmo  foy 
rrequerido.  E  o  dito  vigayro  e  prioll  e  comuemto  da  dita  hordem  foram 
citados  e  rrequeridos,  que  dissessem  e  allegassem  todo  o  que  emtemdes- 
sem  açerqua  da  dita  jurdiçom  e  canaaes,  e  trouxessem  quaaesquer  escri- 
pturas,  que  lhes  perteemçessem,  seemdolhes  em  ello  feitas  muitas  abas- 
tamças.  E  visto  como  a  dita  carta  tirada  da  Torre,  nom  foy  achada  no 
rregisto  do  dito  Rey  Dom  Fernamdo,  e  foy  posta  e  emadida  fallssamente 
no  cabo  delle,  seemdo  ja  acabado  e  emcadernado,  nom  per  letra  do 
escripuam,  que  o  dito  liuro  escrepueo,  e  como  despois  do  tempo  da  dita 
carta,  per  o  dito  Rey  Dom  Fernamdo  foy  determinado  per  hordenaçom 
jeerall,  que  persoa  alguúa  de  quallquer  estado  e  comdiçom  que  fosse, 
nem  a  dita  hordem  de  Christo,  nem  outra  alguúa  hordem  nem  pessoa, 
nom  tiuesse  nem  podcsse  teer  soperioridade  de  jurdiçom  alguúa,  sem 
embargo  de  quaaesquer  cartas  dadas  per  elle  e  pellos  rrcx  seus  anteces- 
sores, com  quaaesquer  clausuUas  e  perrogatiuas  que  fossem  dadas.  E 
como  assy  peila  dita  hordenaçom,  como  per  dereito  comuum,  a  soperio- 
ridade das  jurdiçoões  sam  assy  comjumtas  c  unidas  aa  dinidade  e  prim- 
çipado  rreall  dos  ditos  rregnos,  que  delle  nom  podem  seer  tiradas,  apar- 
tadas, nem  desnembradas,  nem  per  maneira  alguúa  emalheadas.  Pro- 
nuncianos,  declaramos,  e  juligamos  a.  dita  soperioridade  da  jurdiçom 
çiuell  seer  nossa,  e  nos  perteemçer,  e  nom  a  podermos  de  nos  tirar,  dar, 
nem  transmudar  em  hordem,  nem  em  pessoa  alguúa.  E  visto  como  a 
soperioridade  da  dita  jurdiçom  perteemçe  a  nos,  e  como  ho  ouuydor,  e 
offiçiaaes  da  dita  hordem  procederam  comtra  os  ditos  rreeos  .sobre  os 


—  332  — 

ditos  canaaes  jnjustamente,  e  como  nom  deuiam,  e  ainda  desordenada- 
mente, nom  lhes  rreçebemdo  agrauo,  nem  apellaçom  pêra  quem  deuiam, 
porque  per  quallquer  maneira  de  jurdiçom,  que  comtra  elles  procederam, 
he  certo  que  ssom  rreeos,  e  per  a  mayor  parte  moradores  fora  da  jurdi- 
çom da  dita  hordem,  e  que  sempre  disserom  que  os  ditos  canaes  eram 
seus,  e  nom  da  dita  hordem,  e  rrequereram,  que  os  rremetessem  a  seus 
juizes,  ou  a  quem  o  conhecimento  perteemçesse;  e  que  numca  comtra 
elles  foy  prouado,  como  per  dereito  deuiam,  que  as  propiedades  dos 
ditos  canaaes  fossem  da  dita  hordem;  ca  se  nom  segue,  nem  conclude 
que  por  a  comarca  da  terra  em  que  os  ditos  canaaes  estam,  seer  da  dita 
hordem,  que  os  homées  particuUares  que  em  ella,  ou  em  outras  partes 
moram,  nom  tenham  em  ella  propiedades,  como  tem  nos  outros  lugares 
da  dita  hordem,  nem  poderam  o  dito  Duque  e  seus  ofíiçiaaes,  como 
leigos,  dos  ditos  canaes  sem  soperioridade  conhecer,  por  estarem  na  terra 
da  dita  hordem,  porque  conhecendo  assy,  seria  o  dito  rregedor  com  os 
ditos  ofíiçiaaes  juiz  em  seu  fecto  próprio,  nas  cousas  da  dita  hordem,  o 
que  he  comtra  dereito  e  rrazom,  e  contra  determinaçom  jeeral  dos  ditos 
rregnos.  Declaramos  e  pronunciamos  todos  os  ditos  procedimentos  por 
nehúus  e  de  nehúu  efecto,  e  mandamos  que  os  rreeos,  que  viuos  sam  e 
molher  ou  molheres  e  herdeyros  dos  que  morrerom  pemdemdo  o  dito 
fecto,  seiam  rrestiiuydos  aa  posse  dos  ditos  canaaes,  como  amte  estauam, 
e  lhe  pague  o  dito  comemdador  a  remda  que  remderam  e  renderem  des 
o  tempo  que  foram  forçados  atee  que  seiam  rrestituidos.  E  por  que 
agora  nom  he  prouado  quamta  he  a  dita  remda,  nem  o  que  vali,  os  ditos 
rreeos  a  declarem,  e  façam  delia  certo  despois  que  restituídos  forem, 
peramte  os  desembargadores,  que  do  dito  fecto  conheceram,  por  a  emfor- 
maçom  que  ja  delle  teem,  e  mais  em  breue,  e  seguramente  a  todos  seer 
feyta  justiça,  ficamdo  rresgoardado  ao  dito  comemdador  e  aa  hordem, 
seu  direito  sobre  a  propiedade  dos  ditos  canaaes,  pêra  auer  de  demam- 
dar  homde  e  peramte  quem  dereito  for.  E  comdapnamos  o  dito  comem- 
dador nas  custas  perteemçentes  aos  autos,  e  processo  dos  ditos  canaaes. 
E  quamto  he  aos  perteemçemtes  aa  comtemda  da  dita  jurdiçom,  seja  sem 
custas,  vista  alguQa  rrazom  que  a  dita  Iffamte  teue  de  a  fazer,  por  nom 
saber  as  cousas  que  em  este  desembargo  sam  declaradas  etc.  E  porem 
vos  mamdamos  que  assy  o  compraaes  e  guardees,  e  façaaes  comprir  e 
guardar  em  todo,  como  per  nos  he  jullgado,  declarado,  acordado,  e 
raamdado,  e  tomaae  loguo  tamtos  dos  bées  mouees  e  de  raiz  do  dito 
Eytor  de  Sousa  comdempnado,  e  os  fazee  vemder  e  rrematar  aos  tempos 
que  mamda  a  nossa  hordenaçom,  per  que  os  ditos  rreos  vemçedores  ajam 
de  custas,  que  sobre  ello  fizerom,  dezesete  mill  e  vimte  e  dous  reaes 


—  333  — 

as  quaaees  custas  foram  comtadas  por  Pêro  de  Borba,  comtador  delias 
em  a  nossa  corte.  O  que  assy  comprii,  sem  outro  embargo  que  a  ello 
ponhaaes.  Honde  ali  nom  façaaes.  Dada  em  a  nossa  cidade  de  Lixboa 
doze  dias  do  mes  de  Janeyro.  ElRey  o  raamdou  per  o  Doutor  Ruy  Boto 
do  seu  desmbargo,  a  que  esto  mamdou  liurar,  como  juiz  dos  seus  fectos 
por  ho  Doutor  Nuno  Gonçalluez  juiz  delles  seer  sospeito.  Affomsso 
Dias,  por  Viçemte  Alluarez,  escripuam  dos  feitos  do  dito  senhor  a  fez, 
anno  do  nascimento  de  nosso  Senhor  Jesus  Christo  de  mill  e  quatrocen- 
tos e  seteemta  e  noue.  E  eu  sobredito  Vicemte  Alluarez  a  fiz  escpreuer 
e  per  mym  sobescpreui  e  comcertey. 

Arquivo  Nacional,  liv.  i."  dos  Direitos  Reaes,  foi.  216  r-220  v. 
João  Pedro  Ribeiro,   Dissertações  chronologicas  e  criticas., 
tomo  IV,  parte  i,  Lisboa,  1S67,  pag.  222-236. 


XXVIII 

3  DE  JUNHO  DE  1439 

Dom  Affomso  etc.  A  quantos  esta  carta  virem  fazemos  saber  que 
Fernam  Lopez  que  tem  em  guarda  as  nossas  escprituras  que  estam  no 
nosso  castello  da  çydade  de  Lixboa  mostrou  peramte  nos  húa  carta  do 
muyto  alto  e  muy  vetoriosso  de  graçiossa  memoria  elRey  meu  senhor  e 
padre  cuja  alma  Deos  aja  da  qual  o  theor  tall  he.  Dom  Eduarte  etc.  A 
quantos  esta  carta  virem  fazemos  saber  que  nos  teemos  dado  carrego  a 
Fernam  Lopez  nosso  escpriuam  de  poer  em  caronyca  as  estorias  dos 
rreys  que  antygamente  em  Portugal  forom  esso  meesmo  os  grandes  feytos 
e  altos  do  muy  uertuosso  e  de  grandes  uertudes  elRey  meu  senhor  e 
padre  cuja  alma  Deos  aja.  E  por  quanto  em  tal  obra  elle  ha  assaz  tra- 
balho e  ha  mujto  de  trabalhar,  porem  querendolhe  agallardoar  como  a  nos 
perteençe  e  querendolhe  fazer  graça  e  merçe  teemos  por  bem  [e]  manda- 
mos que  elle  aja  de  nos  de  teença  em  cada  húu  ano  em  todoUos  dias  da 
sua  vyda  des  primeiro  dia  do  mes  de  Janeiro  que  ora  foy  da  era  desta 
carta  em  deante  pêra  sseu  mantijmento  quatorze  mjll  reaes  cm  cada  huú 
ano  pagados  aos  quartees  do  ano  o  nosso  tessoureyro  de  Lixboa  per 
nosa  sobre  carta  que  em  cada  húu  ano  do  dito  mantijmento  auya  pêra  o 
tessoureyro  ou  rreçebedor  que  dello  tinha  carrego  e  em  testemunho  delio 
lhe  mandamos  dar  esta  nossa  carta  firmada  per  nos  e  assellada  do  nosso 
sseello  pendente.     Dante  em  a  nossa  villa  de  Santarém  xix  dias  de  Março. 


—  334  — 

ElRey  o  mandou.  Pêro  Afomso  a  fez.  era  do  naçimento  de  mil  e  iiif 
xxxiiij  anos.  E  a  confirmaçom  delia  dada  em  Almadãa  iij  dias  de  Junho. 
ElRey  o  mandou  com  autoridade  da  senhora  Raynha  sua  madre  como 
sua  tetor  e  curador  que  he  e  com  acordo  do  Ifante  Dom  Pedro  sseu 
tyo  defenssor  por  ell  dos  ditos  rregnos  e  senhorio.  Ruy  Vaasquez  a 
ífez.  era  do  naçimento  de  mil  iiij'^  xxxix  anos. 

Chancelaria  de  D.  Affonso  V,  liv.  19,  foi.  22,  r. 


XXIX 

II  DE  JANEIRO  DE  1449 

Dom  Afonso  etc.  Carta  de  Fernam  Lopez  guarda  das  escripturas 
da  Torre  per  que  o  dito  senhor  pelos  grandes  trabalhos,  que  elle  a  tomado 
e  ainda  a  de  tomar  em  fazer  a  chronica  dos  feitos  dos  Reis  de  Portugal, 
lhe  pos  de  mantimentos  em  cada  hum  mes  em  toda  sua  vida  em  a  sua 
portagem  de  Lisboa  quinhentos  reaes  de  mantimento.  Feita  em  Lisboa 
onze  de  Janeiro  de  mil  quatrocentos  quarenta  e  noue.  assignada  per  o 
dito  senhor,  e  selada  do  seu  sello  pendente. 

Damião  de  Goes,Chrnnica  dei  Rei  Dom  Manuel,  Lisboa,  1749, 
quarta  parte,  capitulo  xxxviii. 


XXX 

V  17  DE  JULHO  DE  1452 

Dom  Afomso  etcet.  A  quantos  esta  carta  virem  ffazemos  saber  que 
nos  querendo  fazer  graça  e  merçee  a  Lujs  Esteuez  vijgairo  de  Buarcos 
pollo  de  Guomez  Eanes  dAzurar  comendador  dAlcaíjz  nosso  criado  que 
nollo  por  ell  pedio  teemos  por  bem  e  damoslhe  licença  e  lugar  que  possa 
e  ande  e  possa  andar  em  besta  muar  de  sella  e  freo  per  todos  nossos 
rregnos  e  senhorio  sem  embargo  de  nossa  defessa  e  hordenaçam  em  con- 
trairo  dello  fecta.  E  porem  mandamos  a  todollos  juizes  corregedores 
juizes  e  justiças  e  alca3'des  e  meirinhos  de  nossos  rregnos  e  a  outros 
quaesquer  ofyçiaes  e  pesoas  a  que  esto  pertencer  e  esta  nossa  carta  for 
mostrada  que  leixem  assy  andar  em  a  dita  besta  muar  o  dito  Lujs  Este- 
uez e  lhe  nam  coutem  nem  tomem  nem  mandem  coutar  nem  tomar  nem 


—  335  — 

fazer  por  ello  mal  dapno  ou  outra  algúa  sem  rrazom  por  quanto  assy  he 
nossa  merçee.  Undc  ai  nom  facadas.  Dada  em  a  nossa  cidade  dEvora 
xbij  dias  do  mes  de  Julho.  Lujs  Afomso  a  fez  ano  de  nosso  vertuoso 
Senhor  Jhesu  Christo  de  mil  iii)"^  lij  anos. 

Chancelaria  de  D.  Afonso  V,  liv.  4,  foi.  25  v. 


XXXI 

Definições  e  estatutos  dos  Cavalleiros  e  Freires  da  Ordem 
de  N.  S.  Jesu  Christo,  Lisboa,  1628  (p.  201  a  2o3). 

Terceira  parte,  titulo  x. 

Dos  lugares  que  pertencem  pleno  iure  a  ordem. 

El  Rey  Dom  Fernando  o  nono  Re}'  deste  Reyno  fez  doação  á  nossa 
Ordem,  pura,  e  irreuogavel  das  villas  do  Gastei  Branco,  Alpalháo,  Nisa, 
Thomar,  Pombal,  Soure  e  Villa  Franca  de  Xira,  com  todas  suas  jurisdições, 
em  virtude  desta  doação  continuou  a  Ordem  com  a  posse  destes  lugares, 
exercitando  sua  jurisdição,  tendo  ouuidor,  que  corria  com  ella;  e  taõ 
superior  era  esta  jurisdição,  que  (exceito  as  cousas  crimes,  de  que  se 
appellaua  para  os  Re}^s)  todas  as  mais  feneciaõ  ante  o  Mestre,  e  seu 
ouuidor:  e  succedendo  algúas  contendas  sobre  esta  jurisdição,  com  as 
justiças  seculares  sempre  se  conseruou  a  Ordem  na  sua  posse. 

§  I.  Como  andaõ  vzurpadas  á  Ordem  as  suas  terras,  e  jurisdições. 

Esta  jurisdição  assi  exercitada  pellos  ouuidores  da  Ordem,  de  que  hum 
residia  em  Gastei  Branco,  e  outro  em  Thomar,  se  veo  a  diminuir,  e  oje 
está  de  todo  vsurpada :  porque  (ordenandose  que  aquellas  duas  villas, 
Gastei  Branco  e  Thomar  fossem  correições,  e  se  vnissem  as  ditas  correi- 
ções, ouuidorias,  como  principaes  que  erão,  c  auendo  de  ser  que  as  cor- 
reições vnidas  auiaõ  de  ser  parte  das  ouuidorias,  e  não  principal)  vieraõ  a 
ser  o  principal,  em  tanto  que  confundirão  o  titulo  de  ouuidor  de  maneira, 
que  oje  o  não  ha,  nem  tiraõ  cartas  separadas  disso,  costumandose  sem- 
pre assi :  de  que  resulta  estar  a  Ordem  esbulhada  de  suas  jurisdições 
contra  direito,  e  com  cargo  da  consciência  de  sua  Magestade,  cuja  inten- 
ção não  he  que  se  tomem  a  Ordem  suas  terras  legitimamente  adquiridas 
per  serviços,  que  a  Ordem  e  seus  Gavalleiros  fizeraõ  aos  Reys  deste 
Reyno,  que  lhes  satisfizera©  com  as  ditas  doações,  que  não  ficam  sendo 
simplices  senaõ  remuneratórias,  que  os  Reys  (como  Reys)  lhe  não  podem 


—  336  — 

tirar,  porque  depois  de  húa  vez  doadas  legitimamente  se  incorporarão  no 
património  da  Ordem  e  igreja  Romana,  de  maneira  que  não  ficão  á  dis- 
posição dos  Reys;  e  bem  se  vio  nas  rendas,  e  jurisdições,  terras  e  lugares, 
que  os  Reys  deste  Reyno  derão  aos  Templários  nelle;  que  depois  de  sua 
extinção,  não  ficarão  dos  Reys  e  Reyno,  que  os  auiaõ  doado,  senão  da 
Santa  Sé  Apostólica,  que  (per  graça  particular)  os  applicou  á  nossa  Ordem 
de  Christo,  como  consta  da  Bulia  da  fundação,  no  titulo  primeiro  da  pri- 
meira parte  deste  liuro. 

I  II.  Que  se  restituam  á  Ordem  os  lugares,  e  terras  que  lhe  forão 
dadas. 

E  porque  o  diffinitorio  entende,  que  o  zello  com  que  sua  Magestade 
tratou  da  reformação  desta  Ordem,  he  desejar  de  a  fauorecer  em  tudo, 
e  guardarlhe  seus  priuilegios  e  liberdades  concedidas  pellos  Reys  seus 
antecessores,  e  summos  Pontífices,  e  que  per  falta  de  informação  destas 
e  outras  cousas  naõ  tem  mandado  prouer  nelias,  pois  não  he  de  crer  que 
sua  Magestade  Catholica,  Mestre  e  Gouernador  das  Ordens  militares 
deste  Reyno,  seja  seruido  com  taõ  grande  scrupulo,  que  ellas  vaõ  em  taÕ 
grande  diminuição,  e  perda  de  suas  cousas,  sendo  assi,  que  a  vniaÕ  que 
delias  está  feita  á  Coroa  em  perpetuo  ouuera  de  ser  amparo  e  fauor  para 
seu  acrescentamento,  e  não  lhe  redundar  (para  com  os  ministros  secula- 
res) em  seu  ódio,  como  redunda  cada  dia,  e  cada  dia  se  ve,  não  sendo 
assi  quando  cada  húa  destas  Ordens  tinha  Mestre  particular,  porque 
(dependendo  a  sua  conseruação  do  amparo  e  fauor  que  os  Reys  lhe  auiaõ 
de  dar)  sendolhe  representado  pellos  Mestres  algum  aggrauo,  prouiaõ 
nelle,  e  reparauaÕ  os  danos.  Pello  que  assentamos,  que  os  lugares  e  villas 
sobreditas  são  oje  da  Ordem,  e  a  doaçaõ  dei  Rey  Dom  Fernando  está 
em  sua  força  e  vigor;  e  pedimos  a  sua  Magestade  (para  que  daqui  em 
diante  se  naÕ  confundão  estas  jurisdições,  e  a  Ordem  perca  a  sua)  mande 
que  se  passem  cartas  aos  ouuidores  separadas  da  correição  pella  Mesa 
de  Ordens,  como  se  costumou  nos  tempos  atraz;  e  declarar  aos  ministros 
seculares,  como  he  gouernador  e  perpetuo  administrador  das  Ordens  mi- 
litares deste  Reyno:  e  que  (quando  fallarem  na  jurisdição  delles)  ha  de 
ser  com  o  deuido  acatamento  á  Real  pessoa  de  sua  Magestade,  Mestre  e 
Gouernador;  e  que  não  he  seu  seruiço,  que  sejaõ  encontradas  de  seus 
ministros  seculares,  senão  amparadas,  e  fauorecidas,  sob  pena  de  lho  man- 
dar estranhar  muito. 


337  — 


XXXII 


o  LIVRO  DA  VIRTUOSA  BEMFEITURIA 
DO  INFANTE  D.  PEDRO 


LIVRO  III 

Capitólio  V,  em  que  sse  mostra  que  a  Deos  deuemos  offereçer 
nossas  petiçoões. 

Conclusom  he  de  Aristotelles  em  o  liuro  segundo  da  natural  philoso- 
phia  que  a  natureza  he  começo  de  mouimento  e  de  folgança.  E  pêra 
declaraçom  desto  aprendamos,  que  cada  húa  cousa  tem  callidade  polia 
quall  se  moue  ao  seu  propio  logar.  quando  sta  fora  delle.  entendendo 
ally  seer  conseruada  melhor.  E  per  aquella  meesma  propiedade  faz 
assessegamento  e  folga,  depois  que  sta  onde  a  sua  natureza  rrequere. 
Emxempro  desto  he  a  pedra,  que  per  sua  graueza  e  peso  deçende  ao 
Jogar  que  lhe  perteeçe.  depois  que  o  percalça  nom  se  moue  mais.  E 
semelhauelmente  cada  hum  homem  tem  deseio  de  conseruar  sua  uida  aa 
quall  som  necessárias  muytas  cousas,  sobre  que  elle  nom  ha  posessom. 
E  por  tanto  ha  mester  que  as  peça  per  seu  mouymento.  a  quem  entender 
que  as  pode  outorgar.  E  depois  que  as  teuer  cobrara  folgança,  usando 
delias  segundo  que  deue.  E  por  quanto  a  grandeza  de  nosso  senhor 
Deos  infj'ndamente  he  liberal,  a  elle  conuem  que  peçamos.  E  esto  se 
pode  mostrar  per  algúas  rrazoões.  E  pêra  conhecimento  da  primeyra. 
saybhamos  que  no  liuro  postumeyro  da  lógica  diz  o  philosopho.  que  se 
algúa  propiedade  conuem  a  duas  cousas  e  híia  a  tem  por  aazo  da  outra, 
he  necessário  que  tal  perfeiçom  mais  corapridamente  seia  em  a  primeyra. 
Enxemplo  desto  he  tal.  Certo  he  que  a  queentura  nom  conuem  ao  ferro 
squeentado  senom  pello  fogo.  Sobresto  he  fundada  a  primeyra  rrazom 
em  aqueste  modo.  A  uirtuosa  benffeyturia  nom  conuem  aos  homées  se- 
nom per  azo  do  mouymento  do  senhor  Deos  do  quall  ella  prinçipallmente 
procede.  E  porem  pois  que  em  Deos  a  uirtude  de  outorgar  tem  sua 
perfeyçom.  seguesse  que  a  elle  principalmente  deuem  seer  oíFereçidas 
nossas  petiçoões.  Em  conffirmaçom  desto  diz  o  appostollo  Sanctiago  em 
sua  epistoUa   que  toda  boa  doaçom  e  todo  liberal  outorgamento  de  cima 

43 


—  338  — 

descende  do  padre  dos  lumes  que  sobre  todos  sparge  os  rrayos  da  sua 
bondade.  A  .ij.  rrazom  he  tal.  aaquelle  deue  a  cousa  ser  rrequerida  cuio 
outorgamento  nom  pode  ser  embargado,  e  elle  he  poderoso  pêra  toruar 
todallas  petiçoões  que  contra  sua  uoontade  som  feitas.  E  como  assy 
seia  que  o  prazimento  de  Deos  toruaçom  per  outrem  nom  possa  rreçeber. 
e  elle  todos  a  seu  tallante  pode  mudar,  que  segundo  diz  a  sancta  scpri- 
tura  em  o  uiçeno  primeyro  capitólio  dos  prouerbios.  O  coraçom  delRey 
he  em  a  maão  de  Deos.  E  podeo  enclinar  pêra  onde  lhe  aprouguer. 
mostrasse  que  o  pedido  a  elle  se  deue  chamar,  que  he  benfeytor  uerda- 
deyro  em  outra  guisa  sua  petiçom  será  feita  em  uaão.  que  nom  tem  força 
a  merçe  do  seruidor  quanto  a  uoontade  do  senhor  sta  em  contrayro. 
Em  prouaçom  desto  se  lee  em  o  uiçeno  septeno  capitólio  do  genesy.  que 
seendo  o  santo  patriarca  Vsaac  per  antiguidade  mynguado  da  uista  enten- 
deo  que  a  sua  uida  era  ja  pouca.  E  mandou  a  Esau  seu  primogenyto 
filho  que  fosse  aa  caça  e  do  que  trouuesse  lhe  desse  de  comer  e  auerya 
sua  beençom.  mas  Deos  que  outra  cousa  tijnha  ordenada,  fez  a  Jacob  que 
era  filho  segundo,  dar  de  comer  a  seu  padre  ante  que  o  yrmaão  uehesse 
da  caça.  e  cobrou  deli  a  beençom.  que  o  primogenyto  ouuera  dauer.  e 
per  ella  mereçeo  de  o  nosso  rremydor  proceder  de  sua  linhagem,  em 
que  parece  que  muyto  he  de  pequeno  uallor  a  graça  dos  homées. 
quando  Deos  poUo  outro  bando  faz  enformaçom.  A  .iij.  rrazom  he 
aquesta.  Cada  húu  pedir  sem  rreçeo.  a  quem  he  poderoso  pêra  outor- 
gar numca  mynguado  em  sua  auondança.  e  todos  conuyda  liberalmente 
que  lhe  peçam  o  que  deseiarem.  E  o  nosso  senhor  Deos  todos  conuyda 
no  undécimo  capitólio  de  sam  Matheus  dizendo.  Vynde  a  mijm  todos  que 
trabalhaaes  em  uossos  falecimentos,  e  sooes  encarregados,  e  eu  uos  outor- 
garey  auondança  do  que  deseiaaes.  E  no  capitólio  dezeno  sexto  do 
euangelho  de  sam  Joham.  manda  que  peçamos  e  receberemos,  em  que 
parece  que  sem  empacho  o  deuemos  rrogar.  que  nos  de.  pois  que  elle 
meesmo  se  oferece  pêra  outorgar.  Em  cuia  confirmaçom  falia  pello  pro- 
pheta  em  o  quadrageno  nono  psalmo.  dizendo  a  cada  húu  homem.  Cha- 
mame  em  o  dia  da  tribulaçom  e  eu  te  liurarey  e  tu  me  louuaras.  A  .iiij. 
rrazom  se  funda  sobre  usança  daqueste  uocabullo  pedir,  o  qual  sempre 
em  nossa  linguagem  he  acostumado  dos  pequenos  aos  mayores.  E  sse 
delle  usa  algúu  fallando  com  seu  ygual.  esto  he  por  cortesya  daquelle  que 
o  diz.  nom  embargante  que  demandando  beneíhçios  praziuees.  podasse 
dizer  dos  mayores  aos  pequenos.  E  sobre  esto  se  faz  tall  rrazom.  O 
aucto  de  pedir  mostra  baixeza  em  o  que  demanda,  e  alteza  em  o  que 
pode  outorgar.  E  poys  nos  todos  per  nossas  mynguas  somos  muy  baixos. 
e  o  nosso  Deos  he  muy  alto  per  infyndo  poder,   a  elle  pediremos  por 


—  339  — 

merçee  humyldosamente.  que  lhe  praza  de  acorrer  aos  falecimentos,  de 
que  perfe^Tamente  he  conlieçedor.  E  porem  diz  o  meestre  das  senten- 
ças em  a  quadragena  quinta  dest3mçom  do  quarto  liuro.  que  a  criatura 
rrazoauel  deue  dizer  as  cousas  temporaaes  aa  uerdade  eternal,  pedindo 
aquello  que  bem  deseia  que  lhe  seia  outorgado.  E  por  nos  rrazoannos 
esto  em  sua  presença,  nom  cuydemos  que  entendera  nouamente  o  que 
nom  conhece,  que  scripto  he  em  o  euangelho  que  o  nosso  padre  sabe  as 
cousas  que  uos  som  neçessaryas  primeiro  que  as  peçaaes.  E  porem  diz 
sam  Gregoiyo  em  o  dialogo  que  o  nosso  pedir  nom  faz  mudança  em  a 
desposiçom  deuynal.  mas  faznos  empetrar  o  que  eternalmente  se  ordenou 
pêra  seer  outorgado  per  nossas  petiçoões.  E  por  tanto  em  o  dezeno 
septeno  capitólio  de  sam  Lucas  se  diz.  Conuem  orar  sem  falecer.  Es- 
tonçe  cobraremos  o  que  for  bem  rrequerydo.  Por  conclusom  daqueste 
capitólio  ponhamos  em  Deos  nossa  sperança  que  he  poderoso  pêra  com- 
prir  o  que  disser,  e  a  sua  promessa  nunca  de  uerdade  pode  carecer. 
E  com  seu  ajudoyro  uençeremos  a  braueza  dos  emmijgos.  E  a  crueleza 
do  mundo  nom  poderá  empecer.  E  a  ssensualidade  será  soiugada  em 
suas  pelejas  se  ouuermos  acorrimento  daqueste  senhor. 


Capitólio  j'/,  em  que  sse  mostra  que  aucmos  de  rrogar 
aos  santos  por  nossas  petiçoões. 

Deos  em  as  criaturas  fez  cadeamento.  per  guisa  que  as  uirtudes  dos 
çeeos  nom  ueem  aa  terra,  que  pellos  corpos  nom  passem  que  som  antre 
elles.  nem  se  moue  cousa  de  huú  termo  pêra  outro  que  pella  meyatade 
nom  faça  mouimento.  Porem  como  do  nosso  criador  infyndamente  sela- 
mos alongados,  e  no  meyo  som  postos  algúus.  a  que  elle  deu  parte  em  a 
sua  gloria,  e  com  alguús  delles  nos  teemos  húa  natureza,  compre  que  a 
este  rroguemos  por  nossas  petiçoões.  de  que  deseiamos  auer  bÕo  desem- 
bargo. E  per  algúas  rrazoões  se  pode  esto  prouar  das  quaaes  a  pri- 
meyra  se  faz  per  este  modo.  Quanto  a  petiçom  he  mais  humyldosa  e 
presentada  sem  presunçom  tanto  deue  seer  outorgada  com  mayor  uoon- 
tade.  Porem  como  mais  humyldade  mostre  cada  húu  poendo  em  outrem 
fiança,  que  se  presumjT  de  sy  meesmo.  seguesse  que  com  melhor  tallante 
lhe  deue  seer  outorgado  o  que  demandar,  pois  toda  sua  sperança  põem 
em  a  bondade  do  Senhor,  e  nos  merecimentos  de  quem  por  elle  pede. 
Por  conffirmaçom  desto  he  scripto  em  o  quynto  capitólio  de  Job.  que  nos 
tornemos  a  algúu  sancto  per  cujo  merecimento  nos  seia  outorgado  o  que 
rrequeremos.     A  .ij.  rrazom  he  aquesta.     Todo  aquelle  que  sse  conhece 


—  340  — 

por  uil  e  mesquinho  em  presença  do  que  quer  demandar,  sperara  com 
rrazom  de  nem  seer  ouuydo.  e  de  o  nom  leixarem  chegar  pêra  dizer  o 
que  ha  mester.  E  por  tanto  deue  rrequerer  outrem  que  uerdadeyra- 
mente  peça  por  elle.  E  pois  nos  quanto  aos  corpos  em  aquesta  uida 
somos  muy  cujos,  e  depois  da  morte  seremos  muy  torpe  uianda  de  uer- 
mees.  E  quanto  aas  ahnas  diz  o  propheta  em  o  psalmo  quinquageno  que 
em  maldade  somos  geerados  e  concebidos  em  pecado,  mostrasse  que 
deuemos  rrogar  quem  nom  tenha  empacho  de  ao  jnfyndamente  glorioso 
Senhor  presentar  nossa  enfformaçom.  nem  douidaremos  se  algúus  san- 
tos esto  podem  fazer,  que  no  sexto  capitólio  do  apocalipse  he  scprito  que 
a  deuoçom  das  nossas  oraçoões  sobe  per  maão  do  anjo  aa  presença  de 
Deos.  E  no  duodécimo  capitólio  de  Thobias  se  lee.  que  lhe  dise  o  anjo. 
em  como  presentara  as  suas  oraçoões.  quando  jeiuaua  e  fazia  smoUa.  e 
soterraua  os  mortos.  Em  que  parece  que  os  angeos  e  os  sanctos  som 
nossos  ajudadores.  quando  deuotadamente  os  rrequeremos.  A  .iij.  rra- 
zom he  tall.  Neyçeo  he  o  que  sse  trabalha  dir  soo  pello  camynho  doui- 
doso.  quando  tem  seguro  e  proueytoso  guiador.  Por  tanto  pois  as  peti- 
çoões  que  fazemos  a  Deos  de  serem  quejandas  deuem  polia  mayor  parte 
som  douydosas.  E  teemos  medianeyro  homem  Christo  Jhesu  segundo  diz 
o  apostollo  sam  Paullo.  em  a  primeyra  epistolla  a  Thimotheu.  A  elle 
nos  tornaremos  principalmente  por  nos  encamjnhar.  E  pois  em  o  qua- 
torzeno  capitólio  ^do  euangelho  de  sam  Joham.  elle  disse  que  nenguem 
uay  ao  deuinal  padre,  se  nom  per  elle.  que  he  caminho  e  claridade  do 
mundo,  oraremos  humyldosamente  que  por  seus  merecimentos  seia  guya- 
dor  dos  nossos  deseios.  e  por  sua  misericórdia  nos  queyra  empetrar  os 
beneffiçios  que  auemos  mester.  A  .iiij.  rrazom  he  aquesta.  Qual  quer 
que  leixa  era  as  cousas  necessárias  a  certa  pratica  pollo  douydoso  enten- 
der, nom  soomente  faz  simpreza.  mas  ajmda  comete  loucura,  porem 
como  toda  nossa  petiçom  seia  douydosa  de  aprazer  a  Deos.  porque  diz  a 
sancta  scriptura.  que  nenhúu  sabe  se  merece  ódio  ou  amor  em  sua  pre- 
sença. E  com  esto  somos  certos,  que  Deos  outorga  a  muyios  grandes 
merçees  em  aquesta  e  na  outra  uida.  por  a  bondade  dos  que  as  pedem 
por  elles.  mostrasse  claramente  que  se  nos  bem  queremos  pedir,  daquesta 
pratica  deuemos  usar.  Em  cuja  confirmaçom  se  lee  em  o  decimo  nono 
capitólio  do  genesy.  que  souertendo  Deos  as  cidades  de  Sodoma  e  de 
Gomorra.  liurou  Loth  aos  rrogos  do  sancto  patriarca  Abraham.  E  porem 
diz  o  texto,  lembrousse  Deos  de  Abraham  quando  souertia  as  cidades,  e 
liurou  Loth.  E  per  uezes  fora  perdido  o  pouoo  de  Israhel  per  sanha  de 
Deos.  se  o  nom  abrandarom  os  rrogos  do  propheta  Moyses.  E  o  linha- 
gem de  Salamom  de  todo  perdera  a  cadeyra  real.  se  nom  fora  por  elRey 


—  341  — 

David,  seruidor  do  muy  alto.  E  dereyta  rrazom  he  que  pois  aos  homées 
som  outorgados  muytos  beneffiçios  per  aazo  daquelles  que  podem  pecar, 
muyto  mais  lhe  deuem  seer  feytas  merçees  aos  rrogos  daquelles  que  ja 
por  sempre  nom  podem  falecer.  E  por  entendermos  como  os  sanctos 
rrogam  por  nos  em  a  outra  uida.  Saibhamos  que  o  meestre  das  senten- 
ças em  a  quadragena  quinta  definiçom  do  quarto  liuro  diz.  que  as  almas 
bemauenturadas.  que  per  splendor  deuinal  rreçebem  lediçe  em  contem- 
plar a  face  de  Deos.  entendem  as  cousas  que  sse  fazem  de  fora.  quanto 
he  compridoyro  pêra  seu  prazer  ou  pêra  nossa  aiuda.  Em  que  parece 
que  os  sanctos  nom  dizem  a  Deos  o  que  nos  queremos,  mas  elle  lhes 
mostra  os  nossos  deseios.  querendo  que  per  suas  petiçoões  nos  seiam 
compridos,  porem  a  elles  segundo  cada  huú  teuer  sua  deuoçom.  se  tornara 
deuotamente.  per  guisa  que  onde  o  seu  rrequerimento  nom  poder  abran- 
ger, chegue  o  merecimento  daquelle  em  cuja  sanctidade  poser  confiança. 
E  especialmente  oraremos  a  uirgem  Maria  senhora  dos  angeos  que  seia 
nossa  uogada  por  sua  merçee.  porque  as  cousas  que  per  ella  forem  rre- 
querydas  pêra  nos  sem  tardança  sam  outorgadas.  En  cuja  prouaçom 
diz  sancto  Amselmo  no  liuro  do  conçebimento  uirginal.  que  muytas  uezes 
chamando  os  homées  em  seus  perigoos  aquesta  senhora,  mais  trigosamente 
rreçebem  graça  que  sse  Jhesu  Christo  fosse  chamado.  E  esto  nom  he 
por  ella  teer  mayoria  sobre  seu  filho,  mas  por  quanto  elle  he  julgador  dos 
merecimentos  de  cada  húu.  nom  embargante  que  ouça  quem  quer  que  o 
chama  per  justo  juizo  he  rretheudo  de  outorgar  o  que  nom  he  merecido. 
E  quando  a  sua  madre  he  chamada  e  rrequeryda.  posto  que  o  pedidor 
nom  mereça  ser  ouuydo.  os  merecimentos  delia  som  abastosos  pêra  se 
comprir  a  petiçom  que  he  deseiada.  Desto  ueemos  exemplo  antre  os 
homées.  onde  algúus  per  muytas  uezes  pedem  em  nome  dos  outros, 
e  enpetram  o  que  lhe  nom  fora  outorgado  se  por  sy  meesmos  o  demanda- 
rom.  Por  tanto  nos  todos  conhecendo  muytos  falleçimentos  e  o  pouco 
merecer  de  que  dereitamente  somos  culpados,  principalmente  nos  torna- 
remos a  Deos  que  por  sua  jnfynda  misericórdia  se  lenbre  de  nos.  E 
oraremos  a  humanydade  de  Christo  que  por  sua  paixom  nos  empetre 
graça.  E  fazendo  soplicaçom  aa  Reynha  dos  çeeos.  com  toda  humildade 
nos  offereçeremos.  rrogando  aos  sanctos  que  tenham  por  bem  pedir  a 
Deos  com  aficamento.  aqucllo  que  per  nos  for  bem  deseiado. 

Códice  manuscrito  da  Gamara  Municipal  de  Vizeu,  foi.  7 1  v  a  73  v. 

Virtuosa  Bemfeitoria.  CoUecção  de  Manuscriptos  inéditos  da  [Biblio- 
teca publica  Municipal  do  Porto'\  agora  dados  á  estampa.  II.  O 
Livro  da  Virtuosa  Bemfeitoria  do  Infante  D.  Pedro,  Porto,  1910, 
pag.  1G6  a  171. 


3, 

linha 

8, 

3, 

» 

i8, 

4. 

» 

i5, 

4, 

B 

17, 

5, 

» 

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20, 

5, 

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3., 

6, 

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2, 

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6, 

O 

29, 

6, 

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33, 

7, 

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7, 

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12, 

VARIANTES 
DO  LIVRO  DA  VIRTUOSA  BEMFEITORIA 


Pagina  3,  linha        8,    confirmada  Ms,  conseruada  V.  B. 

primeiro  Ms.,  postumeiro  V.  B. 

recebamos  Ms.,  receberemos  V.  B. 

os  xlix  salmos  Ms.,  o  xlix  salmo  V.  B. 

do  que  Ms.,  de  quem  V.  B. 

depois  de  morte  Ms.,  e  depois  da  morte  V.  B. 

quem  Ms.,  quando  V.  B. 

de  bem  Ms.,  deuem  V.  B. 
19-20,  Quem  souerteo  as  cidades  e  livrou  Loth  Ms.,  E  porem  diz  o 
texto,  lembrousse  Deos  de  Abraham  quando  souertia  as  cida- 
des e  liurou  Loth  V.  B. 

esperança  Ms.,  splendor  V.  B. 

a  elle  Ms.,  a  elles  V,  B. 

e  rreteudo  Ms.,  he  rretheudo  V.  B. 

de  quem  Ms.,  e  quando  V.  B. 


CORREÇOES IMPORTANTES 

Pagina    10,  linha    9,         seu  neto  de  Noe  Ms.,  leia-se  Sem  neto  de  Noe.  (Sem  era  filho 
de  Noé), 
uos  outros  Ms.,  leia-se  dos  outros. 
Naues  Ms.,  leia-se  Nauas. 

rregno,  de  Portugall,  leia-se  rregno  de  Portugall. 
liom,  leia-se  Liom. 
çoratemdas,  leia-se  comtemdas. 
A,  88,  r,  I,  leia-se  A,  89,  r,  i. 
ora  de  Samtiago,  leia-se  ora  he  Samtiago. 
5,  (mice  Etore),  leia-se  Mice  Antam. 
2.',  1.  17,  AcreceiUe-se :  Deve  ser  mice  Manuel  Façanha,  porque  o  almi- 
rante mice  Lançarote  Façanha  tinha  sido  morto  em  Beja  no 
ano  de  i383  ou  1384,    Veja-se  Crónica  de  D.  João  I,  pri- 
meira parte,  por  Fernão  Lopes,  ed.  de  Braamcamp  Freire, 
Lisboa,  1915,  cap.  xlii,  p.  72  a  75 ;  e  Noticia  histórica  dos 
almirantes  Pessaiihas  esua  descendência,  por  José  Benedicto 
de  Almeida  Fessauha,  Lisboa,  1900,  p.  16  e  17. 
281,  col.  I.',  1.  i3,  doutor  Martim  Dosem,  acrecente-se  (Doutor  Martim  do  Sem). 


35,     . 

i5, 

35,     » 

23, 

56,     » 

28, 

.39,     » 

14, 

•97,     » 

21, 

199,     . 

29, 

25o,     » 

10, 

280,  col. 

..■,  1. 

38o,    » 

2.',  1. 

DT        Zurara,  Gomes  Sanes  d-^ 
"/'"       lAlo J^CH.)-1^"'^'<    or  '' 
'."■',"        Croiílca  de  tomada  de 
1915      Ceuta  por  el  Rei  D. 

João  I, 

Acsdemia  das 

Sciências  de  Lisho^^ 

([3915]) 


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