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L5úo 37ÍDCS.16
-»V'"^'^ -f AT-,
MEMORIAS
ECONÓMICAS.
rÉ^^Éèi\
■.St" a
MEMORIAS
ECONÓMICAS
D A
ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS
DE LISBOA,
PARA O ADIAKTAMENTO
DA
AGRICULTURA, DAS ARTES,
E DA INDUSTRIA EM PORTUaAL,
E SUAS C O ti dU I S T A S.
Nisi utiU est quod faeimus , stuha est gloria.
. ' ~
TOMO V.
LISBOA
NA OFFICINA DA MESMA ACADEMIA.
A N N O M. D C C C. X V.
Com lictnia ãt SUA ALTEZA REAL.
LSoosy^/^, (5
HARVARO COLLEQE LIBRARY
C0UK7 OF SANTA EULÁLIA
COLLECTION
eiFT OF
lOHN B. 8TET80N, Jr»
MEMORIA
Sobre a introducção das Gadanhas Alemãs , e Fia-
Tiienga em Portugal.
Por Joaquim P£dro Fragoso db Siqueira.
INTRODUCqÃO-
Acolheita do grio he o ultimo serviqo do Lavrador, el-
ia hz o premio , e recompensa de todos seus trabalhos
antecedentes, e gastos de lavouras, e sementeiras ; a colhei-
ta he o objecto da esperança , e aiidado do Lavrador , du-
rante huma grande parte do anno : a abundância da colhei-
ta enche a satisfação do Lavrador , ou este seja pronrieta-
rio , ou colono ; a abundância da colheita faz mais alpima
cousa , ella dá fartura de páo barato aos povos , ella dá ao
Governo meios de prover , e sustentar com pao abundante-
mente no exercito ao útil , e necessário soldado , que com
seu braço defende a Pátria das aggress6es do inimigo exte-
rior. Ninguém ignora eçtas verdades , e por isso parece , que
todos devem considerar , que n'uma Economia Kural , bem
entendida , devem procurar-se todos os meios , não sò de sus-
ter a abundância , mas de facilitar a colheita do p3o , a qual
se reduz a dous serviços , que sâo a ceifa , ou cega do pão ^
ou cearas , e a debulha , ou a malha do grao. Se a ceifa se
não fizer no tempo, ou ponto, em que o pão está maduro
sem excesso , e se se não fizer com presteza , perder-se*ha mui-
to pão esbagpado ; se o instrumento da ceifa não fôr o mais
{)roprio para executar este serviço com ligeireza , sem aba-
ar fortemente a espiga , esbagoar*se^ha ainda mais pão j se
o instrumento nãotor, além disso, mui expeditivo, demo-
rará a ceifa , seccar-se-ha o pão demasiadamente , e esbagoar-
Tom. F. A se-
ã Memouias
se-ha muito mais ; e o Lavrador perdendo muito angmen-
tará muito as despesas da ceifa. Todo pois $Ío perdas para
o Lavrador , e para o Estado. E que succederá , quando
faltarem ceif6es ? Tem já por veies faltado estes em difFeren-
tes partes do Reino : os Decretos de j- de Julho de 17C6 ,
e de 16 de Junho de 1762, mostrâo a feita, que então ha-
via de ceifôes nas lezírias do Ribatejo , e as providen-
cias , que sobre isso se derSo (i ). O Decreto oe ly de
Junho àe 17^6 , orovidenciando sobre os ceifóes do Alem-
téjo , mostra a falta , que delles se experimentava naquella
Provincia , e as providencias , que sobre isso se derão ( 2 ) .
Nas
C 1 ) Como nas lezírias éo Ribatejo faltassem ceifdes , e os pnu-
«os • que havia quiiessem exhoibitantcs jornaes » ordenou-se pelo De«
creto de s de Julho de 1756, que em cada huma das Villas, e Luga-
res t onde costumSo vir os ceifôes annualmente trabalhar na^ ditas le-
nirias » fossem estes ceifeiros todos matricu1a<k)s n uma exacta relação,
e que fossem logo remettidos para os lugares g onde cinhão trabalhado
no anno antecedente , para o fazerem pelos mesmos estipêndios do anna
próximo passado ; e tmpoem*se gravíssimas penas aos trabalhadores « que
trabalharem por maior jornal , que o da taxa.
Ordena se mais neste Decreto, qu« as Camarás dos lugares ha*
jto de distriboíT oi mesmos ccifóes , rateando exactamente aos La-
vradores o numero deUes f regulando- lhos pelo numero de moios de ter-
ra de suas sementeiras ; e impoem-se penas , tanto aos OíBciaes de Jus-
tiça • que faltarem a esta observância , como aos Lavradores » que ti-
larem aos outros os ceif5es , que lhes pertencem.
O Decrtto de 16 dejui^o de 176a order«a » que em razão áof
mesmoB motivos do Decreto de 5 de Julho de 1756 se dé a este ^
no mesmo anno de 176a » inteira observância em todas suas dispo-
aicóes t sem restricçSo alguma.
O primeiro destes Decretos acha-se no Liv. L do Registro do
Conselho da Fazenda foi. 11. verso: e o segundo acha-se no Liv. !•
do mesmo Registro do Conselho da Fazenda foi. aaa.
(a) Em 1756» havia na Provincia do Alemtéjo falta de ceif<6es »
e outros trabalhadores pai^^os serviços da colheita do pão , e os poucos
que havia levavão jornaes excessivamente maiores , que os que dantes
rtcebiâo. Para occorrer a falta de ceifÓes , e remediar os inconvenientes ,
qi»o dabi resultaváo» he que se publicou o Decreto de is de Junho de
1756. Ordenou-se neste Decreto» que os poucos ceifeiros, que havia
fossem obrigados a trabalhar pelos jornaes , que se pagavão em 17$4»
ta timos próximos antecedemes (o* quaes jornaes erâo de xoo réis.])
EcoyoMiúAl f
Nas diíEceis circumstancías , em que nos achamos, devcid
faltar por toda a parte os ceifóes , e mais homens de tra-
balho para os serviços das colheitas \ porc)ue o braço va-
lente do útil , e honrado rústico trabalnador está no exer-
cito para defender a Pátria , carregando com máo bem
pesâda sobre o bárbaro inimigo commum , e nosso inva*-
zor. Qual será pois orneio de remediar a falta de braços,
que o Lavrador vai experimentar para o serviço da c(4hei*-
ta dos pSes ? Será possível remediar a falta dos braços,
que estão útil , e necessariamente occupados n'um trabalho
tao importante , tão custoso ,^e tão glorioso , como o de
defender a Pátria com as armas na mão , á custa do pró-
prio sangue , e vida ? Sim , isto he possível , tanto no que
toca á ceifa , como no que toca ás debuibas» lavouras, e
sementeiras: e eu deixando agora o que toca ás debulhas,
lavouras , e sementeiras, vou a mostrar, que o serviço dac
ceifas se p6de reduzir á quarta parte do trabalho, e ame-
nos de metade das despezas ; fazendo-se na quarta parte
do tempo , e com muito menos perda de grão esbagoado ,
e espiga espalhada , e isto sem que a vida do útil , e bom
ceifao esteja exposta a finar com a dureza do traballio , e
calor excessivo do sol , como. muitas vezes $uccede ( 3 ) #
Au Ttt.
Mandou-se is Juttiçâs , que vigiasfem sobre a observância das
disposições do Decreto » e procedessem cootra m infrúct9r€s com ai
rigorosss penas declaradas no mesmo Decreto^
Ordenou-se mais , que os MinisCroa das terrM formassem listai
destes trabalhadores , e os obrigassem a ir trabalhar por aqueJla fór^
ina ; remetendo as listas delles para os lugares» oode houveiaero da
ir trabalhar* Ordenou-se mais » que os mesmos trabalhadores , quan*
do voltassem para as suas terras « levassem guias » de terem acabado
seu trabalho » e que os que voltassem sem ellaa fossem castigados com
as mesmas ásperas penas . dos que trabalhão por maior jornal , qua
o da taxa. Este Decreto achasse impresso no Appe0dice de JeroR]M
mo da Silva Tom. I. pag« 4a)*
C ) ) Segundo minha ientbrança » e as inCormaçÒes • que tenho pro*
curado » direi » sem faiJar de mais exemplos • que em il^a » o epa
otitros annos antecedentes , foi o verSo tio fatal aos ceifôes do AJem-
téjo » que- em Elvas houve dia de trazerem para a Cidade vinte » #
i«aJ9 ctfifiJei moiiot^ p<lo wnpo U9 Ui^b^ d» csifs lofo^eAP» psl9
4 Memorias
Tudo pois se conseguirá com o uso das Gadanhas Alemãs
(sem fallar da Flamenga), e com o abandono dafouce,
de
nimío calor, e ardor do sol. Em 17S2 tenho também lembrinça , de
que na Comarca de Fortaíegre morrerão alguns ceifões pelos rosto-
Ihos ; porém muito menos « que na Comarca de Elvas : e a razão de
differença procede , sem duvida . de que a Comarca de Portalegre he
muito povoada de arvoredo dos matos , e soutos , que tempera o ar ,
e dá sombra ao ceifâo , para se poder abrigar do sol : aq inesnr.o tem-
po , que a Comarca de Elvas he campina raza ^ e quasi sem arvores.
Ha memoria em Elvas » de que n'um anno morrerão naquella Comar-
ca ma» de 400 ceífões pelos rostolhos sofocados com o calor. As pro-
videncias , que em tal caso se derão cm Elvas » foi o mandar a Ca-
mará 9 que ninguém podesse trabalhar na ceifa » senão desde o aclarar
da manhã até duas horas depois do sol nascido : e de tarde :6 depois ,
que o sol hia declinando , até quando quizessem da noute. Os La*
vradores por sua parte davão aos ratinhos de tarde , antes de come-
çar no trabalho , vinagre com alhos pizados » e pimentão , de mistu*
ra com azeite ^ e pão molhado em agoa , em maior quantidade , do
que o costume : e no que os ceifòes experimentavão refrigério contra
o calor. Esta parece ser a origem « e causa das celebres , e boas mi-
gas frias » que se dão naquella Provi ncia » por merenda aos ceifôes ;
€ a que chamáo gaspacho « ou caspacho. Para as fazer , corta-se o pão
em fatias delgadas , que juntas n^uma plangana se molhão bem com agoa
fria ; pizão*se os ahhos bera n'um gra^ com algum sal « botão-se no
vinagre conveniente com azeite , e pimentão , fazendo de tudo huin
Ipolho , pelo qual se passão as fatias molhadas « depois de escorridas ^
e o restante do molho bota-se sobre a« fatias , que então se comem.
Ha alguns atinos , que também nos arredores de Lisboa não fal-
tarão desgraças p de cahirem ceifóes mortos pefo rostolho : e não me
consta , que se dessem providencias para evitar essas desgraças.
O painel , c|u« tenho pintado , he , por certo medonho : comtu-
do a nossa Policia Ruial nada providenciou nunca a este respeito. E
he de notar , que pedindo-se , e dando-se provrdencias • para supprtr
a falta de ceifões , e reduzindo-se estas unicamente a lezar , e oppri--
miroceifln, nunca comtudo se pedissem , c dessem providenciai pa-
ra melhorar a triste sorte desta útil , e necessária cb^se de homens ;
procurando os meios de salvar sua preciosa vida d*uma calamitos»
morte inienipestiira , e tão prejudicial ás suas famílias , e ao Estado.
As providencias da Policia Municipal também não bastão ; ajudem
pois as Gadanhas Alemãs a aliviar a humanidade opprimida daquelle fla-
gelo ; que a povoação dos matos conduzida » e promovida por bumft
Economia Rural » bem entendida , poderá também extirpar. Sobre s
melhoria da cultura dos matos de azinho, carvalho , e sovarona Pro»
vincia de Alcmtéjo , pôde ver-se huma Ittemoria mioha impress* aa»
Ecohcmicaí J
de que usamos (4). Para mostrar isto vou expor o metlio-
do usual das ceifas nas lezírias do Ribatejo , e das ceifas
cm Alemtéjo na Comarca de Portalegre , onde se fazem
com a fouce , como por todo o Reino ; e depois mostra-
rei o uso , e utilidade das Gadanhas Alemãs ( e também
da Fhmenga ) dando suas descripçdes , e debuxos , e ex-
pondo ao mesmo tempo o methodo practico do seu uso ,
e os preceitos para as construir , ou fazer. Eu viagel por
espaço de muitos annos na França, em toda a Alemanha,
na Áustria , Hungria , Dinamarca , Inglaterra , e Hespa-
nha ( 5 ) ; e em minhas viagens trabalhei sempre theorica , e
practicamente na Economia Rural, mandei tazer debuxos,
e modelos das Gadanhas Alemãs , de que fallo ; mandei-as
fazer em grande , e rròuxe-as comigo para o Reino ; tra-
balhei, e vi trabalhar com ellàs , e como vi fazer, e fiz
o que digo , é como o provo , por isso proponho ousada-
mente este assumpto á Academia Real das Sciencias , e
aos Lavradores Pprtuguezes , como hum meio efficaz de re-
mediar a falta de braços para as ceifas , e a grande per-
da de pão esbagoado , e espiga perdida no serviço da
fouce.
AR.
Memorias Económicas da Academia Real das Sciencias Tom. II. pag,
55$. Quanta será minha satisfação , se eu posso por este modo incul-
car ao Governo o« meios eíiicazes de evitar tantos males » e occasio-
nar tantos benefícios !
( 4 ) Certo Escríptor Economista , que adiante nomearei , diz , que
na Áustria tinhão crescido consideravelmente os jornaes dos ceifóes »
desde 1790, e 1791 ; pois que ainda a esse tempo se pagava pela cei-
fa d'uma geira de terra de lôoo toesas quadradas » medida do paiz ,
a somnia de 6so réis ; mas que em 1797 já se pagavão dous florins
(cruzados), e mesmo dous. florins e meio t dez tostões pela ceifa
do mesmo espaço de terra: e que era de presumir » que este jornal
augniemasse a mais em r»zâo da guerra » que augn^entava a falta de
braços : e por isso propõe para remediar este inconveniente » e seus
^ccessorios » o abaiidono da fouce « que ainda alli se usava, e a intro-
ducção da Gadanha Flamenga , que hum Lavrador natural da Flandres
Austriaca tinha feito ir para a Austiíá , e empregava com bom cffei-
to • «ni suas terras perto de Vianna de Áustria.
( 5 ) Tive a honra de ser mandado por S. Magestade Fideliasimaa
4 MlMORIAS
ARTIGO I.
J)a Ceifa do Trigo , Centeio , e Cevada , nas Lezírias da
Ribatejo , no qual se expÕe seu mel bodo practico , e
trabalhos accessorios , até levar o pão
para as eiras.
A Ceifa faz-se nas lezírias , e pabues do Ribatejo unU
camente com a fouce ^ nem os Lavradores alli conhe-
cem outro instrumento acomniodado para a ceifa dos pães*
Qs ceifeiros vem para alli concorrendo dos lugares circum-
vizinhoji , c recebem seu jornal a secco. Não vem para as
lezírias , camaradas de homens da Beira ^ como para o
Alemtéjo. O preyo maior por que se pagou noste anno de
i8oz alli aos ceifóes , foi de 500 r^is , e os atadores ga^
oharâo a 5:40 réis ; porque sempre ganhão 40 réis de mais.
Os ceífôes para ceifar y tem suas biqueiras de sola na mão
esquerda , as quaes se vendem feitas em Villa Franca de
Xira, em casa dos sapateiros , e são bem feitas, e nellas
metem os ceifóes os quatro dedos da mão esquerda ( 6 ) .
Alguns ceifôes também trazem seus manjj;uitos no braço es-
querdo, e muitos ha que não trazem biqueira, nem man-
guito. As fouces são pequenas , e mal endentadas , com pe-
quenos cegonhaes , ou bicos na ponta , e são pouco arca-
oa^: de forma, que mais parecem foucinhós, que fouces^
e são por isso pouco aptas para a cega dos pães, quecor^
tão com muita difficuldade , demorando o serviço , e cau-
sando hum forte avano nas espigas. Os ceifeiros vão apa-
nhando o pão com a mão esquerda , e çeifando-o, ou cor-
tando^o com a fouce , e á proporção , que vão fazendo a
ma-
Raiaba nossa Aaguyta Soberana » a fazer pela Luropa , buina viagem
Metalúrgica ; e por occasiáo desta viagem , he que fíz meus tralM-
Jhos ruraÍ5 em Paizes estranhos , couio disse*
C 6 ) Estas biqueiras sim defendem a mão de se cortar com a fou-
ce ;. mas fazem com que ella nâo possa apanhar o pão tão branda-
mente como convém , e que por isso lhe dem ot ceifeiros maioies
ayaoóes com a espiga «o ceiftr » esba^oando^se assim mais grão.
Económicas. 7
manada , que podem abranger com a mão , vão dando
lium movimento forte ao pSo , que já tem ceifado ; e fâ-
^em tão grandes manadas , que lhes custSo a abranger
tias mãos. £ este máo serviço he causa de que (íque mui^
ta espiga pelo rostolho , sem fallar do muito grão , que
se esbagoa.
Aos defeitos já mencionados accresce > o de que os ceí-
fóes , em formando as paveias , não pôem as espigas todas
a huma parte ; mas ora põem as espigas para os trossos ,
ora estes para aquellas , ficando ordinariamente o pão da
f aveia em muita coníuzão -, o que faz , com que ao atar
aja maior perda de pão , que se esbagoa : o que igual-
mente acontece ao carregar , e ao acarretar , ficando tam-
bém por isso muita mais espiga no rostolho ao enièichar,
e atar.
O pão ceifado , e posto assim em paveias fica mui-
tos dias y e mesmo semanas sobre os rostolhos , sem ser
atado y de forma , que o vento o espalha muito , e leva
para o rostolho , desordena as paveias , e diiScuIta o ser*
>riço de enfeichar: e desgraçadamente , o Paizhemui ven-
toso , e sujeito a ventos furiosos naquella quadra. Neste
tempo as aves, como são as rollas , d« que ha milhares ,
c as codormzcs , c pardaes , de que ha milhões , comcnr á
sua vontade nas paveias. E quanto não comem os ratos, è
enceleirão as formigas ? Além de que também comem mui-»
to pão os gados , que por descuido , malicia , e desaforo
de muitos guardas , e também dalguns Lavradores entrão
cx)m frequência nos pães ceifados , o que causa muita per-
da , e frequentes queixas , e rixas , que parecem inevitá-
veis no estado actual das cousas das lezirias. Além do pão
que he devorado por todos estes animaes , fica ainda tan-
ta quantidade de grão pelos rostolhos , que as terras , em
passando as primeiras aguas do outono , parecem ter sido
semiadas ; em razão do pão que nasce , e que desgraçada-^
mente se perde ( 7 ) . No fim deste tempo referido he que
* • se
(7^ O Capitão M6r da AlIunAra, Diogo José Palxtifo, queDoot
S Memorias
se procede a atar o pão ceifado , e os atadores enfeixao-no
então com atilhos , ou baraços feitos de corda de junca ,
ou de junco. Ora , e fácil he de vêr , o quanto se deve es*
bagoar de grão, estando elle tâo secco; e particularmen-'
te,
haja «.tendo semeado de cevada humas terras nos Sapaes de D. Cae-
tano de Âlencastre , pode obter » o guardalas , que lhes não entras-
se o gado I depois das primeiras aguas , a comer a herva : e foi tanta
a cevada que nasceo pelos rostolhos , que a guardou como ceaia , e te*,
ve DO anno seguinte huma boa colheita de muitos motos de cevada.
Este exemplo serve bem para ajuizar da grande quantidade de grão,
que se perde nas lezírias ; poisque esta cevada , que nasceo . e pro-
duzió , he a que escapou ás aves , ratos , formigas , temporal 8cc*
Igualmente se pôde ajuiaar a grande fertilidade da terra das lenirias »
que produzio a cavada sem cultura. Deve advertir-se ainda aqui , que
os Lavradores ordinariamente semeião suas cevadas nas peores terras «
e que nas lezírias nâo se cultiva a aveia, o que seria utilíssimo. Na
França . em toda a Alemanha . e na Inglaterra não se dá outro grão
is bestas » senão a aveia , que para isso se semeia em grande quanti-
dade. Esta poderia pois cultivar-se nas lezírias , fazendo primeiro pa«
ra isso as devidas experiências cooi as duas espécies de aveia conhe-
cidas , e que são a ordinária , e a Turca. Este grão demanda menoa
cultura , que a cevada , não demanda tão boas terras , produz bem »
e sua palha he boa : e eu creio «que a cultura da aveia seria mui
vantajosa rios salões. Em toda a Alemanha ficc. cultivão a cevada pa-
ra o uso da cerveja » e o bagaço ,. que fica depois da fabricação da
cerveja » serve para os porcos. Os Lavradores do Ribatejo não tem
idéa desta cultura da aveia , que por certo lhes seria vantajosa nas
terras onde semeião as cevadas : poisque a aveia produz bem em ter-
ras inferiores , sendo ao mesmo tempo certo . que as cevadas para
produzirem bem , demandão terras férteis « e bem preparadas , como
o mostra o Senhor Conselheiro de Arndt , no seu Systema de Agri-
cultura §. 62 , e seguintes ( Àrnétischcs , RUmisehes Aekcrsyttem :
údcr unserc Felàbestellung , %u tintrãglicherem Ack^rhau mit mehvsehar'^,
riggn Pfhíigtn. Entwerfen von RÓnlgL Preuss. Commissiúnsratht Arndt m
ftrc. crc. OT. Leipzig. 1794 hey Chri^íian Gottlob Hihchcr^ . Ora a ^ os
Lavradores das lezírias semeião as cevadas nas peores terras . e com a
peor cultura como fica dito ; o que he hum erro de Agricultura contrario
aos interesses do Estado , e aos do próprio Lavrador. He de admirar »
que tantos Magistrados , que tem sido incumbidos do melhoramento
bydraulico , administrativo , e rural das lezírias « não tenhão cuidado
em introduzir alli esta cultura , instruindo para isso os Lavradores «
e mandando fazer as devidas experiências: e parece-me ^ que isso pro-
va j que elles não tinhão conhecimentos nemhuns da Economia Rural j
Económicas. 5?
té 5 porque muitos atadores líão tnolháo seus baraços. O
pâo assim atado , canrega-se em grandes , e mui pezado»
carros , e leva-se para as eiras •, puxados os carros , cada
hum por quatro fortes bois. E bem fácil he vêr , o quan-
to giâo se deve esbagoar no trabalho de carregar , e acal-
car o pSo nos carros, e conduzilo para as eiras ; estando
as espigas tâo. seccas , e desordenadas nos molhos , e fa?
zendo-se este serviço de dia , com o sol ardente.
Os Lavradores , Ipgo que o pão das cearas está madu-
ro , procedem á ceifa , sem ordem , nem conta i isto he ^
Tom. K B sem
de cujo melhoramento se encarrega? So. Eu creio » que também serí^
interessante o cultivar nai lezírias a cevadinha , que em Aiemáo se
chama Dinke! , DisiUcel , Sptlt , Spth » e cm Francez , Epéautre » ou
Blé locular , ou Frcmcnt leear ; e he o Triticum Spclía dt Linné, Esta
planta cultiva-se na Suabia » na Franconia , nalgumas Províncias dà
França » e na Suissa ; sua producção he muito mais abundante , que
a do trigo. A cevadinha « além de servir para fazer a sopa , he ainda
melhor alimento « que a cevada, e aveia para as bestas : sua farinh»
dá hucn pão alguma cousa secco ; mas elía heexcellente nas massas i
e* bíscotitarias , e confeitarias. Os Suissos» e os Suabios fazem coma
farinha íina da cevadinha hum grande comroercio » náa só pua oi
Paizes do Norte » mas para a França ; e este género he conhecido no
connmefcio , pelo nome de farinha de Nãmberç » ou farinha de Franck*
fort. Também poderia cultivar-se com proveito o trigo Sarraceno ^
a que os Alemães chamáo Bachweissgn , e H^ldekorn ^ e os Francezei
chamâo B!é Sarrazin » e he o Púl^gonam Fagopi^rum ic Lipné, Esta
planta passou no prindpío do século quinze da Ásia » e Grécia para
os Paizes da Europa , e, cultiva-se hoje muito na Alemanha » e sobre-
tudo no Paiz de Lúiusburg , na Marca de Brúnienbarg , e no Húlsttin ;
cuittva-se na França • e produz bem nas terras areentas » que ella me-
lhora muito , segundo o testemunho do Conselheiro Btckmãtin noi
seu9 Elementos de Economia Rural Alemã Part. I. Cap. 2. %» ai.
( GrandsStsc der Uutschen Landwirthschaft , von Jchann Beckmann Hofrath
anã êrãentlichem Prúfesiêr der ikonomUchtn Wusenscha/icn in Gõtthigcn^
Gõttlngen 1790).
Depois que eu tinha escripto a nota antecedente • já a Agidemia
Real das Scieiícias mandou vir de Inglaterra o Trigo Sarraceno , pa«
ra se cultivar » não s6 nas lezirias • mas por todo o Reiíto ; e man-
dou repartir o mesmo trigo pelos Lavradores » com huma instrucção
impressa sobre sua utilidade , e cultura. A Academia também deterr
minou de mandar vir a cevadinha em casca» para se cultivar j e ççfj
Caiii^ate oiaadari vir as referidas qualidadet de aveia.
sem terem regalado, nem observado o tempo , ou dias da
sememeira em cada foUia , pani assim regularem a ceiíà ;
de fiSraia qae ceifassem primeiro o pio ^^ ^ue se ^emeoa
primeiro, e que por consequência escá mais secco ao tem-
po de maduro , e da ceifa , que o que se semeou ultimo (8);
e he sem duvida , aue o pio que primeiro se semiou ^ e
amadurou , deve ceiur^se primeiro , para que não esbagoe
tanto. Além deste erro ^ oe nSo regularem o pão , que se
^ve ceifar primeiro , acontece também, que muitas, eas
mais das vezes d^eixão amadurar o pão de mais , para o
ceíftr. Â falta destas atenções , e regras na «ceifa , faz
perder ao Lavrador mais pâo no ceifar , do que houvera de
perder se as seguisse com a devida intelligencia.
Eis*aqui o que por hora posso dizer acerca dos traba«
lhos da ceife nas lezírias , e pahues do Ribatejo, porque
os presenciei (9); adiante mostrarei os meios, que ha de
anelnorar estes trabalhos dasceiiâs, não só nas lezirías, e
pahues do Ribatejo *, mas em todo o Reino, com multo
proveito do Lavrador , e utilidade do Estado ( 10 ) .
AR-
( S ^ Posto quft fito assim seia cm geral , como regrt , comtudo ai*
guiis Lavradorei ha , que tomfio cuidado em ceifar primeiro o páo»
^ue priíDeiro le semeou , e amadurou.
(9) S. A. o P. R. N. S. querendo melboraf a adininistraçáo . Eco*
Aomia Rural , e Obras Hydrauhcai das leziriac do Ribatejo , mandou
por Carta Refega de ti dis Agosro de 1S01 , hutna CommissSo para
ts mesfnaa letiriaf » a fim de exaininar «o estado das cousas , e pro*
|x>r os meios de sua melhoria. Eu i«i Incumbido do exame da parte
fedmíníitraciva , e rural i e etitão he que íic as observações « que re«
Aro acerca das lezirias. Esta importante deJfgencia nÍo teve o efiFet-
to f que S. A. R. desejava ; como muitas oortras » que para este fíiu
ee tinbão já feito em rempi^s anr^tbrea t « ott heide n>on»af a causa
porque esta deligencia foi mallograda » como todas as mitras ; quan^
ao p^ibiicar a Histoiia das Ittiriai ^ com minhas reflexões sobre as
caudas de sua decadência » t estragoe 1 d sobre os meios át remediar
todos estes males.
t ( )o^ Nos arreares de Lisboa faaem a eelfa com a fouce » cnino
por todfo o Retoo ; esta fooce he ahi mais pequena » qve á do Alem*
tà'f ; tum sem ser fouciabo* Os ceiíões » q«o tenho visto por dife*
rentes sítios » nã# iisáoi neai 4e tevis » wtm és aaaofniteej omm é^
E G » ir Q it t e i ít nt
ARTIGO n.
Da Ceifa , w Cega dos Pães na Comarca h Pertakgrêi
que M igmal em todo a Jkntijo.
AS cetâf do fiiga , oeoreio ^ e cerada fazem-se na*
queUâ GoaiMca.GQOi afauct^ e luva. Ás fbucet sao
flftais €tt meooa arcada^r ^ e oom mais oa menos espiea ^ oil
cegqnkal aa ponta y eonfarime os sojettos , que ceirao con
eUas: as fouces ^o todas dentadas , e esta regularidade lâo
se adia nas fouces y que se usâo nas kzirias do Ribat^o :
como adverti no artigo precedence. Os que f&o bons ceg^
dores querem-ms conpddas y porcfte estas ajuntáo mais tri-
go em cada fcoçada» Os gue não sabem amiudão os gol»
pes y e supprens com o cuidada
Ás luvas sáo de raoueta , oa de bezeno curtido y coflS
suas biqueiras, que kvaa na costura > quefica sobce as cos*
tas dos dedos buma tira de sola coaiaa na mesma costo»
Fa ; e nesta biqueira entráo os quatro dedos da mâo esquer«
da todos juntos , não ficando de fora se não o pdegar,
cm que o cegador tem bom dsdil. E assim ajunta na n^
eaquecda. anenanada dos pés dettigp , ou de centeio , ou de
B ii ce*
dct htqvMVt y. nem d« dedi» ; in^t ctgío cr pio eam » mfe » t braço
desciibector* Os que tenho visto sÍo bons ceifóes » cej^ com asseio ^
e sem quasi deixarem espigas pelo rostoUio « e formão siias paveias
em boa ordem , sem contundirem os trossos com as espigas ; e quan-
do formão aanHmada», segario-nat cambem com seu montulbo. O pi<»
c«»£aòtt HBii-se ioao atando , e com baraço do mesmo pâo , conni m>
Aleouéjo ; e quando se não ata loj^o » não fica 04. horas por atar : a
ordioariamente he logo ai^arretado para as eiras j ou no dia segukita
depois ác atado. Além de todos os motivos ponderados nesta IVIemoris %
pavaqoeo pííoseate', eenrrHieíre fogo depois de ceifado haaind»ootiO
xisusr digno dft stsnçÃn». et he » op» o trigo* se h«* atudo » e enrittidraY
do^ logo depoU da ceifado . conserva a sua c6c de ouso,- que o bz fof^
moso • e de boa venda ; qualidade » que elle peide « tm seguindo o
tncthodo àkt lezírias. Ve^a-ss Engelman» na sua Memoris sobre s Qpi
danltt' do ftabsotSi
ti •" M Eí M'0 K r A s
cevada , que anda ceifando , e lhes vai deitando algumas
palhas, com que os ènrédiHia ^ e. a que chamão montulho.
O ceifâo vai pouzando as manadas Juntas , pondo-as atra-
vessadas em cima dos regos, e que nquem bem assentes, e
os trossos bem parelhos , e mais as espigas ; e o rostolho ,
que vai ficando ceifado , fica também parelho , e sem lhe
ficarem espigas espalhadas. Este modo de fazer a pavea
he muito differente , do que se pratica nas lezírias , e mais
bem entendido. Posto que cu digo , que não ficão espi-
gas pelo rostolho , comtudo , isto não se deve entender
cm todo o rigor , pois. sempre ficão algumas , o que he
inevitável ; e nas ceifas mal feitas ficão por certo muitas j
mas nunca tantas como nas lezírias.
Eiste he o modo , com que o bom cegador cega ; po-
rém o que tem meiíòsígeito ^ e não he bom' ceifâo , só
mete três dedos na biqueira .^ ficando o mostrador* livre
com seu dedil , e o polegar Wto : e estes não são os peio-
res. Os que menos sabem , trazem somente biqueira, sem
luva, e dedil solto; outros trazem canudos nos dedos, ou-
tros 5 em fim a mão nua. Os que trazem canudos nos de-
dos são os que fazem peior serviço , pelo grande abalo y
que dão ao pão , que se não pôde apanhar bem com 05
canudos , que se não dobrão. Os ceifeiros também trazem
suas braceiras , ou mangas inteiras , feitas de pelle de ove-
lha , ou de cabra , e huma pelle que lhes cobre a barri-
ga , e outra as costas , defendendo-as do sol.
O pão que se vai ceifando, vai também logo ao mes-
mo tempo atando-se. Isto não se practica nas lezírias , co-
ipo fica dito, onde os Lavradores: não considerão estas ra-
aôes , para evitar os perigos , de que o pão seja espa-
lhado com os ventos rijos , e remoinhos. O trigo ata-se
com o mesmo trigo, que se vai cegando; para isso toma*
sé huma pouca de palha , na quantidade suffíciente , pe-
gando-lhe pelas espigas , e assim se faz o atilho por di-
versos modos. Fazsô de rosa*, em ajuntando as espigas pas-
sadas humas pelas outras em^quarrò partes, e assentando-as
.íssím 5obre o 'molho ^ que se ata depois com ellas , de
fór-
E'C 0'N o M I CÁ S. íj
fôrttia' que^sua palha as liga , e prende ; e depois muda*
fié o tnólho com o lado, que esvava debaixo para cima ^
e se trocem os trossos huns com os outros ^ e fica a mo-
lho atado.
Outros dous modos ha de fazer os atilhos , que são
de volta , e de meia volta. De volta he ajuntando o tros-
so com a espiga , e trocendo este com aquella em roda
delia y sem a quebrar , e se dá huma quebradura nos tros^
sos^ que faz assentar as espigas com a^mólho, e se volta*
No outro modo tomão-se as espigas , trocem-se os trossos
em- roda delias, e ajuntáo-se-lhes humas palhas dos trossos
dos molhos , que as sujeitâo , e a isto se chama atar de
ferrolho.
Eu já disse , que nas lezírias o Lavrador tem seus ati-
lhos , • ou baraços , para atar o pâo , feitos de corda de
junca , ou de Junco ; e que a este respeito lhes não falta-
va senão o cuidado de os molhar , antes de atar com el-
les. Na Áustria , na Franconia , na Suabia , e por quasi
toda a Alemanha fazem os atilhos com palha de centeio
já malhada; isto mesmo se pratica também nalguns Paizes
da França ; porém noutros atão o pão com vencilhos feitos
de vergas de arvores torcidas. O peior uso he o do Alemtéjo ,
como já notei •, porque além de se perder tempo em o ceifão
fazer os atilhos , que podião estar feitos , se esbagoa muito
grão das espigas aos atilhos. Este uso devia desterrar-se ,
e introduzir-se o das cordas , que he o melhor : porque es-*
tas fazem-se huma vez , e durão para muitos annos ; o que^
não tem os atilhos de palha malhada, nem os vencilhos,
que he precizo faze-los todos os annos : o que sempre aug-
xnenta a despeza ao Lavrador, e despeza certa annualmente.
Os molhos depois de atados ajuntâo-se cm rilheíros.
Se estão húmidos empinão-se com as espigas para cima ;
c-logo que estão enxutos se enrilheirâo , pondo certo nu-.
mero .delles debaixo , conforme o rilheiro ^ que se Jia de fa*
zer. A primeira camada fica atravessada nos regos , para
gúe se chover, não erhpreze a agua nelles; mas passe por
aixo. Ena todas as outras camadas se lhes p6em de cada
vez
vm mettOfr fldolhqs , até fechar çm kim sáj eu dom om d^
(M X P^ra lhos naa eiKrar a agua ^ na caao de chover, Sfai
Qg rilbotros sâo dobiados , então fieao. oa «AÓlhoa com as
espigas para dentro ; mas se são singelos , íicâo todos ia*
l^do oorreme^ para oa livrar das aguas das cbi^vaa.
I>e9te9 rilheiroa ae carrega o pão msi cauretaspara aa
én» > wde ae debuLba , ou malhi^
A R T I G O m.
Dat TraMksd^es^ qm^ st tccMpàê nas Coibtítm.
O Único meio , que se practica , tanto nas lezkiaa co^
fl9K> na Âleavté|oi » para àzier as ceifas > e mais tra-
WbM das cdheitas dos pães, he tomar trabalhadores jor^
iialciro& Piira o Alemték) vâo (a«er ^ cetfaa muitoa^ hocnens
^ nossaa Provincias do Norto, armadMJá com suasfou*
^s , e fornaados eoi caoiaradaf» com seuacapatasea, aquém
mks cbamão Reis; eque sâo os qiae btascão o trabalho, c
^^tâo o jornal. E sem estais cajanaradas seriai difficulioso o
Apedit as> ceifas j poiqOe a geste do Pais nâo hasta para
esse stt'vii9a ^ qjue be m-uito ^ e deve ser fóto em pouca tecEH
fo ( ]a>. E vâo muitoa mil bomesa para aqutila Provii^
cia > «a qual são conhecidos pelo AOfne de ratinboa > e sd
faa^ena o trabalha da ceifa, retiraado-ae logo depois; etodoa
oa flsiatô trabalhoa da colheita se Êassem com homens da ter-»
ia. Nas lemriaa costuanao cottoorrer pata «scei&a, e maia
trabaltipa da colheitta do pio homeoa dos lugaices drcumvi^l-
shoa, a(|iiein o LaTisadcí' paga seus joroae& Quando cajssr^
9aí9a destes ^abalhadores são vm altos, qu< aparecem* set
ai9ts i^at^iradoí^es y então a Camará de Villa Franca de Xira cos-
t(vs» tíiJM o jof ind aoa diim: trabaU»do«ea : maa bt^pmdus
toxàr
( ia) ^ Austrja «ostumSo também íatju as ceifas cona^oa Alemí^
t^jp com camaradas do ceifóe» , que vSo de fora « e que concorvem
ipara alli • indo dia Bt>fareiiihi » da Moravia , ia OirnioHa » e da BiCi'!!
|ia { » que igualmente tem seu Rei am cada amarada.
EcOMOiltâAl l|
ffiuito mio èffiâto; porque m tf«ballv«(k>res , «me^sd , de-
nppfttieowi i o LâvrddiM^ vaâo « pagar meie cára , e perdoe mtif-
to «o atrftto dâ$ teifa^» No Aknitéjo Ciístufiiâ ò LavradAtr
dar ât comer ft «eus celfeitOs , e maia tmbalhadores da C6-
làeità do t)ão , e dalhea àe còmet quattt) \tt^ por d^n ^
a Mber : alfinoço^ jantar, ínerendá , e ceia ; e fóra disto pa-
Èã-lktis aeu joinalé O Lavrador da$ lexírias o2o dá iiâMà
ae coíner a trabalhador nem hum» O um do Alemtéjò ht
Eis mdhor , pOf()ue o tmbalhaddr , que trome bem ^ trà*
lha bem *, e com eílíêico aquelles homens trabalhão alti
grandemente ! om , e nisso ganha o Lavrador : além de
que o trabalhador |)Oupa sea jornal todo , j)ára ioctofteí
a sua casa , e família. O trabalhador das lelirías leva su&
fraca provlzSo pára o campo : a qual lhe custa cara , e o
alimenta tnàl , e eíle fòfra pouco , ou nada , para soctor»
IO de ^ua casa , e família ; e comendo mal nlo pôde tra*
balhar bem : e nisto nSo pôde o Lavrador ter interesse
nem hum. Além de que isto motiva , com que o tfabalha-»
dor venha das letirias na Sexta feira de tarde , e o LâvmdoS
pagalhe poír inteiro o dia emeio, qud^nSo trabalha ,e cotir
isto se perde dia e meio de trabalho , e se atfa^a a cdfk ^
c mais serviços , com grave perjui^o do Lavrador. E muW
tas vezes o ceifílo não volta para as lenirias se não na Se»
gunda feira já de tarde. Nada disto aconteceria se o La«
vrador das lenirias desse de comer âos seus ceiftJes , e maiS
trabalhadores, e estes trabalhariSo bem, eestariSo sempre
pfompros para o trabalho nas horas , e tempo competen-
tes; nâo se perderião dias, e adiantar-se-hião os trabalhos.
O preço do jornal dos trabalhadores da colheita foi no
anno passado de 1802 em Portalegre, Assumar , Arron-
ches , e Monforte , de 300 réis para os ceiflSes , e de 200
a 220 réis para os homens das eiras , preço , que tem si-
do constante ha já annos ( 1 1 ) • Nas lezírias o preço
ma-»
i: O
>?
( 1 f ) Sendo Hití t» preÇM , ptv^ qat o Ltfvtáéor do Aftifitéjo plk*
gou em iSos «N <t\Çks , e h^rhtnt dai «irlA , dando*'lh«« de tttttí^t
quatm tttei por ^^ ímnhtm-VÊ a Ca»«fa 4t yillÉ fiftftcá 4e Xitt^
4$ 'Memorias-
maior do jornal dos ceífóes^em z8ox íbi de 5^00 réU , o
dos atadores de 5*40 réis ; porque estes sempre ganhão 40
réis mais que os ceifóes.' Os homens das eiras ganharão a
4C0 réis , e tudo a secco , como fica dito. Bem se vê,
pois , o quanto o Lavrador do Alemtéjo paga mais caro.
Estes nossos methodos são differentes daquiiio y que a
este respeito se practica hoje em quasi toda a Europa , e
.os melhores Economistas desapprovâo-nos fortemente. Nal-
funs Paizes da França o Lavrador contrata com o traba-
lador 5 de este lhe ceifar o pão , de o atar , acarretar pa-
ra as eiras nos carros do Lavrador, maihaio , alimpalo &c/,
e o mesmo trabalhador recebe sua paga em pão , v* g. 2 ,
ou ^ , ou 4 alqueires por cada 20. Como o trabalhador
aqui he interessado com o Lavrador , por isso ( dizem os
Economistas ) elle faz com perfeição todos os trabalhos ,
e convem-lhe , que se concluâo com brevidade , e que se es-
bagoe, e perca o menos gt^o possivel. O trabalhador de
jornal pouco lhe importa , que o grao se esbagoe , elle
não perde nisso nada. Pouco emporta aos homens das eiras ,
que na debulha , e malha iique o grão na espiga , e na
palha , que o grão fique limpo , ou sujo , elles sempre re-
cebem seu jornal. Certo Economista Françez escreve , que
depois de ter feito a experiência com todos os methodos só se
acnou bem com pagar hum tanto em grão , ou em dinheiro
por alqueire. Na Alemanha fazem muitos serviços por ju-
gada ; e as malhas se não se fazem por jugadas fazem-se
a tanto em grão por fanga : também a ceifa se não se íaz
por
composta de Lavradores • de taxar o jornal dos ceifóes das lezírias em
320 réis 9 nâo dando o Lavrador de comer ao ceifáo. Providencia esta
que em si tra tão pouco necessária , como era inepta , e iniqua ; e por
isso produzio os effeitos costumados. Bem entendido » que o jroaior
preço era de {os réis a secco , que por certo nâo equivale á despe-
za do Lavrador Alemtéjár). O Lavrador vendia seu trigo por hum alto
preço nunca visto • o ceifáo comprava o pão caro , e todos ot maif
géneros . e os jornaes de todos os officios tinhão crescido ; até tem falta de
braços. Com que direito pois se taxa o jornal do ceifeiro , opprimin«
do-o , e privandv)-o do beaefiicio de seu suor em favor do Lavc4dor t
)í
Económicas/ . t^
pòr jugadas ( l^ ) , se ajusta a tanto em erâo por moio dé
^ terra. Âs circumstaocias loca es de cada raiz , tanto as íi^
zicas como as politicas ; a observação , e a experiência do
Lavrador tetii sempre dado occasiáo ás boas disposições de
seus trabalhos ruraes ; assim como pelo contrario , a indo^
lencía , e a inércia dos Lavradores , algumas circumstan^
cias , e a mi Policia Rural tem occasionado , e perpetuan-
do os máos usos. Entre nós os usos d'uma Provincia são
desconhecidos na outra , e não o são menos aquelles que
«e practicão nos Faizes estrangeiros ; e por isso cjuiz aqui
tocar esta matéria. Pôde ser, que algum Lavrador inteligen-
te , discorrendo sobre isto , faça a^umas tentativas , para
vêr se pôde melhorar alguma cousa a este respeito. E não
haverá , no que eu disse , nada , que se possa practiçar com
proveito nas Jezirias^ e no Alemtéjo?
ARTIGO IV.
Do melhoramento dos trabalhos das ceifas , tanto nas
Leziruís do Ribatejo , crnno nas mais
partes ao Reino.
NOs Artigos precedentes iiíòstrei o estado dos traba*
lhos das ceifas no Reino ; desta exposição se vê ,
que entre nós não se conhece outro methodo de ceifar , se-
não o de cortar o pão com a íbuce ; que esi^ methodo he de-
Tom. F. C fei-
C ii) Em qoasi toda a Alemanha se fazem os serviços do campo
por jugadas ; porque a maior parte das terras estáo dadas a peque-
nos Lavradores coin o foro de jugadas ; de forma que o Lavrador juga-
deiro he obrigado a dar ao direito senhorio tantos dias de' serviço do
Javouras , e sementeiras com seus arados » bois » e pessoa j tantos dias
de ceifa , tantos de malha ; e assim em todos os mais serviços ru-
raes. Este costume he geral em todos os Paízes do Norte. Eis-aqui
o que eu entendo aqui por jugadas ; palavra que em Françez se diz »
C^rvée , eetn AiemâOf FrêhndUnit. És^tas jugadas , ou se fazem gratui-
tas g e como paga do foro ; ou se fazem também por ff.ui pequeno
joidait coofoimc ot PaizcSf e contratos, ,
it^ Mbhorias
feiraoso , e cama grande penuizo ao L^ivrador > e ao Es*
tado, c que a Policia Rural Poitugueza nunca pnoviden-
dou sobre o modo de diminuir a mSo de obra da ceifa ( no
^e consiste a verdadeira providencia , para chegarem sem*
pre 06 braços para a ceifa ) , é evitar o perigo do ceiiao , e a
perda do grão y que se esbagoa j e que no tocante às lezírias
he por certo, mui grande como fica dito. Eunío pude ain-
da fazer experiência , para reduzir a calculo esta grande
perda das Lezirias ; comtudo o Economista , que ler o Ar-
tigo primeiro desra Memoria , e tiver visto todos os ser-
viços da colheita nas lezirias y poderá fazer hum orçamen*
to daquella perda , mui aproximado , á vista das seguin*
tes passagens. Refere Bercn nas Memorias da Academia
de Suécia Tom. IX. pag, it. , da VersSo Alemã, que as
experiências feitas naoqelie Paiz (onde o calor não seca
tanto o pão como nas ezirias ) mostrâo , que o centeio per-
de nos serviços da colheita 39 gv^os por 100 , e* a cevada
perde 37 grãos por 100. Nos Recursos Berlinicos ( Berli-
Bische Beytrage) Tom, VIL pag. 268 refere-se huma ex-
periência d*um Lavrador, que tomou dous pedaços iguaes
d'uma mesma ceara , e mandou ceifar hum pelo methch
do ordinário , e o outro cortando cada espiga por si sò :
ora o primeífo rendeo 30 sementes : e o segundo rendeo Bo
senaemes. A' vista destas duas passagens podera qualquer
orçar , se nas lezirias o trigo , e cevada perderSo menos
de 60 por 100 (15 ) . Esta experiência he liuma daquellas
que se deveriao fazer com toda a exaaidao nas lezinas.
c^r. «o! ^^"^ ' ^"! *'"? ^^^ objectos da maior considera-
S r. e^^^''"' ^"^ Srâo he o evitar , que este se esba-
S^irin Í2II'\^ '^ ^'f^ í?f'* ^^poBi e para isso he
JeSe df!^^^^^^ "^'"^^ elle estiver no' seu^ponto con-
venleme de madurez i e que nSo esteja o grfo Snda mui-
to
io.Vi2uv":drs^^^ que .c/.
^Ibo eouuos bicC :T^^^^^ noscelei.os%elego..
«íoi ctleiros. «^ 5»ao, ^uc apodrece nos mesoios pesri-
E C o 1^ o M X C Á 8. If
to verde na espiga ; porque então engilha depois , c fica
com pouca íânnEa : além de que também fica muito gi^
Itos caxos das eiras , que não despede da espiga , ou. seja
na debulha , ou na malha. Ora , e se o delxão secar muito'^
então esbagoa-se também muito grão ao tempo de ceifar ^
atar, e carregar. O Lavrador deve pois Já saber peia pra*
ctica , qual seja o justo ponto de madurez dos pães.
Pelo que toca ao centeio , e cevada , nunca se devem
ceifar , sem que seu grão esteia assaz duro : o grão do tri*-
go não demanda de estar tao duro. A côr da palha , e
espigas dos pães também mostrão ao Lavrador , quando os
pães estão no seu justo ponto de madurez ; porque ellas
fazeni-se então amarellas. Mr. Duhamel du-Monceau (14)
aconselha , de vér , se a palha éstã também secca no seu
pé ; porc|ue então o grão não tira nutrição delia. Comtu-
do o meio mais seguro he o de examinar o grão ; porque
muitas vezes acontece , que hum repentino calor forte nz
a palha amarella , ou branca , sem que o grão esteja ma«-
duitx Eu vi algumas pessoas em Assumar ceifarem o trir
go de seus farrejaes , sem estar bem maduro ^ dizendo , que
o grão acabava de amadurar , deixando-o alguns dias no ros»
tolho*, comtudo não aprovo isto, e estou persuadido, que
o grão perde então muito em farinha , e ganha em farelos
No que toca ao trigo , e cevada he precizo ter muito cuida-
do com elles (i5')« A cevada an|||pura^ muitas vezes de re#
C ií pen-
(14) Elémcnts d* AgrieuUurt » Pf ^r. Duhamei du Moncfúu , de
PAcademle Royalc des Scietmei dt rãris fsrc. Non^tíU « editien à Parit
177). Tr^ft. I. Liv. IV. chap. 1. Art. tf. Todo o Econotnisu » qu«
foiíber a Lingoa Franceia fará beni de ler os Eietuentos de Agricul»
tura deste grande Economista, e achará allí hujpa iíçSo utilíssima» na
capitMio f que trata da ceifa do pão , e por isso recommendo esta leitura»
C f 5 ) Wlegand diz , que a cevada se não deve ceifar em dias de
grande calor ; porque se esbagoa muito » e conta ter visto na Estiria
AJta» que os Lavradores atlo a cevada » quando ;a cahe orvalho ; ser*
vâço 9 q»e faaem acompanhados com luzes. Der Wohhrfahrtner Laêâ»
wirth t êder VorUâfige Aalcitung , wi€ dlê JjúndmrtkschafísíkêUomU CT^*
In timm vld vtthei$€Hen Stand gebraçht 9fe. Ypn J, W, Zw€Í B. j X^I9|
mt YM^rmibrii Atifiagc. Leipzig, 1764.
%0 MCMORIAS
pente 5 em lhe sobrevindo hum calor forte ; e os ventw
também a eíbagoão muito : e por isso he necessário acu-
dirJhe com tempo. A cevada está madura , e capaz de se
ceifar , logo que sua palha se faz amarella; e está madu-
ja de mais , logo que sua palha se íàz branca. Também
se deve ter o maior cuidado possivel com os pães treme^-
zes i porque se esbagoao mais , que os do Outono , como
bem adverte Mr. Duhamel na Oora citada Liv, IV. Cap.
I. Art. II. pag. 392. Os Economistas recómmendâo muito
ao Lavrador , que haja de escolher em suas. cearas sempre
o melhor pão para a sementeira , e que este se ceife bem
tnaduro , ainda que se esbagoe alguma cousa delle ; e que
çste grão se guarde á parte com muito cuidado. E com
effeito os Lavradores assim o praticão nos Paizes onde se
■ensina , e aprende a Economia Rural ; mas não me cons-
ta , que o practiquem os Lavradores das lezirias , nem das
©utras partes do Reino , e me parece , que o deverião pra-
cticar: he verdade , que em nosso Paiz , nem se ensina ,
nem se aprende a Economia Rural ; e que muita gente de
consideração reputa este estudo desnecessário ; porque nun-
ca o teve , e porque esta repartição sempre se governou
sem isso ; mas não reparão , que se tem governado mal ,
ou antes desgovernado. Esta practica , que referi , deveria
pois por-se em practica , e uso em terras das lezirias , que
se cultivassem por con^ da Coroa, para mostrar seu bom
effeito aos Lavradores.*
He sem duvida , que o ^Lavrador deve ceifar primeiro
os pães 5 que amadurão primeiro em suas cearas- pois he
cousa sabida , que nas grandes foljias ha sempre aiíFeren-
les qualidades de terrenos , e que os pães , que estão nas
terras ligeiras amadurao mais depressa , que os que estão
nas terras fortes ; como também devem a madurar primei-
ro , os que se semeiâo primeiro : e o Lavrador deve obsa:-
yar iodas estas circumstancias. O apressar , e adiantar os
trabalhos da colheita hehuma regra recommendada por to-
dos os Economistas ; e por isso acho melhor o methodo do
Alemtéjo , e de Lisboa , de atar o pão , logo que o cei-
fío>
B ô ô II o li 1 C Â S. 21
fáo 3 e ine$mo de o levar logo para as .eiras , o <fn igual*
mente se deveria practicar nas lezírias. Os Suecos cdfío o
pão, atâò-no logo, e conduzem-no logo uara as eiras ; e
porque não deveriâo os Lavradores das lezírias atar logo
seu pâa, eleva-lo logo para a$ eiras (i6) ? Eu creio pois,
que o melhor methodo seria o de ceifar de dia , deixar o
J>âo empa veiado ao sol , atar já pela tarde , e acarretar pe-
a maDnâ cedo , ou mesmo de noute para as eiras. Bau*
mann recommenda ao Lavrador , que disponha sua colhei-
ta de fórma , que possa ceifar em oito dias o pâo tremez ;
e também recommenda , que a sementeira dos tremezes se
faça de. fórma , que elles nâo amadurem todos juntos de
pancada ; mas pouco a pauoo, e em tempo ^differ ente da«
quelle em que amaduiSo os pÉe&^<de sementdfa do Outo»
^o ( 17).
He pois huma regra ditada pela razão, e seguida fao*
je em todos os Paizes , onde se sabe a Economia Rural
scientificamente , e recommendada por todos os bons Escrito^
res Economistas , que na colheita dos pães nâo só se deve^
evitar , quanto for possivel , o esbagoar do pão ; mas què
ao mesmo tempo se devem empregar com preferencia a«
quelles instnimentos de ceifa , que menos sacudâo o pão,
que se corta , que facilitem , e apressem os trabalhos , e
scjáo menos incommodos aos trabalhadores. Isto nâo se con-
segue seguramente , com a foucejLpois que eu já mostrei
nos Artigos precedentes o pétjufl^ que a fouce causa ao
pâo na ceifa. Ora o serviço da* fouce he sem duvida vaga**
roso , e por isso retarda a ceifa , e o pío vai amadurandch
demais ; o ceifêo lan^^ a mâo esquerda ao pão , dando-
lhe hum forte avanâo , quando o corta com a fouce ^ da-lhe
ain-
( 16 ) O ceifáo Hollandet , e Fhimtngo ceift' o pão » deixado hum
dia ,no restolho , a ata-o logo ; o celfão* da Austiia for^a a paveia «
c ata logo o pão.
(17) Hr. Chrutian TBaumúnn fTc, Entdeíkti Gtheimniut éer Lênd
mnJ Hamwirtksihaft f&r jtda Lamé , Jtum Btstcn cHtr Inumbiur Pfttf «
S3r
MBitoRrAT
ainda oiitro aYttíío pám formar a itianada; consenra nà
cnâo os primciroi pée, qué cortou, com os cjuaes cahe as^
fim sobre os outros <]ue rti a cortar , datido^lhes desta
6orte mui fortes avánóes» Para Observar ^ quanto a espiga
he sacudida beste trabalho , e o quanto elle he vioksto
ao ceiâo^ bèstá vét ceifar, e dar afen^j^lo a todaa as cir^
«umstancias , qu6 aoompanhão esta <mampulaflo< Além do
que o cetfêo anda com o corpo curvado , e a cabeça pa^
ra k icerra , nd tempo mais cálido do anoo , e não sao enr
tre nós pouco frequentes os tristes exemplos , de Càblk o
çéfáo morto no trabalho da cega y soiòcado conl o ni^
oiio calor y como fica dito no Prologo y e. na nota 3.* A
posição àú corpo do homem ceifando com a fouce he
m miBÁs violenta , que pôde haver; o calor do sol abraza^
Eor baixo , e os ferventes raios do sol cahem sobre sua ca«
eça \ e costado : em fim esife he o único trabalho y em
^ ttue ò homem morre y e que só por esse motivo se dbvia
i^antr. Ora às luvas y biqueims y dtdís y e canudos , de que
Ss ceifôes se servtín y conconUm muito para aúgmentar for-
imMte o abalo ^ que se dá á espiga , ao tempo de cor«^
tar o fio y como eu já adverti.
Gomo a fouce tenha sido o instrumento geral da cei-
£1 na Eufopa , e se tiressem por toda a parte observado
estes inconvenientes ; por isso o<s homens cuidarão em ín«>
ventar outros instrument;^ mais expeditivos , menos árduos
ao trabalhador , e 'que esperdicem menos pao ; e cuidarão
também em aperfeiçoar os trabalhos da colheita. Porém
estas ^vantagens devem<>se á nova Economia Rural y depois
do restabelecimento das Sciencias I^aturaea nos Paines do
Vhne da Stirc^ , depois que a Economia Rural princi-
jAc/a a ensinar-se nas Universidades scientificamente , e de-
Íiois que as outras Sciencias Naturaes se unirão com el-
a , e formarão mesmo a baze da Policia Rural.
O instrumento pois , que se inventou para melhorar y
e facilitar a ceifa ao pão nas cearas , e que se praaica
hoje em muitos Paizes da Europa ^ ^ he a Gadanna , de
que hà diâereotes espécies ^ todas neCessariais. O uso deL-
E CO W o 11 1 C À s. 53
b ^nnct^ioa na Alemanha , e éahi passem jpafâ a Áustria ^
ç para algumas prpvinçias de França , e imimamente pa»
ra a Inglaterra , que não a conhece senão depois da p^
pultima guerra ^ antes da Revolução Francçxa -, e do Ha-
povre , he que os Inglezes a levarao. Adiante darei a dea-
cripçao destas Gadanhas mostrando seus usos y e ajunt^n*
do seus debuxos ; e agora só exporei , quaes sejao suas
' vantagens sobre a fouce , além das já referida^.
A primeira vantagem da Gadanha sobre a íbtice he
fazer o trabalho da ceifa mais suave ao gadanheiro ,
^le senão fatiga tanto , cotno o ceifiio com a fouce : o
gadanheiro anda com o corpo direito , aprovdta-se da vl«
ração , quQ corre ^ e náo se sofoca cqm o nlmio calor y
$ua posi^o he natural , em nada violenta ; e o gadanheir
10 nãp corre o risco de morrer no trabalho* A s^nda
Jie y ooe o gadanheiro expede mais serviço , pois que Mn
Duhamel du Monceau nos mostra , que com a Gadanha
Franceza , de que elle dá a dçscripçlo y e que não hea
mais expeditiva , o gadanheiro fa» em dous dias o servia
Sy que hum ceifSo faria em cinco dias. Mr. Duhamel d^iè'^ V
onceau na Obra referjda Liv. IV. Cap. i. §. 2. pa^^V
409. A terceira hçy oue o trigo gadanhado rende maispi^^
•i^-^.A.
te mais. A quarta he , qu% se esbagoa menos pâo com «
Gadanha , que com a fouce : o que Mr. Duhamel pitM^a^
não só em razão do menor abalo , que a Gadanha dá >á
«spiga ; mas também por huma experiência , que nos rei
fere de Mr. de Lille. Esto Economiza , em 1751 fez. cêi*»
far , e jgadanhar duas pessas iguaes de pão , e examinan-
do com algumas pessoas estas pessas , depois de cegado
e gadanhado o pão , achou-se pao espalhaao na pessa cei-
fada com a foMce, enemJium na ea4anhada. TeyadQ igual-
mente ceifado com a fouce , e Gadanha ouiiIeís àws peá^aa
dç pão m,adurò (Içmai?, achpu ^ que^se esbagoara^ mais pSo
.P9 çeift(ííL ççm » fQ«Çe, 4q quf 4W gad^qA^d^ Jkja^ fora
- . ^ : . ' .. . . da.
a4 M FM d R I A 9^
de tudo isto , os- melhores Eoonomistaii fecotnthendáo i
Gadanha , como prekriyél á fouce ; e por isso eUa se tem
também generalizado por toda a parte.
He certo, que na HoUanda , em todo. o Baixo Renuo ,
nos Paizes Baixos , ena Flandres nao conhecem a fouce,
e que só usão da Gadanha ; logo he porque tem conheci*
do, que ella he preferível á fouce. Nestes Paizes, que^o*
miei agora, servem-se duma Gadanha particular chamada
Flamenga , ou HoUandeza » da qual .diversifica, muito a
Gadanha 'Alemã. Eis-aqui agora as vantagens destas Ga-
danhas sobre a fouce , no yxc toca á expodiçâo do traba^
lho , publicadas nos Anhuncios da Sociedade Económica de
Lipsia, da Sessão pública da Páscoa de. 1798. pag. 36. até
41. ( 18 ) Hum homem ceifando com a fouce, em ceara,
aue não esteja acamada , oeiià por dia 400 toezas quadra-
as ; trabalhando com a Gadanna Flamenga faz 1 100 to&*
zas quadradas por dia C 19) v ^ com a Gadanha Alemã,
faz por dia 1600 toezas quadradas. Além disso , diz ain-
da a Sociedade , o golpe da Gadanha he mais brando ,
que o da fouce; e o da Gadanha Flamenga mais brando }
que o:da Gadanha Alemã: por que quanto mais rente se
oorta o pão , tanto menor he o abalq , que experimentão
as espigas. Gomtudo, todas estas Gadanhas demandão ho-
mens inteligentes , e practicos no trabalho delias.
Nos arredores de Freyberg na Saxonia Eleitoral , e nos
arredores de Dresde , Capital^o mesmo Paiz , fazem a
ceiÊi: do trigo , centeio , cevada , e aveia , tanto da semen«-
teira do Outono , como os tremezes , e os fenos , com a
Gadanha. Esta he porém de três castas , a que eu. chama-
rei I.' A Gadanha simples: 2** A Gadanha de annas : 3.^ A
Ga-
( 18 ) Amtigen dtr ChãrfãrstlUh = Sáeksi/chtn i^iiptiger êkMpmhekcm
Sêciitãt v9n4ir.C9t€rmctte d€J Jahrts 1778. MitKãi^fityh Drtsden 1797»
(19) Toeza he huma medida do comprimento 4^ seis pés , o pé
tem ddze.pbíeoadas , e a polegada doze linhas. A toeza de que se tra-
ta ria conta x!e que fallo ., he a toeia da Saxonià Eleitoral ; que ttA
iGi»'péS| os quacs ^rmSo 7 S}0 partes dope de Kei Fiaaçcx*
E C b K b M 1 C A s. a J
Gadanha de meias armas. A Gadanha de armas faz bom
serviço na ceifa do trigo , centeio , cevada , e aveia : o
Gadanheiro corta bem o pâo , e vai logo pondp-o em pa-
yeias\ sem esperdiçar huma só espiga , nem confundir os
pés huns com os outros ; deixando-o igual , e em boa or-
dem. No tocante á Gadanha de meias armas ^ de que alli
se servem alguns Lavradores , para ceifarem o centeio,
sua obra he má , a Gadanha corta o centeio confundindo
os pés huns com os outros , o pao cortado íica encostado
ao outro y e he precizo ilo tirando , e pondo-o em pa-
veia y no que se augmenta a confuzão. O Gadanheiro leva
mesmo grande quantidade debaixo dos pés , quando vai
gadanhando j e por isso he necessário ajuntar depois a
espiga pelo rostolno com hum grande enanho ; porque o
campo fica coalhado delia. Esta Gadanha tem as mesmas
proporções da de armas ; talvez , que ella não produza es-
te mio eífeito , em lhe fazendo a folha mais curta como
a de Mr. Duhamel , que vem descripta ^ e debuxada na
referida sua Obra Tom. I. Liv. IV. Cap. i. Art. IV. §.
^* P^g* 397 ^ 39S* O centeio he alli de ordinário, mais
alto que hum homem : comtudo em Dresde , onde o cen-
teio tem a mesma altura , ceifâo-no bem com a Gadanha de
armas , e só se servem da de meias armas para o pão aca-
mado; e ella produz alli muito bom eifeito: ora, eopSo
acamado não se pôde gadanhar com a Gadanha de armas
mas só sim com a de meias ftrmas. Comtudo na Silezia ser-
vemse da Gadanha de meias armas para as ceifas dos pães,
e ella produz alli muito bom effeito , como o diz Bau-
mann na Obra citada ; e por isso , ou ella he construí-
da com outras proporçóes y ou os Gadanheiros a sabem alli
mandar melhor.
No Paiz de Mecklenburg usão para a ceifa do pão
nas terras areentas dum instrumento chamado em Ale-
mão Sandsfrunge j não o vi , nem sei , que effeito pro-
duz. Hum nabii Lavrador Inglez y chamado Boyce , inven-
tou , ha poucos annos , huma maquina de ceifar o pão y e
que he movida por hum homem , e serve para ceifar o pão
Tm. V. D C019
'íé Memobias
com presteza , e cortalo de seu pé com pouca violência.
Acha-se noticia deste invento na Gazeta dos Sábios de
Gotta do anno de 1799 Cad, 28. pag. ayz, e não tenho
delle outro conhecimento.
Na Franconia, na Áustria, no Luxemburgo, na Bo-
hemia , na Moravia , e nos três Bispados em França ser-
v.em-ae também de huma boa Gadanha darmas para a cei-
fa dos pães , Gadanha , que eu vi pela primeira vez nos
arredores de Stenay em França em 1791 , e ceifa vão ex-
cellentemente com ella a aveia , e cevada. Esta Gadanha
acharse. descripta , e debuxada por Wiegand no seu La-
vrador PractiÇo Tom. n. pag. 232 , edic. %j^ dç Lipsia
1766 , que já íica citado : e este hábil Economista diz ,
qiie a mesma Gadanha serve para ceifar os tremezes, tan-
to centeio, como trigo , cevada , e aveia. Baumann tam- '
bem nos da. a descripção , e debuxo delia na sua excellen-
te Obra já citada , e intitulada Segredos Revelados para
a lavoura , e casa Tom. L pag. 503 , e diz , que ella he
muito boa para a ceifa do centeio tremez, do trigo, ce-
vada > e aveia ; porque os pés do pão não se embaração
huns com qs outros. Comtudo concordão ambos em dizer,
que ella he hum pouco incommoda *, porque o Gadanheiro
trabalha com ella suspensa nas mãos , e por isso deman-
da mais força: mas isto não acontece aos Gadanheiros mais
fortes ; poisque cUes trabalhão bem com ella ; e o que es-
tá costumado a trabalhar com dia corta o pão , e p6e ao
lado as paveias com tanta perfeição , que se não perde hu-
ma só espiga , nem os pés se confundem huns com outros ;
mas ficão em muito boa ordem. Eu mesmo vi , que o Ga-
danheiro ceifava perfeitamente a cevada com ella; sem se
fatigar. Esta Gadanha também se acha já debuxada , e
descripta no Diccionario de Agricultura de Rozier Tom.
VII. na palavra Outils pour la recolte des plantes gra-^
tninées pag. 347, eest. .6. fig, 13 , e Rozier diz, que es-
ta Gadanha serve , para a ceifa do centeio , cevada , tri-
fo , aveia &c. Também §e ach^ debuxada numa Obra
«flceza intitulada Agricultura theoricA , e Practica &c
Tpm*
E X5 o » o M I C 1 S. i7
Tom. I. Part. IV. pag. 47., e est. 2. fíg. 13. (ao) Igual*
mente vem esta Gadanha descripta , e debuxada noutra
Obra Franceza , intitulada A Pequena Casa de Campo Tom.
L Liv. I. Cap. 8. pag. 136, Liv, II. Cap. 4. pag. 218,
e na est. 6. fig. 54. ( 21 ) Todavia o debuxo ^ que Rozier
nos dá da Gadanha , e que foi copiado pelos outros Es-
criptorcs Francezes referidos , difFere alguma cousa do de-
buxo original de Wicgand ; e mostra a mesma Gadanha
mais complicada. A que eu vi em Stenay era justamente
a de \í^iegand. Eu darei pois agora aqui as Descripçòes
i.^ desta Gadanha daFranconia, 2.'' da Gadanha darmas
Alemâ , ou da Saxonia , 3.^ da Gadanha de meias armas
Alemâ , 4. da Gadanha simples Alemâ : ajuntando seus
debuxos , e dizendo alguma cousa sobre sua manipulaçãa
na ceifa.
A madeira , de que se fizerem as Gadanhas , deve ser le»
ve, e forte; comtudo não deve ser demasiadamente leve :
a melhor he a de aveloeira , e delia as fazem em grande
parte os Alemães, que tem muitas destas arvores em seus
bosques silvestres. Huma madeira , que não fosse leve £a-»
ria as Gaganhas mui pesadas , e incommodas no trabalho ;
porém huma madeira mui leve faria aS* Gadanhas igual*
mente incommodas , por náo apresentar com estas pezo
superior á resistência do pâo ,. demandando por isso maior
força da parte do Gadanheiro , e causando confusão nas
paveias. Também devo aqui advertir , que para huma Ga«
danha ficar bem feita , e poder servir bem , e commoda*
mente , he necessário , que tomando-a nas mãos depois de
feita , e colocando a ponta de cima de seu cabo (v. g.
a ponta A^ do cabo da Gadanha Est. LFig. i.'' ) num lu-
gar elevado duma superficie plana , ou no joelho direito,
D ii tCEh
C 20 ^ Agricultarc Théoriquc » 0* Pratique fTc, à Pari* che% Fr. Du»,
fãrl. 1769. 4 vW. i/t ia.
( 21 ^ La Pttttt Meh»n Ras tique , tu Ccun Théoriqui , V Pratlq$%
é'Agri€ttlture » d'EtúnêmÍ€ RaraU , CT Dçm$êtiqu€ Cfr, A Pâri% €h$% ||
^9 Memorias
teddo a Gadanha levantada para o ar , e abaixando-a de-
pois para que vá com a outra extremidade do seu cabo
( V. g. a ponta 5, do cabo da Est. L Fig. i.^ ) onde pren-
de a folha , pouzar noutra superfície plana , ou no ctião :
he necessário pois , que levantando agora a Gadanha de
iK)vo, conservando sempre no mesmo lugar, em que pou-
sava, a ponta de cima do cabo Ay e dando volta á Ga-
danha , e abaixando-a de novo , venha a ponta da folha
da Gadanha a pouzar no mesmo lugar , onde pouzava , a
ponta B do cabo , e que para isso se marca. Os cabos
das Gadanhas de armas , e de meias armas sáo direitos ;
mas o da Gadanha simples he torto , como tudo se vê nos
debuxos : e esta configuração dos cabos he assim conve-
niente. En Freyberg, e em Dresde , e noutras partes usão
Qs Gadaiiheiros dum manipulo » que prende no braço es^
querdo por cima do cotovello , e vai também prender no
cabo da Gadanha , junto á muUeta do meio ; e facilita ,
e ajuda o trabalho da ceifa dos pães , que sem manipu*-
lo se nao páde bem executar. Vê-se este manipulo na Est.
IL fig. 4.^ em O.
He diíHcil o explicar a manipulação do Gadanheíro
gadanhando ; e isto aprende-se , e sabe-se melhor com a
practica ; quem nunca vio este trabalho , deve aprender á
força de ensaios , ou então com hum hábil Gadanheiro :
comtudo direi alguma cousa, posto que breve , a este respei-
ta Os Gadanheiros devem arranjar-se no serviço , de forma
que fiquem do lado do Nascente , e gadanhem com a cara
ao Poente ; porque nesta postura o pão cahe melhor sobre
a Gadanha. Baumann diz , que o ceifao com a fouce deve
seguir o mesmo rumo. Mr. Duhamel , fallando do meca-
nismo da gadanbagem , diz , que o Gadanheiro , quando
gadanha o feno, e a aveia, caminha' traçando duas linhas
parallelas com seus pés, que elle move alternativa n[>ente a
cada gadanhada ; mas que para gadanhar o trigo , cevada ,
e centeio , a marcha , que o Gadanheiro faz , deve ser por
Jmma sá linha ; e que elle deve levar hum pé adiante do
putro, de forma que a cada gaJanliadela o pé esquerdo fi-
quer
Económicas. 29
que sempre atraz y e o direito adiante. Também diz , que
o Gadanheiro deve ter o vento á sua esquerda , paraque o
pão caia naturalmente na Gadanha , e que assim se pôde
gadanhar mais rente , e que o golpe da Gadanha he aju-
dado pela resistência do veilto. Diz , que o vento em fa-
ce he prejudicial , porque occasiona huma grande dispersão
de espigas , e que o vento á direita he o peior y e oue o
trabalho feito assim occasiona huma immensa peraa de
espigas, que fícão pelo rostolho. Estas advertências basta-
rão para o Gadanheiro intelligente , e para o Lavrador avi-
sado , que devem aprender , e conduzir-se guiados pela
experiência , e pela razão. Os Alemães ceifao os pães , que
estão acamados por terra, com a Gadanha de meias ar-
mas , que , sendo bem manejada , faz ntstt caso bom ser-
viço.
As Gadanhas de que tenho fallado , como também a
Flamenga , de que heide fallar , não podem servir senão
nas terras gradadas , e que não tenhão pedras , nem tor-
rões. Nas lezirias , como não ha pedras pelos campos , e
como toda^ a sementeira he cuberta com a grade , não ha
inconveniente em usar das Gadanhas , senão nas terras ,
que tem muitos , e grandes torr6es , e que desgraçadamente
náo são poucas , em razão do máo serviço da lavoura , que
alli se raz. No Alemtéjo, como pouca sementeira se co-
bre com a grade , mas quasi toda a rego , e como este
rego se não grada depois ; só se poderá por hora usar da
Gadanha de Mr. Duhamel , nas sementeiras feiras a rego
não gradado ; porque aquella Gadanha he humas seis po-
legadas mais curta , que as outras , e tem meias armas ,
como se pôde vêr da sua descri pção , e debuxo , nos Elem.
de Agric. deste grande Economista Tom. I. pag. 388 ,
est. 2. iig. 9. He verdade , que o uso desta Gadanha não
fará o mais perfeito serviço , como já disse atraz ; e tam-
bém he verdade , que nemhuma Gadanha poderá traba-
lhar nas terras cheias de pedras. Em verdaae o' methodo
de sementeira do Alemtéjo deve mudar-se , gradando a ter-
ra depois de semiada a rego , e escolheirando-a de todas
i as
^4 K
^o Memorias
às pedras , e não deixando nella torròes. Os Lavradores
Alemães não consentem em suas terras nem pedras , nem
torrões ; os melhores semeiâo a rego ^ mas todos gradão
a terra semiada.
Taes são os instrumentos, com que, me parece, se
Eoderáõ melhorar, e abreviar os trabalhos das ceifas, nas
,e2irias , e no Reino , seguindo justamente todos os pre-
• ceitos , que a este respeito lembro : e creio , que nisso te-
rá o Lavrador muito proveito , como também o Estado.
Pareceme , que estes instrumentos , e methodo de cei-
fa se poderiâo pôr em practica lias Lezirias do Ribatejo ^
em terra , que se cultivasse por conta da Côroa , e que
alli se deverião fazer as convenientes experiências , para o
trabalhador ; para se verificar o que digo , se fazerem no-
vas tentativas , e se introduzir assim naquelle Paiz este
novo methodo tão útil \ mostrando practicamente suas van-
tagens.
O que proponho aqui não he hum vão projecto ima-
finado ás escondidas no silencio do gabinete, ou tirado
e informações empíricas j mas he o que se practica pela
£uit)pa , e que eu vi praticar em muitas partes delia , e o
^ue nos ensinão os maiores Escriptores Economistas, Ale-
•mâes , Francezes , e Inglezes. É se isto se practica nos
Paizes da Europa , onde melhor se entende a Economia
Rural , e se os Lavradores daquelles Paizes , como peritos
na matéria , o achãd bom , e vantajoso ; porque nao será
cUe igualmente boni^, e vantajoso para o Lavrador Portií*
^lez i e porque o não porá elle em practica ?
y
ÀR«
E Q 9 y o H I Ç A 9. 3t
ARTIGO V.
Que trata da Descripção das Gadanhas.
VA GADANHA FRAÍUCONIENSE.
Est. I. Fig. i.«
ABy o cabo de^ta Gadanha, c , a mulleta , em que o Ga-
.^iy danheiro pega com a mão direita ; também ás vezesi
costuma ter em ud outra mulleta. D , a folha de ferro da Ga-
danha , que serve para cortar o pão. £ , E, a5 armas da Ga-
danha» Fy huma possa jde páo^ que forma como hum meio
arco y e está pregada pela ponta de cima no cabo da Ga*
daoha (e a que eu chamo a abohiz), e por baixo segura»
se noutras pessas de páo g^ g 9 que por cima estão prega-^
das nelia, e por baixo, no cabo da Gadanha ( e a que eu
chamarei as linhas), b^b^h ^b ^h ^ cinco pessas de páo^
que estão pregadas nas linhas , em forma de degráof de es«^
cada de mão ( e a que eu chamarei as travessas ) . Todas
estas pessas formão huma armadilha , na qual encosta o
pão 5 quando o vão cortando ( e a que eu cnamarei o.en*
GOSto ) . 7, 7, /, /, /, cinco dentes de páo , que estão numa
das linhas do encosto, a que está mais junta a folha, es«
tando pregados junto das travessas. O que está mais pertd.
da folha lie mais comprido , que os outros, que vão di-
minuindo todos. Servem estes dentes para enganchar , e se-
parar a paveia de pão •, ao tempo ae o cortar; e por is-
so eu lhes chamarei os ganchos ^ e a todos juntos o gar-
fo , que serve para apanhar o pão. /, /, huma travessa
inais forte ^ que çerve para melhor segurança das linhas.
DAS
3i MèmòhiàI
DAS GADANHAS DA SAXONIA ELEITORAL.
Não sei^ que estas Gadanhas fossem des criptas , nemàe*
buxadas por Author nenhum.
Estampa 11. Fig. i.«
tS Epresenta a Gadanha darmas Alemã , própria para
XV ceifar o trigo , centeio , cevada , e aveia , que nâo es-
tiverem acamados.
AyB^ o cabo da Gadanha, que he direito, r, huma
mulleta posta no meio do mesmo cabo , e em que o Ga-
danheiro pega com a mão direita. 2>, a folha de ferro da
Gadanha. E , huma caixa , ou bainha da folha, da Gada-
nha , ella he de páo feita do comprimento do gume da
mesma folha , e com sua curvatura , e tem pelo lado coa-
yexo hum regueiro ao comprimento todo , e era que encai-
xa a mesma folha. Serve para encerrar y e encubrir o gume da
mesma folha , na qiial se segura com as cintas , ou anneis
de correia , /*, f^ /*, que estão enfiados , e seguros no cor-
dão 9 p , que prende nas duas extremidades da c^ixa , ou
bainha. Na Alemanha nenhum Gadanheiro , fora do tra-
balho, pôde trazer comsigo a Gadanha, sem estar guarne-
cida com esta bainha, g numa linha de madeira , que ser-
ve para segurar os dentes , ou ganchos do garfo , e faz o
encosto j está por baixo pregada numa viela de ferro , m ,
que está preza com a outra viela de ferro , n , que segura
a folha da Gadanha no seu empalmadouro. i, he a se-
gunda linha , que serve também para formar o encosto,
Sre^a por baixo no cabo da Gadanha , e por cima na a-
oíuz. /, he huma pessa de madeira , que forma huma
espécie de meio arco , ou a abohiz , que prega por huma
ponta no pé da Gadanha , e pela outra está oividida em duas
Íontas , que pregão nas linhas , e formão assim o encosto. /,
, /, /, o^s quatro dentes do garfo , aue servem para apa-
nhar o pão, e estão pregados na linha; g.Oy o manipulo
Económicas; 33
feito de couro prezo a huma cordinha , que se ata na mul-
leta da Gadanha , e se. enfia no braço esquerdo , quando se
trabalha j e £icilita o serviço aos Gadanheiros , como fica
dito : tambeni se usa na Gadanha de meias armas, q^q^
q^qy quatro cadeias de arame amarello fortes ,*Tjde pren-
dem na linha bj e nas quaes enfiáo em seus anneis os qua-
tro dentes , e servem para maior segurança destes.
Est. II Fig. 2>
Representa a linha 3 g, das armas da Gadanha sepa-
rada , com os gaiíchos, Ijl^ljlj do garfo , c que forma
propriamente com os dentes o mesmo garfij.
Est. II. Fig. 3--
Representa o encosto da Gadanha formado por parte
do cabp delia B , com as duas linhas ^ gybj a abohiz y
ou arco, /, e a foiha, D, e a viela, r.
Est. II. Fig. 4.^
Representa a Gadanha de meias armas , que serve pa«
ra ceifar o trigo , centeio , cevada , e aveia , que estáo a-
camados ; e que por isso se nao podenr gadanhar com a
Gadanha de armas*
AyBj o cabo da Gadanha y que he direito, e^ a mul«
leta onde o Gadanheiro pega com a mão direita. D , huma
Í>essa de páo , que forma hum meio arco , ou abohiz , aue
az a& meias armas , e prega por cima no cabo da Gaaa-
nha , e por baixo numa viola de ferro , g , que está segu-
ra com outra viela de ferro , F , que prende o ferro da
folha da Gadanha no seu empalmadouro. £, a folha da
Gadanha colocada no s&cabo, e segura ahi com a viela
de ferro F.
Tom. r. E EsU
M%w%t^t
í^lLl^f^
' ^ C i iwb , com e
^, e o favacD^, do
' à» fidt mesaa fi>-
mmmm cbm Ío abo da Gadanha, Fig.
A^Bme^tai ofisno, ou
B t <■ 'Vo ■> aesax) ca*
.,— . ■> Bcsax) ca*
m káaki Ai com db Cadãséat gj que
, c «■ peb kào CDorexo iium re^
as Mi^i áp y flD Mil cBcni ogune da folha da
í^i\t, ào as&nçsddias de corréa » que segu-
is 2B «âL /y /\ ht ham cordão prezo nas
ca Iw^, e qoe serre, pau segoroc as bra.«
£ft. l Fig. 1.-
l^f^g^a t Gadaoia siamês , ou ordinaría de cei>
^ g ke oeAo da l uuMa Gadaafa. <*, he a muUe-
_ ^p jp jf^ ao ocupo do oxsoio cabo. D , outra mui-
Tau OK essa " poff^* "• ^'-'"^ "'-' '"^'^'-'' •^- j « iuiiKi
j^v^i Cjdmfca. F, ftpestaira o pé da Mha da Gai
ala stroso cora sua viela no cmpalniadouro. Esca <^-
^ aàó tem annas , nem p"''"" ««■■—«»'«'> «•
«r isso lhe chamo Gadan^
pr de sfr direiro ,
SMJas armas, fie rc
representado o cabo
}nTO SC
B c ò » 6 M r c A s. 3f
mias muUetas C, D. Assim como o atho direito facilita o
trabalho nas Gadanhas confpostas , que nSo pòderíSo tra-
balhar com cabo torto , assim este facilita o trabalho na
Gadanha de feno , que nâo faz tâo bom serviço , quaiH
do tem o cabo direito.
Eu possuo os originaes , e os modelos das Gadanhas
da Saxonia , que os mandei fazer em Frejberg , e em Dres^
de, donde os trouxe para este Reino; e isto para os fazer
conhecer aos nossos Lavradores t e estpu prompta a mos**
tralos a quem os quizer ver , com tooos os outros mode-
los de instrumentos resticos ^ que já me chegarão dos Paí-
ses* estranhos , que viajei.
A R T I G O VI.
OV ÃPPENSO SOBRE A GADANHA FLAMENGA.
EU possuo hum exemplar desta Gadanha , que o trou*
xe de Dresde , onde mo mandou fazer o meu amigo
o Conselheiro Riem Secretario perpetuo da Sociedade Eco-*
nomica de Lipsia , c^ue he hum Economista theorico , e
practico bem conhecido na Europa. Nâo tenho comtudo
Ibito uso , nem visto usar da mesma Gadanha ; e por is^
so y além daquiilo , que já disse a seu respeito , no tocan-
te ao calculo de seu serviço comparado com o da fouce,
direi ainda alguma cousa acerca da manipulação da ceifa feita
com esta Gadanha, e sobre suas vantagens, dando a de»^
cripçSor delia : extrahido tudo duma Memoria , que Fraia
Ei^elmann publicou em Vienna de Áustria em 1799 , acer-
ca da necessidade , e utilidade de introduzir nos Paizea
Hereditários esta Gadanha , como preferível á fouce , de
que ainda se usava muito , e como hum meio de remediar
a falta de braços para a ceifa , e o grande jornal dos ceí«
fóes (2x).
E ii Es-
C 2a) DfV MitéêflãndiStht PMêãh tkãtiges UâlftmUtti %um Sckmttê ,
4cr Fildfrãehtcn ^ Wéh€ p lUfM , Héb^f 9Sr€. mlt hUhttr Mãhê wiJ
36 Memorias
Esta Gadanha serve para ceifar toda a qualidade <le
pão y ou elle esteja direito ; ou acamado i o seu serviço
também he hum pouco mais suave , que o da Gadanha do
feno ; poisque ella náo demanda tanta força de golpe ^
Ç)rque corta menos de cadavez , porém mais a miúdo,
ambem se esbagoa cooi ella menos grão ; porque o pão
cortado não se lança logo sobre a terra , mas fica encòs-
tado ao que ainda está em pé : e quando se tem cortada
hum meio molho, então he que se lança brandamente so-.
bre a terra , com ajlida do gancho , e do pé. O Gadanhei-
ro anda com o corpo direito , e não faz hum movimento
tão forte , e penoso , como com a Gadanha do feno.* O
pão cortado com esta Gadanha não se embaraça tanto y
riem se esbagoa muito , porque se não lança com violência
sobre a terra , mas sim se ajunta em boa ordem.
Accresce ainda a isto , que o corte do pão se nâo faz
com todo o gume da folha da Gadanha num só , e mesmo
tempo } mas orincipia com a ponta da folha da Gadanha ^
e vai correndo pfajtto^ JL^ pouco , até ao cabo : quando pe-
lo contrario, a Gadanhao^ 4ÀujÍI corta num só, e mesmo
tempo em toda a eitençâo do corte da folha.
Esta Gadanha diífere.da Alemã , em ter sua folha mais
curta , e mais larga , que a da Gadanha do feno , e em
não ser tão chata , mas alguma cousa convexa por baixo ,
e concava por cima. A mesma folha he também parallela
até ao terço de seu comprimento desde o pé ^ e dahi para
diante he, que principia pelas costas a diminuir, até con-
cluir numa ponta hum pouco romba , e arredondada. As.
costas da folha são guarnecidjgs com hum refego largo ,
que ser^e para que os pés de pão , que seinclinao alguma
cousa para diante com o gancho, senão possão espalhar;
porque seus trossos topão no mesmo refego ^ e assim íicão
tam-
WtnigircnKústcn , Stat der hishcr gowchnlichev Sichcln, Allen Otkcnê^
Ihen , Wktschtíftshtamten , itnd hesindcn dem X.findmanfít , empfchUn vrn
Fram Engtlmann , K. K. o. êstêríçULlsçhcm Siigitrungi PíêkliianKm
Wi^n, 1797,
E/COIVOMICAS. 37
tambiem iguaes por baixo. Este refego faz com que a Ga-
danha tenha a devida for^a , e hum pezo conveniente , que
occasiona ao tempp da ceifa huma pancada regular y seixi
a necessidade de dar hum golpe violento. O cabo desta
Gadanha he mui differente ao aa outra , e he. de tal com-
primento , que , tendo hum homem de mediana estatura a
iGadanha pendente por seu cabo na mão , não toca a Ga-
danha em terra : comtudovo cabo pôde fazer*se mais cur-
(o , ou mais comprido. O mesmo cabo tem em sua extre-
midade superior encaixada transversalmente huma taboi-
nha 'j e pouco abaixo y pregada no mesmo cabo , huma cazó-
la feita duma correia , em que entrao os dedos da mão
direita , quando se trabalha com a Gadanha : a taboinhaser-
ve para que o braço descance nella , c nâo escorregue. Es*
fa Gadanha também diffère da Álemâ , em que para o yr-
viço só se empunha com a mão direita, ao mesmo tempo ,
que a outra se maneja com ambas as mãos.
Esta Gadanha também tem outfa pessa , que consiste
num caimbo , ou gancho de ferro com seu cabo de páo
comprido , como se vê na fg. C, D. O Gadanheiro leva
este gancho na máo esquerda , e serve-lhe elle de aíFastar
as espigas para o golpe da Gadanha , e arranjar para traz ,
com ajuda do pé , o pão cortado , que iaz bem lium meio
molho. .
O trigo , centeio , cevada &c. sempre , em razão do
pezo de seu grão , se inclinão a hum , ou outro lado algu-
ma consa , se huma chuva forte , ou hum vento aturado ,
os impellea este, ou áquelle lado. Em tal caso pois o Ga-
danheiro situa-se em forma , que o pão fique justamente
com o lado inclinado , direitamente para diante delle ; e
tendo a Gadanha na mão direita , e o gancho , ou caimbQ
na mão esquerda, toma com este huma certa porção de
pão para cortar, proporcionada ao comprimento da Gada-
nha ^ sustenta com o mesmo caimbo as espigas aíFastadasí
para o golpe , e vai assim continuando em apanhar , e
cortar do mesmo modo a cada passo aquillo, que nelle se
pôde cortar. £lle vira para o lado esquerdo com o gan-
cho,
chó y e com ^uda do pé , o pão cortado » da ttesmi ma*
neira , qoe o cortou. ^ twna a cortar mais , e continua as-
•iim até ter ajuntado hum meio molha Cortado que seja
o meio molho ^ então assenta em terra atraz de si com o
caimbo, e ajuda do pé, o pâo gadanhado, de maneira
porém que as espigas fiquem contra o vento , para que es^
te não as espalhe com facilidader Feho isto então conti'
nua a gadanhar até ao fíin do terreno, procedendo sempre
do mesmo modo ; e quando chega ao fim toma sobre seu lacio
direito outro eito proporcional ao comprimento da Gada-
nha , e continua a gaoanhar nelle. Hum trabalhador bom ,
e bem exercitado neste trabalho , gadanha com huma ve-
locidade incrível , e íàz por dia com dia tanto trabalho,
como 4 até 6 ceifóes podem fazer com a fouce, como
eito mesmo vt, epractiquei (diz oAuthor da Memoria).
DESCKIPÇAÕ DA (}ãDAIíBAPLAMENOA.
Ejtampa I. Fig. 4.-» (23)
Esta figura representa a Gadanha de Engelmann moit-
tada, eprompta para servir. ^, a folha da Gadanha. B ^
o cabo. c a cazóla onde prendem os dedo» da mão direita
quando se pega no cabo para trabalhar, dy a telha, ou ta«
boinha , que está posta no remate do cabo , e onde pou-
2z o braço no tempo do serviço, e , a lingoeta da folha
• pos-
(«)) Esta Gadanha acha-se debuxada» posto que com pouca exactí-
Aa, na já citada Obra, e Esiampa de Mr. Roíier , e na da Agricuf^
fvra Theoríca , e Practica 1 que a copiou da outra ; e isto sem qu»
tquelltf esaiptores nos faUeoi do seu uso, • vantagens. O exemplar
da Gadanha de Engelmann , que eu possuo , náo he exato , o debuxo ,
que vém na sua Memoria , também o náo ke. Se houver paz então
mandarei vtr dt Flandres , • da Kollandt a mesma Gadanha em gran*
ét • ptra cá se poder faier com exactidio , e então se publicará cara^
bem i«u debuxo exacto. He verdade , que a Gadanha A lema expede
mais trabalho » e parece , que poderia por isso deixar de fallar da Fla-
menga: comtado úlo quiz deíxxr de dar esta noticia %ta núiior Ecff^
nentiil*!*
nfto tai{MJmtiioim> tio <abo , e «egyra coln t vidt
fio g*
£jf. /. Fig. 6.^
Esta fig. representa o caimbo. a , o cabo de páo do
mesmo caimbo, ou gancho, iy he ogaacho ^e fem>, que
fòrxna com o cabo a^ o mesmo caimba
Eff.L Fig. j*
•
Esta fig. representa a folha da Gadanha, ã , as costas
da menna tolha da Gadanha, ou o refego, de que já íal«
leL ^, o gume , ou corte da mesma fdha. r, o pé , ou
lingoeta da folha -da Gadanha por onde prende no empal«
nuâourOb
CONCLUSÃO , K RECAPITULA<;Â0. .^ ^•
HE sem duvida , que a incroducçâo das Gadanhas , de que p%
tenho fallado , se iâo poderá logo adoptar geralmente ^ ^^
em todo o Retno , pelas razoes , que ]i expuz : mas cann
bem he sem duvida , que se pôde ]ogp adoptar numa gra»v
de parte delle , o que todavia he já huma vantagem real,
O ceifar o pão na quarta parte do tempo , que até agora
se empregava ; o ceifar o pâo depressa no pooto justo de
sua madurez, perdendo pouco gr^, são condições porcer»
to de muita vantagem , e importância. Além tfe que o La<«
vrador , que devia dar de comer a quatro ceif($es , dá de
comer a hum só Gadanheíro , e poupa também a despeza de
três jornaes : e no caso de pagar ao GadanfaeifX) jornal e
meio y sempre poupa a despeza de dous jornaes e meio«
Seu grão será sempre mais barato em preço , e mais a-
bundante ; poisque a mão de obra he mais barata , e que
a perda do' pão esbagoado , e a da espiga desemcaminha-
da he menor. A mesma diminuição da mão de obra fará,
com que haja sempre trabaUiadores de sobejo para todos
CS serviços das colneitas , sem que aem o Governo, nem
08
/
40 MBMoirrA^
os Lavradores se vejâo nas circunstancias , oue detío occa^*'
siâo aos Decretos já mencionados de providencias sobre as
ceifas nas Lezírias, e no Âlemtéjo: pois he sem duvida,
que o serviço da Gadanha occasiona huma grande dimi-
nuição de braços na ceifa.
Estas vantagens são por si assaz claras , e podero-.
sas , para que o Lavrador cuide por todo o Reino em
adoptar o uso destas Gadanhas. Comtudo o Lavrador nem
connece as mesmas Gadanhas , nem sabe usar delias :
e posto que esta minha Memoria lhe àê as suíficientes no-
çòes para isso , comtudo nem pôde haver as Gadanhas ,
nem vio nunca usar delias. E quantos serão , entre nós ,
os Lavradores , que se resolvâo a fazer experiências a es-
te respeito ? Pareceria pois conveniente , que o Governo
mandasse á Academia Real das Sciencias de Lisboa , que
ella nomeasse hum , ou dous Commissarios dos Sócios
mais peritos na Economia Rural , para examinar esta Me-
moria , e achando em virtude deste exame , que as utilida-
des , nella ponderadas , sâo reaes , então desse as providen-
cias convenientes , para que a Memoria se publique impres-
sa , e para se construírem Gadanhas bastantes , e para que
ao mesmo tempo se procurem pelos Regimentos das Tro-
pas Inglezas alguns Alemães practicos no uso destas Gada-
nhas; e então mandasse o Governo hum Commissario pra-
ctico na Economia Rural , e mui particularmente neste ser-
viço , e na Lingoa Alemã ; o qual fosse com estes homens
a fazer ceifar com a Gadanha, nas Lezírias do Ribatejo ^
para o trabalhador alli aprender o uso , e manejo destas
Gadanhas , e mandasse a mesma Commissão ao Âlemtéjo ,
Sara o mesmo fim. E para melhor se conseguir o objecto
esejado , mandará dar Gadanhas (24) em premio ao traba-
Iha-
(14) Huma vez , que se hajt de introduzir o útil , e necessário
uso das Gadanhas , de que fallo » será entáo conveniente , que o Go-
verno dé igualmente providencias » ^ara que da Inglaterra , da Alema-
nha 9 t da Hollanda venhSo as folhas , çafras , martelos » e pedras pa-
ta as Gaiaalu» em quantidade iuffici6nt< « para supprir a todos os
E C o K 6 M I C A 5. 4t
Uiaâ<^ , qiie melhor se distinguir em aprender beot^ e ga-
danhar com perfeição : dando igualmente premio ao La-
vrador , que abraçar este methodo de ceifar , e preparar
suas terras die lavqwas , de fórma , que as. arearas possâo
.ser- ceifadas coín as Gadanhas; e mandando mesmo , que
nos contractos de arrendamentos das terras dè lavouras,. se
imponha a clausula , de que o colono prepare as terras ,
para admittirem o uso da Gadanha , e de usar delia. E
isto mui recommendada mente em todos os Bens da ÇÓ-
Tm. F. F roa,'
Gadanheíros » a fim de que estes as comprem a preços commodos.
Também será conveniente o dar as providencias > para que as Gada*
nhãs se apromptem com seus cabos , armas , manípuJos , cornas , e 'pe-
dras para se vtndaem por todo o Reino feitas com 'perfeiçfio « o
baratas* 5e senão tomar esta medida» será o Gadanhetro » ou. o La-
vrad^r obrigado a comprar as folhas das Gadanhas « e seus pertences «
por hum preço excessivo. Eu querendo na occasíSo presente comprar
algumas folhai de Gadanha, para satisfazer a Commissão, que a Aca^
demia Keal das Scienciat de Lisboa me deu « de mandar apromptar
algumas Gadanhas , para se fazerem provas com ellas » achei quem
n>e pedisse a 2880 reis por cada folha efe Gadanha, sem safra, mar*
'telo , nem corna ; e stS noutra ^arte pude haver algumas a aooo réis :
senda que as folhas em Alemanha custâu de 340 » até )Oo iéis«
O Governo páde mandar á AfãíUtni^ das Sciencias^.» que proponjia
a maneira de satisfazer a toda esia incumbência « e de a executar. A
Sociedade conhece no seu corpo , e pelo Reino os .homens mais ca-
pazes para os n^ocios da Economia Rural : e he este hum dos ob«
;ectos g em que elfa pôde servir ao Governo immcdta lamente : e esta b«
lambem a maneira , que me parece mais acertada para conseguir hum
tão importante fim. Devo ainda dizer « que de Inglaterra vem folhas
de Gadanhas» e Gadanhas ji feitas : mas simples , e s6 próprias parli
gadanhar a feno. Estas folhas sSo mui compridas» e pezadas., e fei«
tas com differcnça das A lemas ; de fórma que não he possível usar
das ditas folhas para fazer as Gadanhas darmas. Os cabos das que vem
feitas são mui fories , e por isso pezados » tem duas grandes tortuo^
sidadcs » e duas mulletas moveis nos mesmos cabos » nos quae s ènfião
por teus anneis* Devem estas Gadanhas ser mui expeditivas na ceU
fa do feno ; e talvez » que pondo-lhes meias armas sejão boas par»
ceifar o pão acamado. Por tanto pois não podem aquellas folhas ser«
vir para fazer as Gadanhas Alemãs : e em taes termos he necessário
niandalas vir da Alemanha , ou mandalas fazer em Inglaterra > pof
modelo Alemão^ Também por prova se poderáÓ mandar fazar algumas
n« Ffbrica de folhu de serie em Alcobaça | e oa Fundirão» Dirin^.
^ /M E M Cit I A « '^
roa , e,Ordefls; c ordenando tairibexn , que seja mui prl*
vilegiada mente conservado em seu arrendamento , sem ai?
teraçao alguma , o Lavrador, ^ue ssutisfizer plenamente a
estas clausulas. Eis-aqui o que tenho ,Wie dizer aeste res«
Êeito , concluindo com o emblema da Academia Keal das
ciências de Lisboa , que diz :
Nisi miU tu quod fãfhms siMÍtd €st glofÍ4.
A D V ER T ENC I A L
AAcademia Real das Sciencias» depois da leitura desta
minha Memoria , mandou fazer algumas Gadanhas
Alemãs , como adverti na nota 24 ; e oraenou , que com
ellas se fizessem provas , o que com efFeito se practictu ,
na forma do Annuncio publicado por Ordem da Academia
na Gazeta de Lisboa do i."* dt Outubro deste presente aft*
no de tSlo , n.° 135* , e que vai transcripto adiante na
Advertência IL , tal qual se publicou.
O Juiz de Fora da Villa de Alcácer do &1 , Ma-
noel
hâ ttlvez algiiem » qua etia' Gadtnba simples • ou do feno poderia beni
servir » «em mais apparatn algum , para faier e ceifa doe páes , vs%\tn
como serve para o feno : e eu respondo a itao o lej^iiime. Na Mavie*
ra ce^i a cevada « aveia » iencilhat » e cemeio com a GadaiUia ordinii-
fía/^h feno ; «Ha c^ifa porém não só causa hum forte abalo not pét
do pio » esbagoando por iaso tmmenso grio , mas confunde muito es
espigas , e por isso se perde taiTiòem muiu espiga. Como o pio he
lirrastrado com a Gadanha pelo ro^olho , da mesme forma qtie o fe-
no » fácil he de v^r. o estrago « que esta ceifa deve accasionar
INI funda da eira ; estrago desmedido , que tem duvida se deve evi*
lar. Esta ceifa pois «do pio com a Gadanha siifiples não tem outra
vantagem t senaci a de concorrer grandemente para adiantar «notto o
trabalho » e salvar o Gadatiheíro Jo incommodo , e perigo de mor-
re? coni a fouce na mao. Ora todos estes íncohveiifentes se evitáo
citm a Gadanha daimas » a com a flamenga^ » evitando ao mea«>
MO t^mpo a immensa perda de grão ^ <]ue a Gadatiha simples causa ;
esta deve pois só servir jpara a ceifa do feno « b as omias para a
Eí^COTHT d. Iff t C A S. 4}
nòel /Feiteira Tavares Sahador , tendo fido o referido
Ânouticio, e codfteddo a otilidade das mesmas Gadanhas,
escreve0<0ie , em casta de 9 do mesmo mes y pedindo-me
lhe dissesse ^ o çoo» poderia hafver Gad^mhas ; por quais*
fo desgava mtMducir o «so deilas^ no termo de sua JurtSK
dicçSo , coino lugar de muitas larouras. Participei esta car-'
ta á Academia, a ooal loin^aiido ao mesmo Juiz de Fòrá)
ordenou na Assembléa Ordinária do dia j do presente mez
de Novembro de 1810, ^ue se lhe oíFerecessem duasGada-'
nhãs y das queescscem fètcu no MiBceo da Aicademia. Joi*-
guei a propósito deriarar aqut isto^ tanto para mo^tr^r pu-
blicamente a generosidade dos Senhores da Academia em
todo quanto possa concorrer para promover o bem públí*
CO , e Êizer noccrio o merecimento ; como por que me pâ*
receo justo o manifestar o zdo daquelle benemérito Ma«
gistrado y. peio adiantamento da Agricultura , em que mo9»
tra oao ser hospede-.
ADVERTÊNCIA II.
A Academia Real das Sdencias de Lisboa ^ prompta a
jr\ promover mdo qnanto puder melhorar , e facilitar
«7 aamvador os serviços do campo, com diminuição de
trabalho , despeza , e tempo , e sem risco da vida do útil
trabalhador , mandou fazer aJgumas Gadanhas Alemãs ^
peloe exemplares , que da Saxonia trouxe o .seu Sócio Joa«
ipiim Pedro Fragoso de Siqueira ; e mandou fazer prova
com as mesmas Gadanhas , incumbindo esta commissao
ao dito seu Sócio. Este , tendo chamado dous Soldados
Alemães do regimento sétimo do Exercito Inglez , que sa-
biâo manejar a Gadanha , fez com elles huma prova des-
ta nas tenas , que ficâo contiguas ao Hospital Inglez da
Estçella 5 prova que se fez em o dia 26 de Julho do pre-
sente anno de i8io« Já não restava alli mais trigo para
ceifar senão o de hum homem de serviço para a fouce,
serviço que hum ceifão mal pocleria acabar com esta num
dia. Porém os dous Soldados Alemães ceifarão este trigo,
F ii com
\
44 M £ M o t I A 9 '
com as Gadanhas Alemãs , em três quartos de hora. As
Gadanhas em virtude de sua construcçâo cortâo y e apa-
nhâo a paveia de pão, e a lan^o de lado com íàcili*
dade , e perfeição, oem se vé pois desta prova , o quanto
será vantajoso o adootar já para o anno que vem este me-
thodo de ceifa em Portugal ; visto que o Gadanheiro da
Gadanha Alemã faz em hora e meia o serviço dum
bom homem de fouce por dia. A Academia não teve a
satisfação de mandar fazer mais provas , porque as ceifas
estavâo acabadas, e espera promover no anno qiie vem as
ceifas das Gadanhas Alemãs para bem do Lavrador , e
do Público. Assistirão a esta prova o Doutor Francisco
Manoel de Paula , primeiro Medico do Hospital Militar
de Lisboa , e Medico da Camará de S. A. R. ; João da
Costa de Cabedo , Commendador da Ordem de S. Ben-
to de Aviz , e Chefe de Esquadra da Armada Real ;
Florêncio António Rademaquer , Official do Conselho da
Fazenda ; *e o Desembargador do Porto Filippe Neri dá
Silva ,^ Cosmógrafo da Comarca de Evóra , que então se
achava em Lisboa ; assistirão mais o dono da seara , dous
trabalhadores duma eira , práticos no serviço da fouce ,
e outra pessoa mais , que eu não conheci , e mostrou to:
conhecimentos de Agricultura : e todas estas pessoas pre-
senciarão a facilidade , perfeição , e brevidade , com que
os ditos Soldados executarão a ceifa ( posto que havia an-
nos que não pegavão nas Gadanhas ) desejando muito ,
que este methodo de ceifa se introduza em Portugal. Se-
cretaria da Academia 22 de Setembro de i8io«
ME-
Egouomicas;
AS
MEMORIA
Soh^e a cultura ^ e utilidade dos Nabos na Comarca
de Trancoso.
Por JoXo Makosl de Campos de Mesquita* .
Cone algumas notas
BE Joaquim Pepeo Fragoso de Siqueira.
u A s espécies de nabos se cultivâo na Beira Alta ;
. vindo a ser : o Gallego , ou redondo ; e o tumipe , o
ou oomprido«(i). De aoiMs as qualidades se encontrão
gran-
D
'^"^
( 1 ) Os Economistas Eotanicos » tanto os Alemães . como os Fran-
cezes » descrevem três espécies de nabos , que se cultivSo na Alemã*
nha , e na França > e sSo : i.* Nabo de cozinha , ou nabiça » Brauicã
Umpus dt Linni , em Francês Navct » em AlemSo MSrknchin Râhtn^
a,^ Nabos de horta , ou redondos , Brassicã Rapa ét Linm » em Fran-
cez. Gro» nãvtts 9 em Alemio , MayrHheo g êdtr TellerrúbtUm )/ Na«
bos bravos » silvestres , ou do campo , Brassica Na pus Sllvatrli dt
ttinni t em Francez Navcttê ^ em Alemão Rúhsamen » Rúbscn^ Fillãs»
sicr no seu Dtccionario do Quinteiro Fiancez descreveo lo castas da
1.* espécie » das quaes humas se semeiâo em França , do meado do
Veráo por diante , e outras desde o fim de Fevereiro até ao irez de
Abril. Bcckmúnn nos seu< Elementos de Economia RuiaJ Alemã des*
creve 7 castas da a.* espécie. As primeiras duas espécies cuItivSo*te
para o uso da cozinha , e para o gado » e a 3.* para fazer azeite de
sua semente. Na Alemanha » na França , e na Inglaterra semeiáo*s«
grandes cearas da 3.* espécie, para de sua semente fazerem azeite» o
qual serve muito para as luzes » e nas artes « o bagasso que fica do
aze.ite he bom para as vacas de leite , a palha he boa para todo o gado »
para o qual faz bom v^erde a planjta. Esta planta merecia cultivar^e en-
tre DÓa para augroentar o azeite , de que ha falta, ^obre sua ciiluira pòd^
]er*se : Trúlté imr la ipéilleara manlerc dt culUvir la ttavctU , €l U ecliat , tt
d'ên extraire unt hulU depauillét dt saa Wfittvaif gmt » tt úe Sí^ cdtpr dè^
SAgré^blCf par VAhbi JUaicn Paiiz 1774 l^ Sci^ia importante o. dea-
4$ r. 'M B M o 1 1 A âí
grandes , e pequenos ; porque o seu tamanho provem do
eêmem no coliim Sabemo» , que em ^salquer semente e»
tá já organizada a planta , que delia ha de nascer ; e que
a terra nâo faz mais , qiue deseovolvda ; e por isso das
mais graúdas sementes sahem mais bem creadas plantas.
TM^ o Lawddor , guiado pdâ experiência , escoHiç sempre
para semear os grãos nrais grados de sua colheita , quan-
do pertende obter castiças produções. Consegue este bene-
ficio 46co>beodó oe maiores nabos de todo o nabal ; e an-
tes de grelarem os transplanta ao abrigo em terra humosa ,
ou gorda i e alli os conserva até a «psefeita creaçâo da se-
mente, arrancando-os ; postos a seccar á sombra , os des-
grana a-iliedidii^, e recoíbe a flemenw O? pássaros sào golo«
SOS desta semente, a qual defende com palhas , ou semelhante
lepafo , em quanto^se crilo , e amadurecem as vagens ( i ) •
X."^ Nenhuma planta requer mais amaohos y e estn»-
^BW ( ? )> ^^ V'^ ^^ > quaado se pectçndem volmnosaa
ca-
cvev^r botânica , e economicamente todas as qualidades de nabos , que \
se cullivfo pelo Reino indicando seas nomer, tempos de semehteira ,
e usos • e seguindo naT descripçòes o methoda dè FUlanUr no refe'
rido Díccionario. Fragoso.
(^) As sementes de today asctstrv de nihos recolbems^ , e guar«
d9o-se para sua sementeira ; e por certo fazem também bum impor-
tante , e utíl ramo de commercto no» paizes onde se cuida bem da
Agricultura ; da Inglaterra , « doutros paizes mais nos vem estas se-
mentes ; e por isso he necessário conhecer quanto estas sementes do*
ikp em estado de poderem grelar , ou nascer. Flliúrsier no citado Dic-
cionarto diz , que a semente dos nabos dura quatro annos em esta*
db de grelar ; não obstante comtudo « que a semente dalgumas das
espécies » que elie descreire só dura dous annos. O Senhor Rckharí
no seu Thesouro de Horta , e de Campo éh » que a semente de rodit»
as espécies de nabos dura três annos em estado de grelar. Tom^ I. Part.
I. cap. II* p^g* 94* o Senhor Johann Chriftián (fotthãri no teu Tra-
tado da Cultura da Horta Aleml dá quatro annos de duraçSo ás se-
mentes dos nabos ; e diz » que na sementeira deve a semente Acar ci»^
berta com huma camada de terra da grossura duma carta de jogar « &
que ella tiasce ao quarto » ou quinto dia de semeada. Fragoi^.
V ) .^. He sem duvida • que a terra deve ter bem preparada g pafa r
sementeira dos' nabos . isto he » bem' lavrada » ois bem eavatk » bem*
limpi de pedras , e hervas , e bem- estercadi ; comtddb é tmn es^
ttfrci(tt de norot e sobre tudb-ai^ut-encrQtdtnlo faecoarenicm^ fa^
ckbeçati Na ViUa da Meda, iCemarca ^ Trancoso , <)ue
fsàãúz as ma» Yamajosas , oa ítrm do nabal naída maia
aemeiáo colhidos €6 nabos. Tirados «lies :se «terça o ^eir»-
00 com abundância ^ immediatameote se esparge o estni-
ose y e cobre logo com o arado. Detestável cosuime he o
de conduzir o esterco ás terras , e deixar os montes {sor
cobrir , -e i eiposiçlo do Sol , e dos ventos , ^ue o estão mir*
rando; e quando se oobírfe esta sem sucos fertiliaaaites , qa^
constituem a preciosiilacle do mesmo. Elles logo o ea»
Cargem , e coomm ^ e gcadáo a terra. Nâe espei^ , que
rote hum iio de faerva , porque a qualquer %iiumtdade da
tempo dâo hum fierro á terra , traaendo^a sempre eomiça^
da y e sem tonâo alguma Prosseguem nesta repetição de
Êibricos até Agosto , tempo propriíssimo da sua sememeirs^
a.*^ Não se «espera senáo , que por Kido tste ^mez vft-
nba alguma agoa , névoa ^ ou. qualquer rdtoto , paca ouf
possio nascer ; porque sem humidade táo se desenvolvo
semehte alguma ; quando sabemos, que esta he a inateriai,
e o calor o espirito de toda a votação ; e sendo miúdas
as sementes , qual a do nabo , se mirra , e p^e a geiv
miniçSo , demorada tempo na terra secca , sem nascer:
além de ser roubada pelas feií ni ga s , e outros -imeios.
Quando no nascimento dos nabos se encontrão sities cal*
vos j em que deixarão de brotar; alli semeão centeio ra«
lo , para ferra; porque os nabos nascidos fóra do tempo^
já produzem pouco , e não crião cabeça ; por experiência^
de longos annos. Semente escofliida, abunaancia de ^tet^
cos y nada mais semiar naquelle terreno ; repetição de ara-
dos, e grades; e nasci mento no fim de Agosto , ou prin-
cípios de Setembro , 5S0 copulativos requisitos indispens#*
veis para se colherem nabos de grande volume ; e faltando
qualquer delles jamais se alcança ( 4 ) •
j.^^To-
ia • ciiUiirt doi oAbos » que itiido i:t«adoi em terra auitp « labem bU
chosos , e ioiipidoi. £ isto o aconialba « -e aietu de prapria expe^
ríencia o habilissimo Economista AleiiSo CkrUtiãn KeUkáu4 ^ ps sua
Obra já cHééa. Tum* h Pirt» 111. pas* 171. F.êgêsê.
< 4> Fica dilo • ttemf>Q 4U ismeilteir» 4çs iHiWt Ofk Jeka X^ae pf^^ ^
iii^
Sl*T^"
4S . M E ir O R T A s '
3«^ Todos lhe pôde a industria ministrar, á excepção
das humidaiies ; porque dependem das cx)ntingencias da es-
tação. Montado num tonel em hum carro; e da fonte, ri*
beira , lago , ou charco mais próximo se conduz cheio para
^ terreno barbeitado. Entrado alli, se lhe destapa a tor-
neira , a que se pendura hum cesto , a fim de que espalhe
a agoa ao cahir; andâo os bois até eíFectivo despejo : vol-
vem á mesma tarea , prosseguindo na carriagem até pela
noute dentro ; regando por esta fórma a possivel porção
de terreno. De madrugada se dá iomiediatamente ao chão
regado huma ligeira relha , e logo se esparge a nabinha ,
e se cobre a grade. De tarde se continua no mesmo meio
de rega , e pela madrugada se repete a mesma fórma de
Sementeira ; e tudo por mais tardes , e madrugadas , se o
^ábal he estenso. O encarregado do melhoramento da cultura
sa Comarca de Trancoso acodio por esta industria ás se-
nlenteiras desta namresa , que deixa vão de vingar nujitos
annos ; por não chover ^ tempo; perdendo o Lavrador o
celeiro de seu gado ; que outro nao tem mais que o na-
bal(5).
; 4." Nas-
Comarca de Portalegre he o mesmo ) » e o modo de preparar a ter-
ra ; e não será pouco importante o saber a quantidade de nabinha ,
que se deve semear em certa porçlò de terra » e o modo de a semear
com igualdade : para evitar tanto o estrago da semente , como o fi-
carem os nabos mui bastos. Kelehart na citada Obra Tjom. I. Part.
III.. pag. 171 . e Part. I. cap. 4. pag. laa, diz, que se aterra, on-
de os nabos se semciâo , he ligeira , que então se deve semear em cada
geira de terra meio arrátel de semente ; mas que se a terra he forte só
se devem semear doze onças de semente em cada geira. Ora a geira
de que se trata he a geira da Saxonia Eleitoral , a qual consta de
)00 toezas quadradas» A toeza òo paiz tem 1$ pés e j de pé de Lip-
sia> pé que faz 1900 linhas de pé de Rei , de França. No que toca
ao modo de semear com igualdade ; como a semente dos nabos he
muito míuda, parece dificultoso o semeala com igualdade: e por isso
lie bom mistura la com três partes de cinza • e huma quarta parte de
ferrugem de chaminé passado tudo por joeira. Este he o acertado me-
thodo » que PilhisUr éxp6e no referido seu Diccionario Tom. II. ediç.
de 179 !• pag» «*<• Vi'ag0Sê.
(^^^ O methods de rega que o Author aponta , e pòz em pratí-
€1 » be por ceito muito bom a c dígoo do le fazer notório a todoí
E C o N OM 1 € As. 47i
4.^ Nascidos os nabos naqueile assighaladò tempo , po^
conta da natureza corre a sua vegetação , sem que precizem
de mondas , ou cavas ; porque com suas pomposas folha-
gens aflfbgâo as hervas estranhas , que em seu meio vem bio-
tar. Huma vez que nasçao , c hajão tido os preliminares
fabricos , sempre criao presenteiras ramas, e grandes cabe-
ças. Nascidos elJes , se sobrevem , e continua intenso ca-
lor, costuma vão insarse de huma espécie de. moscas dene-
gridas , c miúdas , que os atacavâo , e comiao até a tenra
raiz: a qual mosca tem o nome de Cuca\ envolta semen-
te de raDâos , com a dos nabos , tem vindo aquella pra*
ga ; mas se observa , que toda se occupa nas plantas dos
rãbaos, sem tocar em as dos nabos. No Ribacoa se repe-
tirão com segurança os ensaios sobre a arteficial fórma de
rega , e da defesa da cuca , ambos tirados dos Seminários
Tom. F. G Ma-
os Lavradores : eu julgo » aue este methodo se pôde praticar em gran*
de nos campos de semeotilbas 9 e cearas » eoi tempos de seccas. O
meu amigo « e condiscípulo Mr. Silvestre publicou em Pariz no Diário
de Fysica do mez de Dezembro de 1790. pag. 460 huma ínvençáo sus
para a rega dot campos em tempos de secca , e que se reduz a humr
quarto de pipa montado em seu carro' particular , e guarnecido de tor-
neira » e regadores em fórma de canudos ou ralos : oia destapada a tor-
neira sabe a agoa da vazilha cheia , e vai regando o campo á proporção ,
que o carro anda. Pôde ver^e a desaipçâo da maquina ^ e sua estampa
no citadb Diário Tomo XXXVII. mez de Dezembro , c a estampa que
Jhe pertence. £m Parií.» e em Loiídres , costuinSo no Verão borrifar
as ruas » e passeios mui frequentados para evitar o incommodo da poei-
ra. E isto faz*sefacir« e economicamente por meio duma grande pipa
montada num carro de quatro rodas próprio para isso , e cheia de agoa.
Ora esta pipa tem suae torneiras » que desembocáo em canudos de ia*
tão furados como rega(lore« » e a agoa » que sahe das torneiras para oa
canudos» respinga ao longe, em fórma de chuva para bnrrifar o terreno.'
Estas mesmas maquinas , e as excellentes bombas de incêndio , que se
fazem emDnsit» poderiáo talvez applicar*se entre nós para a rega das
cearas 9 e campos nó tempo de seccas ; e por certo não serião inúteis
as experiências »• <]ue se fizessem a este respeito : como também serie
útil o ma^idar vir de Londres huma destas maquinas em grande , e ou«
tra de Pariz, e de Dresde huma bomba: para' experimentar 9 e deter-
minar pefa^pratica 6 methodo de as applicar á rega : e por este- mo''
ào se aperfeiçoaria o methodo de {rega exposto pelo Autbor » e sa^r
au^ilijiria grandemente a Agricultura. Frag9S9.
5^ MSMOKIAS
Matritenses. Também semrào centeio multo ralo por en«
tre os nabos ; por<^ue augmenta o ferrejal , e o amacia quan**
do depois de floridos , e duros se dão aos bois.
5'.^ Parece, que esta rústica planta nâo pôde cubrir com
seus resultados a despeea de tao custoso oarbeito ; e que
do seu cultivador se pôde dizer o que TuU escreveo de
hum Lavrador , que do que recolhe da sua lavoura; que
he 6emeàr ouro , para colher ferro. O nabo ministra aos
gàdòs , por mdo de sua ramagem , muito superior abun-
dância dê alimento , do que pela tuberoza raiz , por mais
volumosa que se crie ; porque mostra a ezperienda , que
dàs nliaiores cabeças sahem mais copiosas nabiças^ e abun-
dantes espigas.
Em Âuttioras acreditados havia lido , que de huma
g^irà regulai* se podia conseguir , tivar sustento para huma
junta de bois por todo o anno. Comedindome a contes-
tar sua aut h oridade , olhando para a veradiiade ^este ani*
mal ^ suppunha privativo doEgypto, do Pará , do Senrgal ,
ou de outros ferrilissimos paizes este prodígio ; e que es-
ta geira fosse povoada de Alfafa > da Guínéa , ou da-
quellcis Trifolios ^ que oom esmero de barbeito costumâo ^
ou chcgão a crear de seis até dez camadas no decurso cio
anno. No lugar de Malpartida , na Comarca de Tranco-
so mantém Jacinto Cardoso bum par de bois ^ e outro de
vaccas de sua lavra , por seiscflectivos mezrs principiados^
desde meado de Novembro até fins àt Maio j e outros
ceareiros alli igual vantagem conseguem.
6.^ Por algumas noures serenas ( que são raras por a-
quelles desabrigados , e trios sitios , amda na entrada da
Ptimavera ) amêijoa estas rezes em algum tapadio de pas-
to natural , cuja hervagem pouco vale» Por todas as de mais
daquelles seguidos mezes , em algumas as desenjpa com
gavilbas de palha , ou feno. Porque he nas visinhanças de
Almeida , a maior parte dos dias manda vender áquella
VilU cargas deste fruto j coipo que tivesse lição de Vir-
gílio, quando recommenda ^o Lavrador, que nos dias des-
ocupados y leve n^ jtunenta vagaiosa , a vender i ViUa as pro*
d»-
E c o V o M I C A 1 5^
diiç6es de suas colheitas, e que volTa, com as qo£ preci-
sa (6). Náo costuma negar aos seus vesinhos os na boa
que precisão para coxlnfaarem , e que nSo tem nabaU £ll4
lambem com soa £imiUa dá oonsomo a huma boa porção^
O certo hcy q|ue a importância , dotf que irende , monta,,
além do iralor da palha , e feno. Aqui temos pois duaa
juntas sustentadas por mais de seis mexes de huma gelra»
7.^ Empreeanoo outra geira em cultivar o Trigo Sar*»
vaceno , que só prodm pdo Ver^o y com duas geiraa nxi
a ter.com que sustentar dous pares de grossas rezes. Nâo
tem luzes , opera maquinalmente ^ c se dingc pelos costi^
mes daqnelles sitios ^ tanto nas colheitas dos nabos como
noa repetidos ferros , e grades , cópia de estrumes , e esco-
lha das semente». I)esta y sendo mal nutrida y nunca sahio
presenteira planta* Desde a antiguidade sempre se experi»
memou , que todas degenerSo , se se perde o cuidado em
as escolher (7)*
8.^ Á pradca de mantar os bois com os nabos se redu2
a esta regular colheita* Até meados , ou desde os princi-
fios de Novembro está o nabal huma frondosa mata, que
mão cheia depenna o colbedor , engavilhando , ou en-
feichando. De manliá , e de taide ^ não correndo rigoroso
tempo , vem as rezes fertar-se ao portal do nabal ; e em
cargas se lhes conduz á choça ^ para de noute. Prossegue
esta fiSrma de colheita até príncipios de Março , ou aré
que aponta a espiga , e vío colhendo das nlaiuas menoa
grellaaas, on arrancandoas mais vasadas: toaasoestâopor
todo este mez. Arrancando o nabo com as costas da fou«
G ii ce
{^6y Sêtpt #lf# Urdi cêsías ãgUêtêr êstlli
VUAm êut ênermt p»mh: UpiJem^ve rtvê^ttm
Wfmêmm , éut étrat mãiSãm pUU urht repêrtui.
Virg. Georg. Lib. !• vcrt. 47 j.
C 7 ^ ^^g껀rêrê tamtn ; nivii humane qmHênmis
Máxima qKãtqut manu Itgeret : sú êmnia fotls
!• f 9«# ru€r€ , ãc rttr0 sublapsê rtferrí,
Virgf Georgf Líb, L veii» 19S»
ífí M £ M Ò R I AS t
ce se lhe litinpa a terra , atirâo dous golpes cruzados , 'e
assim prezes á ramagem se engavelâo , ou enfeichâo. Me-
lhor nutriria , comido que fosse em quanto tenro , e só até
a este estado engorda os porcos , e bestas ; porém perde*
ria o Lavrador a grande quantidade de grelos , de que abuA«
dâo. Os bois os comem até engradecerem ( o que por fins
de Maio acontece ) e posto que a raiz esteja endurecida ,
es bois a nâo rejeitâo, nem menos as duras espigas , sem
que se lhe pizem as cabeças; mas só cortadas (8). Nes-
ta
(S) Na Alemanha cultivâo imensos campos de nabaes para uso da
cozinha , e para o gado , e como esta cultura só tem lugar no Ve-
t^o t colhem os nabos no principio do Outono , e conservão-nos ires*
cos em covas cubertas de palha » e abrigados dos gellos t ou em casas
de adegas subterrâneas. Comtudo quando a quantidade de nabos., que
se coíbem, he mui grande, então he necessário evitar, que elles se-
não percão , apodrecendo , ou criando páo , ou fazendo-se chouxos ,
ao que chamáo cucar : para os conservar pois por longo tempo boni
JMira o gado , costuinãb cortalos em talhadas , as quaes secâo , ou' ao
Sol , ou em fornos ; e assim passados os guardáo , e quando os que-^
tem dar ao gado amolecem-nos com agoa. quente. Este methodo, que
eu vi praticar , vem escrito pelo Senhor J. C. Gotthard no seu Tratado da
criação do gado vacum , $. )4. n. 5. pag. 8). , na mesma Obra vem
descripta • e estampada a maquina de cortar os mesmos nabos. Outro
methodo ha , não menos interessante de conservar os nabos longo tem-
po como bom alimento para o gado , para isto arrancão-se os nabos «
cortão-se-Ihes suas folhas , que ou se dão logo ao gado , ou se se-
ção , e guardãrt como feno : e as cabeças lavão-s« ftcm , e depois cor-
tão-se f m pequenas talhadas , ou rodelas » por meio da referida maqui-
na. Coitados que ^ejâo p|,pabus , deitão-se então embairicas: bem so-
Ijdas • alternando camada.de sal com camada de nabos cortados ,. a-
pêrtaiido-os bem com hum masso de páo , como 6 dos calceteiros.
Tantoque a barrica está cheia (não de todo) pôe-se sobre a ulti-
ma camada huma taboa redonda , em forma de tampa » e carrega-se com
pedras , e guardlo-se estas barricas , pará^Vc* irem 'dando os nabos ao
gado vacum. Este methodo C ^omo também o outro ) pratica-se sobre
tudo no paiz de Krfurt , e vem exposto pelo' Senhor Reichart' na Obra
já citada Tom. T. Part. líl. can. ;• §.' 5. pag. n«. , edfç. IIT. Am-
bos estes dous methodos de coriservar oç nubòt podem 4er atilissimos
cm Portugal ; tanto em Tishoa paia as vaccas de leite, e gado de as-
sougue , como no Alcíi.téjo para o gado faminto no Verão, e no In-
verrio , e também para o pado eirsharcado*. Tor este motivo quiz aqui
expor os mesmos inelhodos ,' e recommíndo aos I avradore»^, que fa-
cão suas cxpeiiencias a rste r^pt* ito ,'/e áH coir>niuniquem à Acadf
E c o K o M I c V s.
f3
ta época he guando lhe ceifao niancheias defenâj porque
lhe amacia com sua mistura esta mantenha.
9.® Também se cultivão com mais moderado barbei-
to , e regular adubo ; mas produzem muito ordinárias ca-
beças , e muito menos ramagem ; porque a sua vegetação
Jie rellativa ao esmero dos fabricos , e da cópia do ester^
co. No consumo seguem o mesmo graduai costume. He
verdade que as raízes tuberosas ( aual a do nabo ) fendem
a terra á maneira de cunha , dividindo suas viscosas , ou
concretas partículas por este mecanismo. Da espessura de
sua abundante ramagem se decompõe , ou apodrece gran-
de parte. Defende dos ardores do Sol o terreno , e da
secura , que lhe causâo os ventos. Serve como de reser-
vatório aos fertilisantes orvalhos , que os servem pela pro-
priedade innata is folhas de toda a planta , e no terreno
os deixâo cahir. Fòr estes princípios dispõem o chão para
os fremesinos.
Não podem os Lavradores cultivar outra planta nog
mesmo terreno ; porque pejado delia , não podem minis-
trar-lhe os adubos , e a repetição dos fabricos , que a ex-g
periencia lhe tem feito vêr serem indispensáveis aos bonftj
nabos. Quando , arrancados elles , se pertende empregar a
seu chão em Marciaes , noutro terreno se deve semear d
nabal : assim cosmmão practicar os cultivadores da GrS
Bretanha, nas suas sementeiras alternativas; porque b ro^-
tolho dos tremesinos não se pôde amanhar no pouco tem^
po, que medea da colheita á sementeira dos nabos.,
10. Também se semeião para pasto a dente , prínci*
palmente para ovelhas criadeiras neste caso em terra abar-
oeitada , se lançâo pelos princípios do Outono , e mais.
bastas as sementes. Entra hum fato , ou reba nho deste ga-
do em qualquer prédio , e por extenso que este seja , sem
que primeiro o corra ( ainda que famrnto venha , ou en^
tre) jamais se aquieta (a que dizem , aqueiva) no pas-
si-
■ — "^
mia Real das Scientias , para as publicar , e dar a conhecer a todos : a fim'
de promôfer este novo género de industria rural « e don.estica. Fiúgoiu
54 MjibiaoitiAi
8Ígo , e Í9to por Ingenito costume , pisa , e enxovalha •
pasto, por mais crecido que seja , como auccede^ com as
nabiças. O guardador lhe separa- aquella porção de ferre-
jal| que dehuma vezibe pertende dar a comer, comcan*
ceioa do amalho > com redes , ou seves. Já presenciei iâ-
SBerem4he esta separação com feixes de vides. Rapada es-
ta leira » quando volvem áquella hervagem ; a este lhe a*
partao segunda , e assim gradualmente he pastado o cam-
po semeado. Retoaa duas a quatro vezes , e sempre he
pastado por este económico modo. O mesmo praticao com
Q armentio , ou gado vacum ; e com maior razão , porque
% largura das suas patas piza mais do que come , e por es-
ta causa lhe a partao menos ^ e á proporção*
li« Comidos no próprio chãp os nabos, isto he, sua.
felhagem , lavrasse , e grada-se a terra até ficar bem en-
gaça(to, Alli semeião os tremesinos , e cpmo as raizes
leão no terreno ajudão a engordalo.
i:^. Tendo hum terradegp bem adubado , e disposto
pan as batatas , as seoieei por nivelados regos ( como sen>-
pfo devem ser , mas^ hum pouco mais ralos ) choveo por
ottadoa de Âgoato, e á enxada fiz semear nabos em filei-
aaa pelos entreregos. Nas terras temperadas só se colhe a
batata pelo Outono ; e airrancada que foi entrarão oa na-
Iboa a mostrar reboleira produção ^ e de facto medrarão
•m raia», e fblhadot. Na Qytnta Velha em Lisboa, jun*
to á Carreira doa Cavallos , observei y que tirados os na-^
bos senmao trigo , ou. milho , e repetem no Outono a mes«^
na alternativa, e os tenha visto com graúdas cabeças, e
dí qualidade doa: eompridoa , ou Turneps dos Inglezes*
A tcmpecatura da clima , a fertilidade do chão , e a abun-
dância de aduboa concoimm paira estas vantagens e tam-
bém porque os coUient muito mais cedo , e porcjue lhes
èiiò consumo em quanto tenros. Se alli se Lhes nunistras*^
semi omís sepeiidoa Êibrícos , certamente excederia seu vo-.
lume aos da Kleda , e Malpartida na Beira , Vinhaes em
Tra» oa Iiioatea. , ç Estremoz em Alemtéjo : terras onde
•o criaO' os de maior grandeza neste Reino*
*j.Oa
E c a ir o M I c A s. 3^5*
' 13. Os oikividores dos volumosos nabos ainda mar-
châo contra dons seguidos princípios da boa cultura. O
prímeíixi he semearem no mesmo terreno sucessivamente a
mesma planta ; quando se experimenta , aue huns annoa
huma , e outros outra differente produz melhor : porém ea*
te defeito se emenda com maior porção de estrumes ; ásv
sim o praticáo. O segundo coosibte em semear sempre a
semente colhida no próprio terreno , onde foi criada. Lé
a trocio huns com os outros i mas melhor andsrião, se
( [xx- exemplo ) os da Meda trocassem com oa de Malpar»
tida. Elks porém vSo pelo costume , que herdai^o , e €fam
i-dolatrão pertinazes } e jamais na coHisâo com os precci'«
tos da Agricultura mooerna , que os não desprende de
suas prgudiciaes manias ; persuadidos , que teus maio«
res íbráo mestres em €$tã Arcej apoiados talvez em Vir*
gíliO (p).
14. ?dã cidtura xlesta otiliasima raiz , também qiiaU
quer terreno pobre ae transforma em produtivo , e grosso,
dabemos , que o Condado de York em Inglaterra era da*
quetla natureza , e muito arenoso , e que empregado na Ia*
vra desta planta se convefteo em £ertil ; migando de qua«
lidade, e pelas razoes indicadas no n.^ 9.: fèm poucos an^
nos se consegue este melhoramento. Tendo hum ctiío areir
ento lhe dei moderado estrume, empregueio em nabos, e
lhe fiz lançar algumas carradas de argila , ou terra barren-
ta. Medianos se criarão ; mas mais do que esperava. Fiz
lavrar a terra , ficando soterrados iCom rama 3 e raiz , e a
empreguei em tremez , que bem produzio , e o terreno mu-
dou inteiramente de natureza ; porcnie logo entrou a dar
farteis colhdtas, e até a mudar de tace.
X5'. Já lhe fiz preparar a semente em agoa inquinada
de esterco 9 em que se dissolveo cal viva. Nest^i lixívia este*
ve viote e quatro iioraa 4e infusão. Meios enxutos i sombra ,
( 9 ) Po^m» multa êHi vtUtHm f9a€99ptê uftpr^ \
Vi refugis f HntKSfm^ flg^i €êgnns4rê €ura^
Virg. Gsorg. lib» .1. \%i». 176»
5r6 M E M o R r^A s"
forío semeados. Pareceume sahirem mais gtfaudos'^, mt»- o
certo he , que se acharão mais tenros , e fáceis de cozi-
nhar. He inegável , que toda a semente empregada de qual-
quer fluido subtil , c fertilisante se desenvolve com mais
promptidâo , e jamais em terreno secCo , que he precizo ser
acodido das humidades do tempo , para germar ; e demo-
rando-se , ou se perde , ou os insectos a roubâo , e já^ Vir-
gilio o aconselhava ( lo ) .•
i6. Nas terras de sequeira padecem os bois por fal-
ta dé verduras ; perdem a gordura , que a! canção na Pri-
itiavera , e se mirrão pelo estivo tempo. Convé seraealos
por Março , para de sua folha se refrigerarem estas utilís-
simas rezes. Presenciei gafarem -se de lagarta , o que tam-
bém sucede aos do Outono. Derretido pez , e enxofre ;
duas partes daquelle ^ e huma deste , e quando está semi-
coalhado , se reduz a pirolas da grandeza de huma bala
dè ordinário adarmie. Ém dia sereno , é que corra brando
Sh vento , se põem ( em fileira ) laços , ou telhas , e em ci-
> ^ma de cada huma , sua bala , e huma mão cheia de pa-
Ihiço humedecido , trapos , couros velhos , cornos de quaes-
5 quer animaes , pennas , e tudo o que pôde concorrer pa-
ra mais espesso , e asqueroso fumo. Até onde abranger es-
te fumo , indispensavelmente morre a lagarta ( 1 1 ) . Mu-
dão-
C 10 ) Sémina vidi equiJem multa meàicart screnta ,
Et nitro prias et nif^^a pcrfandere émurea :
Grandiof ut fetas siliquis fallaclhus esset ,
Et ^aamvis igni exigao pr$perat* muderentm
Yírg. Georg. Lib. I. vers. 19 j,
( 1 O bom sucesso destas fumigações para matar a l&garta , e a
pulgão he por certo importante. As fumigações obrão sobre aquel-
]es animalejos inficionando-lhes o ar com o fumo « e faztndo-lhes
o meimi ar tão pestilente , que por meio da respiração os mata. O
muito piolho « que ás vezes ataca nos arredores de Lisboa os favaes ,
e hortaliças ; a lagarta que aqui devora couvaes , e nabaes , e mesmo
os fenos; o piolho qus nas lizirias do Ribatejo destroe os meloaes ;
o insecto » que estra2;a os olivaes , e as arvores de espinho , causàií-
do-lhes a terrivel moiettia da ferrugem ; o insecto que ataca nos ar-
redores de Lisboa as fis;ueiras , causando-lhes a ferrugem , talvez se
destrua > com estas famigajôes ■$ c por isso recomuieodo muito aos
Económicas. 5'7
dâo-se aquelles defumadouros , a fim de que as plantas a-
lagartadas sejão tocadas daquelle fumo. Livrei hyma vi-
nha insada de pulgão em efte remédio , e outra com o
fumo do ouropimcnta , o qual havia lido em os Semanários,
Matritenses j assim como o dos rabaos entre os nabos.
17 Observei engordarem os porcos com as folhas, e
cabeças dos nabos. Primeiramente lhe cosem nabiças , em
quanto nao engrossa a raiz ( e depois estas , e aquellas )
e as adubáo em porção de farelo, ou com cevada, miUio^
ou centeio moidos. Assim por esta forma , com couves ,
os vi cevar em terras da Comarca da Feira , onde nâo
ha bolota , landem , ou castanha. Das cascas dos nabos se
mantém os perus ; e porque huma Lavradoura da Maia se
contentava de lhos picar crus , hum apôz de outro, pre-
senciei , que lhe morrerão dous , com os papos entumeci-
dos. A ambos os fiz abrir , e se acharão com aquelle
alimento por digerir , e no mesmo estado , em que o ha-
vião engiilido. Evidentemente se mostrava ser huma for-
mal indigestão a causa da morte ; concorrendo não pou-'
CO terem elles três a quatro mezes deidade; e haverem co»
mido a farto deste duro alimento. Ficou emendada de lbo#
lançar crus em maior porção ; e quando precisasse sus-
tentalos destas cascas protestou sempre coser-lhas. Na fei-
ra de S. Bartholomeu de Trancoso ; mercados de Marial-
va , Meda , e daquelles contornos vem nabinha a vender
aos saccos; dalli pôde proverse o Lavrador, que se propu-
zer a empregar-se em maiores lavras desta fertilissima , e
interessante planta , e depois se esmerará em arrecadar a
melhor semente. Do que tenho dito se conclue, aue o na-
bo produz em terra iria , qual he Meda , e Maípartida j
na temperada, qual he Estremoz; e na de clima quente,
lom. V. H qual
curiosos ínteliigentes # e amigos do bem público , que facão a esta
respeito repetidas , e exactas experiências : e no caso de bom succes«
so as communiquem á Academia Real das Sciencias , para as fazer
ptíbhcas » em beneficio de todos. Fragoso,
5$ Memorias
qual o de Lisboa. He imprópria de tnolhadios ; mas ana*
Ioga aos seccadáes , e elia também dá forragem para todo o
Verão (12).
( ia) A Academia Real das Sciencias , que não perde de vista
fi^da óo que possa concorrer para utilidade publica , e melhoramer»-
to da Agricultura , mandou vir de Inglaterra buma importante quan-
tidade de semente de nabos para se repartir gratuitamente pelos La*
vradores do Reino. £ com effeito lhe chegou em Setembro do anno
passado de iSio^a saber semente de nabos de arroba 1 12 arráteis , se-
mente de nabos Hollandezes 60 arráteis , semente de nabos amarei*
los 60 arráteis. Tem-se repartido estas sementes por todo o Reino »
com hnma breve instrucçáo » que a Sociedade mandou publicar sobre
isso em II de Setembro de 1810 , e repartir igualmente grátis . a
qual adiante vai appensa g da mesma forma • que se imprimio. Muitos
cultivadores tem já sido bem succedidos em suas sementeiras . e tra-
tado de recolher nova semente. Nas sementes , que vierão à Acade-
>nia com o nome de nabos de arroba » e nabos Hollandezes houve en-
gano ; pois na produção parecem as duas castas ser a mesma cousa r
com tudo tanto aquellas duas castas » como os amarellos são diíferef>
tes das nossas espécies de nabos ; produzem bem . são mais tenroa »
que os nossos nabos dõ paiz , e isto tanto na folhagem , como na
raiz : e além disto cozenv-se muito mais depressa « gastando por isso
loenos lenba.i circunstancia esta bem attendivei entre nós. Ff^gos^.,
ÀP-
E c o K o M I C A s; ji ^
APPENSO A' NOTA (12).
Aviso aos Lavradores , sobre a cultura do Trigo Sar»
racenno y e a cultura dos Nabos.
A Academia Real das Sciencias de Lisboa , desejando
satisfazer ao seu fim , e querendo promover o milho-
ramento da Agricultura , e subsistências do Reino , man-
dou vir de Inglaterra varias sementilhas , para se reparti-
rem pelo Reino ^os Lavradores ; as oue já chegarão , e se
repartem , sâo a semente de -Nabo , ae que se mandou vir
huma porção importante, e a do grão do Trigo Sarracen-
no , de que se mandou vir também outra porção impor-
tante : para que a empresa seja mais bem succedida , man-
dou a Academia publicar esta breve instrucção, que se re-
partirá com as sementes.
Artigo primeiro da Cultura , e utilidade do Trigo
Sarracenno.
Esta planta he de muita utilidade para o Lavrador,
e para o Público > em razão dos importantes recursos , que
dá para a Casa de Campo , e para as subsistências do paiz;
o Trigo Sarracenno veio no principio do Século XV. da
Ásia , e Grécia para a Europa , e cukiva-se muito na Ale-
manha , e sobretudo no Brandenburg no paiz de Ltine^
iurgy e no Hollstein. Posto que tenha o nome de Trigo,
comtudo não he espécie de Trigo , he o Polygonum Fa^
gopyrum de Linné. Os Alemães chamâo-ibe Buchweitsen ^
e Heidehorn , c os Francezes chamão-lhe Blé Noir , ou
Blé Sarrazin.
Os terrenos próprios para o Sarracenno são os pedrego-
sos , e areentos , e seccos , pois ainda que 9 superfície do
terreno esteja cuberta de cascalho , e páos , criar-se-ha ahi
bem o Sarracenno; elle não produz em terras de barros.
O Sarracenno cultiva-se , ou para alimento dos ho-:
H li mens.
j
<Q MBMOBtA»
mens , ou para alimento dos gados , ou para estrumar as
terras. Quando se cultiva. para àliioeota aos homens, deve
semiar-se ralo; e sempre de Março por diante. Igualmen-
te S9 cultiva para o dar de comer em verde ao gado , e he
hum excelleme alimento para elle , e sobretudo para as va-
cas de leite, que sustenrando-se com elle dão muito leite,
e mui rico em manteiga : pôde igualmente corta ^ se para
feno, ao ponto em que estiver em flor. Em alguns paizes
semeâo o Sarracenno para estrumar as terras ; para isto
pois semea-se muito basto , e logo que está em nor lavra-
se , e enterra se , e a terra fica assim excellentemente estru-
mada para a sementeira do trigo, e centeio, ou cevada.
A farinha do ti^igo Sarracenno mistiinada com a do
trigo ordinário faz pilo, posto que- grosseiro : o grão mon-
dado , ou descafíçado he bom para sopa com o caKio da
carne; taiaibe«=ic he b^m cozido com leit«. Este gráo he ex-
cellente para os porcos , que engordão* grandemente com
elle: os patos, galinhas, e pombos gostão muito delle; e
he igualmente bom alimento para as besras : comtudo^he ne-
cessário partilo primeiro na moenda para o dar ás bestas*^
porque o grão he mui duro. A palha do Sarracenno he
hum bom alimenta , mui saudável* para o gado knigero.
A' vista destas vantagens , bem se vê o qua^ito he interes-
sante o introduzir-se no Reine a culmra deste gfâo come
hum producto , que serve para augmentar as sobsistencias
para o homem , e seus gados.
A Academia confia- em^ que os Eavràdofcs Portugue-
ses se esmera ráo em experimentar , e proseguir sua culcu-
ra por todos os modos , que lhes parecerem mais conve-
nientes , até que ella se estabeleça com regularidade por
todo o^ Reino- ; e recebei»* de boa- voht^dfe todla^ as noti-
cias , que os Cultivadores lhe communicarem sobre suas
experiências,' e observações acerca da cutlura deste grâo ;
)3ara as publicar , e fezer aí?sim notórias a- todo» , para
bem ' do público , que he o fim- que a Acadettíia tem nes-
ta empreza.
Jrt£~
EeôKOMicAs. 6i
Artigo segundo sohrt a cultura y e utHidade
das Nabos.
Os nahos são de duas castas , piquenos , e grandes y
e cuhívâ(>se para alimento dos homens , e dos gado& Os
pÍ€]tienos cukivâo-Ge ordioaríamente nas hortas pnra alimen-
to dos &omens \ os grande cultiváo-«e nas cainpc» pava os
dar aos gados.. Na Alemanha ^ e Iitgb terra íazeni gran-
des sementeiras de nabos piquenos , e gra^ndes pelos cam*
pos , e que servem de alimento , tanto ao homem como
ao gado.
Os nabos ,. qtie se dâa 90 gado devem ^cortar-se em
talhadas , ou pizar*se em pias ; porque aliàs as bestas , e
vaccas mal os poderão comer , e as vaccas engulindo in-
teiro hum nabo piqueno morrcráÒ ; porque não o podem
trazer acima quando remoem. Os nabos são pois hum ex-
cellente alimento para as vacas , e bestas ; as vacas que
os comem dão muito , e bom leite. Elles também são bons
para os porcos.
A cultura desta planta he assaz usada na Província
da Beira , e muito pouco nas Provindas do meio dia , e me-
rece por certo maior attençao dos Lavradores , que a podem
cultivar , desde Setembro até Março para sustentar seus
gados.
A terra para esta sementeira deve ser bem lavrada ,
e estercada , e bem gradada para esbroar todos os torróes ; a
sementeira faz-se á mão , e depois passa-se á grade sobre
a semiada. A terra para a sementeira dos nabos grandes de-
manda huma lavoura mais funda , que a dos piquenos.
Quando a planta nasce recemeiao-se todos os claros , onde
não nasceo nada , e quando tudo está povoado, e a plan-
ta já algum tanto crescida , monda-se a sementeira , e des-
bastasse convenientemente. Não só os nabos ; mas as suas
folhas são boas para o gado. Os nabos grandes , e pi-
quenos arrancados podem guardar-se por algum tempo em
lugares seccos , e trios para se irem dando ao gado.
• r« • A
6t Memokias
A Academia recommenda muito aos Lavradores a
cultura ddsta ' planta / e que hajâo de fazer suas expe-
riências para estabelecerem sementeiras regulares por todo
o Reino: a fim de milhorarem as criações dos gados : e
espera que lhe queirão communicar os resultados de sua em-
preza. As terras , que forem semiadas de nabosL ficarão
grandemente preparadas ^ e dispostas para a sementeira
dos tremezes , que produzirão excellen temente nellas. Se-
cretaria da Academia Real das Sciencias aos ii de Se-
tembro de i8io.
JOAQUIM PEDRO FRAGOSO DE SIQUEIRA;
Vice-S«cretario da Academia.
^Jii^l
Y
&1E^
ECOKOMICAS. ^3
MEMORIA
Sobre os Terrenos abertos ^ o seu prejuízo na Jgricultu^
ra , e sobre os differentes met bodos de Tapumes.
Por Sebastião Francisco Mendo Trigoso»
INTRODUCÇÃO.
Xjl Agricultura he em certo modo a primeira das Scien^
cias , por isso mesmo que serve de baze á riqueza e pros-
peridade dos Estados. Inglaterra , que ha alguns tempos tem
subido á maior grandeza , tem também levado a sua Agri-
cultura ao maior gráo de perfeição: em quanto Portugal,
flue por varias circunstancias politicas tem decahido muito
do seu antigo esplendor, tem visto reduzir a sua a hum aba-
timento extraordinário. Esta verdade reconhecida por todos ,
tem sido muitas vezes repetida , se bem que com pouco
fructo ; tem-se indagado as causas desta decadência , e tem«
se achado muitas, mais ou menos especiosas, que todas el-
las pendem em alguns abusos da nossa Legislação Agra^
ria , e sobre tudo em a ignorância dos Cultivadores.
Não he aqui o lugar, nem pôde ser da minha com-
petência examinar o primeiro destes artigos , qiie está im-
xnediatamente debaixo da vista do Soberano, c ao qual he
sem duvida elle providenceie , logo que as circunstancias lho
permittão : a pezar porém das grandes vantagens que disto
possão rezultar ; atrevo-me a dizer que elías será6 diminu-
tas e insuficientes, em quanto os Parriculares não ccnhece-
yetn melhor os seus interesses , e os Cultivadores não nve-
rem os princípios d'huma Arte, que até aqui só tem exef*.
citado por huma rotina supersticiosa.
He certíssimo ^ que hum Lavrador instruído e vigi-H
lajK
^^f^Sr$^.
^4 Memorias
lante , tira muito maior lucro do seu terreno , do que o seu
vizinho ignorante , e desleixado : sugeitos ambos á mesma
forma de impostos, e de contractos, ás mesmas contrarieda-
des, ás mesmas variações de athmosfera &c. ; hum prospera
e augmenta o seu Património , em quanto o outro se vese-
piiltado na indigência e na mizeria : e não prova isto , que
na aiâo dos particulares está a maior parte dos meios pa-
ra a sua prosperidade •, e que de saber , ou não uzar d^elles ,
he que depende principalmente o seu lucro , ou a sua mi-
na? A prezente Memoria vai ainda fazello mais palpável.
Ha poucos obstáculos que se opponhao tanto aos pro-
gressos da Agricultura , como são os pastos communs ^ ou
o direito de apascentar os gados em as propriedades e ter-
renos alheos,em certos mezes do anno, depois de colhidas
^s novidades. E^te abuso subversivo de toda a boa cultu-
ra , e auctorizado até hum certo ponto , poderia comtudo
xronverter-se em utilidade, se os proprietários buscassem ob-
star-lhe pelo único modo que está á sua disposição, resol-
vendo-se a tapar os seus prédios : com o que evitarião não
só a ruina que lhe rezulta dos ditos pastos , e todos os
outros inconvenientes dos terrenos abertos; mas virião a go-
zar de vantagens incalculáveis , algumas das quaes despre-
.zamos por ainda não serem bem conhecidas.
A maior parte dos Escritores de Economia Rural ,
^ de Agricultura se levantarão, principalmente nestes últimos
tempos , contra hum costume tão pernicioso , e quasi todas
4S Nações , mais ou menos illaminadas sobre os seus inte-
resses, o forâo pouco a pouco desterrando , com aquella dif-
ficuldade que sempre se encontra em desarreigar abusos
inveterados , principalmente quando tem huma apparencia
de bem publico. A Inglaterra , onde mais se escreveo so-
bro este assumpto , foi também a Nação, aonde mais sees-
jtend^x), principalmente em alguns Condados, a pratica dos
Tapumes ;e. por isso também he o terreno cm que a cultu-
-ra mais tem prosperado.
E^te Reino que tanto se interessa pelos seus estabe^
iecimcntos ruraès,jíem huma Instituição singular, e ainda não
imi-
ECOKOMICAS. 6^
imitada em nenhum outro Paiz , qual he a do Departamen-
to dè Agricultura , estabelecido em 1793 P^"*^ tomar as me-
didas mais efiicazes a fim de se eíTeituarem os melhoramen-
tos agrários, apartando os obstáculos que lhe são nocivos,
e para propor prémios ao Parlamento , que sirvão de ani-
mar os Agricultores.
Julgou este Departamento que devia principiar por
tomar hum conhecimento exacto de todos os baldios , c
pastos communs do Reino, c igualmente do estado da A«
griculíura de cada huma das Províncias em particular, pa-
ra poder indicar os meios do seu provável melhoramento.
Todo o Paiz se dcvidio em Dsstrictos , e para cada hum
dMles forão nomeados Commissarios , que mzendo os seus
reconhecimentos e averiguações , remettêrâo o resultado dos
seus trabalhos ;e nao houve, entre tantas relaçóes , huma sò
que nâo posesse as pastagens communs , e os terrenos aber<*
tos, como a principal cauza da deminulçâo , e decadência
da Agriculmra , e do estorvo aos seus progressos.
He certo , que nesta Época ainda a Inglaterra estava a
este respeito em peores circunstancias do que nós (i) : era Por-
tugal mnguem tem embaraço legal de fechar o que he seu ,
senão em alguns casos particulares , como logo veremos :
cuando pelo contrario em Inglaterra era precizo hum acto
ae Parlamento , que se fazia tanto mais diíficul toso, quanto
dava cauza a delongas e despezas, que a maior parte dos
Proprietários , ou Rendeiros não poaiâo soffrer. Estas ra-
zões pois , e o voto unanime dos Commissarios , íizerao com
que o Departamento tomasse , logo dous annos depois da sua
instalarão , huma resolução pela qual o Prezidente devia
propor á Camera dos Communs, que nomeasse humaCom-
missâo , a fim de tomar este objecto em a mais seria con«
Tom. V. I si-
C 1 ^ Quando digo a Inglaterra náo pretendo fallar na Escócia « on*
de desde 169$ não existem pastos coiumuns de qualidade alguma ; teo»
do-se devídido nesta Época todos os seus baldios « á excepção dos que
pertenciSo propriameute ao Rei. Veja^se a Biilkt» Brit. Pait. de A*
crricuK Tom. 1. pag. 405,
66 Memokias
sideraçâo;o que com efièito assim se executou.
Levar-nos-hia muito longe o entrar nas dlscuç6es ,
que então tiverâo lugar , e no$ motivos que embaraçarão
a prompta promulgação d'aquella justa medida : bastará di-
zer que desde este tempo a Agiicultura Ingleza tomou hum
vÔo agigantado ; todos cuidarão em tapar as suas possess6eSy
em todas as partes se augmentou o producto ao dobro , e em
alguns destrictos , como por exemplo no de York , chegou
mesmo a treplicar em poucos annos como nos diz Mars-
hal (i).
Se pois em Inglaterra se tirou hum proveito tão avan-
tajado d^aquelle melhoramento , que se não deve esperar em
Portugal , que pela $ua localidade , clima , e terreno podia
dar leis de Agricultura a todo o resto de Europa , e que
nunca chegará a ter pão nem gado para si , em quanto se
não adoptar n'esta parte o systema da Agricultura Ingleza ?
Mas não busquemos exemplos Estrangeiros, e lemitemo-nos
somente ao nosso Paiz : será bem facil conhecer , por todo o
homem que não estiver prevenido , que aquella Província
aonde quasi se não conhece o Dirâto , nem mesmo o nome
de pastos communs ,o Minho , he também aquella y onde a
Cultura, e a População tem prosperado mais ; quando pelo con-
trario as outras em que este nagello he mais conhecido, o
Alemtéjo e a Beira , são também aquellas , que podendo pe-
la sua extensão e terreno dar hum lucro consideravelmen-
te maior , tem huma producção muito mais deminuta , os
seus ramos de Agricultura são muito menos variados, e a
sua População vai em huma continua decadência. Pelo de^
curso d'esta memoria teremos occazião de observar melhor
este parallelo.
Estes pastos communs em terrçuos abertos são, como
he notório , de duas naturezas ; ou em propriedades cultiva-
das, e pertencentes a hum dono fixo; cu em terrenos tam-
bém communs chamados Baldios , Maninhos &c. he certo,
que o maximum da cultuia,só poderá existir quando huns
e
■ 1 1 I I ' ■ I III ■ I I II I I I 1
C 1 ) Vide AUrshal ;=; Tht Ritr0l E^nom^ of YcrhAtrc.
Económicas. $f
e outros forem abolidos ^ tnas quanto tempo se passará ain-
da sem que estas idéas , que o nosso Governo tem mostra-
do querer abraçar , possâo ser completamente realizadas ?
O) c quando conhecerão os Povos suíficientemente cs seus
interesses, para se nÍo queixarem das repartições dos mes-
mos Baldios ? he o que não podemos predizer. Entre
tanto, como nos terrenos particulares , basta só a vontade
de cada hum dos individuos para tirar este vicio , ao me-
nos na parte que a cada hum pertence; por isso he a es-
tes , que propriamente se dirige esta Memoria , deixando de
parte tudo quanto diz respeito propriamente aos Baldios,
e terrenos incultos (i) .
Para tornar mais claro e palpável o que tenho a pon-
derar , devidirei este Escrito em duas partes : na primeira tra-
tarei dos terrenos abertos, e quanto são nocivos á Agricul-
tura , principalmente como origem dos pastos communs : na
segunoa exporei as outras vantagens dos terrenos fechados ;
e os diíFerentes methodos de tapume mais próprios a in-
troduzirem-se no nosso Paiz.
I ii PAR.
( I ) Os nossos Reis sempre conhecerão a ucilid&de de aíforar , •
destríbuir estes Baldios , e assim se tem dado porções consideraTeít
d*elJes , quando são requeridas pelos Particulares ; mas o Povo impu*
gna ás vezes estas reparttç6e« , e reita immenso terreno para destribuir »
este clamor do Povo provem principalmente de não haver quem o
instrua nos seus interesses . e da ignorância , que ás vezes tem as pes*
soas incumbidas d'esta destribuiçáo ; conheci Baldios em Portugal , da*
dos ha poucos annos , aonde se poderiâo fazer excellentes propriedades »
que por tal modo forão cortados , retalhados , e repartidos , que a maior
parte delles te conservâo « e cohservarão largo tempo ainda incultos ;
até que os seus dônnos os vendão a algum Proprietário rico , que os
torne a ajuntar. Como esta matéria he alhda do meu assumpto , con*
tentar*me-hei de remetter os Leitores para as Obras de Yoitng i pois nin*
guem melhor que elle a conheceo c tratou.
Ç 4 ) Sobre os inconvenientes dos Baldios , • methodos de os apro-
veitar pode-se ver a excel lente Memoria do nosso Sócio o Sr. Thomaa
António dcVilla-Nova Portugal , que vem inserta a p. 41 j, doTom^
9. dai Mm» Ecm, da Academia»
<j$8 Memorias
PARTE I.
O
Direito de apascentar os gados em terrenos cultiva-
•dos jlogo que se tcnhão colhido as novidades , parece ter
tirado a sua origem , principalmente de dois nxotivos : o pri-
meiro, de que sendo hum officío innoxiae utilhatis deixar
aproveitar aos outros , aquillo de que eu nao tiro partido
algum , se reputou que as hcrvas e restevas estavâo n^estas
ciramstancias , quando o donno d'elias não tinha gados pa-
ra as pastarem , nem modo facii de as poder vender : o se-
gundo de se pensar que estas pastagens livres e públicas
crão absolutamente indispençaveis para a creação dos gados.
No estado em que ha sessenta annos para trás estava a
Agricultura , erâo estes dois motivos tão plausíveis , quanto
agora são quiméricos , vistas as alterações , melhoramentos ,
e diflFerentes sysiemas que se tem adoptado , como logo mos-
traremos; com tudo a ignora ncia,e commizeraçao mal en-
tendida ainda concorrem para fazer subsistir o mesmo abusa
Os nossos Reis sempre empenhados em fazer flore-
cer a Agricultura , e a creação dos gados , seguirão como
era bem natural as idéas dos tempos em que viverão , e por
isso permitíirlo as pastagens communsi conhecendo porém
que conforme os climas , qualidades , e usos dos terrenos , ha-
via nelles diÉferentes espécies de culturas, nao determinarão
em geral , quaes erão os mezes deíFczos , nem quaes os em
que os gados podião pastar livremente , commettendo esta
averiguação ás Camarás dos destrictos , que o regulão pelas
suas Posturas.
Já isto íbi hum grande bem, mas ainda restão alguns
inconvenientes, parte dos quaes ainda atalha a mesma Le-
gislação por diversos modos i."^ Mandando que todas as pes-
soas principalmente as poderozas não tragão gados seus a
pastar, senão n'aquellcs territórios aonde tiverem suas pro-
priedades (i) 2.*^ Concedendo só estas pastagens em com-
mum ,
(i) Eisaqui como se explica a nosta Orden, L. 4. tit. 87. „ £ .v.t*
E c O' w a iflL r c X s. 6^
muar y quando odonnodo tereiro nâq temido seu bas-
tante para apascentar (i) 3." Premittindo Privilégios a cer-
ta classe de Pessoas ^ para as suas terras nâo serem pas-
tadas, nem ainda n^estas occasióes , e circunstancias (2) 4."
finalmente , concedendo em geral á c^da hiim poder tapar
o seu prédio, e tirando stté os atraressadouros ,que se não
dirigem a Pontes, on Cbntès (3)» ' «
Taes são os bens que neste artigo^ tem feito í nos-
sa Legislação ^ o& qiiaes realmente não são de pouca mon-
ta ;e mostrão hum dezejo illumínado de 'melhorar a sorte
dos Lavradores, e da Agricultura; concedendo a cada hum
o dominio pleno das siías Possessões*. He certo que a Pie*
dade fez algumas vezes lançar mão destes bens particula-
res
9, rendo* prover como os Senhores de terrs^*, «Alcaides m6r«s » e seus
,/Lii^oteneoUs . e os Cummeodidures das Ordens com suas creaçóes
,.e gad«>s 9 náo íação dan4»--ae«- inofadove»* vezinhos ; ^Tiaodatiios que
^, nenhum Senhor desterras , Alcaide mór , nem seu Logoienente , nem
j»Cominendador , tra«:.a ^'ado algum de qualquer sorte que seja , nos lu-
,f garrs ou seus termos ^ aoiKÍe íorem Senhores, Alcaides mores , ou ti-
j^, veiem at çoiDiineniJUs , e fazendo o contrario percáo o dito gado ,
,, e mais paguem dulentos.çtuzados» amet^adç para quem acuzar , e a outra
9, para os cativos, i^tír^qm tendo JÇfras próprias , nu da Alcaidanà , òtá
9, da Commtnda » pod^fúp nellas trazer aquelle gado cue rfzoadan^en-
,0 çe possa nelias pastarão qual será taxado pelo Corregedor da Co-
g, 'marca &c^,.
(i) Parece ao menos que este he o espirito das nossas Leis. Veja-
se o Oij<urso Jitridiç0 jojfre a. Origem dos pastos cvtnmuhS , em o qual
seu Auihor L)»mingos Nunes de Oliveira estabde^e convincentemen-*
|e «sta Piopíisi^o.A .
(aj Os I).'seiribjr|;ad(ire!^^ e todo* os que tem o , seu Privilegio , tem
as suas terras C(*iiiiejf;)S • e alc«n disso recebem parte da pena pécunía-^
ria , que pagão os que pa^tao nos seus campos : podendo escolher JuU'
zes para Ih^s fazei repartir os dannos dos Encoitos &c.
. C0»« M^ndtJ s^e lodosos caminhos, e atravessadouros particulares
^ feu.»s paia nToprieJadcs.^iajltbem. particulares , ()ue se não dirigem a
,, Foiítes ou.Poniev com iuaiíif^stu utilidade publica, ou fazendas que
M não, povsão ,ter oiítra alguma se^ventia :'sejào vedadas . e at)(>lidas por
,, Officios de Juizes,, p.sto que do taes sçjvidôes se aleguem as po?scS
., immemoriacs , que \io repugnantes á liberdade natural ; quando não
^ consta que ellas procedei ão de tÍKilos legítimos. ,^Le) de 9 de Ju-
lho de 177 j confirmada n'eire 5. p«lo Becrcto de 17 de Julho de 177 <•
70 M B M Ò t> t.A S
res a favor das Corporações Religíozas (i) mas estes exein«^
pios sío raros, e por conseguinte de muito pouco interesse
para a cultura em geral ; o mesmo digo cas prohibiçóes
extraordinárias , que ha em alguns terrenos de íâzer tapu«
raes ; pròbibiçâes requeridas humas vezes ao Soberano pelos
mesmos póyos (2),e outras vezes contraaadas meramente
entre os Senhores do dominio directo ecis seus Enfiteutas ,
sempre com o louvável fim de ceder a favor do Público
e dos necessitados , a propriedade de cada hum dos indivi*
duos : e o mesmo ainda se pôde dizer da faculdade conce-
dida pelos mesmos Povos ás Camarás de algumas Villas »
para poderem vender as pastagens das terras destapadas dos^
particulares , a que chamáo Hervagens (3).
Todos estes factos pois parecem provar o que acima
dissemos ; que as duas fontes d'onde se derivou o direito
a pastagem commum ^ forãp a necessidade da creação dos
w ga-.
^ : ' -
He assim que foi concedido por huma Provi zlo Regia de a|
ii^â^ cie JÍnho de 1640 aos Padres do Convento da Graça de Gaste Ho- Bran*
*^5P^'^ CO ,0 poderem ter huma hervagém em cada folha para '^DO cabeças de
* ^ado : outros Gsnventos mais obtiverão semeihantesprovltôes » cume sSo
o;i de Penaipacor , Idanha , Ccvilhâ t e outros.
(a) Assim ha huma Provizão de Filippe II. de l6i6 . impetradi
pelos moradores de Alcains , para não poderem tapar as suas herdades ;
Provizão de que elles mesmos ao depois nâo quizerão fazer uso. Ha
outra de Novembro de 1786, pa^a que os habitantes da Villa de Tou*
rot Comarca de Castello-Brancb , nâo possão tapar propriedade alguma
sem licença expressa da Camará : mas estes e outros exemplos singu-
lares influem pouco na prática geral.
(j) Em muitas Villas da Provincia da Beira e Além-Téjo , he íici-
to ás Camarás vender ás pastagens das terras dos Particulares , a quem
melhor lhes parecer ; occorrendo com o producto d'estas vendas a cer-
tas despezas » a que os Póvas erâo obrigados : e ainda que ao princl«
pio se devesse só entender este direito a respeito das pastagens su-
perabundantes , a cubica e a maldade o ampliarão tanto , que 0% mise-
ráveis moradores de Proença, a Velha , e de Santa Margarida forâo o-^
brigados a Impefrar hum Decreto , paraque os creadoies de fora não
viessem lançar nas hervagens do seu Termo ; o que com effeito Ifao
concedeo a Rainha Nossa Senhora á imitação de outros , dados a Ida-
nha e a Salvaterra do Extremo : c isto^succedco , não em tempos remo-
tos , em que aiada houvessem poucas 'noções Agronómicas » mas eai
E C o V o M 1 C A 5. 71
gados , e a persi^azão de que esta pastagem se fazia sem
danno do possuidor do terreno , nem da sua Cultura : se po*
réãn provarmos que .os pastos communs e os terrenos a ber<^
tos sao prejudiciaes a estes dois ramos da felicidade públi*
ca } cessarão de huma vez as razoes que fizerao introduzir
este systema , e poder-se-hâo pôr em prática os methodos
de lhe obstar.
A nossa Agricultura está ainda na infância , princi-
palmente quando se trata de reunir em ponto grande a
cultura das terras com a criarão dos gados ; cada num d'e»-
ees objectos costumasse , por via de regra, tratar entre nós
isoladamente , ou para melhor dizer se no primeiro se em*
prega algum cuidadoso segundo he quasi sempre deixado
a natureza : por esta razão sao pouco conhecidas os Prados
artificiaes , e são em xío pequeno numero as plantas que se
empregâo para o sustento dos mesmos gados. O grande
objecto do Lavrador consiste essencialmente na cultura do
pão de pragana , milho, e alguns legumes ^ tudo o mais^áo
objectos muito secundários na maior parte das Provincias.
A única sementeira intercalar , que se conhece em pont»
grande, que he a do milho, ainda ha poucos a nnos não iS^
nha ametade da extençâo que hoje tem , a pezar de se ccdi^
servarem muitos terrenos onde he desconhecida , e que ps^
recém destinados a produzir perpetuamente hum só género
de Plantas, (i) Ora he hum principio perfeitamente bem
demonstrado em Agricultura , que as terras canção , e setor*
não infníctiferas , pela continua reproducção dos mesmos fruc«>
tos , e que hum terreno semeado todos os annos , por exem-
plo de pão de pragana, por melhor que elle seia , principia
rá pqr se sujar muito com huipa multidão cie Gramlneai
rammea^
vi-
ço Em algumas paites também st usão dai Planu« Ugumipoxas ».
• ainda dos Nabos» como sementeiras intercalatta ; mas e^ta prática hf
táo ciicunscrita e deininuta » que nâu nieitce ainda cptiar em conta t
alcna disso o modo da cuUvra he 5ummamenle defehui zo i he cc r»he»
eidv €|ue at Le«ttniitiff)sas piepatSn huna boa col(>cita de tri^Oipui^^
ci)whT)ente sendo sachadas , e que alem disto a sacha, influa cof>si(fefa*
velnacate na qttantidadq , e. qualidade dos mesmos legumes : mas a pe^
2U disto são faiifsímas as tettu cm que. osta saika ftt fMtici*
7X M s n.<» n X A s
vivazes, qiie lhe chuparão a substancia; e acabará por fi-
car totalmente estéril. Para evitar estes inconvenientes , se
introduzio na Agricultura de tempos antiquissimos o syste*
ma dos Alqueíves , no qual ficando os terrenos hum ou
mais annos sem serem semeados , tiahâo tempo para recu«
perar os suecos exaustos* (i) Este methodo , que vogou mui*
to , não só cm Portugal , mas em toda a Europa , foi-se pou-
co a pouco desterrando por se conhecer a perda que dava ,
e ihtroduzio-se o outro systema das colheitas intercalares,
ou dos afolhamentos. (2)
. Segundo este methodo ( o único capaz de resolver o
grande Problema de fazer produzir? ás terras o maior lucro
possivel , sem que fiquem deterioradas) devem os terrenos
ser devididos em folhas , que cada anno levão huma ou
mais diversas sementeiras, variadas de anno em anno , até
que torne a principiar outra vez o mesmo periodo;perten-
cendo á experiência mostrar quaes são as colheitas inter*
calares mais próprias , á proporção dos terrenos e dos cli-
mas
(1} O systema dos Alqueives está tão introduzido entre nós , que
ha algumas Províncias» em que lería quasi impossível desterrallo , tal
fie a do Aletn-Téjo : o modo destes Alqueives varia muito ; n'umaf
partes fabrica-se a tierra , e dão- se lhe até quatro lavoiras no espaço
de hum anno ; em outras náo se lhe dâo lavoiras ( principalmente quan-
do o Alqueivè dura mais do anno , a que propriamente se chama Pon-
xío , mas pelo contrario deixão-se crescer as hervas e o mato , que de-
pois se queimáo , para dar huma lavoura de preparação « ou de sémen*
ceira : em fim em cada parte ha seu uso diífereate , ma^ todos máos ^
em quanto, fazem estar as terras hum ou mais annos sem produzirem
nada.
(jk) Uso. da palavra afolhamentos , para explicar o que os France-
ses exprimem por Jnolemcnt , termo inventado em 1796 pelos Re-
datores da Bibliothec. Brita, para traduzir o Crôpplng. ou Ccurse cf Creps
dos Inglezes : chamamos folhas ás porções em que te devidem os ler*
renos , para serem empregadas cada huma delias em huma cultura dif-
ferente : assim dizemos , que huma herdade está afolhada ou devididt
em três folhas ; folha de trigo , folha de relva , folha de sevada &c.
£stas folhas varíâo de sementeira no anno seguinte : a que esteve do
relva P^^^^ P^'* ^'ig^ » ® assim por diante , até que passado o terceiro
anno «^ tornào a achar como no principio ; este Período regular heo
que propriamente chamamos afolhamentos ; havendo-ot de muitas et-
' pecics * ^ duração differeate.
EconoMicAs. 7j
mas o objecto desta Memoria he totalmente difíêrente ;
motivo por que me não posso alargar em hum ponto , tal-
vez o mais interessante de toda a Agricultura (i) : basta
porém para o que me propuz, saber-se que se devem fazer
estas sementeiras intercalares e variadas, sem as quaes não
ha nem pôde haver cultura bem regulada , nem produ-
ctiva.
Pelo que temos dito se pôde já fazer idéa do difFe-
rente prejuizo , qué cauzâo os pastos communs no antigo sis-
tema dos alqueives , ou no moderno dos afolhamentos ; na-
quelle , visto que as terras não produzem nada hum ou mais
annos , podem os gados pastar livremente , sem damno mui-
to considerável da sua cultura : nestes porém he evidente ,
que farão huma peraa incalculável , pois que hum terreno
composto de varias propriedades , e estas de muitas folhas ^
cada huma com a sua cultura particular , tem plantas ,
3ue no mesmo mez do anno estão em differente estado
e vegetação y humas já maduras ou seccas , outras em
flor &c. como poderá pois per.nittir-se a livre entrada dos
gados em terrenos cultivados por esta fórma ? Qi^ial será o
dia do anno em que elles possâo pastar sem fazer pre«
juizo? Dir-se-ha talvez, que quasi nenhuma das nossas pro-
priedades he assim cultivada : mas por ventura não o de-
verião assim ser todas ? e nesta hypothese que guardas serião
precizas para evitar as perdas , que faria o gado que se ex-
traviasse por huma cazualidade descupavel^ sem íàllar das
que se fazem muito de caso pensado?
Ainda mesmo prescindindo dos afblhamentos regula-
res , basta a cultura do milho , e feijão , cujo uso entre nós he
já tão extenso, para tornar aquelle direito muito prejudicial:
nos mezes de Julho , Agosto , Setembro , e ás vezes até Ou-
Tdm. K K tu.
(O O' bons afolhamentos nâo só concorrem para a bondade e quan*
tidade das producçóes , mas sobre tudo para o melhoramento dos ter*
f enos , a pezar de produzirem todos os annos' as terras. Sentimos bem
não nos podermos demorar neste artigo : mas rogamos a todo o proprie-
tário , que se quízer instruir, que lea a excellente Obra de Afr. Pi^t€^
intitulada TraiU ia Assêicmíntt ^imptttsà em Genebra jySo.
74 Memorias
tubro , estão as terras occupadas com aquellas plantas , em
quanto as suas vizinhas não tem senão restolhos : que pre-
juizo não cau2a então hum rebanho , que se tresmalha e der-
rama por aquellas Searas ? Poder-se-ha * dizer que nas
Provincias em que estas pastagens são mais frequentes e
uzadas não ha esta cultura do milho , tanto pior , pois
se uza do methodo dos alqueives : além disso , como po-
derá haver estes e outros melhoramentos em quanto os
Proprietários não tiverem a certeza de recolher o que he
seu ? em quanto todos forem obrigados a seguir a mesma
rutina dos seus visinhos , a pezar de haver muitos terrenos
contiguos de diíferentes naturezas, e que deverião ter hum
cultivo totalmente diíFerente ; pôde elle por-se em prática ,
com os pastos communs,e em propriedades abertas?
Nao he porém só ás sementeiras depois de nascidas,
que este uso he prejudicial : he-o mesmo quasi sempre an-
tes das sementes lançadas á teira. Os diversos géneros de
cultura ( não só os já uzados , mais ainda mais os que de
novo se poderião estabelecer ) exigem diíferentes preparos do
terreno, em differentes tempos do anno,e as mesmas varia-
dades de terra tornão necessário ásvezes para o mesmo gé-
nero huma cultura variada: ora como fica hum chão , que
he precizo conservar-se fofo para receber a sementeira , ou
ainda depois de a ter recebido ; quando heapezinhado por
hum , ou mais rebanhos ? e quantas vezes se não tem vis-
tos Lavradores , na necessidade de o tornar a lavrar , prin-
cipalmente quando esta passagem de gados he feita em
tempo chuvoso ? não fica então o trabalho totalmente per-
dido , e a terra mais rija ainda do que dantes?
Accrescentemos a estes prejuízos dos terrenos , e das
Searas, os outros não menos attendiveis , cauzados nas ar-
vores ;damnos que por muito notórios escuzão serdemons»
trados; e veremos que hexabsolutamcnte impossível haver
boa cultura em quanto houver estes abuzos. Eiles são tão
frequentes entre nós^ que quasi os não attendemos (i) , ^
os
CO B*^^ liabico he já tão inveterado « que ae toleráo os maiures
E C o K o M I G A 9. f^
OS nossos Lavradores se contentâo com dizer , que taes ou
taes propriedades sâo daninhas , palavra que huma vez dita
parece cura o mal , que comtuao se faz sentir na differen-
ça da producçâo , e no pequeno valor de semelhantes pré-
dios.
Este também he o motivo , porque muitos melhora-
mentos, que se tem querido adoptar não podem ir adiante;
as vantajosas culturas em grande dos Nabos , das Batatas ,
dos Raoãos , das Cinouras , e de muitas outras plantas , que
servem de alimento aos homens, e aos animaes, e de co-
lheitas intercalares em os afolhamentos , como poderão ia-
zerse em campos , em que todos entrâo , e pastão livremen*
te? como se poderao mesmo adoptar alguns melhoramentos
que se poderiâo introduzir na cultura das arvores ? he ab-
solutamente impossível ; e para melhor o fazer ver tome-
mos por exemplo a Oliveira*
Esta arvore huma das mais preciozas , he também a
que com mais facilidade se multiplica por todas as manei-
ras conhecidas ; de sementeira , de estaca , de enxertia &C.
(i) o primeiro methodo he muito demorado, e o ultimo só
tem lugar , quando ha Zambugeiros em que se pratique : rea-
ta pois a plantação de estaca , qne além dfe ser amais fácil ^
he também a mais prompta , e applicavd a todos os terrenos»
K ii As
«busos a este reipeito. Em o verão passaJo estive em huma AlJéa»
on.ie ha bastante terreno de Lavoira* tendo por isso acima de vinte e
qnatro juntas de bois : além destes nem bum só Lavrador tinha huma
U!iica cabeça de gado » em quanto hum vizinho da mesma AJd^a , que
náo possuia hum pahno de chão nem seu, nem arrendado t tinha hum
rebanho de trezentas cabeças , guardado por huma criança de oito an*
nos , que todos os dias hia pastar , e destruir as terras dos outros cul«
tivadores » que o consentião.
Ca) Ha ainda mu tos outros modos de propagar as Oliveiras de
que nSo trato ; mas todo« elles tem o mesmo inconveniente ; quem
quizer instruir se nesta matéria» pôde ler a excellente Memoria man-
dada publicar peia Academia » e escrita pelo seu Sócio o Sr. JoSo
António Dala Bella , sobre a Cultura das Oliveiras em Portugal : e o
Svggin ThcorUo Pratico sopra gli Ulivio VOlla € i Sapomi , do Profes-
sor de Ffzica Bartholomea GanMfi impresso em Roma em 179) ;aoa?
de o Author publicou algumas idéas novas a este respeito.
yj6 Memorias
As estacas podem ser de varias maneiras \ as melhores se»
rião as plantadas em viveiros , e cortadas poucas pollegadas
fora da terra ; pois que assim lançando raizes , arrebentâo
com mais vigor em huma vergontea direita , valente , e
sem contaminação alguma , a qual depois se transplanta
para o lugar em que deve ficar : o outro methodo ( que he
o mais uzado entre nós ) consiste em cortar estacas gran-
des , qne se plantão logo d'huma vez , nos sitios que lhes
são destinados : quanto maiores são estas estacas ( vulgar-
mente chamadas tanxoeiras ) tanto melhores se reputão , e
maior preço tem ; em quanto deveria succeder peio contra-
rio , pois então são mais tortas , mais velhas , e por via de
regra contaminão-se mais , e tem huma vegetação muito mais
froxa. Como porém não ha de accontecer isto , se o que se
Srocura he que os rebentões fiquem altos e livres de gados?
^m vão se clamará com os outros methodos , em quanto os
.pastos communs e os terrenos abertos não permittlrem uzar
d'eUes.
As estacas assim plantadas , crescem e sobem livre-
mente , o dono cuida mesmo pela sobredita razão , em que ellas
subão o mais possível ; corta-lhes os ramos , e troncos , que
ficão ao alcance do gado , antes que este lhos estronque
com huma porção da arvore juntamente ;e deíxa-lhes pelo
contrario toaos aquelles y que ainda que desvairados , ficão
em altura de não serem ofíendidos : como pois poderá intro-
duzir-se facilmente o methodo tão vantajoso de ripar as
azeitonas em vez de as varejar ? e ainda mesmo que se in-
troduzisse , quanta mais despeza não faria , do que se as Oli-
veiras em terrenos fechados , fossem logo desde o principio
plantadas^ e cultivadas para este fim (i) ?
^_ Re-
O) ^' Oiivaes em terrenos abertos ainda tem outro inconvenien-
te , que em alguns annos he talvez o niais attendivel ; e vem a ser a
quantidade de azeitona que se perde » quando a podridão . a gafa , ou
os ventos a tem feito cahir ; neste caro a agua da chuva leva huma
parte delia »e o gado que passa enterra com os seus pcs a outra par-
te , em hum terreno que ordinariamente está molle. Em algumas ou-
tras colheitas « alem de este use influir na quantidade do <;rnrro ; Ki-
flue também na sua qualidade : todos os annos succede úto com o \i-
Económicas. tj
Reputo escusado multiplicar exemplos , que seriâo fá-
ceis de acnar-, ifto só bafta para fazer ver, que quando se
propõe hum methodo novo , não bafta que elle seja re-
connecldo bom para se adoptar geralmente ; he preciso pon-
derar primeiro os inconvenientes , que elle traz comsigo,
desarreigar e deftruif os obílaculos , que se lhe opp6em.
Se ramo nenhum de Agricultura pôde medrar em
quanto houver paftos communs , e terrenos abertos , menos
ainda o poderá a creaçâo dos Gados para os quaes efte cos-
tume foi adoptado i ifto que á primeira vifta parece Inve-
rosímil , se tornará evidente quando virmos , que be prova*
do igualmente pela experiência , e pela Theoria.
Em quanto á experiência , seria bem fácil provallo
por muitos aocumentos tirados dasNaçÓes eftrangeiras, mas
será melhor buscallos no próprio Paiz. A nossa Provincia do
Minho aonde , como já dissemos , sáo quasi desconhecidos
os paftos communs , contava no tempo de Duarte Nunes
do Leão 400(j)coo Bois ; ora as Provmcias de Alcmtéjo e
Beira , tanto maiores em extensão de terreno , apenas po-
deráõ chegar á mesma quantia. Alcains, pequena Povoação
na Comarca de Caftello Branco , não chega a ter de limite
huma legoa quadrada , com tudo Domingos Nunes de OU*
veira affirma que tinha em 1786 setecentas e sessenta e seis
tapadas, que levavão sinco mil quinhentos e dez alqueires
de semeadura , e contava vinte e nove Egoas de candelária ;
ao mesmo tempo que Caftello Branco mutfo maior , só ti-
nha doze \ e Idanha , que tem mais de dez tantos , apenas
dezasete ; e em ambos eftes dous deftrictos ha probioição
de fechar os terrenos.
Em quanto á Thcoria , he também fácil provar por
cila a mesma verdade. Não ha gados sem haver paftagens ,
ou ellas sejão naturaes ou artinciaes ^ e nem humas nem
ou-
jiho ; fazem«se commumcnte más vendimas por não terem as vinhas
tapadat , logo que o piimeiro principia a vendimar , o vizinho segue
o seu exemplo , ainda que conheça » que a tua uva não está madura ;
porque náo tendo já quem lhe guarde \ vinha (como costuxnSo dizer) 9
V9\t mais ter máo vinho « do que não ter nenhum.
78
Memorias
Outras pddedi de modo algum vincar em terrenos abertos.
Vejamos as primeiras: hum rebanho lançado n'hum cam*-
po a granel , corre-o todo dentro de pouco tempo ; os prá-
ticos mais moderados calculáo , que vinte rezes que as«
€im paftem , eftroem em hum dia , o que oitenta come-
riâo no mesmo espaço de tempo : a herva pizada , e repi«
zada fica em eítaao de as rezes depois náo lhe quererem
pegar ; além disso , he hum principio demonftrado na Físi-
ca vegetal , que todas as hervas , cujos caules sao continua-
mente cortados , e cuja vegetação he sem cessar desorde-
nada, vSo perecendo insensivelmente, emarasmando ao pon-
to , que se sobrevem calor , secâo absolutamente , por causa
da extravasaçao da sua seve ; e eis-aqui o que succede sera-
Ere, e que raz que os nossos terrenos tomem tão depressa
um aspecto pelado e seco , e as nossas paftagens se con-
vertão nas primeiras calmas em campinas ae reftolho.
en Poderião talvez objectar-nos com o que succede no
( Slemtéjo, onde ha todos eftes abusos, onde não se conhe-
l^ce nem o nome de prados artificiaes , e onde as criações de
âdos são abundantes; mas primeiramente deve advertir-se
110 que acima fica ponderado , comparando efta Província com
o Minho ; em segundo lugar devemos lembrar-nos do que
também já se disse , que o numero dos gados do Alemtéjo ;
(graças ao systema dos alqueives ali adoptado) eítá na razão
inversa da sua Agricultura. Feito bem o calculo , porque pre-
ço não fica o gado rfhuma Província , que perde todos os an-
nos mais de metade do seu terreno , sem tirar delle o menor
lucro ? Essa mesma metade aproveitada , quanto não renderia
mais aos proprietários ? c quanto seria ainda o excesso do
lucro, depois de deduzido o necessário para a creação do
gado actual? Que mudança não haveria naquella Província ^
se introduzi ndo-se primeiro o uso dos Tapumes , se adoptailè
depois o syftema dos afolhamentos? O seu aspecto seria to-
talmente outro, a sua população dobraria em poucos annos,
e os seus gados e lavouras subirião em curto espaço de
tempo talvez a sextuplo do seu valor actual.
He certo , que ha terrenos tão abençoados , que nel«
les
ECOHOMXCAS. 79
les nSo se fazem sentir tanto eftes males (i) : mas que ou-
tra cousa prova ifto senão, que eftes terrenos ainda produ-
zirião muito mais , se se adoptaíTem os melhoramentos , que
acabo de propor ; os quaes se são capazes de augmentar o
valor das terras pobres , ainda com muito mais razão, o
serião de multiplicar o producto das que são férteis.
Se os prados naturaes não podem subsiftir em terre-
nos abertos, como o poderio os artiíiciaes? ecomo se atre-
verá o Lavrador a traoalhar , sem a certeza de ser elle só
a colher ? ifto he tão evidente , que he escusado insiítir so-
bre efte objecto ; por iíTo também tem eftas qualidades de
paftagens entre nós tido tão pouca voga , excepto em a Pro-
víncia do Minho , onde só podem subsiftir pelas razoes aci-
ma ponderadas.
Não he por^m somente a diminuição , e desperdiço
das forragens , que se deve ter em vifta ; he também a de-
terioração das espécies , que tem lugar todas as vczts , que
os paftos são de inferior qualidade , e os rebanhos anaao
confundidos, e tratados sem aquelle melindre que requereniS
Tanto ifto he certo , que em as partes de Inglaterra , em quftt
melhor se cuida na criação dos gados, os Criadores mai^.
intelligentes não se aproveitavão do direito das paftagens ^
} preferindo antes terem os seus rebanhos em paftos, que el-
es pagavão por alto preço. Com effeito , eftava ali provado
por repetidas experiências , que huma vacca , por exemplo,
suftentada na paftagem commum , e outra igual dada a num
Lavrador para criar no seu prado fechado, no fim de cer-
to
(Q Houve ji terrpo 9 que eir Portugal chegário « vender-te os^pat*
tos naturaes « mesino para fora do Reino* ]t Sohiáo , diz Duarte Nunes »
y^ os moradores do Campo d'Ourique , e de outros lugares do Alemté-
^ jo t no inverno , e es da Serra da Estreita no veráo arrendar parte
9 das suas hervagens que prdião escusar aos Sorianos j e moradore» ou-
31 tros de CasteUa que a este Reino vinhSo pastar seus gados. 1» Vej. Des*
crip. de Port. Cap. 28. He certo cue ifto parece provar por hum lado o
augmento actual da criação dos gados , n^as nâo prova rraln ente , se-
liáo a decadência da Agricultura » pois nefle mesmo tempo tinha Por*
tueal pão para si , e não sahiáo dellc as enormes sommas « que saheai
hq/e para efte objecto.
mm^
. a fctÉ .m^-
8o Memorias
to tempo , levadas ambas ao açougue , dava a segunda so-^
bre a primeira não só o valor da herva que comera ^ mas
também hum interesse excedente para o dono.
Ainda devemos ^ antes de paíTar adiante , lembrar ou«
tro inconveniente , que resulta defta facilidade de paítos por
hum lado , e pelo outro da sua escacez ; e vem a ser a pre-
ferencia necessária , que se dá a taes e taes gados , sobre
outros que serião muito mais vantajosos. Efte o motivo por
que em algumas partes se tem multiplicado tanto as cabras
sobre as ovelhas ; pratica nociva não só pelo muito menor
producto , que aquellas dão ao dono do rebanho ; mas ain-
da pela perda , e deftruiçâo , que fazem nos terrenos aon-
de se apascentão; mas em fim prática necessária pela falta
de paftagens em geral , e pelo eftado decadente de nossa
Agricultura.
P A R T E II.
o
Methodo , que á primeira vifta podia parecer mais fá-
cil, para se obviarem os inconvenientes acima ponderados^
seria huma Lei prohibitiva , que fizesse respeitar o direito
da propriedade dos terrenos em todo o tempo do anno,
porém efta medida ainda seria ineficaz, e não preencheria
senão huma pequena parte dos fins , a que fosse dirigida ;
eu me explico.
A necessidade não tem Lei ; a criação e consumo
dos gados he de absoluta necessidade para a nossa subsis-
tência ; e como efta não pode ter lugar sem paftagens ,
he forçoso que as haja gera es e públicas , quando as não
ha particulares 3 ora em a maior parte do nosso território,
não pode haver eftas paftagens particulares em abundân-
cia , sem se introduzir o methoao dos prados artificiaes ,
e dos a folha mentos ; e nada difto exifte sem propriedades
fechadas : do que tudo se segue , que o único remédio a
efte mal, he o Tapume dos prédios. Além disso os ter-
renos fechados tem vantagens particulares , independentes
daqjellas , que se conseguem com a prohibição dos pas-
tos co^nmuns: he necessário lembrarmo-nos d'algumas del-
ias.
Económicas. 8i
las, ao menos das principaes, visto ser este hum objecto da
maior importância , e a que estamos ainda pouco habitua-
dos.
Os tapuoies dos terrenos sâo conhecidos talvez des-
de os tempos, em que foi conhecido o direito da proprie-
dade; os antigos, principalmente os Romanos , faziao uzo
delles, os Séculos da ignorância que se seguirão ao Impé-
rio , e o systcma Feudal íizerâo diminuir grandemente esta
prática , até que em tempos mais felizes e mais próximos
a nós , tornou a reviver com maior vigor do que nunca j a-
ctualmente elles são reconhecidos como o primeiro de to-
dos os melhoramentos da Agricultura , por todas as Naçâes
da Europa , a hum ponto tal , que algumas ha em que cul-
tivar hum terreno , he expressão quasi sinonima defechallo:
vamos ver o motivo porque.
Além de assegurar a cada proprietário o gozo e pos-
se exclusiva da sua Herdade , que he o íim primário a que
os tapumes se dirigem , elles augmentão o valor do prédio ,
nao s6 tornar) Jo mais certa a colheita, mas mesmo bene-
ficiando a qualidade do terreno ; beneficio que chega ao pon-
to de tornar productivas certas possessões , que á primeira
vista podião parecer absolutamente infructiferas j provare-
mos isto com hum exemplo.
A areia he de todas as terras a mais estéril , e com
tudo em Sujfolk ha terrenos muito arenosos em que não
iiasce herva alguma , e a areia he tão movediça como nos
<lezert05 da Arábia ,levantando-a os ventos como as ondas
do Mar; sem em bargo disso os industriosos habitantes des-
te Pai? , descubrirâo hum methodo mui fácil de o fertili-
zar. Escolhem hum dia sereno , para fazer a sementei-
ra , qne cobrem pondo de espaço em espaço alguns fei-
xes pequenos de mato , cravados no chão com estacas de
páo , este mato produz a vantagem de não serem as semen-
tes desarreigadas , ou descobertas pelos ventos, e ao mesmo
tempo o de não deixar secar o terreno pelos raios do Sol,
entretendo huma humidade necessária a vegetação da se-
mente , que se desenvolve , arreiga , e vegeta dentro em pou-
Tom. F. ^ L CO
82 Memorias'
00 tempo ; a quantidade de pastagem que produz esta se-
menteira oáo he grande ; mas a qualidade da herva he pri-
morosa , e tal que faz que estas areias produzâo bastante
lucro, depois de pagar os gastos do cultivo, (i) Este me-
thodo por si só ainda não bastaria , se os terrenos não fos-
sem fechados com sebes altas , que não somente fazem abri-
go naquellas terras , mas até impedem que as areias das
visinhanças arrastadas pelos ventos , venhâo cobrir, e óbstniir
as mesmas searas.
Independente deste facto , e de muitos outros que
poderiamos citar; he hum principio inegável que toda a
terra bem cultivada se melhora : hum terreno inculto ezp6e
constantemente a mesma superfície á chuva , ao Sol , e ao
vento: o Sol seca as partículas desta superficie , atenua-as ,
e as dispõe para serem arrastadas pelos ventos , que obrão
em hum terreno aberto oom toda a sua fbrça,nâo encon-
tranda obstáculo que lha quebre; por outra parte a chuva
dilue as partes terrosas , sobre tudo aquellas em que ha mais
jiumus , e ott as filtra e entera profundamente quando a su-
perfície he perfeitamente plana , ou as leva e arrasta por
nieiior que seja o seu declive: isto posto, em poucos annos
t<ma-se o terreno areento e estéril , e fica charneca e mani-
nho o que podia ser terra productiva. Pelo contrario tape-
se muito, bem esta mesma Charneca com algum dos tapu-
mes que depois descreveremos , não somente em roda , mas
mesmo por dentro, reparti ndo-o em porções não mui con-
sideravelmente grandes ; (2) plantem-se depois estes valados
com
(i) Veja-ie Enc^tlcfaiui òtíhoêU Ari. Cloture , e o GtttulLome
Ctãitivoteur IVm, a. Eiti Iritugil tem-se usado alj^umas rtit» de hum
nsetlukdo s^melliante a este em as sementeiras de alguns pijohaes.
(3) Esta repartição de terrenos cm tapumes pequenos , esiá muito
íntrodirzTd:! em os Paizes Estrangeiros e mesmo cm alguns dos nossos
f>rcdÍM » E<ti hoje provado pela experiência ( di2 o GtmULême Cuíti*
H feitor lir. \. Cap. 5. 3 9"^ ^^^ ^' tapumes são mu lci}>l içados . vnz.s
)) sensivd he o melhoramento dos terrenos , pois os que, tem hunia
» grande extensão ficâo menos ao abrisro das sebes , aproxiiiíando $•
» mais das desavantagens , e inconvenient%« dos Campos abertos : ao
]|> mesmo tempo « que pequenas peças de tei/a fechadas ^xecebem csia
Económicas. S3
com algumas sebes vivas de arvoredo , e ver-se-ha dentr o
de pouco tempo , que a terra conserva mais a frescura das
noites , e dos orvalhos ; que a sombra dos tapumes impede
os raios do Sol de a penetrar tao activamente , e que os
ventos nâo varrem com tanta fúria a superfície do terreno ;
em fím se depois de tudo isto , se pozer em prática hum me-
tbodo de afolhamenros que seja apropriado, estou certo
que o Lavrador receberi hum avultado juro da despeza >
que foi obrigado a fazer.
Nâo somente a sombra , e abrigo benefíciâo os cam*
pos , e as searas ^ buma e oytra coiza he summamente útil
aos estrumes que adubâo as terras ; em quanto entretendo
hum maior gráo de calor , concorrem para a sua fermentação
mais rápida, c por conseguinte para o desenvolvimento dos
gazes que constituem a seve ; em quanto aproveitâo as a-
goas que por occasiâo das chuvas escorrem dos mesmos
estrumes , levando-lhe os melhores princípios ;e em quanto
finalmente impedem os ventos de lhe roubarem as partícu-
las mais ténues, e subtis (i) .
L ii Além
I 111 I
)l vantagem em ioda a extensão ; e a« colheitas quer de feno , quer de
» trigo são muito mais abundantes 9 Mas o Author que assim escreveo
ainda não olhou esta pratica pelo lado da sua maior utilidade , quero
diter em os terrenos destidados á pastagem : he então que estes ser«
rados são extremamente vantajosos , em quanto oflferecem hum meio da
fazer pastar o gado ás parceMas , sem que a herva toda fique ataça^ha*
da , e pizada ^mas podendo aetcer i vontade em huns^em quanto te
pasta nos outros. He certo que quando as terras são destinadas eQtre
nós a algum dos dois fins sobreditos , isto he , ás pastagens ou ás sea*
ras y não secostumão uzar semelhantes precauções, mas ha destrtctos em
que ellas sáo vulgares com os Lranjaes » vinhas &c. : estas que » em Peni*
che por exemplo, não prodoiiriio nada sem semelhante cautela » dão huma
colheita abundantissima graças aos tapumes de caniço de que são re-
talhadas em contiguidade tal , que quem as v£ por fora parece lhe tu«
do hum canavial ; mas não hasta este exemplo para fazer adoptar hum
uso análogo em as terras vizinhas » e ainda aqudlee póvov se nêo lem-
brarão , qne o que he tão útil para a cultura da vinha , o podia também
ser para cultura doe outros géneros.
(i) Isto ho sobre tudr» conveniente em Portugal « onde nada ha mais
mal entendido que o methodo dis estni neiras ,e o uso dos estrumes ,
cpaservando-fc it ▼«■et espalhado «m nomes peio tecreno » lies
^4 Memorias
Além disso , a mesma sombra e abrigo he igualmen-
te útil ao gado que pasta j principalmente quando as deve-
sas sao destinadas a este objecto. Em o nosso methodo
de creação de gados, he este interesse pouco seniivel, por-
que ( afora algumas excepções , procedidas por via de re-
gra das grandes distancias em que estão as pastagens das
moradas dos Lavradores ) os gados se recolhen;! quasi todas
as noites aos curraes : mas sello-hia muito mais se se ado-
ptasse o costume contrario , de o fazer passar a maior par-
te do tempo ao sereno , o que concorreria muito para a bon-
dade da la,e saúde das mesmas ovelhas, como se tem o-
bservado em Espanha e França , e sobre tudo em Ingla-
terra, a pezar de ser hum Paiz muito mais frio do que não
he o nosso.
Outro abuzo que se evita com os tapumes, he o dos
Atraveçadoiros , de homens , animaes , e carros : este mal he
algumas vezes cauzado por outro talvez maior , que he o
ináo estado das estradas em Portugal ; por isso se faz prin-
cipalmente sensivel , nos terrenos que lhes sâo contiguos,
em muitos dos quaes , a continua passagem das bestas , e
carros , amassa o chão ao ponto , de que na primeira lavoi-
ra he precizo huma força e hum tempo as vezes mais do
duplo , para se romper a terra assim calcada.
Não me propuz ,como já disse , indicar todas as van-
tagens dos terrenos tapados , mas sim as principaesic so-
mente aquellas , que tem mais connexão com a Agricultura ,
e creação dos gados \ se outro fosse o meu objecto , pode-
ria provar, que era o único meio de se extinguir ou dimi-
nuir mui consideravelnicnie a abundância de Lobos , que em
alguns annos faz estragos consideráveis nas nossas Provín-
cias : diria quetodos os tapumes , principalmente os de valados
coro
e quatro mezes » perdendo entre tanto toda a sua força não só pela
interrupção da feimentaçáo , mas peles effeitos do Sol , do frio , e da
chuva. Esperamos ter occasiâo de tratar ainda deste objecto , a respei*
todo qual seria para dezejac que houvessem melhores noções : pode-se con-
sultar o exceUente tratado dos estrumes que compilou e redigio Mr^
Ifiaurlcc imfittw em Genebra cm i Soo hum vol. em S.^
QUi
E c o H b M i c Á s* 2$
com arvoredo , davão aos terrenos hum aspecto risonho ^ ale-
gre , e variado , em vez do árido , e escalvado y que actual-
mente tem buma grande parte delles : que concorriâo essen-
cialmente para huma frescura , e humidade tão dezejada em
alguQias aas nossas Provincias , sobre tudo no Âlem-Téjo:
que forneciâo aos proprietários huma porção de lenha pa-
ra queimar, nos sítios em que ella he mais cara ;e algumas
outras vantagens , que passo em silencio por não serem pro»
priamente do meu assumpto (i).
Ha porém ainda hum ponto, sobre o qual he preciso
demorarmo*nos alguma coiza ; tanto mais , que a opinião con-
traria , he aquella em que se estribâo a maior parte dos anta-
gonistas dos tapumes , e ultimamente o Dr. Price. Dizem
elles y que as terras tapadas causâo huma despovoaçao extra-
ordinária em o Paiz , quando he justamente o contrario do
[ue accontece : servirme-hei para o provar, de huma nota de
>. Artbur Young „ tirada do Cap. i. Secç. 8. da sua
Aritbm. Polttic. „ Está demonstrado ( diz este grande agro-
,, nomo ) que de todos os melhoramentos de Agricultura ,
„ aquelles cue tem por objecto o tapume dos campou , são
„ os mais favoráveis á população de hum Paiz , porque os
^y campos fechados , empregâo hum maior numero de obrei*
9, ros , por cauza da variedade e multiplicidade dos traba-
,, lhos : ne necessário plantar sebes , conservallas , renovallas \
^, alimpar, e profundar as alcarcas &c. : além disso estas ter-
^, ras são cultivadas todos os annos , e exigem por conse-
^, guinte o dobro dos obreiros das que estão sem tapumes,
^y e regularmente de alqueive , pois o fim daquelles , he su-
„ primillos inteiramente : mas independente desta çonside-
yy ração , he evidente que hum terreno fechado , e que he al-
9, ternativamente semeado de pastos , de plantas carnudas ,
„ou
(i^ Huma destas vantagens he a segurança do Paiz » mesnu) em oc*
•asião de guerra. Os campos tapados são hum obstáculo continuo ao
desenvolvimento de foiças consideráveis principalmente de Cavallaria ,
quer h^s marchas , quer nas occasiões de ataque ; e sobre tudo seriáo
ftiteis em Portugal aonde a guerra por via de rtgra sempre he defen-
siva.
i6
M £ M OH IAS
9, OU de graos , adauire huma fertilidade , cjue nunca podeor
^y ter os cantpDs abertos. Ora quantas mais são as produc-
^y çóes de hum terreno , mais habitantes elle pode susten-
„ tar , logo este género de melhoramento favorece necessa-
jy riamente a população , visto que ha mais trabalho» em
yy que os homens se empreguem , e que as terras ficão sen-
,, do mais férteis. ,,
Ainda que as raz6es , e auctoridade de Young , não
deixem nada a dezéjar nesta matéria , confirmalla-hemos
com hum exemplo bem concludente. Já se dice em hu-
ma nota , que havia entre nós alguns destrictos onde era
prohibido o uso dos tapumes ; e tem-se observado , que nes-
tas terras vai a população annualmente decrescendo. A Ida-
nha , em 1615' , Época em que se passou o Alvará , que
continha aquella prohibiçâo , era habitada , ( como delle mes-
mo se colhe) por 700 Lavradores , fora os trabalhadores,
seareiros , oíEciaes &c. Ora no Mappa de Portugal deJ(»o
Baptista de Castro em i/jry , já se dá somente á mesma
"'^'^^voâçáo 5-42 fógosje em 1785 compunha-se o seu rol de
' jeiíados, segundo diz o já citado Oliveira yàt 411 fó-
^t^ somente , isto he, de pouco mais da metade do que
^açnos antes.
Srendo provado os inconvenientes dos terrenos abcr«
^M^y e as vantagens dos tapumes , resta tratar do modo de
*os fabricar? matéria interessante , de que não poderei fallar
senão em geral ; pois me levaria muito longe tratalla com
as particularidades de que he susccptivd. Além disso este
trabalho faz parte de diversos officios , que não me posso
propor a descrever: he em obras que tratao delles,que os
proprietários curiozos. devião buscar asidéas,e conhecitnea*
tos próprios para saberem dirigir os nossos officiaes , que
por via de regra são summamente ignorantes.
Podem considerar-se os tapumes como divididos em
quatro espécies. I."* Tapumes de parede ou muro. II.* Ta-
pumes de terra com balça. III.*^ Tapumes mixtos de pare-
de, e balça. IV.^ Fossos.
Nâo pdie ser indiSereate em a prática ^ a escolha , e
pre-
E C o K o M I G A S. S/
preferencia de cada huma destas espécies ; e ha mesmo di*
versos objectos, a aue neila se deve attender^osprincipaes
dos quaes são , a facilidade ou diíEculdade de achar pró-
ximos os materlaes de que ellesse compõem, as qualidades
e localidades dos terrenos , e os differentes géneros de cul-
tura para que sao destinados.
Em num terreno por exemplo em cuja proximidade
xâo ha pedra , seria loucura querer murar com ella as pro-
priedades , pois talvez importaria mais a parede, que o seu
valor : pelo contrario em hum terreno aonde a pedra , e o
«eixo impedem a cultura , seria igualmente loucura uzar de
hum tapume meramente de vallado ; a pezar disto , nâo he
raro verem^sc terrenos desta natureza com vallados de ter-
ra ao redor , e no meio com grandes montões de pedra,
da que se arrancou em as lavoiras ou cavas: a priguiça dos
nossos Lavradores os convida a fazer o mesmo , que se pra-
ticava na infância da Agricultura (i) : elles preterem vtr \^art^^f^j^^y
da sua propriedade obstruída , e estéril com estes nioa|csrtlt:\::\'^".^^^:;
pedras , e ter os regos da lavoira , e a gradagem conf inuamtiS^;^-^;^-^^^^^^^^^^ \
desarranjados, e interrompidos , ao conselho de Pãíãdiú 4#7(Í?ra^ií 11^^^ í/
limpar estes terrenos da pedra ,e de formar com tila (ç| ^jl^^^l J* ^.>
tapumes. He certo , que pode haver , e muitíis vezt*? I^^%f ■í;<^\fi^ ^
terrenos pedragozos,e ao mesmo tempo frios ^e açoitados ^^^^
pelos ventos , em que o muro só tAo preencheria bem todas
as vatagens dos tapumes ; mas quem não vê , que este he o
cazo de preferir os aue sáo mixtos de muro e sebe , que reú-
nem a utilidade de limpar o terreno, e dar lhe hum íiindo,
que
(i) Nof terrenos pedrago^os , além do costume c;ue t<inof de ajun*
tar eiD montes a pedra que delles se arranca nas lavòíras «uza-se tam-
bém em algum&i partes subterralla em covas Fundas , que peia is!^o se
fazem de propósito: anhai esras práticas ^âo muito antigas » e já des-
cri ptas pof CoJtrmeHe Liv. %^ Cap. %,^ «t 8«ii<>íuii» faciU ••< «iip«di«
j^ re leciione lopidum , quorum si magfia eat abuixlantia velut quihus-
9, dam substfuctionihus partes agri sunt occupandae , ut reliouac cmun-
4» dentur «vtl in akitudmcm sol)o depresso lapides obiuendi. «,
(a) ^» Si lapidopus , per mtcerifs sa>< rum a turba coilecUSj et pur*
j, gari potefit,et inde muniri. >« Paládio Liv, 6. Tit. j.
[88 Memorias
que sem isto não poderia ter ; e ao mesmo tempo de quebrai
a Força do frio e dos ventos ? Deve-se concoraar , que estas
idéas sio da maior simplicidade , mas a pezar disso estão
ainda muito pouco generalizadas entre nós.
Além disto ha terrenos secos , e outros alagadiços : os
secos perder-se-hiâo de todo, se o seu tapume fosse forma-
do de fossos, que pelo contrario fazem hum admirável ef-
feito em terrenos alagadiços. As terras muito sombrias,
ainda o íicariâo mais , sercadas de sebes altas; em fim o
Agricultor instruído , depois de ter attentamente examinado
todas estas circunstancias , he que deve decidir a quâUda-
de de tapume y que mais conveniente lhe he , e escolher
entre as aifferentes espécies de que vamos fallan
Os tapumes de muro ou parede , são muito conheci-
dos entre nós , ou mesmo propriamente fallando , sâo os úni-
cos conhecidos (i) por isso não he necessário tratar delles
com individuação ; somente direi , que se por huma parte são
em alguns lugares os mais fáceis, prontos, e económicos ,
attendendo á sua conservação; pela outra, não tem algumas
das vantagens dos tapumes de arvoredo , como he fácil co-
nhecer pelo que logo diremos.
Ha com tudo huma qualidade particular de muros,
que posto que uzuaes n*algumas partes das nosszs Provín-
cias , deverião ser ainda mais vulgarizados , e conhecidos;
quero íàllar dos de terra batida com seixo, a que vulgar-
mente se chama Taipa. Este tapume he muito vantajoso »
em os terrenos onde ha pouca abundância de pedra , e reú-
ne a economia da sua construcçâo á solidez e duração
de que he susceptível. Ainda que aqui não seja o lugar
próprio para tratar do modo de fabricallos , sempre recom-
mendarei aos proprietários duas couzas essenciaes para a
sua duração : a primeira he construir o alicerce , e couza
de
Çi) Pode-se dizer isto em geral , pois os nossos vallados ordinirios
sem sebes nSn merecem o nome de tapumes : além disso os proprie-
tários ("íco' parece se envergonháo entre nós de uzar de outros «facen-
do timbre de grandesa daquillo mesmo., em que odeviâofazer 4^ eco^
ECOKOMICAS. Í7 ^
de hum palmo acima da superfide do terreno, meramente
de pedra ; pois não havendo esta precaução , as aguas das
chuvas , que muitas vezes nos Invernos estagnâo na vizi-
nhança da parede até aquella altura , a corroem e fazem
apodrecer : a s^unda precaução consiste em fazer embocar
a parede de Taipa immediatamente depois de construiaa,
com huma boa camada de algramaça , pois aue ficando só ,
como succede por via de regra , com aquella que se dei*
tou dentro dostaipaes,e que he necessária para a sua cons-
tracção y a chuva a vai lavando até comer a mesma taipa
dentro de pouco tempo : havendo estas attenç6es , e algum
cuidado na sua conservação , a duração da Taipa he quasi
igual áda parede de pedra, e a sua belleza exterior a mes-
ma. Será para dezejar que se propague mais este methodo y
que já era conhecido pelos Romanos, (i) e de que todas ^
as Nações da Europa fazem o maior uso.
Os tapumes de terra são 4>em conhecidos entre nòs
com o nome de valados , e com elles se fechão grande par*
te das nossas propriedades , ainda que por hum modo mui-
to imperfeito como veremos. Nesta qualidade de tapumes
ha duas couzas differentes a attender ; a formação ao va«
lado em si , e a plantação da balsa , ou sebe que o gu^«
da , e sem a qual ellc de pouco ou nada serve.
He geralmente conhecido o modo da nossa oonstnic-
çâo de valados : o valador faz ao longo da linha y por onde se ^
quer o valado , huma espécie de fosso , a que chamão alcorca ;
a terra he tirada doeste fosso por meio de hum balde , ou
de huma pá ,e lançada no sitio do valado; o qual á pro-
porção que se eleva se tal batendo com o mesmo ba^le.
Tom. K M e
CO Persuado me que d*estas paredes de Taipa hé que falia Pliiuf
quando diz no Liv. )5 Çap 14)1 Quid ? non in Africa Hitpaniaque
yt ex terra parietes i quos appellanc lorn»aceos «quoniam in forma cir-
)l cumdatis utrimque duabus tabulis Híferciuntur verius «quam instruun»
)l tur ; oevis durant íncorruptí im|jril)us ^ ventis , ignibus » omnique cae-
]| mento firmiof es f » Os Francezes tem aperfeiçoado este methodo de
c«nstrucçáo de que se servem muito , e que he conhecido entre eilet
debaixo da denominação de Pissé.
S8 Memorias
e cortando em plano inclinado , tanto por hum como por
outro lado desde a sua Fummidade , até a superfície do ter-
reno. Logo que tem chegado á altura , que parece oonve-
^niente^ou se deixa assim ficar, o que succede as mais das
vezes , ou se lhe faz huma plantação , ordinariamente de pi-
teira ( Jgave Americana ) ou dè figueira da índia ( Cactus
Opuntia ) ; e se dá o trabalho por acabado.
Este modo de proceder he summamente defeituoso ,
tanto na construcçao do valado , como na plantação da se-
le: em quanto á primerra porque não tendo as suas faces
interior e exterior consistência alguma , nem nada que as
prenda , se esbroâo e arniinão com muita facilidade ; alem dis-
so não sendo a alcorca destinada senão para dar a terra
necessária á formação do mesmo valado , e não havendo
cuidado em a alimpar; logo que as chuvas a fazem entu»
Í)ir , perde todas as utilidades de que era susceptível , o va-
ado fica baixo , e ò^ gado penetra-o com muita facilidade.
He tãobem defeituoso em quanto a plantação da sebe ;
porque nem a piteira , nem a figueira da índia , nem os ou-
tros arbustos , que ou alli. se plantão , ou nascem espontanea-
mente passado algum tempo , são suíficientes para razer hum
tapume seguro : e ainda mesmo quando o fossem , nunca pro-
^uzirião nenhum dos benefícios , que a(^a dissemos serem
próprios dos tapumes de arvoredo.
Veja- mos porém este mesmo mcthotlo mais aperfei-
çoado pelos Estangeiros; e para isso.seja-me licito copiar
às palavras do já citado Gentilbome cultivateur tom. 2. ;
que dá o melhor modo de fazer valados principalmente
cm os terrenos fortes. „ Havendo em as terras , que se que-
„rem valar, diz este Author, huma porção coberta de rel-
5, va , deve formar-se o valado no principio da Primavera ,
„ passadas as maiores chuvas ; porque observaremos de pas-
^, sagem , que esta opperação se faz com muita imperfeição
. „ nas estações húmidas, ou durante o grande calor ; porcjuc
„a terra rfeste ultimo caso se esmigalha com muita facili-
^, dade ; e rfaquelle , incha e greta consideravelmente. ^,
yy A natureza do terreno ^ e a propnedade da estação
9^ bem
E c o N o M I c/a S. 2ff
>»l)eth conhecidas ; devem-se tirar duas linhas parallelas a
»tres pés e meio de distancia huma da outra , em toda
99 a excençâo que se quer valar ; cortão-sc depois com o
»> balde leivas relvadas , no lugar do terreno em que a hn-
» va está mais verde e vigorosa , que tenhão sendo possi-
>> vel hum pé , e mesmo algumas pollegadas mais de pio-
>9 fundidade ; as quaes devem ser talhadas em quadrado , ft
»> dispostas á medida que se cortáo em duas fileiras , na
'^extençâo das bordas de cada huma das duas linhas, com
" a parte da relva para fora ; deixando-se hum espaço en^
7> tre huma e outra ordem de leivas, >> . y
99 Âbrerse na distancia de hum pé da linha interior
» do valado hum fosso de trcs pés de largura , cujos lados
'9 devem ficar em declive , e serem profundados na altura neces-
'» saria para fornecer huma quantidade de terra suíliciente ,
" com a qual se ench<ã o espaço que fíca entre as duas of-
99 dens de leivas. >>
99 Deve-se pôr neste intervallo tanta terra , até que o
9> interior do valado esteja ao nível com os lados. Estan-
>' do assim bem solida a sua baze , cortâo*se novas leivas
» que se póe na segunda fileira de cada lado , por cima das
^>> primeiras , mas algum tanto para dentro \ e assim de filei-
»> ra em fileira , havendo sempre cuidado em hillas estreitaa-
99 do insensivelmente ; de modo que o valado fique em de-
» clive , isto he , mais largo em baixo , e mais estreito para
>»cima.9f
M Observar-se-ha também de se ir enchendo com tcr-
>9 ra da alcorca ò espaço , que forma no interior a eleva-
99 çâo de cada face , tomando-se as dimençòes . de modo ^
9» que o cume do valado tenha dois pés de largura sobre
99 quatro de altura (i).
M ii O
(O Huma precaução que também se costuma aConcelhar» he meter
^ Icivai em agua barrenta e lodosa por espaço dè hum quarto de
ora antts de m empregar i para assim se arreigarem melhor ao terreno:
mas isto fó deve ter lugar nas leivai de terrenos fortes , pois^quc as
de terfa M^cm^^se eniivjGiitem |i'ag.Qa» fe .d«sfaiião tpdas*
^o Memorias
O Âuthor acrescenta , que a summidade do valado de-
ve ser em superfície concava , para reter mais as agoas da
chuva , e trasmettiUas is raizes não só das gramas , mas tam-
bém ás das arvores e arbuftos que devem formar a sebe.
 espécie de vala Jos que acabamos de descrever , con-
vém pitpríamente em terrenos fortes e relvados, porém em
os fracos e areentos não fará tao bom efieito ; excepto se
proximamente .houver outro de diffe.ente natureza d'onde
se possão mandar vir as leivas; no caso contrario deverá
proceder-se com algumas modificações; taes sao por exem-
plo, a altura das leivas que não he preciso ser tao grande,
porque as raizes das gramíneas que nascem neftes ttrrrenos
penetião a terra em pouca profundidade (x) ; e a atten^o
que deve haver em empregar as leivas immed latamente que
se cortão ; finalmente a eftação própria para a formação
<]o valado, que deve ser ^ntts noOurono do que no fim
do Inverno , porque a humidade he absolutamente ind s*
pensa vel em os terrenos fracos, que o Sol penetra com a
xnaior facilidade , impedindo nelles toda a vegetação.
Em quanto ao mais , julgamos escusado ponderar as
vantagens dos valados de leva relvada sobre os outros;
-a* sua solidez he mais do dobro , principalmente se ellas
forem talhadas em hum quadrilátero, cuja base seja o du-
plo dos lados , ou talvez ainda melhor em forma de Li-
zonja, pois nefte caso a travação he a mais f<^rte fossivel
' ficando os ângulos de cada huma d':s camadas inferiores
encaixados em os das suWriores, e vice versa (2).
De-
Cl) Independente difto seria supérfluo dar ás leivas de terra areentahu-
sna muito grande grossura » porijue aquelles terrenos teru tâo pouca te-
nacidade , que se esbroariâo mui facilmente.
Ca) Pensar-se-ha talvez que a leiva relvada não he própria senão para
os Climas do Norte » c que entre nós ella se seccaria em breve tempo ;
porém ainda mesmo concedendo ifto sempre os valados ficão muito mais
seguros ; quanto mais que quando a relva he boa » e o valado bem feito •
dura muito mais a verdura do que pareceria á primeira vifta. Além da
minha própria experiência ha actualmente huma bem publica : em as Li*
. nhãs de Fortificação , que ultimamente se cnníltu/râo desde o Tejo aie
ao Alar , quasi todas as obras interiores são feitas dt leiva : no principia
Económicas. ^i
Demorámo nos mais em descrever cfti espécie de ta-
pumes, não só pe!os reputarmos os mais úteis e vantajosos ,
mas per serem também os mais económicos, e rquelles a
que todos podem chegar. Seria agora a occasião de tra-
tar da outra parte dos mesmos valados , ifto he , da
plantação das sebes; senão julgássemos nais a propósito
reservar tudo quanto diz resptito a efte objecto , para hu-
ma Memoria particular : nella daremos o catalogo das ar-
vores , arbuftos , e plantas , ooe segundo o nosso clima são
próprios para a sua formação ; e trataremos do que diz
respeito á plantação daquelles vegetaes , ao seu governo e
cultura. A mate ia he baftante nova entre nós , e baftantç
interessinte para merecer explanar-se com alguma exten-
são : en re tanto sd diremos em geral , que todas as arvores
e arbuftos cujos ramos não sobem perpendicular » mas sim
mais ou menos orizO'^talmente , e cuja summidade pôde
ser cortada sem que o tronco padeça , são mais ou menos
prop ios para a formação das balças.
Os tapumes , que acima chamámos mixtos de parede
e balsa-, são os menos conhecidos no nosso Paiz , a pezar
da sua utilidade ; pois além de serem os mais elegantes
de todos, offerecem huma duração não pequena, dão som-
bra y e tem as outras vantagens das sebes juntamente com
ss dos muros. Eis-aqui o raetliodo de os conilniir , que he
com pouca diíFerença om^smo do dos vallados de leiva.
Quando junto do terreno que se auer tapar, ha pe-
dras que se possão talhar com reguhiriaade , deve prin-
cipiar-se por fazer hum alicerce, que não percisa ser mui-
to fimdo , e enchello de pedras grandes , não completa-
mente porém nos lados ; deixando no meio hum pequeno
in*
<}ue os oht^irtH eftavâo ignorantes em aquelle trabalho , ficárSe mal fei-
tas 9 e exesfírão gnm^s reparações ; concorrendo também para isso nSo
se ter po()ido qscolher tempo opportuno para a sua conHrucçSo: n'a*
quelles lugares oorém tm que houve bom terreno^ em que se pouda
escolher tempo próprio $ e obreiros mais habituados » como foi no forte
grande do Sobral » conservou-se a obra tão perfeita que entrando alli no
£m do yeráo defte anno » eftavio todas as leivas táo viçosas i que paro*
eia enlrar-se em hum jardim*
pi Memouias
intervallo , que se enche de terra muito bem batida. Quan-
do se chega á superfície do terreno, põe-se as pedras ali-
nhadas duas a duas, de modo que na segunda fiada haja
sempre huma pedra em cima de duas ^ fi ida inftiior,
tnatando-lhe as juntas. A' medida que se levanra o muro,
enche-se o espaço comprehendido entre as duas paredes
dos hdos com terra, ficando por efte modo todo elle hu^
ma maça solida.
Continua-se a levantar o mu o na altura e largura
necessária , attendendo sempre a encher de terra o inter-
Talio entre hucna e outra parede; e ao mesmo tempo a que
a face exterior das pedras fique bem a prumo* Quando a
parede checja á altura que se lhe quer dar, faz-se4he a
plantação áa sebe, que nunca nefte caso deverá ser de ar-
vores grandes , porém tão somente de arbuftos (i).
Os tapumes de fosso , os últimos de que tenho a fallar,
i30 fôra de duvida os melhores de todos nos terrenos ala-
i^s e pantanosos ; nao sô em quanto servem , logo des-
^ momento da sua conftrucçáo , para vedallos , mas
W os beneficião , dando ás agoas hum escojnte por
K-dezauguem : a formação deftes fossos he conheCida
mais , para se tratar delia em particular.
Alguns Authores coíhimão ainda descrever varias
outras especes de tapumes de que não fallo, por me con-
tentar somente com indicar os mais vantajosos , e de que
teaho alguma experiência. Eíle objecto he susceptível de
«er tratado com muito maior extensão : se porém o não
foi com os conhecimentos que elle requer, lizongeio-me
ao menos de ter dito quanto baila , paiá dispertar a cu-
rio-
(i) Se ha algumai pedras que tomSo huma forma regular quando
se quebráo » ha outias que não são susceptíveis disso senão depois de
muito trabalho : nefte ca*o ainda se podem fabricar com eUas os
tapumes de que fatiamos , advertindo que a condrucção' das duai
paredes de que são formados seja boa , e que em cada huma delias
tiaja os necessários orifícios por onde possão escorrer as agoas da chu*
va quando cahem com muita abundância» e continuação. A face inter*
na deftas paredes nunca deve ficar liza para unir melhor com a teira
intermédia , e formar hum todo mais maciíso.
EC0K0MICA9. pj
rlosidade daquelles que forem verdadeiramente amigos dos
seus interesses, Eftimaria podellos convencer, que a Agri-
cultura não pôde medrar , em iquanto os seus Prédios fo-
rem abertos , e que da boa ou má escolha que fizerem dos
tapumes , pendem consideravelmente os lucros que delles
hão de tirar : oxalá que eftas idéas que são as de to*
dos os Agrónomos inílruidos , sejão universalmente adopta*
das , e em pouco tempo o nosso Paíz tomará hum novo
aspecto , e os nossois terrenos produziráò mais do duplo
do que actualmente produzem.
MEr
94
MEMORIA
: Sobre $ estado das Pescarias da Costa dê Algarve no
. r ' anno de 179a
POR CONSTANTIKO BoTELHO DS LâCERDA LoBO.
Divido as minhas observações em geraes , e pertenceti-
w& a toda àCofta, e particulares década hum dos lu-
gares aonde se fazem as rescarias; aquellas fazem o obje-
cto defta primeira parte, e reduzem-se: i.® a expor os co-
nhecimentos hydrographicos , e sitios onde os Pescadores
vão procurar o Peixe : 2.^ ás redes , e apparelhos > de que
uzâo.
PARTE I.
CAPITULO I.
Da Hydrograpbia da Costa do Algarve^ e dos differentes
sitios onde os Pescadores vãofa%er as suas
Pescarias.
§•1.
A Queila parte da Cofta » que fica entre a foz de Guadia-
na , e Calela he toda areenta , e assim continua até a
diftancia de legoa e meia pelo Mar em alguns sitios, os
quies por efta causa são os melhc res que cem o Reino do
Algarve para a Pescaria da Sardinha.
§. IL
O Mar que fica defronte de Calela , e entre efta Vil-
la , e a Cidade de Tavira he eh tmado vulgarmente Mar
da Canna , o fundo delle tem muitas desigualdades , e a
ai-
Económicas. 95^
altura da agoa he de 50 até 200 braças, segundo a infor*
maçáo que me derao os mais experimentados Pescadores.
§. ni.
Os Pescadores mais práticos de Tavira, com osquaes
me informei sobre os conhecimentos hydrographicos da Cos-
ta , que fica defronte da dita Cidade disserâo , que o fundo
do Mar desde a praia até oito braças de diftancia era todo
areento ; pedregoso até yinte ; e que o refto até onde
costumâo razer as suas pescarias eftava- cuberto de lodo,
sendo a altura d' agoa de toda eda extensão marítima
de 8 até 4J0 braças (a).
§. IV-
Parte da sobredita extensão maritima , que (íca em
direitura de Tavira , e na diftancia de cinco iegoas he cha-
mada pelos Pescadores '9 Mar da Mamma gorda. " A sua
altura he de 100 até 45*0 braças, aqui fazem a pescaria da
Pescada de Inverno na profundidade de 100 até 212 bra-
ças ; de Verão muitas vezes vão procurar o mesmo peixe
a partes do dito sitio , em que o Mar tem a sobredita al-
tura de 430 braças , o qual he também mui frequentes ve^
2es povoado pelos pescadores de Olhão.
$. V.
Os Pescadores de Olhão são os mais hábeis, e práti-
cos , que tem toda a Cofta do Algarve , e por isso mui
dignas de credito as suas informações hydrographicas : af-
íirmárão elles que ha huma reftinga de pedra , que se ob-
serva defronte de Tavira , c que continua até Albufeira ,
ficando em huns sitios mais , e em outros menos diílante
Tom. V. ^N da^
CO Nesta Cofta não se podem lançar as Chavegas ein tanta diftancia,
como na de Monte Gordo , por causa de huma feftinga de pedia » que
se observa perto da Praia.
#)f6 Memobias
da praia ; que nella a altura da agoa era de i6, i8 , 20,
24 oraças; que o fundo do Mar até á sobredita reftinga
era areento , e depois cuberto de cascalho até pequena dis-
tancia , e de lodo em todo o refto da extensão marítima ,
até onde coftumão fazer suas pescarias.
§. VL
As pescarias , que fazem os Marítimos de Olhão nSo
se limitão a pequenas diftancias ; elles procurâo o peixe
em Mares diítan-es , humas vezes em direitura da Barra ^
sitio chamado por elles 99 o nosso Mar, " Outras vezes vão
ao Mar , que chamão oCharnal ao Sul da Fuzeta , e outros
muitos sinos , fazendo ordinariamente em quasi todas as
suas pescarias longas e trabalhosas viagens.
§. VIL
A Cofta próxima a Albufeira he mui pedregosa , aqui
o Mar he bordado de huma escarpada arrioa. He efta hu«
ma forte muralha feita pela natureza , que em alguns sí-
tios tem mais de 5*0 braças de altufa. Entre as soas c»»
xnadas observa-se huma grande quantidade de conchas pe»
trificadas , e muitas ainda no seu eftado natural , e logo
immediatamente seguem-se muitos bancos de Carbonato
Calcareo ^ com huma direcção ao Mar , mais y ou menos
obliqua.
§. VIII.
Em direitura da referida Villa , e perto delia obscfrâ-
se huma pequena Praia , onde os Pescadores coftumão ar-
raftar as Chavegas : toda ella he areenta , e continua da
mesma forma âté trezentas braças pe|o Mar dentro , he
Sorém mui pedregoso o refto da Cofta até oito legoas de
iftancia ; mas a eftenção marítima, que depois se segiie^
aonde vão fazer as suas pescarias muitos dos nossos Pes-
cadores y he chai!kiada por elles 99 o Mar de Albufeira >y i o
seu
Económicas. 97
seu fundo he areento^ e tem de profundidade quatrocen-
tas braças.
§. IX.
Viajando eu desde Albufeira até Pêra debaixo pela
borda do Mar , observei o terreno contíguo a efte como re-
talhado cm pequenos , e escarpados ifthmos de terra de
differentes cores , entre os quaes se aviílão em humas par-
tes profundas cavernas communicando a agoa deftes copi o
Alar em outros muitos^ boqueirões metiidos pela terra den-
tro até huma grande diftancia ; de nlaneira que efta parte
de cofta oíFercce ao observador huma perspectiva muito çuk
riosa , e agradável.
§.x.
Em Pêra de Santo António observa-se huma Praia are-
enta , que se mette pelo Mar dentro até pouco mais de
meia legoa de diftancia. Aqui os Pescadores defta Aldeã
fazem com as Chavegas a pescaria da Sardinha , e o mes-
mo praticáo os de Ferragudo em huma Enseada, que o
Mar faz perto da fortaleza de Santa Catharina , porém á
excepção deftes , e outros muitos lugares , aonde as circum-
stancias locaes somente permittem o uzo dos ditos appare-
lhos , até huma pequena diftancia , todo o refto da Cofta he
huma rocha quasi continuada, que se extende até ao Cabo
de S. Vicente , e que em muitas partes tem mais de duas
legoas de largura.
§. XI.
Em toda a extençâo da dita rocha coftumâo também
os Pescadores fazer as suas pescarias , humas vezes á li-
nha, outras com os covãos ; porém os de Ferragudo vão
procurar o peixe muito principalmente cm Janeiro , Feve-
reiro , e Março a seis , e oito legoas de diftancia ao Mar
das Poças (assim chamado por elles) que tem o fundo pe-
dragoso, e a sua profundidade he de izj' até 250 braças,
segundo as informações, que me derão os mais experimen-
tados Pescadores. N ii ^ §. XII.
^S MSMOKIAS
§. XII.
A cftc Mar , que fica em direitura de Ferragudo , vão
ôs Pescadores deíla Aldea fazer as suas pescarias^ e os de
Lagos a Mares , que ficâo dez , e doze legoas de diftancia
da dita Cidade ao Efte , e Sudoefte delia. Além deftas pes-
ca-se em grande quantidade a Sardinha nefta Cofta perta
da Terra , e coftumão arraftar as Chavegas em huma praia
onde chamão Nossa Senhora da Luz , e em outra que fi-
ca defronte da Ribeira : e por toda a reftinga pedregosa,
^ue corre até ao Cabo de S* Vicente , pescâo com os co>
vãos diíFerentes caftas de peixes.
CAPITULO IL
Dos diferentes apparelbgs , de que usão os Pescadores da
Algarve para jazerem as suas pescarias*
§. XIIL
CbiTê|:it A S Chavegas , ou Artes (a) sfo o apparelho , de que
ou Artei.
A
usão no Algarve para a pescaria da Sardinha j com-
p6e-se elle de onze panos de diflperentes dimençóes , e
grandeza de malha ^ os primeiros sete formão o saco do
dito apparelho, aos quaes os Pescadores chamão Coroas.
A primeira tem sete braças e meia de comprido; a
largura do pano he formada por 15*0 malhas , e cada hu-
ma delias tem quatro linhas quadradas. A segunda coroa
tem de comprimento treze braças , e a largura do pano he
formada por 175* malhas y cada hiuna das quaes tem cin-
co linhas quadradas.
A terceira tem de comprimento treze braças, a largu-
ra do pano he formada por 175* malhas., cada huma de
se-
(/) Cada hum deftes apparelhos , com as cordas precisas , e Barco »
importa em setenta moedas « segundo me informarão em Fará, e VH*
la Real de Santo António.
ECOMOB&IGAS. 99
«ete linhas quadradas. Â quarta em nada diíFere da antece-
dente y senáo na grandeza da ntalha , porque cada huma
delias he de 84* linhas quadrada^ A quinta tem de com-
primento onze braças, e de largura i6s malhas , cada hu-
ma delias de IO ~ linhas quadradas. A sexta he em tudo
semelhante a antecedente, somente diíFere na grandeza da
malha, que tem cada huma 14 linhas quadradas. A sétima
tem de comprimento braça e meia , e a largura do pano
he formada por 165 malhas; tendo cada huma delias vin-
te e huma lin. quadradas: todo efte pano he dividido em
seis partes , que communicão com as coroas antecedentes ,
as quaes formão o saco daChavega.
§. XIV-
Com o saco communicão três diíFerentes panos de re-
de por parte , aos quaes os Pescadores dão diíFerentes no-
mes, como são Alcanelas , Cassaretes, Regales, e Claros.
As Alcanelas tem de comprimento setenta folcos (a) ou
175 palmos , trezentas malnas , e cada huma delias tem
vinte e cinco linhas quadradas.
Os Cassaretes tem de comprimento 37 jt palmos , 260
malhas , e cada huma quatro polegadas e quatro linhas
quadradas.
Os Regales tem de comprimento cento e cincoenta
foices , ou 375^ j^almos , ifo malhas, e cada huma sete
polegadas e meia quadradas. Os Claros tem 100 malhas,
e cada huma delias dez polegadas e meia quadradas , ca-
'da hum dos ditos Qaros tem quinhentas fileiras de ma-
lhas.
§. XV.
Compôe-se mais cada huma das Chavegas de vinte e
quatro tralhas superiores , e outras tantas interiores , áquel-
las applicão-se as bóias, e a eftas os chumbeiros, os quaes
E^
CO Folco he liutna medida « de que usão os íescjidore? , e equivale
a dous palmos e meio.
Iipinhel.
TOO Memorias
pȋo dnco arrobas : prendem cada hum dos ditos appa-
rdhos quarenta cordas de vinte c quatro braças cada nu*
ma^ feitas ordinariamente de esparto, e algumas de fiado,
com as quaes arraftâo as Chavegas para a praia (<:;).
§. XVI.
O Espinhei he hum apparelho , que se compõe de
huma linha meftra , á qual se entralhão quarenta anzoes^
cada hum suftentado por huma linha , que tem dezoito po-
legadas de comprimento , sendo de trinta e seis de diftan-
cia entre cada hum dos anzoes. ^
^. XVIL
Goraieira. A Gorazeira comp6e-se do mesmo numero de an-
zoes, que o Espinhei, somente differe no comprimento dos
que suftentão 'os anzoes , que tèm cada iium nove po-
fgadas.
§. XVIII.
^^O Apparelho chamado pelos Pescadores Talla dasCa-
_ . lía^não difFere dos dous antecedentes senão em os fios
"^íitralhados diftarem hui)s dos outros três palmos e meio,
e ter cada hum de comprimento vinte e huma polegadas.
XIX.
(d) Os difFerentes panos que fórmáo as Chavegas são feitos cm ViUi
Real de Santo António por algumas mulheres , depois os Pescadores
mais experimentados sâo aquelles , que organisão o Apparelho » !h« ap-
plicâo as bóias , os chumbei ros » e o mettem em alcatrão fundido. Tam*
bem em Faro se fazem as Chavegas , pordiu como o fio delias he mais
grosso , tem fnaigr pezo . e nuo podem lançar-se senão onde p Mar ti-
ver maior profundidade ; porque sendo efla pequena enterrão-se na arca ,
perde-se oApparelho, c as Sardinhas. '^fte inconveniente não aconte-
ce nas Chávenas feitas em Villa Real de Santo António , porque o fio ,
de que são formadas » he mais delgado , pezão menos , e por isso sem
risco se pôde fazer uso delias ^ ou a altura do Mar seja de tfes braças »
ou de dez.
EcOKOMICàS. lOS
§. XIX.
o Apparelho chamado Levada compòc-se de humLtftdt.
saco , e duas mãos de rede , conibrme a discrição, que
delle fazem os Pescadores ; cada mâo he formada de quin-
ze , ou dezascls panos , que todos elles tem de comprimen*
to quarenta braças, e de largura setej o saco he compofto
de quatro panos , os das mãos de rede sâo parte feitos com
guita , parte com esparto. A grandeza da malha he diversa
nas diíFerentes partes do Âppareiho-, a das mãos. de guita
he de dez linhas quadradas , e a dos panos formados de
esparto de huma polegada e meia quadrada.
§. XX. A ,^'^^''^
o Tresmalho he hum Appardho , que se
de três redes , duas chamadas albiraneas , e outra
meuda > efta he formada de sete panos , que todos
tem cento e cincoenta braças de comprimento , e dezaseis"*)
de largura , aquellas tem o mesmo comprimento , porém
a sua largura he de oito palmos ; a grandeza da malha
he de quatro, e sete linhas e meia quadradi?, e a da re-
de ntieuda he de huma polegada e três linhas quadradas.
$. XXL
A Barga he hum Apparelho , que tem uso nas pes-Bargt.
carias, que se fazem nos rios dèFaro , Tavira , e Porti-
mão: he formada de vinte e nove panos , que todos el-
les fazem o comprimento de trinta braças ; a largara dos
iÁnco primeiros de hum 'e outro lado , he de dez palmos
e meio; e de vitíte até trinta a dos nove por parte, e
iuntanfieiitt a do intermédio , que fica entre os ditos col-
latet^aes. A grandeza da malha defta rede he de seis linhas
K^adfadasb
§. XXIL
^ca ' Memorias
§• XXII.
Bafqtteira. A Barqueira he hum Appareiho , de que hzem uso
os Pescadores de Tavira: he eiie formado de duas varas de
páo, que para as pontas vão sendo cada vez mais delga*
aas, atâo-se» e a cada huma das pontas se lhe ajunta ha«
ma fileira de anzoes poftos em iguaes , e convenientes dis«
tancias, depois he suftentado o dito appareiho por hum
cordel pofto no meio deile ; e serve para a Pescaria dos
Bezugos 9 Dent6es ^ e outros peixes*
§. XXIII.
choira. A Cholra he huma pequena rede de huma figura trian-
gular , que tem de comprimento sete palmos e meio , for-
mado eíte por cento e vinte malhas, cuja grandeza he de
seis linhas quadradas. Os Pescadores de Olhão usão defte
Appareiho para íàzer a pescaria dos Chocos , e Polvo.
§. XXIV.
Kede de- O Appareiho , que os Pescadores chamão Rede de ta*
^•í'*^- par , tem huma grandeza proporcionada á boca dos Estei-
ros , aonde se hade applicar para fazer a pescaria dos pei-
xes, que nelles vivem. A malha da sobredita rede he or-
dinariamente de quatro linhas quadradas.
§. XXV.
Corãoi. O Appareiho chamado pelos Pescadores do Algarve
Covãos tem ordinariamente huma figura cilíndrica , e he
feito de vergas de murta , ou junco , que chamão negraL
A parte superior tem huma tampa feita das mesmas ver-
gas de huma figura funilada : poreíla cavidade entra o pei-
xe, que vai procurar a isca (a)^ que eílá no interior do
ap«
Çà) Os Pescadores do Algarve dão a ifto o nome de Carnadi»
\
EcoMOMicAs. ro}
apparelho, o qual depois nâo pode sahir. Quando os Co«
vãos tem Imma maior grandeza , e he a sua figura esferoi*
dal 9 então lhes dâo o nome de Muregonas.
§. XXVL
Petdra , he huma cana que tem na ponta oito, ou '**•*'*•
dez anzoes , de que se servem para fazer no Rio a Pesca-
ria do Polvo , e Choco , depois de terem usado do Carri-
nho } efte consifte em fazer em huma concha dous bura-
cos , aos quaes atâo duas linhas , e a huma delias hum pe«
queno peixe , e pela outra puxa o Pescador , arraftando pe«
lo fundo do Rio a concha com o dito peixe ; logo que a
efte chega o Polvo , ou Choco , immediatamente o mesmo
Pescador o apanha com a Petdra que tem na outra mão»
§• XXVII.
Os Pescadores do Algarve usâo também de Anzdes de
difFerente grandeza : do Harpão , Fisgas , huma chama-
da de pente , e outra de arco , de que se servem para a
Pescaria de differentes peixes , assim como do Camaroei-
ro para a do Camarao , e da Dissa para a do Lingoeirâo.
T^m.F. O PAR-
X04 Mbmorias
P A R T E 11.
CAPITULO L
Observações particulares de cada hum dos lugares aon^
de se faz a Pescaria no Reino do Algarve.
§. XXVIIL
TOdãs as observações particulares tem por objecto sa*
ber: i.*^ o número dos Pescadores, e qual he a sua
Jnduftria: i.** osApparelhos de que usâo nos diversos gé-
neros de Pescaria: 3.^ a quantidade de Embarcações , que
são defti nadas para a pesca : 4»^ qual he a Pescaria mais
dominante: 5.° a preparação, e a extracção , que tem a
peixe : 6.° as imposições que pagão os Pescadores , c o çtt>-
gresso , ou decadência da Pescaria..
Lagos.
§. XXIX.
Fica a Cidade de Lagos situada nas margens^ de Bu-
ma bahia que aqui forma o Mar , e que continua em três
legoas de diftancia até ao cabo do Carvoeiro. Difta do ca-
bo de S. Vicente sinco legoas , que lhe fica ao Poente;
confina ao Sul cotn o Oceano , e ao Norte ficao em três
legoas de diftancia humas grandes charnecas ^ chamadas £s^
pinhaço de Cão»
§• XXX».
Pescado- Segundo as informações , que me derão no a^nno de
re». i'i^o havia então nefta Cidade seiscentos Pescadores , es
Íuaes nos mezes d* Abril, Maio, e Junho se occupao na
esgaria do Atum ^ e no refto do anno na da Sardinha , e
?3a
Económicas. lojr
tSo também muitos ao Mar alto em diversos mezes apa-
nhar os peixes que alli encontrão , e eftendem as suas
Pescarias até dez , e doze legoas de difianca da terra ao
Ocfte , e Sudoefte de Lagos,
§. XXXL
Os Appardhos de que usão y sâo as Ârres de pescar a ^pp^^^
Sardinha , contavão-se nove no anno de 1790 , para ca- ^
da bum dos quaes sâo necessários vinte até trinta Pesca-
dores. Havia sinco Armações desde Lagos até ao cabo
de S. Vicente ; duas perto da dita Cidade , huma no sitio
chamado Torre alta , e outra no da Torre altinha ; ha
mais outra aonde chamão Burgão i em Almadra , e Bclixc
também havia duas. Occupâo-se ordinariamente «m cada
Armação sessenta Pescadores, (a)
§. XXXIL
Além deíles Apparelhos usáo também de Tresmalho ,
rede de tapar , Gorazeira , Espinhei , e Covãos , que
chamâo Murejonas quando sâo grandes , e Murneis quan-
<io são pequenos. Coaservâo as redes da Armação, e das
Artes mrttendo-as em alcatrão Rindido , e os outros Appa-
relhos na decocçâo da casca de Pinheiro.
§• XXXIIL
Tinha a Cidade de Lagos no anno de 1790 trinta e Embtrm-
sete Embarcações , deftinadas unicamente para a Pescaria , ^^^'*
que erao onze Cahiques , nove Calões , três Lanchas, e
ijuatro pequenos Barcos. As Embarcações , que ordinária-
O ii men-
(ái) As Armações em que se ftz t Pescaria do Atum na Cofta do
Algarve » se dividem em Armaç(>es do Direito , e Armações de Revez%
fiaquellas morre o dito peixe , quando passa a desovar do Oceano
para o Mediterrâneo , e neftas morre, quando tendo já desovado • volu
para o Mar do ^^ort••
io6 Memorias
mente coítumão hír ao Alto Mar levão oito, até dezPes^
cadores.
§. XXXIV.
Pctcarit ^ Pescaria mais dominante nefta cofta he a da Sar-
MotV™'' dinha (/í) , e a do Atum (^) , e informárão-me que se po-
dia regular a matança annual defte peixe até trinta mil
Atuns ; além defte Pescado morrem também em grande
quantidade a Corvina , Safio , Goraz > Pailona , e Pescada.
§. XXXV.
Prepara- ^ preparação do Atum consifte em lhe tirar primeiro -
tuc^lo.^' ^ cabeça , e entranhas ; e depois o retalhâo erti quatro ri-
ras, elogo he lançado e;ii huma tina , alternando as cama-
das do Atum com as do Sal ; o qual absorvendo a humi-
dade da Atmosfera, se dissolve, eiica formando huma sal-
moura que cobre todo o peixe , o qual demorando*se mui-
to tempo nella , não he tão saboroso. Com efta preparação
se conserva pouco mais de hum anno.
§. XXXVI.
Costumâo seccar a Arraia , Cação , Pailona , e Safia.
Todo efte peixe he muito principalmente preparado pelos
Ca-
(<i) Os Pescadores de Lagos coftumáo repartir a Sardinha do moda
segiiitUe : Hum terço de todo o pescada he para a conservação das Ar*
tes : o reflo se divide pefo Barco t e Pescadores ; tendo o Mandador deus
" quinhões , três o Barco , hum e meio os Pescadores ; os rapazes cera
hum quinhão « t alguns meio , segundo o trabalho que tem.
(&) Para promover a pescaria do Atum no Reioo do Algarve creou-
se huma Companhia » que ct^meçou com o fundo de quarenta contos»
e já eílava em oitenta em Novembro de 1790, segundo a informação
qiie então tive. Eí!a Sociedade paga as despesas dos Barcos , e de to-
4)os os mais apparelhos necessários para a pe^ca«ia do Atum , pa^a a
hum Feitor, e Escrivão, a cada hum cincoenta mil réis por anno;
pas^a por dia ao Medre de Armação 400 rs.» e a cada hum dos dous Con*
tra-rneílres zoç rs. » a cada Pescador íca rs Alem deíles jcroaes rcco-
bem também 10 por cento dos lucros do Pescada
Económicas. Í07
Catalães, osquaes depois de o escalarem ,0 mettem em bu*
ma dissolução de Sai commum , aonde he conservado pou-
co mais de huma hora ; passado efte tempo tira-se o dito
peixe , e he expofto ao Sol , e ar livre. Todo o Pescado
salgado e secco defta Cofta he exportado para' o Alémtejo ,
Lisboa , e Catalunha.
§. XXXVII.
Pagão de todo o Pescado duas decimas partes para a impoiN
Rainha N,S.% porém he livre de Direitos o seu conducto, íôci.
que são seis Bezugos , ou quatro Gorazes , hum Safio ou Pes-
cada. Tira-se primeiro efte Pescado , e depois começa o
pagamento dos referidos Direitos.
Vi lia Nova de Portimão , e Alvor.
CAPITULO IL
§.XXXVIIL «?Pt^^
le 1790 neftaVilla trinta Pescadores f^if^i^^
HAvia no anno de 1790 neftaVilla trinta Pescadores pl^^íl
e oitenta em Alvor ; huns e outros coftumão fazer w'*'*
as suas Pescarias no Rio, e no Mar: os de Portimão não
pasbão de huma legoa de diftancia ; são mais práticos , e
intelligentes que eftes , os de Alvor , os quaes não se con-
tentão com pequenas viagens , mas vão procurar o peixe a
sitios , dez e doze legoas diftantes da terra , e orainaria-
mente áquelles , aonde coftumão ir os Pescadores de La-
gos.
Os Pescadores de Portimão, e Alvor na Pescaria que Apptre-
fazem no Rio, usão da rede de tapar, Barga, eDissa; na *^®'*
do Mar fazem uso do Anzol , Espinhei , Covãos , e Artes ;
conservão os Apparelhos da mesma maneira que se prati-
ca em Lagos.
§. XXXIX. '
toS M £ M o R X A S
§. XXXIX,
Bmbarca- Em O anno de 1790 contavâo-sc em Portimão doze
^àe$. ganchas, que serviâo para a Pescaria do Rio , e do Mar,
ao qual somente hião seis , e em cada huma ordinariamen^
te sinco Pescadores. Em Alvor havia dous Calóes , e dez
Lanchas. Em todas eftas Embarcações vão os Pescadores
delia Coita ao Mar de Lagos fazer as suas Pescarias.
§. XL.
Pcictnt O peixe y que se pesca em maior quantidade no Rio
naii do- jç y^jj^ Nova de Portimão , nos mezes de Inverno , he o Ro-
' bailo , Mugil, Douradinha , Sargate, eSargos grandes ^ e
nos de Verão o SaSo , tanto no Rio como no Mar. Os
Pescadores de Alvor como vão procurar o peixe ao mesmo
sitio que os de Lagos , pescão também em maior abun-
dância a Gorvina , Saíio, Goraz, Pailona , e Pescada.
§. XLL
Preptra- Todo O Pescado de Portimão , assim do Rio como do
ifio c Bx- jyfar he consumido em fresco pelos habitantes defta Vil-
iracçto. j^ ^ ^ excepção de huma pequena quantidade delle , que con-
servão algumas pessoas particulares salgado , e secco. O
peixe que he apanhado pelos Pescadores de Alvor , tem a
mesma preparação > e extracção que o de Lagos.
§. XLIL
impotí- Da Sardinha , que se pesca nefta Còfta , pagão os Pes-
çõcf. cadores a sexta parte de Direitos á Rainha N. S. , e de to-
do o outro Pescado duas decimas partes ; porém fica livre
a sua comedoria , que são seis Bezugos , quatro Gorazes ,
e hum Sâíio para três Pescadores.
. - . §. XLIIL
EcoKomtcÀs. lop
§. XLIIL
A Pescaria defte Rio , sefnndo as infbrmaçóes que Sttado Ai
me derao no anno de 1790, eltava então em decadência, ?«««»•.
porque em tempos mais antigos havia hum maior mímero
de rescadores , e de Embarcações , e também se conta^vâo
alguns Gihiques»
CAPITULO II L
Ferragudo.
f XLIV-
COmptfe-se quasi toda efta Aídea de Pescadores , ê con- Peieado*
tavio-se duzentos no anno de 1790 , os quaes se oc- '«*•
cupão em Outubro , Novembro , e Dezembro na pesca da
Sardinha arraftando as Artes para Terra. Em Janeiro , Fe-
vereiro y e Março vão ao Mar Alto pescar á linha. Em
Abril , Maio , e Junho trabalhão na Armação do Atum..
Em Julho y Agofto , e Setembro fazem as suas Pescarias
com os Covãos nos sitios pedragosos da Cofta. A maior
diílaficia a que vão pescar^ são <eis legoas aaSuI e Sudo»
efte de Ferragudo»
§. XLV.
Os Apparethos y de que fazem uso são a Barga , Go- Appare*
razura ^ Espinhei , Covãos , Fisga ^ Harpão , e Anzol ; e ^^^^
lambem fazem parte das suas Pescarias á Cana. Ha aqui
huma Armação de Atum^ que tem uso em Abril , Maio»
e Junho ; e três Artes de pescar Sardinha , que arraftâo pa-
ra Terra em huma pequena Enseada , que faz o Mar perta
da Fortaleza de Santa Carharina. Conservão as redes mct-
tendo-as em alcatrão fundido , ou na decocção da casca de
Finheixo»
§. XLVL
119 M^SMORIAS
§. XLVI.
;Bmbare9« Em O anno de 1790 havia na Cofta de Ferragudo
çõff^ treze Embarcações , deftinadas para o uso da Pesca ; que
erâo nove Lanchas , e quatro Cahiques. Também nesse
tempo se conca vão sincp Hiates de viagem.
§. XLVIL
PeicarU A maior quantidade de peixe , que se pesca na G)íla
^JV^^rde Ferragudo he o Dentâo, Goraz , Gueime , Ca valia, e
§. XLVIII.
"í^^^^^^S^f^^ aCavalla, Dentâo, Goraz , e Sardinha, aí-
"^^f^-^f^^- Cornando as camadas de todo efte peixe com as do Sal, lan-
tr«ct^^, çado de hum modo arbitrário ; porém todo efte Pescado
conserva-se aqui pouco tempo , porque he logo exportado
para Lisboa, e Álemcéjo. (a)
§. XLIX,
ímpoii- Pagão os Pescadores defta Cofta á Rainha N. S. duas
çõci. decimas partes do seu Pescado , huma vigésima pane para
a Confraria de N. Senhora da Conceição , e outra para a
de S. Pedro Gonçalves Telmo.
§. L.
Estado da Em ò anno de 175^) fui informado^que a Pescaria de
PticarU. Ferragudo eftava entáo em decadência ; não só por se ter
diminuido o número dos Pescadores , Embarcações , e Ap-
parelhos da pesca y mas também porque em outro tempo
an-
(a) Tiráo azeite dos figados do Queime ^ Pailona # Arraiai Cação #
c peUe de ToQiaba.
Ê C o K o M I C A S. U3 ) "^
aoàavip arrendados os direitos do Pescado defta Cofta em
quatrocentos mii réis , e no dito anno importavâo somente
cm cento e vinte mil réis.
CAPITULO II.L
P^ra de Sante António.
§. LL
COmp$em-se t&z Povoação de lium ajuntamento de Ca-
banas de Pescadores , que vivem perto do Mar em
huma Praia arçenta , confina do nascente com huma Âla-
foa formada das agoas vertentes das coUinas visinhas : ao
7orte com huma Âldea chamada Pêra de cima , na diftan-
cia de hum quarto de legoa ; e ao Nascente lhe fica a
Viila de Albufeira diílante huma legoa.
§. LII.
Contavão-se no anno de 1790 cento e ciacoenta Pcs- pescador
cadores, os quaes trabalhão na Armarão do Atum notem- '^''
po competente defta Pescaria , depois na de diversos Peixes
do Mar com os Covâos , nos lugares pedragosos da Cofta :
findas as Pescarias feitas com eftes Apparefhps , gaftão o
i«íto do anno em airaftar as Chavegas para Terra*
.§. LliL
Os Apparelhos , de que se servem para pescar ncfta Appw-
Cofta , são as Chavegas , ou Artes , ( de que se faz uso pa- ^ ^^
Vã a pescaria da Sarcunha ) as redes d* Armação do Atum ,
e os Covãos. Conservão as redes m^tendo-as em alcatrão
fundido (tf).
Tom, r. P LIV.
CO No anno d^ 1790 havia quatro Chavegas nefta Cofta , huma da
Companhia das Vacarias do Algatve , e três dos Pescadores defta Al«
4ea g c «ada Chaveta occupava tiiota dgi ditos Maritíipoi*
JI4 Mbiuouias
§. LIV.
Embarca- Em O anno de 1790 havia oito Barcos , de que só-
^^^'* mente fazião uso para a Pescaria daqudla Cofta , em cada
hum dos quaes hiao oito ou dez Pescadores , e os outros
coftumâo ncar em terra para arraftar os Apparelhos.
§. LV.
Pescaria A ttlâioT quantidade do Pescado defta Cofta he a Sar-
«inaiíte. ^*"^^ ^ ^ Bezugo : e nos Govâos pescão em abundância a
' Mucça y Safío > Choupa , Pargo^ e Dourada.
§. LVI.
Prepara- Todo O Pescado defta Cofta consòme-se em fresco
5rw \o^*' P^'°^ Povos visinhos , para onde he acarretado pelos
Almocreves ;- somente preparao o Atum do mesmo mo-
do que em Lagos , o qual depois he exportado para o
Alemtéjo , Catalunha , e Lisboa.
§. LVIL
jmpoti- Pagão os Pescadores defta Cofta duas decimas partes
çõei. do seu fecado á Rainha N. Sr.* , as quaes andavão arren-
dadas no anno de 1790 em duzentos mil réis, segundo as
informações , que então me derao.
§. LVIIL
Eitajoda Sem embargo do granie trabalho, que aqui tem os
pcicaria. PescadOres em arraftar para a Pfaía as suas Embarcações ,
tem tido augmento a Pescaria nefta Cofta ; porque no an*
no de 1790 contavão-sc oito Barcos , quando em outro
tempo somente havia quatro. Também tinha crescido o
numero dos Pescadores , e Chavegas. Poderia aqui ter a -
Pes-
Económicas. 2x5'
Pescaria hum maior progresso » se huma Âlagóa , que se
observa perto defta Aldea, commcnlca-se com o Mar.
CAPITULO IV.
Albufeira.
§. LIX.
AVilIa de Albufeira eftá situada em hum pequeno vai-
le formado por humas pedragosas encoftas , que lhe
íicao ao Norte , Nascente , e Poente : Extende-se da parte
do Norte ao longo de hum pequeno Ribeiro , que desagoa
no Mar; ao Sul The fica contíguo o Oceano. Difta deVil-
a Nova de Portimão quatro legoas , e cinco de Faro , fi-
Icando-Ifae aquella Villa ao Poente , e eíla Cidade ao Nor-
Nòrdefte.
§. LX.
Havia no anno de 1790 , segundo as informaçòes '*J"^^*
que tive , cincoenta Pescadores : eftcs nos mezes do Outo-
no , {a) e Inverno trabalhão em arraftar as Chavegas pa-
ra a Praia. Na Primavera occupao-se na Pescaria do Atum ,
e no Eftio apanhão nos Covâos o Safio ^ Choupa , Pargo ,
e Dourada,
§. LXI.
He pouca a induftría dos Pescadores defta Cofta ; elles
não eftendem as suas Pescarias a maior diftandia , dò que
até huma legoa , ou pouco mais ; e ifto he tão somente
quando fazem a Pesca de alguns Peixes com os Covãos,
em os sítios pedragosos da Cofta , que fícão ao Sud-Oefte
de Albufeira.
P ii §. LXIL
(ii) 'Ârratláo as Redes da Sardinha em huma pequena Praia, que fi-
ca em direitura de Albufeira ; toda elIa he areenta » e continua da
mesma natureza até trezentos palmos ao Mar ; algumas vezes também
ariaâáo u Artes em huma Praia ^ que fica perto de Quarteira.
ii6 Memorias
§. LXn.
Appare« Os Apparclhos y de que fazem uso nefta G>fta sio o
ihoi. Anzol, Covâos, Chavegas, e Levadas: no anno de 1790
havia dous deftes Âpparelhos , e quatro daquelles.
§• LXIII.
£nib$rca- Havia sdoiente no anno de 1790 quatro Barcos des-
^^^** tinados pata as diíFerenres Pescarias que se fazem nefta
Cofta , e mais três que somente . se occupavâo na carrega-
ção dos Hjrates y que esportavao muitas das psoduc^óes do
Algarve,
§. LXIV-
Pescaria A maior quantidade de Peixe , que se pesca nefta Cos^
TOinamcf ^^ ^^ ^ Sardinha , e o Bezugo , e também morrem nos Co»
' rãos o Safio, Choupa , Pargo, e Dourana ^ porém efte
Pescado he em menor quantidade»
§. LXV.
impott- De toda a Pescada defta Cofta pagão os Pescadores
çõei. duas decimas partes i Rainha N. Sr.*. Eftes direitos an-
davão arrendados no anno de 1790 em cincoenta mil réis.
Além defte impofto , dâo também para as Confrarias de
N. Sr.*^ das Dores , de Santo António » e das Almas, huma
por^ da Peixe que trazem.
§. LXVL
Prepart. Nefta Cofta não se salga y nem secca Perxe algum;
trac \o^' porém todo elle se consome em fresco nefta Villa , e seus
rac^ao. gj^edores : S9mente coftumão tirar azeite dos fígados da
Huje, Çaçâo, Galhudo, Peixe Prego ^ e Toninha.
§. LXVII.
E c d K a M I c a's. 1x7
§. LXVII.
Fui informado ao anno de 17^ , que a Pescaria nes^Etudo d%
tSL Cofta eftaTa em decadência y porque em^outro tempo ^««««^
havia hum maior número de Barcos , e Pescadores , e.os
Direitos andavâo arrendados por huma maior quantia.
C A P I T U LO V.
Quarteira.
§. LXVIIL
Quarteira he bum ajuntamento de Cabanas , que fica
perto da Praia , e diílante do Caftello* velho pouco
menos de 100 passos geométricos. Mqda^o^e os Pes^
cadores para efte sitio no anno do Terremoto de 27^5 ,
Íorque antes eftavâo as Cabanas próximas ao ditoCaftelIa
*ica efta Âldea huma legoa diílante de Albufeira , que lhe
fica ao Poente ^ e ao Norte , Loulé em legoa e meia de
distancia;.
§. LXIX.
Conta vão*se no anno dei7;K3 cem Pescadores , que se peieU«!
occupão na Pescaria da Sardinha , eAtum, em quanto du- '^^
ra a suá temporada , depois apaniiâo com os CovSos al-
guns Peixes.
§• LXX.
Havia no anno de 1790 três Artes de pescar a Sardi- Apptrt^
nha, cada huma delias com huma Companha de vinte Pes- *í*^,
cadores. Além defte Âpoarelho , usao também do da Arma-
fta do Atum , do Anrol , e Covãos y e quando fazem a
escaria com efte Apparelho nao se apartão da terra mais
que huma legoa.
§. LXXL
' —
xi8 ; M £ M o B 1*1 1 ^'
§, LXXI.
Embarra. No anno de 1790 somente exiítiâo nefta Cofta sete
- .í«^/. Barcos , que serTiâourncamente para o' uso da Pescaria:
cm cada Barco foftumayâo hhr ocdinariamente oito até dez
Pesoadores.
§. LXXil.
?*•«*".* A maior quantidade de Pescada, que sahe nefta G)S-
ílinte.^"**' ta , he a Sardinha, e depois o Atum.
§. LXXIII.
jírepara- Todo O Peixe , que he pescado pelos Pescadores de
i/ac^iof '^ Qparteira , he acarretado para Loulé , e outras Povoaçõw
^íl:,!^;.LWsinhasi e quando a Pescado he em maior quantidade, tam-
^^^^^^^l^líjri^ai para oAlemtéjo. Nâo lhe dão aqui preparação
É^^J^'^ 3 mas todo o Peixe que sahe se consome cm frcs-
^'pktC^ Pagão de todo o Pescado duas decimas partes para a
^^^'' Rainha N. Sr.«, e também huma porção delle para o Com-
promisso de Faro. Cada Pescador , além dos referidos im-
: poftos, paga ao Conde de Vai de Reis, hoje Marquez de
Loulé , seis vinténs da Cabana em que vive cada hum ,
sendo de palha , e oito toftões quando he feita de pedra
e cal: deltas somente observei duas ou três do anno de
1790.
§. LXXV.
rítado da Tem crescido o número dos Barcos , e das Chavegas nes-
Pctcaria. ^^ Cofta : por isso nâo tem tido decadência a Pescaria ; mas
podia ter num maior progresso , fazendo^e aqui huma En-
seada , de maneira que os Pescadores nâo fossem c^riga-
dos a arraftar os seus Barcos para a terra (a).
CA.
I - — "^ ^— '
(ú) No anno de 1790 observei bum pequeno regato » que dcsagoa no
Wi???íí©^^r * §• Lxxiv.
EOOWOMICAS. 11^
C AP I T U L o VI.
'Paro.
%. LXXVL
A Cidade de Fara eftá síriíada em buma planície nas
margens orientaes de hum pequeno regato, que assim
se pôde chamar desde a sua origem , até onde chega a ma-
ré \ daqui até ao Mar em cinco legcuu; de diílancia , obser-
va-se hum grande Rio , <^e tem mais de buma legoa de
largura , e dividido do grande Oceano por huma lingoa
de terra, que vulgarmente chamâo Ilha. rle a dita Cida-
de diftante huma legoa do Mar, que lhe fica ao Sul : da
parte do Norte, ávifta-se em três l^as de diílancia hu-
ma serrania , que he a cominuaçâo da de Monchique
que divide o Âlemtéjo do Algarve, Ao Poente fica Silves
e ao Nascente Tavira ; efta em cinco legoas de dlftar^
aquella em nove.
§. LXXVII.
Fui informado no anno de 1790 , que ncfta Cidade
havia então quatrocentos e cincoenta Pescadores , emtando
neíle número cento e cincoenta rapazes. Deftes huns ocdii*
pâo-se nas Artes e Armação , «utroa^ na Pecaria .da Rio^,
e também muitos nado Atum. Além deftc numero de Ma-
rítimos, contavãose mais oitenta e três , que somente se
empregavão no bcrviço dos Cahiques , e Hyates deftinados
para a exportação de varias produções <lo Paiz. Aquelles
Pes-
Alar perta de Quarteira , e^ue GOMendo muito próximo deíla AJdeaaa»
tes dio Terf^mr)lo , moáou de alveo iicHa fttal época< Examinindo at
circumOancta* locuet deflB Cofta , ^< se « tnelhoramaot» , xjiie uê lhe
pMt dar cm beiíeficio da Pescaria. Tornando o dilo re^r^» para o seu
tfntijro alveo , e mettendo^te no 'Mar ;un4o de Qutfitefni , taiv^z sefor*
ina^se huma Enaeada para nélla se recol^rem os fearcof , ou se fíifia
maior hiHiia alagca que ahi -se observa -^ eílendtndo se pur hum sa-
pal que nada produz , e podia crear huma maior quantidade ^e tt\x^%
rei.
XaOi M B M o R I A 9
Pescadores, oue vão ao Mar, não fa2efn as suas Pescarias
em maior diítaãda , ia ique na de tíes -legoás ao Sul de
Faro.
§. LXXVIII.
Apptre. Conta vâo-se no anno de 1790 cinco Chavegas, e ou-
^^ trás tantas Levadas i com eítas faziâo a Pescaria no Rio ,
eoom àquellas naMar. (if) Além deftes Apparelbos , Eazem
também uso da Barga, Tresmalho^ Rede de Tapar, Re-
des da Armação, Govãos, Fisga , Camarujeiro, Anzol,
EspiÂhel, € Talla. Conservâo as Artes, Levadas, e Bar-
ga8^^tsietteiido<is em alcatrão fundido.
§• LXXIX.
]Bnibarea« i Em oanno de 1790, observei cinco Cal6es, e outros
^^^ tantos Barcos , que serviâo i»ra a Pescaria da Sardinha,
havia também vinte Barcos , que eiao empregados na Pes-
ca dó Rio, e do Mar. Em cada hum dos ditos Barcos
hiâo cinco até oito Pescadores (^).
§. LXXX.
•• f r _ • .
PetearU O Peixe , que se pesca em maior quantidade no Mar ,
míilhtV. ^'^^^ de Faro, he a Sardinha , o Carapáo , e Ca valia:
' Também morrem Listas' em muito gmnde quantidade.
-§.LXXXL
Salgãoacjful o Atum, Corvina , è Sardinha (c) co-
mo se pratica em Lagos. Também secção alguns Cações , e
Mu-
(tf) Cada Chavega » e Lovada » tem huma Companha » que ordinaria-
mente se compõe de viote e cinco até trinta Pescadores.
(O No anno de Í790 contavão-se em Faro ssis Cahiques » huma
Lancha . e hum Hyate» Todas eftas Embarcações se occupaváo na im*
portaçâo , e exportação de vadas produções da Natureza « eda ladusílria*
CO Aqui aproveitão os olhos « o figados. do Atum para dellet tiur o
azeite. . .
EcoNoa&icAS. izt
reas porém em pequena quantidade. Todo o Pescado que
cresce do consumo ordinário da Cidade , he exportado para
o Alemtéjo , Sevilha , e outras povoações de Hespaoba. Ça)
§. LXXXII.
Pa^^o duas decimas partes do Pescado á Rainha N. S. imppti-
e também a Casa Pia do Compromisso tem hum quinhão, ^^^'*
igual áquelle que pertence a qualquer Pescador.
§. LXXXIII.
Como as duas Barras mais próximas a Faro se vão ^««^o.^*
entupindo cada vez mais , e nefta proporção cresce a difi-
culdade de entrarem por ellas embarcações maiores; por
isso a Pescaria do Mar nefta Cofta vai tendo huma deca«
dencia progressiva. Era porém considerável a quantidade de
Peixe , que apanhavâo no Rio os Pescadores defta Cidade
no anno de 1790 , como eu mesmo observei em todo o tem*
po que aqui me demorei.
CAPITULO VIL
OIbãe.
§. LXXXIV.
HE efta Âldea hum. desordenado ajuntamento de Caba-
nas , das quaes ainda grande parte se conservâo feitas
de palha , e outras ( que he a maior porção ) iá eftavâo
edificadas de alvenaria no anno de 1790. Eftá situada em
huma planície sobre as margens Septentrionaes de hum Rio.
Tom. r. d Da
C0) Da Sardinha , que he pescada pelos Pescadores de cada Gitifpa*
nha » depob de pagar os Direitos á Rainha N. S. se separa huma ter*
*ça parte para o dopo do Barco, eorefto se dev ide em quinhões iguaet
£elps Pescadores , tendo também hum o Barco , outro % Casa Pia do
ojipromisso , e dous o Alaadador«
SiriV*'^"^*^'^ *^°*^ meialegM; doPoenrehama
IS^^^^dfxa.^ ^casdaSena deS.^gud; edo
§. LXXXV.
Cootarlo^ no aono de 1790 mais de mil Pescador»
2? **»_« "f^.praricw e intelligentes que encontre nn
toda a Cofta do Algarve. Deftes , Jiuos occupao^ na Pesca-
ra do Rio , carros na do Mar. No Rio huns pescáo com
* T '^^ ' ik^'^ *^™ ° Carrinho , e Cholra , e muitos com
o 1 resmalbo , algons porém não iàzem outra coosa mais
do Qjc agaobar os Chocos, eLuU^s. No Mar emprepo*
Jnins na Pescaria da Pescada, outros na das Pailonas, Q-
loxos, fiarrosos, Qudmes , eourrcs mais Peixes, quevul-
fanneore cfcamão de couro; trabalhão também muitos m
tecana dos Gorazes , e Cachuxos. (é)
§. LXXXVI.
liSt*^' . ^ Appareíhos , de que aqui usao para a Pescaria do
Rio edo AÍar, sâoo Anzol, Espinhei, Gorazeira, Três-
malho, Barga, Covâos, Tallas, Harpao, Fisga, Pereira,
Murejonas, Carrinho, e Cholra. Coftumão conservar as Li-
nhas , ás quaes prendem os anzoes , mettendo-as no cumo
que ti/ão das al^rrobas verdes, no qual também inrodu-
zem os Espinheis, eGorazeiras; epara que igualmente as
redes tenh^o maior duração^ são elJas metticías ia decoc-
ção dá ra.z da Amendoeira.
5. ucstri
(«} Tinha O) íi 30 no armo de íjpc rtul ítiítOj
(i) Como Í3 2em * Pescar ra dot 1
di^E^ >t3vel , e â Jsca t ou Cifu
Económicas.
§. LXXXVIL
I2| t
Contavâo-se no anno de 1790 cento e quatorze cm* Embtrcs-
barcaçóes , aue naquelle tempo actualmente andaváo na ^^*'*
Mar , não fallando em outras , que por falca de Pescado^
res eftavâo na Praia ; cada embarcação que hia ao Mac
levava ordinariamente dezoito até trinta Pescadores.
§. LXXXVIIL
A maior quaotidade de Pescado defta Goda he i.^ a
Pescada; 2.^ o Goraz, Cachuxo, eCavallas; 3.^ as diíFe*
rentes caftas de Peixes, que os Pescadores chamâo de cou*
ro , como sao Arraias, Caçoes , Pailonas^ Caroxos^ Bar^
rosos y &c
§• LXXXIX.
Seccâo a Pescada (j) Pailonas , Caroxos , (h) Caçdes^^
Arraias , Queimes , Lixas , e Peixe Prego, (c) Todo efte
Pescado y como também huma grande parte delle fresco, e
salgado , he exportado para o Alemtéjo , e Hespanha , pa«
ra onde será acarretado quasi metade ao Peixe , que se pes*
ca nefta Cofia. Em fresco , além do consumo que lhes dâo
os moradores de Olhão , também vai huma grande parte
para Faro , Loulé , Tavira , e outras Povoações vizinhas da
Cofta.
§. XC.
Pagavâo no anno de 1790 i Rainha N. S. duas deci-
mas partes de todo o Pescado fresco ; e era então livre de
QJi Di-^
CO ^ Pescada secca do Algarve , assim como a do Minho ^ absorve a
humidade da atmosfera.
(&) As pelles das Pailonas , e Caroxos teip uso nas Artes ; venden»)
se ordinariamente para Inglaterra a 6:400 a dúzia.
(c) Goftumão tirar azeite em grande quantidade dos fígados do Ct"
roxo, Paiiorta • Queime, Cação » Arraia, Pescada, Peixe Prego » m
outros. Náo fazem uio algum das bexigas nadadoras JaPtscadai
Veteaila
mais do*
minante^
tmposll
qãett
-^:
^ ti4 'Memorias
Direitos todo aquelle que se salgava e seccava. Pagão tam-
bém hum quinhão do seu Pescado para a Casa Pia do Com-
promisso (a) ; trinta , ou quarenta réis de cada vara de ter-
reno em que eftâo edificadas as suas Cabanas, e a alguns
ouvi eu dizer que ainda pagavâo eíle impofto , pelo chão
que lhes tinha sido roubado pelas marés.^ Também de ca-
da morador de Olbâo recebe o Parocho annualmente du-
zentos réis. (h)
§. XCI.
«ícariaf* ^^ ^""° de 1790 fui informado, que a Pescaria nefta
Cofta tinha tido hum grande adiantamento haverá pouco
mais de hum Século ; porém que era inevitável a sua de-
cadência progressiva , senão houvesse alguma providencia
publica , que romovesse as causas que a arruinão; taes
são entre muitas , i.* a deser^^ão de muitos Pescadores;
2.* as vexações que lhe causão muitas vezes os Piratas da
Cofta de Africa; 3/ os incómmodos , que sofirem, pelas
frequentes innundaçóes do Rio no tempo das marés vivas»
§. XCII.
He continuada a saida dos Pescadores da Cofta de
Olhão para Hespanha e outras partes ; de maneira que
cm Dezembro do anno de 1750 me informarão naquella
Aldeã , que em poucos annos tinhão deitado seus lares
mais de oitocentos Pescadores. Eis-aqui porque eu observei
muitas embarcações poílas sobre a praia, que por faica de
gente não podião hir ao Mar.
§. XCIIL
(a) Compromisso , he huma Confraria de N. S« da Conceição, que re*
«cehendo do» Pescadores hcima parte do seu Pescado , se obriga a dar lhe
Botica, Medico, Mortalha» e suftento quando nlo podem trabalhar.
(A) No anno de 1790 queixavão se os Pescadores d'01hâo dos Ofifi-
cia:fs da Portagem » por eíles introduzirem coHumes que antes a^ fai^
via 4 como era o dizioio dos Chocos» cLuJla^
EconOMlGAS. J9g
§. XCIII.
Muitos dos Pescadores da Cofta de Olhão me dlss erSo ,
que nSo hiâo fazer as suâs Pescarias a Mares mais difta&-
tes, muito principalmente da parte do Sul, pelo medo que
tinhâo de serem aprisionados pelos Piratas Argelinos : eque
ainda não eráo passados dous annos y que çlles tinhâo to-
mado huma embarcarão defta Cofta com quatorze Pesca-
dores.
§. XCIV.
No tempo da enchente da maré toda a Aldea de
Olhão he innundada com a agoa do Rio : eftendendo-se a
dita innundação por huma vargem que fica ao Poente ,
Ibe ce ca hum único poço que tem , aonde tirão agoa pa-
ra os seus usos domeíiicos, no que soffrem mui lo trabalho,
incómmodo^ e baltaute damno. (a)
CAPITULO VIIL
Tavira.
§. XCV.
HAvia no anno de 1790 quinhentos clncoenta e cinco peieido»
Pescadores na Cofta de Tavira , e também se conta- "■•
vão noventa que fazião ás suas Pescarias na Cofta da Fa-
zeta. Occupavão-se na Pescaria do alto ,. na da Sardinha ,
e do Atum , e muitos na do Rio; os que apanhão a Sardi-
nha na sua temporada formão oito Companhas , compofta
cada huma delias de 25: a;é 30 Pescadores; nas Armações
de
Co A^ frciíuenteí innund.içócs lhes tem roubado muitas Cabanas , de
maneira que huma boa parte de terreno » aonde em outro tempo se
tinhão feito muitas , era já alvco do Rio no anno de 1790. Hum Cáes
feito de inane?ra que livrasse os moradores de Olhão das innundaçõts. ^
seria muito proveitoso para o adiantamento da FeKaiia»
tl6 MBM0RXA9
de Tavira e Fazeta trabalhaváo cento e vinte , sessenta
em cada huma.
' §• XCVI.
Apptre. Os Apparelhos da Pesca são as Cbavegas , que se con-
^^^'' ta vão oito no anno de 1790 , e outras tantas Bargas de
que fazem uso para a Pesca dos Lindados; usâo também
<las Murejonas, e Covãos, para os Mucharros, e Pargue-
•tes y das Gorazeiras para o Goraz , Cachuxo , e Caneja ;
da Barqueira para os DentÓes , Bezugos , Bicas , e outros
mais. Conservâo as Chavegas mettenoo-as em alcatrao fun-
dido^ duas ou três vezes na temporada, (tf)
-^Bm^àà^ S Contavâo-se no anno de 1790 oito CalÓes, e OHtrot
i "" ^^ tamos Barcos , que senriâo para a Pescaria da Sardinha;
aljHn deftes havia mais doze , deftinados para a Pescaria do
ilio, e trinta e sete para a do alto. Na Cofta da Fazeta
, ^^j continuamente andavão seis Barcos naqueile tempo. (í)
§..XCVIÍI.
. •
PetctrU O Pescado que se apanha em maior quantidade . neíla
«hilnw. Cofta he a Sardinha , Peixe-agulha , Cavalla , Carapáo ,
Cachuxo , Fuzelo , e Alvacora ; de maneira , que no tempo
de verão, não apparece quaá outro Peixe senão efte. (c)
§. XCIX.
Prepara. Os Pcixcs quc SC coftumão Salgar, quando asuaquan^
tracqao.
tl^
(o) Havia noannndei790 huma Armação de Atum na Coda de Tor
vira , e outra na da Fazeta 9 ambas do revez.
(h^ Cada embarcação que vai ao Mar leva quinze Pescadores.
(c) Coftummão tirar o azeite dos fígados de Albafar , Arraia, M#I«'
ga , Peixe- prego , e Queime: do Peixe Rodo náo fazem outro uso so:
não tirar dclle o «Beite.
ECOTIO MICAS. ÍI7
tidade he tal que cresce do consumo ordinário , são o Peí-
xe-agulha , Cachuxo , Carapáo , Cavalla , Chaputa , Bezu-
go, Goraz , Farelo , e Pescada. Secção o Peixe Anjo , Bo-
càdoce , Enxoveta, Dentão, Fuzelo, Pescada , Patroixa,
Peixe^zorra , e Queime. As preparações que lhes dão são
as mesmas que praticão em outros lugares da Cofta do
Algarve. A maior parte do Pescado que se sécca e salga ,
he exportado para HespanJia , e tamoem algum para Lis*
boa , e Alemtéjo.
i. C
Pagão de todo o Pescado as mesmas imposições , que impotU
todos os outros Pescadores dos dinerentes lugares da Cofta ^^^**
do Algarve ^ que são duas decimas partes para a Rainha
N.S.
§. CL
A Pescaria deíla Cofta achava-se em grande decaden* Eittdod;^
cia no anno de 1790 , comparando-a com a de tarpos iy»íf*íii*'^^
filais antigos; porque quando a Barra eftava em bom cí^-
do , contavâo-se cincoenta cercos de Sardinha , c outros
tantos Navios d^alto bordo, que navegavão para ^^'-^^^'w^Jl^Bí^
? artes. E no sobredito anno somente se contarão para ^'^^^^^^
escaria da Sardinha oito Cal6es, e outros tantos Barcos, ^^^^0^^
Também se perderão três grandes Pescarias , que havia ' ^ ^
em outro tempo,.taes erão a da Cavalla^ a dos Pargos^
e a das Failonas»
CA-
xa8 M B K o R X A s
CAPITULO IX.
Villa Real de Santo António.
§. CIL
VUla Real de Santo António eftá situada em hum areal
nas margens do Guadiana , da parte do Norte \ difta
de Caftro Marim meia legoa , e huma do Mar , que lhe
fica ao Sul. Foi efta Villa edificada em cinco mezes no aa-
no de 1774, com grandes despezas do Erário e dos Par*
ticulares , e conftruida á imitação de Lisboa ; de maneira ,
Íue em quanto á boa simetria das ruas , e Architetura dos
edifícios , não se encontra outra em todo o Reino do Air
garve.
§. CIIL
peicado* Coutavâo-se no anno de 1790 trezentos é setenta Pes«
'«»• cadores , que trabalhavão nos mezes d' Agofto , Setembro ,
Outubro , Novembro , Dezembro , e Janeiro. Além deftes
haVia também trinta e seis, que na temporada da Sardi-
nha , se occupavão na exportação delia y e depois hião ao
Mar pescar os diíFerentes Peixes.
§. CIV.
Apptre. Os Apparelhos , dequeusão os Pescadores deftaCofta^'
Jiiof. são o Anzol , a Gorazeira , e as Chavegas , das quaes se coa-
tavâo nove no anno de 1790 : eftas são feitas em Villa Real ,
por algumas mulheres, que fabricão os difFerentes panos de
Sue ellas se compóe ; depois são preparadas pelos Pesca-
ores , que lhes formão a tralhadura , e ajuntão as bóias
e chumbeiros. E para se conservarem , são mettidas em al-
catrão fundido, praticando efta operação duas ou três t&<.
zes em todo o tempo que dura a temporada.
§. cy.
EcOXOllIGASt Il$t
§• cv.
Havia no anno de 1790 para a Pescaria das Sardi- ^^"^^^
nbas na praia de Monte Gordo nove Barcas , e outras tan-
tas Enviadeiras , que serviâo pata acarretar o dito Peixe
da Cofta para Viila Real. Neíle mesmo carreto se occupa*
vâo também dezaseis Barcos : e depois de findar a tem*
porada y alguns delles erão empregaaos na Pescaria do Man
§• CVL
O Pescado que se observa em maior abundância na ^uU^J^
Cofta de Monte Gordo he a Sardinha i de maneira que minaoM.
no anno de 1788 a quantidade de Sardinha que se pescou^
foi de cincoenta e cinco mil setecentos e vinte e três mi* •
Iheiros, e no de 1789 de trinta e quatro mil oitocentos e
vinte e cinco milheiros.
§. CVII.
A preparação e extracção que os nossos Portuguc- j^f*^"
zes dao á Sardinha em Villa Real , he a mesma aue se tr«ç<í««%^*
pratica em Lagos , e Faro : quasi todo efte Pescado ne ex-
portado para Hespanha i de maneira que apenas huma
decima parte seri consumida em Portugal na Provincia do
AIenité)Oi para onde também he acarretada a maior par-
te do Peixe que se pesca no Mar , passados os mezes da
temporada.
§. CVIII.
Paga-se da Sardinha , e de todo o Pescado defta Cos- i«p?«í-
ta duas decimas partes á Rainha N. S. j porém não se pa- ^^*''
favão Direitos alguns no anno de 1790 , quando o dito
^escado se salgava , para depois ser exportado ; mas era
preciso que se conservasse na praia salgado quarenta e oi-
to horas.
Tm. F. R pX.
130 Memorias
§. CIX^
titadodt Antes da edificação deVillaReal de Santo António,
peicaftia. Qbservava-se na praia de Monte Gordo huma grande Ci-
dade, formada ae cabanas, dispoftas em diíFerentes ruas,
desde a Fóz do Guadiana até perto de Cacella ; nas refe-
tidas cabanas se accommodavâo cinco mil homens , que
pela maior parte erão Portuguezes , e Hespanhoes , e tam-
Den:i alguns Francezes , e Inglezes ; dos quaes huns traba-
Ihavâo na Pescaria da Sardinha , e outros na sua prepara-
ção, Andavão nesse tempo cem Chavegas no Mar, e ha-
! via outras tantas Barcas , sendo a maior parte deUas dos
nossos Portuguezes, Além dos Pescadores e Preparado: es ,
eftavâo ahi eílabeiecidas muitas outras familias.
§. CX,
Mandando o Senhor Rei D. José de gloriosa Memo-
ria {à) edificar Villa Real de Santo António no anno de
1774 > ^^ menos de cinco mezes se reduzio "tfta grande
Povoação a huma praia deserta , com grande mina de mui-
tos particulares, e do Eftado; de mineira que no anno de
Í790 somente observei na Cofta de Monte Gordo nove
Chavegas , com outras tantas Barcas , e Enviadeiras ; das
quaes cinco erão da Companhia do Alto Douro, quatro da
Companhia das Pescarias do Algarve 9 e huma de José
Martins da Luz.
CO ^■'^o admiráveis os fiRs políticos do Snr. Rjei D. José. Os seus
Miniílros obrárSo de boa fé ; más infelismente se enganarão.
CA-
E a o N o M I c A s. 131
CAPITULO X.
Castro Marim.
§, CXL;
CÂftro Marim eftá situada ao longo das faldas de hu-
ma colina , sobre a qual se observa o Caftello da
mesma ViUa ; confina da parte do Norte com bum Efteiro ,
que para aqui mette o Guadiana *, fica, diftante legoa e
meia da Fóz defte Rio que lhe fica ao Sul , e ao Poente
diíU duas legoas de Tavira.
§. CXII.
Contavâo-se no anno de 1790 cm Caftro Marim cem ^«JJ»^**
Pescadores , os quaes nem sempre se occupavão na Pesca-
ria i porque humaá vezes empregavão-se no carrtto de va-
rias producçóes do Paiz para Mértola e Gibraltar , outras
hião ao Mar , e também multas trabalhavão nas Chavegas
de Monte Gordo.
§• CXIII.
No anno de 1790 havia doze Barcos ; deftes somente ^faViI**'
?iiatro erao viageiros,os oito humas vezes se occupavão na
escaria, e outras na importação, e exportação de vários
géneros. Quando hião ao Mar levava cada Barco oito Pes-
cadores.
§. CXIV.
Os Pescadores de Caftro Marim que vâo ao Mar , não ^^^^
usão de outros Apparelhos mais do que o Anzol , e Go-
razeira.
§. cxv.
o Peixe, que os Pescadores de Caftro Marim apanhâo I^Viídi*
^ ii em nú&AAtçt
^JOc^
132 Memorias
em maior abundância he o Bezugo , e Pescada» Também
morre em grande quantidade o Saíio , Peixe-prégo , e efte
muito principalmente quando ha vendavaes , como me in-
formarão os mais práticos^ e inteliigentes Pescadores.
§. CXVI.
Prêpart^ Quasi todo O Peixe aue pesdEo os Pescadores de Ca»*
trac íof*'^'^ Marim , he logo vendido por elles aos Hespanhoes ipor-
^*^* .que ordinariamente vão sempre pescar aos Mares de Aya-
monte , e Cadiz ; áquelle no tempo de Inverno > e a eíle nos
mezes de Verão.
§• CXVII.
jmpoií. Pagão os Pescadores de Caftro Marim , assim como os
^*^^** de toda a Cofta do Algarve , duas decimas partes de seu
Pescado á Rainha N. S.
§. CXVIIL
Xttadoda Por falta deinduftria, e Apparelhos competentes , não
Peicaria. podem OS Pescadofes de Caftro Marim adiantar as Pesca-
rias na nossa Cofta ; elles querem antes fazellas no Mar
de Hespanha , porque não pagão ali Direitos alguns dos
seus Pescados.
CAPITULO XL
Pescarias do Guadiana^
.§. CXIX.
O Rio Guadiana corre desde Mértola até perto de Cas-
tro Marim , entre duas incultas e escarpadas Monta-
nhas , devedindo o Reino d'Andaluzia , do Algarve, e parte
da Província doAlemtéjo* He navegável todo oanno, des-
de a sua embocadura no Oceano até á dita Villa»
§. CXX-
Económicas. T53
§. CXX.
Os Peixes que vivem sempre no Guadiana são os Bar- ^•'*** ^
bos , Bogas , Mujes , Muxarras , Robalos , Sabogos , Sa- ^********
veís, Solhos, Tainhas, e Tenças. Em quanto ás Tenças
iiii informado no anno de 1790, tempo em que naveguei
por efte Rio , que eftes Peixes havia seis annos que se
observavâo no Guadiana , por terem passado para elle , por
occasião do rompimento de huma grande atagoa junto a
Badajoz* Os ditos Peixes , logo que entra vão na agoa sal-
gada j morriâo todos de maneira , que no primeiro anno
se carrec^iâo delles muitos Barcos. Hoje em dia observa-se
no Guadiana huma grande quantidade de Tenças , que vi«
vem somente na agoa doce. As Toninhas nâo são Peixes
deíle Rio , mas entrâo frequeotes vezes nelle em grandes
cardumes.
5. CXXI.
Os Apparelhos de que usâo os Pescadores no Guadia-* ApMrew
na MO differentes , e aocommodados ás diversas Pescarias , ^reírot-
?ue nelle fazem. Com o Tresmalho apanháo o Savei e a ibo.
«ampréa ; tem efta rede de comprimento trezentas malhas ,
e d^aitura seis pés e meio ; a fi;andeza da malha da rede miú-
da he de onze linhas quadradas , e a da chamada Albitanea
de cinco polegadas e meia quadradas.
§. CXXII.
Outro Appardho he a rede do Solho , que serve para Rede d»
a Pescaria defte Peixe ; tem de comprimento doze braças , ^^^^
e três de altura : a grandeza da malha he de duas pole-^
g^das y e dez Unhas quadradas.
§. CXXIIL
He também vulgar no Guadiana a rede chamada Le- Letr«çb««
tra-
134 Memorias ,
trache; Apparelho com o qual pescão o ^avel , e Lamprêa ;
elle tem de comprimento cento e cincoehta malhas , e d'al-
tura quatro braças ^ a grandeza da malha he de onze linhas
quadradas.
§. CXXIV.
Conto. Usão também do Apparelho chamado Conto na Pes-
caria dos Barbos , Muges , e Bogas : tem elle a %ura de
huma pyramide , e he bem semelhante ao sacco de hu-
ma rede de Sardinhas; para fazer-se uso do dito Apparo*
lho , se entralha em hum arco de páo , o qual communi-
ca com vara , que tem trinta ou quarenta palmos de com-
primento, sendo sempre proporcionada á profundidade do
Kio: a circumferencia do Conto tem vinte e quatro pal-
mos, a altura delie he de vinte e dous.
§. cxxv.
Corvinel-
ra.
He o Conto formado de três panos , cada hum delles
de differente- malha ; porque no primeiro pano he a grandeza
delia de huma polegada quadrada : no segundo de dez linhas
Íuadradas ; no terceiro de oito linhas e meia quadradas. O
escador tem hum fio na mão , que communica com o fun«
do do Apparelho : auando nefte entra o Peixe , logo por meio
do dito fio o Pescador o percebe.
§. CXXVI.
A Corvinelra he huma rede , de que usão os Pescado-
res Caftelhanos para a Pesca da Corvina. Tem efteAppa^
relho setenta e cinco palmos de comprimento , e treze pares
de malhas na altura , que com o entralhamento fazem de-
zaseis palmos. A grandeza da malha, he de quatro polega*.
das quadradas ^ a grossura do fio ^he de huma linha.
§. CXXVIL
ECOIVOMIGÂS. IJJ
§. CXXVII.
Cedal , he hum Apparelho de que também usão sómen-^*^*"
te os Caftelhanos para a Pescaria da Corvina ; he elle o
mesmo qne a Chavega , só com a differença de ter aquel-
le os claros muito maiores, eosacco ser feito com humfío
semelhante ao das Corvineiras.
§. CXXVIII.
Além deftas redes usão também do Bocal e Tarrafa j "ocai , •
Apparelhos mais vulgares e conhecidos , com os quaes "^■"•^•'
apanhão as Bogas , e Bordalos.
§. CXXIX.
Pescâo i linha a Corvina, do modo seguinte , tomâo Peiea d«
hum pedaço de raiz de sobreiro , e próximo a efte eftá o ^*^'f^»n*«
Anzol com a isca : como a raiz do sobreiro he fbsíbríca ,
lançada debaixo d'agoa, a Corvina de longe a vai procu- . ^ /! .r.
rar; e achando ali a carnada.de que gofta , íica presa jio/
Anzol.
§• CXXX.
Usão também na Pescaria do Guadiana dos Covíti«:^45|^Q,, .^,2^
com efte Apparelho apanhão asEirozes, Barbos, eTenca?, ^^'í i^^^
No tempo de Verão he frequente a Pescaria feita de noi-
te com a candeia, ^
§. CXXXI.
Os Pescadores de Mértola , que se contavão quarenra induíiría
noanno de 1790, pescâo somente aquelles Peixes que vi- ^^^|[**^**
vem na agoa doce no tempo do Inverno : continuão as suas
Pescarias descendo pelo Rio até ondedcsagoa a Ribeira do
Deleite , por chegar nefte tempo até efte sitio a agoa do-
ce (tf).
^ cxxxn.
CO Ot Pescadores de Mértola também coftumSo pescar á cana a Bo-
ga j e Bordalo nas ribeirai j qu« vio desagoar no Gruadiaoa*
1^6 . M £*M CRIAI
§. CXXXII.
Tempoi Passado o dia quinze de Janeiro , começSo a Pescaria
daPeica- ^ ^^lvqI : oa Primavera occupão-se na do Solho , que he
o Peixe que nefte tempo se pesca em maior quantidade.
No Verão a Pescaria mais aominante he a das Sabogas.
Nos três últimos mezes do anno , pouco ou nada se pes-
ca no Guadiana.
§• CXXXIIL
PeicarU Na ViUa de Alcoutim não se encontrão Pecadores de
tirn^'^^**' profissão ; porém os mesmos Barqueiros , que se occupâo
todo o anno na condução dos Passageiros , e carreto de
Pescado , e outros géneros para Mértola ^ no tempo do Ve-
rão apanhão de noite á candeia com a fisga as Muges;
com os Govãos e a linha as Eirozes; com a Tarrafa al«
guns Muges , Bordalos , Barbos. He efte Pescado em maior
quantidade quando as Toninhas enti^o no Guadiana y por
que fugindo delias os outros Peixes , se avisinhão mais da
terra,
§. CXXXIV.
i»eip«d«. Os Pescadores Caftelhanos coftumão também fazer no
rei Caíic- Quadiaua a Pescaria da Corvina , usando para efta de dif-
*"^'* ferentes Apparelhos , que são as Corvineiras , Cedal , c Es-
pinhei , atravessando o Guadiana com qualquer dos ditoz
Apparelhos* (^) Também fazem à mesma Pescaria , pear
du-
(d) A Pescaria da Corvina faz se em Março» Abril , Maio , e Junho.
Efte Peixe entra muitas vezes em cardumes pelo Guadiana , fazendo
vários arribalões por efte Rio ; mas em huns annos em mais quanti-
dade t do que em outros ; de forma que no anno de 1 790 entrarão
em tanta abundância » que hum só Pescador de Caftro Marim apaiiboiff
duzentas Corvinas em hum Efteiro , que o Guadiana m;tte para efte
Kio. Efte só facto baftou para mandarem logo fazer em Hespanha qua-
renta e oito Corvíneira« ; porém não me confta , que tenha começado
efta Pescaria no Guadiana fei(a pelos nosilos Pescadores.
ECOKOMICAS. 137
durando sobrt hum Barco trinta, ou quarenta Linhas, ca-
da huma com seu Anzol.
§-CXXXV.
Era oanno de 1790 andavão continuadamente na Pes- E»n^*'«**
caria do Guadiana seis Barcos , é cheffão até vinte no tem- ^^***
po em que ha maior abundância de Pescado ; depois occu-
pSo-se a maior parte das Embarcações em conduzir os Pas-
sageiros que nayegão pelo Guadiana , e na importação, e
exportação de vários géneros.
§. CXXXVI.
Tem mui pouco adiantamento a Pescaria do Guadia- Eftado da
na , aonde se houvessem Ijabeis Pescadores , poderia fazer- ^«•^•'^•*
se com muita vantagem a Pesca das Corvinas , e Toni-
nlias , a qual somente fazem os Hespanhoes , tanto no Gua-
4Í9na como no Man
Tôm.F. S OB.
138 Memorias
OBSERVAÇÕES
Botanico-Meteoraiogicas do anno de 1800 feitas em
Tbomar.
poK José' Veríssimo Alvares da Silva»
D.
'Epois do renascimento das Letras na Europa , os Povo?
modernos tomarão diíFerentes caminhos para chegar á Sa-
bedoria* Occupados por muitos tempos em Sciencias . inú-
teis ^ começarão alguns a levantar a cabeça do lethargo y
fazendo os conhecimentos úteis o objecto das suas medi-
tações y ao mesmo tempo que outros continuarão as suas-
escolas em frivolas queftões, e tratados eftereis. >tOMutt-.
5> do presente , diz Genuense, quer Calculo, Geometria^
5> Hiftoria Natural e Antiguidades. >> E observando , que
as Sociedades Litterarias dos seus Compatriotas erâo de ca-
sos de consciência , e de casos forenses lhe diz : O stulti ,
iíy tardt cor de (i). m O' loucos e indolentes \ OsPortu-
>y guezes tomão todos os caminhos para serem a NaçSa
>> mais sabia da Europa, m O louvor , que eíte grande Ho-
mem nos dá , impóe a obrigação de olharmos a Agricul»
tura como a principal base do nosso saber. E sendo zs
Observações Botanico-Meteorologicas ha mais de sessenta
annos (2) hum dos principaes empregos das mais célebres
Academias, e illuftres Fysicos; tentarei efte trabalho» co-
meçando pelo anno pretérito , o primeiro do século XIX-
17//.
(1) El. Civ. P. 2. C. i.§. 10. e Cap. ij. §. 8j.
O) £ii) 1740 as começou Duhaniei» e tem sido continuaias debuxo
das. vistas da Academia R. das Sciencias de Paris.
]
A
Económicas. 139
Vtiiiiades das Observações Meteorológicas.
Lém das utilidades , que a Fysica se prop6e nas Ob-
servações Meteorológicas , para ver se pode descobrir certos
Íieriodos nas EítaçÒes dos Annos ; ellas sao interessantes á
òlicia do Eftado , ao Commercio , e Agricultura. A* Poli-
da , porque sendo a sua principal obrigação abaftecer-se
de provisões proporcionadas ao seu consumo ; pela coníli-
tuição do Anno poderá prever se haverá abundância , o«
falta , a fim de antecipadamente dar sahtda ao supér-
fluo , e saber onde se ha de hir buscar o que he neces-
sário. Ao Commercio , para se dirigir segundo as viftas
da Policia , mangando com tempo o sen cabedal ; reten-
do huns géneros , e largando outros. A' Agricultura , por-
que olhando o Lavrador para os costumes do Anno , teri
máo parca em certas sementes , e larga em outras ; além
de outras muitas precauções , que lhe são precisas: pelo
<]ue o bom Columella lhe manda , que considere a confti-
tuiçSo do Anno: Mores cujusque anni intueatur agticola*
Differznça dos Annos que derão principio ao presente Si^
cuJo , e ao passado.
o
Anno de 1700 principio do Século XVIII. foi mui dif-
ferente do Anno de i8co primeiro doSeadoXlX. HoflTman
nas Observações Meteorológicas daquelle Anno o descreve
fértil , e abundante em frutas , pão , e vinho : Frugifer , Ó*
ab ubertate fructuum commendandus. As arvores avança-
rão algumas semanas a madureza dos seus fructos -, e as sea-
ras forao livres de fiingão, e ferrugem. Tudo foi pcloccn-
trario no Anno pretérito»
Trigas.
O Inverno , e Primavera forao de continuas chuvas ;
CS trigos neíla continuada humidade perderão as suas prin-
cipaes raízes ^ nas quaes havião de afilhar ^ epcherão-se de
S ii nas
140 Memorias
más ervas , que lhe consumirão os suecos ; e por fim tive-
rão o fungâo , e ferrugem , que acabarão de os deftruir ;
verificando-se na conftituição doAnno, o que diz o citado
Hoffman na Diss. Ds temp. anni insalubribus. Depois de
dilatadas chuvas vem a ferrugem , que consome as searas :
fost fluvias diuturnas , & longum bumiàum , aeris sta^
tum vitiatum rorem judicare possumus. . . Eftas mes-
mas doenças tiverão os trigos tremezes , aos quaes nâo apo-
drecerão as raizes , nem forão cheos de más ervas , e por
isso tiverão melhor producção.
Cevadas.
Pouco melhores forão as cevadas, as quaes. nâo senti-
rão tanto as continuas chuvas, porque a maior parte del-
ias foi semeada na Primavera; e também porque nãoapro-
iiindáo, e alai^ão tanto as suas raizes como o trigo, (i)
Milhos.
Os milhos grossos promettião multo ao Lavrador. Ha-
via annos , que elles não tinlião moftrado tão bons princi-
pies : grossos de haftea , e de verde escuro nas folhas , ha-
via toda a razão para esperar huma abundante colheita ;
porém os extraordinários calores', que vierão em Julho frus-
trarão eftas esperanças. Os que forão de cava abena , de ter-
ras surribadas, ou semeados muito tem porãos , prosperarão
bem. Aquelles porque achando a terra fofa , aprofundarão
as suas raizes, ate onde os grandes calores lhe não podião
empecer: eftes , porque quando elles vierão já tinhão lança-
do as raizes do colo, com as quaes adquirem toda a for*
ça. E daqui se vê a utilidade , que o Lavrador pode t,r
na infusão das suas sementeá ; por cujo methodo nefte An-
no de que vou fallando , avancei mais de quinze dias duas
gei-
(i) Ha altiiyrtas experiências, que refere Dubamel , que provão qfte
o trigo eílende suas raízes até dezoito palmos.
E C o K o Kl I C A S. T41
geiras de milho , das quae tive bom fruto ; quando o res*
to da mesma terra , por não ter semente infundida do mes-
mo tempo, nada deo.
Fenos.
Em todas as partes do campo, que tinhâo tidoafgu*
ma cultura , houve abundância de fenos. As vinhas que ti-
verão cava têmpora se encherão de tal sorte de erva, que
parecia não terem recebido efte amanho. A luzerna ( ape-
nas entre nós conhecida , assim como as outras ervas aos
prados artiSciaes) cresceo muito : do mesmo modo a
avêa , a aual se cultivássemos como no tempo de Sr. Rei
D.Manoel (1) nos proveria de muito grão e feno, de
que temos precisão.
Legumes.
As favas , grãos , chicharos , e ervilhas derão pouco ;
como também os feijóes em todas as suas espécies , ex-
cepto nos pretos , ou fradinhos , que derão abundantemen-
te y fenómeno efte , que oíFerece ao Lavrador matéria ás suas
contemplações.
Arvores.
Derão poucos frucíos as pereiras , ameixeiras, pece*
gueiros , nogueiras , videiras ; e a sua madureza se retar-
dou mais de quinze dias do tempo ordinário, O frio, e
humidade , que houve durante a sua florescência , iizerâo
abortar os germes , de que veio a falta de fructos. A es-
cacez da azeitona não sèpóde attribuir a efta causa ; mas
sim á producção do Anno antecedente j porque em distan-
cia de três léguas as oliveiras produzirão bem , eno seu
devido tempo. Derão com abundância , e em tempo com-
pete/ite os caftanheiros y azinheiras, carvalhos , sobniros,
iigueiras , e larangeiras. O vinho inclinou alguma cousa pa-
ra
«COO Foral de Tboiaaf dado peio Sr, Rci D. M<,aucl • manda pa-
^ar direitos da avêa.
141 Mbmouias
ra ácido; as uvas fundirão pouco em mofto; as azeitonas
muito em azeite. O tempo seco que houve na creaçao das
uvas foi a causa de lhe faltarem as precisas partes aqQO*>
sas ; o que (ci na azeitona muito óleo. As laranjas cahirâo
quasi todas em Janeiro , faltas de sueco, e na casca com
IiuiTia nódoa esbranquiçada -, o que denotava, que parte
da sua seve se interrompeo nos canaes, que davSo suílen-
to ao fruto ; pois que nem as folhas , nem o páo soffiiècio
mal algum.
Temperamento do Anno.
A
S duas primeiras Eftaç6es foráo frias, e chuvosas cm
demazia , tendo por vento dominame o SuL O Verão , e
Outono forão quentes , e secos ; o que fez que as bortalí-
fossem poucas. O fim do Verão , e Outono he que deo
[s dias ae agoa , que regou bem a terra. G)me(árao
meiros a três de Setembro , precedendoJhe trovoadas
os segundos a quatro de Dezembro com vento do
:fte^ lendo até ali dominado o Norte.
Prognósticos y que indicarão a esterilidade do pão.
X Rognofticárão , que o anno havia de ser feito depâo, as
colmeas morrendo muitas, e melando pouco: Signum est
Dirolenti ror is , quando apes pare tus mellificant vel pro-^
priis in sedihus extinguuniur. (i) O mesmo prognoitico
dei^o as amendoeiras, moftrando-se muito frondosas com
pouco fruto , cujo sinal refere Virgilio ( Geor. i.v. ipi*)
entre os preceitos dos antigos Romanos:
Jlt si luxuria foliorum exuherat umbra j
Nequicquam pingues palea teret área culmps.
Cau-
CO Offman D. cit. sap.
o
ECOKOMIGAS. 143
Causas da esterilidade do grão.
An no de 1799 ^^^^ o Verão frio, e por ccnsccjucncía
as terras receberão pouco calor , tão necessário nefte tem-
po para a vegetação : seguio-se o Outono , e o Inverno ni-
miamente chuvosos , contrários á fertilidade : Utentes opta*
te serenas. A Primavera do Anno pretérito não foi de bran-
das chuvas, que fazem a fecundidade; mas de grossas, e
muitas , que abaterão as terras de tal sorte , que levarão mais
de hum terço do trabalho ordinário. E nem assim se po-
dia obter aquelle putre solam , que Virgílio diz imita a
lavoura ; nam boc imitamur arando. Faltou também ao ar
o dectrecismo ; iftohe, não seconsummio o fogo efetrico,
unindo-se, e formando trovoadas, asquaes se não stnxiúo
-por toda a Primavera, E he provado por muitas experiên-
cias Físicas, que a matéria eletrica concoftre muito para a
boa vegetação das plantas» AccrescêrSo também os intensos ^,M,â
calores do Veiao, que fizerâo os milhos infructiferos- rM^^"^!,
o
Bens que nascerão de alguns destes fenómenos , que
zerão a esterilidade. SM,
E algumas deftas causas productoras da má collielta /í^-^ÍÍ-'^"
resultárâo bens , e não pequenos. Depois do Inverno , c Pri*
mavera do Anno de 1 7^9 muito chuvosos, seguio-se o Ve-
rao frio, e o Outono muito chuvoso. Continuando em de-
mazia as chuvas no Inverno , e Primavera do anno prete*
rito; se houvesse trovoadas que consummissem a matéria
eléctrica , o ar se tornaria vapido , e o seria mais se o Ve-
rão fosse frio, e o Outono chuvoso. Então teríamos a pes-
te , que já se começava a sentir no Reino visinho. (i) Po-
rém felismente sendo o Verâo nimiamente calmoso, impe-
dio
Cl) A Hiftoria refere muitos exemplos de peíles ^ que vierão.depois
de annos contínuos de chuvas , e tempellades : v. g. a de Croton , e Aba-
ton » que conta Hyp. ; a do Impeiio de licnc 3 a de D. Sancho!, qu^
jattmiicionáo os nossos Aonaes > écc«
X44 Memorias
dio a podridão, e provavelmente a mesma pefte; pois que
a experiência tem moftrado nos Paizes onde ella he frequen-
te , que cessa com a vinda dos grandes calores. Concorreo
também o Outono para tirar todo o receio; porque foi
quente, e seco. No meio de Novembro se achavão figos
de venda *, e no principio de Dezembro as fontes , e po*
Íos tinhao mais ralta de agoa , que em Julho , e Ágofto.
lorescéráo as larangeiras , e as colmeas derão algum mel :
assemelhando-se em certo modo ao Outono de 1719, no
qual se colherão em Dezembro maçãs , e cerejas perfeita-
mente maduras ; o que o fez hum Anno assignalado (e mui-
to mais o será para nós pelo nascimento de hum Homem ,
cujo nome celebrado entre os Sábios das Nações mais illu-
minadas, (i) já mais será ouvido sem louvor.) Viecão tam<
bem os ventos altos , que soprarão nas duas ultimas Efta-
ções , mui aptos para impedirem a vinda dos malignos
miasmas já formados , purificando o ar com a sua viração
benigna. Pelo que concluímos dizendo com a Escritura:
Benedicite astus Domino.
(O A *"*o w*IÍ known in the Inter ary World. Monthly Revíew.
Outubro 1798. (Tal era o Duque deAlaf6es« primeiro Presidente da
Academia. )
ME-
ECOKOMICAS. 145
MEMORIA
So bre a Urzella de Cabo Verde.
POR JoÂo DA Sii-VA Feijó.
\J Que vulgar e mcrcaniilmente se chama Urzella , he
a fécula roixa , que se prepara de duas espécies áeLicbeni
a qual dissolvida em agod quente , dá na Tinturaria gran«
de numero de cores de mais ou menos eftimaçâo : a mais
ordinária he a chamada da íerra ou de França, preparada
naquelle Paiz com hum Licben , que ali se colhe pelos ro-
chedos^ a melhor, e mais eftimada he a que se prepara
em Inglaterra , Itália , e ainda na mesma França , e Hol-
landa , com a verdadeira herva Urzella das Ilhas do Ârchi-
pelago. Canárias, Cabo Verde, &c, e por isso conhecida
com esses nomes : he somente deila ultima que vou tratar.
§. I.
He a verdadeira Urzella huma herva fruticosa , fibro-
sa, macia, roliça , flexível , de côr cinzenta, sem folhas,
€ dividida em ramos, coberta de certas prominencias al-
ternativamente espalhadas ; e conhecida em o syftema de
Linneo com o nome de Licben Roce. lia»
§. II.
Cresce pelos rochedos os mais atidos , e expoftos de
ordinário aos vapores do mar , em muitas Ilhas, como são
as do Ârchipelago no Levante, as das Canárias, Madeira,
Porto Santo , Açores , e as de Cabo Verde , onde se acha
em abundância.
7om. F. T §. III. .
14^ Memorias
§. III.
Depois de secca, he salgada, ede cheiro pouco sen*
sivel: infundida em urina por alguns dias, produz hum li-
cor corante , cuja fécula precipitada , e separada , serve na
Tinturaria para baze de diversas cores , mais ou menos
vermelhas e solidas, segundo a sua preparação.
§. IV.
O meio de obter a fécula da Urzella , a pezar de ser hum
dos processos de segredo d'alguns operários Eftrangeiros ,
reduz^se, segundo nos persuadem as repetidas experiências
de hábeis Chimicos , a huma prefeita oxigenação de seu^
principio resinoso corante, pela maceração da Planta em huma
infusão de urina podre (i) miíhirada com o Ámmbniaco^
Muriate ammonical , Muriate de Soda , Nitrai e de Potas^
say 2L mesma Potassa , e por ultimo com huma pe^ena
do-
(i) Quando a urina se abandona á reacção dos seus princípios » for-
masse confiantemente aíkalino volátil « que doconipõe os pkQsphatcf
térreos, dando origem zfyphephútê He úmmeniaco ; e he n ais que pro-
vável g oue a infusão da Urzella na urina seja necessária para que
efte alkaiino lhe desenvolva a côr. Não obflante o que íica expoílo»
c o qire dizem vários Tintureiros , a maneira de preparar a IJrzel*
Ja continija a ser hum segredo de manufactura ; e se consuJrarinos
o que dizem os melhores Chimicos , parece que a urina e cal são os úni-
cos agentes que se empregâo na sua manipulação. Michdi , citado pe-
lo célebre Hcllot , diz que os obreiros que preparão a Urzella em Flo-
rencia , reduzem a planta a poeir? fir^a por meio de huma penetra »
orvalhão-na com urina velha ; mechem efta miftura huma vez cada diz
ajuntando'lhe Soda em pó , até que o licor tome huma còr violeta desla-
vada : feito ifto metem*na em hum vaso de madeira » lançando-lhe uri-
na , agoa de cal » ou huma dissolução de gesso , até que a superficie se
. tubra ; e nefte eílado a abandonão ao tempo , que acaba t operação.
Em outro processo descripto na obra de Pltcihc se accrescenta Sal am>
moniaco ÇJMuriato ammonicúl') Sal geii}a (iVí^ríj/^ dt Soda nníiv^ ^ e Sa*
litre (^Nitrate de Pctassa^ ; porém HcUot desenganou *se por suas ex-
periências , que a cal , e urina erão os únicos ingredientes necessariot
para ^envolver a côr da Urzella.
E C o tV o M I C 'A S. Y4f
dose de Arsénico; ou finalmente, segundo a melhor práti-
ca , com a cal extincta : pref.*rindo-se para efta operação
a outra qualquer Úrzella , a que he mais escura , mais bem
creada , e grada , coberta de pequenas manchas esbranqui-
çadas. A fécula precipitada no nindo do licor , he separa^
da para se s^car á sombra ; sendo então o sinai caracte^»
ríítico da melhor , hum cheiro de flor de violas que produz^
§. V.
Para depois tingir , he dissolvida , e fervida efta fecu-
la em suíficiente porção d'agoa , segundo a quantidade do
que se quer tingir, e a inrensidade da còr; não sendo en-
tão necessário outro trabalho, mais que ode conservar a
lã em a decocçao da Urzella , por mais ou menos tem-
po. (O
T ii §. VI.
(i) A Urzeila depois ck preparada como acima dissemos » ou por
outro mechjdo de que os Maaufactureiros fazem hnm segredo, dissol-
ve se em agoa , e lhe commiinica a sua côr , o que igualmente faz ao
Ammoniaco e Álcool. A sua infusão he de còr carmesim tirando pam
violeta: os Aciiiis dâ) itie còr vermelha ; porém os Alka lis apenas eo*
grossão hum pouco maii a sua còr. A pedra hume fónna bum preci-
pita Jo vermelho escuro« A dissolução do Muriaíc de titanho faz hu«i
precipiJtado avermelhado , que se deposita lentamente. A dissolu-
ção aquosa da Urzella ?ppiiwada sobre o mármore lhe communica
huma còr violeta*ou azul , propendendo para purpura , que reziftr por
mais tempo ao ar Áo que as outras cores , que eHa dá ás outras sUb*
stanciâs.
Quando se tinge com aUrzdla , desfiz se em hum banho de ngoi
tépida a^uella quantidade que se ha wxSAtr , tanto em razão da quanti-
dade de lã, ou pano que se pertende tingir, como da espécie de co-
lo'ído~que se intenta dar; depois a(!|tteccsse até ao ponto de fervura,
-e neWe se mer^lhão a-s peças sem outra preparação anterit^r. Obtém s6
por eíle modo hum bello gris aroixilo , que não tem outro defeit»
seiíã) o de não ter 'Solidez ; daqui vem que a Urzella apenas se appli-
ca h'»jc para modificar , rejfçar , •« dar brilho ás otitra^ cor«. HcHèt
corKeguiv> dar mats algutna solidez á còr da Urze Ma , mifturando iio banho
huma pouca de dissolução de eftait^io Uz^ se pois da Urrella para va-
riar as cores , e dar^he brilhantismo : quando se pertende dar nraiot
intensidade de côr » coíluma-$e mnCttritrlht alkaHntHj mi leite de cal.
H^ M E A o t X Á s
§• VI.
As cores que ella prodaz sâa hum carmesim mais , oq
menos escuro : co(hima-se na Tinturaria dar primeiro , ao
que se quer tinçir na Urzella , hum fundo , #u pé de azul ,
com o Anil nuis ou menos ferrete ; e para que eftas cores
sendo claras , sejâo brilhantes e vivas, he preciso que o
Sue se tinge , seja passado pelo fumo do Enxofre , ou antes
a Urzella , sendo para a côr de gradelim , ou flor d'alc-
crím y ou antes do fundo de azul , como se pratica com a
côr violeta^ e outras semelhantes.
§• VIL
Por efte modo ainda que simples , as cores que re«
sultão já mais tem aquella solidez precisa. Poder-se-hia tal-
vez suppòr , que ifto se obtivesse , dispondo primeiro o que
se quer tingir com os mordentes apropriados, assim como-
se pratica com a Ruiva , Cochonillia , &c. mas he certa-
mente o que não moftra a experiência ; pois que tingindo-se
a lã em Urzella, havendo-a primeiro passado pelos mí.r-
dentes da Pedra-hume e Tártaro, a côr que recebe nâo r^
sifte depois ao contacto do ar , como a que simplesmente
foi tinta.
VIIL
He verdadeiramente na seda que a Urzella tem maior appiicação : não
servindo d« base corante , mas sim como côr accidencal : para efte
£m y ferve se em liumi caldeira a quantidarle de Urzella proporciona-
da á cOr que se deseja ; depois escorresse todo o liquido quente do
banho da Urzella em huma tiiiai tendo o cuidada de nâ<) vazar o pc ,
que se lhe ajunta no fundo ; e aqui se merguIhSo com toda a exa^
ctidio as sedas acabadas de molhar em agoa de sabão.
Finalmente convém saber , que a côr da Urzella não lhe he natural ,
mas sim devida a huma combinação alkalina , e por isso os Ácidos a
mudão para vermelho , ou por saturação » ou por excesso. Eíla ttntt
deriva o seu nome de hum homem ». que tendo por acaso observado , que
urinando sobre o musgo que a produr,elle se tornava, vermelho «. guac<^
dou o segredo» e fez a sua fortuna.
Eg. ovouicAs. 749
§. VIII.
Ha comtudo hum meio de a fazer quasi t^o fixa , co-
mo a que se obtém da maior parte de outras féculas , cue
dâo boa tinta ; porém então perde a Urzella a sua côr na-
tural de gredelim , para tomar a gue chamâo nteio escat-^
late: tal he o uso da dissolução QoEftaniio no Jlciào nu
tro-muriatico (Agoa Regia) , procedendo-se do mesa o
modo que se pratica no escarlate da Cochonilha ; sendo a
dose prororcionada do cozimento da fécula da Urzella , e
da dissolução do Eftanho , mais dependente da pratica, do
que da theoria , ainda que seja , como he ^ faciJ o seu pro-
cesso.
§. IX.
Gomo a tinta que resuha da verdadeira Urzella he
sem dúvida melhor, do que a de outro algum Lichen co-
nhecido, sendo por isso a mais buscada , e a mais cara no
Commercio geral; por isso passou a conftituir hum dos Ar-
tigos privativos das Rendas das Coroas , possuidoras de ter-
renos que a produzem.. x
§. X.
Era a Urzella em rama exportada nos prmeircs tem*
pos das Ilhas do Archipelago para Itália , Inglaterra, c ou-
tros Paizes , donde depois de preparada, tornava a^sahir
no Commercio geral da Europa , para diversos Paizes , cons-
tituindo então hum lucro real áquellas Ilhas do Levante,
e aos seus preparadores , &c : depois sendo descoberta nas
Canárias pelos annos de J720, passou a augmemar a mas»
sa das Rendas da Coroa d'Hespanha , entrando no número
dos seus géneros privativos; arrendando-se desde então co-
mo Contrato Real , a Particulares que por sua conta a fa-
xem recolher,, e exportar..
§.XL
V
tp Memorias
§. XL
Sendo eíb? rendimento naquella Época pouco conside-
rável á Hespanha , confta que em 1630 chegou ao de 1^^
Patacas annuaes ; dispendendo os seus Contratadores então
-denais 15' para 20 reales por cento, no seu apanho e con*
tiiicçlo; nâo lhas cuftando- todavia nos primeiros tempos
«fta secundaria despeza mais de 3 até 4 patacas a 1 quin-
tal , pofto Á bordo no porto de Santa Cruz de Tenarife ,
t serndo já então tantas as encommendas para Inglaterra ,
Hollánda , Génova , França , &c. que se vendeo em 1730 ,
«m Londres a 4 Libras Èftrel. o quintal Inglez.
§. XIL
T^ Achiva-se nefte pé de interesse aUrzella de Canárias,
rjFAio no mesmo anno de 1730 appireceo em Santa Cruz
í^narife hum certo Roberto, Ingiez, eCipitão de hu-
,,^^^tí "Chalupa da mesma Nação , que vindo da Ilha Brava ,
-3^|^ítuma das de Cabo Verde , fez ver , como particular segre-
\*^'^ do, aos Açentes daquelle Contrato Hespanhol huma amos-
tra defta Urzella , colhida na sobredita Ilha ; eftes Nogo-
ciantes enviarão no seguinte anno , huma Embarcação áquel-
las Ilhas , e nella oito Urzelleiros Hespanhoes para o seu
apanho-; a qual tocando logo nas de Santo Antam, eS. Vi-
cente , fizerão em poucos dias huma boa. carga de 5100
<}uintaes, scrm lhes cuftar mais que huma pataca por quin-
tal , de premio ao Capitão Mór da Ilha de Santo Antam ,
fsela concedida permissão , por não se conhecer até eotâo
-ali o preftimo , « valor defte género.
§• XJIL
Neíle mesmo tempo percebendo os Jesuitas efe scgre-
do, e interesses clandeftinos dos Hespanhoes, e Inglezes
com a Urzella das Ilhas de Cabo Verde , impetrarão de
S.
Económicas. 151
S. M. oSr.Rei D.João V. a permissão exclusiva de expor*
tarem dali livremente efta , for elles clianada Hervhèét
secca \ o que não poderão obter , por quanto já então o
Minifterio sciente do procedimento dos Htspanhoes, pelas
individuaes informaçres (xigidas dos Governadores daquel-
la Capitania , mandou prohibir sob graves penas toda a
sua sahida , que não fcsse authorizada per permissão Re*
gia \ fazendo-se desde logo efte género tam.bcm privativo
da Coroa.
§. XIV.
Como tal principiou a ser arrendado em Lisboa , sciv-
&o o seu primeiro Contratador Iium certo Commerciante
HoUandez; e passando defte aosNacIonaes, foi o primei*-
meiro pelos annos de 1750 hum José Gomes da Silva, o
Candeas , de quem pas^ou á Companhia Geral do Pará , -e
Maranhão ; e havendo 2té então conserv; do efte género
hum bom credito mercantil pela sua qualidade, o veio em
seguinte Contrato da bociecJade exclusiva das it^í^sniat i/--?*:v ^
Ilhas, pela sua má economia, e adminiftração ; de ^<y^'\_c^^^K'^^^^
que por fdta de extracção se perdeo hurra grande j ^^^^^^i^^c^^<
de Urzella nos Armazéns daquella Sociedade, tendo parte ^^^^^^'^^^^
defte damno, tanto os habitantes das Ilhas, como a Keal
Fazenda.
%. XV.
Nefte abatimento, e descrédito se vio a Urzella des*
de 1786 até 1790 , em que o Minifterio, reflcctindoseriamen-i
te em hum objecto de tanta importância , ordenou que com
as mais circunspectas providencias se tentasse reanima-lo;
fazendo-o outra vez aproveitar , e commerciar por conta
da Real Fazenda, debaixo das viftas immediatas do Real
Erário , com o fim não tanto do interesse da Cerôa , co-r
mo de reftaurar a perdida reputação de fium penero , que
sabiamente dirigido faria a felicidade civil dos desgraça*
dos
i5'2 Memorias
dos habitantes daquellas Ilhas: tanto são de louvar ^ e res-
peitar tão Juftas , e sanctas intens6es.
§. XVL
A' vifta detaes medidas, com geral satisfação torna-
tão aquelles Povos a lançar mão da Urzela (de que aré
ali se aproveitavão clandeftinamente os Americanos com
particularidade) na certeza dó promettido melhoramento
de sua fortuna ; de sorte que logo a qualidade das primeis*
ras remessas , fez com pouco cuílo reparar o perdiao me*
recimento , chegando-a já a hum bom ponto de conceito
mercantil: com tudo quanto he de temer, que os viciosque
antecedentemente arruinarão eíte G)mmercio , cedo tornem
a brotar, porque não forâo ainda extirpados.
§. XVII.
A duas origens primarias se reduzem todos as causas
secundarias da decadência mercantil da Urzella : taes são ,
a falta da economia agronómica , e os vicios da adminiftra-
çao.
§. XVIII.
Das Ilhas de Cabo Verde se exportou para Lisboa , nos
primeiros tempos , huma avultadissima porção de Urzella ,
sem vexação alguma dos seus habitantes , segundo com-
provão authentícos documentos ali exiftentes; porque el/a
se achava então quasi primitiva ; porém como os Con-
tratadores nunca tiverão outras viftas , senão aproveitar
efte género , sem attençâo ao cuidado do seu futuro au-
gmento por devidas providencias agronómicas; seguíi^o-se
por ordem necessária dous males irremediáveis, e prejudi-
ciaes; a diminuição da Urzella, e a sua má qualidade:
porque fazendo-se , como ainda hoje se faz , indistinta-
mente as colheitas, sem serem dirigidas e reguladas; não
se dando por isso o necessário tempo de vegetar, crescer^
• • ama-
E c .o :ji.íO Mt.i c jii; 8. »f ^
tmft^urecer , e multiplicaf-se a planta , *^ao. eAais Colheitas
em sensível diminuição : de modo qu^ podendo todais aqueU
las Ilhas produzir ainda hoje ^ huns annos por outros , quatro
para cinco mil quintaes , apenas dão de mil e quinhentos para
dous mil ; ^ndo <kmais a maior p^te defta UrseUa dç ía«»
f^rior qualidade , por ser colhida fòra d^iempo, Vouaáav^
a. razão* . ; f .
§. XIX.
Todos sabem que efta planta , assim como outro qual-
quer vegetal , tem certo tempo , fixado pelo Author da Natu-
jreza^ipara gervitnar , crtecer, amadtti*eC9rvfiP0ttndaf^,>&c«:
^(te mècbanismona.UrzeUi|.jámaisteniiina.2t|U9. do^erceifQ
^pn^ de sua idade : também he conftante , que ell i hão por
d^rá' produzir bom effèito nos fins a que se deftina , sem
(«|ue renha chegado áquellg jfttdAdwR.^flia^Q deperfeição.»
€ai que seus' suecos corantes se achão capazes^ i) rq^al.d^
ve ser infalivelmente o da sua perfeita madureza : iífo poí-
to, sendo a Urzella colhida fora de tempo, nem será ca-
paz para a Tinturaria , nem lucrativa a quem a colhe ; por
quanto , sendo nova , precizará de huma maior quantidade
para dar hum peso equivalente ao trabalho empregado; á
yifta do que, não havendo regulamento eftabelecido para
determinar o tempo , e o lugar da devida colheita ; sendo
livre aoUrzelleiro apanhá-la como, quando, e aonde quer:
serão infalliveis consequências , como tenho ponderado , os
dous males , a diminuição da annual colheita , e a sua má
ou inferior qualidade ; pois que andando os Urzelleiros sem
discernimento a colher continuamente a Urzella , porque a
não achão em suiHciente grandeza para a arrancarem á
mão , raspão com ferros as mesmas pedras , em que ella
se cri^ ; vindo por isso também muita terra á Urzella ; e
não a deixando já mais crescer , medrar , nem fecundar ^
ou propagar.
§• XX.
Por outra parte o abuso da conservação perniciosa daa
Tm. F. V Ca-
r;'4- Memorias
Cabras bravas , que hablrâo e poToão todas âs serras e
montanhas daqueUas Ilhas , e que pertencendo á Fazenda
Real y não lhe àÍo lucro algum , sendo aliàs prejudiciaes
ao augmehto da cultura do Paiz; concorre xâo pouco pa-
ra a diminuição da mesma colheita : porque comem toda
quanta Urzella podem abocar ; e s6 lhe escapa a que efiá
em lugares inaccessiveis. Ex-aqui os principaes eflFeitos da
falta de hum Regulamenta Agronómico..
§. XXI.
Quanto aos vícios da admíniftração seria bem provei-
toso , que bum novo Regulamento , feito com conhecimen-
to de causa, pozesse termo aos males, que seffrem os Po-
vos das Ilhas de Cabo Verde ; augmentando a utilidade da
Real Fazenda , e conservando á Urzella o apreço que a^
principio mereceo..
E c O..W o H ic J[% jjr|
*MEMORIA
Sfitre » mpd» 4e férmar btm PÍ4tu de Statisticã it\
JPortugãl'.
rsLO Visconde da Lapa , Manobl ps ãuieipa»
§. L
O
Encadeamento de successos memoráveis da Hiftoiia df
Portugal 9 deduzidos de acções grandes e heróicas , filha?
de hum génio emprehendedor ^ aa a efte Pais hum intereir
M muito particular.
§• II.
Á Hiftoria dos Séculos passados offisrece rq)etidos eg^
cmplos , que provâo , que os Portugueses na sua classificar
cão, como Potencia , mereciâo hum gráo mais superior
aquelle , que a sua posição e fiorça real lhes descinaya*
$. III.
Se assim succedla em épocas , em me Port^gal se
achava en volvido já em Gonquiftas, Já em Gueiims proprisf
ou puramente de Aliança : qual será a sua importaiKÍa «9
momento , em que elle toma parte em huma luta 9 q^ do-
ire decidir da sua exiftencia como Nação , e do f^^ dp
Continente ; e em que os $eus Vassallos tendo tor^m^do
de seus peitos barreiras inexpugnáveis , com que as ten*
tativas do inimigo se fazem inutjeis , pertendem a rodo O
cuílo concorrer para a decisão de huma contenda , que ^
reoetidas vezes , em Potencias da Primeira Ordem , tem
sido o objecto de huma só Campanha ?
V ii 5. IV.
* 1^9i apresentada na Sessão de Jbi 4eJêOi¥f9>^ kilí^
lyt M s M o »• TA:sr Z
§. IV- •
Não deixando de fazer a devida juftiça aos liberacs ,
c indispensáveis soccorros da Grãa-Bretanha , a Nação Por-
tugueza se vangloria com tudo , que ella tem virtudes par-
tiMlaré^ , que a carâcttrriz^ ; pois que esforços poderosos
forâo nefta Guerra empregados a favor de outras rotencias ,
aonde a$ tentativas se inutilizarão , e o sangue e o ouro de*
balde se prodigalizarão.
§. V.
Sem duvida as qualidades pessoaes da Nação Portu-
^'ueza são as que produzem fenònenos tão raros-, osouaes
comparados com os meios das Potencias de outra Oraem ,
de necessidade causão o espanto do Universo , e obrigão
a Europa a dirigir todas as suas viftas e attenção a hu-
ma pequena porção do Continente : a quem a força , e
numero das legiões inimigas não espanta j a quem não
confundem os nomes dos Generaes , que as commamdão ;
•e de quem por premio da Victorra se não conhece outra
ambição mais do que a satisfação de cumprir deveres,
que a Pátria exige , ordenando sempre redobrar esforços ,
e preparar para nova luta.
Se a Iiuma semelhante situação accrescentarmos a in-
fluencia , ou se considere próxima ou remota , da auzencia
'do Sofceráno , e de hnm Soberano e Dynaftra , que mais
•que nenhuma outra do Mundo tem o direito de contar com
'ty respeito e amor de seus Vassallos , como a experiência
incessantemente prova; (*) e igualmente se meditarmos,
• quaes
(^^ Na verdade cTepois da feliz época de 1640 o turbilhão de agita-
çôeff politicas , que succcssivamente produz/ráo 0$ tempos , pciruihan-
do toda a Europa » cautou em Portugal a Revolução de 1S08» para
confirmar os sentimentos unanimei de todas as ciasses da Nação intei-
ra , Que apressadamente tributarão luima cordial » e sincera vassailagcm;
. sem que por eflPelto de circumftancias podesse haver a menor suspeita
de constrangimtDtos propf io» do Século.
E e ò n o M t c A $• lj7
qiiaes os effeiícs da emigração para a America , considera-
dos a par de liuma recente -inir^ásãG : de que interesse não
deve ser o conhecimento perfeito de hum Paiz, que gra-
dualmente descobre recunos , que os Foliticos desconhe-
..^ão ?
^ §. VIL
Sendo a Statiftka a Sciencia que nos oiFerece principíoa
para o catcular , ella he nefte momento a que mais contem»
plação nos deve merecer : e sendo de summa diffculdade
concluir bumà Statiftica perfeita , emprehendendo desde logo
a de todas as Possessões vaftas , e diftantes , que conftituem a
Monarquia Portugueza ; parece mais próprio principiar pe^
Ia deftes Reinos. São infínitos os erros, que os Eílrangeiros
nas suas Statifticas geraes publicão relativamente a rortu-
êal , e são taes que atacando o credito de bem reputados
scritores , provao a sua ignorância relatiyamente^ a efie
Paiz. Infelizmente idéas erradas , e supposiçòes falsas são
espalhadas , e repetidas por nomes respeitáveis; que ínno-
eentemente , e mal guiados manchâo o credito da Nação,
e denigrem o seu merecimento ; e com grande prejuízo tra-
baJhão por lhe diminuir o interesse , que ella tem grangea*
do . e sabido suftentar»
§. VIIL
O conhecimento perfeito do Estado he o que essttih
cialmente concorre, para que se aproveitem os recursos V e
se descubrâo , e facão renascer os que faltarem' por des-
cuido ou realmente , sendo então necessário cogitar nos
meios de os supprir: e por tanto abrange efte eRudo hu-
ma infinidade de ramos , e dados certos , que sò os Empre*
gados peloEftado podem franquear. A compilação de prin-
cípios certos daquelles y cujas circumstandas lhe permittirem
tão preciosas communicaç6es , lie que poderá esperançar à
Naçko de ter huma Statiftica perfeita , e completa.
§. IX-
§. IX,
Conhecendo que os artigos para eíta Scieacia , que fias-
ceo com os Eítados , exiftem espalhados , e que para ae
reduzirem a corpo deSciencia devem ser unidos; e igual-
mente persuadido de que muitas vezes as tentativas não
>ao avante peia confiante vactUação sobre o Plano : teria
o maior prazer , se me pudesse lisongear de concorrer para
huna semelhante obra , otfertando o Plano geral e particu-
lar^ que se deveria seguir ,, fundado em a pratica d^e es<-
tuio ) que ha poucos annos tem merecido as vigilias dos
Sábios da Europa , e muito particularmente dos Alemães.
§. X.
J^^.^^M Se o Plano, que tenho a honra de apresentar , íbise di-
rg'?^)|^>^^íi de ser seguido, considero o trabalho algum tanto adian-
* tadovporque nâo haveria mais do que, com o devido crit«-
jriD |'^ácher as casas e indicações , que aponto em huma
Tabèlta > que adiante proponho.
§' XI.
Faz-se muito essencial a ordem, e hum syftema com-
^pleto paca tratar defta matéria ; e para qae se sigâo todos
DS^ ramos de hum modo natural, e que indique a ligação ,
-que entre si tem.
§. XII.
A Statiftíca podemos definir , que he o eonbecimen^
to do Estada. Suppoíhi a definição , quando se trata da de
hum Paiz , deve nio confundir-se efta Sciencia com as que
lhe sáo semelhantes ; como a Politica ^ Geografia ^ e His-
toria.
§. XIII.
E C o IV <> M 1 C A S. 155»
§. XIIL
A Geografia serve de soccorro ao Statiftico , porém
tio trata dos meios de aproveitairento -, e para o Geógra-
fo lie de igiial interesse qualquer Paiz : o que náo succede
ao Statiftico, o qual se não occupa dos últimos Descobri-^
mentos ^ quando não sejâo consideráveis , e somente olha
Sara os Paizes aonde ha Eftados y ou pela situagáo ae po^
em formar.
. §. XIV.
 Etnografia , sendo hum eftuda que acompanha a^
Geografia , também diflère do da Statiftica , pois que neftt
a qualidade da raça dos homens, que habitao o raiz, he
£um objecto que lhe merece diftincçâo, e especialidade;^
áquelle so impcnta qual ella seja^ e a sua origem. ^^^^^^^^^r^-í^
m
§.xv. ^^ ^^^
Presente que seja a definido de Politica, fica-W^ini- ^y
festo o quanto diftére da Statistica ; pois aquella trata áp ^- ^
modo , como hum Estado deve ser administrado , e esca do ^ '
como se acha. He por tanto huma theorètica y e a outra
prática.
§. XVt
Tratando 06 a Statistica do que actualmente he, fi^
ca fácil de colligir a differença que ella tem da Historia :
a que tem sim de recorrer , mas para indagar o principia
de algum Estabelecimento, o motivo de sua iunoação, e
cousas semelhantes-
§. XVIL.
O estudo desta Sciencia por meio de Tabeliãs , que
tanto se tem introduzido, e approvado, nâo deve ser ad-
foittido y senão pelo que diz respeito a datas numéricas daà
foiw-
i6o Memorias
forças d: hum Estado ; pois que aliás seria reputálo co-
mo huíTi.i miqaina, e náo encrariáo ahi as forças moraes,
que tan.o interessão.
^ §. XVIII.
Só com o verdadeiro conhecimento da grandeza , e
povoação de hu^i Estado, nâo se sabe o seu poder, e a
relação delle cjtn o de outras Potencias: sendo para isso
necessário actender i."" á posiçáo, e situação do Paiz; i."" á
forma , e caracter do seu Governo ; ^."^ ao caracter nacio-
nal de seus habitantes. O poder, e a força de hum Esta-
do he só huma pequena parte da fortuna de hum Povo; o
<fi2 facilmente nos prova a comparação de algumas Na-
ções. .
§. XIX.
Sendo infinitas as cousas - notáveis , ,que offerece hum
Palz , segundo a Sciencía a que cada hum se dirige , pois
cfta he que fixa, e eftabelece o maior interesse, e prefe-
rencia na selecção dos objectos; serião sem dúvida muitos
os conhecimentos necessários para descrever qualquer Paiz ,
e summamente. volumosas as obras que preenchessem . em
toda a sua extensão efta indicação. (^) OStatiftico porém
occupa*se , entre milhares de cousas notáveis , em colher
as que tem influencia sobre o bem do Estado , visível ^ ou
occultamente ; e conforme a sua maior , ou menor impor-
tância. E quanto será goftoso para hum Governo o ver
sobre todos os artigos mais importantes a continuação de
huma Statistica Ânnual , que em resumo breve , quanto
a matéria permitte, lhe serve como de barómetro, e pe-
la qual conhece o b;:m que se alcançou , e o auanto se
melhorou a situação doPaiz? Além disso como he possí-
vel guiar todas as forças de huma Sociedade, sem estar
fácil o conhecimento individual de algumas delias: e de-
' . ' \ :ven*
(•) o elu lo , e a prática lie que pade.Ti facilitar o conhecimento
da vsrdidâira eicolha dn objecta; i que «e devem traur ,- pois que ai*
guns filies parecdddo ser de pc)uca iniporcancia g o são de extrema.
Económicas. i6v
yendo-^e pftr a todas em actividade , íica sendo indispensá-
vel usar aearte em 95 seguir , por se não frustrar a conftan*
te vigilância, que deve empregar*se nas suas fluctuaç^es. Pó-
de-se amar a Pátria , sem se procurar conhecê-la ? He pois
necessário ^ para esse fim , saoer as vantagens ou preferen-
cia , que ella tem sobre outros Paizes ; e igualmente as
faltas , e prejui^sos , que padece ^ a fim de os evitar. He Au-
ma Mathematica muito sublime calcular a situarão , ou
eilado de fortuna dos habitantes de humPaiz> comparan-
do-o com outro.
§• XX-
O Statiftico em geral deve fazer patentes aquelles ob-
jectos , que á primeira vifta se não apresentâo ; e classificar
de tal sorte aquelles que moftrâo o iim , a que se encami-
nha , que se possa commodamente examinar , e comparar
o eftado actual com o precedente.
§. XXL
Interessa principalmente conhecer ^ qual seja a Conftí«
tuiçâo de hum Eftado : pois vio*se á poucos annos o modo,
cotn que se operou , por defeitos próprios da mesma Con-
stituição, a divisão da Polónia, que tinha doze milhóes de
habitantes; e igualmente se pode ver a influencia, que ella
teve sobre aquasi inteira anniquilação da Prússia em 1806,
pois que sendo a sua povoação proximamente a mesma que
na Península , alli os habitantes, pasmados.de Jiuma quaá
total extincção de exifte.icia politica, sepreftárão ao jugo,
recorrendo apenas a medianos recursos, em quanto vemos
os PeniiúBulares , luctando vai em quatro annos , só rende^
xem-se á força armada ., moftrando sempre entre asbaiotto-
tas a<|uell« oi^lho j que inspira a êsperabça do rebate.
§. XXII.
Nao he.do nosso objecto agora entrar nas. indaga-
rcfm. r. X çÓes,
j6% M B M o R I A S
ç6es , que naturalmente offerece matéria de tSo grande pon-
deração : mas he impossível deixar 4je conhecer , oue as
paixões próprias dos habitantes deftes climas y tendo de
ordinário, e livre de circumftancias oppressivas, concorrido
para a orgaiiiza^âo da Confticuição *, e sendo efta de mais
a mais radicada com a igualdade de Religião, e semelhan-
ça de lingoagem; sem duvida deveriâo pôr o todo ao abri-
go da indiíFerença de mudanças , e ser hum escudo temí-
vel para os ataques exteriores : consolidando hum espirito
de fraternidade, base da união , e da aliança com o So-
berano, e Paizi do que nasce o verdadeiro Patriotismo.
§. XXIII.
O maior, ou menor Poder Militar não decide de sorte
alguma da fortuna de hum Eítado ; pois que hum paiz ,^
menor em território , pof si e pelas suas reliaçòes póae of-
ferecer para os seus Vassallos maiores vantagens. Será tam-
bém mais fácil aqui fazerem-se progressos , vifto então ser
mais compacivel com as forças humanas vigiar o Governo
Gs difFerentes Inftitutos ; já promovendo os .^ftabelecidos
pelos seus cuidados , já guiando ^ . e dando a direcção aos
que o abrigo , e segurança da observância das Leis espon-
taneamente despertao. Os Eftabeleci mentos Li ttera rios deíli-
nados a propagar a felicidade pública aqui se desenvolve-
ráó} e ficará tanto mais fácil ao Eftado tirar de cada in«
dividuo aquelle maior partido , que at natureza ajudada
da arte lhe indicar.
§. XXIV.
Querendo começar a ver os trabalhos, e conhecimen-
tos, que são indispensáveis. aoStatiftico : facilmeinte secol-
lig^, que o Mathem^tico «erij^ o pftn>elroi.epipr<egíi4o em
medir o paiz , e conhecer a sua superfície ; marcando as
principaes Alturas , os limites oú fronteiras do paiz que se
descreve , correntes dos rios , direcção das serranias , &c. O
<7eografo attenderia ao trabalho doshomeos, nomeando as
Económicas. 263
Cidades , Alddas , terra cukivada y e inculta. O Económi-
co dcscretrerja a Agricultura , e o como os komens se sus-
tentáo , € veftem.
§. XXV.
Successivamente por elle modo se vão desenvolvendo
os conhecimentos indispensáveis dos outros ramos , que
tem iiuma mais próxima ligação entre si ; e que modrão a
cadèa de oonhecintientos , e informações exactas , qtie eíte
eítudo da Statiftica precisa , e muito particularmente quan*
do se trata de fonnar a de hum Faiz.
§. XXVI.
Os Livros de Viagens se reputâo as ultimas fontes
defte eíludo: e infelizmente as Noticias Statifticas de Portu-
gal qu^ tem apparecido em differentes lingoas, tem sido o
trutò fda leitura daqucllas obras ; de que desgraçadamente
lião ha hama só a respeito de Portugal , que não tenha er*
ros , e de&itos que provâò grande ignorância. Na maior
parte dos Escritores de Viagens dé Portugal se conhece,
apenas lidas as primeiras paginas, quaes os fins , e interesses ,
que os guiavâo«
§. XXVII.
A que outro principio , e motivo podemos nós âttri-
buir o fazer Acbenvjall^ úo sábio Escritor , e o fundador
defta Sciencia (não tendo nunca observado efte paiz) tão
pouca juftiça ao caracter nacional Portuguez ; e produzir
«comparações iiijuríosas sem provas, nem anal/sc ?
§. XXVIII.
Tratando do Commercio , vémMR idéas geraes pouco
especificadas , e sem ser acompanhadas de documentos , qtse
afiancem a legitimidade das asserções. Eftas idéas são re-
produzidas, sendo impossivd muitas vezes descobrir aori-
X ii gem
tU
M « MO RIAS
Exames sérios sao os que moftrárâo igualmente, que
oSyítema Mercantil na prática não be tão desavantajo^,
como na theoria , que indica hmna jab0olul!a direcção do
Governo sobre as especulações dos particulares , que des-
prezáo a Agricultura por parece'r oíFerecer menor lucro.
He certo que nefte Syftema as medidas continuamente op-
pressivas, e oppoftas aos interesses recipfocos, mesmo das
Nações aliadas , produz hum espirito de inimizade , quasi
igual a huma guerra aberta.
§. XXXVI-
Efte Syftema filho do decimosexto Século , consequên-
cia do descobrimento da America , em breve moftrou , que
K^%j*j.,^ilippe 11. , e Carlos V. tinhão pouco dinheiro; em quanto
>^;i^3}.Í!i^:^^ aHbllanda , suftentava com efta Potencia
£?í?^^^*íf^ guerra sem ter minas , e só pelo Commercio , e In-
kXví|i(^!)«*^ i^ Em consequência desenvolveo-se então outro Syfte-
%„ (l\qual o doslmpoftos: e nefta época he queColbertem
^ança prova, que òCommercio interior nâo he menos in-
I^i*^^7ieres5ante, do que o exterior; e dahi resultão as providen-
cias i para o facilitar. /
§. XXXVII.
Finalmente em 1776 appãre(íe o Svftema Critico, ou
denominado de Adam Smith ; o qual aescobre luminosas
idéas originaes, em que os Políticos, por hum assíduo es-
tudo, procurão sempre aprofundar-se.
§. XXXVIII.
Ainda que sej^ alheio do meu fim o tratar deftés Sys-
temas , com tudo scja-me licito fazer sobre elles as se-
guintes reflexões praticas:
^^*ta
ECOIÍO MICAS. IÍ7
T.* Elles concordâo em que a Agricultura , Manufactu-
ras, eCommercio conftituem a riqueza nacional ; porém va-
riâo em quanto á predilecção por cada hum deftes objectos.
2*'* Em quanto á qualidaae da Induftria i a situação , e
natureza do Paiz he que deve decidir.
3.^ Varíâo 06 Syftemas em fixar, até que ponte o Go-
verno precisa dirigir a liberdade individual nas differentes
especulações.
§. XXXIX.
Os exames dos differentes ramos da riqueza nacional
8Í0 da n^aior utilidade pelbs conhecimentos, que Cíbver-
no assim alcança facilmente. Na Agricultura se deve mui-
to attender (pois que difto se* depende infinieo) ás forcas
physicas , para se conhecer se o paiz he fértil , ou não , e ^
iguíiJmciite para se descobrirem os meios de o poder »vc- ,*i;'*^"i^^^
Ihorar. Para iílo he indíspensaAreL o coabecimetíio^ pcrívir^t ^^^^^^^
da cultura , e igualmente da sua qualidade, e da nntiircm ' - "V
do terreno : aliás desconhcce-se o que falta no Paiz ^ c o , ■ .> .
que de preferencia se deve plantar nos differentes lugares; - 'f;4'^í^
sendo pesado, e nâo podendo ser igual o lançamento dos^; vTj^V*
Impoftos, a serem eftes os mesmos a respeito de todos os
terrenos. Nas forças nwraes que dizem respeito á activida-
de dos habitantes , entrao de^ ordinário causas^ politicas ,'
como liberdade pessoal do Agricultor , e divisão do Paiz:
o que se não deve de sorte alguma omittir. He igualmen-
te matéria de muita consideração , falando da Agricultu-
ra, a gado em geral, não só olhado, e consideraxio como
próprio para transportes , o que he producto eftavel ; mas
Igualmente rrpurado como capital circulante, por oí&recer
productos próprios para o Commercio. ^
: .' . ;' .-' 1. ; .ji) ç '$«-XL«- . .' ;
Ainda que as Manuf^i^oidás ç Fabricas angmentão a
riqueza nacional ; com tudo para ellas prosperarem fa/se
preciso haTcr hum fundo ^ e matcáas fuxiems para as Fa-
•• ' bri-
i6% Mbhouias I
bricas: para o. que concorrem não só os meios de d)n^inu-'*
nicajlo y mas igualmente operários pjr hum preço módico.
O Commercio faz a felicidade nacional , pois que augmen-
ta a circulação, e enriquece, eune mais asNaçÓes: mas
o Statiftico attentamente deve observar a que objectos efte
Commercio se dirige; por que modo he feito; seaaiva ou
passivamente ; se he interior , ou exterior &c. ; e igualmente
se he feito por terra ou mar.
§. XLI.
Tendo sido examinado o Commercio por efte modo
em todas as suas partes , he certo que os difièrentes Ban*
cos , onde os houver , são matérias de huma immediata
connexão : assim como as Companhias de Commercio ; ou
sejão <le Accioniftas ; ou aquellas a quem o Governo con-
cede certos privilégios , ou hum monopolib exclusivo.
§. XLII.
Em quanto ás minas : nós sabemos , que dias são hum
ponto principal do S/ftema Mercantil : mas quão incerto
seja o ellas fazerem ílorecer oEftado, evidentemente o de-
ve indicar o conhecimento do Paiz.
§. XLIII.
. Devendo occupar-se o Statiftico dos artigos de Fasen*
da, d:ve notar a relação entre a economia nacional, e a
do Eftado , olhando para quaes são as fontes das rendas
nacionaes. Hum serio exame sobre a natureza dos tributos
directos , e indirectos , assim como dos meios da sua arre^
cada çao , ou seja por Admioiftraçâo , ou por outro meio, he
indispensável.
f . XLIV.
Não sendo algumas vezes suficientes os tributos y e
em-
ECOKOMICAS. 1^9
einpreftitnos para occorrer ás despezas do Eftado , cumpre
que o Statiftico examine os meios adoptados para compensar
o deficit'^ e se as especulações praticadas em consequência
são segundo os principies mais próprios , e auc de neces-
sidade devem ter por base o inviolável cumprimento de to-
dos os Pactos.
§• XLV.
 Religião , em quanto ao que diz respeito is suas im-
mediatas relações com o Eftado , e a Inftnicção Pública ,
são objectos de que he essencial o tratar.
§. XLVL
Ao Statiftico igualmente toca o conhecimento das For«
ças de Terra e Mar^ não só pelo que diz respeito ao seu
número , composição , e mantença , mas igualmente á sua or*
ganização , e methodo eftabelecido para o recrutamento.
§. XLVIL
Finalmente as relações doPaiz com os Eftrangeiros,
fundadas em Tratados de Paz, Amizade^ c Q)mmercio,
ultimariâo aStatiftica do Paiz.
§. XLVIIL
Parecendo-me ter indicado de alguma sorte a necessi-
dade de haver huma perfeita Statiftica de Portugal , e per-
suadido de que fará num serviço ao Soberano e á Pátria
aquelle , que no seu ramo dedicar os seus trabalhos a tão
louváveis fins : entendo , que o Plano geral , que deveria
ser adoptado , consiftiria em tratar dos objectos statifticos
pela ordem seguinte.
Tom. K y ST A-
170 Memorias
STAriSTICA
l^ P A I Z
rSua Oeografia , e LiiDites.
Sua Qiialidade
'Caracter Nacional.
Quantidade de habitantes
11.^ NAqAo .. .
ConftituiçSo
.Subsiftencia Nacional
U^^tí^^^:^s^^òd^íP^^^^''^:í^^ff^^P^sár^^^^F^^t;^F^tí^^^
Económicas. 171
DE PORTUGAL.
f Productos , que fixão o Cora-
j mercio.
j Facilidade de Cominunica-
< ção.
I Divisão politica , de que
*j depenae a Organização ,
( e Ádminiftraçao.
ÇPor si só.
< Attendendo á extensão do
^ Território.
C Relativamente ao Governo.
< Classes dos Povos , e dos
(^ Eftados.
Agricultura no sentido geral.
Fabricas , e Manufacturas.
Commercio.
Todos os outros meios de
grangear a subsiftencia.
f Religião, em quanto á sua
influencia para a felici-
dade doEftado.
Educação publica.
Objectos da adminiftração
dosTribunaes dejuftiça.
Syftema, e Tribunaes de
Fazenda.
Força armada deTerra, e Mar.
Relaçòes Eftrangeiras Com-
.AdminiAração Publica
nierciaes.
II
d^^
m.
i7i Memorias
ENSAIO ECONÓMICO
Sobre as Ilhas de Cabo Verde
I
EM 1V97.
POR JoXo DA Silva Feijó*
E
iSte Ensaio Económico sobre as Ilhas de Cabo Verde ^
que tenho a honra de oíFerecer á Academia , forma como
o extracto de parte de huma obra , gue comprebende a His-
toria geral e Filosófica daquella Colónia , que me obriguei
a descrever quando para ali fui mandado por S. Magella-
de como seu Naturalifta. A População , a Agricultura , as
Manufacturas, e oCommercio da quelles Insulares , são os
objectos de que tratarei separadamente nefta Memoria , re-
servando para outra a Descripção Fizica e Mineralógica
daquelie Paiz.
ARTIGO L
Da População*
§. I.
X^ O descobrimento das Ilhas de Cato Verde, havendo-
se unicamente encontrado povoada a de S. Tiago de Ne*
gros Jalofos ( que ali tradicionariamente confta terem pas-
sado por acaso > perseguidos pelos Fulupos seus visinhos ,
e lançados pelas Brizas e Correntes ao Oeft ) : fez o Sr. In-
fante D. Henrique transplantar a eíla, eá do Fogo algumas
famílias do Algarve, e Alem-téjo ', que convidadas pela
lleal Muaificencia do Sr. Rei D. Affonço V. ali se eftabele-
cc
E C o K o M I C A S. 17;
cêrão; as quaes depois pelo commercio , e trato com as
Negras do paiz , ou com as que vinhão de Guiné , forão*
se propagando e mifturando , principalmente na Capital ,
de sorte que hoje , á excepção de bem poucas casas , todas
as mais são de Pardos ^ e Pretos.
§. 11.
A eftes Colonos forão-se agregando os exterminados;
que para purgarem seus delictos , eráo e sâo para ali en«
viados pela Juftiça de todas as Ordens ^ os quaes pelo tra-
to e casamento com os descendentes das primeiras famí-
lias y vierão a formar , com a Escravatura oue se trans-
portava de Guiné, hum grande numero de haoitantes, de
sorte que pelos annos de 1730 chega vão ao total de 2^(^
almas na Capital, e a 12 para i3(2) na do Fogo ; cuja
quantidade se foi diminuindo , á proporção da falta do seu
commercio , e das repetidas efterilidades que vierão a pa-
decer, de sorte que depois do ultimo flagello de 1775 ^ fi-
carão reduzidas ao terço daquelle computo.
§. IIT.
A religiosa piedade dos principaes moradores deftas
duas Ilhas , que persuadidos de fazerem huma obra meri-
tória , e de espiação para as suas almas , deixavão libertos
huma grande porção de seus escravos; fez que eftes, para
se nSo sugeitarem ao trabalho, e subordinação aos Brancos,
passassem a povoar as adjacentes , aonde juntos com os
Escravos dos Donatários daquellas Ilhas, que ah eftes pos-
^uiâo para o cultivo das suas herdades, conftituírão as suas
-povoações , onde todos de ordinário são Pretos fulos, e
alguns MuIatoR , produzidos da communicaçâo das suasPro
tas com os brancos Portuguezes e Eftrangeiros , que ali
concorrem a commerciar diariamente. Confta que forão as-
saz povoadas até á grande fome de 1749, e á de 1775*;
hoje porém não são os seus habitantes em grande numero.
§. IV.
1/4 Memorias
§. IV.
Â' vifta do expendido se vê , que os habitantes daquel-
las Ilhas se reduzem a três classes -.Brancos , Naturaes , e
Escravos. A primeira classe, ainda cjue compofta dePortu-
guezes e Eftrangeiros , he sem duvida a mais diminuta ,
e se acha complicada com a segunda ; a vigésima parte
defiras duas classes , he a que possue bens , sendo o reftan-
te o número dos chamados Vadios , principalmente na Ca-
pital , e Fogo.
§. V.
Faziâo em outro tempo efies Povos as suas povoações
regulares : na Capital havia huma soíFrivcl Cidade assaz po-
voada , e com todas as commodidades precisas , cujos edi-
l^ij^AiM ficios, pelo que manifeftao as actuaes minas, forao de pe-
^í-l^r^èíJ^^i* c cal , e cobertos de telha : ali residiâo os Bispos , Go-
/íS^^i,jj;í:^^ , e Miniftros ; porém depois do ultimo saque
'v^;,:^v^^ íjlí derâo 03 Francezes em 1713, toda se despovoou;
J >^^> lifiiííj^o a ser a consequência a mina dos seus edifícios, de
^ ,ique apenas reftão a Cathedral de ínftituição assaz antiga ,
^ onde ofRcião três ou quatro Cónegos com cinco ou seis Ca-
pellães; o Convento dos Frades Franciscanos da Provinda
da Soledade , em que habitao três ou quatro com o titulo
de Missionários ; a Santa Casa da Misericórdia , de que só
exifte a sua arruinada Igreja, as paredes das suas cnterma«
rias , e a Meza para a arrecadação, e deftribuiçao do seu
rendimento , que ainda chega a hum conto de reis annual ;
e fínalmente outras pequenas Igrejas , comç a da Senhora
do Rosário , &c. e algumas palhoças , em que habita o Oe-
ro , e poucas familias , que em razão de seus empregos Ec^
clesiafticos ou Civis ali presiftem.
§. VI.
Âo Sul da Gdade ^ como disse ^ na diítancia de três
i^^
Económicas. 175'
legoas , cftá a Villa da Praia , que por ser hoje o porto
principal em que relaxáo as EmbarcaçÒes de todas as Na-
* ç6es , he onde residem o Governador da Capitania , o Mi-
niílrOy e todos os Brancos que ali traiicão. Na Ilha do Fo-
go também ha outra Villa denominada de S. Filippe , que
sendo mui bem assentada , e em outro tempo assaz povoa-
da ^ hoje eítá como a Capital. As outras Unas tem as suas
respectivas povoações com o titulo de Villas , que suppofto
serem compoftas de palhoças , longe dos portos de Mar ,
tem com tudo edifícios de ordinário assobradados 3 sendo
geralmente em todas as Ilhas conftruidos de íavas.
§. VII.
A* excepção da Ilha Capital , è Fogo , não tem aquel-
!as Ilhas outras Fortalezas para sua defeza, senão o innac- y^'
cessivel das suas montanhas, e o áspero dos seus camlnhft*
Na Cidade houve já huma Fortaleza, e cinco Baluarres,
com a precisa Artilharia ainda que de ferro j porém htrje
eftá ifto mesmo com baftante mina, excepto oBaUorccínlç
S. Veríssimo, guarnecido com sete Artilheiros e humCon-- ^
deftavel, debaixo docommando do Sargento Mór da Praça, '" ^ r^ ^^
que também serve na Comarca , e seu Ajudante , todos
eftes pagos. Na Villa da Praia , ainda que a Fortaleza não
tenha formalidade , com tudo conserva sufficiente Artilha-
ria também de ferro. Na Ilha do Fogo finalmente , ha dous
chamados Fortes , pofto que actualmente baftante damnifi-
cados.
§. VIIL
A guarnição actual da Capital consifte, além de duas
Companhias paras (huma de Brancos e Mulatos para Guar-
da do Governador , e outra de Pretos para a do Presidio da
Villa da Praia "^y, em três Regimentos de Infantaria , e xxtt
Companhias de Cavallaria Miliciana de Naturaes , cujos
Officiaes, á excepção dos Ajudantes do Numero e Supra , nãe
são pagos. No Fogo, á excepjâo do Cockd<ákYel que he
pa-
176 Memorias
pago , a sua guarnição lie toda também Miliciana y coxMr
nas demais Ilhas adjacentes, de cujos Corpos são Chefes
ou Commandantes os mesmos repeccivos Capitães Mores
daquellas Ilhas, que também servem sem soldo algum; ex*
cepto o do Fogo , e o da Ilha da Praia , que são immedia-
tamente nomeados por Sua Mageftade.
§. IX.
Todos eftes Commandantes , juntamente com os das
Praças de^Cacheo, Bissau, e outras no Continente de Gui-
né , são^ sugeitos ao Governador da Capitania , que reside
cm S. Tiago ; o qual , autorizado por antigos Regimentos ,
goza de amplos poderes e regalias , entre ellas a de pro-
ver quasi todos os Poftos Militares , e os OíEclos da Fa-
zenda , ejuftiça; ficando reservada aoMiniftro (que he ao
mesmo tempo Ouvidor , Provedor do Crime y e Fazenda
Real ) a Jurisdicção Civil , e Criminal , com huma mui li-
mitada acção sobre os negócios da Fazenda. A Adminis-
tração Espiritual he dirigida na Capital por onze Párocos
de outras tantas Freguezias ; no Fogo por três ; na Brava
Sor hum ; cm S. Nicoláo por dous , em Santo Antão por
ous; na Boa vifta por dous; e no Maio por hum, sugei-
tos todos ao Bispo que boje reside na Ilha de S. Nicoláo.
§. X.
Quando aquelles Povos vivião unidos nas Gdades^ e
Villas , gozava-se geralmente de todas aquellas commodi-
dades que traz huma Sociedade Civil , porém as contínuas
invasões dos Piratas e Inimigos , e as fomes os fizerão desu-
nir e afugentar para as visinhas montanhas , onde até ho-
je presiftem; enefta situação se faria cada vez mais precá-
ria, principalmente para os Eropeos , a subsiftencia actual
nos povoados , particularmente na Cidade e nas Villas da
Praia e de S. Filippe , a não serem os Escravos , que
com a superabundância da sua lavoura ^ unida de ordina*
rio
^ Egokomicas. 177
tvò com a porção que elles furtão , ali concorrem a vender
alguns comeftiveis: por outra forma não se poderia viver » a
nâo haver a laboriosa precaução de se mandar ao interior
comprar, edali conduzir, o que mil inconvenientes muitas
vezes fazem impraticável.
§. XL
Nefta dispersão , adquirindo eftes Povos geralmente com
o tempo hum espirito Tivre e quasi selvagem , vive cada
hum em sua choupana , ou pequeno domicilio. A impossi-
bilidade de terem huma educa ao regular , nâo só scienti-
iica mas ainda mesmo Religiosa , os faz superfticiosc s , e
alguma cousa parecidos nos seus coftumes , modo de vi-
ver, de veftir , de fazer suas núpcias , fimeraes, e criar
seus filhos , &c« aos Povos de Guiné , de ouem se pode di-
zer os herdarão , e actualmente recebem peio trato familiar
com a Escravatura.
§. xir.
A Lingoa Portugueza , que tão fácil se generalizou no
Brazil 9 he entre elles despresada , muitas vezes pelos mes-
mos Portuguezes que ali residem , que em vez de a faze-
rem generalizar^ a deixão, para se coftumarem ao ridícu-
lo criólo do paiz : por efte motivo he bem difícil de eílabe-
lecer huma perfeita Escola , em que com exactidão epericia
se ensine a ler , escrever , e contar áquella mocidade , que
se déftina ao Clero , aos empregos do Bem commum y e
OíScios.
§, XIII.
O mesmo aue se passa na vida Moral se extende ás
commodidades da Animal ou Fisica ; satisfeitos com hum
pouco de milho, feijão, alguma mandioca , e agoardente
que tirão sem muito trabalho das suas canas , com o leite ,
e pouca porção de carne de suas cabras , a cuja criação en-
tregão todo o seu cuidado, e com a dos mais animais do-
xneílicos , não tanto para o seu suftento ^ quanto pelo inte-
. Tm. F. Z res-
178 Memorias
resse de os venderem com os frutos do"paíz aos Eftrangel-
Tos , para quem se pode dizer que só trabalhão ; desprezão
tudo o mais que os poderia fazer felices. Nefte eftado não
conhecem nem Artes , nem Manufacturas (á excepção da
imperfeita dos seus pannos de algodão para o veftuario das
suas mulheres , que a precisáó de alguns dos nossos géneros
os obriga a vender aos Commerciantes daCofta de Guiné)
nem huma verdadeira cultura , que não só lhe daria de so-
bro os géneros da primeira necessidade , e para accudirem
ás futuras urgências de huma fome infalivel ; como tam-
bém para' introduzirem, ou augmentarem a cultura doutros
importantissimos géneros naturaes , como o Anil , o Algo-
gão , o. Tabaco , o Sangue de Drago ; e os exóticos , como
o Café , &c. e com que podessem haver hum commercio
activo, e huma vida mais cómmoda^ mais regular^ e ci«
tiiizada.
§. XIV.
Sendo abundantes de peixes as Coítas daquellas Ilhas , a
pescaria he pouco attendiaa pelos habitantes , excepto quan-
do o flagello da fome busca deftruillos ; então satisteitos
com huma cana , huma linha , e hum anzol , andão de pe*
dra em pedra pelas Coftas buscando a subsiítencia»
<LR-
ECOKOMICAS. T7P
ARTIGO II.
Da Cultura,
§• XV.
X^ A Capital e Fogo cpiasi todo o terreno eCá reduzido
a Vínculos , ou Capellas , a que ali chamâo M^^rgados ,
e a maior ^ parte bem insignificantes ; e como he huma
mui pequena porção de habitantes que -os possue , succede
que a maior parte dos indivíduos não tennâo terras pró-
prias para trabalharem; o que não accontece nas adjacen-
tes Ilhas , onde por serem hoje todas Realengas , seus ha-
bitantes as possuem em maior ou menor porção, comoFo-
reiros; e por isso são também p<< mais trabalhadas^ e el-
les os mais activos.
§. XVI.
O milho , o feijão , e abóboras são os géneros que ge^ .
ralmente merecem o primeiro cuidado daquelles Insulares;
mas unicamente quanto bafte para o seu presente passadio.
Na Ilha de S. Tiago , além difto , cultivão também pelas
ribeiras a mandioca , chamada no Brazil Aipim , a Bata-
ta das Ilhas , toda a espécie do hortaliça , a banana , o
coco, toda a qualidade de frutas de arvore de espinho, e
sobre tudo a cana do açúcar para o fabrico da agoarden-
te , e algum açúcar^ que por necessidade fazem em algu-
mas das suas ribeiras , onde a cana que ali vegeta ^ não he
própria nem apta para outra cousa.
§. XVII.
No Fogo tapcibem , além do milho e do feijão , cul-
tivâo-se todos os outros artigos ; pois a pesar de ser o seu
terreno bem secoo ^ e compofto de cinzas vulcânicas , e
Z ii sem
iCo* Memorias
sem huma só ribeira corrente , tudo ali vegeta bem ; até as
maçãs e* peras crescera , « chegão ao seu eftado de madu-
ra-lo no tempo das chuvas,
§. XVIIL
Nas Ilhas de S. Nicoláo , e de Santo Antão, e Brava
cm lugar de cana , cultivão aquelles habitantes pelas ri-
beiras as vinhas, que por serem mui regadas, emal ama-
nhadas , dão sufficiente e proporcional quantidade de hum
vinho verde , que facilmente se azeda , produzindo hum
bom vinagre: em S. Nicoláo já se principia a cultivar o
café , ainda que por curiosidade : em fim a cultura do ta*
baço he geral i e entre elle he o melhor o das Ilhas do
Fogo 3 e de Santo Ântam.
§. XIX^
Ainda que o trabalho na cultura geral deílas Ilhas naa
seja outro senão o de queimar os matos , e rcftolhos no
mez de Maio , ou Junho , para semear-se o grio em Ju»
lho , ou Agofto em pequenas covas que no terreno se
abrem , e em cada huma lançar-se dous ou três grãos de
cada espécie de semente , juntas todas , cobrindo-as de ter-
ra com os pés , e o de mondar depois ; com tudo não dei-
xa para isso mesmo de ser necessária a força de braços
para as enxadas ; e eftes , onde não ha jornaleiros como
ali succede, são na verdade bem caros, por se reputar hum
Escravo , chamado lotado , em cento e dez , e cento e trin-
ta mil réis : consequentemente , possuir naquellas Ilhas hum
terreno , não he tão difficultoso como o trabalha-lo , peia
falta que hoje ha de Escravatura y e pelos vadios se não
sugeitarem ao trabalho alheio.
^. XX*
Ex-aqui o porque na Capital , c no Fogo a maior par-
te
E C Ò K o M I C A S. I^I
té da lavoura he feita pelos Proprietários , ou Morgados;
como eftes de ordinário s^o os que possuem Escravos , e elles
fazem huma. parte do seu cabedal, ou do mesmo Vinculo ;
empregando-os no trabalho de suas terras , e de seus tra-
pixes, e criação de seus animaes , sâo elles os que pode-
riâo tirar maior proveito defte importante exerciçio ; po-
rém habituados , como os vadios , a huma vida molle , e
ociosa y livre, e insociável , no centro das suas Herdades^
onde tudo podiáo possuir com abundância ; e occupados
unicamente na culmra das canas, pelo interesse da agoar-
dente , despresão outra quarquer cultura que não seja a pe-
quena porção de mandioca , e arroz para as suas mezas;
e no tempo das agoas , o milho , e feijão oue suppòe bas-
tante para o suftento da sua familia particular naquelle an-
no , donde nasce viverem quasi todos em grande mediocri*
da de.
§. XXL
Eila situação se transmitte de pais a filhos , os quaes ,
faltando-lhc a educação , não tem outras idéas nem conhe-
cimentos senão o dos objectos que tem continuamente an*
te os olhos: defta forma cercados de Negros, ou Escravos ^
ou livres, todos seus domefticos , para se verem mais tran-
<]uil]os , cedem desde loco nas mãos. de algum daquelles
seus mais privados a admmiftração de suas razetidas , e ha-
veres ; o qual Feitor orgulhoso com efte pequeno poder,
■€ ignorante como seu .Amo de suas obrigações , concorre
também da sua parte para a mina daquellas Herdades.
§. XXII.
Efte abuso anda unido com outro ainda de maior con-
sequência , qual he o de não alimentarem , e veftirem os
Proprietários os seus Escravos , permittindo-lhes para isso
trabalharem por sua conta hum aia da semana : faltando-
Ihes assim nos annos seccos e de fome , o com que se
mantenhão^ deseruo muitas vezes com os Eftrangeiros ; do
que
i8i Memorias'
que tudo resulta , acharem-se actualmente aanlquilados tnui«
tos Vínculos que ali forâo eftabelecidos.
ARTIGO III.
Das Artes ^ e Manufacturas.
§• XXIIL
X Or isso mesmo que vivem dispersos aquelles Insulares ,
he que nao ha também entre elles hum sóArtifta de oífi*
cio algum , e por isso todos são para si ao mesmo tempo
Çapateiros , Alfaiates , Carpinteiros , Pedreiros , &c. don-
1 provêm a falta de todas as commodidades ; á exce-
o das Ilhas do Fogo , Santo Antão , e S. Nicoláo , aon*
ainda se encontrão alguns curiosos., que com tudo não
zem disso a sua subsiftencia , ou modo de vida.
§. XXIV.
O mesmo que acabo de dizer das Artes se entende da
Fabricas, e Manufacturas : ali nâo ha outras, á excepçlTo
da dos pannos de algodão , género da primeira importa n-
cia no Commercio geral da cofta de Guiné, e da prepara**
ção do anil para tingir os mesmos pannos , e do cortu*
me das pelles das cabras , e alguns couros de boi ; as
quaes geralmente fallando eftão em summa imperfeição ^
pela falta de princípios fundamentaes da Arte , irregulari-
dade nos trabalhos , e falu de inftrumentos próprios para a
facilidade de seus fins.
§. XXV.
Os pannos , que conflituem ao mesmo tempo o veftua<^
rio das mulheres do paiz , e a moeda corrente , são fabri-
cados a maior parte pelos Escravos , em teáraes os mais ir«
regulares que se podem imaginar ^ por serem fprmados esr
taot
E(!o*il(fMiCAs. 18^
tantaneamente de pedaços de eftacas, e canas, atadas com
cordas de cascas de bananeiras , que concluída a obra > pas-
são a servir de combuftivel aos mesmos tecelões , á exce-
{►ção do pente, e órgão; sendo por isso o trabalho daquel-
es tecidos, o mais grosseiro e irregular, porque os operá-
rios nâo fazem nisso officio próprio ; sendo a falta deeco-
nomia , e o excessivo preço porque são reputcidos aquel-
les pannos, consequências necessárias da falta de Arte^ e
Fabricantes.
§. XXVI.
Eilès pannos são formados de seis bandas ou faxas,da
largura pouco menos de hum palmo , sobre sete até oito
de comprimento ; cosidas humas is outras pelas suas orei-
las, para conílimirem a largura total de quatro, para çjn-^
CO palmos; e conforme o seu obrado ou trabalho , asCÍ
determinão a espécie : huns são meramente de algod|o
e outros com interposição de seda ou lã , das três c#€
vermelha, amarella, e verde ; huns e outros ou são liaKs
ou com lavores ( a que chamão no paiz Bixo) , cuja divcr^
sidade concorre também a fazer o seu valor intrínseco no
Commercio , assim como na mesma espécie varíao de qua-^
lidâde conforme a Ilha em que são fabricados.
§. XXVII.
Dos pannos que são meramente de aldodão, são cha«
tnados pretos os que são de hum ferrete muito escuro,
côr que lhes dão com o anil bem carregado: Ordinários ^
Búcui , ou de lei ( por ser a moeda corrente do valor de
i(j[> réis) os que são liftrados de riscas azues claras , e bran-
cas , de hum lio muito grosso , e muito mal trabc Ihados :
quando porém o seu íio he fino, igual, opanno mais co-
chado , e as liftas azues bem ferretes e largas , e as bran-*
cas bem claras se denominao Lista fora ; entre os de Bixè
se diz de hixo coitado aqucíle cujo fio he grosso, e o ten
çido com pouco IsYor ^ se porém o fio he fino, o pannp
mais
irÍ4 M B M o R I A í
mais cochado , o lavor mais regular se chama Boca hran*
ca ; e sendo todo o panno coberto de lavor , e sem algo-
dão branco algqra, se denomina P/í»w de vestir ^ ou 0x6 \
ha também entre os Aq Lista de fora huma variedade que
leva algum lavor , e cliamâo Lista fora de obra. Os pannos
finalmente fabricados com algodão , e retroz , ou lã , se deno*
minão da mesma maneira expendida, especi(icando-os com os
títulos de hã ou Sed% , aos quaes também se chamão geral-
mente P^^/y^^/ de obra.
§. XXVIII.
Nas Ilhas de S. Tiago , c de Santo Antão manufactu-
rão-se mais outras espécies de pannos , entre elles os cha-
mados áo agulha y os quaes também são singellos. Na Ilha
do Fogo ha mais outra espécie particular , que se deao-
xnina Gallan , de grande eftimaçâo entre todos os Insulares.
Nefta Ilha , na az Brava , na de Santo Antão , e S. Nico-
láo , além dos pannos , também se fabricão colchas de aU
godão branco e amarello , de mais ou menos eftimaçâo,
segundo o seu trabalho , lavores , e espécies que entrão no
seu tecido , ou seja a lã , ou seda , &c. e meias de algodão
feitas de agulha, mais ou menos finas, entre as quaes são
mais eftimaveis pela qualidade as da Ilha do Fogo.
§. XXIX.
He o anil como tenho dito , a unlca tinta de que usão
aquelles Insulares para tingirem os seus pannos : no me-
thodo de o preparar seguem em tudo o trabalho de IMLa-
daçascar , da cofta de Africa , e de alguns outros sítios da
índia: tomão as folhas defta planta, colhidas quando prin-
cipia a florescer , e depois de as pilarem , fazem com a
Safta huns bolos , que depois de seccos perfeitamente, guar-
ão para quando os precisão ; então para prepararem a sua
tinta , desfazem eftes bolos em decoada de cinzas de pur-
gueiras (i), ou de bananeiras , deixando chegar a dissolu-
ção
0> Jatropha Curcas. Lina.
E d ò K o u I c A *s. i8^
çâo a huma perfeita putrefacçao j logo que a vem b<?'ti fer-
rete , passão a ensopar as meadas de algodão , ou os mesmos
pannos que querem tingir, lavando-os, e repetindo huma
e mais vezes efta manipulação , segundo pede a necessida-
de , para se lhes dar hum azul mais ou menos carregado.
§. XXX.
Na Capital houve pelo annos dei 711, por ordens po-
sitivas do Minifterio , huma Fabrica Real defta fécula. Na
Ilha de Santo Ântâo mandarão os seus Donatários no mes-
mo tempo eftabelecer outra ; porém a primeira , ou porque
fosse mal trabalhada e. dirigida , ou po que os seus lucros '
não correspondiâo ás esperanças do interesse, veio a extin-
guir-se y presiftmdo com tudo até hoje a segunda por con*
ta da Real Fazenda , ainda que sem lucro algum (i).
§. XXXI.
Coftumâo finalmente aquelles Insulares cortir algumas
pelles de cabras , e poucos couros de bois , quanto bafte
para o consumo do seu calçado , assaz pouco usado entre
elles : he eíte cortume feito cem as cascas e folhas das-
rotneiras bravas, troncos de bananeiras , folhas de purguei-
ra , e com a semente ou bajem do espinho preto , e com
outras plantas de natureza adftringente , e finalmente com
a cal , e cinzas : miftura que conuitue na verdade o mais
excellente e cómmodo cortume que se pôde considerar , e
por isso sâo as pelles as mais bem cortidas , e amanhadas
oue se podem encontrar , não sendo porém assim o atana«
do talvez por falta de mão de Meftre.
Ci^ Veja-se a minha Mem. sobre o Anil de Cabo Verde.
Tom.]^. Aa A»..
l8(S .M B At o a X A 8
N<
ARTIGO IV.
Do Commercso.
§. XXXIL
Os prlmeinos tempos do eftabdecitncnto daquella Co-
lónia, foi efta Capitania de conscqiiencU ao Comoiercio ge-
ral , sendo a liba deS. Tiago centro de todo aquclle tra-
fico , e para onde concorrido Nacionaes , e Eftrangeiros , que
particularmente negoceavão ou para . a Cofta da Nigricia ,
ou para as Colónias da America ; convidados huns , e ou*
tros pela abundância , particularidade , e bom preço das
suas differentes e importantes pnodoc^Òes ^ pela liberdade e
franqueza deCommercio que ali achavão, e p Jo bom aco-
lhimento com que erão por aquelles Povos indiíferentemen-
te recebidos.
§. XXXIII.
Do Senegal , de Gore , e de Benlm ali vinhSo todos
ôs dias os Fraiscezes trazer Escravos , para levarem em
troco as vitualhas de que naquellas praças necessitavâo ,
ou a tartaruga salgada e ainda viva , para a transporta*
rem ás suas Colónias da America com o gado: oslngíezes,
os Hollandezes \ os Dinamarquezes , e os Hespanhoes ali
deixavâo o seu dinheiro , e alguns efeitos para se prove-
rem de todo o preciso ás suas longas viagens de huma e
outra índia.
§. XXXIV.
A pannaria , o algodão, a pellamc, o gado, as bes-
tas , a tartaruga, o milho, o sangue de Drago, o tabaco,
o âmbar , a urzella, e finalmente os diversos e abundan-
tes frutos do paiz , fjzião outros tantos objectos do seu
commercio activo, e outros tantos canaes da sua riqueza ,
sem
EcbKOMicA.s. 187
sem mencionarmos o sal , cuja exportação sempre foi im-
porrantissima. A ui;sella , e a pannaria não tardarão muito
que se não fizessem privativas , efta ao Commercio Nacio-
nal, e aquella (com o âmbar, o sangue de Drago, e a tar«
taruga) á Coroa.
§. XXXV.
A exportação da algodão veio a ser tão extraordinária ,
que se fez sensível e prejudicial á manufactura dos pan«
nos , e por isso foi efte género defendido aos Eftrangeiros
com pena capital , pelo Alvará de 28 de Outubro de i:'2i ;
sendo ao mesmo tempo , por elle mesmo y authorizada a
liberdade de todo o mais Commercio com elles.
§. XXXVI.
Era grande a quantidade das pelles de cabra , quesa-
Iiia de todas as Ilhas em geral; pois confta por antigos as-
sentos daquellas Feitorias , serem exportadas em hum só an-
no da Ilha do Maio cinco mil , e da Ilha de S. Nicolio , úni-
ca mente das pertencentes aos rendimentos Reaes , três mil
seiscentas e cincoenta pelles ; e á proporão se pode daqui
calcular o total extrahido, ou fossem rendidas pelos habi-
tantes , ou das pertencentes aos rendimentos de seusDonsh
tarios.
§. XXXVII.
Não era menor o número de gado que sahia an-
nualmente, ou fossOi em natureza de refrescos, ou em car-
regações, vivos , ou salgados para diiFerenfes partes: vo*
rcm efta liberdade deo occasiao a se aproveitarem os Es-
trangeiros do nosso descuido , para povoarem as suas Co^
lonias com as nossas vaccas , egoas , jumencas , cabras,
ovelhas , e mai^ espécies de animaes domefticos ; qtie vin-
do ali a reproduzírem-se com vantagem , como se vè em
Cayene e Guiana , íizerâo quasi extinguir aqoelle impor-
rance ramo do Commercio positivo daquellas Ilhas.
Aa ii- XXXVIIL
^^ >^ ..^- ^iiy, .^r^.
i88 Memobias'
§. XXXVIII.
O milho,* e o feijão não fazião em cada huma daquel-
las Ilhas pequeno objecto de interesse , na annual exporta-
ção para as Canárias , Madeira &c. , pois confia , pelas en-
tradas das Alfandegas , virem ali positivamente cjrregar os
Hespanhoes , os Francezes , e os mesmos nossos Portugue-
zes dos Adores , e Madeira.
§. XXXIX.
O sal ( eílâ inesgotável fonte da principal riqueza da-
quellas ilhas , ainda que actualmente o hão pareça ) foi pa-
ra as do Maio, Boavifta , cSal (então povoada) o primei-
ro objecto de hum activo Commercio , na annual exportação
de milhares de moios, que dali fazião particularmente. os
Inglezes , e Francezcs para a America.
§. XL.
A ursella em fim , ainda que pri\rativa , não deixava
cora tudo de concorrer para o augmento delias , pelo ca-
bedal que no seu apanho se fazia circular nas primeiras ad-
miniílrações defte Contrato , antes que se entrasse a per-
der a reputação que tinha efte importante género na Hol-
landa, e na Inglaterra.
XLL
Ainda que a commutação neíle Commercio fosse nos
primeiros tempos em dinheiro effectivo , veio com tudo pou-
co a pouco a rcduzlr-se , pelo caracter dominante daquelles
Povos , a troco de quinquilharias , e fatos velhos ; cujo vil-
lissimo e perniciosíssimo uso, irrisório aos mesmos Eílran-
geiros , que deíla falta se aproveitao para os seus interes-
sas , veio a arrcigar-se de tal sorte , que já mais se extin-
guirá j sendo hoje por isso, em qualquer d-.quellas Ilhas , hu-
ma
Erc o H O M I c £ s. r8^
xna casaca , hum colete e calçam velhos, hum chapéo
roto , huma camisa arremendada , &c. a melhor moeda
porque tudo se obtém , muitas vezes com preferencia ao
dinheiro*
§. XLII.
Nâo era menor o abuso então introduzido no valor
numérico das diíFerentes moedas que circula vão , e ainda
hoje circulão naquelle paiz , ou fossem nacionaes , ou es-
trangeiras ; porque em humas Ilhas corriâo humas e ou-
tras pelo peso , não sendo ellas sarrilhadas ; e em outras
pesava-se qualquer moeda só de pcr-^i ainda que fosse
maior o pagamento , quando em outras porém se pesava
toda a importância do pagamento em hum só peso de mui-
tas moedas juntas ; e finalmente cm humas Ilhas valia , por
exemplo , o real de prata Hespanhol dous vintéis , e em ou-
tras, quatro; resultando de tanta variedade e confusão mil
inconvenientes e prejuisos, não só aoCommercio positivo ,
como também ás contas das Feitorias Reaes : eftas desordens
fizerão sem duvida produzir as multiplicadas, e Reaes Pro-
videncias , que sobre efte ponto se derão , sendo entre ellas as
dos Alvarás de 2Z de Março de 1711 , e de23 de Janeiro de
1712 } as quaes nâo fbrão ainda baftantes para se defterrar
todo o dolo, e fraude.
§. XLIII.
Também havia não pequena confusão em outra espé-
cie de comutação mercantil : representavão por patacas as
varas de qualquer sorte de fazendas ; e pela sua reducção
em quartos, e oitavos da> sobreditas patacas se fazia tam-
bém a conta das vendas. Não sendo eda eílimação regular
em todas as Ilhas , (reputa ndo-se em humas a oitocentos réis ,
e em outras a setecentos e cincoenta rs.) na reducção a dinhei-
ro corrente , era grande a difFerença que se encontrava , por-
que em humas Ilhas se reduzia a duzentos rs , quando em outras
a trezentos setenta ecinco, e a quatrocentos ; sendo porcAa
primeira computarão o actual pagamento da ursella na Ilha
de Santo Antão. XLIV.
t^O M E M o K I A 8
§. XLIV.
Nefta desordem , veio o Commercio positivo á hzcrst
de todo precário , reduzindo-se a actual exportação , a pou-
ca pannarla, e alguma a^aardente para Guiné; à pequena
porção de milhos para a Madeira , e GiDarias ; algumas pei-
xes e couros para a America, com o sal; e i urseUa como
Contracto ainda Real , e a algum refresco de frutos , e ani*
mães que levâo os eíírangeiros que ali relaxáo.
^ XLV.
O algodão não lie hoje muito, nem tem preço regular;
corre ordinariamente pelas Ilhas adjacentes de mil reis até
mil e duzentos por arroba em rama, quando na Capital
he reputado a mil e quinhentos até dons mil rs. : eíla arroba,
depois de descaroçada , se reduz a oito libras , as quaes de
diaario produzem em tecido quatro pannos , cujo vâlor he
SSrme o seu tralyalho, como disse. Os chamados ordina^
^irculáo a mil réis^ com preferencia aos obrados na
do Fogo , e Santo Antão ; os de Biso , ou de vestir y ou
=-^^A^2 ( sendo os mais eftimados os do Fogo) cuftáo quan-
1^^ sao sem rjtroz de dous até três mil rSs ; e com elle;
Valem segundo o seu trabalho, de quatro, até vinte mil réis,
os denominados de agulha ( entre os quaes tem preferen-
cia os de Santo Antáo) cuftáo a dous mil réis , e os da Capi-
tal dous mil e quatrocentos ; os de Lista fora , sendo sin-
gelos , correm a dous mil réis , com retroz porém a seis j
os de Bixo certado pagão-se a douS mil réis ; e os de Fio
de la a quatro mil réis ; os Galans da Ilha do Fogo , sendo
com renda , a mil e quinhentos réis, esem ella a mil réis;
os Pretos , segundo a sua mão de obra , cuftáo de dous até
seis mil réis com preferencia aos do Fogo ; os Bocas bran^
cas defta Ilha, onde sao mais bem trabalhados, circulão
sendo sem retroz , a dous e a três mil réis, ecom elle de
seis até doze mil réis ; as colchas também variâo de cufio ^
sendo as mais ordinárias de oito mil réis, e as mais sobí*
das de vinte até vinte e cinco ; as meias finalmente , de
mil e quinhentos a três mil réis pelo par : eftas sao as sor-
tes de pannos de mais consumo entre os nossos^ commer-
ciantes das praças de Guiné , sendo no Gentio de maior
consumo 03 prdinarhs , os de agulha , os de listra fera ,
e oxos simplices , e bem trabalhados ; e geralmente huns por
outros dão de interesse oitenta por cento , sendo bons.
§. XLVI.
 exportação actual dos pannos , chega hoje a ser ,
hum anuo por outro , de quatro até cinco mil, a pesar do
cootiouado trasvio que delles se faz pelos Ingkz es , conhe^
eidos ali com o nome de Cofteiros , que navegío e com- i^0-rÍ^j*w
xnercilo naquella cofta, para ejctrahirem a Escravatura í.a.''!'^—^^^^:^^
oêra, o marfim, eopáo campeche, para cujo trafico fí^i^^^^^Jr^
cisão daquelles pannos: a agoárdente que sane da Capitótilf]^^***^^^^
para Guiné , chega a mil fasqueiras , pelo cufto de quabx^v^C^i^ií'^
mil e oitocentos réis, sendo odaquellas praças de doze ffiil^íti^iiui^?^^
reis por frasqueira. , , ^*^*ÍÇ ^
§. XLVII.
A exportação do milho, que hoje unicamente se faz
das Ilhas do Fogo , Brava , e S. Nicoláo , pelo preço de
duzentos e quarenta até quatrocentos réis por alqueire, che-
ga á de oitocentos moios , com vantagem de oitenta por
cento para o comprador no augménto da medida , sendo a
maior entre ellas a de S. Nicoláo ; a das pelles sobe , hum
anno por outro , de duas a três mil , pelo valor corfente de
cem réis; e a dos couros, ainda que hoje mui diminuta,
deita a mil e quinhentos , tendo sido nos annos de 1792 ,
e 1793 ^^ ^'^^^ P^*"^ trinta rail ( pda grande mortandade
que entáo houve de gados) e todos levados pelos America- -
nos , pcdo preço de setecentos e dncoenta réis , huns por
<iiitro8.
. §. XLVIil,
i^z Memokias*^
^ §. XLVIII.
 ettrácçao das cabras , no annual refresco dos Eílran*
geiros, chega cm todas as Ilhas a quatro para cinco mil
cabeças , no valor cada huma de trezentos réis até setecen«>
tos e cincoenta ; sendo porém a dos bois hoje bem dimi-
nuta y pois coníla sahirem apenas da Capital , ha seis an-
nos a cita parte duzentas para trezentas cabeças, pelo pre-
ço de doze até dezoito patacas ( nove mil a treze mil e
quinhentos réis. ) , sendo o corrente do paiz de dous até
três mil réis \ a dos cavallos , e asnos ten^ sido ainda ' mui«
to mais diminuta ; e os que sahem , coftuma ser pelo pre-
Í3 de dez , e doze patacas aquelles, quando no paiz cus-
áo a seis, a oito, e a quinze mil nèis, e os asnos que
se vendem a três mil réis embarcâo a. quatro , e a seis
mil reis : dos m.iis animaes com tudo ainda he grande a
exportação , pagando os Eflrangeiros pelos porcos quatro
ate oito patacas; e pelos leitões de huma até duas; sendo
o ordinário preço entre osNnturaes, deftes de duzentos até
quatrocentos réis, e daquelles de dous até três mil réis: as
gallinhas , que noPaiz cuíláo a três vinténs até hu n tos-
tão por cabeça , são levadas por elles a duas patacas (mil e "
quinhentos réis.) por dúzia, e os periis a pataca, quando na
terra cuftão commummente os machos a quatrocencentos rs.,
e as fêmeas, a duzentos e a duzentos e quarenta réis: a fru-
ta finalmente he muita , e barata , não passando o milheiro
da mais bella laranja de mil e duzentos réis, e i propor-
ção o mais refresco.
§. XLVIII.
Na exportação do sal em fim he em que ainda hoje
^onsifte algum Commercio de consequência , a pesar de já
não ser tão grande e tão vantajoso , ou seja pela desco-
berta de outras salinas nas Ilhas de Oeft , ou porque , pelo
pouco zelo dos habitantes principalmente da Ilha de Boa-
viíta y se tem deftruido aquellas salinas com as innundaçòes
das
\
ECOIVOMICAS. 793
das arêas , e por isso , e por mal trabalhado o seu sal , nem
o seu preço he regular , nem a concorrência frequente , diri-
gindo-se quasi todas as embarcações á do Maio : com tudo
sempre se computa a actual sahida. daquella Ilha até mil e
quinhentos moios, que vendidos pelo ultimo preço eftabe-
lecido de mil e oitocentos reis , dá o annual rendimento
de dous contos e setecentos mil réis a seus habitantes ; e do
Maio , para cima de dous mil moios , pelo preço cor ente
de três mil réis ; cujo anual interesse de seis contos de réis,
seria bem capaz de conftituir a subsiftencia de duzentos e
tantos indivíduos, que de tantos he povoada efta Ilha , com
o mais interesse das suas cabras , pelles , &c. a não ser a
sua principal commutaçâo em fatos velhos , agoardente , c
quinquilherias , assaz bem reputadas pelos mesmos Eftran-
geiros.
§. XLIX.
Seria agora occasiâo de tratar das causas principaes
da decadência do Commercio neftas Ilhas ; porém eHa in-
dagação levar-me-hia a escrever hum extenso tratado, e a
falTar de matérias , que não são próprias defta Academia.
Ha todos os fundamentos para esperar que o Governo , que
já remediou alguns dos abusos , que se tinhão introduzido
na adminiftraçao , os extirpe absolutamente ; e logo eftes
Insulares tornaráò á sua antiga prosperidade, € abençoaráò
a mão benéfica , que soube arrancallos da indigência.
Tom. V. Bb MEr
194 M E M o K I A S
MEMORIA HISTÓRICA
Sobre a Agricultura Portugueza considerada desde e tem--
po dos Romanos até ao presente.
Por José' Veríssimo Alvares da Silva.
1782.
o
CAPITULO L
Da Agricultura Portugueza em geraL
§. I.
Soberano Author da Natureza conftituio o homem de
tal sorte, que para a sua conservação inteiramente eftá de-
pendente da Terra , de que o fez habitador. A arte de
tirar do seio delia pelo meio do trabalho as diver>as pro-
ducçóes, que o suftentão , se chama Agricuhura. (i)"Tão
antiga como o mesmo Mundo , occupou ella sempre o pri-
meiro lugar entre todos os Povos , que forão atrentos á voz
da razão. A Escritura Sagrada nos indica em mil lugares ,
que a Agricultura era a occupação ordinária dos Reis , e
Príncipes de Israel. Os Reis da Pérsia , poítoque cercados
de luxo, e prazeres, cultivavâo aterra com as suas próprias
mãos. CO ^omz tirou da charrua Generaes , e Dictadores:
taes forão Scipião Africano , e Quincio Cincinato. (3) As Tri-
bus do campo he que logravão as maiores eftimaçóes. Con-
ftan-
^ (1) A palavra Agricultura se toma aqui em hum sentido mais cftri-
cto : no sentido mais genérico he a Arte de procurar as matérias pe<-
lo meio do trabalho. ( Elem. do Com. P. I.^ C. 3. )
(2) Xent.f. Vida de Cyro , c Pliii. Hift. N. U 18. C. l.
(j5 Senec.Epift. S7/
Económicas. 19^
ftantino o Grande prohibio , que o credor por dividas eiveis
penhorasse os escravos , os bois , e os inílrumentos da la-
voura : mandou que os lavradores fossem isentos de dar ca-
vallos de pofta , e carros para a bl)gagem.
§. ir.
Os Povos do Norte, invadindo o Império Romano,
fizerão perder á Lavoura as devidas honras , que a razão
lhe dava. Habitadores de paizes cobertos de bosques e
gclo^ ignorando a arte de cultivar; servindo-lhes a caça
e a pesca de suftento , assim como a todos os Povos bár-
baros 'y ainda depois de entrarem nas terras cultivadas fica-
rão desdenhando o trabalho, e honrando o ócio. Daqui
vem , que nos nossos dias se tem por oíficio nobre a€ fa-
digas da caça , mas por cousa baixa pegar no arado para
da terra tirar o quotidiano suftento. Não era assim nos
tempos de D. Diniz , nos quaes se fez Lei , para que o Fi-
l;iod'aIgo não perdesse o Foro (i) se lavrasse a sua terra.
Sc compararmos os nossos Europeos com os Chinas, ecom
a maior parte dos Povos , que por mais de quatro mil ân-
uos habitarão a Ásia , e as outras partes do Mundo conhe-
cidas , acha-los-hemos bem differentes. O Imperador todos
os annos com solemne apparato faz a entrada da Lavoura ,
e depois de ser informado , de qual foi o Lavrador, qiie
naquelle anno se diftinguio mais na sua profissão , o raz
Mandarim da oitava ordem. (2) Se o trabalho for despre-
zo , e o viver no ócio produzir nobreza j a que Povos náo
chamará a lazão bárbaros?
§. in.
Os progressos ou decadência , que efta arte a mais
útil aos homens tem feito em Portugal j as causas que a
Bbji _fi^
CO Inquirição tirada no tempo de D. Diniz, Brandão App. á P. V,
Escript. 2j.
C^) Du Haide Hift. da China Tom. IL p3g- 72.
ipé Memokias
fízerão engrandecer, e arruinar; os principies que afizerâo
florescer, ou deílruir; as Leis que a favorecerão , ou lhe
reprimirão o augmenro são a utilissima matéria y que nos
propomos tratar. As Republicas , os Impérios , o Género
riumano não tem íysicamente faltando cousa mais neces-
sária. Os erros , em que os homens cahem , muitas vezes
lhes são proveitosos: ornai huma vez conhecido, pôde ser
evitado. À Hiftoria he meftra da vida , e luz da verdade.
E se a que trata das sedições , guerras , e intrigas dos Im-
périos leva a nossa attenção , qual devemos dar áquella y
qufír fQrma a base necessária de coda a Sociedade polida ?
§. IV.
Para procedermos com methodo , consideraremos a
Agricultura no tempo dos Romanos ; diremos qual ella
fosse quando os Godos os expulsarão j e o modo com
que se conservou no tempo dos Mouros: o qiie fará três
épocas diíFerentes da Agricultura Portugwza , ames que a
Monarchia fosse conftituida. Desde o principio defta até
ao Reinado de D. Diniz contaremos a quarta época ; a quin-
ta desde o governo defte Rei aré ao ae D. Manoel ; a sex-
ta desde o Reinado de D. Manoel até ao do Sr. D.José I. ;
a sétima desde eíle Reinado até ao presente.
Suílentando milhóes de homens em tempo dos Roma-
nos^ diminuída pelo desdouro, que os Godos davão ao tra-
balho, reduzida á mais trifte situação no tempo dos Mou-
ros pelas continuas guerras , que eftes tinhao com os Chri-
ftãos, e entre si ^ com a conílituiçâo da Monarchia a Agri-
cultura começa a ter huma melhor face ; D. Diniz a faz
brilhar em seu Reinado , cujo esplendor conserva até os
tempos de D, Manoel. Mil funeítas causas esgotando o
Erário , e rendas públicas , e crescendo de reinado em rei-
nado a levão á mais trifte situação: livre já de alguns ma-
les se moftra dci?de o Reinado do Sr. D. José. À exaltação
ou abatimento da Agriculcura segue a vicissitude dos liri-
Económicas. 197
perles : eftá ella tio eftreitamente unida ao bem público ,
que os passos deite são os mesmos que os daquella.
§. V.
A extensão, que os nossos Escriptores fazem de Portu-
gal, he cem legoas, contando desde a Villa de Sagres no
Algarve da parte do Meio dia , até a de Valença da par-
te do Norte; ede largura no maior gráo, contando da par-
te do Nascente da Villa de Salvaterra , até ao Poente na
Villa de Peniche trinta e cinco legoas. Efta parte da terra
eftá situada desde 37 até 41 gráos de latitude, produz mui-
tos géneros , que a Natureza negou às Nações do Norte.
Taes são o azeite , as laranjas , os vinhos , os figos ; e da-
qui se vê o gráo de cultura , que podia ter o nosso paiz^
e as riquezas reaes , que poderia ter alcançado , se a illusâo
nâo buscasse antes os seus interesses que os do público.
A situação dos nossos portos he maravilhosa, porque
ainda na concorrência das outras Naçôès , nós temos o me-
lhor lugar. Lisboa , e Conftantinopla he commúmente as-
sentado, que são os melhores portos do Mundo. A maior
pane dos Geógrafos Eftrangeiros quando descrevem Portu-
gal o representão como a mais bella porção da terra. Seu
clima he temperado , cheio de rios e fontes , os montes sim
muitos , porém férteis ; he abundante em muitas minas de
eftanho , de ferro , de chumbo , cryftal de rocha , de esme-
raldas , dejacinthos, de veas de mármore branco, de jas-
pe , de ouro , e de prata. Os Romanos , diz o Benedicti-
no Vòisset (i), vinnâo antigamente aqui buscar eftes pre-
ciosos metaes , que os Portuguezes agora achão com mais
facilidade nas índias , e na Africa. Ainda quando a Agri-
cultura Portugueza caminhava á maior decadência , appare-
cião em nossas terras os maiores sig^naes de fertilidade. No
Reinado de FilippelII. a pequena Província de Entre Dou-
ro e Minho apascentava quatrocentas mil cabejas de ga-
^ do
O) G«ograph. Hift. T. $.
198 Memobiàs
do; (i) esó de Évora, em poucos dias, tirarão os Eftran«
geiros nove mil arrobas de lâ. (2).
§. VL
Os Portuguezes não tendo a aturada actividade das
Nações do Norte , nem a demasiada frouxidão das do Meio-
dia , o clima os gera aptos para tentarem grandes cousas.
A resiftencia , que elles fizerâo por muitos annos ás armas
Romanas victoriosas por todo o Mundo , a expulsão dos
Mouros , e a inquietação deftes mesmos na Africa , e o des-
cobrimento da índia , tudo moftra que o ócio , e frouxi-
dão , em que o Reino se sepultou , nao teve nascimento do
genío da Nação. A educação pública , os coftumes , e opi-
niões que delia nascem ; o desconhecimento dos verdadeiros
interesses do Eftado he que os lançou em tamanho mal. Na
Europa por hum alto beneficio da Providencia tem a sabe-
or^ dos Gabinetes illuminados feito hum syíleira deGo-
'Ú> 7 que impede aquelles séculos de sangue, que a His-
Í5 nos presenta com horror. Porém efte syftema he de
OBorte , que hum Eftado não pôde augmentar-se sem di«
ifi&ir o outro.
CAPITULO II.
Da Agricultura Portugueza no tempo dos 'Romanos.
R
§. I.
.Avendo de tratar das diversas vicissitudes , que tem
tido no nosso paiz as producçóes da terra , que suftentão o
homem , como raras vezes os Hilloriadores derão delias hu-
ma narração especifica , só conheceremos o seu augmento
ou diminuição , pelo augmento ou diminuição dos homens^
ç dos animaes , que se suftentão das terras cultas. ^
Como
a
CO Paria , Epitom. P. V. C. 8.
CO Severim de Faria ^ Notic. de PorC. Discurso I. $. 4.
Económicas. 199
a liuns e a outros a Agricultura dá de que se manter , por
aqui se fará conhecer a sua decadência ou melhoramento.
Principiemos pelos Romanos , tempo em que os monumen-
tos hiftoricos começão a ser mais frequentes : faz-se huma
bella comparação ^ quando se ajunta o presente ao passa-
do.
§,11.
Os Romanos chamavSo Lusitânia ao que hoje se cha-
ma Portugal; porém com limites muito mais eftreitos. Se-
gundo a descripção de Ptolomeo Geógrafo do tempo de
Augufto, tudo o que chamamos Provincia do Alemtéjo , e
Reino do Algarve pertencia á Betica ; Entre- Douro e Mi-
nho , e Trás os Montes i Tarraconense ; porém a Lusitâ-
nia entrava por parte do Reino de Leão , e Caftella Velha :•
suppofta efta divisão a Lusitânia continha menos extensão,
do que hoje tem Portugal. Efte mesmo Geógrafo fallando
da Lusitânia diz: Regia felix est ^ et amntbus magnis t^t^
parvts irrigua. E fallando do Rio Guadiana diz : P(/ti
ejus y ac pastu ingenita natura vi adeo grandescere M'M^Sf:W"^^^4i
cudes y ut Annanis armentis ^ ac bíbus prima ex mag^ih^^^S^^^^^
tudine palma in Hispânia tribuatur. Aiheneo, que vivia '^*cr'fí*
no segundo século da Igreja (L. 8. Dipnosoph.) fallando da
Lusitânia diz: Ibi ob optimam aeris temperiím animalia
sunt foecunda y atque homines ^ mque unqvam jructus de--
sunt in ta regione ; ros<e enim , albaque vioU , aspara'-
gi , resque hujusmodi non de sunt per maius temporis jpa^
tium^ quam trium mensium. Deíla fecundidade , e ferti-
lidade do clima procedeo a fabula de Varrão , propagada
ao depois por muitos Authores , que referem que as egoas
na serra de Montejunto conccbiâo do vento. Jn f atura y
inquit , res incredibilis in Hispânia , sed est vera , quod
in Lusitânia adOceanum in ea regione ubi est oppidum
Olissipo , monte Tagro , quadam e vento certo tempore con-
cip unt equa. A fertilidade <los campos de Valada era tao
celebrada , que se dizia que em quarenta dias produzia o
trigo 3 e se recolhia. Ab urbe Lixbona adurbcrnSatítarin
oricn-*
20O Memokias
orientem versus habentur LXXX. M. P. itinerefiuviali ,
licet volenti pateat quoque alia via terrestris. Duabus
pradictis urbibus campus interjacet ^ Balata diclus ^ in
quo frumentum , ut a Lixbona incolis ^ tt píer isque popa-
lis Algarbi fertur , quadragésimo abjactis seminibus coU
Jigitur die , et quidtm mensura centuplicata, O Chroniita
Brandão , que refere (i) efta authoridade de hum Árabe ,
diz y que naquelles tempos não devia eftar o campo de Va*
lada tão oíFendido das arêas do Tejo , não obítante as quaes
lie ainda hum dos férteis da Europa.
§. III.
O grande número de homens , que no tempo dos Ro-
manos o nosso paiz suftentava , se deixa facilmente vêr pe-
las frequentes batalhas , que o Povo Romano teve com o%
Portuguezes. Livio L. 39. §.21. descrevendo a batalha , que
os Portuguezes tiverão com os Romanos capitaniados pelo
Pretor Caio Atinio , diz que dos Portuguezes fbrão mortos
seis mil , o que succedeo no anno da fundação de Roma
jjó. O mesmo Hiftoriador referindo a guerra, que os nos-
sos tiverão com Publio Corn. Scipião ( L. 35r. pr.) diz , que
os Portuguezes ao principio lançarão a perturbação no cam-
po dos Romanos , e que em fim ficando vencidos , doze
mil forão mortos, e cativos quinhentos e quarenta; omnes
jerme equites ; e que o exercito fora rico da preza. Efta
grande perda de treze mil homens succedida nosannos da
bindação da Roma de 5*5:9 não diminuio de tal sorte as
forças de Portugal , que dahi a três annos não alcançassem
liuma completa victoria de huma Nação vencedora por to-
do o Mundo. Fallando do triunfo decretado a Acilio do
Rei Antiocho diz ( Liv. 37. §. 46. ) o mesmo Hiftoriador :
Hujus triumphi minuit latitianf, nuptius ex Hispânia
tristis adversa pugna inFastetanis ductu Lucii JEmilii
Proconsulis , apua oppidum Lyconem cum Lusitanis , sex
millia de exerci tu Romanorum cecidisse : ceteros paventes
(O L. 16. Cap. j6.
ECOKOMICAS. 201
intra vallum compulses iCgre castra defendisse ^ et âduo-
dumfugkntium magnts itin^ribus in agrun pacationr:»
duetos. No anno seguinte a efte de 562 perdêno os Portu-
guezes , segundo o teltemunho do mesmo Livio ( L. 37.,
§. $7. ) vinte e hum mil e trezentos homens ; dezoito mií
mortos, e três mil , e trezentos captivos: no de 568 foi
decretado triunfo a C Calpurnio vencedor dos Portuguezes ,
e Celtiberos: (L. 39.§. 4i,) e no de 574. a Lúcio Poftu*
mio / o qual diz que matara trinta e cinco mil Portugue-
zes e Bracarenses* ( L. 41. §. 7. )
§. IV.
Do que fica dito se vê , que no espaço de dezoito an-
nos ( segundo a chronologia , que Crevier dá a Livio 9 a
qual seguimos) que tantos são os que correm desde o an-
ilo de fyó 5 até o de 574 da fundação de Roma , perdê-
xão os Portuguezes setenta e cinco mil homens , não contan-
do os que havião de morrer quando elles ficarão victorio-
€0s , e os que se não sabe quando elles forâo vencidos por
Calpurnio : perda que deixaria hoje arruinada hama opulen-
ta Nação da Europa. A pezar de huma perca de homens
tão grande , quasi pelos annos de 60D da fVindação de Ro-
ma, como refere Júlio Obsequente , padecerão os Roma nos-
•varias vexações feitas pelos Portuguezes, O Pretor Sérgio
Galba de tal sorte foi vencido pelos nossos, que só a per-
£dia foi baftante para delles tirar melhor partido. Segun-
do teftefica Valério Máximo ( L. 9. ) convocado o Povo de
três Cidades Portuguezas , fingindo que queria com ellas
tratar algum negocio, que lhes era interessante, apanhan-
do-os desapercebidos matou nove mil , havendo Hiftoria-
dor Romano , que em lugar de três mil lê trinta mil. Hu-
ma acção tão denegrida , vituperada pelos mesmos Roma-
nos , accusada por Catão , como teftefica Cicero , fez que
Viriato pelos annos de 607 excitasse os Portuguezes con-
tra os Romanos, e que por espaço de quatorze anncs fos-
se o terror de Roma , atéque o dinheiro de Scipião ar-
Tom. V. Cf mou
102 Memorias'
mou as mãos dos seus próprios Cidadãos para lhe tlrareul
a vida.
Orosio fallando dos Bracharenses , povo que hoje eftá nos
limites de Portugal (L. 5*. c. y.) diz : que Junio Bruto matara
cincoenta mil , e captivára seis mil , o que vem a cahir pelos
ànnos de Roma de 617. Com tão grandes perdas vê-se,que
a Lu?itania não ficava submetida aos Romanos , e que es-
tes domadores do Universo forão vencidos pelos Portugue-
zes no anno de 649, como escre ve Júlio Obsequcnte , o úni-
co Escritor Romano , que nos transmittio tal facto. Na
guerra Celtiberica só Evora^ forneceo ao Exercito de Sertó-
rio huma (i) cohorte, como indica ainscripção, que refe-
re Diogo Mendes de Vasconcellos , (2) achada em Évora.
§. V.
Á divisão da Lusitânia em duas partes, huma reten-
do o nome de Lusitânia propriamente , outra de Vetonia ,
feita em tempo de Augufto ; os caminhos , e eftradas mili-
tares , das quaes Antonino conta sete na Lusitânia ; os se-
pulchros, InscripçÕes , columnas , e medalhas Romanas,
que se tem achado em Portugal , faz crer , que os Portii-
guezes passarão aos coftumes dos vencedores , e que pros-
perava a povoação. Júlio Pacense diz , que na descripçao
do Império Romano , que Augufto mandou fazer, se acha-
rão na Lusitânia cinco milhões y ressenta e oito mil pais
de famílias , ( Rodrigo Mendes da Silva , Poblacion Gene-
ral de Hespanha , f iy8) nefte mesmo tempo , que Tito Lí-
vio , Plutarcho, eEftrabao se queixavão da falta de povoa-
ção, que havia em muitas partes do Império Romano.
§. VL
Efta multidão de povo , olhando para o eftado pre-
„___^ ^^^^
(1) A cohorte era de quatroctrrtos c vinte homens. Neuport , de Ki-
tib. Roín. Sect. 5. C. a. §. 1,
(a) Pe £ll>or. Município §• 2^.
r
Económicas. 203
sente da nossa Lavoura , nos parece Incrível ; assim como a
respeito da Hespanha pareceo ao Âddiccionador deLivio,
o qual referindo a autho idade dePóIybio faltando deGrac-
clio, diz: TotamCeltiberorum ge'i^em perdomuit'y c^^/Jrse
eum , et evertisse tercefstas ex illis urbes , quamquam
Polyhius gravis in primis Auctor memorat , tamen
pro certo affirmare non ausim. Nisi urbium nomine
turres , et Castella intelligenàa sint . . . nam Hispânia
quidem árido , et inculto solo magnam urbium multitu^
dinem alere non potest. Assim julgão os homens as mais
das vezes o passado pelo presente ; e discorrendo pelo c^ue
tem diante aos olhos julgão que sempre o mundo Politico
foi do mesmo modo , e que só o Moral caminha cada vez
a peor. Se julgassem pelo contrario , talvez atinariâo.
Á fertilidade da Paleftlna he celebrada muitas vezes
na Hiftoria Sagrada. Sâo memoráveis os fructos , que de lá
trouxerâo os explondores , que Josué alli mandou ; a mul-
tidão de pão, que os Israelitas exportavão a Tyro, as vi-
nhatarias das montanhas de Juda, e Efraim. Só de tropas
no' tempo de David entretinha efte Reino quinhentos mil
homens ; (r) e na resenha que elle fez , a qual lhe trouxe
a ira de Deos , achou quatrocentos e setenta mil comba-
tentes. (2) Toda efta terra , que não passa de noventa le-
goas , hoje no poder dos Turcos, he hum paiz quasl de-
serto , no qual se não vem senão grandes matas , e pobres
aldeãs. As delicias de Capua , que perderão o exercito de
Annibal, são hoje terras de pouca consideração. Roma no
primeiro censo , que celebrou no tempo de Sérvio Tullio ,
achou oitenta mil homens c pazes de pegar em armas;
com tudo elles para se suílentarem não tmhão mais que as
terras visinhas a Roma , que apenas cliegavão a dez le-
goas. (3)
Todos eftes exemplos moftrão, que não lie incrivel,
Ce ii que_
CO II- Reg- M. 9*
CÕ I* Piíralip. ai. $.
Ci5 T^^^'^t 2* Annal. C. 34.
iC4 Memoklas
que as terras , que agora nos parecem eftereis , e nas quae^
não vemos pela maior parte senão matos , suftentassem
muitos milhões de homens , de que fazem menção as an-
tigas Hiftorías. Mas a nossa admiração cessará , quando
considerarmos os Israelitas , os antigos Romanos , Hespa-
nhoes , e Portuguezes , grandes c pequenos ocaipados in-
teiramente em cultivar a terra. O trabalho os fortalecia , e
criava homens vigorosos , (i) e as terras cultivadas pelas
mãos dos próprios donos lhe gratiíicavão melhor o traba-
lho. Por efte caminho a China contém hoje maior numero
de pvovoaç6es que a Europa inteira. Huma multidão , que
parece incrível he a que a lavoura suftentava no tempo aos
Romanos , no paiz c
da por tantas mãos 1
3ue hoje habitamos. A terra trabalha-
ibe pagava a cultura, dando-lhe o sus-
tento conveniente ; e fazendo o eftado da Agricultura flo-
recente. Passemos a consideralla no tempo dos Godos , e
Mouros,
CAPITULO III.
Da Agricultura Portugueza no tempo dos Godos j e
Mouros^
H
§. I.
Uma multidão de bárbaros , que conhecia pouco
os interesses da Lavoura ( como acontece a todos os povos
ignorantes) cahindo sobre o Meio dia, eOccidente da Eu-
ropa extingue toda a cultura , que reftava do tempo dos
Romanos. A noite da ignorância lança por toda a parte
trevas ; as Sciencias , e as Artes fogem ; correm rios de
sangue I.umano; e segundo o seu coftume o furor da guçr-
ra se accende entre eííes bárbaros vencedores.
Qiiando es guerras contínuas tirão os braços dos ho-
mens ao Eftado i quando as mão?, que pegão no arado,
sío tidas cm desdouro; quando as leis, em lugar deexci-
rai
CO V. AU. Tissoc I Maiad des Cens. de Ictr.
EcOVOinLICAS. 2CJ
tar com premio, opprimem a Lavoura , a falta defta precio-
sa Arte caíliga os homens trazendo-lhes a fome, [roduzindo
a despovoação , e com ella todos os males do público. Taes
são os males , que a Lavoura soíFre no curso defta época ;
efta Arte a mais connexa com o Governo público , e com
a sabedoria , ou ignorância , que reina no paiz. Para en-
trarmos no conhecimento do eftado , em que a Agricultu-
ra se achava por eftes tempos , examinaremos a primitiva
conftituiçâo deftes povos , as leis e coflumcs que tiverâo.
Os homens, aindaque mudem de clima , nao mudâo de
opiniões com facilicade.
§. IL
Os Alanos , os Suevos , e os Godos que antigamente
habitárao o paiz , que hoje nos ^uftenta , erâo originários
da Sarmacia hoje Rússia , da Scandinavia hoje Dinamar«
ca , e Suécia , Àc. Os Romanos comprehendiâo todos es->
tes povos com o iiome de Germani : assim como na ida-
de media forão denotados com o nome genérico de Godos.
César descrevendo os coftumes deftes povos {de beL GaL
L, 6. C. 4. ) diz : Agriculturée non student ; majorque pars
Dietas eorum lacte , et caseo , et carne cotisistit : ne-
que quisquam agri modum certunt , aut fines próprios
iabet , sed magistratus , ac princifts in annos singa^
los , gentibus cognationibusque bomtnum , qui una coit-
runt j quantum et quo loco visum est , attribuunt agri ,
atque anno post alio transire cogunt. Ejus rei wul"
tas afferunt causas-, ne assidue con\uetvdine capti stu^
dium belli gerendi agricultura conimutent. . . Civ/tatibus
máxima iaus quam latíssimas circum se vastatis fini'-
bus (i) solitudines babere. Tal era a conftituiçâo pri-
mitiva deftes povos. Guerreiros por natureza a Agricultura
lhes causava aborrecimento. No quarto Século da Igreja se
sublevarão contra o Imperador Valente, porque efte lhes ti-
nha
■ 1 ■ ■
CO ^aqui teve origem o MfnfaHígo ^ de c^uc se falia em muito» Fp*
raes do primeíio tempo daMonaichi^, c os uii^pos | que fiwáiÀu ao
depois pertencendo aos Concelhos*
7;q6 Memòíiàí
nha assigaaio terras para fazerem lavoura. Cora o féttò
na mio occiípárâo elies toda a Europa. Os coftumes , a Ín-
dole , o génio , evas leis dos vencedores receberão dos ven-
cidos alguma modificação ; porém o tom dominante foi o
da nação victoriosa.
§. III.
Como eftes povos de sua origem não erão Agricultores ,
o vicio que tinhao na sua conftituição os obrigava afazerem
roubos j e pilhagens , e como a , guerra lhes assegurava es-
tas , daqui provmha a grande appTicação que a ena tinhao.
Tácito diz delles (de mor. Germ. C. 13O yy que cada*Prin-
9f cipe tinha huma tropa , que o seguia , e que a elle efta-
99 va addicta ; . • que toda a sua vida passavâo em ca-
y$ çadaSy e em appticaçôes militares. O tomar armas era
99 num acto solemne y e ninguém as podia tomar se o Con-
9f celho dos Cfdadãos não desse approvação; e então de-
95 pois de cjnseguir e fta approvação he que se lhe cingia
» a espada. Elles nao tinhão obrigação miis sagrada , do
Pj^zer a guerra. Éíles recebem do Príncipe o cavallo do
^c^batc, e huma espada militar: as comidas baftantes
'^ sim f mas pouco delicadas, lhes servem de soldo. Me-
lhor se lhes persuadirá ir á guerra , e receber feridas ,
.» do que lavrar a terra, e esperar a colheita. Elles não
.99 adquirirão pelo suor o que podem adquirir pelo sangue, 99
Vê-se nefta descripção de Tácito a origen dos coftumes,
.que entrarão nas terras do Império Romano ; as solemni-
dades em dar a Cavallaria ; a origem das homenagens , e
-daquellas ^grandes caldeiras , que os Senhores de terras le-
vavão antigamente aos exércitos , por cuja causa se chama-
vão de caldeira e pendão ; e o peior he que foi a causa do
trabalho ficar em desdouro. Por eíla razão quando elles en-
trarão nas terras dosRonanos entregarão a lavoura aos es-
cravos , a que elles chamavão Aldeones ^ villani ^ coloni^
ser-
E C o N o M I C A S. Í07
sirvi gkha ; e nefta escravidão ordinariamente se entrava
pela habitação em certos lugares^ doade veio o provérbio
Aer servum reddit. ( Hert, de hom.propr. Sect. 3. §. 3.)
O entendimento reflexivo vê bem os males que a Eu*
topa ia a receber de tacs opiniões , que inclina vão os ho-
mens a aborrecer o trabalho , e por consequência a dimi-
nuir a espécie humana. A Escritura para denotar a maldi-.
ção , que o povo de Deos teria , diz: Sireis poucos em
número. A povoação actual da Europa se a considerarmos
relativamente aos antigos tempos , he muito diminuta. Com-
pare-se a Polónia , povo dà Europa mais sepultado nes*
tes antigos prejuizos , com a Inglaterra o mais despido das
preoccupações de honrar o ócio; observe-se a extensão do
terreno, que occupa hum e outro Reino; a fertilidade^
terras de ambos os Eftados , o número de homens, que^
em huma e outra parte ; os bens e commodidades da
da y de que gozão ; e o resultado será huma demoníln
clara do ponto , que acabamos de tocar , e por ser íôra
do nosso propósito não amplificámos com evidentes argu-
mentos.
§. IV.
Eftes bárbaros, quando entrarão no Império Ron-ano;
nao observarão em todos os paizes a mesma divisão de
terras. Na França os Borgonhfies e os Francos não toma*
vão todas as terras aos vencidos, porém de três partes lhes
toma vão duas. ( L. Burg. L. 5'4. §. i.) Na Hespanha nada
difto se observou , segundo o teílemunho de Procopio ; por-
que todas as terras íicavão á disposição do vencedor ; da-
qui veio a grande desjpovoação , que as guerras causavão. Os
Romanos por huma Politica mais segura não somente con-
serva vão as terras aos vencidos, mas os seus Deoses, e a
sua Religião; porém os Povos bárbaros não tinhão outro
fim na guerra mais do que o roubo, ea pilhagem. Of^an-
gue corria por todas as partes; Villas inteiras erão deftrui-
<las^ e seus moradores crão levados captivos, e leduzidos
a
2oS Memórias
a escravidão. He verdade , que eftes bárbaros se humanarão
alguma cousa , e receberão o Chriftianismo , roas como
bem nota o Abbade Fleury (Moeurs des Chrét.5'7. e Disc, 5,
§. I.) ainda ficarão por muito tempo bárbaros ; ifto he *
ficarão conservando aquella disposição de espirito , que não
se governa pela razão , mas sim pela paixão , e pdo cos-
tume. Deita sua índole , usos , e leis primitivas he que se
derivarão os Foraes , e Pofturas , que os Senhores das ter-
ras , a quem ellas erão dadas para se povoar , davão aos
habitadores , que alli ião fazer morada. Efta legislação y
faltando genericamente , não continha mais que penas pecu^
niarias aos delictos , e tributos á lavoura.
Opprimida a Agricultura com taes vexações de tantos
Legisladores , como poderia fiorecer ? Samuel conta entre
os males , que os Reis havião causar ao povo de Deos , os
impoftos sobre o pão , e o vinho. ( i.Rrg. 8. 15'.) Alguns
deftes mesmos bárbaros , não deixarão de conhecer os
damnos , que o público recebe dos tributos , que são pos-
tos ás mãos que cultivão a terra. O tributo de lium cânta-
ro da vinho por geira pofto por Chilperico, he numerado
entre as oppress6es , que efte Rei fez : ( Gregório de Tours
L. 5'. ) Na Hcspaaha poré.n não houve Senhor de terra ,
não houve Religião, não houve rico homem, que não pu*
zcsse impoftos á Lavoura, e que não tivesse por servos, e
vassallos seus os que alli ião habitar *, males que não pa-
rarão só naquelles tempos da ignorância j mas que não pou«
cos reílão ainda em nossos dias.
§. V.
Os Alanos no Alemtéjo, os Suevos na Galliza, e En-
tre Douro e Minho (em cuja entrada foi tanta a fome,
que a Hiftoria refere , que os pais matavão os filhos para
os comerem ) logo que se apoderarão das terras dos Romi-
noe , entrarão a fazer guerra huns aos outros; o Príncipe
que hoje he vencedor amanhã he vencido ^ a terra que ago*
Vi
EconoMiCAs. :o9
rá he defte soberano , amanhã passa a senhorio àc outro.
Temendo que Honório viesse sobre elles , lhe escreverão
(como refere Orosio) defte modo: Tu cuut imnibus parem
babe '^ omniumqtée obsiiie? accipe. Nos nohiscum to-ifii^i-
mus , nobis perimus , tibi vincimus. Immoríatis vero ([uas^
ius erit Reipublica tua , si utrique pereamus.
No governo deftes Bárbaros , que se apoderarão da
Hespanha, não se observa mais do que sedições, nortes,
guerras , já de huns contra outros , já com òs Romanos ,
que de quando em quando fazião tentativas para recupera*
rem o que tinhão perdido. Ataces , que deftruia as terras
dos Suevos , cede ao poder de Wallia : Ricciario , não con-
tente com o qne tinha ganhado na Hespanhi , vai desafiar
ao Francez Theodorico, ás mãos do qual foi morto: Ande-
ca usurpa o Reino a Eboríco : Leovigildo deftro:! o Reino
dos Suevos: Hermenegildo toma as armas contra seu pai,
que o matou: Waterico se apodera do Reino, emataLiu-
ba , o qual governando nove annos acaba arraftado pelas
ruas de Toledo. O sceptro he tirado a Suintilla por Sise-
nando. Kindasvindo , c Recesvindo são dousReis, queap-
parecem heroes no throno dos Godos na Hespanha \ porém
bem depressa o reinado de Wamba se vé perturbado com as
guerras domefticas, sendo o Rei envenenado por Ervigio.
v/itisa cruel, aborrecia os bons, e mandava deitar abaixo
os muros das cidades ; a efte siiccedeo o infeliz Rodrigo ,
em cujo tempo passou a Hespanha ao jugo do Alcorão.
Qual seria a felicidade dos particulares , quando o Bem
público padecia as maiores perturbações? Com que soce-
go deitaria o lavrador á terra a semente , que havia de
ser regada com b sangue dos homens ? Que cuidados po-
ria na cultura da terra , que via passar com brevidade ás
mãos de outro senhor ?
Com a mesma continuação de mates passa a lavoura
ás mãos dos Sarracenos. Eftes conduzidos por Musa des-
troem na Hespanha aMonarchia Gótica; apenas escapan-
do nas Afturias alguns centos de homens ^ com os quaes Pe.
ITonuV. Di la-
210 M E M O E I A S'
lagio principiou o Reino de Oviedo. Com as armas na mão
Favilla , e AíFonso l. occupâo algumas monjtanhag , porém
Mauregato apenas conserva o nosso Reino a &vor de hum
tratado , que o deshonra. A Hespanha arde no fogo da
guerra desde o Eftreito até aos Pirineos ; a mão do Mouro
se levanta contra a dç outro Mouro , ç a do Chriftâo con-
tra todos. Rasis nos teftefica ifto mesmo. No anno 144 da
Egira (760 de eraClir. ) Abderamen, diz, filho deMoa-
bia por ordem de Miramolim passou á Hespanha » ^onde
desde o tempo da entrada dos Musulmanos reinava ElRei
José , a quem matou em huma batalha , tomando-lhe ro-
das as Cidades que possuia , mas deixando aos paizanos
todas as suas terras e riquezas. Vencidos os Mouros partio
para Sevilha com as suas tropas contra osGhriftãos^ elhes
tomou Évora , Beja , Santarém , e Lisboa, e o Reino do
Poente. (Resende, Aqtig. de Évora C. 1 3.) Os séculos IX.,
eX.nâo apresentáo mais que hum fluxo, e refluxo de guer-
ras , e vJctorias entre Mouros , e Christãos. Ramiro I. vea-
cè os Príncipes Mouros do Porto, Coimbra, Lamego , e
outras terras; porém Ordonho , quasi perdco tudo, o que
cm Portugal se tinha conquiílado. AíFonso o Magno ap-
parece vencedor sobre as nossas terras. Ordonho II. a po-
der de sangue leva as suas armas victoriosas além do Tejo ;
porém Ramiro II. perde grande parte da conquifta. ' Ordo-
nho III. ganha Lisboa ; porém Almansor, o terror dosChri-
ílãos dcftroe tudo. AfFonso V. ,. que morreo de huma seta
no cerco de Viseo , dá melhor face ás conquiftas dos Chri-
ftaos ; Fernando o grande , Affbnso o Imperador , sogro
do Conde D. Henrique penetrão ao Reino de Portugal : Lis-
boa, e Santarém praças, que sejulgavão incríveis de se to-
mar, passão ao poder de AfFonso VI. , porém com brevida-
de se tornâo a perder. A barbaridade , que naquelles feri-
nos tempos se usava com os vencidos, sevé da mortanda-
de, que os Mouros fizerãa no Caftello de Santa Eulália,
pela qual amedrentados os de Soure fugirão todos para o
Cnftello de Coimbra , onde cftiverão sete annos. (Liv. dos
teft, dç Santa Cruz , Brandão L. IX. Cap. 7»)*
§. VIII.
ECOHOMIOAS. 211
§. VIII.
A povoação neftas contínuas desordens dimlnue , a
Agriculrura se perde, desapparecem da vifta tantas Cidades
consideráveis , como erao Merida , Ossonoba , Beja , Idanha.
Já no Século IX. no reinado de D. Aíibnso o Magno os
Bispos das Igrejas deftruidas viviâo em Oviedo das Igrejas,
que para eftc fim lhes erâo dadas. A guerra , que he inimí-
fa da lavoura , a mudança contínua , que faziâo as terras
e huma Nação para outra , a conlHtuiçâo primitiva dos
povos , que ficarão vencedores , que honrava o ócio e en«»
vilecia o trabalho, tudo concorreo para que o numero dos
homens se diminuisse, as terras se cobrissem de mato, ea
lavoura decaísse.
C A P I T U L O IV.
Da Agriculíura nos primeiros tempôs iaMonarchia.
<S. I-
D
'^mos principio á quarta época da Agricultura , da
qual, edas mais que se seguem , forão como preliminares as
três antecedentes ; e como as Artes , a cultura das terfas ^
e a abundância dos homens são inseparáveis do Governo
público , não poucas vezes pela situação deite entenderemos
o eftado da Lavoura.
No tempo do D. Conde Henrique as terras parte crão
livres de tributo, parte tributarias; cuja legislarão derivada
dos coftumes dos Godos chegou até nossos dias. Os Fora es
daquelles tempos , bem assim como os das épocas antece-
dentes, condão inteiramente dos tributos das terras. OFo-
ral de Soure , que D. Henrique e sua mulher lhe deo , diz
assim: Siquis militum enurit vineam tributarii s/t li*
bera , et si acceperit in conjugium uxorem tributarii , sit
/ibera bareditatemquam habuerit ^ et trihutarius ^si po*
Dd ii tu 9*
212 . M E MO RIAS
tuerit esse miles , babeat morem wilitum ^ . . et aliquis
vestrum , qui volucrit servire alio Domino , xelire in aliam
ferram , babeat potestatem sua hareditatis hahenài , w/r-
àendi , donandu
Defte Diploma , que he datado em li 19 , (que vem a
ser na era Chriílâ de 108 1 ) e de todos os Foraes daquella
idade se vê : i.° aue entre nós , bem assim como na Fran-
ça , havia a servidão da gleba ; e eftes homens erao os que
o Foral chamava tributarti : 2.° que os que são chamados
milites são os mesmos, que Carlos Magnos (1) chama bo^
mines liberos. Eftes homens livres erão os que eftavâo obri-
gados a ir á guerra com o Sr. do Feudo. Entre nós se cha-
marão promisciiiímente milites , e equites : erão elles obri-
gados a ter cãvallo , e para o comprarem haviâo ter certa
quantidade de bens , e efta a causa porque ao depois se
chamarão Vassallos acontiados. Efta quantidade de bens
nos Foraes defte tempo se exprime com eftes termos: Et
qui bahuerit aldeã , ut uno jugo de boves , et uno asino ^
et dectm oves , et duos leitos comparet caballo. (2)
Defte diploma e de outros muitos daquelles tempos
se moftra , que a Lavoura desde o principio da Monarchia
continuou com o mal antigo de ser tributaria, e os tribu-
tos erão sem proporção , como adiante moftraremos ; ain-
da que então delles resulta vão ao Publico outros bens , que
agora são desconhecidos.^
§. II-
D. Affbnso VI. sogro do Conde D. Henrique tinha che-
gado com as suas armas victoriosas até Lisboa -, porém
com a noticia da sua morte se entrarão os Mouros a rebel-
lar. Perdeo-se Lisboa , Santarém , e as memorias daquelle
tempo (3) encarecem a grande mortandade, que os Chri-
ftâos padecerão no Caftelío de Miranda , e a grande fome ,
que havia desde o Minho até ao Tejo. Duarte Nunes de
Leão,
(O ^apit. I. de 81a. Ediç de Lalus. pag. 490.
(a) Brand. Escrit. 7. App. á V. P.
CÓ Chrop. Gothoium Brand. App. i III. Parte da Monarch. Lusic
E x: x> K o M I CA & ai3
Leão, para nioftrar, queo Conde D. Henrique nao recebeo
a terra de Portugal com feudo diz : ^9 que os trezentos ca-
99 vallos era hum feudo sem proporção, porque a falta de
'» povoação era muita. '> D. ÀíFonso Henriques, cujas vi-
ctorias são tão celebradas nos nossos annaes, deo aos La-
vradores mais segura posse dos seus bens. No fim quasi
do seu reinado apparece hum numero não pequeno de ho«
mens , e animaes , do qual se moílra , que a Lavoura
começava a florecer. Na guerra , que o Infante D. Sancho
fez a Sevilha em 1181 , na primeira batalha ião seiscen-
tos Gavalleiros , na segunda seiscentos , na retaguarda ou-
tros seiscentos , na ala direita duzentos e cincoenta , e na
esquerda outros duzentos e cincoenta , os ouaes todos fà**
ziâo o numero de dous mil e trezentos cavallos , e da gen*
te de pé só se sabe do' numero de quatro mil que ia na
vanguarda ( Duarte Nunes de L^o ^ Cnr.)
§. in.
G>m huma politica , admirada ainda em tempo de
maiores luzes, soube D. Sancho I.attrahir muitos eftrangei*
ros para o Reino , conhecendo bem , que a solida riqueza
dos Eftados he abundância de homens ; Sciatis , diz elle ,
quia is ti Franci vtnerunt populare in terra mtapropter
utilitatím meam , etfiliorum meorum , et regni mei (Bran-
dão , Monarchia Lusit. L. XVL C 41.) Seus cuidados para
com a Lavoura lhe merecerão o nome de Povoador. Valhe-
Ihas, Penamacor, Sortelha, &c. tiverão delle Foraes: sea
tefiamento nos moftra o cuidado que elle tinha na Agri-
cultura. Em Soure tinha éguas , porcos em em Coim-
bra , gado em Évora , herdades em Santarém ( Leão , e
Faria.) No reinado de D. Âfibnso IL tinha crescido tan-
to a povoação a pezar da grande pefte , que tinha havi-
do no reinado de seu pai , que sò de Lisboa , e comarca
de Évora forão á tomada de Alcácer do Sal vinte mil ho-
mens. (Leão.) Nos reinados de D. Sancho IL, e D. Afíbn-
^o IlL não teve a Lavoura aquelles grandes obílaculos ^ que
lhe
h I ■* \^m-- - - • -■ ' ■ iT^-y^M.. > . ^^ ^.^^^
2,14 Memorias
lhe impedem os progressos. Os Foracs , que cUes àerioy é
os senhores das terras , a quem as davâo , moltrao quanto
a poToa^o , e a Agricultura ião em crescimento. Só a Or-
dem de Aviz deo a D. Sancho II. dous mH cavaJlos, sinal
certo de que a terra se achava abundante da sua cria**
çaow (i) (Brand. Monarch. L. XIV. C33.)
§• IV.
Nefta época , em que a Lavoura Portugueza começa
a mdhorar-se; entrao a apparecer certos eftabelecimentos ^
e opiniões , que ao depois lhe vem a causar a maior rm«
na. Immensas doações ás Igrejas, tributos ás mãos dos La-
^^ vradores , hum Direito novo , que embrulhando a Republi*
ifa em mil demandas lhe leva infinidade de braços, sSo os
^ ma4^^> que contra a Agricultura começao a brotar.
"^ ' ^''''^^' .§. V-
,\:Í^^"^:-{' A terra , e os seus productos são como as maií cou-
' "'^ ^ sas do commercio , á proporção que ellas se mudão , tem
a. Sociedade o seu pioveito. Dous males causarão á Agri«
cultura as immensas doações aosEcclesiafticos: i."^ produ-
zir grande número de gente ociosa : 2.° tirar as terras do
giro da Sociedade. Os trabalhos , e fadigas dos homens
são os que produzem a abundância em humEftado, e por
huma Lei , que o Ente Creador p6z no coração do homem ,
os trabalhos são em razão da habilidade.
Entrando grandes porsões de terras nas mãos dosEc-
desiafticos ficarão fóra do commercio. Os Ecclesiaíticos £•
zerão lei , para que as terras , que huma vez entrassem no
\ seu
C^) ^ ^^^ ^^^ ^ Teftainento de D. Sancho II. , scguodo a tradvcção •
que no lugar citado traz lirandâo , he )) Aos Cavalleiros d« Calatravi
)l (eftes que são os de Aviz) trcs mil maravediz por meu anniversario «
)» metade dti cavallos , que se acharem. )) E no original Latino , quô
vem 00 Âppendj Escrit. 94. 3 m^Híclatcm de mcis a scmcHs.
E'C 0'N o M I C"Á S. lilj
tíM detninio , fossem inalienáveis. Daqui aconteceo , que
fazendo grandes aquisições , aa riquezas crescerão nas Igre-
jas e Morteiros , e faltarão aos particulares. A' proporção ,
que as terras se ajuntâo nas mãos dos poucos , os mais ca^
hem em pobreza , e da pobreza nasce a falta de amor á cuU
tura, O Tribu de Lcvi sim recebia dos mais os dizimo», e
primicias ; aporem na .repartição das terras não teve nenhu-
ma parte. ,
§. VI.
Ás doaçóes ás Igrejas desde o principio da Monarchia
principiarão a ser sem medida. D. Âffbnso Henriques ftmdou
entre Igrejas , e Mofteiros cento , e cincoenra. (Leão) Ao Cofl-^
vento de Alcobaça deo trinta e huma villas : (Brand. Mo-
narch. L. I. C 3 2.) aos Templários deo-Ihe o Caftello de Ce-
vas , os moinhos de Pernes , os Caftellos do Zêzere , e da Car-
diga , a terça parte do que se ganhasse aos Mouros no Alem^
téjo, as Casas e herdades de Cintra. (Diplomas no cartório í^^4*t-^,y
do Convento de Chrifto : ) á Ordem da Cavallaria de Evor^,-J^^:;;5v.
que ao depois se chamou de Aviz, aos Cruzios, Bentoss^íí^^íríilSK-.. .
outras tantas doações. 5 ífcS^^-Jif^rU
Os particulares tinhão o mesmo espirito de doar as'A^^^Íj^;:^^::V^
Igrejas, e Mofteiros. O seguinte diploma moftra apersua- ^?fe',t::^L,í^^^
sao , em que todos eftavão , de fazer offerta das suas ter- íí"*'*^'^"
ras ás Igrejas , e Mofteiros. Ego Regina D. Tareja do
JDeo^ et niihúbusTempli Salamonis vi liam ^ qua vacitant
Fonte Are t da in Portugal circa Penam Fidelem , cum totii
sjiis termunis » et benificiís pro anima mea. Ego Comer
Terdinandus do ibi Sanctum Plagium de Vega cum teto
suo eximmenso , ^uantum mjhi perttnet pro anima mea.
Ego Plagiuj Plagii do ibi villam , quam àicunt Portolama ,
quantum mihi pertinet pro anima mea. Ego Elvira , et
meus filius Su^rius Menendis damur ibi Ce/eiro/os , quan--
tum nobis ibi pertinet pra anhnobus nostrir. Ego Pla^
ggJísNunis , et Nuno Osorius , et uxor mea Maria Nunis
damus ibi três pnrtes de villa , quam dicunt Abonemà
pro animabus nos t ris. Ego Gracia Menendis mando ibiin
mon*
mfni
M £ MO Kl A 5
te longo Vilh de Quintanella medietatem de mnm iU
la b^reditate , qua/nthi babeo. Ego Comes Gomes et uxor
niea damas ibi nostram portionem de Genestamllo , quan^
tum nobis ibi pertinet. Ego Monio Roderici M ibi unum
casal in Jarouca in Villa de Avia. Ego Gundisalvo Mo-
ri do ibi uttum casal Cornade. Petrus Petri unum casal
in Villa Nova circa Pontem de Ave. Petrus Petri unum
casal in Vaerio de Soia. Menendus Bernardi dat quan*
tum habet in Enceiros in Panonias. Menendus Gomes dat
unum casal in Campuludes in Aguilar. Joinnes Roma dat
medietatem de parede de Coinolos , et mediam de V^ulpela^
res , quantum ibi babet. Ego Monia Froiles do ibi terram
in Solnes casal de Saurens , et médio de Sonorio. Ego Petrus
Egaris , et uxor mea Orodonia damus ibi nostram por*
tto nem de villa de Amio de Poneres. Ego Come Guite-
rius do ibi meam portionem de Sangorsa. Ego Rabinado
do ibi. mediam Curtem , quam babeo in regione , qua est
circa Curtem Comitis Suarii. Ego Veramundo Petris ^
et uxor meã damus ibi medietatem de Palácio de Celte-
gos. (i) ,
As doações tanto dos particulares como dos Príncipes
fiõrão tantas , quê D. Âfibnso IL , e depois delle D. Diniz
se YÍrâo obrigados a fazer Leis para as coarctar. (2) Fn
Luiz de Sousa fatiando de D.Diniz, que renoyou^ tal pro-
hibiçao , diz : » Mas seu generoso animo , e os dos Reis seus
99 successores íizerão delia tão pouco caso , que nunca en-
99 contrárão doação nenhuma de fazenda por grossa quefos*
9> se , feita ás Religiões por pessoas particulares. 99 ( Chr.
de S. Dom. P. I. L. y.*^ C. 25-. )
§-VII.
Eftas doaçóes , que agora tanto damnifído a Lavoura ;
ti7erâo origem de três causas. Â primeira , a Ignorância da
an-
(O Cartório do Conv. de Chrifto^ conp. de Pedro Aivr. P. a. pag. 17 u
Ca) Brand. Monarch. L. XIil. C. 4* e L. XVII. C. 6. Pereira» efe mau»',
{l. nas Concordatas.
Económicas. 217
antiga Disciplina da Igreja , sobre a acquislçâo de bens,.
os quaes aborreciâo os Padres da Igreja nos primeiros sé-
culos: 2/ a -pobreza d is Igrejas de Hesp.uiha por aqaelle
tempo: (i) 3.* as utilidades te.npjraes , que os doadores
tiravao. O Convento de Grijó tinha diizentos c oitenta Pa-
droeiros; e assim á proporção outros Conventos , e Igrejas.
O direito do Padroado era divisivel pelos descendentes, ea
eíles tinhâo os Mofteiros, c Igrejas obrigação de dar ração ,
e donativo nos casamentos. No reinido do Sr. D. AfFon-
80 IV. o Meftrescóla do Porto, e o Abbade de S. Gens
$e queix^írão a ElRei , dizendo ; que na dita Igreja havia
muitos naturaes , e outros muitos encargos , pelo que se
não podião manter no temporal . . . pelo que pedião a EU
Rei os mandasse taxar. (Brandão , Monarchia L. 14. C. 33.)
João Pires do Avoim deo á Ordem do Hospital o Padroa-
do da Igreja de Portel ; porém a Igreja ficou com a obri-
gação de lhe dar cem libras . . reddendas singulis annis
ratione reparationis . .. Caítri de Portel \ e ifto para el-
le e seus herdeiros. ( Brand. Escrit. 6. App. á V. Parr. an-
no de 1509.)
^ §. VIII.
Os tributos , que nefta época sem proporção se puserão
is terras , foi outro mal , que a Lavoura soíFreo , os quaes ,
pofto que não exiftão as causas para que forão poílos ,
permanecem em nossos dias. A cultura da Sicília foi des-
amparada por causa dos tributos , que Verres poz aos La-
vradores. Pelo regiílro das terras lavradias , que cida Cida-
de tinha , se moftra , qu3 no go/erno de Verres eftavão lier-
mas dous terços das herdades. Efta Ilha , que he o paiz,
mais fértil , que se conhece para a producção do pão , tan-
to no tempo dos seus Reis, como no tempo dos Romanos,
nunca pagou mais que os dizimos. Em Parma são as ter-
ras fintadas segundo a qualidade de boa, medíocre, e má.
Entre nós nada difto se observou. Como o Sr. da terra po-
dia pôr o foro a seu arbitrio ^ daqui vem vermos no nos-
Tom. V. Ee so
(i) Brand, Monarch» Liv, 8«Cap« »j.
1x9 Memorias
so paiz terras as tnais férteis 5em outros tributos alguns
mais , do que os dizimos dados á Igreja ; outras porém da
mais Ínfima cultura oneradas com oitavos , quartos , &c.
Évora , e Therenna são das terras férteis , que Portugal tem ;
comtudo os seus moradores não forão obrigados a oita-
vos, ou a quartos (Foral de Therenna. Brandão App. áVI.
Part.) Os deVilIadeRei, e de Paio-dc pelle são das terras
mais fracas , que conhecemos ; comtudo os seus fbraes op-
primem as mãos dos Lavradores com penosos tributos. Os
Reis já por derogação expressa, (i) já por concessão tacita
(2) attendendo ás qualidades das terras as alliviárão de de-
maziados tributos. Alguns dosForaes defta idade, tal co-
mo o de Thoraar, impedido , que alli se fosse estabelecer
certa qualidade de homens , que pelos seus foros erao livres
da sujeição da gleba : Enfançom n, m algum homem não haja
em Thomar casas salvo quem quizer morar comvosco , e
servir como vás. Outros impedião o sahir das terras; ifto
lie o que deo lugar á Legislação do Liv. IV. das Ord.
T. XX VIU. que todo o homem possa viver com quem lhe
aprouver \ e a do T. XXXXII no meçmo Livro: que não
sejão constrangidas peçsoas algumas a pessoalmente mo^
tarem em algumas terras ^ ou casaes.
Eftcs males , que derivados da Conftituição primitiva
áos Povos do Norte tem sido de impedimento á Lavoura , á
proporção que a Filosofia seaugmenta , se vão acabando. Ha
poucos annos hum Rei de França levado pelos conhecimentos
os mais úteis ao bem doEftado extinguio a escravidão cha-
mada Manus mortua ; (3) e nas folhas públicas do anno
de 178 1 se lé oEdicto, pelo qual o illuminado Imperador
abolio inteiramente a escravidão na Silesia ^Bohemia , e Mo-
fa via. Adi lUte moftraremos os males , que produzem á La-
. vou-
(O Comp. feita pelo Concelho de Lisboa com D Diniz. (Brandão, Anp.
á^V. Parte . E^crit. aj.
(a) Uso de Villa de Fe? de não pagar uílavo , oert ter refego» porto
í|Oe o foral o manJe ; 05 de Thomar tambcm f rão allivíados em quan*
l<> as terras dos Templários eíliverâu 'na Coroa. Brandão » Yid* de EIRei
0. bimt. k
C5) Necker 1 Compto au Roi. P. III. Main-mortew
Económicas. 2x9
Youra os direitos senhoríaes , como tambetn os males , que
a Jurisprudência nova causou , a qual pofto que se prinr
cipiasse a introduzir nefta época, pelos tempos adiante he
que os seus males se fizerao sentir. Os males da Repúbli-
ca as mais das vezes começâo y julgando-se que se obra
bem.
§. IX.
A segurança, em que os Portuguezes eftavâo de terem
hum Rei próprio , que por elles peleijava ; a batalha deci-
siva do Campo de Ourique ; os Povos eftrangeiros , que D.
Sancho L admittio a povoar , sáo as causas por que a Agri-
cultura começou a levantar a cabeça. As memorias defta ida-
de eftao cheas das doaç6es frequentes, que fazião os Reis
assim para edificar cafteilos , como para formar novas po-
voações. Porem a ignorância , que então reinava , do Direi-
to público, a falta dos conhecimentos politicos , as relí-
quias da servidão da gleba , que reftárao dos coftumcs Gó-
ticos , as opiniões a respeito das doaçòes ás Ijzrejas , são
males, que não tanto se íizerão sentir naqueiíes tempos ,
como nos que ao depois se seguiião.
CAPITULO V.
Da Agricultura Portugueza desde o Reinado ie D. Di^
niz até o dt D. ManoeL
§. I.
JL Rincipiemos huma época , em que a Agricultura Portu-
gueza he levada ao maior auge depois do tempo dos Ro-
manos. D. Diniz he celebrado pelos nossos Hiftoriadores
por Príncipe Agricultor. Mariz (Dial. II. Cap. i.) fallando
delle diz: « Foi também muito dado a cultivar, c apro-
y9 veitar as terras , cujos Lavradores coftumava chamar
>> nervos da Republica : por cujas mãos sem oppressáo dos
yy vassallos se tez senhor de grandíssimos thesouros y e a
Ee ii el-
210 Memorias'
» elles de muitas fazendas. » Manoel de Faria e Sousa
(Epit. P. III. C 7.) diz: yy Atajò Ias exorbitâncias, aue
99 los grandes usavan con los pequcfios , que defendia , lía-
yy mando los labradorcs nervios de Ia Republica : pensa-
yy miento , en que se accommodò haverlos llamado la Anti-
>> guidad companeros de Ia Naturaleza , que no huvo en
>> su tiempo gente ni terras ociosas; por efte cuidado, y
>> el otro de levantar caílilhos , murar muchos lugares , foi
« llamado universalmente por excellencia el Labrador , y
yy Padre de la pátria. >>
Os thesouros de D. Diniz, eíFeitos de hum sábio Go-
verno , que [ 6c os seus cuidados em augmentar as riquezas
primitivas , são celebrados na Hiftoria. Na guerra , que
D. Fernando fez a Granada , lhe empreftou D. Diniz seiscen-
tos marcos de prata , e lhe mandou setecentos homens de
cavallo ( Leão , Chr. ) A D.Jaime de Aragão , que lhe pe-
dia empreitadas dez mil dobras , lhe deo dadas vinte mil.
As liberalidades , que fez fora do Reino ; as despezas , que
fez dentro , forão mui consideráveis. Quando hum Monar-
cha cuida em que os vassallos sejão ricos, e sejão mui-
tos , he elle feliz , e a sabedoria sentada no ihrono espa-
lha a abundância ás mãos cheas. Sem as riquezas da índia ,
sem o ouro do Brazil D. Diniz fez o Eftado florecente ; he
elle hum exemplo , de que só as riquezas primitivas , ifto
Jie , o pão , e tudo o que a terra nos fornece , são as ver-
dadeiras riquezas do Eftado , e que deve pôr todos os seus
cuidai^os em que os vassallos tenhao fáceis meios de as ad-
quirir. Em hum século de preocupações soube elle tirar as
Igrejas a terça pirte; as honras» que em suas terras fazião
os Fidalgos, os Bispos, Cabidos , Abbades , forão devassas
por cíiusnrcm grande oppressâo á Lavoura (Brand^App. á
V. Part. Escr. 23.) Abrio ospaúcs de Salvaterra de Magos,
c o de Leiria (Brandão): o que tudo moftra os cuidados,
que eile puwha na Agricultura , arte a mais interessante ao
hoaiem.
Comício bcllos fundamentos a Povoação, e a Agricul-
tura prosperarão no Reinado de seu filho D. Affonso IV, A'
ba-
ET tí Ó li Õ M 1 C A S. 22t
fyatalha do Salâdo levou elle para ajudar a Caftella vinte mil
hòniens; e ^ de Évora forão cem cavalleiros , emil peôes.
(i) No Reinado de D. Pedro era tanta a abundância , aue
08 Lavradores nâo fàziâo caso de recolher palhas , e aa-
qui procedco a Lei , que refere Fernão Lopes na sua Chro-
nica y pela qual mandava , que os Lavradores fizessem pa->'
Iheiros, e náo deixassem perder as palhas, AJLavoura ti-
nha crescido tanto no Reinado dè D. Fernando, que othe-
souro do Rei era contado pelo maior , que no mundo se
conhecia ; e accrescenta Mariz ( Dial. ^. C 5',) » E não pa-
99 reça novidade eftranha , porque havia então em Portugal
99 tão grande contratação de vinho, azeite, sal, e outras
5> cousas , que somente na barra de Lisboa acoriteciaí al-
99 gumas vezes no anno acharem-se quatrocentos , e qui-
99 nhentos navios de carregação juntos, de queElRei tinha
9» grandes direitos: e eftas carregações se fazião cada an«
»f no três , e quatro vezes. 99 Elle foi o Author da Agri-
nomia , que se contém nas nossas Ord. L. IV. T. 4^. , nas
3uaes se dá forma ás sesmarias ; e que modo haveria no
ar as terras , que nunca forão cultivadas. Mandou calcu-
lar as terras , que havia no Reino capazes de cultura ; e
seria hoje de huma grande utilidade se se achasse eíle cal-
cukx (Severim de Faria , Noticias de Port. Disc. i. n. 5.) Des-
de o Reinado de D. Diniz até ao de D. Fernando conião
os nossos Hiftoriadores , que os Reinos eftranhcs se provião*
do pão, que o nosso lhe mandava. (Faria , Epit. P. IV.
Cu.) D. João I. mandou buscar a Génova duas náos de
muniçées de guerra a troco de trigo, que levarão do Rei-
no. (2) Na Chronica antiga do Conde D. Nuno Alvares Pe-
reira se conta, que elle tinha no Akmtéjo grandes ciíler-'
nÊes de pão , e que nos annos de efterilidade os Oftelha-
nos se vinhão prover de pão áquella Provincia. O número
de homens^ que havia no Reino, se vé pelo preparo, que
I>. João I. fez para ir contra Ceuta , o qual poz toda a
jSuropa em sufto. O Rei de Granada lhe mandou huma em-
bai-
CO Inseri pç^u Gothica na iíé de £\ora , en> I vao , Ciuoo.
Ca) Faria » Europa Fort. 1\ 11. P. 3. C. i« o. ii».
122 M B M O H I À ^
baixada com varias promessas á Rainha, para <]lie fizesse
com o Rei não voltasse contra o seu Reino as armas« (i)
Ò Epitáfio , que eítá oa Batalha na sua sepultura , ' denota
bem a multidão de gente , que entáo havia. Cum máxima
classe plus quam ducentis viginti aggregaia navigiis^
quorum pars numerosior majores naves ^ et grandiores
extitere trirem^s^ in Africam transfretàvit. Os Mouros
de Gibraltar intimidados de tão grande poder íbrâo offere*
cer donativos a ElRei , e diziâo , que tal poder nao havia
no mundo , que parecia assi por arte mágica. ( Faria Epit.
\ III. C II. n. IO ) D. Affbnso V^ levou á Afírica trinta mil
Komens : (Severira de Faria , Noticias de Port. D. I. n i.) B
no Reinado de D. João II. chegava a nossa Cavallaria aié
pito mil cavallos. ( Garcia de Resende na Ghronica. ) En-
tre eftes bens . de que a Lavoura gozava, continuarão os
male;, que apontámos na época antecedente (C. IV. §.9.)
alguns sedevisão de novo; taes são os morgados, e ou*
\ modos , que se intioduzírão.
§. II.
n O principio geral, e fundamental (diz o profundo
yy Genuense ) (2) do qual se seguem todas as regras parti*
yy culares , que pertencem á Economia , he que a classe dos
yy homens, que são rendosos, seja a mais numerosa quepo-
^>» der ser, e que a extensão , e bondade do terreno poder
>f sustentar. .. e pelo contrario, que aquellas classes, cnie
I» não rendem imm^diatamente , sejão o menos, que for
9» possível. A razão dede principio he de si mesmo clara.
9> Porque he manifefto , qae as riquezas de huma Nação
99 são sempre em proporção ao trabalho. Do que se segue ,
99 que quanto menor he o nún?ro dos homens , que não
99 rendem , e sendo tanto maior o número dos que ren-
99 dem , maior deve ser a somma do trabalho, e por con-
99 sequencia maiores as rendas da Nação. E pelo contrario,
99 quan-
(f) Gomei Annes d'Azurara , Vida de D. João I. F, HL C. j|.
C^) Lezioni de Ecoaomia Civile P, III. C» ia. %% \^
ECOUOHICAS. 223
ff quanto maior he o número daquelles , que nao rendem ,
ff tanto menor he a somma do trabalho , e por ifto das
>9 rendas assim particulares como publicas. >9 Felizes os
Povos onde taes verdades são conhecidas.
§. iir.
Os morgados , e hum grande numero de Nobicza,
queelles originarão, foi hum grande mal , que começou a
empecer a Lavoura. A razão he patente do principio , que
fica demonftrado. A' proporção que na Sociedade se dimi-
hue o trabalho se diminuem também os fructos da terra ,
que sem elle não exiftem. Accrescenta-se a ifta impedirem
os morgados , Capellas , e outros géneros de vínculos a cir-
culação dos fundos terrítoriaes.
Antes dss Partidas serem recebidas no Reino não se
acha nos antigos diplomas menção de similhantes iníli
çôes. No Reinado de D. Diniz tempo , em que efte Cofifi
de Direito se traduzio na nossa lingoa , he que ha afgi
mas escrituras , que facão menção de morgados ; tal
exemplo he aqueíla , em que D. AfFonso Sanches filho
D. Diniz dota o Convento de Santa Clara de Villa doCofi
de (Brandão, App. áVL Parte.) Efta nova inftituição , cíes-
cx>nhecida dos Romanos , foi inftituida , como dizMolina,
á maneira de primogenitura dos Reinos ; e como efte di-
reito era individuo , ficarão também os morgados com tal
natureza. Tinhão elles obrigação de servir na guerra , e
por isso os que os herdavão, erão só os que podiSo servir
o Rei Quando D. Diniz dço ao Almirante Micer Manoel
Peçanha o lu^ar da Pedreira , diz a escritura : 99 ç assi de-
99 vem herdar o dito feu por maneira de morgado todo-
99 los, que de vós por linna direita descenderem , fican-
9> do sempre no maior filho lidimo , e leÍ20 dos que de
5> vós descenderem por linha dSreita, que ror para serrar
ff for elle. 99 (Brand. , Mon. L. 18. C. 56.)
Porém mudando tudo >deface, os morgados não serví-
íão mais , do que para augraentar as causas do ócio , já
mui-
214 . M E M o R I,A 5
milro pda Conftítuiçao primitiva dos Povos , de que era-
»iD3 descendentes. Os morgados, e seus irmãos ficarão vi-
vendo CiTiocio, a que chamarão vida de homem de bem; as
terras se forlo accamular nas mãos de poucos; os meios
de se facilitarem os ma"trimonios se diminuirão , sendo as
terras divididas com summa desigualdade : daqui a falta
de povoação; defta a pequena somma do trabalho da Na«
ção ; da pequena somma do trabalho as terras cubertas de
mato , a pobreza , e dependência do Eftado. Os Povos tra-
balhadores são os mais felizes , que no mundo tem havido.
A gravidade Hespanhola , em que entra o nosso viver is
leis da nobreza , he o maior mal , que a Agricultura , e o
bem do Eftado tem padecido. Heródoto refere huma lei
de Amasis , o qual no Egvpto mandava , que cada vassaiio
seu todos os annos se aliftasse diante do Governador da
Provincia /declarando a arte , e o modo , que tinha de vi-
ver , pena de morte , o que não professasse nenhuma , ou
que professasse alguma das que as leis não permittissem :
* o mesmo Hiftoriador teftefica , que Sólon trouxera para
Athenas efta lei, c que era das mais bem observadas. Na
China não se consente hum só ocioso. Huma lei de Eduar-
do VI. em Inglaterra fazia escravo por dous annos o que
não trabalhava. A Republica he feliz p^la somma do tra-
balho, que nella se faz, e não pela multidão de homens,
que desdenhando o trabalho, impertinentes seguidores da
Corte requerem se premeiem nelles os serviços de seus avós;
como se o bem do Eftado se houvera de produzir , pelo
que já foi , e não p^lo que he agora. Os morgados , que
nefta época começão , augmentão as causas do ócio : po-
rém nos tempos adiante perdida a utilidade , a que se hou-
ve consideração no seu eítabelecimento , o mal que produ^
zirâo á Lavoura he indisivel.
§. IV,
As doaç5es dos bens da Coroa he outro mal , que con-
tinuou contra a Lavoura. '» As rendas do Soberano^ diz o
ci*
EcOKOMIcfAS. 2i;
citado Genuense , ( Economia Civile P. I. C. 21. §. 17.) serão
»• sempre em proporção do Paíz , eftas a som ma do tra-
11 balho, segurança, e tranquilidade das famílias, a igual-
» dade.dos tributos , e a prompta e igual adminiftração
»> da Juftiça , a cc5arctação dos ociosos. Muitos ociofos ^
n nenhuma paz, nenhuma segurança, daqui nem trabalho,
>t nem rendas. >> Tão esiricto nexo tem a Agricultura com
o Erário , e o Erário com a Agricultura.
Na expulsão dos Mouros rorão certas terras deftina-
das para património do Príncipe, das quaes se havião de
suftentar os encargos públicos. -A Politica requeria , que na
diílribuição delias houvesse a mais exacta circumspecção ;
Eorque á proporção que o primeiro fundo das rendas pu«
Ucas se fosse perdendo , os encargos do Eftado havião de
carregar sobre os mais , e daqui a oppressão da Lavoura ,
e da induílria ; e da oppressão não poder sufter o Lavra-
dor a concorrência com o Eftrangeiro ; tirada a concorrên-
cia segue-se o encalhe dos géneros ; defte a efterilidade , a
pobreza do Eftado , e dependência. Na época antecedente
já vimos as immensas cioaçòes, que se faziâo em favor das
mãos mortas \ nefta além das doações dos particulares , que
continuSo no mesmo espirito , as da coroa seguem o mes-
mo. Alguns dos Reis oaquelle tempo não deixarão de co«
nhecer o mal. D. Diniz conhecendo o que tinha prejudica-
do á Coroa do Reino , e por consequência ao bem com-
mum de seus vassallos , em idade de vinte annos revogoa
todas as doações, que tinha feito: ( Faria Epit. e Brand.
L. 16. C 14.) e osthesouros, que deixou, forão copiosos.
A D.Pedro I. advertio o seu Thesoureiro , queellehia con-
tra o coftume de seus avós , que era augmentar as rendas
do Erário , e não diminui-las, ( Fernão Lopes na Chr. ) D,
João L depois da batalha de Aljubarrota , poftoque o Con-
deílavel se oppozesse , desfez muitas doações , que tinha
feito. Por conselho de João das Regras fez a Lei , que no
Reinado de seu filho se chamou mental ^ por se ter execu-
tado no Reinado de D. João L , mas não promulgada. ( Fa-
ria , Europa Port. e Ord. L. 2. T. 35'. pr. ) Por eSe tempo a
T^w. r. . .Ff . . as-
tli 2^ £ tt o 1 I A S
aftucia fez espalhar, que quamio D.JoâoLdcrfazia asdoa-
Í6es, que inconsideradamente tinha feito, lhe apparccéra
uma noite D. ÂíFonso Henriques , dizendo-lhe: que ao
Mofteiro de Santa Cruz não tirasse nada , o que o Rei exe-
cutou. ( Faria , Epit. P. 3. C 12. n, 10. )
D. Fernando he hum dos Reis , que por voto de to-
dos os Hiftoriadores deftruio o Erário , o que se attribue
ás guerras , que elle fez a Cafteila. Porém as verdadeiras
causas forâo as immensas doaçóàs , que fez dos bens da
Coroa , e a multidão de Nobreza , que de novo se introdu-
zio no Reino. Huma grande parte de Fidalgos Caílelhanos
ae passarão a Portugal , eis terras de que erão Senhores : fi-
zerao crer a D, Fernando lhe darião o Reino de Cafteila , de
que se appellidava Rei; porém elles não servirão mais , do
que de deftruir as rendas , que por esperanças , que não ti verão
cfFeito, lhe forão entregues. O Reino ficou cheio de gran-
des famílias , que quando não são proporcionadas á exteir-
são do terreno tirao ao Eftado infinitos braços, que devião
augmentar a somma do trabalho, pelo qual os Eftad s se
fazem felizes. As doaç6es , que D. Fernando fez aos Fidal-
gos Caftelhanos , e aos parentes de sua mulher, são immen-
sas: só a D. Fernando Conde de Caftro Xeriz dco quinze
Villas de juro hereditário; a Álvaro Pires de Caftro seu ir-,
mão nove , a Fern .ndo AíFonso de Zamora dezanove ; e
assim á proporção aos mais. (Faria Epit.) Depois de huma
perda tão grande , que as rendas publicas soíFrêrno , con-
tinuou D. ÂflPonsoV. no mesmo mal de dissipar as rendas
publicas; (i) de tal sorte, que seu filho D.João II. coftu-
mava dizer, que não tinha herdado de seu Pai mais do que
o nome e as eftradas. (Brand. L. 8. C. 20.) Por causa defta
desordem inftitulo ellc o regifto das Mercês , para que hu-
mas se não accummul assem a outras sem limite. ( Sousa de
Macedo , Harmonia Politica , paragr. 4. ) Outro mal que D*
. Af*
(i) Copia das Mercês de D, Aífonso V. tirada dos Livros do ffiarqqt^
deCafteilo Rodrigo. D. António Caetano de Sotlsa «Toou II. das Pro? •
n. S. Brit. Elog. dos Reis « V. de D. Affons. V.
ECCKOMIGAS. Í27
Aifbnso V. produzio nas rendas publicas foi os muitos titu^
los , e gráos de Nobreza , que creou de novo, A raridade
das cousas auginenta o seu valor , assim como a abundân-
cia a diminue. Necker (Coropte auRoiP. a. pr.) judiciosa-
mente adverte, que os homens sâo susceptíveis de outros
muitos eftimulos , que não são o dinheiro -, e que a mais
belia economia de num Eftado , he sabe-Ios pâr em uso;
porque quando em tudo domina o amor do dinheiro , os
Chefes da Adminiftraçâo do Eftado a regulão mal. Elle he
que começou vários titulos , e diversidade de foros , que
antes não havia no Reino, He de vêr o grande numero de
Condes y que fez seu Avô: para premear os grandes serviços
de D- Nuno Alvares Pereira o fez Conde , e elle acceitou
efta mercê com a condição , que não faria outro em sua
vida. Hum Eftddo he sempre opulento quando o Príncipe
não despende^ senão a propósito. Porém quando a fazenda
do Rei , e os titulos de honra são diftribuidos sem propor*
çâo , vai-se o Eftado a metter na sua ruina.
§. V.
A Lavoura ílorece nefl:a época pelos cuidados , que
puzerão nella os Príncipes ; porém o Erário começando-se
a adminiftrar mal , os pequenos morgados produzindo gen-
te inútil são dous males , que com outros concorrerão na
seguinte época para levarem a Lavoura á ultima mina.
CAPITULO VL
Da A^ricukura Portuguesa desde o Reinado de D. Aí^
noel até ao do Senhor D. José L
X Rincipiemos huma época , em que as riquezas' de con-
venção apparecem no nosso paiz em maior abundância,
mas nas quaes as reaes se vão a perder,. O ouro reinando
Ff ii D,
228 M E M O R 1 A S'
D. Manoel era tanto , que os homens de negocio em Lis-
boa não fazião caso de receber pagamentos, (i) Naquel-
les tempos corrião rios de ouro , e prata da grossura , e
valia das especiarias , e drogas da Inaia, (2) Em tal abun-
dância , quem poderá crer , que começámos a ser pobres »
e que o Erário se achava Já individado , e que caminháva-
mos á mina á proporção , que o ouro crescia em Portu-
gal?
§. II.
Acima fica moftrado ( C y. §. 2. ) que a situação do
Erário conduz immediatamente para a felicidade^ ou mi-
na do Eftado , a qual consifte na abundância ou falta das
riquezas primitivas. Em mil quinhentos e três vemos nós
alem dos tributos ordinários os Povos nas Cortes de Lis-
boa concedendo ao Rei cincoenta mil cruzados. (3) EUe
impôz decima aos Ecclesiafticos por concessão de Leão X.
e os Ecclesiafticos a repugnarão, dizendo: >> Que entran-
í> do de posse do Reino com riquezas de grandes thesou-
99 ros , elle os gaftára com seus validos e Magnates alhean-
99 do também para elles muitas terras da Coroa, e rendas
99 de seu património. 99 ( Razoes do Cabido de Lisboa a
Filippe IIL para se não executar o Breve do subsidio
Ecclesiaftico Ms. ) Toda a fazenda de D. João III. não
chegava para a despeza, que a Coroa fazia no Reino; e
em Flandes , e outras partes se. devia hum milhão nove-
centos e quarenta mil cruzados. ( Chron. de D. Sebaft. por
D. Manoel de Menezes.) D. Sebaftião para satisfazer as
despezas do Eftado , e levar onze mil homens a Africa ,
•era-lhe preciso vender juros na Casa da índia e baratos , e
o pagamento deftes mesmos o mandou suspender. (4) Ape-
zar do grande favor , que deo aos bens da Igreja com tu-
do se vio precisado a requerer a Pio IV. hum subsidio Ec-
de-
(0 I^aiTiiáo de Góes , Chr. de D. iVIanoel.
(2) Sousa , Chron. de S. Domingos P. 2. L. 6. C, 16»
()) Damião de Góes , Chron. de D. Manoel.
(4) Sousa « Chron. de S. Dom. P. 5. L. 6. C. 8^
J
E C o H o M I G A S. 229
clesiaíHco de duzentos e cincocnta mil cruzados ; e depois
no tempo da in fel ice jornada de Africa lhe pedio hum ser-
viço de cento e cincoenta mil cruzados. (Razoes do Ca-
bido de Lisboa citadas Ms. ) Filippe 11. fez com todos os
seus Eíiados banca rota , (i) e no seu tempo se pòz o tri-
buto de três por cento no Consulado das mercadorias , que
vem por mar. (Razões citadas.) (2) Filippe IV. accrescen-
tou os tributos, pôz o real d'agoa em todo o Reino, co-
mo também o dobro das sizas; pôz novas contribuirdes
no sal , e nas caixas de açúcar , e meia annata nos oífi*
cios de Juítiça , c Fazenda , e além deftes tributos quinhen-
tos mil cruzados. (Portugal Reftaur. P. 1. L.2. T. 1.) Os
novos direitos , as sizas dobradas , e decima e meia forão
contribuições poftas para suftentar a guerra da Acclamação.
For efte tempo se achava o sal de Setuval obrigado a qua-
tro milhões. ( Portugal Reftaur. P. 2. L. 5'. T. 3.) A* Fran-
ça se devia milhão e meio a razão de trezentos mil cru-
zados por anno. Vendérâo-se muitos juros na Coroa , nas
rendas da Camera , e Casa de Bragança , cujo importe pas-
sava de meio milhão. A calamidade de huma tão grande
guerra fazia necessários tão grandes ^aftos nas rendas públi-
cas. (3) Porém o aue causa admiração he ver hum remada
dilatado como o ao Sr. D. João V., e não se fazendo nelle
sentir as calamidades da guerra , achar-se por sua morte o
Eftadn em grande divida. Tal he a situação das rendas
do Eftado por mais de duzentos e cincoenta annos. De
reinado a reinado o Erário hia recebendo maiores golpes»
A Lavoura, e as riquezas primitivas, que, como fica mos-
trado, tem huma extrema connexão com a Adminiftração
das rendas públicas , seguio também os mesmos passos ; e
os Portuguezes , que na época passada davão pão ás Na-
ções eftranhas , nefta começando a ter precisão de pão se
reduzem por fim i ultima pobreza. O ouro , e a prata en-
trarão a crescer no Reino ; porém o pão , e os homens en-
tn(-
(O Montesquieu , Esprit des Loix, L. XXI. C. 18.
(j^ Eíle Ali. se achava aulhentico na Sé de Lisboa.
(O Memoria dada pelo Juiz do Pov« de Lisboa a D. Affonso VI M\
2^0 Memokias
trárâo a diminuir. Para se sentir efta feita concorfeo a mul-
tidão de homens, que D.Manoel expellio; o grande núme-
ro de ^ente gafta nas Conquiílis; aquella que sem limites
se dedicou á Igreja ; os braços que a pefte levou ; huma
considerável classe de gente entregue á litteratura.
§. III.
A expulsão de muitas mil familias feita por D. Ma-
noel produzio bem depressa a feita de pão no reino. Â ra-
zão e os verdadeiros interesses da Republica então mesmo
clamarão no Concelho do Rei.
Sentírao as terras a feita de braços , sentio o Erário
a diminuição dos tributos , carregando sobre os que refta-
vão o pezo , que eftava dividido por muitos. Não somen-
te os tributos feltárâo no Erário , mas efte foi obrigado a
Arabia-
Goes,
faz men-
l^^^^i^^ -f^S ^^ ^^^^^ ^^ P^^ ' ^"^ "^ Reino se começava a sentir.
^èr^>^ >^^^ certo , que elle attribuc efta falta ao trafico , que os
^^'^^'^^ríj^ Chriftâos novos fazião das rendas das Igrejas, e Commen-
das ; como se o preço dos géneros eftivera dependente das
mãos dos que negoceão , e não da abundância , ou rarida-
de dos géneros.
§. IV.
te os tributos faltarão no Erário , mas efte foi obrig
^..^^i!^^^^ resarcir as mercês, a que supprião as Judiarias, e A
^p^^^jd&. ( Ord. de D. Manoel. L. 2. T. 41. ) Damião de
M S^iíIlM^^^^^^U^^i^^^^^ do tempo, e domeftico de D. Manoel fas
Para evitar a feita de pão , que se começava a sene
tir no Reino, determinou D.Manoel, (Ordenações deft-
Rei L. IV. C. 32. ) « que nenhuma pessoa comprasse
yy trigo , nem ferinha , nem cevada , nem centeio nem
yy milho para tornar a revender assim no lugar onde o
yy comprar , como para tirar para feira , pena de perca
» do pão em dobro, yy Defta prohibiçao foi exceptua-
do o pão , que fosse para Lisboa , e o que os alniocre-
yes comprassem. D.João III. em 5* de Junho de i^^^^
ac-
EOOVOMICAS. 231 '
:iccresccntou a eílas penas a de piisab ; mandou que
fosse caso dt devassa , e exiendeo a prohibiçao ao vinho ,
c azeite. ( Corapil. de Duarte Nun. de Leão , r. IV. T. IX^
L. '. Ord. L. 5. T. 76 , e ^(f.) Eftas iresmas prohibições
se renovarão em I5'57 > e em 15'58: (Leão, ibic. L. y.eó.)
D. Sebaftião julgando , que a causa de levantar o pre-
ço era forque os Lavradores recebião dinheiro danteroão,
mandou que em seus reinos ninguém vendesse pão senSoos
que o tivessem de sua colheita, ou rendas ; e ninguém des-
se aos Lavradores dinheiro dantemão , pena de perca do
pão, e do dinheiro, que se desse. Em IS'63 , e 15*68 hou-
ve outras Leis, que continhão similhantes prohibiçòes^ o
que bem moftrava que o mal provinha de outra raiz. Os
Inglezes conhecendo melhor a rolitica , com que se gover-
não os Eftados ^ derão á sahida do pão toda a liberdade. ^
Até ao anno de 1689 a Africa, a Stcilia , a Dinamarca^ ,^J^^^^^-y5Í?k
a Polónia erão os celeiros da Europa , porém daqui jiprlV^c^-* '%^"'^
diante Inglaterra , que antes muitas vezes tinha recorrido, '"
ás NaçÒes eftranhas para lhe darem pão , pela liberdadç^;
e gratificação, que concedeo ao commercio dos grãos , ní^ , ^^ ^
somente teve pão para si , mas annualmente exportou ik ^^^r^^^'^*
Kaç6cs da Europa immensas sommas. O Condado de Nor- ^
folk , reputado antes por efteril , foi depois huma das Pro-
vincias mais ferreis. A mão do Lavrador não somente segu-
ra da venda dos seus géneros , mas também do Aonty ou gra-
tificação , que o Governo Inglez sabiamente lhe prometteo,
entrou a trabalhar com vontade ; e a fertilidade se lhe se-
guio. A Legislação Ingleza permittia ao pão toda a sahi-
da , a nossa fazia-o encalhar na mão do Lavrador , coar-
ctando-lhe a liberdade. (Ord. L, V. T. iiJ.prr) O succes-
so moílrou onde exiftía a razão. A experiência moílra , que
os géneros abundão onde elles tem 5ahida , e que faltão
onde não tem gafto. Naturalmente todo o homem procura
o que lhe he uiil , e foge ao que lhe he nocivo. O Lavra-
dor vendo que os seus géneros não tem sahida , e por con-
sequência , que abaratão , não cultiva a terra , e foge de
hum género de vida > onde não vê utilidade ^ daqui a fnha
de
232 Memorias
de cultura , e após defta a grande falta do primeiro, e
mais necessário género. Assim a Legislação deftes reina-
dos , cuidando que procurava a abundância , trouxe ao Rei*
no a careftia.
§. V.
O grande número de homens gafto nas conquiftas , foi
também hum considerável mal , que soíFreo a povoação.
Não he sem razão que se diz : que para a índia podião
os Portuguezes caminhar por huma eftrada de os^os. Com
a descuberta das terras do Oriente , e da Àmeriça cresce-
rão em Portugal as riquezas de convenção , porém as reaes
se diminuirão. O ouro , e a prata são sinaes , e preço das
cousas , e assim como os demais géneros , na aoundancia
tem menos valor , e maior na raridade. 0> Eftados porém
são felizes não pelo augmento do preço das cousas , mas
sim pela abundância das mesmas. Além difto os braços,
que navião de trabalhar no trafico das terras , forâo occu-
pados em ir buscar a pimenta á índia , e em lavar o ou-
ro , e prata na America ; metaes que á proporção que hião
crescendo perdião o seu antigo valor. Oslnglezes, e Hol-
landezes procurarão evitar efte mal nas suas Colónias , attra-
hindo para ellas muitos eílrangeiros , e trazendo á Eluropa
mais os fructos das suas Colónias , do que occupando-se
em cavar minas. A Hespanha (diz Monte^quieu , Esprit des
Loix 5 L. XXL C. 28. ) 99 fez como aquelle Rei , que pe-
» dio , que tudo o que elle tocasse se converte.se em ou-
yf ro ) obrigado por isso a pedir aos Deoses pozescm êm
#» ao seu mal. >»
§. VL
A pefte concorreo também para causar a despovoação ,
e a ruina da Lavoura. Na pefte de 1569 só cm Lisboa se
conta que morrerão setenta mil alma.*^ : (i) havia dia que
morrião seiscentas pessoas, (2) Em i<j 79 houve outra tão
(i) Sousa , Chron. de b\ Dom. P. a. L. i. C. ao.
Ca) Idem. Pj. L. 6. C. 9.
Económicas. 233
grande, que as sabidas dosG>nvcntos forâo franqueadas. A
efta grande perda se accrescentoii a morte succedida eoi
Africa de D, Sebaíliâo , e a perca da armada , que em 1588
Fílippe II. mandou para Inglaterra , reputada quasi igual
i perda de Africa, (i) As faltas commettidas contra a po-
voação, nem em muitos séculos se podem reparar.
§. VII.
Huma das grandes causas , que diminulo os braços á
Agricultura , foi o mi/es perpetuus y que nefta época pas-
sa com to.ios os seus encargos ás mãos do Rei. He ver-
dade sim y que as terras e bens da Coroa se acha vão pelas
mãos dos Grandes , pelas Ordens Militares, e pelos Con-
ventos: porém não ha cousa mais ordinária nos antigos di-
plomas , do que observar os encargos , que os Senhores de
terras , e outros bens da Coroa tinhão de ir com os seus
homens á guerra. (2) Enão fallando nas Ordens Militares ^
as quaes tinhão a milicia por inftituto , o Prior de San^
ta Cruz renunciou nas mãos de D. AfFonso III. a Villa de
Arronches por entender que não convinha a gente Reli-
fiosa , e clauftral a defensa de lugares fortes , e fronteiros
o Reino , (Brandão , Monarch. L. ia C 9.) prova evidente
de que efta era a obrigação dos que possuião raes bens. Os
Abbades de Alcobaça , e os Bispos acudião em tenvpo de
guerra com certo numero de soldados. (Brand.L.io.C32.)
Além defta obrigação de ir á guerra , ficavão elles também
obrigados a pagar coUectas, que era hum tributo daquella
idade. (3) As Partidas , corpo de Direito que se adoptou
no nosso Reino, nos testeficão iílo mesmo. >f Tener,aizé,
>9 debe el Alcaide no CaftePo Cavalleros, y Escuderos, y
>) Ballefteros , e outros hombres de armas quantos intende-
Tom. V. Gg » rem ,
CO Ibid. L. 6. d 11.
C2) o modo como os encargos da guerra insensivelmente forâo to-
dos passando ao Rei pedia huma particular dissertaçSo ; aqui só se
tocão certos pontos ftr snmma capina*
CO (doação da Idanha feita aos Templários.
i^6 " Mbmokias'
go, e vinte pipas de vinho de renda cada anno. (i) As
sizas deThomar forão oneradas com bum a Capei Ia de Be-
neficiados , que na mesma Villa inftituio ; e para não ser-
mos prolixos referiremos as palavras de Frei Luiz de Sou-
sa , o qual fallando do Convento de S. Domingos de Abran-
tes, diz: (2) » Ajudou-nos D, Manoel com muitas esmo-
9y las, que na verdade os Reis de Portugal sempre forão
99 verdadeiros Padroeiros de todos os grandes Templos , e
yy Mofteiros , porque são mui poucos , que a sua mão ,
yy e liberalidade não de vão tudo ou a melhor parte, n
D. João III. continuou a fazer immensas doaçòes dos
bens da Coroa a favor dos Mofteiros. Lêâo-se as Chroni-
cas das Religiões , e então se conhecerá o damno , que ti-
verão as rendas publicas ríefte Reinado. Elle foi o que deo
os primeiros bens de raiz á Companhia , que ella possuio
no mundo; fundou-lhe oCollegio de Coimbra ^ a Casa pro-
fessa de Lisboa , os CoUegios de S. Paulo de Goa í e de to-
dos os Santos na Bahia. (P. Franciscx) da Fonseca, Évo-
ra gloriosa , V. defte Rei. ) Para o Mofteiro da Annunciada
as jugadas de Santarém forão oneradas com vinte moios
de pão annualmente. ( Sousa , Chr. de S* Dom. P. III. L. i.
C. 3.) A Santa Cruz deo mujtas rçòdas da Meza Prioral ,
as quaes antes servião para premiar serviç.^s feitos 20 Efta-
do. A' Ordem de Cbrifto deo também muitas rendas , e
privilégios j á Ordem do Carmo edificou e dotoulhe am-
plamente o CoUegio de Coimbra ^ e o Mofteiro de Evora.
No Reinado de D. Sebaftiâo, para a suftentação do Con-
vento dos Dominicos em Setúbal se assignárâo aonualmex^
te no Meftrado de S, Tiago doze moios de trigo, moio e
meio de cevada, quarenta mil reis em dinheiro; '('Sousa
Chn de S. Domingos ) e em quanto á Companhia conta a
Hiftoria , que ella tinha o Reino na mão. (Faria, Euro-
pa Port. T. 111. C. 4. p, 4. n. 45'. )
Os
— • -, , . . - . ■ — .. - .. , — , _
CO S^us> • Chrnníca de S. Domingos P. 111. L« i. C. 17»
CO Ibid. P. II. L. 6. C. 7.
Económicas. 237
Os bens da Coroa tinháo entrado em tão éránde inf-
mero nas Religiões , que a D.Filippell. se fez numa con-
sulta , para que muitos Conventos houvessem de largar o que
possulâo da Coroa , ( Sousa , Chron. de S. Dom. r. 2, L. 6.
C. 17.; porém ella não teve eíFeito. No curso dcfta época
só das Casas de. Religiões, que se fundarão de novo rorâo
acima de trezentas e cincoenta ^ e ifto em hum Reino , que
apenas tem cem léguas de comprimento ; Ordens que de
novo entrarão acima de vinte e cinco; ( o P. João Baptis-
ta, Mappa de Port. P. 3.) ao mesmo tempo, que se liião
desmanchando os caminhos públicos , e por consequência
impedindo*se a circularão dos géneros ,.cahindo os muros
das praças, c arruinando-se os caftellos* . ..
Os particulares tiverão o mesmo espirito de accrescen-
tar a somma dos bens Ecclesiafticos , que era já sem limi-
te. Não houve Igreja nem Mofteiío, que não recebesse do-
nativos a títulos ae Capellas , anníversaríos ,';padrQadeâ«
O Sr. D. João V. levou ifto muito a diante. Para con-
stituir a Patriarchal , obra assim como extraordinária , assim
também portentosa nas considerações politicas , gaftou mui-
to. Para património defte respeitável Corpo comprou som-
mas immensas de juros Reaes, e em Roma gaftou com mão
larga. O dinheiro , que girava nas terras onde os fructos tl-
nhâo sido produzidos , que alli animava a Lavoura » e as
artes, se passou a Lisboa, donde o luxo da Corte o pas-
sou com brevidade ás mãos dos Eftrangeiros. Contrahío o
Erário hum- novo empenho ; accrescentou^se hum gran-
de numero de Nobreza. Os trabalhos da guerra,, eo^^ais
do Eftado causáfão dissabor , porque nelles se não vião
os cómmodos , que alli se acha vão ; em huma palavra^
a somma do trabalho já muito diminuta foi ainda a maior
-diminuição. As mãos , que trabalhavão no campo , o^
«bois, que lavravão a terra., tudo foi obrigado a trabalhar
em Mafra, Os bens, 'íjue seaccrescentárãopara o celibatpj
^ò indisiveis, ea politica jiao acha termos, com que poe-
sã exprimir o damno, que daqui tem resultado ao Hítjdo.
238 Memorias
O Apoílolo dizia , que ganhava o pao com o suor do seu
rofto ; e escrevendo a Timotheo , lhe diz : » que em tendo ,
» de que viver, e de que se veftir, fosse contente. » Hum
Lavrador (diz o ílluftreFleury, (r)referindo-sea Platão^ he
o homem mais útil aoEftado; porém dai-lhe huma char-
rua de marfim , hum veftido de purpura , huma capa de
ouro,' huma meza abundante, e delicada, elle não quererá
trabalhar. Da r gra de S. Bento ( Cap. 48.) se vê , que
era coftume. entre os Frades o trabalharem no campo , já
na vindima, já na ceifa, e em outros trabalhos ruftico3 ;
de herejes Euchitas erão tratados aguelles , que tinháo para
fii , que as preces , e oraçòes supriáo o traÍ3alho. ( Epiph.
hser. 80.) Pcrdeo-se o trabalho nefta táo considerável clas-
se de homens , e náo somente o trabalho se perdeo , senão
que o património do Eftado se dispendeo em seu favor. O
número do trabalho ficou diminuiao, o do ócio augmenta-
dg.. a Lavoura perdida.
'S 5.IX. .
^ A classe de gente deftinada á litteratura jurídica cres-
ceo nefta época sem limites. O Direito Romano , pro e con-
tra o qual se tem disputado muiro depois do renascimento
nias letras, não sei se a Portugal tem trazido mais mal do
-que bem. Eki não disputo aqui da sua economia ; só digo
que a legislação, que entre nós se derivou das Leis Roma-
nas, tem produzido muita falta de mãos , que no campo
havião de trabalh r. O Direito Romano , como se vê das
-Concordatas de D. AfFônso III. , era já em uso no mepmo
Reinado ; porém no Reinado de D. Pedro L era tanto o mal ,
que elle tinha occasionado , que Fernão Lopes refere, que
aquelle Roi m^índára : » que em sua Casa e em todo o sen
99 Reino não houvesse Advogados alguns; porque achou,
99 que os Procuradores prolongavão os feitos como não de-
»f viãó,'edáv3o occasião de haver maliciosas demandas. »>
Apiízàír <leilíi::prohibição, como omal eftava no vafto cam-
po da Jurisprudência Romana , que juntamente tinha sido
ç ad-
(1) ^ieury « Discour.II.
Económicas.
^i9
admittida com os Foracs , e Leis amigas , foi o mal cada vez
a n^ais. N > Reinado de seu filho D. João I. faziSo os Juriscon-
sultos já huma ordem de Eftado separada , ( Chr. Ântiça ,
P.IÍ. Cl.) e daaui para diante a Hiftoria noí- moftra efta clas-
se disputando á antiga Nobreza os cargos honrosos do Efta-
do Já vencida , já vencedora tila adquirio privilégios mui-
tas vezes pedidos ptlos Grandes do Eftado; (Oíd, L. IL
T. 59. ) c efta he huma das causas , porque para aaui sé
vai a inclinar huma grande parte da Nação, e se rorma
hum sem número de ramilias, que desdenhSo o trabalho.
Em favor dos Jurisconsultos entrou a fazenda Real
nefta época a fazer grandes gaftos : o número dos Magis-
trados, e Tribunaes se augmentou consideravelmente. Até
ao Reinado de D. Manoel não pagava a fazenda Real sa-
lário aos Magiftrados das terras , assim como hoje o não
paga naquelias , que tem Juizes Ordinários. Efta infinidade
de cargos , crea da para os Jurisconsultos, fezaggregar mais
gente a efta classe. Até ao tempo de D. Manoel apenas se
contão dons Escritores de Direito , que são Consobrino^
Reinado de D. Affbnso V., e Rodrigo de Santa Cruz , goyc\
nando efte Monarcha : porém , depoisque elle deftinou ^\
Jurisconsulos cargos permanentes, appareccm muitos. C<3t'
a formação das Filippinas fazem elKs todo o Direito
Portuguez incerto j a Escholaftica ajudada defta incerteza
reduz quasi toda a Legislação á chamada praxe , e uso do
Foro. Da incerteza do Direiro nascem pleitos a montes, e
demandas sem fim : daqui a necessidade de muitos Minis-
tros, Letrados, e Officiaes dejuftiça.
Hoje huma grande parte de gente no nosso Paiz vive
da adminiftração da Juftiça. Quando se fez a reforma da
Universidade havia seis para sete mil Eftudantcs matricula-
dos , e segundo hum calculo muito em grosso passão mui-
to de seiscentas as terras , em que na primeira inftancia se
começâo as causas; quando em tempo deAugufto, quaíi-
do o paiz formigava em gente, apenas tinha quatro tfibur
rir es onde se despachavão as causas , que crao Merida ,
Beja j Santarém , e Braga ; mas por isso mesmo abundava
cn-»
7áp Memohias
então o Paiz em homens^ porque praticamente se tinha a
máxima , de que codas as classes , que diminuem a somma
do trabalho na Sociedade, devem ser o menos que for pos-
sível.
§. X.
Os muitos y e grandes cómmodos que se achavão na
Jurisprudência , e na vida Ecclesiaílica fez para alli correr
toda a Nação , em tanto que das Sciencias Naturaes nem
o nome de algumas se sabia , tendo-sè em pouca conta os
que neilas trabalhavâo. Nâo era assim nos antigos tempos ^
qiiaodo a Lavoura florecia no paiz. A Hiftoria nos moftra
muitos alumnos das Sciencias Naturaes , que então se co-
nheciâo , levados ás primeiras dignidades do Eftado. D. Mar-
tinho Medico de D. Diniz passou a ser Bispo da Guarda : o
Meftre Pedro Chanceller ^a<Sr , no tempo de D. Diniz , en-
sinou a Medicina : o Papa João XXI , nosso natural , foi
Medico mui celebrado *: S. Frei Gil , homem de huma dis-
tincta nobreza ; o Meftre João Vicente , Bispo que foi de
Lamego, e Viseo, exercitarão a Medicina, (i) Porém as
cousas fbrão tão mudadas , e as prcoccupações prevalescêrão
tanto , que apenas tem baftado contra tao grande mal asse-
veras penas, que nos Eílatutos Académicos forão commina-
das. A Fysica ^eral , a Hiftoria Natural, a Chimica, a
Mechanica são indispensáveis a hum paiz, que quer fazer
florecer a Agricultura , e por consequência o bem público.
Da terra he que nos vem o suftento , e ella o dá em razão
do trabalho; para efte se fazer comraodamente vem as artes
fabris; a perfeição deftas depende da Mechanica ; a Mecha-
nica de Geometria , e sciencias de Calculo. E como a ter-
ra não produz só em razão do trabalho , mas também em
razão do clima, e da seva , e sueco nutriticio das plantas,
daqui a necessidade da Fysica e suas partes. Eftas Scien-
cias porém tão úteis ao homem , sem conhecimento e pro-
pagação das quaes hum Reino he inculto, pobre, e ralto
de
(i) Brand. L. i6, C 72. Sousa , Chr. de S. D4>iningos , o P. João Ba-
plilU. Mapp« dePort.C. |< §. lú.
E C o K o M I CA S. 241
<le forças , forão ignoradas pelos Portuguezes j e o monopó-
lio das Humanidades lhe fechou por muito tempo as por-
tas; persuadindo aos seus aluamos , que* com elias tinha
entrado a heresia no Norte.
§. XI.
Os eftudos das Humanidades , que sao o fundamento
de todos os mais , contra a vontade dos povos passarão ás
mãos dos Regulares no Reinado de D. João III. Homens ,
que tem por Inftituto desprezarem o mundo , como havião
de formar o pai de familias, e o homem sociável? As Leis
he que fórmao os coftumes -y as que exiftem nos Ciauftros
são diferentes das que formão a República. As obrigações
do pai de familias são diversas , das que tem o Regular
inettido no seu cubículo. Huma das causas , que o profundo
Genuense dá , para que as Sciencias não se tivessem aper-
feiçoado em Nápoles he » porque quasi inteiramente o cui-
9f dado das Sciencias se deixou aos que por seu Inftituto
99 não tem por fim fazer Cidadãos. " (Economia Civile,
P. T. C. 12. §. 19. nota 6. ) Daqui a origem do amor ao
celibato , . o aborrecimento aos incómmòdos do mac^imo-
nio \ os eílabeleci mentos úteis mofados ; o amor de doar
ás Igrejas, eMofteiros feito huma regra de Religião; ore«
sultado de tudo muito ócio , pouco trabalho , pouca La-
voura , poucos homens , tributos muitos : tal he a descri-
Íçao da Lavoura neíta época. O Reino, que antes punha
um exercito de vinte , e trinta mil homens , apenas no
Reinado de D. Sebaftião pôde pôr onze mil ; que sendo ri-
co antes , e florecente , nos Reinados de D. Sebaftião , dos
Filippes , e de D. Pedro II. he descripto como hum Rei-
no cneio de pobreza , de pequenas forças ,• e que pou-
co podia; (i) que suftentando antes sete mil cavallos,
no Reinado de Filippe IV. , apenas se achava com dous
Tom. F. Hh mil ;-
(O Mr. de Southwel ao Lord Sandwic , Carta 5.* Frei Luiz de Sousa ,
Chroii. de S. Domingos ^ P. i. L« ). C. $.
24^ Memorias
mil; (i) quedando antes pão aos Reinos eftranbo?, neftc
mesmo Reinado apenas lhe chegava para apouca gente que
finha: (2) e aô depois nem para essa chegou , sendo ne^
cessario entrar de fôra huma grande parte. (3)
§. XIL
Entre tantos males , que soffreo a Agricultura nefta
^poca y que a pozerâo na ultima rui na , dous ramos de no*
va Lavoura forao achados , e não de pequena utilidade,
não havendo já memoria de outros dous , que se tinhâo
perdido , que erão os canaveaes de assucar , e as sementei-
ras de arroz , de que fazem menção as antigas escrituras
( Brand. Monarchia L. i6,C3C.)
As laranjas « e milho grosso começarão entre nós a
cultivar-se no curso defta época. D. Francisco Mascare-
nhas em 1635' mandou vir aa China a Goa, e daqui ao
seu jardim de Xabregas as primeiras arvores de espinho ,
que entrarão na Europa , e com tanta utilidade para Por-
tugal , que dahi a poucos annos só Inglaterra gaftava oi-
tenta mil cruzados por anno , e assim á proporção as mais
Naç6es do Norte ( I>uarte Ribeiro de Macedo , Disc, so-
bre as transplantações Ms.)
O milho grosso sendo achado na America como sus-
tento commum dos índios , de lá veio para a Hespanha ,
e de Cadiz o trouxe hum lavrador do campo de Coim-
bra ; e o (juanto efta introducção foi útil ao Reino he a
todos notória, (ibid.)
CA-
CO Garcia de Resende • Chr. de D. João II, Abrege Hiftorique de
Portugal.
(3) Faria Epit. Pat. 4. C. 11.
(O Vaisset. Gcorg. Hift. T. 8. }. n. s. Bielfeid Inft, PoKtiq. P. 4.
C 5. n. a8.
ECOKOMICAS. 243
CAPITULO VII.
Da Agricultura Portugueza desde o Reinado do Sr. D. Jo-
sé até ao presentt da Rainha N. S. D. Maria L
E
§. I.
Ncremos na sétima época da nossa Lavoura , na qual
ella começa a ver alguns eftabelecimentos , que lhe sao fa-
voráveis. A razão , que por toda a Europa entrava nos Ga-
binetes , he escutada no throno de Portugal. A igaorancia
lie o maior mal , que o homem pôde ter. A arte da ra-
zão , que tinha dado muitos passos além de Sócrates , e
Epicuro j começou a entrar nas nossas Escholas em lugar
das escholafticas gritarias , que alli se ouviâo , e o Minifte-
rio entrou a buscar caminhos de fazer felizes os Portugue-
zes. Os Sábios mais respeitáveis das Naç6es eftranhas lhe
tributão taes louvores. Haverá desasete annos , que o pro-
fundo Genuense escrevendo em Nápoles, dizia: »> OsPor-
9^ tuguezes buscáo todos os caminhos para ser a Nação.
» mais sabia da Europa ; w (i) e vai em treze que o ju-
dicioso Author da Viagem da razão em Europa , notando
entre outras cousas que a ociosidade fazia a desgraça do
paiz , diz : " E)eve-se confessar , que a luz se espalha
>f vivamente em Lisboa, e que os Portuguezes comejâò a
99 conhecer muitos pontos interessantes. »> (2) Nada con-
duz mais para a ruina da Agricultura , do que a barbari-
dade , e a ignorância do povo. Vejamos especificamente
os bens, que reccbeo a Lavoura nefta época , depois pas-
saremos aos antigos males , que continuarão , e a alguns
que de novo se introduzirão. A penna do Hiftoriador não
escreve do mesmo modo, que a do Panegyriíb.
Hh ii §. IL
CO Ecoiiom. Civile , P. 3. C. lo. §. 15. nota 6.
(O C. n.
244 Memorias
§. II.
Hum dos maiores males , oue a Lavoura pàdèce •em
qualquer Eftado , he o grande lucro , que se concede ao
dinheiro pofto a juro. Se as riquezas de convensão empre-
gadas na terra e sua cultura não rendem senão três por
cento, porém dadas a juro rendem cinco, seis e mais , to-
dos buscão o caminho de fazerem maior lucro , e delxão
aquelle, onde vem menos ganho. O que daqui acontece he
ficarem as terras em grande parte incultas, e sem o neces-
sário fabrico. Em Hollanda o lucro do dinheiro he a três
por cento , e nos Reinos da Europa , em que a Agr cultura e
as artes ílorècem , he também diminuto o juro , que o di*
nheiro ganha.
Entre nós antes do anno de 1757 o juro commum era
a seis e quatro por cento. Então se fixou a cinco por cen-
to ; e era para desejar , que cllé desse maior baza ; porque
á proporção a induftria, e a Lavoura crescerião: os fundos
territoriaes começarião a ter mais valor, e a Lavoura a es-
tar em melhor situação.
§. III.
A Lavoura , com todas as mais riquezas primitivas,
como acima notamos, eftão dependentes da circulação dos
géneros ; porque elles abundão onde tem fraco consummo.
rara haver consummo de géneros he necessário haver gen-
te , que faça gafto ; para haver huma povoação abundante
he preciso buscar caminhos , de que se possa manter , e
coarctar aquelles, que lhe tirão as riquezas de convenho,
por meio das quaes os géneros circulão com facilidade.
A induftria extincta em Portugal , o luxo augmentado
de idade em idade era a causa , porque todo o ouro , que
se cavava na America , promptamente passasse ás Naç6es
eftranhas, as quaes por efte meio eftavão de posse de 10*
das as nossas riquezas. Sem eílas não pode haver abundân-
cia de homens i sem abundância de homens não pôde ha-
ver
Económicas. 245^
ver ccnsummo de géneros; sem consuir.rro de géneros náo
pôde haver florecente Lavoura. Na siiuaçSo, em que eflá
a Europa , he a induftria e o luxo indispemavel á Agricul-
tura. Os fundos de terra , pelas inlliniições de morga-
dos , e outros géneros de vincules , são desigualmente di-
vididos y e por isso os proprietários tem mais fructos , do
que elles podem consummir. Supponhamcs que não la lu-
xo, não ha as artes, que lhe servem de base j não haven-
do eftas , hão de crescer os fructos j crescendo os fructos , e
não havendo queni os consumma , segue-se a ellerilidade,
e a falta de povoação. Assim por huma admirável con-
nexão desconhecida aos declamadores contra o luxo , as ar-
tes mantém a Agricultura , e reciprocamente efta mantém
as artes. Tal bem começou a ter a Lavoura no Reinado do
Sr. D. José L Pelo cuidado , que o Miniílerio deo a excitar
a induftria , começou o dinheiro a ficar no Reino ; daqui
o caminho aberto para crescer a povoação , c circularem
os géneros , bem essencial da Agricultura : a efie alvo sq
dirigirão muitas Leis publicadas em 175Z, 1756, 17^7 f
17Ç9 , 1760, nas quaes se prohibe a extracção das sedas;
forão determinados Eftatutos para ajunta doCommercio,
para a Fabrica da seda , para a Aula do Commercio , &c.
§. IV.
As terras tiradas da circulação da Sociedade era outro
damno grande, que a Lavoura tinha soffrido. Os homens
olhão de differente modo os bens, dos quacs não podem
dispor a seu .arbiirio , do que aquelles em que tem Jium
inteiro dominio. A ifto se accrescenta , çue se efte tem
meios par^ bem cultivar o seu campo, áquelle lhe fíiltão;
ea terra, que nas mãos de hum rico agricultor produziria
vinte, nas do pobre nem dez produz. Os princípios de Di-
reito Romano , que dão a cada hum a liberdad»* de teftar
a seu arbítrio , as inftituiçtíes dos morgados , as infinitas
aquisií^ões , que as Igrejas, eMofteiros tinhão feito, ouso
do foro , que tinha feito inalienável tudo o que tinha q
mi-
146 MSMORIAS
inmiino encargo de Mresas , tinhâo impedido a circulação
á maior parte das terras do Reino. As Leis evitarão efte
mal em grande parte. A liberdade de vincular bens foi
coarctada. Por meio de aíFora mentos os bens Ecclesiafti-
cos, que erâo como mortos para a Sociedade, entrarão no
seu giro : o teftar em favor das Igrejas foi reftricto.
§. V.
O bem da Republica eftá junto com a Sabedoria, es-
ta gera a polidez dos povos , augmenta a induftria , coar-
cta osbra;os ociosos, sabe tirar partid) das Potencias visi-
nhas, e conhece. os obftaculos, que se oppôem á conserva-
ção , e augmento do Eftado. A Induftria , e Agricultura vão
sempre de par com a arte de cultivar a razão, com asMa-
,,j^ . jhematicas , com a Fysica , com as Disciplinas Politicas, e
*-j!** Económicas. A experiência de todos os séculos dá provas
hCtX[ Gpntfadic^'ão. A expulsão doPeripato; o eftabelecimen-
tq dd^^Collegio de Nobres; a introdus.ção das Sciencias Ma-
tfiímaílcas; a Reforma da Academia, na qual aChimica,
. , 1^;^^^^^^'^^^ apparecem pela primeira vez aos Portuguezes ,
v^m}^^^;^.^ de Iium bem infinito para a Lavoura. Já mais houve
povo agricultor , que não fosse juntamente sábio j nem tam-
tem o houve desprezador da cultura, que não fosse igno-
rante , e bárbaro. As Artes e as Sciencias raiando no hoíí-
so paiz lhe moftrão o caminho , que antes era pouco tri-
lhado. A Nobreza Portugueza come^-a a encher o seu en-
tendimento de conhecimentos úteis j e em todas as classes
do Eftado entra nova cultura.
§. VI.
O celibato , que impede o numero dos braços necessá-
rios ás fadigas do campo, tinha crescido sem limites. Lan-
cemos os olhos para o Corpo das nossas Leis, obsct vemos
os eftabeleci mentos, que aSociedíde tem feito; quaes são
aqudles , que sejâo em favor dos pais de familiaseem au-
gmen-
Económicas. 147
gmento da povoação ? Hurra Lei ha , que determina , qi:e
todo o que tiver officio de julgar , ou de escrever ^cja obri*
gado a casar dentro de hum anno , ou perca o ofFcio ; (Ord,
L. I. T. 94. §. 1.) porém qual he a sua observância ? Todos
os eftabelecimentos lucrosos feitos em favor do celibato in-
clinarão para alli a Nação inteira. Principiou finalmente aLe*
gisiação a cohibir o excesso , que a elte respeito havia. O
teftar pelo bem da alma foi limitado; muitos encargos cha-
mados pios forâo abolidos; e o entrar tanto no clero regu-
lar como secular foi reftricto; e defte modo começarão a
crescer braços á Lavoura , e ás Artes,
§• VIL
As esperanças , que o homem tem , de que o seu trá-
balho lhe aproveitará, eáquelles que a clle succederem ou
por diteito cio sangue , ou por vocação teftamantaria j he que^^ y^ i^
o animão a plantar. A liberdade , que tinbão os directci^/-,^^T^-^-^^^
Senhorios , de remover findas as vidas os descendente? à)l^^J^^^^p^^'-i^\
?[uelles , que de hum terreno inculto ti nhão feito huma-tmá^t^.^^ J^^^^
ertil ; os novos tributos, que se impunhão, segundo ?:4^^C^^|^ c)^' ^^
Ihor situação, em que se achava hum praso, tudo confctoriíj||.r^^?/^
para que efta parte de terras, e não pequena, ficasse scitIj''^^^^/^^"^
a cultura , de aue era capaz. As Leis atalharão eftes ma«
les ; e a Agricultura recebeo hum vantajoso bem.
§. VIIL
Hum Soberano , que p6e cuidado nos Interesses do
seu povo , busca todos os meios de augmentar os homens
no seu paiz , contando por hum grande mal tudo , o que
produz a despovoaçao. A diftinção de Chriftãos velhos , e
novos era causa porque muitas iamilias se fossem com as
sua 3 muitas riquezas eftabelecer em Reinos eftranhos. Jesu
Chrifto não quiz que na sua Igreja houvesse diftincção de
Grego ou Judeo , sendo hum para todos ; comtudo eíla
portão de homens , que pelo Baptismo entrou na Socieda-
de
^4^ M B M o B I A S
de da Igreja y era excluída assim do Sacerdócio , como dos
cargos honoríficos do Eftado ; ao mesmo tempo, que em
Rom.4 occupaváo as mais diítinctas dignidades Ecclesiaíti-
cas as famílias , que de cá se tinháo hido.
Dois grandes males procedião defta díftincção. O pri-
meiro perder o Eftado a povoação j e por consequência
a Agricultura , e a Induftria soíFrerem hum grande mal : o
outro era virem buscar as riquezas a Portugal, para as h-
zerem girar em outros paizes; perdendo por efte modo a
Republica o giro das riquezas de convenção » que tanto
augmentão as naturaes.
Nos tempos bárbaros mesmo forâo conhecidos os ma-
les, que provem ao Eftado de similhantes diftincções. Re-
cesvindo fez lei , pela qual tira a prohibiçâo dos casamen-
tos entre os Godos e Romanos ( L. Wisig, L. 3. T. i. C. i. )
Sobre efte ponto no século passado escrevia assim Manoel
de Faria e Sousa : (Epit. P. 2. C. 2. n. í 6.) » Ligàron se pues
>9 con amiftad V parentesco dando se unos a otros lasbijas
99 por mugeres Portuguezes y Suevos tan unos , que en poços
» anos no se supo quales eran los Suevos, ô quales.los Porru-
99 guezes. Lo mismo sucidiò el síglo passado en Caftilla en-
» tre losChriftíanos nuevos ,y los que no lo eran; mezdan-
>> dose de manera que de los primeros se presume extincto
») el error, e de los segundos noafrentadas las famílias. Al
99 contrario passa en Portugal , aonde ojr para conservarse
99 esta division no dexando de mezclarse muchos , peligran
99 en el honor , beven yerros en el peligro , y son perpetua
' 9> mancha de la nobleza. »
Efte mal foi atalhado , e-as opiniões antigas forão
oppimidas. Arrancar preocupações he a mais difficultosa
cousa , que era favor do seu Povo obra hum Soberano il-
luminado.
Em proveito da Lavoura foi a isenção concedida aos
moradores das Ilhas, e do Alí^arve para não pagarem de-
cima do pao e legumes , que i Corte trouxessem i aijo be-
neficio se ampliou depois a todos os moradores do Reino.
Tudo o que faculta a sabida dos géneros augmenta a sua
abun-
Eco HOMIGAS. 249
abundância , assim como o que os empata produz a falca ,
e a careítia.
Entr^ftes bens , q je a Lavoura reccbeo , e por con-
sequência o^em publico divisio-se enrrarem-lhe de novo
alguns males » e de não pequena consideração.
§. IX. "
Fortificar hum Eftado , e faze-lo respciíado por suas
atmas he hum dos mais essenciaes cuidados ^ que tem a
Politica. Huma Republica ,onde asSciencias tivessem huma-
iiisado o coração dfos seus habitantes, e enchido o enten-
dimento de conhecimentos úteis ; onde a exacta observância
das Leis , e huma severa Politica assegurasse as pessoas , e
bens dos vassallos ; onde a Agricultura , e o Commercio es«
palhassem por toda a parte a riqueza, e a abundância, se«
ria feliz internamente ; podem poréná causas externas per-
torbar a sua paz, e proiduzir a sua mina. A milicia tanto
terreílre como naval, he que o segura. Quando Annibal eítá
ás portas , he juftp , que se armem todas as mãos, quanto
pode ser ; fora defte caso o miks perpetuus acima das for«
ças doEftado he a sua ruina. Hum exercito leva infinitos
cabedaes^ e se he acima das forças do Eíkado vai todos
os dias a consumi-lo insensivelmente. Huma experiência
continua fez conhecer á Europa, que hum Soberano, que
não tem mais que hum milhão de vassallos , não pôde sem
se deftruir asi mesmo , entreter mais de dez mil homens
de tropas, (i) No actual sjftema da Europa sòosEftados,
que podem fazer a guerra por si mesmo , he que podem
entreter grandes exércitos. (2) Hum Soberano , que conser*
va hum grande exercito , he como hum particular , que
alimentando muitos criados tem as mãos prezas para qual-
quer outra despeza , pofto que lhe seja vantajosa. (3) A
Tom. V. li tro-
co Montesquieu 9 Consid. sur lei causes de Ia grindeur des Romaíns ,
Chap. ]•
(a) Bielfeid . Iníl. Polit. F.j. Chip. 4* §• U*
(O Ibid. P. a. C. 6. §. 7. •
n^o Memokias
tropa em grande niJinero siipp6e hum grande território ,
hum paiz bem povoado, o commercio florecente, a Agri-
cultura em bom eftado. Se ifto lie pelo contrario , carrega-
se o povo de tributos , esgota -se o Erário , fica a Lavoura
sem braços , e a Induftria setn mãos. Os grandes tributos
em hum Povo augmentao o preço dos géneros, (i) e das
manufacturas ; do augmento do preço segue-se o não se po-
der suftentar a concurrencia com os eftranhos ; prevalecen-
do os géneros , e a induftria eftranha pela sua barateza ,
não tem sahida o que he próprio do paiz ; não havendo
sahida , não ha utilidade ; sem efta não ha fabricar nem
cultivar; sem fabricar nem cultivar não ha meios, com que
se suftente a povoação; sem efta não pode haver grandes
exércitos: he logo claro , que o grande número de tropas,
quando he sem proporção , em lugar de fortificar o Efta-
do o enfraquece. Âs boas ailianças, a tropa , que não op-
prime o paiz , a severa disciplina militar observada nella ,
a pericia dos cabos ajuntando á theorica o exercício práti-
co da guerra , he que dá ao paiz a segurança externa.
Os diversos cálculos do exercito , que em difFerentes
tempos teve o nosso Reino, que acima ficão referidos, mos-
trão , que o maior número , a que chegarão as nossas tro-
pas nos tempos mais florecentes ou da Lavoura oi> do Com-
mercio , foi de trinta mil homens ; e ifto em tempo , em
que havia Donatários da Coroa , que forneciao mil peães ,
e duzentos cavallos. No Reinado passado do Sr D. José se
pôz o exercito no regulamento de quarenta e oito mil lio-
mens de infantaria , e oito mil de çavallaria. (2) Tão
grande número de tropa suppunha , que o Commercio , e
a Lavoura eftivessem em huma situação 'tal , que excedes-
sem os melhores tempos , que celebr^^vãtí es faftos da nos-
sa Monirchia. Porém nesses mesmos escritos*, onde se cal-
cula o nosso exercito , se descreve a situação do paiz a
mais deplorável: as terras sem cultura, a Coroa sem the-
. sou-
(0 V. Genuense , Econom. Civil. P a. C. ij. §. j6.
(2) Cartas Inglezas sobre o eftado passado » e preseate de Portug, 10.
Cart, a» e 6.
^ j
E a o K o M I c A s. ayr
sout-o, o Eftado sem finanças, as artes perdidas, a inJus-
tria extincta , e a Capital feita hutn gioiitão de ruínas.
Nâo somente a Lavoura tem soffrido hum grande mal
com os tributos, qne de novo lhe forão poftos, mas mui-
to principalmente com o número de braços , qíie lhe tem si-
do tirados : o mal he indisivel. Os Lavradores nao achâo
criados para as suas abegoarías ; o preço dos serviçaes tem
augmentado; os jornaleiros faltâo para os trabalhos míti-
cos. Qi^ando ifto se escreve, que he a vinte de Março do
presente anno de 1782 , acabo eu de ver queixarem-sc mui-
tos que querendo fabricar suas vinhas , e mandar fazer ou«
tros serviços do campo , nío achao jornaleiros. As levas pa-
ra o exercito p6e a casa do Lavrador sempre em perpetuo
sufto. Ifto passa á vifta de todos. Os oificíaes dos Capitães
mores , cabos de esquadra , sargentos , alferes , &c. a maior
parte do anno p^sslo em patrulhas dando busca i$ casas
dos Lavradoras. Enchem-se as cadêas de campinos , solrao-
se huns , carregados de grilhóes ; são outros levados aos
regimentos dos seus deftrictos : horrorisados com taes pre-
lúdios desertâo , perde a Lavoura braços , o Eftado a po-
voaçãor
A Lei de 1764 deo a forma do aliftamento para a
tropa : isentou das recrutas os criados dos Lavradores,
que lançassem i terra seis moios de semente ; que foi
quasi o mesmo , que dizer , que a maior parte dos bra-
ços , que trabalhão no campo , serião recrutados. O as-
sim cultivado pelo Lavrador , que seméa seis moios, nâo
produz melhor , do que o lavrado por aquelle , que se-
méa hum só ou menos. Já mais ha dia no campo , em
que o Lavrador, e s us criados nâo tenha que fazer. Náo
só do pâo vive o homem. A' sementeira do pão de sa-
ruga segue-se a colheita da azeitona ; a efta a cava e
mais cultura das vinhas ; á cultura das vinhas a sementei-
ra de legumes, e pão serodeo com seu laborioso trafico;
a ifto a ceifa do pao temporão, malha, e debulha. O Rei
da Prússia passado recebia com graride agasalho os Corte-
zãos, diante de cuias portas via nos campos maiores mon-
li ii toes
2^z Memoria á
t6es de adubo : sem elle he a terra pela maior parte infru-
tifera : daqui vem a necessidade , que o Lavranor tem de
gados, sendo eftes para os povos huma fonte de riquezas
de carnes , de leite , de queijos , de lá , base da Induftria. O
gado vacum , que lavra ás terras » as egoarias necessárias á
xnilicia, e serviços domefticos, &c. tudo faz parte da La«
voura , e para tudo ella necessita de braços. A classe dos
homens , aue suftenta os mais , devia ser sagrada. A som-
nia do trabalho, he que faz as riquezas doEftado, e a fe-
licidade pública. A porção da terra , que se cultiva ^ o nú«
xnero dos animaes necessários para o seu adubo , e cultu-
ra , os géneros , que ahi são cultivados , he que podiáo dar
alguma regra para tirar braços á classe de homens a mais
útil , que tem o Eftado , que á proporção (]ue se augmen*-
ta, cresce .o thesouro do Eftado, a leptilidade dos cam-
pos , a abundância dos povos. A maior parte do Reino se
suftenta hoje de milho grosso. E que número de braços não
leva a cultura defte pâo? a sua fertilidade he mais desds
partes , do que a do pão de saruga ; porém o seu trabalha
Jie também muito mais de seis partes ; e por isso a sua
cultura mais proveitosa ao Eítado por entreter maior oúr
mera d^ homens.
§. X.
A classe deftinada á Litteratura foi diminuída , tanta
por via da reforma da Universidade , como por via das res-
tricçôes, que se fizerão ao Clero tanto Regular como Secu-
lar; porém ifto foi coarctação do mal, e não a exrincção
delle. Quando se cortão os ramos , mas íicão as raizes,
os rebentões crescem cora maior íbrça. As immensas rique-
zas , que tem o Clero, o poder chegar aos maiores cargos
doEftado só por via da Jurisprudência , he que erão as raí-
zes de se não cultivarem as Sciencias Naturaes , de ser mui-
to o número do ócio , e pouco o número do trabalho.
No século passado se i^zia já sentir aimmensidade de
cargos dejuftiça, que havia. >> Es cosa deadmiracion (di-
99 zia hum Escritor nosso daquelle tempo) que nò crecien-
99 do
E C .0 K o M I CÃ S. 25^3
>» do nada Ia tierra , iii tanpoco se multiplicasse la gente
» (antes por falta delia eftá perdida la cultura demnchas ve«
M gas) y que creciessen tanto los Tribunales , y los Miniftros
9) de jufticia , con zelo de que lá huviesse , y que por ser
9> ellos tantos , ella sea menos. Hafta los tiempos de D. Juan I.
9> con quatro Corregidores .. . se governava todo el Rci-
n fio; mas por esto se governava. Que desgovierno inayor,
99 e que mayor injufticia , que en rodos los lugares de seis
» personas, que se encuentran , la una delias, via mitad à
M veses sea n Miniftros , yOfficiales? De que nan vivir es-
>9 tos ? ellos mismos con mayor mano han de ser authores
9> de maldades para suftentarse delias , oso afirmar que se
99 hallàran menos pleitos , que Miniftros. 99 ( Faria Epir«
P.4. C. 12. §. i.) O mal cresceo tanto, que na menoridade
de D. Aftbnso VI. a Rainha D. Luiza importunada com
queixas da desigualdade , com que se adminiftrava a juftiça
aos Tribunaes , os mandou visitar ; (i) e pouco depois , como
já acima notámos, se tratou da utilidade , que teria oEftado
em se diminuírem os Tribunaes. Os cargos deftinados áju**
risprudencia crescerão em maior número ; e quando por liu-
ma parte se lhe eftreitava o caminho , por outra se alar-
gava. A tarifa antiga de chegar só por via da Jurisprudên-
cia aos cargos da Magiftratura ibi conservada. Ainda*^ no
Reinado de D. Manoel, como se vé das suas Ordenações
(L. 3. T. 50. §.3.) havia muitos Desembargadores , Corre»
gedores , e Juizes de fóra , que nâo eiáo Letrados ; e segun<^
do a Jurisprudência Romana , a que tanto se aftringírão o»
nossos Jurisconsultos , havia diversa forma para chegar aos
cargos de Magiftratura. O eftado militar, fundado em hu«
ma disciplina severa , e em huma exacta subordiíriRção , era
o fundamento de todos os outroa ; e nefte eSado era ne*
ccssario passar dez annos antes de exercer algum emprego
da Repuolica. Os que nelle tinhâo dado provas de me-
recimento diftincto , e tinháo chegado á idade de vinte e
seis annos para vinte e sete , rínhio o direito de solicitar
na Assemblea do povo o cargo de Queftor , ou Tbesourei-
_ • , ro ,
Cl ) Poxtugal Rcftaurado « P. a. L. 7.
^ -
25^4 Memorias
ro ; a efte car^o pertencia a admlniftraçlo daà Finanças ,
pagar os salários dos officiaes e soldados, dar contas da
receita e despeza ; e por efts caminho chegavão a conhecer
a Econohiia Politica do Raiz. Tendo exercitado cargo de
Queftor com approvaçâo^ passa váo a ser Edis, cargo per-
tencente á Policia y no qual tinhâo meios para conhecer os
divo-sos caracteres dos homens. Depois difto he que passa-
vâo á Pretória , a qual os confti tuia Juizes eiveis, e crími-
flaes de todos os negócios. Efte mesmo plano se adoptou na
Rússia em nossos dias. (Inftituit. du Corp. des Cadets , P. 2.)
Comparemos a classe de gente , que se subtrahe ao traba-
Iho em hum e outro plano , e enrão concluiremos em fa-
vor de quem eftá.a rasâo. E tornando ao nosso propósito^
as causas de se augmentar o ócio em lugar de se diminui-
rem forão em augmenro. As Leis , longe de se simplifi-
car , forâo em maior confusão , os empregos , que se de-
vião diminuir , forão augmentados. Os vicios principaes
do Cjdigo authenrica forão desconhecidos , a desorviem
^dâs Fllippinas, esua contradicção continua foi ignorada.
^.^^ __^^íí> ^As vinhas servem muito para entreter a povoação; o
^^^^^^l^j^senfior delias tem lucros vantajosos ; porem também dis-
^'^ pende muito no seu fabrico. Huma das causas, por que a
França entretém hum grande nii mero de povoação., he por-
?ue tem grande quantidade de vinhatarias: ( Montesquieu
-•.23. C 14. ) o trafico dar terras faz também huma es-
Eície de manufactura. Entre nós efte considerável ramo da
avoura , e do Commercio podia ser de mais proveito á
Nação senão tivesse tanto encalhe nas mãos dos Lavrado-
res : os relegoi , reliquias ainda doi antigos Foraes , as pos-
turas de muitas Cameras , pelas quaes se licencêa só cerro
número de vendedores, as taxas da Aluotaçarla, as licen-
ças dasCamerás para a vendi, tudo lhe difficulta a sabi-
da, s.'m à qual não ha grande cultura.
§. XIL
E c ô w c m 1 c^Jí s. 2SS
§. XII.
Como as Sciencias Naturaes crâo entre nós desconhc^
cidas , efta he a causa , per que a' n« ssa Hiíloiia Litto-
râria não nos prescnta tractadcs , e livres úteis da arte de
cultivar os campos. A Natureza moftra os seus segredos ,
ao que judiciosamente a examina por todos os Jados ;
e não ao Filosofo , que teimoso nas preocupações , em
que foi educado , força a Natureza a vir a seus arbitra**
rios syftemas. Alguns livros , que ha', taes.como a JÍgri*-
cultura de Garrido ^ &c. não contém mais do que alguns
triviaes conhecimentos de Lavoura , chéos de mil patra*
nhãs, lHos Elementos doCommercio traduzidos em 1766 sc
acha na Parte f. C. 3. jjum breve desenho dos diversos \
thodos da Agricultura Ingleza y e huma Carta cFcritSí
T75'i sobre os augmentos da Agricultura no Condais
NorfoJk ; a brevidade , com que tudo se trata , pcdcfe
produzir a utilidade de buscar livros onde se ami llfi^
os pontos , que alli se tocão concisamente , e de exci
idéas antes desconhecidas. Em 177^ sahio também tradu-
zido o Bom Lavrador \ eftc livro, pofto que seja mais ac*
commodado ao clima da França , do que ao nosso, com-
tudo he cheio de regras mui úteis á cultura dos campos, e
desconhecidas pela maior parte c*os nossos Lavradores.
A Academia das Sciencias de Lisboa no anno preté-
rito de 1781 na Assembléa publica de Julho coroou duas
M^jmorias, que tinhão por asumpto, examinar os princípios
Fysicos , e circumftancias , que conftituem a fertilidade dos
terrenos ; e ha pouco , que o Sócio José Corrêa da Ser*
ra recitou na mesma Academia huma Dissertação sobre os
prados artificiaes. A qualidade do nosso paiz montanhoso
pela maior parte, faz a matéria , que elle escolheo , intc*
ressante de sua natureza; quí^ndo o não fóra peJa'penna.;
com que foi tratada. O Sócio Domingos Vandelli além de
outros conhecimentos úteis á Agricultura , que tem espa-
lhado no paiz , fez a nova semeuteiía do canave cocn
boa
^ ..'
2jrá Memobias
boa colheita. A do arroz tem de novo resuscitado ; e já
em multas das nossas praças em vários dias se vende aos
alqueires. Âs rendas dos Bispados , Cabidos , Commen^
das , &c« tem crescido ; e a causa he porque a semen-
teira do mílão grosso se tem propagado muito. Poréin co-
mo a Agricultura eitá intimamente unida com o syftema
das Finanças , com as contribuições , e encargos do Eíb-
do, com a somma do trabalho, e diminuição do ócio; se-
fue-se , que para florecer a Lavoura o primeiro passo he
ar tranquillidade aò Lavrador, honrar a sua occupaçao,
como a mais preciosa ^ e util á Republica ; allivia4o dos
demâziados tributos , que sobre elle carregâo; livraJo o
mais que poder ser da gente de juftiça , e qíEciaes dos
Concelhos , o maior pezo ^ que a Lavoura supporta.
§. XIIL •
Do que fica dito se entende facilmente , que a Agri-
cultura crescerá entre nós, quando o antigo património da
«Coroa lhe for reftituido , e os encargos para a guerra ca-
hirem principalmente sobre os que antigamente erâo obri-
gados pelos bens , que para isso receberão ; abolindo-se
as leis , que impedem a circulação dos géneros , e não hon-
rão o trabalho ; havendo allivio nos direitos senhoríaes,
e regulando-se eftes pela qualidade das terras mais , do que
pela colheita do Lavrador ; certificando o Direito do paiz ,
abbreviando-o , e diminuindo as terras, em que se pleireão
as causas; então a numerosa classe de gente deftinadâ ao
conhecimento , e adminiftração será pofta na jufta propor^
{ão do Paiz: reduzindo a mediocriaade os grandes aura*
ctivos de grossas rendas, que tem o ócio , e o celibato;
tudo ifto caminha a augmentar o trabalho , fertiiisar as
terras , encher o Eftado de riquezas , e espalhar pelos Po-
Yos a abundância , e a fartura.
ME.
Económicas. tf 7
MEMORIA
Sobre a Descripção física , e económica do Lugar da Ma*
rinha Grande ^ e suas visinhan^as.
Pelo Visconde de Balsemão.
INTRODUCqÂO.
EM huma digressão , que fiz no anno de 181 2 por par*
te da Provinda da Estremadura , e especialmente pelo
Bispado de Leiria , nao pude deixar de escrever para mi-
nha própria instrucção algumas observações , e apontamen-
tos sobre este tâo interessante território, e principalmen-
te sobre huma de suas Freguezias, que tem por nomp
N. Senhora do Rosário da Marinha Grande ; e isto não
só pelo que toca a sua localidade, e úteis estabelecimen-
tos , mas ainda pelo digno modelo , que nos oíFerece em
a cultui*a dos seus campos, e civilisaçâo dos seus habita-
dores. Bem quizera que esta matéria fosse tratada por
huma melhor penna , para ter aquelle merecimento de gue
he susceptível hum tâo interessante objeao; na falta ais-
to farei ao menos conhecer os bons desejos ^ que me ani-
mão.
Tom. V. Kk CA-
íySí M E M b ii I A «
CAPITULO I.
Descripção do Lugar da Marinha Grande,
% I.
O Lugar da Marinha Grande corre por huma planície
de chão saibrento , cercado de espessos pinhaes , e
outras arvores silvestres, e de alguns campos de lavoura.
Está situado aos 39*^ 45^' de latitude Norte , e p'' 12' de lon-
fitude ao Oeste do Meridiano de Greenwich, (i) Dista
a Capital pela estrada de Riba Tejo , Rio-maior, e Car-
valhos 22 legoas ; e pela de Torres Vedras , Caldas da Rai-
nha, c Pederneira 2T.
§ II.
Entre ás Freguezias do Bispado de Leiria he esta
%uma das mais populosas , e civiiisadas ; devendo-se isto
ttm duvida aos Estabelecimentos que empregão , e para
ella chamão muitos indivíduos , alguns dos quaes vindos
de outras partes alli se naturalisão , e augmentão a sua
população. Antes da desgraçada catástrofe , que acabamos
de ptesenciar, e soffrer, compunha-^e <ie 1(^)042 homens,
e i(Í)o79 mulheres; actualmente cfátá deduzida a 5-05^ ho-
mens , e 5^59 mulheres. Sti^ndo hum calculo bastante
exacto dos indivíduos que feltão^ morrerão 879 pela epi-
demia que grassou nestes últimos tempos ; 74 forao assas-
sinados pelas Tropas Francezas; e 0$ 100 restantes emi-
grarão para outras partes do Reino.
$ III.
Proporcionalmente tiverâo igual diminuição os fogos
des-
*<>} Segundo as Observações 'd» -Jon Pond
Económicas. ayp*
desta Freguezia ; pois de 51 1 oue d' antes erao , apenas ho-
je se contão 445: , havendo aentro do próprio Lugar da
Marinha 12 casas tota|mente arruinadas, e sem morado-
res.
§ IV.
A epidemia , que ultimamente grassou por todos estes
contornos y não se pôde attribuir á ruindade do clima ,
mas sim á penúria , e á falta absoluta de meios de subsis-
tência , e commodidades da vida , em que se virão os pou-
cos habitantes, que alli residirão diwante a invasão do ini-
migo , e alguns tempos depois delia : esta extrema misé-
ria y junta a hum continuo susto , e a todas as paixões de-
Srimentes da alma , foi o verdadeiro gérmen de huma
oença , a que não se podião oppor os soccorros médicos
tâo necessários em semilhantes casos, e que* se propaga-
va continuamente pela communicação com os outros Po-
vos igualmente victimas de tão horrivel flagelo. Pode com
tudo prcsumir-se que a irregularidade das estacões, e as
grandes secas tenhão também concorrido ao menos para
a continuação deste contagio, que em 181 1 estava quasi
de todo extincto , graças ás saudáveis providencias que o
nosso Governo com tanta actividade déo para atalha-lo*
§ V.
As estradas desta, parte da Provinda , em razão da
«atureza do seu terreno, e das planícies que a travessão^
cão são tão más como nas outras partes , e poderião ser
muito melhores huma vez que. se cuidasse no seu reparo ,
e que para este se destinassem algumas sommas , ou se es-
tabelecesse o systema das barreiras , que tanto tem pros-
perado em outros Paizes. As principaes são as de, Léjria y
Alcobaça , Pataias , e a dos Carvalhos y que Guilherme
Stephens abrio á sua custa.
JOcu Çm
i6o Memorias
§ VI.
Em a parte civil he este Lugar governado por hum
Juiz da Vintena , hiun Escrivão , e dous Lotlvados , sugei-
tos á Cabeça de Comarca , que he Leiria , donde recebem
as Ordens ; mas as Fabricas , e Pinhaes Reaes tem admi-
nistrações particulares , e separadas , de que trataremos quan-
do fallarmos delias.
§ VIL
Em o espiritual erao estes Povos sugeitos rfoutio
tempo á- Freguezia de S. Tiago do arrabalde de Leiria.
Segundo hum antigo Manuscrito que vi , não havia mes-
mo Capella alguma naquella povoação antes de if^o. Foi
neste tempo ,' que os habitantes da Marinha , juntos com
os de Garcia ; pedirão ao Bispo D. Pedro de Castilho, que
lhes permittisse a erecção de huma Capella com a invo-
cação, de N. Senhora do Rosário ; alguns tempos depois
augmentando-«e a povoação , e não bastando esta provi-
dencia , converteo-se no anno de 600 r. que! la Capella era
Parochia , cujo Curato he apresentado pelo Bispo de Lei-
jia, que lhe contribue com 3(i) réis annuaes de congnia.
§ VIII.
Não se encerrão porém somente nisto os rendimentos
deste Curato j por hum contrato celebrado no mesmo an-
no obrigárão-se os freguezes a pagar ao Parocho setenta
alqueires de trigo, dez de segunda^ (i) e hum quaitâo de
vinho , ou 30 reis por cada fogo -, tendo por clausula , que
passando estes de oitenta se lhe accrescentaria a pensão.
Tem ainda alem disto o producto^ das Amentas^ (2) e
Vé
(1) Entende-se por segunda a mistura de varias es^iecies de grão coroo
cevada, centeio, e milho.
(O Cada fogo pagava de Amata voluntariamente meio alqueire de vàr
EcéNOMIOAS. 261
Pé ãe altar y (i) a casa darresiífentía para a<pial concor-
rçni os íreguezes , assim como para a mais iàbrica da
Igreja^ € finalmente as esmolas que recebe por occasiâo
das r estividadcs , que se celebrao no decurso do anno, (2)
CAPITULO II.
Das Frabricas Resinosas^ ede Serragem.
§ I.
AS Fabricas estabelecíeis neste destrícto são de duas
espécies : as que se empregão na serr^eem da Madei-
ra , e extracção dos Pixes » alcatrões , e Aguas-razes \ e
as Qutras , em que se trabalha e faz o vidro.
§ II.
As Fabricas de Serragem , e suas dependentes são
de Administração Real > composta de hum Administrador ,
hum Jui?; Conservador , que he o Xjorregedor de Leiria ,
e vários Officiaes. (}) Tem debaixotdas suas ordens cen-
to
lho, depois passou a alqueire , tendo o Cura por obrigarão rezar antes da
Missa Conventual hum PaUr HfosUr pela alma dos freguezes falec.idos; es-
te costutne cessou depois da invasão. ,
Cl) Nos Baptizados he costunvc dar o Padrinho 240 réis, e a Madrinha
huma quarta de trigo. NoMortuorio húma oitava tíc trigo; e pelo Casamen-
to huma gallinha, dois boHos, ou 120 réis por elles,
(2) Antes da invasão dos Francezes havia tre« Festividades annuaes : a
do Santíssimo Sacramento, a de N. Senhora do Rosário, Orago daFregue-
2ia , e a de S. José ; de cada huma delias percebia o Parocho huma vela de
cera de meio arrátel, e 1^^200 reis em dinheiro. Alem destas Festividades
de obrigação havia outra para que os de.gtos concofriáo.
CO Estes Ofiiciaes s,io himi Escrivão da Conser\'atoria , que he o da
CofTciçáof hum Meirinho da mesina^ Thesoureiro, iiacrivão da ,Tliesoura-
ria , e de toda a Escripturação , e Arrecadação ; d^us Escripturarios , Mestre
^o Pinlial , e Ajudante ; s&is Gu.irdjas do Pinhal, e hum Cabo; Meirinho
áo Administrador; Fiel de S. Pedro, da Vieira, de Lavos, da Pederneira,
e de 5. Martuho : Piívctor das fábricas itsinç^sasp A^sstrp do Ált;4tão^ }S\s^
afo
Memoiiias*
ta e quarenta carros (i) di^ibuidds pelas diffeíèntes Vin-
tenas, e obrigados" a' carriarem as- madeiras &c. aos em-
barcadouros ue Lavòs, Vieira, Pederneira» ^ S. Martinho,
e S. Pedro. Emprega trinta e sete Serradores, vinte e no-
ve Carpinteiros , quarenta 'e sete Pegueiros , (2) numero di-
minuto era proporção do que tinha ha poucos annos. (3)
Esta Administração teve hum regimento feito em 1751,6
estava sugeita ao Tribunal dó Concdho da Fazònda; mas
no anno de 1789 com data de 11 de Janeiro deo-se-lhe
huma nova forma , ficando -derrogadas algumas das provi-
dencias anteriores; finalmente em 1796 passou a estar su-
feita út Real Junta da Fazenda da Marinha , aonde ainda
oie se conserva.
§ III.
Para a serragem da madeira havia n'outro tempo
( alem dos Serradores ) três Engenhos , que pela sua má
construcçãp pouco , ou nenhum proveito* davao á Fazenda
Real. Hum destes era de vento ; porém o seu mecha nismo
estava tão mal calculado , que alem de não poder traba-
lhar senão com hum só^' vento , tinha hum tão grande
atritto ,■ que se incendiou por si mesmo.
A segunda destas machina^ trabalhava com agua;
estava situada na Ponte nova , e empregárão-«e sommas
immensas na construcção dos seus diques, assude, e com-
plicado mechanismo ; porém de tantas despezas apenas
'ue
lioje se conserváo os vestígios , pjpla imperícia com qu
aquelles trabalhos forão dirigidos, O
tre dos Fornos, dous Capatazes de Pegueiros; dous Pedreiros, dous Carpia
teiros de obra branca ; dous Tanoeiros , hum Ferreiro , e seu Official , hum
Arraes para os embarques , hum Correio , e hum Capelláo.
(i) No anno de 1812 ainda não tinha sido possível preencher este nu-
mero , a pezar dos Carreiros empregados nesta carreagem estarem isentos do
serviço dó Exercito.
Cl') Chamão Pegueiros os trabalhadores empregados em fazer achas.
(j3 Antes d» Invasão do General Massena havia cincoenta e quatro Sef-
radore5, cincoenta e nove Carpinteiros, e sessenta e oito Pegueiros. Esto'
differentes indh^iduos gozão do Privilegio de serem isentos do recrutanwa-
^
E ?C;p H Q BI/ I C A S. jtííj
O terceiro Epgenho ' ( imicd que âia^a /fie oowerva )
he o de S. Pedro de Moei ; porém a sua confitrucçao foi
igualmente defeituosa , sendo necessária huma muito gran-
de força de agua para o mover , ao que accresce serem os
canaes, por onde ella he conduzida,' ipuito pouco sólidos,
e formando dilferentes ângulos , que continuamente dimi-
nuem esta mesma força, ror este motivo a não serem es-
tes canaes feitos de novo, e emendados os seus defeitos,
de nada valerá aquelle Engenho, e será a Fazenda Real
lezada com as indispensáveis sommas necessárias para o
Íagamento dos Serradores, (i) e a Lavoura privada dos
raços de que tanto necessita,
§ IV.
Aleiti da Fabrica de Serragem ha duas Fabricas resi«
nosas , que tem o seu Director , Mestre , vários Forneiros , g
Carreteiros, e Pegueiros separados. Huma destas, situada
J'unto ao LÚgar da Marinha , foi incendiada pelas Tropas
i^^ranaezas , que apenas deixarão os seus fornos em nuf-
mero de dezaseis. A outra em S Pedro de Moei tem oito
-fornos da mesma construcção , e em amb^s se preparão
os Breos , Pixcs , Alcatrões , e Aguas-razes , que são de mui
boã qualidade , alem das aguas ruças , que vão tendo sabi-
da DO Q)mmercio para o uso da Tinturaria.
§ V.
O mcthodo para se obter o Pixe he bastante defci»
nioso. Os fornos são de tijolo , quasi elípticos , e pro-
priamente da figura de hum ovo , tendo ,pòr base a extre-
midade mais delgada , ra qual se constroe hum cano ,
que conduz o Pixc a hiuna caldeira de barro. Estes Jor*
noe
CO Os Serradores , Pegueiros, &c. não tem jornal fixo; trabalhão todos
de empreitada. O numero dospáos cortados cada anno no Pinhal var/a mui-
to. Etn ilo6 cortárão-9e isj^or.o* mas este numeio diminuio depois mui
a64 Memorias-
nos' costumâò ter sete palmos de altura , ç quatro e meio
de largura no $eu maior bojo ; são carregados com dezasete
a dezoito arrobas de acha , e produzem de duas a quatro
arrobas de Pixe; e ás vezes mais segundo a riqueza da
acha. Este Pixe , ou Breo cru he depois cozido na mesma
caldeira , aonde cahe ,- na qual se lhe continua o fogo até
ficar solido; e perde nesta operação de 25* a 27 por r
Os fornos de Alcatrão actualmente usados sâo ain-
da de construcção Raguzana ; são huma espécie de fiinís
feitos de tijolos com quinze palmos de diâmetro, e na ex-
tremidade hum cano, que conduz o Alcatrão a humas se-
lhas , ou dornas fóra do local dos fornos. Atravessâo-se
estes fornos com huns páos ( cobertos de pedras para se
não queimarem) os quaes fazem as vezes ae grelhas; so-
bre estas arma-se huma pilha de achas de dois a quatro
palmos de comprido, e huma a duas poUegadas de gros-
so , as quaes não devem estar muito secas , nem muito ver-
des. Começa-se a pilha no centro do forno , e vai-se enca-
rnando a acha verticalmente até chegar á altura de doze
Íalmoís pouco mais ou menos , e cada hum destes fomos
e carregado com duzentas arrotas de acha ; cobre-se com
mato (a que chamão camiza ) e depois he coberta a pi-
lha com huma pasta de terra, ou barro amaçado.
Sobre o tope do forno p6e-se huma lamina de fer-
ro circular dtí três palmos de diâmetro com huq| buraco
no centro , e se lhe lança o fogo , tendo cuidado de ir
estabelecendo outras laminas de maior diâmetro, á pro-
porção que a pilha abaixa , e se lhe vai diminuindo o car-
vão pela superfície, conserva ndo-se o fogo abafado, e re-
êdando-se com registos para que arda horisontalmente,
ura esta combustão de setent\ e duas a noventa e seis
horas , e então tapão-se todos os registosl Abre-se a dor-
na ou recipiente', que se conservou tapado durante todi
a operação ; tira-se o Alcatrão , e deita-se em barris , mis-
turado com a agua russa , ou acido pyrthlenhosú.
Costuma produzir cada huma destas fornadas de vin-
te a vinte e cinco arrobas de Alcatrão purificado, eásv^
zes
Económicas. 26^
zes mais segundo a riqueza da acha , e a perfeição da ope-
ração , e mais de hum até quatro almudes de agua ru?sa.
Ficando estes barris por oito dias em descanço , separa-se
a agua russa do Alcatrão; e mais promptamente de Inver-
no. Esta agua russa he de duas qualidades; huma mais
corada (i) precipita-se , e a outra sobrenada no Alcatrão;
aqaella marca no Areometro 12 a 13 gráos de concentra-
ção , esta não passa de 6. Estas duas aguas se ajuntâo em
tinas, ou dornalhos de pito pipas, onde se acabâo de pu-
rificar de algum óleo , ou alcatrão , que ainda podem con-
ter.
Havia á poucos annos quatro destes dornalhos, em
cujo fundo se tinha lançado certa quantidade de ferres ve-
lhos bem oxidados ; estavão clles dispostos á roda de hum
quinto dorualho , meio enterrado no chão , e munido de hu-
ma bomba , e este era todo o aparelho para se obter o
chamado impropriamente vinagre de ferro modernamente
empregado na Tinmraria como mordente. (2) O modo
da sua manipulação era o seguinte. Dispostas as tinas , co-
mo dissemos , enchiâo-se todas de agua russa , menos hu-
ma ; e sendo necessário de quando em quando , que o ar
toque o ferro , para a sua mais prompta oxidação , abria-
se a torneira de huma das duas tinas , e passava-se a agua
russa para a do centro , donde depois era tirada por meio
da bomba, e assim por diante, até que se conhecia ter.
dissolvido huma certa porção de ferro , e qiie estava com-
pleta a operação.
ronu V. LI §
(1 ) Esta sendo evaporada dá por cada cem partes vinte e cinco de hum
Alcatrão muito fino, e próprio para untar os eixos; e também produz hu-
ma tintá^ encarnada.
C2) Este Mordente foi descoberto modernamente pelos Inglezes. OsFran-
çeies chamáo-ibe BouUioit iioir. As nossas Tinturarias , principalmente as
Fabricas de Chita , fazem hum grande cònsummo delle , e pagavão-no aos
Estrangeiros de i j^Soo rs. a 1^^920 rs. cada almude. Em 1807 chegou a
Lisboa a primeira pipa de Vinagre de ferro feito na Marinha , offerecéráo
pela amostra a i j^ioo rs. ; vindo depois em maior portão pagárão-na 3
i^ioo rs., fazendo logo a encomenda de quarenta pipas.
iè6 Mhuorias
§ VI.
Em o aôttO de 1807 tentou-se também fabricar a
Agua-faz. O Sr. Manoel Affbnso da Costa Barros , a quem
devemos grande parte destas noticias, e que ultimamente
foi ao Laboratório da Universidade concluir algumas ex-
periências , que tinha meditado a este respeito , alli mos-
trou na presença dos Senhores José Bonifácio de Andra-
da , e Thomé Rodrigues Sobral , que segundo os preços
correntes era fácil obter hum lucro de 18(^)480 réis era
Cada barril de Alcatrâo, que se destilasse segundo o seu
methodo. Em consequência deste resultado , veio elle a
Lisboa mandar construir hum alambique com alguns ou-
ttos utèncilios próprios , o que tudo achando-se nos ar-
mazéns da Fabrica , pereceo no incêndio de )}{rO , de sor-
te que quando eu alli estive, não se manufacturava ^^
nhum destes dous últimos geneiDs , e . os outros mesmo
. estaco em bastante decadência.
§ VIL
He certo, que a Fazenda Real ganhava considera-
velmente ne^es artigos ; e para isto se conhecer bastará sa-
ber , que a despeza d© mão de obra, apanho, e carreto
da acha pára cadaairoba de Alcatrão importa em 370 réis.
Ora em 1807 manufactiirárão-se dois mil barris de oifo arro-
bas cada hum, isto he, dezaseis mil arrobas, cujo preço
se calcula na Administração a i(]Ç)200 réis , e faz 19 2C0(J)
Sendo o custo como já se disse - - - - - $:^2C^
Vem a ser o lucro liquido ------ 13:280^
Advertindo , que neste lucro não entra o ganho do
carvão , residuo daqucUas combustões , que aproveitando-sc
devidamente, não pode dar menos de ico réis por cada
arroba de Alcatrão. Esta prosperidade do anno de 18:7
CS-
Económicas. 1(57
está quâsi aniquilada. Actualmente nâo se podem fabricar
mais de quinhentos barris por anoo : a ralta de gente ,
de numerário, e de transportes impede não só qualquer
melJioramento dos muitos , que se poderião pôr por obra ,
mas mesmo que as cousas tornem ao seu primitivo esta-
do. Os males da guerra não são fáceis de reparar ^ ma€
deixemos de parte estas considerações, e passemos a ycr
o estabelecimento da Fabrica dos Vidros.
CAPITULO IIL
Da Fabrica dos Vidros.
§ I.
O Primeiro Proprietário deste grande estabelecimento
foi Guilherme Stephens , o qual tendo comprado
huma antiga , e pequena Fabrica , que já neste sitio se acha^
va formaaa , passou a p6-la no pó , em que existe hoje em
dia , cotKorrehdo para isso a Regia Munificência de Sua
Magestade Fidelissima o Sr. P« José de eloriosa meiix>r
ria. Começou a trabalhar em o dia 7 de^ho de 176^^
e continua até hoje, tendo Sua Magestade Fidelissima,
que Deos guarde , concedido vários outros Privilégios , com
que tanto tem florecido, e achando-se igualmente ampa*
rada por S. Á« R. o Príncipe Regente Kosso Senhdr*
§ II.
Os differentes edifícios deste estabelecimento estão
i:odos fechados dentro de hum grande pateo, (1) cntran-
LI ii do
i\) Na entrada do portáo , tanto da direita, como da esquerda, estão
duas casas de sobrado ^ huiiia delias destinada paia hospedaria, e outra para
iiabitaçâo éo Mestre de Musica, qoe nella dava suas li^s. Nos ângulos,
<]ue estas casas formavflo com o pateo , construirão duas casas triangulares
para servirem de habitado ao Porteiro^ e para o ponto e medição das cor-
nadas de knho.
26S ^ Memorias
do no qual fica á esquerda a primeira fabrica , que he a
do cristal,. (i) cuja.architectura he simples: pela parte
*de dentro he este edifício dobrado, e dividido por gran-
des arcos , que sustenião o madeiramento.» Entrando nelle
fica á mão direita hum grande sótão com huma varanda,
aonde se faz a escolha do vidro fabricado ; mais para
dentro ha huma grande sala, que serve de armazém, e
huma loja onde se empalha o vidro. Fica também aqui
a casa chamada dos mixtos , onde se guardão os differea-
tes ingredientes, que entrão na composição do vidro, co-
mo arcas , quartzos , soda , massicote , potassa , e manga-
nês. O resto do edificio he destinado ao trabalho; nelle
ha três fornos de derreter o cristal , três arcas de tempe-
ro^ e três fornos de temperar os potes.
§ III.
Por detrás desta Fabrica ha outro grande patco, on-
de setinhão construído telheiros para empilhar as lenhas,
mas tanto estes , como a Fabrica dê que fallei , foiâo in-
cendiados pelos Francezes, e quebrado rodo o cristal en-
caixotado , reputa ndo-se a perda em mais de 200^ cru-
zados. De hum lado , e outro deste segundo pateo, ha dif-
ferentes Officinas , taes como a Carpintaria , Sarralharia ;
casa de Lapidação , e a Olaria , onde se fabricâo, e co-
zem os potes } e no fundo do pateo está huma grande ca-
sa , que serve de celeiro.
§ IV.
Tomando ao pateo principal , alem desta primeira
Fa-
ço A fachada deste Edificio he da ordem Toscana ; he dividida em cin-
to corpos, sendo o do centro saliente a grossura dàpilasrra; tem hum ?f.in-
de portal , e superiormente huma janella de sacada. Nos dos corpos intermé-
dios ha em cada hum seis janellas de peito, três em o andar superior^ i
três nas lojas. Os- outros dous corpos, que formão as estrem idades ào H^
Âçio^ tem cada bum huma sacada em çimà^ ^ ^^^ portão em baixa
E*c o N o M I C A s. z6^
Fabrica, ha outra a que chamâo de vidraça, aonde ihtc-
rinamente também se fabrica o cristal: esta, á excepção
de serem as suas dimençòes maiores , he em tudo exterior-
mente semelhante i primeira ; ha nella dous fornos de vi-
draça, quatro de estender, quatro de calcinar as areias ,
e quatro caldeiras de evaporação, e refinação, alem de
vários armazéns , onde se guardão os differentes utencilios«
Próximo a estas duas fabricas ha a casa dos pilòes , que
são movidos por agua ; e diíFerentes telheiros , onde se es«
colhe o vidro.
Independente destes edifícios, que acabei de descre-
ver , destinados ás dif&rentes manipulações do vidro , ha
no lado esc|uerdo do grande pateo hum bonito palacete ,
em que assiste o erector da Fabrica, O seu exterior hei
grandioso^ ainda que simples, (i) e o interior correspoh-
de-lhe em tudo pela. commodidade dos seus repartimen-
tos, e grandeza das suas salas; a principal destas era a
chamada da Musica , e nella havia concertos regularmen-
te todos os Sabbados (ou estivesse ou não o rroprieta-
rio) nos quaes erao os Músicos os mesmos Fabricantes,
a quem tinha mandado ensinar á sua custa.
De hum lado , e dentro deste palacete , ha dous peque-
nos pateos com seus telheiros; o do lado esquerdo dá cora-
mumcação para a grande cozinha , e mais ofHcina<; *, e o
da direita he onde se escolhe o vidro quebrado. Forman-
do angulo recto com estes pateos , ha de huma e outra par-
te huma correnteza de casas , que cercão o plano do jar-
dim. No edifício da esquerda • havia hum pequeno Thea-
tro mui bem construido , no qual aos Domingos se repre-
sentavão differentes peças , para as quaes havia tocíos os
preparos necessários; mas este Theatro soíFreo a barbari-
dade Franceza, e actualmente conservão-se só as rulnaí?.
(i) Este palacete he também de ordem Toscana, e dividido por pilan-
tras em três corpos , o do centro tem huma grande sacada no centro com
mais duas janeJIas: o portal tem duas columnas, que sustentão adita saca«
da. O Edífiçp he cercado superiormente por huma balaustrada, que con*
cone para a sua el^ancia*
xjo Memorias
§ V.
Tendo descripto os edifícios da Fabrica , deveria tal-
vez s€guir-se huma recapitulação dos processos praticados
para ooter o vidro , e cristal \ mas alem de que isto me
levaria muito longe , tio estas manipulações oastante co-
nhecidas, e achão-se em muitos Urros, que facilmente se
podem consultar; por tanto contentar-me^ei de dizer al-
guma cousa a respeito da sua Administração económica.
Empregao-se diariamente nesta Fabrica mais de qua-
trocentas pessoas entre homens , e rapazes ^ alem de dezano-
ve mulheres j o trabalho he pago a maior parte por em-
preitadas, (i) o resto por jornal, e os preços das differeo*
tcs
a que chamáo centos ^ por que se paga aos OíBciaes,
para Taverna , % fazem o que cbamáo cento.
eia - dito - lO
Ditos de I canada - - dito - 1 2
Bkos de meia dita - - dito - 20
Ditos de quartilho - - dito - j6
Ditos de meio quartilho dito - 42
Ditos de j e 4 em quartilho dito - $ 6
Os frascos redondos seguem a mesma rotioa.
Copos de meia canada atiombetados 1 5
Ditos de quartilho - - dito - 27
Ditos de meio quartilho dito - 36
Ditos de j e4em quartilho dito - 42
Copos de cálix - ----- 20
Ditos de dito com o pé esmaltado 12
Garrafas de canada , fundo largo -^ lO
Ditas de meia canada - dito - - 12
Ditas de quartilho - - dito - - 18
Ditas de meio quartiUio dito - - 24.
Ditas redondas para agoa - - - 10
Quando se fazem peças , que nSo «tão na Pauta , se pagío tos 06-
ites por vtUas^ que são $ horas de trabalho, reputando a M^Ua | cento >
^ pagão o cento a iSo réis.
1
Económicas. ^yt
tes peças estão regulados se^ndo as espécies, e os feitio?.
A despeza da í^ia semanana chega muitas vezes a duzeiv
tas moedas ; do que se pôde concluir , qual deverá ser o
ganho correspondente para poder supportar os diíFerentes
empates , principalmente em tempo ae Inverno , e os fbn»
dos necessários para conservar este estabelecimento.
Alem destes indivíduos empregados no interior da
Fabrica, ha outros occupados no corte, e conducção das
lenhas , que nella se consomem. Neste serviço emprega-
vao-sc antes da Invasão cem carros privilegiados, tirados
das vintenas circumvisinhas ; actualmente apenas existem
sessenta , e para esses mesmos foi necessário , que o actual
Proprietário João Diogo Stephcns, a instancias do incan*
çavel, t zeloso Administrador José de Sousa, adiantasse
dinheiros aps diflferentes livradores para se refazerem dos
gados necessários, cuja divida vão amortizando com a rS"^,:!^
carreagem, que fazem para a Fabrica, cuja paga nu noa .'í^^''*^^
excede 320 réis cada carrada , de que se lhe desconta a tef- ^0^P^
çâ parte. Com este avanço tem esta miserável geme náo ; fe'"1
só supprido ao consumo âa Fabrica; mas também podí- . vi;:^^' . >'^0?
do continuar com os seus trabalhos campestres. ^' ^^s^^i^^^^^^
Calaila-«e serem necessárias para cima de duas mH ar- ^'sí^il'^''
robas de achas diariamente para aquecer os fornos ; este ar-
tigo , que seria de huma despeza immensa , deve-o a Fa-
brica a Real Munificência , que consente que do Real pi-
nhal de Leiria se tirem grátis todos os páos velhos , e
toros que não sâo próprios para constnicção. Todas as
carradas não só slo examinadas pelos guardas do pinhal ,
mas igualmente pelo porteiro da Fabrica , medindo-as pe-
la corda , e de contando proporcionalmente a falta , que
encontrou.
Todo o trabalho da Fabrica he dirigido pelo mui
hábil Administrador, em que já acima falíamos; a este
deve -cila sem duvida grande parte da sua conservação ;
tem para se dirigir Tiuma espécie de regulamento , que faz
honra á memoria de Guilherme Stephens. j Oxalá que
iguaes «entimemos se propagassem entre os nossos grat>-
dcs
^ji Memorias
des proprietários e capitalistas ! A Pátria tiraria conheci*
das vantagens , e elles gozariâo ao mesmo tempo da do-
ce consolação de serem chamados pelos povos , ainda em
sua vida , os seus Bemfeitores , e Pais , nomes com que vul-
garmente appellidavao este benemérito Inglez, cuja me-
moria alli será eterna.
§ VI.
Tudo pois quanto o observador encontra neste es-
tabelecimento lie próprio a dar-Uie a mais completa sa-
tisfação 9 excepto unicamente no que diz respeito ás ma<
terias primas, que alli se empregao. Quando se chega a
contemplar este artigo , vê-se com magoa , que ellas veiu
de fóra do Reino , sendo muito fácil obte4as no oosso
paiz. (i) A Soda he toda importada de Alicante; houve
tempo, em que no nosso paiz se fízerâo plantações deste
vegetal , tencio vindo a semente da Salsola Soda de Alican-
te , e foi reconhecida de superior qualidade ; mas a pezar
disso este tão útil projecto não foi avante. O Oxide de
chumbo ou Massicote, a Manganês, de que abundamos,
também lhe vem de fóra; e até a arêa, quando querem
fazer vidro mais perfeito , he mandada buscar á Ilha de
With. i Qyando chegará a época , em que o nosso paiz
depois de, ser completamente viajado por Naturalistas,
possa fazer alarde das suas riquezas , e escuse de entregar
aos Estrangeiros sommas consideráveis por objectos, que
muitas vezes calcamos debaixo dos pés?
CA-
(i) Consta-me que o Doutor António José das Neves mostrou em huin^
Memoria, escripta por ordem do Conde de Villa Verde a possibilidade, ^
mesmo a facilidade com que se poderia obter do Reino tudo quanto '^
preciso par9 traballiar com perfeição huma boa fabrica de Vidros.
E c o w O' M I ç ifc s. 2^ jr
C A P I T U L O IV. ' ";.
Da Agricultura.
§ L .. . ' .
APezar de se dedicar ás Fabricas a principal industria
dos habitantes deste destricto, nem por isso a cul-
tura das terras he desprezada. Já notámos no Cap. I. , que
o terrenq er^ de natureza pouco productiva j .içíls a arte
supprio em paiite este defeito. Em quanto aqaelles lavra-
dores não tivçrâo quem os doutrinasse, as .^uas colheitas
forâo pequenas \ mas a Providencia deparou4hç no pxpprio
possuloor da Fabrica dos Vidrçs, quem Ihefd^e, e^em^
pio , e os ajudasse nas suas emprezas agrQopniipas , .e ÍQÍ
lacil seguirem este primeiro imp^so.
Hum dos primeiros desvelos de Guilherme Stephen?
foi ter liuma- grande horta, de que se podes90 proverão
grande numero dos seus empregados ; para isto fez- hum
grande lago semicircular, em que metteô a agua de hum
riaxo, que passa junto á Fabrica (que he a mesma, que
serve para aar movimento aos pilões) donde depois hc le-
vada por differentes conductos para o jardim , pomar de
espinho, de caroço, e horta; íío pomar de caroço íntro-
duzio algumas esipecies exóticas , principalmente de raa-
cciras , e na horta , alem das plantas conhecidas , fez se-
mear varias espécies de rábano^, e agrides, que nós náo
tinhamos, algumas espécies de caladas , a chicorea cres-
pa , o maftruço , &c.
Além disso em hum campo dentro dos muros da
imesma Quinta plantou hym grande Lu^ernal (i) , humi
cios primeiros exiftentes no nosso Reino»
Tom. V. Miti F(V
(O Este Cunpa de Lui^oa produzío ixuravilbo$iuikente mis do vime
vjj( Memorias
Fora áefte recinto , junto á eftrada real , fez huma
abegoaria , e arroteou vários campos aonde se cultivavâo
diversas plantas gramineas , e com especialidade o trevo ,
e cerofolio; e a numa legoa de diftancia tinha hum gran-
de casal , denominado da Lebre , situado em hum terreno
arenoso , e que parecia impróprio para qualquer cultura ^
que nao fosse a aos pinheiros. •
§.III.
G)ftutnado porém a ver em Inglaterra , principalmen-
te no Condado de Norfolk tirar partido de semelhantes
terrenos, mandou vir dalli hum homem pratico deftes tra-
balhos; e fez varias escavações até que conseguio achar
hum veio de mame , de que se sérvio para adubar o
tttreno-; levantou, alguns valados paralelíos, formando ta-
pumes com arbuftos em determinada diftancia huns dos
outros , os quaes abrigavâo as searas principalmente dos
ventos do Ndrie. Fez eftruiíieiras compoftas. Mandou vir
alguns inftrumentos aratorios (i) , e entre elles hum se-
Rieadof , eeftábéleceo afíblhamemosr apropriados ao terre-
tio. Em fim tudo indicava huma boa cultura , quando a
ftiorteveio pôr termo aos seus trabalhos, antes do tempo
necessário para deixar eftas idéas baftante arreigadas no
espirito dos povos , qne tornarão em grande parte aos seus
antigos usos (2).
^ > G>
annos, c Hnha regularmente três cortes em cada anno ; dallí se TCpaitirão
sementes para muitas partes. Em 181 o acabou de se perder; yí porem an-
tes desse tempo eftava muito velho e falto.
(i) Mes inílrumjntos ficarão, ooft os de parte, logo que falleceo o In-
glez, que a'iminiftrava o casal. Os inftrumentos de que agora fazem uso,
nao tem notabilidade alguma. O Sr. Manoel Affonso da Costa me escreve^
q^e usa alli nas sitas charruas de hum ferro, ou relha muito mais largo, que
ò ordinário*) e de lados cortantes, o que lhe produz o bom ef feito de que
rasgando ^im a. terra na base do rego, cahe a leiva com mais facilidade,
e a aiveca experimenta menor resifténçia. Usa também de eixo» de ferro 1:2$
carretas e ciiarruas , atravessando eftes o rnalhal , o que sem duvida he
muito vantajoso, assim como também a.fónna triangular das suas rrader.
<a) iO «%eispio (klle JPropriçtârk) ^ se be;n que eiUaugeiro, cia bem ^
E C' o N o. BI' 1 CA s. !^7f
Como porém ficarão conhecendo: a iHilWadfe.dp.m}^^
ne , e a dos afFcIhamcntos , tem a cultura áugmentado com
sidera vclmente. Os Dízimos, que no tempo da erecjão da
Freguezia erâo de muito pouca monta , passao' hoje de
cento e vinte moios ; o que dá pelo niçnos huma produc^
çao de mil e duzentos moios entre trigo, milho-, çevad^>
e algum centeio, ^fora outros fructos , que a ndâo ppraveOf
ça nas mãos dos rendeiros (2). - ::v .?
Além deftes géneros , cultívão-se tanabem planras pró-
prias para os gados, como o trevo, e luzerna; fazem gran*
des nabaes , e batataes , para os quaes a terra he summa-
mente apropriada , e cuia cultura se tem adLantadi> mui^
to , depois Que algumas familias d'a:lém do Mondego , cos*-
tqtnadaa açfte cultivo, allí se.vierâo eftabelecçr pela inyâr
são de 1810. . ; . , yj) • :.'
§. IV. ' '
Além deftas culturas ^ ha no deílrictp deita, Freguezia
differentes matas de arvores silveftrcs ^ compoftas a ipaiof
parte de carvalheiros, cerquinhps ^ azinheiras,, alguns som-
breiros, cata preitos , carrasquc^ros , abrunheif os{, maraiçl*'
leiros, e loureiros, além de outros arbuítos ; tal ,he a que
eftá junto a S. Pedro de Moei j porém nada chega á (Jo pi-
nhal Real , chamado de Leiria , que dá madeira de conítruc-
çãoquasi igual á melhor de Flandres. Efte pinhal, onfleha^
três differentes espécies de pinheiros , tem sido renovado
por varis ve2es , e occupa huma mui grande extenaãp de tOFi*
reno , a qual segundo o calculo de ReyQaldo Oudinot he
de 16*441 (j[)35'o braças quadrada.v Ultimamente em iZçS
Mm ii foi
_
prio^para ser imitado petos nossos Nacionaes ; 0$ terrenos que elle poi em
valor , erão cão áridos que apenas havia nelles o simulacro de huma fraca
vegetação; hoje porém alguns delies pela sua fertilidade, nenhuma inveja
tem aos mais do Reino^ o que não seria pois se as circu^pftapcias fçs^em
mais favoráveis ! . . ' ^
(^a) As creações pagão exactamente o pizimo por capitação; íajvcz sem
iílo fossem mais abundantes. Rm geral a prroduc^o do .tçrrçno çiuf mentar-
8e4iia consideravelmente se se reduzissem a cultura algumsts porq^Ses dasacei»
us do pinhal, 00 que fianalpeoi lucraria, ta&aiittí a lUal Fs^nda« ,^
4?í - Mb' Mo ri AS
fòlincendíatío "por deseuido dos paftores; e segundo hu-
níá nota doTençnte Coronel Joaquim de Oliveira a parte
queimada fei dç %:^^^o:x> braças quadradas , ifto he,
mais de hum sétimo da sua totalidade ; e a não ser o incan-
sável zelo' do seu Adminiftrador , e as promptas providencias
que sederáo, teria 'ardido totalmente (i). A vegetação dos
rtátos he *ál , que" são temíveis eftes accidentes : para os
obviar deverião os aceiros- ser mais largos, do que actual-
mttite são; ê' todo o pinhal dividir-se em talhões: devcr-
sé-hião abrir niais servidões para os carros , que em algu-
mas pàrtei náò*pNf)déití conduzir as madeiras por causa da
sua muita espessura j que também ás vezes impede, que os
pinheiros tombem maior diâmetro , chegando pela muita pro-
itimidàt!!^ atti' a'còntaminar-se os páos sâos^ por causa dos
visinhcJs que apodrecerão.-
Vi.
Ninguém pense porém , pelo que temos ditO até aqui ,
que todo oterrerio defte deftricto cftá cultivado; pelo con-
trtrio ha ^inda differentes extensões de charnecas ^ tanto
lio ladá dei hiar, tomo de Leiria: parte delias são pró-
prias para se- arrotear , o cpie já se comeíçou a pôr em pra-
tica Jutito aó Fagundo j mas a falta de braços tem inter-
rompido çftiT trabalho. As plantas , que vegetão esponta-
neamente neftas charnecas são diversas espécies de arbus-
tos, táes fcoiho gieftas , carqueijas-, tojos , e o diamado
tnoUar; hurti^ grande quantidade de camarinheiras. Aiém
deftes arbuftos há também grande abundância de bolebole ,
fe burras espécies de Brisa y o Antoxantum odoratum ^ caia-
da de rato , e pegamaço ; o que tucfo ceifado , e emédado y
.daria hum excellente feno para o gado.
Ou-
' '^(i) À è^teíisSo' do'pinnal , cjub ardeo neftá occasíSo, já se acha plantads
de novo , e os novos pinheiros yegetáo com grande força ; o que dá espe-
l-aiiça de quer tfentro, de pdifcos áiinos eftara i^ssarcida, ao menos em grande
'mrtei V perda miéeptSb experimentou : quanto porem não seria conve-
iíienteVcj\fc se pWssciíi eln pygftièa mfeíoscipazes dfe pre\enir hum abuso,
ijue a cQJDtintár/ ameaça o ms^o Kirxo d& eittinçâo total das suas matas i
Outra planta ^ que aqui nasce em abundância he a
ruiva dos Tintureiros ; ella poderia mesmo fazer hum ob-
jeao dê exportação : seria outro a agoardente tirada das
camarinhas , que segundo tive alli lugar de observar , he
de mui boa qualidade. O canhão de cepa, e de pinho po*
deria também vir cójnmodamente para o porto de Lisboa ,
e augmentar assim fíum çommercio , que actualmente se
emprega na exportação dos géneros das Fabricas (i) e na
das madeiras ao pinhal Real.
CONGLVSÂO.
O Pouco tempo , que me demorei nefte sitio , não me
.deo lugar para examinar , como desejava , as differentes
producçòes, tanto vegetaes como animaes; ellas merecião
por certo ser indivioualmente conhecidas : em quanto á
parte Minaralogica Rz alguns apontamentos , que ficarão
supérfluos , depois que vi a Viagem Minaralogica , feita
pelo meu CoUôga ò Sr. José Boniracip de Andrada , a qual
ne de esperar, que brevemente se publique. O meu desí-
gnio foi descrever o eftado actual defte interessante Des-
tricro. Oxalá que todos os outros do nosso Paiz se tive^
sem dentro do mesmo período enriquecido , e augmentado
tanto : os Povos serião mais felizes , e o nosso Reino mais
abaíbdo ^ não teria nada que invejar aos Eílrangeiros*
ME.
O) o ramo de Çommercio , que sem dúvida faz maior vulto, he o do
vidro , que não s6 se consome no Reino e suas Colónias ; mas também
grande parte em Hespanha ; o que para alli vai dá hum vantajoso lucro a
pezar dos Direitos , e cofteamento , havenda annos cm que talvez tenha cx-
cidjdoí sem embaixo ios empates^ a ceotQ ç vinte mil oioados.
178
Memorias
MEMORIA
Sohre a preferencia do Leite de Faccas ao Leite de Ca-
br as para o sustento das Crianças , principalmen-'
te nas ^jr andes Casas dos Expostos : e sobre
algumas outras matérias , que dizem
respeito d criação delles.
Por José Pinheiro de Freitas Soares.
Non ex Fulgi opinione , sed ex sano judicio.
Bacon.
ADVERTÊNCIA.
Orno noQ)íigresso dos. Professores de Metdicina, que
a Excellentissima Meza da Misericórdia, defta Qdade de
Lisboa fez convocar em 22 de Junho do corrente anno de
18 12, se procedesse a Votos sobre os diSerentes Quesitos^
que a mesma Excellentissima Meza então pfopoz , a fim de
se evitar o excessivo número das mortes dos Recem-nasci-
dos , que são conduzidos á Casa dos Expoftos : e como
hum dos Quesitos versasse acerca da subítituição alim^en-
taria , que se podesse fazer ao Leite de peito , sem algum
prejuiso da suade deftas desgraçadas victimas , vifto nao
na ver hum sufficiente numero de Amas para os amam-
mentar ; e sobre efte objecto me agradasse preferir o Lei-
te de vaccas ao Leite de cabras , aue já euava em uso :
julguei faria hum serviço á Humanidade , em publicar os
fundamentos , que esclarecem efta minha opinião; redu-
zindo-os a hum plano de Educação Fvsica , para se po-
der
BOOKOMICAS. 279
der usar nas Casas dos Etpoftos y em quanto se nao tomem
medidas mais vantajosas para a segurança da vida deftes
iníelices filhos da Pátria , como vão lembradas no ultimo
Artigo deita Memoria;
ARTIGO I.
INTRODUCqÃO HISTÓRICA.
E
M todos os tempos , e em todas as Naçòes , aonde,
ha piedosos Eílabelecimentosr para os Expoítos , se sentirão
*x« nutrição ao Leite de peito : tendo sido eftc objet&^.s^^^^
até propofto , em outro tempo • na França em fórma ^tí'MHi^^*:;!"^x^í^ 4
Pn>gVan5ma. ** ^m^'^
O methodo de se nutrirem os Rccem-nascidos com os ^ ^
caldos de pão cozido na agoa , mifturados com assucar , e
Leite ; com os cremes de cevada , ou arroz ; com as geleis
animaes , dissolvidas na agoa fervendo ; com os caldos de
yacca , &c. não vingava :• e por isso alguils Povos das par-
tes mais Septentrionaes do Mundo , como os da Groenlân-
dia adoptavão o coftume de matarem os Recem-nascidos ,
huma vez que Jhes morrião suas mais ; persuadidos que
fazião hum maior serviço á Humanidade com efte acto de^
barbaridade , do «que sujei ralos a padecimentos por eíla:
âualidade de nutrição , apoz a qual era certa a morte. N4.
aviera porém hâ exemplos de se terem nutrido crianças
por hiun tratamento semelhante ; e do Jornal dos Sábios
de i620y tom. 8.** confta , que huma mulher de Dresdg
criara dezoito filhos sem Leite. Ferrario nos falia também
' de
iSo ' M' E M o « I A' á
de usoâ semelhantes não só ' na Alta Alemanha ; mas na
Síiissa, e ná França.
Como porém a mortandade das crianças decidisse
contra cftes factos particulares , foi forçoso abraç^^r outros
meios : e então hum grande número de Médicos tem acor-
dado ; que ao L^ite de peito se devia subftituir o Leite
de animaes.
He todavia hoje demonftrado por desgraçados ensaios
feitos nos Hospitaes de Paris, Ruão , X.ondres , Stockolmo,
e outras Cidades , que efta mesma subftituição não deve
ter lugar nos primeiros dias da vida dos Recem-nascidos;
poisque na generalidade nenhum outro Leite então convém
ao eftado das suas faculdades digeftivas , senão aquelle
que a Natureza lhes concedeo, ifto he, o Leite das Mais,
e em sua falta o Leite de boas Amas. Já o nossa Saldanha
declama contra o projecto de se alimentarem os Expos-
tos Recem^nascidos com o Leite de vaccas, ou de cabras,
escrevendo as suas reflexões Medicas : muito embora per-
tenda Van-Helmont com os seus sofismas proscrever o uso
do Leite de peito para a nutrição d^s crianças, subftituin-
do-lhe as papas de cerveja' bem fermentada , pão , e açú-
car, por meio da cocção. Por outra parte he da observa-
rão^ oe grandes Práticos, a cujo cargo tem eftado a Edu-
cação Fysica deftas desgraça-las victimas , que se o Ldtc
de animaes se subftituia ao Leite de peito pelos fins do
ferceiro mez de criação', sempre hum maior número vin-
gava: e efta he huma razão forte , para que aos Expos-
tos , que chegão ás Casas de Misericórdia , e que já vem
abatidos, pelas causas geraes, a todos conhecidas , se dem
Amas ; com preferencia dquelles , que ellas já tem amaro-
mentado por algum tempo , pois que os primeiros sao os
mais necessitados de hum Leite , que he o mais próprio á
sua tenra vida e circumftancias.
Pelo que respeita porém á escolha do Leite , parece-
me inqueftionavel , que se orefira o Leite de vaccas ao
Leite ae cabras; por ser o ae vaccas o mais análogo ao
Leite de peito em suas qualidades j admittida a impôs-
bi-
E C o IC o M I C A S. íif
billdade de se haver em attuoJancia,oL(?ite de egoas, ou
de burras , que eu prefiro ao mesmo Leite de vaccas , fun-
dado no conhecimçnto da analyse dos difFerentes Leites ,
e na anctoridade de respeitáveis Práticos.
Nem se julgue ser cousa de pouca monta ^terminar
positiraoiente efte objecto ; por isso mesmo qi# o Leite
nâo he alimento de tao fácil commutação , como alguns
pensão, antes pelo contrario, a pezar de ser hum liquido
doce , suave , saccharino , lie dos fluidos animalizados p
menos animalizado : sendo provado , que conserva mais
que. outro qualquet^liquido animai ás qualidades dos ali-^
mentos , de que as mais tem usado ; e sendo por outra
parte fóra de toda a duvida , que nelle se encontrão tód09
os princípios animaes. Versando . porém a discusâo somen-
te sobre a escolha ou do Leite, de vaccas , ou do Leitd
de cabras para o suítento dos Expoftos , só pertendo mo&^
trar, que o Leite de vaccas he preferível ao Leite de ca-
bras a todos os respeitos.
Eu não ignoro , (jue .com o I-eite de cabras se tem-
alimentado algumas Crianças com successo; e já em tem-*,
pos antigos Platão , e Ariftoteles fallárao de algumas , sUs-'
tentadas a Leite de cabras. Sei que na Biscaia e Andaluzia'
fora coftume criarem-$e os Expoftos por meio de cabras:
porém exemplos particulares não eftabelecem regras ^e-
raes ; e não nos confta dos felices resultados defta prática
iiaHespanha. Leio finalmente , queBoerhaave,.e Van-Svvi-
eten reputavão o Leite de yacças mais craso^ que todos
os outros Leites ; e que Zimmermann , e Raulin preferirão
o. Leite de cabras ao Leite de. vaccas por causa das suas
Qualidades mais fluidas: o contrario porém deftas idéas já
foi abraçado por Spielmann nas suas experiências compa-
rativas das panes conftituentes.dos difFerentes Leites; e o
engano daquelles Professores , se bem que respeitáveis , se
nianifefta mais depois da excellente analyse , que sobre as^
diílerentes espécies de Leite fizerão os Doutores Parmentier,
e Deyeux , como passo a moftrar.
Tom. F. Nfl Ak-i. -
%9^ HL^m o m i K8'
ARTIGO 11.
Demostrãrse a preferencia da Leite de vaccas ao Lette
de mbra^ para o sustento dos EDcpostos , par
argumentas tiradas da Analyscr
V-r S effieitw da gravitação são muito geraes em toda a
Katur^:^; e elics nao podem deixar de se thanifeftar a
lespeí^ dos alimentos , que tem de obrar <em o eftoma-
89 > entranha senávd» irritável , primeiro anel da cadèa
da Btimezosafi; assacia<;6es sympathicas : muito particular*
iMBte em o eftomago das Crianças , cuja incitabilidade
nefta idade he por excesso accumulada ; por isso mesmo
que efte principio da vida áinda não tem srdo gafto nem
pof continuados , nem por excessivos eftimulos; e em con-
sequência quanto mais pezado for o Leite , quanto mais
ii€k:ív0' deve ser ás forças digeftivas das Crianças, e menos
cciovemente á sua nutrição. O Doutor Brisson no seu enH
dito Tratado sobre o pezo dos corpos , apresenta o pezo
especifico dos diferentes Leites , tomando por primeiro ter-
mo de hunna progressão (i) crescente o Leite de peito,
e por ultimo, a Leite de ovelhas -, comparando com o pezo
da agoa (zaooo) na fôrma seguinte:
Leite de ptitã . . • • • 10.203.
Leite dcí Vacca icjiit.
• Leite de Cabia ro.341. •
Leite de Egoa xo.346.
.Leite dcBwra ío.j5'5'.
Leite de Ovelha 10.409.
c P» efta escala se vê , que depois do Leite de pei-
to- he. cíi.^e vaccas. o mai& leve de todos ; e em conse-
qucn-
(O A palavra progiessão não se toma nefta Memoria em rigor-Maiiicn»-
tic^t^mas sim em sentido vulgar, - ^
E e ò K o'M t « if s. iM§
qaencia , avaliado o Leite pela sua acção mecatinía / o dè
vaccas incpmmodari menos o eílomago das Criança^ ,*qil*
o de cabras» Efta circumftancia porém por si só v^ seria
sufficientc para nos convencermos defta preferencia , senão
fossemos determinados por outras considerações dflal}^icas.
As primeiras subftancias componentes do Leite , que
se apresentão pela sua expcsiç^ ao ar livre ^ são: A sub^
ftancia manteiguenta , iftohe, o creme, que por mais leve
vem á superfície do Leite, e que pela absorpçâo do oxy-
génio se transforma em manteiga , particularmente quando
se agita ao ar athmosferico.
O soro , compofto de hum acido particular , de hu^
tna matéria mucoso-saccharína , de gelatina , de algumas
matérias salinas , e de hum principio aquoso mais úu me-
nos abundante.
A subftancia queijosa , que parece ser formada dt
albumina ; contendo huma considerável quantidade de e^y*
gemo , mie augmenta a sua concrescibilidade , e ttíaior
quantidade de azôte , que as outras partem ; e por isso he
entra ellas a rnafS animalizada , alem de ser abundante
em fluidos gazosos carbonados , e sulfurados , &€.- • • '
Todos os Médicos eftão hoje de acordo , que o Leite,
que abundar, mais em subftancia manreigucnta , equeijosa,
e que for o fnars grosso , será o mais indigefto. Das anaty-
ses de Parmentier ^ e Deyeux , relativamente á parte queijo-
sa dos diíFerentes Leites , resulta huma progressão crescpnr
te na forma seguinte :
LEITE
de Egoa —peito — Burra — Vacca — Ovelha — Cabfa.
Logo , por eíta parte ^ o Leite de cabras he o mais
impróprio para o suftento dás Oianças., por ser o m^lâ
rico em matéria queijosa ; que he a parte a mais inso-
lúvel , e a mais capaz de gâftar o pnncipio da vida do
eftomago d^s^Cnafiças, em ra^âo meDmo ae conter {Princí-
pios ettimulantes em maior numero , e quantidade : accres-
cendo a» iito s«r a mbítmciá (meijosa; doLmtf das cabras
lín ii ' mui-
%24 M K MO B I A s ':
muito mais densa , que a dó d^ vaccas ^ ã t]\ial rctótn em
6Í muito maior quantidade de soro. • v
Da mesma analyse , pelo que respeita á quantidade
da subílancia manteiguenta dos diíTerentes Leites , conda
outra progressão crescente na forma seguintes
LEITE
de Egoa — Burra -— peito — Vacca — Cabra — Ovelha.
Por efta escala se vê que o creme , ou subftancia man-
teiguenta he muito mais abundante no Leite de cabras, do
.que lío Leite de vaccas , apçzar que do primeiro se obtenha
ipenos manteiga , que do segundo ; e nefta relação he tam-
bém preferivel o Leite de vaccas ao Leite de cabras : ac-
cresce também , que a parte manteiguenta do Leite de ca-
bras he muitomais espessa , que ^ do Leite de vaccas , e por
Xanto mais se aítafta qas qualidades do Leite de peito , cu-
jo creme exifte mais liquido , e em pequena quantidade.
Pela mesma analyse temos outra progressão crescen-
je 5 rpl^tivamente á quantidade da parte sorosa dos diffe-
rentes Ljeites-, da maneira seguinre:
LEITE
de Ovelha — Cabra — Vacca — Egoa — peito — Burra.
Por efta' escala vemos igualmente, que o Leite de vac-
cas^ he mais soroso que o Leite de cabras; ifto he, as
suas subftancias componentes exiftem mais diluidas: e por
tanto he mais próprio que o de cabras para alimento dos
débeis, e delicados eftomagos das Crianças.
Finalmente da referida analyse confta, que o princi-
jpio saccliarino , dissolvido no soro dos mencionados Lei*
tes, segue outra progressão crescente na forma seguinte:
LEITE
. de Ovelha — Cabra — Vacca — Egoa — Burra — peito.
Por efta escala' igualmente sabemos > que a ^ubftfancia
mu-
E^ Cf q M o M i c A s. 2^5'
^nucoso^cchanna he maia pbundantc no Leite de vaccas ^
do que no Leite de cabras j e por consequência o Leite de
vaccas he por eíla parte também melhor para a nutrição
e conservação das Crianças , por iso mesmo que o princi-
pio saccharino , além da sua qualidade nurrientente , tem a
propriedade de se oppôr á coagulação do Leite , de favore-
cer a digeftão, de promover as dijecç6es alvinas, &c. : e
por iíto já Neumann , e Boerhaave ( ambos na sua Chimi-
ca) considerarão* o assucar como hum sabão , que possuía a
virtude de se unir a todos os humores viscosos.
De tudo que fica expofto relativamente á Analyse dos
DD. Parmentier , e Deyeux sobre as difFerentes espécies de
Leites ^ Analyse a mais exacta , que até hoje conhece-
mos , particularmente augmentando-se com os trabalhos de
Thenard , e com o que derâo Foucroy , e Vauquelin para
o Jornal de Nicholson , fica evidente a vantagem , que o
Leite de vaccas tem sobre o Leite de cabras para o sus-
tento das Qianças ; suppoftas iguaes circumftancias de
paftos, agoas, eftaçâo, exercício, &c.
ARTIGO III.
Pr&vas tiradas da experiência por factos negativos.
E
M hum grande numero de Casas de Expoftos das Na-
ções policiadas se tem tentado subftituir , para alimento dos
Recem-nascidos , o Leite de cabras ao Leite de peito , até
pela facilidade de se poderem conduzir as cabras is Ca-
meras dos Expoftos , de se poderem arranjar sobre os ber-
ços das Crianças , a fim de mammarem mais commodamen-
te ; e até finalmente porque se observa , que as cabras ,
passados alguns dias , se prcftavão com huma notável sa-<
tisfação , e ardor a lactar as Crianças ; parecendo que por
hum inftincto particular desejavão supprir os aíFagos- de
suas mais. Debalde porém tem sido feitos eftes en5aios ;
pois
tU
Memoria^
pois etio raivas as Crianças , que escaparão , apnar iò
maior cuidado e circunspecção na sua direcção. Nòt po-
rém desgraçadamente nfo temos necessidade de recorrer
aos resultados dos ensaios , inftituidos nas Nações Eílran-
geiras ; quando na mesma Casa dos Expoftos de Lisboa ob-
•enramos, que todas as Crianças suftentâdas a Leite de ca-
bras ^ mais tarde ou mais cedo perdem a vida; sendo de
notar , que todas ellas apresentao o aspecto de Múmias,
He verdade , que senaelhantes ensaios foráo praticados cm
Paris , em Ruam , e em outras Cidades com o Leite de
vaccas , e que os resultados foiâo igualmente negativos :
porém exammando a direcção deftes ensaios , particular-
meme dos que fbrão praticados em Ruam , que princípiá-
ito a if de Setembro de 1763 até 15' de Março dei/ój,
acho que elles náo podem servir de prova contra q uso do
Leite de vaccas ; pois que pagados oito dias, se davao
aos Recem-nascidos caldos feitos de farinha de trigo com
f> mesmo Lette , três vezes por dia ; franqueando-se-Ihc$
nos intervallos todo o Leite, que querião beber : além dis-
to conta , que , apezar de todos os cuidados , o ar exiftia
infecto , sempre com máo cheiro , e que houverão outras
faltas na conducta defta empreza.
Supponhamos no entanto (o que he difficultoso) que
das Casas dos Expoftos se removiâo todas as causas « as
quaes concorrem tanto , como o máo alimento , para a mor-
tandade das Crianças ; nefta hypothese , com o Leite de
Taccas salvaremos sempre a viaa a hum maior número de
Expoftos: pois pelo que fica dito, e temos a dizer, hc
indubitável , que efte Leite hé preferível ao Leite de cabras
para o suftento das Crianças.
Dbqui concluiremos , que não são as casas da Cari-
dade os lugares mais próprios para a criação dos Expos-
tos ; «fiando por outra parte persuadidos que do mesmo
I^eite de vaccas não tiraremos maiores vantagens , se os
Recenfr-nascídos nSo forem nos primeiros três mezes anaam-
raentados com o Leite de peito , a fim de irmos gra-
duando a força do alimento pelas fisrças das-suasr facv&a-
des
1
1
E C O: M a, M l, C A S. I87
des digeftivas : e he por íBlo qUe Etmmlkro diala n que
V poucas Crianças das que nao maoimárao y tem vivido
9f até á idade da adolescência. >>
ARTIGO IV.
PrmãS tiradas da Experiência par factos positivos , e
da Auctoridade.
QUando a necessidade , ou por falta de Leite de peito ,
ou pela sua má qualidade , nos obrigar a s^uir o m^
thodo artificial dekctar os Reçem^nascidos ; aíFoito$ usare-
mos do Leite de vaccas : pois os máos successos do seu en-
saio nos Hospifòes dos Expoftos t a par dos repetidos descai--
dos , e diffcrentes causas morbificas y que abi exiftem , rân ^^^
podem servir jde argumenta contra o seu uso , quando a seu ^ ^^
tevor temos provas directas , e positivas fóra dos Hospitaes. 5 yy
A Hiftoria assim Antiga como Moderna sobre os cos^ ^ ^
tumes das Naç6es. nos fornece exemplos y de se terem ali* w '
mentado as Crianças com o Leite de vaccas. Os Scythas, ^^\^
Povo assas numeroso, e o mais sóbrio, se suftentavâo de ' ^
leite e mel: seus filhos er^ igualmente criador de^de o
nascimento com o Leite de vaccas ^ que ella preferião ao
Leite de peito, inítruidos das desgraças dos Gregos, que
erâo criados por Mulheres , de cujo Leite elles derivavlo
suas moleftias , e paixões. Eíle uso foi muito geral no Tm* '
perlo da Rússia , na Alemanha , na Dinamarca , na Ingla*-
terra , na Escócia , na Irlanda , na Ungria , na Suábia na
Frajiconia , nos Cantões Suissos , na HoUanda , na Flan-
dres , no Canadá , &c^ segundo lemos em Raulin. E efte
methodo de criação medrava -, por isso mesmo que os Re^
cem-nascidofi aâo erâo encerraoos eih casas , e em grande
número , como acontece nos Hospitaes dos Expoftos : muito
embora R^iulim , ainda nSo inftmido pela verdadeira Analy-
52 dos Leites t diga >> que se preferia o Leite de vaccas- ao
9> Leite de cabras só em razão da sua maior abundância >^
He
-2S8 ' M E M o R IA S
He bem verdade , que Linneò nos diz , que os Paiza*
nos da Veftrobomia procreâo mais filhos , que os das ou^
trás Pro vincas , porém que os conservao menos ; o que el-
le attribue a serem criados com o Leite de vaccas. Iguala
mente conda de huma Disserta v^ ao de Ballexserd sobre a
educação fysica das Crianças , que os filhos , que nao sao
amammentados por Mulheres , não são tão gordos , nem tao
corados , nem tão robuftos. Tudo ifto porém sá prova ,
que o methodo natural de suftentar as Crianças he prefe-
rível ao methodo artificial.
Consultando os mais acreditados Escritores, que tem
tratado da Educação fysica das Crianças , leio , que todos *
elles tem feito uso do Leite de vaccas para a sua nutri-
ção, com preferencia ao Leite de cabras,
O Doutor Brouset , se bem que levado por huma ex-
travagante opinião , pretenda preferir para o áiiftento dos Re-
cem-nascidos o Leite de animaes ao Leite de peito , com tu-
do escolhe o Leite de vaccas , como se pôde ver no seu Tra-
tado da Educação Medica dos Meninos , tom. i.^ pag. 162 :
çscorando-se , além de outras razões , em que os Povos do
Norte alimentavão desde o nascimento seus filhos com o
Leite de vaccas, os quaes erão mais vigorosos, e menos ex-
poftos ás enfermidades , do que os das Naç6es Merídionaes.
O Dr. Smith , nas suas Cartas sobre a direcção das
Crianças , produz fortes razões pani moíb^r a preferencia
do Leite das vaccas para a sua nutrição. E se bem que
çfte Leite seja inferior em qualidades ao Leite de egoas ,
e de burras para efte uso, como já fica dito, concordarei
sempre com o Dr. Smith em o preferir ao Leite de cabras
para o suftento das Crianças.
O Dr. Undérwood no seu Tratado das doenças dos
Meninos affirma , que o Leite de vaccas he o que melhor
se pôde subftituir ao Leite de peito : e qne a sua experiên-
cia assim lho tem moftrado. EUe falia em relação ao Lei-
te de cabras.
O Dr. Duplanil , em huma nota á Medicina Domefti-
ca de Buchan ^ tratando dos alimentos das Crianças , se
Económicas. 289
explica na fórma seguinte : >> Se a Mãi não tem Leite , ç
>> quer satisfazer aos seus deveres , criando seu filho , he
>í necessário que principie a dar-lhe bom Leite de vaccas,
f9 cortado com agoa , a fim de o tornar mais fluido , e le-
99 ve ; reduzindo-o defta fórma á consiftencia daquelle , que
99 fornece o peito materno em os primeiros dias depois do
» parto ; pouco a pouco irá diminuindo a porção de agoa ,
» até chegar a dar lho puro >>.
O Dr. Alexandre Hamilton » no seu Tratado das mo-
leftias das Molheres , e dos Meninos , fallando da nutrição
capaz de supprir o Leite das mais , aconselha o Leite de
vaccas , milturado com huma portão de agoa y e açúcar j
c náo falia no Leite de cabras.
O Dr. Francisco Manoel Foderé , Medico do Hospi-
tal da Humanidade em Marselha , quando trata de deter-
minar o Leite , que em suas qualidades mais se aproxime
ao Leite de peito para a nutrição dos Expoílos, se expli-
ca nos termos segunites : 99 Nós nos aproximaremos o mai$
í> que for possível á Natureza , e tal deve ser nosso fim ,
99 subftituindo ao Leite de peito o Leite de vaccas , co-
9» mo o mais rico em matérias alimemosas , e o mais anar
>> logo áquelle >♦. ( V. Medic. Leg. t, 3. )
O Dn João Pedro Frank , Professor de consummadas
luzes , e saber , e de huma extensa , e reflectida experienr
cia , adquirida em nossos dias nos maiores Hospitaes da
Itália , e Alemanha , quando falia (no seu Tratado de criar
saudavelmente os Meninos ) na subílituição do Leite de
animaes ao Leite de peito , expressamente diz: »> Asdi&
>> ferentes espécies de Leite, exigindo relativamente á sua
>9 consiftencia mais ou menos forças digeftivas , são tan-
>> to mais nocivas , e menos convenientes i nutrição das
>f Crianças , quanto ellas contém mais subílancia man-
99 teiguenta , e queijosa : o uso geralmente seguido tem de-
99 cicfido nefta parte*, e se servem para efte fim do Leite
y9 de vaccas ».
No congresso de Médicos , e Cirurgiões, que por or-
dem do Parlamento houve em Paris em o anno de 1680,
Tom. K Oo a
ipO MBMOKtAS
a íím de se evitar a mortandade das Crianças eipoftas por
falta de Leite de peito , se resoJvco : Qiie servisse na Ca-
sa dos Etpoftos o Lete de vaccas. He verdade que eítes
Professores escolhêi^o o Leite de vaccas , por ser mais
abundante , e mais barato *, porém tomdrao a melhor reso-
hiçáo : muito embora se fundassem em razoes de econo-
mia , e rí&o em razoes de observação y e de analyse , que
naquelle tempo pouco se conhecia.
O Dr* wiilick , no tomo i.® da sua Hygiena Domeílica ,
fallando do Leite como alimento, diz: »> O Leite devac-
M cas he n^is leve, porém contém mais partículas aquo-
9f sas, que o Leite de ovelhas , ede cabras j por outra par-
V te eUe he mui espesso que o Leite de burras , c de
^9 egoas , os quaes se aproximão mais á consiftencia do Lei-
yj te de peiio >>. E mais abaixo oontimia : >» O Leite de
♦f de ovelhas , c de cabras produí muito queijo , que he du-
>» ro, forte, picante no sabor, ededifficil digeíÈb»». Por
t)ftde se vê , que ^e Escritor subftitue ao Leite de pei to o
Leite de vaccas , na falta do Leite de burras ou de egoas.
O Dr; Franccisco José de Almeida , bem conhecido
por seus talentos , e grandes luzes , no seu Tratado de
Educação Fysica dos Meninos , fallando do suftento , que
ihes he próprio, diz a pag. 65: •> Eu tenho experimenta-
» do que ao cabo de dous ou três mezes , se o menino he
M forte , e sadio , pôde usar de algum alimento ténue, c li-
>> quido. He certamente pelo Leite de outros anima es que
♦> se deve começar; em razão da grande analogia , que tem
M com o nosso proprio suftento ... * . O de burras mais
^ a^acento , como moftra a experiência , e mais facU de
•^ digerir , he o que primeiro deve entremear-«e com o Lei»
» te humano , sendo certo preferível ao de vaccas , &€• »».
Na pag, 68 da mesma obra repete : >9Bafta-Ihes , como dis-
>> semos , nos primeiros mezes o Leite materno , depois o
M Leite de burras, ede vaccas, &c. ». Finalmente no ar-
tigo em que falia do modo , e tempo próprio para desmam-
tnar aí Crianças , se explica mais claramente a pag.72 , di-
zendo : ^ Batia tjue dos três mezes por diante tomem além
do
E CO: HO MI CA S. .191
;, ào de peito algum tanto de Leite de bom^; depoie p$r
„ sâo-se ao de vaccas „• Por ifto se vê , que efte erudito
c experimentado Escritor prefere, ecom razão > o Leite de
burras para se subítituir ao Leite maternp , pw çer q meb
análogo (bem como o de egoas) ao Leite deppito; afóra
efte porém lembra o Leite de vaccas , e nem huma peUr
vra aiz sobre o Leite de cabras.
As papas do Dr. Camper , aconselhadae p9f Girta«h
ner, no tom. i."* do seu Tratado da Educação Fyfiça das
Crianças, para se subftituirem ao Leite de peito , são feir
tas do biscouto da flor da farinha , 4e açúcar, e Leite df
vaccas , com huma pequena quantidade de ^^bâo de Ver
iieza y como dissolvente da parte queijosa do Leit0 ; e 1^9
entra nefta , e outras compoisiçóes semdhames o Leite df
cabras.
O Dr. Pinem r Siles , em huma nata á traducçHo 4%
Matéria Medica ae Cullen, tom. 2.^ pag. 220, íailftndQ
das qualidades do Leite dos animaee rumimantes , e na9
rumimantes ; diz expressamente .», que o Leite de vaccaa se
,y aproxima mais ao Leite doa animaiss não ninúiiaiitei^
^ por ser mais Lic^uido , e ^ar mejioa qumtidl^ de paiten
99 coaguláveis ^ e msoluveis , que o de cabraa ^.
Finalmente os Doutores rrederioo Hoffinan ^ e Yeui^
( no seu Tratado d^ natura , e usu lactis in Hvenif
auimalihus) tenninirâo em suas ei^periencias y Qs^i^ W^
tre os Leites dos animaes ruminantes , he o de vacc«8 9
que mais se assemdha em auas qualidades «o Leite 4e Vbtp
Iheres; pois que tomadas partes iguaes disftes Leites > 4>
rezidoo , depois da evaporação , só fazia a differença de
dous g^os em pezo. Sendo porém verdadeira a asserç^
deftes Escritores ; as sua« experiências , e analvses j bjsna
como as de Homberg , Cartheuser y Gmlin , Boyssou, 15
de outros náo tem o cunho da exactidão qu^ se rsquer ,
c ^ue só achamos nas de Parmentier , e Deyeux y já r^
iendas.
Eu poderia ainda augmentar o catalogo das citações
com o nome de «itros Âuctores astim imt^gQS , como mo«
Oo ii der*
ipi • Memorias
demos , que preferem o Leite de váccas ao Leite de cabras
para o suftento das Crianças j porém as referidas Auaori-
dades a par das provas, que tenho dado já de Analyse, já
de facto , me parecem sobejas para determinar a queftâo.
Nâo posso todavia esquecer-me nefte lugar da opinião
daquelles ,\ que , pcrtendendo aperfeiçoar a J^pecie Hmna-
na , se decidem para a escolha do Leite , somente pelo gjp-
nio , e caraaer do animal ; c por ifto B^Uexserd , na sua
citada obra , aconselha aos Povos do Norte , que são som-
brios 5 o Leite de cabras , animaes dotados de vivacida-
de , e alegres j aos Italianos , que são engenhosos , e es-
pertos, o Leite de vaccas, animaes mansos, e vagarosos;
e ás Nações de hum caracter mediano o Leite de ani-
maes, que partecipem das duas qualidades precedentes: a
fim de corrigir , diz efte celebre Escritor , os vicios humo-
raes do Homem , e sua conftituição pelo Leite de animaes
de génio oppofto. O Doutor Baldini , no seu Tratado de
criar os meninos á mão , he do mesmo aviso , querendo
se dê Leite de cabras aos filhos de pais ricos , que pe-
la maior parte são de hum temperamento melancólico,
pouco activo , &c, ; e Leite de vaccas aos filhos de pais
fortes , e que tem huma vida mais activa , e exercitada : e
neftas mesmas idéas eftão alguns outros , mas poucos , Es-
critores. Eu não duvido da influencia , que os alimentos
"tem sobre os hábitos moraes : desde Hippocrates todos os
Auctores , que tratão da Hygiena publica , fallão defte
t)bjecto; e com muita erudição Cabanis , na sua excelien*
te Memoria a respeito da influencia do regimen sobre as
disposições , e hábitos moraes. Admiro-me no entanto ,
que propondo-se salvar a vida aos Recem-nascidos pela
subítituição do Leite de animaes o mais análogo em Furs
qualidades ao Leite materno , hom.ens haja , que se entre-
terihão neftas especulações filosóficas , csquecendc-se ài
♦sua conservação lysica , a qual não poderá prosperar , seivío
por meio de hum alimento , que seja o m.ais accommoda-
•do ás faculdades digeftivas das Crianças , independente ca
sua influencia sobre as disposições moraes.
Quai^
E.C o H o M I C A 8. 2Ç^
Quando MȎm hcmyer objectos , sebre os qu^es pos-
são recahir eíias especulações filosóficas i iílo he , quan-
do a vida das Crianças expoítas exiftir em hum eítado de
mais segurança ; o que só pôde acontecer depois de se des-
manunarem ; então muito embora os Filósofos pertendâo
criar homens íysicos , e moraes á sua vontade , por meio
de luminosas iaéas da nutrição, que hoje possuimos, sem
que todavia nos lisonjeemos de poder fazer a sociedade
universal de Pytagoras.
ARTIGO V,
O Leite de cabras não deve ser preferido ao Leite de vac^
cas para a lactação das Crianças , pelo motivo de st
poder imitar a Natureza ^fazendo-as mammar
em suas tetas : ao contrario esta pratica
traz comsigo muitos inconvenientes.
H
. E inconteftavel , que a nutrição das Crianças , que
mammâo aos peitos de suas Mais , aproveita mais , não só
em razão de receberem o Leite em calor natural , e de as-
sim ganharem hum principio vivificante (i), mas também
de promoverem a secreção da saliva , tão necessária para
a digeftão. He igualmente certo , que se deve graduar es-
te alimento, segundo sua idade, e forças; e por isso to-
dos os Práticos geralmente determinão , que as Crianças
nem devem mammar menos de quatro , nem mais de oito
vezes por dia ; que a demora para cada huma das vezes ,
que se amammentão , deve crescer na razão directa da sua
idade, como adiante se moílrará , que se não devem dei-
xar dormir com o peito na boca , não só porque podem
sem tino chupar algum Leite , que nella lhe fique por en-
gulir , e que entrando para a trachea lhes cause tosses suF-
fo.
O^ Vqa-se a nota doAitigo yi.
»94 M B Bi o 9 r A s
fbcâuvâS ) ma$ também por se entar húma oàcsítííú pró-
xima de receberam huma maiw quantidade de Leite , do
que converti ; particularmente de noite, em que efte cx*
t&AM he mais prejudicial á sua saúde , &c Á pezar porém
dtífteê ) e õutms saudáveis conselhos são frequentes as nio-
iefti^s ) qnQ reâulrlo do excesso do Leite , quando a Natu-
reza por ú rnêsma nâo faz a sua reposiçáo , como diária-
ftiente observamos : e nem he possível que as MSis pos*
são regular ao iufto a quantidade de Leite que devem
preítar a seus filhos.
Eíles inconvenientes são maiores , quando a necessi-
dade obriga a suftentar as Crianças com o Leite de Amas,
as quaes , ainda no caso de gozarem todas as qualidades
fysicas , e moraes i que caracrerizâo as boas Amas y conre»^
l^ndendo a idade do seu Leite á idade das Crianças, cir-
-^{lancla necessária para a boa criação , jimais darão
um Leite ^ semelhante em qualidades ao Leite das Mais ,
s^«*^ ^^e preparado pelos cuidados , e leis da Natureza,
V* para aperfeiçoar a organização dos filhos : e daqui vem ,
due o Leite das Amas he sempre mais ou menos eílranho
a criação i o que se compfôva pelas repetidas observações
dos filhos criados com Amas , os quaes padecem muito
mai^, do que os amammentados por sua^ próprias Mais,
He |x)r tant«> cdm o Leite das Amas que mais cumçie
r^uiar a quantidade , pois quando excessivo > produzirá
efreitos mais prejtidiciaes á saúde das Crianças , do que
e Leite mareitio , em iguaes circunftancias.
Descendo agora ao Leite de animaes sabemos , que
dle se aíFaíkt muito mais que o das Anus , da natureza
do Leite tnatemo : e em consequência he com o Leite de
amimaes^ que tem de servir para o suílento das Crianças,
que ha mífter o maior cuidado ^ e circunspecção na sua
adminiftraçâo ; procurando-se nao só proporcionar a soa
qoantidade i idide e forças das Crianças, mas iguaimnte
cotregir a ^a -qualidade^ oqae he impossível vwificar^^e,
expondo-se as Crianças a mammar ás tetas das cabras á
sua vontade : ^ daqui vem , que as cólicas ^ as dian^eas , 09
to-
Económicas. i^f
tenesmos j as convulsões , as febres mesentericas , o maras-
mo , o finalmente a morte são a jpartilha defte methodo
de lactar ; que ainda se torna mais prejudicial pela posi*
çao horizontal , que para íàcilidade da lactação , fazem
tomar ás Crianças as mulhere encarregadas da sua cria-
ção ; quando nefte acto a posição deve ser o mais apro-
ximada á perpendicular.
He verdade , mie o inconveniente de se não poder
determinar a quantidade do Leite pelo methodo natural
he geral , ou o Leite seja de peito , ou de animaes : com
tudo efte defeito da Natureza pelo que respeita ao Leite
das Atais he menos nocivo ás Crianças ^ por isso mesmo
que ellas mammâo hum Leite o mais apropriado is euas
drcunftancias. Já o excesso do Leite das Amas lhes causa-^
rá oiaiores incófliodos ; e muiro maiores , e na geoeralir
dade funeftos, o excesso do Leite d^ animaes, do qual se
cão dere usar para o seu audeoto , senão pelo methodo
artificial , a fim de determinarmos a aia quantidade , e
emendarmos a sua qualidade , como adiante diremos : e
em consequência o Leite de cabras não merece a pre^-^
renda, para a bcução das Crianças, sobre o Leite a^^
raccas , pela circunftancia de podermos imitar o metln^^V;;
do namral , suflentando as Crianças ás suas tetas* ^ ^
Nem se me opponha , como alguns pertendem , que
as Oianças masmíiando nas tetas das cabras, recebem o
Leite com o calor natural, hum Leite animadk), sem per^
da dos seus pnndpios mais vdiateia , ganhando^e ao m<2»-
no tempo a secreção salivai. £&as vantagens , he certo y
dão a preferencia ao methodo jsatural pefo que respeita
ás Mais , e ainda ás Amas ; porém não pelo que respdta
ás cabras , cujo Leite se aflFafta muito a todos os respei-
tos da natureza do hátse de peito : quando pelos meios
artificiaes tam^m podemos obter is principaes vantagens,
(me resultão do methodo namral , como se £uá ver no
Axtigo seguinte.
AR-
t^6 Memorias
ARTIGO VI.
Determina-se a medida do Leite nas differentes idades
das Crianças \ e bem assim o tempo , e modo de se
lhes administrar tanto simples , como intermea-
do com alguns alimentos apropriados.
O Obre a quantidade do Leite , que nas differentes ida-
des tem de servir para o suftento das Crianças , mal se po-
dem eftabelecer regras geraes ; pois que o eftado da saúde
das Crianças , a sua conftituiçâo , o seu apetite e forças
digeftivas , fazem excepções para mais , ou menos alimen-
to , como igualmente se verifica a respeito dos adultos.
Na generalidade porém determinaremos algumas regras a
fim de se applicarem ás grandes Casas dos Expoftos.
A necessidade de graduar a quantidade do Leite dos
animaes para a nutrição dos Expoftos , he muito maior,
quando pela sua grande concurrencia se não podem amam-
mentar nos três primeiros mezes com o Leite de peito: e
neftas triftes circunftancias as regras mais seguras serão
tiradas do trilho da Natureza. Nós obsen^amos , que os
filhos , criados por suas próprias Mais , mammao pouco de
cada vez , porém mais vezes em os dous primeiros mezes :
depois deíla época elles inammâo menos vezes; poném de-
morâo-se mais tempo a mammar : e assim vão mndo pro-
gressivamente até o quinto mez , tempo em que se pode ,
e deve já começar a supprir a quantidade do Leite por al-
guns alimentos líquidos.
A quantidade , que huma Criança pôde chupar de Lei-
te por cada vez que mamma , em geral he avaliada por
alguns experimentados Escritores em onça e meia no pri-
meiro mez de criação , em duas onças no segundo xnez«
em três onjas no terceiro mez , em auatro onças no quar-
to mez } e assim progressivamente ^ de tal fóma que huna
li-
E -C o N o. M I C A S. V)J
libra de Leite se calcula ser suíEciente alimento, cm vin-
te e quatro horas , para huma Criança de lium mez de
idade ^ dezaseis onças para as do segundo mez ; libra e
meia para as do terceiro mez; duas libras para as do-
quarto mez , e assim augmentando até três lioras para o
quinto mez de criação , findo o qual já não he neces-
sário acrescentar a quantidade do Leite, em razão de se
principiar a supprir por outros alimentos , como adiante
se dirá.
Px)r eftes principios já podemos arbitrar , quantas ve-
zes entre dia e noite se deve. dar Leit» ás Crianças até o
fim do quinto mez da sua criação. Como porém nos pro-
pomos seguir os passos da Natureza , parece que nos pri-
meiros dous mezes será sufficiente lactar as Crianças oitp
vezes nas vinte e quatro horas ; no terceiro e quarto mèz
séís vezes no mesmo espaço de tempo : no quinto mez
finalmente baíla que sejão alimentadas cinco vezes entre
dia , e noite j entendendo-se , que nefte numero de vezes
recebem a arbitrada quantidade de três libras de Leite,
que se poderá regular a seis onças por cada vez nós pri-
meiros quinze dias., e a pouco mais de. sete onças no res-
to do quinto mez.
Não se podem marcar á risca as horas para a lacta-
ção das Crianças, como alguns práticos pertendem , pois-
que a necessioade de se alimentarem em diíFerentes horas
lie relativa á sua conftitui^ão , idade , e a outras circunftan-
cias: ficando todavia as amas, ou as pessoas encarregadas
da sua criação, advertidas para não tomarem sempre os
choros das Crianj^as , como ordinariamente fazem , por hum
indicio da necessidade de se lhes dar Leite : quando os
choros filhos da fi3me , que se podem conhecer pelo va-
sio , e moUeza do ventre , e por ellas levarem frequentes
vezes ak mãos á boca , se devem distinguir dos que são
nascidos do frio , do calor , de eftar* muito carregado o
^eu eftomago , do aperto dos veftidos, &c. Nas grandes
Casas porém dos Expoftos , aonde sé faz necessária a or-
dem , e a regularidade , não nos podemos dispensar de re-
Xom. V. Pp gui
29? Memo h i a s
guiar as horas do alimentx> para às Crianças ^ muito par-
ticularmente sabendo nós a facilidade , com que se adqui-
rem hábitos em tenras idades ; e tendo observado , que
as mulhcfes do campo , pela necessidade de suas occupa-
çôes , e trabalhos , sujeitao seus filhos a mammar em ho-
ía§ regulares , e não muitas vezes; e todavia elles sao gor-
dos , e bem conftituidoé. ' Parece-me por tanto , foliando
na generalidade , e continuando a observar a marcha da
Natureza y que as Crianças de hum mez de idade sejão ali-
mentadas de duas eni duas horas, a saber, de manhã ás 7,
ás 9 , e ás II hofes ; e de tarde ás 4 , ás 6 , e ás 8 horas ;
e por toda a noite, oue lie o tempo mais reservado para
o sbmno , baftârá se lhes dê Leite duas vezes somente , o
que pôde Sèr á meia noite , e ás quatro horas da madra-
{;ada (i) : que as Crianças .dè dois mezes de idade sejão
actadas de três em três horas, o que st? poderá fazer ás 7
e ás 10 hbras da manhã, e á huma hora da tarde; c de-
pois ás 4 e ás 7 horas da tarde , e ás 10 horas da noite;
no refto porém da noite deve âlterar-sç eíla ordem , e en-
tão , como no primeiro mez , dè-se-lhes o seu alimento á
iheiâ noire , e ás quatro hofas da madrugada : que ás
Crianças de três e quatro mezes de idade admittao o in-
tervaílo de quatro horas para o seu suftento ^ e por tanto
dê-se-lhes Leite ás 7 e ás 1 1 horas da manliã ; e ás 4 , e 8
hòjras da tarde ; e de noite ás mesmas horas prescritas :
que as Crianças finalmente de cinco mezes 'de ioade sajão
alimentadas com o intervallo de cinco horas , ifto hè, de
manhã ás 7 horas, e ao meio dia; ás 5' horas da tarde ;
t is 10 horas da noite ; e no refto da noite somente pe-
las 4 horas da madrugada.
Por
(i) Parecerá grande intervallo das 11 hôraí da mnnhá ate
ás 4 horas da rarde, no qual eu deixo sem «afimesito as CrunçAs
de hum mez de idade : no enranto já as considero com o neces-
sário, suftento para se habituarem ciaquelle esp^iço de tempo ao
^ono , do qual tem mingoa ; sem que todavia eftranhe , que S
huma hora da tarde , se dé outra dó'?e de Leite áquelias Criío^
$ás) cujos choros indicarem ^ais necessidade de Mímehto'.
Ê^c OM o-M I c A s« ayp
Por efta diftríbuiçáo , que parece acompanhar os pas-
sos da Natureza , se vê que todas as Crianças até o quin-
to mez de idade, vem a ser alimentadas entre dia e noite
cm horas communs ; e que sò tem horas privativas de la*
ctaçáo tros yezçs no dia , as Crianças de dous mezes de
idade , a saber , ás lo horas da manhã , á huma , e sete
horas da tarde ; e duas vezes ho dia as Crianças de cinco
mezcs de idade , a saber , ao meio dia , e ás cinco horas
da tarde. De&a maneira fica mais suave o trabalho da
criãçâo nas Casas dos Expoftos , porque o maior numero
das Crianças são lactadas em horas communs: devendo-se
determinar para sempre , aue nos aíFaftamos do trilho da
Natui^za , quando pertenaemos dar alimento em as mes^
mas horas , e o mesmo numero de vezes, a todas as Crian-
ças, sem attenção á sua idade, e forças , como desgraça-
damente acontece nas Casas dos Expoílos. Se eu me pro-
pozesse fallar da lactação natural por meio das amas,
muitas outras considerações teria a fazer , regulando até
de outra maneira as horas do suítento das Crianças , por
ndo ser conveniente, que as amas lhes dem de mammar no
tempo da digeíiâo, eque as despertem paramanunar, quan-
do durmão ; porque acórdão sobresaltadas , e mammão com
repugnância , e sem necessidade , &c. Eftas regras porém
são relativas á lactação artificial nas grandes Casas dos Ex-
poftos , onde he indispensável a regularidade ; tornando
a repetir em favor do que fica determinado , c mesmo pa-
ra o ensino das Mais c Amas que crião , que facilmente
as Crianças adquirem hábitos em tenras idades ; sendo de
observação , que as Crianças coftumadas a mammar em ho-
ras reguladas , ordinariamente acórdão a ellas pelo eftimu-
lo da fome , como acontece aos adultos , quando soo re-
gulares em suas comidas.
Acabado o quinto mez de criação , he tempo de se
principiar a dar as Crianças , além do leite , algum outro
alimento, não só para Irmos acoftumando de longe os de-
licados eftomagos das Crianças a alguma qualidade de ali-^
jnento > a fim de não eftrannarem na época de se desmam-
Pp ii xna-
^oo • Memorias^
marem , nias também por se ter observado , qíie as Crian-
ças 5 que comem no tempo da lactação , são muito mais
vigorosas , como já notou Hippocrates no s€u livro = De
natura pueri (i). Nem pareça cedo, que se comece, no
sexto mez de criação, a dar ás Crianças algum outro ali-
mento, além dó Leite, não se esperando, como agrada a
alguns Escritores, pela apparição dos dentes incisores, os
quaes ordinariamente arreoentão pelo oitavo mez de idade ,
e^se considerao como hum convite da Natureza, para en-
tão adminiftrarmos ás Crianças alguma comida mais soli-
da ; por quanto , além de que peio sexto mez frequentis-
simas vezes começão a apparecer os primeiros dous incL-
sores da maxilla inferior, sabemos, que os outros animaes
nascem com dentes , sem que todavia elles indiquem a
necessidade de outros alimentos , pois se suftentão em to-
do ^o tempo prescrito pela Natureza , do Leite de suas
Mais. Além difto lie de obsiervação , que a dentição se
fez com muita maior fecilidade naquellas Crianças , que
pouco antes , além do Leite , tem principiado a fazer uso
de algum determinado alimento. Se o meu principal obje-
cto não fossem os Expoftos , os quaes de ordinário che-
gao desfalecidos ás Casas da Misericórdia , e que por ifto
mais precisão de se lhes prolongar o tempo da lactação,
em razão da fraqueza de seus oigãos digcítivo^ , seria de
parecer com o E>r. Leroy , Professor , que por espaço de
•quarenta annos tem feito felices observações , e experiên-
cias sobre o modo de criar , e conservar os meoioos (2} :
que logo ao cabo do primeiro ou segundo mez, se entre-
meassem com o Leite alimentos hum pouco mais crassos >
como adiante são indicados ; poisque os filhos pouco de-
pois do nascimento, coftumados a huma nutrição semi-so-
lida , conservão a pelle mais firme , mais elaílica , Feu es-
tômago se fez mais robuílo , e em geral toda a sua eco*
no-
CO Galeno duvida se efte livro he de Hippocríiccs , ou de
Polybio seu gento.
(2) Vcja-se o seu excellente Tratado , intitulado Mkúkinã
paternal. Paris An. 11. — M«DCCC. IIL
E. C o » o M I C A $« JOI
iiomia he mais forte , e tem mais vida. Referindo po-,
ném. minhas idéas , como disse aos Expoftos , he o sexta
mez de idade, tempo muito próprio para outra subftitui-
çao alimentaria ; pois nefta idade já ha mais vigor no es-
tômago das Crianças , e mais saliva para facilitar a diges-
tão daquelles alimentos , que então lhes convém : sendo
por outra parte já necessana efta subftituição , ou por alli-
viar as amas de preftarem huma maior quantidade de Lei*
te , que ás vezes não tem , particularmente quando as Crian-
ças são meninos , nos quaes se nota urgência de mais ali-
mento , do que nas meninas j e por evitar maiores despe*,
zas em Leite nas Casas dos Expoftos.
Para determinarmos o alimento , que he mifter entre-
mear-se com o Leite para a nutrição das Criaças , cumpre
saber, que o homem he hum animal camivoro^ antes que
chegue a ser grani voro e herbívoro; que os órgãos diges-
tivos dos animaes carnívoros são os mais fracos , e por is-
so tem necessidade de subftancias mais , ou menos anima-
lisadas para o seu suftento ; e que alguns carnívoros , co-
mo os animaes ferozes , e selvagens , tem as suas facul-
dades digeftivas tão fracas , que até necessitão de se sus-
tentar das carnes dos animaes vivas , e palpitantes , por
gozarem de hum maior gráo de animalidade ; e quando
no eftado sof^al se lhes dão carnes mortas , elles perdem
a m^ior parte da sua energia. Os mesmos animaes grani-
voros, cujas forças digeftivas são mais consideráveis , ani-
malizao primeiro no seu eftomago o alimento , que tem
de dar a seus filhos , como observamos em muitas aves ^
e pássaros; e só.os filhos dos animaes niminantes herbívo-
ros, que tem quatro eftomagos , commutâo facilmente no
começo da sua vida algumas subftancias não animalisadas ,
sendo todavia mifturaoas com o Leite , ou com caldos
animaes. Por eftes princípios já se vê porque p Leite,
subftancia de hum certo gráo de animalização , he o
alimento próprio das Crianças , e pelos mesmos se co?
nhece , qual deverá ser a qualidade do alimento , que.
convém subftituir-lhe j ifto he, que devem scr^ubftancias ^
que
Jaz * Memorias
que lhes possâo dar elementos de animalidade. Káõ são
por tanto os cozimentos mucilaginosos de cevada sem pre-
paração , ainda mifturados com Leite , hão são as papas
de farinha de trigo , do sagii , da tapioca , do salepo , c
de outras [nSo fermentadas ; nao são os caldos de vege-
taes , e nem mesmo os caldos feitos de miolo de pão,
fervido n^^goa com assucar , que as mulheres do campo
fazem ordinariamente de máo pão , e que assaz não tem
deixado ferver , para se dar sahida a huma maior porção
de gaz acido carbónico, que incommóda as Crianças; não
tóo y torno a dizer , efta qualidade de alimentos grossei-
ros , e que não podem sar apropriados por eftomagos fra-
cos , que eu escolho para entreméaf com o Leite ; pois
que eftas subftancias, quando não produzissem outras mo-
leftias , como acontece , pelo menos favorecem o choco
dos Vermes.
jj; Devendo-se portanto principiar por algumas subftan-
*ias vegeiaes já reduzidas a hum certo eftado de animali-
Tlade , para irmos gradativamente , he necessário , que el-
das tenhao passado pela fermentação, a qual dá huma vi-
da quasi animal ás subftancias vegetaes , ou ao menos pe-
la torrefacção ; pois ambas eftas operações oíferecem meios
de decomposição , que preparão a nutrição para a nossa
economia. #
A cevada germinada , torrada , em eftado próximo
a fazer cerveja , da qual depois se faça cozimento para
se mifturar com Leite de vaccas , mungido de fresco, he
hum bom alimento ; pois elle vai ja dispofto pela fermen-
tação , e torrefacção a dar com facilidade os seus ele-
mentos.
A farinha do arroz , da tapioca , da cevadinha de
França , sendo antes brandamente torrada , e depois co-
zida em agoa , para se mifturar com o Leite de vaccas
fresco , pode também servir de alimento , cm consiftencia
de caldo ,^ que seja hum pouco grosso.
Sobre todas porém a farinha de trigo he preferível ,
por ser mais nutriente y e conter mais princípios elementa-
res
X
E t: t>'N o M I CA s. 30-»
rcs (i). Efta farinha se mctte no fomo logo depois que
delle se tire o pão , e se deixa dessecar até que adquira
huma côr amarellada , e neftas circumftancias se cx>ze igual*
mente em agoa , e se miftura com o mesmo Leite mungi-
do de fresco. A farinha assim torrada contém o principio
solidificante , o carbónico , absorve os ácidos do eftoma-
go , e nâo tendo passado pos efta operação os produz, e
faz desenvolver Vermes, Efta theoria iic comprovada pe*
las experiências do Dr. Lerov , que são do theor seguinte :
9í Eu fiz encher metade de huma retorta de fkrinha ,
99 (diz efte Escritor), eu a fiz pôr sobre o fogo, até que
99 fosse desecada , e tomasse a côr de amarello carrega
»> do : efta -farinha me tem dado hum quarto de seu pe-
99 zo de gaz acido carbónico, acido que produz muitas
9y ntoleftias em as Crianças.
^9 Por outra parte eu tenho tomado a farinha torra-
» da , e a tenho dihiido na agoa , e expofto ao ar : eu te-
» nho feito a mesma experiência sobre a farinha ordina-*
>> ria sem ^er torrada , e eu a tenho igualmente expofto Ç ,
>» ao ^r. Depois de alguns dias mais ou menos numero- <
99 SOS, segundo o tempo em que se fazia a experiência, 2 '
i9 a farinha sem preparação , e .húmida , me tem forneci- 3 '
« do Vermes -, o que nao tem fuccedido com a outra , a
>> pezar de ser conservada mais longo tempo húmida ao
>» ai" 99, Taes são as experiências deite grande Observador.
O alimento , que eu tenho aconselhado com pioveito
em hâma Cidade , que habitei por doze annos , arredor
da qual erâo muito numerosas as Crianças , corre com o
nome de pap^s deCamper; e hc feito de biscouto da flor
da farinha , cozido em agoa , em vazilha de barro , que
se deve mexer no tempo da cocção com huma colher de
pão, ou dè -maffim 5 addiccionando-se-lhe, depois de betn
coíaidò>^i kum pôoico de assucar , e algum Leite de vac-
daS , éiue he in^lhof , sendo mungido de fresco» Eftàs pa-
' pas,
(O O-PrôfesSwFoureroy dcscobrio a albumina na subft^incia mucoso-sac*
chaíritm áà farinha âo ttjgo. Deyeux , e Vaiiquelin igualmente a acharão na
seiva de algumas arvores» — -
•504 Memorias
pas , aindaque se conservem dous dias no inverno, devem
ser feitas todos os dias , aquecendo-se somente aquella
quantidade , que se deve dar ás Crianças por cada vez , e
que he indetertninada , por ser relativa ás suas forças di-
Seftivas ; podendo-se em geral dizer , que duas colheres
o pó do biscouto , e em sua falta , da côdea de bom pão
(i ) , darão a quantidade necessária de alimento para huma
Criança de seis mezes , em forma de caldo grosso. £u lhe
fazia porém ajuntar alguns pós de canella , ou de gengi-
bre com magnesia , quando as Crianças , em razão &í sua
mais débil conítituiçao , apresentavâo sinaes de flatulência.
Tanto eftas papas , como as já recòmmendadas dê farinha
de trigo torrada, são commodas para as Casas dos Expos-
tos , e as mais úteis ás Crianças.
Não se devem no entanto demorar as Crianças por
muito tempo neíla qualidade de alimentos , ainda pouco
animalizados \ porém gradualmente as iremos passando ao
uso dos suecos antmaes os mais doces.
Tem sido hum erro desgraçadamente introduzido , que
os suecos das carnes , e geléas animaes , não convinhão ás
Crianças senão depois de desmammadas ; .e alguns tem sido
tão escrupulosos , que só . lhos permittiâo , completos os
ãuatro annos de idade ; ceando os suecos das carnes são
e mais fácil digeftão que os suecos dos vegetaes , ellts
são os mais próprios para dar os elementos de animalida-
de. O homem adulto não se pôde nutrir só de subftancias
vegetaes ; elle as não pôde aigerir bem sem' serem aper-
feiçoadas pela arte , ido he , sem serem reduzidas por
meio de torrefacção , cozimento, ou fermentação, ao e^a*
do de se decomporem com facilidade em nossa, economia ,
a íim de que eila fabrique os elementos que lhe são pro-
{)rios, e Que em geral não acha nos vegetaes, como a ge-
atina , a nbrina , o azote , a matéria eléctrica , o fosfpro , &c*
Porém á fraca organização das Crianças he penoso formar
cs-
(i) A côdea do pão deve ser preferida ao miolo , não só porque co
t<^m o cfirboDÍco , principio da solidez , mas porcjue o miolo desciivol^^
múQs porqáo dc gu açidQ cvbQOicQf
Económicas* |o;
eftes dementou, e por isso lhes são convenientes os suecos
das carnes dos animaes , que já lhes offerecem eftes prin-
cipioí?, prcftcs a serem separaHos.
Ho por cftas ideas Filosóficas sobre os princípios ani-
niacs dos alimentos em relação ás funcções. da nutrição
c crescimento , ideas todavia já confirmadas por repeti-
das observações , e experiências , aue o Dr. Leroy acon-
stlha ás Mais , que , tendc-se principiado a mez e meio ,
ou a dous mezes de idade, a dar ás Crianças os já recom-
mondados alimentos vegeto-animaes , devem eftes ser sub-
ftituidos no terceiro nicz de sua idade pelos suecos ani-
ma es os mais doces , os quaes contém mais elementos
de animalidade , do que o Leite , com o qual os faze-
mos entremear ; seguindo-se defta maneira numa grada-
ção de matéria nutritiva. Efte methodo de principiar a
dar j quanto antes , ás Crian^s os suecos ammaes , tem
sempre felizmente con*espondido a efte Filososo observa-
dor j o qual confessa , qne para salvar Crianças maras-
niadas se servia muitas vezes dos suecos quentes espremi-
dos das carne5 mui pouco assadas ; e que em alguns casos
até se vira obrigado a dar líquidos mais vivos , e mais
animalisados , como o sangue quente do tecido esponjoso
de alguns voláteis ; e que sobre experiências fcliccs defte
modo de nutrir as Crianças marasmadas podia fazer hum
grosso volume.
Os Orientaes , e os Povos dos climas os mais auei>
tes, já pelo sétimo mez de criação , daváo a seus nlhos
sopas fervidas no caldo das carnes com mel.
A alj^uns Escritores outrora já tinha parecido bem,
que se diítolveíTe no Leite a gelea da ponta de Veado , que
reputa vão a mais leve do suftento animal , levados todavia
pela falsa idea , de que corregia a fermentação do Leite«
£ a mim senipre me agradou ver algumas Mais no tempo
da lactação maftigarem pão , e carne para darem a seus
filhos , óptimo alimento até pela saliva que o acompanha ;
porém he necessário que ellas sejâo sadias. Nem tomare-^
mos a cargo as fúteis objecções , que se coftumao susci-
T(m r. Qg tar
/-
30^ MlBMOUtÂS
tar contra a nutrido aBÍmal das Crianças. O medo da pu«
trefacção inrptinha baftante , sem se lembrarem , que os
filhos , por exemplo do Lcâo , e da Águia nâo morrem de
moleftias pútridas , e que pelo contrário se se lhes àno
grãos , farmhas , &c. seus cabellinhos e pennugem se erri-
çâo , e sua pelle se cobre de sarna. Quaimo nascemos , ter-
no a repetir , somos logo carnívoros , só com a idade nos
fazemos grani voros, e herbívoros*, e por tanto os suecos d^s
carnes são necessários ás Crianças ; e só na velhice , quando
a Natureza tem já tocado os limites da animalidade , he
que convém mais ao homem o regimen vegetal , unido
porém sempre a huma porção de gelea animal.
O methodo de preparar os caldos animaes doces para
o uso das Crianças , segundo a formula do Dr. Lerojr , se re-
duz ao seguinte : Tomem-se seis onças de viielia , com duas
tenças pem> de carne de vacca i ou em lugar defta caroe
torneie hum quarto de galinha nova , pize-se tudo , e mes-
mo os ossos , o qne he melhor ; metta^e efta massa em hum
pequeno vaso de barro, não vidrado, ou de prata, e lan-
ce-se-lhe depois em cima hum grande copo de agoa fer-
vendo, deixe-se tudo, tapado o vaso, cm digeftão; e as-
sim obteremos hum caldo muito doce. Como porém aim-
pre á Arte de bem nutrir , e mesmo para procedeniics
gradativamente,. combinar os suecos animaes com osvege-
taes elaborados , e fermentados j tomaremos huma peque-
na porção (maior ou menor segundo a idade das Crian-
ças ) defte caldo , a lançaremos sobre huma côdea de pão
torrada , e pizada , e lhe ajuntaremos hum pouco de as-
sucar , e ás vezes huma pitada de pós de canella : e eis-
aqui htm alimento muito próprio para as Crianças.
Nas casas porém dos Expoftos , particularmente sen-
do suftentados a Leite de vaccas , licdem supprir os caldos
dos ossos recentes de vitella pizados , para se mifturarcni
com Leite fresco. He porém sempre necessário , que eftes
caldoá se adminiftrem quentes , e com aquelle calor , que
adquirirão depois da sua preparação ; porque arrefecendo»
perdem muito dos seus princípios reftaurantes i e por isso
Eco- Nr <y M I CA s. i^
nÈ pórç6e$y quç 8ç guardarei, serão a>9aeF¥f|d9d çiq çiti?
zas quentes y para que nunca as Crignças T^meii) ç%i^q%
requentados. Vejamos agora como se hâp de ree^^r g^sin^
eftes , cpmp os outros alimentos, áe que fall^g^pSa p©?
todo p cçiTipO da l<]Cta<;ao ; e continupi^o; o nosso q^isf tg
em relação aos jib^poflos.
He HQ sejíto e setiino mez de idade , como 4is995 qHS
eu principiaria a dar ás Crianças expoftas a prinaeira quar
lidade de alimentos já recpfppiendaaa , ifto he, pif gs pi-
pas , feitas de farjlniia dç ti'igo to^9d4 , ou as qu^ $e 4i^
zem de Camper -y e cnt^o davalhes Le/te quatro ye^e^ eatrfi
noite , e dia 3 nas horas prescritas p^ra o quinto meji , e f^
inesma quantidade ^ qiie então se detcrqiiflou. para ça^a yes ;
afora o meio dia y que seria {'eservadj^ pgra as dirás pap^
No oitavo , nono , e di^cipip ^ez d^var-liíeç a s^gui}?
da qualidade dealim^tos, já lembrado^, ifto hp, qs c^Í*
dos aniinaes doces : e então tomariãp as Oianças o I^it«
ás mesmas horas , e na mesma quantidade determi9a{íjk
p;^ra ç 5*/ IDez , á ejcgepjçâp do meio di? > /? àn hoe^^ 4;»
noite , nas quaes subftituia os caldos.
N<> undécimo , e duodepimo mpz (ÇU^pre j^ regular
as vezes do alimento das Crianças pejlo icoflume do nosfq^
Paiz, iAo he, quat-ro vezes por dia ; alternando efutap ga
mesmps caldos animaes com o Leite. Ifto se pode (s^aaof
ás sete » w oito horas da manhã , ao meio dia ^ áç ci^^
horas da tarde , e ás dez hpras da noite : dispensan4o^6 9
ali.meftto no refto da solte, na qual só precisão d^sconno)
pOis seins c»;^os digeftivos já podem recejber pof q^atrQ
veies o su^iente alimeiKo para ^4 horas,
He no decimcxerceiro mez de idade , que se deye^
desmammar as Crianças : e he nefte t^empo , que moçre kuijil
grande número delias y em razão da mal enl^^idida j>rática
de as passarem repentinamente do uw dp Leite aos çffxw^
alimientos ; quando a ^^^ de desmammar se d&vç f^Av^
d coação do ^sp de num dos glinaetKos daf CriançaiS y e
nãp á modftaç» total e cepentis^ de seu «iodo de mtrição^
He nefta época^ fj^ p {^ite das apaa j4 íSS^ p9P9^ vitaUdad^,
cia ii pois
^o? Memorias
pois o Leite muito velho não he mais quefhuiíta Morosidade
salina mal segregada nos peitos. Efte Leite se decompõem
em o eftomago das Crianças ] e dahi lhes vem as aphtas , as
cólicas j e outras moleftias ; e por ifto já mais eu aconse-
lharei , que huma ama , acabada a primeira criação , faça
segunda. He nefta época , que já tem rebentado , pelo menos
doze dentes, os precisos para maftigarem alimentos hum
pouco mais sólidos. He nefta época , repito , que a« Oiaiv-
ças já dormem menos , que já necessitão de largos passeios
ao collo , e que em consequência lhes convém alimentos
mais activos do que o Leite , para entreter a energia do
syftema. E he finalmente nefta época , que nós somos ad-
vertidos pela Natureza da abftinencia do Leite ; pofe ^e
então já os ventres das Mais continuâo a dar moftras da
sua fecundidade. Convenho todavia que haverá Crianças
tão débeis , e delicadas , que não deverão ser desmam-
madas, sem passar anno e meio, emais; bem como mui-
tas vezes ás já desmammadas ,. por hum ou dous annos,
convém se torne a dar amas , como a única MMicina , ca-
paz de lhes salvar a vida.
O alimento das Crianças neftas circunftancias deve ser
animal , e vegetal ao mesmo tempo. O alimento animal
deve ser tirado das carnes de animaes novos , com exclusão
dos que são velozes na carreira ; pois os suecos deftas car-
nes são mais indigeftps , e excedem os limites da animali»
dade das Crianças. Á vitella , a vacca , o carneiro, o fran-
go , a gallinha , e oufros voláteis* dão hum bom alimento ,
não com ás suas carnes j pois que seu uso ( a não ser mode-
radíssimo ) não convém neftas idades , e somente do segun-
do anno por diante , mas com os suecos , ou geleas , que
delias se exrrahem. Podem por tanto servir os caldos ani-
maes da formula já prescripta ; e muito melhor os suecos
quentes das mesmas carnes golpeadas, e mal assadas , ti*
rados por expressão ; pois que éftlSí' extractos aâimaes são
tnais reftaurantes do que os obtitítís' ■ pela ebullição : e quan-
do as Crianças repugnem tomallos em ra7ão da côr, de-
vem-se branquear com hum pouco de leite*
^ t V Po-
ECOWOMICAS. 309^
Podem servir as geleas animaes , dissolvidas em Lei-
te , ou no cozimento da cevada germinada , e torrada , ajun-
tando-se-lhes assucar. São úteis as sopas de Leite com assu-
car ; o bom pão molhado em ovos quentes com assucar -y
as sopas dos caldos de vacca , ou de gallinha , temperados
com simplicidade. A muitos bons Escritores tem agradado
o mel ; e o Doutor Francisco de Mello Franco , ao qual
nem faltâo luzes, nem huma judiciosa, e extensa pratica^
nos assegura em seu Tratado da Educação fysica dos me-
ninos , que applicando-o a seus filhos , e a outras Crianças ,
sempre vira delle muitos bons effeitos ; e por isso aconse-
lhamos as sopas do mel ; c também porque elle he hum
producto vegetal , animalizado já pelas abelhas. Nâo senr
do conveniente ás Crianças as mucilagens gommosas , co-
mo mais aíFaftadas do eftado da animalidade , o são to*
davía as farinácea* usadas com moderação , muito parti-
cularmente mifturadas com as subftancias animaes , e ten-
do antes sido preparadas pela fermentação , torrefac^ão ,
como )á fica dito : e por tanto as farinhas do arroz , da
tapioca torrada , e mesmo a farinha da aletria , e de ou-
tras preparações farináceas se podem mifturar nos caldos
de vaccá , de gallinha , de carneiro , &c. Também pode-
ra6 servir algumas raizes, egiãos, como os nabos, as ervi-
lhas, as lentilhas, cozendo-se em caldt^ de carnes, coan-
do-se por expressão forte ; e ajuntando-se-lhe o sal das
Crianças , que he o assucar , e huns pós de canella. As fru-
tas da eftação bem sasonadas , e dadas com reserva po-
dem ter lugar, porém seta mais conveniente darem-se co-
zidas. Da assorda , feita em manteiga , da qual em algu-
mas partes se faz uso para alimentar as Crianças , na épo-
ca de se desmammarem , só usaremos, depois de dous an-
nos. de idade , em razão da manteiga , e do alho ; que
devem cançar eftomagos ainda tenros , e delicados.
Tanto ncfta época 5 como naquella antes de se des-«
mammarem , particularmente tcndo-se intermeado o' Leite
com subftancias animaes, observa-se , que as Crianças tem
sede^ o que ordinariamente he hum effèito de. más diges-*
,...-. tõcs
^lo Mkmokias
tdcs ; se bèm que eft» também possáo exiftír rân liaver
sede. Aconselhâo alguns a cozimento da cevada y oortado
comLeite, ou o çeu sono; poném nenhuma bebida he tâo
útil para matar a sede d^s Crianças , como a agoa fria
com assucar. Efta bebida da^ia cmsuíficiente quantidade^
e nao em muita abundância , ajuda a digeftao. , díiue os
alimentos , e ftz lançar com os excremoitos os reftos da
matéria nutritiva , que no eftomago exiftem em deoompoi-
«içáo: he hruma bebida até utii ás Crianças convalescen-
tes , e que a experiência tem moftrado ser pmveiíosa nas
suas diarrheas ; contra as quaes erradamente se dava a muf«
cilagem de gomma arábia , que deve ser proscripta da
Farmacopea das Crianças.
Não convém neílas idades ás Crianças as carnes gor«
das , como toucinho ; as carnes defumadas ^ ensacadas ,
tnassas , paíleis , empadas , as quae^ eftomagos fracos
não commutao : e benr assim as papas das farinhas náo
fermentadas , os caldos d .* honaliças , c os outros alimenr
JStos vegetaes , e grosseiros , dos quaes usâo as moUiercs
^do campo para as crianças desmammadas : e he por is-
co, que neíta época de cria;lo, a mortandade dasCrian*
^ças he mais numerosa nos campos , do que nas Cidades;
e maior seria , se não concorresse o execddo y que lòd^
fica a sua economia , e hum ar mais vivo y <j^e dá prin^
dpios mais enérgicos ao seu sangue. Ás bemdas espirí^
tuosas , o chá , o café igualmente devem ser piwcnptos
em taes idades.
As Crianças desmammadas digerená maior <|uantidade
de alimentos y e por i^o se não podem dispensar do almogo ,
jantar, merenda, e céa; dando-so-lhes aeftas horas, mais
ou menos alinKsito , segundo a actividade de suas âirças
digeftivas. A pezar de serem alimentadas deíla forma , mui*
tas vezes dão sinaes de fome , levando suas noaos á boca ,
e tudo aauiUo , que se lhes apresenta , o úue não fazem ,
miando ekao fartas ; e a ábme se tnanifena mais àepois
oe algnma <:rise de dentição. Então nenhum aiioieitto he
mais util pata as entreter do que J^uoia o^àissL de jâo,
bem
EX o NO M I € A S. JTI
bcsn cozido ^c BseUior sena Inun pccpicoo osso de carneiro
com pouca carne : os seus olhos se alegrão com efta vifta ,
a Natureza explica bem a sua necessidade , e por ouira
parte se lhes racilita a sahida dos dentes.
Bafta já de fallar sobre os alimentos das Crianças ;
porém cu me demorei mais sobre efte objecto , a fim de
desi^necer prejuízos táo arreigados contra o uso das sub*
ftancias anioiaes , que devem siiftentalas. Agora vejanoos ,
como nos havemos conduzir com o Leite de vaccas , ou
se dê logo aos recem-nascidos ^ ou se subftitua , passados
os primeiros três mezes , ao Leite de peita
Suppofta a necessidade de se alimentarem logo alguns
dos Recemrna eidos com o Leite de vaccas , seguiremos
semelhantemente os passos da Natureza , aconselhando ,
que nas primeiras doze , ou vinte e quatro horas da sua|
diegada ao hospital , ( se Wo ahi sâo conduzidos depois >•
do seu nascimento) se Ihp dê cozimento de ameixas com ^
mel, ou agoa com mel, ou agoa com assucar, e muito
melhor o mel mifturado com soro de Leite , tirado com
o Tartrite acidulo de pptassa ; e quando ifto não bafte , o
maná dissolvido em agoa , ou o xarope de chicória cont^
pofto ; pois he de primeira necessidade fazer evacuar , an^
tes de começarmos a alimenta-los , o excesso de bile , que
continuamente tinha sido segregada , a fleuma , e sobre tu*
do aqaelle residoo, contido em seus últimos inteftinos, a
que chamão meconio animal , ou ferrado : e aíOm suppri-
mos os eí&itos daquelle primeiro liquido amareliado y e
viscoso das Mais , chamado coloftpo , o qual se conserva
na qualidade de hum xanopc aramai purgante por espaço
de quatro dias , antes que paííe ^o eftado de leite oixiinario.
Feitas eftas neceílarias evacuações , cumpre então priív*
cipiar com o Leite de vaccas. Como porém o Leite de
huma parturiente he no principio mais soroao , e só por
degraos se toma mais consiftente , e nutriente , por iíTo se
lhes tiio deve dar logo pura Seria muito mil começar,
como alguns pcrtendem , pelo chamado soro de Leite do^
ce^ por ser'^ além de mui nutriente , de iacil dlgeílâo
pa-
312 Memorias
para eilomagos delicados, e fracos ; porém como o sea aso
nas Casas dosEipoftos seja cuftoso, diluiremos o Leite de
vaccas com agoa pura da maneira seguinte :
Nos primeiros quinze dias ajuntaremos á determinada
quantidade de Leite j de agoa pura , que seria melhor sen-
ão deftillada : nos outros quinze dias , que complétão o pri-
meiro mez, ajuntaremos somente ^ de agoa. "E se beorque
hum mez depois do parto, geralmente fallando , o Leite
das Mais tenha Já adquirido numa boa parte daqueUa con-
siftencia , e perfeição , que cresce até o terceiro mez , nem
por iíTo o Leite de vaccas defta idade se deve reputar no
mesmo gráo de consiftencia ; pois <jue efte he mais rico
nas subiiancias manteiguenta , e queijosa ; e por tanto ain-
da deve ser diluido com agoa , na proporção de | no se-
gundo mez, e de 7^ no terceiro mez.
No caso porém que as Crianças possão ser amammen-
tadas nos três primeiros mezes com Leite de peito , não
faremos, seguindo os mesmos principios, logo a paílagcm
para o Leite de vaccas puro ; porém lhe addiccionaremos
ainda 7^ de agoa por todo o quarto mez , até que final-
mente pelo quinto mez, tempo em que as suas faculdades
digeítivas são mais fortes , se lhes dê sem miftura.
Ha quem se lembra de aconselhar em lugar de agoa
o cozimento da cevada , da avea , do chá para miíhirar
com o Leite , o que não aprovamos ; pois além de que os
ditos cozimentos tazem o Leite desagradável aogofto, são
pezados para os delicados eftomagos das Crianças , guan-
do antes a cevada , e avéa não tenhão soifiido a fermenta-
ção , ou a torrefacçâo : e a respeito do chá já Loeseke
(Therap. Spec. t. 4, pag. 193.) diíTe : que elle produzia mo-
leftias nos vasos lácteos, e glândulas das Crianças. Muito
eníbora porém , pelo conselho do I>. João Pedro Frank ,
se use , em lugar da agoa pura , de agoa panada com pao
bem cozido , e torrado , que elle achou proveitosa.
São poréni neceíTarios inftrumentos para se dar o Lei-
te ás Crianças. Huns preferem a colher de páo , de mar-
fim , ou de prata , das quaes se faz uso para o seo sufteih
to
Económicas; 313
to das papas , sopas ^ &c. ^ havendo o cuidado de as
conservar sempre em limpeza. O Dn Raulin he defta opi-
nião, preferindo as coliíeres aos bules , apoiado em varias
observações , particularmente nas^ de hum célebre Medico
Inglez , que suftentou felizmente três filhos por meio das
coIlie;:es , dous dos quaes hiáo perdendo a vida pelo metho-
do dos bules , pelo qual elle tinha começado a sua cria-
Íão; porém semelhantes observaçòes só provão, que tam*
cm por meio das colheres páde vingar a lactação dos
meninos , e já mais , que efte methodo seja preferível ao
methodo de lactar por meio dos bules , quando efte se
pratique com as neceííarias , e devidas cautelas : e para
ifto bafta lembrar-nos , que , na criação por meio das co«
Iheres, perde o Leite, mormente no inverno, aqucUa tem-
peratura , que lhe he própria ; que o ar o pode alterar , e
decompor ; e que finalmente ha o inconveniente de se não
poder aproveitar a secreção da saliva , liquido de muita
importância para a digcftão.
Outros querem se use das bonecas , feitas de algodão ,
ou de esponja , e foiradas de panno de linho macio j as
quaes se devem molhar no Leite repetidas vazes , e che-
gar á boca das Crianvas, até que eltas tenhão chupado a
quantidade , que lhes for deftinada. Efte methodo , se bem
que tenha a vantagem da secreção dâ saliva , cahe nos ou-
tros defeitos da lactação por meio das colheres; acrescen-
do , qiie se pôde embaraçar a livre entrada do ar para os
Sulmées , e causar a sufíucação. He |)or tanto o methodo
e lactar por meio de certos bules , ou vasos preferível
aos dous antecedentes ; pois que desempenha melhor as
condições da lactação natural , como paíTo a moftrar.
Bem pouco se cançava a gente do povo da Inglater-
ra em procurar vasos da melhor conftrucção para dar o
Leite a seus filhos : os cornos das vaccas lhes servião pa-
ra efte fim , sendo furados na pequena extremidade , que
depois era cercada de dous pedaços de pergaminho, ar-
ranjados de maneira , que imitando a figura dos bicos dos
peitos, deffem prompta sahida ao Leite, quando as crian-
Hom. y: Rr ças
314 "M B MC H 1 A S
<âs chupalTein. Os senhores mais ricos em Inglaterra , HoI->
landa , Alemanha , SuiíTa , &c. se servião dos bules de pra-
ta, de cftanho, de barro; guarnecendo o orifício do seu
bico, ou de huma xx)lha de cortiça^, furada em seu com-
primento j aonde introduziâo hum pequeno tubo de vidro ,
Selo qual correíTe o Leite para a boca dos Meninos y ou
e pergaminho trespaflado com pequenos buracos. Em Pa-
riá y e em Leão, eftavão em uso pequenas garrafas de vi-
dro y em cujas bocas introduziao esponjas finas , que de-
pois cobriâo de pclles de camurça niradas , ou de panno
branco , e lhes dayão a fórma do bico dos peitos. Os Dou-
tores Smith ^ Murraj, Baldini , e outros tem imaginado
rasos de diferentes figíiras , arranjados a seu modo; e o
de Baldini, cuja eftampa offerece na sua obra , corre pelo
ftiaiá aperfeiçoado.
Não me parece indifferente a conftmcçlo , que eftes
tasod devem ter ; menos pelo que respeita á sua figura , do
que pelas outras circunftancias , que os devem acompa-
nhar : e por tanto julgo será sufficiente hum vaso de vi-
dro, ou de barro não vidrado, jjuc são preferíveis aos de
metal , particularmente aos de cobre , que mais acederão
a alteração do Leite. Efte vaso ou tenha a figura de huma
bexiga com o seu bojo , ou de hum bule , deve conservar
duas aberturas ; humá superior e larga , com a sua tampa
de roscas espiraes , que a feche exactamente , a fim de se
evitar o risco de cahir a tampa em qualquer movimento ,
í de se extravasar o Leite: a outra lateral , na cutremidã'
de de hum bico pouco comprido , cuja cavidade seja oc-
cupada por huma esponja fina , parte da qual deve sahir
hum pouco para fora , para se lhe dar a fórma globosa
pbr meio de huma pelle fina , trespaflada <le pequenos bu-
racos, e âccommodada de maneira , que apresente á.boca
das Crianças hum corpo moUe e esponjoso , semelhante
ao bico dos peitos das Mais. Por efte molde se deverão
conftruir vasos de diíFercntes capacidades , que serão regu-
ladas em relação á quantidade do Leite, que se determi-
nou para ás diíFerentes idades das Crianças > sendo necessa-
lao,
Económicas. ^r^
Tio 5 que eftes vasos fiquem cheios , para evitar a introduc-
ção do ar ; havendo sempre o cuidado de serem bem la-
vados , todas as vezes que se fizer uso delles , para iugir-
mos ao azedume, e corrupção do Leite.
Por efta forma nós imitamos a lactação natural:
i."" porque as Crianças recebem o Leite sugando j e assim
desafíão a secreção, salivai , como acontece com a mafti-
cação dos adultos : 2.^ porque clieios os vasos com a quan-
tidade de Leite , que deve corresponder por cada vez ás
suas diíFerentes idades , evitamos que efte alimento seja ál-
teradp pelo ar , e que as Crianças recebão efte mesmo ar em
maior abundância , donde lhes tem resultado cólicas , c
outras moleftias, que tem feito abandonar o uso dos bules :
3.** porque, mettendo eftes vasos em agoa quente, podemos
conservar o calor natural do Leite , ifto he , aquella tem-
peratura, que se lhe observa ao sahir dos peitos das Mais ^
eque parece não deve exceder de ly atéaográos doTher-
mometro deReaumiu:; pois que em temperatura mais ele-
vada o Leite se altera , e se cobre em sua superfície de
pelliculas 5 que são huma evidente prova da decomposição
da subftancia queijosa. He verdade , que o calor natural
do Leite não pôde ser supprido exa.ctamente pelo calor ar-
tificial 'y todavia nós , quanto Jie possivel , obftaremos á sua
reparação, fazendo mungir o Leite em hum grande vaso»
(quando temos de o dar a muitas Crianças ) o qual depois
de cheio , e bem tapado se deverá conservar em outro
qualquer , que tenha agoa quente em huma conveniente
temperatuf*a , para se paíTar depois aos vasos aconselha-
dos pára a lactação. Quando porém o número das Crian-
ças for piqueno , será melhor mungir o Leite nos vasos ,
ou bules em uso para a lactação , que se deverão igualr
mente metter em agoa quente , a fim de que o Leite não
perca a sua temperatura , naquelle intervallo de tempo,
que media entre o acto de se mungir , e o acto de se dar
ás Crianças ^ e assim conservamos do modo possivel o seu
calor naturaU
O Leite y em quanto conserva o calor natural » f^Z
JLr ii pwi^
3x6 Memorias
muita differença daquelle , ao qual depois de frio se com-
munica arteficialmente a mesma temperatura , merecendo
sempre o primeiro a preferencia não só para os usos da
lactação , mas também para os usos Meaicos; já porque
eUe parece gozar hqm sorte de vitalidade , se a podemos
admittir nos fluidos animaes (i), já porque sabemos, que
o
■
(i) Náo se pode duvidar, que os fluidos animaes, em quan-
to conservados em seus próprios reservatórios , gozáo numa
sorte de vitalidade s ou ella lhes seja inherente , como aos
sólidos , ou éftes lha façáo transmittir. De qualquer forma po-
rém nós observamos , que a extravasaçáo deites fluidos fora
dos seus próprios canaes , o só erro de lugar, nelles eftabe*
lece outra maneira de exiftir , huifta alteração maior , ou me-
nor de decomposição. Daqui tem alguns Escritores deduzido a
neceílijade da lactação das Cranças aos peitos de suasNãis,
persuadidos , que o Leite expofto ao ar perde logo o seu prin*
cipio de vitalidade , por ser muito fugaz, princípio que suRen-
ta a vida de todos os sólidos , e de todos os ãuidos animaes.
O Dr. Lerroy se aflêrra baftante a efta opinião , e por isso
em casos de ncceflidade prefere o Leite de cabras ao Leite
de vaccas para o suftento das Crianças , sem que todavia ne>
£ue , que as Crianças possão ser felizmente suftentada; com
o Leite 'de vaccas , tomado quente , e mifturado com cozi-
mento da cevada germinada , e torrada , huma vez que efte
Leite seja mungido das vaccas que paftem em campos , aon-
de hajão hervagens tenras , e succosas , como acontece era
alguns lugires d.) Normandia. Neftas mesmas ídeas eftava já
Vanswieten , attribuindo as vantagens de se mammar o Leire
^os p2itos da Mais , ás partes espirituosas do mesmo Leite ; e
a energia deftas aos nervos , que se diftribuem nos peitos , nos
quaes^elles lanção, bem como em rodas as outras glândulas,
os seus suecos mais subtis , e daqui derivava a forte , e deci«
dida influencia, que as paixões tem sobre o Leite. (Veja^se
o tom. i."^ dos seus Commentarios pag. 30.)
Não di]v'dan.os da vantagem da lactação pela sucção im*
mediata aos peitos das Alais: e em prova terr.os os felices re-
sultados da criação dos meninos p.fíiim alimentados 3 e as obser-
vações Medicas , dasr quaes confia: que o Leite produz sempre
effeítos mais promptos , e mais salutares naqueltes doentes ,
que o recebem immediatamenre das tetas das fêmeas, sem que
hpuvefle ei:perImeiitâdo a influencia do ar. Todavia efiamos de
E c o M o, M I c  s; 317
o calor natural reduz o Leite a hum fluido homogcneo,
concorrendo para que suas moléculas componentes exiftão
em equilibrio humas ao lado das outras , em virtude das
suas affinidades de aggregação , e de composição : obser-
vando-se , que o eftado deíte fluido começa a mudar á pro-
porção que desapparece o calor natural; o que se conhece
por huma notável diíFerença em seu cheiro , sabor e con-
sifliencia; e que he só quando elle tem perdido todo o seu
calórico , e movimento natural , que principia a apparecèr
o creme á sua superfície.
Não he todavia possível , que nas grandes Casas dos
Expoítos , se pofla dar sempre ás Crianças , em todas as ho-
ras que tem de ser alimentadas , o Leite com o calor na-
tural , ifto he , logo depois de mungido ; porque as vacr
cas j que devem paftar ao ar livre e em terrenos , que or-
dinariamente não são muito próximos ás ditas Casas ^ ape-
nas
— ' »i .
acordo com os Profeflbres Parmentier , e Deyeux » que o Lei-
te , logo depois, de mungido , pouco diftere daquelle , que ex-
ifte em o órgão , que o prepara ; que eUe conserva o seu prinr
cipio de vitalidade , e seu movimento natural , em quanto pelo
calor se conserva em seus prificipios\a aífinídade de aggrega-
ção , e de composição. Nem podemos aíTeverar , que efte^'
pfincipip da vida se perca logo que o Leite he expoflo aoar,
quando ainda não conhecemos a sua natureza. Por outra par-
te sabemos das experiências do grande Phisico Volta , que o
principio da vida nas rans 3 e em outros pequenos animaes ^
mortos de fraqueza directa , exifiia longo tempo sensivel jios
menores eftimulos. O Dr. Schmid da Hungria igualmente "de-
terminou em suas experiências galvânicas , que se observão
sinaes de incítabilidade sete horas depois da morte , nos ca*
davareâ , que tinháo morrido de moleQias de fraqueza directa»
Finalmente as mesmas experiências do Gavalnismo tem mos-
trado , que huma das partes conftituintea do sangue , a fíbrí-
na , se contrahe , e se dilata como os músculos , por meio
dos excitadores metallicos ; . experiências que não podiáo ter
lugar , sem que o sangue efti.velTe algum tempo fora dos seus
vasos : e á villa difto parece , que se tem confundido o prin-
cipio vital do Leite com o seu principio aromático volátil 9 Q
qual se perde ao menor gráo de calor do fogo. ^
llt M B A d * t À ^
nãs ipfõdei^ i9fer conduzidas para efta operaçSo daáS út
tfçs veze$ por dia. Daqui tem nascido a queflao, se se de-
ve ou nâo ferver o Leite que se ha de guardar para o sus»
tèiitò das Crianças , cjucrendo huns se lhe dê frio , para
tóo pefrder pela ebullição seu aroma , ou principio volátil ;
ítconselhando outros , que se deve ferver , a fim de se evi-
tar, due elle se decomponha , e azede , não dando atten-
çao alguma ao seu aroma volátil. Boerhaave deo muito
Valor á primeira opinião , persuadido , que o Leite fervido
perdia as suas partes mais saudáveis, e mais balsâmicas,
e a segunda opmião tem sido abraçada por maior número
de Escritores , entre os quaes figurão Undenvood , Federe,
e outros. Prescindamos no entanto da auctorídade , e deci-
da-se a queftâo pela razão , e por factos.
Ainda não ne bem determinado , se o principio aro-
^ líiatico , e volátil do Leite deve ser contado no númen)
^^èi^íl^^n das suas partes conftituintes ; e nem ainda temos humase-
^ ^ rie de "«periencias , que aíTás comprovem as suas virtudes.
c4 Stijipõnhàmos porém , como eftou persuadido , que efte
;- o pri^c^f'^^ ^^^ numa influencia favorável sobre a economia
Vv ' ^ das Crianças : por certo a$ vantagens , quedelle podem re-
^ v^...,^r>^ jsultar , são muito inferiores aos danos, que pode occa-
*^ *^ «ionar o Leite frio; quando sabemos , que a decomposi-
^o espontânea do Leite começa logo que se perde o seu
calor natural; eque, demora ndo-se algum tempo , nâo tar-
da a manifeftar a^dume. Por outra parte he indubitável,
que a ebulição , além de fazer perder ao Leite o seu prin-
cipio aromático , favorece em suas partes conftituintes , pe«
la acção do calórico , combinações diiferentes daqudlas,
oue exiíUão no eílado natural defte fluidp ; havendo lugar
ce presumir , que o Leite neftas circunftancias ha de pos-
suir qualidades muito diflêrentes das do Leite y que aca-
ba de ser mungido : a pezar de tudo ifto , o Leite fervido
.conserva-se por mais tempo sem se azedar ; e nós ganha-
mos na separação de huma certa porção de ar, qne a ebul-
lição promove y o qual sempre accelera a sua decompo-
sição.
E Q o K 9 M I C í, S. N ji^
TambOTi hç verdade ^ quQ a fliúde;i daL*àtÇ Wgmenra
quando se £i^ aquecer a hum gráo de calor moderado; e
Sue no gráo da ebuUiçâo , elle fica mais espeíTo , perdeq-r
o parte de suas subftancias mais fluidas , ficando também
menos próprio para o suftento das Crianças : nós toda*
via poaemos emendar efta qualidade pela addic^ao da
agoa y na forma já aconselhada ; e o mais se emenda nO
eftomago nela acção da bile, e dos outros humores, qug
ahi se miímrao.
Ultimamente temos a favor da ebiilliçâo do I^ite a
ejLperiencia de muitas Nações , as quaes sempre fazem ferver
o Leite antes de lhe tirarem o queijo e mapteiga , e com
vantagem sobre aquellas , que o nao fazem , como aflfeveni
O Dr. r odére : e temos as observações de vários Médicos ,
os quaes nos aíTegurão , que o Leite fervido he pam as ^i^
Crianças mais nutriente , e menos flatulento ,que o Leitpnão '^ ^J^^^f.^^
recente , eque não foi fervido; e o Dr. Underwood aceres- o ^f';^^
centa , >> que o Leite fervido he menos purgante , e pof
» iíTo preferível para os Meninos , que tiverem diarrheas j H
'» e que bafta aquecello brandamente, para os Meninos su? li
9f jeitos á pexçuiça do ventre ». *^''*y' tó"
De tudo ifto devemos concluir ; gue na impossibilida'!
de de podermos dar ás Crianças o Leite logo que he rnunr
gido, o poderemos dar fervido ; tendo somente a advertir ,
que se poderá dispensar a ebullicão áquel^e Leite , que ape*
zar de firio , tiver sido mungido oe poucas horas , e no qual
ainda senão observe separação do seu creme; pois neftas
circunftancias baftará só aquecello no acto de se darás Criam
ças. Em todo o caso porém sempre se deve adminifirar na-
Quelle gráo de calor y que fica recomaieadado ; sendo já
aesncoeílkrio repetir , que os vasos em que elle for conser-
vado , devem ficar cheios , e tapados,
Por efta occasião não me poíTo dispensar de expor ai-
gunn <^onsíderaç6es , relativas as$im á difilrença , que se
observa entre a primeira , e a ultima pocção do Leite no
acto de se mungir; como á necessidade do loom tratamen*
to das leaccas;
ConS'
V
320 Memorias
Confta das cxpericDcias dos Doutores Pármentíer , c
Deyeux , que exifte huma difFerençà notável entre a pri-
meira porção do Leite , e a ultima , que se tira das vac-
cas , por occasião de se ordenharem por cada vez era tem-
pos interrompidos ; pois o Leite mungido no primeiro tem-
po he mais soroso , e teih menos creme ; e assim o obser-
vamos progressivamente , sendo o ultimo producto o mais
abundante em creme. Daqui deduzimos hum saudável con-
selho' na deftribuição do Leite para o suftento dos Expos-
tos ; c vem a ser : que o primeiro Leite mungido , como
mais soroso, deve ser dado ás Crianças mais novas; e as-
sim o proporcionaremos na razão das suas idades ; conser-
vando os diíFerentes productos em diíFerentes vasos , c di-
minuindo nos primeiros productos a quantidade da agoa
determinada para o diluir , quando se houver de adminis-
trar ás Crianças.
Não se pôde duvidar, que os alimentos bem como os
locaes , os climas , e as paixões , tem huma influencia de-
cidida s^re a natureza do Leite ; sem que todavia acre-
ditemos , que os alimentos , que devam ser mudados pelo
trabalho da digeftao , possáo communicar ao Leite todos
os seus caracteres p.4rticulares. O cheiro acre das plantas
alliaceas , e cruciferas y o aroma das flores ; o cheiro do
aniz , e de algumas outras umbelliferas ; o sabor doce das
raizes , e fhictos , que abundáo em matéria saccharina ; o
amargo dos cardos, da losna, e de outras plantas amar-
gas ; a côr vermelha do sueco da figueira da índia : o ^mar
rello avermelhado da ruiva dos Tintureiros ; a qualidade
Eurgativa da graciola , do niibarbo , &C sao sensíveis no
.eite das fêmeas, que tem comido deftas plantas. Por ou-
tra parte muitas outras plantas amargas , acidulas , aromá-
ticas , ou que tem matéria colorante não communicao seus
princípios amargo , acidulo , aromático , ou colorante ao
Leite das fêmeas, ás quaes eftas plantas forao dadas em
alimento; dependencfo efta differença de fenómenos de te-
rem os princípios da primeira ordem de plantas entrado
em o syftema animal ^ sem serem diílruidos pelo trabalho
da
y\
Económicas. >3xf
dá digeftão ; o que nao succede com os da segunda ordeta
de plantas pelas razoes , que se podem ler no Tratado da
analyse dos Leites dos citados DU. Parmentier, eDeyeux.'
De qualquer fórma porém fae certo , que humas c ou*
trás plantas influem mais ou menos na quantidade , ou
na qualidade do Leite ; pois até o mesmo sal commum
( Muriato de soda ) , que nâo pôde dar elementos para as
primeiras subílancias componentes do Leite , se coftuma
ajuntar ás forragens das fêmeas , para augmentar a quantia
dade do seu Leite , e raze-lo mais abundante de creme ; em
razáo do augmento das forças vitaes , que pela acção defte
sal adquirem o eftomago , e orgâos secretorios do Leite^
Daqui vem a necessidade de escolhermos bons alimentos pa-
ra as vaccas , cujo Leite tem de servir para o suftento dat
Crianças. Em geral todos os animaes preferem certas plan-
tas para o seu suftento , procurando os teirenos , aonde el-
las eidftem} e poriíTo as ovelhas procuiâo os lugares secos;
as cabras lugares montanhosos ; e as vaccas goftão dos
campos, que abundâo em pálios verdes, e succosos. Cumf>
pre por tanto , que as vaccas vão paftar todos os. dias aot
campos, òu pfanices, aonde achem feno, e outras hervas ;
e mesmo aos bosques , os quaes de inverno lhes ofterecem
varias herva^ens , e mato mimoso ; pois defta maneira- cn
las recebem hum bom alimento, respirão hum armais jjij-
ro, fazem exercício , o que tudo influe para darem Leite
mais nutritivo ^ mais saudável , e com mais vitalidade :
pelo contrario sendo suftentados nos curraes , moftra a ex«
periencia , que dão maior quantidade de Leite, mas me«
nos próprio para o suftento das Crianças, por ser hum Lei-
te mais era rio , e sem aquella energia vital , que em ten-
ros annos faz mingoa i economia animal. Éftas paftagens
^o muito mais proveitosas na primavera , e no outono;
efta^Òes em que os alimentos são de melhor qualidade;
e nas quaes os orgâos das fêmeas , parece elaboi^o mais
completamente os suecos animaes, dando hum Leite mais
vivo, e mais rico em principies^ do que nas outras efta^
^tíes.
Tom V. Ss Qfcian-
^2% Memokias
Quando porém fiquem alguns dias nos curraes , servir*
Ihes-hâo de alimento as hervas dp tempo ; o feno ordiná-
rio; as palhas dotri^o , daavéa ; osfârellos do trigo ,&c
. He muito eíTencial , que -se lhes dé agoa pura } pois
que a boa agoa concorre muito para a nutrição de todos os
jBnimaes. As vaccas goftáo muito da agoa dos rios y dos ri-
Jbeiros, e dos grandes regatos, quando hé clara.
He finalmente neceilario conservar as vaccas no maior
afTeio : lavando-as , limpando-as , promovendo a limpeza
dos seus curraes ; fazendo-se renovar a miúdo a sua cama
úc palha y ou de mato ; pois que o .aíTeio influe muito na
economia da secreção do Leite. Igualmente devem ser tra-
tadas com beneficência ; pois o máo tratamento , as pan-
cadas, &c. manifedamente fazem mudar a qualidade do
Leite. Eíb circunftancia he bem digna da attençâo dos
SAagiftrados , e da Policia Medica çzn as rezes, que se
jnatao Jios açQi^;ue8, vindo açoutadas, e cansadas delon-
gas jornadas; cujas carnes, como de animaes febricitantes,
fiáo podem ser saudáveis. Muitos Escritores tem declamado
CMtra eíU pratica , e com particularidade o sábio , e co-
phecído viajante Conde Leopoldo , no seu Ensaio sobre a
meotao dos liastes da beneficência a respeito assim doi
hosMDB^ como dos animaes.
ARTIGO VIL
'Mostra-se ã preferencia do Leite de vaccas ao de cabras
pela parte económica.
N.
As 'grandes-Casas dosExpoftos bem adminiilradas se
jcm procurado sempre evitar gaftos supérfluos : e na de Lis*
boa muito mais inítâo eftas medidas económicas; poriíTo
mesmo que o eftado de suas finanças ainda se acha muito
tjtrazado, a pí?zar Ao notório zelo, actividade, e vigilan-
cia y com que tao louvavelmente os actuaes Membros da
Er-
E^c o ir o M I c i f. ft^
^zcellentissâimá Meza da Misericórdia tem procurada auj0»
menta-las. He também por eftes motivos, que o Leite gk
vaccas he preferível ao Leite de cabras para o suftcnto àoà
Expoftos, como paflb a moftrar.
He impollivel determinar com exactidão a quantidade
do Leite, que huma vacca pôde fornecer por dia ^, pois que
ella pôde dar mais ou menos , segundo a sua idade , ra^ ^
eftaçao , clima , nutrição , influencia de grande írio , ou de
trande calor , e finalmente segundo seu citado fysico : |)0*
endo-se só de positivo affirmar , que quanto mais Leite
der huma vacca , menos rico elle sera em seus princípios j
e que quantas vezes mais ella fbr ordenhada nas vinte' e
quatro noras , mais abundante será seu Leite, e mais 80^
roso.
Em geral porém podemos calcular, que huma vacca dat
de raça Turineza sendo bem tratada , e separada da sua cria ,
pode dar por dia nove canadas de Leite : e huma deftas vac-
cas pôde cufbr 96(2)coo réis. Huma boa cabra em iguaeft
circunftancias pode dar três quartilhos de Leite por dia^
e compra-se por i2(i)CXX) réisj eem consequência temoa^
que huma vacca he igual a doze cabras na quantidade do
Leite. Cuftando porém doze cabras pelo valor arbitrado
J44(jP)Ooo réis ; resultâo da sua subfiituiçao por huma V2t&>
ca 48(2)ooo réis de intereíTe para a Casa dos Expoftos.
Ek) Livro dos regiílros da Secretaria da Casa da Mi^
sericordia de Lisboa confta, queentrao annualmente na Ca-
sa dos Expoftos para cima de i:6oo Crianças; pois só no
mez de Junho de 1812 entrarão 1^9. Por eíte calculo, e
havendo consideração ao grande numero das Crianças, que
morrem , creio , que não haverá mensalmente na dita Casa
menos de 200 praças effectivas a Leite de peito, e a Lei-
te de cabras. O numero das amas , que alli exiftem defti-" '
nadas para dar Leite ás Crianças , nâo excede a 40, ecads(
huma amammenta duas Crianças .0 que admira ; pois sâo
raras as amas , que na Casas aos Kcpoftos o podem ía^er^^
mesmo nos primeiros três mezes deidade, em que as Criati^
ças neceíEtâo de menos Leite para o seu suftc;ata: e defta
Ss ii ma-
3^4 Memorias
maneira ^o sufteotadas a Leite de peito 8o Criança ; e
I20 a Leite de cabras , em cada mez.
Nós temos dito (Artigo 6. pag. 26 ) , que o máximo
da nutrição diária de huma Criança monta a três libras de
•Leite; e que nos primeiros três mezes as Crianças gaftao
menos : e aífím podemos eftabelecer , que huns mezes por
outros são sufficientes duas libras de Leite para cada Crían-
Sa; ou eite.se lhe coméçe a dar aífim quechegâo á Casa
os Ezpoftos 'y ou paíTados os primeiros três mezes ^ depois
de amammentadas por Leite de peito*
Segundo o que já fica expofto nefte artigo , a cada ca-
bra correspondem três libras de Leite , e por tanto são ne*
ceíTarias pelo menos 80 cabras para suftentar as referidas
120 Crianças. Como porém 80 cabras dão a mesma quan-
tidade de Leite , que podem dar seis vaccas ; pois que al-
Sumas deilas , sendo tratadas como fica recommendado,
ão de exceder a arbitrada quantidade de nove canadas de
Leite , para supprir a pequena diiferença de 24 libras que
faltão : e por outra parte pela taxa determinada y 80 ca-
bras devem cuftar 960(^)000 réis, e seis vaccas fiyó^yoco
réis ; concluimos que pela subftituiçâo do Leite de vaccas
ao Leite de cabras y vem a Casa da Misericórdia de Lis-
boa a economizar 384(^)000 réis; o que merece attenção,
muito particularmente sendo mais útil para o suftento das
Crianças o Leite das vaccas , que o Leite das cabras , como
fica demonítrado. A despeza do suftento não faz variar o
calculo i pois ninguém ignora , que 80 cabras , partícuiar-
mente sendo suftentadas a farellos nos curraes , íazem , se»
não mais , tanta despeza como seis vaccas em iguaes cir-
cunftancias.
Tal he o intereíTe que resulta á Casa da Misericórdia de
Lisboa , peia recommendada subftituiçâo do Leite de vaccas
para o suftento de ] 20 Expoftos por mez , na desgraçada
mas verificada hypothese , de que quasi todos morrem; e
^e que efte njimero he preenchiao , ae huns mezes para ou-
tros y pelos que entrão de novo. Quando porém tiveflemos
9 fojtung de salvar em cada mez, com o uso do Leite das
ca-
E C o H o M le A 9. 32^
cabfas; p^ menos a decima parte das Crianças expoftas,
cresceria o gafto do Leite , e em proporção os intereíles da
Casa da Misericórdia , admíttida a compra das vaccas em
lugar das cabras.
Refta finalmente advertir que as vaccas , as quaes são
deftinadas para o uso do suftento dos Expoftos , devem ser
subftituidas todos os annos por outras , que tenhâo Leite
novo ; pois o Leite velho , pelo c[ue diíTemos (Art. 6. pag.
24.) , já nâo pôde dar os neceíTanos principios nutritivos,
os quaes além de suftemarem a vida , sobejem para o cres-
cimento do syftema animal.
ARTIGO VIIL
Mostrasse que as Casas dos Expostos não correspondim
ao fim da sua instituição.
D
^ Ebalde nos cançamos em moftrar as vantagens do Lei-
te de vaccas sobre o Leite de cabras , para o suftento das.
Crianças ; e em determinar o modo , tempo , e circunftaiK
cias ae se lhes adminiftrar nas Casas dos Expoftos ; se
igualmente não houver a maior vigilância na boa direcção
oe outros objectos, que também dizem respeito ásuaedi^
cação fysica , e que assas concorrem para a conservação
das suas vidas, taes são; oaceio do corpo, principiando-
se por lavagens de agoa morna no primeiro mez , e pas^
sanao*se gradualmente ás de a^oa hum pouco fria , e por
pouco tempo ; gue serão prefenveis , sendo feitas com nu-
ma esponja molhada na agoa , pela observação das plan-*
tas y que fazem huroa bella vegetação , quando por fric-
ções se lhes faz lavar a sua casca.: o vefti-las como con*
vem y ailim a respeito da fòrma e largueza dos seus ves-
tidos , como da sua namreza em relação á sua idade,
e eftaçòes j a fim de se evitar o aperto dó seu delica*
dò , e tenro corpo , e de se lhes promover a transpira-
ção insensível , tão neceíTaria neftas idades : o cuidado de
• Ihea
jiá • M^siyr o R r A s-'
lhes conseirar sempre o ventre livre : a escothc dtf^bòA
amas, e a observação da suaconducta tanto pelo que lhes
lespeita , como^ peio que pertence ás Crianças , que eljas
tem de amammentar nos primeiros três mezes : o modo de
as deitar , e a direcção do seu somno , calculado a ~ de
tempo da sua vida : o Faze-las dormic em camas separa-
das, e poucas em cada camera, a fim de que as acorda-
das nâò despertem as que eftâo dormindo : a seDaraçâo das
doentes das que eftâo sas , para evitar o contagio das- mo*
kftias : o regular o movimento de que ellas neceílitâo ,
aíEm nos braços das amas, como nos berços, evitando-se
os abusos , que se pra tição em as em bailar : o dirigir seus
exercícios no tempo em que lhes convém , que ordinaria-
mente he paíTado o primeiro anno de kiade : o poupa-las
a sons , e a cheiros fortes , á luz muito viva , a exceíTos
^ ^ de frio, e de calor, e em geral a todos aquelks' effimu*
'^5i■-■^v^'i^^ !^^ ' 4^^ "^^ ^^^ proporção com o eftado da delicadeza
/■^^^^^J^'^^^- seus sentidos : e sobre tudo o faze-las respirar hum
^/jlj!?^ ar livre , e puro fóra dos hospitaes , nas horas mais amo-
.3^}^y^S^^^y''^^^ do dia ; circunftancia efta^ da maior importância pa-
^^^é^^^^^^^^ífé ^ ^ ^^^^ deftas desgraçadas Crianças ; pois hum ar vicia-
^^^^^i^^ do , e não agitado he a causa mais fecunda das suas mo-
*'** kftias, e da sua morte (í).
He
- (i) O oxygeno, da atmosfera não he mais interessante pa-
ca a víd^: das animaes , do qne he para a sua saúde a agoa
Ofn v^por , que; na mesma atmosfera exifte dissolvida ; e quo
sendo purificada pelas grandes arvoreis das altas. moDtanhas ,
hê a mais perfeita em relação á pureza ( permítta-se-ine a ex-
pressão ) defte elemento aquoso : sem ella , e o calor os ani-
maes não poderião viver longo tempo ; pois são eftes os prin-
cipaes agentes da nossa organisacão.
He porém neceíTarío , que eíta agoa em- vapor eftejasem*
p^Q em eftado de perpetua circulação pelos ventos } e pelas cor-
iC^tjes dp ar »hmia vez que.ella ceíTe de circu|ar| se altera , como
acontece conai as agoas eftagnadas: edacjui vem huma grande
parte das epidemias , das doenças y e oelo menos das alterações
dá saúde. Heporifto que o ar das ciúades , que não circula em
liberdaile » não he tão sadio como o dos campos ^ c he cam;
E <: o ii o M I -c A s. 3 27
He porém difficuitoso , e talvez impoíll^el , que nas ^
grandes Casas dos Expoftos se possão pôr em prática eftas^
e outras medidas , determinadas nos bons Tratados da edor
cação fysica das Crianças i e por iílò sâo raras as que alli
vin-
bem por efta razão ^ qae ha muitas vezes fofiosas epidemiap
nos campos rodeados de piontanhas , ^ quando os vemos , por
algum cempo conftantes ^ para ellas afíopráo efta humkjadç
vaporosa, que por falca de circulação se altera , ese corrompe.
3á Eiippocrates no seu excellente livro =: De aere, aquis et
locis :r tinha observado d que certos povos erão eílupidos ,
porque elles habicaváo paizes , aonde o ar eia carregado do
huma humidade espeíía , e eftagnada : e em lugares semelhan*
les he endémica a moleftia cKamada -^ Bócio -^ , como aíTer
verão rouicos Escritores , e com muita díftincção o Dr.. Foderé
( ^. Traite du gohre ^ ét dn crétinismey
A* vifta do expoftd concebe-se facilmente a razão da ne-
cessidade , que todos os animaes *em (behicomo as plantas ) ^rd^-*^^/^r*
de respirarem hum ar livre; particularmente as Crianças , cu' ^yí^?^'^'Ct^^^
jo organismo tem mais .mingoa de elementos 0$ mais puros ^^ ;"'
e os mais enérgicos para o seu crescimento , « perfeição. A^
experiência assim o moftra ; pois os iilhos criadps ao ar li^
vre dos campos são mais fortes , mais robuftós , inais atinados :ri ,,.
é as montanhas da Escócia, e da Suissa dão pára asCid^^det^^ \\
hú/mens , que em saúde , e em razão são hum perfeito con* ^^
t-rafte dos habitantet dos valles sub-Alpinos. Nem se contenda
por iAo , que eu aconselho o frio da atmosfera ás Criafiçatf %
imitando os antigos Celtas, òs Germanos , e ot exiftentes Por
vos do Norte , aos quaes nupca fizerão damnp as lavagens en|
aeoa frígídissima ,0 gelo, e o grande frio da sua atmosfera.
Nos somos bem diíFerentes deftes Povos em clima, em robus«
tez , e em coftumes *, e por tanto as ideas de Hamilton , ài
Locke , de Floyer , e de João Jacques devem %Qt prudência^
das a nosso re.speito : uuero dizer, que as Crianças devem
ser expoftas a hum ar livre , puro , e ainda frio com tanto
que sejão veftidas de maneira , que a sua transpiração insen-
sível ník> seja supprimida ; porque sendo efta mais abundante
nas Crianças ^ do que nos adultos , importa mais favorcce-lá
naqnellas , assim no seu eftado de saúde , tomo nas suas mo-'
lèulas ; das <]uaes hum grande numero ,- ainda èíí^ finais re-
beldes ^ como o marasmo , cede aa tsatasaeate ^ appUflado jao>
syfiema dermoidal.
\
\
^iS H S M o H C il 8 "
Vingáo. Á observação veití em apoio defta verdade, ^desde
os primeiros eftabelecimentós deRas Casas de piedade até
ao presente; {k>is sendo a primeira eftabelecida emMont-
pelier em o anno de 1180, a segunda em Leão no anno
de 15*33 ; ^ ^ terceira em Paris no annn de 1640 no Rei-
nado de Luiz XI IL e ao exemplo deita tendo-se creado ou-
tras em Marselha , Ruam, Perpinham, Londres, Varsó-
via, KaíTel, e outras Qdades de differentes Potencias, os
resultados tem sido sempre negativos.
No Hospital dos Expoftos de Paris dous terços, pelo
menos , morriâo em o primeiro mez , secundo a relação
dada por Liaucourt á AíTembléa Nacional : e a sua mor-
tandaae cresceo de tal forma , que de lOiijDooo, que
nefte Hospital entrarão , desde o anno de 1774 até o anno
de 1790 , apenas se conta vão ly^j^ooc Eltpoftos vivos. Nos
outros Hospitaes não era menor a mortandade , pois em
Perpinham , aonde havia a maior vigilância , e cuioado so-
bre os Expoftos , apenas doze ou quinze chegavão a idade
de sete annos entre mais de cem , que annualmente eiao
conduzidos a efia Casa. Em Marselha entre cem Críança3
expoftas cuftava a conservar dez. No Hospital de KafleI
desde o anno de 1763 até o anno de 17Í81 foiao expoftas
740 Crianças, ametade morrerão antes do oitavo anno de
idade; e somente dez chegarão aos quatorze annos. Bodin,
no seu livro da Republica , diz: que pelos regiftros de hum
Hospital de Expoftos da França soubera , que entre 50
Crianças , apenas huma tinha chegado á idaae de puber-
dade. Em hum notável Principado da Alemanha, em cuja
Capital se tinha criado huma Casa de Expoftos , refere Gir-
tanner , que hum só chegara a idade viril ; tendo efte ho-
snem cuftado mais ao Bftado , do que cuftaria a educarão
de hum Príncipe hereditário.
Na Casa dos Expoftos da Cidade de Lisboa por cer-
^ não somos mais felices ; \pois do livro dos regiftros da
Secretaria da Casa da Misericórdia confta » que só em o
mez de Junho de 181 2 falecerão iii Crianças , das qo?
«ráo suftenptdas a Leite de cabras ; e 19 das que erão sus-
teo*
ECONÓMICAS. jap
tetítadas a Leite de peito. Entrando porém nefta Casa an-^
nualmente por hum calculo mediano 1600 Crianças , fica
claro, que são poucas as que escapâo.
Fazendo porém o Eftado tão excessivas despezas com
as Crianças Expoftas , sem que delias tire partido para o
senriço da Pátria , que meios deveremos abraçar para a
segurança das suas vidas ?
ARTIGO IX.
Arbítrio a beneficio da vida dos Expostos.
Orno não seja poílivel adquirir para a Casa dos Er-
poftos de Lisboa hum suíiiciente número de amas , que
amammentem os recemnascidos , ao menos por espaço de
três mezes , para depois lhes succeder o uso do Leite de
vaccas , como temos aconselhado : e como ainda , havendo
amas suíEcientes, não seja praticável em semelhantes Casas
evitar todas as outras causas nocivas , que concorrem tan-
to como- o máo alimento para a mortandade dos Expos^
tos ; ha mifter determinar algum outro meip para a con-
servação da vida deftes filhos da fortuna , que também dão
movimento , e vida ao EftadA
De duas maneiras , me parece , podemos satisfazer a efte
fim : ou por meio do Leite das amas , ou por meio do Leite
das vaccas ^ sendo a criação dos Expoftos feita no campo.
No primeiro caso he neceíTario , que nas diíFerentes
poVoaçóes circumvisinhas da Cidade se procurem amas,
que ani queirão encarregar-se da criação dos Expoftos;
semio desafiadas pelo intereíTe , que as não separa de
seus maridos , de alguns trabalhos domefticos , de seu
modo de viver , e de suas relações sociaes. Cada hu-^
ma deftas amas, sçndo bèm alimentadas, na suaili-f
.berdade , e com boa saúde , pode então suílentar seu
íilho, quando o tenha , e hum Expofto até o quinto mez
.da sua idade j tempo y cm que. já se deve poupar héts^^
*,Tom.r. Tt pe^
p9l$ ^blMtui^o 4e outi^ «Ijw^nto » çoffio Jio 'Artigo $«#
tp fic^ cçcoioxiiend;ada
A's ditas amas se deve mandar dar carne de vacca ,
Slo, e arroz ; e nos dias de jejum , em lugar de carne,
lacalháo ; pois com efta aualida^de de alimentos , na mes^
nia quantidade , que se x;oftuaiao dar na Casa dosExpoftos,
com hum pouco de azeite para sempre terem luz accesa
de noite , e huma pequena paga mensal , ellas ficarão bem
satisfeitas : cuftancfo cada huma muito menos no campo y
do que na Casa dos Expoftos , e percebendo o Eftado a
vantagem da conservação deftes vaíiallos.
Efl:ç9. aHmentos devem, ser diftribuidos em dias de-
terminados pelo Parocho , ou outra qualquer peíTba de
conhecida probidade , e de génio philanthropico : e por
c^a n>esma peíToa serão pagas mensalmente ; perante a
aual, e o Medico , ou Cirurgião da terra deverá prece^
er antes da paga o ex^me das Crianças , a fim de se
Bao. pagar a mezada áquella , ou áqueílaç amas., que se
julgar tem concorrido para o seu máo eftado ; as quaes
deverão ser despedidas , e subftittiidas por outras , sendo
todavia obrigadas a conservarem a? Crianças , e a respoiv
derem por eUas , em quaato se buscão as novas amas y que
u devem suhftitu^n Com efta condição da visita mensal
das Crianças, e pena de se^bes não pag»r a sua mezada,
quando nao satisfação is suas obrigações , ellas terão o
maior cuidado na sua boa criação , que deve ser dirigida
por inftrucçòes , que depois de impreíTas , se lhes devem
fezer ler e entregar.
As Casas dos Expoftos só devem servir para receber
9 8 Crianças por pouco tempo , em quanto não são condu»
zidas ao seu deftino : e não devem ser levadas em canos ,
porque os balanços fortes lhes são nocivos; mas sim aos
araços das respectivas amas , que as devem conduzir a
fàj e amammentalas pelo caminho; vifto que são mulh^
les do campo acoftumadas a andar a pé. Epara que nuna
£dte o concurso das amas á Cas^ dos Expoftos, deve a
Puocho;^ ou 4uctQádade QtíI das t^as ^ ou outra qualquff
^ pó*
pessoa , xpie se achar capar , $sr encarregada de mandaifi
todos os oito dias á Casa dos Expoftos de&ã Odade as
amas , que se acharem promptas para os ft*còberem ; okt
diia^ vezes na semana ^ se a concurrencia dos Expoftoa
affim o exigir.
Efte saudável projecto apresenta duas utilidades: i.*àU
minuiçâo de despezas na criação dos Expoftos ; poispol' efte
methodo pôde naver huma grandb reforma nas peíloas em^
pregadas na dita Casa , baftando poucas para vigiarem nz
sua recepção, e para os tratarem no pouco tempo, que ahi
tem de demorar-se : sendo tainbem suflíiciente nefte tempo
hum pequeno numero de amas para os amammentar , oir
em seu lugar huma vacca ; danao-se-Ihes o Leite pcla^ fbr-
ma e maneira , que no Artigo 6 fica determinado; Por c^-^
tra parte lucra-se no salário das amas do campo; as quad»
recebendo em suas pmprias casas o mesmo aliihehto , que
se coftuma dar nas Casas dos Expoftos , íicatiáô bem satis*
feitas com metade do ordenado , que nellas se tem arbU
trada À 2/, e a mais importante he a conservação de hun»
grande numero de Crianças. Pata ifto bafta lembrar-nos dó
grande beneficio , què as CHanças , e as amas recebem em
o ar livre , e puro do campo ; da melhor qualidãdá dd Leí^
te deftas amas , que vivem em satisfação em suas casas ^
tendo certo o seu suftento , sem se verem obrigadas- y àú
por neceffidade, ou por violência a viverem encerradas nas
Casas dos Expoftos , privadas do seu neceíTário e coftiH
mado exercício , de seus maridos , e de suas amindcs , é
finalmente sujeitas a hum differeme modo de vida j circunh»^
ftancias, que devem fazer alterar á secreção do S6U Leite ^
e toma-lo menos próprio para o suftento das Criahças. Pof
outro lado bafta reflectirmos , que ainda na hypothese dt
podermos haver hum sutEcÍent6 numero de amar para à
Casa dos Expoftos, edequeo seuLeitefoíTe tão bom, coiiM
o das amas do campo, affim mesmo a criação dorExpoftoft
seria tranftornada pela privação dd neceiTario sono , yifto
que muitos hftbitâo a mesma camera ; pela iãcilidadèf de
se poderem pegdr aa ^oliftídi dehúas * outtW)* pela âiitk ^
Tt ii de
33^^ ' M B M o H I A $
de hum ar puno y e vivificante ; e pelos outros inconveniente
inseparáveis deftas grandes Casas de caridade, os quacs fa-
cilmente se evitão ; entregando^se as Crianças aos cuidados
das amas do campo , aonde de certo vingará dobrado nu-
mero das que se podem salvar nas Casas dos Expoílos,
sufténtadas a Leite de peito.
Bem escusadas porém são eftas considerações, quando
a experiência confirma os felices resultados defta pratica.
Em todas as Naç6es se tem sempre observado , guc os fi-
lhos criados no campo , e nas aldêas , sem mehndre , e
expoftos ao ar, á chuva , médrâo mais, esao mais fortes,
do que os criados nas cidades , debaixo dos desvelos e cui-
dados de suas mais. As mulheres Espartanas eráo obrigadas
a fazer criar seus filhos no campo , não se lhes perminin-
do voltar ás casas de seus pais , sem completarem sete ao-
nos de idade : muito bem conhecia o sábio Legislador L7-
curgo o§ meios de fazer homens fortes, e bons Soldados!
Dos mappas deM. Sympson, publicados em 1742, confta
99 que em Londres , e seus arredores mais de metade dos
indivíduos humanos morriâo antes da idade de três annos»
c em geral os Calculadores Políticos tem notado , que nas
grandes Cidades morre mais gente, proporção guardada,
;ue lias pequenas Cidades ; e neftas mais que no campo.
'inalmente no anno de 1767 as philanthropicas observações
de John Hanway fizerão determinar por hum acto do Par-
lamento em Londres : que as Crianças pobres , recebidas nas
Casas da Caridade, foflem entregues aos cuidados das amas
do campo, a huma conveniente diftancia da Cidade; eo
resultado moftrou , que tendo até então morrido annvialtiicii-
te 2690 Crianças a respeito de 2800 , número médio , que
neftas casas entra vão todos os annos; apenas morrião 450
por anno, depois que se tomarão eftas saudáveis medidas;
sendo de notar , que o maior número falecia nas três pri-
meiras semanas da sua entrada nas referidas Casas.
Efta mesma prática já tem aproveitado em alguma
Villas , e Cidades do nono Reino. Bem perto de Lista
temos Santarém p aonde me coita ^ que a Casa dos £11^
Económica^ s. 33^5^
tos só serve para os conservar algumas horas , ou dias j
pois que logo concorrem amas mercenárias das visinhan-
ças a buscar as Crianças , e a conduzi-las aos seus domici-
lios , aonde as criáo com succeíTo : sendo todavia obriga-
das a virem todos os mezes receber os seus .ordenados á
dita Villa ; trazendo as Crianças , que lhes forâo confiadas ,
a íim de serem examinadas pelos Inspectores da Casa da
Misericórdia j e defta forma as amas preftâo todo o cuida-
do á sua boa criação.
Mas parece-me eftar já ouvindo , que nas povoações
circumvisinhas de Lisboa será difficultoso achar num suffi-
ciente número de amas mercenárias ^ para a criação de hum
tão grande numero deExpoftos, que ahnualmente são rece-
bidos na Casa da Misericórdia da dita Cidade. Eu efiou cer-
to , que ifto não ha de acontecer , e será fácil achar a rea^
lidade deite meu juizo, pedindo-se antecipadamente a qual*
quer Auctoridade das diíFerentes terras huma relação das
mulheres , que eftão nas circunftancias de voluntariamente
se preftarem a efte exercicio ; e nem devemos medir a dif«
ficuldade de achar amas nos campos , e aldéas , pela dij9i«
culdade que ellas tem de ser amas nas Casas dosExpoftòs*
Supponhamos no entanto , que se verifica a sua falta : en«
tão refta-nos o outro meio de fazer alimentar nos lugares dò
campo as Crianças Expoftas com o Leite de vaccas ^ ou efte
sirva para supprir a falta do Leite das amas , ou agrade que
todos os Expoftos sejão desde o principio alli criados com
aquelle Leite. Nefte caso he neceílario aiftribuir os Expoftos
pelas mesmas povoações do campo ,. que ficão visinhas á
Cidade ; entrega ndo-se aos cuidados de mulheres velhas,
mas activas, e vigilantes , que deveráõ igualmente ser ins-
peccionadas pelo rarocho , por huma Auctoridade Civil , ou
por outra qualquer pessoa , que tenha probidade, e zelo
pelo bem público : e defta maneira evitão-se também os
inales inherentes ás grandes Casas dos Expoftos; as Crianças
respirão hum ar mais puro; suftentão-se de melhor Leite,
em razão da maior abundância y e melhor qualidade dos
paftos , que no campo servem de alioiento ás vaccas ; as
quaes
^4 MsM0t.XA9
quaes tamben ahi £i2eai hum coaTeniente exercido , c
igualmente se aproveitao do saudarei- ar campeftre, o qi^
9(CÍB influe para a boa qualidade do seu Leite.
Fda pane económica vem a lucrar a Casa da Mise-
ncordia v pois além da reforma , que deve ter lugar na Ca-
sa dosExpoítos, a respeito daspeíloas empregadas^ as mu*
Uieres encarregadas defta criação suílentao-se á sua cufta :
e. como pela sua idade se nâo podem dar a maiores traba-
lhos 9 goftaráô muito de perceberem huoi pequeno ordena-
do , em hum exercicio socegádò , e o mais acbmmodado
ás suas ferias. Os inspectores lembrados para visitarem
as Crianças , nao fazem despeza á Casa da Misericórdia.
À guarda das vaccas , e o seu suftento deve ser encar-
fegado a hum Lavrador de conhecida probidade, o qual em
âttençao ao objeao , á utilidade dos eftrumes , que ellaa
Siroduzem , e a maior abundância dos paítos y nâo deixará
e se ajuftar por hum preço módico.
Em quanto á diftríbuiçâo das Crianças , sou de pare-
cer : que cada mulher se encarregue da criação de três Ex-
povoação haja doze muineres oeuinadas para
aio. Defta maneira cada povoação terá 36 ^poftos^ e
como cada vacca. dá para cima de nove canadas de Leite
por dia , particularmente no campo , aonde ha melhores
paftos , e em maior abundância , serão suficientes duas
▼accas para cada povoação; calculado ogafto do Leite em
duas libras por dia para cada Criança (V. Art. 7. pag. 323.
Eis o esboço de hum plano geral , do qual nascem
detalhes^ mais miúdos , que náo podem ser desconhecidos
ás luzes, e zelo das peífoas, a cujo cargo eftá o promover
z educação fvsica dos Expoftos : podendo-^se esperar , que
a resultado aa sua execução prospere á imitação dos povos
do Norte, e de outra» Nações. He para desgar, que o nos-
so vigilante , e illuninado Governo faça abraçar eftas me«^
didas em todas aa Qdades^^ e Villas do R^ino ^ aonde hou-
ve-
E r D K o H I c A s. ^3)r
ver semelhantes Eftabelecimentos de humanidade ; fazendo
tàmbem criar nas pequenas poYoaç6c5- hum maior námo-
ro de rodas de Expoftos , nas quáes se recebâo as Crian-
ças, para logo serem entregues ás amas das mesmas ter-
ras y sem que jamais se consinta , que eftas Crianças se-
jâo conduzidas , como eu tenho observado , ás grandfes Ca^
sas dos Expoftos , ás quaes che^ desfalecidas, em ra2âo
das grandes diftancias das jornadas » e de serem levadas por
amas secas ; e por iílb a maior parte morre logo nos pri-
meiros dias. da sua entrada nas altas Casas : e as que são
mais fortes para soflrerem eftas privações e incómmodos,
igualmente vem a ser vlctimas ; sendo criadas neftes gran-
des Eftabelecimentos públicos , nos quaes em toda a parte
a experiência desgraçadamente tem moftrado , que o maior
número perde a vida.
Parece-me ter desempenhado o objecto a que me pro*
puz ; e se defl:e meu trabalho resultar intereile aos meus
considadâos ,
Eu desta gloria só fico contentei,
Que a minha terra amei, e a minbã gente^
FsRREiaA. Epigram. antes dal. Fáic»
piSà
J36 Memorias
MEMORIA
Sobre os Pesos e Medidas PortuçuezaSy e sobre alntro-
ducção do Systema Metro-Decimal.
Por Sebastião Francisco de Mendo Trigozo.
A
P R E F A' c q A O.
. Igualdade de pesos e medidas cm todos os Paizes se-
ria de numa tão grande vantagem , como o foi já a intro-
ducçâo do modo uniforme de medir o tempo. Todas as
Nações cultas se servem hoje do período annual , que di-
videm e subdividem pela mesma maneira ^ mas tendo to-
das elias nefta parte conhecido tão bem osseqs intereflcs,
qyando sé trata de medidas de extensão , de medidas de
capacidade, e de pesos, tem cada huma seus Padrões par-
ticulares , ás vezes com os mesmos nomes , mas quaá
sempre com valores muito diversos.
Com tudo não são neceífarios grandes talentos para
conhecer , que efta diversidade e arbitrariedade causa num
prejuízo incalculável aoCommercio, á Agricultura, e em
geral ás Artes e Sciencias praticas , em que a todo o ins-
tante he preciso eftar fazendo reducçóes de humas para
outras medidas: nenhum livro Eftrangeiro, por menos que
toque nefta matéria , se pode entender sem hum trabaUio
preliminar ; nenhuma obra antiga se Dode interpretar ex-
actamente ; amontoão-se difEcuídades sobre difficuldades ,
disputas sobre disputas , e o resultado he as mais das ve-
zes incerto , e precário.
Mas que muito que ifto acconteça de huns para ou-
tros Paizes , de huns para outros Séculos , se no mesmo
Paiz, e no mesmo Século ha medidas tão diversas . c dis-
ECOKOMICAS. 337
paratadas ? Os Portuguezes , fallando todos a mesma lin«
guagem , sugeitos ás mesmas Leis , e ao mesmo Governo ,
cliversiíicâo extraordinariamente neíte ponto : não só cada
Provinda ou cada Comarca , mas cada Villa , e cada Con-
celho tem seus Padrões particulares; o que para huns he
Alqueire ou Almude para outros he pouco mais de meta-
de (i) ; e a mesma terminologia métrica he tão variada ,
que qualquer peíToa que sem efta prevenção correíTe as
noíTas Províncias , teria mil occasióes de se reputar em
Paizes Eftrangeiros (2)*
He pois da primeira intuição , oue se a universalida-
de do mesmo peso e da mesma medida seria summamente
útil para todos os Povos cm geral ; não o deverá ser me-
nos para cada hum em particular , a sua igualdade em ca-
da Paiz. He porém tal a imperfeição da natureza humana y
que as cousas mais evidentes são ás vezes aquellas , aue
eftão mais sugeitas a serem conteftadas. A força do hapi-
to pode desgraçadamente mais que a da razão , e por iflb
em diversos tempos , tem sempre havido quem não só jul-
gue supérflua qualquer reforma nefta matéria , mas quem
pense ser útil efta mesma desigualdade. Como os raciocí-
nios de semelhantes peílbas nao tem ainda variado , dar-
Ihe-hemos as mesmas respoftas , que ha perto de hum Sécu-
lo lhes deo Mn de la Condamine •, o qual muito melhor
do que nós fará triunfar a verdade do erro e da preoc-
cupação.
Se o Commercio ( diz efte homem célebre ) não he
outra cousa mais do que a troca do supérfluo pelo necefla-
rio , não he por ventura evidente que os meios mais sim->
pies de facilitar efta troca serâo os mais vantajosos para
elle ? As permutações fazem-se segundo certas relações , e
Tom. F. s Vv so-^
(1) As medidas de secos chegão a fazer a differença humas de outras do
quarenta e dous por cento , nas de líquidos ainda he maior esta divenidade..
(2^ Em muitas partes não he conhecido o Alqueire, mas sim a Raza;
em outras medem-se os líquidos não porAlmudes ou Potes, mas por Caba-
^ ou por Tacho : algumas terras mesmo tem medidas que não sáo^ conhe-
cidas fóra do seu recinto, como aCazenda <m a Villa dcFeneiía da Cornai
c% de Elvas , &c
3^? M B M o R I A i
sobre tudo segundo a das quantidades. Para conhecer efta
relação he que se icnaginárão as medidas ; e tanto mais
bem conhecida elia for , menos difiiculdades terlo as tro«
cas , c mais pronto , activo , e útil se ha de tornar o Com-
mercio.
Diz-se porém aue nefta mesma diíFerença de medidas
achão alguns mercaaores hum lucro , de que serião priva-
dos se a não houvefle.
Primeiramente ha muito boas razões para duvidar da
realidade defte suppofto lucro : he evidente ao menos , que
eile nâo pôde aproveitar senão ao que conhecer melhor a
relação das medidas ^ mas ou o contrato he feito de mer-
cador a mercador , e então sendo a reducção das medidas
para as peíToas defta profissão hum negocio capital , e ten-
do ambos igualmente o mesmo interefle , não he natural
que hum delles ignore o que lhe importa tanto saber ; e
allim serão por via de regra tão hábeis hum como o ou-
tro : ou o contrato se faz entre hum mercador ehum par«
ticular , e então efte não compra a mercadoria senão pelo
peso e medida que já conhece ; e por conseguinte eftá a
efte respeito tão adiantado , e tão inftruido , como o merca*
dor , e só por sua culpa he que poderá fazer hum niáo
contrato. Vé-se pois que em nenhum deftes casosr ha bene-
ficio algum.
Mas supponhamos (epode accontecer algumas vezes)
que hum dos dous contratantes arha grande vantagem no
contrato ; digo que eíle lucro , que não tem outra funda-
mento senão huma noção mais exacta das medidas , não
pode ser legitimo. Faça-se qualquer raciocínio que se
quizer , he evidente que não pôde haver proveito para
aquelle que conhece melhor a relação das medidas , sem
que haja perda para o outro que a ignora , ou que a nao
eonhece tao bem. O primeiro neíte caso yçnde menos ou
compra mais mercadorias pelo preço ajuftado , do que o
outro com quem contrata julga comprar ou vender: logo
o contrato he fraudolento , e por conseguinte illegitimo.
EsA fim kuB dm dous soo pode gaobvisobre a medidaj
sem
Económicas. 359
«ttii me hájá má fè , ou ao menos hum erro de calculo
prejudicial ao outro contratante. Dir-se-ha por ventura que
a fraude c o erro são vantajosos ao Commercio ? Suílen-
tar-se-ha que em hum Eftado bem policiado deva ifto ser
authorizado ou protegido , quando Ke jpoffivel prevenillo ?
Tal he a consequência que seria neceífario tirar do prin-
cipio d^nquelles , que suílentao a utilidade das medidas
desiguaes.
Pôde ser aue ainda se responda , que he boa polí-
tica dilfimular num mal pequeno para procurar ao Efta-
do hum bem muito maior. He efte pequeno intereíTe , he
.efta induftria fraudulenta ou não , que conserva a abundân-
cia nos mercados. O trigo , accrescentarao , faltaria mui-
tas vezes nas Cidades , se o ganho que se pôde fazer d'hum
lugar para outro sobre a dinerença das medidas , não «x-
citaífe a cubica das peíToas que vao buscallo longe , se-
guros de achar quando o venderem huma vantagem , dé
3ue íicariâo privados se as medidas foíTem iguaes em to-
a a parte. He aílim que se appella para a experiência y t
que se suppóe gratuitamente que ella decide a favor das
preocxnipações. Seria difiicil convencer de falsa efta sup«
pofiçâo, se a desigualdade de medidas fofle tâo ordínarm
em toda a parte , como o he em algumas Províncias do
Reino; mas tanto dentro delle como fora, ha grandes Pai-
zes , onde nâo se conhece senão hum só peso e huma só
medida , e onde a escaccz nem por iflo he mais frequente;
Os mercados da antiga Roma erao pelo menos tão bem
providos como os da Roma moderna. Aquelle que tem
mais trigo do que pode consumir , e que tem <a de ou-
tros géneros necelTarios , levará sempre o seu grão ao mer-
cado , logo que efteja seguro de ter venda ; e sendo tudo o
mais igual , o maior numero antes quererá vendello por
huma medida que lhe he familiar , do que por outra que
mo conhece tio bem<.
Efte lucro tâo encarecido nao he pois nem real aem
le^timo. Mas concedendo gratuirafiiiente que he huma t
"Outra cousa ^ e que ha pessoas que xáq subsiftem sen^
Vv ii do
340* Memorias
do producto defte Commercio , pergunto se oihtéreíTe defte
pequeno número pode contrabalançar a vantagem e córa-
modo que acharia o refto dos habitantes do Reino em hu-
ma uniformidade de medidas , que acclaraíTe o Commercio
^ o tornaíle mais fácil , desembaraçando os cálculos deftas
reducç6es , sempre penosas , e muitas vezes sujeitas a erra
Os Cambiftas desejarião sem dúvida que houveíTe em cada
Cidade e mesmo em cada rua differentes moedas , ^ e deixa
por iíTo de ser mais cómmodo para o público que corra
em todo o Reino huma só moeda ? Se todos os homens fat-
laffem a mesma linguagem o oíBcio de Interprete e de Mes-
tre de lingoas tornar-se-hia inútil ; ^ e concluir-se-ha daqiri
que a ditterença de linguagem he útil á sociedade ? . . .
Julgamos escusado multiplicar os raciocínios em hu-
ma matéria , que de si he tão evidente ; talvez mesmo que
já eftes sejão sobejos para a maior parte dos noflbs leito-
res. Ha' com tudo huma claíTe de peíToas as quaes ainda
não ficarao de todo convencidas , e são aquellas que tem
hum tão extraordinário alfinco ás inftituições antigas , que
reputão qualquer innovação como prejudicial , antes mesmo
de tomarem o trabalho de examinalla em si , e de faze-
rem a comparação da pratica em que eftavão ^ com aquel-
la que de novo se propõe.
Se homens de semelhante tempera rao querem tapar
os olhos para não ver , he principalmente para cUes e com
o fim de os convencer pelos seus mesmos princípios, que se
dirige a presente Memoria. Nella se moftrará que as medi-
das rortuguezas eftiverão sempre , desde o principio da Mo-
narchia , na maior confusão e desigualdade , e que contra ella
debalde se oppozerâo alguns dos Snr.« Reis deftes Reinos,
que trabalharão por eftabelecer nelles efta saudável refor-
ma , já determinada pelos Snr.» D. Pedro L, D. João II.,
P, Manoel , e D. Sebaftião. Far-se-ha ver depois quanto he
defeituoso o noífo Syftema métrico actual , quer na sm
base , quer nas suas divisões i e dar-se-ha em fim huma
breve noticia dos trabalhos modernamente emprendidos m
Metrologia ^ e de como dles po4efli appUcâi-se ás medida
Per-
B C o N o M I C X S. 341
Portugúezas; o que actualmente he hum dòs grandes objo^
ctos do desvelo deS. A. R. o Príncipe Regente N.S.
CAPITULO I.
Das Medidas j principalmente Arábigas e Romanas , que
se usavão em Portugal antes da fundação da
Monarcbia.
E
M o principio da Monarchia , havia em Portugal mui-
tas medidas, cujos nomes ainda moftravâo bem aue a su9.
primitiva origem tinha vindo dos Romanos. Desae o tem-
po em aue eltes se senhoreárao da antiga Lusitânia ^ íicárâp
alguns aos seus usos de tal sorte introduzidos e arreigados,
que succedendo-lhes os Povos do Norte , e depois deftes os
Árabes, ainda continuarão a ser quasi geralmente pratica-
dos. As suas medidas, com as mesmas denominações qUe
d'antes tinhão, ficarão também servindo por largo tempç^j /
e a (fim o Cubito ^ oModiOy o Ses t eiró, o Quarteiro, a
Emina , e a Libra são palavras , que frêquentw vezes se
encontrão em alguns Documentos , que reílão daquella ai(« *
tiguidade.
He claro que com a revolução de tantos séculos não
podião eftas medidas conservar os seus valores primários ,
mas seria por extremo difícil , ou para melhor dizer impos-
sível aílignalar as épocas deftas alterações, ou detemunar
quaes ellas folTera. O simples raciocinio parece . indicar-
mos, que durante o dominio dos Godos, ido he, em hum
tempo mais próximo á sua introducção , ellas se conserva-
riâo com pequenas diferenças , e que eítes Povos continua-
rião a usallas , do mesmo modo que sabemos terem-se con-
tinuado a servir com os pesos Romanos : as poucas trans-
acções mercantis , a simpleza e pequeno luxo daquella ida-
de, os muitos coftumes que os vencedores adoptarão dos
vencidos , mais civilizados do que elles , são outros tantos
fundamentos em que se pôde apoiar efta conjectura.
Huma vez que os Árabes tiverão conquiftado a Hes-
pa-
^4^ MfiMOUtÀS
f anka à éua lingoagem > itidole , e sobre tudo a dif&reii-
ça das* Religiões , deviâo levantar ao principio huma bar-
reira insuperável entre elles, eos Chriftãos que ainda res-
tavão : mas eõm o andar do teitipo o território Porrugue2
foi dividido por difFerentes Régulos , os quaes tinhão diver-
^ espirito e caracter , c govemavâo os seus vaflallos cora
hum syftema político tambeiti diverso. Havi^ deftrictos,
em que a Nação escraVà q abrutecida conservava apenas
huma idóa confusa dos seus antigos usos, em quanto nW
tros se lhe pértititiá huma oiâior liberdade, e até o livre
«rercicio do áeu Culto.
Ifto pofto , humá razão de analogia nos persuade,
<jue aífi&\ como em muitos deftes pequenos E^ados se
mandarieò adoptar desde logo as medidas Affrícanas , as-
sim também eih outros , ou pofteriormente invadidos ,
ou onde o jugo fofle menos pesado , podcriâo ainda os
Chriftãos nos seus contratos particulares conservar as me-
didas Romanas ^ que igualmente ficariâo servindo, em to-
ados aqu^es territórios , aonde se não extendeo o dominio
Jl^ahoitiAno.
Quando elle já principiava a declinar, ifto he , nos
fins do Século XI. e princípios do XII. , deviâo as cousas
neceflariamente mudar muito de figura. Nefta época ga-
nhou D. Afibnso VI. muitas Povoações e Qdades de Por-
tugal, e coiheo huma grande quantidade de prisioneiros,
com o qtie de alguma soite se augittentárâo as relações en-
tre os Mouros , e os seus conquiftadores ; o Conde D. Henr-
rique ampliou consideravelmente eftas conquiftas; Portu-
gal foi declarado independente , e os Povos recobrirão a
8uá antiga liberdade; mas a pezar de quebrarem aquelles
grilhões , ficarão ainda conservando impreíTas as marcas
dé tão prolongado cativeiro ; quantidade de vocábulos Ára-
bes mancharão a sua linguagem , e ficarão quasi geraimen-
te adoptadas as suas medidas , ou para melhor dizer i
sua nomenclatura.
Mas eftas medidas Arábigas não podiâo ser unifor-
mes y os difFerentes Déspotas eftabelecidos no nofib ten^
no,
E c o N o BC I c X s. 545
no, ctm quertriâo, nem mesmo podcr&ao^ rçgi|I^l^tse $ipbff
o mesmo. Padráo. O Alqueire, oAlmude, oCahiz, o Adi^
vai, eo Arrelde, cujo uso paíibu para os Portugueses, aâl
podião ter era toda a parte o mesmo valor. Se. em t«ruT
pos próximos a nós ^ eip que os Monarcas govern^vao O
Reino inteiro com o mesmo poder , e as mesmas I-»eis , t
em que a civiiisação eftava muito mais adiantada , . naQ
se conseguio efta uniformidade , a pezar de se emípregar
niíTo toda a vigilância e authorídade , ^ que se pôde esperar
de tempos tão rudes , como os que vamos correndo , em
que cada deftricto se governava sobre si , e em que o Dest
potismo desfazia em hum dia as ordens , que tmha dado
no • antecedente ?
Sc eftas considerações moftrao quanto as medidas Arar
bigas deviáo ser disparatadas, motivos quasi semelhantes
nos persuadem, que do mesmo «iodo diversi£cariâo áaRor
manas , que tinhaio já paílado por tantas viciflituJes , mas fâjfe^fe;-;^
que , como diflemos , nunca se extingmVao de todo S^^^^^^^^^^^^^^s
Portugal: a nova revolução Politica que acabava ^^ ^^^0^^^^^^^^^{\^^^
der, devia mesmo tomar a avivar o seu uso , pois quecn^
novos Gonquiftadores Hespanhoes conhecião p^rfcitam^tl
aquella nomenclatura , e por iíTo tiniiáo baflantc iiucrflCá ^
em a conservar. He o que realmente accontfceo , como ft*'^
nos provão lodos os Documentos daquelie tempo.
Mas o exame deftes mesmos Documentos zâo tfem até
âjgora sido capaz de nos dar outras nenhumas luzes sobi^
cãã matéria : por iflb , quaes erão os valjQ»-es jsm$ dâft»
diferentes medidas , e até que ponto chega vao as suas desi-
gualdades, são perguntas a que «enão féèe -Fesponder, s«-
nao por conjecturas , e que por tanto paiTacemos em silen-
cio , contentando^nos com dizer algumas pafevras sobre O
Alqueire , o Almude , e o Modio , não só pela extraordinaí
ria alteraçãp que tiverão os seus valores , m^ por sereni
as únicas medidas, que desde tão remota antiguidade cliOf
gátâo quasi com os mesmos nomes até aos noíTos dias..
O Alqueile Árabe he huma medida somente numéri-
ca; mas efta palavra he dierivada do verbo calh que sir
goi:^!
344 Memorias
'gnifica medir, e por conseguinte exprime também cm ge-
ral a Medida. Ora efta medida de capacidade por excel-
iencia era , entre os Chriftãos do nolio Paiz , o Modio ,
o qual pofto que no tempo dos Romanos servia somente
Íjara os secos , era já então empregado também para os
iquidos. Nâo era pois de eftranhar que vieíTe a chamar-sc
eo Modio Alqueire ou a Medida (i) , e que eftes noros
Alqueires foíTem tão diversos como os antigos Modios que
Vinnâo subftituir; sem embargo do que, oísque conservas-
sem o seu primitivo valor , seriâo hum pouco maiores do
que o actual meio Alqueire de Lisboa (2).
O Almodde Árabe he huma medida que corresponde
hoje ao noíTo Alqueire , e que por conseguinte devia conter
dous Modios ou Alqueires dos antigos : podia pois olhar-se
)sfte nome. como exprimindo dous significados difièrentes; o
primeiro , huma unidade , ou medida real « de certa capaci-
dade , e nefte sentido o dcvião considerar os Mahometa-
nos ; o segundo, huma medida numérica e representativa do
dobro do Modio ou do alqueire , e nefte sentido o deviao
' l!!onsiderâr os Chriftãos. Em os primeiros tempos he muito
p4>vavel que seusaííe defta palavra em ambas asaccessòes,
', qtíe muitas vezes se confundiriâo ; mas depois prevalece© a
segunda , e ficou-se entendendo por Almude a medida de
dous Alqueires (3).
Dando-se aíHm ao Modio nome genérico de Alqueire
ou Medida^ veio elle a perder a sua significação primaria,
e insensivelmente a exprimir hum certo número daquellas
me-
(i^ Por hum motivo igual se chama hoje em algumas tenas aoÂlqueiíe,
Medida; e se diz tantas Medidas- de milho , 6cc. por tantos Alqueires de
milho.
(2) O Modio Romano, segundo os meIhore« cálculos, era igual aS,67
tiitros , e sendo o Alqueire de Lisboa igual a 1 5,8 j Lit, vem aquelle Mpdit
8. ser muito proximamente igual a meio Alqueire ehuma oitava das actuaes.
Q) Achamos eíla expHca<jão mau natural do que a que vulgarmente se
dbL, -de que o Almude se chamou assim, como se se dissesse aílus mediai:
pois sendo o Almodde nome Árabe , he claro que aquelle ai he o artigo, que
neílaLingua se eo.luma ajuntar aos Nomes, bu mas vezes como simples par-
tícula, e as mais delias para redringir, e determinar a sua sigaificação.
' EcoKOMiCAs. 34jr
medidas, nSo determinado e universal, mas arbitrário, e
particular a cada terra ou deftrícto. Aífim o vemos (humas
ve2es com efta mesma denominação , outras com a de
Moio) exprimir dezaseis, vinte, quarenta e quatro, e ses-
senta Alqueires , até que o uso o quiz fixar nefte ultimo
valor , em que ainda se conserva.
Como náo houve , nem podia haver ao que parece , Ld
alguma que detèrminaíTe eftas alterações; e como a expul-
são dos Mouros de Portugal durou mais de hum Século^
perdendo-^e e recuperando-se alternativantente muitas Po-
voações , he evidente que as mudanças acima menciona-
das não teriáo lugar simultaneamente , mas sim pouco a
pouco , e primeiro n^humas do que n'outras Províncias ; por
JÍIb vimos aquella tão grande desigualdade de Moios , e
por iíTo achamos o Al^io sempre . com a sigoificacão de
Alqueire em os Documentos mais antigos , e com a de me-
dida numérica em os mais modernos \ e por iílb finalmen-
te se encontra ainda em alguns deites últimos com aquelle
«eu primitivo valor (i).
Ao pouco que até*aqui temos dito a respeito das me-
didas Romanas e Arábigas , anteriores á fundação da Mo-
Darchia, deveria talvez accrescentar-se alguma cousa a res-
peito das de outras NaçÓes, que já nefta mesma época,
já em tempos hum pouco mais modernos se introduzirão
no noíTo Paiz : taes forão a Teiga , a Canadella , a Alna , a
Pinta , &c. por pouco porém que diíTeíTemos de cada huma
deftas medidas , seriamos obrigados a entrar em discussões ,
3ue nos levarião muito além do que permitte a brevidade
o plano que seguimos : demais diílb todos eítes nomes
Tom V. Xx ifeh_
(i) Isto nSo he mais do que huma hypotese; e deduzindo as consequên-
cias qua ella nos apresenta , veremos que o Sctteiro e o Quarteiro , que no
tempo dos Romanos indicavâo o primeiro a sexta parte áoCcngioy e o se-
gundo a quarta parte do Scsteiro , passarão para os Lusitanos com valores
muito differentes, pois que não conservando elles o*^rM^ia,reti verão cóm
tudo esta^ divisões appl içadas ^oModio\ talvez já ao ÍVÍ<>(/Í0 medida corrente ,
mas depois frequentemente ao Modlo convertido em medida numérica, ou
90 Moio; e asshn se ficou usando por largos tempos, fosse qual fosse o nt^
iqero de Alqueires^ de que o dito Moio se compotesse.
3f4tf ^M t M o n 1 A • '
ferâo cksdpparftoendo potioo a pouco 4a Metrologia ^dmfi
gúeza , excepto taívez SíTeiga , que depois sechamouTan-
Í!;a , e que com a denominação de Fanga he hoje medida
^1, equivalente a quatro Alqueires.
Efta multiplicidade de medidas , de que eftanjos ain-
da bem longe de ter feito huma exacta enumeração, ees*
ta falta de hum syftema uniforme e regular deviao pro-
duzir huma extraordinária confusão ^ a qual em vez dé
hir a menos , ainda et augmentou no tempo dos noflbs pri*
jneiros Refe , como vamos ver no Capitulo seguinte.
CAPITULO II.
Das medidas Portuguezas desde a fundação da Monar^
chia até o Reinado do Senhor D. Pedro L
o
Senhor Rei D. Affbnso Henriques, Príncipe politico,
e muito superior ás luzes do seu Século , achando-se nas
criticas circunftancias de ser obrigado a devaftar hum Paiz
para se fazer senhor delle , e de oeftruir todas as suas iníti'
tuições , sem poder dar-lhe em troca hutna Legislação ge-
ral e uniforme , por onde se governaffe na parte civil , c
menos ainda na económica , principiou por conceder Fo-
ices ás terras a que seu Pai não tinha providenciado, e ás
que conquiftava ou fazia povoar de novo. Eftas ultimas d^
vião com toda a razão ser as mais favorecidas respectiva-
mente aos tributos , pois era o modo mais infallivel de fo-
mentar huma induftna ainda a penais nascente, e que com
9S novas acquisijões de terreno cada dia se tornava mais
oeceBkria.
Huma das maneiras por que tanto elle como os seu$
successores intentarão conseguir efte fim , ibi dando medi«
das pequenas a eftas novas povoações : efte methodo tinha
duas grandes vantagens naquelle tempo; por huma parte di-
minuía-se nellas indirectamente o tributo das Jugadas > que
^Senhor IX Âfiboso tinha declarado direito deSobcsam^^^
EcOKOBilCAS 347
reaenrado para si epara os Senhores Reis que selheseguis»
sem (i), e pela outra deixava a porta franca para se aiH
gmenur também indirectamente efte mesmo tributo, au«
gmentando o valor das medidas , logo que foíTe neceflàrio ,
ou tiveíTem ceíTado as razoes pelas quaes se lhe concedera
aquella graça. Adiante teremos occasiâo de ver provado ,
que efte foi realmente osjftema que então se seguio, e que
pareceo mais opportuno.
Náo se pôde porém duvidar que elle trazia comsjgo
muitos inconvenientes , e dava origem a mil abusos , 4
que não era facil obftar em quanto o Reino se conset^
vaíTe na inquietação em que o traziáo os seus inimigos do*
meílicos, e eftranhos. Logo que as medid^ er^o tratadas
pelo Monarca sem uniformidade alguma, e nâo havia Le^
gislação que determinaíTe expreíTamentente o seu valor ^
nem quaes erão aquellas de que os particulares deviâousar^
tomarão eftes a criminosa liberdade de alterallas ao seu
arbítrio : os Senhores das terras , muitos dos quaes tinhâo
nellas huma jurisdicçâo ampliflima , julgarão poder dar-lhes
medidas mais avantajadas y e tanto mais , que por ellas re*
cebiâo os sâus direitos : apoz eftes seguirão-se as peíToaa
poderosas >.e os grandes proprietários, que certos da im*
{)unidade accrescentáiao também as medidas dqs seus ce-i
eiros; em fim talvez nâo exagere muito quem diílèr, oub
nefta época difficUmente se poderiâo achar duas medidas
que fossem uniformes.
Coftio porém ifto pareceflè ainda pouco para enre-
dar hum objecto, que por sua natureza devia ser extre^
mamente simples , lembrarão , e praticárâo-se duas cou^
sas que levarão o cahos ao seu maior auge. Foi a primei^
ra dar appellidos diíFerentes , e por conseguinte differen-
tes valores , á mesma medida ; affim havia por exemplo ,
ITeiga de Abrabam , Teiga direita , Teiga reguenga^
Teiga de cekira , Teiga seixta, "jogundãy &c.: e a
Xx ii SC-
■I ■ I ■ 1 1 II t I » 1
(1) Nliuma Lei do SenhorO. AífoiisoIV. clç.1448 diz-M expfossamtnte <
9, Que o pumeisoRéjruddlBs Regiios de ^ú&sa Ufob^M^ar por buía «sp9<«
99 cúl titolo resemou as Jugad» pêra sy e pêra seus sucQlll0|fl9* u- ^ ^
^4^ Memorias
segunda medir por huma infinidade de maneiras divetsas;
taes como de ra2^ , de cogu/o , de ifrafo curvado , com
nsertedura y &c. Ex-aqui resumidamente os elementos ete-
logenios e complicadiflimos que formarão o incalculável sys-
tema métrico Portuguez nos Séculos XII , XIII, e de gran-
de parte do XIV,
Com tudo devemos confeíTar , que se os noílbs pri-
meiros Reis não empedirão efta desordem, também anão
augmentárao , senão na parte em que já falíamos no prin-
cipio defteÓpitulo; alguns delles derão mesmo providen-
cias muito recommendaveis quando annexavão a hum no-
vo deftricto , povoações , que tinhão até então pertencido a
outro. Aíli quando o Senhor Rei D. Diniz , para fazer o ar-
redondamento de Caminha , que de novo povoava , tomoa
vários casaes de outros senhorios ( a quem compensou em
escambo com Casaes Reguengos ) : mandou primeiro pro-
ceder pelo seu Procurador Eftevão Lourenço , e pelo povoa-
dor de Caminha Pay Eanes á confrontação das medidas que
os Povos recebião , com as outras que deixavão. (i) Po-
rém eftes casos singulares nunca tiverão huma applicação ge-
ral ; e sempre esqueceo efta providencia quando se madirâo
igualar as medidas , até ao tempo de Senhor D. Manoel ,
ou para melhor dizer do Senhor D. Sebaftião , que a man-
dou expressamente pôr era pratica por todo o Reino.
Huma prova do pouco effeito que semelhantes regula-
mentos particulares pôdião fazer contra abusos tão geraes e
arreigados he , que no Reinado do Senhor D. Affonso IV. era
tal a confusão e variedade de medidas em Portugal , oue al-
ns Povos principalmente lesados , quer em os ciirtitos
eaes^ quer em as rendas que pagavão aos particulares , se
quei-
(i) Assim se verificou que a Tei^a do Mosteiro de S. Fins de Triestas
era o terço maior que a T^ci^a Reguenga de Pena da Rainha, ondo o Mon-
teiro recebeo os Casaes : que dez Quarteins de Pão da medida R^^uenga da
Rainha faziao hum Moyo da medida de Ponte de Lima : que dezaseis T<^
f as Reguengas de S.Payo dejorla faziáo cinco Teigas ^ eAlmude da medi-
a velha de Ponte de Lima.. Os termos destas confrontações de medkiaf
«chSo-se transcriptos 00 LÍVIO do JUal Ârcbivo chimado Segundo de Inqui^
de D. ASonsQ UL
f.
Económicas. 34^
queixarão nas Cortes de Lisboa do anno de i^^i da des-
igualdade das ^Inas , e Covados , e das medidas de capa-
cidade ; pedindo ao mesmo Senhor determinaíTe que foílèm
as mesmas por todo oKeino^ único modo de se livrarem
das lesòes e incómmodõs que por efte lado padecião
Do artigo ó.^das mesmas Cortes confta, que em quan-
ta á primeira parte houve elRei por bem mandar que pa-
ra medir pannos de côr não houveíTe outra medida senáo
a á2íAlna ^ de que então se serviâo os mercadores ázCí-
dade de Lisboa ; mas em quanto ás medidas de capacida-
de respondeo que » perque efto tange a muy tos outros Con-
9> celhos , que a efto nom foram chamados nem presentes ,
y> que poderiam dizer algúas razóens se presentes foíTem
y9 perque se efto nom deuia de fazer , e algtís dos que
" aquy eram o contradicerom \ que per efto o queremos
yy ver e consyrar o que mais noflb seruiço e prol de nos-
>• sa terra for, e aíly o mandaremos fazer yy.
Efte paftb se por huma parte moftra as precisões do
Povo , e que elle eftava mais illuftrado nefta época do
que ao depois ; prova por outra parte a prudência do Mo-
narca em nao deíFerir á sua supplica por hum modo pre-
cipitado, e que traria comsigo novos malles e novas in-
juftiças. Com effeito soppofta a confusão , em que acima
temos fallado , nada havia mais impraticável do que re*
fundir de repente enl huma só , tantas e tão diversas me-
didas , sem ao menos por hum trabalho preliminar fazer
a comparação das novas com as que te alli se tinhão usa-
do. Os que poíTuiáo eftas medidas maiores , ( e forão pro-
provavelmente os que fizerão a siipplica ) aífim he que fi-
cavão pagando menos direitos , se a medida geralmente
adoptada foíTe menor como era de suppor ; quanto porém
não perdião os Proprietários daquelles mesmos deftrictos?
e quanto se não levantavão os tributos das terras aue ain-
da conservavão medidas pequenas ? he o que era oem fá-
cil de perceber logo á primeira vifta , c o em que natural-
mente se havião d^ fundar os Procuradores daquelles Con-
celhos que não annuírão ao dito requerimento»
Es-
j^P M £ MO R I AIS
Eftas considerações diziao respeito ao$ Foros , Qbtras
porém pertencião ao Rei , que não deixavão de ser igual-
mente ponderosas. Huma vez fixadas as medidas , be evi-
dente qiie se perdia aquelle raethodo indirecto de au^nsen-
tar ou diminuir os tributos , que acima vimos ter sido hu-
ma dasr causas da sua desigualdade : he bem certo que se
podião. achar muitos outros meios de supprir efta quebra;
mas qualquer que se escoliíeíTe ^ sempre o caso neceíGtara
•de ser considerado com algum vagar , e por todos eftes
motivos nada se resolveo por então a respeito das medi-
das de capacidade^
Não militavão porém as mesmas razões , nem prova*-
velmente tão extraordinária desigualdade, nas medidas de
extensão , por isso foi mais fácil determinar-se que ellas
foíTem uniformes. He com tudo de notar , que já nefte tem-
^-My:h^yf P^ osCubitos tinhão tido alguma alteração no seu nome,
P^v^r-' *^. loe talvez no seu valor , e que para a medição dos pan-
íí^^vív, ., 1 íiíos , em que sempre tinhão servido, ficarão agora subfti-
i^; i£t^^'^.^í:yí^^^ ^tXzAlna^ medida Franceza , conhecida então com
Wt^v^ GD nome de Aulne ( i) : o que parece provar que era prin»
'^^^^l-i^;^ "tripalmente com a França que nefta época faziamos o
^yi^f^^ maior Commercio daquelíe artigo,
CAPITULO III.
Das medidas Portuguezas desde o tempo dê Senhor D. Pe-
dro L até o do Senhor D. Affonso K
o
^S poucos annos que o Senhor D. Affonso IV. sobrevi-
vco áquellas Cortes , em que por primeira vez se tratou defte
objecto económico , e os desgoftos com que foi atropella-
do o fim da sua carreira , não lhe permittírão cumprir a
pronweífe que havia fbito aos Povos , nem tão pouco reflectir
com mais madureza naquella importante súpplica^ em tanta
chegou o Senhor D. Pedro I. a tomar as* rédeas do Gov«:-
^ \ "Oy
O) Tinha o valor de três pés sete polegadas e dez linhas (pc de Rei.)
E e 6 K ^ M 1 c X^s. jyt
lio , ê continuando ainda os mesmos damcÁ^es^ , efte Prin'
cipe que se prezava de jufticeiro, e a quem poucos obfta*
culos crâo capazes de fazer mudar de resolução, mandou .
finalmente uniformar todos os pesos e medidas do seu Rei*»
no.
He para sentir que não exifta , ou ao menos não tenhl
ainda podido dcscobrír-se o Diploma em que iflo se de-
terminou , a pezar do que não deira o facto de ser cons*
tante , baftanao para iílo , ainda quando não houveíTcai
outras provas , a auctoridade do Chronifta Fernão Lopes ^
que aíTim o refere no fim do seuCap. 5'.°, em quanto aos
pesos e medidas de Pão. Eftas ultimas segundo num Alva-»
rá do anno de 1361 , citado pelo Sn Fr. Joaquim de Santa
Rosa de Viterbo , forâo mandadas afilar pelo Alqueire de
Santarém ; porém como efte Alvará não trata da matéria
senão incidentemente^ deixa-nos na ignorância de todas as
providencias de que aquella pfímeira Lei foi accompanhada. ^ tf
A respeito daí medi(}as deliouidos confta-nos por huns ^^ [Íí*J^%^
Artigos especiaes das Cortes de Evora do anno de 1361, ^ '^/í^^^^^^Sí^^
dados a requerimento do Concelho do Porto Contra as Jus* ;:'"'-. '^ '^
tiças do Reino do Algarve (i), que todas as medidas ds^*; / ■
vinho forâo mandadas regular peloAlmude de Lisboa , o^ ^i";.!-
aual segundo se vê daquefle Documento era então dividi- ''' 4*i^^'
Qo, c subdividido por dous , até a sua Ínfima espécie, de
maneira qutf havia medidas de AlnHide , meio Aimude , qaa*
-tro Dinheiros , dons Dinheiros , e hum Dinheiro , a que dá*
vão o nome^generico de Dinheíradas , e dos quaes pdrcooí
seguinte cabião de^sassis ^m o Álmude.
Em quanto aos pesos sabemos, náo só por aquelles
Aggravamentos especiaes, mas pelo artigo oitenta das mesp-
mas Cortes , que já anteriormente se tinha ordenado quç
todos elles foílem de ferro , e não de pedra , cujo uso es-
tava então geralmente introduzido , sobre tudo em certas
matérias, como carne, Iam, e linho , &c. Determinou-se
também que todos eftes novos pesos de ferro fóíTem mar-
cados e afferidos pela Arroba da Cidade de Lisboa j epro-
. Jií-
CO P^aoiinho volante daCamera do Forco ^ N.^cccixxx*
f\i
'jfZ MCMO&IAS
hibirâo-se os Arráteis chamados folforinbos , que depois
com tudo tornácao a ser permittidos naquellas Cortes para
o peso da carne , por se queixarem os Povos do detrimento,
3ue reCebiáo com os novos ; mas debaixo da expreíTa con-
ição de serem daquclies folforinhos por que se pesava em-
Santarém (i).
Já que a occasiâo nos convida , e vifto não termos
até aqui fallado expreflfamente nos pesos Portuguezes , di-
remos agora que elles paíTárao pelas mesmas alternativas
porque vimos terem paíTado as medidas: que de princí-
pio usarão os noílbs da Libra Romana , a qual como todos
sabem era dividida em doze Onças ; e que depois ficarão
regulando principalmente os pesos Arábigos , cujas denoroi-
nações até hoje se conservarão , pofto que os valores sgâo
muito differentes do que erão na ^ua origem. AíSm o Quin-
tal he hum peso Africano , que se dividia em quatto par-
tes chamadas Arrobas ( do v^rbo rahbaà dividir em qua-
tro) cada huma das quaes tinha trinta e dous Arráteis ,
3ue igualmente se dividiâo em trinta e duas Onças; vindo
efte modo a Libra , ou ametade defte Arrátel , a conter
dezaseis Onças ^ em vez de doze , que tinhão as dos Ro-
xnanos.
Deftes pesos Árabes e das suas divisóes , se usou por
muito tempo em Portugal ; e ainda até agora não foi bem
liquida a época em que foiao pela primeira vez prohibi-
dos y reflectindo porém naquelle Artigo das Cortes que dei-
xamos copiado, parece fôra de toda a dúvida que no Rei-
nado do denhor D. Pedro L he que efta mudança teve \\x%tkT ;
pois
. (i) Ex-aqui o Artigo extrahido destas Cortes : „ Item ao que diziam no
%o artigo , que os Poboos da nossos Regnos hu hauia arratees folForinhos
nos pediam per merce , que mandássemos que tornassem a pezar per eUes as
carnes , ca entendiam que per estes nouos as hauiam mais caras , e nom fa-
tiam a sas companhas mais auondamento que per os primeiros. A efte arti-
go respondemos que nos pias de lhes fazer en eílo mercee , pois que o elks
ham per sa prol , e mandamos que efto se guarde em todo nosso Senhorio »
em aquelles lugares hu coílumam de vender as carnes a pezo , e sejam os
foiforinhos d'aquelles per que pezauam emSantaiem ante que nos defendes-
aemos que nom pezassem per elles ^i
Económica js. 35*^
pois de cubo modo nao se poderiao explicar as queixas
dos Povos , que seriâo frívolas e ineptas , a não se ter fei-
to outra alteração mais, do que mandar conítniir de ferro
os mesmos pesos , que até alli erao de pedra , ficando as
suas divisòes e valores no mesmo eftado ; e seria igual-
mente fútil a determinação do Rei , que lhe permitte em
parte tornarem acuso dos antigos Arráteis y^^^/Vr^&^j (i\
Poucos deftes regulamentos do Senhor D.Pedro L ficarão
permanecendo no tempo do seu Succeflbr: a causa princi-
pal difto parece ser, que tanto as medidas de Lisboa , como
as de Santarém , que se tinháo geralmente adoptado para
Padr6es das outras, erao ambas de grande capacidade (2) ;
e como não tinha havido reducções preliminares , para se-
gundo ellas se continuarem os pagamentos e outras transac-
ções , veio dalli a resultar o inconveniente que já acima
ponderámos; augmentárão-se a hum ponto exceílivo os tri-r
butos de muitos Povos , que eftavâo na poíTe de ter me-
didas pequenas; e os clamores deíles forão geraes, logo
que chegou a primeira occasião de poderem fazer subir
as suas vozes aos pés doThrono.
As provas do que até aqui temos expofto , achão-se nas
Cones celebradas pelo Senhor D. Fernando em Lisboa no
anno de 1372. As expressões , com que os Procuradores dos
Concelhos se queixárao, são baftante amargas, porém di-
Tam. V. Yy to-
(1) Não he possível determinar bem o que se entendia por Arrateis^a/Zi-
nVjAi)/ , ou para melhor dizer o que exprimia aquella palavra. Se eft es Arráteis
erãocom effeito Árabes, como tudo nos leva a aer, parece que a significação
daquelle adjectivo se devia dedu? ir ou dos Povos de quem tinhâo sido ado-
ptados, ou da matéria de que erão conftruidos ; no primeiro caso he-nos
desconhecida eda significação : no segundo lembra , que sendo as pedras de
que se coílumão fazer pesos , de natureza SiUciosa , c das mesmas de que se fa-
zem as mós, que hoje chamão urzeiras; (porque as outras qualidades de pe-
dra , humas são pouco vulgares, outras de mui fácil alteração) podiâo com
fandamento chamar a estas mós Jiilfarinhas (òtjarfur ofarello) e assim os
pesos conftrui^os da mesma qualidade de pedra , conservar ião o mesmo appel^
lido, que depois se eílenderia a todos os outros daquella matéria.
(2) A^im como as terras pobres, ou novamente [X)voadas tinhâo peque-
nas medidas , pela mesma razão as populosas , e bem cultivadas deviío teb
las jiandes 3 e neíle caso eftavSo tanto Santarém , como Lisboa.
^f4 M B it o H f A s
tosa a Náçâo quando as vozes da verdade chegáoâosôiH
vidos do Monarca , e quando elle não tem dúvida em i^
perir eftes mesmos queixumes , para lhe dar Iiuma pronta
providencia !
Eis-aqui pois as palavras do mesmo Rei em o Arti*
go 35^ daqueilas Cortes , ») Que os Poboos consenti*
» rom em alguõs lugaares em pagarem certa jugada de
>9 pam , perque a medida que entam corria era mu/
u pequena , depois defto os Reys que ante noos fbrom
M f5ízerom mudaraento de medidas acreíTemtando cm t\k$
>» cada uez ; e por lhes reíFertarem e a noos iíTo mesmo,
19 que nom erom theudos de pagar senom pola que cor*
» ria ao tempo que llies o foro fora dado , elles nem noos
9f nunqua en aquello quezemos oihar,leuando deilesoseu
» sem razom , o que foi e he em dampno de suas almas e
» noíTa , e pediam-nos que foíTe noffa mercee de olhar-
»> mos per ello , e mandaíTemos que a paguem pola medi-
^9 da Que corria ao tempo que Ines o ai to foro foi dado.
9% A eíte artigo respondemos que aquelles que moftrarem
» os contrautos que forom feitos , ou alguú foro , e en-
tf tenderem oue som agrauados contra a forma do con-
S9 trauto ou foro en eílo que lhes demandem , que lhes fa-
» rom direito >>.
Não sabemos exactamente por que modo se determi-
naria fazer efte direito aos intereíTados, mas he certo que
em Documentos próximos áquelia época são frequentes as
expressões do medida nova , e medida velha , o que pare-
ce provar que d^humas e d'outras se usava proinisçuamen-
te ; resultando daqui , que se por hyma parte o povo não
ficava lesado , pagando os seus djreitos pelas antigas me-
didas, pela outra cuftava-lhe bem cara aquella concessão,
pelas fraudes e abusos , que deyiâo resultar defta multipli-
cidade de Padrões.
Não era porém efte o único caso que exigia hum pron-
to remédio : no Artigo 73 das mesmas Cortes , queixíwo-se
novamente os Povos de que mijitos Particulares, ç princi-
palmeate osDerigos e os Fidalgos ^tiahao ititro4u»do me*
4i'
EOONO MIGAS. ^jrjT
didas novas e falsificadas , de que se servião em os seus
celleiros. Efte indigno abuso da autoridade , e usurpação
dos Direitos Mageftaticos , foi devidamente cohibido de-
clarando o Monarca : » Que sempre se cofhimou oae os
99 pesos e as medidas som de jurisdiçom real , a qual noos
99 oamos aas Villas e iugaares no começo da sua pobra »
99 como he noíTa merceej ca a huas damos mayores e a
9» outras menores , e que os Poboos nom as podem ma-
99 dar sem mandado do seu Rey ; e dez que llie som djH
99 das pafla a jurisdiçom delias ao Concelno 99.
Pouco temos que accrescencar ao que fica dito respecti*
vãmente aos dous Reinados dos Senhores D. João L eDom
Duarte : efte ultimo durou muito pouco tempo para delle se
poder esperar alguma refórma em hum objecto , que ca*
ca dia se tomava mais complicado , pela inobservância das
Leis que o regulavâo ; e o primeiro tendo dado providen*
cias sobre elle , foi depois obrigado a repor tudo no me»*
mo eftado, em que o deixarão os «.eus anteceíTorcs (x).
Náo podemos descobrir nenhum dos Diplomas em que^is*
to se manda executar , mas tudo confta de hum Artigo
das Cortes de seu Neto o Senhor D. João II. que abaixo
transcreveremos , quando tivermos chegado ao seu Reina*
do.
Yy ii CA.
O) Isto he a respeito das medidas: nos pesos corregio elle o abuso, qutt
subsistia a pezar da Legislação do Senhor D. Pedro I. Eis-aqui o Artigo 6.° das
Cortes de Coimbra do anno de i ^91. „ Item que se huza em estes Regnof
,', pezar Iam e Ifnho per huil pezo a que chamam Fedra , e tsú he elJé de
9, pedra; eem higaare$ he maior que noutros e os mercadores que tm esto
^ txataip , per mingoa dos pezos iguaes fazem seu darono, e noos perdemos hf
9, muyto,perquè compramos muyto linho pêra nossas galees^ epediram-nos
99 que nom pezem per Pedra , mas pezem per arrobar e sejam de ferra A
f^'«ste Capitolo respondemos que pedem bem, e faça-se.
3fí .Memorias
CAPITULO IV.
Das medidas Portuguesas nos Reinados do Senhor D. Jf-
fonso F. e D. João II.
Emos chegado á época etr\ que . a Nação Portugueza
principiou a apparecer com novo luftre aos olhos da Euro-
pa , e em que o Senhor D. AfFonso V. herdeiro das virtudes
de seu Pai , continuou a polir os coftumes de seus ValTal-
los , a dar-lhes o conhecimento das Letras , e a pôr a Ad-
miniftração pública em hum pé mais respeitável do que ti-
nha eftado até aquelle tempo. Na verdade as Leis promul-
gadas pelos seus AnteceíTores em diversas épocas , e por
diversos motivos , eftavão parte delias em desuso , e outra
parte não era conhecida; a Nação não tinha hum Código
por onde se regeíTe , e efta grande obra , que de dia em
dia se tornava mais indispensável , e que já tinha sido
principiada pelo Senhor D, João I. , não poude levar-se ao
fim senão no anno de 1446 , ifto he , reinando o Senhor
D. AffonsoV. . . . . ,
Nefta compilação pois , em que se contemplava tão
cxpreíTamente a parte económica da Legislação , não po-
dia esquecer o oojecto das medidas , principalmente tcn-
do-se á vifta tantos Documentos antigos e modernos , que
lhe dizião respeito : por iíTo em o Liv. I. Tit. y.® §. 35.
e seguintes se trata individualmente do que pertence á ar-
recadação dosPadrfíes nos Concelhos , á afferição das me-
didas para uso público e particular , e ás multas em que
incorrem aquelles , que ou não fizerem eftas aflèriçôes a
teppo 5 ou usarem de medidas falsificadas : tendo-se po-
rém dado todas eftas providencias secundarias , he muito
para notar que não se diíTeíTe huma só palavra no ponto
principal , e que tantas conteftaç6es tinha motivado ; a sa-
ber , se as medidas fícavão iguaes y ou se se aprovava a
sua desigualdade.
Es-
E c o K o M I c A s. 357
.He bem evidente que eftá omissão nâo podia ser fi-
liia do acaso , mas sim da. reflexão : não que o Monarca ,
conhecendo melhor do que ninguém os abusos que graíTa-
yão pelos seus Domínios, não desejaíTe eíiicazmente dar-
Ihe remédio ; mas poraue inftruido pela experiência do que
accontecera a seus FreaeceíTores , e receoso de se ver talvez
guinda obrigado a revogar as suas Leis , como tinha succe*
dido ao Senhor D. João I. determinou dispor antecipada*
mente, os animosi para e;^a reforma , ou para ipelhor dizer
introduzir pouco á pouco â uniformidade de medidas , ao-
tes que Lei alguma o tiveffe expreíTamente determinado.
, £m O §* 33* da Ordenação acima citada , manda-se
99 que quando elRey fízer mudança de hum lugar pêra ou-.
99 tro^, haja o Corregedor da Corte húa beíla de albarda
>» pêra trazer os pezos e medidas que ordenados som que
99 com sigo haja de trazer >>: o que tinha por íim fazer
aíFerír por eftes pesos e medidas , os do^ differentes des-
ftrictos por onde elRei paíTaíTe : e como naquelle tempp
os noflbs Monarcas viajavâo por todo o Reino , não tar-
darião muito em ficar igualaoos os principaes Padrões ,
antes mesmo de haver ordem expreíla a efte respeito* O
prcíjecto era b^ftante plausível , e promettia hum êxito fe^
lizy porém aíTim mesmo ;veio a falhar.
A Provincia da Beira foi aquella aonde elle princi-
piou a pôr-se em pratica . . . Porém deixemos fallar os
Povos ou os seus Procuradores, que nos referem efte suc-
ceflo no.,Cap. 7.. das Cortçs de Lisboa de 14$ S i f^^^^ se*
guintes palavras» « Outro sy Senhor as uoífas Qdades e
>9 Villas da Comarca da 3eira direitamente teueram senv*
» pre os seus. pezos e medidas j as quaes eram grandes c
>> boas e de que todo o pouo era bem contente ; e quando
>> ora uoíTa Alteza foy aa dita Comarca o uoíTo almotace
>> moor polo gramde proueitoque dejlohouue mandou viir
99 perante sy as ditas medidas que cada htiu Concelho tinha,
9» as quaes mandou britar e fazer outras , que foflem còrta-
» dasperbõu padram que asy trazia , o qual era mais peque-
99 no que. o que asy tínhamos y polo qual nos soccorrcmos a
» uos-
3fS Memorias
n uoffa Altejsa e per uoflo Alvará nos mandaftcs que hou-
>9 uefremoB pezos e medidas que asy antes huzavam ate aas
T9 primeiras Cortes que fizefleis pêra coitegerdes entom , o
f> que Senhor vos temos em muy grande merece. E per
99 que Senhor pêra todo o comum he mais proueito os
M ditos pezos e medidas serem grandes, antes que peque-
y> nas, vos pedimos per mercee que todos huzemos pçlos
f> pezos e medidas per que antes kiízauamos , e que cada
9» nõa cidade aífim^como a cabeça de Almoxariédo que
99 tenham pairam per que todoilos do dito Âlmoxaiifado
99 venham aa dita Cidade ca2iitar e aíEgnar os ditos {>e-
9f zos e medidas , nam huzando per outras nenhúas sobre
99 certas penas , e afly viueremos todos per regra >9.
Efta representação não fez desanimar eÍRci da sua
emprezà , mas moveò-o a alterar o seu primitivo plano de
feer todos os PadrÒes uhifSrmes , e por iíTo respondeo que
99^ qual haueram' padr6^s todalias Vilíaâ e lugaares do Bis-
99 pado da dita Qdade. Item o Porto per seus padrões ,
99 da qual haueram padrões todallas Villas e lugaares do
99 Bispado da dita Cidade. /í^w Guimaraens per seus pa-
99 drões da qual haveram padrões todallas Villas e lu-
99 gaares do Arcebispado de Braga. liem Ponte de Lima
99 per seus padrões , e delle haveram padrões todallas
99 Villas e lugaares dantre Lima e Minho. Item todoilos
99 lugaares dantre Tejo e Odiana haueram padrões de pe-
99 zos e medidas pelos padrões de Santarém. Item todallas
99 Villas e lugaares do Arcebispado de Lisboa per o pa-
99 dram de pezos e medidas de Villa de Santarém afora a
99 dita Cidade e seu Termo que hamde ter seus pezos
99 com os lugaares que sempre seus pezos tiveram ; a sa-
99 ber Alumquer , Torres Vedras , e Cintra , e Çascaes , c
99 Collares e Mafra , eChilleiros, is Aceiceira. I/^f» o Reino
do
9> 30 ATganie terá padrões de pezos e medidas pelo da
o Cidade de Lisboa*^ Itmt a Odade de Vizeu e Lame-
99 go , e da Guarda cora os lugaares , e Villas de seus Bis-
99 pados terão padròes de pezos e medidas pela Villa de
99 Saatarem , e dos ditos pezos e medidas terees em as
99 Canieras das ditas Cidades e Villas e lugaares padróes
>» afly como vos he mandado pêra por elfes liaueres dç,
79 prouer e consertar os pezos e medidas per que se a ter^
99 ra liade reger e gouemar , em maneira que todo o efra
99 e malicias que em os ditos pezos e medidas for acha-
99 do se poffa corrcger e emendar , e daannos pena áquel-
99 les que em ello huzarem como nom deuem. E quando
99 Quer que o noflb Alraotace moor andar polia Terra man-
99 aainos que poíTa prouer os -ditos pezos ^ e n.edidas, o
99 aual executará as penas em aquelles que o noíTo man-^
99 dado nom cumprirem. Outro sjr mandamos a uoop das
99 Cidades , e Villas , e lugaares que hyenuieis aa noíTaTor-
99 re do Tombo" que eftaa em a dita Cidade de Lisboa oijf
99 tros taes padrões como eíTes per que vos bauees de r©
í9 ger e aos das Camerns dar, para em ella hu§arem pej
>9 se nam seguir em nenbuu tempo semelhante duuida,-
^9 os quaçs mandamos que sejam marcados com as mar^
99 cas das Cidades ou Villas , e dos pezos que aíTjr enuiap-
99 dcs nos enuyees vofla certidam pêra sabermos como as
^9 enuyaes. 99
Se ifko não. era uniformar todos os Padrões do Reino ,
era ao menos eftabelécer legalmente o numero de seis, por-
que todos os outros se devião afferir ; no que se dava hum
grande paíío para a sua futura regularidade: mas, como já
diflemos , nem por iíTo aquclla primitiva idéa ficou aban-
donada , antes subindo ao Throno o Senhor D. João II.
ella tornou a reviver, e o que mais he, a requerimento
dos mesmos Povos nas Cortes de 1481 , Qnd.e se detexnúnou^
que todas as medidas íbilem da mesma capacidade (i), e
pou-
^r^ar^^'^
(1) Consta i$tQ pc>loAKtigo cboCortQs de 149O9 que logo referiremcs. jKe
porém cb notar q^. n^ pfiáHQÍras Ck>rt os , priocipi^as «m Évora. em 1481 ^
acabadas cm Vianna dapar d'Aivito no seguint«t sM^fK),i;^o. $ç isiicoaira Vxsd^
3^0 .^ M B lí o R I A * '
pouco depois por Provisão de 14 de Outubro de 1488^-
que todoâ os pesos^ se iguâiaíTem d'ahi em diante pelo
Marco de Colónia, (i) •
Efte ultimo Documento , extrahido do Cartório da Ca-
mera do Porto pelo Sr. João Pedro Ribeiro , ( a quem a
Pátria he devedora dò conhecimento de grande número
das suas Ântiguida^des , e nós. em particular de muitas noti^
cias para eftas Memorias) indicava no seu original quai era
o Marco de que té então se usava , mas desgraçadamente
efte nome acha-se rasgado , e ficamos na ignorância de
qual elle era ; sabé-se tão somente que eftas duas deter-
minações , durarão pouco tempo , ficando a segunda em
inobservância, e sendo a primeira revogada pelo mesmo
Monarca , em consequência de novos requerimentos do seu
Povo 5 os quaes a pezar de serem-absolutamente fúteis,
não podemos deixar de os trasladar do Cap.'30, das Cor-
tes de Évora d& 1490.
99 Outro sy uoíla Alteza nos annos paíTados determinou
99 em eftes uoflbs Regnos seerem as medidas do pam e ui-
,^9 nho em huma igualeza, nam menor húa que outra oque
}9 Senhor he mui odioso á geralidade da gente proue, e
' )» d'outro pouoo , per seerem imii baxas medidas*; eo danh
99 pno Senhor he que as nouidades que a gente mais gas-
99 ta he centeio , milho , e pam , e alTy uinho , azeite j e
99 pofto que as ditas medidas baxaíTem , eftam as gentes
•'> em tal foro que se nam querem emendar aos preços,
99 per que tanto se ieua agora per huu alqueice de pam
99 e almude' de uinho pollo que he medida baxa , quan-
» to
■ ■ - - ■■ --■ ^. ■ ■ .-■■--■■ - —
a este respeito , sendo assim provável que isto se regulasse em alguns Capí-
tulos especiaes ^que ainda não foi possivel descobrir.
(1) Algumas pessoas se persua^liráo que este Marco de Colónia era oqucanv
da hoje nos governava ; porém adiante veremos que os pesos actuaes são a
do Senhor D. Manoel ^ e nSó òi do Senhor D. João IL : além disso o Marco À
Colónia reparte-se por modo different<: do que o nosso , pois contem S ccça
;r3 1 6 loto =64 guintaef =2^6 pfcnnin^s *£ 5 1 a hellers &c. ; o seu mesff ^
valor he diverso , pois sendo avaliado em kihgramnias dá o, 3 n^v ^"^ quar>
o nosso Marco pela mesma avaliação, dá o, aap) , sendo assim meooí4*/
Gramtnas do que o primeiro.
j
E G o H o M I G X S. 3(^1
it to se leuáua quamdo eram grandes; eonde hufi homem
M gouemaua sua casa com três e quatro mil reaes decom«
9j pra de pam e uinho per huu anno , nam lhe abafta seis e
M sete mil reaes pelo abaxamento das ditas nouidades(i);
99 e ainda abrange efte dampno aos caminhantes e gente
>f proue que comem e bebem das tauernas , que se soyaoi
99 de manter com quinze reaes per dia se nom manteem
99 agora per vinte esinco reaes. Eefte proueito, Senhor,
» he dos Abades e Prioles , peíToas que moiçóes tem pe-
>9 ra vender e aíTy dos Almocreeues Caftelhanos que seu
>» pam uem uender a eftes voílòs Regnos, e a geralidade
»> da gente proue padecem sem nenhuu intereíTe que del-
19 lo uenha a uoíTa Alteza ; e ainda he muy damnoso a
91 voíTos cortczãos per comerem continuadamente da pra*
99 ça. Seja uoíTa mercee mandar coireger efte dampno e
11 que as Cameras e outros lugaares tornem aa medida (2)
11 per suas antiguas medidas, affy como antiguamente ca-
99 da huú lugaar e Comarca tinha , ally do pam como do
11 uinho e azeite. Porque se acha Senhor, que ElreyDom
11 Joam uoílb Bisauoo fazendo corregimento aa cerca das
11 ditas medidas em eftes voíTosRegnos lhe fbi dadatan-
11 ta lezam e perda que se seguia dello , que mandou que
11 se nom fizeíTe nennuú mouimento nellas. E bem aíTy
11 Senhor que uoíTa Alteza mande que os pezos se tor-
11 nem aos antigos , perque per eftes se fazem muytos con*
11 Iiivos, eouoíTo pouoo he per elles enganado. E se ai*
99 guas penas uoíTos pouoos per efto incorreram , uoíTa
11 -Alteza lhas haja per releuaoas, e teruollo*ham per muy«
11 ta mercee. >i
Toda a razão tinhâo aquelles Povos de pedir a ei«%:
Rei , que lhe relevaíTe as necedades que acabavão de pro-
ferir ; sao ellas tão evidentes , que parece incrível co^
mo homens que tinhão senso commum podeflem cahir
naquelles absurdos : o preço de hum género depende da
sua abundância , e do seu consumo , e nunca das medi«
Tom K Zz das^
(O Parece ser erro, e que deveria dizer m^Maf,
00 f a^Ge deveria dizer a mtdir.
í
^^ MfiMOKIAS
das ou pesos porque se vende ; se os proprietários ounego^
dantes , sendo em pequeno numero , se aproveitarão defta
alteração para levantar o seu valor , encorrerao no aime de
SK)nopoliáas , do qual tirarião apenas hum fructo momen-
tâneo , pela facilidade de outras peflbas poderem comme^
ciar no mesmo género , que tanto lucro Ines deixava : além
de que , se quando as medidas se tinhão feito pequenas efies
contratadores levaiâo o dolo ao ponto de não aDaterem os
preços dos géneros , e ifto com toaa a impunidade ; quem os
^Embaraçava, tornando-se ellas outra vez maiores, de se ser-
Tirem defte pretexto para augmentar os preços dos mesmos
géneros ? Porque seria nefte segundo caso a Policia mais vi-
SUante do que no primeiro ? Em fim nada ha mais ridiculo
o que fazer depender a escacez ou abundância do tamanho
das medidas ; que felices não seriâo os Povos se por efte meio
foík poífivel aDaftecellos , c dar-lhe por pequeno preço os
géneros de primeira necelHdade !
O Senhor D. João II. tinha muitas luzes para nãoco*
ahecer eftas verdades , e por iílb em quanto aos pesos não
£gou diíFerida aquella supplica indiscreta , mas peio que
toca ás medidas respondeo elRei »» que dfta cousa foi or-
9f denada nas primeiras Cortes que fez quando per graça
99 deDeos regnou, ao requerimento de seus pouos; porém
M que uiAo como geralmente todos agora neftas Cones lhe
M tornam a pedir o contrayro y ha por bem e lhe praz que
pf as Comarcas dantre Douro e Minho , e da Beyra , e de
99 Trás los Montes tenhão as medidas que tem a Cidade
tt do Porto y e por eilas apadroem ; e que nos lugares das
99 ditas Comarcas que som cabeças de Almoxaritado eftee
•9 O dito padram pêra dehy os outros lugares hauerem as
P9 ditas medidas , e mais lhe praz que sejam de cogulo
P9 geralmente em seus Regnos como sohyam de ser: eque
99 eftas mesmas medidas do Porto tenha o Regno do Al-
99 game e a Villa de Setuuel e que o padram delias efteè
99 na Cidade de Sylues , e que dehy sejam dadas aasVi-
99 las e lugares defte Rej^o. E manda que aíi^ se cumpra
99 e jguarde daquy em diante* >>
BeoirotticÁ^ g^jf
Ainda pois aue nas medidas se náo cumprifTem total-
mente os desejos aos Povos , sempre fica manifefto ^e con«
seguirão pelo menos ter dois PadrÒes legaes , o primeiro o do
Porto para as três Provindas do Norte, e para o Algarve,
como fica dito ; e o segundo para as terras do Âlemtéjo
e Eilremadura , pois por iílb mesmo que a Lei não falia
fiellas, he provável que se fícaíTem remia ado pelo Padfâo
de Lisboa. Porém a alteração que os rovos pnncipalmente
conseguirão foi , que as medidas de capacidade que ante^
riormente se tinha determinado serem de rasoura , foflêm
agora de novo mandadas fazer de cogulo , idéa extravagan-
te , a que o Povo deo sempre somma importância até aosf
noílbs dias, eque ainda se pratica em muitos lugares (i)'
a pezar das Leis que pofteriormente o prohibMo y mas que
sendo hum mal , por serem aflim as medidas muito maisr
incertas , he-o com tudo muito menor do que ficarem sub«
siílindo legalmente seispadròes diíferentes , como tinhaí
deixado o Senhor D. Afi^nso V.
C A P I T U L O V-
Dos pesos e meiâias nú Reinado io Senhor D.Manoel.
E
r M todo o espaço de tempo , que até aqui ^emoa coiv
rido 9 vé^e sempre incerta e fluctuante a noíTa Legislaçáo a
respeito da uniformidade e capacidade das medidas \ e
observa^-se ainda , se he pofiivel , huma maior inconftancia
iio espirito publico , que quasi ao mesmo tempo as dcsga^
ya já grandes já pequenas , já iguaes já desiguaes. Se o
vdBo ^iz nefte período se tiveíTe applicado tanto ao Gom-^
meccio como ao depois fez , he bem de crer que as idéas
Zz ii se
p ■ ■ p. ■,.■■ , 1 » I W < . .1 f I »
(i> Ha stnda mttíto» d^Rncoos em que faes etaes géneros oíose iQeckm
senão de cos^tlo : hum dos lugares em que e$ce abuso efíá geralmente ^T\t^
troduzido he na Comarca deGuimaráes, onde todos os legumes são medido$
de cogulo; o meima accontect no Aiganrc, excepto os grtos que- al!i da
3:^4' Memouias
se fixaíTem mais sobre hum objecto, que então seria repu-
tado do maior interefle , e que as providencias folTem mui-
to mais perrrianentes ; porém a indole e . os coftumes dos
Povos , principalmente na infância da Monarchia , erao
bem diversos do que o forão ao depois. Separados peia
sua posição topográfica de quasi todo orefto do Mundo,
havia poucas neceíEdades reaes ou íicticias , que os ligas-
sem muito eftreitamente com as outras Nações : as virtu-
des domefticas e chriftãs íàziao o Rindo do caracter Por-
tuguez ; sedentário por natureza , pofto que valente , a
guerra d'Espanha era quasi o único eftimulo , que os in-
citava a deixar os seus Lares por algum tempo : como
o luxo era pequeno , o numerário escaíTo , e a Corte an-
dava sempre volante, não tinha ainda crescido muito aQ-
pitai , nem devorava como ao depois o sueco das Provin-
das ; além diíTo eftando ellas entào proporcionalmente mui-
to mais povoadas do que agora , nellas se consumião quasi
todas as suas producçóes , cproduzião o baftante paia o seu
consumo. Em hum Paiz onae~ os homens são íhigaes, esub-
siftemdefta maneira, importa menos que as medidas das di-
versas Comarcas sejão desiguaes , vifto que ha poucas occa-
8Í6es desahirem os géneros de hum certo e limitado recin-
to; e que sejão de cogulo ou derasoura , vifto ser a boa fé
^uem as mais das vezes preside a quasi todos os contraaos.
Mas efte eftado de cousas tinha já mudado muito de
figura, e o noílb Comitiercio apenas nascente nos Reinados
do Senhor D. AíFonso V. e D. João II. principiou logo a
dar paíTos agigantados ; os regulamentos de que elle de-
pendia principiarão também a melhorar-se; em fim lançar
rão-se os alicerces da gloria e prosperidade Portugueza,
cujo edifício devia acabar de levantar o feliciíEmo Rei
D. ManoeL He muito para sentir que huma sabia penna
não tenha descrito ainda individualmente o Século defte
Monarca , mais brilhante para nós do que o não foi para
a França o decantado Século de Luiz a IV. AsSciencias
t as Artes apparecêrão como por encanto ; o Commercio
. externo levantou orgulhosamente a cabeça ^ eftendeo os
«
E fi c k o M 1 c A s. 36y
braços , e conduzio a Portugal todas as preciosidades da
Oriente ; o Tejo vio^se coberto de navios nacionaes , atri-i
pulados por homens de todas as Provincias , aue corriâo á
Capitai attrahidos pelo amor do ganho , pelo da gloria ,
e até mesmo pelo da Religíáo.
Efta áfHuencia de Nacionaes era accompanhada da
dos Eftrangeiros , incitados pelos mesmos motivos ; e efta
concurrencia engrandeceo Lisboa. O consumo de géneros ,'
que se fazia , tanto para os seus habitantes , como para o
abafteci mento das Armadas, foi prodigioso. Todo o Reino
se vio na precisão de enviar o seu cxpeíente ouoara os por-
tos marítimos , ou em direitura á Capital ; e efte exceden-
te tomava*se maior á proporção da facilidade , que os La-
vradores acha vão em lhe dar huma pronta e vantajosa sa-
bida. Âílim as relaç{$es dos Povos vierâo a ser mais ínti-
mas, e os contractos mais frequentes. Como Lisboa- era
o centro de todas eftas transacções , e ellas se fàziâo com
pesos e medidas , difficilmente podia subsiftir o regula-
mento do Senhor D« João IL que tão pouco tinha genera-
lisado aquelle Padrão; e íicava sendo manifefto que não
erão ás medidas do Porto , mas sim ás de Lisboa , que
todas as outras se devião referir para a facilidade do Comr«*
xnercio , e da Escripturação mercantil.
Não escapou ifto á vigilância do Senhor D. Manoel , e
aífim na nova compilação de Leis que promulgou, trata
com toda a extenso defta matéria. Km o Livro I.*T, if.;
das suas Ordenações manda elleexpreíTa mente desde o §.24
até o 29, que todas as varas e còvadbs, pesos e medidas
sejão do mesmo tamanho das da Cidade de Lisboa , e que
eftas ultimas íiquem de cogulo ; determina que as mediaas^
particulares sejao aiferidas duas vezes por anno em Janeiro,
e Julho , e regula as penas dos que contravierem a efta« or-
dens , ou falsificarem as suas medida^. Em o §. 30 e seguintes
nomea os pesos e medidas, que cada Gdade eVilIa deve*,
ter, attendendo niflb ao numero da sua população, diz á
modo por que os Padr6es devem ser guardados nos Con-
celhos , que peíToas particulares sejão obrigadas a ter pe--
SOS :
^66 MsMoittAS
tos e medidas , e quaes eftes devão ser ; em fim di toáãi
as providencias para que eHe ramo económico se conser-
re debaiio de httfim admimftraçâo regular, e uniforme.
Grande parce deftas providencias ainda por entâó fi-
cou baldada a respeito daa medidas da capacidade, por ter
faltado y ícomo: das outfss vesies ^ hum trabalho prdUnúnar em
que se determlaaãe a proporção das medidas velhas com as
Inovas ; nao ^ue efte recpiisito tiveíTe esquecido , pois segundo
parece elRei o encommendou a Fernão de Pina , que tinha
azo de o fazer em hum tempo em quie corria o Reino todo ^
incuo^ido da. seforcna dos Foraes àme ; mas sim porque efte
honiem , a quem se não pode negar luima grande activida*
de e diligencia , fez tudo tão precipitadamente e com tão
pouca exactidão y que bafta dizer que no Foral dado á
Cathedral de Lamego declara , ff cps duas medidas velhas
^^ J^azem hixva al^eire da medida corrente , a saber, leva
^fV^nis hutti punhado 'r: em muitos outros Foraes nem
iík^ mesmo se especifica.
^Á^% O ^^^ succedra aíBm com os pesos , pois com efieito
í^èfiegárao a uniformar-se por todo o Reino , c são os mcs-
^mo3 que ainda hc^e nos servem. As providencias dadas
aateriormence pelo Senhor D. João II. tmhâo , como diffe-
mos , ficado quasi sem eíleito , por iífo o Senhor D. Ma-
noel por bun» Grcular de lo de Março de 1497 (i) man-
<k)u as diSèrentes Cameras , aue lhe enviaíTem peífiias ca-
pazes de conferirem sobre eáa matéria ; as quaes com ef-
j fei-
] (O £ís-«qui a Carta que fof para a Cidade do Porto, tirada do Livro
antigo das Prov. da Cam, do Porto foi. 1 1. „ Juizes eOfíiciaes da nossa Ci-
9, dade do Porta NosElrey uos erguíamos muyto saudar. Vos fomos om kifor-
,^ mados per algtfu pcsscns que os poucs de nossos Regnos ceoebiani muTtt
,^ perda e dapno per caso dehy hauac pesos de muytas naaoeiras., edif{eien-
^^ çns assl os da carne , e marcaria , liuras de s:da e pedras de linKo e de laro ,
^ como outros maytos pesos d'outras cal idades, epor quanto nos queremos
,,- nello inttendâr , e ifto he couza de grande suílancia , nos parccoo htm en-
,, uiardfs a nos h0*»nn dessa Cidade , qae o milhor entenda psr» com elle e
^y com. outros d'outras Cidades e ViJla» que fieca isso também mandamgç cba-
,^ mar^ detrymiinemos á cerca dello o que nos mais serui^o deDeos e nosso
„ e bem dj3 ditos nossos pouos- parecer : polo qual Uos fnandamos que tanto
I, ^uos eiía nossa Carta íos moílntda nollo enuieissem oenbuaduuida nem
E <! ta H o M I c A s. §5f
feito se ajontáiâo , sem que poíTamoé saber nem aonde ;
nem qual foi a forma ou o íiindameiíto das suas delibera'^
çôes; sabemos tão somente que dous annos depois «eftavão
já feitos os novos Padrões ^ cuja inscrípçâo na caixa de fora
que pesa duas arrobas , diz o seguinte : O MUITO AL-
TO E EXCELLENTISSIMO REY D. EMANUEL
O PRIMEIRO DE PORTUGAL ME MANDOU
FAZER. ANNO DO NASCIMENTO DE N.SJ.C
MCCCCLXXXXIX.
Sena sem duvida curioso indagar qual foi a base que
se adoptou pare eftes pesos : Nós já notámos , que no seic
eftado actual, elles fazem grande diflèrença do Marco de
Colónia } e segundo as experiências de Mr. Tillet (i) fei-
tas em 1766 he menor o de Lisboa 85 grâos ; o que de ne*
nhuma sorte se pôde presumir que seja devido ás altera»
c6es do tempo. Examinando porém os pesos das outras
Nações Europeas , conheceremos logo que o da Hespanha
hequasi idêntico com onoíTo, quer no seu valor, quer nas^
suas divisóes (2), e por conseguinte nSo nos refta a me-^ *'
nor duvida de que alli foflemos buscar o noflb actual Pa-^a
drao, dando muito lugar a iífo a proximidade dos dous^
Paizes. ^'
Achando-se pois os pesos regulados e uniformados pe-
lo Senhor Rei D. Manoel y afora algumas pequenas exce*
ps6es,
,, embargo que aeUo ponhaes. Scripta ema nossa Cidade d'EuorRiaos x dias
„ doMcT de Março. LopoMexia a itz anno 1497. Re^ • j • ssGonde é$
„ Portalejic. „
(1) Memorias da Academia R. das Sc iene ias de Pariz anqo de' 1767.
(a) Os Hespanhoes tem o Quintal de ijuatro Arrobas , a Arroba de vin-
te c cinco Arráteis , o Arrátel de dous Marcos , o Marco de oko Õnçu , aOnqa
de oito Oitavas , e a Oitava de setenta e dous Grios ; o que , como se vé , be
a nossa mesma nomenclatura , e divisão , excepto no nutnero de Arrateit
que contém a Arroba. Em quanto aos vaíores o Arrátel Castelhano pesa em
fCilop-úmmas 0,4598 , e oPortuguez 0,4586, vindo assim afazer hum do
cutro a pequena differenqa de doze étcigramnias , quantidade que se podí
leputar insignificante, depois de mais de três Séculos de intervallo, e dedtf»
feientes c oncerto s porcjue o nosso Marco tem passada
^6% MemoriaiI
pç6e8, que ainda se ficarão conservando (i), refta-nos rer
como as medidas também ò íbrâo pelo Senhor Rei D. Se*
baíUão.
CAPITULO VI.
Das medidas no Reinado do Senhor D.SebafiiSo.
o
Ccupando o Throno de Portugal o Senhor Rei D. Se-
baftião , dij^no por certo de hum mais longo Reinado
e de mais reiices^ tempos ^ determinou cortar de huma
vez pela raiz os abusos de medidas que ainda eftavâo
subsiftindo , a pezar das providencias de seu illuftre
Bisavô: para ifto correndo o anno de 1575' publicou a
sua Carta de Lei datada de Almeirim , em a qual reu-
pe tudo quanto então se podia desejar , e precaver so-
bre efte ponto : como ella , paflando ás Ordenações Filip-
pinas^ he a mesma que ainda hoje nos governa, por iUo
Dão podemos satisfazer-nos com numa. simples remissão ,
a pezar de se achar modernamente reimpreífa no tomo 2.''
das Dissertações Cronológicas e Criticas apag. 339 > on-
de os curiosos a podem ver por extenso.
Depois de se ter notado , no Preambulo, delia , a di-
versidade de medidas que havia no Reino , sem que té
então nada tivefle bailado para obftar-Ihe , e o quanto
_^ efta
; (i) Em o fim do Livro de Du^rt^ Barbosa (vid. Collecção de Ncticits fdrã
tiHiJUria € Geografia das NaçSes Ultramarinas t. 2.°pag. 394.) oquai foi es-
crito em ip6, e por conseguinte próximo a eíla reforma do Senhor D.Ma-
noel, diz-se expressamente que ,, todas as Especial ias e Dragoarias, etudo o
y, mais que vem da índia , vende-se em Portugal a pezo vellio , e tudo o
„ mais a pezo novo „. Ora segundo o mesmo Autor , o Arrátel de peso velho
'devide-3â em quatorze Onças , e o novo em dezaseis, e cada Quintal vv^lbo
são três quartos e meio do Quintal novo. lílo podo fica evidente que o
peso velho de que falia Duarte Barbosa, não he o Marco deG)lonia, que se
divide em dszaseis Onças; e cujo uso ou não foi geral, ou durou rauits
pouco tempo; mas sim o Marcvo usado anteriormente, e cujo nome ignora-
mos. £'lâ mesm? peso velho ainda hoje se conserva em uzo na Casa da Ín-
dia, e por elle se pagão os direitos^ como no tempo de Duarte Bárbo&a.
Económicas. 3^9
cfta differença era prejudicial ao Commercio e Agriailtiir
ra , manda-se em primeiro lugar que todas as medidas $0-
jão de rasoura e iguaes entre si j e que não deverão ficar
exiftindo senão, para os seccos a Fanga , o Alqueire ^ o
meio Alqueire^ sl Quarta^ e ^Outava (i); epara os li-
?uidos o Almude , o meio Altnude , a Canada , a meia
lanada^ o Quartilho ^ e o meio Quartilho (i).
Por efta primeira providencia , além de se prohibir nos
seccos o cogulo por causa da sua muita incerteza (^),de9«
aparecem não só a multiplicidade de medidas e das suas
denominações , de que se usou até o Reinado do Senhor
D. Manoel , mas também as diíFerenças de medidas de
vinho a medidas de azeite , que efte Monarca parece ter
deixado subsiftir (4^ ; o que era de grande intereíTe tanto
para evitar a confusão , como para diminuir as despesas
Tom. V. Azz dos
(^i) Eílas são as medidas de seccos legaes que ainda hoje exiílem ; mas a
Cucava era ainda muito grande para nella se dever parar , e nifto se advei^
tio logo, de sorte que cm algumas collecçnes de Padrões do Senhor D. Se-
baAiáo deo-se a medida de meiaOutava, de que ao depois sempre se ficou
usando com eí^e mesmo ncme , ou com o áa Saltwilnu
(1) Não iu muitos tempos que se tom incroiiuzido outra medida de lí-
quidos de menor capacidade chamada de ires ao quartilho,
(j) He hoje conhecido, que para determinar a capacidade de huma medi-
da (le cogaio, bafta accrescentar ásua profundidade, qualquer que ella seja,
a nona parte do seu dia.netro ; donde se vé que não sendo fixa a figura delias
mexi idas, igual nente o não podia ser o valor do seu cogulo ; ifio be, tal
Alqueire d;:via-o ter maior , e tal outro mu is pequeno : iílo nas medidas dç
S2CCOS. Nas dí líquidos nÃo providenciou aLri ,pois com ef feito a difíeren-
ca li^ m.tis pequem , não só porque de ordinário não excede o cogulo a hu-
ma linha de espessura; mas porque a figura deílas medidas sendo eftreita na
sja boca , otTerece hu.m muito m;nor superfície. íXsve porem notar-se, que no
caso presente deve s^r maior o cogulo , porque crescem as patedes dos Padrões
aci.11.1 da afferidura, e por conseguinte da superficie do liquido, o que au-
g;ncnta muito a força da attracção.
^4) No lu^ar citado das Ordenações Manuelinas manda-se que asCameras
ienliáo as seguintes medidas de capacidade: medidas de pão. Alqueire^ meto
Al^utlre ^ e quarta de Aljueire: medidas de vinho , Almude e meio^il"
ftiiiJe^ Canada e msia Canada ^ Qjtiartllho e melo QjtartUho \ medidas de aze ir
te , Alqueire e melo Alquslre e quarta de Alqueire ( nomes que ainda h'"»ie
se conserváo) e assim as outras medidas meudas , que se cojlumão nos lu-
^ares.
370 -Memorias
dosPadriJes, que se mandavão fazer de novo, e que por
efta maneira ficavão ccrnsideraveimente reduzidas. Mas
quanto melhor se não conseguiriâo ainda eftes dous fins, se
cm vez da divisão de medidas de seccos , e de iiquidos ,
fé eftabeleceíTe tao somente huma csp<ícic de Padrões de
capacidade , que serviíTe para todos os géneros qualquer
aue foíTe a sua natureza ? Aífim se praticava geralmente
nos princípios da Monarchia (i), e aífim o principião
hoje a faz r de novo as Nações , que tem idéas mais filo-
sóficas a efte respeito.
Declara-se nefta Lei em segundo lugar , que os Pa-
drões que se mandão adoptar, são os de que então usava
a Cidade de Lisboa, e que alli se devem fabricar os que
hão de ficar servindo nas Cameras de todo o Reino: de-
tefmina-se , que eftes scjâo de bronze ao menos nas cabe-
ças de Ouvidoria ou Conviçâo , todos marcados com as
arma Reaes, afiliados pelos a ffil a dores do Senado, e pagos
ácufta dos Concelhos aquém pertencerem; tudo ifto debai-
xo de penas graves , ficando o Almotace Mor , os Corre-
Sedores , e Ouvidores obrigados a fiscalisar a execução
eftes Decretos.
PaíTa finalmente em terceiro e ultimo lugar a mandar,
qqe os mesmos Corregedores , e Ouvidores façao a cooi-
putaçâo e cftiva da medida nova a respeito da velha, ca-
da hum em os seus deftricros ; formando diífo hum auto,
que deverão lançar em os Livros das Cameras , a fim de qiic
em todos os contractos de pagamentos em géneros, que
anteriormente se tiverem feito , se fique sabendo a quanti-
dade jufta que agora lhe compete. Igualmente manda la-
vrar novas Escrituras , ou fazer eftas declarações nas anti-
gas : em fim permitte seis mezes para se usarem ainda das
medidas velhas ; paíTados os quaes , toda a peíToa que del-
ias
(i) Em quantidade de Documentos antigos se diz hidifferen temente Al-
queire de vinho ou Alqueire de trigo. Moio de pão ou Moio de vinho, &c.
hoje mesmo ha deílrictos, taes como a Comarca de Aviz, e. muitos Co^A^
celhcs da dfe Portalegre , e outras , em que a denominação de Alquçire te
commum para a medida de seccos e de liqukios.
Económicas. 37^
las se servir , iacorrerá no mesmo crime dos que tero me-
didas falsificadas.
Taes são as prlncipaes clausulas d*fta providente I^i {
refta-nos ver o modo porque foi executada , e com tanu
mais razão o nao devemos paílàr em silencio, qUe a sua
simples leitura poderia fazer crer, que por meio delia se
tinhâo igualado perfeitamente as medidas em todo o Rei-
no. Porém tal he o deílino dos Povos , que nao baílao pa*"
ra a sua felicidade as benéficas intençfies do Soberano,
quando os executores delias por ignorância , ou por malícia
as fazem tranftornar ou illudir.
Todas as Provindas do Reino em geral acceitái^o logp
os novos Padrões , e delles se servirão ; menos a d'Entre Dou*»
ro e Minho, onde se ficou usando da chzmãàz Rasa velha :
não Que as Cameras os recuzaíTem , ou por elles deixaíTem
de afferir as medidas dos vendedores por miúdo, maspoiv
que em todos os outros casos , e principalmente nos cel-*
leiros» se ficou usando das antigas (i), o que sem duvida
se deve reputar como hum esforço dos reitos do Direito
Feudal que alli se observâo , os quaes contra a expreíTa
declaração do Monarca se oppozerao tão impune como es-
candalosamente á sua vontade , e ao bem Publico (%).
Efte motivo porem era singular , outros houve que
abrangerão todas as Províncias , e que impedirão efta igual-
dade j nós apontaremos somente os principaes. Como se
não determinarão dimensões fixas para os differentes Pa-
drões , forão mui variadas as que lhe derão os Fundidores ,
que até os fabricarão com diversas figuras , mais ou menos
irregulares. Nos Padrões das Cameras que temos vifto , as-
Aaa ii sim
(O Veja-se Barbosa Ca/iigatlones & addhamcntã ad Remis sion, OrdlnaU
Ktfj. L. í."' §-53- onde i(to se refere. He i^íreni fora de toda a duvida que
hoje em dia se tem edendido mais a inobservância deda Lei , pois c)ue ape-
zar de alli se conservarem muitos Padrões doSenhorD.Sebaílião, eftão s2m
uso algum , e ate si medem os differentes géneros seccos por medidas de
capacidade muito differentes. Assim por exemplo; a Comarca de Guimarães
tem huma Rasa para páo , outra para o sal , e outra parjt a cal , todas de
dJveiso valor, e muito maiores do que o Alqueire de Lisboa.
(2) Veja-se Pe^as , Coiumentario á Ordenação Liv.L Tit. i8.§. 28. j.
37^ Memokias
sim he que todos os deseccossao de forma quadrangular,
mas quasi sempre o fundo he mais eftreito do que a bo-
ca, os lados mais altos n^huns do que noutros, e he ra-
ra a vez que formão angnlos rectos. As medidas de liqui-
des são ainda mais imperfeitas , n'humas partes tem a rcr-
nia de hum cântaro bojudo , noutras a de hum cilindro
muito desigual, ede qualquer modo que scjão, a sua face
interna he defeituosiffima. Já o noíTo sábio Consócio o Se-
nhor José Monteiro da Rocha (i) confeíTou que ficara ad-
mirado , examinando a meia Canada de Coimbra , de ver
a desigualdade de seus diâmetros , c a grande quantidade
das suas proeminências , e cavidades : pode sem temeridade
dizer-se que todas as outrjs são pelo mesmo theor , e mos-
trâo que não houve nenhum desvelo na sua conftrucçao.
He certo que a pezar deftas imperfeiçòer , não era im-
poílivel que os Padrões das diíFerentes terras tivefiem ao me-
nos a mesma capacidade : he porém indubitável que scfbrão
máos os Fundidores, peores forão ainda os AfFeridorcs: ti-
vemos occasião de comparar Padrões deCameras visinhas,
c até da mesma Comarca , e fizerâo-nos confundir as dif-
ferenças que notámos, a pezar de datarem huns e outros da
mesmo anno (2).
Se a imperícia dos obreiros foi causa de muitas des-
tas desigualdades , não se pode duvidar de que outras nao
^jão procedidas da fraude : fica sendo obvia efta reflexão
quan-
— — -* ■ —
O) Vejâo-se tl^ Memorias Mathcmaiuas eFysicas da Academia ReaUat
S ciências de Lisboa Tom. I. pa?. 33.
(2) Se não houve aiidtido neíieç objectos , talvez pela falsa perjiíasão de
serem fáceis de executar, deve canfessar-«e que houve grandeza , e ate luxo na
conftrucçao dos novos Padrões, Os que ate acui temos vHlo s5o de brontó , maf-
cados com as anrias Reaes de relevo, as??im como tamliem ohe a ^wM^
Inscrípção: SEBASTIANUS I. R. P. REGNORUM SUORUM MFNSU-
RAS /EQUAVIT. ANNO MDLXXVI. Do lado oppofto a efta Inscripcío
cftão ás vezes as armas da Villa ou Cidade para onde forão dados os Ta-
drões, e por baixo deftas o nome da medida. Junto a sua boca acha-ss qu»'!
sfmpre hum Navio mal gravado , e ás vezes cortado pela afíeridura , qu?
hí a marca do Afferidor de Lisboa. Ifto nas medidas grandes , porqi e nas
pequenas em vez da Inscripção acima , tem somente o nome Sebajtianttí
mettxdo dentro de huma tarja , ás vezts sobrepofta a hunia seta.
ECOKOMICAS. 373
quando se considera , que alguns deftts Padrões de maior
capacidade tem cavidades, que não podiâo ser obra da fun-
dição ; e que outros tem a afFeriwIura tapada de modo a
ficarem totalmente rasos. Já o Sr. Eftevao Cabral no seu
Tratado de jlgrimensura se tinha lembrado de que talvez
a causa de tanta variedade de medidas , consiftiílc em que
alguns Termos abundantes das suas producç6cs quizeíTem
attrahir os compradores com as terem grandes , como se
os não podeíTem attrahir com abaratar os preços. He cer-
to que o eiFeito seria realmente o mesmo ; mas quantas
vezes não largão os homens a verdade para correr após
de huma quimera!
Independentemente do que até aqui temos ponderado ^
pode-se dar por certo , que os novos Padrões não chega-
rão a alguns Concelhos do Reino (i); e que a outros a que
che^râo, não se fez uso delies (2); também muitos vierâoa
perder-se , e nefte caso ou se continuou a usar das medidas
antigas , ou de outras feitas de madeira , è sem legalidade
alguma, como hoje hebaftante trivial em muitas terras (3).
Õ^
(1) Não se pode duvidar diílo , vendou que em grande parte delies
não 9e conserva noticia alguma de terem alli exiílido nunca os PadrÒes do
Senhor D. Sebafl ião, havendo pelo contrario outros, que denotÃo muito gran-
de antiguidade: alem disso ha em differentes terras (como já notamos)
medidas particulares como o Vo^e de Mourão, o Casifo de Alvorninlia, o
Carr apito da Comarca de Bragança , o Quarteirão de Chaves e outros Con-
celhos, a Esqmfa deVilIaReal, o Botelho de Viseu e outras Villas daquclla
Comarca , o Cabaço medida de seccos em Oliveira de Conde e em mais deOritos ,
as quaes sz não usarião se aquelles Padrões fossem ali i adoptados : finalmente
ha terras em que as medidas , principalmente de liquicíos , tem divisões
diversas das que geralmente se eflabelecCrão , assim em Lagos da Leira, Co-
marca de Linliar^s ha Padrões de meio Al.nude , quarta de Almude , oito Quar-
tilhos, &c. e em muitos Concelhos da Comarca de Aveiro contém o Almu-
de somente dez Canadas.
(2) Eíle facto que já nota'mos em toda huma Província , eftendeo-se
Cambem a algumas terras das outras ; como por exemplo em Elvas , ondo
sem embargo de ter havido, e se conf;en*ar ainda o Padrão do Senhor D. Se-
ba^iáo , ha (Atro de que usão de maior opacidade. He muito provável,
que nem sempre a malicia desse origem a eíle abuso ; a ignorância e a falta
de reflexão podião igualmente concorrei r para clle.
(O He incrível a quantidade dç Padrões que desapaitecMo em a ultima
invasão qiw lofiíieo o posso Reiooi.
374 Memorias
O que porém mais que tudo devia concorrer para as
fraudes , que se interposeráo contra aquella Lei , foi a fal-
ta de reducçâo das medidas antigas ás modernas ; eíle es-
colho contra o qual se desfaziáo todas as determinações
dos Monarcas, ainda defta vez não ficou suíBcientemente
precavido, Comettia-o a Lei aos Magiftrados territoriaes ;
mas além de que peíToas sobrecarregadas com outras oc-
cupações , diíficilmente se applicao ao que não he da sua
profissão; a pezar de efta operação não ser delicada, sem-
pre requer huma certa dcftreza , de que nem todos os ex-
ecutores podiâo ser capazes , sem ao menos a verem pra-
ticar alguma vez. Ignoramos absolutamente como os Cor-
regedores c Ouvidores se portarão nefte caso ; mas he cer-
to que ainda não encontrámos auto algum d'aquelles que
se devião lavrar ; o que com tudo não he dizer , que eíla
ordem deixafle absolutamente de ser executada^
ííiâsy Desde-~eíbt -ápoc^ até ao presente não se tem feito
■^^^^^^s'>^^^^^^^^^^ ^^gS^^^ geral a respeito de medidas, pois as
*^^' 'i^^^ fazem mais do que repetir com
L ? J>cquenas alterações , e alguns erros (i) o que eftava ci^
,y^ -terminado anteriormente : assim os Padrões de medidas
^ que hoje nos governão, são os mesmos do Senhor D.S^
baftiáo , que efteve bem longe de conseguir o seu intento
de as igualar em todo o Reino.
CAPITULO VIL
Dos principaes defeitas das nolfas actuaes medidas.
X Odas eftas medidas de que até aqui temos tractado,
ainda mesmo que foíTem uniformes , tinhão outros defei-
tos de que ainda não fizemos menção , e de que agora
foliaremos , pofto que de paíTagem. O primeiro delles era
a
(i) Quando nas Ordenações Filippinas L° i.** Tit. 1 8. §. } J. se falia (ks
pesos e^ tuas divisões , faltáo em doas lugares palavras, que tomio o scntiJ
incompleto, e que se poden) corrigir pela Ordeciaçâo ManorJíim.
E c o n o M I c A s. 57^
a nenhuma dependência que as medidas de eftenfâo ti*
nhâo das de capacidade, e dos pesos: oi^j^ndo a diversi-
dade de maneiras porque se dividiâo -, e o terceiro a ar-
bitrariedade da sua base.
Em quanto ao primeiro artigo, por pouco que se pen-
se nefta matéria deve conhecer-se , que as medidas de ca-
pacidade tem huma certa ligação com as de eftensâo ;
pois que só por ellas se pode determinar o seu valor ab-
soluto. Se se tiver assentado que hum vaso cubico , cuja
base e lados tenháo hum Palmo quadrado , ha de chamar-
sé Alqueire , já ficamos não só conhecendo a sua capaci-
dade, mas emeftado deconílruir ouro Alqueire semelhan*
te , ainda que não tenhamos o modelo , com tanto que
subsifta a medida linear do Palmo : do mesmo modo se
se tiver determinado , que a agoa pura contida dentro des-
te mesmo Alqueire aílim formado, indique hum peso a que
se dé o nome de Arroba ; com tanto que subsifta o Pal-
mo , eftamos em circunítancias de determinar também os
pesos. Efta idéa simples , e luminosa tem a vantagem de
formar das medidas hum todo syftematico , tanto mais
permanente e inalterável , quanto são dependentes humas
das outras as partes de que se compóe.
Segue-se pois que a medida primaria , aquella de que
dependem todas as outras he a medida deeílensão ; mas eíte
principio ainda que simples , efteve muito tempo desconhe-
cido para os modernos ; e por iíTo até aqui temos villo que
de todas as medidas , a de que menos se tratou nos regula^
mentos dos noíTos Monarcas , foi da de eílensâo , o que seria
bem pelo contrario se então se conhcccíTe efta dependência.
Os Padrões de Vara que agora temos , crem-se com-
mumente dados pelo Senhor D. Sebaftiao , e todos os que
tenho vifto eftão muito mal conservados. São barras de
ferro em tal eftado, que não deixão perceber oanno, ou
Inscripção , no caso que a tenhão tido : mas suppondo
mesmo que datão daquelle tempo , he muito para notar,
3ue mandandose fazer todos osPadrÓes de pesos, c medi-
as de capacidade de bronze , só eíles , que como vemos são
08
^76 Memorias
os mais InterêíTantes , se fabricaíTem do metal mais des-
tructivel ; e que^) mesmo Rei , que moftrou ter melhores
idéas nefta matéria do que nenhum de seus PredeceíTores,
nâo tiveíTe dito na Lei de 1575^ huma só palavra a seu
respeito , guarda ndo-se o mesmo silencio no que toca ás
outras medidas de eftensâo , á que chamão Itinerárias (i) ,
e ás que servem para medir as superfícies e terrenos (2).
Vifto pois não se conhecer , ou não se ter reflectido neíb
mutua dependência e relação dehumas para outras medidas,
não era muito que as de diíFerente género tiveíTem divisóes
differentes , e que o Almude por exemplo se dividiíTe em doze
Canadas ou o rote em seis , em quanto o Alqueire se dividia
em quatro Quartilhos : mas o que admira he, que a mesma
medida tiveíTe difterentes divisores , e que affim a Vara se
reputaíTe já repartida em quatro Quartas , já em três Terças,
já em cinco Palmos , já em seisSesmas, já em oito Oitavas;
e que o Arrátel se dividiíTe em dezaseis Onças , quando cada
huma deitas tinha oito Oitavas , e a Oitava era igual a três
Escropulos. Supponho que os meus leitores , tem numa suf-
ficiente inftrucçao deArithmetica , para conhecerem o em-
baraço que causão os números quebrados e complexos em
as differentes operações , e a facilidade com que pelo con-
trario se empregâo os decimaes , com os quaes se traba-
balha pelo mesmo modo que com os números inteiros; c
{)or conseguinte não entro em huma discussão , que me
evaria muito longe do meu principal objeao , e que de
alguma sorte he independente delle : assim paflb ao tercei-
ro artigo 3 da arbitrariedade dos Padròes,
HUr
(i) Ainda nâo encontrei determinação alguma legal a respeito das nos-
sas medidas It inerarias ; com tudo as Léguas actuaes terreílies , segundo a Ins-
cripçâo gravada nos Padrões da eílrada de R iba-Tejo , mandada conftruir pe-
la Rainlia N. Senhora devem ter 3S04 passos geométricos.
(2) As nossas medidas Agrarias nunca forâo geralmente reguladas , nus
parece lerem ficado sugeitas aos regulamentos das differentes Cameras; assim
os Eílins daCamera de Santarém tem tivzentas Varas de comprido e cinco de
largo. Os Moios de terra do R iba-Tejo são divididos em sessenta Alqueires,
cada hum dos quaes tem ifij^iZo Palmos quadrados. No campo de Coimbra
cada Geira tem doze Aguilhadas , cada Aguilhada sessehta Varas de compridff
e huma de largo, e cada Vara deílas tem treze Palmos e três quartos.
E;c o N a M I cK s 577
Huma medida , que úveík na Natureza hum tjrpo fi-
xo e confiante, viria a ser mais tarde ou mais cedo a me*
dida geral de todos os Povos policiados ^ pois n'hum pon-
to em que a utilidade he connecida , e os interefles idênti-
cos , diífipão-se as prevenções , e desvanece-se pouco a pou-
co o falso pundonor , que nos impede de adoptar os des-
cobrimentos alheios , attendendo-se por fim ao que he
mais vantajoso. He o que succedeo , como já notámo;
no principio defta Memoria , com a medida do tempo.
Logo que se determinou Âftronomicamente quanto a terra
empregava em fazer huma revolução inteira na sua orbi-
ta , durante a qual o Sol nos parecia correr toda a Ecli-
Stica y foi determinado pelos Romanos o periodo Ânnual y
e que geralmente usárao todas as Nações. Reconheceo-se
depois que efte§ primeiros cálculos não tinhão sido muito
exactos; pelo que sendo aperfeiçoados no tempo de Gregó-
rio XIII , não só todos os Catholicos Romanos adoptarão
efta correcção , mas também quasi todos os de aiyersa
Communhão , porque reconhecerão a sua utilidade. He ifto
mesmo que poderá e deverá succeder com as outras medi-
das, que pelo contrario em quanto forem arbitrarias ^/tião
paíTaraõ nunca do Paiz onde nascerão.
Mas efta arbitrariedade não somente impede, que ^s
medidas se generalizem pelos diíferentes Paizes , como se-
ria muito para desejar, também embaraça que neíTe mes-
mo Paiz , onde já eftâo em uso , ellas se possão rectificar ,
quando pelas rovoluções do tempo succeder perderem-sc,
ou damnificarem-se os Tjrpos , que lhes servirão de mo-
dello. Efte receio não he imaginário como poderá parecer
á primeira vifta , e o que succede em Portugal faz ver pal-
pavelmente a poffibilidade de semelhantes accontecimentos.
DiíTemos já que os Padrões , por onde o Senhor Rei
D. Scbaftião tinha mandado regular as medidas do Reino ,
íbrão os de Lisboa , porém grande parte deftes anniquilaráo-
se no fatal teitemoto , e incêndio de 175'y (i) ; e por con-
Tam F. Bbb se-
O) Perderáo-se todos os Padrões de capacidade de seccos, e os de medi-
das de extensão : eftes últimos foião subftituidos por hum barrote , onde tf-
pz Memorias
seguinte , suppofta a deformidade dos outms que por elle?
se conftruírao, ^ onde se ha de buscar actualmente a medi-
da determinada por aquelle Rei ? onde se achará o modello
para por elle se poderem rectificar as outras? Citei efte fa-
cto por ser accontecido entre nós e nos noíTos dias; mas
não he preciso recorrer a eftas cataftrofes da Natureza ; no
seu curso natural também os Padróes ou se alterâo , já pela
fricção , já pela oxidação dos metaes , ou se perdem por
muitos acciaentes que hc escusado referir; e he neceflàrio
haver hum methodo para se conhecer cfta alteração , ou
para se conftruirem de novo outros idênticos , o que nunca
se conseguirá em quanto elles forem arbitrários.
CAPITULO VIIL
Da maneira parque estes defeitos podem rtmediar-se.
Dd'Se huma idéa da base do Systema Metro-dtci-
mal y ou das medidas de estensão.
o
Grande Problema , de cuja solução pendia acabarem-
fee tantas variedades e abusos , era o seguinte. Achar hum
Typo na Naturezt tão inalterável como ella^ o quãl sir-
va de base e unidade fundamental de todas as medidar ;
formar sobre esta base bum Systema Métrico , cujas
partes sejão intimimente ligadas entre si\ e cujos múl-
tiplos , e subdivi sores sigÕo huma progressão natural^
fácil y e sempre uniforme. Efte Problema que muitos com
Po-
tão cavados os prototypos da Vara e Covodo , fazendo-se ajudar a eftas ca-
vidades as medidas que se querem afferir : em quanto aos primeiros , so-
mente exifte hum meio Alqueire de bronze dourado, com a seguinte Inscri-
p^o: O ILLUSTRISSIMO E EXCEIIÍNTISSIMO SENHOR PAULO
DE CARVALHO E MENDOQA PRESlDE^a'E DA CAMERA DO SE-
NADO DESTA CIDADE DE USBÓA MANDOU FAZER ESTE PA-
DRXO por UTILIDADE PUBUCA. ANNO M.00CLXIX. Os PadnV^
de líquidos são ainda of do Senhor D. Sebaftião , e os de pesas do Scnoz
iXManoel.
E e o N o MI CAS» g79
Pocton iulgái^o ter sido já resolvido pelos antigos (i),
foi totalmente desconhecido dos modernos, e apenas nos
noílbs dias se poz em toda a evidencia de que era susce«
ptiveU
Os esforços, porém que se fizerão a eftc respeito , se
bem que infructuosamente , datão demais longe: como a
medida de eftensao era a primaria, e aquella donde todas
as outras devião deduzir-se, apenas as experiências deGa«
lileo moftrárao que as vibrações de hum Pêndulo erão
iguaes entre si (nao sendo demasiado grandes os arcos que
descreveíTem ) que muitos julgarão ter descoberto o meio
de fixar liuma medida permanente e universal* Com efieito
hum Pêndulo deve ter hum determinado comprimento pa-
ra marcar exactamente sessenta segundos dentro de mmi
minuto ; e demonftrou-se que hum centésimo de linha ac*»
crescentado a efte comprimento baftava para fazer atrazar
Bbb ii hum
O) Quando os Escritos e Monumentos , que nos reftáo dos antigos, prio-
cipiáráo a ser examinados com maior attençáo ^ conheceo-se c,ue elies ci-
nh5o adquirido biílantes conliecimentos IWathematicos , e prirwif ai mente As-
tronómicos : desde então pertendêrâo alguns Sábios , que muitas applicaçôcs
daqu^lla Sciencia lhe tinhiío sido igualmente familiares, sendo huma delias
a appHcaçlo do comprimento de hum Meridiano terreRe para determinar af
medidas de eftensao, capacidade, e peso. Com eílas viftas Grives , Picard, .
Poccon, e muitos outros examinarão as medidas antigas, e verificarão os
Padrões que ainda reftavão das Romanas , Gregas , e Egypcias. O resultado
de todos cftes trabalhos foi persuadirem-se , que eíles últimos, assim comd
em quasi todas asSciencias, também neíla tinhão dado as primeiras noções
aos Povos que se lhes seguirão; c que a Metrologia Egypcia tinha com ef-
feito sido deduzida da mediqão da Terra: que hum lado da base da grande
Pyramidtf de Gyzeh formava oEftadio, quinhentos dos quaes da^'5o o Grão
do Meridiano terede : que o Cubito da mesma Nação ( conservado airuia hoi^
je segundo alguns noAIéqyaò deRaoudab") era huma parte alicota defte E»-
tadio ; em fim que o Sarcófago que se acha na sala da grande Pyramide tH
nha sido hum Padrão das medidas de capacidade , deduzidas das Lineares , êCc.
EAiS idiéas , que por muito tempo foráo geralmente recebidas , principião
hoje a d?svanecer-se , ou ao menos a darem-se por poucO exactos os calcCI*
los que sobxvf ellas se tinhão formado, viílo que tanto o comprimento d$
base da grsuide Pyramide , como o do Cubito, determinados com mais exa-
etidâo pelos Engenhmros, e AftFonomos Franceaos d» Expedirão do Eg)rpto^
K$ muito differente daquelle que se lhe assignalou , quando se íizerão os so-
bitditos calcuios*
j8q /M s m o r I a s
hum segundo em vinte e quatro horas, (i) Eftas verdades
huma vez Reconhecidas , derao lugar a que a Sociedade Real
de Londres , e Mr.« Picard , Huyghens , Mouton , e ou-
tros fundaífem sobre efta base vários projectos de huma
medida universal.
Pouco depois as experiências de alguns sábios, e prin-
cipalmente as de Mn Richer em Caiena , prpvárâo que
o comprimento do Pêndulo de segundos não era o mes*
mo em toda a parte do mundo ; que no Equador era
mais pequeno , e que hia crescendo á proporção que se
avizinhava dos Poios ; de sorte que a medida que elíe of-
ferecia em qualquer Paiz náo podia ser idêntica para to*
dos: por iíIoMr. de la Condamine, que mais do que nin-
guém trabalhou nefta matéria , propoz que a base da me-
dida universal foíTe o comprimento do Pêndulo tomado
no Equador. Efta idéa parecia a primeira vifta levantar
todas as diificuldades ; examinada porem mais madura-
mente , veio a conhecer-se que , sem embargo de dar hu-
ma medida invariável e uniforme, tinha o inconvenien-
te de ser de alguma sorte arbitraria , vifto depender da
divisão da hora em certo numero dè segundos , o que sen-
do geralmente adoptado , não tem com tudo reaUdade al-
guma na Natureza.
Se efta objecção, e algumas outras que então lembra-
rão , foíTem propoftas n'outra época , ou sem que ao mes-
mo tempo se defle huma base melhor do que a do com-
primento do Pêndulo, poderião talvez ser taxadas de de-
masiado escrúpulo ; porém a Academia R. das Sciencias
de Paris , que foi quem as propoz sendo consultada sobre
iíTo em 1791 5 ofFcreceo juntamente outra base, que reúne
comefFeito todas as vantagens que podem desejar-se, e que
foi adoptada com huma geral approvação ; tal he a gran-
deza da Terra medida sobre hum dos seus Meridianos:
base simples e real , tão inalterável como a Natureza don-
de foi tirada , e que a todo o tempo pode verificar-se ,
^^^_^ • hu-
' C^) Ve)a-se a Memoria de Mr. Mairan , nas Memorias da AcadenúaB^al
das Sglcacias de Paris ^ Aiino de 173J , pag. 205 e seguintes.
Económicas. 3SX
hunâ vez que se tenha determinado a relação em que cer-
ta porção delia cftá com o comprimento do mesmo Pên-
dulo , que já vimos ser fixo e invariável , em hum determi-
nado lugar da Terra (i\
A medida immediata de todo hum Meridiano terres-
tre, seria impraticável ; mas felismente não era necelTaria,
nem tão pouco o era a da quarta parte defte Meridiano ;
baftava simplesmente medir num arco de huma certa es-
tensão , para por elle se poder calcular o valor defta quar-
ta parte ; o que se propoz e escolheo foi o comprehendi-
do entre Dunquerque e Barcelona ; e o infeliz Luiz XVK
ainda expedio as ordens para efta medição se eíFeituar.
Não he do noíTo intento , nem nos seria mesmo poílivel ,
entrar na longa enumeração dos trabalhos de toda a espé-
cie , que sofirêrao os dous Áftronomos , Mechain , e Delam-
bre, ambos encarregados deftes trabalhos, nem* tão pouco
da exactidão e perícia com que elles forão executados; os
que quizerem entrar profundamente nefte exame , podem
consultar a Obra intitulada Base de Systeme tnetrique de-
cimal , em três grandes volumes de quarto , que contém
tudo quanto nefta importante matéria 5e praticou ; á ex-
cepção do trabalho de Mr. Biot , que ainda eftendeo de-
pois a medição defte mesmo Meridiano , té állha deFor-
mentcra , o qual forma hum corpo separado.
Hu-
(i ) As experiências paia determinar o comprimento do Pêndulo de se-
gundos de Paris, ainda que d'outras veies feitas, forSo novamente executa-
das com o maior esmero por Mrs. Horda e Cassini (Veja-se a obra intitula-
da Base éu St^jUme metfiquc tom» III.): por trilas se veio no conliecimen-
ro de que o Pêndulo de segundos em Paris tinha hum comprimento igual
a 0,99385 àíò Metro \ por conseguinte para achar o comprimento defte
mesmo Metro , no caso de perder-se ou aJterar-se , não haveria mais do que
accrescentar ao comprimento do Pêndulo de segundos, 615 partes iguaes ás
9938$ , de que elle he compofto. Ifto pprcm he a respeito de Paris: Lisboa
que tem diversa Latitude , tem também diveno comprimento de Pêndulo
de segundos , que como jd dissemos \)a mais pequeno nas terras mais próxi-
mas ao Equíulor, e ssndo efta Latitude de 38.*^ 42.,' 2$/'acha-«fe segundo a
Formula de laPlace que o comprimento absoluto do Pêndulo simples de se-
gAndos deve ser de 0,992836. Refta á Experiência comprovar efte n^sul-
tado. I
38^ M fi M o t f A s
Huma vez calculada a eftensão do quarto do Merídia-
lio, ficava sendo fácil dividillodemode que hutna pequena:
porção delle podeíTe servir de base métrica para todas as me-
didas usuaes : ora como antecipadamente se tinha aflentado,
que a divisão das medidas devia ser feita de dez em dez ,
também o quarto do Meridiano se dividio pela progressão
decimal (i ^, ifto he, por lo , loo , looo, e efta sua miilesima
parte deo huma grande medida Itinerária , a que podería-
mos chamar Pofta , a qual novamente dividida por dez, deo
outra medida Itinerária mais pequena , a que podia cor-
responder o nome de Milha , e que como se ve he a de-
cima miilesima parte do dito quarto do Meridiano (2).
Es-
=■^5^'"
(i) Todos sabem que o quarto do Meridiano se suppõe dividido em no-
venta partes iguaes, a que se deo o noras de Gráos, tendo por con^guin-
te o Meridiano inteiro trezentos e sessenta Gráos : porém para se formar o
Syftema Métrico Decimal suppoz-se dividido o quarto do Meridiano em cera
partes , a que chamarão Gredas ou Gráos Decimaes , e assim vem o Meridia-
no inteiro a conter quatrocentos deftes Graá§s,
^2) Nenliuma das divisões do novo Syílema Métrico he mab difícil de
adaptar ap nosso actual do que a das medidas Itinerárias. Jd dissemos que
as nossas Legoas se mandáráo fazer nas ultimas demarcações iguaes a 5804
passos Geométricos cada huma : segundo Bluteau deverião ellas ter ttes mil
Waças craíveiras (^e parece que no firazil se adoptou legalmente e()a medida
para as medições órí terras^ : por outra par^e os nossos Autores dizem huns , que
as Legoas Portuguezas terreftes sao de dezasete e meia aoGráo (Notic. As-
trolog. p. 203.) outros e mais commummente , que sáo de dezoito. Seja co-
mo quer que for he certo, que todas eílas estençóes sáo muito maiores do
que a decimi miilesima parte do quarto do Meridiano ou m'ú Metros,
He porém certo que , excepto as Hespanhas , poucas são as Nacóes da
Europa que hoje contão por Legoas , tendo adoptado a maior parte delias ,
como Italianos , Alemães , Polacos , Inglezes , &c huma medida Itinerária
não muito differente da terça parte da nos^a Legoa , e conhecida com o no-
me de Millia , de que também n outros tempos jd nos sírviamos ; e hc efta
a que se proj>oe novamente pôr em usa
Com tudo nâo devemos disfarçar que se podem oppôr duas objecções
â efta iiinov.tção : a primeira qui o nome de Milha tem actualmente entre
nós huma sio:nificíição detcrmrdada ; pois eí!á adoptado na Pilotagem para
significar a grandeza de hum Minuto efe Gfáo terreíle rectificado (na hypo-
tese de ser o quarto 'do Meridiano dii'idido em npvenla partes ) o que fa-
cilita o calculo da Carteação das Millias navegadas , pois neftc caso se coih
tâo lo^o COTIO minuCos: a segunda qtie a Barquinha, que serve para deter-
xninar as Milhas q\xt o Navio tem andado , eílá de tal sorte graduada , qv9
ECOHOMICAS. ^Sj
Bfta Milha pois dividida ainda por looo cffèrfcia hu«
sia medida de propoipionada eftensâo y propría para ser
manusiâda ^ e para ficar subftituinde nos usos ordinários a
Vara , a Toeza , o Covado , &c. Ella fórma a decima millio-
nesima parte. do quarto do Meridiano, efoi chamada Me^
tro , ifto he , a medida por excellencia , pois que ficou ser*
vindo de base a todas as outras medidas , quer de pçso ,
quer de capacidade^ como veremos adiante.
Efte Metro que se deteniúnou para unidade òzs n^Cr
didas de eftensâo , foi dividido em dez partes , a que pode-
remos chamar Mãos travessas , e cada huma deltia^ mãos
travessas em outras dez partes , a que os Francezes chamá-
no Centi-metros , porque cem delias fazem o Metro : efta
divisão e subdivisão he i>aftante para por ella se fazerem
com muita commodidade todas asmediçòes., quente agora
se fazíâo entre nós por Covado , Vara > Palmo, Terça , Ses-
ma. Quarta, &c, como já principiavâo a conhecer muitos
dos noíTos mesmos officiaes , que tinhâo o Palmo das suas
Regoas divididos em décimos e centésimos (x).
Po»-
f — ^p^^ I ■ ■
' segundo o numero de nós do cordel que passio durante a obsenaçlo , assim
se avaJiáo logo as Milhas , que o Navio andará em inuma hora ; c por eflas
Milhas também Facilmente se acháo asLegoas, sendo cada três Milhai iguaes
a huma Legoa ds 20 aoGráo.
Porem o que eílas raz6es principalmente demonrão he , que na Pilota-
gem se deverá ncar conservando (ao menos interinaipente) o ncnxie c o va-
lor actual da Milha marítima; mas nem por isso pensamos , que se oppo»
nhão a que haja outra Milha terrefte do comprimento que fica indicado: a
confusão que poder i«) resultar de hum nome só com dous valoras diffecen-
tes , jierá bem fácil de evitar, ou pelo contexito do discurso, oy pelas 1^-
viaturas de M. m. quando se tratar das Milhas maritimas, e deM. t. quando
se f aliar das terreíles , assim como opraticâo as Naçues que tem eíle mesmo
defeito na sua Nomenclatum métrica.
(i^ Se a nossa Vara actual fosse dividida em Af^Mirtfvrjitf/ iguaes j(drcí-
xna parte do Metro , contaria ella onze Mm os travessas , pois que on7e Metros
são qua5ii exactamente iguaes a dez Varas. Digo quasi, porque se bem que ePe
«eja o valor do Padrão de Thomar , que « acha muito bem conse? ^ ado ; o
Padrão de Lisboa (que como vimos nem Jietão authentico nem eHá bem
coi^ervado) he maior alguns Aí */*nJrtr*j , oqye provavelmente he de^ ic^o a
eftar já muito usado. Aavaliaqáoque os Franc^íies fizerâo da nncsa vata . Le
pelo contrario mais pequena, e ^efeitu^sa^ f^^ ^ f^M de ^y^^9 ^*S'
384 Memorias
Pofto que o que acabamos de dizer nos parece baftanr
te perceptível , poremos a seguinte taboa para de hum
golpe de vida se conhecer a* progressão desde o quarto
do Meridiano , até ao Metro ^ e á sua centésima parte;
advertindo que indicaremos ao lado dos seus valores os
Nomes deftes termos da progressão (quando ficarem ser-
vindo de medidas correntes) tanto na linguagem fmetrica,
como na vulgar , ido he , naquella , em que mais commo*
damente podem traduzir-se.
Q)mprimento do quarto do Meridiano
terretre igual a - - - - - ioocO(]|>cx)o
----------- 1000^000
----.-.--...- ioO(iyooo
Pofta, ou Myriametro - - - - - io<i)ooo
Milha, ou Kilometro ----- i^yyoo
-,----------- 100
--.---------. 10
VARA, ou METRO i
Mão traveíTâ , ou Decimetro ----- 0,1
Centésimo , ou Centímetro ----- opi
As Medidas Agrarias podem bem deduzir-se dos mesmos
termos defta progressão ; aíTim huma superfície quadrada
que tenha por lado dçz Metros ou Varas, podia bemclia-
mar-se Aguilhada , e a dez deftas Aguilhadas dar-se o no-
me de Geira , para allim ficar regulada a noíTa Agrimensu-
ra , que como já diflemos , he totalmente arbitraria , e di-
versa em quasi todos os Diítrictos.
CA-
iro, Nefta*; circunftancias ciamos por exacta a medida da Vara dcThomar,
que he quasi idêntica com a de Lisboa , e offerece a vantagem de dar hur
resultado em alicotas certas do Metro. O Covado ^ cujos palii^os iião s^
craveiros} achou-se igual a o,6S do Metro,
Económicas^ 38;
CAPITULO IX.
Das medidas de Capacidade do SystemaMetrthdecimah
H
Um vaso de forma cubica , cujos lados sejâo íguaes
ao Decimo do Metro ( Mao traveíTa ) , he a unidade das
medidas de capacidade. A efta unidade chamarão os Fran-
cezes Litro ; é todas as medidas grandes ou pequenas ,
auer de seccos auer de liquidos , huma vez que sejâo me-
didas de capacidade , são deduzidas delia , seguindo a mes-
ma progressão decimal ^ de que já falíamos no Capitulo
precedente: aí&m
O Deca-litro / ou dez Litros , fica sendo a medida pró-
pria para por ella se fazerem todas as medições^ que até
agora se fazem entre nós por Alqueire e Pote.
Cem Litros^ ou onecto-litro^ dá huma medida pró-
pria para a medição de alguns géneros seccos e menos
pesaaos , como Cal , Carvão , &c.
Mil Litros , ou cem Alqueires , a que pozerão o naose
de KiMitro , dão huma medida numérica de hum valor
correspondente ao Metro cubico, e he efta a maior me-
dida de capacidade 9 a que pareceo pór hum nome par-
ticular.
Para as medidas pequenas segulo-se a mesma ordem ,
c proporção , que para as grandes ; dividirão o Litro em
dez partes , a que charoárao Deci-litro , e cada Deci-litro
cm outras dez partes , a que chamarão Centi-litro.
Erao pois eftas as medidas de capacidade doSyftema
decimal , porém como o intervallo entre humas o. outras
ficava senão grande , era o seu uso hum pouco difficil na
pratica : aíOm por exemplo , para medir cinco Litros ou
Canadas , era preciso encher cinco vezes o mesmo Litro ;
o que além da perda do tempo , occasíonava alguma que^
bra , principalmente sendo em liquidos. Por efte motivo
se aflêntou em dar Padrões de dobros e metades a cada
Tm. V. Ccc hu-
^^á M K M o K I A S
huma deftas medidas , com o que £ca sendo fácil fazer
todas as medições com a maior expedição ; pois que quem
por exemplo quizer ter sete Litros y em vez de medir o
Liâra^ sete vezes , usa da medida do meio Deca-litro e da
dè dous Litros , ambas as quaes juntas dão a quantida-
de que se pertende ter.
Applicaado para nòs cíles mesmos princípios, e con-
servando o mais poilivel a noíTa lin^goagem métrica y vé-se
Ipgo que á unidade a que os Frahcezes chamarão Litra^
deveremos nós chamar Canada, porque em. o nosso actual
S^ftema tambcm efta hea unidade para os liquidos , e tal-
vez para os seccos (i). He certo c^e a Canada- a<:tualde
^sboa he hum pouco maior do que o Litro , pois contém
demais trinta e s^te centefímos (x) , maseftu diSTerença na^
da
(i^ Que a Canada seja a unidade das medidas para os líquidos, hc o ás
que ninguém poderá duvidar , viílo que da multiplicaçáo defta unidade
por doze resulta o Almude , assim como da sua divisão por quatió se ob-
tém o Quartilho: o que pocem ainda se nâo advertio foi , que por accaso
ou deliberadamente também a Canada he entre nós a unidade das medidas
de seccos , ao menos em Lisboa , e nas terras em que os Padrões do Senboi
IXMliflião forão pouco falsificados. Comeffeito dez Canadas rasouradas àào
qtiisl exactamente o Alqueire , pois que sendo , como logo veremos , a Canada
Iguala I, 57$ Litros y e por conseguinte dez Canadas iguaes a 1 5,7$ LUros ^
succede que o actual Alqueire he igual a 1 5, 8 Litro t. Ifto he , somente maior
cinca Centi-Jitros : d^ffereoçi mais pequena: do que 'a que se acha na maior
parte do; Almudes, comparados com as suas respectivas Canadas.
^2) Os Padfóes de liquidos exiftentes na Camera do Senado de Lisboa,
(que como dissemos sâa doSenhorD. Sebaíliâo) foráo ultimamente exami-
nados pela Commissão com o maior escrúpulo , e avaliadbs em medidas cio
Syftema Decimal; e assim se achou ser o Almude igual a 16,9$ LUros ^ e a
Canada igual a i^iJS Litros ^ em vez de o ser a 1,41 como deveria, para
serem doze Canadas exactas as que formas^tem o Almude ; excesso que vem
p^vavelmente , ao menos em parte, de que as medidas da Canada, por onde
sç determinava o Almude, não erao arrasadas, nem mesmo o podião ser,
vifto terem a feridura tâo inferior á sua boca. Suppofta pois efta differença
de- valores , que era impossível consen^ar em as Taboas de reducçáa, havia
hpm de dou& arbítrios panr escolher,, ou determinar o valor do Almude pelo
que SC achava na Canada , oa o da Canada pelo que offerecia o Almude : a
Commissão tomou eíle ultimo partido, por considerar que o Almude era a
medida que regulava geralmente em todos os contractos partrcuiai«s ,. e nas
transacções mercantis-, e aquella em que se tinháo impofto os diffmntes tri-
butes^ que ha sobre os géneros liquidos. Nos Padrões de seccos actiottiii^OLAi-
Económicas. ^tj
da faz ao caso 9 pois como já temos dito, tanto importa qiiè
huma medida seja maior como que seja mais pequena , cotkl
tanto que todos me^âo pela mesma : além de que em hutt
Paiz , em que ha tanta desigualdade de medidas , como
no nosso, seria absolutamente impoíEvel introduzir hudt
Padrão uniforme sem que n'huns sítios foíFe maior, e em
outros mais pequeno , do que aquelle que eftá actualmente
em uso nos mesmos lugares (i).
• Dez deitas novas Canadas: formarão o Alqueire comO
actualmente formão , e cfte Alqueire servirá para medit
tanto os géneros seccos , como os liquidos , sempre com
o mesmo nome e valor , ainda que com differente figura y
Sois o cogulo dos liquidos faz neceíTario que as suas medi-
as tenhão pequeno diâmetro, e a matéria de que as medi-
das dos seccos se coftumão contruir , exigem que a sua for-
ma seja quadrangular. Assim elle virá também a subftituir
o Pote ou meio Almude acmal, eserá hum pouco maior dd
que elle, vifto que o Pote não contém senão 8,475* Litros'^
mas hum pouco mais pequeno do que o Alqueire de Lisboa ,
que contém de mais 38 Décimos ào Litro.
Cem Canadas , ou dez A^ueires ^ tomarião a dcnteni-»
na^ão de Fanga , e nos servirião para as medidas de ge-
Ccc ii nê -
queire igual a 1 5, 8 Litros , o que se determinou , dobrando o valor doniéid
Alqueire, único Padrão a]]i exiftente. Ante) defte trabalho da CòmiAissáD^
tinhão-se feito outras avaliações, porém a mais geralmente conhecida erá a
do Sr. Miguel Ciera , de que se sérvio Mr. Pocton na sua Metrolopa, Segun-
do aqoelle benemérito Professor, tinha o Almude de Lisboa 17,584 Pínííii
de Paris, que equivalem a 16,758 Litros \ e o Alqucife 1,064 BoUsttm^
ou I j,8j Litros: donde se vé, que sendo o Alqueiíe muito prôximametl*
te igual ao que agora se determinou , pelo conitario no Almude ha humá
diffeienqa baílante sensível , e que não podemos attribuir senão a difficul-
dade de rasourar exactamente aquetles Padrõei de liquidas.
(1) Suppofta cfta diversidade, temos Diftritos em que o Litro he quast
igual á Canada , assim como ha outros e:m que sendo a Canada maior , lerit
com tudo igual ao Litro se o seu valor fosse exactamente o de quatro Qutr-»
tilhos. Assim por exemplo, examinando os Padrões de Villai-erde, feitos Wd
anno de 1576 , c que se conserxSo em toda a perfeição , achámos mie tà
3uatro Quartilhos davão exactamente hum Litro , a pczar de que o Padrio
a Canada tinha de mais $ 8 Centésimos. Talvei que cm alguns lugares se
fixetse de piopotito efta alteração a favor dos vendedores por miúdo.
38S Memorias
Beros volumosos taes como a Cal , e o Carvão , e também
para o Sal , qjuando efte se mede a bordo para as carrega-
ções dos Navios (i).
Mil deftas Canadas , ou cem Alqueires , podiâo formar
a medida numérica , a que nós damos o nome de M070
quando a applicamos aos seccos , ou de Tonel quando a
appUcamos aos liquidos. Eftas medidas numéricas ainda ,
se he poíEvel , importa menos do que nas medidas reaes ,
que tenhão efte ou aquelle valor , que exprimão maior jou
menor porção de Alqueires , com tanto que por toda a par-
te signifiquem à mesma cousa (2).
Na-
(i). A Cal mede-se na Cidade de Lisboa pelas mesmas medidas dos
outros seccos , só com a difTerenqa de ser ainda adoptada para efte género a
divisão doMoyo em quatro Quarteirot, e de ter a Fanga somente dousA^
queires: ha porem muitos Diftrictos <fm todas as Provindas , em que as me-
didas para a Cal sâo maiores do que as dos Grãos.
NasEftancias e Carvoarias vende-se o Carvão decepa ou sobro ássaccasi
o Padrão deftas por determinação do Senado he huma grade , que tem de
comprimento 11,4$ Oeci-mctras ou Mãos travessas, ede laigura 6,97 ditos.
OSal em Lisboa mede-se aos Alqueires, mas o Decreto de i S cfcNoi-en*-
bro de 1757 eftabeleoe, para mab pronta medição do que se carrega em Na-
vios, hum Cubo grande sifFerido, que leve de doze até vinte Alqueires, o
qual se ponha sobre as Escotilhas , ou no lugar que parecer mais conunodo,
e tendo no fundo hum poíligo de aldrava , se possa efte abrir quando o Cubo
eftiver arrasado, para descarregar o Sal no porãa Ha também muitos Diftri-
tos , que tem para efte género medidas differentes das do& outros > e de
maior capacidade
Parece pois que toda^ eftas matérias se deveriáo medir pela mesma e
única m?dida de capacidade , e pelas divisões, e múltiplos que lhe assigna-
mos ; nefte caso a medida ds dez Alqueires seria muito própria para subfti*
tu ir as saccas de Carvão , e o seu dobro equivale bem á que agoca eftá em
uso para medir o S4I a bordo.
(2) Ainda que as medidas de Moyo , e Tonel sefão meramente numéri-
cas, exprimindo huma, certa quantidade de Alqueires, ea outra o dobro da
Pipa^, com tudo efta Pipa he huma medida real , que também entre nós
tem variado. O Alvará de 26 de Outubro de 176^ no §. 19 e ao, susci-
tando a boa fc eftabelecida no Senado desde a Carta do Senhor Rei D. Fernan-
do de 24 de Setembro de 1414, manda na conformidade delia, que ninguém
possa introduzir na Cidade de Lisboa vinho em Pipas desiguaes, mas que to-
das deveráó ser fabricadas pela Pareya de 50 Almudes. Em consequência des-
te Decreto determinou o Senado as dimensões que devião dar-se ás Pipas, d
eftabeleceo hum Padrão de Conea , declarando no assento, que se tomou
£ t: t> 'N o M I c A s. 389
Nada embaraça a que se dem a eftas medidas , ifto
he, á Canada, Alqueire eFanga, dobros e metades para
maior promptidâo nas diversas medições usuaes j e que o
M070 ou Tonel tenha também a sua metade , a qual cor-
responde com baftante exactidão á noílà Pipa actual.
Pelo que toca ás medidas pequenas , teremos o Deci-
mo, e Centésimo daCaiiada: a primeira deftas medidas
equivale pouco mais ou menos ao oue chamávamos até.
aqui Três ao quartilho , e a segunda que he dez vezev
mais pequena , terá uso nas Boticas , e ainda mesmo para
os Licores fortes.
Igualmente ao que praticámos no Capitulo antece^
dente ^ para de hum golpe de vifta fazermos conhecer os
nomes e valores deftas novas medidas de capacidade , e a
progressão em que saò determinadas , accresccfntaremos a
seguinte Tabeliã.
Medidas de capacidade.
Moyo. KiMitro - - 1000
Fanga. Hecto-Iitro -------- 100
Alqueire. Deca4itro ------- lo
CANADA. LTTRO , unidade igual á Mao
travessa cubica ------ i
Decimo da Canada. Deci-litro - - - - 0,1
Centésimo. Centi-litro ------- 0,01
CA^
a esse respeito , que „ no diâmetro da cabe<;a da Pipa tem dois palmos e
,, meio , três décimos e hum quarto de Poilegada ; no comprimento tem
9, seis Palmos , ties outavos , e hum quarto de Pollegada ; e na circunferen-
„ cia tem doze palmos , dous décimos e hum quarto de Pollegada ,,.
Na Cidade do Porto, e para o trafego da Companhia dos Vinhos do Al-
to Douro, mandou-se pelo Alvará de 20 de Dezembro de 177) que as Pipas
contenhão ai AIniudes, medidos pelo Padrão da mesma Cidade.
Sendo porem o Tonel igual a cem dos novos Alqueires , ficaria a Pipa
ou a sua metade igual a cincoenta , ido he , a quinhentos LHr§s , e viria
por conseguinte a fazer Imnia pequeníssima differença da actual Pipa de Lis-
Doa, a qual contendo trinta Almudes, he igual a $08, $ Litros, Efta maio-
ria que não chega a hum Pote , he pouco ponderável em hum tão grande
volume.
?90
Memorias
CAPITULO X.
Das medidas de Peso do Systema Metro-decimal.
H
Um volume de agoa defiilada igual ao Decimo cn^
bico do Metro ( Mâo traveíTa cubica ) sérvio de base para
todas as medidas de peso. Escolbeo^se a aj?oa pOF ser o
liquido mais universal na Natureza , e aqueue que em to-
da a parte se podia obter igualmente puro , buma vez que
foíTe deftilada. Mas como ainda aíEm o mesmo volume
de agoa varia de peso , á proporção do maior ou menor
CTáo de calor em que se acna (i) , em pregou -se com pre-
ferencia aqueile jem que eílá na sua maior condensado,
ifto he , o em que paíia do eftado de gelo ou de solidez ,
S|)ara o eftado de liquido (a).
^ Efta Mão travefla cubica , ou Canada de agoa , na tem-
peratura do degelo , deo hum peso , a que chamárâo Kilo-
^ramma ou Libra , e equivale com pouca differença a dous
dos noíTos Arráteis (3).
. Dez
(1) Nao só a agoa, mas todos "os corpos , c principalmente osMetaes, se
contrahena com o fiio , e dilatão. com o calor ; por isso dever-ss-ha entender que
o Metro ^ e todas as outras medidas deíle Syílema , para estarem na sua maior
exactidão se devem pôr no ponto da degelo , no qual se fiíetSo as experiên-
cias pai^ as determinar : mas he certo que nos usos ordinários náo se requer
esta táo grande- prohncidadft,
(2) A d^termioaçto da unidade de peso era de bastante difíiculdade pelas
delicadas experiências que exigia y ainda depois de escolhido o liquido ,
« a sua temperatura. He claro que este liquido devia ser pesado dentro de
hum vaso , que contivesse exactissimamente aquells volume, e a perfeita
construc(;ão deste vaso era muito difficultosa , assim como a sua veriificação.
Além disso estas experiências deviio ser feitas no vácuo por causa das v*i-
braqoes c peso da Atmosfera, que nellas influiria sensivelmente. A brevida-
(k desta iVlemoria não nos permitte mais do que indicar estas idéas , que se
poderão ver desenvolvidas na Obra que ji citamos , e em muitas outras.
Q) OKil<h^ramma ouMáo tra^^essa cubica, nlo he propriamente a un>'
dade do Systema métrico Francez , mas sim huma milésima parte desse Kii^
gramma , a qual por isso se chamou simplesmente Grúinma ; mas a compara-
ção que temos que fazer com os nossos pesos actuaes , fez-nos neGenyia
ECONOMICJIS. yfft
Dez Kth-grammas ^ e cem KUo-gramntãs à& osrpceot
maiores de que pede haver nectílkiaiac na pratica^ e já es*
te ultimo A€ baftantemente grande^ paia se ir.anear cem
facilidade.
Mil Kilo-grammas fórmâo hum peso muito, próprio
para subftituir a noíTa Toneilada de Mar.
Nos pesos para baxo do Kilo-gramma , ha <> Hecío^
gramntã y que he dez rezes menor doaiie elle» e o Deci-
gramma oue ke cem rezes meiK»-; finalmente ba nGréFm^
ma y que ae o milésimo da Libra ,. ou mil vezes menot
do que etla ^ e que corresponde com peducniíEma dííFeren-
ça ao nofla Escropulo. Eftes pesos sao Daftantcs para po*
sar todas as matérias grofleiras , principaimente tenda dcH
bros e metades , pois nefte caso ficão sendk> em maior nu«
mero , e mais bem combinados do que os nossos actuaes. r
Não succede porém aHim nas una^ecias preck»aa y c
nas drogas medicinaes; o* valor de humas^ eo p^tigp que
podem causar as outras , exigem huma maior subdivisão ,
a qual se consecjue com o Decimo , e Centésimo do Gram^
ma , onde se poderi parar com eITa. ^. O
Applicando a Nomenclatura Portugueza aos pesos Dc-
cimaes , do mesmo modo que fizemos, nas outras partçfc
do Sjrftema métrico, vemos que a Canada d^agoa deftila-£
da ou Krlthgramma tem hum peso , como fica dita, mtií-
to próximo a dous dos nossos Arráteis. Com effêito o
Kifthgramma pesa mil Grammas , e dous dos nossos Ar-
raieis pesáa novecentos e dezoito ; vindo a haver a difl[t>
reaça ae quarenta e hum Grammas em cada Arrátel (i);;
por
pequena alteração, que nada inâue essencialournte noSystenria, e que deal-
l^unru sorte he bem fundada y pois foi com o Kiiáh^ranunã , e náo com.
Q Gramma ^ que realmente se íizerSo as experíenciai para determinar a unida*
4c de pesa «
C') Segundo a avaliação feita pelo Su Ciera, que também examinou es.
nossos pe^s juntamente com as outras medidas , era o Arrátel igual a»
O, 9J7- LibwB , peso de Marco de Paris, iflo he , a 4^8,6 GranunoJ, ACom-
97ÍSS30 desejando determinar com toda a exactidão eAe valor, passou d Real
Casa da Moeda paia examinar a Pilha de Arrátel , que alii se conserva entre-
gue á vigilância do Provedor da mesma Ca«iL^e debaxa da. sua chave; j^lai
392 Memorias
por iílb páreceo que efta nova unidade de peso se cha«
xnaíTe Libra i lembrando que houve n'outro tempo hum
Seso aíEm chamado que continha dous Arráteis» Efta uni-
ade , ainda que muito diversa da actual , tem a vanta-
gem , de que a meia Libra pode ficar conservando o no-
me de Arrátel , sem desmentir consideravelmente do valor
que affora tem.
Dez Libras deftas ( que vem a fazer com bem pouca
diíFerença vinte e dous Arráteis dos actuaes ) fbrmaráõ a
Arroba ; e cem Libras , ou dez Arrobas , daiâo o Quin-
tal : Efte Quintal he certo que fica quasi o duplo do
actual j mas por iífo mesmo metade delle corresponde ao
que agora eftá em uso (i).
A Tonellada , que entre nós tem mil setecentos e vin-
te e oito Arráteis y ficará tendo mil Libras ou dous mil Ar-
ráteis dos novos y e a differen^a de huma para outra náo
será muito grande , attendendo a que aquelle peso he me*
ra mente numérico.
• ^_^ _^ ^Qs
qual se afferem todos oscuttos (lesos, tanto os que eíláo alli em uso , como (X
ási Cidade ; e achou que o sobredita Arrátel era exactamente igual 3459 Grúm-
mas y e por conseguinte excedia em quatro décimos de Gr^mm tf o valor deter-
minado pelo Sr. Ciera. As experiências por onde ifto se decidk) forão feitas
com a maior cautela , em Balanças exactisslma» do Gabinete de Física da
Academia Real das Sciencias , as quaes depois de carregadas com o duplo da-
âuelíe peso, ainda erâo sensíveis a hum Mili-gramma: além disso, depois
e se ter pesado pelo methodo ordinário , também se equilibrarão os pesos em
huma só bacia; o que offeiecendo o mesmo resultado, deixou plenamente
convencida a Gommissâo de que aquelle era o seu valor. Pode bem s^r que o
Sr. Ciera , e outros que depois delle íizerâo o mesmo exame, eobtiverão resul-
tados algum tanto diversos , se nâo servissem da mesma Pilha de que se sérvio
a Commissáo , que com tudo he indubitavelmente a mais exacta e legal.
Deve-se advertir, que eftas experiências foráo feitas na Casa da Moeda
no dia 1 4 de Abril do corrente anno , tempo em que já eílava impressa a
ultima Nota ao Capitulo V. deíla Memoria , por isso alli se deo o nosso Ar-
rátel igual a 458,6 Grammas: agora porem que elle eftá dotenninado igual
a 4$9, sâ conhecerá ainda mais a sua identidade com o Arrátel Hespaoholy
que ji dissemos equivaler a 459, 8 Grammas,
(1) A nossa Arroba que he igual a 14, 688 Ki7<i-^rtfmmiri, ficallo-ha sen-
do somente a dez, e por conseguinte será muito menor do que agora: pelo
contrario o Quintal, aue tinha o valor de ^^^f^iKilc-grammaSy ficará de
cem , e asua metade de cincoenta.
Económicas. ^P3
Nos Pesos para baxo de Libra teremos q Declino e
D Centésimo delia , mas he impoffivel parar aqui a divisão
como nas outras medidas, pois a toao o iní^ante se es-
úo empregando pesos muito mais pequenos ; e aílim tere-
mos o MiUesimo da mesma Libra com nome de Escropúlo'^
por -se diiíFerençar muito pouco do Escropulo actual (i). -
Nas Boticas, e para os géneros preciosos , haverá alem^
dos outros pesos maiores que forem neceíTarios , o Decimo
do Escropulo , a que se poderia chamar Decil^ e que he
mui proximamente igual a doisGraos dos actuaes (2); e
o Centésimo do Escropulo ouCr/ií/7, onde bafta que pare
a divisão , porque com eftes pesos se poderá calcular até
ás porções mimmas, muito mais do que agora.
As denominações e valores deftes novos pesos são os
seguintes :
Medidas de Peso.
Tonelada -----.--- rooo
Quintal .--.---'--- 100
Arroba. Myria-gramma - - - - 10 õl
l^l^Kk. KILO-GRAMMA ' . - r ^
Decimo de Libra. Hectihgramma - - 0,1 .'J^
Centésimo de Libra. Deca^gramma - 0,01. * :.
ESCROPULO. GRAMAíA - - - 0,001
Decil. Deci-^ramma ------ 0,0001
Centil. Ccfitt-gramma ----- -^ 0,00001
Depois de termos dado neste Capitulo e nos prece^
dentes os Mappas particulares de cada espécie de medi-
das, pareceo conveniente , para mais fácil intelligencia de.
pessoas pouco habituadas a estas matérias, e para se CO7
nhecer melhor a liMção de todo O Systema , reunillas na
seguiiíte Taboa. Ella não faz em substancia diflPerença al-
guma das outras ; mas para maior uniformidade tomou-se
Tom V. Ddd a*
; ; ' i ■ ' ■ ' . ." ' \
CO Of Esccopuk) actual he; naior do que o que se prppde , somente àeat-
noye Çentptimos ou Ctntii. '\ ,
(a) O Grão he igual a 0,04.9^ Granu por coiiseguir^çe dous Grão»
lerlo iguaeâ a~ 0,0996 Grammas\ o qiie faz coni que meio DçtfiV tcohâ
quasi exactamente o mesmo valor do Grão actual.
^94 MsjkioitiAS
a Máo travessa yOu Decimo do Metro ^ por unidade das
medidas liqeares, em vez dç sç tpmar o mesmo Metro i
além di«K> qs valor^^s das medidas para baxo da unidade
sâo exprimidos em fracç6e^ e nâo em d^cimaes , para 09
que^ estiv^r^m mais práticos naquçUe calculo; finalmente em
Itigar d^ Qç íàzer,çomo nps Capítulos anteriores , em cada
^pecie dempdida huma Progressão simples, que principias-
se m tcfnío inaior , e viesse descendo de dez em dez até
00 ultimo , poz-se a Mão travessa ou unidade métrica como
primeito termo , o qual na sua Progressão crescente dava to-
das as medidas maiores, do que ella,e na sua Progressão
^ecrescçnte todas as mais pequenas , ou inferiores á unidade.
CAPITULO XI.
Dos oisiaeulos que se podem oppár dintroãucção do System
ma Metro-decimal y t das meios para os vencer.
Taboadas de reducção das medidas e pesos
de Liskoa*
o
Syftema Metto-decimal y de aue acabamos de dar
huma ligeira idéa , reúne sem duvida , como já se terá
percebido , todas as vantagens de que hum Syftema métri-
co he susceptível : a base em que elle se funda he real ,
fixa t e permanente ; as difièrentes espécies de medidas de
estensão , de capacidade , e de peso , são ligadas entre si
tão intimamente, que de qualquer delias se podem dedu-
zir todas as outras ; finalmente os seus divisores e múlti-
plos seguem huma ordem simples, uniforme ^e amais ada-
ptada á noílà actual numeração.
Pouco pcróm importarião todas eftas vantagens , pou-
l.co çn[i|iaraçaria que eftc syftema foíTe reconhecido bom,
è proveitoso, se na sua execução tiveíTe obftaculos insuoe-
taveis , como alguna parecem persuadira : eftes obftaculos
«pdem*i«e reduzir essencialmente a três ; o primeiro a di&
ncoldade que o Povo , a maior parte ignorante, teria de
vfxiàx aa miadas a.qw eftá habituado desde a sua in-
OMENCLATORA PORTUGUEZA.
Medidas d£ Peso.
Nêmes,
VaJorer.
!
Tonelada
looo Libras
Quintal
ICO Líbias
Anoba
IO Libras
UBRA
\ Unidade de Peso, igual ao da Agoa
\ destiJlada , contida no Cubo da Mão
í travessa.
fe.
ECO-KOMICAS*. ^^^
£incia , e de adoptar outras novas y Cujo9 valores e cíivi-
sòes ainda oâo conhece ; o segundo , a confusão c embaraço
que eftas novas medidas devem fazer nós arrendamentos:,
|>eiisÒes , e direitos , que se pagão em géneros , e que forao
eftipulados pelos pesos e medidas antigas ; o terceuo final*
mente os enganos , que os vendedores podem fazer aos com*
pradores , por se darem ás novas medidas os mesmos no-
mes das antecedentes , a pezar de ter a maior parte delUs
hutn valor muito menor. Eftes três argumentos , ainda que
parecem sólidos á primeira vifta , nem por iflb tem mais
realidade , como vamos demonftrar.
Huma reflexão ^e deve desde logo diminuir muito
a sua força , he que vifto que huma semelhante reforma se
reconhece útil , vantajosa , e, mesmo neceíTaria , não se de^
verá renunciar á sua execução , senão depois de se demons-
trar que he absolutamente impoíOvel; não sendo porém ser
não difficil , devem buscar-seos meio» de deftruir e aplanar
eftas diíficuldades , que não são tamanhas como se propõe.
Vimos no principio defta Memoria , que poucos forão
os Monarcas até ao Senhor D. Sebaftião , que entre nò$
não alterarão os pesos e medidas, e ifto com tanta facill*
dade qiie alguns o fizerão duas vezes dentro de pqucos an-
nos : he certo que a maior parte deftas reformas não foi
avante, mas nunca pelo motivo de se não poderem habii-
tuar os Povos ás medidas novas ; o que parece ser indubi-
tável, porque neíTe caso não se esqueceriao eliesde propor
efte inconveniente entre tantos outros , e alguns tão frívo-
los , que lhe occorrérão. Além diíTo , se efta nova introdup-
^o fofle impossível, igualmente o teria sido a quê o Se-
nhor D. Manoel fez a respeito dos pesos , e com ítudo elr
les forão uniformados exactamente , e desde aquelle tempo
até hoje se conservão com bem oequenas differenças.
^ Porque motivo se reputara mais difficil introduzir
no Reino o uso de huma nova medida , do que o de hu-
ma Jíoeda nova ? A razão he a mesma, e a pczar diílo
em noíTos dias vimos circularem Moedas Fràncezas , tíes-,
panbolas , e Inglezas , no que não houve a mçnor ÁSiouU
Dddii , da-
396 Memorias
dade, vifto ter-se primeiro determinado a sua feia ção com
as noíl^s y como igualmente se deverá fazer nas medidas
antigas com as modernas. Hum exemplo poràm , que mais
que todos eftes deve fazer desvanecer os escrúpulos das
suppoftas dificuldades , he o modo por que entre nós se es-
ta oelecco o Papel-moeda , o qual tem baftante analogia
com a matéria de que tratamos.
G>m ci&ito hum longo uso nos impede já de adver-
tir em algumas incoherencias^que ha entre a Moeda Portu-
gueza e as suas divisões , e o noífo Syftema de numeração
actual. Sendo o real o valor Ínfimo , ou a unidade de que
dllas se compõem , e a que se reduzem , deveríamos ter y para
seguir a numeração decimal, Moedas de dez réis, de cem
réis , de mil réis , de dez mil réis , além dos termos inter-
médios, que pareceíTem neceffarios (i). Havia porém em
parte buma razão plausível para ifto aífim se não fazer , e
toi ^pierer-se (]ue as Moedas liveíTem pesos correspondentes ^
fáceis de verificar, devendo aífim seguir as mesmas divisões
que elles seguiao \ ora como no Papel-moeda 1^0 havia efte
motivo , com toda a razão se eftabelecêrao as Apólices de
dez mil réis y a que derao meios e dobros ( coma propo-
mos para as medidas ) , com as quaes se faz muito mais fa-
cilmente 'o calculo do numerário; sendo diíTo huma pro-
va evidentiílinaa , e hum prognoftico do que deve succeder
com as novas divisões das medidas , preferisse o uso des-
tas Apólices, ás de seis mil e quatrocentos , e doze mil e
oitocentos reis , que depois se fabríciíao ; cujo computo he
muito mais dificultoso , a pezar de terem o mesmo valor no^
minai da Moeda metálica , a que todos eftavâo coftumados»
Em quanto á confusão, e embaraço , que as novas me-
didas devem causar a respeito dos Contratos anteriores ao
seu eftabeiecimento , que he a segunda objecção que aci-
ma ponderán[K)s , não pode duvidar-se que eíle argumento
se-
(i) Falíamos da Moeda no seu eft^do actual , pois antes de se lhe levan-
tar o valor pela Lei de 4 de Agofto de \t%% a sua divisSo era mais unifor-
me e decimal , havendo moeda de dez , vinte , quarenta réis; cem , dimn-
tos, quatiocentoi réis; milj dois mil, quatio mil réis;
Económicas yyj
seria bem fundado , se semelhante plano se pozeíTe em
pratica , sem nenhuma precaução antecipada , como vimos
ter-se praticado em tempos mais antigos. Agora porém he
evidente que , antes de se introduzir o Syftema Metro-de-
cimal , se deverá fazer a comparação e reducçâo de todas
as medidas , que eftâo em uso em os diifercntes Concelhos
do Reino , para eftas que novamente se lhe derem ; que es-
tas relaçóes se deverão determinar com a maior authentl-
cidade poífivel , e delias imprimir taboas não só para as
respectivas Camarás , mas para todas as outras repartições
SuoUcas em que poesão vir a servir, e ainda para o uso
os particulares. ^
Para darmos hum exemplo da fórma porque eftas Ta-
boas deverão ser conftmidas , ajuntaremos no fim do Ca-
Çitulo as que já se calcularão para as medidas e pesos de
isboa , e accrescentaremos hum methodo ílmples para por
ellas se reduzirem as medidas actuaes ás medidas novas ^ ^ .^
e vice versa. Parte mesmo deste trabalho pode já olhar- »' ' . * ^^
se como geral para todo o Reino , vifto que os pesos , e ^ . « . ^5^
medidas lineares são iguaes em todo elle, e que as peque- ' ^ •
nas alterações que possa haver se deverao reputar iflegaes "* /
e fraudulentas; restando afllm tão somente para av^aliar as ^ - . ''
medidas de capacidade dos differentes Concelhos , pela nor- , • * í'"*
ma que agora o são as da Cidade de Lisboa.
Feitas pois e divulgadas eftas Taboas de reducção >
cabe por si mesmo o terceiro argumento do engano que o
vendedor pode fazer ao comprador , que ainda não conhe-
cer bem as novas medidas : he mesmo para notar , que efte
engano seria muito mais. para temer se eftas novas medi-
das foíTem maiores do qile as actuaes \ nefte caso ainda o
vendedor se poderia aproveitar da semelhança dos nomes ,
e da içnorancia 'do povo', para medir ou pesar pela medi*
da antiga, pois niíTo achana muito lucro: sendo poróm os
pesos e meaidas novas mais pequenas, como pode kmbrar
que o vendedor engane, medindo pela medida .velha ? Não
seria ellè unicamente o prejudicaco , e não receberião o»
compradores mais do que realmeme lhes pertencia ?
39* Memo ri a s
7aboadas para converter qualquer numero de Medidas
I.
Medidas Linbarbs.
1
Varas em
Mãos Tra-
vessas.
N.
Fracf. da
Vara em
M. Tr.
N.
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Económicas. 399
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Económicas. 401
antigas de Lisboa em Medidas novas y e reciprocamente.
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402 Memorias
Tahoadas para converter qualquer numero de Medidas
III.
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Libras.
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Libras.
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ECOMOMIGAS. 403
antigas de Lisboa em Medidas novas -^e reciprocamente.
III.
Pesos.
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Libras.
Libras.
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0,00149
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0,14344
40
0,00199
50
0,17930
JO
0,00249
60
0,21 $16
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0,00299
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0,28687
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0,00398
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90
0,00448
100
0,35859
100
0,00498
Eee- ii
Uso
'404 Memokias
XJso das Taboadas.
Jr Odem-se com eftas Taboadas resolver os dous Proble-
mas seguintes.
I.® Converter qualquer número de medidas , ou pesos
antigos , em medidas /ou pesos do novo syftema.
2.** Converter em medidas, ou pesos antigos, qualquer
numero de medidas , ou pesos do novo syftema.
Para a resolução do i.® deve entrar-se com o numero
dado na columna da esquerda da Taboa competente , e
marcar o que lhe corresponde na mesma Taboa ; o que
se fará da maneira seguinte.
Se o numero dado for compofto somente de dezenas y
e unidades , busque-se o que corresponde ás dezenas , c de-
pois o correspondente ás unidades^ e a somma de ambos
será o procurado.
Se além das dezenas e unidades , contiver letras de*
cimaes, entre-se de novo com o algarismo das decimas ^
das centésimas , &c. successivamente na columna da es-
querda , como se fossem unidades ; e nos números , que se
acharem , se mude a virgula huma casa para a esquerda pe-
las decimas , duas peias centésimas , &c. e a somma de to-
dos será o numero de medidas , ou pesos novos procurado.
Semelhantemente se o numero propofto exceder os li-
mites da Taboa , se por exemplo for de milhares , cente-
nas , dezenas , e unidades ; busque-^e o que corresponde aa
algarismo dos milhares , como se fofle dezenas , e nelle
se mude a virgula duas casas para a direita j depois se
busque o que corresponde ao algarismo das centenas , e
nelle se mude a virgula huma casa para a direita ; bus-
quem-se por fim os correspondentes aos algarismos das de^
zenas , e unidades: a somma de todos será o numero de
medidas , ou pesos novos procurado.
Exem-
ECOKOMICAS. 405"
Exemplo I.
Converter 75^43 7 Varas em ^^os traveflas.
Var ^
Na Taboa I. a 7000 ' corresponde. 77000,00
a 500 yjoOjOO
a 40 A^fio
a 3 • 33>«^
a T 3,6 7
a 75437 Z^976,67
Exemplo II.
Converter 726,5' Covados em Mãos traveflas.
Na Taboa I. a 700 ^^' corresponde . 4760,00
a 20 136,00
a 6 ...... 40,80
a Q>5 3> 4Q
a 726,5 4940,20
Exemplo IlL
^ Alnu ^.Ca/i. , QiiartUh, ^
Converter 754 8 3: ^m Can. novas.
Na Tab. II. a 700 ' corresponde . . 11 865,00
a 50 847,50
a 4 67,80
a 8 1I930
a f 1,06
a Y 0,18
a 754 8 7 e j . . . 12792,84
40^
MBMOmiAS
Exemplo W.
^ Arrêh. Arrat. Onç. Ca. Gr. -. .,
Converter 94 27 9 j 43 em Libras.
NaTab.III. a ^o^rí-oh. corresponde . . 1321,92000
• a 4 . , 58,75^00
a 20 ^^''^' 9,18000
a 7 3,21300
a 9 ^"f 0,25819
a 5 ^'^- 0,01793
a 40 ^':- 0,00199
a 3 ^0,00015
Arr, ArH, Onç, Ott. G. ,
f. a 94 ^7 9 * 5* 43.1393.343^6
? Para se resolver o 2.* Problema , ifto he, converter
^^ medidas , ou pesos antigos , qualquer numero de medi-
das, ou pesos novos; do numero propofto se tire, o que
na Taboada competente for proximamente menor , e ao
lado defte se marque, o que lhe corresponde na colunna
da esquerda ; com o refto se pratique o mesmo , e aflira
por diante.
Se o numero propofto tiver mais letras de inteiros
que o maior da Taboada , imagine-sc a virgula mudada
para a esquerda tantas casas , quantas forem precisas , pa-
ra que aíiim se comprehenda nella ; e ao numero , que
se achar na columna da esquerda , se ajuntem tantas ci-
fras , quantas forâo as casas , que se haviâo imaginado se-
paradas para a direita pela virgula.
Exemplo L
Converter em Varas 82976,^7 Mãos traveíTas.
En-
Económicas. 407
Entrando na Tab. I. e mudando a virgula duas
casas para a esquerda , temos 829,7667
Tire-se 770,0000 correspondente a 70
55,0000 corresp. . . $
Logo de 82976,67
tirando . 77000,00 correspondente a 7000
5500,00 corresp. . . . $00
476,67
440,00 corresp. ... 4^
33,00 corresp. ... 3
Srfo 7í43,f Varas. ^ .^'fe?
Converter em Almudes e Canada» Velh. 11791984 u ^Í-:írX4ás^
a 700 Almudes . . . ii865', oo_
917,84
a 50 • 847> fo
80,34
a 4 ..... . . 67,80
12,5'4
a 8 í""" 11,3
a ^. ...... 1,24
Sao 745 8 t antigas
Exem-
4oS Memorias
Exemplo IIL
Converter em pesos antígos I393>34326 Libras.
* a 90 arrobas, , . . 1321,92000
7M-2326
a 4 58,75200
12,67126
a 20 arrotes. , , . 9,l8000
M9I26
a 7 3>^^3Q Q
0,27826
a 9 ^''f*'- . . . 0,258 19
0,02007
a 5 OiUvas. , . , 0,01793
0,00214
a 40 ^'•- ... . 0,001 99 '
a 3^ 0,00015
São 94 '^fTob» 27 ^i^ot, p Onç. c Oit, A2 Gr.
CAPITULO XH.
Conclusão.
X Rincipiámos esta Memoria mostrando que a diversida-
de , e desigualdade de pesos e medidas causa hum prejui
zo considerável ao Commercio , ás Artes , e á Agncultu
ra; vimos depois que grande parte dosnoíTos Monarchas
apenas principiámos a figurar no Mundo como liuma ISIa
çao polida , e Commerciante , buscarão com mais ou me
nos eíficacia eftabelecer a sua uniformidade , que com tu
do não se conseguio senão em parte , pelos máos execí
tores que tiverão as suas previdentes determinações. De ra-
do
Económicas. 40^
do iSo Tesolta acharmo-nos actualmente c^irasi na mesma
conjfudo ' da primitiva , e sem que as Leis exiftentes se-
jâo capazes de atalhar os males , e abusos que d'aqui
provém,
Nefte eftado de cousas ,quc exigia hum prompto eeffi-
caz remédio, desejando o Príncipe Regente N.S. como Pai
de seus Povos promover por todos os meios a sua felicida-
de, deferindo áPropofta daComraissâo <lo exame dos Fo-
raes c melhoramento da Agricultura , mandou que a mesma
Junta , com alguns Sócios da Academia R. das Sciencias y
propozeíTeiii hum Plano de pesos e medidas (]ue juIgaíTem
o mais vantajoso , bem combinado , e próprio dos conhe-
cimentos actuaes. Efta Commissão , aílim formada , medi-
tou attenta e miudamente no grande objecto que lhe erft
commemdo , nas contrariedades que podia experimentar
qualquer ínnoyaçao , e nos obftaculos e argumentos que a
ignorância lhe poderia oppôr : conheceo porém que efte$
inconvenientes erâo paflageirós , no caso que osiouveflei
que hum syftema aroitrario como era o noílb , ou outro
qualquer que se lhe aproximafle , nâo podia ser pef manen*'
te, nem generalizar-se muito; e que huma divisão de pe>i
SOS e medidas, que nao foíTe a decimal, era de mais <íi^
iicil uso , por iífo que não concordava tanto com a noíla
numeração actual, I>eterminada poreftes principies, e de-
sejando corresponder como devia à confiança quê. o Sobe-
rano lhe moílrava , não teve difficuldade alguma de pro-
por o Syftema métrico que expozemos , e que de quantos
se tem até agora imaginado , ou parece pollivel que se
imaginem , lie o mais facil e bem calculado.
Propondo porem o Syftema Métrico Decimal , julgou
a Commissão que devia conservar do modo poflivel a No
menclatura Portugueza , que ellá em uso. Etta Nomencla*
tura tem desde o seu principio pafTado por tantas altera-
ções, e tem exprimido succeílivae simultaneamente valores
tão diversos, que não he de eftranhar ^ue tenha ainda es-
ta ultima alteração , e que venhão em fim a fixar-se os
seus significados.
Tom. F. Fff As
As esperanças da Comoii^ão mo ficái^illudidâs, ç
Sua Alteia Real houve por bem dppiK)var os^f euB tnibalho9 ,
€ determinar que se deflem as provid^íociasneceflàriaç pa-
ra pôr em pratica o Plano , que elia lhe propunha. Eus Re-
solução faz a maior honm ap Príncipe Regente N. S. a
quemeílav^ reservada a gloria de Calçar aos oé^ o pueril
ciúme de se «doptar o que he bom das outras Naçóes ; de
abrir efta nova fonte c^ prosperidade Nacional , dç des<-
truir o& obftaçulos , que por eíle lado opprímiáo o Com^
jnercio na sua marcha , e de fazer desapparecer dos seus
vaftos Domínios a. desigualdade de medidas , que era hum
laço çontijnua mente, armado á rectidão e i boa fé^ E em
que época tomava Sua Ahezaeíla Resolução? Quando mil
aegoçtps urgentes deviâo absorver todo o seu tempo; quan-
do- eftava separado de nós por huma diftancia immensa -^
ouando motivos ou algumas contemplações externas po*
alão influir a efte respeito ; quando as outras Naç6es Éu-
ro:p€^$ (além da França e de parte dos seusAlliados) ain-
áa vâçi tinháo dado paiTo , que indicaílè seguirem aquelle
Syfteam ; e quando em íim era somente a utilidade dos
seus Vaílàllos a que lhe servia de eílimulo para aíCm o
determinar.
IJao he -corç» tudo efta a primeira vez, que o exem-
.plo de Sua Aíteza tem feito abrir os olhos aos outros Ga-
iinetesxda Europa sobre os seus interelTes, ehe muito pro-
vável que novamente aífim aconteça. Já nfiesmo a igualda-
de de medidas principia a merecer a atten^âo de muitos
Soberanos. Propoz-se ultimamente no Parlamentei Inglez , e
nomeou-«e huma Commissâo para ellas se regularem em to-
do p Reino Unido , eno CongreíTo Gennanicahum dos
pontos que se deve determinar he a igualdade , e o uso ge-
ral dis mesmas Medidas em todos aquellesEftados: nada
porém eftá ainda decedido a efte respeito , pofta que he
de esperar que todos venhâo por fim ao mesmo Syítema ^
a não haver a íutil presumpçao de quererfàzer innovaçóes^
ainda que para peor. Se aflim acontecer , que vantagens
n^o resultaráõ da adopção geral deite Plano ? e com tudo
oás
Económicas. 411
nós seriamos os primeiros a dar o exemplo defta útil re-
forma : os Eftrangeiros que tantas vezes tem rediculizado
o noíTo afferro ás InftituiçÕes antigas , serão obrigados a
dar-nos ao menos nefta parte a primazia ; e a Poiteridade
que lerá com admiração e espanto a Hiftoria de Portugal
na ^poca presente , notará efte acontecimento como hum
daquelles que mais servirão para a iiluftrar.
Fffil IN.
. J" '.
.ZI
/ /'
INDICiE
•DAS
MEMORIA Si
Qi^e se contém ncsté Quinto Tomo.
M
EMORIA , Sobre a intradtfccão das Ga-^
daffbas Alemãs^ e Flamenga em Portugal ^ iMt
JoXquim Pediío FhAôoso de SiQUErRA. ' Pag. i.
MEMORIA ,\yi?*rf a Cultura ,e utilidade dos Na-
tos na Comarca de Trancoso , por JoAo Ma-
noel DE Campos de Mesquit>\ 45^.
MEMORIA , Sobre os Terrenos abertos , o seupre-
juisso na Agricultura , e sobre os differ entes me-
tbodos de Tapumes , por SebasfiSo Francisco
Mendo Trigoso • ^3»!
MEMORIA , Sobre o estado das Pescarias da Cas-
ta do Algarve no anno de 1790 , por Constan-
tino Botelho de Lacerda Loro •94,
OBSERVAÇÕES BOTANICO-METEOROLO-
GICAS Do anno de 1800 afeitas em Tiomar^
por JoSE* Veríssimo Alvar.es da Silva. . * i^S.
MEMORIA , Sobre a Urzella de Caba Verde , por
JoXo DA Silva FErJo^ •.•..•..•. 145-,
MEMORIA y Sobre o modo de formar hum Plano^
de Statistica de Portugal , pela Visconde da
Lapa, Manoel i>b Almeida. * ^ .. ^ ^ . icc.
ENSAIO ECONÓMICO, J^í^^re as libas de Cabo
Verde ycnt 1797^ por JoÂo. da Silva Feijo^ . i72*
MEMORIA HISTÓRICA^ Sobre a Agricultura
Portugueza considerada desde o tempo dos Ro^
manos até ao presente , por José* Veríssimo Alí-
YARES DA SlLVA« .. ^ ^ ....... . 194»
'•i'ii-»-
414 ÍNDICE,
MEMORIA, Sobre a Defcrfpçno Fisica e Eco-
nómica do Lugir da Marinha Grande, pelo Vis-
conde D£ Balsemão. .' ly/*
MEMORIA , Sohve a preferencia do leite de Vac-
cas ao leite de Cabras para íí sustento ds} Cri'
ancas , principalmente nas grandes Casas dos
Expostos \ e sobre éUgumãS outras mattrias^que
dizem respeito d criação delles , por José* Pi-
nheiro DE Freitas Soares 278.
MEMORIA, Sobre os Pesos ^e Medidas JPf^ttfg^e-
. %as y e sobre a Introducção ao Systema^ Metro"
^ Decimal , por . SebastiXo Fra^uCIsco^íMendo ,
Tmqqsq* • « , • • .
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w- 1
CATALOGO
Das Obras ja impressas , e mandadas compèr pela Jccdunúa P cal das ScU/f
cias dt Luboaicom os preços ^ por ^nc cada hwna dcUas se vende bro*
chada.
I. Xj Revés Instnia;6cs aos G)ne5poní?entcs da Academia sobre
as remessas dos prpductos naturaes , para formar hum Museu Nacio-
nsl^/oJh. S.** 120
II. Memorias sobre o modo de aperfeiçoar a Manufactura do Azeite em
Portugal , remettidas i Academia por João Aiitcnio Dalla-£ella,
Sócio da mesma , 1 voL 4.^ 480
III. Memorias sobre a Cultura das Oliveiras em Portugal ,remettidas
á Academia pelo mesmo , 1 vol. 4/' 4S0
IV. Memorias dé Agricultura premiadas pela Academii , 2 voL 8.^ . 96O
V. Paschalbjosephi MelUi Freirii Historias Júris CivilisLusitaniLiber
singularis, i vol. 4.**. . Í4O
VI. Ejusdem Institutiones Júris Civilis et Crimiiialis Lusitani , ( . g
vol. 4.** 24CO
VII. Osmia, Tragedia coroada pela Academia, /flM. 4.»' .... 24
VIII. Vida do Infante D. Duarte , por André de Rezencfc Ji/A. 4.° iGo]
IX. Vestígios da Lingoa Arábica em Portugal ^ ou Lexicon Etymolo-
gico das palavras , e nomes Portuguezes » c^ue tem origem Arábica ,
composto por ordem da Academia , por Fr. João de Sousa , i vol. 4.** 4S0
X. DominictVandelliViridarium Grysley Lusitanicum Linnaeaois no-
minjbus illustratum, i vol. 8.** 200
XI. Ephemertdes Náuticas, ou Diário Astronómico para o anno de
1789, calculada para o Meridiano de Lisboa, e publicado por or-
dem da Academia, 1 vok 4." ^6»
O mesmo para os annos seguintes ati^ 1809 inclusivamente.
XII. Memorias Económicas da Academia Real das Sdeocias ék Lis*
boa^ para o adiantamento da Agricultura , das Artes, e da In-
dustria em Portugal , e suas Conquistas , $. vol. 4." 40CO
XIII. Collecçãa de Livros inéditos dè Historia Portugueza , dos Rei*
nados dos Senhores Reis D. Joãa L D. Duarte , D. Affonso W e
D. João II. j \oL Jol ^, 5400
XIV. Avisos interessantes sobre as mortes apparentes , mandados re co>
pilar por ordem da Academia, yiiM. 8.^ gt\,
XV. Tratado de Eáacsaqio Fysica para uso da NacãaPortogueza , pu-
blicado por ordem da Academia Real âas Sciencias, por Francisco
de Alello Franca^ Correspondente da mesma ^ 1 vol. 4.^ . . . 36O'
XVL
4t^
Catalogo,
XVI. Documentos Arabicps da Historia Portu^ueza , copiados dos Ori»
ginaes da Torre do Toinbo coni permissão de *S. Magestade , e
vertidos em Portuguez , por ordem da Academia , pelo seu Corres-
pondente Fr. João de Sousa, i voJ. 4,° . 4to
XVil. Observaqões sobit as principaes causas da decadência dos Pdr-
tuguezes na Ásia, esaitas por Diogo de G>uto em forma de Dia-
logo, com o titulo de Soldado Pratico ^ publicadas por ordem da
Academia Real das Sciençias.^ pff António Caetano do Amaral,
Sócio Effectivo da mesma, \ tom. 8.** . ". ." 4J0
XVIII. Flora GKliinchinensis; sistens Plantas in Regno Codiinchinae
nascentes. Quibus accedunt aliae observatae in Sinensi Império,
Africi Orientali , Indíaeque locis variis , labore ac studio Joannís
de Loureiro , Regiae Scientiarum Academiae Uiyssiponensts Socii :
Jussu Acad. R. Scient. in lucem edita, 2 vol. 4.^ mai' . . . 2400
XIX. Sjnopsis Chronoiogica de Subsídios, ainda os miais raros, para
a Historia , e Estudo. aiticfr da Legislarão Portugueza; mandada
publicar pela Academia Real das Sciencias, e ordenada por José
Anastasio de Figuenvdo , Conespondeiite do Numero da mesma
' Academia, 2. vol. 4.** igoo
XX* Tratado de Educação Fysica para uso da Nação Portugueza,
publicado por ordení da Academia Real das Sciencias, por Fran-
ja * » «fisco José de. Almeida, Correspondente da mesma, i vol. 4-° . . }6o
,y i' . ; ^XXL Obras Poéticas de Pedro de Andrade Caminha , publicadas de op-
^ • ^v dem da AcaJemia, i vol. S."* doo
XXII. Advertências sobre es abusos , e legitimo uso das Agoas Mine-
. ^ raes da Caldas da Rainha , publicadas cb ordem da Acadbmia Rea\
das Sciencias , por Francisco Tavares , Sócio Livre da mesma Aca-
•* de:Tiia,./tf/A. 4." 120
XXill. -Wemorias de Litteratura Portugueza , 8 vol. 4.^ 6400
XXIV. Fontes Próximas do Codiga Filippino , por Joaquim José Fer-
reira Gordo, Corres poníWnte .da Academia, i.. vol. 4.** . . . . 400
XXV. Diccionario da Lingoa Portugusza , i vol. foL mal 4S0C
XXVI. Compendio da Tti^oiica dos Limites, ou Introducção ao Me-
• thodo das Fluxóes , por Francisco de Borja Garção Stockler , Sócio
da Acai-Miia ,8.** ^ . . . # 24c
XXVII. Ensaio Económico sobre oCommercio de Portugal, c suas Co-
lo.iias', otTerécido ao Príncipe do Brazil N. S.. publicado de ordem
da AcaJeiíua Real áà% iSciencias, pelo seu Sócio Josc Joaquim da
Oackià da Azeiedo Coutiiiho . . 4I0
XXVUI. Tratado de Agrimensura, por Estevão Cabral, Sócio da Aca-
demia, em 8.'* 140
XXiX. Analyse Cbimica da Açoa das Caldas , por Guilherme Witlierinj ,
^\n Portuguez e Iní^lcz , follu 4,^ . 140
XXX. Princípios de Táctica Naval ,• |X)r Manoel do Espirito Santo Lhn-
po , Correspoiídente do Numero da Academia , 1 vol. 8.** . . . ^S."*
XXXI. Memorias da Academia Real ^das Sciencias, •) \o\.foL . « 6a>
C A r A L o d o. 41C-
XXXII. Memoriat para aHâtoria da Capitania de S. Vicente , i V0I.4.® fSo
XXXIII. Observações Históricas e Criticas para servirem de Memorias
ao systema da Diplomática Portuguaza , por Joio Pedro Ribeiro ,
Sócio da Academia , Part. 1.4.*' 4^0
XXXIV. J. H. I^ambert Supplementa Tabularam Logarithmicarum ,
et Trigonometricamm , i. vol. 4.° 960
XXXV. Obras Poéticas de Francisco Dias Gomes, i vol. 4° . . . 8ca
XXXVI. OompilaçSo de Reflexões de Sanches , Pringle &c. sobre as
Causas e Prevenções das Doinças dos Exercites , por Alexandre An-
tónio das Neves: para distribuir-ss ao Exercito Portuguez^/A. 12.® gK'
XXXVII. AdvcTtenciaç dos meios para preservar da Peste. Segunda
edição accreseeniada com o Opúsculo de l^homaz Alvares sobte st
Peste de í^óg.folh. 12.' 12O
XXXVIII. Hippolyto, Tragedia de Euripides, vertida do Grego em
Port u g u e z , pdo Director de huma das Classes da Academia ; cum o
iextú^ i vol. 4.^ 480
XXXiX. Tnboa? Logarithmicas , calculadas até á sétima casa decimal,
publicadas de ordem da Real Academia das Scíencias por J. M.
D. P. . 1 vol. 8.^ 4té
XL índice Chronologico Remissivo da Legislação Porrugueza poste-
rior á publicação do Código Filippino, por João Pedro Ribeiro,
Part. i.% 2.*, ].\ e 4.* . j6oo
XLI. Obras de Francisco de Borja Garção Stock ler , Secretario daAca- tó ,
demia Real das Sciencias, 1 vol. 8.^ 8fòV
XOI. CoUecção dos principaes Auctores da Historia Portugueza , pu- fj
bJ içada com notas pelo Director da Classe de Litteratura da Acade- c
mia R. das Sciencias , 8 Tom. em 8,° «
XLIII. Dissertações Chronologicas , e Criticas , por João Pedro Ribei
ro , j vol. 4.*^ 2400
XLIV. Collecção de Noticias para a Historia e Geografia das Nações
Ultramarinas, Tomo I.° Números i.° 2.° j.® e 4.° 600
O Tomo II 800
XLV. Hippolyto, Tragedia de Séneca; e Phedra, Tragedia de Raci-
ne: traduzidas em verso, pelo Sócio da Academia Sebastião Fran-
cisco de Mendo Trigoso, com os textos 6co
XLVL Opúsculos sobre a Vaccina: Números I. até XI 1 3C0
XLV li. Elementos deHygiene, por Francisco de Mello Franco, Sócio
da Academia , Parte i .* e 2.* 600
XL.V1II. Memoria sobre a necessidade e utilidades do Plantio de no-
vos bosques em Portugal , por José Bonifácio de Andrada e Silva ,
Secretario da Academia Real das Sciencias, i vol. 4.^ . . . . 4C0
!ÍLIX. Taboas Auxiliares para uso da Navegação Portugueza compi-
ladas de ordem da Academia Real das Sciencias , i vol. 4.^ . , 600
T^m. V.
Ggg
£j-
^
418 C A T A T. o a o,
Estão no prelo as segainfcr.
Documentos para a Historia da Ijegislação Portugueza , pelos Sócios da Aa-
demia, João Peiro Ribeiro, Joaquim de Santo Agostinho d; Bit»
Galvão , e outros.
Collecção dos principaes Historiadores Portuguezes.
Collecção de Noticias para a Historia e Geografia das Naç6es Ultraxmrins&
Taboas Trigonométrica? , por J. M. D. P.
Obras de Francisco de fiorja Garção Stockler , Tom. 2P
Côliecção de Livros inéditos de Historia Portugueza , Tool 4.®
Memorias da Academia , Tom. 4."
Vendiem-sc em Lisboa nas lojas dos Mercadores de Livros na Rua das
Portas de Santa Catharina; c cm Coimbra, c no Porto iambcm pelos mesmts
pregos.
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