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RERUM AETHIOPICARUM SCRIPTORES OCCIDENTALES
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A (SiVE>OCJXvO XATI Aiy XIX
CURANTE C. BECCARI S. I.
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P. PETRI PAEZ S. I.
HlSTORIA AeTHIOPIAE
LIBER I ET II
ROMAE
EXCUDEBAT C. DE LUIGI
1905-
J^A^VSSO 'V- ^
J:i^r...' 'SuLi;^
JUL 6 1906
^JfrRAB''^';
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Ahctor stbi vindicat izis proprictatis
HD LEeXOREM.
UANTi facienda sint opera historica et epistolae
virorum illorum, qui medio saeculo XVI ac dein
ceps Aethiopiam, propagandae rellgionis catho
licae causa, petierunt ibique per octoginta continenter annos
commorati sunt, nemo est qui ignoret. Attamen, ut notum est,
ea scripta, hucusque immeritae oblivioni data, in tabulariis
sepulta iacuerunt ; imo manuscriptum p. Petri Paez historiam
aethiopicam a primis usque temporibus continens deperditum
omnino putabatur. De aliis autem manuscriptis, ut ex. gr. de
tribus Tractatibus historicis EmanueUs Barradas, nulla prorsus
notitia habebatur, ut fusius In primo volumine anno superiore
typis edito enarravi (cf. Notizia e Saggi etc. Roma 1903,
Casa Edit. Ital., Parte I, pp. 3-6).
Cum vero nostris hisce diebus plerique docti viri ad hi-
storiam aethiopicam penitus investigandam omni ope et studio
IV AD LECTOREM
contendant, opportunum, ut non dicam necessarium, visum
est ea scripta integra in lucem edere ; in his enim non modo
res a missionariis gestae fuse narrantur, sed et mores, religio,
historia vetus Aethiopiae penitus investigatur, et regionis illius,
tum temporis occidentalibus fere ignotae, situs, natura, cultus
accurate describitur. Horum scriptorum et documentorum ope
fabulae omnes, quae in historiam aethiopicam iamdiu irre-
pserunt et ad haec usque nostra tempora a scriptoribus im-
peritis vulgatae sunt, facili negotio poterunt dissipari.
Aggredior igitur, doctissimorum virorum etiam sufFragio
innixus, editionem omnium eorum operum et documentorum
adornare, quae ex accurata tabulariorum investigatione in
meam notitiam venerunt et quorum elenchum per annos di-
gestum videre est in volumine superius citato.
Confido fore ut labor iste meus in edendis hisce scriptis
cum favore excipiatur, non modo ab historicis et geographis,
sed etiam ab antiquitatum orientalium studiosis ; eo vel magis
quod series ista Scriptorum Occidentalium non parvi erit
adiumenti ad plenam intelligentiam et quandoque etiam ad
complementum et emendationem historiarum ab Auctoribus
Aethiopicis conscriptarum, quae modo cura et studio Ignatii
Guidi, praelo dantur Parisiis in eximio illo opere cui titulus:
Corpus scriptortiin ckristiafiorum orie7italiu7n.
Universam nostram coUectionem sexdecim volumina in-8''
maiori comprehendent, quorum prima novem opera historica
exhibebunt pp. Paez, Barradas, Almeida et patriarchae Mendez,
reliqua relationes et epistolas. Unumquodque volumen praeibit
critica Introductio, in qua de vita auctoris, de eius opere deque
AD LECTOREM V
huius fontibus ratio reddetur. Ad calcem autem duo copiosi
indices addentur, quorum primus includet res in opere con-
tentas, alter nomina propria locorum, et personarum.
PROSPECTUS VOLUMINUM.
VoLUMEN I (iam typis editum). Introductio generalis. — Notiaia
^ Saggi di opere e documenti inediti riguardanti la Stotia
di Etiopia durante i secoli XVI, XVII e XVIII con otto
fctc-simili e due carte geografiche.
VoL. II (iam typis editum). — Historia Aethiopiae a p. Petro Paez
lingua lusitanica exarata, lib. I et II.
VoL. III (sub praelo). — Eiusdem historiae lib. III et IV.
VoL. IV. — Emanuelis Barradas S. I., Tractatus tres lusitanice
exarati,
VoL. V. — Emanuelis de Almeida, Historia de Ethiopia a alta
lib. I ad IV.
VOL. VI. — Eiusdem historiae lib. V ad VIII.
VoL. VII. — Eiusdem historiae lib. IX ad X.
VoL. VIII. — Patriarchae Mendez, Expeditionis aethyopicae lib. I
et II.
VoL. IX. — Eiusdem lib. III.
VoL. X. — Eiusdem lib. IV.
VOL. XI, XII, XIII, XIV. — Relationes et epistolae variorum
tempore missionis iesuiticae, ab anno 1550 ad ann, 1640.
VoL. XV et XVI. — Relationes et epistolae selectae tempore mis-
sionis FF. Minorum, ab anno 1632 ad ann. i8iS-
'iM^^^^;.^^ SS^M;
In Historiam Aethiopiae p. Petri Paez
eRiTieA iNTKeDuerie
.iiii!^
isTORiAM patris Paez ex communi eruditorum desi-
derio in lucem daturus, aliquid de vita ipsius deque
eius Operis fontibus praemittere necessarium putavi.
Sed, ne lectorem diutius detinere videar in enarrandis iis
eventibus qui a Tellez primum ac dein ab Juvency et Cordara
in Historia Societatis fuse tractantur, paucis verbis ea omnia
perstringam, diutius immoraturus in iis enucleandis quae vel
omnino hucusque ignota permanserunt, vel quae, licet a Tellez
enarrata, tamen ex aliis fontibus nuper repertis nova luce eaque
prorsus nativa illustrantur. Etenim in Chronhistoria Provi^iciae
Toletanae Soc, lesti^ a patre de Alcazar diligentissime conscripta,
quaeque magna ex parte adhuc inedita in bibliotheca s. Isi-
dori Matriti asservatur, undecim reperiuntur epistolae eaeque
satis prolixae ipsius p. Paez ad p. Itur6n suum quondam ma-
gistrum datae, in quibus candide et minutatim auctor omnia
quae ad ipsum spectabant enarrat. Hunc fontem mihi non
esse spernendum existimavi, adeoque ex ipso fere omnia quae
de eo dicturus sum usque ad eius in Aethiopiam ingressum
deduxi. Licet enim omnes fere eventus, qui tempore capti-
vitatis locum habuerunt, enarrati prostent ab ipsomet Paez in
VIII INTRODUCTIO
sua Historia lib. III, cap. XV ad XXI, ex quo p. Almeida
primum et ab hoc Tellez aliique unice hauserunt, tamen, quia
epistolae conscriptae fuerunt vel ipso captivitatis tempore vel
statim ac Goam liber appulit auctor, contra vero eorumdem
eventuum narratio quae continetur in Historia scripta fuerit
triginta et amplius annis a captivitate et quidem non nativo
sed alieno sermone, eorumdem factorum narrationem ex illo
novo fonte denuo a me repetendam esse duxi.
Accedit quod ex catalogis Provinciae Goanae, non modo
aliquot notitia?, sed, uti ex dicendis patebit, pluries diem
certum quorumdam eventuum coUigere potui. Ideo, si ea quae
narraturus sum non omnia nova accident lectori erudito, tamen
a me pleraque addentur quae vel iam cognita illustrant vel
ea corrigunt quae a scriptoribus non accurate fuerunt enarrata.
Ut ordinate procedat oratio, vitam patris Paez primum
narrabo, deinde de fontibus e quibus ipse narrationem suam
hausit aliquid addam, simulque Operis ipsius merita et defectus
candide aperiam.
I.
De vita et laboribus P. Paez.
A) Fontes inediti : I-X. Epistolae decem p. P. Paez ad p. Thoraam dti Itur^o in parte
inedita operis patris de Alcazar Chronhistoria Provinciae Toletanae Soc. lesu,
Decada 5*, an. 4°, cap. V (in Biblioth. S. Isidori, Matriti, Reservado S. II, Tabla II,
n.®5i): I." Bazain, 16 feb. 1589. - 2.*Sana, 17 iul, 1593. - 3." Sana, 18 iul. 1594. -
4.* Goa, 10 dec. 159O. - 5." Assalona, 20 nov. 1597. - 6.* Chaul, 2 dec. 1599. -
7.* Diu, 4 nov. 1601. - 8 ■ Diu, 4 dec. 1602. - 9.* de Ethiopia, 20 iul. 1608. -
10.* Dambea, 20 ian. 1615. — XI. Epistola p. Antonii de Monserrate ad R. P.
Gen. Clandium Aquaviva, Sana 22 iulii an. 1593 ASI., Goana Hist, Aethiop,
i549-162g n.° XXI. — XII. Epistola p. Paez ad R. P. Gen. C. Aquaviva, Goa 1 7 de-
cembr. 1596, ASI., Goana Malab, Epist, 1590- 1599 n.° XI. — XIII. Catalogi
Provinciae Goanae S. I. annorum 1585-86, 1594, 1596, 1605, 1609, 1621, 1622.
ASI. Catalogi mss, Prov. Goanae, — XIV. P. Pero Paez, Historia de Aethiopia^
lib. III, capp. 15 et seqq., lib. IV, cap. 3. ASI. — XV. Emanuel Almeida, Historia
de Ethiopia a alta^ IJb. V, capp. 1-6; lib. VI, cap. 29. — XVI. Epistola Seltan
Sagad ad praepositum provinciae Goanae p. Aloysium Cardosum (acclusa in rela-
tione scripta a p. Sebastiano Barrero ad p. Visitatorem ii dec. 1622). ASI. Goana
Hist, Aeth. 1549-1629^ n.® XLI. — XVII. Lembran^a das cousas de Ethiopia pera o
p. Provincial ver. ASI. Goana Hist. Acth. 1630-1659^ n,° III.
INTRODUCTIO IX
B) Fontes editi: I. Tellez, Historia geral de Ethiopia a alta, Conimbr. 1660, lib. III,
capp. 1-8. — II. Juvency, Hist. Soc, Tesu, parte V, lib. 2, § 9. — III. Cordara,
Hist. Soc. lesn, parte VI, lib. 3, n.** 98; lib. VII, n.° 161. — IV. Andrade, Varones
ilustres^ tomo II, pag 472. — V. Nieremberg, Varones il7ts t res, edit. i*, tomo I,
pag> 391« — VI. Du Jarric, Histoire des Inde: orientales^ cap. 20, pag 322. —
VII. D'Oultreman, Tdbleaux de Personnages stgnalez^ pag. 259. — VIII. So-
tuellus, Bibliotheca scriptorum Soc, lesu, pag. 687. — IX. Sommervogel, Biblioth.
scrip. S. /., tomo VI, pag. 82. — X. Patrignani, Menologio di pie memorie di
alcuni religiosi della C. di Gesti^ tomo II, 20 maggio. — XI. Desborough Cooley,
Notice sur le p. P. Paes^ « Bulletin de la Societ6 de Geographie », Paris, mai 1872.
— XII. Alegambe, Bibl. Script. Soc. lesu, — XIII. De Guilhermy, Menologe de
la C. de JesuSy Assistence d^Espagne^ II partie, 20 mai. — XIV. Letterc annue
d*Etiopia, Malabar. etc.^deWanno 1620 al 24, Roma, Corbelletti 1627, pag. 45.
1. Petrus Paez (i) ortum habuit honesto loco Olmedae in
oppido Toletanae dioeceseos prope Complutum anno chri-
stiano 1564, eique consobrinus fuit p. Stephanus Paez, qui
multos annos munere Praepositi Provmcialis Mexicanam et
Peruanam provincias gnbernavit (2). Annos natus decem et
octo Societatem lesu ingressus est et post assuetas probationes
per tres annos philosophiae operam dedit Belmonte sub patre
Thoma de Itur6n, quo magistro se plurimum in litteris et
pietate profecisse testatur, ut probant omnes epistolae ad ipsum
per multos annos ab Indiis et ab ipsa Aethiopia datae.
2. Confecto philosophiae curriculo, in Indias missus est et
vectus simul cum aliis sociis navi cui nomen a s. Thonia
longo et difficillimo itinere Goam appulit cursum theologiae
(i) In epistolis hispanico sermone ad p. Ituren missis subscriptio ad
cognomen « Paez » addit et aliud « Xaramillo »; quod mirum videri non
debet qui morem hispanicum novit. In ceteris tamen eius epistolis constanter
se subscribit « P.° Paez ».
(2) Haec ex Patrignani Menologio. De eius parentibus deque pueritia
nullae prorsus notitiae habentur. Attamen ex quibusdam eiusdem litteris sci-
mus ipsum habuisse fratrem nomine Joannem, cum quo ut videtur commer-
cium litterarum habuit et eidem munuscula ex Indiis misit et vicissim ab
eo pecuniam ad libros coemendos accepit. Cfr. epist. ad p. Ituren, 6." § « Oc-
cupome ahora », 7.^ in P. S., 8.^ in fine, et 10.* § penult. « El traslado em-
bio >. Duas praeterea sorores habuit: nomen uni Anna Maria, alteri Isa-
bella, quibus de se suisque rebus notitias transmisit (ibi, epist. 10.* ead. §).
Demum in una epistola sermo etiam est de quodam fratris filio nomine
Gaspar (ibi, epist. io.°, ead. §).
X INTRODUCTIO
confecturus. Dum primo tantummodo anno scholasticam au-
diebat et simul rudibus cathechizandis operam dabat, mense
ianuario 1589 a Praeposito Provinciali Petro Martinez socius
additur patri Antonio de Monserrate, qui ad sacram expedi-
tionem aethiopicam instaurandam fuerat destinatus ac proinde
sacerdotio initiatus sub finem ipsius mensis.
3. Huius tam inopinati eventus rationem reddit ipse p. Paez
in epistola ad patrem Itur6n mense februario insequenti data,
quae integra simul cum aliis eiusdem Patris supra citatis pu-
blici iuris fiet suo loco, scilicet volumine XII huius coUectionis.
Hic tantummodo referam quae ad rem nostram faciunt. Scribit
itaque: « Duobus diebus ante festum conversionis s. Pauli ac-
civit me p. Petrus Martinez huius provinciae praepositus, di-
xitque parari expeditionem sacram magni momenti sibique
et aliis patribus ex gravioribus visum fuisse me cum alio
patre ad illam destinare. Attamen, cum res esset magnis la-
boribus ac periculis plena, petere a me ut, si quid in con-
trarium haberem, sincere aperirem. Ad haec reposui nuUo
me alio fine in Indias transmisisse quam ut omnes quotquot
se mihi offerrent occasiones arriperem ad labores et pericula
quaevis pro divino servitio et animarum salute sustinenda.
Quare quo magis difficultatibus plena expeditio foret, eo me
illam gratius accepturum. Gratissima haec responsio accidit
Patri, reposuitque se de me non minora expectasse : expedi-
tionem esse pro Aethiopia et patrem, cui ego socius additus,
esse Antonium de Monserrate natione catalaunum, virum in
hisce rebus valde versatum, singulari gratia in tractando cum
regibus praeditum et linguis orientalibus eruditum. Nova haec
expeditio aethiopica fit iussu Regis Lusitani, qui de hac re
litteras nuperrime ad Indiarum Gubernatorem dederat. Hic
vero statim ac eas accepit patrem Provincialem convenit,
iussa Regis exponit, atque instat ut sine mora duo saltem
patres in Aethiopiam mittantur. P. Martinez reponit sibi ac
Patribus nihil iucundius esse quam huic Regis mandato mo-
INTRODUCTIO XI
rem gerere. Attamen, ne morae nimium protrahantur, oppor-
tunum sibi videri ut unus ex theologiae auditoribus hoc eodem
mense sacris ordinibus initietur. Gubernator Archiepiscopo
Goano persuasit ut illico negocium expediret, sicque factum
est ut ipso die conversionis s. Pauli subdiaconi, die veneris
insequenti diaconi, ac demum die dominico sacerdotis munere
auctus fuerim (i)».
4. Hucusque ipse Paez; adeo vero urgebant iussa Regis
Lusitani ut statim ac p. Paez fuit sacerdotio insignitus illico
die secunda februarii 1589 itineri se commiserit Bazain ver-
(i) « Dos dias antes de la conversion de s. Pablo me llamo el p. Pe-
dro Martinez provincial de esta provincia, y me dixo que se queria hacer
una mission de gran servicio de N. S. y que, despues de haberlo encomen-
dado muy de veras k Su Magestad, les avia parecido a los padres y k el
que yo fuesse con el padre que estaba senalado. Pero que con todo esso,
por ser empressa muy trabajosa y peligrosa, queria saber si yo tenia alguma
difficultad ; porque, teniendola, enviaria a otro de muchos que deseaban y
le avian pedido esta mission. Yo le respondi que lo principal que me avia
moxido para venir a la India era desear semejantes occasiones, en que pu-
diesse servir a N. S. y padecer alguna cosa por su amor: y que assi, quanto
mas trabajosa y difficultosa fuese, con tanto mayor contento y alegria la
acceptaba. El me lo agradecio diciendo que no esperaba menos de mi y
que la mission era para Ethiopia.
« El padre con quien voy se llama Antonio de Monserrate, catalan
de nacion, muy intelligente para estas cosas y de singular gracia para tra-
tar con estos Reyes ; y assi fue un de los que estuvieron en el reyno y corte
del Mogor y sabe bastantemente las lenguas necessarias. Esta mission se
hace por averlo pedido muy encarecidamente el Rey N. S. Y assi, viendo
las cartas, el Virrey se vino luego a nuestra casa a pedirle al p. Pedro Mar-
tinez, provincial desta provincia, padres para ella; y nos dixo despues al
p. Monserrate y a mi que, si no se los dieran, que lo tomara por testimo-
nio y despachara luego por tierra un correo al Rey, por ser cosa de tanto
servicio a N. S. y que el Rey tanto le habia encargado. Pero si el tenia
mucho deseo de que fuessemos, todos los padres deseaban mucho mas esto,
por aver veinte annos que casi nuevas no hay de alla. Dixole el p. Pro-
vincial al Virrey que tenia necessidad para esto de ordcnar un hermano:
y el envio luego un recado al Arzobispo diciendo que convenia al servicio
de Su Magestad que lo hiciesse. Y assi me ordeno de Epistola el dia de
la conversion de s. Pablo, y el viernes siguiente de Evangelio, y luego el
domingo de Missa». Epist. i.** p. Paez ad p. Ituren. Bazain 16 feb. 1589, in
Chronhisi. etc.
XII INTRODUCTIO
sus(i); quo ubi pen^enit, dominica quinquagesimae prima
vice in ecclesia illius coUegii sacris litavit, ac dein, ut ipse
testatur in eadem epistola, dum necessaria ad iter aethiopicum
(i) P. Tellez {Hist. de Ethiopia a alta^ lib. III, cap. l, pag. 210) secu-
tus Almeidam [Hist. de Ethiopia a alta, lib. V, cap. i, fol. 177) assignat pro-
fectioni diem secundam februarii anni 1588. Qui minime de errore impu-
tandi, quia Almeida hoc datum ex ipsa Paez Historia desumpsit, ubi lib. III,
cap. 15, circa medium haec habentur: « Tratando 03 padres de Ihe [patri de
Monserrate ad aethiopicam expeditionem electol dar companheiro, me couve
a mim tam boa sorte, que tinha chegado de Portugal naquelle setembro, e
assi nos aparelhamos logo... . Chegado o tempo de partir pera Dio, 7ios em"
barcamos a 2 de fevereiro a tarde de 1588 >; idemque cap. 16 sequenti ait se
discessisse Diu « a 5 de abril de 1588 » et cap. 17, suam captivitatem in-
cepisse ^< aos 14 de fevereiro de 589 ». Sed evidenter errasse ibi patrem
Paez defectu memoriae quando haec scribebat, triginta scilicet et amplius an-
nis post illos eventus, sequentibus argumentis comprobatur:
1°) Catalogus Provinciae Goanae anni 1588 asserit patrem Paez eo
anno, post peregrinationem maritimam difficillimam, Goam venisse. Sed cum
ipse asserat se pervenisse Goam mense septembri et inde discessisse mense
februario insequenti, patet hoc secundum datum non esse referendum ad an-
num 1588 sed ad annum 1589.
2°) Idem Catalogus eiusdem provinciae anni 1594 docet Patrem esse
a quinque annis sacerdotem. Sed, cum ab ipso Patre (Epist. i.* cit. ad p. Itu-
ren) sciamus eum sacrjs initiatum fuisse paucos dies ante profectionem, ista
profectio non potuit habere locum nisi mense ianuario 1589, ex quo tan-
tum usque ad 1594 quinque anni decurrere potuerunt.
3°) Accedunt duae epistolae ex captivitate datae, una ipsius Paez, ai-
tera p. Monserrate. In prima, quae data fuit ex urbe Sana die 17 iul. 1593
(Epist. 2.* ad p. Ituren in Chronhist. etc), asserit « aver tres aJios que aqui
estamos »; et quia a die profectionis ad eorum adventum Sanam unus fere
annus intercessit, patet pariter ipsos profectos fuisse Goa non anno 1588
sed 1589. In altera autem data ex eadem urbe 22 iul. 1593 (ASI. Goana,
Hist. Aethiop. 1^49-1629, n. XXI) pater de Monserrate repetit se a tribus
annis manere Sanae apud Assan Bassa « en cuyo poder estiin ha tres anos »,
et inde asserit eorum captivitatem a quatuor circiter annis durare « \'a en
quatro afios que carecemos del [Santissimo Sacramento] ». Ergo si mense
iuho 1593 erant iam prope quatuor anni a captivitate, ipsi non potuerunt
Goa proficisci nisi mense febr. 1589 et eodem anno in captivitatera inci-
disse. Hinc est quod Soramervogel {Biblioth. de la Comp. de /esus, tomo 6,
pag. 82, ad nomen Paez Pierre) asserit eum solvisse Goa Aethiopiam ver-
sus die 2 febr. 1589, cum in Indias profectus fuisset mense apriii 1588.
Addo haec eadem duo data inveniri apud Patrignani, Menol,, tomo 2° p.i-
gina 139, ad diem 20 maii. Ambo certe haec data nonnisi ex catalogis a
INTRODUCTIO XIII
parabantur, linguae persicae addiscendae operam dedit. Hoc
mirum videri non potest, si quis consideret quod ad fallendos
Turcas, qui sacerdotes omnes aditu Aethiopiae prohibebant,
pater Paez cum suo socio sub specie mercatorum Armeniorum
fretum maris rubri transmittere iussi fuerant. < Ahora me
ocupo en aprender Persio, entretanto que nos hacen los ves-
tidos que hemos de Uevar, que han de ser como de Moros,
porque hemos de ir en naos de ellos hasta Moca, y despues
passar por tierra de Turcos » . Ita scribit p. Paez e Bazain
i6 feb. 1589 (i).
5. At vero nonnisi paucos dies in coUegio Bazainensi com-
morati sunt. Etenim, ut refert Almeida (2), quidam vir nobilis
Aloysius de Mendoncja, qui in civitate Diu morabatur et mer-
caturam in portubus Aethiopiae exercebat, Gubernatori lusi-
tanico per litteras promiserat se facili negotio, ut putabat,
patres ex portu Diu in aliqua ex mercatorum Baneanorum
navibus Massuam usque vehi curaturum. Patres igitur, non sine
magno periculo ex quadam oborta maris tempestate, Diu se
transtulerunt, ubi, more Armeniorum mercatorum amicti, ne
fraude Mahumetanorum remigum Turcis proderentur, oppor-
tunitatem navim aliquam conscendendi opperti sunt (3). Cum
V^ro nullus e navarchis eos recipere auderet, Ormuz se con-
tulerunt, ut inde Cairum versus navigarent, ac dein itinere
nobis citatis desumere debuerunt corrigendo errorem Tellez, qui solus ex
historicis Aethiopiae ipsis erat notus.
4^) Pater ipse Paez in epistola ad Praepositum Generalem data Goa
17 decembris 1596 lASL, Goana, Malab, Episl. j 590-1 sgg, n. XI) ait: « Este
ano passado que fue el sepiimo de nuestro cautiverio » . Eius ergo captivitas
debuit incoepisse sub initio anni 1590. Quod autem verba illa « aho passado »
referri debeant non ad annum anteccdentem 1595 sed ad annum 1596, in
cuius ultimis diebus scribebat, confirmatur ex Catalogo Prov. Goanae anni
eiusdem eiusdemque mensis supracitato, in quo legitur Patrem mansisse ca-
ptivum 6-7 annos. Secus, debuisset dicere « 7-8 »; nam a decembri 1596 ad
mensem ianuarium anni 1590 praecise sex in septem anni numerantur.
(1) Epist. 1.* cit. ad p. Ituren, in Chronhist. etc.
(2) Hist. de Ethiopia a altOy lib. V, cap. l, fol. 177.
(3) Epist. 4.^ p. Paez ad p. Ituren, 10 dec. 1596 in Chrotthist. etc.
XIV INTRODUCTIO
terrestri Aethiopiam peterent. Sed huic quoque consilio nun-
cium remiserunt, et Mascatem petierunt, postquam ambo a
febri, qua correpti fuerant, convaluissent ; ex quo portu quidam
mahumedanae navis gubernator se una cum ipsis Aethiopiam
versus vela daturum spoponderat.
6. Ut Mascatem appulerunt p. Paez denuo in febrim incidit,
ex qua cum nulla spes esset ut brevi convalesceret, et na-
varchus, ne ventorum opportunitatem perderet, profectionem
urgeret, consilio inito cum Gubernatore arcis et primoribus
Lusitanis, pater de Monserrate solus navem conscendere statuit.
Attamen eo ipso tempore gubernatori nunciatum est octo py-
ratarum naves insidias parare ut navem illam mercatoriam
praedarentur. Exinde nova ad profectionem mora. Interea,
non sine divino numine, pater Paez a febri convalescit; et
cum mare, ope gubernatoris, a pyratis fuisset purgatum, tan-
dem aliquando, die 25 decembris 1589, sub noctem navem
conscenderunt.
7. Principio prosperum habuerunt iter, at vero, die i ia-
nuarii 1590, saevientibus undis gubernaculum confractum est,
et cum nautae non possent iter prosequi neque itinere terrestri
Mascatem denuo repetere, ad insulas Curia Muria appellatas
appulerunt (i). Sed cum neque in his insulis lignum ad re-
(i) « Gastamos cinquenta dias en el mar con algunos contrastes, y en
Ilegando hallamos un Veneciano que se offrecio a nos llevar. Y no espe-
rando ya mas que la partida de las embarcaciones, en que aviamos de ir
para Bazora, nos vino una carta del capitan de una fortaleza que llaman
Mascate, y esta entre Dio y Orrauz, en que nos decia que tenia un piloto
moro que nos pondria en Ethiopia dentro de un mes. Parecio bien esto a
los que tenian alguna noticia del estrecho de Meca, por donde decia que
nos avia de llevar: y assi dexamos estotro camino.
« En este tiempo adolecio el p. Monserrate, y tuvo mucho trabajo, por
ser aquella isla en extremo caliente, y como el estuvo sano, adoleci yo.
Mas, por ser necessario partir, me embarque doliente a 6 de octubre y fui-
mos a Mascate cn seis u ocho dias. Alli me apreto la dolencia de manera
que se determinc') entre el Padre y el Capitan de la fortaleza y otros que
yo me quedasse alli y el Padre prosiguiesse la missi^m. Llevaba con sigo
un Armenio que sabia hablar arabio y turco, y fuera del piloto y marine-
INTRODUCTIO XV
parandum gnbernaculum invenissent, coacti sunt alii mauro-
rum navigio se committere. Interea, ut verbis ipsius Patris
utar, « contra id quod statutum fuerat, prioris navigii nautae
Dofar in oram arabicam appulerunt et de proximo nostro
transitu per illum maris tractum rumorem sparserunt; sicque
factum est ut navem qua vehebamur duo maurorum navigia
aggrederentur et captivam Dof^r abducerent. Per quinque dies
in carcerem detrusi omni fere victu defraudati sumus, donec
ad regem illius regionis iussi fuimus proficisci. Iter nobis fuit
maritimum quatuor dies, terrestre autem per invia et aspera
duodecim, donec defatigati pedibusque quam maxime fessi,
Tarim, quae magna est urbs Arabiae, pervenimus et a plebe,
quae numquam in christianos offenderat, iniuriis omnimodis
imo et sputis impetiti sumus(i)>.
ros, que eran moros, otro moro que le avia de guiar por tierra. Mas el dia
que habia de partir vino nueva que unos corsarios tenian tomada una em-
barcacion quatro leguas de alli y que andaban con ocho por donde el ne-
cessariamente avia de passar; y por esto no partio. El capitan de la for-
talcza envio otras ocho embarcaciones y tomaron al capitan de los ladro-
nes; y assi quedo seguro el mar. En esto se gastaron muchos dias y yo
tuve mejoria; y por que deseaba mucho ir, les persuadi que me llevassen
hasta cierto limite donde se acababan nuestras tierras y que, si no me hal-
lasse mejor, desembarcaria alli. Con esto partimos dia del Nacimiento a la
noche, y quiso N. S. que luego me dexo la calentura, con dormir al se-
reno v hacer mucho frio. Dia de la circuncision a la noche nos dio una
tormenta grande, y quando amanecia quebronos el timon 6 leme... . De alli
a dos o tres dias nos volvio a quebrar, y con estar cerca de tierra y atarle
con cuerdas, la tomamos con mucha dificultad. Hicieron consulta los ma-
rineros y piloto y resolvieronse con que ni podian passar adelante ni tor-
nar atras. Tratamos de tomar a Mascate por tierra, mas no pudo ser, por-
que avia en medio grandes desiertos y muchos ladrones. De manera que
dixeron no avia otro remedio si no aventuramos a passar a unas islas que
Ilaman Curia Muriay que estan a ocho leguas de alli; donde les parecia
que hallariamos con que concertar la embarcacion. Esperaron dia quieto y
con todo esso passamos con mucho trabajo ». (Epist. 4.^ cit. ad p. Ituren,
10 dec. 1596, in Chronhist, etc).
(i) « Bebiamos agua de charcos y a medio dia, que se detenian
a dar de comer a los camellos, cogian mucha langosta y de aquellos gril-
los mayores y comian los assados; mas nosotros, aunque era mucha la
hambre, no podiamos gustar manjar tan asqueroso; y assi nos daban a
*I*^n^
XVI INTRODUCTIO
8. <c Altero die summo mane, ad maiora avertenda pe-
ricula, itineri denuo nos commisimus et per ipsos quatuordecim
dies sub ardentissimo solis aestu, solo indusio et bracis ex
gossypio induti pedibus incedentes, tenuimus tandem regiam
civitatem Eiran, cuius sultanus Amar nos non adeo inurbane
recepit et vestes, nobis per vim ablatas, restitui iussit. Ad eius
praesentiam altero die admissos, comiter percunctatus est
cuius generis homines essemus, unde et quo fine Aethiopiam
peteremus, et rogantibus nobis breviaria etiam aliosque libros
reddi, suisque servis ut nobis necessaria ad victum praeberent
mandavit. Hi tamen per solidos quatuor menses, quibus ibi
morati sumus, nonnisi panem, et hunc atrum, cum aqua prae-
buerunt.
9. € Dum spes nobis affulgebat ut istius regis ope a capti-
vitate liberaremur, turcarum quidam Bass^, cuius iste Sultanus
vectigal erat, nos ad se quamprimum remittere iussit. In viam
igitur denuo nos commisimus et post decem et octo dierum
asperrimum iter, Sanam Arabiae urbem attigimus. Primo qui-
dem Turcarum Bassi nos tanquam exploratores reputans, ca-
pite plecti constituerat ; at postmodum, cum ab apostata quodam
rescivisset nos sacerdotes christianos esse, in ipsius arcis car-
cerem detrudi imperavit ; ubi plures Lusitani iamdiu captivi
detinebantur, atque laboribus et aerumnis defessi iam in eo
erant ut fidei nuncium remitterent. Nos, Deo favente, paul-
latim animos adiecimus et omni quo poteramus spirituali
cada uno su torta cocida en la ceniza de un poco de harina qua trahia-
mos en la embarcacion, mas era tan pequeiia que siempre quedabamos con
buena voluntad de comer. Al cabo de los diez dias Uegamos a una ciudad
grande que llaman Tarim, y salio mucha gente por ver christianos que
nunca avian visto. Comenzaron luego a hacernos gestos mofando y riendo
y a llamamos Cafares, que es lo mismo que Cafres y hombres sin ley, y
lleg() a tanto que a porfia nos escupian lanzando algunas salivas en el ro-
sto ; lo que no solo no nos era molesto, mas nos causaba mucha alegria :
solo nos pesava ver tanta muchedumbre de gente perdida ». (Epist. cit. 4**
ad p. Ituren, ex Chronhist, etc).
INTRODUCTIO XVII
subsidio refectos, in christianae religionis professione robo-
ravimus (i).
10. « Pater de Monserrate, utpote infirmae valetudinis, domi
manebat, ego autem robustior viribus catena onustus agrorum
(i) Opere pretium est referre ipsius Paez verba in alia epistola ad
eumdem p. Ituren ex urbe Sana data (epist. 2* ad p. Ituren, 17 iul. 1593, ex
Chronhist. etc.) quibus modum quo ad exercendos christianae religionis actus
suos concaptivos adduxerat belle describit. « .... tenemos oratorio con un
altar muy bicn concertado, assi de omamentos como de imagenes, donde
los christianos vienen a se encomendar a Dios, por la manana antes de ir
a trabajar, y a la tarde quando vienen. Y -para que con mayor consuelo
y animo puedan passar los travajos del cautiverio, celebramos las fiestas
lo mejor que podemos, procurando en todas ellas remedar lo que se hace
en tierra de christianos. Porque, como anocheze, que los presos se recogen,
nos juntamos todos en el oratorio, teniendole muy bien concertado con ra-
mos y flores que trahen de las huertas, y decimos Visperas y Completas,
ayudandonos algunos que saben cantar ; y antes de amanezer decimos missa
seca con mucha solemnidad para el estado en que estamos ; porque el que
la ha de decir se reviste en uno de los aposentos que tiene el oratorio, y
a la puerta estan esperando dos Portugueses, que son mayordomos con unos
cirios grandes; salen delante otros dos con sobre-pellices : el uno leva un
incensario que hicimos de cobre, y el otro el missal; y, dicha la confesion,
entretanto que se inciensa el altar, tanen con una viguela que les dejaron
quando los cautivaron. Acabado el ofertorio, bendecimos pan, y en higar
del Santissimo Sacramento, levantamos un Crucifijo de cobre pequeiio, que
despues de cautivos tornamos a cobrar por medio de una muger renegada.
Entretanto taiien y cantan ; y en lo ultimo de la missa, dicha la confesion
Uegan uno a uno a le adorar y toman juntamente pan bendito de mano
de uno de los que sirven. Y para que hagan esto con mayor devocion, pro-
curamos que todos vengan confesados, lo que muchos de ellos hacen mas
a menudo.
« Demas desto, viernes, sabados y domingos a la noche les decimos
letanias y Salve, y muchas veces tienen sermon, particularmente el Adviento
y Quaresma; y en la Semana Santa hacemos sepulcro de pano negro y can-
tamos todos los oficios. Hacemos procession dentro de la sala donde esta
el oratorio (que es grande), domingo de Ramos, llevando todos palmas, y
dia de Ressurreccion y dia de Corpus-Christi la hizimos muy solemne, Ue-
vando el Crucifixo en una custodia de palo cubierta de damasco carmesi y
oropel, tanendo y danzando delante de ella. Gracias a N. S. que siendo
cautivos de hombres tan nuestros enemigos y contrarios a su santa fe, con
todo esso no les permite que nos priven de un consuelo tan grande como
este, aunque saben mucho de lo que hacemos. Antes dicen a los mismos
christianos que, quando nosotros no estabamos aqui, eran como bestias,
porque no les veian solemnizar las fiestas como ahora ».
XVIII INTRODUCTIO
molitioni damnatus fui. At exactis sex mensibus, cum me ab
illo labore liberassent, ediscendae linguae arabicae et hebraicae
operam dedi ; quarum linguarum, arabicae praesertim, peritiam
mihi postmodum magno subsidio futuram existimo. Hisce oc-
cupationibus distenti, ipsos tres annos Sanae posuimus, cum
ex divino consilio quaedam spes affulsit brevi nos servitute
liberandos; nam uxor ipsius Bassci, quae olim christiana fuerat,
nostris calamitatibus commota, apud maritum egit ut nos
Hierosolymam mitteret, et iam iste consensum praebuerat, exe-
cutioni daturus quando ipse ratione sui muneris illuc se con-
ferret. Cum ecce nebulo quidam natione Baneanus, qui fidem
execraverat, Moca per litteras Bassa insinuavit maximam illum
pecuniae vim ex nostra redemptione extorquere posse. Hinc
mutato animo, viginti millia ducatorum a nobis exposcit, atque
ut id facilius, uti putabat, consequeretur, strictiori custodiae
nos commisit, catena oneravit solumque panem nigrum ad
victum praebuit(i).
(i) Cum ea spes evanuerit, p. de Monserrate ad Praepositum Gene-
ralem litteras dedit Sana die 22 iul. 1593, in quibus novum et, ut ipse pu-
tabat, efficax medium ad libertatem obtinendam proponebat « .... aunque
el padre Provincial de la India passado y presente busco y busca los me-
dios possibles para nuestra libertad, no aprovecha, porque las personas im-
mediatas, por cuyas manos el negocio ha de passar, o son moros o son
gentiles. Los moros, por no desplazer a su Mahoma, no lo queren hazer,
los gentios, aunque muestran dolerse de nosotros, no ozan, e desso nos tie-
nen dado el desengaiio, y por esta causa se va nuestro destierro dilatando
ya quatro anos, y si Dios no lo abreviare, se dilatara toda la vida, que sera
una grande consolacion [sic\ porque carescemos de la sagrada communion
del santissimo sacramento y de los otros subsidios de jubileos e indulgencias
de que gozan los cativos que estan mas cercanos de tierras de christianos,
o en tierras donde ha comercio con eilos. Por lo qual pido a V. P. que
quiera meter mano en ello o por medio de algimo de los consules que re-
siden en Constantinopla, o por medio de nuestros padres, si alla estan al-
gunos como pocos anos ha estuvieron, y qualquiera dellos, a quien vuestra
Paternidad lo encomendare, ha de hazer una suplica que en summa con-
tenga lo que se sigue » (ASI. Goana, Hist, aethiop, 1549-1629^ n. XXI; cfr.
Elenco 11, 75, in Vol. I, Notizia e Sa}(gi), Summa istius supplicationis ad
magnum Turcarum Sultanum est ut ipsis permittat vel suum iter prosequi
Aethiopiam ver«us, vel saltera Constantinopolim venire, licet servituti ad-
INTRODUCTIO XIX
11. « Elapso iam altero anno, cum nihil proficeret, nos suo
Domusmagistro duriori etiam carcere detinendos tradit. Hic,
homo crudelis, ut a nobis quinque milh'um ducatorum summam
extorqueret, nos subterraneo eoque angusto et foetido ergastulo
inclusit et coUo torquem ferreum iniecit, e quo catena adeo
gravis pendebat ut vix caput levare possemus. Hoc tenebri-
coso loco quindecim dies transegimus, quibus exactis, nos iti-
nere terrestri Mocam miserunt, ea spe ut a navibus mercatoriis,
quae ex eo portu in Indias commeabant, pretium nostrae li-
berationis essent recepturi.
12. «Mocam igitur pervenimus sub finem anni proxime eJapsi
[scil. 1595]; at solventibus inde navibus, cum ne ulla quidem
mentio incidisset de nobis redimendis, Turcae in iram con-
versi, nos catenis revinctos remigio addixerunt. Incredibile
dictu est quot aerumnas per spatium fere trium mensium per-
tulimus; fame, siti, frigore, calore laboribusque supra vires
pater de Monserrate confractus, in gravem incidit morbum et
brevi vita decessisset, nisi navis praefectus, qui pro nobis vades
stabat, veritus ne integrum pretium frustratae redemptionis ipse
gubernatori refundere cogeretur, remigium custodia commu-
tasset. Mansimus parva inclusi casa per plures menses, aquam
ipsam pretio nobis comparantes, donec mercatoriae naves Goa
advectae mille ducatorum summam pro nostra redemptione
nomine praepositi provinciae Goanae Turcis persolverunt (i).
dictos. In margine huius epistolae manu secretarii Societatis legitur scrip-
tum: « Se tiene escrito a la Venetia ». Sed exitus negotii expectationi pa-
trum non respondit.
(i) En ipsissima verba patris Paez: « En Moka nos apretaron mucho
para que diessemos dinero ; y como partieron las naos, que se desengana-
ron de que no les aviamos de dar lo que pedian, nos metieron en una
galera, y quitandonos los hierros que llevabamos, nos echaron cadenas y pu-
sieron a cada uno en su banco en medio de dos galeotes. Entramos pri-
mero dia de septiembre, y al tercero dia cayo un rayo que hizo pedazos
buena parte del mastil grande, mas sin dano de la gente. Esto tuvieron por
mal aguero, y por esso dexo la muger del Baxa de ir a Meka en ella. Esta-
ban en esta galera todos los galeotes de los que alli tienen; a lo que se
XX INTRODUCTIO
Sic tandem post septem fere integros annos durissimae ser-
vitutis libertatem adepti navem conscendimus et magnis pro-
cellarum periculis superatis Goam appulimus medio hoc ipso
mense decembri [scil. 1596] ».
13. Hucusque ipse p. Paez in sua epistola quam compendio
retuli. Eodem anno 1597, ut ex cathalogo 1596-1597 eruitur,
anadia que nunca la limpian y assi era mucha la suciedad ; y toda la no-
che hasta que queria amanecer estabamos sentados, lanzando al mar las
chinches, que por todas partes nos subian; y si, cansados y vencidos del
suefio, nos echabamos, luego se nos cubria de ellas el rostro, y assi nos era
forzoso tornar a levantar, hasta que cerca de la maiiana se recogian. En-
tre dia eranos necessario hacer alarde y despedir mucha gente que no po-
diamos sustentar, assi de la que nos pegaban nuestros companeros, como
de la que nosotros criabamos, que no era poca, por no tener mas que una
sotana de augeo y una camisa. La comida era como un quartillo de una
simiente como panizo que llaman jnillo^ sin otra cosa alguna. Solo tenia-
mos de quando en quando algunas cabezas de ajos, que nos embiaba un
Griego christiano que estaba en Moka. Desta manera estuvimos dos meses
y medio al sol, al agua y al frio ; y por adolecer el padre gravemente, en-
vie a decir al capitan de la galera que le dexasse ir para tierra y que yo
quedaria alli, porque, si el moria, yo no tenia rescate que dar; y que ha-
bia de escribir al mayordomo del Baxa que por no le dejar curar muriera,
y quedaria el rescate sobre el. Mando que a mi tambien me llevassen y
metieronnos en una casa donde no nos daban cosa ninguna, y era neces-
sario comprar hasta el agua que trahen de lejos; y assi tomamos dinero
prestado de un gentil que trataba de nuestro rescate. Y con esto se fue
hallando bien el padre; y estuvimos alli hasta que ias naos, que vinieron
de la India, tornaban a partir, que este gentil dio por nosotros mil duca-
dos que el padre Provincial y algunos nuestros devotos le tienen escrito
que diesse : y assi nos embarcamos y, despues de aver passado muchos tra-
vajos en el mar, Uegamos aqui [Goam] con salud, a Dios gracias, quatro dias
antes que acaben de partir las naos para Portugal » (Epist. 4.* cit. ad p. Itu-
ren ex Chronhist. etc. Goa, 10 dec. 1596. Ex alia epistola patris Paez ad
R. P. Generalem, Goa, 17 dec. eiusdem anni (ASI. Goana, Malab. Epist.
1590-15991 n. XI, Cfr. Elenco II, 81, in Vol. I, Notizia e Saggi etc), eruitur
patrem Claudium Acquaviva iussisse ut omnem operam Goani patres darent
ad illos redimendos, eosque pfimo Hierusalem deinde in Italiam mitteret.
En verba : «... fue Dios servido que ultimamente nos rescatasen, en lo que
trabajo mucho el p. Provincial, y ansi vemos aqui [en Goa] avra veinte dias,
donde supe como V. P, ienia mandado se hiciese todo lo posible por nuestra li-
bertad v que fuesemos por via de Hierusalem. No merezco yo tanto a N. S.
como es ver a V. P. ; mas esta charidad me obliga, ordenandolo ansi V. P.,
a me aventurar de nuevo con mucho gusto a otros mayores trabajos... ».
INTRODUCTIO XXI
iterum theologiae recolendae fuerat destinatus. Attamen vix
uno vel altero mense ad hoc studium incubuit; nam gravis-
simo morbo correptus, totos octo menses decubuit et bis etiam
morti proximus fuit, ut ipse testatur(i). Vix vero citra om-
nium expectationem convaluit, in Salsetanam insulam missus
fuit, ut ibidem christianorum, qui in quatuor pagis degebant,
curam susciperet. Interim vero cum in Aethiopia obiisset pater
Franciscus Lopez, qui quadraginta annos in illo agro exco-
lendo impiger insudaverat quique ultimus e sociis patriarchae
Oviedo superstes remanserat (2), praepositus provinciae Goa-
nae iterum illi expeditioni tentandae patrem Paez destinavit ;
quod negocium quidem ille prompto et alacri animo susce-
pit (3). Sed per plures annos hoc propositum propter obortas
difficultates executioni mandari non potuit, ita ut Vice-Rex
Franciscus da Gama et archiepiscopus Goanus frater Alexius
Menezes, ut aliquo modo catholicis lusitanis omni subsidio in
Aethiopia destitutis subvenirent, sacerdotem e clero saeculari
Indum eo mittendum curaverint medio anno 1598(4).
(i) Vide epistolam 5.*™ ad. p. Ituren sub initio, Assalona, 20 nov. 1597,
in Chronhisi, etc.
(2) « No mesmo mes [de mayo] de 1597 levou nosso Senhor pera si
era Fremona ao padre Francisco Lopez, o derradeiro dos companheiros do
sancto patriarcha dom Andre de Oviedo. Chegarao estas novas a Goa e
forao de todos muito sintidas, por verem que ficavao os catholicos e Por-
tugueses de Ethiopia totalmente sem pastor como rebanho de ovelhas em
bosque e mato de lobos e tigres ». Almeida, Hist, de Ethiopia a alta^ lib. V,
cap. 9, fol. 192.
(3) « .... instan los christianos de Ethiopia particularmente ahora que
murio un padre que les avia quedado; y assi los padres desean que tome
a acometer esta empresa ; lo que yo hare de muy buena voluntad, por ser
tan grande el desamparo de aquella christiandad, aunque se que arriesgo
tanto en esto la vida, que lo mas probable es morir en la demanda, como
todos los que de quince anos a esta parte quisieron entrar. V. R. por
charidad me encomiende a N. S. para que ordene de mi lo que mas
fuere servido ». Epist. 5* cit. ad p. Ituren, de Assalona 20 nov. 1597, in
Chronhist, etc.
(4) Fuit hic sacerdos Melchior da Sylva de quo Almeida Hist, etc^
lib. V, cap. 5, cit. fol. 192-192,^. « Pediao os catholicos de Fremona... que.
XXII INTRODUCTIO
14. Pater Paez sub finem eiusdem anni e Salsete missus est
Chaul ut praedicationi verbi Dei insisteret, ibique adeo oculis
laborare coepit ut ne epistolas quidem sua manu scribere posset.
« No doy, ita scribit ex Chaul sub die 2 dec. 1599, mas
nuevas a V. R. assi porque las tendra mas cumplidas en la
carta general que de ac4 v&, como por estar ^naltratado dc
un ojo y no las poder escribir por tni mano(i))^. Debuisset
quidem, petente p. Hieronymo Xaverio, Cambaiam ante se-
ptem menses se conferre, ut ibidem novi templi aedificandi
provinciam susciperet; sed Prorex ne se illi itineri commit-
teret, qua de causa ignotum est, impedivit (2). Anno insequenti
1^00 missus est in collegium Bazain munere ministri (3).
Cum vero iussu Philippi III, Hispaniarum et Lusitaniae regis,
disiectis tricis quas malevoli moliebantur, prima novi collegii
Soc. lesu in urbe Diu fundamenta iacta fuissent, eo fine ut
aethiopicae Missioni succurri posset, illuc p. Gaspar Soarez
ut superior una cum p. Petro Paez fuerunt destinati (4).
pois se via nao ser possivel passar a Ethiopia padre da Companhia, pola
muita vigia que os Turcos tinhao nos portos do Mar Roxo, que Ihes man-
dassem algum sacerdote natural da India, porque o tal nao sendo differente
nas cores e lingua dos Baneanes e outros Indios, que custumavao vir nas
naos do estreito, parece que nao correria perigo e passaria facilmente....
Buscouse e achouse logo hum sacerdote bramene criado desde menino no
nosso seminario de Sancta Fee, bem entendido y de bom exemplo, o qual
por sirvi^o de Deus e bem das almas se offereceo a todos os trabalhos e
riscos desta jornada.... Seis anos esteve... em Ethiopia, sinco antes de che-
gar o p. P. Paez; hum com elle ». >. .
(i) Epist. 6." cit. ad p. Ituren in Chronhist, etc.
(2) « Hace ahora siete meses que iba a hacer una iglesia en el reyno
de Cambaya con provision del Mogor, cosa que ha mucho que se desea,
y que cost() bien de travajo al p. Xavier para lo alcanzar del Rey. Mas
despues de tener enviado los omamentos para decir missa y yo estar para
partir, impidio la ida el Virrey. Parece que sera con justos respectos. No
se si mudara de parecer. Occupome ahora en predicar donde ay muy po-
cos libros... ». Epist. 6.* cit. ad p. Ituren, Chaul, 2 dec. 1599, ^^ Chronhist. etc.
(3) Catal. Prov. Goanae, 1597.
(4) Circa collegii Diensis fundationem, quo proposito ea fuerit statuta,
quas subierit difficultates vide Almeida Historia etc, lib. V, cap. 10, fol. 194
et seqq., ubi fuse rem pertractat. Vide etiam ipsius Paez, epist. 7^ ad p. Itu-
INTRODUCTIO XXIII
15. Dium igitur initio anni 1 601 se transtulit p. Paez eo fine
ut opportunitatem navim aliquam Aethiopiam versus solventem
conscendendi opperiretur. Sed illo anno nemo ex navarchis
ausus est eum in Aethiopiam transvehere ob metum Turca-
rum qui omnes prope Aethiopiae portus occupabant. Scribit
autem ipse Paez se velle omnem lapidem movere ut tandem
aliquando, licet maximo cum suo periculo, in Aethiopiam
perveniat, velle se consilium quoddam sibi a Lusitanis in
Aethiopia commorantibus propositum executioni mandare;
sperare se brevi dominationem Turcarum in ora arabica labe-
factatum iri ope quorundam regulorum Arabiae, qui iam duos
ex praecipuis Bass^ praelio subactos interfecerant (i). Sed
ren in Chronhist, etc, Diu, 4 nov. 1601, quam hic infra referimus. Quantam
in eo collegio spem pro augendis tutandisque rebus aethiopicis omnes po-
nerent ipse Paez (epist. 9* ad p. Ituren, 20 iul. 1608 de Aethiopia in Chio^
nhisi.) ostendit his verbis: « Encomiendelo [al Emperador de Ethiopia] V. R.
a N. S. para que tenga efFecto [el buen deseo] y en tal caso se acahard de
vet quan provechosa es la casa de Dio, que sin ella mal se pudiera prover d
Eihiopia » . At vero collcgium Diense expectationi Missionis aethiopicae, pro
qua tantummodo provehenda fuerat fundatum, post paucos annos omnino
non respondit. Etenim Rectores illius, qui eodem tempore munere Procu-
ratoris Missionis aethiopicae fungebantur, viginti et amplius annos, scilicet
ab an. 1610 ad 1630, non modo maximam pecuniae partem (600 pardaos an-
nuos) ad patres sustendandos, sed illam etiam, quae titulo eleemosynae in-
ter pauperes Lusitanos Aethiopiae eroganda a rege Lusitaniae fuerat desti-
nata, in alios usus et praesertim in negotiis collegii Diensis provehendis sua
auctoritate distraxerant. Hinc patres Aethiopiae qui, sub finem anni 1630,
ad viginti et unum numerabantur, praeter Patriarcham et Episcopum, cum
per litteras nihil proficerent et defectu pecuniae ipsis assignatae gravibus
in angustiis versarentur, voto unanimi unum ex suis Goam miserunt ad hoc
gravissimum negotium coram perficiendum. Haec eruuntur ex Documento,
cui titulus: Ijembranga das cousas de Ethiopia pera 0 padre Provincial ver
(ASL Goana, Hist, Aeth. 1630-1639, n. III). Ex hoc authentico docuraento,
anno forte 1631 conscripto, hice clarius patet quam temere post aliquod
tempus Romae de immensis divitiis lesuitarum Aethiopiae fuerit blateratum.
Cfr. Vol. I, Notizia e Saggi^ pag. 96, adnot. 2; pag. 98, adnot. i; pag. 105
adnot. 2 ; pag. 106, adnot. 2.
(l) «... de la [Bazain] parti en enero para esta ciudad que se Ilama Dio;
y con no tener que passar mas que un golfo de dos dias, gaste trece con
tormentas y vientos contrarios. Ni aqui faltaron tormentas de contradiccio-
nes, levantadas por personas que debian antes favorecer. Llego a tanto que
9|C?)C?jC9}C
XXIV INTRODUCTIO
eum spes fefellit; nam Lusitanus ille, qui ex Aethiopia Dium
venire debuisset, ut inde cum patre Aethiopiam versus sol-
veret, metu Turcarum se loco movere non est ausus. Tunc
pater cum quodam navarcho turcico, qui mercaturam exercebat
el Virrey [Don Franc. da Gama], que en aquei tiempo gobemaba, nos mando
notificar por un oydor que saliessemos de esta ciudad dentro de tres dias
con otras cosas que seria largo contar; por lo que no digo mas; de que
no parece que le quedo nada por hacer al demonio para estorbar el ser-
vicio de Dios, que rezela que la Compania ha de hacer en esta ciudad, en
que de los muros adentro ay mas de quarenta mil gentiles. Mas con todo
la tempestad cesso con la llegada deste Virrey [Ayres de Saldanha] que ama
a la Compania como si fuera de ella, por el zelo grande que tiene de la
christiandad. Ni de lo commun deste pueblo tuvimos nunca agravio, antes
muchos favores, y cada dia son mas nuestros devotos, por el provecho que
sienten con los ministerios de la Compaiiia. Tienennos ya dado en dinero
cerca de tres mil ducados, con que compramos unas casas pequenas con
una huerta grande en que hacemos una iglesia muy hermosa, porque hay
aqui mucha piedra y muy buena.
« La principal causa porque hicimos aqui residencia fue porque es ne-
cessario para conservar la mission de Ethiopia, puesto que de solo este
puerto van naves para ella, y por no aver quien tuviesse el cuydado que
es necessario, se difficultaba cada dia mas el camino. Desee mucho passar
luego como aqui llegue y trahia orden del p. Nicolas Pimienta, visitador
desta provincia, para ir solo, no pudiendo llevar companero. Mas estaban
las naves tan de partida que no se atrevieron los capitanes de las naves
a me llevar, porque son gentiles y tienen grandissimo miedo de los Tur-
cos que senorean todos aquellos puertos. Mas ahora me vinieron cartas de
algunos Portugueses, que alla estan desde el tiempo de nuestro padre Pa-
triarcha, que avra treinta y cinco aiios, en que representan un medio para
poder entrar, que, aunque es bien arriesgado, lo estoy determinado de to-
mar, si la santa obediencia me aprobare esta determinacion. Escriben que
no hay ya mas que mil y quatrocientos catholicos de los que dexaron nue-
stros padres, y que son tan pobres que los mas de ellos andan vestidos con
pieles de animales, y los otros cubren el cuerpo con solo un pedazo de
lienzo ; trahen las cabezas descubiertas con el cabello muy cumplido. Esta
con ellos ahora un clerigo Indio criado en nuestro seminario de Goa, que
por ser de la color de los marineros que alla van, se dio orden que fuesse;
mas con todo esso fue conocido en las tierras de los Turcos y escapo con
mucho travajo huyendo de noche por unas sierras. Mas este quierese tornar
para aca, porque dice que no puede con travajo tan grande, y assi piden
todos con muchas lastimas que acudamos a tan grande desamparo ; porque
tienen por cierto que, en faltandoles sacerdote, han de tomar sus hijos los
yerros de los Ethiopes que son muchos. N. S. tenga por bien de abrir puerta
para que pudamos entrar a los consolar y encaminar a los demas.
INTRODUCTIO XXV
in portubus Aethiopiae, convenit ut se illuc traiiceret, etsi
coqui munere in navi fungi debuisset (i).
l6. Sub finem anni insequentis 1603 tandem aliquando iter
arripuit Aethiopiam versus. Qua ratione id assequi potuerit,
habemus ex ipso Paez in sua Historia (2). Pervenerant scilicet
Dium initio anni 1603 aliquot mercatores turcae e familia-
ribus Bassa Suaquem. P. Paez linguae arabicae iam peritissimus
illos amicitia sibi devinxit eisque aperuit suum consilium in
Aethiopiam navigandi ad repetendam haereditatem quorum-
dam e suis cognatis, qui ibi vita decesserant. Turcae putantes
eum Armenium esse, se paratos illi praebuerunt, non modo
ad iter aethiopicum, sed etiam ad eum omni quo possent
modo iuvandum ut in patriam, Armeniam videlicet, remearet.
Oblatam tam inopinato opportunitatem sibi non esse respuen-
« Puede ser que, si los Arabios de aquellas tierras, donde yo estuve, lle-
varen adelante la guerra que contra los Turcos tienen comenzada, sea
facil este camino porque los tienen muy apretados y mataron al mas es-
forzado Baxa que alla avia con muchos otros Turcos, y un Xeque seiior de
muchas tierras (con quien yo tuve mucha amistad, porque estuvimos presos
juntos en una torre) me envio a decir en las naves que ahora llegaron,
que el huyo de la prission y tenia ya muerto a aquel Baxa con muchos
Turcos, por los agravios que yo sabia que le tenian hecho ; que le encomen-
dasse a Dios para que los pudiesse acabar de destruir ». Epist. 7.* ad p. Itu-
ren, Diu 4 nov. 1601, in Chronhist, etc.
(i) « hace ahora dos anos que me enviaron a esta ciudad de Dio,
donde vienen las naves del Estrecho de Meca, para passar en alguna de
ellas, si hallasse occasion. Este ano esperaba de la tener buena, porque te-
nia pedido que viniesse un hombre de alla que me pudiesse guiar por la
tierra adentro, determinando de desembarcar de noche y caminar luego,
embrenandonos de dia hasta passar dos jomadas que ay de peligro de Tur-
cos; mas no vino, porque, Ilegando al puerto donde se avia de embarcar,
no se atrevio por miedo de los Turcos. Mas no tengo de todo perdida la
esperanza de ir este ano, porque esta aqui un mercader turco de aquella
tierra, con quien determino de me meter, aunque sea por cocinero. Por-
que, aunque se muy bien que todos son falsos y que nos desean beber la
sangre, con todo esto creo que el interes, que este aqui tiene de su mer-
cancia, le forzara a guardar alguna fidelidad, y si no la guardare, de toda
manera espero de N. S. mucho mayores mercedes de las que merezco ».
Epist. 8* ad p. Ituren, Diu, 4 dec. 1602, in Chronhist. etc.
(2) Lib. IV, cap. 3, fol. 404-409.
XXVI INTRODUCTIO
dam putavit pater et, assentiente praeposito provinciae Goanae
ac Prorege subsidia necessaria praebente, una cum merca-
tore Basuan Aga, die 2 2 martii, vela dedit et prospero itinere
die 26 aprilis Massuam appulit. Ubi cum pater aliquot dies
versatus fuisset, primores loci eum humanissime exceperunt
et ratione auctoritatis, qua apud ipsos poUebat Basuan Aga
eius amicus et comes, non modo liberum praebuerunt iter ut
in interiorem Aethiopiam se conferret, sed et comites addi-
derunt, qui eum Debaroam usque tuto perducerent.
17. Praemonuit Paez per epistolam de suo proximo adventu
sacerdotem Melchiorem a Sylva et loannem Gabriel Lusita-
norum ducem, et die 5^ maii, debili iumento insidens hu-
milique vestitu amictus, ut praedonum, qui montes inter Mas-
suam et Debaroam infestabant, rapacitatem eluderet, itineri
se commisit. Totos quinque dies in illis asperis montibus tran-
scendendis insumpsit, et tandem die 10 maii Debaroam per-
venit. Insequenti die loannem Gabriel cum pluribus Lusitanis
obvium habuit, tantaque fuit omnium laetitia et praesertim pa-
tris Paez, ut ipse in sua Historia testatus sit se eo momento
pro nihilo habuisse omnes anteactos labores. « Como eu vi
os Portugueses, me alegrei de maneira que todos os trabalhos
passados me pareciam nada, e di muitcts gratjas a Deos por
tam grandes merces como me tinha feito; e elles tambem
nam Ihas acavavam de dar, tendo por milagro passar por
entre Turcos tam descuberta y f rancamente ( i ) > .
18. Cum his altero die itineri denuo se dedit Fremonam
versus, ubi aedem sacram Lusitani habebant. Exceptus ab
omni populo maxima laetitiae et venerationis significatione,
sine mora operi apostolico manus adiecit, catholicos lusitanos
in retinenda fide roboravit, aethiopes non paucos ad errores
deponendos inducere coepit. Sed cum intelligeret ab nutu
Imperatoris omnia pendere, ad eum litteras dedit, quibus
eum conveniendi veniam postulabat. Imperator Atn&f SagS.d
(i) Paez, Hist.^ lib. IV, cap. 3, fol. 408.
INTRODUCTIO XXVII
(Za Denghel) religioni catholicae non infensus benigne re-
scripsit ac venientem humanissime excepit(i).
19. Triduo post, ut ipse pater narrat, concertationem habuit
coram Imperatore cum monachorum eruditissimis de duplici
in Christo natura, in qua Pater adeo perspicue e theologicis
fontibus duplicem in Christo voluntatem esse duplicemque
naturam unicae insitas personae demonstravit ut omnes ad-
miratione ac pudore defixi haererent, ac Imperator ipse inge-
muerit : « lam intelligo nos christianorum habere nihil praeter
nomen >. Aliis deinde disputationibus, qua publicis qua pri-
vatis, multis etiam e primoribus catholicas veritates persuasit,
iamque eo deducta res erat ut Imperator fidem catholicam
amplexus obedientiam Romano Pontifici praestare constitue-
rit (2), quod perfecisset, nisi a monachis commota plebs eum
regno et vita privasset sub finem anni 1 604 (3).
20. Per annum integrum vacavit imperium, humana divina-
que omnia susque deque versa fuerunt. Tandem anno 1 605 Jacob,
seu Malcic Sagid secundus, ab exilio revocatur eique summa
imperii denuo committitur. Apud hunc quoque quantum p. Paez
gratia et favore valuerit documento sunt et renovatae saepius
coram ipso disputationes cum monachorum litteratissimis de
praecipuis controversiae capitibus inter catholicos et schisma-
ticos et ipsius Imperatoris consilium de fide catholica non
solum provehenda sed et amplectenda.
21. At vero mediis in his rebus denuo a schismaticis mona-
chis populus in furorem agitur, et Jacob de medio toUitur
die 10 martii 1607 (4). Compositis aliquo modo turbis Su-
senios, qui primum MalS.c Sag&d tertii, dein Seltan Sagad
nomen sibi imposuit, imperii gubernacula regenda suscepit.
Quantum hoc imperante per quindecim et amplius annos res
(i) Paez, Hist.^ lib. IV, cap. 6, fol. 413-417.
(2) Ibid., cap. 7, per totum.
(3) Ibid., cap. 9, per totum.
(4) Ibid., cap. 15, per totum.
XXVIII INTRODUCnO
catholica profecerit demonstrant favor ab ipso in gratiam
praesertim Patris Paez patribus Soc. Jesu praestitus, plura
eius ope instructa templa ac Missionis domicilia, schismati-
corum ad plura centena millia ad fidem catholicam conver-
siones, obedientia ab ipso Selt&n Sagid ac eius fratre Cela
Christ6s Pontifici Romano praestita (i) ac demum publica
Imperatoris catholicae fidei professio ob susceptam solemni
ritu e manibus ipsius Paez sacram Synaxim, cum antea sacra
exhomologesi sua commissa expiasset ac libidinibus, in quo-
rum coeno diu volutabatur, nuncium remisisset. Haec quae
brevissime perstrinxi fuse narrata reperiet lector tum ab ipso
Paez in sua Historia, lib. IV per totum, tum ab Almeida
Historia de Ethiopia a alta, libro VII, tum denique in Rela-
tionibus et Litteris quarum elenchum dedi in I volumine No-
tizia e Saggiy I, nn. 82-97; II, nn. 14-17.
22. Ex imperatoris Selt^n Sag3,d prope insperata ad bo-
nam frugem conversione incredibile dictu est quantum animi
gaudium patri Paez contigerit, qui proinde quasi votorum suo-
rum summam consecutus nihilque habens praeterea quod in
hac vita sibi optandum putaret, auditus est illud Simeonis
usurpare : Nunc dimittis servum tuum, Domine. Ac reipsa post
duos menses finem vivendi fecit, die vigesima maii anni 1622,
annum agens aetatis duodesexagesimum. Morbum contraxisse
creditur in illa ultima profectione ad Imperatorem, qui tum
longe a Gorgord, ubi Paez morabatur, in finibus Gallarum ca-
stra posuerat. Perrexit enim aetate iam devexa laboribusque
confractus, incomodo decem dierum itinere, per loca sole tor-
rida, et, quia feriae esuriales agebantur, usque ad occasum solis
ieiunus more aethiopico. Iter vero denuo relegentem adeo
defecerunt vires ut simul ac Gorgoram attigit committere se
lecto coactus fuerit, ex quo amplius non surrexit (2). Corpore
(i) Paez, Hist,, lib. IV, cap. 24-29.
(2) Cfr. Annuam Relatione (TEthiopia degli anni 1621-1622. Roma, Cor-
belletti, 1627, pag. 45 et seqq.
INTRODUCTIO XXIX
fuit statura procero et propter labores et ieiunia macro, at
vultu ob nativum colorem conspicuo, comes et affabilis supra
quam dici possit ita ut omnium sibi animos devinceret (i).
De eo iure usurpari poterat illud Apostoli < Omnibtcs omnia
/adtis sum ut omnes lucri/acerem >.
23. Quibus vero virtutum exemplis, qua floruerit profana
aeque ac sacra scientia linguarumque peritia satis superque
testantur, non modo epistolae patrum qui in aethiopico agro
excolendo cum ipso adlaborarunt et scripta eius eruditionis ac
pietatis plena, sed etiam ipsi Aethiopes, qui vivum propter
mores et scientiam laudarunt eiusque amicitiam ambierunt,
mortuum tamquam communem parentem luxerunt. Imperator
autem tantum ex eius morte traxit sensum acerbitatis ut toto
die nec cibum, nec ullum aliud animi aut corporis levamentum
admiserit, et litteras primum quidem ad patrem Fernandez,
deinde ad patrem Ludovicum Cardosum praepositum provin-
ciae Goanae dederit in quibus merita patris Paez extollit (2).
(i) € Era de corpo alto e magro, rosto corado, de engenho vivo, de
condi^ao tam afavel, que a quantos tratava ganhava as vontades. Guardou
perfeitamente aquillo do apostolo: Omnibus omnia etc, fazendose nao s6
mestre e pregador da verdadeira fee, mas medico e enfermeiro pera os
doentes, architecto, pedreiro, carpinteiro pera fazer igreias a Deus e casas
ao Emperador, con tanta humiidade e chaneza que todos cativava fazen-
dose servo e cativo de todos... ». Almeida, HisL etc. lib. VII, cap. 34, fol. 306.
(2) Cfr. Annuam cit. Relaiione etc, degli anni i^^i-id^^f Roma, Corbel-
letti, 1627.
In epistola autem ad patrem Cardosum (cuius apographum prostat in
epistola patris Barreto ad patrem Generalem, data Goa, 11 dec. 1623; ASI.
Goana, Hist, Aethiop, 1^4^*162^, n. XLI) scribit Imperator: « .... veneravel pa-
dre Provincial Luis Cardoso, cuja fama chegou a esta tierra de Ethiopia,
se envia esta carta a V. R O segundo [ponto] he da morte do perfei-
tissimo penitente e virtuoso revA^ padre Pero Paez, pay de nossa alma, claro
sol da fe, que allumiou a Ethiopia das trevoas de Eutiquio. E depois que
eclypsou e se pos este nosso sol, achamos tristesa em lugar de alegria e
pranto em lugar de contentamento, e lal pranto qual foi o de Alexandria
pella morte de s. Marcos, e tal sentimento qual o de Roma no fallecimento
de s. Pedro e s. Paulo. Mas que fallaremos e contaremos das virtudes deste
apostolo de dentro e fora humilde e verdadeiro em suas obras e palavras [?].
Se o papel fora tamanho como o ceo, e a tinta como o mar, ouveranos
XXX INTRODUCTIO
Apud ipsum vero patris recordatio multo diuturnior fuit, quam
quisquam ab eo expectare potuisset. Etenim post illud tempus,
quoties gorgoranam aedem ingrederetur, super Patris tumu-
lum se prosternere solebat, ut magistro olim suo honorem
exhiberet et quanto eius desiderio teneretur quo poterat modo
demonstraret.
11.
De Pontibus historiae P. Paez
deque illius pretio et mendis.
I. P. Paez suum opus conscripsit ultimis vitae suae annis
motus praesertim praecepto praepositi Provinciae Goanae, ut
commenta patris Urretae O. P. (i) Societati lesu et maxime
duobos patriarchis Nunez Barreto et Oviedo iniuriosa re-
futarentur. Nemo certe huic muneri aptior patre Paez, qui
iam fere duodeviginti annos in Aethiopia posuerat, in eiusdem
linguis et moribus versatissimus et in investiganda rerum
veritate quam maxime perspicax noscebatur. Ipse pater in
epistola ad p. Mutium Vitelleschi Praepositum generalem,
quam huic historiae praemisit, expresse dicit : < Por me en-
caregar o p. Provincial da India que o ficesse [scil. de rebus
aethiopicis narrationem texere] e que iuntamente respondese
ao que impoe ao padre patriarcha Dom Joam Nunes Barreto
e aos padres da Companhia, que com elle vinham pera Ethio-
pia, o padre frei Luis de Urreta ». Huic superiorum praecepto
eo libentius auctor obtemperandum sibi duxit quo magis hoc et
suo proposito res aethiopicas male in Europa cognitas pate-
de parecer que nao bastariam pera fazer escrever a fama de suas bonda-
des, proveito e regras. Em o que aconteceo nao se podem colher as flores
que se espalharao, nem tornar o dia que passou, nem se receber a agoa
que se entornou ».
(i) Historia de la Ethiopia^ Valencia, 1610.
INTRODUCTIO XXXf
faciendi et plurium patrum desiderio respondebat, ut ipse in
eadem epistola testatur(i).
2. Ex hoc scopo polemico suae Historiae factum est quod
A. in assignandis et perscrutandis fontibus, e quibus rerum no-
titias hausit, fuerit accuratissimus et, quod in Historiis il%is
temporis frustra quaeras, pro unoquoque fere eventu et pro
quavis locorum descriptione fontes singillatim indicaverit. In
epistola dedicatoria supra citata ad tria tantum capita eos
reducit auctor ; eaque sunt : libri aethiopici, traditio per testes
fide dignos accepta et experientia propria. En eius verba:
< ... esta Historia... en que ordinariamente falo de vista e o que
refero dos livros de Ethiopia tresladei fielmente, e as cousas
(jue escrevo por informa^am procurei de tomar das pessoas
mais fide dignas que ca ha >. His tribus fontibus debet et
quartus adnumerari, scil. scripta partim in lucem edita tem-
pore A. partim inedita, eorum europaeorum, lusitanorum prae-
cipue, qui in Aethiopia versati sunt et de rebus ac moribus
illius regionis tractarunt. Etenim etiam et iste fons saepe
saepius ab A. citatur.
3. Et haec generatim : Ut autem lectori, antequam ad per-
volvendam historiam manus apponat, facilius patescat quam-
nam auctoritatem ea quae lecturus est mereantur, singillatim
mihi enucleandum esse duxi e quot et quibus fontibus prae-
cipuae res ab auctore enarratae deriventur; et quemdam veluti
indicem fontium huiusmodi, capitumque et paragraphorum eius
Historiae respondentium lectori praebere. Quia vero hoc primo
volumine tantummodo i""et ^'"Historiae liber in lucem eduntur;
3"* autem et 4" proximo anno typis tradentur, ne cogar lec-
torem pro primis duobus libris ad Capita eorumdemque pa-
(i) € Depois que entrei em este imperio de Ethiopia, que foy em raayo
de 1603, e comecei a ver as cousas delle, entendi quam pouca noticia se
tinha dellas em Europa: pollo que desejava sempre dar algum aos daquel-
las partes ; mas foram tantas e tam precissas as occupac^oes, que, ainda que
a este desejo se juntou pedillo com instancia por cartas alguns Padres, nam
o pude nunca por em execu^am ».
*****
XXXII rNTRODUCnO
ragraphos remittere, et pro duobus lilnis insequentibus, qui
adhuc paragraphorum numeratione carent, remittere tantum-
modo ad capita et ad folia mss., quod confusionem aliquam
et incertitudinem pareret, hoc loco indicandos mihi esse pu-
tavi tantummodo fontes i' et 2' libri: idque eo magis quod,
cum fontes, praesertim scripti, i* et 2' non sint iidem ac se-
quentium librorum, inutilis et taediosa repetitio evitabitur.
Pontes I et II Libri.
I. — Scripta i^etkiopica.
i. Elenchus Regnarum et Pravinciarum imperii aeihiopici (Xt^lt
ditus auctori a Secretario imperatoris Seltan Sagad). — Lib. I, cap. i ,
n. 3.
2. Cathalogi Imperatorum duo (primus inventus ab A. inter
libros ecclesiae Axum, alter ipsi traditus ab imperatore Seltan Sa-
gad). — Lib. I, cap. i, n. 14; cap. 5, per totum; cap. 6, n. 9; cap. 17,
n. 2. - Lib. II, cap. 17, n. 3.
3. Liber dictus Ghebra Nagast, scil. Gloria Regum (inventus ab
A. in ecclesia Axum). — Lib. I, capp. 2 et 3 per totum. - Lib. II,
cap. I, n. 4; agitur de regina Saba eiusque filio Menilehec.
4. Chronica Zara Jacob (Auctori tradita ab imperatore Seltan
Sagad). — Lib. I, cap. 5, n. 5; cap. 14, n. i (i).
5. Liber dictus Mazaquebt Haimanot, scil. Thesaurus Fidei, —
Lib. I, cap. II, n. 6. - Lib. II, cap. 3, n. i, ubi agitur de errore Ae-
thiopum circa duplicem Christi naturam.
6. Liber dictus Haimanot Abbo, scil. Fides Patrum. — Lib. I,
cap. II, n. 6. - Lib. II, cap. 2, n.^; cap. 3, n. i, ubi de eisdem erroribus
est sermo.
(i) Circa hanc partem Chronicae Zara Jacob ab A. citatam, praemo-
nendum lectorem volo me errasse transcribendo duo verba formulae quam
in brachio sinistro impressam ab Aethiopibus gestari voluit Zara Jacob. Ex
accurata enim inspectione autographi, legendum omnino est: Diabolos Dctzc
bdc (quod interpretantur Dillmann et Guidi Diabolus, divinitas seu idolum
vanum ; vel etiam, ut A. placuit, Diabolus turpis et vanus) non vero Dezcbac,
ut impressum est pag. 68, lin. 18; multo autem minus Dazebac, ut male legit
in Almeida Perruchon (in appendice ad Chronicam Zara Jacob^ Paris, 1893,
pagg. 199 et 203). Lectio enim Almeida conformis est cum illa Paez, scil.
Dazc bac, Notandum quod pro Lusitanis sonus litterae z idem est ac s: sic
promiscue scribebant tunc diz, dis, Neguz^ Negus etc.
INTRODUCTIO XXXIII
7. Codex Caeremoniarum pro coronatione Imperatomm (inter
libros ecclesiae Axum). — Lib. I, cap. 12, nn. 1-5.
8. Lithurgia aethiopicay ad literam in lusitanicum sermonem con»
versa (plura exemplaria prae manibus). — Lib. II, cap. 11, per totum,
9. Liber precum in usum Moneichorum (Auctori traditus a Su-
periore cuiusdam monasterii). — Lib. II, cap. 2 per totum, ubi re-
feruntur lusitanico sermone preces fere omnes.
10. Caeremoniale^ in usum Abunae, pro conferendis ordinibus
sacris ling^a arabica conscriptum (Auctor vidit, at nemo voluit illi
legendum tradere), — Lib. II, cap. 13, n. 3.
1 1 . Liber quo continentur ritus et preces in initiatione mona'
chorum. — Lib. II, cap. 18, n. 4, ubi A. ex eo excerpta tradit.
12. Vita Abba Statius (Quae fetulit A. de hoc fundatore mo-
nachorum Aethiopiae accepit a monachis, qui librum habebant;
hunc tamen ipse nunquam habere potuit prae manibus). — Lib. II,
cap. 18, n. I.
13. Vita abbd Tacla Haimanot, — Lib. II, cap. 19, per totum,
ubi refertur integra, sed lusitanico sermone.
14. Vita abbd Samuel. — Lib. II, cap. 21, n. 2, ubi aliquot ex
eo libro excerpta referuntur.
15. Synaxarium (Senkessar) aethiopicum, quod A. vertit « Flos
Sanctorum ». — Lib. II, cap. 22, n. 7, ubi citat hunc librum ad con-
futandas quasdam vitas Sanctorum Aethiopiae ab Urreta confictas;
cap. 23, n. 10, in quo compendio refertur vita imperatoris Lalibala.
16. Historia imperatoris Caleb ex quodam libro ecclesiae Axum.
— Lib. II, cap. 23, n. 12. Ex hoc libro refert A. tantummodo ex-
peditionem contra Finaas. Cetera oretenus accepit.
17. Acta s. Frumentii {Fremenatos) (probabiliter liber citatus
est Synaxarium). — Lib. II, cap. 10, n. i, ubi affirmat in libris ae»
thiopicis nuUam se invenisse mentionem de sacramentis Confirma-
tionis et Extremae Unctionis.
18. Libri aethiopici sine titulo. — Lib. I, cap. 4 per totum. De
variis officiis in regia aula aethiopica affirmat A. se notitias hau-
sisse partim etiam em seus livros. - Lib. II, cap. i , n. 4.
II. — Libri Lusitanici,
I . Franciscus Alvarez, Verdadeira informofHo das terras do Pre^
ste JoQo das Indias, Lisboa, 1540. — Lib. I, cap. 12, n. 8, ubi de-
scribuntur ex hoc auctore cathedrae vel sellae ex petra circa vetus
XXXIV INTRODUCTIO
templum axumiticum, qiiae tempore Auctoris amplius non exstabant;
cap. 13, nn. 1-2, de apparatu quo, iuxta Alvarez, imperator Onag
Sagad se conferebat ad ecclesiam etc; cap. 14, n. 2, de modo quo
iter faciebat imperator Asnaf Sagad (Claudius); cap. 16, n. 5, re-
fertur modus ferendi sententiam a iudicibus et refutatur; cap. 16,
n. 13, qui Lusitanorum primi ingressi fuerint Aethiopiam. - LiKII,
cap. 1 5 per totum, refertur ex eq descriptio templorum in rupibus
excisorum; cap. 16, n. 6, de ritibus nuptialibus.
2. Guerreiro Ferdinandus, Relofam etc. com huma addigam d re-
la^am de Ethiopta nos annos 1608-160^^ Lisboa, 161 1. — Lib. I,
cap. 11, n. 7, ubi refertur testimonium (ex Guerreiro) patriarchae
Oviedo circa opinionem Aethiopum de concilio Efesino; capp. 31-36,
in quibus refertur historia Christofori de Gama. - Lib. II, cap. 7,
ubi referuntur epistolae p. Consalvi Rodrigfuez et aliorum circa mo-
dum quo imperator Claudius excepit patriarcham Oviedo.
3. Miguel de Castanhoso, Historia das cottsas etc. que dom Chri-
stovtu) da Gama fez nos repios do preste /o&o etc, Lisboa, 1548. —
Lib. I, capp. 31-36, in quibus eadem historia narratur.
4. Joannes Alvarez e Soc Jesu, Assistens Lusitaniae, Epistola
ad A, data circa validitatem ordinum sacrorum in Aethiopia, ex tC"
stimonio patriarchae Oviedo. — Lib. II, cap. 13, n. 6.
III. — Traditio oralis db Auctore per testes flde dignos excepta.
1. Aliquot ex primoribus regni coram imperatore Seltan Sa-
gad, lib. 1, cap. i, n. 2: agitur de finibus imperii tempore A. -
Alius ex primoribus regni, ibid., cap. 10, nn. 1-8: quando ince-
perit et cessaverit mos custodiendi in Amba Guixen filios impe-
ratorum.
2. Za Oald Madehen superior monasterii de Allelo, lib. I, cap. i,
n. 9: quod sint ignoti Dominicani in Aethiopia.
3. Officiales regni, lib. I, cap. 4, per totum : circa differentiam
munerum publicorum inductam tempore A.
4. Tres principes descendentes ab antiquis Imperatoribus et in
Amba Guixen commorantes, lib. I, capp. 6, 7, per totum: ubi agi-
tur de eadem Amba et de eius incolis etc - Duo ex iisdem, lib. I,
cap. 9, nn. 6, 7, 8: de commentitiis thesauris praedictae Ambae. -
Item tres principes ex iis, lib. I, cap. 10, nn. 1-8: quando incoe-
perit et cessaverit mos custodiendi principes in Amba.
INTRODUCTIO XXXV
5. Abba Merca, lib. I, cap. 11, nn. i et seqq.: quomodo anti-
quitus eligerentur imperatores et quomodo tempore A.
6. Joannes Gabriel dux cohortis Lusitanae, lib. I, cap. 12, nn. 6-7:
quo ritu acta fuerit coronatio Seltan Sagad; cap. 18, per totum:
de Consilio Latino ab Urreta conficto; cap. 26, n. 8: de piscibus
electricis in Nilo (i).
7. Monachus senex et in ritibus sacris peritissimus, lib. I, cap. 1 3,
n. 6 : de festo s. Crucis in Aethiopia.
8. Multi in traditionibus aethiopicis periti, lib. I, cap. 15, nn. 2
et seqq. : de mulieribus quibus nubere solent imperatores.
9. Za Denghel, lib. I, cap. 16, n. 13: quod codex legum lusi-
tanarum ignotus fuit aethiopibus.
10. Ras Athanatheus, lib. I, cap. 16, n. 13, de eadem re.
11. Joannes Antonius Venetus, lib. I, cap. 18, per totum: de
Consilio Latino ab Urreta conficto.
12. Seniores Lusitanorum, lib. I, cap. 18, per totum, de ea-
dem re.
13. Seltan Sagad, lib. I, cap. 9, nn. 6, 7, 8: de thesauris com-
mentitiis in Amba Guixen; cap. 10, nn. 1-8, circa custodiam
Principum in Amba; cap. 11, nn. i et seqq., de electione Impe-
ratorum ; cap. 16, n. 13, de ignorantia codicis legum lusitanarum in
Aethiopia; cap. 22, n. 9, de scientia Magistrorum in Aethiopia ;
cap. 23, n. II, de modo venandi rinhocerontes; cap. 26, n. 5, de
cursu Nili; cap. 26, n. 9, de commentitio tributo Aegypti pro inun-
dationibus Nili regendis; cap. 27, n. 8: quod flumen Tacaze in Ni-
lum influat. - Lib. II, cap. i, n. 4, de commentitio ordine eque-
stri; cap. 13, n. 6: dubium de validitate ordinum sacrorum in Ae-
thiopia ; cap. 23, n. 8: dubium circa sanctitatem vitae Imperato-
rum Aethiopiae.
14. Sela Christos, lib. I, cap. 26, n. 5, de cursu Nili; cap. 30,
per totum, de vectigalibus et tributis publicis Imperii. - Lib. II,
cap. 13, n. 6, dubitat de validitate ordinum sacrorum; cap. 23, n. 8,
dubitat de sanctitate Imperatorum Aethiopiae et cur.
(i) P. Paez fuit primus ex Europaeis, qui hunc sane singularem pi-
scem electrico apparatu praeditum notaret et belle describeret. Eum adm'
ghez Aethiopes vocant, auctor appellavit torpedinem, ex simili proprietate qua
alium piscem huius nominis, sed marinum, ditatum sciebat. Modo ichtyologi
eum appellant melanopterum electricum, Invenitur non modo in Nilo supe-
riori, sed etiam in plerisque aliis Africae occidentah's fluminibus.
XXXVI INTRODUCTIO
15. Thesaurarius et Secretarius Imperii, lib. I, cap. 30, per to-
tum. de vectigalibus et tributis publicis tempore A.
16. Lusitanus, qui fuit comes ChristophorideGama, lib. I, cap. 31,
n. 37 : narratio expeditionis et mortis Christophori de Gama.
16. Abuna Simon, lib. II, cap. 13, n. i, quod nunquam fuerit
dignitas Patriarchae in clero aethiopico.
17. Multi clerici et saeculares aethiopes, lib. II, cap. 14, nn. 3, 4,
de ritibus nuptialibus.
18. Alexius de Menezes archiepiscopus Goanus, lib. II, cap. 17,
n. I, quod non sint religiosi Augustiniani in Aethiopia.
19. Ichegue Monachorum Tacla Haimandt, lib. II, cap. 17, n. i :
ignoti Augustiniani in Aethiopia; cap. 20, n. 3, de monasterio Li-
banos deque eiusdem monachorum numero etc.
20. Monachi plures fide digni, lib. II, cap. 18, nn. i, 3, 5, quod
duo tantum sint ordines monachorum in Aethiopia.
21. Monachus in antiquis historiis pentissimus, lib. II, cap. 23,
n. 12, de reliquis regis Caleb gestis, quae in eius Historia non
continentur.
IV. — Experientia propria Auctoris.
1) LlB. I, cap. I, n. I, profitetur se de visu multa cognovisse. —
2) nn. 4, 5, 6, 7, de forma corporis, de intellectu, de vestibus et de
salutationibus Aethiopum. — 3) n. 11, de variis Aethiopiae tribu-
bus. — 4) n. 13, Gallarum descriptio. — 5) Cap. 3, nn. 16-21, con-
futatio historiae aethiopicae circa Arcam Testamenti, et Urretae de
Tabulis Legis; quid sit Tabot etc. — 6) Cap. 5, nn. 7-1 1, de variis no-
minibus regnm Aethiopiae, qui numquam fuerunt sacerdotes, bene
autem saepius diaconi; de appellatione erronea, PresSyferi loannis.
— 7) Cap. 8, nn. 3, 5, de biblioteca Amba Guixen et de numero mo-
nachorum. — 8) Cap. 9, n. 12, de nummis excusis ab Imperatoribus
Aethiopiae; — 9) Cap. 10, nn. 6, 11, 12, quot essent prognati imperato-
rum in Amba Guixen tempore A. — 10) Cap. 11, n. 4, episcopus
unus in tota Aethiopia; n. 5, tmperator praefert Crucem ut insig^e
diaconatus; sceptrum incognitum; n. 8, numerus et nomina guber-
natorum tempore vacationis imperii. — 11) Cap. 12, n. 8, de ca-
thedris ex petra prope Axum; n. 9, imperator Seltan Sagad invisit
A. Fremonae post coronationem etc. — 12) Cap. 13, nn. 3, 4, de modo
et pompa qua se ferebant Imperatores ad missam tempore A. ; de-
INTRODUCTIO XXXVH
scriptio sellae imperialis; n. 5, qua pompa imp. Za Denghel se con-
tulerit ad audiendam missam ab A. celebratam; nn. 6» 7, 8, quam ab-
sona sintquae retulit Urreta de festo in dominica Palmarum et SS.Eu-
charistiae sacramenti; n. 9, de domibus Aethiopum et monasteriis
monialium. — 13) Cap. 14, nn. 3-6, de veatibus Imperatoris tem-
pore itineris ; de modo iter habendi tempore belli et tempore pacis ;
de numero militum; de modo cetstrametandi. — 14) Cap. 15, n. 4,
de emblematibus, quae sibi imprimunt in brachiis Aethiopes; n. 5,
quomodo equitare soleant muheres; n. 7, de nomine Itegue imposito
Imperatrici. — 15) Cap. 16 fere per totum, de iudiciis et poenis etc.
— 16) Cap. 17 per totum, de appellationibus et earum fructu. —
17) Cap. 19, n. 2. adversus commenta Urretae de visitatione provincia-
rum ; n. 3, quid praestet Imperator in nuptiis suorum cognatorum. —
18) Cap. 20 per totum, de urbibus, seu pagis Aethiopiae ; de modo eos
gubernandi etc. — 1 9) Cap. 2 1 per totum, de moribus Aethiopum. —
20) Cap, 22 per totum, qui sint magistri in Aethiopia; quid et quomodo
doceant. — 21) Cap. 23 per totum, de quadrupedibus tam silvestri-
bus, quam domesticis. — 22) Cap. 24 per totum, de avibus. —
23) Cap. 25 per totum, de mineralibus, de climate et fertilitate
arvorum. — 24) Cap. 26 per totum, de flumine Nilo eiusque fonti-
bus etc. — 25) Cap. 27 per totum, de fluminibus Marab et Tacaze. —
26) Cap. 28 per totum, de fluminibus Zebe et Aoax. — 27) Cap. 29
per totum, de praecipuis Aethiopiae lacubus.
28) LiB. II, Cap. 2 per totum, errores Aethiopum circa Tri-
nitatem. — 29) Cap. 3, nn. 2, 3, 4, errores circa naturam Christi.
— 30) Cap. 4 per totum, disputationes A. cum doctioribus Aethio-
piae circa duplicem in Christo naturam tempore Seltan Sagad etc.
— 31) Cap. 5 per totum, schismatici rebellant et Seltan Sagad vita
periclitatur. — 32) Cap. 6 per totum, errores Aethiopum circa ani-
mam humanam. — 33) Cap. 8 per totum, de caeremoniis iudaicis
in usu apud Aethiopes. — 34) Cap. 9 per totum, errores circa sa-
cramentum Baptismi. — 35) Cap. 10 per totum, errores circa sacra-
mentum Poenitentiae eiusque praxis risu digna. — 36) Cap. 11,
nn. I, 2, de diebus quibus missam celebrant Aethiopes; de altari,
vestibus s&cerdotalibus etc; nn. 13, 14, erronea praxis in celebra-
tione Missae et in sumenda Eucharistia. — 37) Cap. 13, n. 2, de
honoribus et divitiis, quibus abundat Abuna etc; nn. 3, 4, 5, 7,
quomodo sacris ordinibus initientur etc; de ridiculo examine ini-
tiandorum; de commentitio coelibatu clericorum etc — 38) Cap. 14,
XXXVIIl INTRODUCTIO
n. 2, Auctor disputat contra divortium; n. 5, et contra pravam con-
suetudinem viduarum nubendi leviris suis. — 39) Cap. 15, nn. 9-13,
ritus consecrationis altarium; de vasis sacris; de reverentia quam
Aethiopes templis adhibent: descriptio templi ad europaeae artis
modum ab A. constructi; de sacris imaginibus apud Aethiopes. —
40) Cap. 16 per totum, de ritibus fiinebribus et erroribus circa
Purgatorium. — 41) Cap, 20 per totum, de praecipuis Aethiopiae
monasteriis et praesertim Libanos. — 42) Cap. 21 per totum, de
monasterio de Allelo.
Ex his quae hucusque exposita sunt de Fontibus abunde
patet intelligenti quo pretio habenda sit Historia aethiopica
patris Paez. Nihil enim ferme in ea ab Auctore narratur quod
non vel ipse oculis usurpaverit, vel e certis documentis aut
a testibus fide dignis acceperit. Si quis igitur sinceram Ae-
thiopiae imaginem, maxime initio saeculi XVII, prae oculis
habere velit, is pervolvat diligenter quatuor istius historiae
libros, et spe sua non frustrabitur. Addo quod, cum Auctor
utramque linguam, aethiopicam vetustam, scilicet geez, et vul-
garem, seu amaricam, perfecte calluerit librosque aethiopicos
primus ex europaeis prae manibus habuerit, non parum subsidii
in plerisque capitibus ipsius historiae recentiores in literatura
aethiopica eruditi poterunt invenire. Demum historiae natu-
ralis cultores plura nec spernenda reperient in his quae A.
fuse de animalibus, de plantis et de mineralibus pertractat.
Legentibus enim patebit, Auotorem nostrum singulari quadam
perspicacia in observandis obiectis, quae suis oculis primo
obiiciebatur, iisque cum aliis sibi notis comparandis dotatum
fuisse. Tunc temporis profecto animalium in varias classes
scientifica distributio, si aristotelicam excipias, nulla habebatur,
et historiae naturalis obiecta a priori potius vel ex traditione
vulgari, quam a posteriori, seu ex experientia, tractabantur.
Quare non parum miratus sum Auctoris ingenlum, qui in de-
scribenda forma et moribus animalium adeo fuit exactus, ut
a recentiori zoologiae cultore nil magis desiderares. Percurrat
INTRODUCTIO XXXIX
ex. gr. lector descriptiones Camelopardalis, Zebrae, Rhino-
cerontis et Hyppopotami, quas auctor exhibet Lib. I, cap. 23^
nn. 4, 5, et 6, et fatebitur mecum in nuUo alio historiae na-
turalis libro se accuratiores invenisse. Quod vero spectat ad
eventus historicos, quorum testis fuit ipse Auctor, nemo non
videt quanti eius Historia emolumenti sit allatura iis qui hi-
storiam Aethiopiae saeculi XVII, non ex praeconceptis iudi-
ciis, ut hucusque a plerisque factum est, vel ex fontibus tan-
tummodo aethiopicis, qui omnimodam non merentur fidem,
sed ex intima ac genuina rerum factorumque ratione pertra-
ctare velint. Et haec quoad historiae huius substantiam.
Quod pertinet ad rerum tractandarum modum, in Auctore
nostro perspicuitatem et nativam quamdam simplicitatem lector
suspiciet (i). NuUa insuper est quaestio, etiam difficillima, nuUi
(i) Utinam hanc Auctoris nostri simplicitatem in enarrando ceteri, qui
ex eo materiam desumpserunt, secuti fuissent. Conferat ex. gr. lector de-
scriptionem eiusdem eventus primo a p. Paez exhibitam, dein ab Almeida ac
demum a Tellez, quam hic subiicio. Paez, lib. IV, cap. 3, fol. 407,^.: « Perto da
minham, quiseram descansar hum pouco e pera isso nos afastamos bom pe-
da^o do caminho, e estando asentados antes de dormir, se alevantaram todos
com muita pressa grit^do ; e virando eu a cabe^a a ver que era, vi hum liao,
que saia dando volta e estava de mi como 8 ou dez passos ; pollo que, se
nam tivera huns espinheiros no meio, pode ser que ficera salto; e com a
grita que Ihe deram se afastou, mas muito devagar. Tiraram muitas pedras
pera aquella parte e parecendolhes que seria fugido, nos deitamos, ficando
dous em vigia; mas elle tomou a passar logo outra vez a vista, que facia
bom luar; pollo que nos fomos sem dormir; e caminhamos etc. ».
Almeida, lib. I, cap. 12, fo. 196: « No quarto da alva se afastou com
os companheiros hum pouco do caminho pera tomarem algum descanzo:
eis que, em pregando os olhos, o acorda huma grande grita que derao os
companheiros e virando o padre os olhos pera ver o que era, veo hum leao
oito ou dez passos que se retirava devagar e metia no mato. Atirarao to-
dos pera aquella parte muitas pedradas e come(;avaose a aquietar, quando
o leao Ihe tomou a aparecer por outra banda. Deixarao entao o descanso
e tomarao ao caminho... ».
Tellez, lib. III, cap. 13, pag. 241 : « ... no quarto d*alva se afastou
hum pouco do caminho pera tomarem algum repouzo. Eys que ao primeyro
pregar dos olhos o esperta huma grande grita dos companheyros e viran-
dose o padre pera a parte donde vinham os brados, ve hum fero e espan-
toso le&m, em distancia de oyto ou dez passos, que com lento e vagaroso
XL INTRODUCTIO
eventus, etiamsi intricatissimi, qui ab auctore fere ob oculos
legenti non subiiciantur.
Attamen quia patri Paez, continuis et gravissimis occu-
pationibus distento, otium defuit ad suum opus expoliendum,
hinc factum est ut plura in eo menda reperiantur. Praecipua
sunt: defectus aliqualis ordinis in digerenda materia; nimia
identidem prolixitcLs ; repetitiones frequentes; periodiorum non
semper ad normam syntaxis evolutio ; verborum, raro tamen,
hispanicorum interpolatio ac demum formarum orthographi-
carum inconstantia. Si vero isti defectus cum intrinseco operis
pretio comparentur, merito repetere quis possit illud horatia-
num < ... ubi plura nitent... non ego paucis offendar maculis>.
Quomodo Historiae codex, qui amissus putabatur, reper-
tus fuerit, inveniet lector in I vol. Notizia e Saggi^ par. I, n.° i .
In huius praesenti mea editione adamussim textum, ut ab
Auctore ipso exaratum est, exhibeo, nihil immutando ne formam
quidem orthographicam verborum, quae inconstans est, ut dixi,
quaeque in libro 2°, qui aliena manu conscriptus est, non
parum differt a tribus aliis libris Auctoris manu conscriptis (i).
Interpunctionem solummodo aliquantulum immutavi, ut lectio
facilior evaderet. Huc illuc < \sic\ » interposui, quando lectio
dubia mihi videbatur; pariter uncis inclusas adieci literas et
aliquando etiam verba, quae Auctori in scribendo evidenter
exciderant. Capita, quae saepe longiora sunt quam par est,
in paragraphos distinxi, quarum numeratio tamen in mar-
gine videre est, ne genuinam A. dispositionem vel minimum
andar se hia retirando pera o matto, mas sem os querer perder dos olhos,
que de quando era quando punha nelles. Depois que o perderam de vista,
trataram outra vez de repousar, mas o leam, que parece andava faminto,
nam les deyxou por muyto tempo lograr o sono, porque dando huma volta,
Ihes tornava a apparecer pela outra banda, tomando os a espertar outro
novo sobresalto ; e pera nam terem mays vizitas de semelhante espertador,
se levantaram e tornaram ao caminho ».
(i) Exemplar utriusque scriptionis exhibetur in tabulis quae initio lib. I
et II praefixae sunt.
INTRODUCTIO XLI
immutarem. Unicuique paragrapho brevem rerum summam
adieci ut legentium utilitati deservirem.
A notis historicis apponendis omnino abstinui ; quae enim
animadversione mihi digna videbantur iam adnotata reperiet
lector in vol. I, cit. Notizia e Saggi etc. Notae omnes, quas
inveniet in praesenti volumine, ad declarationem textus solum-
modo pertinent. At vero indicem verborum rerumque nota-
bilium, ne voluminis huius moles plus iusto excresceret, ad
calcem II voluminis amandandum duxi.
HISTORIA DE ETHIOPIA
C. BuccAU. Rer. Aeih* Scrtpt* occ, ined, — II.
I
AO MUITO REVERENDO
EM CHRISTO NOSSO PADRE
Padre MUTIO VITELLESCHI
PREPOSITO CiERAL
DA COMPANIIIA DE JESU
que entrei em este imperio de Ethiopia,
foi em mayo de 1603, e comecei a ver as
as delle, entendi quam pouca noticia se tinha
^ ; pollo que desejava sempre dar alguma aos
daquellas j>artes ; mas foram tantas e tam precissas as ocupa-
<;oes, que, ainda que a este desejo se juntou pedillo com in-
stancia por cartas aiguns Padres, nam o pude nunca por em
execuijam. Agora porem me foi for^ado cortar por algumas e
ainda por muyto do tempo, em quc ouvera de descansar do tra-
balho de outras, por me encarregar o p. Provincial da India
que o ficesse e que juntamente respondese ao que impoe ao
padre Patriarcha dom Joam Nunes Barreto e aos Padres da
Companhia, que com elle vinham pera Ethiopia, o padre frey
4 HISTORIA DE ETHIOPIA
Luis de Urreta da sagrada religiam de s. Domingos em hum
livro, com que saio em Valencja de Aragam o anno de 1610,
das cousas politicas e ecclesiasticas deste imperio, que eu li
com atencjam, e em todo elle casi nam achei cousa que dis-
sese com o que ca passa, como vera tambem claramente
quem lee esta Historia que das mesmas cousas tenho feita,
em que ordinariamente falo de vista, e o que refero dos livros
de Ethiopia tresladei fielmente, e as cousas que escrevo por
informacjam procurei de tomar das pessoas mais fide dignas,
que ca ha e tenho por certo que nenhuma avera entre ellas
a que possa por nota quem as tiver visto e esperimentado,
e muito menos a as demais que escrevo, como V. P. podera
ver, pois todos os annos tem certas informa^oes do que ca
passa, pollas cartas dos Padres meus companheiros e assi por
isto como por ser V. P. tam particular fay desta missam (i),
me pareceo debia ofFerecer a V. P. este peqtieno trabalho (2),
em cuya ben^am e santos sacrificios e ora^Ses muito em o
Senhor me encomendo.
De Dancas corte do Emperador, em maio de 1622.
P.° Paes.
(i) Verba ista italico caractere impressa suffecta ab Auctore leguntur in ms. loco
sequentium quae ab ipsomet abrasa fuerunt, scil.: « poUa obriga^am quc tenho ».
(2) Hic etiam sequcntia abrasa lcguntur: « esta obra, para que, sendo tal que
possa sair a luz, de licen^a para esso e sc nam, mande que fique; por que meu intento
nam foi mais que cumprir com a obediencia do p. Provincial e satisfacer ao desejo dos
Padres quc a pediam, ».
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?
EXEMPLAR SCRIPTIONIS I, III ET IV LIBRI AiUCTORIS MANU EXARATI.
PR©L©G© a© LEIT©R
a das principaes re<;oes e causas, por que se escre-
m as Historias, christam Leitor, he pera que com
tempo nam fiquem sepultadas no esquecimento as
cousas dignas de memoria, senam que sirvam de lembran^a e
exemplo a os vindouros, como di?. Quintiliano Inst. Oral. H-
vro lo, cap. i. e por isto ordenou Deos nosso Senhor, que se
ficesem Chronicas das cousas memoraveis que sucederam ao
povo de Isrrae). como se vee nos livros sanctos, onde se referem
miudamente nam s6 as cousas prosperas, mas as adversas, os
bens e os males que ficeram os Reys, os Principes e Monarchas
de Isrrael ; que esse he o fim da Historia, como diz s. Augusti-
nho, tom. 2, Epistola 131 ad Memorium episeopum, contar
com toda verdade assi o mal como o bem de quem o tem.
Tambem se escrevem as Historias pera que todos possam ter
noticia das cousas insignes que ha, e dos casos que sucedem
em terras muito remotas e afastadas, o que causa grande go-
sto e he de muita recrea<;am participar, se quer em esta forma.
6 HISTORIA DE ETHIOPIA
daquilo que nam podem ver. Mas he muy importante e de
todo necessario que o historiador tenha certa informacjam do
que ha de escrever, porque, como notou muito bem Luciano
livro Quomodo est scribcfida Ilistoriay he grande vicjo della
quando o que a escreve nam esta muy enteirado das pala-
vras, das pessoas, dos casos e lugares tocantes a ella ; o
que muitas veces falta, particularmente em os que escre-
vem por informacjam de outros, e por isso se acham tantos
e tam grandes erros em historiadores muito graves, como
em Plinio e outros antiguos, e ainda em alguns modernos,
que escreveram das cousas da India oriental. Mas sobre todos
os que tenho visto e ouvido os tem o padre frey Luis de
Urreta da Ordem do glorioso padre s. Domingos, em hum
livro que imprimio em Valen^a de Aragam o anno de 6io,
a que intitulou : Historia ecclcsiastica e politica dos grandcs
e remoios reynos de Ethiopia^ Monarchia do Emperador cha-
mado Preste JoafJi das Indias^ que agora me chegou as maos,
e achei que por seguir a informa^am de hum Joam Balthe-
sar natural do reyno de Fatag&r em Ethiopia, Cctsi nam tem
cousa que diga com a verdade do que ca passa. Nem ha que
maravilhar muyto disso, porque de mais de que ordinaria-
mente de longas vias *vam largas mentiras, nam tinha noticia f. i,v.
de ser esta a moeda mais corrente em Ethiopia, tanto que o
emperador Mal^c QaguM, que reinou n annos e avera 23
que morreo, tracia muytas veces por proverbio: « Mentiras de
Ethiopia e cobicja de Egypcios » . Do que eu pudera tracer
aqui muytos exemplos das cousas que tenho visto do anno
de 603, que entrei em Ethiopia; mas baste o que passou
cstando com o emperador SeltSn (^'agued, que agora he, no
terrado de alguns pa^os muito altos, que ha pouco tempo
c|ue fez. Chegou hum seu criado e disselhe que ficera tracer
certa madeira que Ihe tinha encomendado de 50 palmos de
cumprido e tres de largo. Disse o Emperador que visse bem
se tinha enteiramente aquella medida. Foi elle e, tornando
PROLOGO AO LEITOR 7
logo, porque estava ja a madeira na porta do pa^o, affirmou
que ainda tinha mais que menos. Folgou tanto o Emperador
de ouvir isto, que deceo logo a ver com muytos dos Gran-
des e eu com elles, e chegando achou que nam tinha ainda
bem dous palmos de largura ; poUo que voltou enfadado, di-
cendo : Se daqui a la cima me tracem tam grande mentira,
que faram do estremo de meu imperio[?].
Pouco tempo depois disto, me disse elle que escolhese
huma boa terra, que ma daria ; e nomeandolhe huma, que
me tinham louvado, me preguntou se a tinha visto, e respon-
dendolhe que nam, mas que ma louvaram, disse : Nam se fie
V. R. tam de pressa do que Ihe dicem ; nam cuide que a
gente de nossa terra he como a da sua : primeiro veja a terra,
e depois diga se he boa ou nam. Com o que confirmou o que
dicem ca muitos, que em Ethiopia nam se ha de crer se nam
o que se vir com os olhos. E assi eu tambem achei que
aquella terra nam aproveitava pera nada, pollo que me deu
outra muito boa.
Pois se na terra de Ethiopia, onde facilmente se pode
provar o que he mentira, se dicem tantas, que muito que
Joam Balthesar se esprayase lanto a sua vontade nellas em
terra tam distante desta, como he Valencja, onde ninguem Ihe
podia contradicer [?]. Foi em esta materia tam largo que se pu-
dera dicer que nenhuma cousa juntou o padre frey Luis de
Urreta a sua informa^am mais a proposito que as patranhas
que traz dos Poetas, porque nam o sam menores as que Joam
Balthesar Ihe affirmou por grandes verdades ; antes foi muyto
menos o que aquelles fingiram do que este sem nenhum
escrupulo inventou. PoUo que disse muyto bem frey Luis de
Urreta no principio do Prologo de sua Historia, que as cousas
que escrevia eram todas novas, nam vistas, nem lidas em
author, nem livro de quantos tem Europa ; porque, a fora dos
f. 2. livros de cavallerias, que *professam fic^oes, nam parece (jue
abera nenhum que tenha tantas, quantas Joam Balthesar refirio.
8 HTSTORIA DE ETHIOPIA
Vendo pois eu tantas fabulas, contei por festa algumas
diante do Emperador e de muytos Grandes, e mostrandolhes
o livro, se maravilharam muyto de como deram tam de pressa
credito a hum homem nam conhecido pera imprimir livro ; e
disse o principal dos secretarios : Parece que este Joam Bal-
thesar he chocarreiro, que todas as cousas conta as avesas.
Respondeo o Emperador: Nam he se nam espiritu maligno;
porque o chocarreiro nam pode inventar tantas mentiras. E
se ficera isto somente engrandecendo as cousas de sua terra,
fora menos mal ; mas procurou tanto desfacer em as dos Por-
tugueses (se he seu todo o que frey Luis escreve, como elle
affirma) e por nota em pessoas tam graves delles, que me
pareceo tinha obriga^am de contradicer suas mentiras, ma-
nifestando a verdade, e pera que o leitor tenha alguma noti-
cia dellas, em quanto chega a seus lugares onde as vera cum-
pridamente refutadas, tocarei aqui brevemente algumas.
Diz pois (como refer frey Luis de Urreta, pag. 207) que
vindo por Patriarcha de Ethiopia o padre dom Joam Varreto,
entrou nella com 1 2 companheiros da Companhia e alvoro-
tou logo, nam somente o estado secular de todo o imperio,
mas os clerigos muyto mais, mandando que dalli por diante
nam ouvese mais clerigos casados, senam que em tudo se
conformasem com a Igreja latina ; e que os seculares paga-
sem dizemos a Igreja de todos seus fructos, amas cousas
novas e nunca vistas em Ethiopia, e creceram tanto as dif-
ferencias, que o Patriarcha com casi todos seus companheiros
se sairam de Ethiopia e tornaram pera Goa ; sendo assi que
nem o Patriarcha dom Joam Varreto veio em toda sua vida
a Ethiopia, nem passou nunca de Goa, nem por outro nen
hum Padre se mandaram nunca taes cousas.
Na pag. 614 diz que poUos annos de 1555 entraram em
Ethiopia mais de trecentos Portugueses judeos, a quem que-
rendo prender os Inquisidores, por se descubrirem por taes,
fugiram huns pera os mouros e outros pera Goa; onde, pera
PROLOGO AO LEITOR g
encubrir sua maldade e apostasia, affirmaram mil falsedades,
dicendo que os de Ethiopia eram cismaticos e o Preste Joam
cruel enemigo da religiam christaa, e que o padre Patriarcha
Andre de Oviedo estava presso padecendo grandes trabalhos
nas prissoes, e chegando estas novas al rey dom Sebastiam,
f. 2,v. se persuadio com *facilidade ser historia verdadeira o que nam
era senam fabula e malicia, e alcancjou de Pio V hum bu-
leto surrepticio, por estar Sua Santidade mal informado, em
que mandava que o padre Patriarcha Andre de Oviedo saise
de Ethiopia com a primeira ocasiam que achase e fosse a
pregar a China e Japam. Isto tam bem he muyto fora dos
limites da verdade ; porque nem em Ethiopia entraram nunca
taes Portugueses judeos, nem ha Inquisidores, nem hum Rey
tam christao e prudente, como dom Sebastiam, se avia de
persuader com facilidade o que nam era, pera informar de
cousa tam grave a Sua Santidade, antes o fez com muito
pezo e acordo e por ter informacjoes muyto certas que o Pre-
ste Joam era muyto contrano a nossa santa fe, e prender e
degradar ao padre Patriarcha Andre de Oviedo.
Por estas e outras muytas mentiras, que depois veremos,
se pudera facer deste livro o que seu mesmo author refere
pag. 343 que se fez no reyno de Valencja ao livro de Joam
Bolero Benes, que por dicer pouco e falso dos reynos e pro-
vincias do mundo, e em particular de Espanha, o prohibi-
ram com pregoes pubricos ; porque nam he re^am se per-
mita que livro de tantas mentiras e que tanto tocam na honrra
e fama de huma nacjam tam catholica como a portuguesa,
de quem ainda os Turcos, com serem tam grandes seus ene-
migos, affirmam (como eu ouvi muytas veces em sete annos
que me tiveram cativo no estreito de Meca) que nam ha
na^am mais fiel e verdadeira que a portuguesa ; pollo que pu-
deram dicer com Moyses DetiL 32: « Inimici nostri suntju-
dices » . Nem he re(;am que tal livro ande dedicado a Sacra-
tissima e sempre Virgem do Rosario may da mesma verdade.
C. Bbccari. Her, Aeth, Scripi, occ, iued» — II. 2
lO HISTORIA DE ETHIOPIA
Nam digo isto por desfacer no piadoso zelo com que se deve
presumir que o padre frey Luis de Urreta escreveo, senam
pera mostrar o que merecem as falsedades grandes, com que
Joam Balthesar o enganou.
O que principalmente pretende o padre frey Luis em toda
sua obra, e mais de proposito no livro 2, he mostrar que os
Emperadores de Ethiopia e seus vassallos nunca foram ci-
smaticos e desobedientes a Igreja romana, nem o sam oje,
e que, ainda que por muito tempo ignoraram muitas ceremo-
nias da Igreja, toda via, no que toca ao misterio da S."* Trin-
dade e dos 14 artigos e dos Sacramentos, sempre do prin-
cipio da Igreja se conservaram em toda pureza e sinceridade
da fe catholica, sem nunca se afastarem hum ponto della, nem
dos artigos decretados e difFmidos nos concilios geraes; e
quanto ao *circuncidaremse e guardarem sabbado e outras ce- f. 3.
remonias da ley velha, que, depois que por via da India de
Portugal tiveram comercio com a Igreja romana e entende-
ram que os ChristSos de la se escandalizavam de elles guar-
darem a circuncissam e mais ceremonicis da ley e os Papas
Ihes mandaram que o nam ficessem, logo o deixaram sem
nunca mais se circuncidar, nem guardar ceremonia alguma ju-
daica nem outros erros, em que de antes por ignorancia vi-
viam. E assi na pag. 44 reprehende com palavras muy pe-
sadas aos authores que escreveram o contrario, chamandoos
presumidos, calificadores de so nome e nam de officio e que
falam mal e sem fundamento, com outras cousas semelhantes.
Esta he a soma de todo seu intento e a este proposito diz
outras muytas cousas que no discurso desta Historia mostrarei
como sam falsas, sem arrecear esta censura que elle pus a
aquelles authores, porque no principal falarei de vista e espe-
riencia e nam por informacjoes como as de Joam Balthesar,
e no demais as tomarei dcis pessoas mais importantes deste
imperio ; e em tudo o que escrever, ora toque aos Portugue-
ses, ora a os de Ethiopia, falarei desinteresadamente con cha-
PROLOGO AO LEITOR II
necja e seni encarecimentos; porque demais de ser Religioso,
a quem pertence dicer singelamente a verdade do que sou-
ber, nem pera engrandecer aquelles me podera mover a carne
e sangue, nem pera desfacer em estes me incitara desgosto
particular, antes Ihes tenho muytas obrigacjoes, porque do prin-
cipio que entrei em suas terras, sempre me ficeram muytas
honrras e merces sobre merces, nam somente os principes
e grandes, mas em particular tres Emperadores que foram em
este tempo. Pollo que, guardando as leys de boa historia e
seguindo o parecer de santo Agustinho no lugar citado, direi
singelamente o bem e o mal pubrico de quem o tiver, sem
facer eceicjam de pessoas, sometendome sobre tudo ao pare-
cer e correicjam de quem com charidade me quiser emmen-
dar, particularmente a do padre Mutio Vitelleschi Geral de
nossa Companhia, a quem vai dirigida esta Historia, porque
demais de ter poder pera tirar o que Ihe parecer ou mandar
que ninguem a veja, nenhum outro milhor a pode emmen-
dar, por ser fielmente informado cada anno de todas as cou-
sas que sucedem por outros cinco Padres da Companhia, que
ca residem.
[LIVRO 1] <•)
CAPITULO I.
Em que se trata da situa^am e de quantos e quais se-
jam os reynos e provincias da parte de Ethiopia, que
senhorea o Emperador que chamam Preste Joam.
f. 5,v. *Muytas e grandes differencias tem entre si os authores sobre i. Cur uutur de-
... . . t_ nominatione Preste
quantos e quais sejam os reynos e provmcias que se comprehen- 1^^^^^^ Errores Urre-
dem de baixo deste nome Ethiopia ; mas eu nam me deterei em **® geographici in-
numeri. Auctor de-
aprovar, nem condenar suas opinioes, porque meu intento nam he scHbitomntaez pro-
tratar aqui della em toda sua latitud, senam de so esta parte que stonttarfocorum me-
senhorea o Emperador a que comummente chamam Preste Joam. E tiuntur incolae per
dies itineris ; Auctor
posto que muytos e graves authores, como sam os que se citam no reducit ad leucas.
Prologo da Historia Ethiopica de Francisco Alvarez e refere frey
Luis de Urreta na sua cap. i8, affirmem que este Emperador nam
he o Preste Joam, senam outro Rey muy differente, que confina
com os Tartaros, onde ainda agora ha Christaos, segundo me af-
firmou pouco ha hum mancebo natural da Tartaria, que vejo a ter
a esta terra ; com tudo isto no discurso desta Historia o nomearei
por Preste Joam, por ser mais conhecido em Europa por este nome,
que por outro nenhum. Mas antes de nomear seus reynos e provin-
(l) Dcsignatio Libri primi deest hic in autographo, sed bene adest in sequenti-
bus tribus libris.
14 HISTORrA DE ETHIOPIA
cias, sera bem advertir que, demais de que casi todas as informa-
Qoes que Joam Balthesar deo a frey Luis de Urreta, no so no que
toca as cousas ecclesiasticas dc Ethiopia, mas tambem nas politicas
da paz e da guera, ritos e costumes, sam meras fic^oes e cousas
prodigiosamente fabulosas, nas descrip(;:oes geograficas, situagam,
gradua^am de terras, reynos, provincias, mares, rios e alagoas nam
diz cousa com cousa, senam tudo tam misturado e com tam grande
confusam, que nam ha quem o entenda; e nos nomes proprios das
cousas he necessario adivinhar pera saber de que fala ; nem ainda
eu com estar ca poderei falar matematicamente nas distancias e si-
tua^oes das terras, assi por nam ter instrumentos nem cousa de que
me ajudar, como polla gente da terra ser tam pouco curiosa em
esta materia que nenhuma recjam certa sabem dar, nem contam por
legoas senam por dias de caminho, em que pode aver grande fa-
lencia, mas, computando pouco mais ou menos pollo que comum-
mente acostumam de andar em hum dia, colligireis as distancias
com a maior probabilidade que puder.
a. Aethiopia pro- Tratando pois de so esta parte de Ethiopia, que senhorea o
prie dicta eztenditur
inter tropicos per Preste Joam, sua cumpridam corre de norte a sul e toda ella esta
500 ^«ucas longitu- pQgta, entre os Tropicos de baixo da zona torrida, e comeca de perto
diniB a FocAt usque ^ ^ ' t i-
ad BahAr Qam6 et de Quaquem de huma terra que se chama Focai e vai discurrendo
ti^iniVab Haz6 us- P^^^ ^ sul ate a tcrra que chamam Bahar Gamo. Preguntei a mui-
que ad Ombare4. ^^5 quantos dias seriam de caminho, e achei muyta variedade entre
Graves errores vete-
rum Bcriptorum et elles, particularmente preguntando a alguns Grandes diante do em-
^*^*^ ^ ' perador Seltan Qagued, huns disseram que eram dous meses de ca-
minho ; ao que respondeo o Emperador que nam podia ser tanto e
facendo a conta com elles achou 40 *e cinco dias de caminho; f«4-
outros disseram que eram 50» que contados a 8 legoas que pode-
ram andar cada dia, sam 400 legoas, e se quisermos estender a dez
por dia (que conforme elles seralavam a distancia, nam o eram),
entam seram 500. Sua largura, por onde a tem maior, come^a do
estremo da provincia de Bur, de huma terra que se chama Hazo,
que esta de pois de entrar as portas do estreito do Mar Roxo, e
vai discurrendo casi pcra oessudueste ate huma terra, que chamam
Ombarea, e dicem que sera trinta dias de caminho de huma parte
a outra, que contados a S legoas sam 240, e se quisermos que tam-
bem se contem a dez, entam seram 300 legoas. E assi, quando al-
guns authores dicem que ha tres meses e mais de caminho de hum
estremo a outro do imperio, parece que entenderam das jornadas que
LIVRO I, CAPITULO I. 15
faz o Preste Joam, quando caminha, que seram de tres ou 4 legoas.
Pollo que conforme a isto se alargou muito frey Luis de Urreta
no cap. I, pag. 5, dicendo que tem de cumprido 680 legoas, e de
largo 470, e por onde menos 260, e de circuito 2000; e muito mais
errou no mesmo lugar, affirmando que esta terra tem por confins ao
poente o Rio Negro, o monte Atlante e o reyno de Congo, e ao
meio dia os famosos montes da Lua e o Cabo de Boaesperan^a e
toda a costa do Oceano de Mo^ambique ate o Cabo de Guardafui ;
que todas sam cousas entre si muy distantes e disparatas; porque
o Rio Negro (que elle diz que ca se chama Marab), quando sae
das terras do Preste Joam, esta muy distante do reyno de Congo,
e os montes que elle chama da Lua (se, como affirma pag. 29, sam
os das fontes do Nilo) estam no reyno de Gojam muyto dentro de-
ste imperio, e o cabo de Boaesperan^a e Mo^ambique muytas cen-
tenas de legoas afastados delles ; nem na costa do Oceano de Mo-
^ambique ate o cabo de Guardafui teve nunca o Preste Joam hum
palmo ; nem suas terras chegam la com muyto, nem ainda na costa
do Mar Roxo tem oje porto nenhum; que todos Ihe tomaram os
Turcos ja ha mais de 60 annos. Os mais principaes sam Quaquen
e Ma^ua, a que alguns chamam Dalec, porque primeiro estava este
porto em huma ilha, que se chama Dalec, mas depois o passaram
a Ma^ua. Ambos estes portos sam ilhas muyto piquenas e perto da
terra firme.
Deixando pois isto e vindo as terras, que senhorea o Preste 3- Nomina 35 Rc-
gnoruin c 18 Pro»
f. 4.V- Joam, digo que sam 35 reynos e 18 provincias. *E come^ando polla yinciarum iuxta c-
vanda do Mar Roxo, o primeiro reyno se chama Tigre, depois se l®"^'*™ *^« "tM?"
segue Dancali, Angot, Doba Seltan, Mota. Au^a, Amhara, Olaca, imperatoris SeltAn
Xaoa, Ifat, Gueden, Ganh, Doaro, Fatagar, Oye, Bali, Hadea, Ala- ^^ scriptomm rc-
male, Oxelo, Ganz, Beteramora, Gurague, Cuera, Buzana, Sufgamo, fcUuntur.
Bahargamo, Cambat, Boxa, Gumar, Zenyero, Narea, Conch, Damot,
Gojam, Begmeder, Dambia. Estes tem ca por reynos, ainda que
alguns pode ser que nam merecem tal nome. As provincias se cha-
mam Gadancho, Arench, Orgar, Cagma, Mergai, Xarca, Gamaro,
Abexgai, Talaceon, Oagra, ^emen, (,^alamt, Bora, Abargale, Salaoa,
Qagade, Oalcait, Magaga. Tudo isto me dio por rol o principal dos
secretarios do Emperador e depois pera me certificar mais, preguntei
diante do mesmo Emperador a hum seu irmSo, que se chama Eraz
Qela Christ6s e me dissc da mesma maneira, mas acrecentou o Em-
perador que ainda que seus antecessores possuiam todos estes reynos
l6 HISTORIA DE ETHIOPIA
e provincias, de alguns delles senhoreava elle agora pouco, por terem
tomado a mor parte huns gentios que chamam Gala, de quem adiante
falaremos. De onde se vee que nam foi bem informado frey Luis
de Urreta sobre esta materia, pois diz pag. 5 que sam 42 reynos
de christaos muito grandes e muy povoados, e trece provincias de
gentios e mouros, e que por nam serem christaos os que nellas mo-
ram nam Ihes dam nomes de reynos, ainda que na verdade em gran-
de^a o sam. Tambem as terras de hum mesmo reyno que gover-
nam Senhores diflFerentes nomea por reynos distintos, como as terras
de Tigre Mohon e as de Bahar Nagax, aquem elle chama Berna-
gaez, que diz que sam reynos, sendo nam mais que terras do reyno
de Tigre ; e muyto pior informa<;am tiveram Bartholomeo Casaneo
e Joam Boemo Aubano, a quem elle cita pag. 343 ; pois o primeiro
(como elle alli refer contra os padres Mafei e Ribadeneira) affirma
que obedecem ao Preste Joam 74 Reys e casi infinitos Principes,
e o 2° diz que he hum dos poderosos principes do mundo, e o que
mais reynos tem de baixo de seu imperio.
4. Forma corporis, Os moradores dcstes reynos e provincias comummente sam de
color ac vestitus Ae- , , , . . , t^ .
thiopum varia iuzta ^^^ ba^a, mas alguns se acham casa tam alvos como Portugueses,
regiones. Vires ro- entre os que chamam Agous e (iongas do reyno de Gojam e entre
os Hadias ; outros sam muyto pretos. Tem ordinariamente boas fei-
Qoes no rosto, os corpos fortes e robustos, sofredores sobre maneira
de trabalho, fome, sede, calmas, frios e vigias. As meninas e mi-
nino[s] filhos de gente *baixa andam despidos ao sol e ao frio ate f. 5.
que sam grandecinhos, ou quando muyto se cobrem com huma pele
de cabra ou de carneiro. Os filhos de homens grandes, ainda que
vistam beni, andam descalgos e com a cabega descuberta ate que
sam grandes e em quanto sam piquencs tracem topete muyto bem
concertado, e os cavellos do mais alto da cabe^a cumpridos e tran-
gados em tres ou quatro tran^as, que Ihes vam caindo pera as co-
stas, e de se criarem desta maneira e sem mimo Ihes vem serem
depois robustos e de boa saude, e ordinariamcnte passam dos 80 an-
nos com boas for^as e disposic^am, e dicem que muitos ainda de cem
annos as tem ; e eu vi hum frade, que me affirmou que tinha cento
e trinta e hum annos e caminhava a pe mostrandose bem forte.
5. Quoad vires in- No cntendimento, que he o milhor do homem, nam Ihes facem
teUectusaequant Eu- ^ .,1 -• t- «
ropaeos; vitia dissi- comummente ventagem os milhores de iiuropa, como o temos bem
mulant; veniam pro esperimentado na gente nobre; e o que a mi nam pouco me raa-
offensis acceptis non ^ .
recusant ; graviora ravilha he que dc tal maneira refream suas paixocs naturaes, ou
LIVRO I, CAPITULO I. 17
pera milhor dicer, as dissimulam, que por mais agastados que estejam negoda non pcr se,
sed per tertlas per-
huns dos outros, raramente o mostram, particularmente os homens gonas tractant.
grandes; antes entam sam mais corteses e brandos em suas pala-
vras, sem per nenhum caso aver as descomposturas que entre outras
nagoes. Mas tambem algnmas veces se vengam, posto que se huma
vez perdoam (o que facem com facilidade quando Ihes rogam, por
grave que seja a cousa), tem por grande baixe^a e ainda escrupulo
tomar a falar sobre aquello por que se desavieram, e assi os que
se redducem a nossa santa fe se acusam na confissam que torna-
ram a falar (ainda que fosse com seus amigos) sobre o que ja tinham
perdoado. Tem por costume nam so os homens grandes, mas os de
menos condi^am, nam tratar nunca negocio grave de rosto a rosto :
tudo corre por terceiros e recados, por mais que as partes sejam
huma mesma cousa; tendo por muyto menor perda a do tempo que
se gasta em estas embaixadas que a da honrra e primor que se pode
menoscavar com algnma mostra de paixam ou descompostura nas
palavras, que muytas veces nam sam tam medidas quando o animo
esta perturbado.
As cortesias, de que usam huns por outros, sam por a mao 6. Quomodo aese
dereita no peito e baixar a cabe^a dicendo : Bi^on ayaoel, que ^^ ^*"*
quer dicer: o mal nam esteja em vos. E quando hum he inferior
baixa ate a cinta o panno que traz em lugar de capa e beixa a
mao ao outro ; e entrando em casa de homem grande, cinge o panno
e tira os (japatos. Quando os homens grandes vam de huma terra
a outra e visitam seus parentes, ou egoaes, se dam paz no rosto;
e todos, quando entram na ig^eja, tiram os cjapatos e ficam com a
f. 5,v. cabe^a cuberta, *como em cumprimento do que Deos mandou ao
profeta Exo. 3, que se descalgase por reverencia e respeito e nam
que se desbarretase.
Os vestidos dos homens grandes sam de grS e outros pannos 7. Denuo de ve-
^jj ij-Lj 11 j/^' _.. stibus nobilium ct
nnos de damasco, veludo e borcado, que Ihes vem do Cairo ; o corte piebis.
he o mesmo que o dos Turcos, mas a cabaya interior, que Ihes
serve de camisa, tem colarino alto com botoes, e ordinariamente he
de panno branco de algodam tam fino como olanda, que Ihes vem
da India; e as cabayas de cima degoladas e cumpridas como as
dos Turcos, ainda que este emperador Seltan Qagued ja vai intro-
ducendo capas como as dos Portugueses. Alguns tracem na cabe^a
toucas como Turcos, outros varretes de panno ordinariamente ver-
melho, outros tem o cavello cumprido, que concertam de muitas
C. Bkccaki. Kgr. A^th» Script» oec, ined, — II. J
l8 HISTORIA DE ETHIOPIA
maneiras. A gente baixa veste como pode e ordinariamente he hum
panno branco de algodam cosido como len^ol e com este se cobre, sem
tracer de baixo mais que hum cal^am ; e ainda alguns nam tracem
mais que hum coiro de vaca, que concertam como camu^a grossa.
Os vestidos das molheres nobres sam humas camisas muyto largas
e cumpridas, degoladas, casi ao modo das das molheres de nossas ter-
ras, com muytos lavores, e sobre ellas huma como basquinha de
seda ou de outra cousa. Alg^as se cobrem com mantelinhas de
damasco ou veludo, ou com pannos de seda ricos, que Ihes servem
de manto pera irem fora, e quando caminham levam albornoces
e chapeos na cabe^a, tracem sempre topete muito bem concertado
e o de mais cavello feito em muytas tran^as delgadas, e folgam
mais com o cavello preto que louro. Tracem orelheiras de ouro
fermosas e as doncellas poem guirnaldas com argentaria e outras
pe^cts de ouro, com que ornam os cavellos. As molheres baixas
vestem como podem : o ordinario he hum panno de algodam como
hum len^ol, ou hum coiro com camu^a.
8. Linguae ct na- As lingoas que ha em este imperio sam muytas e muy diffe-
tiones : Christiani, . i « ....
Mahumedani, Judaei rentes, amda em hum so reyno; e a mais universal e cortesam
et Gentiles. Confuta- jj^ ^ q^^ chamam amhara ; lincfoa que na eloquencia se parece
tur asseitio Urretae ^ » & n ^ f
de eiectione ludaeo- muyto com a latina. As na^oes sam tambem muytas e muy diffe-
norum. " r^ntes, mas podem se reducir a 4 : Christaos, Mouros, Judeos e Gen-
tios, e nos mais dos reynos se acham todas juntas. Por onde foi
muyto fora de caminho a informagam que sobre esta materia teve
frey Luis de Urreta, pois diz pagg. 7 e 363 que o Preste Joam
Alexandre 3°, por conselho do padre frey Daniel prior do convento
da AUeluya da ordem de sam Domingos, aos annos de 1570, botou
de toda Ethiopia os mouros e judeos, ainda que eram muytos e
muy grandes os tributos que pagavam. e o que nella *se atreve a f. 6,
entrar sem licenc^a fica por ley condenado a ser escravo. Tudo isto
he muyto contrario a verdade, porque casi em todos os reynos e
particularmente em este de Dambia, onde agora esta a Corte, ouve
de muytos tempos a esta parte muytos mouros e judeos, nem os
Emperadores puderam nunca sugetar de tudo os Judeos, que estam
no meio de seu imperio tres ou quatro dias de caminho de sua corte
na provincia de (^emen, ainda que o procuraram, indo por veces
sobre elles em pessoa com grossos exercitos ; e o Emperador Sel-
tan Qagued, que agora vive, por causa de hum alevantado, que se
acolheo a elles, Ihes facia muitos partidos e dava em outra parte
LIVRO I, CAPITULO I. 19
boas terras, porqne Ihe desocupasem aquellas que sam serras muyto
fortes ; e nam quiseram ; pollo que foi sobre elles com grande exer-
cito em otubro de 614, e ainda que matou muytos e tomou o ale-
vantado, nam os pode botar das serras, e assi oje estam nellas sem
Ihe quererem obedecer e por isto em agosto de 616 mandou que
todos os Judeos de Dambia e os demais que Ihe obedeciam, se fice-
sem christaos ; ao que muytos obedeceram e outros fugiram pera as
terras fortes, onde estam Judeos.
Tambem he falso o que diz que o convento da AUeluya he de 9. Palsa assertio
■r>. . « r . . . Urretae monaate-
s. Domingos; porque nem o he, nem o toi nunca, como mostrarei ^^^ Alleluia ease
adiante no fim do 2° livro; nem o prior se chama Daniel, senam Doniinicanorum. Ex
sene imperatoram a
Za Oald Madehen, que quer dicer « naceo [do] Salvador » ; e era de 1 31 NaM ad AtanAf Sa-
annos em abril de 616, que eu fui a o visitar em seu convento pera ^^^^ *iii'num^
acabar com elle certas cousas, e me disse que avia 40 annos que quam extitisse.
era superior e que seu predecessor, que se chamava Gabra Maravi,
scilicet Servo do esposo, fora superior 58 annos, nem ouve nunca
tal Alexandre 3° em Ethiopia, e o que reynava o anno de 1570 se
chamava Malac Qagued e o nome do bautismo era Zar Za Denguil,
scilicet « procedeo da Virgem », e reynou 33 annos e morrendo no de
96, Ihe sucedeo Jacob seu filho e chamouse Malac Qagned. Daqui
se podia collegir quam fabulosats sejam as cousas que atribue frey
Luis de Urreta no discurso de sua Historia a este Alexandre 3°,
pois estas sam tam falsas ; mas com tudo, porque em muytas par-
tes faz men^am delle, ja que em esta come^ou, sera bem mo-
strar como nam ouve tal Preste Joam em os tempos que elle
affirma e quantas veces falando delle se contradiz, para que se en-
tenda o credito que se deve dar a as demais cousas de seu livro.
Diz pois na pag. 88 que este Alexandre 3° sucedeo ao emperador
Paphnucio, que sucedeo a Naum, e depois pag. 617 diz que este
f. 6,v. Alexandre 3® sucedeo ao Preste Joam *Mena. Primeiramente nam
ouve tal Emperador Paphnucio e ao que elle nomea Naum (que nam
se chamava senam Naod) sucedeo seu filho Lebena Denguil, scili-
cet c encenso da Virgem >, e quando o ficeram emperador se intitulou
David, e assi se chamava quando Francisco Alvarez, capellam del
rey dom Manoel de Portugal, entrou em Ethiopia o anno de 1520,
e depois mudou o nome e se chamou Onag Qagued. A este suce-
deo seu filho Glaudeos, scilicet Claudio, e chamouse Atanaf Qagned,
e estava, quando entro dom Christovao da Gama em Ethiopia com
400 Portugueses, que foi no anno de 1541, e depois o mataram os
20 HISTORIA DE ETHIOPIA
Mouros em batalha em mar^o de 1559; e sucedeolhe Minas seu
irmao, a quem frey Luis chama Mena, e chamouse Adamas (^a-
gued e morreo anno de 563. Pollo que errou muyto frey Luis di-
cendo que Alexandre 3° sucedeo a Paphnucio e depois que suce-
deo a Mena; pois este Minas nam sucedeo a Onag Qagiied, a quem
elle chama Paphnucio, senam a seu filho Atanaf (^agued.
10. Fabulae quae Tambem diz pag. 616 que este emperador Mena escreveo a
iUexandro Tll^protu.- P^^pa Pio V, que o padre Andre de Oviedo era presidente do Con-
lit Urreta: perperam selho latino, e que o reverenciavam como a santo; e na pacf. 102
etiam Fr. Alvarex ^ » r s v
asserit sub Alexan- e 193 diz que o emperador Alexandre 3** a instancia do padre Andre
sitLios^etbiopiam ^® Oviedo instituyo este conselho latino e fez presidente delle ao
fuisse primum in- mesmo Padre ; no que se vee claro a contradicjam : porque, deixando
pera seu lugar o mostrar que nunca ouve em Ethiopia tal conselho
latino, se Alexandre 3° instituyo o conselho latino, como o em-
perador Mena, que foi antes delle (como diz pag. 6 1 7) podia escrever
a Pio V, que o padre Andre de Oviedo era presidente deste con-
selhop]. Diz mais pag. 91, que sendo este Alexandre 3°principe e
estando no monte Amhara, o sirvio la muyto Joam Balthesar ; sendo
assi que o derradeiro, que de la tirarSlo pera Emperador, foi Naod,
o qual, como dicem todos em Ethiopia e se vee no catalogo dos
Emperadores, avia que de la saio 118 annos quando se impri-
mio o livro de frey Luis, que foi o de 610, e diz elle pag. 7 que
Joam Balthesar caminhava pera os 70 annos; poUo que conforme
a esta conta, 50 annos pouco mais ou menos antes que Joam Bal-
thesar nacese, ja servia a Alexandre 3° no monte de Amhara. Tam-
bem diz pag. 7 e 118 e 139 que Alexandre 3° morreo anno de 606
e em seu lugar eligiram hum principe da gera^am de David, que
se chamava Zarac Haureat, e vivia o anno de 608. Tudo isto he
falso, porque eu entrei em Ethiopia em mayo de 603 e nam achei
tal Alexandre, senam Jacob filho do emperador Malac Qagued, que
tambem se chamou Malac (^agued, e o setembro seguinte o tiraram
e mandandoo presso ao estremo do imperio a hum reyno que cha-
mam Narea, levantaram a hum seu primo que se chamava Za Den-
guil, scilicet « da Virgem», e aos 13 de otubro de 604 o mataram
elles mesmos e tornaram a tracer Jacob; mas aos dez de mar^o de
607 Ihe deo batalha hum seu primo, que *se chamava Suzenios e f. 7.
o matou e assi foi emperador e chamouse Malac Qagued. Depois,
por aver tantos deste nome, o mudou e chamase Seltan Qagued, que
quer dicer « o poder adoura » ou « faz reverencia » . Tudo isto declarare-
LIVRO I, CAPITULO I. 21
mos adiante cumpridamente e, pera concluir esta materia, digo que
he cousa muito certa que nam ouve nunca em Ethiopia Alexandre 3**,
porque ninguem sabe dar re^am delle, nem no catalogo dos Em-
peradores ha mais que hum Alexandre, a que elles chamam Escan-
der, e este foi muyto antes que os Portugueses descubrisem Ethio-
pia, pollo que tambem se enganou Francisco Alvares no que diz
fol. 128, que, sendo Alexandre emperador, entrou em Ethiopia P.^
de Covilham portugues ; porque este parteo de Portugal, como se
diz no prologo de sua Historia, o anno de 1487 e o emperador
Alexandre morreo antes no anno de 1475; por onde he certo que
errou o nome do Emperador. Isto bastara por agora pera o leitor
saber quam fabulosas sam as cousas que frey Luis de Urreta diz
deste Emperador no discurso de sua Historia.
Tomando pois aos moradoures das terras do Preste Joam, os ix.incoUeAethio-
mais cortesoes. nobres e poderosos. geralmente falando, sam os que P|,«« JJ^* ^
chamam Amharas. Os demais tem muytos e differentes nomes con- prodiveraistribubus,
. quanim praecipua
forme a suas familias e as provincias onde moram; pollo que em Amhara, comuni vo-
hum so reyno ha gentes de muy differentes nomes. Com tudo ha cabuloHabcxyocan-
-^ o j tur: falsa interpre-
hum nome casi geral pera toda a terra e os moradoures della que tatio huius nominis
he Habex, porque a a terra chamam Habex e aos moradoures, seja
hum ou muytos. Isto nam somente entre si huns a outros, mas prin-
cipalmente os Mouros e Turcos a a terra e aos moradoures cha-
mam Abex, posto que ordinariamente quando falam de so a terra,
todos a chamam Ethiopia, e este nome he mais proprio, e assi os
naturaes nas cartas e livros que escrevem deste so usam; que o
nome Abex muytos tem pera si que o inventaram os mouros, e nin-
giiem de muytos a que preguntei me soube dicer o que significa;
mas frey Luis de Urreta pag. 4 corrompe o nome, como tambem
o facem outros authores, e a terra chama Abassia, e aos moradoures
Abissinos, e traz huma ethimologia parece que imaginaria : porque
nunca a pude achar nem entre os mouros nem entre a gente de
Ethiopia, ainda que elle diz que em lingoa arabiga, turquesca e na
mesma dos ethiopes quer dicer gente franca e livre, que nunca sir-
vio a senhor estrangeiro, nem ha reconhecido rey estranho, e que tal
he a terra de Ethiopia; poUo que affirma pag. 7 e pag. 16 e 17
que, ainda que a Ethiopia inferior e baixa, que come^a junto a
Egypto ate a ilha Meroe, ha tindo senhores estrangeiros e obede-
f. 7A. cido a Emperadores estranhos, a alta e mayor, que comecja *da Me-
roe ate os montes da Lua e lagoas do Nilo, nunca ha sido con-
22 HISTORIA DE ETHIOPIA
quistada nem jamais ha obedecido a senhor estrangeiro, sempre de
annos a esta parte ate o Emperador que oje govema, amas Ethiopia
baixa e alta obedecem a hum mesmo Senhor, que he o Preste Joam.
la. Palsum est Mas, deixando a ethimologia que ao nome Abissinos da frey
n^quam 8ub extera ^'"^^ ® ^^ ^""^ muyto nos limites que poe a as terras do Preste
potestatefuisse.Nam Joam, teve niuyto falsa informagam no que diz que nunca foram
Mahumedani sub
Granh potiti sunt conquistadas e que sempre foram govemadas e o sam oje por seus
Ae^iopia fere uai- fiihos legitimos e Emperadores naturaes; porque o anno de 1528,
pouco mais ou menos, veio com exercito hum capitam gfrande del
Rey de Adel mouro, que se chamava Mahamed e, por que era izquerdo,
o nomeam commummente Granh (que asi chamam na lingoa da terra
ao que he izquerdo), e entrando por estas terras do Preste Joam
as tomou casi todas e as senhoreou 12 annos ou, como alguns di-
cem, 15, sem ficar mais que muyto poucas e essas mal seguras, por-
que sempre o Emperador e os dellas andavSo fugindo de huma
parte a outra; e, se dom Christovao da Gama nam viera de socorro
com os 400 Portugueses, que ja dissemos, nam Ihe ouvera de ficar
ao mouro hum palmo da terra que nam senhorease, como diremos
adiante quando tratarmos da entrada de dom Christovao em Ethiopia.
13. Gallae qui sint Demais disto, em tempo do emperador Onag Qagued, vieram
a tempore OnAg Sa- ^^ vanda do sul huns gentios pretos, que chamam Galas, pastores
gftd Aethiopiara in- ^^ vacas, cfente muy cmel e fera, que como suas molheres acavam
vaserint. » o ^ ~i
de parir, sejam filhos ou filhas, os botam fora no campo e alli mor-
rem ou os comem os animaes, huns por espa^o de seis annos, ou-
tros de dez, e se algnm furta a crian^a que botaram por que nam
morra e he achado, Ihe dam grande castigo e o tem por homem
amaldi^oado. Nam lavram os campos, nem se sustentam ordina-
riamente se nam de leite e mantega e de came cma, ainda que
algnmas veces a asam e cocem. Nam tem Rey, mas cada 8 annos
elegem capitaes que os governam na paz e na guerra. Estes, com
virem casi despidos e nam tracerem outras armas mais que dous
^argunchos, huma adarga e huma macinha de pao, foram entrando
por este imperio de maneira que oje senhoream muyta parte delle
e no que fica facem casi todos os annos muytas entradas e dam
grandes asaltos, levando casi sempre muyta pressa, particularmente
de vacas, de molheros e meninos ; que aos homens todos matam por
nam se fiarem delles, ainda que algumas veces, depois de tomada
a prossa, dam sobre elles os capitaes do Emperador e Iha facem
deixar, matando alguns; mas, se querem passar onde ellcs estam.
LIVRO I, CAPITULO I. 23
f. 8. raramente os alcan^am, porque fogem *com suas vacas; e como as
terras estam todas ermas, que nam as semeam, nam os podem se-
guir muyto, por nam acharem que comer; mas os dous annos pas-
sados entraram algumas veces e, dando de subito sobre elles, ma-
taram muitos e trouxerkm grande pressa, como diremos no 4 li-
vro. Esta peste de Ethiopia dicem que pronosticou o Patriarcha
dom Joam Bermudez, que entrou com dom Christovao da Gama, e
depois, por nam quererem dar a obediencia a Igreja Romana, como
tinham prometido, se tornou pera India, lan^ando maldigam a as
terrcts por onde passava e dicendo que via entrar em Ethiopia hu-
mas formigas pretas que a destruiam, e todas as terras que elle
amaldigou, estam agora destruidas e possuidas de Galas.
Tambem he fora de caminho o quc frey Luis diz que sempre 14- Falsiim item
T^,- . . r • j T^ j 1 '^' j • Aethiopiam semper
Ethiopia foi govemada por Emperadores legitimos, porque, demais alegitimisimperato-
do contar os livros de Ethiopia, he cousa muyto notoria nella que ^^^^ fuisse guber-
natam. DynastiaZa-
morrendo o emperador Armah, ou, como outro catalogo diz, Del- guft usurpavit impe-
naod, deixou hum filho muyto piqueno e ficou como por seu ayo "^"^ ^' ^^** annos.
e governador do imperio hum senhor muy poderoso chamado Za-
goe, casado com huma molher de sangue real, e, morrendo dalli a
pouco tempo o minino, foi elle governando o imperio como antes,
sem se nomear por Emperador, nem querer alevantar nenhum dos
da gera^am de Salomam, a quem pertencia o imperio, ate que mor-
reo e, ficando hum seu filho, se nomeou por Emperador e matou
quantos pudo achar dos de Isrrael, a quem podia pertencer o im-
perio, pera que nam Ihe ficase competidor, e senhorearam toda
Ethiopia os da gera^am deste Zagoe 340 annos ; que, ainda que no
catalogo dos Emperadores nam estam mais que 143, dicem que fal-
tam muytos e que esto trahe a verdadeira conta; e ao fim deste
tempo se alevantou hum da geracjam dos legitimos Emperadores,
que tinham escapado escondidos em terras afastadas, e com ter pouca
gente, sabendo que os principaes do exercito do contrario o aviam
de receber, foi confiadamente contra elle e chegando perto disse-
ram ao Emperador que aquelle filho de Isrrael (que assi chamam
aos da casta real que decendem de Salomam) vinha contra elle : que
saise. Respondeo que nam era necessario, que pera aquelle bastava
hum capitam ; e assi mandou o da dianteira ; mas, como de segredo
estava concertado com o outro, logo se Ihe ajuntou com a gente
que levava. Sabendo elle isto, mandou outros dous capitaes, que
f. 8,v. *tinha por fieis ; mas tambem ficeram como o primeiro e todos jun-
"^
24 HISTORIA DE ETHIOPIA
tos tomaram contra seu senhor. O que vendo elle, fugio em seu
cavallo e, por nam poder escapar, se meteo em huma igreja, dicendo
que tomava por valedor a hum santo que nella avia, que chamam
Charcos. Mas chegou logo o de Isrrael, que hia em seu alcance, e
disse : Senhor, nam Ihe valhais, que tomou o imperio que nam Ihe
pertencia, e, dandolhe com a lan^a, o matou e assi ficou pacifica-
mente por Emperador e chamaram o Icuno Amlac, que quer di^er :
« seja com elle Deos », e deste Emperador se foi continuando a linea
de Salomam ate agora, qtie sam mais de jjo annos (i).
Por onde foi muito contraria a verdade a informa^am que de-
ram a frey Luis de Urreta, que nunca Ethiopia fora govemada por
senhor estrangeiro, senam por seus naturais e ligitimos Emperadores;
pois consta que se cortou a linea dos Emperadores por espaijo de
de 340 annos ; que ainda que aquelle Zagoe era Ccisado com molher
de casta real, nam podiam seus filhos erdar o imperio, por nam ser
costume que os filhos de molheres erdem, ainda que ellas sejam
filhas do precedente Emperador, se seu marido nam era de casta
real por via de varam.
(i) Haec adiunxit Auctor in margine et delevit quae sequuntur, scil.: « Desde
aquelle Emperador se foi continuando a linea de Salomam ate agora, que sam mais de
350 annos. Este teve cinco filhos ou, como outros dicem, nove e, estando pera morrer,
Ihes encomendou muito que tuviesem muyta ujiiam e amor entre si, e que cada hum reynase
hum anno, come^ando o mais velho. £ assi hiam facendo; mas chegando o imperio ao 2^,
ou, como outros affirmam, ao 7°, se enfadou o mais piqueno, porque, quando avia de
comer com os outros dous seus irmaos, que era como acabava o Emperador e o mais
velho, que comiam juntos, faciam sair aos outros fora do aposento pera lavar as maos
e depois entravam a comer. Enfadado disto disse a seus amigos : Eu nam hei dc facer
desta maneira, senam quando me chegar o imperio prender todos estes meus irmaos e
pollos em lugar de onde nam possam mais sair. Nam faltou quem dissese isto ao que
era Emperador; pollo que mandou logo prender todos seus irmSos e levar ao monte de
Amhara que chamam Guixdn, que he muito forte, como adiante diremos; e dalli licou
costume metcrem la os filhos dos Emperadores, ate o emperador Naod, quc tirou este
costume; ficando la somente os que primeiro estavam; e ainda ha oje no monte gera-
^am de Fre He^an, aquelle que foi causa dos come^arem a meter, segundo me disse o
emperador Seltan Qagued )).
f <>• CAPITULO II.
£m que se trata da gera^am dos Emperadores de Ethiopia,
come^ando da reynha Sabba.
Cousa he muyto certa e averiguada entre os Ethiopes, tanto i.DereginaSaba;
11 j v ' j. cur de ea Auctor lo-
que nam Ihes parece que possa aver de nenhuma maneira contro- quatur.
versia, em que seus Emperadores decendam de Salomam por via
da reynha Sabba, porque todos seus livros estam cheios disso e
elles sempre se pre^aram e estimam oje muito chamaremse isrrae-
litas e iilhos de David. Por onde avendo de tratar delles, primeiro
devemos falar da may, por quem Ihes veio tam grande honrra como
he serem filhos de David ; e mais este he o estilo da divina Escrip-
tura falar primeiro da may, quando querem tratar do filho, e assi
quando o sag^ado escritor queria contar as grande^as de algum
Rey, primeiro decia quem era sua may, e como se chamava, como
o fez, querendo tratar de Jeroboan, que primeiro disse, que sua may
tinha por nome Serva, molher viuva « Cuius mater erat nomine
Serva, mulier vidua » 3, Re^. 11. O mesmo fez querendo falar del
rey Joas, 4, Reg. 12, e del rey Ezechias, 4, AV^. 18, que primeiro
declarou quem eiam suas mays e como se chamavam; o que imi-
tou o glorioso Evangelista S. Mat. c. i, que, pera escrever as ma-
ravilhas e grande^as de Christo N. S., conta primeiro quem foi sua
may e que nome tem.
C. Bju:cari. Her. Aetk, Scripi, occ. intd. — II. 4
y
n
26 HISTORIA DE ETHIOPIA
a. Varia eiiudem Avendo pois de tratar do primeiro Emperador de Ethiopia,
nomina et ratio il» jjoi- jj • j j^j»
lorum. ^^ procedeo de Saloraao, e dos demais seus descendentes, digo que
sua may foi a reynha Sabba e, como affirmam os que mais noticia
tem das historias de Ethiopia, naceo no reyno de Tigre em huma
aldea que ainda agora se chama Sabba, hum 4° de legoa pera oc-
cidente de huma villa que chamam Ag^um, onde ella depois teve
sua corte, e do porto de Ma^ua ate ella, caminando casi pera o sul,
seram 25 legoas pouco mais ou menos. Tambem a chamam Negesta
Azeb, que quer dicer « Reynha do sul » e estes dous nomens se acham
muitas vece|s] nos livros de Ethiopia. No 3 dos Reys, c. 10 e 2
Paral, 9, a chamam Sabba, e em j. Mat, c. 12, onde nossa versam
diz Regina Austri a versam de Ethiopia diz Negesta Azeb. Ou-
tro nome tambem se acha algumas veces em seus livros, que he
Maqueda, mas dicem que este nome he *arabio, e que quer di- f. 9.^
cer Amhara. Pollo que Negesta Maqueda he Reynha Amhara; e
hum livro de Agcjum, falando da reyna Azeb, diz que edificou
huma cidade cabega de Ethiopia, que se chamou Dabra Maqueda;
e nam cuido sera fora de caminho se dissermos que esta cidade
Maqueda he a que agora chamam Ag^um; porque no livro, onde
poem o catalogo dos Emperadores, diz que a reynha Azeb come^ou
a reinar em Ag^um, e as ruinas dos edificios, que ainda aparecem,
mostram bem aver sido a mais sumptuosa que ouve em Ethiopia,
posto que agora seja villa piquena. Mas, deixando lugar pera que
cada hum diga sobre isto o que milhor Ihe parecer, pois vai tam
pouco, passaremos a contar a jornada que fez pera Jerusalem, de-
sejando de ver as grande^^ts e maravilhas, que a fama pubricava
de Salomam; porque no discurso della se vera em que fundam os
Emperadores de Ethiopia o terem se por descendentes da real casa
de David. E pera que esta historia nam leve mais nem menos or-
nato do que Ihe dam os livros de Ag^um, deonde a tirei, a refe-
rirei por as mesmas palavras que elles a contam, que sam as si-
guintes.
3. Incipit historia « Determinando el rey Salomam edificar o Templo, mandou re-
de reeina Saba iuxta j^j j j j n^
codices Azumiticos. * cado a todos os mercadoures do mundo que Ihe trouxessem merca-
Tamerin mercator ^ durias ricas e que Ihes daria ouro e prata, e, tendo particularmente
aethiops pergit ad
Salomonem ; admi- « noticia de hum mercador rico de Ethiopia da Reynha Azeb, que se
S^tias^flllus*™ ^* * chamava Tamerin e tinha^^o camellos e 73 embarca^oes, llie man-
« dou dicer que Ihe levase as cousas mais ricas que achase e ouro fino
< de Arabia e pao preto ; o que elle cumprio e juntando todas as
LIVRO I, CAPITULO II.
27
f. 10.
invisere Salomonem.
€ cousas que pode, chegou com ellas a Salomam, e elle tomou o que
« Ihe pareceo bem e Ihe deo muyto mais do que valia. Este mercador
t era homem discreto e de bom entendimento e, maravilhado da sa-
« biduria de Salomam, notava com aten<;am a doQura de suas pala-
« vras, sua justi^a, a modestia em seu andar e o modo de sua vida
« e o amoroso trato que tinha com todos, o aparato de sua mesa e
< a ordem de seus criados, a sabiduria com que ordenava sua casa,
« perdoando aos que erravam, e quando castigava era com clemencia;
€ falava com semelhancjas, sendo suas palavras mais doges que mel;
« e assi os que se chegavam a elle, nam folgavam de se afastar, vendo
« sua sabiduria e do<;ura de suas palavras, que eram como agoa a
« quem tem sede e pam ao que tem fome, e micinha ao doente, e
« julgava com verdade sem distin^am de pessoas, e Deos Ihe deo
« muita honra e rique<;a, ouro e prata e pedras preciosas, vestidos
« ricos, tanto que o ouro era como prata, e a prata como chumbo,
« e o ferro come palhas do campo ».
« Tendo estado alli muyto tempo, pidio licen<;a a Salomam pera 4- Mer<»tor rcver-
titur cLomum ; narrat
€ tornar a sua terra, dicendo : Senhor, folgara muito de estar *em quae viderat reginae
vossa casa como o menor de vossos servos, porque ditosos e bem- ^f^^l^JSTil^'^^*
aventurados sam os que ouvem vossas palavras e cumprem vosso
mandado; mas detineme ja muyto: ja he tempo de tornar a minha
senhora, conforme a promesa que Ihe fiz, e pera Ihe entregar seu
fato,que eu tambem sou seu criado. Salomam Ihe fez muytas honrras
e deo muyto fato e com isto o despedio em paz pera a terra de Ethio-
pia ; e chegando a sua Senhora Ihe entregou o fato que tracia e Ihe
contou como chegou a Salomam e todas as cousas que vio e ouvio,
com o que folgava tanto que cada dia Ihe tomava a preguntar o
que tinha visto e se acendia em deseio do ir a ver, tanto que cho-
rava com o amor e desejo grande que tinha de ver aquellas cousas,
e asi determinou em seu cora<;am de ir, e Deos Ihe deo firme<;a
em este proposito ; e asi come<;ou a ordenar sua casa, e aparelharse
pera o caminho e as cousas que avia de presentar a vSalomam, e
mandou aos Principes e Grandes que se aparelhasem, porque o ca-
minho era cumprido, e que juntasem animaes de carga, camellos,
mulas e embarca<;oes, e facendo Ihes huma pratica, Ihes disse : Ouvi
minhas palavras e considerai minhas re<;;oes; o que desejo he bu-
scar sabiduria, porque o amor della me tem frechado o cora<;;am e
me puxa com cordas muy fortes, porque milhor he a sabiduria que
o thesouro de ouro e prata, e ainda que tudo quanto foi criado sobre
28 HISTORIA DE ETHIOPIA
« a terra. Com que cousa se podera comprar a sabiduria de baixo do
* sol? He mais doce que o mel, e alegra mais que o vinho, mais
« resplandece que o sol. E depois de ter dito muytos louvores da sa-
« biduria, concluio sua pratica dicendo que pollas novas que tivera
« de Salomam o amava sem o ver e todas as cousas que delle tinha
« ouvido Ihe eram como agoa ao que tinha sede ».
5. Regixxa Saba « Ouvindo isto os principes e a gente de sua casa, responderam :
pervenit lenisalem ci_ • ^^j'- t_'j' ri^
et moratur ibi: ad- * Senhora, ja que tanto desejais a sabiduria, nam vos taltara; quanto
miratur sapientiam ^ ^q^^ estamos aparelhados pera vos acompanhar, se fordes e pera
et divitias Salomo-
nis. « ficar, se ficardes, pera viver e morrer com vosco em toda parte.
« E assi se aparelhou com grande abundancia, honrra e magestade, e
« carregaram 697 animaes de carga e mulas sem conto, com o que
« parteo, e foi seu caminho tendo em seu cora^am grande confian^a
« em Deos ; e chegando a Jerusalem foi recibida de Salomam com
« grande honrra e agassalhou a perto de sua casa, mandandolhe o jan-
« tar e cea com muita abundancia, 15 core de farinhade trigo muytos
« do^es e 30 core de farinha feitos em pam ; cinco vacas, 50 capoes,
« 50 carnoiros, *afora as cabras, galinhas e vacas do mato e veados, f. io,v.
« 60 medidas grandes de vinho novo, 30 de velho etc, cousas do que
« Salomam mais gostava. E quando Salomam a hia a visitar, sempre
« dava a 1 5 dos seus vestidos novos tam ricos que levavam os olhos
« a pos si. EUa tambem o hia a visitar e a praticar a sua casa, e
« via e ouvia sua sabiduria e justi<;!a, sua honrra e magestade, c do-
« gura de suas palavras e como mandava com gravedade e respondia
« com medo de Deos. Vendo tudo isto, se maravilhava de sua grande
« sabiduria e como nenhuma falta avia em suas palavras, senam que
« em tudo era perfeito e como dava ordem e medida a quanto aviam
« de facer os officiaes que edificavam o Templo, assi na madeira como
4 nas pedras e nas demais cousas, e assi como a luz resplandece entre
« as trevoas, assi resplandecia a sabiduria de seu cora^am em todas
as cousas e assi tudo facia com a sabiduria grande que Deos Ihe
deo, quando Ihe pidio nam victoria de seus enemigos, nem rique^as,
« nem honrras, senam sabiduria pera governar seu povo e edificar
« sua casa » . ,
6. Vcrba Reginae « Vendo todas estas cousas a Reynha disse a Salomam : Bem
ad Salomonem. . -* > 01. r*jii^ js ■» • 1
« aventurado sois vos, Senhor, que vos foi dada tam grande sabidu-
« ria e entendimento. Folgara de ser como huma das mais piquenas de
« vossas servas e labar vossos pos e ouvir vossa sabiduria. Quam bem
« me pareceram vossas repostas e a do<;iura de vossas palavras. Vossa
LIVRO I, CAPITULO II. 29
< sabiduria he sem medida e vosso entendimento sem mingoa, como
< a estrella da minha entre as mais estrellas e como o sol quando nace.
« Dou muytcts grac^as a quem me fez chegar a vos e vervos e a quem
« me fez entrar por vossas portas e me fez ouvir vossas palavras.
« Respondeo el rey Salomao : Quanto sabiduria e entendimento, saio
« de vos ; que eu tenho o que me deo o Deos de Isrrael, conforme
« Ihe pedi e busquei nelle ; mas vos, nam conhecendo ao Deos de
« Isrraei, tivestes tanta sabiduria em vosso coragam, que me viestes a
« ver e ser humilde como escrava de meu Deos e estar em pe a porta
« de sua casa, onde eu sirvo a minha senhora a Arca da Ley do
« Deos de Isrrael Syon santa celestial. Eu sou seu servo e nam livre,
« nem foi por minha vontade senam polla sua, nem esta palavra he
« minha, mas digo aquillo que elle me faz falar e fa(;o o que me man-
« dou e recebo a sabiduria que me da ; sendo eu pao, me fez carne,
« sendo agoa me cualhou e me fez a sua imagem e semelhanga. Ou-
« tras muytas cousas Ihe disse com que a exortou a humildade e amor
« de Deos; o que ouvindo ella disse: Que me aproveita toda esta
« nossa pratica; diceime a quem hei de adorar, porque nos adoramos
« o sol, como nos insinaram nossos pays e dicemos que elle he rey
« de todos os Deoses, porque nos faz madurecer nossos mantimentos
^ e alumia as trevoas e afasta o medo, e por isso dicemos que he
f. n . « nosso criador *e o adoramos como a Deos ; mas de vosotros Isrrae-
« litas ouvimos que tendes outro Deos que nos nam conhecemos, e
« que vos deo as Tavoa$ da Ley por mao de Moyses seu propheta
« e dicem que elle mesmo dece a vosotros e vos fala e faz enten-
« der sua justi^a e seus mandamentos ».
« A isto respondeo el rey Salomam: Na verdade he cousa justa 7. Rcsponsio Sa-
j TN • a_ 11 lomonis.
« adorar a Deos que criou os ceos e a terra, o mar, o sol, a lua e
« as estrellas com todas as demais cousas que ha nelles. A elle so
« pertence adora^am com temor e tremor, com alegria e contenta-
« mento; elle he o que mata e da vida, castiga e perdoa, alevanta
« o pobre da terra, da triste^a e alegria e nam ha quem Ihe possa di-
« cer: Porque ficestes isto [?] ; a elle convem gloria e louvor dos anjos
« e dos homens. Quanto ao que dissestes que nos deo as Tavoas da
« Ley, de verdade nos foram dadas polla mao do Deos de Isrrael,
« pera que entendesemos seus mandamentos, sua justi^a e castigo que
« ordenou em seu templo. Respondeo a Reynha : Pois daqui por
« diante nam adorarei ao sol, senam ao criador delle, Deos de Isrrael :
« estas Tavoas de sua ley senhoreem a mi e a minha gera^am e a
30 HISTORIA DE ETHIOPIA
€ todos meus vassallos ; que por isto achei honrra diante de vos e
< diante do Deos de Isrrael meu criador, que me fez chegar a vos e
« ouvir vossas palavras, ver vosso rosto e entender vosso manda-
« mento. Com isto se despidio e reposou em sua casa. Depois o visi-
' tava muitas veces e ouvia sua sabeduria, gnardandoa em seu co-
« ra^am. Elle tambem a visitava e Ihe declarava quanto Ihe pre-
« guntava ».
8. Exacds 7 men- « Passados sete meses, quis a Reynha tomar pera sua terra e
sibtts Regina vult -. £> , ^- 1 j ^
abire. Salomon eam * disse a balomam : r olgara de estar sempre comvosco, mas por causa
invitat ad coenam. ^ ^q ^ieu povo me he necessario tornar. Tudo isto que tenho ouvido
« Deos fa<;:a que de fructo em meu cora^am e no coragam de todos
« os que vieram comigo. Ouvindo isto Salomam disse em seu cora-
« (jam : Quem sabe se desta molher tam fermosa, que veio dos fins
« da terra, me dara Deos fructo[?]. E respondeolhe : Ja que viestes a
« terra tam longe, porque aveis de tornar, sem ver a ordem de meu
« reyno e o modo que se guarda com os Grandes [?]. Vinde a minha
« casa pera que se vos possa mostrar. Respondeo ella : De vontade
« o farei, pera que me acrecenteis sabiduria e honrra- Folgou muyto
« Salomam com a reposta, e mandou dar ricos vestidos aos principaes
« dos que acompanhavam a Reynha, e ordenou que em sua casa ou-
« vese muyto aparato e as igoarias da mesa fossem dobrada^ do que
« se acostumava, de maneira que nunca ate entam se tinha visto apa-
€ rato tam grande como aquelle dia, e como a mesa del Rey foi
« aparelhada, entrou a Reynha, nam por a porta principal senam por
« outra piquena, e asentouse *em hum lugar que el Rey tinha muyto <"• ^a.
« ricamente aparelhado com muyta pedraria e outras cousas fermo-
« sas e com muytos cheiros e feito com tanta arte e sabiduria que
« ella via todas as cousas qiie passavam, sem ser vista de ninguem,
« e maravilhavase muyto e glorificava em seu cora^am ao Deos de
« Isrrael. Sentado el Rey a sua mesa, mandava delia a Reynha as
« igoarias que Ihe podiam causar mais sede, e como se acabou a
« mesa, entraram os Principes e Grandes do reyno e alevantan-
« dose el Rey foi onde estava a Raynha e disselhe que folgase
< e descansase alli ate outro dia. Respondeo ella que o faria, mas
♦ que Ihe jurase por o Deos de Isrrael que nao Ihe faria agravo
« nenhum. Disse Salomam, que elle jurava, mas que ella tambem
« lurase de nam tomar nada de sua casa. Respondeo ella rindo: Como,
« Senhor, sendo tam sabio, falais desta maneira? por ventura hei de
« furtar da casa del Rey o que elle nam me deo ? Nam vos pare<;a,
LIVRO I, CAPITULO II. 31
< Senhor, que eu vim por amor de fato, porque meu reyno com vossa
« gra^a tambem he rico, e nam me falta nada do que eu quero. Nam
« vim se nam a buscar vossa sabeduria. luraram amos e foise el Rey
€ a reposar a sua cama de fronte della e mandou a hum seu pagem
« que trouxese agoa e a botase em huma garrafa a vista da Reynha
< e fechando as portas se fosse »,
« Tendo a Reynha dormido o primeiro sonho, acordou com 9. Et postea cum
« grande sede e desejou muito beber da agoa que tmha visto e pare- i^^ tradit et divitiis
< cendolhe que Salomam dormia, se alevantou e foi muyto manso a cumulatam dimittit.
< tomar a agoa; mas Salomam, que com malicia vigiava, a tomou polla
« mao e Ihe disse,que porque quebrara o juramento[?]. Respondeo ella
< com medo: Por ventura beber agoa he quebrar o juramento? Disse
< el Rey : Vistes mor cousa debaixo do sol que a agoa ? Respondeo
< ella : Pequei sobre minha cabega ; vos guardastes o juramento. En-
< tam el Rey a levou com sigo e, estando durmindo, Ihe pareceo em
< sonho que decia do ceo o sol muy resplandecente e que alumiava
< muyto a Isrrael, e que dalli a pouco hia pera a terra de Ethiopia
< e nella alumiava muyto e pera sempre, porque alli folgou de estar.
< Acordou Salomam espantado com esta vissam e alevantandose con-
< tou a Reinha o que tinha visto. Elia Ihe pidio com muyta instancia a
< deixasse ir pera sua terra, pollo que, elle entrando na casa de seus
< thesouros, Ihe deo muytas rique^as e vestidos preciosos, carregando
< muytos animaes e sete mil carros. Depois tirou hum anel do dedo
< e Iho deo, dicendo: Este me mandai em sinal, se Deos me der al-
< gum fructo, e se foi varam, venha elle; e com isto a despidio em
f- 12. c paz e encomendou g^ardase bem o que Ihe tinha insenado que *ado-
< rase a hum so Deos e ficesse sempre sua vontade, pera que nella
< fosse benta sua terra ».
< Partindo a Reynha com toda esta honrra e aparato, veio a sua 10. Post reditum
< terra de Bala, que he Disana, e aos nove meses e cinco dias depois cx Salomone.
< que se afastou de Salomam, pareo hum filho e o deo a criar com
< muyta honrra, e, passados 40 dias, entrou em sua cidade com grande
< pompa e magestade e os Principes e Grandes do reyno se ale-
< graram em sua entrada e Ihe trouxeram muytos presentes ; ella
< tambem Ihes deo muy ricos vestidos, ouro, prata e pec^as de grande
< formosura e concertou seu reyno de maneira que nam ouve quem
< desobedecese >.
Isto tirei de hum livro muyto antiguo, que se guarda na igreja ". Quaedam Au-
, . A 1, j rr. A . j ctoris adnotationes
de AgQum; no que se vee como aquelle mercador lamenn criado
n
32 HISTORIA DE ETHIOPIA
ad supradicum hi- da reynha Sabba, despedido de Salomam veio a Ethiopia, onde
estava sua senhora e, ouvindo ella as maravilhas que contava de
Salomam, se determinou do ir a ver. Por onde conforme a isto e
ao que todos os de Ethiopia sem controversia affirmam, he cousa
certa que a reynha Sabba partio de Ethiopia, quando foi a Je-
rusalem, mas de que terra della nam facem mencjam os livros
nem os naturaes o sabem de certo. Alguns dicem que parteo de
huma terra que chamam Fazcolo, onde se acha o mais fino ouro que
ha em Ethiopia, e fica ao occidente do reynode Gojam, nam muyto
longe delle ; outros affirmam que parteo de AgQum, onde dicem que
tinha seu asento e naquelle tempo era cidade muyto grande, ainda
que agora he villa piquena; e esto he o que tem por mais certo.
A terra onde ella veio, quando tornou de Jerusalem, que a Historia
chama Bala, dicem que he na provincia de Amacen nam muyto
longe do porto de Ma^ua.
CAPITULO III.
Em que se declara como Menileh^c filho da reynha Sabba
foi a Jerusalem a ver seu pay Salomam.
Antes que prosigamos a historia do filho da reynha Sabba, se »• Varia nomina
,,j_^. -. , .•jA^ fi^" Sabae et Salo-
ha de advertir que os hvros, que se gnardam na igreja de Ag^um monis. Unde mos
Ihe dam diversos nomes, scilicet: Bainalehequem, Ebna Elehaquem, Iniperatomm mu-
^ ^ tandi nomen quum
Ebnehaquem, Menilehec, e nam Melilec, como diz frey Luis de Ur- ad regimen evehun-
reta pag. 46. Mas deste ultimo Menilehec usa comummente a gente de
Ethiopia e quer dicer na lingoa antigfua « parecese com elle » , porque
se parecia muyto com Salomam; mas Salomam, quando o alevantou
f. 12.V. por Rey, Ihe pus por nome *David como seu pay e daqui vem que
os Emperadores de Ethiopia mudam o nome do Bautismo quando
Ihes entregam o imperio. Os demais nomes querem dicer « filho de
sabio » . Suposto isto, pera que o leitor nam repare na variedade dos
nomes, continuaremos com a historia de Menilehec, que comegamos
no cap. precedente, da mesma maneira que o livro a refer, e diz assi.
« Creceo o minino e pus Ihe nome Bainalehequcm, e, chogando «• Instante Meni-
leh6c, Regina eum
€ a 12 annos, preguntava aos que o criavam, quem era seu pay, e mittitadSalomonem
« disseramlhe que el rey Salomam. Preguntou tambem a Reynha, ^"^ *^^™ Tamertn
^ •' ° -^ mercatore.
c e respondeolhe com agastamento : Peraque me preguntais de vosso
« pay , nem de vossa may ? Saio elle sem falar nada e tornando dalli
C. Bbccaei. H^. Attk, Scri^t. oec, ined, — II. 5
34 HISTORIA DE FTHIOPIA
« a tres dias com a mesma pregtinta, Ihe respondeo ella : Sua terra
« he longe e o caminho trabalhoso; nam desejeis ir la. Com isto esteve
« ate que chegou a 22 annos, em que aprendeo toda sorte de caval-
« leria e caga, e depois pidio a Reynha com muyta instancia Ihe dei-
« xase ir a ver seu pay. Vendo ella o gram desejo que tinha, mandou
« chamar a seu mercador Tamerin, e Ihe disse que o levase al Rey
« seu pay, porque coiitinuamente a importunava de noite e de dia:
« mas que procurase tornar de pressa e com bem, se o Deos de
« Isrrael quissese; e, aparelhando o necessario pera seu caminho con-
« forme a sua honrra e as pe^as que avia de presentar al Rey, o
« mandou com grande acompanhamento, encomendando a todos que
« nam o deixassem la, senam que o tornasem a tracer, e que pidi-
« sem a Salomam que o levantcise por Rey de Ethiopia, com ordem
« que dalli por diante todos seus sucessores fossem homens e de sua
« gera^am ; porque era costume reinarem molheres doncellas, sem ca-
« sarem nunca, e que Ihe mandase hum peda^o da vestidura da Arca,
« diante de quem ficesem ora^am, e, afastando seu filho so, Ihe en-
« tregou o anel, que Salomam Ihe tinha dado de seu dedo, em sinal
« pera que conhecese que aquelle era seu filho e que Ihe lembrase
« o juramento que ella tinha feito de nam adorar senam ao Deos de
« Isrrael, e que o mesmo fariam todos seus vassallos, e com isto o
« despidio em paz.
3. Menilehftc pcr- « Facendo elle seu caminho chegou a terra Gaza, que Salomam
cum Salomon mia- * tinha dado a sua may, onde foi recebido com grande honrra, pa-
sis donis ad sc vc- ^ recendolhes que era o mesmo Salomam, porque em nenhuma cousa
nirc lubct. ^ jt -1
« se differenciava delle; e como a seu Rey Ihe presentava cadahum
« o que podia conforme a seu estado. Mas depois huns deciam que
« nam podia ser Salomam, que estava em Jerusalem; outros affirma-
« vam que era o mesmo Salomam filho de David, *e com esta du- f. 13-
« vida mandaram gente de cavallo a Jerusalem, onde achando a Sa-
« lomam, Ihe disseram que toda sua terra estava perturbada por che-
« gar a ella hum mercador, que em tudo se parecea com elle sem
« haver differencia nenhuma. Preguntou el Rey pera onde hia ? e re-
♦ sponderam que nunca se atreveram a Ihe preguntar, por la grande
« magestade que tinha, mas que sua gente decia que vinha pera elle.
« Ouvindo isto Salomam ficou alterado em seu cora(;;am, mas alegre
« em seu espiritu, entendendo o que podia ser, que ate entam nam
« tinha mais que hum filho, que se chamava Jeroboam, e mandou a
« hum seu criado, sobre quem se encostava, que o fosse a receber le-
LIVRO I, CAPITULO III.
35
f. 13.V.
vando muytos presentes e grande numero de carros e que o trou-
xese com a maior preste^a que pudese ser ».
« Parteo o criado de Salomam com grande aparato, e chegando
onde Bainalehequem estava, Ihe deo os presentes e disse que fosse
logo com elle, porque o cora<;am del Rey ardia com amor e desejo
do ver. Quanto eu, nam sei se sois seu filho o irmao, mas nam cuido
que sois outro; porque em tudo vos pareceis com elle. Ao que re-
spondeo: Dou muytos louvores ao Deos de Isrrael, porque hachei
honrra diante de meu senhor el Rey, sem chegar a ver seu rosto,
me fez alegrar com suas palavras. Agora tambem tenho esperanga
em este mesmo Deos que me fara chegar a o ver e tornar em paz
a Reynha minha may e a minha terra de Ethiopia. Respondeo o
criado de Salomam : Muyto mais que isso que desejais achareis em
meu Senhor e em nossa terra. Entam Bainalehequem deo ricos ve-
stidos aos criados de Salomam e parteo com elles pera Jerusalem,
e chegando a cidade, como o viram, parecialhes que era o mesmo
Salomam, do que se maravilhavam muyto ; e cntrando al Rey, se
alevantou de sua cadeira e o abra^ou e disse: Eis aqui a meu pay
David resucitado dos mortos e renovado em sua mocidade. De-
ciaisme que se parecia comigo : nam he senSo o rosto de meu pay
David quando era mancebo, e metendoo em sua camara, Ihe deo
ricos vestidos e pus aneis nas maos e coroa na cabe^a e o fez asentar
em cadeira igoalmente com elle, e os Principes e Grandes de Isrrael
Ihe ficeram reverencia e deram benpam dicendo: Benta seja a may
que vos pareo, porque nos sahio da raiz de Jese homem esclarecido
que seja nosso Rey e de nossos filhos. E todos, cada hum conforme
a seu estado, Ihe trouxeram seus presentes, e elle deo a Salomam
em secreto o anel de sua may, dicendo que se lembrase do que
elle le tinha dito. Respondeo Salomam : Para que me dais este
anel por sinar?': em vosso rosto vejo de verdade que sois meu
filho ».
# *Depois que Salomam acabou de falar em secreto com seu filho,
entrou Tamerin e disselhe: Ouvi, Senhor, o que vos manda dicer
vossa serva a Reynha : pede vos que ungais a este vosso filho por
rey de nossa terra, e que mandeis que daqui pordiante nam reyne
la nunca moiher, e que Iho torneis a embiar em paz, pera que se
aleg^e seu coragam. Respondeo el Rey : Que tem a molher sobre
o filho mais que parir com dores e crialo ? A filha pera a may e
o filho pera o pay; pollo que nam o hei de mandar a Reynha,
4. Eum Salomon
recipit cum magno
favore et coram o-
mnibus ut suum fl-
lium recog^oscit.
5. Verba Tamerin
ad Salomonem. Hic
vult suadere Meni-
lehte ut apud se
maneat, sed frustra.
n
36 HISTORIA DE ETHIOPIA
« senam facelo Rey de Isrrael, porque he o primogenito de minha
« vara que Deos me deo. E mandandolhe cada dia ricos comeres e
« preciosos vestidos, ouro e prata, Ihe decia que milhor era ficar onde
« estava a casa de Deos e a Arca e tavoas da Ley e onde o mesmo
« Deos morava. Mas elle respondia : Quanto ouro e prata e vestidos
« ricos nam faltam em nossa terra ; nam vim mais que pera vosso
« rosto, ouvir vossa sabiduria e sugetarme a vosso imperio e depois
« tornar a minha terra e a minha may : porque todos folgam com a
« ten a onde nacem ; e assi por mais que me deis, nam folgarei de ficar
« aqui, porque me puxa a came pera onde naci e me criei, e se della
« eu adorar a Arca do Deos de Isrrael, elle me honrrara, bastara que
« me deis alguma cousa do vestido da Arca de Syon, para que eu
« com minha may e todos os de meu reyno reverenciemos ; que ja
« minha vSenhora destruyo todos os idolos e convirtio nossa gente ao
« Deos de Syon, porque assi ouvio e aprendeo de vos, e como Ihe
« mandastes assi o fez. Procurou Salomam persuadirlhe que ficase
« com muytas re^ocs e promessas e que seria Rey de Isrrael e pos-
« suiria a terra que Deos dera a seu povo e a Arca do Testamento,
« e nam o pudendo acabar com elle, juntou seus conselheiros e os
« principes e grandes de seu reyno e Ihes disse, como nam podia aca-
« bar com seu filho que ficase, que de toda maneira se queria tornar ;
« pollo que todos se aparelhasem pera o ungir por rey da terra de
« Ethiopia, e que assi como elles estavam alli a sua mao de-
« reita e izquerda, assi estariam la seus primogenitos com elle, e
« que mandariam sacerdotes que insinasem a ley, pera que se suge-
« tasem ao Deos de Isrrael. Responderam todos: Assi como el Rey
« ordenar sera feito. Quem ha de contradicer ao mandamento de
« Deos e del Rey [?] » .
6. Ungitur, prae- « Aparelharam logo suavissimoscheiros e aceite e tangendomuy-
cipiente Salomone, a . t « •
sacerdotibus in Re- « tas sortes de mstrumentos musicos com voces de alegria o mete-
gem Aethiopiae et m ^ ^^^ ^^ Sancta Sanctorum e foi nomeado poUa boca de Sadoc e loas
lege Mosaica mstrui- ^
tur. « sacerdotes, e foi ungido poUa mao do Principe de Salomam e puse-
« ramlhe por nome *David, porque naley achou nome de Rey e saindo ^- *^-
« subio na mula del rey Salomam e levaramo por toda a cidade
« dicendo : Viva el rey. O Deos de Isrrael vos seja guia e a Arca
« da Ley de Deos, e onde quer que chegardes, se vos sugetem todos
« e [cjaian diante [vos] vossos enemigos. Depois Ihe deo ben^am seu
« pay dicendo: A ben^am do ceo e da terra seja com vosco; e to-
<s. dos responderam: Amen. Disse entam Salomam a Sadoc sacerdote :
LIVRO I, CAPITULO ITI.
37
f. I4,v.
Declarailhe a justi^a e castigo de Deos, pera que la a gxiarde. Re-
spondeo Sadoc sacerdote : Ouvi bem o que vos digo, porque, se o
ficerdes, vivereis a Deos, e se nam, vos castigara com rigor e sereis
menos que os de vosso povo e vencido da multidam de vossos ene-
migos. Ouvi a palavra de Deos e cumpria : nam vos afasteis de sua
ley, nem a mao dereita, nem a izquerda; e fezlhe huma pratica muyto
cumprida, declarandolhe os castigos, que Deos Ihe daria, se nam
guardase sua ley, e as merces que Ihe faria, se a guardase ».
« Toda a terra se alegrou muyto por Salomam levantar a seu
filho por Rey, mas entristeceramse por Ihes mandar que dessem
seus primogenitos, ainda que Ihes avia de facer as honrras que Sa-
lomam facia a elles mesmos. E mandou Salomam a seu filho que
da mesma maneira que elle tinha ordenada sua casa e repartidos
os officios assi o ficesse na sua e pera isso Ihe deo os primoge-
nitos, que se chamavam Azarias filho de Sadoc sacerdote e o sina-
lou por cabecja dos sacerdotes, leremias neto de Natan propheta,
Maquir, Airam, Finquina, Acmihel, Somnias, Facaros, Leoan-
dos, Carmi, Zaraneos, Adarez, Leguim, Adeireos, Aztaran, Ma-
cari, Abiz, Licandeos, Carmi, Zeraneos. Todos estes Ihe foram
dados a David rey de Ethiopia filho del rey Salomam, e a estes
reparteo todos officios e mandos de sua casa. Deolhe tambem
cavallos, carros, ouro, prata, pedras preciosas e gente que o acom-
panhase com outras muytas cousas necessarias pera o caminho > .
« Aparelharamse logo pera partir os principes de Ethiopia com
grande alegria e contentamento ; mas ficaram muyto tristes os de
Isrrael, por Ihes levarem seus primogenitos e foi muyto grande
o pranto que com elles ficeram seus pays, parentes e amigos ao
tempo da partida ; mas em quanto se. aparelhavam se juntaram
estes primogenitos e disseram entre si : Ja que deixamos nossa
terra e nossos parentes, juremos todos de guardarnos *sempre
amor e uniam em as terras onde imos. Responderam Azarias e
Jeremias filhos dos sacerdotes: Nam tenhamos paixam por dei-
xar nossos parentes, senam por nos faccrem deixar a Syon nossa
senhora e nossa esperan^a ; como podemos deixar a nossa santa
Syon ? Se dissermos que nam queremos ir, mandarnos ha matar
el Rey ; nam podemos deixar de cumprir seu mandado e a pa-
lavra de nossos pays. Pois que faremos por amor de Syon nossa
senhora ? Eu vos darei conselho, disse Azarias filho de Sadoc, se
me jurardes que nam aveis de falar com ninguem. Se morrermos.
7. Destinantur pri-
mogenid Primonim
Israel ad ezercenda
praecipua officia in
regia domo Aefhio-
piae.
8. Hi, suadente
Asaria, consilium in-
eunt asportandi se-
cum Arcam Testa-
menti.
38 HISTORIA DE ETHIOPIA
c morreremos juntos, e se vivermos, tambem sera juntos. luraram en-
€ tao todos por o nome de Deos de Isrrael e da Arca de Deos, e
c depois Ihes disse : Tomemos nossa senhora Syon ; que bem a po-
*f demos tomar, se Deos quiser. Se nos acharem e morrermos, nam
c tenhamos paixam, pois por amor della morremos. Alevantaramse
c todos e beixaramlhe a cabega pollo gosto e consolacjam g^rande
c que tinham, e disseram que fariam tudo quanto Ihes mandase. Disse
c Zacharias filho de loab : Eu de pracer nam posso caber em mi ;
c diceime de verdade se fareis isto ? Eu bem sei que o podeis fa-
c cer, pois estais em lugar de vosso pay e tendes em vosso poder
c as chaves da casa de Deos. Olhai bem como emos de facer, e
c nam durmais pera que a possamos tomar e ir com ella e semos
c ha alegria, mas triste^a a nossos pays. Mandou logo facer huma
c caixa de pao, dos que sobeixaram da fabrica do Templo, da com-
c pridam, largiira e altura da Arca de Deos, para nella a levar e
c disse que nam descubrisem aquilo nem ainda al Rey, senam de-
c pois de partir e estar muyto longe ».
9. luasu Angeli, c Estando a noite durmindo Azarias, Ihe apareceo o anjo de Deos
ct assentiente Salo^ * ® ^^^ disse que tomase 4 cabras de hum anno por seus peccados
lomone sacrificium c e de Elmias, de Abizo e M.iquir, e 4 carneiros limpos de hum anno
fit coram Arca. -1 » -r t-
c e huma vaca, a que nam fosse posto jugo, e os sacrificase pera
c oriente, a metade dos carneiros pera a mao dereita da vaca e a
c outra metade pera a izquerda ; e vosso senhor el rey David dira
c al rey Salomam que deseja sacrificar em Jerusalem e Arca S.* de
« Deos, e que por elle tambem sacrifique o filho do sacerdote da ma-
c neira que sabe. Entam vos mandara el rey Salomam sacrificar e
c tomareis a Arca de Deos ; e dicervos hei como aveis de tirar, por-
c que Deos esta airado contra Isrrael, e quer tirar delles sua Arca.
c Acordando Azarias, ficou muyto alegre pollo sonho que tivera e pol-
c las palavras que Ihe disse o anjo; e juntando seus companheiros
c Ihes contou tudo, e disse que fossem com elle al rey David seu
c senhor pera Ihe dar parte disto, e assi foram e Iho disseram, *com f. 15.
c o que se alegrou muyto e mandou chamar a Joab filho de Jodahe
c e o mandou com recado a Salomam dicendo : Senhor, deixaime ir
c a minha terra com vossa vontade e vossa ora^am me siga em qual-
^ quer parte que eu chegar. Huma cousa vos pe^o muyto, que por
c isto nam mingueis o amor que me tendes : tambem desejo sacri-
« ficar sacrificios a Syon Arca de Deos em esta terra santa de Je-
c rusalem por meus peccados. Foi Joab a Salomam, e ouvindo este
LIVRO r, CAPITULO III.
39
f. I5,v.
recado, se aleg^ou muyto e mandou aparelhar grandes sacrificios,
p)era que sacrificase seu filho e deramselhe loooo bois e vacas,
loooo cameiros, loooo cabras e outros animaes do mato que se
comem, e dos passaros limpos, de cada especie dez ; de farinha de
trigo hum zal, 1 2 siclos de prata e 40 memesreha abaioa. Tudo
isto Ihe deo el rey Salomam a seu filho e depois mandou el Rey
dicer a Azarias filho do sacerdote, que sacrificase por si ; do que
se alegrou muyto Azarias e trouxe de sua casa huma vaca a que
nam se tinha posto jugo e 4 carneiros de hum anno e 4 cabras
tambem de hum anno, e juntou seu sacrificio com o sacrificio del
Rey asi como o anjo Ihe tinha dito.
c Apareceo outra vez o anjo a Azarias e disselhe : Alevantai
a vossos irmSios Elmias e Abizo e Maguir; e como os alevantou,
Ihes disse o Anjo : Eu vos abrirei a porta do templo e tomareis a
Arca de Deos e sem lesam alguma a levareis, porque Deos me
mandou estar sempre com ella. Foram elles logo ao templo e acha-
ram as portas abertas ate chegarem onde reposava a Arca de Deos
Syon, e ella se alevantou logo em hum momento, porque o anjo
de Deos a governava, e elles a tomaram e levaram a casa de Aza-
rias, e a puseram sobre pannos de seda e Ihe acenderam candeas e
sacrificaram hum cameiro limpo e ofereceram encenso e alli esteve
7 dias.
€ Em isto el rey David muyto aleg^e por ir a sua terra foi a
seu pay el rey Salomam, e facendolhe reverencia disse que Ihe desse
sua ben^am. El Rey o fez alevantar e tomandoo polla cabe^a,
disse : Deos, que benceo a meu pay David, seja sempre comvosco,
e ben<;:a vossa semente, assi como benceo a Jacob ; e deolhe outras
muytas bengoes. Com isto se foi e puseram a Arca em hum carro,
e muytas rique<;as e vestidos, que del rey Salomam e de outros re-
ceberam, carregaram em carros e, alevantandose os sacerdotes, tan-
geram muytos instrumentos e a terra toda se alvoro^ou com as vo-
ces. Os primogenitos que hiam choravam com seus pays e todo o
povo tambem chorava, como se os cora^oes Ihes disseram que era
tomada a Arca. Foi *tam grande a triste<;a e pranto, que ate os
animaes parecia que choravam, e todos botavam cin<;:a sobre suas
cabe<;as; ate Salomam, ouvindo as voces e vindo o clioro da gente
e a honrra dos que hiam, chorou e disse : Ja da qui por diante pas-
« sou nossa felicidade e nosso reyno ao povo alheo que nam conhece
« a Deos ; e chamando a Sadoc Ihe disse que trouxese huma das ve-
xo. AMrias cum
fratribus, praeeunte
Angelo, furantur Ar*
cam et domi abscon-
dunt.
XX. Menilehftc iter
arripit cum suia tra-
hentibus Arcam ; fle-
tu8 populi; benedi-
ctio et monita Salo-
monis.
^
40 HISTORIA DE ETHIOPIA
« stiduras da Arca e que a levase a seu filho David, porque a Rey-
« nha Iha tinha pedido por Tamerin seu criado pera facer ora^am
« diante della com todo seu povo ; e que Ihe dissese que a Arca de
« Deos Syon fosse sua guii e que tivese sempre aquella vestidura
« em seu arrayal, e que, quando elle, ou seu povo, ouvesse de jurar,
« fosse por ella, porque nam se lembrasem mais de outros Deoses,
xa. Promissio Mc- « Foi Sadoc e fez tudo o que Ihe mandou Salomam, com o que
nilefaftc Sad6c sacer- , ^t-w'j j« t-^ -i .t^
doti ; prodigia in iti- *^ aleg^ou muyto David, e disse : Esta seja mmha santa. Re-
^^^' « spondeo Sadoc: Pois juraime de facer que esta vestidura esteja
« sempre na mao de meu filho Azarias e de seus filhos, e que Ihe
« dareis tambem os dizimos de vosso reyno ; e elle insinara sempre
« a Ley de Deos a vos e a vosso povo, e ungira vossos filhos em
« Reys. E assi o jurou, e Azarias recebeo da mao de seu pay Sadoc
« a vestidura da Arca, e a levaram em hum carro e foram seu ca-
« minho dereito, sendolhes guia sam Miguel que os facia andar com
« tanta velocidade como se avoaram, de maneira que os carros hiam
« alevantados da terra hum covado e os animais hum palmo, e do
« sol os cubria huma nuve, que os acompanhava e por o mar os
« levava como foram levados os filhos de Isrrael por o Mar verme-
« Iho. O primeiro dia que se alevantaram chegaram a Gaza, terra
« que el rey Salomam deo a reynha Sabba e passaram a Mazrin
« terra dos Egypcios, e todo este caminho ficeram em hum dia : e
« vendo os Principes de Isrrael que o caminho de trece dias ficeram
« elles em hum, sem cansarem nem terem sede, nem fome, nem
« homens nem animaes, entenderam que esta era cousa de Deos.
« E como viram que tinham chegado a terra dos Egypcios, dis-
« seram: Descansemos aqui, pois chegamos a terra de Ethiopia; que
« a agoa de Taca^e vem e chega ate aqui ; e pondo suas tendas,
« descansaram. Disse entam Azarias al rey David : Eis aqui, Senhor,
« as maravilhas de Deos, que se cumpriram em vos. Aqui tendes
« a Arca de Deos, so por sua vontade e nam vossa; e assi tambem
« ella estara onde quiser ; que ninguem Iho pode toller. Agora se
« cumprides os mandamentos de Deos, estara *com vosco e vos de- f. 16.
« fendera. Entam el rey David, pasmado de tantas maravilhas, deo
« gra<^as a Deos, elle e todo seu arrayal ; e era tam grande a alegria
« de todos, que maravilhados alevantavam as maos ao ceo, dando
« gra^as a Deos, e el Rey saltava de placer, como cordeiro e como
« cabrito quando esta farto de leite, e como se alegrou David diante
« da Arca do Testamento; e entrando na tenda, onde estava a Arca,
LIVRO I, CAPITULO III.
41
f. i6,v.
Ihe fez reverencia e beixou e disse: Senhor Deos de Isrrael, a
vos gloria, porque faceis vossa vontade e nam a dos homens. E
fez huma oraijam muyto cumprida, dandolhe gra^as poUa merce
que Ihe tinha feito; e tangeram muytos instrumentos e ficeram
todos g^andes festas e cairam todos os idolos dos gentios, obras
de suas maos. E outro dia puseram a Arca sobre o carro cuberta
com ricos pannos e comegaram a caminhar com grandes musicas;
e os carros hiam alevantados do cham como hum covado ; e che-
garam ao mar dos mares, mar de Ertera, que foi averto polla
mao de Moyses, e caminharam os filhos de Isrrael, e por que a
Moyses ainda nam Ihe tinha Deos dado as tavoas da Ley, por
isso ficou a agoa como muro de huma e outra parte e elles p£is-
saram pollo fundo com suas molheres e filhos e animaes. Mas
quando elles chegaram com a Arca, tangendo muytos instrumentos,
o mar os recebeo como alegrandose e facendo festa com suas
ondas, que, ainda que se alevantavam como montes, os carros pas-
savam alevantados sobre ellas casi tres covados e os peixes e
monstruos do mar e as aves do ar adoravam a Arca; e saindo
do mar, se alegraram muyto assi como os filhos de Isrrael quando
sairam de Eg^pto, e chegaram de fronte do monte Synai, a asen-
taram alli com grandes musicas.
€ Em quanto elles faciam este caminho, entrou Sadoc sacer- 13. Salomon dc-
, « <> A 1 tecto f urto Arcae Dei
dote no templo e nam achando a Arca, senam huns paos que peracquitur Aethio-
tinha feito Azarias a sua semelhan^a e posto alli, caio sobre seu ?*•• ^ fnistra.
rosto no cham como morto com dor e espanto, e tardando em
sair, entrou Josias e achou o caido, e facendoo alevantar, vio
elle tambem como faltava a Arca, e botou cin^a sobre sua cabe^a
e come^ou a gritar tal alto da porta do Templo que se ouvio na
casa del *rey Salomam ; e como soube o que passava, se alevantou
com grande espanto e mandou lan^ar pregam que se ajuntasem
todos pera ir a buscar a gente de Ethiopia e que a seu filho
trouxesem e a todos os demais passasem a espada, que eram
dignos de morte. E como se juntaram os principes e grandes e
os fortes de Isrrael, saio Salomam com grande ira pera os buscar;
e os mais ancianos, as viuvas e doncellas se juntaram no Templo
e ficeram grande pranto, por Ihes terem tomado a Arca da ley
de Deos. Salomam foi poUo caminho de Ethiopia e mandou gente
a mao dereita e a izquerda, por si se afastasem do caminho com
« medo do que levavam furtado, e que fossem diante com cavallos
C. Bbcc:ajii. /ier. AetA, Script, oce, tned, - II.
42 HISTORIA DE ETHIOPIA
€ a toda pressa, e os que os achasem tornasem a Ihe dicer onde
« estavam. E depois, sabendo de certo assi por algxins destes de
« cavallo que tomarao, como poUa gente de Gaza, onde elle chegou,
« que nam os podia alcan^ar, porque hiam seus carros alevantados
« do cham no ar com tanta velocidade como aves, fez muyto grande
« pranto e disse : Senhor, vivendo eu, me levastes a Arca ? milhor
« me fora tirardesme a vida. E decia outras muytas palavras, que
« mostravam a grande tristecja e angustia de seu coragam. Depois
« se tomou a Jerusalem e com os velhos della fez outra vez novo
« pranto ; e vendo os Grandes que derramava tantas lagrimas, o
« consolaram dicendo que nam tivese tanta paixam, pois sabia que
« Syon nam podia estar se nam onde ella quisese, nem se podia
« facer se nam a vontade de Deos. EUe foi servido de que pri-
« meiro a levasem os Philisteos, e depois Iha fez tornar: assi
« agora por sua vontade foi levada a Ethiopia, e fara que torne,
« se elle quiser, e se nam, aqui tambem tendes a casa que edifi-
« castes pera Deos, com que vos podeis consolar. Respondeo Sa-
« lomam : Se a mi e a vosotros nos levara, ou ficera que elles pos-
« suisem nossa terra, que cousa era impossivel a Deos [?]. Nam ha
« nem nos ceos, nem na terra quem ressista a sua vontade, nem
« desobedega a seu mandamento. EUe he Rey, cujo reyno nam se
« tirara pera sempre dos sempres ; vamos a sua casa a Ihe dar
« gra^as por tudo ; e entrando todos no Templo choravam muyto,
« ate que Ihes disse Salomam, que cessasem, porque nam dessem
« gosto e alegria aos gentios com a nova de sua perda. Respon-
« deram todos: Seja feita a vontade de Deos e vossa.
14. Menilehftc per- « Proseguindo el rey David seu caminho, chegcu a Balentos
venit in Aethiopiaxn;
regina MaquedA cum « limite das terras de Ethiopia e entrou com grande alegria e con-
universo populo re- , tentamento e com muyta sorte de musicas e festas. correndo em seus
cipit nlium et Arcam -^
Dei et hanc coUocat « carros, e mandaram gente com muyta pressa que desse *novas a f, 17
cipe scil.^^l^rft^Ma- * Maqueda reynha de Ethiopia, que vinha seu filho e como reynara
V^^^- € e que traciam a Syon celestial. Como chegou este recado a Rey-
« nha, se alegrou muyto e mandou logo lan^ar pregam em todo seu
« reyno que fossem a receber seu filho e principalmente a Syon cele-
« stial, Arca do Deos de Isrrael ; e tangeram diante della muytos
« instrumentos, facendo grande festa e alegrandose muyto grandes e
« piquenos, e foram a terra de seu poder, que he cabe^a do reyno de
« Ethiopia, na qual nos tempos derradeiros se ficeram christaos os de
« Ethiopia, e aparelharam cheiros sem conto em Balte ate Galtet e
LIVRO I, CAPITULO IIT.
43
f. I7A.
« Al^afa; e veio seu filho poUo caminho de Azeb e Vaquir6n, e saio
« por Mocez e chegou a Bur e a terra do poder que he cabe^a de
« Ethiopia, que ella mesma edificou em seu nome e se chamou terra
« Debra Maqueda ; e entrou el rey David com g^ande festa e alegria
« na terra de sua may; e vendo a Reynha de longe a Arca, que
€ resplandecia como o sol, deu gra^as ao Deos de Isrrael com tam
« grande alegria e contentamento que nam cabia de placer, e vi-
« stindose ricamente, fez grande festa e todos g^andes e piquenos
« se alegraram sobre maneira, e metendo a Arca em o Templo da
« terra de Maqueda, puseram de guarda 300 homens com suas
« espadas e os Principes e Grandes de Syon os fortes de Isrrael
« 300 com espadas em as maos ; e a seu filho deo tambem 300 de
« guarda e se Ihe sugetou seu reyno do mar Aliba ate Acefa, e teve
« mais honrra e rique^a que nenhum antes delle, nem depois ha de
« ter ; porque em aquelle tempo nam avia ninguem como el rey Salo-
« mam em Jerusalem e como a reynha Maqueda em Ethiopia ; que
« a ambos Ihes foi dada sabiduria, onrra e riquecja e grande corapam.
« Ao 3° dia offereceo a reynha a seu fiiho setecentos e sete mil
« cavallos escolhidos e sete mil e seiscentas egoas que pariam, e tre-
« centas mulas e outros tantos machos e muytos vestidos muy ricos
« e grande soma de ouro e prata e entregoulhe a cadeira de seu
« reyno, e disselhe : Deivos vosso reyno e fiz rey a quem Deos fez
« rey; escolhi a quem Deos escolheo. Alevantouse entam el rey
« David e, facendo reverencia a Reynha, Ihe disse : Vos sois a rey-
« nha e senhora minha ; todas as cousas que me mandardes farei,
« sejam pera vida ou pera morte ; e onde me mandardes irei, porque
< vos sois cabe^a e eu pes, vos senhora e eu escravo. E com outras
« muytas palavras de humildade se Ihe offereceo; e como acabou, se
« tangeram muytos instrumentos e se fez grande festa. Depois *E1-
« mias e Azarias tiraram o livro que foi escrito diante de Deos e
« del rey Salomam, e o leram diante de Maqueda e dos Grandes
« de Isrrael; e quando ouviram as palavras, adoraram a Deos todos
« os que estavam presentes grandes e piquenos e Ihe deram muytas
« grax^as. Ultimamente disse a Reynha a seu filho : Deus vos de
« verdade, meu filho ; ide por ella, nam vos afasteis a mao dereita.
« nem a izquerda; amai a vosso Deos, porque elle he misericor-
« dioso e em suas cousas se conhece sua bondade. E virandose a
« falar com os sacerdotes e gente de Isrrael, Ihes fez muytos offe-
« recimentos e prometeo dos ter sempre por pays e mestres, porque
15. Regina cumu-
lat donis filiutn, eum
ungere facit ab Aza-
ria in regem, prin-
cipibus et populo
plaudentibu8,qui uni
Deo larael cultum in
posterum praestant.
44 HISTORIA DE ETHIOPIA
« elles eram os que gnardavam a ley e insinavam os mandamentos
« do Deos de Isrrael. Elles tambem Ihe deram muytas gra^as, e
« Azarias particularmente muytos louvores, e disse que tudo quanto
« viram Ihes parecera bem, a fora de screm pretos de rosto. Depois
« disse Azanas : Vamos diante da Arca de Syon e renovamos o
€ reyno de nosso senhor David ; e tomando seu como cheio de oleo
« o ungio, e assi se ronovou o reyno del rey David filho del rey
« Salomam na terra do poder de Maqueda na casa de Syon ; e ajun-
« tando a Reynha os Grandes do reyno, les fez jurar por Syon ce-
« lestial que nam admitiriam dalli por diante molher por reynha
« na cadeira do reyno de Ethiopia senam filhos que decendesem de
« David; e Azarias e Elmias receberam o juramento de todos os
« Principes e Grandes e dos Governadores e os filhos da for^a de
« Isrrael com seu rey David renovaram o reyno, e a gente de
« Ethiopia deixou seus idolos e adorou ao Deos que os fez ».
i6. ObservataoneB Ate aqui sam palavras de hum livro, que se guarda na igreja
Aoctoris ad histo- <, a ^. -i.-^- ^jiii_
riam MenUehftc ^® Aggum, e nam contmua mais a histona, nem a gente delle sabe
quam fabulosam ex ^^ recam das terras Vaquirom, Balte, Galtet e Alcafa; so Bur he
parte esse ostendit.
conhecido, que ho provincia do reyno de Tigre, hum dia de ca-
minho do porto de Ma^ua. Quanto ao nome Debra Maqueda da ci-
dade que a reynha hedificou, Deber, propriamente significa monte ;
mas, porque em os montes ordinariamente edificavam os templos e mo-
steiros, ao templo ou mosteiro chamararSo tambem Deber ; e quando
a este nome Deber se ajunta outro, dicem Debra; por onde Debra
Maqueda quer dicer monte ou templo de Maqueda ; e se, como dis-
semos no capitulo precedente e se pode collegir do que em este
se refirio, Maqueda foi a cidade de Ag<;:um, querera dicer Templo
de AgQum; que nella avia hum muyto sumptuoso templo. Acerca
do que diz que o Anjo apareceo em sonhos a Azaiias *e que Ihe f. 18.
mandou que tomase a Arca do testamento e que a trouxeram pera
Ethiopia, tudo he historia apocrifa e fabulosa ; porque o contrario
insina a Sagra Escriptura 2, Macha, 2, onde diz que o propheta
Hieremias escondeo o tabernaculo e a Arca e o altar do encenso
em huma coba do monte Nebo, em que subio Moyses e vio a
terra de promissam, Deut, 34, que esta em Arabia, como diz Hie-
ron. de Locis Hebraicis. As palavras do sagrado texto sam es-
tas : « Tabernaculum et Arcam iussit Propheta, divino responso ad
« se facto, comitari secum usque quo exiit in montem, in quo Moyses
« ascendit et vidit Dei haereditatem; et veniens ibi Hieremias in-
LIVRO I, CAPITULO III. 45
« venit locum speluncae et Tabernaculum et Arcam et altare incensi
« intulit illuc, et ostium obstruxit ; et accesserunt quidam simul qui
« sequebantur ut notarent sibi locum et non potuerunt invenire. Ut
« autem cognovit Hieremias, culpans illos dixit, quod ignotus erit
« locus, donec congreget Deus congregationem populi ». Isto sera no
derradeiro tempo, pouco antes do dia do Juigo, como tem pera si
s. Epiphanio na vida do Propheta Hieremias. E muytos, tambem
em Ethiopia, tem esto por falso, ainda que os frades de Ag^um
sempre afiirmam que esta em sua igreja esta Arca. Mas indo por
vissorrey do reyno de Tigre hum irmao do emperador Seltan (^a-
g^ed, que se chama Qela Christos, scilicet « imagem de Christo » , no
anno de 608, chegou de caminho a AgQum, como acostumam os
Vissorreys, poUo nome grande que tem a igreja que alli esta, e
disse aos frades que Ihe mostrasem a Arca do Testamento; e re-
sponderam que nam o podiam facer, porque nem aos Emperadores
sc mostrava, nem elles os obrigaram nunca a isso, polla grande
reverencia que se deve ter a Arca santa. Disse elle, que, para que
andavam com aquellas invengoes [?], e deixouos. Depois, indo eu ao
visitar, porque nossa residencia esta como dusis legoas de Ag^um,
me falou sobre esta cousa da Arca, e disselhe como era fabula o
que affirmavam os frades, porque a Escriptura insinava o contra-
rio e tracendolhe o lugar que agora referi, disse elle tambem que
tudo o que deciam era patranha. O siguinte anno foi o Emperador
a Tigre com exercito, por se alevantar la hum pretendendo o im-
perio, e de caminho se coroou em AgQum e pidio aos frades Ihe
mostreisem a Arca do Testamento ; mas elles deram tantas escusas,
que o Emperador desistio, e depois me contou as porfias que tivera
com elles, ^ombando de como metiam aquilo em cabe<;a a gente
ignorante.
Ainda que Ethiopia nam tem nem pode nam ter a Arca do 17. Novacetnun-
. «T-^ A. j. • I'' j» j j* quam iii Aethiopia
f. i8,T Testamento, outra muy preciosa rehquia e digna de grande *vene- auditae fabulae Ur-
ragam Ihe da frey Luis de Urreta, pag. 54 e 55 por estas palavras: retaecircaArcamTe-
stamenti et tabulas
< Cosa es muy recebida en toda la Ethiopia que entre otras mu- legis Moysis.
< chas pie^as ricas y joyas de grande valor, que vSalomon dio a su
< hijo Milelec, fue una muy preciosa y por tal tenida de todos los
« Emperadores, que le dio un peda<;o de las tablas.que estavam
« escritas con el dedo de Dios, y las quebro Moysen a la raiz del
« monte lleno de santo zelo contra la idolatria del pueblo; y don
« Juan es testigo de vista, porque la ha visto e tenido en sus ma-
46 HISTORIA DE ETHIOPIA
« nos muchas veces; y dice que es de g^uesso de dos dedos, tan
« grande como una quartilla de papel. Ay en ella gravadas unas
« letras enteras y otras medias muy difFerentes de las que usan
« agora los Hebreos. Tienenla guardada dentro de una Arca de oro
« fino, la qual esta en una sala de la libreria ; continuamente tiene
« guarda de dia y de noche de los soldados que estan en el monte
« de Amara. » E pouco mais adiante confirma isto dicendo : « Y aun
« todos los ludios de la Africa y Asia tienen esta opinion y reve-
« rencian esta santa reliquia con grandes demonstraciones, no por-
« que la ayan visto, ni les dan tal lugar, sino que, quando vienen
« con mercadurias en sus caravanas de Persia, de Meca y Arabia
« y passan a la Libia, Nubia, Borno y otros reynos, quando llegan
« al famoso monasterio de la AUeluya, que es de frayles del glo-
« rioso santo Domingo, que desde alli se descubre el famoso monte
« de Amara, donde esta la dicha reliquia, se postran en los suelos
« y se quitan los turbantes y haciendo grandes inclinaciones, le-
« vantadas las manos, estan dando voces diciendo: Adonay, Ado-
« nay, geis Adonay, Senor Dios, Seiior Dios, Senor sobre todos los
« seiiores ; y lo dicen con tal afecto que ay algunos que Uoran con
« mucha ternura; y quando los religiosos les preguntan la causa de
« aquellas ceremonias, responden que en aquel monte estan las obras
« maravillosas del grande Dios, que el Preste Juan es muy amado
« de Dios, pues le ha dado tal reliquia, que con ella sera rey del
« mundo, vencera sus enemigos, le dara Dios el rocio del cielo y
« la grosura de la tierra, y a su alma la recogera como Abrahan
« alvergo a los angeles » .
Continuando o author esta historia, diz pag. 57: « Avemos di-
« cho que ay en este peda^o de Tablas algunas letras gravadas y
« abiertas, unas enteras y otras medias, y aunque algunas son he-
« breas conforme a las que usan agora, pero las otras son muy di-
« ferentes, que no ay quien las sepa ler; y yendo don Juan de Bal-
« thasar *por embaxador del Preste Juan al rey de Persia, llevo f. 19.
« mandado para que truxese un judio el mas famoso Rabbino en-
« tre todos los de la Asia, que estava en Meca, Uamado Rabbi
« Sedechias, para ver si sabria ler las letras ; el qual fue con mu-
« cho gusto solo por ver aquel fragmento de las tablas de la Ley.
« Llegando adonde estava la reliquia, aviendo hecho muchas Qale-
« mas y ceremonias con muchas alaracas, aunque conocio algunas
« letras, de las otras dixo que no las conocia y que ni eran chal-
^
LIVRO I, CAPITULO III. 47
< deas, ni griegas, ni arabes, ni perscis, ni indias, ni chinas; porque,
< si lo fueran, el las leyera, por estar instruido en todas ellas ».
E mais adiante, pag. 61, diz: « Finalmente, para que de todas par-
< tes quede pertrecha y defendida esta historia, respondere con bre-
< vedad al que pusiere en duda, que aquel pedapo de piedra sea
< de las Tablas que quebro Moysen. Quanto a lo primero es bastan-
< tissimo argumento la tradicion universal de mas de tresmil aiios
< de antiguedad, en los quales jamas ninguno a puesto duda ni
< menos la ha contradecido ; lo 2°, que todas las demas naciones
< circunvecinas le dan esta gloria y Uanamente les conceden la
< grandecja desta reliquia. Quien parece que les avia de contrade-
< cir eran los Judios, y ellos sin debate alguno lo confiessan y ado-
< ran la piedra como pedago de las Tablas de Moysen ; y la ultima
< provan^a sera tomada de las escripturas autenticas, que se guar-
< dan desde aquellos tiempos antiguos del rey Salomon, las quales
< estan en el monte Amara en el monasterio de la s.^* Cruz de la
< Orden de s.*** Anton Abad, donde tienen la sobre dicha reliquia » .
Todo isto escreveo frey Luis de Urreta, como el affirma, por
informa^am e testimunho de Joam Balthesar, mas sam cousas tam
fabulosas como outras muytas que elle contou, porque nem ha tal
pedago das Tavoas da Ley no monte de Amhara, nem o ouve nunca
em Ethiopia. E assi preguntando eu muyto de proposito a paren-
tes do Emperador, que estiveram muyto tempo dentro de aquelle
monte, e aos frades mais velhos e letrados da corte, se tinham al-
guma noticia de que no monte de Amhara ou em outra parte de
Ethiopia ouvese pedago das Tavoas da Ley, responderam todos que
nunca tal leram em livro nenhum nem o ouvirdm dicer ; antes ti-
nham por cousa certa que nam ficou memoria do que se ficera da-
quelles peda^os das Tavoas, que Moysem quebro; e pera mais me
certificar da verdade, preguntei ao Emperador, diante de muytos
Grandes e alg^ns frades, dicendo, como Joam Balthesar o affirmara
f. i9,v. em Espanha, e riram todos muyto de como fora la *a meter em
cabe^a huma patranha tam grande ; porque nunca tal cousa ouvera
em Ethiopia.
O que a mi me maravilha he como hum homem natural de x8. Falsum item
T^., .> . .. i>i*i 1« ^^ 1 ex monasterio de Al-
Ethiopia, posto que mentiroso, podia dicer hum disparate tam grande iduisL videH montes
como he, que do famoso mosteiro de AUehiya se descubra o monte Amharae.
de Amhara; porque nam he menos que dicer quc da ribeira de
Lisboa em Portugal se descobra Coimbra, ou, pera falar das ter-
48 HISTORIA DE ETHIOPIA
ras que tenho milhor vistas, que de Segovia se descobra el Alham-
bra de Granada; porque nam he menor a distancia do mosteiro de
AUeluya ate o monte de Amhara, nem mais baixas as serras que
os portos de Segovia e os de Andalucia, se nam muyto mais al-
tas sem compara^am ; nem por o mosteiro de Alleluya podem pas-
sar os mercadores que elle diz, porque he muyto fora de caminho,
e mato tam basto que, indo eu la com levar gente daquella terra
que me guiava, nam podia passar sem muyto trabalho e ainda me
rompiam os vestidos as sylvas, posto que os mercadores naturaes
de Dambia, que nam sam mais que Christaos e Mouros, quando
vam ao porto de Ma^ua, algumas veces passam nam muyto longe
daquelle mosteiro. Nem he de frades de sam Domingos, como disse
no cap. I** e mostrarei no 2° livro, Nem pode dicer que ha outro
mosteiro de AUeluya, deonde se descobra o monte de Amhara e
passem os mercadores, porque nenhum outro he em Ethiopia de
Alleluya; e deste mesmo fala elle, porque o poe na terra Tigre
Mohon, pag. 311, nem este imperio tem comercio nenhum com a
Persia, por que della venham mercadores.
xg. L^gatio loan- Tambem parece fabula o que diz Joam Balthesar, que foi por
1118 Balthcsar ad re-
gem Persidis com- embaixador al Rey da Persia, porque nunca pude achar quem ouvise
mentitia. dicer de tal embaixada, nem estes Emperadores tem amizade nem
trato nenhum com aquelles Reys, nem da vanda da Persia vem ca
gente. Quanto dicer que trouxe o judeo que estava em Meca, pera
que lese as letras do peda<;o das Tavoas, he mera ficQam, porque,
demais de ser cousa tam disparata pera ir daqui a Persia passar
por Meca, nenhum christao, nem judeo, nem gentio pode entrar em
Meca so pena de morte, ou se ha de facer mouro, segundo me af-
firmaram muytos Turcos, estando eu cativo em o estreito de Meca.
Si dissera que o trouxera de Moca, dourara mais sua mentira, por-
que alli bem podem andar; mas se nam abia tal peda^o das Ta-
voas, pera que avia de vir o Judeo ao monte de Amhara a ler as
letras [?].
ao. Quid probabi- Com tudo, assi como muytas veces fundam as mentiras em al-
f ^ul*^" BfiStibc *" gun^sis verdades, tambem esta se pudo fundar no que fez o empe-
narratis. ludeus qui- rador Malac Qagued no reyno de Tigre ; porque indo a se coroar
dam vocatus a MalAc aa, t-j j^i-
Sagad ut legeret in- ^^ Ag^um, onde se coroam os Emperadores e vendo muytas le- f. 20.
scriptiones Axumi- ^^^ antiguisimas que alli estam escritas em colunas c pedras muyto
grandes, *desejou saber o que deciam, e, por nam achar quem as
pudese ler, mandou chamar hum judeo que sabia muytas lingoas
hlVKO I, CAPITULO III. 49
e parece avia de estar no mesmo reyno, e nam as soube ler. Eu
tambem desejei muyto saber que deciam e fui la com dou[s] padres,
que sabem grego, e hum homem grego, que sabia muyto bem seus li-
vros, e nam as puderam ler; nem sam latinas, nem arabias, nem
hebraicas, ainda que algumas letras se pare^am com ellas; porque
se o foram, eu as ouvera de ler.
Tambem pode ser que a mentira de que Joam Balthesar teve ai.Nomenaethio-
em sua mao no monte de Amhara o pedapo das Tavoas da Ley a ^.^nj signiflcatioi^m
fundase em ter algum peda^o de pedra de ara antigua, que algum habet. Inde error vel
xrftus BaltbeBar.
frade quissese bautizar por pedago das Tavoas da Ley; porque a
Arca do Testamento e a as Tavoas da Ley e a a pedra de ara
nomeam os livros de Ethiopia e toda a gente por hum mesmo
nome, que he Tabot, e sobre todas as pedras de ara abrem le-
tras fundas, em que poem poUo menos o nome do Santo a quem
esta dedicada a igreja; nem falta la pedra muyto alba transpa-
rente de que facem pedras de ara, que ainda agora pouco tempo
ha me mandou (^ela Christos irmao do Emperador huma pedra de
ara muyto fermosa de pedra branca transparente, que elle fez la-
vrar pera nossa igreja e puseram nella a seu modo o principio do
evangelho de sam Joam com letras bem fundas, e me escreveo que
no fim do reyno de Gojam, onde elle he vissorey, havia tanta pe-
dra daquella, que podiam facer casas, e que se lavrava muyto bem.
Por onde digo que podiam ter no monte de Amhara algum pedago
de pedra de ara antigua com as letras que se usavam em aquelle
tempo, e como a pedra de ara se chama tabot, assi como as Ta-
boas da Ley, dicendolhe a Joam Balthesar, que aquelle era pedacjo
do tabot, entenderia que era das Tavoas da Ley; ou pode ser que
algum frade, pera engrandecer as cousas de sua igreja, Ihe dissese
que era peda^o das TavoEis da Ley, como facem agora os de Ag-
Qum, dicendo que tem a mesma Arca do Testamento.
Mas o que diz que se guarda aquelle pedago de pedra em huma
arca de ouro fino e que tem a sala guarda de noite e de dia, he
falso, porque nem ha arca de ouro, nem tal guarda, nem mosteiro
da Santa Cruz, onde se guardem as escripturas autenticas quc diz, por-
que no monte de Amhara nam ha mais que duas igrejas ; huma se
chama Egziabeher Ab, scilicet Deos padre, e outra de nossa Se-
nhora ; nem ouve outras nunca, como diremos adiante cm suo pro-
prio lugar.
C. Beccari. Rer» Aeih, Script, occ» ined» — II
f. 20,V,
CAPITULO IV.
£m que se trata dos officiaes que el rey Salomam de
a seu filho David pera servi^o de sua casa, e dos que
agora tem o Preste Joam.
Ja dissemos como, quando el rey Salomam fez coroar em Je- i.Loquendodcva-
1 n^^^ -»r M i_A , ii_ riis oliiciis Auctor
rusalem a seu nlho Menilehec, mandou que Ihe pusesem por nome explicabitcanonmo-
David, assi por lembran^a del rey David, como porque se parecia ^^, *^** Hbros Ac-
thiopunii sed ctiam
muyto com elle, e que nam somente Ihe deo os sacerdotes que en- iuxta praxim suo
sinasem a ley, mas algnns dos primogenitos dos Principes e Gran- *®'"P°''® vigcntcm.
des de Isrrael, para que o acompanhasem e assistisem em sua pre-
sencia. Demais destes Ihe deo outros menos principaes pera o ser-
yiqo dc sua casa e pera o bom governo e policia de sua republica,
desejando que, em quanto fosse possivel, guardase [e]m todas as cou-
sas seu mesmo modo e estillo, principalmente a magestade de sua
casa, a ordem e concerto de seus criados, o primor de seu servi^o,
seu apparato e grande cortesania, com todos os demais ritos e ce-
remonias que em sua casa e reyno se usavam. Mas, pera referir
estes, nam somente direi o que esta nos livros de Ethiopia, mas
tambem juntamente porei o que dicem os que agora sam cabe^as
destes officios, porque esta muyto misturado e mudado, ainda que
alguns dos officios os servem oje os descendentes daquelles mesmos
que deo Salomam.
52 HISTORIA DE ETHrOPIA
2. Quid Bignificet Primeiramente ate poucos tempos ha avia hum que se chamava
cium^*Behftt u&dftd" ^^^^* Uaded, que quer dicer « so amado ». Este morava a mao de-
tempore auctoris reita do pa^o e no campo punha sempre sua tenda a mao dereita
Er^ vocabatur et
unus tantum potie- ^a do Emperador, e outro com o mesmo titulo e honrra a mao
officfo ^^ ** ** izquerda e amos governavam tudo debaixo do Emperador, e quando
elie nam hia a guerra, hum destes saia em seu lugar por geral de
todo o exercito e o outro acompanhava ao Emperador. Mas por
terem tam grande poder e mando, se ensoverveceram de maneira
que nam sugetavam seus pareceres a o do Emperador, poUo que,
nam os pudendo sofrer, o emperador Atanaf Qagued, ou pode ser
(como alguns cuidam) que arreceando que se Ihe revelasem, por
serem tam poderosos, Ihes tirou os titulos e mandos e os reservou
pera si. Mas depois o emperador Malac QagTied tomou a introducir
hum so com nome de Eraz, que quer dicer cabe^a, e o emperador
Seltan (^agued, que agora vive, deo este titulo e cargo, o anno de
6ii, a hum seu irmao, que se chama Emana Christos, scilicet « mao
dereita de Christo », e Iho tirou o anno de 615, porque nam Ihe obe-
decia bem ; e falandolhe eu sobre elle, me disse que estava deter-
minado de nam facer mais a ninguem Eraz, porque se ensoberveciam
*muyto; que se aquelle com ser seu irmao se Ihe mostrava tam so- f. 21.
bervo, que fariam os outros ? Mas depois Ihe rogaram muyto al-
gumas suas parentas e os Grandes da corte e assi Ihe tornou seu
mando.
3. Quid fuerint Tambem avia dous que se chamavam Hedug Eraz. Estes fica-
duo Hedtlg £r&z et
duo Gueii&. Quid vam em lugar daquellas duas cabegas, quando elles estavam ausentes.
Uzta Axkz et jAn- Qutros dous se chamavam Gueita, scilicet senhor e ficavam em lu-
derebdch AjEax6cn.
De officio ecclesia- gar dos Hedugues. Uzta Azax sam dous, Jandereboch Azaxoch
stico ■A.cabc ^Cc&t ct
Quez-Hac6. dous. O principal ofiicio de todos estes dez he julgar particular-
mente em cousas graves e irem por cabegas a guerra. Outro titulo
muyto grande ha que dicem Acabe E^at, que quer dicer « guardador
do fogo ». Este he sempre algum frade ou sacerdote grande, que de
ordinario acompanha ao Emperador e entra a elle quando quer, sem
ninguem Ihe poder tolher e sabe todos os secretos e Ihe aconselha
em tudo pera bcm de sua alma e corpo; ate no comere beber Ihe
diz: Isto basta; mas nam he seu confessor nem mestre, porque a
este chamam Quez Hace, scilicet sacerdote como do Emperador,
que nam achei quem me souvese dicer propriamente o que significa
Hace. E chamam ao Emperador fogo, porque dicem que ha de ser
como fogo que tem tres cousas: alumiar, aquentar e queimar; assi
LIVRO I, CAPITULO IV. 53
o Emperador ha de alumiar aos outros com suas boas obras e
exemplo de vida; o que alude ao que diz sam Gregorio, Hom. 13
€ Lucemas quippe ardentes in manibustenemus, cum per bona opera
« proximis nostris lucis exempla mostramus ». Ha de aquentar com
seu fervor no bem e com sua liberalidade pera com todos. Finalmente
ha de queimar com sua justi<;a, quando ouver que purificar em a
republica. Outros alfirmam que nam se ha de dicer se nam Aca-
be^aat, que quer dicer guardador das horas, porque a elle pertencia
declarar as horas em que o Emperador avia de despachar os ne-
gocios e facer as demais cousas.
Os demais officios sam Eraz balderaba (destes avia dous criados 4- Dc aliis officiis
^ . ^ . , 1.1 8cii.:BrAcbalderabA,
neis ao Emperador, que acompanhavam sempre dentro da casa e HedilkK ErA* balde-
fora a aquelles dous Behet Uaded ou Eraz, como por guarda, pera ^"^ ^^^^^^w'
que nam ficessem nem dissesem cousa nenhuma contra o Empe- Mared Bftit, janbe-
rador); Hedfig Er^z balderaba. estes tambem eram criados de quem '^tT^^i^
se fiava o Emperador e vig-iavam os Heducfues como os primeiros Umbar6ch, jantacAl,
^ ^ , JanderabA, Jamxala-
aos Eraces ou Behet Uadedoch. Gueita balderaba: estes da mesma mi, TecAcan&ch,Bal-
maneira vigiavan aos dous que se chamavam Gueita. scilicet senhor. g^^us^^BalftmccSHf
f. 2i,v. Outros *se chamavam Manguest Beit, scilicet casa do reyno. Estes «* BegAmAch.
recolhem e tem a seu cargo todas as pec^as e fato do Emperador
e sam Alcaides das prissoes. Mared Beit, scilicet casa de tremor:
estes tem cargo dos vestidos do Emperador e de todas suas armas.
Janbeleu, tem cargo de receber os cavallos que tracem ao Empe-
rador e facer que se guardem. Aicenfo : recebem e guardam as mulas
que tracem ao Emperador de tributo e tomam de dez huma. Egner
Zacone: tem por officio dar posse das terras de que o Emperador
faz merce a algum pera sempre, e andam a roda dellas tangendo
atabales e sinalando os limites onde enterram huma cabega de cabra,
e se alguem a tira, tem grande pena. Janacjana Umbaroch: sam
ouvidores, e quando o Emperador vai caminhando por despovado,
se acham alguma ribanceira ou cousa funda no caminho, botam
agoa benta antes que chegue o Emperador, dicendo o PsaL 67:
« Exurgat Deus et dissipentur inimici eius, etc. ». Jantacal: estes
levam as vandeiras do Emperador e facem afastai a gente por o
caminho. Janderaba: quando o Emperador caminha levam os livros
em que re^a, que ordinariamente sam os Psalmos, e facem tambem
afastar a gente de diante do Emperador. Janxalami scilicet orna-
dores do Emperador: sam seus orivez e armeiros. Tecacanach:
estes sam filhos de parentas do Emperador e levam humas varas
54 HISTORIA DE ETHIOPIA
em que poem hum panno como dosel, pera facer sombra ao Em-
perador, quando se apea, se nam estam armadas as tendas. Balde-
bana: quando alguem pede de merce ao Emperador que Ihe de
quem Ihe lembre os negocios que tem com elle e seja como seu
procurador, sinala hum destes. Baletagua^agu^a : porteiros do pa^o.
Balemecahaf tambem sam porteiros. Uztmaguoz, Tara^amba, Cu-
ra^acala: estas tres casas tambem sam porteiros do pago. Bega
Mach : armam as tendas do Emperador e vigiam sempre, porque
nam se arranguem as estacas quando chove ou faz grande vento,
e como se acaba o verao, tomam pera si as tendas e pera o si-
guinte facem outras novas : que ao Emperador nam Ihe servem as
tendas mais que hum so verSo.
5. Dc iia officiali- Deb Ambe^a tangem os atabales. Dera moamoai levam as
Ambec&, DcrA MoA- tendas e fato da igreja de s. Miguel quando o Emperador vai a
moat,BcttAn9&,Bex- gruerra. Beit Anca levam as tendas e fato da igreia de nossa Se-
tegrft, Botragftt ZA- ^ ^ ^ ^ -^
yeyahAx, Bcita Gu*- nhora. Beztegre levam as tendas e fato da igreja de Jesu. Botra-
5m!^BeTu1ttL"« get levam o leito. em que dorme o Emperador e vam sempre
de muliere dictaite perto, porque ordinariamente, quando se apea, se asenta nelle.
Agr6d cuius officium ^ ^ „ t^ .
cst punire ignomi- Zayeyahax levam o vinho pera o Emperador, que he de mel. Beita
niose qui fugiunt Q^gber, scilicet casa do officio; aqui se entendem os cocinheiros e
tcmporc pugnae. * * ^
os que levam o comer ate a porta da sala onde esta a mesa do
Emperador. Cuamoch: estes sam muytos e a elles principalmente
pertence levar o comer ate aquella porta e alg^uns delles entram e
o poem na mesa, e tornam a sair; *por que ninguem esta onde come f. 22.
o Emperador, senam o mestre sala e o Veador e cuatro pagens que
servem. Bala-(^em : tem cuidado de tracer as tochas que se gastam
de noite no pa^o. Beita haiz : limpam as ruas e caminhos por onde
ha de passar o Emperador. Ite Agrod : he [huma| molher, que tem
por officio castigar aos que fogem ra guerra, antes que o campo se
desbarate ; porque ao que se Ihe prova que de covarde fugio, nam
o castiga homem, senam esta molher, pera mais desonrra, e o ca-
stigo que Ihe da he: faz juntar muyta gente e balha diante delle
dicendolhe muytas cousas de ^ombaria e de afronta e de quando
em quando Ihe da bofetadas e Ihe travesa na boca hum paucinho
em que tem espetado hum pedaco de bofe.
6. Dc duobus offi- Poucos tempos ha que acrecentaram dous officios ; hum se chama
ductis^scii!* TalahAc Talahac Balatinoch Gueita, que quer dicer « Senhor dos criados gran-
Balatindch GucitA et des do Emperador ». Gueta he Senhor: este tem muyto grande mando,
TecaclLn Balatin6ch
Gucit&.Ephcbihono- porque nam somente he sobre todos os criados do pago, mas sobre
LIVRO I, CAPITULO IV. 55
os do arrayal. ainda que sejam capitaes: ate os Vissorreys depen- rarli in tres classes
« ^«11 t- jiji r- j divisi iuzta Aulas
dem muyto delle e a nenhum se da mando nem se faz merce de ^^^ inscrviunt, quae
terras sem seu conselho; e todas as cartas que vam pera fora, de- vocantur Amba^A,
^ ^ Bftit, Ztiixi Bftit et
pois que o secretario as mostrou ao Emperador, as vee elle e se Farftz B»it. Antiqui-
Ihe parece que ha que propor sobre ellas ao Emperador, o faz. e "^^J^Z^^^^Z-
se nam, poe o senete do Emperador, que esta em sua mao, e as determinatus. Curhi
^ soli adstent diu no-
manda. Outro se chama Tecacan Balatinoch Gueita, senhor dos ctuque coram Rege.
criados piquenhos, scilicet pagens do Emperador. Estes pagens estam
agora repartidos em tres salas, que antiguamente todas eram casas
tereas. A de mais honrra se chama Ambaga Beit, caisa do Liam,
e he a mais intima. A 2^ mais pera fora se chama Zefan Beit, casa
do leito ; a 3* Faraz Beit, casa do cavallo. Por todos sam 1 50 e os
mais delles escravos, filhos de gentios Galas e Agous e Cafres, e
dos outros muyto poucos ha que nam sejam filhos de homens or-
dinarios, e nam podem passar os de huma casa a outra sem licen^a
do Emperador, porque isto he subir a maior honrra ; e en cada huma
esta sna cabe^a que manda aos outros o que ham de facer em seus
officios e aos que ham de levar fora recados do Emperador, se elle
nam chama alg^m em particular. Tambem elles vam fora sos, quando
querem; o que antiguamente nam se permitia, porque nam saiam
se nam raramente e com gnarda fiel, que os tornava a trager, e
aviatam grande rigor em isto que (como dicem seus livros), se algum
saia fora do pa^o a comer ou beber ou a falar, matavam a elle e
f. 22,v, ao que o combidou. Estes mininos *antiguamente eram trinta todos
escravos e nam podiam cortar o cabello sem licen^a do Emperador,
nem se acrecentava a este numero, porque quando metiam piquenos,
tiravam dos grandes. Agora nam ha numero certo se nam como
quer o Emperador, e nenhum teve tantos como este e ainda os annos
passados tinha muytos mais. Porem tirou os de 20 annos e Ihes deo
terras e cavallos pera que o acampanhasem na guerra. A causa de
folgar com tanta multidam cuido que he o que elle deo a entender
falando comigo so sobre huns Grandes, que nam mostravam pera
suas cousas cora^am tam affecto, porque disse : Padre, os que eu
criar e honrrar me serviram com bom cora^am; que quanto destcs
pouco ha que fiar.
A mais intima camara, como dissemos, se chama casa do Liam, y.Quidinunaqua-
j , -. . ^ que e tribus Aulis
porque assi como se tivera por guarda hum ham, nmguem entra agatur.
nella, estando o Emperador, ainda que seja seu filho, senam aquelle
que for chamado, o que faz raramente, e assi quando ellc entra na
56 HISTORIA DE ETHIOPIA
casa do liam, ninguem chega a porta; so entram os pagens dipu-
tados pera aquelle retrete. Em a que chamam Zefan Beit, casa do
leito, porque alli tem sua cama, da audiencia a todos. Mas nam
em huma so casa tem leito, senam em muytas, porque Ihe servem
de trono, e assi no nome nam ha distin^am, nem entre os pagens :
todos estes se chamam Zefan Beit. A que chamam Faraz Beit, casa
do cavallo, he a de menos honrra e sempre he em baixo, porque
nella esta poUo menos hum cavallo ; e antiguamente estavam muytos
e continuamente de dia e de noite aos quartos com freos e selas e
em os ar^oes capacetes, malhas e espadas. Mas agora nam se usa
isto, posto que sempre ha algum cavallo, nem os pagens de esta casa
tem cuidado delle, senam do leito, que alli esta. Por muytas veces
entra la o Emperador a ver o cavallo e se senta no leito e, se he
tempo de frio, Ihe facem alli fogo aquelles pagens e o servem no
demais que he necessario, porque aos pagens da huma nam Ihes he
licito entrar a servir ao Emperador na outra, nem, ainda quando
vai fora, querem huns pagens deixar entrar a outros na casa que
tem a seu cargo.
8. Antiquitus rc- Com aquelles trinta mininos estava antiguamente o Emperador
ges Aethiopiae ne- . ,
quibant videri nisi a ^^ ^®^ pago, sem o ver homem nenhum, que nam era piquena pe-
30 ephebis qui eis in- nitencia; somente entrava o Behet uaded da mao dereita e o da iz-
serviebant.
querda, e Acabe E<;:at pera Ihe darem conta das cousas do Imperio
e saber como queria que se despachasem; e estes tres sos decla-
ravam sua vontade e determinagam ao povo em tudo o que se of-
ferecia ; e quando queria facer grande favor a alg^m, que nam avia
de ser senam cunhado ou jenrro ou outro homem grande, *mandava f 23.
que o chamasem de noite e, tiradas todas as candeas, falava com
elle no escuro, e assi o que entrava so ouvia sua voz, sem ver nada;
e ainda isto se tinha por muyto grande merce, porque raramente se
facia; e quando Ihe levavam o comer, saiam aquelles pagens ate a
porta e alli o recebiam, e tudo o que sobeixava das igoarias a que
elle tocava e do pam que partia o enterravam, que ninguem tinha
licen^a pcra o poder comer, e, segundo diz seu livro, as igoarias que
levavam eram 126 e paes mimosos 180 e outros de menos sorte 120:
de vinho de mel 20 caloes piquenos e grande's] 100.
g. Sub quibus Im- Estas cousas em parte se foram deixando em tempo do empe-
peratoribus iUae cae- j-r>..j 1 i-j ■r*_.ii_ rj
remoniae fuerint rador David (que mandou por embaixador a Portugal hum irade
sublatae. q^^^ s^ chamava Qaga Za Ab, que quer dicer graga do Padre, e
depois deixou o nome de David e se chamou Onag Qagued), por
LIVRO I, CAPITULO IV. 57
que entam ja entravam mais facilmente e o viam. Depois no tempo
de seu filho Glaudios, que quando Ihe deram o imperio se chamou
Atanaf Qagued, se deixou de enterrar o comer e entravam todos
os Grandes, mas ^ingiam os pannos que traciam vestidos e ficavam
nus da cinta pera cima dando mostra de sumissam e humildade.
Este uso se comegou a deixar avera 24 annos, que por ser o em-
perador Jacob menino, entravam alguns Grandes vestidos, so cin-
giam o panno que lavavam sobre o vestido em lugar de capa.
Mas agora todos entram muyto bem vestidos, so Ihes ficou o cingir
o panno por cortesia ; e por veces tratando disto, me disse este Em-
perador que Ihe parecia muyto mal o uso antiguo de entrarem no
pa^o daquella maneira nus e assi ate os pagens escravos manda
vestir particularmente nas festas de veludo e outras sedas.
Do que temos dito se vee quam falsa foi a informa^am que em 10. Brrores Urre-
esta materia deo Joam Balthesar a frey Luis de Urreta, se por ella rcfutwitur. ™*
escreveo o que diz pag. 11, onde refutando a Francisco Alvares,
porque em sua Historia Ethiopica disse que os officiaes, que o Em-
perador tem em sua casa como camareiros, porteiros etc, sam de-
scendentes dos Judeos que Salomam deo a seu filho Menilehec pera
estes officios, poe estas palavras. « La verdadera historia es que los
« cavalleros Abissinos son muy limpios en linage y muy hidalgos sin
« mezcla de Judios, y los Officiales del Emperador no son judios ni lo
« fueron jamas, sino los cavalleros mas nobles del imperio porque son
f. 23»v- « los primogenitos de los Reyes sugetos al imperio, *]os quales nunca
« fueron Judios ni se tienen por tales. Aquellos Judios, que vinieron a
« Ethiopia de Hierusalem, vivieron en ella mientras vivio Melilec, que
« fueron muchos anos en los quales fueron respectados y honrrados de
« todos. Muerto Melilec o David, le sucedio su unico hijo Josue, que
« tambien se liamo David y tubo nueve hijos varones. Este como otro
« Juliano apostata se bolvio a la gentilidad y quiso que tornase la ido-
« latria en todo su reyno y quitandoles a los tristes Judios el templo
« que les avia dado en el monte Amara los echaron a todos de todo
€ el imperio de la Ethiopia, bolviendose los Ethiopes a los ritos y su-
« persticiones antiguas. Estos miserables Hebreos unos se quedaron
« en los estremos de la Africa al cabo de Buena Esperan^a y otras
« ticrras desertas y inhabitables por entonces, otros se bolvieron a
« Hierusalem y otros por muchas provincias de la Africa ».
Ate £iqui sam palavras de frey Luis do Urreta e primeiramente,
como ja adverti, o filho de Saiomam nam se chamava Melilec se-
C. BiccAKi. Rer» AMih, Script^ occ, imcd, - II . 8
58 HISTORIA DE ETiriOPIA
nam Menilehec, e tudo isto escreveo por falta de verdadeira infor-
magam, por que nunca botaram de Ethiopia aos Judeos, que vieram
de Hierusalem com Menilehec, antes ate agora sempre esteve cste
imperio cheio de seus descendentes, vivendo liberamente em seu
judaismo, ainda que alguns se foram facendo christaos, particular-
mente do anno de 6i6 a esta parte, por causa do pregam que lan^ou
o Emperador, como dissemos no cap. i*^, e com tudo isso ficam
muytos em algumas terras fortes, onde se acolheram e muytos mais
na provincia de Cemen, onde esta sua principal cabec^a (a quem a
gente da terra chama Guedon, avendo de dicer Gedeon) e por serem
serras muyto fortes se defenderam ate agora nellas.
Quanto aos officiais do Emperador, todos sam christaos, mas
muytos delles descendentes dos Judeos, que Salomam deo a seu filho
Menilehec pera estes officios e he cousa esta tam sabida e patente
em Ethiopia quc preguntando eu pera mais certec^a a alguns grandes
da corte, se rio muyto hum frade velho meu amigo de que se pusese
em duvida cousa tam certa, e me disse : Vee aqui V. R. a fuSo e
a fuao que sam delles, sinalando dous dos que ali estavam. Nem
me contentei com isto, senam que preguntei tambem ao Emperador,
e respondeo que era certissimo; e falando particularmente dos que
a cima nomcamos Azaxoch e Umbaroch, que sam desembargadores
e ouvidores, disse que em estes officios nam deixavam entrar de
nenhuma maneira nem ainda os filhos de suas familias, senam os
filhos que por linea masculina descendem de aquelles *Judeos, que f. 24.
deo Salomam a seu filho Menilehec pera estes officios, porque di-
cem que se entrarem nelles os filhos de suas filhas, como ordi-
nariamente os marido? sam de differentes familias (que nam podem
casar com parentes dentro do septimo grao, conforme ao costume
de Ethiopia, ainda que alguns nam o guardam), logo se cortziria a
linea dereita de aquelles seus antepassados.
XX. Aliae fictiones Tambem he muyto contrario ao que sempre usaram os Empe-
Urretae circa officia- 1 _» t\i.i_' • j* r t • j tt
les domus reeiae. radores de Ethiopia em seu fja^o o que aqui diz frey Luis de Ur-
reta que se servem dos filhos primogenitos dos Reys sugetos ao
imperio, o que trata diffusamente no cap. 18, onde entre outras muy-
tas cousas diz estas : « Quando viene uno destos principes a la corte,
« em llegando al palacio imperial le salen a recebir dos de los mas
< antiguos del gran Consejo y lleban a la presencia del Emperador,
« el qual manda le pongan en la primera camara, una delas cinco
€ que ay antes del aposento imperial, donde habita de ordinario el
LIVRO I, CAPITULO IV. 59
« Emperador. En esta primera camara sirve el primogenitocincoanos,
« de a la 2*, donde sirve otros cinco, y assi va de una en otra hasta
« la quinta y postrera camara, donde no todos Uegan, porque su-
« cede con alguno, que en siendo de 30 anos poco mas o menos
« darle el Emperador muger, porque no se puede casar sin licencia
« del Emperador y en casandose lo embia a su reyno, aun siendo
« vivo el padre, porque en caso que muera el padre, luego corona
« al primogenito por Rey, y con grande acompanamiento lo embia
« a governar sus estados. Mas como quiera que vaya, ora sea casado,
« ora sea a governar por la muerte de su padre, siempre viene en
« su lugar el hermano menor, si le tiene, y si no, el pariente mas cer-
« cano acude a servir con tal que sea de estirpe real y en tal caso
« si este cavallero no es mas que pariente del primogenito, por quien
« en la corte sirve, solo esta en ella hasta que el otro tenga hijos
« aptos para cumplir por el ». Todo esto, que el author diz, he
cousa imaginaria, porque nunca os Emperadores de Ethiopia tive-
ram este modo de servi^o dentro de seu pa^o, senam o que acima
dissemos; nem ouve nunca taes filhos de Reys, senam aquelles trinta
meninos escravos, nem ainda agora que se alargou isto a entrarem
tambem alguns forros, nam sam filhos de homens grandes; nem ha
tal distingam de cinco camaras, senam das tres que dissemos, Am-
ba^a Beit, Zefan Beit, Faraz Beit, scilicet, casa do liam, casa do leito,
f. 24,v. casa do cavallo. E em estas cousas *nam ha duvida nenhuma, porque
as soube das principaes cabe^as destes officios e dos mesmos mini-
nos que eu conhe<;o e vejo os mais dos dias e sei quando trouxeram
cativos muytos dos que agora estam, e ainda a mi me alcan^ou
parte, porque de entre elles me deo 120 Emperador em chegando
antes de se bautizarem. Estes pois sam os primogenitos dos Reys
sugetos ao imperio que Joam Balthesar fingio, estes os pagens de
sangiie real que servem ao grande Emperador de Ethiopia, filhos
de gentios Galas, Agous e Cafres, posto que bem parecidos, e dos
que nam sam escravos casi nenhum ha que nam seja filho de ho-
mem muyto ordinario; nam porque, se o Emperador quisera sei»-
virse de filhos de homens grandes dentro de sua casa, nam folgo-
ram elles muyto e o tiveram por grande honrra, mas nam quer
senam correr com o estillo e modo de seus antepassados.
CAPITULO V.
Em que se poem dous Catalogos dos Emperadores de
Ethiopia e se trata dos nomens comuns que tem.
Em os livros que se guardam na igreja de Aggum e hum que »• Cur luxta Au-
-rn , c-tA^ A,, -.. ctorcm differant in-
me emprestou o Emperador Saltan (^agued, de onde tirei o que a ter se duo catalogi
cima disse da reyna Sabba e Menilehec seu filho, se acham dous i°JP?«torum. Ubri
•^ ' aethiopici scatent er-
Catalogos dos Emperadores seus descendentes, muyto difFerentes assi roribus ex amanuen-
no numero delles como em os nomens; e quanto a hum ser demi-
nuto, pode ser que seja culpa do que tresladou o livro que deixase
os nomens que faltam, que, como todos os livros sam de mao,
achamse nelles muytos erros, nem tem enteiramente os nomens dos
da familia de hum que se chamava Zague, que tiveram tyrani-
9ado o imperio 1 43 annos, como consta de hum dos catalogos ;
mas os que sabem bem das historias me affirmaram que cstava er-
rado: porque faltavam muytos dos da familia deste Zague e que a
certa conta destes annos sam 340. Quanto a diflferencia dos nomens
dos Emperadores, dicem muytos quem vem de que algumas veces
poem em hum Catalogo os nomens que tinham os Emperadores an-
tes que o fossem e em outro os nomens que tomaram quando Ihes
entregaram o imperio ; porque de ordinario mudam o nome a imi-
tagam (segundo dicem) de Menilehec, a quem chamaram David,
quando o coroaram em Hierusalem, e ainda alguns mudam o nome
62
HISTORIA DE ETHIOPIA
a. Primus catalo-
gus qui enumerat 94
Imperatores.
duas veces,* como o fez o filho do emperador Naod, a quem 110
bautismo puseram nome Lebena Denguil, scilicet « encenso da Vir-
gem :> e, quando Ihe entregaram o imperio, se chamou David, que
por '^morte de seu pay avia annos que governava a emperatriz Elena; f. 25.
a qual, como me disseram alguns frades velhos e o emperador Sel-
tan (^agued, nam era sua may, porque elle era bastardo, e por falta
de legitimo o ficeram Emperador, e, passados alguns annos, deixou
o nome de David e se intitulou Onag Qagued. O mesmo fez o que
agora he, que, tendo por nome do bautismo Suseneos, que dicem
he de hum martyr, quando o juraram por Emperador, se chamou
Malac Qagued, e agora se chama Seltan Qagued, que quer dicer
« o poder adoura » , ou « faz reverencia » . E porque pode ser que
em alguns livros de Portugal, falando de huns mesmos Empera*
dores, se achem nomens diiferentes, por causa da diversidade de-
stes Catalogos, pera que isto nam cause confusam, senam que se
saiba deonde procede, os porei aqui amos, come^ando poUo que
conta muytos dos nomens que os Emperadores tinham antes que
Ihes entregasem o imperio, que diz assi :
« David rey gerou a Salomam, Salomam gerou a Menileh^c,
que reinou em Ethiopia na terra de Ag^um, e depois delle reinou
seu filho Zagdiir e sucessivamente os que se seguem :
Zabaced.
Taoace4.
Aderia.
Varec^.
«
Auceo.
Maceo.
Zaiia.
Bace6.
Aut6t.
Baha^a.
Zaoada.
Adena.
Calez.
Gotolea.
Zafelea.
ElguebM.
Baoaiil.
Baoar^z.
Aoena.
Mahac^.
Malcu^.
Bac6n. Aos 8 annos do reyno
deste naceo Chr.° N. S.
Zenfa Azgu^d.
Bahar Azgu^d.
Guerm^ Caf&r.
Guerma Azfere.
Zarad6.
Cululace6n.
Zargua^.
Zarai.
Zara Azgu^d.
Ze6n Hagu&z.
Mala Agnk.
LIVRO I, CAPITULO V.
63
Zaf Arkd.
Agd6r.
Abra e Azba irmaos. Estes foram
muyto amigos e reinaram jun-
tos, e em seu tempo veio de
Hierusalem Fremenatos bispo
e pregou o bautismo e doc-
trina do s.*° evangelho e cre-
ram sua doctrina e chamaramo
Abba Qalama, sc. Padre paci-
fico. Depois renaram
Azfk.
Arftd.
Amct. Estes eram irmaos e rei-
naram juntos e repartiam o dia
em tres partes pera mandar.
A estes sucederam
Arad6.
Aladob&.
Amiamid. Em o tempo deste vie-
ram muytos religiosos santos de
Rum e se repartiram por todo o
imperio, e nove estiveram no
reyno de Tigre, onde edificaram
muytas igrejas, que oje tem os
nomens que Ihes pus a gente
da terra a elles. So hum nome
proprio se conservou, que [he]
f. 25,T. Pantaliam ; *aos demais chama-
ram Abba Arogaoi, Abba Gue-
rima, Abba Alef, ^.ehema,
Afce, Abba Licanos, Adimata,
Abba Oz ; depois o chamaram
Abba Guba sc. « hinchado »,
porque fez huma igreja em hum
oteiro e estava so, e por isso
disseram : Que frade he este hin-
chado que faz igreja so? e ficou
com este nome Guba. Estes fice-
ram muytos milagres, com que
se acabou de converter a gente
da terra, e entre elles contam
hum de huma espantosa ser-
pente, que estava perto da ci-
dade de Ag^um, a quem da-
vam cada dia dous carneiros e
alguns caloes de leite, porque,
se nam achara isto, vinha aos
lugares e matava muyta gente.
Tambem Ihe davam huma don-
cella em certos dias do anno.
O que sabendo aquelles reli-
giosos, o sintiram muyto e hum
delles foi con muyta gente e,
chegando a vista da serpente,
se pus de joelhos com as maos
alevantadas ao ceo pidindo a
Nosso Senhor librase aquella
gente de tam espantoso mon-
struo, e logo arreventou e ficou
morta. Do que se maravilha-
ram muyto todos, e disseram
que a quelles homens eram
mandados por Deos pera bem
de suas almas e corpos, e assi
os tinham em grande venera-
Qam e agora honrram como a
santos, facendolhes grande fe-
sta em seus dias. Depois de
Amiamid reinou
Tacena.
Calftb.
Grabra Mazcal.
Constantin6s.
Bazgir.
Azf£.
Jan Azgu^d.
Fre^anai.
64
HISTORIA DE ETHIOPIA
Adoraaz.
Oai^ar.
Madai.
Calaud^n.
Guermli Azfar^.
Zargaz.
Degna Michael.
Badagl^.
Arma.
Ezbinani.
Degnaxan.
Ambaca Udm.
Delna6d.
Depois deste deo Deos seus rey-
nos a outro povo, que nam era
da semente de David nem da
casa de Isrrael, que se chamava
Zague, e passados muytos an-
nos, tornou Deos o reyno a os
de Isrrael e reinou
IconCl Amllic, sc. « Deus seja com
elle ».
Agbace6n.
Bahar Azg4d.
Hezb Arad.
Cadma Azgued.
Udm Arkd.
Amd Ce6n.
Zeifa Arad.
Udm.
David.
Theod6roz.
Isaac.
Andreas. .
Hezb Inanh.
Amd Jesus.
Badel Inknh.
Zara Jacob; este mandou guar-
dar sabado.
B6da Mariam.
£scand6r.
Amd Ce6n,
Na6d.
Onag CaguM.
Atanlif 9^gu6d.
Adamas Caguftd.
Malac 9^guftd.
Jacob, que depois se chamou Ma-
lac (^agvihd como seu pay.
Za Denguil; chamouse Atanaf 9&-
gu^d.
Susene6s; chamouse Seltan (^ql-
gu6d ».
3. Alter catalogus
'O catalogo que, segundo dicem, tem comummente os nomens que f. 26.
qui enumerat 165 ^g Emperadores tomaram, quando Ihes entregaram o imperio, he
xiiiperatores.
o siguinte:
« A reinha Az6b come^ou a reinar em Ag^um aos 37 annos
do reyno de Saul, e aos 4 annos do reyno de Salomam foi a Hie-
rusalem e depois que tornou, reinou 25 annos, e o filho que teve
de Salomam Ebnli Elehaqutm reinou jg annos.
Handodea i anno.
Auce6 3.
Zao6 34.
Gace6 meio dia.
Maoat 8 annos e i mes.
Bahaz 9 annos.
LIVRO I, CAPITULO V.
65
Cauda 2.
CanAz ic.
Hadena 9.
Oezh6 I.
Hadena 2.
Calaz 6.
Cate6 17.
Filea 27.
Aguelbii 3.
Aucinl^ I.
Zebuo&s 29.
Maheci i.
Bacftn 17. Aos 8 annos do reyno
deste naceo Chr.° N. S.
Cert6 27.
Le4z 10.
MacenAh 7.
Ceteio 9.
Adguela 10 e 2 meses.
Agueba 7 meses.
Meliz 4 annos.
Haquel6 13.
Demahft 10.
Autftt 2.
Elauda 30.
Zegu&n c
Zarema annos 8.
Gafal6 i.
Becft^ar^ 4.
Dos de Azguagua 77.
Dos de Herci 21.
Beec6 ZauefS i.
Oecana 2 dias.
HadaCiz 4 meses.
Dos de Zaguftl 3 annos.
Dos de Azfah& 14.
Dos de Zeglib 23.
Dos de ^amer^ 3.
Dos de Aiba 17.
Dos de Escandi 37.
Dos de Zaham 9.
Dos de Zan 13.
Dos de Aig4 18.
Alamida 30 e 8 meses.
Dos de Aheyeoa 3 annos.
Dos de Abraha e
Azebeh^ « guiadores da clari-
dade » 27 e 7 meses.
Azbeha 12 annos.
Dos de Azfaha 7.
Dos de (^ahH 14.
Dos de Adehena 14.
Dos de R6te i.
Azfeh^ i.
Azbah^ 5.
Dos de Amidli 17.
Dos de Abraha 7 meses.
Dos de 9^b£l 2 meses.
Dos de Gab6z 2 annos.
Dos de Zehiil i.
Dos de Izbah 3.
Dos de Abr6 e
dos de Adahana juntamente 16.
Dos de Zaham 28.
Dos de Amidli 12.
Dos de Zahftl 2.
Dos de Zebah 2.
Dos de Zaham 15.
Dos de Gab6z 21.
De Agab6 e de
Levi juntamente 2.
Dos de Amida 1 1 .
De Jacob e de
David juntamente 3.
Arma 14, seis meses e 8 dias.
Zitana 2 annos.
Jacob 9.
Constantin6s 28.
C. Beccari. Rer. Aeik, Script, occ, ined, — 11.
66
HISTORIA DE ETHIOPIA
Gabra Mazcal 14.
Nacu^.
Bac&n 17. No terapo deste se fun-
dou a igreja de Ag^um.
*Zenfa AzguM.
Bahdr Azguftd.
Guerma Azfar&.
Culule Ce6n.
Cergai.
Zerai.
Begamlii.
Jan Azguftd.
Ze6n Hegz.
Moa^lgueha.
Zaf Arad.
Agder.
Abrah^ e Azbaha irmSlos.
Azfeh^.
Arfifed e Amci irmSos.
Arad.
Cel Adoba.
Alamida.
Amiamid.
Tacena.
Calftb.
Gabra Mazcal.
Constantin6s.
Bezgar.
Azfth.
Armah.
Jan Azf^h.
Jan Azguftd.
Fre^anai.
Ader^.
Ai96r.
Delna6d.
Maadai. Depois destes reinou em
Amhara huma molher de ge-
ra^am de tredos a quem cha-
maram E^at^ sc. « fogo » , e no
reyno de Tigre reinou 40 annos
otra molher Gudit sc. « mon-
struosa » e destruio todas as f. 26,v
igrejas. Depois desta reinou
Amba^i Udm.
Huala Udem.
Guerma Azfarfe.
Zerg&z.
Degna Michael.
Badgaz.
Armah. Depois deste se cortou a
linea dereita dos reys de Is-
rrael e reinou Marari, da fa-
milha de Zagoc, 15 annos.
Imrah 40.
Lalibela 40.
Nacutolab 40.
Harbai 8. Estes nam mais estam
no livro, mas dicem que faltam
outros muytos dos desta familia
e que todos reinaram 340 annos.
Depois tornou Deos o reino aos
da linea de David, e reinou
Icillnu Amlac sc. * seja com elle
Deos >, 15 annos^
Agba Ce6n 9.
Dous seus filhos 3.
Tres filhos destes 2.
Udm Eraad 13.
Amd Ce6n 30.
Ceif Arad 28.
Udm Azfar^ 10.
David 33.
Tedros 9 meses.
Isaac com seu fiiho 16 annos.
HezbnlLnh 4.
Dous seus filhos i.
Zara Jacob 34.
LIVRO I, CAPITULO V,
67
Beda Mari4m 10 e 2 meses.
E^and^r 15 e 6 meses.
Amd Ce6n 6 meses.
Na6d 13 annos e 9 meses.
Lebena Denguil 33 annos.
Glaude6s 18 e 7 meses.
Minlis 4 annos.
Zerza Denguil 33.
Jacob 10.
Za Denguil i.
Seltan CaguM 16 ate este anno
de 1622 ».
f. 27. *Ate aqui tirei de seus livros, mas hase de advertir que nam 4* Quacdam adno-
^Tt-AT^ '^ii_ jt_^- j' tationes Auctoris.
somente Lebena Denguil he nome de bautismo, como dissemos no q^i^j ^^i patrave-
principio deste capitulo, mas tambem Glaudeos. Este se chamou "*. ^*'* Jacob, ct
quid de eo sensertt
Atanaf Qagiied, quando Ihe entregaram o imperio ; Minas se chamou Susneos.
Adamas Qagned, Zerza Dengnil se chamou Malac (^agned, Jacob
tambem Malac Qagued, Za Dengnil Atanaf Qagned.
Em estes Catalogos se vee quam errados estam os nomens dos
mais dos Emperadores que referem em suas historias Francisco Al-
vares e frey Luis de Urreta e outros que escreveram das cousas
de Ethiopia e, deixando outros muytos, o que Francisco Alvares
fol. 127 nomea Zeriaco, nam se chama se nam Zara Jacob, scilicet
€ semente de Jacob », e dicem que, quando Ihe entregaram o imperio,
se chamou Constantinos. Deste arre^oam muyto mal em Ethiopia e
affirmam que, tendo elle mandado guardar sabbado, porque hum su-
perior de Debra Libanos, scilicet Mosteiro do Libano, que era o
mais insigne que avia em Ethiopia, nam o quis guardar, dicendo
que era judai^ar, mandou que o matasem a elle e a outros muytos,
e que tambem mandou matar os oribez e ferreiros, porque decia
que todos eram feiticeiros e facendo juntar muytosem hum campo,
os mataram ; e pouco tempo ha que, falando sobre isto o Emperador
Seltan Qagued diante de mi e de alguns Grandes, disse: Quantos
males fez Zara Jacob : esta ardendo em os infernos. Respondeo hum
frade velho: Nam diga V. Magestade isso; que era Rey ungido.
Disse o Emperador: Por bentura, porque seja Rey ungido, nam
pode estar no inferno? As obras sam as que o ham de salvar ou
condenar. E mandando tracer hum livro me disse: Se V. R. quer
ver este livro, achara as cousas de Zara Jacob. Tomei eu o livro
e onde come^ava a falar delle decia desta maneira:
€ Em tempo de nosso Rey Zara Jacob ouve grande temor e 5. Severitaa immo
Ct ClTUdcli^&S ^stvst
« espanto em todo o povo de Ethiopia, poUo rigor de sua justi^a jacobiuxtalibrosae-
« e de sua forija, principalmente contra aquelles que adoravam idolos, ^l^iopicos.
« e quando alguns vinham a dicer que outros os tinham adourado,
68 HISTORTA DE ETHIOPIA
« nam Ihes dava outro juramento mais que dicer: O sangue daquelles
« venha sobre vosotros, e com isto mandava matar aquelles contra
« quem testimunhavam, poUo zelo que tinha da honrra de Deos.
« Ate a seus filhos nam perdoou: matou a Glaodeos, Amd Mariam,
« Zara Abreiham, Betra Ceon *e suas filhas Delcemara, Erongece- f. 27,v.
« nela, Adelmengue<;a e outras muytas; entam mandou lan^ar pre-
« gam dicendo: OuQa o povo christao o que fez o Diabo. Mandamos
« que o povo nam adorase idolos, e elle entrou em nossa casa e
« fez errar nossos filhos; e mostrou a todos as feridas dos a^oites
« que Ihes tinha dado em castigo, e eram tam grandes que huns
« morreram alli logo e outros pouco depois. O que vendo o povo,
« fez grande pranto. Depois mandou que todos escrevesem na testa :
« Za Ab oa Uald, oa Manfaz queduz ; que quer dicer : * do Padre e do
« Filho e do Santo Spirito ' ; e no bra^o dereito : Quehed que uo la
« Diabolos Regum Ana Guebra la Mariam einula fetare culu Alem,
« que quer dicer: * Neguei ao Diabo maldito eu escravo de Maria
« may do Criador de todo o mundo \ E no bra^o izquerdo: Quehed
« que u6 la Diabolos Dezcbac, o aba Christos amalec; scilicet: 'Neguei
« ao Diabo sujo e vSo, e a Christo adouro*. E mandou por todo seu
« imperio que a quem nam ficesse isto Ihe tomassem seu fato e o
« matasem » . E pouco mais adiante diz o livro que, se algum dos
pagens do pa(;o (que, como dissemos no cap. precedente, eram trinta
todos escravos) saia fora a comer, ou a beber, ou a falar, o matavam
juntamente com quem o lebou e quem o convidou; e a huma sua
molher, que se chamava Ceon mogue^a, por arrecear que alevan-
tase a seu filho Beda Mariam, Ihe mandou dar tantas pancadas e
tormentos que morreo e a enterraram secretamente, mas comtudo
o soube seu filho e lebou a igreja encenso e candeas. O que ou-
vindo Zara Jacob seu pay, o mandou prender e esteve pera o matar.
6. Refeninmr alia Outras muytas cousas de grande rigor conta este livro, que deixo
gesta Zara Jacob ex -j tx- • ^- t_ i. • t_
iisdem libris. po^ nam ser cumprido. Diz mais que tmha hum cammho com cerca
de huma e outra vanda do pa^o ate a igreja, por onde hia sem que
ninguem o vise e na igreja nam entravam mais que os superiores
de alguns mosteiros grandes, pera cantar, e quando queria entrar na
capella pera comungar, saiam todos, sem ficar mais que Acabe Egat
e outros quatro sacerdotes, e quando hia a igreja e quando tor-
nava, tinha cuidado hum dos pagens de dar desde dentro sinal com
a mao aos musicos que esperavam fora com muytos instrumentos
pera que tangesem e ficesem festa, e em huma das casas que tinha
LIVRO r, CAPITULO V. 69
dentro de sua cerca estavam muitos sacerdotes cantando psalmos
f. 28. *de David aos quartos, sem cesar de dia nem de noite, e botavam
continuamente agoa benta em as paredes por lavanda de dentro da
casa, porque os feiticeiros Ihe faciam feitigos com embeja de
sua fe. Mandou tambem facer perto da igreja hum lugar cercado,
e que o enchesem de agoa, e alli se bautizou muytos annos ate
que morreo, e ordenou que perto de todas as igrejas ficesem tan-
ques, em que se bautizasem, e que todos guardasem sempre sab-
bado asi como domingo; porque seus capitaes tiveram em sab-
bado victoria de hum seu enemigo, que se chamava Bedelai Aure.
Ate aqui sam palavras de aquelle livro ; mas no que diz que
matou seus filhos, porque adoravam idolos, nam Ihe da credito o
emperador Seltan Qagued, porque estando eu falando com elle
sobre isso, me disse: Quem sabe se os mandou matar, por outra
cousa [?]. Era muyto forte homem : ainda a Beda Mariam queria
matar com nam Ihe ficar outro filho.
Demais dos nomes proprios, que os Emperadores tem em estes 7. Alia nomina
Catalogos, Ihes dam outros gerais, como em os demais reynos se pUe^o^ntu/^sciL
acustuma com todos os Reys. O primeiro he Neguz, que quer dicer NegAxetNegii^ANa-
g&zt zsL Ethiopia,
Rey, e deste so dicem que pode usar em quanto nam se coroa; Acegu6, Jan C6i,
depoisse intitula Negu^a Nagazt za Ethiopia sc. « Rey dos Reys de cdifjAn^SAl^pHl
Ethiopia » , isto he Emperador de Ethiopia. Mas isto nam se guarda, cantur.
porque eu conheci al rey Jacob e al rey Za Denguil, que morre-
ram antes de se coroarem, e com tudo isso punham em suas cartas
Negu^a Nagazt, Emperador. Tambem o chamam Acegue. A signi-
fica^am deste nome preguntei a muytos, e huns disseram que que-
ria dicer « Rey », outros que nam, senam « cousa de grande^a ».
Parece que corresponde a Magestade, e deste nome usam mais co-
mummente todos; particularmente quando falam com elle, ou com
outros diante delle, nam dicem Neguz, senam : Acegue mandou tal
cousa, como se dissera: V. Magestade ou sua Magestade mandou.
A gente ordinaria, que nam pode chegar ao Emperador, grita de
longe cada hum em sua Hngoa, pera ser conhecido, e logo o Em-
perador manda preguntar por algum pagem, ou homem grande, o
que querem e os despacha; mas nam dicem Neguz nem Acegue,
que entam nam cavem estas palavras. Os Portugueses dicem: Se-
nhor, Senhor ; os Gongas christaos dicem : Donzo, Donzo, scilicet :
Senhor, Senhor; os Agous dicem: Jadara, Jadara, que he o mesmo;
os Mouros: Cidi, Cidi: senhor meu, senhor meu; e outros conforme
72 HISTORIA DE ETHIOPIA
na capella da igreja a ouvir Missa *e comungar, porque os que f. 29,v.
nam tem ordens nam podem entrar la, nem passar de humas cor-
tinas. que tem diante em algumas igrejas que ha cumpridas e nas
demais que sam redondas nam entram dentro, todos ficam no alpendre
que tem a roda e alli Ihes tracem a comunham.
xo. Ezquiriturori- Quanto a a causa porque em Europa chamaram Preste Joam ao
go appellatioziis
prcsbyteri loannis. Emperador de Ethiopia pode ser que fosse porque, como ordina-
Error philoldgicus. riamente he diacono, alguns Gregos o chamariam Presbitero, e de-
pois ajuntando o nome Jan, que (como ja dissemos) Ihe dam ao Em-
perador, viriam a dicer Preste Jan, e os estrangeiros, que muytas
veces corrompem os nomens, acomodandoos a suas lingoas, o cha-
mariam Preste Joam. Este nome Jan he muyto antiguo em Ethiopia,
porque, pera nomear alguns dos officiaes que tinha e tem agora o
Emperador dos descendentes daquelles que deo Salomam a seu filho
Menilehec, sempre usam delle, dicendo taes Officiaes de Jan, em
lugar de dicer taes Officiaes do Emperador, como vimos no capi-
tulo 4, onde se nomeam; e assi ao que era como estribeiro mor
deciam Jan Beleu, « estribeiro de Jan », scilicet do Emperador, e
ainda agora ao que he orivez e ao armeiro do Emperador chamam
Jan Xalami, « ornador de Jan », scilicet do Emperador.
IX. Error histori- Tambem pode ser e tenho por causa muyto provavel que cha-
cus.
masem em Europa Preste Joam a este Emperador de Ethiopia pella
re^am que da o padre frey Thomas de Padilha em o prologo que
acrecentou a Historia Ethiopica de Francisco Alvares, quando a tre-
sladou de portugues em castelhano; onde diz que tendo noticia el
rey dom Joam o 2° de Portugal, que em Oriente avia hum Rey
christao muy poderoso que, demais de ser rey, era tambem sacer-
dote dos christaos a elle sugetos, a quem chamavam seus vassallos
Preste Joam; e mandando dous portugueses Pcro de Covilham e
Afonso de Paiva polla via do Cairo o anno de 1487, pera que se
informasem se era possivel que suas naos pudesem ir do Cabo de
Boa Esperan^a (que ja era descuberto) ate a India, onde se achava
a especieria que levavam pollo Mar Roxo a Egypto, e que procu-
rasem saber muyto de proposito onde eram os reynos do Preste
Joam tam nomeado ; e assi, indo elles ao Cairo e entrando poUo
Mar Roxo, se afastaram e Pero de Covilham foi pera India a se
informar da navegac^am e especierias que tinha, e Afonso de Paiva
a Ethiopia, onde, como Ihes tinham certificado, todos eram christaos
e tinham Emperador muy poderoso, pera ver sc era cste o Preste
I
l
LIVRO I, CAPITULO III. 73
f jo. Joam que buscavam, concertando de se tornarem a juntar *em o
Cairo em certo tempo. Mas tornando Pero de Covilham ao lugar
sinalado, soube que era falecido seu companheiro Afonso de Paiva
e achando cartas de seu Rey, em que Ihes mandava que com toda
prestega desem fim ao come^ado, e que tendo nova do Preste Joam,
procurasem levarlhe huma Carta que Ihe escrivia e visitalo de sua
parte, pidendolhe toda amizade, como entre dous Principes christaos
se requer; respondeo dando conta do que na India tinha visto e
que era certa a navega^am pera ella pello Cabo de Boa Esperanga
e juntamente que em Ethiopia avia hum Emperador christao, o qual
cuidava que era o Preste Joam que S. A. Ihe mandava buscar;
pollo que, jaque seu companheiro era morto, elle iria a dar a em-
baixada, que Ihe mandava.
Quando chegaram estas novas «il rey dom Joam, se alegrou
nmyto, como era regam.e com ellas se pubricou em Espanha que
o Preste Joam reinava em Ethiopia, e por esta causa ficou sempre
o Emperador de Ethiopia com nome de Preste Joao, nam o sendo,
senam o Emperador do Catayo ; e pera isto cita a Marco Paulo e
outros e frey Luis de Urreta cap. 7 de sua Flistoria traz a Jaccbo
Nabarcho e a Gerardo mercator e outros muytos em confirma^am
da mesma opiniam. O certo he que em os livros de Ethiopia nam
se acha feita mengam deste nome Preste Joam, porque algum dos
letrados a quem preg^ntei ouvera de saber dar re^am delle.
C. Bbccaxi. Rtr. Atik, Scripi, occ, ined, — II. xo
ik
r
CAPITULO VI.
De Guix6n Amb& onde se guardam os descendentes
dos Bmperadores antiguos.
Sam tantas e tam grandes as maravilhas, que frey Luis de Ur- i. Auctor descri-
reta conta no capitulo 8 deste Guixen Amba, a que chama monte relationibus trium
de Amara, que com estar bem lonee deste reyno de Dambia, onde *f«tiuin de visu fide
^ o -^ dignonim.
de ordinario resido, desejei muyto ir la, e o ouvera de facer, ainda
que o caminho he trabalhoso, se o perigo dos ladroes nam fora
tam grande, por causa dos Galas, que por aquella parte facem
guerra ; nam porque nam saiba muyto bem quam fabulosa seja a
informagam que sobre isto elle teve, senam pera poder falar de vista.
Mas tudo o que sobre esta materia diser, sera por rela<;am de dous de
aquelles descendentes dos Emperadores que se chamam Abeitahum
f. 3o,v. Memeno e Abeitahum *Taquela Haimanot, que estiveram la muyto
tempo e agora residem na corte e de outro muyto meu amigo, que
se chama Abeitahum Orco, que de presente esta na mesma forta-
le^a, mas vem algnmas veces a corte com licenga do Emperador,
porque nam se arrecea delle e de outros que la entraram e sabem
as cousas que ha. Mas pera que milhor se entenda o nome desta for-
tale^a, se ha de advertir, que na lingoa de Ethiopia todo monte e
rocha, en cujo cume se pode defender a gente de seus cnemigos,
se chama Amba; e destas ha muytas e muyto fortes em Ethiopia;
76 HISTORIA DE ETHIOPIA
por onde o nome proprio daquelle lugar, onde se g^ardam os de-
scendentes dos Emperadores antiguos, nam he Amba, que em geral
pertence a todos os lugares fortes, senam Guixen, que quer dicer
« a chouse [sic] ».
Suposto isto, referirei primeiramente o que diz frey Luis no
lugar citado, onde descreve esta fortalec^a, antepondoa a todas as
mais fortes do mundo, com tantos encarecimentos, como se a na-
turega de todo ponto se esmerara nella, querendo tirar a luz huma
cousa em grande maneira prodigiosa em fertilidade, bele(ja e fer-
mosura, pera dar mostra ao mundo de seu grande primor e per-
fei^am. E porque nam aja quem cuide que Ihe acrecentei palavras,
referirei as proprias suas, que sam estas.
a. Commenta risu « Todas estas rocas y montes » (tinha falado de humas pedras
digna Urretae circa * , , v
Guizto AmbA. ^^^^ parecem mespugnaveis que tomou Alexandre magno) « y quantas
« tiene el mundo pueden callar y cessara la admiracion, si se ponen
« em paralelo y cotejo con el famoso monte de Amara, que esta
« en la Ethiopia, donde estan guardados los Principes del imperio ;
« porque aquellos montes de la India, aunque al parecer inexpu-
« gnables y fuertes, alfin fueron entrados, escalada sua altura, ben-
« cidas las difficultades y rendidos al poder de Alexandre. Mas la
« fortale^a del monte Amara es tal que de ning^na de las suertes
« dichas ay orden para poderla entrar. Es una fortele<;a tan pro-
« digiosa que parece que la naturale^a se esmero en formarla y
« descubrir al mundo un lugar fuerte sin ayuda de ingenio humano ;
« y no solo es lugar defendido, pero es uno de los puestos mas
« regalados de mayor comodidad y deporte, que tiene el mundo
« universo ; y es esto en tanto estremo que Philon Judio dice que,
« si ay parayso terrenal, esta en este monte, y por ser tan pere-
« grino y singular que en fortale^a es la mayor y mas inespugnable
« que ha tenido ni tiene el universo; y entre todos los *jardines f. 31.
« floridos, huertas deleitosas y amenos vergeles, es el esmero de
« todos ellos, enfin parayso. Han tratado del y hecho mencion en
« sus escritos asi historiadores hebreos, latinos, griegos, como turcos
« y arabios » .
Pouco mais adiante diz assi : « Esta el monte de Amara asen-
« tado en medio de la Ethiopia como centro de todo el imperio de los
« Abissinos, baxo de la linea equinocial. Plantole la naturale^a em
« una campafia tan llana, en unos llanos tan iguales y prolongados
« y en una tierra tan estendida, desocupada y descubierta, que no
1r
LIVRO I, CAPITULO VI. 77
s se halla monte ni altura, por mas de 30 legnas al rededor del,
« qiie le enoge ni le haga padrastro. Esta superior y a cavallero
« de todo el campo ; su figfur? es redonda y circular y assi con fa-
« cilidad se acude a qualquier parte del. Sua altura es tan grande
« que ay cerca de un dia de subida desde el pie del a lo alto ; todo
« a la redonda es peiia tajada de alto a bajo tan lisa y igual, que
« no parece sino que se higo a mano con cartabon y plana, sin
« que aya peiiascos ni riscos sobresalientes y desiguales, sino que
« es a manera de un muro tan alto que puesto al pie del buela tanto
« que parece que el cielo se arrodriga sobre el, y que le sirve de rafa
« y estribo. A lo alto de todo aquel muro de pefia tajada rebuelven
« las peiias y las rocas saliendo fuera del muro por espacio de mil
« passos, y van haciendo un labio y arandela de la propria figura de
« un hongo : obra rara de nutarele^a y tan singular que no se halla
« otra en el mundo, por lo qual queda imposibilitada la subida por de
« fuera, y assi no ay que temer ser escalados, y como es tan alto no se
« le pueden hacer terraplenos, ni rebelines que se igualen. De cir-
« cuito tendra mas de 20 leguas a la redonda. Esta cercado por lo
« alto con un muro muy gracioso y bien labrado, porque no caigan
« las fieras y animales de caga que ay en el, ni hombres, que solo
« para este fin se ha hecho, y no por defensa ; porque para ella no
« ay necessidad, pues no ay arcabuz ni mosquete que llegue a lo alto
« del monte. La cumbre y campo, que esta en cima deste monte, es
« todo muy Uano y igual ; hacia el medio dia se levanta mansa-
« mente un coUado que hermosea todo aquel campo y sirve como
« de atalaya de donde go^a la vista humana de los lejos mas apa-
« cibles que se pueden imaginar. De aquel coUado mana una fuente
f. 3^v- « perenne, abundantissima y clara con *tanta agua que con varias
« acequias corre todo el campo regando los jardines y frutificando
« la tierra, y alfin despefiandose de lo alto del monte. Al pie del
« hace un pequeno estanque y laguna, de la qual sale un rio que
« viene a dar en el Nillo.
« Para subir a lo alto no ay senda ni camino por ninguna parte,
« que en esto se engaiio Francisco Alvarez, porque esta como una
« torre derecha, y por esso lo han minado y socobado por dentro
« de la peiia viva, haciendo una escalera a fuer^a de picos, alma-
« danas y escodas, la qual es un caracol sin escalones, ni gradas,
« sino que va poco a poco encaramandose, tan ancho, tan abierto
« y bien labrado que se sube a cavallo con mucha facilidad; y
78 HISTORIA DE ETHIOPIA
« para la luz desta escalera ay hechas sus saeteras y claraboyas
« anchas por de fuera y por de dentro y angostas en el medio, muy
largas y rasgadas de la suerte y tra<;a que esta la escalera de
la torre mayor de la ciudad de Sevilla. Al pie desta escalera ay
« uqa puerta muy hermosa pero fortissima con su cuerpo de gnardia
« y por el discurso della ay sus mesas y rellanos que sirven de
« descanso. En la mitad de la escalera ay una sala grande y espa-
« ciosa, cortada y labrada de la misma pena, con tres ventanas,
<t y llamolas assi, porque quanto mas sube la escalera tanto son
« mayores las ventanas. Aqui tambien ay su guarda. Es la esca-
'i lera de alto, quiero decir la techumbre del suelo, mas de lan^a
« y media, y desta suerte sube hasta lo alto del monte, donde ay
« tambien su puerta y guarda.
« El ayre que corre en lo alto deste monte es tan delicado,
« puro y saludable, que jamas se apesta ni contamina y assi de or-
« dinario viven los que en el moran larguissimas vidas y muy aben-
« tasjadas y unas vegeces muy sanas y enteras, sin las enferme-
« dades y achaques que suelen acompaiiarlas. En lo alto no ay ciu-
« dad ni lugar ninguno, solo muchos palacios reales, cada uno de por
« si, que son 34 y son como unos grandes alca^ares, unos edificios
« sumptuosos, altos, apuestos, hermosos y muy capaces, donde residen
« con su gente y criados los Principes del imperio ; la demas gente,
t que son soldados y guarda del monte, habitan en tiendas y pa-
« vellones. Ay dos templos tan antiquos que se edificaron antes
X de la reyna Saba en honrra del sol el uno, y el otro en honrra
« de la luna, los mas sumptuosos y magnificos que ay en toda la
« Ethiopia, los quales templos, quando la reyna Candace se con-
X virtio a la predicacion *del eunucho y se bautizo, los consagro f. 32.
en honrra del S. Spirito y de la Cruz. Consagrolos tambien de-
spues el grorioso apostol y evangelista s. Matteo, quando fue a
predicar a la Ethiopia, la qual tierra le cayo en suerte, con la
misma advocacion. Ay en este monte muchos jardines vellos»
huertas de mucha frescura, regalo y curiosidad, Uenas y pobla-
das de toda suerte de arvoles fructiferos assi proprios de la
tierra como traidos de la Europa; perales, camuesos, y otros mu-
chos. Ay todo genero de agrura, naranjas, cidras, ponciles, limas y
las demas. Ay jardineros que tienen cuidado de hacer sus encafiados
y quarteles llenos de jocunda verdura. Hallanse en este monte ar-
boles tan raros y peregrinos que no se hallan en ninguna parte del
/
I
LIVRO I, CAPITULO IV. 79
« mundo. Uno dellos es el qiie Uaman Cubayo : su fruta es en el color
« y tamano como un membrillo y tan blando, quando esta maduro
« como una serva, la cascara amarilla, la carne de dentro blanca de
« tanta dul^ura y suavidad que no parece sino manjar blanco muy bien
« hecho. A este fruto le chupan como quien come servas muy ma-
« duras Es la comida mas subtancial y saludable que se halla entre
« todas las frutas del mundo, de la qual dixo el gran medico Amato
« lusitano, que no ay comida que assi conserve la salud y conforte
« y ayude la naturalega del hombie, y que no se espanta que vivan
« tanto los que residen en aquel monte, porque se sustentan desta
« fruta. Y sin este arbol ay otros muchos, que solo se hallan en este
« monte, en particular balsamos que son muchos.
« Ay fuentes artificiales de mucha labor y artificio con muchos
« canos, cuyas aguas vienen a parar en muchos estanques grandes
« y pequeiios, abundantissimos de mil suertes de pe^es para gusto
« y entre[te]nimiento de aquellos illustres principes. Y como de las
« frutas ay algunas que solo en esto monte se hallan, assi ay aves
€ tan singulcu^es que solo viven y andan en este monte, sin jamas
* averlas visto en otro lugar del mundo. Uno como un cario, cuyo
« canto es suavissimo y su musica tan regalada que parece que
« transporta. Ay otro paxaro del tamafio de un tordo de cuello
« levantado y erguido; sus plumas de varios y hermosos colores,
« con cresta y barbas como gallo, de la cresta se levantan cinco
f. 32,v. « o seis plumas grandecitas como ^gar^otas mati^adas de varios co-
« lores tan hermosos, y toda la pluma tan bella, que el Emperador
« de la Ethiopia las presenta como un precioso don a otros Reyes.
« Ay tambien muchas dehesas selvas y hervages, donde pasta
« mucho ganado de toda suerte, grande y pequeiio, para sustento
€ de los del monte bastante y muy sobrado y por los baldios y tierra
« montada anda mucha ca^a de toda suerte, gamos, cor^os, ciervos,
« cabras monteses, javalies, que los tienen alli encerrados como en
« soto y para todo ay bastante lugar, porque, como tengo dicho,
* tiene el campo 20 leguas de circunferencia y rodeo. En fin ay
« en cima del monte muchas florestas llenas de diversas ca^as para
< todo genero de monteria para su entretenimiento y para todo tie-
« nen aparejo de perros ventores, lebreles, y sabuesos, cogiendo
< perdices a cevadero o bebedero con redes, con la^os o con per-
A digon de reclamo. No ay animales pon^onosos, ni bestias fieras,
« sino solo animales de caga para deporte y recreacion. Tambien
8o HISTORIA DE ETHIOPIA
« ay mucha tierra desmontada para sembrados de todo genero de
« grano y legumbre, la qual es tierra fructifera y de buen llebar.
« Finalmente este monte es un lugar de tanto regalo y delicias, que
« no me admiro que los doctores le llamen parayso, porque le con-
« viene y entalla este nombre muy al justo y al natural ».
Prosiguindo isto traz muytas regoes pera provar como Ihe con-
vem ao justo este nome de parayso e conclue o capitulo dicendo:
« Esto se avera en el monte Amara, porque todo el ario ay fruta
« cogida del arvol fresca, higos, melones recien cogidos, havas y
« garban^os verdes todo el afio los ay, y en el se hacen tres se-
« menteras. La raijon es porque es continuo un tiempo como el otono
« o primavera; y ay arboles que dos y tres veces al aiio producen
« fruto, la mitad del arbol el medio ano y la otra mitad el otro
« medio aiio, porque quando el sol camina y buelve de tropico de
« Capricomio, la parte del arbol, que mira al sur y medio dia, pro-
« duce y esta llena de fruta, quedando el otro medio como si fuera
« invierno ; y quando el sol anda hacia el tropico de Cancro, la otra
« mitad, que esta hacia el norte y pollo artico, produce fruto, que-
« dando la otra mitad deshojada y como seca; y quando el sol
« esta en la equinocial, la copa del arbol tiene fruta, quedando las
« otras ramas que estan a los lados, y las baxas *sin fruto ni hojas, f. 35,
« de suerte que todo el aiio por diciembrc, por mar^o, por junio,
« por setiembre ay fruta en los arboles, sucediendo unas ramas a
« otras y unos frutos a otros. De donde se infiere que a este monte,
« por su fertilidad y regalo, le podriamos dar nombre de parayso ».
3. Auctor deacri- Ate aqui sam palavras de frey Luis de Urreta, nam continuadas
bA Guij^n^^pauperes ^^^^ ^^^^ ^^^ tiene, porque em algumas partes ficam cumpridas di-
casas et duas eccle- gressoes, que faz, e so tomei o que referi do que elle chama monte
siaSy quae in eius
cacumine inveniun- Amara, que he Guixen Amba. Mas quam apocrifa e fabulosa seja
*^'' a informa^am, que sobre esta materia teve, se vera claramente poUo
que agora direi, nao saindo hum ponto do que me affirmaram os
Principes que acima nomeei, e outros homens de muyto credito, que
viram esta fortale^a. Digo pois que entrc as Ambas, que ha em
Ethiopia, nam menos fortes que Guixen Amba, esta tem muyto
grande nome por sua fortale^a e por se guardar em ella os descen-
dentes dos Emperadores antiguos, a quem pertence o imperio, fal-
tando herdeiro ao que o tem, como adiante declararemos. Esta no
limite de hum reyno que chamam Amhara, que antiguamente era
casi o meio do imperio, mas agora he casi o estremo pera a vanda
r
LIVRO I, CAPITULO VI. 8l
do sul ; porque huns gentios que se chamam Galas foram tomando
por aquella parte muyto grandes tcrras poucos tempos ha, por esta-
rem os Emperadores ocupados em guerras com seus proprios ca-
pitaes, que se tinham alevantado no reyno de Tigre, em Dambia
e outras partes. O asento desta amba he em huns campos nao
muyto chaos, porque tem muytos altos e baixos, e pera oriente como
dous tiros de espingarda huns montes muyto altos, que se chamam
Habela e outros mais afastados, que se chamam Acel Amba; pera
as outras vandas nam ha montes senam muyto longe. Sua figura he
casi como cruz e a cima tera de cumprido meia legoa pouco mais
ou menos, mas poUo pe tem muyto grande roda. A altura he tam
grande que com difficultade chegara funda: toda rocha talhada e
por algumas partes em o alto vira a mesma pedra pera fora, de
maneira que por alli he impossivel subirse, mas por outra parte
subiram antiguamente, como diremos adiante. Nam tem mais que
huma entrada, que se chama Macaraquer, e em baixo no prin-
cipio o camino he largo e eissi vai subindo hum pouco ate chegar
f. 33,v. a hum tavoleiro *piqueno e dalli por diante tam estreito e ingreme
que nam se pode subir sem muyto trabalho, e cissi quando querem
levar alguma vaca pera matar la cima, que poucas veces o facem,
porque as matam em baixo, a amarram com cordas e a levam re-
stando casi em peso. Em o alto esta huma porta e casa, em que
moram as g^ardas: dentro ha muytas humas como salas cumpridas
e largas, outras redondas, mas todas terreas e pobres cubertas de
palha; no meio esta hum tanque grande de agoa doce, onde labam
os pannos e hum pouco afastado outro piqueno, de que bebem, e
segundo alguns dicem, he agoa que nace alli, meis nam corre, nem
ha outra nehuma la cima, nem peixe. Perto do tanque grande, casi
pera o leste, se vai alevantando hum pouco mais a terra e faz como
hum oteiro piqueno, em que estam edificadas duas igrejas cubertas
de palha; huma se chama Egziabeher Ab, scilicet « Deos Padre > e
esta he de madeira , a outra he de Nossa Senhora, e hc de pedra
muyto boa e esta pera o sul; a outra casi pcra o norte; do que
trataremos no capitulo siguinte. Perto dellas pera huma vanda mo-
ram os frades e os debteras, que sam como conigos, mas casados ;
e pera outra parte os que decendem dos Emperadores antiguos, com
suas molheres e filhos, a quem chaniam Isrraelitas.
Em toda esta Amba nam ha arvore nenhuma de fruto, so huma 4. Arborespaucae,
_^ ■, >s j j_ .r-e fructiferis nuUae,
sorte que chamam C090, e nam se dam se nam em terra muyto tria. y^g^ mcdicinalis. E
C. Bbccari. /ier. Aeih, Script, occ, tued, — II. zi
82 HISTORIA DE ETHIOPIA
leguminibus crescit Sam arvores ordinariamente nam demasiado altas, de muytos ramos
solum hordeum et - j r ii_ 'j _^ i i
f^^ e bem copados ; a folha cumprida e nam mu^rto larga e com alg^m
cavelinho branco no pe. Seu fruto nam ha a que o comparar em
Portugal, mas quer se parecer com a espiga de laba^a, porem
muyto meds cumprida e grossa. Sua amargura he tam extraordi-
naria, que excede muyto a da alozna; e com tudo isso cada dous
meses o bebem todos desfeito em agoa pera huma grave doen^a,
que geralmente tem os naturaes de Ethiopia, que sam huns bi-
chos como lombrigas, mas muyto cumpridos, que Ihes criam no esto-
mago, parece que da came crua que comem, porque os estrangeiros
nam tem tal cousa e he tam forte micinha que alguns morrem
della em poucos dias botando sang^e por la boca ; mas, se nam a
tomam ao tempo que disse, ficam muyto magros e Ihes vem a sair
aquelles bichos pollas narices. Outras arvores ha que chamam Ze-
guebas *muyto altas, mas nam dam fruto; he madeira branca e boa f. 34.
pera edificios. Tambem ha cedros, nam como os de Espanha, se-
nam silvestres de pouca copa e muyto altos, e de todas estas ar-
vores poucas, porque o campo he piqueno. Semeam tambem alguma
cevada e favas huma so vez no anno e a fora isto nam ha la outra
sementeira nem arvore nenhuma, mas por algumas daquellas vai
subindo huma cousa como jazmim, que chamam endod; seu fruto
he como cachinlios de pimenta e servelhes de savam pera labar os
pannos de algodam.
5. Ex animalibus Animaes sylvestres nam ha nenhuns mais que bugios e coe-
sylvestribus solum-
modo simiae, ser- Ihos, e nam tem as orelhas cumpridas como os de Espanha, e os
pentes et cuniculi : e dedos dos pcs e maos tambem differentes. Dos domesticos ha car-
domesticis oves et ^
caprac. neiros e cabras poucas. por nam haver campo onde comam. Alguns
bois levam a cima com cordas pera lavrar a terra onde semeam
aquella pouca de cevada e favas que disse e depois os facem de-
cer com as mesmas cordas, por tercm la pouca herva que Ihes dar,
que ca nam comem farinha nem mantimento, senam so herva ou
palha do campo seca ou de huma cousa muyto miuda mais que mo-
starda, que semeam e chamam tef. Nam ha mulas, nem cavallos,
nem outros animais a fora destes e algumas cobras pe^onhentas.
6. Unde explodi- Esta he toda aquella grande multidam e variedade de animaes,
tur fabulosa descri- i-t-jtt. t ^ 1 ^ j
ptio Urretae. ^^^ ^^^Y L^is de Urreta poem sobre esta pedra ; estas sam as de-
fesas, as florestas e praderias cheias de diversas sortes de caga pera
todo genero de montaria e entretenimento ; este aquelle esmero de
todos os jardins floridos ; estas sam as fontes artificiaes de grande
kt
LIVRO I, CAPITULO VI. 83
labor com muytos canos e palhas de agoa agradeveis a vista ; esta
he aquella fonte christalina que sae do oteiro e rega todo este pa-
rayso ; os dous tanques que disse, cuja agoa de nenhuma maneira
corre. Quanto a arvore da vida, que poe em este parayso, cuja fruta
he de tanta do^ura e suavidade como a do manjar branco muyto
bem feito e ajuda de maneira a naturecja do homem, que os que
a comem vivem muytos annos sem as doen^as e achaques que acom-
panham a velhicie, sera a que chamam C096, porque os que la
moraram muytos annos dicem que nam [ha] alli outra que de fruito ;
mas enganouse no que diz da docjura, porque nam ha cousa mais amar-
gosa no mundo, e posto que, como ja disse, a tomem por micinha,
f. 34»v. se se descuidam hum pouco acrecentando *a medida, cortalhes os
figados e morrem em poucos dias, lan^ando sangue poUa boca, como
eu tenho visto. Tampouco ha quem saiba dar novas da outra my-
steriosa arvore, que diz que, quando o sol anda da vanda do sul,
a metade da arvore, que cae pera aquella parte, tem folhas e da
fruto, e a outra metade esta como seca, e quando o sol passa a
vanda do norte, a metade da arvore desta parte, que antes ficava
como seca, produce folhas e da fruto e a outra metade esta como
seca, e quando o sol esta em a equinocial, a copa da arvore tem
fruta, ficando os ramos das ilhargas sem folha. Nenhum de muytos,
a quem preguntei, por terem entrado em Guixem Amba, nem dos
que la moraram muytos annos achei que tivese visto esta maravi-
Ihosa arvore, nem ouvido nunca falar nella ; antes alguns se riram
muyto, como se Ihes preg^ntara algum gran disparate. Por onde
ja que nam se acha no parayso de Guixen Amba, onde o Author
a poe, certo he que nam se ha de achar em parte nenhuma do
mundo. Os pa^os reays, que faz como grandes alca^ares, altos e sum-
ptuosos, ja disse que sam tristes casas terreas cubertas de palha ;
nem ha la cima aquelle fermoso muro que pinta, nem ainda de pe-
dra ensosa, nem menos aquella artificiosa escada pera subir por-
dentro ; pois o caminho e entrada he por fora e tam aspero como
dissemos ; nem os soldados habitam em tendas, nem ao menos em as
invemadas, que sam muyto grandes, as puderam ter.
Todas estas cousas da a entender pag. 91, que escreveo por 7- Quae de ferti-
rela^am de Joam Balthesar, de quem diz que esteve em Guixen Balthesar^ctulitper-
Amba muyto tempo sirvindo a Alexandre, antes que fosse empe- P*"™ Urreta trans-
•^ ^ T x- tulitadMontemOui-
rador, e depois subio muytas veces por seu mandado. Mas eu nam x6m quem ipse Mon-
me posso persuadir que Joam Balthesar (posto que mentiroso) Ihe **" ™" *^^* **
84 HISTORTA DE ETHIOPIA
dissese que estavam em Guixen Amba todas aquellas cousas, se-
nam que Ihe falou de todo o reyno Amhara, e elle entendeo de
so Guixen Amba; porque, ainda que algumas cousas sejam fjbu-
losas, como que aja aquellas duas arvores e pereiras, camuesos,
palmeiras, balsamos, fontes artificiaes e jardins como os que pinta,
outras muytas das que diz se acham em aquelle reyno, que he muyto
fertil de frutas e mantimentos e ha muytos dos animaes, que nomea,
domcsticos c bravos. Tambem o paassaro [stc] que diz que he como
hum tordo com crista e barbas como gallo, se acha, nam em Guixen
Amba, senam perto em terra quente ; mas nam Ihe saem as penas
que diz da cresta, senam de detras, e viram sobre ella ; nem *sam f. 35-
de tanta ostima como affirma, posto que fermosas. E o mesmo au-
thor mostra que, falandolhe Joam Balthesar das cousas do reyno,
entendeo que de so Guixen Amba ; porque o titulo do cap. 8, onde
trata esta materia, diz: « Do montr Amara e de sua fortaleca e fer-
« tilidade »; e este nome nam pertence a aquelle monte so, se nam
a todo o reyno. E pag. 97 diz: que ate o nome que os theologos
dam ao parayso terreal, que ho, hortus delitiarum, pertence a
este monte, porque em a lingoa de Ethiopia a dicgam « Amara » si-
gnifica esto mesmo « horto de mimos, deleitos e recrea^oes » . Por
onde he certo que se equivocou, entendendo de so aquelle monte
o que Ihe disseram de todo o reyno, ainda que nam se ha de
escrever Amara, nem menos, como elle emmenda, Zahamahahra,
senam Amhara, que assi se chama aquelle reyno, e quer dicer,
se em todo rigor declaramos esta palavra Amhara, « pareceo bem >
ou « fermosa » ; mas tomase por cousa fermosa, e por isso Ihe de-
ram este nome [a] aquelle reyno que he muyto fertil e fermoso.
8. Canes in Ac- Com tudo, ainda que o author se eqiiivocase com este verbo
thiopia non rari, ut.,A« . jj^-r.
Urretadizit sed in- Amhara, huma cousa, que aqui poe, ouvera de advertir bem, pera
numeri. Item non ^am se contradiccr adiante, e he a que diz pag. 96, que os Prin-
Alexander, sed Na6d ^ . a * a
ultimua imperator cipes que se guardam em Guixcn Amba tem caes ventores, le-
^ucms ab Ambft j^j-gQg g sabusos pera suas monterias e entretenimento ; e pag. 254
affirma que em toda Ethiopia nam ha caes e que, se tracem alguns,
como acontece chegar naos de Europa e deixar alguns caes de Ir-
landa e Inglaterra, dentro de hum mes se vam consumindo e mor-
rem. Mas a verdade he que em toda Ethiopia sam tantos os caes,
que nam tem conto, como adiante diremos. Tambem he falso o
que aqui diz que Joam Balthesar sirvio em esta fortale^a Guixen
muyto tempo a Alexandre, antes que fosse Emperador; porque,
LIVRO I, CAPITULO VI. 85
como ja notamos no cap. i, o derradeiro principe, que de la tira-
ram pera Emperador, foi Naod, o qual, como consta dos Catalogos
dos Emperadores, que pusimos no capitulo precedente, avia 1 1 8 an-
nos que saira de la, quando frey Luis de Urreta imprimio sua Hi-
storia, que foi o anno de 610, e Joam Balthesar caminhava entam
pera os 70 como elle diz pag. 7; por onde, alguns 50 annos antes
que nacese Joam Balthesar, tiraram a este principe de Guixen Amba
pera que fosse Emperador e nunca mais saio de la outro pera isso.
Tambem se enganou muyto Francisco Alvarez no que diz fol. 77, 9« Franciscus Al-
*ji 1'^« ^ ' ' ^ jj t_ varcz quoque erravit
f- 35»v. *de sua histona, que estes pnncipes cstavam guardados em hum circa Guixto Ambft
valle entre duas serras muyto asperas, que se fecha com duas por- prop^cr imperitiam
•^ *^ ^ '^ Imguae aethiopicae.
tas e que a serra tem a roda quince dias de caminho e elle cami-
nhara poUo pe della dous dias. Mas os Principes nam estam em
valle, senam no alto de Guixen Amba, e as serras, que elle vio,
seriam humas muyto altas, que estam nao muyto longe e se cha-
mam Habela e tem passos muy asperos e estreitos, onde moram
muytos dos que sam obrigados a vigiar Guixen Amba, porque alli
tem suas terras, e como Ihe disseram que ninguem podia passar
dalli pera dentro so pena de morte e nam se via daquella parte
Guixen Amba, entenderia que no valle que esta entre aquelias ser-
ras se guardavam os Principes; o que facilmente Ihe podia suce-
der, pois nam sabia a lingoa da terra.
^
CAPITULO VII.
Em que se trata das duas igrejas e mosteiros
que ha em Guixdn Amb&.
Pera que milhor possamos declarar de onde tiveram principio x. Amiquitus Ae-
^. . V . • thiopes more alio-
estas igrejas e quam antiguas sejam, seia bem tracer a memoria rum gentilium supra
o que comummente todos sabem, que sempre foi costume da cega yertices montium
^ ^ , idolis sacnficare so-
gentilidade adorar seus falsos idolos e ofFerecerlhes sacrificios em iiti:quodettamnunc
os altos montes e debaixo das arvores frescas e sombrias ; o que ^*'" praestant.
tocou o propheta Hieremias, quando, reprehendendo ao povo de
Isrrael, por ter caido na mesma cegueira, Ihe disse com grande dor
e sentimento : « In omni coUe sublimi et sub omni ligno frondoso
tu prosternebaris meretrix » ; cap. 2^, O que sempre esteve muy
arraigado em Ethiopia como may da idolatria, se for certo que seu
rey Menna a inventou, como teve pera si Diodoro livro i e 4,
segundo refer frey Luis de Urreta pag. 29; e quando Ethiopia nam
fosse inventora, he certo que entraram nella muytos generos dia-
bolicos de idolatria, que ainda agora estam tam fixos em muytas
terras de christaos, onde ha gentios, que nam ha poder acabar de
tirar que nam adorem as cobras e outros animaes, nem ofFere<;am
muytcis sortes de sacrificios ao demonio em as fontes do Nillo e nos
mais altos montes que podem achar. Nem Ihe faltam ao demonio
ministros, que enganem esta barbara gente, antes ha entre elles
88 HISTORIA DE ETHIOPIA
muytos feiticeiros, que com artes diabolicas Ihe facem crer suas
falsedades e mentiras, particularmente com huma que acostumam
os que chamam Agous do reyno de Gojam, e he que em huma
das festas que facem a seus idolos, em que sacrificam *muytas f. 36.
vacas, ajuntam muyta lenha por mandado de seu feiticeiro e, como
acava o sacrificio, se cobre com a tea de sebo de huraa ou duas
vacas e asentandose em huma cadeira de ferro no meio de toda
aquella lenha, manda dar fogo e esta entre aquellas chamas ate
que se acava de queimar a lenha, sem se Ihe derreter o sebo que
tem cuberto, com o que aquelles miseraveis ficam enganados.
2. Eventus mira- Contando estas cousas hum gentio, homem grande, a hum cle-
bilis cuiusdam cle- . t i*^ ^ 11 ji 1 •
rici cum quodam J"!?*^» pera engrandecer sua maldita secta, Ihe respondeo o clerigo,
circulatore Agaus. q^^^^ ge elle o levase la seguramente o dia daquella festa, mostraria
claramente como tudo aquilo era engano e falsidade daquelle feiti-
ceiro, que tinha pacto com o demonio. Aceitou o gentio, por estar
muy confiado que nenhum poder tinha o clerigo contra seu feiti-
ceiro, e prometio do defender de maneira que ninguem Ihe ficesse
mal; e chagando o dia, foi com o gentio ao lugar do sacrificio, le-
vando escondido hum corninho de agoa benta, e acendendose o fogo,
como acostumavam, vio que, por mais que se alevantava a chama,
nam facia dano ao feiticeiro; pollo que, tirando a agoa benta, a botou
sobre o fogo, dicendo aquellas palavras do Psalm, 67: « Exurgat
Deus, et dissipentur inimici eius, et fugiant qui oderunt eum a facie
eius. Sicut deficit fumus deficiant, sicut fluit cera a facie ignis, sic
pereant peccatores a facie Dei ». Nam tinha bem dito isto, quando
ja o feiticeiro ardia, e sem Ihe poderem valer os circunstantes, em
pouco espa^o se fez em cin^a. O que causou a todos grande espanto ;
mas em lugar de se converterem, vendo aquella maravilha, se acen-
deram em tam grande raiba e ira, que ouveram de despeda^ar o
bom clerigo, se o gentio, que era poderoso, nam o defendera como
tinha prometido.
3. Ad toUendam Este infernal fogo da idolatria ardeo sempre em Ethiopia sem
memoriam idoli Da- ... -r^ ji
rhft aedificat Laliba- ^ averem nunca podido apagar os Emperadores, por mais que o
la in vertice Guixftn prucuraram assi com armas como con doctrina, ainda que, polla mise-
templum Deo Patri
et aliud B. Virgini. ricordia do Senhor, se vai agora apagando entre os Agous do reyno
de Gojam, por meio de dous Padres meus companheiros que la an-
dam, como diremos na fim desta historia e tem edificado igrejas
nos principaes lugares onde faciam suas feiticerias, pera tirar a
memoria dellas, que he o meio de que tambem usaram os Empe-
r
LIVRO I, CAPITULO VII. 89
radores pera o mesmo fim, edificandoas em os montes onde oife-
reciam sacrificios a seus idolos; o que particularmente ficeram em
f. 36,v. Guixen Amba onde, por *ser monte tam sinalado em altura e for-
talecja, como dissemos no capitulo precedente, faciam os gentios
antiguamente grandes sacrificios a hum celebre idolo, que la tinham,
a quem chamavam Darhe, nam dentro de sumptuosos edificios,
como diz frey Luis de Urreta cap. 9, senam debaixo de liuma mota
muylo grande que chamam Endod, que, como ja dissemos, nam se
faz arvore, mas, se acha em que se encostar, sobe como jazmin ou
edra e faz boa e fresca sombra. Mas pera tirar a lembran^a deste
maldito idolo edificou no mesmo lugar huma igreja pera Ethiopia
grande e formosa o emperador Lalibela, que reinou pollos annos
de 1210, e a dedicou a Deos Padre e assi Ihe pus nome Egzia-
beher Ab, scilicet « Deos Padre » ; e porque em esta nam deixavam
entrar as molheres a comungar, fez a gente da terra outra piquena
nam muyto afastada com invoca^am de Nossa Senhora.
Estas foram as primeiras igrejas que sc edificaram em Guixen 4* Na6d et OnAg
Amba. Depois fez oragam em a de nossa Senhora o emperador aedificat in amplio-
Na6d sendo principe, e prometeo de facer alli igreja grande se a remformamprimum
templumy quod a
Virgem gloriosa Ihe alcan^ase o imperio : e dalli a hum anno o ti- Granh postea igne
raram pera Emperador. PoUo que mandou derrubar aquella igreja ^^™ ustum est.
e facer outra grande; mas antes que se acabase morreo, e depois
a acabou seu filho Onag Qagued, que primeiro se chamava David.
He redonda como meia laranja, de pedra branca muyto fermosa,
e tem duas ordens de colunnas de pedra a roda. Sobre as intc-
riores huma abobeda da mesma pedra, e no meio esta hum altar a
que se sobe por sete degraos. O retablo sam quatro paineis de pincel
nam muyto grandes, hum de nossa Senhora, outro de Christo N. S.°'
crucifigado, outro de sam Miguel, e outro de sam Jorge, e todos
se tiram e poem quando querem. A segunda ordem de colunnas
faz tambem circulo, mas nam tem abobeda, senam madeira. Entre
huma ordem e outra ha sete covados de distancia; depois outros
sete covados mais pera fora esta fcita parede a roda com suas por-
tas, e dalii pera dentro nam pode entrar quem nam tem ordens de
diacono ; que as de subdiacono nunca as dam os Abunas separada-
mente, antes muytos tem peia si que nam dam mais que de diacono,
como veremos no 2 livro. Os demais homens e molheres ficam fora
em hum alpendre, que esta a roda e toda a igreja por cima esta
cuberta de palha, pollo que fica tam escura dentro que nam se pode
C. Bbccari. Rer, Aetk, Script, occ, tned, — II. 12
90 HISTORIA DE ETHIOPIA
ler sem candea. Esta igreja dicem que quis queimar hum capitam
del Rey de Adel que se chamava Granh, que la subio, como adiante
diremos, mas nam pode, ainda que tomou fogo *a madeira do tecto f. 37.
do alpendre e oje se vee comegada a queimar ; que de proposito a
deixaxam assi pera lembran^a de que nossa Senhora librou sua casa
do fogo dos mouros. Mas a de Deos Padre, que fez Lalibela, quei-
maram toda e depois ficeram outra de madeira piquena e cuberta
de palha.
5. De monachis et Destas duas igrejas tem cargo frades e clerigos: estes sam ca-
clericis qui custo- ja^- ^^ n/ jj- j
diunt ambas Eccle- sados. Antiguamente estavam nellas (segundo dicem quando muyto
8**** catorce frades e moravam perto dellas em casinhas terreas cubertas
de palha ; agora estam seis e de certo em certo tempo se vam estes
e vem outros dos mosteiros que estam embaixo no campo. Os cle-
rigos sam trinta e o superior delles se chama Lica Cahenat, sci-
licet « Lica dos clerigos ». Parece que corresponde a Prior. Estes
estam de ordinario la cima e moram com suas molheres em casi-
nhas como as dos frades, cujo superior se chama Memeher, scilicet
« mestre ». Toda quanta gente mora a cima, homens e molheres,
seram docentos, mas antiguamente eram muytos, como diremos
adiante no capitulo 10.
6. Refenintur ea Do que temos dito se vee claramente quam enganossa infor-
vh^^cYK» ^orii^nem ma^am deo Joam Balthesar a frey Luis de Urreta sobre estes edifi-
et stnicturam ista- cios, pois diz pag. 93 que sam dous templos tam antiguos, que se edi-
rum ecclesiarum et <-. 1 1 j 1
confutantur. ficaram antes da reynha Sabba, hum em honrra do sol e outro em
honrra da lua, os mais sumptuosos e magnificos que ha em toda
Ethiopia; os quaes a reynha Candace, quando se convirtio e bau-
tizou polla prega^am do eunucho, os consagrou em honrra do Santo
Spirito e da sancta Cruz, porque, subindo ella la cima a bautizar
os da linea imperial e estirpe de David, que alli estavam guar-
dados, como estam agora, estando ella em este santo exercicio bau-
tizando aos Principes, vio que andava avoando huma fermosisima
pomba toda ardendo em vivo fogo e lanQando raios de luz seme-
Ihante a aque representou o S. Spirito em sua vinda sobre os Apo-
stolos, e depois de bom espa^o que audou pollo ar a vista de todos,
se asentou sobre o mais alto do templo do sol. Por isto a Reynha
consagrou aquelle templo ao Santo Spirito, e o da lua a s."'* Cruz.
E deppis os consagrou o Evangelista s. Matheus com a mesma ad-
voca^am, quando foi a pregar a Ethiopia. E mais adiante pag. loi,
onde trata isto de proposito, diz assi:
LIVRO I, CAPITULO VII. 91
« Estas dos iglesias, que la una se intitula del S. Spiritu y la
« otra de S.** Cruz, son las mas sumptuosas y magnificas que ay
« en toda la Ethiopia, los mas altos, hermosos y apuestos edificios,
« los de mejor tra^a, artificio y architectura, y los mas ricos; por-
« que, como los antigxios los hicieron en honrra del sol y de la
f. 37.V. « luna, que eram sus dioses mayores, echaron el resto de *sus ri-
< que^as los Emperadores antiguos i^era su adorno y hermosura, y
« despues aca siempre se han ido perficionando. Sera cada una de-
« stas dos iglesias en grandega y tamaiio a la medida de la santa
« y magnifica iglesia mayor de Sevilla ; solo se diferencian en que
« no tienen sino tres naves, cuya cubierta es de bobeda de piedra,
« y carga sobre paredes muy anchas y fuertes, sobre muchas co-
« lunas muy hermosas y ricamente labradcis ; las piedras todas son
« preciosas, jaspes, alabastros, marmoles, porfidos y muchas de
« granate fino, que en ciquel tiempo no las conocian. Hallanse gran-
« des peda^os en el Rio Negro, y otras muchas piedras de mucha
< hermosura y valor, que puestas en orden hacen obra y atavian
< mucho el hedificio. Ay muchas capillas muy doradas con sus cor-
< nijas, labores, relexos .de grande tra^a y architectura, con sus al-
« tares de pictura de pincel. Y junto con estos dos templos se han
« labrado dos monasterios de religiosos monges de s}^ Anton, los
« quales son de los mas hermosos y gallardos que tiene la dicha
« orden, teniendo muchos y de mucha magestad. En cada uno dellos
« ay cavalleros militares comendadores de la Cruz de s.*° Aiiton y
« ay monges sacerdotes que tambien son cavalleros de la misma
« orden, y tambien tienen legos y familiares que llevan el Tau en-
« tero de santo Anton sin las florecitas que llevan los cavalleros
« y monges sacerdotes. Avra en cada convento entre todos, com-
< prehendiendo estos tres estados, cerca de mil y quinientos, de
« suerte que entre los dos monesterios avra tres mil Religiosos, los
« quales siempre estan en lo alto del monte assistiendo al servicio
« de sus iglesias y monesterios y al de aquellos illustrissimos Prin-
« cipes. Ay en cada monesterio dos abbades, uno espiritual, que le
« llaman en su lengua Abbas, y otro abbad militar de solos los
« cavalleros y nombranle Abbas Coloham, y el mayor es el espi-
< ritual *.
Ate aqui sam palavras do Author, que se se cotejarem com o
que a cima dissemos, se vera quam g^ande ficcjam e patranha he
o que aqui meteo em cabe^a a frey Luis Joam Balthesar ; pois nam
92 HISTORIA DE ETHIOPIA
somente antes da reynha Sabba, mas nem ainda depois ouve nunca
templos de idolos, nem menos igrejas ate o emperador Lalibela,
que ha pouco mais de 400 annos que as come^ou a hedificar. Por
onde mal as podia dedicar a reynha Candace ao S. Spirito e a santa
Cruz, pois, demais de que nam tem, nem tiv^eram nunca taes nomens,
senam Egziabeher Ab, scilicet « Deos Padre » e Nossa Senhora, a rey-
nha foi mais de mil annos antes em tempo dos Apostolos, porque santo
Philippe bautizou ao eunucho que a convirtio, nem ella podia bau-
tizar em aquelle monte de Amhara os da linea imperial e estirpe
de David, porque o primeiro que os comegou *a meter la foi Udm
Arad, que meteo seus irmaos poUa re^am que dimos no fim do ca- f. 38.
pitulo I, e isto foi pollos annos de 1295. Nem sam Matheus podia
consagrar aquellas igrejas, pois se ficerao tantos tempos depois de
sua morte. Antes muytos frades velhos, que sabem as historias de
Ethiopia, me disseram por veces que s. Matheus nam chegara a
aquellas terras do reyno do Amhara.
Quanto ao que diz dos cavalleiros militares comendadores da
Cruz de s.*° Antam e os monges sacerdotes, que tambem sam ca-
valleiros e da mesma Ordem, no fim do z^ livro veremos quam fa-
bulosa fabula seja esta, porque nem ha, nem ouve nunca em Ethiopia
tal modo de Religiam.
CAPITULO VIII.
£m que se trata da livraria de Guix6n Ambli.
As fabulas e mentiras de Joam Balthesar (se todas sam suas) x. Cur Auctor rc-
rT-jTT^ ■!_ j. j. ' futet ea, quae com-
que moveram a frey Luis de Urreta a escrever sobre esta matena nientus est Urreta
hum capitulo muy cumprido, me obrigaram a mi a facer este, pu- c*^.*^ bibliothecam
existentem in Gui-
dendose declarar tudo no precedente junto com o que dissemos das xftn AmbA.
igrejas (onde elle affirma que esta a livraria e se guardam os the-
souros do Emperador), nem fora necessaria muyta escriptura, se se
ouvera de contar singelamente a verdade do que passa. Mas por-
que diz muytas cousas tam fora della, que nam he bem que fiquem
sem se declarar, fa^o esta distingam de capitulos, em que primei-
ramente porei o que elle diz, com a mayor brevedade que puder,
e depois o que passa a cerca desta materia.
Tendo pois falado o Author da livraria de Alexandria, em
que diz avia setecentos mil volumens de livros, e da livraria de Con-
stantinopla, em que estavam cento e vinte mil livros, diz assi pa-
gfina 103:
« Estas famosas librerias y todas quantas han tenido nombre a. Descriptio Bi-
r . . j 1 r 1 • • bliothecae ab Urre-
« y fama, no tienem que ver y perderan la fama y gloria, si se ^ facta.
« pusieren en cotejo con la libreria que el Preste Juan tiene en el
« monesterio de s.'* Cruz del monte Amara, porque los libros que
« tiene son innumerables y no ay quenta. Basta saber que la reynha
94 HISTORIA DE ETHIOPIA
« Sabba empego a juntar libros de muchas partes y por en ella
« muchos libros que le dio Salomon y otros que le embiava a la
« contina, y de aquellos tiempos siempre los Emperadores han ido
« afiadiendo libros con grande cuidado y curiosidad. Son tres salas
« grandissimas cada una de mas de docicntos passos de largo, donde
« ay libros de todas ciencias, todos en pergamino muy sutiles, delga-
« dos y brunidos, con mucha curiosidad de letras doradas y otros la-
« bores y lindec^as, unos enquadernados ricamente con sus tablas,
« otros estan sueltos como processos rollados y metidos dentro de
« unas *bolsas y talegas de tafetan. De papel ay muy pocos, y es f. 38,v.
« cosa modcrna y muy nueva entre los de Ethiopia. El aranzel,
« que se truxe al Sumo Pontifice Gregorio 13° es el siguiente ». Aqui
poe hum Catalogo de livros muyto cumprido, que me pareceo des-
necessario trcsladar, porque os menos dos que aponta se acha-
ram em toda Ethiopia, que nam ha sciencia nenhuma de que nam
ponha muytos authores e de so hieroglificos e symbolos diz que
ha mais de quinhentos livros. E no fim do catalogo pag. 107 diz:
« Esta tabula, que he puesto en este capitulo es parte de un
« indice y aranzel que higo de todos ellos Antonio Grico y Lo-
« rengo Cremones embiados por el papa Gregorio 13 a instancia
« del cardenal Zarleto, los quales fueron a la Ethiopia solo para
« reconocer la libreria en compaiiia de otros que eran embiados
« para lo proprio, y vinieron admirados de ver tantos libros que
« en su vida [no] vieron tantos juntos y todos de mano y en parga-
« mino y todos niuy grandes, porque son como libros de coro con
« el pargamino entero, con los estantes de cedro muy curiosos y
« en tan diferentes lenguas.
« La causa por donde ay tantos libros es por la curiosidad y
« diligencia que han tenido siempre los Emperadores de cogellos
« desde el tiempo de la reynha Sabba y en todos los trabajos que
« padecieron los Judios por los Babylonios, Assirios, Romanos siem-
« pre los Emperadores de la Ethiopia procuraron aver los libros.
« Tan grande ha sido el cuidado, que quando supo el Emperador de
la Ethiopia llamado Mena que el emperador Carlos Quinto avia
ganado la ciudad de Tunez, teniendo noticia que el rey Muleases
« tenia una copiosa y rica libreria, embio a los mercaderes de Egypto,
« de Roma, Venecia, Sicilia y otras partes que a su costa compra-
« sen los libros que llevavan los soldados, que, como eran en ara-
« bigo, los davan devalde ; y desta manera junto mas de tres mil
LIVRO I, CAPITULO VIII. 95
4 libros de astrologia, medicina y yerbas, mathematicas y otras
« curiosidades ; y con esta diligencia continuada por tantos mil anos,
« desde los tiempos de la reyna Sabba hasta el dia de oy, no ay
« que espantar que diga yo que ay mas de un millon de libros y
« aun pienso quedar corto y muy corto.
« Tienese con esta libreria muy grande cuidado, porque es la
« cosa mas preciosa que tiene el imperio. Y de los monges de la
« Abbadia dc la Cruz ay seiialado mas de docientos monges, que son
« libreros y acuden a la limpie^a, guardia y incolunnidad de los li-
« bros; y cada lunes hacien subir trecientos o cuatrocientos soldados
« de los de la guardia, que residen al pie del monte Amara, los qua-
« les barren las salas, limpian los libros y sacuden el polvo, y hacen
« todo lo que les mandan estos Religiosos. wSon libreros conforme
4 a las lengucs que saben, porque todos son muy doctos en ellas;
f. 39. « tienen quenta *de los libros que estan escritos en la lengua de
« la qual ellos tienen noticia; los quales los miran no se coman de
« polilla, reconocen las letras no se borren. porque, como son en par-
« gamino, es cosa facil, y acuden a todo lo que falta.
« Quando coronan a los Emperadores, les dan las llaves del
« thesoro y juntamente la llave de la libreria, y el Emperador la
« da al Abbad espiritual del monesterio de la s}"^ Cruz, donde esta
« la libreria y le encarga mucho el cuidado, custodia, vigilancia y
« curiosidad de los libros, diciendo que los precia mas que todos
« sus thesoros, pues esos, aunque falten minas, tiene el imperio,
« pero los libros de aquella libreria son unicos en el mundo ^.
Ate aqui sam palavras de frey I.uis de Urreta, em que ha 3. Antiquitus ad
_^ j. j j j summum aoo volu-
muytopoucas que digam com a verdade do que passa; porque pn- mina msa. prope Ec-
meiramente toda esta tam grande e famosa livraria que pintou Joam clesiam Dei Patris
servabantur: sed post
Balthesar, ou quem informou ao Author, se resolvia antiguamente incendium tempore
em obra de docentos livros, que os Emperadores foram la pondo. ^pUu^Jfuam viSn^
Porque he costume, que dura ate oje, quando entra hum Emperador, ti volumina modo
asservantur ibi.
facer tresladar os livros que tinha seu antecessor, e, ficando com os
novos, da os outros a igreja que quer; e destes e alguns se Ihes
vinham de fora, que disso nam achei quem me soubese dar re(;am,
juntaram la aquelles livros casi todos em pargaminho, que pera
Ethiopia sam muytos, porque nam ha impressam e tardam muyto
em escrever hum livro, por ser sua letra vagarosa, que nam se en-
cadea huma com outra, que he casi do corte da hebraica. Mas nam
escrevem pera a mao izquerda comc os Ilebreos e x\rabios, senam
96 HISTORIA DE ETHIOPIA
pera a dereita como nos. Mas poUos annos de 1528 saio do reyno
de Adel hum mouro por nome Mahamed e, por ser izquerdo, o cha-
mam comummente em Ethiopia Granh, scilicet izqnerdo e a sa-
(;tom era Guazir del Rey de aquellas terras, que he tanto como Go-
vernador, e entrou por estas com exercito e foi tomando ate chegar
a Guixen Amba, e hum seu capitam subio por huma parte que Ihe
mostrou a gente da terra e queimou a igreja de Deos Padre, onde
se perderam muytos livros e outros levaram os soldados pera os
venderem a a gente da"*terra que se Ihes tinha sugetado. Pollo que,
se Joam Balthesar, como diz frey Luis, hia pera os 70 annos no
de 610, mal podia dar regam de vista desta livraria, mas ouviria
dicer que era muyto grande, que cousas piquenas *engrandecem f. 39.v.
muyto os Ethiopes, e por isso falaria con tanto encarecimento. Quanto
agora, nam estam em amas as igrejas mais que vinte livros pouco
mais ou menos, e cuatro, que sam os maiores, nam sam de parga-
minho enteiro se nam de meio, mas hum que trata de milagres de
nossa Senhora tem muytas letras de ouro. C)s estantes nam sam
como os pinta frey Luis, senam muyto ordinariamente lavrados.
4 Reliquae fabu- Acerca do que diz que a reynha Sabba come^ou a juntar alli
lae Urretae circa bi- ,. , ^ , ivjoi 'j-
bliothecam refutan- hvros de muytas partes e pos os que Ihe deo balomam, ja disse-
^' mos no capitulo precedente que em Guixen Amba nam ouve nunca
templo de idolos, nem edificio onde se guardasem os livros; nem
a reynha tinha neccssidade de guardar la os livros que Ihe daria
Salomam, nem os mais que ella quisese guardar, quando possuia
tam pacificamente seu imperio, como vimos no cap. 3, e estando
em huma cidade tam forte e de edificios tam sumptuosos e insi-
gnes, como mostram agora bem as ruinas de Ag^um ; e se nam os
queria ter com sigo (o que nam parece provavel, pois eram tam
preciosos os de Salomam), ouvera os de por em Amba Damo, hum
dia de caminho de Ag^um, que he muyto mais forte que Guixcn
Amba, a qual esta catorce dias de caminho, e pode ser que naquelle
tempo ninguem sabia parte della, senam que eram matos fechados.
As igrejas ja la tambem dissemos que come^aram pollos annos
de 1210, em tempo do emperador Lalibela, e nenhuma se dedicou
a s.'* Cruz, senam a Deos Padre e a Nossa Senhora. Nem pude
nunca achar quem tivesse ouvido que os Emperadores mandasem
tracer livros de outros reynos pera juntar alli, c muyto menos que
outros o ouvera de facer Minas, a quem elle chama Mena, porque,
demais de ser pouco curioso de livros e nam ter comercio nenhum
LIVRO I, CAPITULO VIII. 97
com os mais das terras que nomea o Author, cuatro annos que
durou no imperio, teve bem que facer em se defender dos Turcos,
que o desbarataram no reyno de Tigre, e de seus mesmos capitaes
que se Ihe revelaram em muytas partes, por ser tam aspero e in-
tractavel como era.
Nem os soldados do emperador Carlos Quinto se haviam de
carregar em Tunez de tantos livros em arabio, que nam Ihes apro-
veitavam pera nada, e quando levasem alguns, ja os aviam de ter
botado ou espalhado de maneira que nam se pudesem juntar, quando
come^ou a reynar Minas, que entam se chamou Adamas Qagued;
porque elle entrou no imperio em margo de 1559, e Tunez foi to-
mado 24 annos antes no anno de 1535. E se, como o Author af-
f. 40. firma pag. 156, *todos os livros, que estam em aquellas tres salas,
sam em lingoa grega, arabia, egipcia, sira, caldea, hebraica e abes-
sina, os mais delles aviam de ser de papel e ainda muytos impressos,
porque estas na^oes estrangeiras casi nunca escrevem em parga-
minho; e toda via elle affirma que de papel ha muyto poucos; e o
mesmo dicem os parentes do Emperador a quem preguntei.
Quanto aquelle tam grande numero de tres mil livros de astro-
logia, medicina, hervas e mathematicas, que diz que estam la, ainda
que nam falara de agora que ha tan poucos, senam dos de pri-
meiro, nem se podia verificar, pois todos nao eram mais que como
200, nam os que entam estavam, nem os que agora estam em arabio
me souberam dicer de que tratavam. Mas o que eu achei ainda em
os mais letrados he que de estas sciencias sabem pouco mais de
nada, tanto que fa[la]ndo com elles sobre cousas muyto ordinarias de
meteuros e do curso do sol, se Ihes faciam muyto novas e alguns
deciam que o sol nam dava volta por debaixo da terra, senam que
se pondo a nosso orizonte virava a roda della, e que o facer sombra
a terra era por causa de huns altos montes que la avia; ate que
Ihes mostrei como isto nam podia ser; e muyto mais se maravi-
Iharam porque, falando eu com o Emperador sobre os effeitos da
lua, Ihe disse : De oje en 1 5 dias avera ecclipse da lua toda e co-
megara aqui a as duas horas e tres quartos depois da meia noite
pouco mais ou menos, e em Portugal a as 12 horas e dous mi-
nutos (que foi o de 26 de agosto de 16 16). Disseram todos que como
se podia saber o que estava por vir e sinalar nam somente o dia,
senam a hora [?]. Respondi que muytos annos antes escriviam os ec-
clipses que avia de aver do sol e a lua sem errar hum ponto, poUo
C. Bbccari. R€r. Aeik, Scrt^» occ, ined, — II. 13
gS HISTORIA DE ETHIOPIA
conhecimento que tem de seu curso, e que atentasem por este, e
veriam se era certo ou nam. O que elles ficeram com tanto cui-
dado, que ate o Emperador se alevantou muyto antes, e em come-
gando a se escurecer a lua, saio ao terreiro diante da porta do pa^o
e esteve em pe olhando grande espago. Depois me disse que Ihe
escrevese em sua lingua quando avia de aver outras, e dandolhe
juntamente pintado o que avia de tomar da lua, folgou muyto de
ver e disse que nada disto sabiam os seus. Nem de medecina sabem
cousa nenhuma, e assi, quando adoecem, nam so a gente pobre, mas
os ricos e senhores grandes, *morrem sem facer remedio nenhum, f. 4o,v.
ainda que a doen^a seja cumprida. E achando pouco tempo ha o
Emperador hum livro de ^urugia [sic^ em castelhano, que trouxe dom
Christovao da Gama, quando veio com os Portugueses a socorrer
este imperio, me pidio Ihe tresladase em sua lingoa algumas cousas
de que agora se aproveitam; pollo que cuido que nenhuns livros
de medicina ha em Guixen Amba; que nam he possivel que nam
os ouveram tresladado, ou ao menos souberam algiima cousa delles.
7.Fal8ume8tpon- O que o Author affirma que o Catalogo dos livros que aponta
tificem Greeorium j- a ^. • /-' • t /-^ -r:«^i_ •
XIII misisse Roma ^ "Ceram Antonio Grico e Louren^o Cremones, que vieiam a Ethio
duos doctos viros ad pja mandados polla Santidade de Grecforio 1 3 so pera reconhecer
faciendum catalo- . ,
gum iUius bibliothe- esta livraria, saberse ha milhor em Roma onde estaram os papcis,
^stoder ^rfo^^o! P^^^^^ ^^ "^"^ h^ lembran^a disso, antes preguntando a muytos
Hi non sunt nisi 14 frades velhos e gente da terra e a alguns Portugueses e a hum
pro utraque Bccle-
8ia et clerici 30. Veneciano, que se chama Joam Antonio e ha muytos annos que ca
esta, todos disseram que nunca taes homens vieram, senam hum
que se chama Claudio, que morreo ca, e outros dous Hieronino e
Contarino, que poUos annos de 1596 pouco mais ou menos se foram
pera India. Mas seja o que for de Antonio Grico e Lourengo Cre-
mones, a huma cousa nam sei dar saida, que, avendo em tempo de
Gregorio 1 3 em esta livraria mais de hum milhom de livros (como
o Author diz), aja agora tam poucos como a cima dissemos, sendo
cousa certa e sabida de todos os de Ethiopia que, daquelle tempo
pera ca, nem se tiraram, nem se perderam nenhuns, segundo testimun-
haram principalmente os que de muyto antes ate agora moraram la.
Tambem o numero de mais de docentos monges da abbadia
da Cruz, que diz estam sinalados pera livreiros, he muyto grande ;
pois, como ja dissemos no cap. 7, nunca os frades, que estavam la
cima em amas as igrejas, passaram de catorce, nem os clerigos de
trinta, nem ha, nem ouve nunca tal abbadia da Cruz.
CAPITULO IX.
Em que se mostra que nenhum thesouro teve nunca o
Preste Joam guardado em Guixdn Ambli.
Se foi cumprido frey Luis de Urreta en falar da livraria de x. Fabulae Urre-
Guixen Amba, muyto mais o he em tratar dos thesouros, que ima- ^j^ntitotc aiS*^ quae
ginou, ou Ihe* meteram em cabe^a, que tinha la guardados o Preste asscrvatur in Ambft
. Quixta coUecta a
f. 41- Joam, *porque faz dous capitulos, lo e ii,sobre esta matena tam temporc reginae Sa-
cumpridos, que nam he piquena penitencia serlhe for^ado lerlos a ****
quem tem outras cousas que facer, principalmente se sabe quam
fabulosas sejam todas quantas nelles diz ; poUo que, ainda que re-
fera suas palavras, nam seram mais que aquellas que ficerem mais
a proposito, pera em soma dar noticia de seu intento, que he an-
tepor os thesouros e rique^as do Emperador de Ethiopia aos de
quantos reys ha e ouve no mundo; e assi depois de advertir que
nam quer falar das muytas minas, de que he abundante e rica Ethio-
pia, diz pag. 112: < Solo pretendo dicer el thesoro que esta guar-
« dado en el monte de Amara en el monasterio de la Cruz junto
« con la libreria, el qual es de tan inmensa rique^a, que me atrevo a
« decir y digo confiadamente que ningun Rey del mundo, ni an-
« tiguos, ni presentes, ningun imperio ni monarchia, aunque entren
« en esta cuenra los cuatro nombrados en el orbe, babylonios, per-
« sas, griegos y romanos, con todas sus victorias, triumphos y de-
ICO HISTORIA DE ETHIOPIA
< spojos ricos, tuvieron tanto oro junto, ni piedras preciosas como ay
« recogido en el monte Amara » . E mais adiante pag. 114: c El the-
c soro, que esta en este monte, es tradicion en toda la Ethiopia que
« come<;ou a juntarse desde la reyna Sabba y desde aquellos tiem-
« pos tan antiguos cada aiio ponen y athesoran tantas rentas y ri-
« que^as, como tienen los Emperadores dc la Ethiopia, y nunca
« sacan cosa ninguna, porque dello no tiene necessidad el Preste
« Juan, porque las ciudades del imperio, segiin la costumbre antigua,
« pagan toda la gente de guerra, la guardia de su persona y pa-
« vellones y monte de Amara, y para el gasto de su corte y casa
« estan senaladas las rentas de tres poderosos reynos, el de Saba,
« Zambra y Gafate, los quales sobradissimamente contribuyen para
« estos gastos; y la renta de los otros reynos, que son 59, queda
< libre y horra, que siendo tan pingue, porque todos los reynos
« son ricos de minas de oro y plata y muy poblados, recogiendose
« en el thesoro del monte Amara por espa^o de tres mil anos, con-
« sidere el letor quc de oro se abra recogido y guardado, que certo
« excede toda medida y cuenta. Pues si en tiempo de la reyna Sabba
« (diz pag, 115) avia tantas riquecjas de oro y plata y desde entonces
« hasta el dia de oy se recogen y guardan las rentas, el oro y
« plata a que numero de millones avra Uegado? Los mismos the-
« soreros y contadores del imperio no lo saben apreciar, sino que
« siempre hablan con admiracion y encarecimiento. Las salas donde
« se guarda el thesoro son cuatro bastantemente g^andesy espaciosas.
« Antiguamente se guardava el oro en estas salas *de la manera que f. 4^^.
« lo sacavan de las minas con toda su escoria: lo mas puro era lo que
« sacavan del Rio Negro y otros rios en pedagos y a veces harto
« grandes. Duro esta custumbre hasta el emperador David, al qual
« un portugues Uamado Miguel de Silva le dio por consejo que
« fundiese todo aquel oro en tijuelos y barras para que se g^ar-
« dase con mas comodidad. Hi^olo el Emperador y Ueno todas aquel-
« las cuatro salas desde el suelo hasta la techumbre de rimeros de
« ladrillos de oro en quadro de un palmo de largo y ancho y tres
« dedos de canto. El oro es finissimo, porque ay ladrillos que se do-
« blan y roUan como se fueran de masa, que ya tiene fama el oro de
« Arabia y de la Ethiopia de muy fino y precioso. Abra en cada sala
« echando el juicio a monton, segun dicen personas que lo han visto,
« Venecianos y Portugueses, mas de trecentos millones, que, siendo
« quatro las salas, seram mas de doce veces cen millones ».
LTVRO T, CAPITULO IX, lOI
Diz mais pag. iiS: « El emperador Alexandro 3°, que murio a. De nummis au-
« ano de 606, vendo que todos lo principes christianos hacem batir "*' ^* argcnteis.
« moneda, gravando en ella su figura y armas, determino batirla
« con parecer del g^an Consejo y de todo el clero y sacerdotes de
« la Ethiopia, los quales viendo que era muy grande policia y jun-
^ « tamente mucho provecho y comodidad para los que contratavan,
« salio determinado y resuelto del Consejo que se acunase moneda
« por todo el imperio, pero que la figura no fuese redonda sino
« larga como un ovado y en la una parte esta gravada la imagen
1 « del glorioso apostol y evangelista san Mateo patron de la Ethio-
« pia, y 'en el reverso de la moneda la figura de un leon con una
« cruz empunada en las manos, que son las armas de los Empera-
« dores. La letra, que anda por la orla, es a la parte del leon : ' Vi-
« cit Leo de tribu Juda ', y donde esta la figura de san Mateo:
« * Aethiopia praeveniet manus eius Deo \ La plata, de la qual se
« ha hecho poca mencion, es porque ay poca en comparacion del
« oro: y antiguamente no la sabian lavrar ni cuidavan mucho della.
« Agora se lavra y sirve de moneda y se aprovechan della para
« contratar con mercaderes de otras naciones, porque no se puede
« sacar oro del imperio, sino solo la plata ».
I Em a mesma pagina, come<;:ando a tratar das pedras preciosas
do thesouro, diz assi :
« Quiero hacerme una vez lapidario sin serlo, pues nos da mo- 3, De lapidibus
« tivo el presente capitulo y la corriente de la historia, tomandonos ^^j^^" * *^^* ^^"
« de la mano, nos ha entrado en la sala delas joyas y piedras pre-
« niosas, que junto a las salas del oro en el monte Amara en el mo-
« nasterio de la Cruz tiene el Preste Juan. La qual sala esta ro-
f 42. « deada de caxones muy grandes, de cedro unos, otros *de evano
« muy guarnecidos y con fuertes cerraduras : en cada uno de los ar-
« caces esta el nombre de las piedras que ay dentro. La sala es
« muy grande y estando llena de piedras preciosas es inestimable
« el valor y precio della. No se sabe quando los Emperadores dela
« Ethiopia empegaron a juntar piedras preciosas, porque l£is que
« tenia la reyna Sabba se guardan oy dia en la ciudad de Sabba
« en la iglesia del Spiritu Santo, donde ella se enterro. En entrando
« por la sala, luego se ofFrecen unos caxones muy grandes llenos
«^ de esmeraldas muy ricas, las quales piedras son de mucho valor,
^ « por ser verdes resplandecientes y tanto que no ay cosa criada
« tan verde como ellas, ni que mas recree y deleite la vista. Ay
I02 HTSTORIA DE ETHIOPIA
c en estas arcas grandissimos pedagos, porque entre todas las pie-
« dras preciosas la esmeralda es de la qual se han hallado mayores
« piedras ».
Pouco mais adiante vai dicendo que hum Rey de Babylonia
presento a otro de Egypto huma esmeralda que tinha cuatro co-
vados de cumprido e tres de largo, e que na cidade de Tyro no
templo do Deos Hercules avia huma colunna muy grande toda de
huma esmeralda, e outra em Egypto no templo de Deos Jupite[r] de
40 covados de cumprido e por huma vanda cuatro de largo e por
outra dous, de sos cuatro esmeraldas, e em hum dos labyrintos de
Egypto avia huma estatua que tinha nove covados de alt# de huma
so esmeralda; e que he tradi<;;am em Ethiopia e o tem por certo
quc estas tam grandiosas esmeraldas se levaram de Ethiopia, e ainda
ojc se acham e se guardam entre as outras joyas peda^os gran-
dissimos de esmeraldas; e que el Preste Joao tem pratos, tixellas
e jarros foitos de esmeraldas e outras pedras preciosas. Daqui vai
discurrendo por todos os nomens que ha dc podras preciosas, e de
cada sorte dellas henche grandes cofres dicendo : « Hay otras arcas,
« unas de diamantes muy preciosos, otras de rubis los mejores del
« mundo y algunos tan grandes com un dedo pulgar. Las piedras,
« de las quales ay muy grande abundancia en esta sala, son tur-
« quesas, zaphiros, topacios, bageles; hay jacintos, y algunas ama-
« tistas; tambien ay arcas de ctysolitos, aunque no las tienen en
« tanto precio. De calcedonias ay mina y de la piedra agata ay
« muchas; pero no se sabian aprovechar hasta que unos oficiales
« embiados por el duque de Florencia Francisco de Medicis la-
« vraron muy hermosos camafeos. De perlas ay muchas arcas
« llenas, assi de la India oriental, como de Ormuz, como del Rio
« Negro. Ay perlas muy grandes de tal suerte, que quando las vido
« Bernardo Vecheti famoso *lapidario que fue embiado por el duque f. 42.V.
« Francisco de Medicis, dixo que Lenia por cierto que las perlas tan
« nombradas, que servian por (^arcillos a la reyna Cleopatra, no po-
« dian ser mayores que las que alli estavan guardadas ».
4. De quodam pre- Diz mais pag. 127: « Entre las muchas piedras ricas y de
tioso lapide mirae ^ orrande precio que tiene el Preste Juan de quien se pudiera hacer
magnitudinis et ope- & x- ^ j -1 i-
ris singularis. « aqui memoria, ay un penasco y peda^o de roca de piedra guija-
« reiia, que se hallo dentro del Rio Negro (que es el rio que cria
« mas piedras preciosas de quantos tiene el mundo), en cuya lavor
« no parece sino que la industriosa naturale^a se desocupo y de-
LIVRO I, CAPITULO IX. 103
« sembara^o de las obligaciones forgosas y, esmerando sus dedos y
« repuliendo sus manos, labro un cielo estrellado y quiso poner jun-
« tas todas las piedras preciosas que por diversas partes del mundo
« suele criar repartidas. Es este penasco cuadrado, tiene dos palmos y
« medio y cerca de tres por cuadro; de canto tiene por ordinario de mas
« un palmo y por donde menos cuatro dedos : la piedra es aspera y
« grossera como la de los escoUos donde baten las olas del mar; en el
* qual engasto la naturale^a mil dlfFerencias de piedras preciosas. Ay
« mas de ciento y sesenta diamantes, unos tan grandes como la palma
« dela mano, otros de dos y tres dedos de ancho, otros como un dedo
« pulgar largo, y el menor sera como una abellana gruessa, todos finis-
« simos y de subidos quilates. Ay mas de trecientas esmeraldas gran-
« des y pequenas ; rubies los mayores del mundo ay mas de cinquenta,
« algunos como el dedo indice ; ay zafiras, turquesas, balaxes, ama-
« tistas, espinelas, topacios, jacintos, crysolitos, enfin todo genero
« de piedras preciosas. Sin esso veense encaxadas algunas pedre-
-s citas pequenas muy hermosas que no se les sabe nombre; enfin
« es un milagro y prodigio de la naturale(;a. Puesto al sol es tanta
« la refulgencia y belle^a que tiene, que no ay vista en el mundo,
« ni hermosurai que se le iguale. Quando le vido Bernardo Vecheti
« embiado par el duque de Florcncia Francisco de Medicis, con
« ser hombre muy cntendido en piedras, quedo admirado y dixo que
« no tenia precio y que excedia toda estima. Tiene la el Empe-
« rador dentro de un encaxc de oro cubierto con un tablon de oro
« fino y por persuasion del dicho Bernardo hi^o lavrar dos bufetes
« de oro y en ellos ha engastado millares de piedras preciosas, esco-
« giendo las mas ricas y hermosas que ay en el guardajoyas, y
« dellos se sirve para quando vienen embaxadores de los reys de
« Europa, a los quales recibe arrimado y apoyado en un bufete
« destos *.
f. 43. Ate aqui sam palavras de frey Luis de Urreta, a que *facil- 5. Auctor deridet
mente puderamos responder, que este tam immenso e inestimavel the- ^^^^^ * *"*™
inventorem.
souro era como aquelles thesouros que fingem encantados, que nam
se podiam ver; e mais seus encarecimentos e modo de referir a
historia sam muyto semelhantes aos que usam os que tratam de-
stas fie^oes; pois affirma que estan cuatro salas grandes e espa-
^osas cheias do cham ate cima de tijolos de ouro de tres dedos de
grosso e ta:u fino que se dobra como masa: cousa maravilhosa que
demais de tam grande multidam de ouro seja tal que tijolos de tres
I04 HISTORIA DE ETHIOPIA.
dedos de grosso se dobre e enrole como se fora de masa. Nem
nos ouvera de ser de menor admira^am, se nos fora concedido en-
trar em aquella sala das piedras preciosas, onde a corrente da hi-
storia meteo polla mao ao Author ; pois de huma e outra parte esta
rodeada daquelles tam grandes e bem gnarnecidos caixoes, cheios
de tam fermosa e rica pedraria. Mas sobre tudo ouveramos de ficar
atonitos e pasmados, se nos levantaram aquelle tablom de fino ouro,
com que esta cuberto o penhasco em que a industriosa nature^a,
disocupandose das obriga^oes forgosas, se esmerou tanto que pus
nelle juntas todas as pedras preciosas que por diversas partes do
mundo acustuma a criar repartidas. Sem duvida que vendo a reful-
gencia e vellega de tam varia e inestimavel pedraria, ouveramos
por forcja de confessar, que nunca avia chegado com muyta parte
a idea de nosso pensamento ao que nossos olhos tinham presente
e que ouveramos de notar huma grande mamaravilha em este mi-
lagre e prodigio da nature<;a; e he que em huma pedra de dous
palmos e meio ou pouco mais em cuadro, estejam engastadas tan-
tas como nomea e as que diz que nam tem nome, humas como a
palma da mao e outras como dous e tres dedos ; se nam quiser al-
gum dicer que estas pedras tem a propriedade dos anjos que nam
ocupam lugar; o que, ainda que nam se possa verificar de cousas
corporaes, facihnente concederei eu, que estas nam ocupam lugar,
pois na verdade nam sam mais que imaginarias c fabulosas. Com
tudo ja quc alega testimunhas, que diz sam de vista, sera bem de-
clarar a diligencia grande que fiz pera tirar em limpo esta verdade.
6. Demonstrat Re- Primeiramente he cousa muyto certa que de muytos annos a
quam^habuisse^ne- ®^^^ parte, por causa das guerras dos Turcos, dos Mouros e dos
que tunc temporis Galas e as cyvis, que ate pouco tempo ha ardeo este imperio, se
babere thesauros re-
conditos in Ambft diminuiram suas rendas de maneira que nam tiveram os Empera-
SS^^defe tu - dores sobeixo que athesorar, nem ainda achavam muytas veces *de f. 43,^.
niae, vendidit ali- onde tirar bastantemente pera as necessidades que se Ihes ofFereciam.
PoUo que o emperador Claudio, a quem em Ethiopia chamam Glau-
deos e, como Ihe deram o imperio, se intitulou Atanaf (^agued, de-
sejando mandar contentos e em alguma maneira remunerar os grandes
servi^os que Ihe tinham feito alguns Portugueses da companhia de
dom Christovao da Gama, que depois de Ihe ter recuperado seu em-
pcrio, sc queriam ir pera India, nam teve que Ihes offerecer senam
as propiias joyas da Emperatriz sua may e de alguns dos seus que
pode ajuntar, pidendolhe muytos perdocs por nam ter mais com
LIVRO I, CAPITULO IX. I05
que poder satisfacer a obriga^am que Ihes tinha ; mas se quisessem
ficar, Ihes daria terras muyto cumpridas. Os Portugiieses porem Ihe
agardeceram muyto a boa vontate com que Ihe oflferecia aquellas jo-
yas, mas nada Ihe quiseram tomar ; nem por derradeiro teve eflfeito
sua ida pera India. Tambem me aflfirmaram por cousa muyto certa
que o emperador Seltan Qagued, que agora vive, chegou a tanto o
anno de 614, que mandou cortar algumas cadeas de ouro de sua pes-
soa pera acudir a algumas cousas que Ihe eram necessarias. O que
facilmente creo, porque, demais de ser muy livoral com todos, teve
grandes gastos em as gnerras; nam poique Ihe seja for^ado de
justi^a conforme ao costume antiguo de Ethiopia facellos com os
soldados, porque a estes reparte as terras da coroa e em quanto
as comem tem obriga^am de servir na guerra e nam porque as ci-
dades Ihes dam o soldo, como por falta de informa^am disse frey
Luis de Urreta; mas com tudo, pera os ter contentes e honrrar aos
que mais se sinalam, da sempre, particularmente aos Capitaes e ho-
mens grandes, vestidos de borcado, velludo, damasco e outrcis pecjas
que compram aos Turcos por muyto mais do que valem, e junta-
mente punhaes de ouro como os dos Turcos, ou manilhas de ouro,
que comummente tem docentos ou trecentos cru^ados e algumas
veces da duas juntas por mais honrra, afora de peitas e outros ga-
stos que se oflFerecem.
Mas para que venhamos ao particular do que toca ao thesouro 7. Quid dizerint
do monte de Amhara. que, como ja disse muytas veces. se chama t^-^^^^^^::
Gnixen Amba, eu preguntei a muytos velhos e principalmente a porc morati fu6runt
aquelles dous senhores parentes do Emperador, Abeitahum Memeno q^id ipse SeltAn Sa-
e Abeitahum Taquela Haimanot, que acima nomeei, e hum sera de ^^'
perto de 70 annos e outro de 60, que estiveram la cima muyto
tempo, ainda que agora residem na corte com beneplacito do Em-
perador; e me aflRrmaram que nunca os Emperadores guardaram em
f. 44. Guixen Amba ouro *nem pedras preciosas e que ainda antigua-
mente, quando os principes que la estavam tinham mais fato, nam
se acharia entre todos elles dez mil cru^ados de ouro juntos, por-
que, ainda que tinham prometido os Emperadores de Ihes darem
a 3* parte das rendas do imperio, nunca esto se cumpria. O mais
que Ihes chegava a as maos eram pannos de algodam, mel e man-
timentos. Nem me contentei com isto, senam que preguntei ao me-
smo Emperador, contandolhe como por gra^a, que deciam que tinha
em Guixen Amba tantas casas cheias de tijolos de ouro e caxas
C. Bbccaiu. Her. Atik, Scripi. occ, ined, — II. 14
Io6 HISTORIA DE ETHIOPIA
de pedraria, e respondeo rindo: Bastavame huma, ainda que nam
fora mayor que esta cama (que era huma de cortinas em que en-
tam estava encostado). Bem engrandeceo esse as rique^as de meu
imperio, mas a verdade he que nunca se gnardou nada disto em
Guixen Amba. Tam fora de caminho e de toda verdade he dicer
que o Emperador de Ethiopia tenha thesouro de pedras preciosas,
que nem pera huma coroa de Emperador, que quis este facer a
nosso modo, achou senam humas falsas muyto ruins, que aqui tra-
cem os mouros nam sei se da India ; e assi me encomendou muy to
Ihe ficesse vir algumzis e ainda que as que me mandaram tambem
eram falsas, com tudo por serem mais lustrosas, folgou muyto; e
juntamente vieram alguns aljofares que tinhapedido pera os remates
de cima, que nem estes achou ca, quanto mais arcas cheias de pe-
rolas e tam g^andes como as que punha em as orelhcis a reynha
Cleopatra. Antes me mostrou o Emperador por grande cousa dous
aneis em que tem engastados dous aljofares, que ambos nam valem
na India seis cru^ados.
8. Dc lapidibus Quanto dos pratos, tixehis e jarros de esmaraldas e outras pe-
pretiosis non est me- , -.^ t-^.t j-ii
moria in Ethiopia. dras preciosas, que diz tem o Freste Joam, poderei eu dar boa re-
SeltAnSagAdprosuo (j^am, porque, demais de preguntar por elles, tenho visto por veccs
diademate falsos la-
pides pretiosos ex toda sua baxela e muytas comido em seus mesmos pratos e mesa;
m^nL*Xpe^i^^^^^ porque, em levantandose della (que com elle ninguem pode comer,
Auctor nunquam vi- nem ainda assistir a mesa, afora os officiaes que acima disse), me
dit aurum, neque ar- ----- ^ , ,
gentum. mandou chamar da sala de fora e asentar com dous ou tres senhores
seus parentes, a quem algumas veces faz este favor e merce ; e dei-
xando o serviQo que tem de alatam e de cobre, como sam pratos
e aguamanis [su], que disto nam falta e mais muyto bem lavrado, po-
sto que feitio de Turcos, tudo o de mais he alguma lou^a da China,
pratos e porcelanas finas; e dos da terra muytos que sam pretos
como acebique [szc] ; e em isto se resolve toda a baxela do Empera-
dor; porque nam come em cousa de prata, nem ouro. Bidros nam
Ihe faltam, que tracem os Egypcios e Mouros que vem do Cairo;
mas pratos e jarros de esmeralda, ou de *outras pedras preciosas f. 44,v.
nem os tem, nem ha quem saiba dar re^am de que os ouvese nunca
em Ethiopia, nem que se descubrisem tres minas de esmeraldas e
calcedonias, como Ihe meteram em cabega ao Author. Nem ha me-
moria das pedras preciosas da reynha Sabba, quc diz se guardam
na cidade de Sabba; nem ainda ha tal cidade, senam huma aldea
muyto triste deste nome no reyno de Tigre, onde ella naceo: que
i
LIVRO I, CAPITULO IX. 107
se la estivcram, nam se Ihe encubriram ao Emperador, e entam ten-
doas tam ricas em sua terra, nam Ihe fora necessario trabalhar pera
que Ihe viesem da India pedras falsas pera sua coroa.
Do que temos dito se vee claramente quam fabulosa cousa g. Etniriae Duces,
seja que viesem a este imperio Bernardo Vecheti e os demais lapi- s^!|L ^^^jfi^^^*^?*
dairos, que o Author diz que mandou dom P>ancisco de Medicis annum 161 x nun-
duque de Florencia, pois Joam Antonio veneciano, que ha muytos serant ad Reges Ae-
annos que ca esta, e os Portuffueses velhos e cfente da terra affir- ***jop^*c multoque
^ ^ ° minus Legatos.
mam que nenhuns outros entraram ca mais que os que acima
nomeamos.
Tambem, se, como o mesmo Author affirma pag. 91, he certo
que o estrangeiro que mais chegou a alcauQar, foi ver de longe o
monte, onde diz que estava o thesouro e livraria, que nam se per-
mite chegar perto delle, segiiese que nenhum dos estrangeiros que
affirma que vieram a ver o thesouro e livraria, entrou la ; nem he ne-
cessaria mais prova pera isto que saber que nunca ouve em Ethiopia
tal thesouro de perolas e pedras preciosas como deciam. Ate o Em-
perador me affirmou que nam avia memoria de que seus anteces-
sores tivesem nunca communicaQam com os Duques de Florencia,
dandolhe eu huma carta do duque dom Cosme de Medicis, que
os Padres da nossa Companhia me mandaram da India em julho
de 16 16, porque hum frade Abexi, que a tracia, ficou la, e era
de 7 de abril de 1 6 ii , em que decia que el Serenissimo gram
duque Ferdinando seu pay era grande amigo e servidor de sua Ma-
gestade e muy affeigoado a sua nagam, e que elle, como seu filho
herdeiro e sucessor, tinha a mesma vontade e affei^am, com outras
muytas palavras de amor e benevolencia, em que mostrava o desejo
que tinha de renovar a amizade. Do que o Emperc dor folgou muyto
e disse ao secretario o que avia de responder, e elle acrecentou
que folgava de que se Ihe offerecesse tam boa ocasiam de renovar
a amizade, que seus antepassados tiveram com os antecessores do
Gram Duque. E levando a carta ao Emperador, disse diante de mi
que tirase isto, porque nam ouvera nunca dicer que seus antepas-
sados tivesem communica^am com os Duques de Florencia. Re-
spondeo o secretario que, ja que o Duque escrivia em aquella forma
f- 45- por amizade, *que nam era nada que bem podia ir, e por isto o
deixo passar.
Nem tem forca nenhuma o que o Author alecfa paj?. 114, que "• Perperam ab
^ ^ o r- o -r ^ Urreta allegatur au-
Pero de Covilham portugues disse a Francisco Alvares, como elle ctoritasPrancisciAl-
Io8 HISTORIA DE ETHIOPIA
varez et Petri de Co- refer fol. 167 de sua Htstoria, que o Emperador de Ethiopia tinha
^ ™' tam grande thesouro que podia comprar hum mundo com elle ; por-
que de quanto encerravam nunca tiravam nada. Isto bem se deixa
ver que he encarecimento e modo de falar, e que o podemos chamar
muyto grande hyperbole com mais re<;am do que elle, tomando
demasiada licen^a, pag. 113, chama hyperbole o que a Sagrada
Escriptura dis das riquecjas de Salomam; porque nam foram as
maiores do mundo. E todavia 42, Paral, i prometeo Deos de Ihe
dar tantas riquegas que nenhum Rey antes nem depois delle Ihe
fosse semelhante. « Sapientia et scientia data sunt tibi, divitias au-
tem et substantiam et gloriam dabo tibi ita ut nuUus in regibus
nec ante nec postea fuerit similis tui » ; e 3, Reg. 10 mostra a Sa-
grada Escriptura que Ihe foi cumprida esta promesa, dicendo :
« Magnificatus est igitur Salomon super omnes reges terrae di-
vitiis et sapientia > ; e frey Luis antepoe a as rique^as de Sa-
lomam e a as de quantos Reyes ouve e ha oje em o rnundo os
thesouros que o Preste Joam tem em Guixen Amba, a que elle
chama monte Amara sendo tudo tam fabuloso como acima temos
mostrado. Nem Francisco Alvares diz que estava aquelle thesouro
em Guixen Amba em as salas que o Author pinta, senam longe
de alli em huma coba, perto da qual tinha suas casas Pero de Co-
vilham. Nem avia la o thesouro que elle cuidava, senam cabayas
de borcado, de velludo e damasco e outras pe<;:as ricas, que Ihes
traciam aos Emperadores de Meca e do Cairo e alguns esquifes,
como me affirmou o Emperador Seltan (^agued, a quem preguntei
isto; e disse que tudo se queimou, quando veio aquelle mouro de
Adel a quem chamam Granh ; nem as rendas de ouro foram nunca,
nem sam oje tam grandes que os Emperadores pudesem athesorar
muyto, como adiante veremos, quando trataremos dellas.
XX. Elena impera- Tambem foi grande encarecimento o que a emperatriz Elena
ad^e^emLus^niae ^^^^^ ^^ ^"^ ^^ carta, quc escreveo al rey dom Manoel de Portu-
hsrperbolice loquuta gal, que, se quisese armar mil naos, ella daria os mantimentos e so-
est de divitiis Reg^zn
Aethiopiae. coreria em abundancia com tudo o que fosse necessario pera a ar-
mada; e frey Luis Ihe acrecenta: pera tudo o tempo que durase a
guerra, e diz que ella era avo do emperador David; mas enga-
nouse, porque nam era senam molher do emperador Naod, cujo
filho era David, mas bastardo, como pouco ha me disse o Empe-
rador. E muyto mayor encarecimento foi o que escreveo este Da-
vid, que depois se chamou Onag (^agued, em a carta que mandou
i
LIVRO I, CAPirULO IX. 109
al rey dom Joam, que tinha ouro, homens e mantimentos como as
areas do mar e as estrellas do ceo. Queria engrandecer as cousas
f. 45.V. de sua terra, que posto que, muyto fertil, esta longe de le cuadra-
rem *taes palavras; e pouco Ihe aproveitou depois aquella tam
grande multidam de gcnte que decia, pois, entrando aquelle mouro
Granh com exercito, Ihe tomou casi todas as torras e elle andou
fugindo de huma parte a outra ate que morreo cm o reyno de Tigre,
e se entam nam viera Dom Christovao da Gama com 400 Portu-
gueses de socorro, os mouros se ensenhoreavam do imperio, sem
aver quem Iho pudesse impedir. xa. Quid sit veri
Ai j*/>T*jiTT^ 1A1 ineo quod affirmat
cerca do que diz frey Luis de Urreta, que o emperador Alexan- urreta de nummis
dre 3° que morreo o anno de 1606, bateo moeda como ovada e em cxcusis ab Alezan-
dro: Auctor loqui-
huma parte a imagem de s. Matheus e na outra hum liam com cruz na tur ex propria expe-
mao etc, tudo foi falsa informacjam que Ihe deram; porque pri- "*"***•
meiramente ja tenho declarado muytas veces que nunca ouve em
Ethiopia Alexandre 3°, e que eu entrei em mayo de 1603 e o Em-
perador se chamava Jacob; este era nome do bautismo e o do im-
perio Malac (^agiied como seu pay, e, sendo elle menino, governava
a emperatriz Mariam Cina e seu jenrro Eraz Athanatheus, o qual
persuadio a todos os Grandes que era bem batir moeda, que antes
nam se usava em Ethiopia, e come^aram por cobre. A figura era
redonda e tam grande como hum veneciano ; em huma parte tinha
gravada a imagem do emperador Jacob da cinta pera cima, com
coroa na cabec^a, e da outra vanda seu nome, sem outra cousa
nenhuma. Isto me disseram os que viram a moeda e hum dos [que]
ficeram os cunhos e os abriram, que he hum orivez grego, que ainda
vive ; e tam longe estavam em Ethiopia de gravar na moeda a ima-
gem de sam Matheus que estranham muyto gravarse a de sam Mar-
cos em os venecianos. Esta moeda nam quis receber o povo por ser
de cobre, e assi nam se bateram mais que 3000 arrates de cobre,
como me disse este Grego, que os fez pesar e isso ficou perdido:
logo se tornaram ao antiguo, que he trocar humas cousas por
outras, ou comprar com ouro pesado.
Nam menos se enganou o Author, no que diz que se lavra ca
prata e servia de moeda pera contratar com os mercadoures de outras
na<;oes, porque nam se podia tirar ouro do imperio senam so prata.
Milhor dissera que so ouro saia do imperio, porque com esto con-
tratam com os mercadoures de outras na^oes, e prata nenhuma ha
que possa sair, antes a tracem sempre comprada do porto dos Tur-
HO HISTORIA DE ETHIOPIA
cos ; e estes annos passados davam aqui por cinco patacas peso de
ouro de huma dellas, ainda que o ordinario sam sete, nam porque
faltem minas de prata, senam porque parece, que nam a sabem
tirar, que ja provaram por veces, depois que eu vim, e era muyto
boa alguma que me mostraram; mas dessistiram porque Ihes cu-
stava muyto trabalho e tiravam pouca.
f. 46. CAPITULO X.
Em que se declara a causa porque se come^aram a
meter os filhos dos Emperadores em Guixdn Amb& ;
ate que Emperador durou este costume e como se
guardam agora os descendentes de aquelles primeiros.
A principal regam e causaporque Guixen Amba tem tam grande i. Filius impera-
nome e de muytos tempos a esta parte foi tam celebrada, nam so fuh^primua^qui^fra-
dos estrangeiros, mas ainda dos naturaes de Ethiopia, avendo nella tres suos in AmbA
Guix6n custodien-
outros lugares mais fortes c de nam menos commodidade pera se- dos misit.
rem habitados, he porque este monte ou fortale^a (nam feita por
arte senam polla mesma naturega), que esta em o reyno de Amhara,
foi escolhida dos antignos Emperadores nam pera por nella em cu-
stodia os malfeitores e enemigos, senam seus proprios filhos e ir-
maos, que ate destes se arrecea o desejo de reynar. Mas pera que
milhor se entenda isto, se ha de saber que o emperador Icunu Amlac,
de quem ficemos men^am no fim do cap. 1, teve cinco filhos ou,
como outros dicem, nove, e, estando pera morrer, Ihes encomendou
encarecidamente que tivesem muyto amor e uniam entre si, e que
cada hum reinase hum anno, come^ando o mais velho, e assi hiam
facendo. Mas chcgando o imperio ao segundo, ou, como os que di-
cem que eram nove irmaos, chegando ao septimo, se enfadou o
mais piqueno, que se chamava Frehecjan, porque o Emperador e
112 HISTORIA DE ETHIOPIA
o que ja o tinha sido comiam sempre juntos em huma mesa, e como
acavavam, se asentavam a ella os demais irmaos, mas nam Ihes per-
mitiam labar as maos alli diante, senam que os obrigavam a sair
fora do aposento a se labar e depois entravam a comer. Enfadado
disto Frehe^an, disse a seus amigos: Eu nam he de facer desta ma-
neira, senam, quando me cTiegar o imperio, prender todos estes
meus irmaos e poUos em lugar de onde nam possam mais sair. Nam
faltou quem dissese isto ao que era Emperador; pollo que mandou
logo prender todos seus irmSos e, sabendo que Guixen Amba era
muyto forte e acommodada pera os ter nella, porque os moradoures
ja eram christaos e tinham la igrejas do tempo do emperador La-
libela, que foi 70 annos antes pouco mais ou menos, os mandou le-
var e dar la tudo o necessario abundantemente e que tivesem boa
guarda, para que nam pudesem sair; e ainda oje ha em Guixen
Amba gera<;am de Frehe^an, segundo me disse o emperador Sel-
tan (J)agued, que foi hum dos que me contaram esta historia.
a. Ez eo tempore Daquelle tempo ate o emperador Naod, que seram 212 annos
usque ad Na6d vi- r • . . t^ • •
guit ille mos. Filii pouco mais ou menos, sempre 101 costume meterem os Prmcipes
Imperatorum pote- qjj^ Guixen Amba, e levavamos como checfavam a idade de *oito f. 46,v.
rant nubere, lUis da- ^
batur cibus et potus annos, e por tempo multiplicaram tanto que chegaram a ser mais
cunU ^rca. MaiK!i- ^^ quinhentos com molheres e filhos, porque sempre casaram e ti-
piisutebanturadser- veram la cima suas molheres e filhos, como oje tem osque ficaram;
vitia, commercium t..,. • ^j
cum nobilibus et ho- nias a as nlhas nunca se Ihes prohibio sair a casar a sua vontade
vedtum ^*^*"' *^^'* onde quisesem, porque os filhos destas nam podem herdar o im-
perio, nem ainda os filhos das filhas do Emperador, porque, se elie
nam tiver filhos varoes, ham de buscar depois de sua morte a quem
perten^a o imperio por via masculina dos que estam fora de Gui-
xen Amba, e se nam ouver, tirar algum dos que la estam. A estes
Principes dicem que tinham prometido pera seus gastos a 3* parte
das rendas do imperio, mas muyto pouco ouro Ihes davam, posto
que mantimentos, pannos de algodam, mantega de vacas e mel pera
comer e facer vinho tinham em abunduncia, porque senlioreavam
muytas terras a roda de (Tuixen Amba, cujos moradoures os proviam
de todas estas cousas abundantemente e tinham obriga^am de Ihes
facer suas casas e cercas, mas terreas e cubertas de palha, como ja
dissemos, e ainda barrerlhas e limpar tudo o que fosse necessario.
A demais gente, de que se serviam, ordinariamente eram escra-
vos, e nam podiam ter outros criados de nenhuma maneira; porque
nam somente Ihes eram prohibidos os filhos dos homens grandes,
LIVRO I, CAPITULO X. II 3
mas ainda dos baixos, pera evitar o que podiam machinar em suas
pretensoes, ajudandose pera com os de fora destes criados e de
seus pays.
Tinham posta muyto grande vigia e guarda, pera que nem os 3. A militibus ar-
Principes pudesem decer daquella amba, nem pessoa nenhuma su- ^r.Duohomines^
bir sem espressa licenca do Emperador. Estas cfuardas moravam no biles, vocati AcahA
, , , ,. AmbAet Xobhftrjan
alto em huma casa que tem na porta da entrada (como dissemos cirAr, eoram curam
no capitulo 6) e mudavamse de certo em certo tempo, decendo huns ?*'**>*^*» *™^° "®
^ ' xr f imperabant. Bzem-
e subindo outros, que estavam, nam .ao pe da Amba, que alli nam plum notabile aeve-
ha, nem ouve nunca povoa^am, senam afastados como dous tiros
de espingarda a longo de humas serras, onde Ihes tinham dado
terras pera sua comedia, que se chamam Habela. Afora estes esta-
vam alguns homens nobres, que por re^am de seus officios se cha-
mavam Acaha Amba, Xobher Jan Cirar, a cujo cargo estava guar-
dar o fato dos Principes, facer que se arrecadeusem as rendas de
suas terras e que fossem providos de tudo o necessario a seu
tempo, de maneira que nam ouvese falta em seu servi^o. A estes
se davam todos os recados e cartas que vinham pera os Princi-
pes, e depois das verem, as davam ou nam, como milhor Ihes
parecia, e as cartas que os Principes escriviam tambem as aviam
elles de ver, e, se Ihes parecia bem, as mandavam, e se nam, as
rompiam. Era tanto o que sugetavam estes aos Principes que nem
Ihes deixavam facer mudan^a em o vestido ordinario, e assi, vendo
hum delles a hum Principe mais curiosamente vestido do que se
usava, Ihe deo huma bofetada e reprehendeo asperamente, dicendo
f 47. que aquilo mostrava bem que andava *com o cora^am inquieto
e desejoso de reynar, e fezlhe tirar o vestido, Sucedeo todavia
que, morrendo dalli a pouco o Emperador, foi aquelle principe
escolhido; o que vendo o que Ihe deo a bofetada, se afastou
com medo e vergonha do que tinha feito, sem se atrever a apa-
recer mais diante delle; mas o Emperador, como se vio em sua
cadeira, o mandou chamar e, vindo com grande medo, se Ihe lan^ou
aos pes pidindolhe perdam do que com tam grande atrevimento
ficera. O Emperador mandou que se alevantase e fez tracer ricos
vestidos e huma manilha de ouro e com palavras brandas Ihe disse,
que nam tivese medo, que sirvira muyto bem naquilo a seu senhor,
que se vistise e pusese aquella manilha e tornase pera seu mando,
porque esperava que o avia de servir a elle com a mesma fideli-
dade que tinha sempre servido a seu antecessor.
C. Bbccari. Rer, Aeth, Script, occ» iued, — II. 15
114 HISTORIA DE ETHIOPIA
4. ZAra jacob Correndo as cousais dos Principes em esta forma, chegou o im-
omnes pertinentes P^rio a Zara Jacob, e nam sei porque se enfadou dos da familia
ad familiam impera- ^^ emperador Hezb Inanh, que mandou que os tirasem daquella
Bftda MarilLm resti- amba e os levasem a humas terras baixas muyto quentes e doen-
tuit in pristinum 8ta- .. , /^iam-j.^ 2. j
tum • sed illi rebel- ^'^^' ^^^ chamam Cola, scilicet ^ terra quente » , onde nam moravam
lant. B6da MariAm senam viUoes, e disse que fossem Isrraelitas do Cola, que era tanto
per fraudem expu-
gnat Amba Guixto como dicer que Ihes tirava a nobre(;a dos IsrraeUtas, que decen-
ratorum oit ^°]^I diam dos Emperadores, e os facia villoes. Sintiram elles muyto esta
tit. injuria e a incommodidade e trabalho da morada, mas, como os le-
vavam com boa guarda, nenhum se pode afastar ; e alli os tiveram
ate que por morte de Zara Jacob entrou no imperio seu filho Beda
Mariam. Este Ihes mandou dicer : Por bentura o filho nam perdoara
aquilo, porque se airou seu pay? Tornai a vossa primeira mourada
de Guixen Amba e nam tenhais paixam, que eu vos farei bem. E
depois que entraram na amba, Ihes mandou preguntar por tres cria-
dos, que visem o que queriam, que em tudo Ihes daria gosto e faria
merce. Mas elles, que tinham ainda viva a memoria da injuria pas-
sada e muyto mais o desejo de se vengar, nam ficeram caso do que
Ihes ofFerecia, antes tomaram todos tres criados e os mataram e se
ficeram fortes la cima, sem Iho poderem impedir as guardas que
estavam descuidadas, por nam imaginar tal cousa, e elles eram muy-
tos. Sabendo isto o Emperador, teve grande sentimento e acesso em
ira determinou de destruir e acabar a gera<;am de aquella casa, e
com este intento parteo logo pera la com muyta gente, e chegando,
trabalhou muyto porque sua gente subise; mas os de cima, que
entendiam bem sua pretensam, que era vengarse, defenderam com
pedras a subida, que he muyto estreita e aspera, dc maneira *que f. 47»v.
todos os do Emperador tiveram por impossivel a entrada, e assi
elle, posto que com muyto desgosto, determinava de se tornar; mas
em esto vieram huns moradoures da terra e disseram ao Empera-
dor que elles mostrariam por onde se podia subir e, prometendo-
Ihes grandes premios, mostraram huma entrada que chamam Me-
stanquer, que a entrada ordinaria se chama Macaraquer, e ainda
que por aquella parte he rocha tam ingreme que nenhum dos
da cima se arreceava de que Ihes pudosem entrar, com tudo su-
biram de noite, pegandose a as arvorecinhas e raices que saiam
por entre as juntas das rochas, e pouco antes de amanhecer, deram
de subito em os de cima, que, como estavam desarmados e sem ar-
receio de tal asalto, facilmente os rindiram e levaram ao Empera-
LIVRO I, CAPITULO X. II5
dor. Elle entam mandou cortar as cabe^as a 80 e pus boas guarda[s]
em a Amba e com isto se tomou.
O terceiro Emperador depois deste Beda Mariam se chamou 5« Na6d, ultimus
xTAjr-j j- !•• j ^ ^.A qui ad impcrium fuc-
Naod, e foi o derradeiro que eligiram dos que estavam em Guixen ^t evcctus cx Amb&
Amba. A causa disto dicem que foi, que entrando hum dia diante Guixftn, prohibuit nc
" ^ 8U1 filii codem custo-
p delle hum seu filho, disse: Ja este menino creceo. Respondeo elle: dircntur, ct cx co
Creci pera Guixen Amba; o que magoou tanto ao Emperador que aimiT^vetus consuc-
jurou de nam meter la mais a ninguem, e fez escomungar os Gran- ^^0 ccssavit.
des, pera que, nem ainda depois de sua morte, nam metesem a nen-
hum de seus filhos, mas que se gnardasem todos os que pri-
meiro la estavam dos de Isrrael ; e assi o ficeram ate oje ; porque,
ainda que, quando morreo o emperador Malac Qagued, que foi pollos
annos de 1596, prenderam a seu sobrinho Za Denguil, nam o le-
varam a Guixen Amba, senam a huma ilha que chamam Dec, que
esta na lagoa de Dambia, e deram o imperio a Jacob filho ba-
stardo do emperador Malac Qagued ; e depois no anno de 603 pren-
deram a Jacob e o mandaram com guarda ao reyno de Narea, nam
a Guixen Amba, e deram o imperio a Za Denguil ; e ao emperador
Seltan Qagued, que oje vive, Ihe morreo hum filho de 20 annos aos
24 de decembro de 616, e tem agora hum de 18 annos e outro de
^ 1 7 e outros dous mais piquenos, e nenhum delles entrou nunca em
Guixen Amba; sempre estiveram e estam em a corte com o Em-
perador, por cessar este costume desde o emperador Naod, que ha
114 annos que passou este de 1622.
Ainda porem que daquelle tempo pera ca nam meteram em .6. Prognati tamcn
^.yv.,/s ntx jt:» j ^j* j vcterum Imperato-
Guixen Amba os nlhos dos Emperadores, todavia guardaram com ^^ adhuc in AmbA
muyta dilicfencia os que primeiro la estavam ate o emperador Ata- Q*"»*i». ii», libcriori
^ ^ ^ ^ ^ licetcu8todia,rclicti.
naf Qagued, que primeiro se chamalva Glaudeos, scilicet Claudio, Tempore Auctoris,
e comegou a reynar pollos annos de 1540. Este foi facendo pouco ^Vnumerabatur in-
caso delles e nSlo Ihe dava nada quc decescm alguns da amba, e clusis uxoribus ct
f. 48. estivesem em *algumas aldeas onde tinham suas comedias. Depois
se foi alargando isto de maneira que a sos quince, que ficaram dos
da familia do emperador Hezb Inanh, prohibem agora a decida,
por se temerem delles. Todos os outros decem de ordinario em o
inverno e estam em suas aldeas, porque em tempo de chuva he
muyto trabalhosa a subida pera a gente de servi^o, que Ihes leva
lenha e mantimentos etc; mas no verao tornam a subir por medo
► dos Galas gentios, de quem falamos no capitulo i , que por alli par-
ticularmente facem muytas entradas roubando e cativando molheres
Il6 HISTORIA DE ETHIOPIA
e mininos, que aos homens todos matam, e ainda algumas veces as
molheres com grandes crueldades. Seram por todos os que estam
em Guixen Amba, quando no verSo se juntam, 200, contando mo-
Iheres e mininos, mas dicem que antiguamente eram mais de 500.
7. Quae rctulit Isto he brevemente o que passa sobre o que propusimos no
Auctor circa AmbA a_'^ 1 j ^ «^ i j • r j
Guixto scivit a Sel- ^itulo deste capitulo, segxmdo a mforma^am que me deram os prm-
t4n SagAd et a qui- cipes, que estiveram muytos tempos em Guixen Amba, e outros
busdam Principibus a a
qui longo tempore senhores da corte e o emperador Seltan Qagued, a quem, pera mais
lanr Ei^"«"u°^^ »"« certificar. por ter muyta confianga pera falar com elle, Ihe pre-
tae et Alvarez circa guntei de proposito as cousas principaes, dicendo que as queria
originem consuetu-
dinis praedictae. escrever, e as refirio da maneira que aqui as tenho escritas, concor-
dando com o que os outros senhores me tinham dito. Por onde
o que escreveo frey Luis de Urreta no cap. 1 2 sobre esta materia
tudo he muyto contrario a verdade, por carecer della a informa-
<;iam que siguio ; e pera que o leitor tenha mais particular noticia
de suas cousas, refirirei algumas das muytas que alli conta, come-
<;ando polla pagina 132, onde diz que o meter os filhos dos Em-
peradorcs em o monte Amhara he costume tam antiguo que o in-
stituyo el rey Josue neto de Salomam, filho de Menilehec, pera ti-
rar as ocasioes de ambicpam, vandos e guerras civis, e que depois
alguns Emperadores, enternecidos com o amor de seus filhos e for-
^ados dos rogos das mays, deixaram hum pouco de tempo ; mas o
emperador Abraham teve revela^am de Deos que restaurase o co-
stume antigiio e tornase a por e fechar em aquelle monte os Prin-
cipes heredeiros, se queria perpetuar o ceptro e monarchia em sua
gera^am e estirpe de David.
8. Ex dictis supra Bem se vee quam contrario he isto ao que temos dito, pois tan-
tos centos de annos depois dos filhos de Menilehec se come^aram
a meter em Guixen Amba, a que elle chama monte Amhara, os fi-
Ihos dos Emperadores; nem Menilehec teve filho que se chamase
Josue, como se pode ver em os catalogos dos Emperadores, que pu-
simos no cap. 5; nem em todos elles se acha Emperador que se
chame Abraham, nem ha quem saiba dar re^am delle, senam quise-
rem dicer que Abraha e Abraham he tudo hum. Mas ainda que
fora assi, este Abraha foi tambem muytos centos de annos antes
do filho do *emperador IcQnu Amlac, que come^ou a meter os prin- ^- 48,v.
cipes em Guixen Amba. Bem sei que Francisco Alvares em sua
Iltstoria Ethiopica fol. 66 e 73 diz que a hum emperador Abra-
ham Ihe foi revelado que metese em huma serra todos os Princi-
LIVRO T, CAPITULO X. 117
pes, excepto o que ouvese de herdar o imperio, e nam sabendo que
serra podia ser aquella, Ihe foi outra vez revelado que ficese olhar
pollas serras mais altas, e que onde visem andar cabras do mato
como que se despenhavam alli era a serra onde os Infantes de
Ethiopia se aviam de guardar; e mandando buscar a serra, achou
ser aquella que he tam grande que tem bem hum homem que su-
bir dous dias do pee ate o alto, toda ella penha talhada e tam
dereita e alta que, quando homem vai pollo pee e olha ao alto, pa-
rece que o ceo esta sentado sobre ella. Atc aqui Francisco Alva-
res; e mais adiante fol. 77 diz, que no alto daquella serra se facem
outras serras e montes, que sam causa de que aja alguns valles,
entre elles hum entre duas asperissimas serrcis, que em nenhuma
maneira se pode sair delle, porque esta fechado com duas portas,
e em este valle metem aquelles que sam mais chegados ao Empe-
rador, como sam irmaos, tios, sobrinhos e os demais que ha pouco
que estam fechados, pera que alli estejam com mayor resguardo.
Toda esta historia he apocrifa, porque nem ouve tal empera-
dor Abraham, nem os Principes se meteram em aquella serra por
revela^am, senam polla causa que ja dissemos, nem metiam la pri-
meiro sos os principes que nam aviam de herdar, senam tambem
o herdeiro; nem estiveram nunca em valle, senam em o alto de
Guixen Amba, que nam he serra como elle a pinta, senam como
a descrevemos em o capitulo 6. Mas nam he maravilha que errase,
porque, como era estrangeiro e hia tam de passo e com tanto tra-
balho, como elle diz, por aquelles caminhos, nam se podia infor-
mar tam en particular das cousas, nem examinar tanto como era
necessario as rela<;oes que Ihe davam; que, ainda que fossem al-
gumas tiradas dos livros da terra, pediam muyto examem, por esta-
rem casi todos cheios de patranhas.
Diz mais frey Luis de Urreta pag. 133: « Juntanse estes Prin- 9. Alia commenta
Urretae risu diena.
< cipes, siempre que quieren, a jugar, ca^ar, pescar y entretenerse
« en lo que mas les da gusto; pero de obligacion se han de juntar
« todos pera oyr missa los dias de fiesta, y los demas officios di-
« vinos; a la qual junta no pueden faltar sino por enfermedad, y
« el orden que en esto guardan es el siguiente. Ay una sala de-
« putada para este ajuntamiento muy espaciosa y ricamente ador-
« nada de panos preciosissimos y colgaduras de grande valor, y
« quando ja estan todos los Principes juntos, salen en orden ha-
« ciendo una procesion desta manera. Van cuatro maceros delante
Il8 HISTORTA DE ETHIOPIA
« con mantos de damasco negro todos muy plegados *al cuello y f. 49.
« tan largos que les rastran por el suelo con grandes faldas y co-
« las, las mangas largas hasta el suelo, que llaman mangas de punta,
« Uevando alos hombros sus ma^as de oro. Despues se sigue un
« mancebo vestido de damasco hecho a girones de negro y ama-
« rillo: la ropa le Uega hasta media pierna, con una almohadilla en
« las manos, y sobre ella una corona de oro forrada de raso a^ul,
« para dar a entender con esta insignia que todos aquellos princi-
« pes son del linage y descendencia de David y aptos por ser ele-
« gidos por Emperadores. Luego se siguem de dos en dos los Prin-
« cipes, Uevando los mayores en edad el mejor lugar, que es la
« mano derecha, vestidos de negro, cada uno con su cruz a^ul al pe-
< cho y cairelada con un hilo de oro por las orlas. La cruz es el
« Tau de s. Anton con unas florecillas, y un bonete de clerigo en
« la cabe^a de cuatro picos ; y esto se usa desde Paulo III, que lo
« mando, que antes los Uevavan redondos, que es el habito delos
« comendadores de s. Anton. Detras de ellos se siguen todos los
« pages y criados, los quales son todos gente principal hijos de
« Reyes, y despues la demas gente. Con este orden caminan para
« la iglesia del Sp." S.'°, a cuya puerta esta aguardando el Abad
« espiritual de aquella abadia, vestido de pontifical, con el baculo
« pastoral en la mano, y un cavallero militar junto a el con un
« estoque desnudo ; que este modo de assistencia es ordinario a los
« Abades espirituales ; y echandoles a todos los principes agua
« bendita, entran en la iglesia, puniendose el Abad a la mano yz-
« quierda del mas anciano de los principes, con el qual se hacen
« las mismas ceremonias en el discurso de la missa que se aco-
« stumbran a hacer con el Emperador ».
10. Iterum alia. Mais adiante diz que os monges de aquella abadia, que sam
1500, tem cuidado do insino dos Principes e do governo de seus
pa^os e criados, os quaes poem e tiram a sua vontade e, pera mi-
Ihor acudir a este ministerio, sincilam cada semana cuatro de los
monges que tem cuidado de assistir e acudir ao servigo dos Prin-
cipes, mandando o que se ha de facer; e que cada hum dos prin-
cipes tem dez criados pera o servi^o ordinario de sua pessoa, e sam
filhos ou descendentes dos Reys vassallos do imperio, e tem obri-
ga^am de servir alli hum anno, aos quaes escolhe o Abade espi-
ritual, e acabado o anno, se tornam a suas abadias onde residiam
e Ihes *deram a cruz; mas cada hum com huma muyto boa joya f. 49,^.
futantiir.
LIVRO I, CAPITULO X. II9
que os Abades espiritual e militar de s. Cruz, juntamente com o
Principe a quem sirviram, escolhem do thesouro das pedras pre-
ciosas, conforme aos servigos de cada hum; e como estes decem
de cima, sovem outros dez a servir ao Principe. Sem estes criados,
estam em sua companhia algumas pessoas graves, sinaladas em
conselho, letras e virtude, embiadas por o Emperador e seu con-
selho, de cuja discre^am e virtude se aproveita o Principe.
Estas e outras muytas cousas diz alli o Author, que, se foram n. Breviter re-
certas, eram de grande policia e governo, suposto que aviam de
ter alli os Infantes; mas tudo he mera fic^am de quem Ihe infor-
mou, porque primeiramente, como dissemos no cap. 6, la cima do
monte nam ha animaes de ca^a, excepto huns que nos chamamos
coelhos, por se parecerem com os de Portugal, e estes ninguem os
come, e tambem bugios ; nem ha peixe nenhum. Por onde os Prin-
cipes nam se podem juntar pera ca(;:ar e pescar, nem menos se jun-
tam pera ir a missa em aquella sala, que pinta tam ornada com
pannos ricos, porque nam ha tal sala, e quando muyto dous da-
quelles Principes, se sam amigos, vam juntos a missa, e se nam a
quiserem ouvir, ninguem Ihes preguntara o porque : tam longe estam
de ir a missa por obriga^am em aquella tam bem ordenada proces-
sam que fingio Joam Balthesar. Nem levam cruz a^ul no peito,
nem paiece que se vio nunca em Ethiopia varrete de cuatro can-
tos, quanto mais tracello elles em a cabega. Huns poem touca, outros
varrete redondo ou que acabe acima em ponta, da cor que acham ;
e mais ordinario he andar com a cabe^a descuberta e o cavello
cumprido. O vestido comummente he branco de algodam ; . e nam
se sirvem de filhos de reys, senam de escravos, como acima disse;
nem sei onde aviam de achar tantos filhos ou descendentes de reys,
se cada Principe avia de ter dez e cada anno Ihe aviam de dar
outros novos.
Do que se ve quam grande fabula seja que, cumprido o anno,
se juntam os Abades espiritual e militar da abadia de s.** Cruz com
o Principe a quem sirviram e vam a sala do thesouro das pedras
preciosas e dam a cada hum a sua conforme a seus merecimentos;
pois nam ha taes criados, nem ouve la nunca thesouro nenhum, nem
abadia do Sp.'° S.'**, nem da s.^'' Cruz, nem ha tal religiam de
f. 50. Cavaleiros Monges e militares de s. Antani; *nem de outros frades
ouve la cima nunca mais que quando muyto 14 e 30 clerigos, como
fica declarado tudo no cap. 6, septimo e 9.
I20 HISTORIA DE ETIIIOPIA
la. Faisum deni- Em o fim do cap. 12 pag. 139 diz mais o Author que esta pro-
que mulieres nullas •• • • -i . . , n ji 1
subiisse unquam hivido com gravissimas penas que nenhuma molher, de qualquer
Amb& Guixftn. estado ou condicjam que seja, possa subir a este monte, e que nam
subio nenhuma desda reynha Candace, que foi em tempo de Christo,
que subio a bautizar os Principes que la estavam; e refuta Fran-
cisco Alvares, porque disse que os Principes estavam la cima do
monte casados com filhos, os quaes tambem casavam, porque Joam
Balthesar falava como testemunha de vista, que fora criado do em-
perador Alexandre 3°, que morreo anno de 1606, quando, sendo prin-
cipe, estava em o monte, e depois subio e residio muytas veces nelle.
Porem Francisco Alvares escreveo a certe^a do que entam passava
e dura ate agora, porque he cousa patente e sabida de todos em
Ethiopia, quc os Principes, que se guardavam em Guixen Amba,
casavam e seus descendentes sempre casaram e tiveram e tem suas
molheres e filhos la cima, como ja dissemos. Tambem falou como
quis Joam Balthesar em o que disse que sirvio ao emperador Ale-
xandre 3°, que morreo o anno de 1606, que, sendo principe, estava
no monte, porque nunca ouve em Ethiopia mais que hum Empe-
rador deste nome, a que elles chamam Escander, e este morreo
pollos annos de 1475, tanto tempo antes que nacese Joam Balthe-
sar; pois diz o Author pag. 7, que, quando chegou a Europa e Ihe
deo estas informa^oes, caminhava pera os 70, e ainda o derradeiro
principe que tiraram daquelle monte pera Emperador, que se cha-
mou Naod, saio de la algxms 50 annos antes que nacese Joam Bal-
thesar; porque de entam ate os annos de 610, que se imprimio o
livro de frey Luis, sam 118 annos. Eu tambem entrei em Ethiopia
em mayo de 603 e nam achei tal Alexandre, como declarei em
o cap. i^, mostrando quantas veces se contradiz no que poUo di-
scurso da historia fala de Alexandre 3°. Nem os Principes se po-
diam servir la de pagens como Joam Balthesar, senam de escravos,
como fica declarado no capitulo. Nem ha pera que determe em re-
futar o que diz que a reynha Candace subio a bautizar os Principes ;
pois tenho mostrado no fim do cap. i e do 7, que o primeiro que
os comegou a meter naquelle monte foi Udm Arad poUos annos
de 1295,
r
f. 5o,v. CAPITULO XI.
£m que se trata do modo que tinham antiguamente
em Ethiopia em eligir Emperador, escolhendo hum
dos Principes de Guix^n Ambli, e do que agora
se usa.
Mu)rto grandes e bem ordenadas foram as cousas que frey Luis i. Refemntur fa-
«TT^j* j • ••jij. bulae Urretae circa
de Urreta disse que se guardavam em a cnacjam e insmo de lotras clectionem impera-
e bons costumes dos Principes, que estam em Guixen Amba, como torum eiusdemque
caeremonias.
vimos no capitulo precedente. Mas muyto maiores e de nam menor
concerto sam as ceremonicis, que affirma em o cap. 1 3 se giiardam
em a elei^am do Preste Joam emperador de Ethiopia, porque, como
elle diz pag. 141, « Entre los de la EthiopiH, la dignidad imperial se
« da por sucession y juntamente por eleccion ; la qual se hace con
« tanta christiandad y virtud, que mas parece eleccion de prelado
« entre religiosos que no eleccion de Emperador entre seculares.
« Cuyo estilo, observancia y ceremonias vera el que me acompa-
« iiare en este capitulo.
« Concluidas las obsequias del Emperador precedente, aviendo
« encomendado el alma a Dios y el cuerpo a la tierra, se da luego
« orden a la futura eleccion del Emperador, para la qual se publica
w € ayuno por todo el imperio de 30 dias continuos, a los quales
« estan obligados por costumbre no solo los ecclesiasticos, sino tam-
C. BKCiAlu. /frr. Ae/A. Script, occ, ined, — II. lO
122 IIISTORIA DE ETHIOPIA
« bien los seculares de qualquier estado y condicion que sea. Estos
« dias de ayuno comien^am del dia que se publica la niuerte del
« Emperador y por todos estos 30 dias se canta por las iglesias del
« imperio, que son innumerables, missa del Spiritu S.*** . Entre tanto
« el gran Consejo, el qual, mientras dura la vacante, tiene todas las
« veces y poder absoluto sobre todo el imperio, ordena que cuatro
« Reyes de los sugetos al imperio vajan al monte de Amhara, los
€ quales con tres Patriarchas, tres Ar<;:obispos y tres Obispos y los
« embaxadores de los otros Reyes assistan en la eleccion. Los qua-
« les no pueden aloijar en ciudad, ni pueblo alguno, sino baxo de
« sus pavellones y tiendas, aunque las ciudades circunvecinas les
« embian todo lo necessario para su comida y de la gente que va
f en su compania con mucha abundancia y regalo. En llegando al
« monte Amhara, se alojan baxo sus pavellones y estan aguardando
« que esten juntos todos los que son necessarios y tienen officio en
« la tal eleccion. Entretanto los dos *Abades espirituales de las dos f. 51,
« abadias del monte, que son los electores del Emperador, baxan
« a recibir, visitar y regalar a los del Gran Consejo, Reyes y Per-
« lados, que estan al pie del monte, y han ido para la futura elec-
« cion. Juntos todos los que estan obligados a assistir, el embaxa-
« dor del gran Abad o Maestre de la orden de santo Anton senala
« el dia competente para la eleccion del Emperador. Entretanto to-
« dos los Perlados, Ar^obispos y Obispos cantan missas del Spiritu
« Santo en los pavellones, dando la comunion no solo a los electo-
« res, sino tambien a todos los que quieren del pueblo. Cada dia
« de mafiana y de tarde predican, exortando y amonestando a to-
t dos que con lagrimas y oraciones pidan a Dios les de a los elec-
« tores su espiritu, favor, gracia y sabiduria para que elijan per-
« sona tal qual conviene al bien espiritual y temporal de todo el
« imperio ; y este estilo de comulgar y predicar se guarda por toda
« la Ethiopia hasta que llegan las nuevas de la eleccion del Em-
« perador.
« Llegado el dia senalado, en que se ha de hacer la eleccion,
- confiessan y comulgan en la abadia del Sp.'" S.*'' los principes
^v del linage y estirpe de David, de los quales se ha de hacer la
<^ eloccion para Emperador. Dcspues de aver comulgado, los llevan
> cada uno a su palacio y en el los encerran como en conclavi, de
<i tal suerte que nadie los puede hablar, ni ver, ni ellos recebir, ni
'^ embiar recaudo alguno ; y para esto ay muy diligente y vigilante
LIVRO I, CAPITULO XI. 123
♦ guardia. Encerra-dos los Principes, los quatro Reyes, Abades y
« Embaxadores, Perlados y parte del Gran Consejo, que estavan
« baxo de pavellones a pie del monte, suben a lo alto a la abadia
« del Sp.*"* S.*** y estando en la iglesia los cuatro Reyes, se visten
j
I « un habito largo hasta el suelo de color a^ul con una cadena de
^ « oro pendiente del cuello y della colgando un joyel de oro, que
4 es la figura del apostolo s. Mateo, y sus coronas en la cabega
« se asientan en un lugar alto, que tienen aparejado para este efecto
« al lado del Evangelio; y al lado de la Epistola se asientan un Pa-
« triarcha, un Argobispo y un Obispo vestidos de pontifical, los
« quales tienen delante una mesa y en cima della un libro de los
« evangelios; y junto a estos asientos estan los del Gran Consejo con
f. 5'»v« « los otros perlados, y detras dellos los embaxadores de los *otros
« Reyes, conforme a la dignidad y antiguedad de cada uno. Este
« mesmo orden guardan los cuatro Reyes a los quales segun su an-
« cianidad asignan los lugares ; el qual cuidado incumbe a los Aba-
« des espirituales de las dos abadias del monte, y estos dos Aba-
« des, que son los electores, estan en medio de la iglesia en sus
« asientos en compania de los dos Abades militares y de doce con-
« sejeros de las abadias.
^ « Quando todo esto esta hecho y sentados todos en sus luga-
« res, entra el embaxador del gran Abad y, sentandose en una silla
« alta dos grados en medio de los perlados y Reyes, les hace a
« todos una breve platica acerca de la eleccion. Acabada esta pla-
< tica, el Patriarcha, que esta a la parte de la Epistola junto al altar,
« hace cantar un hymno em lengua chaldea, que es casi el mismo
« que canta la iglesia latina del Sp.'" Santo, * Veni, creator Spi-
« ritus '. Concluido el hymno, Uama a los dos Abades espirituales
« del monte y haciendoles jurar sobre el libro de los evangelios,
« que tienen abierto sobre la mesa, que responderan segun su con-
« ciencia- y que en la vocacion del Emperador miraran solo al ser-
« vicio de Dios, al pro ccmun del reyno, sin interes ni passion, ni
« afi^ion, les pregunta quantos principes de la casa y linage de Da-
« vid ay en el monte y que edad sera la de cada uno, que incli-
« naciones son las suyas, en que virtudes se senalam mas, que
« defectos son los de cada uno, que mas puedan ofender al bien
« comun del imperio, y abiendo respondido a todo, se arrodillan
W « en tierra los Abades espirituales y el Patriarca, al<?ando la voz,
« les dice: Padres, vosotros, que, como confessores, como ayos y
124 HISTORIA DE ETHIOPIA
« maestros, que aveis tenido officio de padres espirituales y tem-
€ porales, governando y ensenando a estos principes, conoceis y sa-
« beis sus naturales inclinaciones y costumbres, y entendeis las ne-
*: cessidades que al presente se ofrecen en el imperio y juntamente
« deseais su remedio, nombrad entre ellos el que os parezca mas
« idoneo y apto para el govierno del imperio y para mayor ser-
« vicio de Dios y bien de todos nosotros.
« Concluida esta habla, el Abad del Sp '" S.*° dice : Fulano
« tiene estas prendas, se sefiala en tal y en tal virtud, y assi me
« parece digno de tal dignidad y merecedor de la corona y cetro
« de toda la Ethiopia, y como a tal le nombro por Emperador. Y
« si el otro Abad, que esta a su lado, que es de la *abadia de la f. 52.
« Cruz, es del mismo parecer, ipso facto esta hecha la eleccion en
« el principe nombrado ; y si a caso no concordasen estos dos Aba-
« des (lo qual nunca ha sucedido), passa la eleccion a los otros dos
« Abades militares de las abadias del monte con los doce cavalle-
« ros de su consejo ».
a.Itenimaliacom- Ate aqui sam palavras do Author, e pouco mais adiante diz
inenta Urretae.
que guardam tal christandade, tanta virtude e religiam em suas
elei^oes que nunca ouve vandos, nem pretensoes, nem cismas, nem
parcialidades ; e que, como os Emperadores sam de tantas virtudes,
os de Ethiopia Ihes sam tam obedientes que nunca entre elles ouve
tredos nem homicidas e agressores contra seus principes. E pag. 1 46
diz, que, feita a elei^am e nomeado o principe que ha de ser Em-
perador, vam os dous Abades eleitores onde tem ao principe re-
colhido e o vestem com o habito dos cavalleiros de s. Antam e o
levam a igreja do Sp.*° S.'*', onde estam os outios eleitores, e de-
pois de muytas ceremonias Ihe poem huma rica coroa de ouro na
cabe^a e dam na mao o coptro, que he huma cruz de ouro, que
entre todos os reys e monarchas do mundo nenhum leva cruz por
ceptro senam o Emperador de Ethiopia. E por aqui vai contando
tantas cousas que se [se] ouveram de referir, fora multiplicar muyta
escriptura e cansar ao lector com o que he muyto alheo e diiFe-
rente do que em Ethiopia se usa. Com tudo, porque no fim do
cap. pag. 151 poe algumas cousas, que, se foram certas, faciam
muyto pera o que principalmente pretende em sua Historia, que he
provar que os de Ethiopia sempre foram e sam muyto obedientes
a s.''' Igreja romana, e nunca admitiram doctrina contraria a sua,
as referirei por suas mesmas palavras, que sam as siguintes:
LTVRO I, CAPITULO XI. 125
« Acabada la platica, el Patriarcha, llegandose al Emperador,
« tomandole juramento, le dice : Jurais de guardar todas las leyes
< divinas y de procurar que se guarden por todo vuestro imperio ?
« Jurais de guardar los cuatro concilios generales Niceno, Ephesino,
« Chalcedonense y Constantinopolitano ?, y jurais de guardar el con-
« cilio Florentino celebrado por Eugenio 4°[?|. Jurais de guardar la
f. 52,v. « observancia e obediencia *a la s.^* romana Iglesia de los apo-
« stolos s. Pedro y s. Pablo? y jurais de guardar las constituciones
« e estatutos del emperador y senor Juan el Santo y Phelipe 7°[?].
« A todo lo qual el Emperador jura como le esta demandado ».
Depois de Ihe dar este juramento, diz que se alevantam todos
e levam ao Emperador em procissam poUa crasta cantando hymnos
e psalmos, e tornando a entrar em a igreja, se asenta o Emperador
em seu throno, e todos os outros em seus lugares com o mesmo
ordem que antes estavam, e os seis do magistrado com os Abades
e seu conselho vam a tracer os outros principes dos pacjos onde os
tinham fechados e, vestidos com o habito dos cavalleiros de s. An-
tam, vem a igreja, e quando entram, se alevantam todos e Ihes fa-
cem reverencia, e elles de dous em dous vam onde esta o Empe-
rador e Ihe beixam a mao e juram fidelidade e obediencia. Logo
os 4 Reys facem o mesmo e depois delles todos os prelados e em-
baixadores conforme a dignidade e antiguedade de cada hum. E
concluido este juramento, se recolhe o Emperador aos aposentos
do Abade daquella abadia, Ihe dam de comer e descansa o que fica
daquelle dia e dorme aquella noite.
Com isto acava o Author o cap. 13, onde, como temos visto, 3. Electio Impera-
diz sobre a eleicjam, a jura e coroa^am do Emperador tantas cousas, b^C^st^^ln "Guixftn
mas casi nenhuma dellas he conforme, nem tem que ver com o que AmbA neque eam
praeceasit ieiunium.
se acostuma em Ethiopia ; porque primeiramente nunca em Guixen
Amba se juntaram pera a eleigam do Emperador, nem la o jura-
ram, nem coroaram, nem ha mais ceremonias que as que logo di-
remos, nem se pubricam os 30 dias de jejum que diz, nem pregam,
nem ha rey nenhum sugeto ao imperio, mais que o de Dancali, que
he mouro e nunca veio a corte mais que huma vez, pouco tempo
ha, a pedir socorro ao Emperador, porque outro seu parente o des-
varatou em batalha e se apoderou do reyno; mas o Emperador Ihe
deo gente com que o tornou a recuperar. Tambem antiguamente (se-
gundo dicem) era sugeto el Rey de Dequin mouro, que agora o
nam he, so corre com amizade ; e a estes nam aviam de meter na
126 HISTORIA DE ETHIOPIA
elei^am, pois sam mouros, nem os que ouvese gentios, nem o que
ate oje ficou do reyno que chamam Zenyero entra, que he gentio.
E tambem frey Luis de Urreta mostra que os Rey[s], de quem fala,
sam christaos, porque diz pag. 1 6 1 que os que levam a cada Rey
diante *do Emperador pera que jure, dicem : Senhor, eis aqui el f. 53.
rey de tal reyno, que vem a vos jurar fidelidade e obediencia, diz
aver vivido catholicamente e que ha guardado puntualmente o sacro
concilio florentino etc, e que todos juram desta maneira. Mas agora
nenhum rey christao ha mais que o do reyno de Narea, que avera
32 annos pouco mais ou menos este de 622 que o emperador Ma-
lac Qagued foi la com exercito e o fez christao, e este nam vem.
Se antignamente os avia nam sabem dar re^am.
4. Numquam Re- Enganouse o Author por Ihe parecer, ou por Joam Balthesar
ges alii interfuerunt 1« a^ r% • ^r*
electioni, neque Ar- ^"® affirmar, que eram Reys os que nam sam mais que Vissorreys ;
chiepiscopi et Epi- e assi diz pag. 162 que aos que Francisco Alvares em sua Historia
scopi, quia unu8 Bpi-
scopus in tota Ae- chama Vissorreis nomea elle Reys, porque o sam verdadeiros, e assi
nec^miquam ^^v^- ^ reyno se herda de pays a filhos, e se o Emperador priva a al-
triarcha. gfuni do reyno, sucede o filho ou o parente mais chegado. Mas nam
ha tal cousa, porque o Emperador tira a todos quando quer, e muy-
tas veces sem estarem tres annos, e poe outros, que nem sam seus
filhos nem parentes, como eu tenho visto muytas veces. Nem achei
quem disese que entrasem nunca Reys, nem no livro, que elles tem
muyto antiguo das ceremonias, que ham de guardar e dos que por
obrigaQam se ham de juntar a coroar o Emperador, se acha feita
mengam de Rey nenhum, nem de Patriarchas, Argobispos, nem Bi-
spos ; que em Ethiopia os nam ha mais que o prelado que Ihes vem
mandado pollo Patriarcha de Alexandria, a quem chamam Abuna,
que he nomem arabio e quer dicer « Padre nosso » ; nem este he
Patriarcha, segundo me disse o abuna Simam, que mataram pouco
tempo ha, como adiante diremos ; a quem entre outra^ cousas pre-
guntei se era Patriarcha, e respondeo que nam, senam Bispo e que
nem seus antecessores tiveram nunca tal tittulo.
Este Abuna so he o que da ordens; mas o anno de 16 15 Ihe
fez demanda hum frade, que he como Geral da religiam que cha-
mam de Taquela Haimanot, scilicet «: planta da fe » e se intittula
Ichegue, dicendo que a elle pertencia dar as ordens, e ao Abuna
bencer os olios; e dando o Emperador juices, depois que cada hum
alegou cumpridamente de sua justicja, julgaram que so o Abuna
podia dar Ordens; o que declararemos mais em o livro 2°, onde tra-
LIVRO I, CAPITULO XI. 127
taremos do modo com que da as Ordens e dos Ar^obispos e Bi-
spos que Ihe meteram em cabega a frey Luis de Urreta que avia em
f 53»v. Ethiopia. Quanto aos Abades espirituales e militares *da Ordem de
s. Antam, ja disse no fim do capitulo precedente e do 7°, como em
Ethiopia nam ouve tal modo de religiam, e o veremos cumpridamente
no fim do 2^ livro.
Acerca do que diz que em as elei^oes dos Emperadores nunca
ouve vandos, nem cismas, nem parcialidades, nem tredos, nem ho-
micidas e agressores contra seus principes, ja vimos no capitulo 5
como os da familia de Zagne tiveram usurpado o imperio 340 annos,
e adiante veremos quantas revoltas, parcialidades e alevantamentos
ouve em Ethiopia particularmente de 60 annos a esta parte.
Em o que diz, que entre todos os Reys e monarchas do mundo 5. Imperatores
i_ 1 . T- j j T^^i_« • a. praefcnmt Cnicem
nenhum leva cruz por ceptro senam o Emperador de Ethiopia, tam- ^^^^ ^^ sccptmm sed
bem se enganou muyto, porque nam tracem a cruz por ceptro (nem ^^ insigne diacona-
tU8.
cuido que souveram nunca que cousa era ceptro), senam pera mo-
strar que sam diaconos ; que estes e os sacerdotes tracem de ordi-
nario cruces em as maos como de hum palmo e meio de cumprido,
as mais de ferro. Estas ordens de diacono tomam os Emperadores
e homens grandes somente pera poderem entrar a comungar e ouvir
missa onde a dicem, porque os que nam tem ordens todos ficam fora
no alpendre, que tem a rcda da igreja, sem ver o que se faz dentro,
porque estam humas cortinas diante e alli Ihes tracem a comunham.
Mas vindo a cousa mais essencial que o Author refer em este 6. Nequc iurant se
capitulo sobre o juramento que da o Patriarcha ao Emperador, que Slla^una^cuin Flol
guarde os 4 concilios geraes e o florentino e a obediencia a santa '«»*»»<> observatu-
ro8. Contumcliae
Igreja romana, digo que prouvera a divina misericordia que assi quaccontraCalcedo-
o ficeram e guardaram, porque nam se perderam tantos milhares S^^^^SbitS
de almas, como por falta disto ate oje se perderam e se ham de Masaquftbt Haima-
n6t ct aliac contra
perder, se sua divina Magestade nam aplacar sua ira e Ihes der g. Lrconcm Papam in
particular gracja pera que se sugetem a sua s.*^ Igreja romana e a •^*** At^!ujb6^*** "**"
doctrina que ella insina. Porem nam se da tal juramento ao Em-
perador de nenhuma maneira, nem no livro, que tem das ceremonias,
que usam na coroagam do Emperador, se faz men^am de tal jura-
mento ; e por ser esta cousa de tanto momento, nam me contentei
com a preguntar a muytos velhos e senhores grandes, senam ao
mesmo emperador vSeltan (^agued que oje vive; e me disse que nam
se dava aos Emperadores tal juramento, nem a elle Ihe deram nen-
hum ; mas que, quando ouvese dous competidores em o imperio, o
iz8 HESTORIA DE ETHIOPIA
que o levase avia de jurar de cumprir as condi(;oes que concedese
a seu competidcr. E mais como aviam de facer jurar ao Emperador
que guardase o concilio chalcedonense, se elles nam o admitem, *an- i
tes falam delle com palavras tam alheas de christaos que o chamam
concilio de Judeos?; e em hum livro que elles intitulam Mazaguebt
Haimanot, que quer dicer t Thesouro da fe > , falando deste concilio,
diz assi: * Juntaramse mestres parvos 630 com vanagloria e soberva
* querendo ser dobrados que os 318 justos da fe 1; e pouco mais ad-
iante diz: « Tiraram huma palavra da fe de Nestor, que pus duas
1 pessoas em Chisto, huma do filho de Maria e outra do filho de Deos,
« e disseram que polla uniam se ficeram huma pessoa. Isto disseram
* polla escomunham do patriarcha Cyrillo e compuseram das pala-
« vras do patriarha Cyrillo e das palavras de Nestor e assi disse-
« ram Christo huma pessoa, duas vontades, duas naturcpas, duas
« complacencias da divindade e da humanidade. Disseram que a
t divindade faz obras de divindade, c a humanidade obras de hu-
« mantdade por dous caminhos: hum obra maravilhas e outro pa-
t dece infirmidades, e por isto he menor a humanidadc que a di-
t vindade >.
Ate aqui sam palavras daquelle livro, em que quercm mostrar
que se juntaram deproposito muytos no concilio chalcedonense, pera
com forija desfacer o que os Padres do concilio niceno tinham de-
terminado, como se alli se tratara das duas natureijas, duas vontades
e duas opera^oes em Christo, e ccmo se isto fora erra na fe, que
elles affirmam que o he; o por esta re<;am falam de s. Liam papa
com palavras muyto torpes, dicendo que foi como Lucifer; e em
hum livro, que chamSo Haimanot Abbo scilicet * fe dos Padres > , diz
Theodosio patriarcha de Alcxandria cap, 2 estas palavras : « Nam
afastamos como aquelle enemigo Liam maldito, que afastou a quem
nam se afastou, e disse duas naturei;as, duas complaccncias e duas
obras a hum Christo». E pouco mais adiante diz: « Este maldito e
tredo Liam disse duas naturegas e duas obras, e dicendo huma pes-
soa, em isto quis o maldito seu erro em dicer huma pessoa t. Quer
dicer que pera encubrir s, Liam seu erro das duas naturecas etc,
pus huma pessoa,
Acerca do que sentem do Concilio Ephesino, porei as palavras
huma carta em que se assinaram os padres Manoel Fernandez
eus companhoiros de nossa Companhia, que entraram em Ethio-
com n padrc bispo dom Andre de Oviedo, e refer o padrc Fer-
LIVRO I, CAPITULO XI. 129
nando Guerreiro cap. 5 fol. 296 da Addi^am que faz a as cousas
de Ethiopia na Rela^am dos annos 607 e 608, que dicem assi:
f. 54,v. « Ainda que o Bispo poUa grac^a divina *sempre a elle (convem
€ a saber ao emperador Claudio) e a todos concluia, ficavam po-
« rem gombando e bradando, dicendo que elles tinham vencido,
« de maneira que tudo com elle ficava em vao. Pollo que, vendo o
« padre Bispo o pouco que em isto se facia, tomou todas as princi-
« paes materias e pontos de seus erros e se deo a escrever sobre
« elles, e depois Ihe apresentou estes escritos; aos quaes el Rey
« respondeo com facer outros sobre elles, resolvendose juntamente
« que nam avia de ovedecer a Roma, e depois de ter isto asaz de-
« clarado e se mostrar desgostoso contra o Bispo e dicer pubrica-
« mente que nam queria o concilio ephesino 1°, pera o qual o Bispo
« o chamava, senam somente os costumes e fe de seus antepassa-
« dos, o Bispo se despidio delle com determina^am de (saltem ad
« tempus) dar lugar a seus desgostos. Estes tam claros desenganos
« deo el Rey no fim de decembro de 58 ^.
Quanto ao que frey Luis de L rreta diz que o Emperador jura
de guardar as constitui^oes do emperador Joam o Santo e Phe-
lipe 7°, respondo que nam somente nam ha taes constituigoes, mas
nem ainda taes Emperadores ouve nunca em Ethiopia, como adiante
mostraremos.
Ja temos visto quam fabulosa foi a informagam que frey Luis 8. Quae narrat au-
-TT^«' "I 1» j-i^ j • clor circa electionem
de Urreta siguio sobre a elei^am do Emperador; vejamos agora a habuit ab ipao Sel-
que dam alcfuns dos principes de Guixen Amba, com quem falei, e ^ SagAd, ab Abba
^ 6 r r »1 MarcA et aliis fide
outros muytos velhos, assi senhores grandes como frades, particu- dignis. In libris ae-
larmente hum que se chama Abba Marca e tera mais de 80 annos, re^nMmdo^Electores*^
homem letrado e que tem muyta noticia das cousas antiguas e o Em- q^i «* Gubematores
tempore vacationis,
perador Seltan Qagued o fez Quez Ace, que que dicer « Sacerdote novem, scil.: 2 Be-
do Emperador » e parece responde a Capellam mor. Destes me in- ^^4x^*^*11 dA ^e*
formei, por nam achar livro que tratase desta materia, e disseram rAx, a GoitH, et i Aca-
que, morto o Emperador, se juntavam logo na corte ordinariamente nmicluin electionis
os eleitores do principe, a quem se avia de dar o imperio, que eram vocabatur jAn ^arar.
alguns dos que tinham o mesmo titulo dos officiaes que Salomam
deo a seu filho Menilehec pera governo de seu imperio e servi^o
de sua casa, que nomeamos no cap. 4, e sam Behet Oaded, o da
mao dereita e o da izquerda: Uzta Azax, o da mao dereita e o da
izquerda ; Hedug Eraz, o da mao dereita e o da izquerda : Goita, o
da mao dereita e o da izquerda : Acabi^at. Estes eram os eleitores
C. Bbccari. Rer, Aeth, Seript, oce, tned, — II . 17
IJO IIISTORIA DE ETHIOPIA
do que avia de ser Emperador, mas sempre metiam pera conselho
alguns religiosos e doctores graves a que chamam Debteroch, e
todos jup.tos tratavam entre si qual doj principes de Guixen Amba
seria mais apto pera o bom *governo do imperio e mais util e f, 55.
proveitoso pera seus vassallos; e depois de responder cada hum
conforme a noticia que tinha dos principes, se resolviam os elei-
tores e nomeavam o principe que milhor Ihes parecia. Mandavam
logo entrar hum senhor grande, cujo officio era chamar ao prin-
cipe eleito, e por retjam de seu cargo se intitulava Jan (^arar, * cha-
mador do Emperador >• ; e Ihe deciam que fosso a Guixen Amba e
chamase tal principe; e juntamente com elle hia Tigre Mohon, que
entam tinha muyto mayor poder e mando do que tem agora, le-
vando grande companhia de gente de armas, e, subindo ao monte,
entravam na casa do principe eleito e Ihe docia Jan (^ararr Cha-
mam vos os Governadores ; porque os eleitores o cram de todo
o imperio em quanto durava a vagante ; e punhalhe logo na orolha
dereita hum anel de ouro, a que chamam Belij], que era insignia
de ser escolhido por Emperador, como dissem'-s no cap. 5. Depois
se juntavam todos os Principes do monte e Ihe davam os parabens
de sua ditosa sorte, o despidindose delles com muytas mostras de
amor, decia ao campo, onde achava huma fermosa tenda armada
com tudo o necessario de mulas e cavallos pera o caminho, a que
o siguinte dia dava principio.
Rec«ptio, un- Em quanto o Principe vinha, aparelhavam os Governadores o
elecdiaReKem fGcebimento que Ihe aviam de facer e, chegando perto, saiam ao
flebant a 4 e primo- rnininho com grande acompanhamento e aparato, todos vestidos de
^ e, apeandose de suas mulas e cavallos, Ihe faciam reverencia
Ile dava logo sinal com a mao que tornasem a cavalgar e, to-
ndoo no meio, o levavam com muytos tangeres e modos de dan-
ate huma tenda de campo, que tinham armada, muyto grande
edonda casi ao modo das nossas, a que chamam Debana. e nin-
:m pode ter tenda desta maneira senam o Emperador; as dos
nais nam sam redondas senam cumpridas e muyto mais pique-
; e nam se apeava senam dentro da tenda e logo o tomavam
meio Quez Ace, Lfca Debteroch, Lica Memeran, Cerai Ma^are,
■ sam dignidades ecclesiasticas, como Priores. e muytos sacer-
es, e cantam alguns psalmos. Depois Cerai Mai;are o unge com
I cheiroso, e Ihe vestem huma rica vestidura que chamam Leb-
ahai, que quer dicer » vcstido do sol » , e poemlho na cabei;a *huma f. 55.V,
cdo
LIVRO I, CAPITULO XI. 131
coroa de ouro, que tem por remate huma cruz, e damlhe na mao
huma espada desenvainhada, pera significar que em as cousas da
justi^a ha de cortar rectamente, sem ter de ver com parentesco,
nem amizade, por grande que seja, nem dobrarse por outro nenhum
respeito humano. E logo Quez Ace e as demais dignidades o le-
vam polla mao e o asentam no throno imperial, que tem ricamente
adornado e alli Ihe dam muytas ben^oes.
Acabado isto, sobe Quez Ace em huma cadeira alta e como
quem da pregam diz: Ficemos reynar a foam; e logo os circun-
stantes gritam de certa maneira que usam em sinal de grande fe-
sta e alegria e tangemse muytos instrumentos. Depois chegam os
eleitores e os demais magistrados por ordem a Ihe beixar a mao
e dar a obediencia. O mesmo facem Quez Ace, Lica Debteroch,
Lica Memeran com todos os sacerdotes que se acham preser>tes e
come^anse grandes festas, que duram por muytos dias. Mas nam
se acavam com isto as ceremonias de sua coroa^am; anfes a esta
nam a tem por tal, nem se pode chamar Emperador, senam Rey (se-
gundo elles dicem), ate que se unga e coroe em a igreja de Ag^um
do reyno de Tigre com as ceremonias que veremos no capitulo si-
gninte, ou ao menos em huma igreja do reyno de Amhara que se
chama Garangaredaz.
Isto he o que se usava antiguamente, quando escolhiam por lo.Praedictaecae-
T-' ji • /-^•AAiA remoniae locum ha-
Emperador algum dos pnncipes, que estavam em Guixen Amba; buenint usque ad
mas do emperador Naod ate agora nam tomaram de la nenhum, Na6d.
sempre deram o imperio ao filho mais velho do Emperador que
morria; e ao emperador Athanaf Qagued, que nam teve filho, Ihe
sucedeo Adamas Qagued seu irmao, e a este Malac Qagned filho
mais velho de 4 que tinha. Mas morrendo este muyto longe de sua
corte, vindo de huma guerra, nam somente os grandes que estavam
no arrayal, mas os capitaes e todas as cabc^as das familias dos
soldados, que sam mu>^as, se juntaram pera eleger Emperador e no-
mearam a Jacob filho bastardo do Emperador defunto, porque nam
tinha outro.
i
CAPITULO XIL
Das ceremonias que usam em Ethiopia
em a coroa^am do Emperador.
Acabas as ceremonias e festas, que dissemos no capitulo pre- i. Solemnis un-
,,j,3fej,. . -, ' ^ ctio ct coronatio
f. 56. cedente, *determmam o tempo que Ihes parece mais oportuno pera imperatorum fit ab
ungir e coroar ao Emperador em a igreja de Ag-cum do reyno de immemorabili in ec-
, ^ 0^0 ^ clesia urbis Axum.
Tigre, que, ainda que algumas veces se coroavam em a igreja Ga-
rangaredaz do reyno de Amhara, tinham por mais honrra coroa-
remse em a de Ag^um, por aver sido asento da reynha Sabba e
de seu filho Menilehec e cidade muy sumptuosa, posto que agora
seja povoacjam piquena; e tinham por menos inconveniente dilatar
muyto o tempo de sua coroa^am que facer isto em outra parte;
como ficeram muytos, particularmente o emperador Malac (^agued,
que, depois de ter muytos annos o imperio, se foi a coroar a Ag-
giim, pudendoo facer facilmente, se quisera, em o reyno de Amhara ;
e seu filho Jacob, a quem eu conheci, nam se coroou nunca, com
ter o imperio, depois que o eligeram, dez annos ou pouco menos,
contando seis ou perto de sete que, por ser piqueno, governou em
seu nome a emperatriz Mariam Cina molher de seu pae, que elle
nam era legitimo.
Chegado o tempo, em que o Emperador se ha de coroar, vai a. Nomina digni-
j ^ A A j j 1 • j tatum, quae iuxta li-
com grande aparato a Aggum, onde se guarda sempre o livro das
134 HISTORIA DE ETHIOPIA
brum caeremonia- ceremonias, que se ham de facer em a coroa^am dos Emperadores,
nim coronationis, • ^ ^ ^ ■» rn > i_ . t_
adesse debent caere- ^ juntamente estam os nomens dos omciaes, que por obnga^am ham
moniae^letquiduna- (jg assistir a ella ; mas da maneira que os nomiavSo antigiiamente,
quaeque praestet.
e assi os porei aqui. Elahaquetat, scilicet « cabec^a do povo », ou
« Mordomo mor »; Quelebas, scilicet « conselheiro », e traz huma
buceta; Ceraima^are: este traz olio pera ungir al Rey em huma i
buceta de ouro e agoa benta; Quezagabez, scilicet « thesourero da
igreja »; Lica Diaconat scilicet « Arcediago »; Arnes, que he Ma-
gare, vai diante facendo afastar a gente com huma corda grossa e
cumprida de retroz amarrada em hum pao curto ; Arnez, que traz
o sombreiro ou tirasol ; Ceoacergoi, scilicet ^ compadre » ; Delcamoa
e Neguz Hezbai, scilicet « governadores da casa del Rey »; Rac-
macera e Dec^af, scilicet « estribeiro dos cavallos » e * estribeiro
das mulas » . Todos estes assistem a as ceremonias e officios da co-
roagam, e estam em pee, quando o ungem, com as cousas de seu
cargo em as maos, seis a mao dereita e seis a izquerda, e nenhum
outro entra em este ministerio. Elahaquetat traz animaes sylvestres
e mansos e aves que se possam comer, Quelabaz traz flores do
campo e frutas e todo genero de semente que se come, Ceoacer-
goi traz leite e vinho de ubas, as Doncelas de Syon tracem agoa
e vinho de mel e folhas *cheirosas ; o que leva a buceta traz nella f. 5^»^. ^
mezque, que he v unguento do reyno » ; o Quezagabez e o Lica Dia-
conat cstam em pee, tendo a pedra de ara ; Racmacera tem o
cavallo polla redea e Dec^af a mula.
3. De caeremoniis, El Rey vem em seu cavallo pera Ag<;um polla vanda de oriente,
roi^tionem l^peral ^ ^^^^ ^^ ^""^ lugar sinalado esperam, como acostumam a esperar
tor interrogatur a sempre aos Reys, todos os Grandes e o povo, cada hum em seu lu-
pueUa quisnam sit ; .
responsio ; ovationes gar. loda e clerecia com suas vestimentas e aparato e tres don-
populi. Imperator QgU^g ^q meio, huma a mao dereita e outra a izquerda, afastadas e
aunim spargit: qui- * ^ *
nam iUud coUigant. a 3"^ no meio de ambas. Estas duas, que estam a as ilhargas, tem
hum cordam de retroz poUas pontas de maneira que fica atrave-
sado, tomando o caminho por onde el Rey ha de passar, e che-
gando el Rey perto, Ihe diz a do meio: Quem sois vos? Elle re- l
sponde: Eu el Rey. Diz ella: Nam sois. A segunda vez pregunta:
De quem sois vos Rey ?, e elle responde : Sou Rey de Isrrael. Diz
ella: Nam sois vos rey. Na 3*^ vez pregunta: De quem sois vos Rey? j
Entam tira el Rey sua espada e corta o cordam dicendo: Eu sou
Rey de Sion; diz ella: Em verdade, em verdade sois Rey de Sion; f
e logo todos os presentes, grandes e piquenos, dicem da mesma
f
LIVRO I, CAPITUl.O XII. 135
maneira e henchem o ar com voces de alegria e tangem todos os
instrumentos. El Rey vai passando botando ouro pollo cham, que
recolhem sos aquelles que tem costume, e chegando a porta da cerca
da igreja, onde estam postas no cham muytas alcatifas, torna outra
vez a botar ouro por ellas e isto recolhem pera igreja que he pre-
sente de Sion.
Os que tracem os presentes sam: De Belene, que he a terra 4. Domestica et
de Amacen tracem lora, scihcet « vaca do mato »; de Zalamt e de ^^^ incolis circum-
Zagade Gox, scilicet « bufara » ; de Cemen Hayel, que he como ve- «taatium regionum
\ offenintur viventia:
ado, mas os cornos difFerentes ; de A^a tracem Agacen, que tambem monachi psalmos et
he como veado mas tem os cornos torcidos ; de Torat tracem Jabedu, pSu«°flor<M*sDaSit
que he cabra do mato; Tigre Mohon traz Amba^a scilicet « liam » e supcr thronum rcgis.
outros animaes bravos. El rey Grabra Mazcal com conselho de Jared
sacerdote acrecentou a isto a ceremonia que se faz domingo de Ra-
mos, mandando que os do povo trouxesem palmeiras e oliveiras
com fruto. Os religiosos estam em pe com a cruz e o turibulo e
os cantores cantam : « Benedictus qui venit in nomine Domini etc. »
f. s7- e *outras cantigas com diversas toadas e duas em louvor particular
del Rey. Isto cantam dando voltas a roda do lugar onde facem as
ceremonias, e logo tracem o Testamento Velho e Novo e leem os
lugares que tratam dos Reys e dos sacerdotes, e os psalmos de
David e o Cantico de Salomam e outras cantigas, e entam o povo,
que esta presente, como em procissam da huma volta ao lugar onde
esta a cadeira real e botam flores e cheiros sobre ella e, se dentro
do lugar das ceremonias esta algum que nam seja dos diputados, o
botam fora. E alli perto estam amarrados em colunnas hum liam
e huma bufara, e el Rey com sua lan^a fere ao liam, e logo lar-
gam os demais animaes mansos e do mato e todas as aves, e a gente
do arrayal mata por festa os que pode alcan^ar.
Entrando el Rey no lugar onde esta sua cadeira, vai botando 5« Ante thronum
offertur reg^i in va-
ouro pollas alcatifas que estam postas no cham, e asentandose na ^iB aureis Uc et vi-
cadeira, tracem dous pratos de ouro e dous de prata, em os dous °"°* ?* meUe, m ar-
^ ^ genteis aqua et vi-
de ouro leite e vinho de mel, e nos de prata agoa e vinho de ubas. num de vite: inde
Entam ungem al Rey conforme ao costume e burrufam todas as njoribus; pergit ad
cousas da ceremonia com aeroa que tem do rio Jordam e cortam os orandum in eccle-
siam; accipitabAbu-
cavellos da cavega del Rey como aos clerigos em a primeira ton- na et singulis cleri-
sura ; e os clerigos levam os cavellos, os diaconos a pedra de ara ritnl * bei^dictio-
e candeas acessas e vam cantando, e os clerigos com turibulos en- nem; denuoipsebe-
nedicit omnibus et
censando, e depois de dar as voltas como em piocissam a roda do rsvertitur domum.
136 HISTORIA DE ETHIOPIA
lugar onde esta a cadeira real, vam pera huma pedra, que esta a
porta da igreja Sion, que se chama Meidanita Negestat, scilicet « va-
ledoura dos Reys » e poem em cima della os cavellos e botam fogo
dos turibulos e logo toda a clerecia encomenda el Rey a Deos e
a nossa Senhora, e tornando, dicem al Rey tudo o que ficeram. En-
tam come^am a tanger todos os instrumentos do arrayal, e o povo
da grandes voces de alegria. Depois vai el Rey a igreja e, chegando
perto do altar, encomenda sua alma a Deos e a nossa Senhora e
logo torna ao lugar onde foi ungido e, estando em pe no meio dos
douce officiaes, seis a mao dereita e seis a izquerda como primeiro,
chega o Abuna e os Priores das igrejas, clerigos e diaconos e cada
hum por si Ihe da sua ben^am. Depois chegam os Grandes e da
mesma maneira da cada *hum sua ben^am, e como acavam, da el t 57,v.
Rey tambem a todos ben^am e logo vai a sua casa acompanhado
como veio.
Ate aqui sam palavras do livro e nenhuma outra cousa diz
sobre a corc^a^am do Emperador. Onde se ve que nomeando os que
de obriga^am se ham de achar a ella, nam faz men^am de Reys,
de Patriarchas, de Argobispos, nem Bispos; e he certo que nam
ouvera de passar em silencio taes personagens, se elles entraram
em este acto, nem ouveram de deixar de entrar pollo menos alguns,
se os ouvera em Ethiopia. Com o que se confirma o que dissemos
no cap. precedente, que foi muy fabulosa a informa^am que sobre
esta materia teve frey Luis de Urreta.
6. Cur Auctor non De todas estas ceremonias pudera eu dar re^am de vista, se o
potuit interesse co- joi^'^/"' aj ••« ^ ■% ....
ronationi Sclt4n Sa- ©niperador Seltan vagned, sem elle o pretender, mo nam impidira ;
g4d: caeremonias porquc» levantandose hum tirano no reyno de Ticfre e fincfindo que
tunc habitas refert ^ ^ J 6 6 n
ex informatione lo- era o emperador Jacob (que o precedente anno morrera em bata-
t^^^^^aui^ti^^caoito- ^^^ ^ tinham langado fama que escapara), se Ihe juntou tanta gente
neus et amicus im- que Ihe foi forc^ado ao Emperador ir de Dambia com exercito em
peratoris interfuit. ^
mar^o de 1608 e de passo determinou de se coroar em Ag^um.
Do que eu folguei muyto, por desejar de ver aquella festa, que
aquelle tempo estava em Tigre, e assi fui com outro padre ao re-
ceber hum dia de caminho ; o que elle agardeceo muyto e nos fez
muytas honrras. Tinha posta sua principal tenda entre humas ar-
vores a longo de huma ribeira, e todo o campo, com ser muyto
grande, estava cheio de tendas com grande multidam de gente; mas
a limpa de gu[e]rra, que depois vi em ordem, nam me pareceo que
passava de vinte e cinco mil homens. Dalli foi pera Ag^um e che-
I
LIVRO r, CAPITULO XII. 137
gou hum sabbado polla minha e, por dicerem que a quelle mesmo
dia se avia de coroar, fui diante e tomei lugar de onde pudesse vor
tudo; mas elle nam quis entrar: ficou como hum 4° de legoa em
hum campo muyto chao, e antes de meio dia me mandou chamar
e disse, que so domingo avia de estar alli, e 2* feira queria ir
a ouvir missa e prega^am em nossa igreja, que esta como duas le-
goas dalli, no caminho por onde avia de passar. PoUo que me fui
logo pera poder armar a igreja e aparelhar o necessario. Mas o
capitam dos Portug^eses, que se chama Joam Gabriel, que vinha
com elle, me disse depois que aquella tarde foram a tenda do Em-
perador alguns frades com o Abade do mosteiro que ha em Agcjum,
em cuja igreja se avia de coroar, e trouxeram o livro onde estam
f. 5^' *as ceremonias que a cinia referimos e Ihas leram e declararam
todas, pera que soubese o que avia de facer; o que elle ouvio com
aten^am, sem Ihes reprovar nada; mas depois que sairam, disse ao
Capitam: Quanto eu, nam hei de facer todas as cousas que disse-
ram estes frades, porque algumas me parecem superstigoes genti-
licas. Respondeo o Capitam : Senhor, nSo enxerguei nenhuma contra
a fe e, nam o sendo, se V. Mag.^® nam as quiser facer, ha de ser
muyto notado, porque os frades se ham de queixar, e outros ham
de diccr que o que todos os Emperadores ficeram e os letrados
tem aprovado V. Magestade o reprova e desprepa. Disse o Empe-
rador que nem elle notara nada contra a fe, mas que algiimas da-
quellas cousas Ihe pareciam muy impertinentes.
Domingo polla minha saio o Emperador ricamente vestido de 7. Dcacriptio cac-
borcado e setim carmesi com cadea de ouro ao coUo, de que pen- vaWe" distat^ab*ca
dia huma cruz muyto fermosa, em hum poderoso cavallo muyto bem «upcrius aUau ez li-
. bris ecclesiae Azum.
enxae^ado, e por ser de corpo dos mais bem despostos de sua corte,
de cores va^as, o rosto cumprido, os olhos grandes e fermosos, a
nariz afilada, os beigos delgados, a barba preta e em boa propor-
9am cumprida, mostrava grande magestade, e tinha entam 32 annos.
Levava diante todos seus capitaes cada hum com sua gente posta
em ordem, a de pe na dianteira e logo a de cavallo, todos vesti-
dos de festa com muytas vandeiras e tangendo seus atabales, trom-
betas, cheremellas e frautas, que tem a seu modo, e disparando
muyta espingardaria, com o que resonava todo aquelle espa^oso
campo. Ultimamente vinha o Emperador com muytos senhores de
cavallo. Estava esperando como hum tiro de besta da povoa^am o
Abuna com muytos frades e clerigos revestidos e com cruces e tu-
C. BsccAlu. Rer. Aeih, Scripi, occ, ined, — II. 18
1^8 mSTORIA DE ETHI. iPIA
ribulos e grande multidam de gente. Tinhani postas n» cham muy-
tas alcatifas a longo de tiuraa pedra nam mu^to a)ta, de dous co-
vados de lai^o e de grosso menos de dous palmos de huma e outra
parte cham, e toda escrita de letras tam antiguas que agora nam ha
qaem as saiba ler; e como hiam chegando alli os capitaes, se pun-
ham a huma c outra vanda do caminho, apeandose todos, e pas-
sando o Emperador poilo meio, se apeo hum pouco antes de che-
aas onde estavam os sacerdotes, e foi so andando ate chegar ao
'dam de retroz que tinham polias pontas as duas doncellas. como
semos acima quc se ordena no Ii\TO das ceremonias. e a outra
meio Ihe preguntou: *Quem sois vos? Respondeo: Eu el Rey. t. 58,^.
ise ella: Xam sois. Entam ^Hrou elle pera atras e dando cinco oa
s passos tor[noa] a voltar pera ella (que ainda que no Uvro nam
a isto, disseramlhe os frades que assi o avia de facer) e como che-
i, Ihe torpou a preguntar : De quem sois vos Rey?; elle respon-
) : Sou rey de Isrrael. Disse ella : Xam sois nosso Rey. Deo volta
i como primeiro e, por ser esta huma das cousas que Ihe pare-
m impertinentes, nam pudo deixar de dar alguma mostra de riso,
da que poucos Iha enxergaram. A 3* vez que a doncella Ihe
rguntou, levou elle de huma espada larga muyto rica, que tracia
iracollo, e cortou o cordam dicendo: Eu sou Rey de Sion; e
nando a espada a vainha. come<;ou a semear pedacinh^js de ouro
llas alcatifas. Disse a doncella duas veces; Em verdade sois rey
Sion; entrai. E logo todos em alta voz disseram: Vi^-a, \-iva el
y de Sion, e come^aram a tocar todos os instrumentos musicos
i tinham e disparar a espingardaria com muyta festa.
Acabado isto, foram em procissam ao mosteiro cantando os fra-
i e clerigos: ■■ Benedictus qui venit in nomine Domini etc. » com
:ras cousas, ate entrarem a primeira cerca, onde esta hum patio
inde e debaixo de humas ar\'ores 12 asentos de pedra bem la-
ida postos em fieira, e hum pouco afastado 4 colunnas de pedra
n seus capiteis bem fcitos, e parece sustentavam primeiro alguma
jbeda. Entre ellas outros dous a.sentos de pedra, e dicem que so-
• estcs e os outros 1 2 as'ia antiguamrnte cadeiras de pedra mujto
n lavradas e que, quando se coroava o Emperador, as cubriam
las de sedas e borcados.
Francisco Alvaros em sua IHsforia fol. 45 diz tambem que as
a e que eram de huma so pf^dra f- feiias tam ao natural que pa-
iam de madeira, c que af^ucllas \z foram dos 12 ouvidores, que
UVRO I, CAPITULO XTI. 139
o Emperador tracia em sua corte. Mas agora nam ha taes cadeiras, bua flt mentio in li-
posto que em as pedras se veem os encaxes onde parece que esti- ffj^storia^micla^
veram; e isto da tambem a entender o livro das ceremonias, di- Alvare».
cendo que a cadeira real estava no lugar onde se faciam as cere-
monias, porque onde estam aquellas colunnas se acostumaram a
coroar sempre os Emperadores que vieram a Ag^um. Estes dous
asentos de entre as colunnas somente cubriram com pannos de seda
e o cham com alcatifas muyto fermosas, e no [da] mao dereita se asen-
tou o Emperador e no da izquerda o Abuna. Os frades e clerigos fica-
f. 59. ram da vanda *de fora de hum parapeito baixo de pedra, que de
novo tinham feito a roda das colunnas, e cantaram e leram em os
livros grande espa^o de tempo e em certos passos se alevantava o
Abuna e facia suas ceremonias : humas veces ungia ao Emperador
na cabepa, e outras Ihe cortava os cavellos onde tinham tocado os
olios; e os sacerdotes os levaram cantando e encensando com seus tu-
ribulos e os queimaram perto da porta da igreja e meteram a cin<;a
dentro de huma pedra, que tem pera isso, e fecharam com outra e
tomaram pera os outros que ficaram cantando perto do Emperador.
Acabadas as ceremonias, que duraram muyto tempo, se ale-
vantaram o Emperador e o Abuna e, levando diante os frades e
clerigos com suas cruces e turibulos cantando, foram em procissam
a igreja, que esta dentro da segunda crasta, e entrando, depois de
facer ora^am, se asentou o Emperador em hum trono que Ihe tin-
ham feito com cortinas de seda a roda ; e disseram missa solemne,
em que comungou o Emperador; e como se acabou, saio muyto
acompanhado, com hum chapeo de velludo a^ul escuro de falda larga
em a cabe^a, e a copa toda a roda chea de chapas de ouro como
flor de lis, e no alto seu remate com algumsis pedras piquenas
engastadas ; que este he o modo de coroa que usaram os Empera-
dores ate este, que em setembro de 616 fez huma coroa de ouro
como as que usam nossos Reys, por huma forma que Ihe veio da
India, e subindo em seu cavallo, foi pera as tendas com o mesmo
ordem que veio, e ainda que me tinha dito que avia de passar o
siguinte dia, esteve alli tres dias com muytas festas.
Quarta feira como as dez horas chegou a nossa aldea, que se 9, Post coronatio-
chama Fremona, onde Ihe estavamos esperando tres padres com a U^gj^ Auctorem
igfreja muyto bem concertada pera dicer missa e pregar , mas por Fremonac eique au-
. rum et terras dat pro
vir encalmado, disse que ficase pera o dia siguinte, e entrando em ecclesia Patmm.
nossa casa com alguns Grandes esteve praticando comnosco so-
I40 HISTORIA DE ETHIOPIA
bre diversas materias com tanta familiaridade, como se fora algum
senhor dos mais devotos que ca temos, ate que se punha o sol,
sem comer nem beber, por ser cuaresma (que nella nam comem,
nem bebem ate entrado o sol), e aquellas horas se foi pera as tendas
que estavam perto ; onde Ihe mandamos algumas igoarias e, ainda
que poucas, as estimou muyto por serem temperadas a nosso modo.
Aquella noite Ihe vieram negocios, sobre o que Ihe foi necessario
tomar *conselho, e assi poUa minha mandou marchar o exercito e . s^.v.
ficou elle na tenda com os capitaes, e invio nos a dicer que a re-
cobagem e gente de pe hia antes que entrase muyto o sol, msts que
elle avia de ouvir missa. O conselho porem nam se acabou ate
pouco antes de meio dia; pollo que parteo com toda a cavalleria,
que era muyta, e mandou nos dicer que Ihe pesava de que o tempo
nam desse lugar pera poder ouvir missa e deonos peso de trecen-
tos cru^ados em ouro; que ca (como ja tenho dito) nam ha moeda;
e a as terras que antes tinhamos nos acrecentou outras muyto maio-
res, que se continuavam com ellas.
10. Inde aggredi- Tendo caminhado dous dias, Ihe vieram novas que o alevan-
tur cum 8UO ezercitu ^ , ^ , ^
rebelles tigrenses, ^ado entrara em humas terras muyto asperas e montuosas, que estam
quorum dux tamen perto do mar, e assi determinou de ter alli a Pascoa, porque, de-
cum paucis fuga sa- '^ ^ mt ^
lutem invenit. mais de que nam acostumam a caminhar os oito dias, antes queria
que visem a que parte fora, pera saber por onde avia de entrar ; e
mandoume dicer sabbato de Ramos, que, ja que primeiro nam pu-
dera ouvir missa, Ihe fosse a pregar a semana santa; com o que
folguei muyto, porque em Ethiopia casi nunca pregam. Mas 2^ feira,
estando eu pera partir, chegou outro recado que nam tomase tra-
balho em ir, porque Ihe era for^ado caminhar com muyta pressa,
antes que o alevantado fugise pera humas terras de gentios, onde
deciam que queria entrar. Foi elle logo e fez tomar os passos, de
maneira que o alevantado nam achou outro conselho pera poder esca-
par, senam deixar a gente que tinha e meterse pollo mais basto do
mato com sos cuatro homens de quem se fiava, e sucedeolhe tam
bem que por mais diligencia que fez o Emperador, nunca o pode
achar, porque esteve escondido em hum lapa, sustentandose do leite
de algumas poucas cabras que lebou comsigo. E vendo o Empe-
rador que se Ihe chegava o inverno, que ca come^a em junho, se
tornou pera Dambia sem facer nada ; mas depois do inverno, pas-
sandose o alevantado a outras terras com obra de 600 liomens, o
mataram, como adiante veremos.
r
LIVRO I, CAPITULO XII. 14I
Em o que temos dito se ve bem quam difFerentes sam as cousas ix. Ez dictis au-
r T ' j TT j. r 1- j-i^ pfA dc coronatione
que frey Luis de Urreta refer no cap. 13, sobre a coroa^am do Em- Bequitur descriptio-
perador de Ethiopia, a as que na verdade se usam. Tambem no ^*™ Urretae fabulo-
sam ease.
cap. 14 conta como, depois que o coroam, Ihe entregam os thesou-
ros de Guixen Amba com grande solemnidade e elle reparte libe-
ralmente com os presentes; depois dece do nionte acompanhado
dos senhores do Gram Conselho, dos Reys, cmbaixadores e prela-
dos, e dos demais, que subiram a elei^am, e vai pera a cidade de
f. 60. Zambra, onde Ihe facem grande *recebimento e elle entra com grande
aparato em hum elephante ricamente enjae^ado; e passados 15 dias
que gastam em festas, se parte pera a cidade de Saba. E em o
capitulo 15 diz que todos os Reys sugetos ao imperio vem a ci-
dade de Saba a dar a obediencia ao Emperador e cada hum de por
si entra em hum elephante, e esto mesmo tornam a facer depois
de sete em sete annos. Mas todas estas cousas sam fabulas c
meras fic^oes, porque, como dissemos no cap. 9, nam ha en Gui-
xen Amba (a que elle chama monte Amara), nem ouve nuuica the-
souros nenhuns , nem la se juntaram, nem juntam pera eligir, nem
jurar ao Emperador, nem ha taes Reys, como vimos em os dous
capitulos precedentes, e muyto menos ha elephantes mansos, nem
os ouve nunca em Ethiopia, nem taes cidades de Zambra e Saba,
como adiante diremos.
CAPITULO XIII.
Em que se trata do modo com que o Emperador de
Ethiopia ouve os officios divinos.
Antiguamente, quando os Emperadores de Ethiopia nam se x. Vetus consue-
tudo iuzta quam ne-
deixavam ver de nmgiiem, mais que de trmta minmos de servic^o j^^ poterat aspicere
que tinha dentro de seu paco, de suas molheres e do Behet oaded y'*!*^ Imperatoris
^ ^ ^ iam inde a tempore
da mao dereita e o da izquerda e do Acabipat, que se algnm outro Prancisci Alvare* a-
homem grande, ainda que fosse cunhado ou jenrro, alcancjava licen^a
pera falar com o Emperador, avia de ser de noite, e tiradas todas
as candeas, de maneira que nam Ihe via o rosto, como dissemos
no cap. 4, quando os Emperadores se aviam desta maneira com
seus vassallos, tambem indo a missa, tinham grande resgnardo, pera
que nam os visem ; e asi o emperador Zara Jacob fez hum caminho
com cerca muyto alta de huma e outra vanda do pa^o ate a igreja
(como se conta em o livro de sua historia), e por alli hia sem que
o visem ; e quando entrava, nam avia de estar em a igreja mais
que os superiores de alguns mosteiros grandes, pera cantar, e logo
se metia entre suas cortinas e dalli ouvia missa, e quando queria
entrar na capella pera comungar, saiam todos, sem ficar mais que
Acabicat, e- outros cuatro sacerdotes, e depois tornava ao pa^o
pollo mesmo caminho; mas assi a ida como a vinda dava sinal
hum pagem com a mao de dentro do pa^o, aos musicos que espe-
144 HISTORIA DE ETHIOPIA
ravam fora com muytos instrumentos, pera que tangesem e ficesem
festa, e com isto sabia a gente de fora quando entrava e saia de
missa, como dissemos no cap. 5. Mas depois foram deixando os
Emperadores esta superstif^am, e se comei;aram a mostrar *ao povo f. 6o,v.
e hiam com grande aparato a missa, como affirma Francisco Al-
res em sua Historia Ethiopica fol. 147, falando do emperador
ivid, que depois se chamou Onag (^agued, a quem dou muyto
lis credito em este particular que a inforraaijam da gente desta
rra, porque diz, que o vio dia de Pascoa de resureitjam antes
amanhecer; poUo que referirei suas palavras que sam as si-
lintes :
« Despues de media noche fuimos llamados y cn llegando a la
puerta principal de su gran tienda, vimos que, desde ella hasta la
iglesia de s." Cruz (que estava de alli hum tiro de arcabuz), avia
por los lados mas de seis mil candelas encendidas y puestas con
^ande orden apartada la una hacera de la otra casi 40 o 50 pas-
jos; detras dellas avia inlinita gcnte, de manera que los que las
tenian, les hacian reparo, porque tenian caiias atadas en hilera
anas dc otras y puestas ante si, sobre las quales ponian las can-
Jelas en gran compas. Delante de la tienda del Emperador andavan
:uatro sefiores a cavallo, y pusieron nos junto a ellos; y luego salio
3I Emperador sobre un hermoso macho mor»;ii]o, tan grande como
nn gran cavallo, y el lo tenia en muclin trayendolo siempre con-
iigo. Venia el Emperador vestido de unas ropas de brocado muy
luengas que llegavan al suelo, y tambien iva cl macho cubierto
3e lo mismo. Llevava en la cabe»;a su corona y en la mano una
:ruz. Tras del lc trayan dos poderosos cavallos enjae^ados y cu-
biertos de brocado, los quales con la lumbrc de las candelas pare-
:iam ser todos de fino oro, y cada uno llevava su diadema bien
:umplida com grandcs penachos cn la cabei;a, Luego que el Em-
perador salio, se iueron aquellos cuatro de cavallo y nos pusieron
3etras del, para quc fuessemos alli, sin que otra persona le siguiese,
ialvo vinte o treinta sefiores que ivan delante delle a pie, Desta
iuerte llegamos a la iglesia de s.'* Cruz, en la qual luego el Em-
perador se metio en sus cortinas y, salida la clerecia que avia den-
:ro y juntandose con otra mucha que eslava fuera, por no caber
;n la iglesia, sc hi^o una procession muy solemne, yendo nosotros
il principio della entre las dignidades mas honradas que avia. Buel-
:os que fuoron a la iglesia, officiaron la missa y ya que era aca-
LIVRO I, CAPITULO XIII. 145
« bada y querian dar la comunion, nos dixeron que fuessemos a decir
« nuestra missa, que ya teniamos una tienda armada para ello junto
« a las tiendas del Emperador. Nosotros fuimos luego y, como vie-
« semos que nos tenian armada una tienda negra, pensamo[s] que se
€ burlavan y assi la dexamos y fuimos a nuestras tiendas que esta-
« van junto al rio ».
f. 61. *Ate aqui sam palavras de Francisco Alvares, em que se ve 3- Quomodo ircnt
^ 11- ^ Imperatores ad au-
o aparato com que o Emperador hia a missa ; mas entam o que- dicndam Missam
reriam mostrar mayor que o que usava de ordinario, por ter estran- tempore Auctoris.
geiros em sua corte. Agora raramente vai o Emperador de noite
a igreja, nem Ihe he necessario isso pera ouvir missa; porque, ainda
que em todas as igrejas se come^am sempre os officios duas horas
ou mais antes de amanhecer, em as festas sam tam cumpridos, que
nam se acavam ate saido o sol, e entam se come^a a missa, e al-
gumas veces muyto mais tarde. Porem a qualquer hora que se seja
tempo da come^ar, estam obrigados os das duas igrejas, que tem
o Emperador perto fora da cerca de seu pago, a dar sinal pera se
quiser ir a ouvir missa, nam com sinos, que nam os ha, como dire-
mos no segundo livro, senam com hum atambor de cada igreja casi
da sorte dos nossos; e perto da porta do pa^o dam com a mao
nelles algumas pan^adas, e logo o Emperador Ihes manda recado
se ha de ir, ou nam. Mas quando elle quer ouvir missa, ordinaria-
mente manda recado muyto antes que se comege e poem la com
tempo sua cadeira,
Este de agora tem como as nossas de damasco carmesi com 4« Deacriptio ca-
- . - ' n n t j i_ thedrae Imperatoris
franjas de retroz carmesi e de no de ouro; os pregos de cabe^a j^ ecdesia et pom-
cnrande, muyto bem feitos, dourados e no alto dous pranchonos de P*« ^? rwlitu. De-
o ^ j '^ scriptio seUae impe-
cobre tambem dourados. Tem outras cadeiras da China douradas, rialis in regio ten-
com os asentos de velludo verde e carmesi. Sempre vai a igreja
a pe, porque esta muyto perto do pa^o e quando sae delle, leva
diante muytos senhores ricamente vcstidos e detras alguns pagens
piquenos, tambem muyto bem vestidos, e ordinariamente de huma
e outra vanda do caminho esta cheo de gente e diante de aquelles
senhores vam muytos porteiros do pago com huns paos curtos em
que tem amarradas correas muyto cumpridas, com que facem afa-
star a gente pera que de caminho. E como o Emperador entra na
igreja, se asenta em sua cadeira, que esta entre cortinas muyto fer-
mosas de seda, c de alli ouve missa, e torna da mesma maneira
que foi. Mas no pago nam se asenta ordinariamente em estas ca-
C, Bbccari. /ifr. Aeth, Script, occ, insd, — II. 19
146 HISTORIA DE ETHIOPIA
deiras senam em hum esquife dourado com quatro colunnas tam altas
como hum homem, com muyta laceria e a cabeceira casi tam alta
como as colunnas com algunas figiiras, conchas e folhagens, que
Ihe dam muyto lustre, e seu pavelham de seda muyto fermoso e
todo elle muyto bem omado com colchas de seda, e os rodapes de
borcado com franxas de fio de ouro.
5. Descriptio pom- *Isto he o que eu vi mu^rtas veces indo a missa o emperador f. 6!,v.
^ ^bT contulit ad Seltan (^agued. Tambem o emperador Atanaf (^agned, que primeiro
audiendam miMam g^ chamava Za Denguil, em junho de 1604, depois de eu ter por
comm ab Auctore muytos dias disputas diante del com seus letrados sobre as cousas
e ratam. ^^ ^^^ contrariam nossa santa fe e de ter muyto bem entendida
a verdade e estar resoluto em dar a obediencia a s.** Igrejaromana,
me disse que desejava muyto ouvir nossa missa e ouvir pregagam.
Respondi que nam tinha vinho, que o tinha mandado a huma terra
onde estavam os Portugueses dous dias de caminho, parecendome
que avia de ir logo pera que confessasem e comungasem. Mandou
elle que me desem pasas, dfcendo que. por falta de vinho, nam
deixase de Ihe dar aquelle gosto, parecendolhe que nos deciamos
missa com vinho de passas como seus sacerdotes. Respondi, que
faria tracer o vinho com toda pressa, que com aquello nam se po-
dia dicer. Como chegou o vinho, mando elle armar huma tenda muyto
grande de tres mastos, dentro da cerca do pa^o, que era muyto
espa^osa, onde concertei hum altar o milhor que pude com algu-
mas imagens, e pera a vanda do evangelho hum pouco afastado,
puseram outra tenda piquenha muyto fermosa e no cham ricas al-
catifas e sobre ellas sua cadeira com dous coxins de velludo car-
mesi diante. Depois, como foram horas, veio o Emperador vestido de
setim carmesi do mesmo corte de Turcos cumprido ate os pes, mas
a roupa de debaixo com colarinho alto como os nossos. Tracia diante
muytos porteiros que faciam dar caminho com correas como as que
a cima disse; porque a gente era tanta que com difficultad[e] davam
passo. Tras dos porteiros se seguiam muytos senhores ricamente
vestidos, e no ultimo o Emperador com o governador do imperio
e seu mordomo, e detras alguns pagens; e como chegou, se asen-
tou em sua cadeira, ficando todos aquelles senhores aos lados da
tenda piquena sentados no cham em alcatifas, de maneira que
nam o podiam ver; sos dous pagens piquenos, vestidos de bofeta
e cabayas de tafi<;ira de seda carmesi, com tocas em as cabe^as
e espadas em as maos, nam nuas s^^nam com vainhas, estavam a
LIVRO I, CAPITULO XIIL 147
porta da tenda hum de huma vanda e outro de outra; e desta
maneira ouvio missa e pregagam com grande silencio de todos; e
como se acabou, se foi com o mesmo ordem que veio. Adiante,
quando tratar deste Emperador, referirei mais en particular as cou-
sas que auve em esta e outra vez que ouvio missa; que agora nam
f. 62. pretendo *mais que mostrar o modo com que os Emperadores vam
a igreja e estam nella.
Frey Luis de Urreta trata esta materia no capitulo 16 e traz 6. Festum Inven-
1 r ^ • • jt' T- j j T-^v' • tionis 8. Crucis de-
algnmas festas principaes, em que diz que o Emperador de Ethiopia scriptum ab Urreta
vai com pompa e aparato a igrejia. A primeira he da inveuQam commcntitium, im-
mo ig^otum apud
da ss.* Cruz, em cuja vespra affirma que poem huma rica tenda Aethiope8,quitamen
fora da cidade e dentro armam os sacerdotes hum curioso altar e J^brant f^um^al-
sobre elle poem huma cruz de cedro em memoria da que achou tationia eiusdem.
a s.** emperatriz Elena ; e o dia siguinte sae o Emperador em hum
elephante acompanhado de toda sua corte, e chegando a tenda, en-
tra, e posto de joelhos diante da cruz, adoura com grande devoc^am
e facendo o mesmo os demais, tiram seus vestidos e poem outros
pretos, como o faz o Emperador; o qual chega logo ao altare, to-
mando a cruz com grande reuerencia, a leva a cidade a pe em com-
panhia daquelles cavalleiros e prelados, que vam em procissam por
ordem ; e chegando ao pa^o, a poe decentemente na capella impe-
rial onde estam ajoelhados como hum 4° de hora, e depois se va
cada hum a sua estancia. Isto diz frey Luis; mas primeiramente,
como jam temos dito e me affirmou o mesmo Emperador, nunca em
suas terras se vio elephante manso, nem se faz de nenhuma maneira
festa da inven^am da s.** Cruz. E preguntando eu a hum frade ve-
Iho, que podia dar milhor re^am que os demais, se primeiro fa-
ciam esta festa, me disse que antiguamente a faciam, mas nam
sabia se com estas ceremonias; e ainda que a ficeram assi, nam
aviam de levar a cruz ao pa^o, porque dentro nunca ouve capella,
senam a huma de duas igrejas, que tem o Emperador ordinaria-
mente hum bom tiro de pedra afastadas : huma he de Jesu e outra
de Nossa Senhora. Nem aviam de estar de joellios, como diz, por-
que ca nam se usa facer orapam senam em pe ou asentados no
cham. Porem o dia da exalta^am da s.** Cruz facem muyto grande
festa, balhando toda aquella noite, e ainda em algumas terras, como
no reyno de Tigre, come^am hum mes antes a balhar nas ruas to-
das as noites, e o mesmo dia, antes de amanhecer, andam os mance-
bos e mininos com fachas acessas muyto cumpridas feitas de pauci-
148 HISTORIA DE ETHIOPIA
nhos delgados muyto secos gritando e pidindo a Deos com palavras
de g^ande alegria que os deixe chegar a outro anno, e quando aman-
hece acendem muyta lenha, que tem junta. Este dia vai o Empe-
rador a missa *com o acompanhamento e ordem que acima dis- f. 02,v
semos ; mas nam faz ceremonia nenhuma das que frey Luis aponta,
e como torna, vam muytos mancebos a balhar a porta do pa^o, e
mandalhes dar oito ou dez vacas. Depois andam pollas casas dos
senhores balhando e tambem Ihes dam vacas, ou fato, com que as
comprem. Em isto gastam oito dias. Ate os gentios, que nam obe-
decem ao Emperador, facem esta festa, acendendo grandes fogos e
matando muytas vacas.
7. Palsa descrip- A 2* festa que poe he domingo de Ramos, em que diz que o
tio festi in Dominica -1- j • • • ^ j j ^i
Palmaram ab Urreta Eniperador vai a igreja com a pompa acostumada, e de seu throno
tradita. ouve os officios ate que se comecja a paixam, que dece do throno
e, tirado o vestido imperial, veste o que tracia no monte e o mesmo
facem todos os circunstantes e, tirados os vestidos ricos, poem outros
pretos e os tracem toda a semana santa, em que nam trata nego-
cios, nem se acompanha com pessoa nenhuma senam com os em-
baixadoures de Portugal e do Vissorrey de Goa e do Consul dos
mercadores de Italia, e com elles come aquella santa feira, e dia
de Pascoa vai a igreja acompanhado das mesmas pessoas e as de
sua corte; e em come^ando « Gloria in excelsis Deo », mudam os
vestidos ordinarios em outros ricos assi o Emperador como os ca-
valleiros que o acompanham; e como acavam de ouvir missa, de
comungar e dar gragas, torna o Emperador a pe ao pa^o e ao
siguinte dia, de pois de ouvir missa, se poem tres grandes mesas
com tres aparadores ricos, hum com a baxella de ouro, outro de
prata e outro de porcelanas e barro fino. Em a primeira mesa come
o Emperador com dous sacerdotes; em a 2* os embaixadores e
cavalleiros da terra latina; em a 3* os filhos dos Reys com os do
g^an conselho do Emperador, e como se alevantam as mesas, Ihe
ofFerece cada hum alguma pe^a curiosa como de christal ou cousa
semelhante.
Tudo quanto aqui diz frey Luis tambem he muyto contrario
ao que ca se usa, porque o Emperador e os que o acompanham
domingo de Ramos nam mudam os vestidos em a igreja, nem ouve
nunca consul dos mercadores de Italia, nem veio embaixador nen-
hum de Portugal, nem do Vissorrey da India, depois que o padre
bispo dom Andre de Oviedo entrou em Ethiopia, que foi em mar<;:o
LIVRO I, CAPITULO XIII. 149
^^ ^557J ^ como foi recibido diremos adiante; nem com o Empe-
rador come nunca ninguem de nenhuma maneira, ainda que seja
sacerdote ; nem ha taes aparadores com baxella de ouro e de prata
f. 63. *se nam de hum barro preto fino, porcelana e cobre, como dissemos
cap. 9. Quanto das ceremonias que usam em a semana santa os ec-
clesiasticos e seculares, trataremos em o segundo livro.
A 3* festa que frey Luis poe he a do ss.** Sacramento e diz 8. Quam absonum
que a mandou celebrar em Ethiopia o papa Paulo 3°, que foi eleito reta^circa fMtom^s"
no anno de 1534; e chegando seu breve em tempo do Preste Joam Sacramenti in Ae-
_ .j j , , , ,. thiopia celebratum
David, dous annos antes que morrese, obedeceo como obediente ex mandato pontifi-
filho da igreja romana e mandou logo que por toda a Ethiopia se ^*'^* ^^^*
celebrase. E diz que facjem huma solemne procissam poUa cidade
com o santissimo Sacramento, e detras del vai o Emperador e que
as candeas que levam sam innumeraveis, e que casi todos balham
e facem muytas dan^as, e tem por costume que, em quanto passa
a procissam por alguma rua, ninguem pode estar em janella nem
terrado, senam que todos ham de sair a rua, descuberta a cabe^a,
e ajoelhamse com grande devo^am ehumildade; e guardam isto com
tanto rigor, parecendolhes que ver o ss.™** Sacramento de alguma
janella ou lugar alto he irreverencia ; que as freyrais, cujos conventos
sucede estarem em as ruas por onde passa a procissam, sendo cousa
forcjosa avella de ver de seus corredores, he costume muy recebida
que de^am todas a porta da igreja e se ponham em dous coros cu-
bertas com seus veos e com candeas em as maos estam ajoelhadas
em quanto passa a procissam.
Isto que diz o Autor tambem foi inven^am de quem o infor- 9. In Aethiopia
r Tr-1.1-' • j. 1 • r nullae domus cum
mou; porque nem se laz em Ethiopia tal procissam, nem se fez fcnestris sedtantum
nunca, que por nenhum caso tiram o Sacramento da igreja; so o parvae casae terreae.
NuUa monasteria
tracem ate a porta onde comungam as molheres e os homens que monialium.
nam tem ordem sacro; porque sem elle nam podem comungar nem
ouvir missa la dentro. Se o summo pontefice Paulo 3° mandou que
se ficese ca esta festa, nam se executaria; nem os edificios de ca
sam como os de Europa, pera que se possam por as janellas, se-
nam, como ja por veces tenho dito, casas terreas algumas como
lojas cumpridas e outras redondas muyto baixas, todas cubertas de
palha que Ihes chega ate muyto baixo, excepto a provincia que
chamam Hamacen, onde acustumam terrados; mas nenhuma casa
ha sobardada e todas muyto baxinhas. Este emperador Seltan (^a-
gued fez pouco ha huns pa^os de dous sobrados com terrado e no
I50 . KISTORTA DE ETHIOPIA
mais alto huma casa, *que Ihe serve de mirador, e do cham ate f. 63,v.
cima sam 60 palmos. As freiras tambem moram em estas casinhas
de palha nam juntas, senam cada huma onde quer e vai por onde
quer, sem que ninguem Ihe pregunte porisso; porque, em dando-
Ihes os frades o veo, se tornam a casa de seus pays ou parentes, ou
a sua, se a tinha ja afastada, e se algumas se querem ficar enco- ^
stadas ao mosteiro dos frades que Ihes deram o veo, tambem mora
cada huma afastada em sua casinha e vai pera onde quer; mas
dicem que antiguamente estavam algfumas em communidade.
^.
CAPITULO XIV.
Do aparato que leva o Emperador quando caminha
e da ordem com que asenta suas tendas.
Assi como antiguamente o Emperador de Ethiopia, quando i. Modus iter ha-
..... bendi Imperatonim
estava em seu pago, nam se deixava ver de ninguem mais que tempore antiquo.
dos que dissemos no capitulo precedente, assi tambem, quando ca-
minhava, ningnem o via; porque, como diz hum livro de Ethiopia,
que trata da cousas do emperador Zara Jacob, todos hiam muyto
afastados, excepto tres que Ihe tomavam o sol e o cubriam com
tres sombreiros grandes de seda e alguns que abanavam as moscas.
E em outro livro, que trata dos officiaes do Emperador,. diz que,
quando se apeava, se as tendas nam estavam armadcis, tinham apa-
relhado hum panno como docel, posto em humas varas, com que Ihe
tomavam o sol e o cubriam alguns filhos de parentas suas, que tin-
ham sempre isso a seu cargo, como tocamos no cap. 4. Mas de-
pois em lugar de aquelles sombreiros usaram cortinas, como affirma
Francisco Alvares, em sua Tlistoria fol. 117, que se facia em tempo
do emperador David, e por que fala de vista, porei suas mesmas
palavras :
€ Otro dia nos fue mandado que caminasemos segun el orden a. Quomodo sua
.. . ^ . ^ . itinera instituerit
€ que se nos diese ; y Ja causa fue porque ya el Emperador no AtanAf SagAd iuxta
€ queria caminar secretamente, como los dias passados, que se ^««criptionem Alva-
rez.
€ quedava atras, o passava adelante; pero agora comencjo a cami-
c nar a vista de todos, como dire. El iva sobre una mula con su
152 HISTORIA DE ETHIOPIA
« corona en la cabe^a y dentro de uncis cortinas coloradas cubier-
« tas con un cielo de lo mismo, de suerte que estas cortinas le
'. cubrisen los lados y lcis espaldas. Eran muy altcis y cumplidas,
« y los que las llevavam iban de la parte de fuera *teniendolas f. 64.
« con luengas varas en las manos. I.a mula llevava muy ricas ca-
« be^adas sobre el freno con sus chapas o puntas; y a los lados della
« yban dos pages, que parecian guiar la mula por el freno. Luego
« se seguian otros dos, cada uno tambien de su lado, con una mano
« sobre el pescue^o de la misma mula; y tras destos venian otros
« dos con las manos en las ancas cerca del arcjon trasero. Estos
« pages llaman ellos en su lengua legamoveos, que quiere decir
« * prges de diestro '.
« Adelante destos iban otros 20 pages a pie, y mas adelante
« dellos se Uevavan seis cavallos muy poderosos y muy ricamente
« enxae^ados y con cada uno dellos iban cuatro personas princi-
« pales, los dos a los lados del freno como los otros del Empe-
« rador, y los otros dos a los lados de la silla con las manos encima
« della. Adelante destos cavallos se Uevavam otras cuatro mulas tam-
« bien cuatro hombres com cada una dellas, ni mas ni menos, a
« los lados, como de los otros. Mas adelante aun dellas jrvan 20 se-
« nores de los principales a mula con sus albomoces vestidos, y
« luego delante destos yvamos nosotros, porque alli nos senalaron
« lugar y a ninguna otra persona se permitia que fuese ni adelante
« ni a los lados de nosotros, sino eran algunos de a cavallo, que
« andavan galopeando, porque la demas gente anduviese apartada.
« Los Betudetes Ilevavan la guardia de la persona del Empe-
« rador y yva cada uno de su lado con mas de seis mil hombres de
« guardia. Yvan apartados de los lados del Emperador comun-
« mente tanto como un tiro de arcabuz y a las veces algo mas o
« menos, segun que el camino se ofFrecia. Si acontecia que no avia
« mas que un passo en alguna parte, por donde todos avian de pas-
« sar, entonces se adelantava el Betudete de la mano derecha con
♦ sus soldados y despues passava el otro como en retaguardia, yendo
« los unos de los otros apartados quanto media legoa. Demas desto
^ se llevam tambien los cuatro leones con sus fuertes cadensus, como
* ya tengo dicho, y las iglesias con toda reverencia ».
3. Quid in suo ve- Ate aqui sam palavras de Francisco Alvares, em que se ha de
ris Lim™teverirscll ^^vertir que os que levam as maos sobro o collo e ancas da mula
tftn SagAd. ^q Emperador, que ordinariamente o facem quando vai por algum
LIVRO I, CAPITULO XIV. 153
ruim passo, pera que nam caia, se chamam Dagafoch, e nam Lega-
f. 64,v. moveos, que nam ha tal nome, e *se queria dicer Leguamoch, estes
nam podem chegar ao Emperador, porque sam mo^os da estrebaria.
Tambem nam ha de dicer Betudete, senam Behet Oaded, que quer
dicer « soo amado » . Em o ordem e modo de caminhar o Emperador
diz bem, porque asi se usava entam ; mas ja ha muyto tempo que
os Emperadores deixaram as cortinas e somente levavam na cabe^a
hum chapeo de falda larga comummente de velludo a^ul escuro com
humas chapas de ouro e algumas pedras na copa, que era sua coroa ;
o que tambem usou este emperador Seltan Qagued ate agora pouco
tempo ha, que pos coroa como as nossas em chapeo de setim car-
mesi de falda curta e da mesma que os de Portugal ; porque todo
nosso modo Ihe contenta muyto; e mandou facer chapeos pera a
coroa das cores que elle acostuma a vestir, pera que o chapeo diga
sempre com o vestido.
Quanto acerca do modo com que este caminha, direi o que 4« Auctor descri-
.^jj ••j-jj- ^bit fuse et de visu
VI muytas veces, nam tratando dos primeiros dias depois que paite modum itcr habendi
da corte, porque caminha pouco, e assi muytos ficam em suas casas ScltAn SagAd tempo-
re beUi. £xercitU8 in
e a gente que vai diante delle (que sempre he muyta) leva pouca quatuor acies distin-
ordem, posto que nam os que acompanham a sua pessoa, que sam esampcrator^secim^
seus officiaes e gente de guarda com outra muyta cavalleria; fa- dae Fit Aorarl, ter-
tiae Cdnhe AxmAcb,
larei so de quando se Ihe juntou a gente e vai por terras que he quartae Querft Az-
necessaria mais ordem. Mas pera que milhor se entenda isto, se ha ^^-
de advertir que toda a gente limpa do arrayal do Emperador (nam
tratando da que tracem os Vissorreys que o vem a acompanhar, por-
que essa segue a seu Vissorrey) esta repartida em cuatro partes:
huma, que sam os officiaes e a guarda do Emperador com alguns
senhores grandes acompanham sempre sua pessoa ; outra parte se-
gue ao capitam da dianteira, a quem chamam Fit Aoran ; outra vai
com o capitam da mao dereita, que chamam Canhe Azmach, e a outra
com o capitam da mao izquerda, que chamam Guera Azmach.
Suposto isto, quando o Emperador ha de caminhar, sempre o
capitam da dianteira da sinal com seus atabales, quando amanhece
ou hum pouco depois, e logo todos desarmam suas tendas o come-
gam a carregar seu fato. Dalli a pouco sae com sua bandeira, tan-
gendo os atabales, que ordinariamente sam cuatro sobre duas mulas,
huns de cobre vermelho e outros de pao cubertos com coiro de
f- 65. vaca, e *seguemo todos os que tem obriga^am. Depois cavalga
diante da tenda do Emperador seu estribeiro mor, o que outro nen-
C. Bbccaki. /ier. Ae/A. Script, occ, ined, — 11. 20
154 mSTORIA DE ETHIOPIA
hun:, pr^ T grande que seia, pode facer, e ^'ai em cavallo ou em mula,
conio elle c-er: mas ordinariamente todos vam em mulas com os
cavallos a destro diante. hogo saem os capitaes da mao dereita e
da izquerda ccm suas vandeiras e atabales e espera cada hum em
seu I-gar com soa gente. ate que saia o Emperaior. Elle cavalga
der.tro da tenda e f-ma o estribo o estribeiro piqueno; outros tem
a mula p^lla redea, e oatr«7s a cobrem toda a roda com cortinas,
de maneira que, ainda que esteja averta a porta da tenda, ninguem
de fora o pi-de ver cavalgar. O freo da mula leva sempre mu^^ta
prata la\Tada em pontas que Ihe faz parecer mu\to bem, e a sella
cuberta de borcado. sobre que asentam no ar<;om [sii] traseiro polla
vanda de fora prata dourada, em que abrem rosas e flores de lis.
O Emperador algumas veces sae de borcado, nias poucas, por-
que pesa: o mais ordinario he setim ou damasco carmesi, porque
folga com esta cor, e chegalhe o vestido ate mais de meia pema,
com os caU^oes do mesmo hum pouco estreitos e cobremlhe toda
a pema ate o ^apato, que botas nam cal^a nunca. Sobre tudo veste
albcmoz de veludo carmesi com grande capello e muj^tos pasa-
miios de fio de ouro e botoes grossos de ouro; chapeo como os
nossos, da seda que veste, e sobre elle a coroa, que he de ouro muyto
fino com algumas pedras engastadas c em todas as pontas, que facem
as flores de lis perolas e no mais alto do chapeo por remate huma
pedra fermosa engastada na ponta de hum pioncinho de ouro, que
a copa delle entra dentro da coroa. Em a cabe<;a de baixo do cha-
peo, poe algumas veces huma toca branca muyto fina, cujas pontas
decem por debaixo da barba e dam volta de maneira que Ihe co-
brem a b^>ca e narices por causa do po ; outras veces nam poe mais
que o chapeo, e a coroa leva hum page diante. Como sae o Em-
perador da tenda, come^am a tanger suas cheremelas, que,' ainda
que nam sam como as nossas, facem boa musica e logo o capi-
tam da mao dereita e o da izquerda e os de mais vam marchando
por seu ordem afastados bom peda^o do Emperador , e se he perto
de onde ha de pelejar ou no caminho ha algum arreceo, o capi-
tam da mao izquerda, |>assa com sua gente e vai perto do capitam
dianteiro; depois se sigue o capitam da mao dereita, e com este
de rigor avia de ir o capitam dos Portugueses com sua gente, mas
ordinariamente fica perto do *Emperador, porque elle folga de levar f. 65,^.
alli os Portugueses.
A gente dos Vissorreys, que vem a acompanhar ao Emperador
LIVRO I, CAPITULO XIV. 155
dos reynos vecinhos, vai em os lugares que Ihe sinalam; depois
vam comummente alg^ns sacerdotes, que levam as pedras de ara
de cuatro igrejas, que sempre traz em seu arrayal o Emperador.
Francisco Alvarez em sua Historia 112 diz que sam trece, mas
parece que se usaria esto em aquelle tempo ; porem de muytos an-
nos a esta parte nam foi costume levar mais que 4 (segundo dicem
todos) e carregam as sobre a cabega ou no hombro, e vam cuber-
tas com pannos de seda ou borcado, e diante de cada huma dous
acolitos hum com cruz e turibulo em as maos, e outro tangendo
com huma campainha, e tem todos tam grande respeito e reverencia,
que, se estes sacerdotes se apresam pera passar adiante (que o po-
dem facer, porque nam tem lugar sinalado, senam que vam onde
querem, como nam seja ficar detras do Emperador), todos se afa-
stam do caminho ate que passem. Detras dos sacerdotes hum pouco
afastado vam as vandeiras do Emperador, que ordinariamente sam
tres de damasco carmesi, nam tam grandes nem quadradas como
as vandeiras de campo, que se usam entre nos, senam como guioes
e na ponta da vara por remate huma bola de cobre dourada e so- ,
bre ella huma cruz do mesmo. Logo se seguem os atabales que co-
mummente sam oito de cobre muyto grandes cubertas as bocas
de pelle de vaca e as veces leva mais carregados em mulas: em
cada huma dous ; c os que os tangem vam sobre as ancas das mu-
las. Perto delles vam os desembargadores do pa^o com seus criados.
Depois de tudo isto vai a guarda de a pe do Emperador, que
sam agora oitocentos mancebos de adargas brancas, a que chamam
Characa, scilicet c lua » , e outros tantos de adargas pretas, todas de
coiro de bufara, e a estes chamam Cocab scilicet « estrella >, ainda/jue
nam sam tam resplandecentes, senam pretos como suas adargas. Cada
hum destes leva dous gargunchos e huma macinha de pao mu)rto
duro e pesado : esta tira primeiro e depois hum dos gargunchos que
tem o ferro como de gineta, ficandolhe sempre na mao outro que
he de ferro largo e de dous palmos de cumprido. Demais destes
vam muytos de espingarda e boa parte dellcs mancebos muyto al-
vos, porque sam filhos de turcos que aqui se ficeram christaos, e
ordinariamente vam juntos em esquadroes em hum os de adargas
brancas, em outro os das pretas, e em outro os de espingarda, ainda
que algumas veces vam em duas fieiras. Em o meio dellas levam
f. 66, polla redea *duas mulas do Emperador e algumas veces 4, com
freos e sellas muyto ricas. Depois seis cavallos de destro e algumas
156 HISTORIA DE ETHIOPIA
veces oito, muyto grandes e ricamente enjaeijados ; em os freos tem
muyta prata dourada e em os pesco^os outros arreos do mesmo
como os traz o Gram Turco, porque os fez pouco tempo ha hum
official que de la veio ; as cubertas e sellas de velludo carmesi e
outras de borcado. O cavallo que vai mais perto do Emperador
leva o ar^am dianteiro de prata dourada muyto bem lavrada, e o
ar^am de detras do mesmo poUa vanda de fora, mas com laceria
e no que fica vao tem por dentro seda de diversas cores, com que
se real^a mais o ouro. Junto a este cavallo vai o pagem de lan^a e
outros que levam as armas do Emperador. Logo se seguem 1 2 man-
cebos bem estreados filhos dos Turcos que ja disse, seis por vanda,
vestidos de panno vermelho com alxabas [sic] no hombro muyto bem
guarnecidas de ouro e nas maos arcos turquescos e na cabe^a humas
caraminholas de cobre douradas com seus penachos.
Depois vem o Emperador e, se esta o que he Eraz, que quer
dicer « cabecja > e tem o mesmo officio que tinha o que antes cha-
mavam Behet Oaded, elle leva a mao dereita, ficando hum pouco
detraz do hombro do Emperador, e o que he como Mordomo mor,
a quem chamam Balatinoch Gueita, vai a mao izquerda, e alli perto
outros officiaes do Emperador, os Vissorreis e senhores grandes. E
quando o Emperador fala com algum dellos, se traz capa ou hum
panno de seda rico que acustuman a por sobre o vestido, o abai-
xam ate a cinta. Detras destos levam o leito do Emperador cu-
berto com hum panno de seda, porque, quando se apea, ordinaria-
mente se asenta ou encosta em elle. Aos lados e detras vai muyta
cavalleria, mas bom peda^o afctstada.
Detras do Emperador e dos senhores que vam com elle, vem
a Emperatriz como hum tiro de espingarda, que ordinariamente o
acompanha com outras muytas senhoras e levam grande multidam
de criadas e criados. Depois se segue a recovagem que he como
outro exercito, porque demais das tendas e matalotagem e fato do
arrayal, que levajn carregado em mulas, bois e jumentos, vem muyto
grande numero de taberneiros e mercadores. Ultimamente na reta-
guarda vai sempre hum capitam com muyta gente do guerra, mas
cada dia se muda este capitam e em seu lugar entra outro ; e dous
ou tres dias antes *que cheguem onde ham de pelejar, se arreceam f. 66,v,
que a guerra sera forte fica a Emperatriz, todas as senhoras e a re-
covagem em lugar seguro com gente de guarda, e o Emperador vai
com seu exercito.
LIVRO I, CAPITULO XIV. 157
Esta he a ordem que levam quando vam por terra de arreceio, 5- Quomodo Sel-
^ ^ ^ ^ tAn SagAd iter fa-
mas quando nam, nem o Emperador leva vandeiras nem capitam ciat tempore pacis.
nenhum, senam so atabales e chercmelas; e a Emperatriz e mais «"'*^**!?*'' . * °^"
' * ^ mero et armis vali-
senhoras vam muyto cedo diante, se querem; e os capitaes guar- dus, saepisaime vin-
- . - ,./-•,,, citur ob defectum di-
dani pouca ordem, porque sua gente vai afastada huma de outra, sciplinae et ordinis.
pera andar mais a sua vontade, e como he tanta, sempre que sae
o Emperador, cobre os campos de maneira que raramente podem
escapar os animaes sylvestres que se alevantam entre elles, ja per-
dices e outras aves que ha que nam avoam muyto de nenhuma ma-
neira, senam a certam de esconderse em parte que nam as vejam.
Muytas veces desejei saber quanta gente limpa de guerra iria ordina-
riamente com o Emperador (que a outra com difficultad[e] se podera
contar), e nunca me souberam dar re^am, pollo que huma vez man-
dando o Emperador a seus capitaes que Ihe desem mostra de sua
gente, Ihe preguntei a elle mesmo quanta teria, e respondeo que
de certo nam o sabia. Quanto a vez que eu vi mais, nam cuido que
passavam de cuarenta mil, mas se quiser juntar toda sua gente
(que o pode facer com facilidade, por nam aver no verSo rio que
lo possa impedir), parece que seram muyto mais de cem mil ho-
mens ; com que pudera nam somente recuperar as terras, que tem
tomado os gentios que chamam Galas, mas sugetar outras muytas,
se pelejaram unidamente. Mas guardam muyto pouca ordem militar
e se os dianteiros come<;am a tornar atras, logo biram todos os de-
mais, que, ainda que antiguamente tinham por gran deshonrra o
fugir e ao que fugia o castigavam, facendolhe as afrontas que dis-
semos no cap. 4, ja nam tem esse primor e ponto de honrra, com
ser gente muyto mais lustrosa e bem armada que seus enemigos,
porque estes vem despidos da cinta pera cima e nam tracem mais
que huma adarga, dous gargunchos e huma macinha de pSo e seus
cavallos sam mu)rto curtos e ruins ; e elles tem muyto boas malhas
e capacetes e grandes e fermosos cavallos, muytas langas, arcos e
frechas e espingardas. E assi vendoos eu hum dia postos em ordem,
como quando querem dar batalha, a gente de pe diante em esqua-
droes e logo a cavalleria, disse ao Emperador que me maravilhava
de como nam venciam sempre seus enemigos, sendo tanta gente e
tam lustrosa e tendo tam boas armas e cavallos; e respondeo: Nam
cuide V. R. que esta minha gente peleja com cora^am nem ordem,
f. 67. porque huns arremetcm e *outros ficam em pe olhando, e assi, como
nam se unem, facilmente os desbaratam os Galas, que vem sempre
158 HISTORIA DE ETHIOPIA
rauyto unidos e resolutos de pelejar ; mas, quando guardamos ordem,
poucas veces deixamos de alcan^ar victoria.
6. D«8cribitur mo- Acerca do modo e ordem, com que asentam as tendas, o ca-
du8 castratnetandi. ....
pitam dianteiro tem a seu cargo escolher o lugar onde se ham de
plantar, e sempre procura que seja algum campo graride, onde aja
agoa bastante pera o exercito e herva pera as mulas e cavallos e
jumentos de carga e no meio delle, se he chao, ou em alguma parte
mais alta poe logo huma vandeira branca em sinal de que alli se
ham de armar as tendas do Emperador ; pera que cada hum saiba
o lugar que ha de tomar. Logo se armam alli poUo menos duas
tendas muyto grandes, nSo redondas senam cumpridas de tres ma-
stos com as portas pera occidente; tracem tambem huma tenda re-
donda muyto grande, a que chamam Debana e como esta nin-
guem pode por senam o Emperador, mas nam sempre a armam.
A roda destas tendas hum pouco afastado cercam com cortinas de
panno de algodam entretexidas de branco e preto, que se susten-
tam em varas mais altas que hum homem e a roda deJlas fica hum
campo de 40 lan^as de largo cada huma de 15 palmos, e dentro
deste circuito nani se pode armar tenda nenhuma, excepto a que
serve de igreja de nossa Senhora, que fica a mao dereita pera a
vanda do norte; e a da igreja de Jesu a mao izquerda pera o sul.
Detras das tendas do Emperador, fora dos limites daquelle terreiro,
estam as da Emperatriz cercadas com ccrtinas da mesma sorte; e
logo a roda por huma e outra vanda se vam continuando as dos
parentes e parentas do Emperador com as da gente de S3U ser-
viijo; e todas as destes senhores e senhoras tem a roda cortinas.
Detras destas tendas se poem as da cocinha do Emperador,
humas a mao dereita e outras a izquerda. Perto das da Empera-
triz se asontam as do Balatinoch Gueita, que he como mordomo
mor do Emperador, e logo as do principal secretario, thesoureiro
e outros muytos officiaes do Emperador com muyta gente de guarda.
A mao dereita perto das tendas das parentas do Emperador estam
as de 22 senhores e outros tantos a mao izquerda, com muyta gente,
a que chamam Jan Beit tabacoch, que quer dicer « giiardas da casa
do Emperador * ; porque ainda que Jan propriamente em lingua an-
tigua seja « elephante », tomase ja por «Emperador», como dissemos
no cap. 5. Perto destes, a mao *dereita, se poem as tendas de Eraz f. 67,v.
com as de sua gente que he muyta, porque tem a suprema hon-
rra e mando do imperio. Detras destas estam as do capitam da mao
LIVRO I, CAPITULO XIV. 159
dereita com as de toda sua soldadesca, e da mesma maneira esta
o capitam da mao izquerda. Diante pera occidente, perto das ten-
das dos parentes do Emperador, estam as dos embargadores do pacjo,
a quem chamam Azaxoch, scilicet c mandadoures » e entre elles fica
sempre huma rua muyto larga, e os mais principaes estam a mao
dereita da rua e os outros a izquerda; da vanda destes estam as
tendas do capitam da dianteira e as de sua gente. Aqui esta huma
igreja de sam Miguel; logo se continuam de huma e outra vanda
da rua as dos que sam como ouvidores, a quem chamam Unbaroch
scilicet « cadeiras », porque estes juices ccisi sempre estam sentados
em cadeiras pera julgar. Mais adiante se poe grande multidam de
tendas de taberneiios que vendem vinho feito de mel e outro de
cebada e milho e de outras sementes, a que chamam ^aoa, e agas-
salham a gente de fora por pouco premio. Logo se seguem as ten-
das dos orivez e com estas se continuam as dos ferreiros, que tam-
bem sam muytas.
Esta he a ordem que guardam sempre, em asentar suas tendas,
os que por obrigacjam andam em o campo do Emperador e nam
se podem passar de huma parte pera outra, como da mao izquerda
pera a dereita, senam que cada hum ha de estar em seu Ingar, se
o Emperador nam o muda ou Ihe da licen^a; e assi com muyta
preste^a asentam todos suas tendas sem aver comummente difFe-
rencias, porque se conhecem huns vecinhos a outros, e se da vanda
da mao dereita tem alguma dififerenga sobre a largura do lugar
ou sobre alguma rua, logo a determinam os desembargadores e ca-
pitam daquella vanda, a cujo cargo esta isso; e o mesmo facem os
desembargadores e capitam da mao izquerda, se la se ofFerece al-
guma cousa.
Afora esta gente, que de ordinario seg^e ao Emperador, ha outra
muy ta dos Vissorreys dos reynos vecinhos, que o vem a acompanhar, e
estes tambem tem seus lugares a mao dereita ou a izquerda, conformc
manda o Emperador; mas suas tendas ficam na borda do arrayal,
alg^mas veces em terra de paz hum pouco afastadas de maneira
que cada hum destes Vissorreys faz arrayal por si ; pollo que ocu-
pam muyto grande campo. E pera a vanda de diante hum pouco
afastado do arrayal ha cada dia feira (excepto os domingos e fe-
stas), a que se junta infinidade de gente, e alli se acham roupas de
toda sorte mantimentos e as demais cousas necessarias.
•• -^
CAPITULO XV.
Em que se declara se o Preste Joam contrae sempre
matrimonio com algumas das familias dos tres Reys
Magos, ou com a senhora que milhor Ihe parece em
seu imperio.
Por cousa muyto certa e averigiiada supoe frey Luis de Ur- x. Fabulae Urre-
reta no cap. 1 7 do i livro de sua Historia que o Preste Joam sem- q^g ducunt uzores
pre casa com molher de huma das familias dos tres Reys Magos, R«g** Aethiopiae.
que adoraram ao menino Jesu e assi diz pag. 170: « Los Empe-
« radores de la Ethiopia ham procurado contraer matrimonio con
« mugeres de linage santo, noble y illustre, y pareciendoles que
« en todos sus reynos y estados no avia mejor linage que el de los
« santos Reyes Magos, presumiendo y con mucha probabilidad que
« las virtudes heroicas aquella fervorosa devocion, aquella santi-
« dad unica alfin como primicias de la Iglesia santa resplandeceriam
« en los hijos, se hi^o un estatuto que, siempre que ubiesem de
« tomar esposa y muger, fuese de uno destos tres linages, que se
« hallan oy dia en Ethiopia. Y es cosa recibida en toda ella que
« estos Reyes uno era de la Ethiopia y los otros de Arabia, los
« quales aviendo vivido christianamente con sus familias en sus
« reynos mucho tiempo, por la grande persecucion de los Aria-
« nos les fue forgoso, assi a los descendientes de Melchior, que
« fueron reyes en Arabia, como a los de Balthasar, que lo fueron
« em Persia, recogerse a Ethiopia, como a tierra de christianos.
« A los descendentes de Balthcisar dio el emperador Juan el Santo,
C« Bkccaju. Rer. Aeth, Script» occ, ined, — II. 21
l62 HISTORIA DE ETHIOPIA
« que vivio en tiempo de san Basilio, el reyno de Fatagar ; y a
« los del linage de Melchior dio el de Soa ; pero a los descendentes
« de Gaspar, que tenian el reyno de Saba, se le troco por el tie
« Bernagasso que oy tienen. Desta manera han venido a estar jun-
« tas estas tres familias en Ethiopia ; y es cosa milagrossa que de
« todas ellas nacen los varones ligitimos con una estrella figurada
« en un lado de su cuerpo; y esto es tan certo que el ano de 1575,
« que fue del Jubileo en tiempo del papa Gregorio 13, se hallaron
« en Roma tres cavalleros de todas tres familias con esta seiial, y
« haciendolo saber a su Santidad el senor cardenal Farnesio, que
« aya gloria, protector de la Ethiopia, lo quiso ver y los hallo a
« todos con ella en presencia de muchos principes y cardenales.
« Mas aunque esto nos cause admiracion, es lo mayor el ver *que f. 68,v.
« no solo nacen con esta seiial los varones destas familias que son
« christianos, sino los mahometanos tambien, siendo legitimos; que
« si don Juan no me jurara averlo visto em Persia y en Arabia,
« 110 me atreviera a referirlo. Por honrrar estas familias instituyo
« el mismo Juan el Santo y Phelippe 7° que los Emperadores que
« se hubiesen de casar (que no todos se casan) fuesse con muger
« de una destas familias.
« Para que sc effectuen los desposorios, la esposa sale del reyno
« de sus padres acompanada con su madrc, hermanos y parientes
« y con toda la noble^a de su reyno, y camina pera la ciudad de
« Saba, donde esta el Emperador esperando. Ella va siempre den-
« tro de una litera y en llegando a un humilladero, que esta mas
« de legua de la ciudad, halla plantados muchos pavellones donde de-
« scansa aquella noche. A la mafiana tiene aparejado un hermoso
« elephante ricamente enjae^ado y en cima del esta asentada una
« silla alta de respecto, donde asientan a la Emperatriz, y las demas
« damas y senoras que la acompafian, unas van sobre elephantes, otras
« en cavallos, y otras a mula, y todas con adere^os costosos. Cami-
« nando desta suerte, salen de la ciudad quatro Reynas, que para este
« menester son llamadas del Emperador, las quales cavalleras en ele-
« phantes la reciben y puniendose a los lados, la acompafian hasta
« cierto puesto, donde esta aguardando el Emperador con su vestido
« ordinario, a cavallo, acompafiado de los primogenitos de los Reyes,
« y del gran Consejo y toda la corte, y en llegando la Empera-
« triz, se hacen entrambos muchos complimentos y cortesias, y de-
« jando toda la corte pera que acompanem a ella, se buelve solo con
LIVRO I, CAPITULO XV. 163
« quatro hijos de Reyes y con el Ambajador del gran Abad y se
« va a la iglesia donde se hacen los desposorios y alli se viste con
« su habito imperial y en una silla y trono real, que esta fuera
< de la puerta de la iglesia, se sienta con magestad y grandec^a aguar-
« dando a la Emperatriz ; a su lado esta una silla rasa. Acabado el
« passeo, que hace la Emperatriz por las calles seiialadas para estas
« fiestas, las quales estan ricamente adere^adas, y los de la corte
« con vestidos costosos y todos muy de fiesta y regocijo.
« En llegando al trono del Preste Juan, apea del elephante y
« el Emperador la toma de la mano y la asienta en la silla rasa.
« Luego sale vestido de pontifical el Ar^obispo mas antiguo, que
« tiene las veces del summo Pontifice, acompaiiado de dos Obispos,
« y se pone a la puerta de la iglesia y el Emperador, algandose del
« trono Uevando a la Emperatriz de la mano, se van para el Ar^obispo
f Gi). « y arrodillandose delante del los desposa *con las ceremonias que
« usa la iglesia romana. Concluidos los desposorios, se quita el Empe-
« rador el habito imperial y llevando a la Emperatriz de la mano a
« pie, sa van a palacio acompanados de toda la corte ; por las calles
« les echan flores, aguas de olores y con mil bendicciones los signen » .
Ate aqui sam palavras de frey Luis de Urreta e a mesma ma- a. Magoram, qui
teria em o que toca aos tres Reys Magos trata difusamente no 3 stum, nulla memoria
livro da pacf. 628 pordiante. Mas tudo quanto delles diz que passa ^^ Acthiopia. impc-
^ ° ^ 1 ^ ratorcs sempcr nu-
em as terras do Preste Joam sam fabulas e meras fic^oes ; porque pscrant et nubunt
t_^^j. T\ ^ r nunc cui volunt.
nam somente nam ha estatuto que o Preste Joam case sempre com
molher de huma das familias destes santos Reys, mas nenhuma ha
em todo seu imperio, nem memoria de que a ouvese nunca. E pera
averiguar esta verdade, nam me contentei com preguntar a muytos
que podiam dar regam disso, e disseram que nunca tinham visto em
iivros nem ouvido tal cousa; mas cheguei a falar com o mesmo
Emperador e refirindolhe en soma todas estas cousas, rio muyto de
que tam facilmente dessem credito a hum homem nam conhecido
pera as authori^ar imprimindoas, e disse, que nam avia tal estatuto,
nem nenhum de seus antecessores se chamara Joam, nem em suas
terras ouve nunca familia nenhuma dos tres Reys Magos, nem ti-
nham mais noticia delles que a que dava o s^° evangelho ; e que os
Emperadores sempre casaram com a molher que milhor Ihes pareceo,
e que, se quissesem, ainda con mouras podiam casar, facendose chri-
staas. Isto me disse o emperador Seltan Qagued, e eu sei que de
facto trouxe o emperador Jacob huma moura dos Hadcas mouros
tia.
164 HISTORIA DE ETHIOPIA
no anno de 1 605 pera casar com ella, segundo me affirmou entam
hum capitam grande e muyto intimo seu, e conforme ao que facia
o Emperador e ao modo que eu vi que tratava com ella se deixava
isso bem entender, mas antes que casase o mataram.
3. Exempla recen- Tambem conheci e tratei muyto a emperatriz Mariam Cina mo-
Iher que foi do emperador Malac Qagued, e nam era de sangiie real,
ainda que senhora grande natural da provincia de Sirei; e muyto
menos o era a senhora com quem casou, depois que eu ca entrei,
o emperador Za Denguil, e a Emperatriz, com quem agora he ca-
sado o emperador Seltan Qagued, nam he de muyto alto sangue;
porque, ainda que casem com filhas dos senhores de seu imperio,
por estarem (jercados de mouros e gentios e nam Ihes poderem vir
*molheres de outros reynos de christaos, com tudo isso mais aten- f. 69.V.
tam a que sejam bem parecidas, que nam em serem filhas dos ma-
yores senhores, que ainda que sejam de menos qualidade, bastalhes
chegar a casar com o Emperador pera terem quanta honrra podiam
desejar; e assi, ainda que a Emperatriz seja filha do mayor senhor
de Ethiopia, quando se ofFerece falar della em historia ou praticas
particulares, nam a nomeam por seu proprio nome, se a querem hon-
rrar, dicendo a Emperatriz foam, senam acrecentam ao nome do
Emperador esta palavra « Mogo^a », que significa suprema honrra,
pera declarar que do Emperador, con quem casou, Ihe veio toda sua
honrra. E assi a molher do Emperador Adamas (^agued a nomeam
« Adamas Mogo^a > e a de seu filho o emperador Malac (^agued, « Ma-
lac Mogo^a », chamandose ella Mariam Cina, e a a deste emperador
Seltan (^agued, que se chama Oade^ala, nomeam « Seltan Mogoija » .
4. Refutatur alia Quanto ao que diz o Author, que todos os varoes que por linea
dlena Ae^l^pes^^so- ^^^^^ ^^^ ^® aquellas ties familias, nacem com huma estrella em
lent, sicut ct Maho- hum lado e que em tempo do papa Gregorio 1 3 se acharam em
xnedani, varia einble- _
mata in brachiis et Roma tres cavalleiros de todas tres familias com este sinal, nam
alibi sibi imprimere t^nios que dicer: isso saberam la; mas, se for certo que se viram,
elegantiae causa. ^ ^
tambem o he que nam eram das terras do Preste Joam ; pois nellas
nam ha taes familias. O que eu sei e tenho visto muytas veces he que
cm estas terras e pera a vanda do Cairo, faz a gente muytos si-
naes por galanteria, huns picando com agulha e botando anil e outras
cousas em o sangue e fica o sinal a^ul, outros com navalha facem
o sinal que querem e sem botar tinta Ihes fica sinalado de maneira
que casi parece natural. Ate o Abuna, que mataram os annos pas-
sados, tracia liuma cruz muyto bcm sinalada no brago izquerdo com
LIVRO I, CAPITULO XV. 165
humas como estrellas a roda, o que eu Ihe vi por veces falando
com elle; por que ordinariamente vestia camisa de mangas largas
aguisa de turcos e assi discubria o braQO.
Acerca do que diz que a esposa do Emperador vem de suas ter- 5. Mulieres etir.in
, -.^ j. ^ .jj j e nobilioribus equi-
ras em huma htera e depois pera entrar na cidade, onde espera ^^^ solent in mulis,
o Emperador, sobe em hum fermoso elephante e 4 reynhas a saem ^^^ ^^ equis, mul-
• i T .^ toque minus m ele-
a reciber em elephantes e outras senhoras tambem a acompanham phantis, qui in Ae-
11 11 A i_* z j.' thiopia sunt omnes
em elles e em cavallos, e que o Ar^obispo mais antigno acompa- gyiyegtres.
nhado de dous Bispos os desposa, ja tenho dito algumas veces que
nam ha Ar^obispo nem Bispo mais que o Abuna, nem Reynhas
e por testimunha de muytos e do mesmo emperador Seltan Qa-
f. 70. gned, que nam ha em todo seu imperio elephante manso, *nem me-
moria de que ouvese nunca; nem as senhoras sobem em cavallo
de nenhuma maneira, nem viram nunca litera, nem sabem que cousa
he : todas andam em mulas com sellas hum pouco largas, cubertas
com pannos de seda ou outros somenos, conforme a qualidade da
pessoa, e cada huma leva dous homens perto do axQam dianteiro,
hum de huma vanda e outro de outra, e cada hum sua mao sobre
o pescocjo da mula, e ella muytas veces se encosta pondo a mao
no hombro do que quer. Outros dous vam detras da mesma ma-
neira com huma mao no ar^am, assi por honrra como pera que
nam tenha perigo de cair; mas as que nam podem tanto levam
hum so homem a mao dereita.
O modo e ceremonias de que usam em seus casamentos he o 6. Descriptio cae-
.^A^ X- j !_• j^'j remoniae nuptiarum
sigumte. Antes que o Emperador pubnque com quem determma de impcratoris.
casar, se informa com muyta diligencia se aquella senhora decende
de gente que em algum tempo tivese alguma doenpa contagiosa,
como levra, ou outra semelhante, e achando que nam, se ella nam
esta na corte, a faz tracer com grande acompanhamento e a enco-
menda a alguma sua parenta de quem se fia, pera que a tenha em
sua casa e a tente muyto bem por seu natural, se he aspera ou
branda de condigam, e Ihe insinhe as ceremonias do paQO e o niodo
que ha de guardar com os principes e grandes o com os que sam
de menos qualidade. Depois que se acha ser de boa condigam e
que esta bem instruida, sinala o Emperador o dia em que a ha de
receber, e polla minha vam amos a huma igreja. O Emperador
sae do pago a pe ricamente vestido e acompanhado de todos os
grandes da corte; e ella vem da casa, onde estava, tambem muyto
costosamente vestida e acompanhada das senhoras mais nobres da
l66 HISTORIA DE ETJIIOPIA
corte, e amos ouvem missa e confessain e comungam, e logo vam
ao paQO com todo aquelle acompanhamento, e alli ordinariamente
o Abuna acompanhado de muytos fracjes e clerigos Ihes da as ben-
^oes, regando o que pera isso tem ordejiado em Ethiopia, que sam
algumas oragoes e psalmos, e como ac^va, tangem a porta do pacjo
as cheremelas do Emperador e outros instrumentos musicos. Logo
se poe a mesa pera o Emperador e cojne so, como faz sempre. A
Emperatriz em outra mesa com algumas senhoras grandes paren-
tas do Emperador e a todos os sacerdotes e aos grandes do im-
perio, que estam juntos, se Ihes da eiplendido banquete em outra
casa; e como acabam, entram na sala onde esta o Emperador e a
Emperatriz com as demais senhoras e todo aquelle dia e outros
muytos passam em festas e se dam grandes banquetes.
7. Post nupdas, *Demais destas festas se facem depois outras o dia que o Em- f. 7o,v.
statuto die, solemEi- , . 1 j t- ^ • _^ j i_
ter imponitur Impe- perador smala, em que se da a Emperatriz certo nome de honrra
ratricinomenltegue, g^^ j^g Itegrie, porque ordinariamente nam se Ihe da o dia que casa
cuius interpretatio- ^ o ^ ^ ^
nem frastra Auctor pera que seja com novo aparato e pera isto vam todos os grandes
inquisivi . ^^ corte ao pa^o ricamente vestidos e, estando em a sala do Em-
perador em pe, postos em ordem cada hum conforme a seu estado
e o Emperador asentado em seu throno, entra a Emperatriz acom-
panhada de muytas senhoras grandes e, chegando perto do Empe-
rador, Ihe facem mesura, e logo elle manda que vistam a Emperatriz
vestidos imperiaes; o que facemalli diante do Emperador, e depois
se asenta no estrado que Ihe tem aparelhado perto do Emperador,
e logo hum dos mayores senhores da corte sae ao terreiro do pa^o
acompanhado do outros, onde esta grande multidam de gente espe-
rando e, subindo em huma cadeira alta de ferro, diz em alta voz,
de parte do Emperador : Anegucgana Danguecerachen, que quer di-
cer : « ficemos reynar nossa serva » . E logo todos os circunstantes le-
vantam grandes voccs de alegria e se come^am os tangeres e festas.
E dalli por diante chamam todos a Emperatriz Itegue, que parece
nome de magestade; que sua propria significa^am nam me soube-
ram deciarar, com preguntar a muytos, como tam pouco a sabem
dar a outro nome que tem o Emperador, que he Azegue. Mas nem
quando dam este nome de Itegue a Emperatriz nem em outro tempo
nenhum Ihe poem coroa na cabe^a.
Das ceremonias que guardam e das festas, que se facem em
os casamentos da demais gente, falaremos em o livro 2 quando
tratarmos dos erros que tem no sacramento santo do Matrimonio.
CAPITULO XVL
Em que se trata dos juices que tem o Preste Joam, do
modo de proceder em a justi^a e do castigo que
dam aos delinquentes.
Todos os juices, que o Preste Joam tem em seu imperio, a que x.liidices supremi
chamam Azaxoch, que quer dicer « mandadoies », c Umbaroch, scili- umbar6ch i^c^tur
cet « cadeiras » (porque ordinariamente estam em cadeiras pera ouvi- «* eliguntur ex anti-
quis familiis nobili-
rem £is partes e julgar), decendem por Imea recta daquelles juices bus: ludexaulae re-
que Salomam deo a seu filho Menilehec, segundo elles affirmam por ^*® ^ dicitur.
cousa muyto certa e averiguada e o testificam seus livros, do que
se pre^am muyto, e procuram tanto que se conserve esta descen-
dencia em o officio de julgar que de nenhuma maneira admiten a
f. 71. elle se nam sos *os que vem de aqucUes antiguos por via mascu-
lina, de sorte que, se as filhas destes casam com homens que nam
sejam daquellas familias, a seus filhos nam os deixam entrar em este
officio, porque dicem que se Ihe cortara logo a linea dereita de seus
antepassados, como declaramos no fim do capitulo 4, por testemunho
de muytos e do mesmo Emperador e, ainda que elle da este titulo
de Azax a alguns, que nam sam daquellas familias, nam por isso
ficam sendo juices como estes, que nam se Ihes da senam por
honrra. Estes Azages sam como supremos desembargadores, mas
nam podem mandar matar, nem cortar membro, nem desterrar, sem
l68 HISTORIA DE ETHIOPIA
o Emperador confirmar sua sentencia. A hum destes chamam Fara
Cemba e he como corregidor da corte. Os Umbares sam como ouvi-
dores de menos al^ada, e destes tem sempre em seus desembargos
os Vissorreys.
2. L.OCU8 iudicum Os da corte moram sempre de fronte do pa^o do Emperador,
in residentia Impe- j-' ^t -j^ j-i^ i j
ratori8. Unus est V^^ ordmanamente he pera occidente, e quando o Emperador anda
praeses in utroque gm campo, de fronte de sua tenda asentam as suas, como dissemos
tribunali.
no cap. 14; e entre elles fica sempre huma rua muyto larga, e os
Azages todos sam como de conselho real e facem hum so tribunal,
mas os Umbares da mao dereita da rua sam como de mais tribunal
que os da izquerda, e perto da cerca do pa^o de huma e outra
vanda da rua tem casas ou sombreis onde ouvem as partes e julgam,
posto que muytas veces o fa^am dentro dsis suas. Dos Umbares que
mais se senalam em facer bem seu officio tomam pera Azages com
beneplacito e aprova^am do Emperador. Em cada tribunal dos Um-
bares esta hum como presidente e assi tambem em o tribunal dos
Azages. A estes presidentes pertence dar juiz a quem o vem a pe-
dir pera qualquer negocio que seja; mas elle nam tem obriga^am
do pedir aos presidentes dos tribunaes inferiores, senam a quem
. quiser, porque bem pode pedir ao presidente dos Azages e ainda
ao mesmo Emperador. Elle logo manda dar a quem Ihe parece,
porque nam he necessario que estes juices sejam das familias dos
Umbares e Azages, ainda que, quando he cousa de importancia,
ordinariamente vai hum Umbar, e se for de muyta, hum Azax.
3. ludicia omnia Tirado o juiz, se a demanda he dentro da corte, elle so ouve
etiam de eravioribus ^ , . ^ ^ 1.
deiictis oretenus ^ partes e o que dicem as testemunhas que presentam, sem se
nonscriptohabentur. escrever cousa nenhuma, porque nunca escrevem *nada, por mais f. 7i,v.
Quid sit Barcaf&ch. r- t i- / »
Rei de levioribus grave que seja o negocio, mas, se a demanda se ha de facer em
rcT^de^^ravioribuB ^^^^^ lugar, este juiz, ainda que seja mandado por o Emperador,
vinciuntur catena : tem obriga^am de chegar ao senhor do lugar, (que todas as terras
omnibus datur f acul- , . , 1 /-1, -r-
tas sibi defensorem tem senhores, amda que nam vam de paes a tilhos, porque o Em-
eligendi. perador os muda todas as veces que quer) e pedir que Ihe de hum
homem (a quem chamam Barcafach) que assista com elle pera ouvir
aquella justi^a, e se o senhor do lugar tem algum previlegio do
Emperador (que acostuma a dar a alguns, como nos tem dado a nos),
nam deixa entrctr aquelle juiz, mas manda ao que elle tem posto no
lugar que ou^a a justi^a, e se nam tem previlegio, sinala hum lio-
mem, o qual se asenta juntamente com o juiz, e amos ouvem as
partes; e se aquelle a quem demandam pede tempo pera buscar
LIVRO I, CAPITULO XVI. 169
procurador, Ihe dam tres dias, se nam for sobre cousa de hereiKja,
de adulterio, de traigam, ou de morte, porque entam Ihe dam dez,
e entretanto o juiz come a custa do que o levou, e o outro, se nam
da fian<;a pera estar a justipa, fica presso ; e se Ihe acusam de al-
gum destes casos graves, nam admitem fian^a, senam que o pren-
dem e muytas veces de amas as maos, porque sua prissam he por
huma argola de ferro no brago dereito com huma cadea curta aper-
tada de maneira que nam possa tirar a mao, e outra argola, que
esta na outra ponta da cadea, metem no bra<;o izquerdo de algum
de que se fiam pera que o guarde, que se chama coranha, e se o
prendem de ama^ as maos, poem pressos com elle dous, hum de
huma vanda e outro de outra.
Como se cumpre o tempo que deram pera buscar procurador, 4. Modus proce-
se asentam amos os juices em cadeiras ou na cham sobre alguma ******* ^ ^* ■•
alcatifa ou outra cousa, e as partes com seus procuradores ficam
em pe diante, e o que demanda come^a primeiro a falar ou seu
procurador por elle, e diz quanto quer, sem que nimguem Ihe in-
terrumpa. Depois responde o accusado ou seu procurador, dicendo
tambem o que quer, sem que o interrumpam, e como acaba, se o
que demanda tem que replicar, o fciz, e se pedem tempo pera tra-
cer testimunhas, Iho dam conforme Ihes parece necessario, e dalli por
diante comem os juices a custa do acusado, mas, se depois se achar
nam ter culpa, ha de pagar tudo o que acusou ; e como presentam
as testimunhas, ha de dicer a outra parte se tem alguma suspei^am
que por e a ha de provar, e se nam, Ihes dam juramento e teste-
f. 72. munham *diante das partes, e ellas alegam logo de seu dereito, se
tem alguma cousa, e depois julga o que deo por companheiro o
senhor do lugar dicendo : Fetna Neguz aiatafa Egziabehez, que quer
dicer: « A justi^a e el Rey nam perca Deos >, scilicet c nao per-
mita que se perca » ; e logo da a sentencja que Ihe parece; e o outro
juiz diz tambem as mesmas palavras e julga; e se as partes sc dam
por satisfeitas, alli se acava a demanda, e se nam, agravam pera
o tribunal que deo o juiz e, se o deo o Emperador, ham de ir de
for^ado ao infimo que he o dos Umbares da mao izquerda. Nem
porque vam primeiro a outro tribunal alto que deo o juiz, se Ihe
tira a parte que depois de julgarem os daquelle tribunal nam su-
plique se quiser da senten^a, pidendo que julguem tambem os do
tribunal inferior, porque, ainda qne antiguamente replicaram muyto
a isso os tribunaes supremos, com tudo ordenaram os Emperadores
C. Bbccaki. /ier, Aeik, Scri^i, occ, ined, — II. 22
I70 HISTORIA DE ETHIOPIA
que nam se prohivisse, dicendo que queria que se ouvise o parecer
de todos, pera que milhor pudesem dar a justiga a quem a tivese.
5. Modus ferendi Supondo pols que levam a senten^a a os Umbares da mao iz-
sententiam. ludices, j n ^ j • j j» •
nonstantes uti retu- Querda, elles se asentam em suas cadeu^as e de ordmano sam tres
lit Alvarez, aed ae- qu 4, e os dous juices com as partes e seus procuradores ficam em pe
dendosententiamdi-
cimt. e o que pus o senhor da terra, onde se fez a demanda, fala primeiro
refirindo tudo quanto disseram as partes e as testimunhas e o que
elle julgou. Depois repete o mesmo o outro juiz e diz o que elle
julgou e, se aos juices Ihes ficou por referir alguma cousa, a acre-
centam as partes ou seus procuradores e alegam de novo tudo o que
Ihes parece pera bem de sua justi^a, sem interrumpir hum a outro,
e entam se he necessario facer alguma nova diligencia, sinalam os
Umbares tempo pera ella, e se nam, julga o inferior asentado como
esta em sua cadeira. Bem sei que diz Francisco Alvarez em sua
Historia fol. 164 que os Ouvidores se alevantam pera julgar; mas
foi engano, equivocandose com os que nam o sam ; porque algumas
veces os Ouvidores dicem por cortesia a alguns dos que estam pre-
sentes que julguem, e aquelles se alevantam em pe pera julgar;
mas os Ouvidores nam se alevantam, nem convinha, pois estam em
lugar do Emperador e assi ninguem se pode asentar alli em ca-
deira senam elles. Depois vam julgando os Ouvidores hum e hum
comegando o inferior por aquellas palavras: A justi^a e el Rey
nam perca Deos: e assi facem todos os demais, julgando sempre
*o presidente por derradeiro. E se a parte condenada quer, agrava f. 72,^.
pera os Umbares da mao dereita e entam o presidente dos da mao
izquerda vai com as partes e refer tudo da maneira que se pro-
cedeo e o que se julgou em seu tribunal, declarando se ouve pa-
receres diferentes ou nam; e logo julgam aquelles Umbares poUa
mesma ordem que os primeiros e, se confirmam a sentenga e o con-
denado quer estar por ella, parecendolhe que julgaram bem, alli
se acava, e se nam, agrava pera os Azages, e os dous presidentes
dos Umbares vam com as partes e referem por ordem todas as cou-
sas e o que julgaram, e logo julgam os Azaxes, ficando sempre o
presidente por derradeiro, e alli se acava a demanda, se nam for
sobre cousa de trai^am contra o Emperador, adulterio, morte ou
heran^a ou alguma outra cousa muyto grave ; porque estas nam po-
dem acabar os Azages sem chegar ao Emperador, nem julgao diante
das partes : somente ouvem o que disseram as testimunhas e o que
julgaram os jui^es, e logo vam ao Emperador e Ihe referem tudo
LIVRO I, CAPITULO XVI. 171
por ordem e julgam hum e hum, come<;ando os da mao izquerda e
ultimamente julga o Emperador.
Antiguamente, quando o Emperador avia de julgar alguma e.Ordoconfirman-
,. -j^jiA «j ... di sententiam a tri-
causa, hia o presidente dos Azages com seis dos mais prmcipaes e ^ujiaii supremo et
o Behet Oaded da mao izquerda e o da mao dereita e, ficando as •*> Imperatore quis
fuerit antiquitua et
partes e seus procuradores fora do pago, entravam elles e postos quig sit nunc.
em pe diante do Emperador, referia hum todo o processo do ne-
gocio e o que se julgou em cada tribunal, e, se ouve pareceres di-
ferentes e se Ihe esquecia alguma cousa, Iha lembrava outro, e de-
pois julgavam hum e hum, come^ando o menos antiguo, e o ultimo
era o Behet Oaded da mao dereita, que ainda que elle c seu com-
panheiro nam sejam da familia dos Azages, com tudo, por serem as
supremas cabe^as do imperio, julgavam juntamente em cousas gra-
ves. Depois o Acabi^at, cuja dignidade e officio declaramos no
cap. 4, asentado perto do Emperador, julgava, e ultimamente o
Emperador, e logo se executava sua senten^a sem mais replica.
Agora ordinariamente (como eu tenho visto muytas veces) nam
entram mais que o presidente dos Azages com dous dos mais prin-
f. 73- cipaes e como referem o negocio e julgam pollo ordem *que temos
dito, julga o Emperador, sem o Acabi^at estar presente, ainda que
em as cous£us mais g^aves sempre manda o Emperador que se jun-
tem outros Azages e o que he Eraz, se esta na corte, e o Balati-
noch Gueita.
Isto facem sempre em 4* e 6* feira, que sam dias mais acom- 7. Dies asaignati
modados, porque jejuam e nam comem ate a seis horas da tarde frp^SirLS',':
pouco mais ou menos. Digo entre anno, que na coaresma nam co- ^^ *<1®™ ^^^^ *c in
aula regia.
mem ate posto o sol. Mas se algum negocio nam sofre dilac^am,
tambem em outro dia ouve o Emperador e tal pode ser o caso, que
sem passarem por estes tribunaes, mandem ao delinquente que ar-
ra<;oe logo de final, como eu vi duas veces a huns alevantados, que
trouxeram dentro da primeira cerca do pa^o e o Emperador man-
dou muytos Azages com o Balatinoch Gueita e Ihes ficeram muy-
tas preguntas e vieram com sua reposta ao Emperador; depois tor-
naram a Ihes preguntar e assi gastaram em idas e vindas boa parte
do dia ate que deram senten^a que Ihes cortasem as cabe^as, e logo
se executo.
Os Vissorreys tambem tem destes Umbares em seus desembar-
gos e nelles se ham casi com o mesmo ordem que os da corte e
como julga o Vissorrey alli sc acava, ainda quc de senten^a de
172 HISTORIA DE ETHIOPIA
morte, porque esta em lugar do Emperador; mas algiimas veces
remitte alguns casos ao Emperador, particularmente de heran^a e
trai<;am.
8. ludex localis A fora destes Azages e Umbares, que estam em os tribunaes
vocamr ^Xum^^ereH- ^^ Emperador e de seus Vissorreys, ha em cada villa e aldea po-
gitur e qualibet fa- g^Q pQ^ o Senhor della a que chamam Xum. Este nam he das fa-
xnilia ab ipso pagi
domino. Ordo pro- milias dos Umbares, senam outro qualquer que o senhor do lugar
istis^iudicib^r" * quer. Este juiz ouve todas as demandas daquelle lugar, se o que
ha de facer a demanda nam traz juiz da corte do Emperador ou
do Vissorrey daquella terra, porque, se o trouxer, nam entra na
justi^a senam por companheiro sinalandoo o Senhor do lugar, como
acima dissemos ; e entam leva elle de tres partes huma do que ga-
nha o juiz que veio de fora. Mas nam tracendo outro juiz, elle se
asenta em lugar pubrico e ordinariamente com elle os velhos e mais
honrrados do lugar, ainda que nam por obriga^am, e ouve as par-
tes e sucis testemunhas, e como acavam de arragoar, diz a hum
dos que estam sentados que julgne. Este se elevanta em pe e refei
o que as partes alegaram, e logo julga o que Ihe parece e da me-
sma maneira vam facendo os outros, posto que os mais honrrados
nam se alevantam pera *julgar, e ultimamente julga elle, e se a parte f- 73»v.
condenada quer estar poUa senten^a, alli se acava e paga poucas
custas, e se nam, agrava pera os Umbares da corte, se o lugai' esta
em seu districto, ou pera os do Vissorrey a quem pertence a terra;
e este juiz vai com as partes e diante dellas refer aos Umbares
tudo o que alegaram e provaram e o que elle julgou, e dalli por
diante vai correndo a causa em a forma que acima dissemos, e os
Umbares pera quem primeiro foi a sentenga tem certo premio com-
forme for a demanda, que paga a parte que for condenada; mas
ainda que agrave pera os outros tribunaes nam se Ihe acrecentam
mais custas que as que ha de pagar no primeiro; que todos tem
suas comedias do Emperador.
g.Poenaesuntexi- Os castigos mais ordinarios que dam aos delinquentes, ainda
lium, abscissio ma- ^ t^ j ^ j.
nus, vel pedis, vel P^^ cousas graves, que toquem ao Emperador, sam desterrar ou
auris, capitis obtrun- mandar pressos a huma ilha, que chamam Dec, da alagoa de Dam-
Hom'icidae aliquo- bia, a que elles chamam mar, ou a alguma serra forte ; e alli estam
ties tradmitur vindi- ^^^ guarda ate que os perdoam, que comummente nam he muyto
tui. Selt&n SagAd, tempo. Antiguamente botavam alguns poUas rochas a baixo, como
rogatus ab Auctore, ,r jaja/^aj
ne in posterum hoc niandou facer o emperador Adamas vagued, mas agora nam se usa
fieret prohibuit. senam cortar a cabega ou pe, ou mao, ou enforcar. Aos ladroes,
LIVRO I, CAPITULO XVI. 173
polla primeira vez, se o furto nam he muyto grande, os acoitam
com humas correas cumpridas, e na 2^ vez Ihe cortam as orelhas
ou narices e as veces huma mao ou pe, e na 3" o enforcam ; e tal
pode ser o furto que a primeira vez o mandem enforcar. Tambem
enforcam por outros delictos, como por matar, se a pessoa he baixa,
e algumas veces, quando hum matou a outro, depois que julgaram
que morra e o Emperador confirmou a sentencja, o entregam aos
parentes do morto pera que fa^am delle o que quiserem, e alguns
o perdoam por rogos ou fato, outros o levam ao campo e o ma-
tam as lan^adas ou as cutiladas. Mas algumas veces, porque a gente
que alli se junta da grandes voces com piedade de ver aquilo, el-
les se afastam de pressa deixandoo por morto, sem o estar, como
sucedeo a hum o anno de 16 14, que tendolhe dado muytas feridas
e duas que o atravesamam de vanda a vanda, o deixaram, pare-
cendolhes que ficava morto ; e levandoo seus parentes pera o en-
terrarem, o acharam vivo e assi o esconderam e curaram e me vie-
ram a pedir Ihe alcangase perdam e seguro do Eroperador, porque
seus contrarios o aviam de matar onde quer que o achassem. Pedi
eu este seguro ao Emperador, e respondeo que de boa vontade o
f. 74- daria, porque ja aquelles *o deixaram dandose por satisfeitos do
mal que Ihes tinha feito, e mandou logo ao presidente dos Azages
que alli estava que lan^ase pregam que ninguem ficesse mal a aquelle
homem, so pena de morte. Disse elle que nam era cousa nova, por-
que ja aquelle caso estava julgado outras veces daquella maneira.
Com esta ocasiam falei ao Emperador, que seria bem mandar que
nam entregasem os juices os matadores daquella maneira, porque
os matavam com crueldade e nam careceria de odio. Respondeo,
que tinham este costume, porque quando Ihos entregavam, ordina-
riamente os perdoavam; mas que nem a elle Ihe parecia bem; e
dalli por diante nunca mais ouve que se ficesse isto.
Tambem dicem que antiguamente botavam aos lioes os que 10. Antiquitus rei
^ j, T^ A ^ etiam leonibus obii-
eram tredos ao Emperador, mas agora nam se acostuma, nem se ciebantur. Morte da-
fez muytos tempos ha senam a huma molher muyto nobre, que, por ter ninati, sacramends
E^clesiae non ren-'
tomado nossa santa fe, a mandou botar aos lioes o emperador Ada- ciuntur.
mas Qagued, mas nam Ihe ficeram mal, como adiante veremos. O
que vai a padecer por algum delicto nam se confessa, nem ha
quem Ihe lembre como se ha de aparelhar pera aquelle passo; o
que tambem adverti ao Emperador e Ihe contei o que se faz em
nossas terras, e Ihe pareceo muyto bem e disse que mandaria que
174 HISTORIA DE ETHIOPIA
Ihe desem tempo pera se aparelhar, e aos Azages Ihes pareceo
muyto bera.
XI. Mulier adulte- O adulterio nunca se castiga com morte, senam com pena de
nia. Vir potest Mm- ^^^^' ^^ ^ marido pede justi^a, julgam que o adultero Ihe pague
per eam dimittcre. f^^o conforme a sua pessoa e que a adultera rape a cabe^a e deixe
ao marido o fato que tinha, e feito isto, pode ir a casar com quem
quiser. Tambem todos os que querem deixam as adulteras e casam
libremente com outras, porque dicem que Christo N. S. deo licen^a
pera isso no evangelho ; mas com as continuas praticas e disputas,
que temos com elles e seus letrados sobre esta materia, muytos en-
tendem ja que nem Christo N. S. quis dicer tal cousa, nem se pode
facer, como declararemos no 2° livro.
12. Fabulae Urrc- Do que temos dito se vee claramente quam falsa informa^am
tae circa iudicia ex ^. - r t • j tt ^ • j»
dictis refutatur. ^^ve sobre esta materia frey Luis de Urreta, pois diz no cap. 19
que o Gram Conselho do Preste Joam, o qual conhece de todos os
negocios do imperio assi civis como criminais, porque tem sobre
tudo suprema authoridade, consta de 30 conselheiros. seis Patriar-
chas, seis Ar^obispos, seis Bispos, seis Abades da ordem de s. An-
tam e seis cavalleiros seculares, todas pessoas de muyta prudencia,
letras *e virtude escolhidos entre os nobres. Isto he muyto diife- f. 74»^'
rente do que ca passa ; porque em nenhum tribunal ou conselho do
Emperador entram mais que os que acima dissemos e dos Um-
bares sobem a Azages e todos sam homens casados ; nem em Ethio-
pia ha Patriarchas, nem Ar^obispos, nem Bispos, como ja decla-
ramos, senam o que elles chamam Abuna, scilicet « Padre nosso » e
sempre Ihes vem mandado por o Patriarcha de Alexandria.
Pouco mais adiante, pag. 179, diz que nam tem necessidade
de letrados nem jurisperitos, porque nam tem leys escritas fora de
127 estatutos qui ficeram os emperadores antiguos Joam o Santo
e Phelipe 7°, os quaes estam postos em pubrico na pra^a maior de
qualquer cidade, e segundo elles dam as senten^as, e o demais vai a
jui^o de bom varam ; e a este proposito conta huma historia de
huns letrados de Portugal por estas palavras:
« En tiempo del Preste Juam, que se llamy va Panusio, llegaron
« a la Ethiopia muchos doctores en leyes, los quales embiava el
« Rey de Portugal con grandes librerias de sus Baldos y Bartu-
« los, con proposito de introducir la doctrina de sus derechos. El
« Emperador, viendo tantos libros, pregunto que de que sciencia
« tratavan y fuele respondido que eran libros de leyes inperiales,
LIVRO I, CAPITULO XVI. 175
« civiles y canonicas, y que ellos eran doctores en leyes, cuyo of-
« ficio era ayudar al buen govierno de las ciudades, provincias y
« reynos, determinar pleytos, proseguir causas y dar su derecho a
« quien se le deve; y para aquel fin avian traido aquellos libros.
« Respondio o Emperador como se escupieria en ayunas : En fin
« que lo que sacamos de todo lo dicho es que vosotros os Uamais
« Doctores : yo no co[no]zco otros Doctores sino los de la Iglesia,
« s. Augustin, s. Athanasio, s. Hieronimo y s. Basilio, ni en mis
« tierras se permite que nadie se Uame doctor sino sean los sa-
« grados theologos. Estos libros son de leyes : yo no se que aya
« otra ley que la de Jesu Christo, y harto sabios seriamos, si su-
« piesemos esta ; que a las demas no las Uamamos nosotros leyes,
« sino constituciones ; y pues vuestro ofl&cio es perseguir causas, in-
« formar de la justicia, yo no he menester pleitos en mi reyno. Y
« assi hallo que conviene a la quietud de mi imperio que os vol-
« vais a Portugal, y que dentro de tantos dias salgais de todas mis
« tierras, llevandoos todos essos libros, porque los echare a todos
« en el Nilo sin remission, y, si porfiaredes, a vosotros tras ellos.
« Viendo ellos la resolucion del Preste Juan y que les hablava com
« semblante airado, la vista severa, quexoso en las palavras. ame-
< na^ando com ellas, tuvieron por mas acertado embarcarse pera
« Goa, sin aguardar mas replicas ni dilaciones del derecho ».
f. 75. 'Ate aqui sam fabulas de Joam Balihesar, ou de quem infor- 13« Ante Petrum
r A .1 . . ^ -xtjjx • de Covilham nullus
formou ao Author ; porque primeiramente nunca ouve em ilthiopia lugitanus in^essus
taes emperadores Joam o Santo, Phelipe 7, nem Panusio, nem vie- «^st Aethiopiam. Im-
'^ peratoresanteadven-
ram a ella taes letrados portugueses, porque o primeiro Portugues tum Patrum e s. I.
que descubrio esta Ethiopia e entrou nella foi Pero de Covilham, buertmt^codicis le-
a quem mandou el rey de Portucral dom Joam o 2° nos 7 de mayo gum lusitanarum. A-
, ^ . -^ * , ' ^ -^ tanAf SagAd et Sel-
de 1487 e depois entrou outro portugues, que se chamava Joam tAn SagAd iiium pe-
Gomes com hum clerigo que mandou Tristam de Acunha, como diz ^®""^* * P* ^*^*'
Francisco Alvares fol. 94 de sua Historia\ e no anno de 1520 en-
trou o embaixador dom Rodrigo de Lima, mandado por el rey dom
Manoel, e Francisco Alvares seu capelam com outros que os acom-
panhavam, e estiveram seis annos em Ethiopia. Depois no annb de
1541 entrou dom Christovam da Gama com 400 soldados e torna-
ram a recuperar o imperio, que casi todo o senhoreavam ja os mou-
ros; e o anno de 1555 entrou o embaixador Diogo Dias, que mandou
o vissorrey da India e com elle o padre mestre Gon^alo Rodri-
guez com seu companheiro; e em margo de 1557 entrou o padre
]
l-jt HISTORIA DE ETHIOPIA
bispo dom Andre de Oviedo com cinco da Companhia e algiins
poucos Portugueses. Ultimamente do anno de 1603 ^tte este de 1622
entramos sete Padres e nenhuns outros Portugueses cuido que en-
traram em Ethiopia ate oje. Mas como quer que isto seja, he cousa
muyto certa que nunca entraram em Ethiopia os letrados que o
Author diz, e se vieram, nam sam os Emperadores tam pouco apri-
morados que tratasem daquella maneira os letrados que hum tam
grande principe como el Rey de Portugal Ihe mandava a sua terra,
antes ate os mouros e gentios, que vem de outras partes, os rece-
bem e tratam muyto bem, como eu vi facer a muytos, antes huma
das cousas com que mais ouveram de folgar sam leys de Portugal,
segundo eu tenho visto sempre nelles ; porque o Emperador, que fice-
ram pouco depois que cheguei, que se chamava Za Denguil e depois
se intitulou Ata[na]f (^agued, me escreveo, antes que me juntase com
elle, que Ihe levase o livro da justi^a dos Reys de Portugal, porque
desejava muyto do ver; e Eraz Athanatheus jenrro do emperador
Malac ^agiied, que, por sua morte e o principe Jacob ser piqueno,
governou o imperio com e emperatriz Mariam Cina sete annos, me
pidio muyto por veces que ficesse vir os livros d^is Ordena^oes de
Portugal, porque os desembargadores nam sabiam julgar, e muyto
menos os Emperadores, e assi, quando Ihes levavam as senten^as, or-
dinariamente confirmavam *o que os desembargadores tinham jul- f. 75,^.
gado; e o emperador Seltan Qagued, que oje vive, me tem dito muy-
tas veces que trabalhe porque Ihe venham estes livros.
14. Rcfutatur ca- Outra cousa diz pag. 183, que pudera bem escusar, ainda que
lumnia ab Urreta r jjji.t^i' cn r -jj
apposita quibusdam *^^^ verdade, de huns Italianos, que amrma foram convencidos do pec-
mercatoribus italis. cado mao, de que nunca se tivera noticia na terra do Preste Joam, e
assi foi tal o escandalo e turba^am que causou entre os Abexins, que
o Gram Conselho se achou confuso, sem saber que castigo Ihes da-
riam, e assi por mandado do Emperador os remitiram ao Conselho
Latino para que julgase conforme as leys de Europa, e os conse-
Iheiros, considerando a gravedade do delicto e o escandalo que ^via
causado, julgaram que fossem queimados, mas o Gram Conselho
nam quis que se ficesse em Ethiopia, senam que os levasem a
Mo^ambique e alli executasem a senten^a. Porem o Emperador os
mandou levar pressos a Goa, onde em chegando os queimaram pu-
bricamente.
Tudo isto he mera fic^am, porque nem em Ethiopia ouve nunca
Conselho Latino (como depois diremos), nem ha memoria de tal
LIVRO I, CAPITULO XVI. 177
caso, e, se sucedera, ouverao de ter ouvido os Portugueses velhos
que ca ha: e todos affirmam que nunca tal cousa ouveram; nem se
ouvera de esquecer disso a gcnte da terra; e os que sam contra-
rios a nossa santa fe, nos ouveram de dar cada dia em rosto com
elle; que ainda outras cousas falsas inventam pera desacreditar a
s. Liam e aos da fe catholica; por onde he certo que nunca tal
ouve. Tambem dicer que os mandavam pressos a Mo^ambique hc
cousa ridicula, se entende que aviam de ir por terra, poUos innu-
meraveis desertos e sortes de gente que ha no meio ; nem por mar
ha embarca^am pera la; nem ainda pera Goa os puderam mandar
pressos senam com grande dificultad.
Tambem he fabula o que diz pouco mais adiante, que aos he- is.Falsoaaseritur
« . 4 -n T apoatataa in Aethio-
reges e apostatas botam aos hoes e que el Preste Joam tem con- ^g^ iconibua obiici
certos com todos os Reys mouros seus vecinhos, como o de Borno, pactionem interce-
deie inter Imperato-
o Baxa de Egypto, os Reys de Arabia, que se algum de Ethiopia rem et Reges mahu-
renega a fe, facendose mouro, Iho tornem a entregar, e o botam mac^^S pretio'ha!
vivo aos lioes, [e] ou se reddu^a a fe catholica ou fique pertinaz em bere Patres Domini-
canos monasterii de
sua apostasia, de toda maneira ha de morrer; e que o Preste Joam Alleluia.
tambem esta obrigado a entregar aos Reys mouros a qualquer mouro
que se ficer christao, pera que facjam justica delle. Mas ha huma
aventagem de parte dos christaos que comsintiram os mouros, e he
que, em facendose algum infiel christao, logo o entregam aos re-
ligiosos de s. Domingus, os quaes o catequi^am e poem hura esca-
f. 76. pulario piqueno com certo senete *do Prior, com o qual ninguem
pode dicer nada, nem o Preste Joam esta obrigado a entregar a seu
Rey, e sabendo os mouros que o novamente convertido leva as in-
signias de sam Domingus, calam e desistem de sua demanda, por-
que he tam grande a opiniam que tem dos Religiosos da Alleluya,
que o dam por bem feito, parecendolhes que estando em poder de
taes Religiosos nam pode ser senam que vam muyto acertados.
Isto diz frey Luis de Urreta, mas nada passa assi, porque nam
ha tal concerto entre o Preste Joam e os Reys mouros nem os de
Arabia nem o Baxa de Egypto, que estam tam longe, ouveram de
entregar os que se ficessem mouros; mas nem ainda os Turcos, que
estam em Alquico, a que elles chamam Adecono com scr terra
firme de Ethiopia, nam entregaram de nenhuma maneira ao chri-
stao que se ficer mouro, e muyto mcnos entregara o Emperador
ao mouro que se ficer christao; antes vindo por aca fugido hum
mancebo mouro de casta real das terras que aqui parece chama
C. Bbccari. Mer, AetA, Script, occ, ined, — II. aj
178 HISTORIA DE ETHIOPIA
frey Luls Bomo, que nam se chamam senam Dequin, e pidindo el
Rey destas terras ao Emperador que Iho tomase a mandar, se queria
que correse o contrato dos cavallos (porque dalli Ihe vem muytos e
muyto bons ao Emperador), com ser o mancebo mouro, respondeo
o Emperador diante de mi : He muy to parvo esse mouro, se cuida
que eu hei de entrcgar aos que se vem a valer de mi: cousa que
nem os gentios facem. E mandoulhe logo dar mujrto boas terras,
e depois se fez christ^io. Nem aos hereges e apostatas botam aos
lioes, senam, quando algimi que se fez mouro, ou gentili^ou, vem
e diz que errou e que se quer redducir, tomamo a bautizar e quando
muyto Ihe dam alguma penitencia. Nem em Ethiopia ha frades de
sam Domingus, como veremos no 2° livro, nem dos frades que ha
nem dos christSlos facem conta nenhuma os mouros, antes nos tem
a todos por homens sem ley nem conhecimento de Deos.
16. Faisum pari- Diz mais pag. 185 que as feiticeras entaipam pera sempre e
ter hariolas ct blas-
phemos magnis af- ^.os blasphemos castigam a i* vez com reprehensam de palavra, a
fici poems. 2^ com o por meio num a porta da igreja em dia de festa com
huma candea na mao, e a 3* vez, tendoo por besta irracional, o
vestem de amarelo e Ihe poem hum cabresto no collo e boca e o
levam por toda a cidade e depois o deg^adam pera huma ilha de-
spovoada do mar vermelho ou la perto do cabo de Boa Esperan^a,
onde morra de fome. Porem nam ha tal cousa, porque nem entai-
pam as feiticeras nem sabem *que cousa he, nem aos blasphemos f. 7<>.
levam a taes ilhas, nem ainda, que o Emperador quisera, o podia
facer, porque no Mar Roxo nam senhorea nada e muyto menos
pera o cabo de Boa Esperan<ja, e fora muyto bom se Ihes deram
castigo, mas muytas veces se ouvem blasphemias, sem aver quem
atente por ellas pera as castigar.
CAPITULO XVII.
Da residencia que tomam aos Ouvidores do Emperador
e aos de seus Vissorreis.
Nam fora necessario facer capitulo particular pera tratar da
residencia que tomam aos Desembargadores e Ouvidores do Em-
perador e aos de seus Vissorreys, porque tudo o que sobre esta ma-
teria ha que dicer se pudera declarar em poucas palavras, se frey
Luis de Urreta nam me obrigara a referir algumas cousas das que
diz no capitulo 20 de seu 1° livro, porque, passando eu sem facer
men^am dellas, nam cuide alguem que tem fundamento o que nam
he mais que mera ficgam inventada e tra^a do no entendimento de
quem o informou. Diz pois desta maneira:
« Entre todas las naciones del mundo, una de las que mas abo- x- Refenintur so-
« minan dadivas y donativos son los Ethiopes, tanto que por tener rcicgationcm ludi-
« noticia el Emperador Phelipe g que avian recebido un presente ^^^ *" Amb& Gui-
^ '^ "^ ^ ^ xftn dum m conim
« en la vacante de su antecessor, mando que de 7 en 7 anos la mi- administrationem
« tad del Gran Consejo fuesse al monte de Amara a estar en resi- '"^^^*"
« dencia de su govierno y administracion de justi^a, lo qual se guarda
« el dia de oy en la forma y manera que se dira. Estando el Em-
« perador con todos los del Consejo en una sala, manda los 1 5 de-
« Uos ir al monte de Amara con uno de los primogenitos de los
« Reyes que le sirven en compania de mil cavalleros de su guarda.
l8o HISTORIA DE ETHIOPIA
« y al punto que se despiden del Emperador, se ponen en camino,
« yendo delante dellos un cavallero con su estandarte de tafetan
« amarillo y en el las armas del imperio. Llegando al monte (donde
« son recibidos de los Abades militares), los consejeros se apean
« de sus cavallos y quedandose en el suyo el primogenito dice estas
« palavrgis a los Abades : Sefiores, yo os entrego los 1 5 del Gran
« Consejo que aqui estan por orden y mandado del Emperador el
« mayor Rey sobre todos los Reyes abissinos, Emperador de la
« Ethiopia, siempre David mi senor. Y en diciendo esto, da la buelta
« a la corte donde refiere al Emperador el discurso de su camino.
« Luego el Emperador lo hace saber a todas las ciudades del im-
« perio por medio de sus procuradores, *que de continuo residen f. 77
« en la corte, para que qualquiera que se sintiere agraviado de los
« tales consejeros, manifieste su agravio y pida satisfacion del, para
« que le sea hecha justicia. Llegado este mandato a las ciudades,
« los nobles dellas con parte de su clero se juntan y lo hacen pre-
« gonar publicamentc, mandando que los que ubieren recibido algun
« ag^avio lo escrivan en un memorial con su nombre y el del con-
« sejero, de quem se tiene por agraviado, y la ocasion y el tiempo
« en que sucedio ; lo qual ellos hacen y echando los papeles de sus
« quexas en una arca bien cerrada, que esta puesta en publica pla^a
« por espacio de 8 dias continuos, con una boca angosta a modo de
« cepo, por donde pueden entrar los papeles y memoriales, pero en
« ninguna manera se pueden sacar. Passados los ocho dias seiiala-
« dos, cada ciudad embia su arca, assi, como esta sin abrilla (por-
« que solo el Emperador tiene la llave) a la corte con buena guar-
« dia de soldados y por guia va un ciudadano que lleva un estan-
« darte tendido con las armas de aquella ciudad. Llegando a la
« corte van camino derecho a palacio, y el Emperador da una Uave
« a su camarero (que es el que mas le ha servido de los primoge-
« nitos), mandandole abra con ella una sala grande, donde se ponen
« estas caxas y metiendola el cavallero en ella, da licencia a los
« soldados y gente que la traen para volverse a su ciudad ; y este
« estilo y modo de proceder se guarda con todas las arcas que traen
« las ciudades.
« Despues de recogidas todas las arcas en la sala, quando al
« Emperador le parece, entra en ella acompanhado de todos los
« primogenitos de los Reyes sus vassallos y de otros 20 cavalleros
« de su casa, y mandando abrir las dichas arcas, se sacan los pa-
LIVRO I, CAPITULO XVII. l8l
« peles y puniendo los de cada ciudad de por si, hacen dellos
< un libro y volumen y en cima del escriven el nombre de la ciu-
« dad que lo embio, y juntos los de todas ellas, se meten en otra
« caxa grande, la qual embia con el embaxador del gran Abad de
« la orden militar de s. Antonio, que llamamos Gran Maestre, en
« compania de trecientos de cavallo, a los sacerdotes de Saba, que
« han de ser los jueces, en una litera cubierta de raso negro. Quando
« llega a la ciudad, la salen a recebir con mucha pompa y la po-
« nen con buena gnardia en el Consistorio, que es el lugar donde
« se junla la noble^a, y el embaxador se buelve a la corte con toda
« su compania. Luego los sacerdotes de Saba salen fuera de la igle-
« sia, donde estan, bien acompanados, cubiertas las caras segun la
« costumbre de los sacerdotes abissinos y Uegando al consistorio,
f. 77.V « se sientan a una mesa redonda y, echada la demas *gente fuera,
« abren la caxa y sacan todos los papeles y, leyendo unq por uno
« los agravios alli escritos, los sacerdotes de Saba los escriven y
« embian con buen recaudo a los sacerdotes y nobles de la ciudad
« donde vino la demanda o quexa, para que, hecha informacion del
« caso, les embien relacion del, y pareciendo tener el consejero algxma
« culpa, los sacerdotes de Saba le dan dello aviso, para que, si tienc
« descargo contra lo que le imputan, le de dentro de cierto tiempo,
« en el qual embia a dar ra^on de si con un cavallero del monte,
« y, si para su defensa es menester provanga, embian al mismo ca-
« vallero los sacerdotes para que se haga donde fuere menester, y
« constandoles estar el consejero inocente de los capitulos puestos,
« mandan a los sacerdotes de la ciudad, de do vinieron las quexas
« y acusaciones, hagan luego castigar a quien las embio conforme
« a la gravedad del crimen, segun la pena del talion para exemplo
« de todos.
« Hecho esto y lo demas, que para concluir la residencia es
« necessario, los sacerdotes de Saba encierran los cargos y descar-
« gos de los consejeros junto con su sentencia o parecer en una
« caxa de cedro, la qual embian al Emperador con los sacerdotes
« que nombran por comissarios para esto, los quales la llevan a la
« corte y, antes de llegar, se aloyan baxo de pavellones, y al punto
« el Emperador manda un primogcnito, que los salga a recibir, en
« compafiia de cien cavalleros de su guardia, y el primogenito, des-
« pues de los aver recibido y saludado cortesemente, los acompana
« con su gente liasta Palacio, yendo ellos cubiertas las caras con
l82 HISTORIA DE ETHIOPIA
« sus velos y apeandose de sus cavallos, y subidas las escaleras, el
« Emperador los recibe con muchas muestras de amor, y dandole
« los Comissarios la arca, la manda guardar en su camara y les
« da Hcencia para tornarse; lo que hacen en la misma forma que
« vinieron.
« Aviendo visto el Emperador el parecer de los sacerdotes de
« Saba, embia una carta y provision al mas antiguo de los Prin-
« cipes del imperio, que habitan en el monte de Amara, para que
« haga bolver los consejeros a sus plagas y, si algtmo dellos se
« escluye por la carta, es visto por el mismo caso ser privado del
« gran consejo para siempre sin remission. Esto hecho, se buelven
« los consejeros a la corte acompanados del cavallero que llevo la
« carta y de doce mil de a cavallo de la guardia del Emperador,
« y llegando los consejeros cerca de la ciudad de Zambra, se alo-
« jan baxo de pavellones y tiendas aquella noche. Al otro dia de
« manana los bienen a acompanar los nobles y ciudadanos de la
« corte con mucha fiesta de trompetas y otros instrumentos musicos.
« Con esta fiesta y aplauso los llevan al palacio, donde hallan *al f. 78.
« Emperador sentado en un alto trono de doce grados, cubierto de
« alhombras y tapetes ricos, vestido con magestad imperial, y al re-
« dedor delle todos los primogenitos de los reyes sus vassallos y,
« en Uegando los consejeros delante del Emperador, levanta una
« cruz que tiene en la mano por cetro, y ellos se arrodillan en tierra
« arrimados a unos banquillos largos, y entretanto el embaxador del
« gran Abad sube en un pulpito y hablando con el Emperadorle
« dice : Veys aqui, senor, los que para beneficio de vuestros pue-
« blos subditos os aconsejan, y aviendo estado en el monte de Amara
* por vuestro mandado en residencia, no se ha hallado contra ellos
« cosa alguna; aora con orden vuestro han buelto a vuestro Gran
« Consejo para serviros en el como solian. Entonces todos los cir-
« cunstantes a una dan voces, diciendo: Viva el Emperador que con-
« serva las constituciones de su imperio a gloria de Dios y de los
« principes de los Apostoles, con observancia de las leyes institui-
« das por Juan el Santo y por Philipe 7. A todos los quales el
« Emperador con rostro alegre y risueno da muestras de condecen-
« der con lo que dicen y que recibe contento del que sus pueblos
« han mostrado, y con esto se da fin a la residencia ».
a. Confutantur Ate aqui sam palavras do Author, em que, tirado o que diz no
prac icta. zponitur pj.jj^^jpJQ (jg^g peitas (que ainda isso encarece demasiadamente), nam
LIVRO I, CAPITULO XVII. 183
ha cousa nenhuma que diga com a verdade do que ca passa com quomodo in Aethio-
. V . . o t_ j. ' j. ' ' pi* agantur recuraus
que eu tenho visto em 18 annos que ha que entrei em este impeno ^^ -^ fructu.
e o mais deste tempo gastei na corte. E pera mais me enteirar das
cousas, as preguntei miudamente ao presidente do supremo conselho
e a outros dous seus companheiros, e me affirmaram que nenhum dos
que estam agora em este e em os demais tribunaes (com alguns se-
rem muyto antiguos) foram ao monte de Amhara, pera Ihe toma-
rem residencia, nem ouviram dicer que seus antepassados fossem
la nunca pera isso, nem avia tal estatuto, nem tempo limitado
pera se Ihes tomar residencia, nem se Ihes tomava a todos em
forma de residencia, mas que todas as veces que alguma pessoa
se queixava de hum ou de mais delles, Ihe dava logo o Empe-
rador juiz e diante delle propunha seus agravos e facia sua de-
manda. e o juiz dava sua senten^a, e se algiima das partes nam se
dava por satisfeita e queria agravar, vinham a seu tribunal, e o
juiz referia todo o discurso da demanda, e o que julgara, e as par-
tes, que estam presentes com seus procuradores, acrecentam, se o
i". 78,v. juiz se esqueceo de alguma cousa *que Ihes releve pera sua justi^a
e propoeni de novo o demais que Ihes parece; e logo os Azages
vam ao Emperador e Ihe referem tudo, e julgam diante delle o que
a cada hum Ihe parece, e ultimamente o Emperador, e logo se pu-
brica e executa sua senten^a.
Se o Emperador tem ruim informa^am daquelle Ouvidor, con-
tra quem Ihe pedem juiz, nam somente o da, mas alg^mas veces,
posto que raramente, manda lan^ar pregam nam mais que na ci-
dade ou arrayal onde elle esta, que todos os que tiverem agravo
daquelle Ouvidor, o demandem ; e assi o facem os que querem, e
muytas veces o acusam, sem se dar este pregam, de que tem to-
mado peitas, com ter o Emperador feito por escomunham que nam
as tomem. Mas casi nunca chegam com estas demanda^ de peitas
a que julgue o Emperador, porque ainda que a parte possa bem
provar, antes disso dessiste ou se concerta por rogos dos outros ou
por medo de nam Ihe vir depois a cair em as maos em alguma
ocasiam. E pouco tempo ha que demandaram a hum dos do su-
premo conselho que as tinha tomado, e nam faltava prova, porque
era certo que tomava muytas, e com tudo isso nam chegou a cousa
a que o juiz do Emperador desse sentenga. Logo isso se atabafou
por rogos ou por algum fato que daria em segredo.
. Em a mesma forma se facem as demandas aos Ouvidores dos
}
184 HISTORIA DE ETHIOPIA
Vissorreys, que, quando algum esta agravado, pede juiz ao Vissor-
rey e diante de quem elle da, faz sua demanda e se he neces-
sario julga tambem o Vissorrey ; mas se a parte quer, pode agra-
var pera o Emperador ; e aqui se encerram todos os misterios que
faz frey Luis de Urreta na residencia dos do Gram Conselho. Nem
ouve nunca em Ethiopia taes emperadores Joam e Philippe 7, nem
ainda Philippe i^, como me affirmou o emperador Seltan Qagued e
se vee em os catalogos dos Emperadores, que pusimos no capitulo 5.
CAPITULO XVIII.
Em que se declara se ha em Ethiopia, ou ouve Conselho
Latino pera se tratarem os negocios tocantes a Europa.
Muytas e varias cousas conta frey Luis de Urreta, em o cap. 21, i. De Consilio La-
de seu 1° livro, sobre o Conselho Latino, que affirma aver em Ethio- notitia^n Aethiopia!
pia pera os negocios que se offerecem aos que de Europa em ella
residem ; a que brevemente puderamos responder que todas sam fa-
f. 79. bulas inventadas por *Joam Balthesar ou imaginadas por quem a o
Author deo a informa<;am (i); mas pera que milhor se entenda o que
ouvermos de dicer, referirei primeiro alguma cousa do que o Au-
thor diz do Conselho Latino, que o demais nam vem aqui a pro-
posito.
Diz pois no cap, 21:« Aviendo escrito el orden del Gran Con-
(i) Hic in ms. Auctor delevit quae sequuntur: « mas porque redundam em descre-
dito de pessoas muyto graves e dignas de venera^am como sam o Christianissimo ze-
lador do augmento da sancta Tgreja Romana el Rey de Portugal dom Joam o 3°, o
rev.mo s.' dom Joam Nunez Barreto patriarcha de Ethiopia, o padre Bispo Melchior
Cameiro e outros Padres de nossa Companhia, convem que as declaremos mais em par-
ticular, pera que se manifeste a verdade do quc passou e nam fique escurecida diante
dos que nam advirtirem que cn cousa tan grandc nam se ouvera de dar credito a in-
fcrma^am de hum homem nam conhecido pera se imprimir e pubricar ao mundo por
verdadeira, que ainda refirindo eu outras cousas que diz o livro de muyto menos im-
portancia, se maravilho muyto o emperador SeltAn (J!agued de que tam facilmente des-
sem credito a homem que nam conheciam pera authenticar suas mentiras imprimindo ».
C. HeccARi. Rer. AeiA, Scripi, occ, ttted, — II. 24
1
l86 HISTORTA DE ETHIOPIA
« sejo, viene a proposito tratar del otro Consejo menor, que tiene
« el Emperador em su corte, Uamado latino, el qual fundo Alexan-
« dro 3°, porque viendo que cada dia, despues de su descubrimiento,
« acudian muchas naciones y mercaderes de tierra latina a sus esta-
« dos, le parecio no solo util, sino cosa muy necessaria al buen
« govierno hacer y fundar un consejo latino para la gente latina,
« que de su nombre se llamo el consejo latino, y a los consejeros
« sefialo grandes estipendios y muy pingues salarios, y eligio de
« cada nacion que acudia al imperio dos personas de ciencia y con-
« ciencia experimentados y temerosos de Dios, que fueron dos Ve-
« necianos, dos Florentines y dos Portugueses. Los Venecianos y
« Fiorentines vienen los mas por el Cairo, y los Portugueses de Goa
« y algunos de Portugal. Destos seis consejeros consta el Consejo
« Latino, que sirve de informar al Emperador de las cosas de Eu-
« ropa, en especial llegando algunos destas partes a contratar o a
« ver el imperio con cartas de algunos Principes u de los mismos
« Abissinos que havitan en Roma. En tal caso uno u dos de los
« consejeros, a quien por el consejo se comete, van al Emperador
« a darle cuenta por menudo, no solo del fin y motivo que el fo-
« rastero tubo para entrar en el imperio, sino tambien de su tierra, f. 79,%-.
« calidad *y condicion ; porque segun la relacion deste consejo trata
« el Emperador a los forasteros y a veces los acaricia y regala, si
« lo requiere su calidad. Tiene tambien a su cargo este Consejo el
« interpretar las cartas que van al Emperador de tierra latina y
« responder a ellas en la lengua que fuere menester. Este consejo
« se hi^o a instancia y persuasion del muy R.*^° padre Andres de
« Oviedo religioso de la Compania de Jesus, que por ser tan docto
« y exemplar, fue embiado de la Sede Apostolica con titulo de Pa-
« triarcha, y en esta dignidad vivio muchos anos con mucho exem-
« plo y provecho espiritual de los Abissinos, y el Preste Juan le
« honrro muchissimo y le dio el cargo de presidente deste coti-
« sejo; el qual exercito el buen padre con tanta satisfacion, con-
« tento y aplauso de los Abissinos qual ellos pudieran dessear >.
Ate aqui sam palauras de frey Luis; mas nenhuma cousa ha nel-
las que diga com a verdade ; porque primeiramente ninguem sabe dar
re^am de tal Alexandre 3^, nem nos catalogos dos Emperadores,
que pusimos uo cap. 5, ha mais que hum Alexandre, a quem elles
chamam Escander, e este foi muyto antes que os Portugueses de-
scubrisem Ethiopia, porque, como dissemos no cap. 16. o primeiro
LIVRO I, eAPITULO XVIII. 187
Portugues, que descubrio Ethiopia e entrou em ella, foi Pero de
Covilham, que partio de Portugal a 7 de mayo de 1487, e o em-
perador Alexandre ja era morto no anno de 1475; e falando o Au-
thor deste mesmo Alexandre 3° pag. 118 e 139, diz que morreo o
anno de 1606, e eu entrei em Ethiopia em mayo de 1603 ^ n^tm
achei tal Alexandre, senam Jacob filho do emperador Malac Qa-
gued, que avia 7 annos que morera, tendo reinado 33 ; nem depois
pera ca ouve quem se chamase Alexandre, e dado que ouvera tal
Alexandre 3°, o que aqui diz delle que fundou o Conselho Latino
a instancia do padre patriarcha Andre de Oviedo, e que a elle deo
o cargo de presidente deste Conselho Latino, nam concerta com o
que diz adiante pag. 616, que o emperador Mena (que nam se cha-
mava se nam Minas) escreveo ao papa Pio V que o padre Andre
de Oviedo era presidente do Conselho Latino e que o reverencia-
vam como a Santo, porque logo na pag. 617 affirma que Alexan-
dre 3° sucedeo a Mena, e assi he muyto clara contradigam ; porque,
se Alexandre 3° fundou o Conselho Latino, como Mena, que foi
antes delle, escreveo a Pio V que o padre patriarcha Andre de
Oviedo era presidente do Conselho Latino, que ainda nam era feito [?].
f. 80. *Outras muytas veces se contradiz o Author falando deste Alexan-
dre 3°, como mostramos no capitulo i , que, se elle as advirtira, ba-
stara pera nam dar credito a as informagoes de Joam Balthesar,
por mais que affirmara que eram papeis autenticos, como diz pa-
gina 211.
Mas, deixando a parte as contradigoes e a Alexandre 3*^, he cousa
muyto certa que nem ha, nem ouve nunca em Ethiopia Conselho
Latino, e assi o affirma hum veneceano que se chama Joam An-
tonio, que diz ha 32 annos que ca entrou, e o capitam dos Portu-
giieses pcr nome Joam Gabriel, homem de 66 annos, que de menino
se criou com o padre patriarcha Andre de Oviedo, diz que nunca
vio, nem ouvio que em Ethiopia ouvese tal conselho. O mesmo te-
stificam muytos homens velhos filhos de Portugueses, que tambem
se criaram na casa do padre Patriarcha, e outros desta terra a quem
preg^ntei; e quanto do anno de 603 a esta parte, eu sou testimu-
nha de vista que nam ha tal cousa; e toda via o Author affirma
pag. 210 que perseverava, quando elle escrivia, que seria pollos
annos de 608. Por onde tudo quanto diz do Conselho Latino he
falso, e nam menos carecem de verdade casi todas as cousas que
logo conta sobre a missam, que ficeram trece Padres da Compa-
|88 HISTORIA DE ETHIOPIA
nhia ii Ethiopia, tomando ocasiam do que tinha dito que o padre Ao-
dre de Oviedo fora presidente do Conselho Latino, pera mostrar
como entrou em Ethiopia, e principalmente pera refutar a Nicolao
Sandeiro, ao padre Fero Mafei e outros padres da Companhia, que
escreverara sobre esta materia ; mas quam sem re^am o fez veremos
no livro 3", onde elle tambem trata de proposito do padre patriar*
cha Andre de Oviedo.
CAPITULO XIX.
Em que se declara se o Preste Joam visita pessoalmente
as cidades de seu imperio.
Depois de aver pintado frey Luis de Urreta, no cap. 22 de seu x. Commento Ur-
1° livro, o aparato e pompa grande com que diz que o Preste Joam jj^nj civitatum Ae-
vai a visitar as cidades de seu imperio, hum anno depois que se t*i-opi*« <v^^ a^ i*»-
peratore fiebat.
coroa em Saba, e dalU por diante de 7 em 7 annos, continua sua
Historia pag. 221 por estas palavras: « Llegado el Emperador a una
« ciudad, se aloja en su pavellon junto a ella y aviendo descansado
« en el aquella noche, luego a la mafiana, vestido de habito imperial,
« cavallero en un elephante, con toda la magestad y grandega (que
« para ser jurado fue a Saba), camina a la ciudad, en la qual no puede
f. 8o,v. c estar el Rey *ni residir, antes le obligan a que se vaya luego a otra
« parte, mientras dura la visita, y al entrar el Emperador estan a la
< puerta los seis Regidores o Jurados, de quien depende el govierno
« de la ciudad, aguardando con ropones de damasco negro, y un ca-
« vallero con un estandarte, en que Ueva las armas de la ciudad, y
« assi mismo todos los sacerdotes, entre los quales esta uno con un
« missal en la mano, y el Corregidor de la ciudad con una vara
« corta y una beca negra como de collegial en los hombros, salvo
« que esta se echa al cuello y cae por delante a manera de estola,
« con unas borlas de oro por remate y las armas del Emperador, el
igo HISTORIA DE ETHIOPIA
« qual se apea del elephante y, puniendo la mano en el missal, jura
€ de guardar las constituciones del Concilio Florentino y de toda la
« Sede Apostolica con las de Juan el Santo y Phelippe 7**. Hecho
€ esto, los sacerdotes llegan a hacerle reverencia, de dos en dos,
« y tras ellos el Corregidor y Regidores, los quales, aviendole ju-
« rado obediencia, prometen de darle cada tres hijos el uno para
« defensa del imperio, como diremos en su lugar. Luego entra el
« Emperador en la ciudad a pie, acompaiiado solamente de los
« 42 hijos de Reyes y de los quince de su Gran Consejo, del em-
« baxador del gran Abad y de algunos cavalleros de tierra latina.
« Con este acompanamiento va a visitar las cuatro parrochias y la
« abadia de s. Antonio y despues al consistorio de la noble^a,
« donde les hace un ra<;onamiento acerca de la observancia de los
« estatutos del imperio, en que concluye con oflFrecer su remedio
« y patrocinio imperial para todo lo necessario, como en efecto le
« pone en las cosas que le parece conveniente. Despues desto se
« Uega al monasterio de las doncellas (que tiene cada ciudad uno),
« donde las provee con mucha charidad de lo que les falta, y lo
« mismo hace en los seminarios de la juventud, de que diremos
« luego ; y si en el de las doncellas se halla alguma pera casar, le
« da licencia para ello, que de otra manera no pudera, sin perju-
« dicar la costumbre que ay de que ningun hijo de Rey pueda ca-
« sarse sin licencia del Emperador, ni el noble sin la del Rey, el
« ciudadano sin la delos nobles, ni el plebeyo sin la de los ciuda-
« danos, salvo en caso que el Emperador la de, como decimos ; el
« qual prosigue la visita de las demas ciudades de le manera que
« hemos dicho :».
a. Quam longe sit Ate aqui sam palavras do Author, em que casi nam ha cousa
hoc a vero demon- • r , 1 j j
stratur ct ex veteri V^^ ^^^ ^^J^ labula; porque, comeQando do que se usava antigua-
consuetudine Impe- mente, os Emperadores estavam tam longe de *visitar as cidades f 81,
ratorum et ex ns
quae recenter ipse de seu imperio, que nem se deixavam ver ainda dentro de seu pa^o,
Auctor oculis usur- •■ n j
•^ senam de suas molheres e de 30 escravos piquenos, que o serviam,
e tres homens grandes, que governavam o imperio; e se algum
outro avia de falar com elles, ainda que fosse jenrro ou cunhado,
avia de entrar de noite e, tiradas todas as candeas, falava sem ver
nada mais que ouvir a voz do Emperador, e ainda isto se tinha
por muyto grande merce, porque raramente se concedia, como dis-
semos no cap. 4 ; mas quando aviam de dar sentenga sobre alguma
cousa grande, entravam juntamente com aquelles tres que goveravam
LIVRO I, CAPITULO XIX. 191
o presidente dos Azages e seis dos mais principaes, como decla-
ramos no cap. 16. Nem depois que deixaram aquella supersti^am,
se usou tal modo de visita, como todos affirmam ; e quanto do anno
de 603 a esta parte, eu sou testemunha de vista, que casi sempre
andei na corte, e nunca o Emperador fez tal cousa. Nem ha cida-
des da maneira que frey Luis cuida: so, onde estam os Vissorreys
e algum governador de assento, sam povoagoes grandes; e quando
delles ou de seus ouvidores ha alguns agravos, se querem pedir
juiz ao Emperador, o da logo pera que va la a facer justi^a, e se
as cousas sam grandes e Ihes parece que padecera detrimento sua
justiga facendose la, procuram que o Emperador mande vir o cul-
pado, ou esperam que elle venha a corte, que ainda os Vissorreys,
que nam estam muyto longe, vem algumas veces, e entam os de-
mandam diante dos desembargadores do Emperador, a quem de-
pois dam conta de tudo pera elle julgar.
Quanto ao que diz que o Emperador vai a cidade em hum ele-
phante, nam somente nam sove nelle, mas nem se vio nunca manso
em Ethiopia, posto que aja muytos bravos, e ainda que o Empe-
rador fora a visitar as cidades, mal Ihe aviam de dar juramento
na entrada sobre o missal que guardase as constitui^oes do Con-
cilio Florentino e de toda a Sede Apostolica com as de Joam o
Santo e Phelippe 7°, pois elles nam obedecem a Igreja Romana,
como ja temos dito e veremos no 2° livro cumpridamente; nem ouve
nunca em Ethiopia emperador que se chamase Joam, nem Philippe 7°,
nem costume de dar ao Emperador de cada tres filhos hum pera
defensam do imperio, que, quando he necessario, todos vam a guerra,
excepto os velhos que lavram a terra. Nem ha taes 40 filhos de
Reys que acompanhem ao Emperador, nem embaixador do gram
f. 8i,v. *Abad, nem menos ha mosteiro de doncellas em todo o imperio,
quanto mais hum em cada cidade. Nem he necessario licen^a do Em-
perador (que Reys nam os ha, como ja dissemos) pera que as don-
cellas nobres casem, nem licenga dos nobres pera os citadoes e de-
stes pera os plebeyos, porque, sem nada disso, casa cada hum quando
quer e com quem milhor pode.
Ha porem hum costume que, se o mancebo ou a doncella, que 3« Quomodo im-
ha de casar, he parente do Emperador, Ihe da parte disso, nam quibus donia cumu-
porque Ihe seia necessaria licenca, que sem ella pode casar, se qui- ^®* cognatos suos
' ^ "^ ^ nuptias contractu-
ser, senam pera que Ihe faga certas honrras, que sam ir ao pa^o ros.
a tarde antes da boda, quando come^a a anoitecer, se he mancebo
192 HISTORIA DE ETHIOPIA
acompanhado dos principaes senhores da Corte, e se he doncella,
de senhoras, debaxo de hum panno de seda, ou quando menos de
algodam com varias pinturas, que Ihe vem da India e levamo pol-
los cantos cuatro doncellas a modo de dosel, mas he muyto mais
cumprido que largo ; e assi outras doncellas vam perto da senhora
alevantando com as maos o panno, pera que nam Ihe toque na ca-
be^a, e cae tanto poUas ilhargas e por detras, que nem as que o
levam pollos cantos se veem de fora, senam muyto pouco; e isto
usam todas e so as parentas do Emperador, quando vam de huma
casa a outra a pe, que a mula nam o levam. E em chegando o man-
cebo ou doncella ao Emperador, Ihe beixa a mao, e logo o manda
entrar em outra camara e vestir muyto ricos vestidos, que Ihe tem
aparelhado, e saindo torna a beixar a mao ao Emperador, e elle
com boas palavras Ihe da bengam e o despede, e saem com elle
muytos pagens do Emperador com tochas, e diante vam tangendo
com seus atabales e cheremelas, e assi o levam ate sua casa, onde
se come^am as festas das bodas com muytas musicas e balhos que
duram por muytos dias.
I
CAPITULO XX.
Em que se trata das cidades de Ethiopia e edificios, de
seu govemo^ distincam de moradores e trajos.
Em Ethiopia nam ha cidades mais que a corte do Emperador i- Nullae in Ae-
e onde estam de asento os Vissorreys ou algnm Governador grande ma casarum 'et tcn-
e ainda a alcfumas destas puderamos chamar villas, e quando os tfriof^iniagglomera-
° ^ ^ tio circa residentiaa
Vissorreys se miidam pera outras partes (que o facem muytas ve- Imperatoris etVice-
ces, e os Emperadores algumas), ficam aquellas cidades como villas frM^ntermutantlu"
ou aldeas bem piquenas, que dos hedificios Ihes da pouco, por se- ^.libi parvi pagi ex
casis miserrimis.
rem taes quaes logo diremos. As demais povoa^oes sam villas de
poucos vecinhos, e aldeas que nam passam de cinquenta casas e
f. 82. muytas tem menos, porque ordinariamente se juntan alguns *onde
tem suas lavoras e alli facem suas casinhas; poUo que, deixando
algumas serras e desertos que nam se habitam, o demais comum-
mente esta cheio destes lugarinhos, particularmente agora ; porque
depois que huns gentios, que chamam Galas, foram entrando poUas
terras e tomando muytos, como ja dissemos no cap. i, a gente del-
las se foi retirando pera estotras e assi estam muyto cheas.
Os edificios sam muyto pobres, como ja outras veces temos
dito: casinhas de pedra e barro, ou de paos, redondas, terreas e
muyto baixas, cubertas de madeira e palha cumprida, e algumas,
que sam largas, tem huma coluna ou esteo de pao no meio, sobre
C. licccARi. Ker. Aeih, Script, occ, iucd, -- II. 2«;
194 HISTORIA DE ETHIOPIA.
qiie se sustenta a armagam daquella madeira. Outras sam cumpridas
com esteos depao no meio em fieira, sobre que carrega toda a ma-
deira, tambem cubertas de palha e terreas, a quem chamam (^acala,
e em estas moravam ordinariamente os Emperadores; e assi quando
deciam : vai ao ^acala, ou : esta no ^acala, era como decir : vai ao
pago, ou: esta no pa^o; ainda que nam so o Emperador usa este
modo de casas, senam os senhores e todos os demais que querem.
2. Casae omnes Em algumas partes, principalmente onde nam chove muyto,
tantum planopede r j^j ji<i j^i
constnictae, plerum- fa^cem casas de terrado, nam de chunambo, senam de terra bem
que paleis, alicubi batida, e todas eram terreas, que de muyto tempoaesta parte ra-
solano contectae ;
SeltAn Sag4d in re- ramente se facia alguma sobardada, e durava pouco, porque nam
fd*lacum°Dambrense ^ sabiam facer. Mas o emperador Seltan Qagiied, que agora vive,
contignationem su- fez em huma peneinsula da lagoa de Dambia, a que elles chamam
perstnixit cum sola-
rio et superius cubi- mar, huns pagos fermosos de pedra branca muyto bem lavrada, com
culum cum fenestris g^^g aposentos e salas, e de cima tem 50 palmos de cumprido, 28
Descriptio eiusdem. de largo, e 20 de alto, que por batir alli muyto o vento no inverno
Quomodo et quonim j t_ • ^ i_ 1 ^ 1 ^ • o
expensis fiant domus ^ ^ ^^^ ^^ abaixo tambem ser alta, nam a alevantaram mais. So-
enibematonim. bre a porta principal tem huma varanda grande e fermosa e nas
ilhargas duas mais piquenas com muyto boa vista. A madeira casi
toda he de cedro muyto fermosa, e as salas, e hum aposento do
alto, onde dorme o Emperador, com muytas pinturas de varias co-
res. He de terrado com chunambo e o parapeito arroda com co-
lunnas de pedra muyto fermosas, e sobre seus capiteis bolas gfran-
des da mesma pedra, mas em as colunnas dos 4 cantos bolas de
cobre douradas com fermosos remates. Sobre a escada, por onde se
sobe ao terrado, se alevanta outra casa piquena, com tres janellas
grandes, que Ihe serve de mirador, porque de mais de estar a casa
situada no mais alto de peneinsula, que he grande, tem 60 palmos
de alto e assi toda a cidade, *que tambem fez nova, Ihe fica de- f. 82,v.
baixo, e descobre grandes campos e casi toda a lagoa, que tera
algiimas 25 legoas de cumprido e quince ou mais de largo, agoa
doce muyto boa. Esta tambem este mirador cuberto de terrado com
suas colunnas de pedra a roda como as de abaixo, e em os 4 can-
tos humas bolas de cobre douradas. Outros pa^os pola mesma tra^a
destes fez depois hum seu irmSio, que se chama Eraz Cela Christos
em o reyno de Gojam, onde elle he vissorrey, mas nam tam gran-
des. Estes dous edificios sam os maiores que ha no imperio (nam
falando de igrejas) ; todas as demais casas sam ruins, como digo, e or-
dinariamente Ihes facem cerca de espinhos, e assi, se acerta de dar
t-
LIVRO I, CAPITULO XX. 195
fogo na cerca ou na casa, com dificultad[e] se apaga sem se acabar
tudo. Os que facem de terrado algumas veces se juntam dez ou 15
e edificam huma casa pegada com outra aroda com as portas
pera dentro, onde deixam campo bastante pera suas vacas e mais
gado, com so huma porta pera a rua, que fecham de noite, e assi
ficam segfuros dos animaes bravos e de fogo. O senhor do lugar
poucas veces faz casas de seu fato, porque os villoes Ihas facem
a sua custa, e quando o Emperador Ihe tira as terras e as da a
outro (que o faz muytas veces), se os villoes ficeram as casas, ficam
pera o novo senhor, e se o passado as tinha feito com seu fato,
leva a madeira.
O governo das cidades he o mesmo que pusimos no cap. 16, 3- ii* quolibetpa-
tratando dos juices do Preste Joam e dos tribunaes que tem em ^1^^ iudiccs, quorum
sua corte e os dos Vissorreys dos reynos de seu imperio. Afora "?^® vocatur Leba-
•^ -^ A . dJ™5 quaenam smt
estes ha em cada provincia hum juiz, que chamam lebadim, cujo eomm partes.
officio he inquirir dos ladroes daquella terra e mandallos pressos
ao Vissorrey a quem ella pertence, ou aos ouvidores da corte do
Emperador, com pessoa que refera as culpas que delles achou, se
elle nam pode ir; mas em certos casos acaba elle. Tambem ha
outro juiz, a quem levam todas as cousas perdidas, de que nam se
sabe dono, como escravos, mulas e outros gados, e se o que o acha
nam o leva dentro de tanto tempo, tem pena; e o juiz o guarda
e se serve delle ate que acha dono, e nam o pode vender; e assi
o que perdeo alguma cousa destas, facilmente a acha na casa de-
ste juiz. Em cada villa e aldea ha hum juiz, que chamam Xum,
posto poUo senhor da terra, e porque assi isto, como no modo que
tem de proceder na justi^a, se declaro cumpridamente no mesmo
cap. 16, nam sera necessario tornallo a repetiz. ^
f. 83. Tambem a distingam dos moradores da corte he a mesma *que 4- Quonam ordine
. . j ^ t 1 -r^ 1 1 aediflcatae fuerint
guardam em o asentar das tendas no campo do Emperador, que de- domus in nova urbe,
claramos no fim do cap. 14, e assi, querendo elle facer a cidade, **" Pf^fo in penin-
^ sula lacus DambiA.
qne acima disse, em a peneinsula da lagoa de Dambia, lan^ou pre- Solus Auctor privi-
gam que certo dia fossem todos la com elle e armasem suas tendas J^j^dUibi *ocum pro
da maneira que acostumavam no campo, pera que soubese cada domo aediacanda.
hum o sitio de sua casa, sem aver diferengas; mas com tudo nam
faltaram sobre quanta largura avia de ter cada hum aroda de suas
casas, e pera que meus companheiros e eu CvStivesemos libres disto,
me disse que fosse primeiro e tomase a minha vontade onde mi-
Ihor me parecese ; que nam foi piqueno previlegio, assi por nam se
196 HISTORIA DE ETHIOPIA
facer nem a sua mae, como por terem os Portugueses obriga^am
de asentar a mao dereita, e pera aquella parte acertou de ser ruim
sitio, poUo que o tomamos muyto bom diante. De maneira que to-
dos tem suas moradas conforme a sua nobre^a ou officio, mais perto
ou mais afastado do pa^o, a mao dereita ou a izquerda, diante ou
detras ; e nam somente da de grac^a o Emperador o sitio das casas,
mas faz que aroda da cidade fiquem campos sem se lavrar, pera
que os gados comam. Em as cidades dos Vissorreys nam ha tanta
ordem, e em as villas e aldeas casi nenhum, posto que o senhor
da terra sinala o lugar ao que ha de facer casa de novo.
5. Puse deacribun- Acerca dos traxos, antiguamente eram ruins, porque ainda os
tur vestes et ornatus t ■* j j ^ ^ «
virorum nobilium senhores grandes, ao menos quando andavam na corte e entravSo
tempore Auctoris. no pa^o, nam vestiam camisa, senam hum calpam largo, que Ihe
chegava ate perto do pe, de algodam preto ou vermelho, e hum
panno cumprido de algodam ou de seda em lugar de capa, e quando
entravam no pa^o, o cingiam na cinta de maneira que Ihes caia ate
perto dos pes e o demais do corpo ficava num, ou quando muyto
huma pelle de liam sobre os hombros, ou de outro animal, que
chamam Guecela, de cavello preto muyto macio. Mas falando do
que agora usam qs senhores grandes e gente nobre, he hiima ca-
misa branca de bafeta fino da India assi como olanda, cumprida
ate perto dos pes, com coUarinho alto e justo com botoes de tafeta
carmesi e verde entresachados, e algumas veces de prata ou ouro,
que se fecham com huns cordoncinhos de retroz das mespias cores,
e mangas justa^ ate a mao, mas muyto cumpridas; e assi quando
as vestem, facem muytos pregues e perecem bem. Esta cingem com
huma toca da India de bordas de fio de ouro ou vermelhas, ou
com cinto de seda com muytas pe^as de prata douradas. Sobre esta
camisa vestem algumas veces *outra tambem de bofeta, aberta por f. 83,v.
diante como rapam e da cumpridam da i*, mas sem coUarinho como
cabaya de mouros, e as mangas largas de ponta ate o covado com
botoes como os outros, mas nam se fecham, so servem de fermo-
sura. Outras veces poem cabayas do mesmo corte de damasco, se-
tim, veludo, borcado, de panno muyto fino, de todas as cores, que
vem do Cairo. Algumas veces estas cabayas tem as mangas estrei-
tas e muyto cumpridas e entam nam as vestem, mas tiram os bracos
por aberturas que tem como ropam. Alguns tracem cal^oes largos ate
mais de meia perna de bretangil vermelho. O mais ordinario hecal^oes
estreitos, que chegam ate o pe, onde se fecham com botoes ; e muy-
LIVRO I, CAPITULO XX. 197
tas veces o que delles aparece he de damasco, velludo ou borcado
e entam os botoes sam de ouro ou prata. Tracem ^apatos verme-
Ihos ou de outras cores e algumas veces de veludo; mas botas e
bor^eguis nam usam.
Poem ao collo cadeas de ouro de muytas voltas, que Ihes chega
perto da cinta e della pende huma cruz da maneira das que tra-
cem os comendadores de s. Joam, e ordinariamente pesa cem cru-
gados a cruz so, que as cadeas commummente sam de 400. Algu-
mas tem a cima certo remate de ouro de onde as mesmas voltas
da cadea decem tambem pollas costas outro tanto como por diante,
e nas pontas estam enga^adas humas como campainhas cumpridas.
Os que nam podem tracer cadeas, poem cruces de ouro ou de
prata esmaltada, ou de pao preto com muytas lavores, de meio palmo
ou menos, penduradas de muytos cordoes de retroz delgados e co-
mummente preto. Tracem punhaes grandes na cinta com o punho e
vainha de prata dourada e em alguns pedras engastadas, que, ainda
que falsas, sam lustrosas. Este emperador Seltan Qagued come<;ou
a usar [g]abanos como os de Espanha, mas de pois os deixou, por
causa da calma.
Em a cabe^a tracem algnns tocas como mouros, outros bar-
retes redondos proporcionadamente altos, de panno vermelho e de
outras cores, e quando caminham, poem chapeos como os nossos,
mas nam tam finos, e albornoces ou ferreruelos como Portugueses,
que delles os tomaram. Outros tracem cavello cumprido, de aue facem
muytas invengoes torcendoo de maneira que fica a cabe^a cheia
de muytos como cordoncinhos e nam Ihes passam das orelhas ; ou
tros os encrespam de muytas maneiras e ordinariamente os tracem
f. 84. untados com *mantega. Os meninos tracem topete bem cumprido e-
chega de huma orelha a outra e mais acima rapam com navalha
ate perto do alto da cabe^a de onde Ihes saem tres trencas de ca-
vellos cumpridos, que caem pera atras e no tortigo [sic] tam bem
Ihes fica hum pouco de cavello, que Ihes da graga.
As molheres, particularmente senhoras, tambem tracem topete 6. Dc yestibus et
- omaxncntis mulie-
muyto alto e as doncellas poem mais acima huma guirnalda de flo- nim nobilium, sivc
recinhas de ouro com muyta argenteria, e dos demais cavellos fa- ^rginum, sive nup-
tarum.
cem muytas trancas delgadas, que caem pera as costas e ornam
com outras pegas de ouro. As casadas raramente poem ouro em
os cavellos, mas perto do topete rapam com navalha largura de hum
dedo e dalli comegam as trancas dos cavellos ; e quanto mais pre-
igS HISTORIA DE ETHIOPIA
tos mais folgam, e assi tem certa confei^am de aceite que os faz
muyto. Nam usam de posturas de alvayalde e vermelham, ainda
que algumas sam casi tam alvas como portuguesas, senam de certos
licores cheirosos com que Ihes fica o rosto muy lustroso.
Seu vestido he huma camisa muyto larga e cumprida ate os
pes e por detras arrasta hum peda^o ; as mangas largas, mas perto
da mao estreitas, e a avertura do coUo cumprida, pera que sem
danar os cavellos a possam vestir; com tudo Ihes cobre os hom-
bros; e tem muytas lavores aroda de retroz ou fio de ouro. Em as
festas tracem de damasco carmesi ou de outras sedas, e nos demais
dias de hum panno branco de algodam fino como olanda, que vem
da India. Esta camisa cingem com alguma touca fina ou veo de
seda, e algumas veces poem sobre ella outra como basquinha com
muytos pregues na cinta, mas nam branca senam de outras cores.
Tracem calcpoes estreitos, que chegam ate o pe e gapatos. Sobre tudo,
em lugar de manto, cobrem hum panno grande, humas veces branco
como o da camisa, outras de seda com franjas de fio de ouro aroda.
Em o pescogo poem collares de ouro muyto fermosos, outras veces
de continhas de vidro, entresachados nella canutilhos de ouro. Em
as orelhas cjarcilhos de ouro ou de prata grandes com humas pe^as
airadas [sic] do mesmo esmaltadas em lugar de perolas, se he don-
cella, e as mais das casadas vam alargando aquelles buracos metendo
poico [sic] e pouco cousas mais grossas e depois poem huns canudos
de ouro ou prata dourada fechados por todas partes e bem guar-
necidos, e as de menos sorte metem hum pedacinho de pao preto
cuberto com alguma seda. Quando caminham levam sobre tudo *al- f. 84,v.
bornoces com muytos botoes de ouro, e a cabe^a e rosto cuberto
com huma toca de maneira que nam aparecem mas que os olhos,
e encima chapeo como de Portugal de alguma seda e do veo de-
cem sobre os hombros humas pontas cumpridas.
7. Vestes homi- Os homens, que nam eram nobres, vestiam antiguamente so hum
num et mulienim de i i •■ i i i «
plebe. panno grosso branco de algodam, e quando muyto punham cal^oes
brancos do mesmo ate meia perna, descalgos e a cabe^a descuberta,
e nam podiam por outra sorte de vestido sem licen^a dos que go-
vernavam sua terra. Agora, se tem, podem vestir nam so camisas
brancas, mas cabayas de panno e de seda, e por toca ou barrete
na cabe^a ; mas, se nam estam em o lugar do senhor daquellas ter-
ras e vam de outra parte a falar com elle, a primeira vez que en-
tram, nam podem levar cabayas de panno nem de seda, senam so
r
LIVRO I, CAPITULO XX. 199
camisa branca ou de taficira, ou sem ella; e cingem na cinta o panno
que levam em lugar de capa, de maneira que Ihes cubra ate perto
dos pes, e dalli por diante podem vestir o que acharem. O mesmo
he dos senhores grandes pera com o Emperador, a primeira vez
que entram a elle, quando vem de outra terra ; mas sempre levam
camisa ordinariamente de taficira. Os villoes que lavram a terra
ainda agora vestem coiro de vaca, que concertam a modo de camu^a
sem calpam nem outra cousa nenhuma. Alguns tracem hum peda-
cinho de panno grosso de algodam amarrado na cinta, que Ihes
chega ate o joelho, ou pouco mais, e huma pelle de carneiro com
sua laa as costas, amarrado hum pe e huma mao diante do peito ;
mas os domingos e festas vestem pannos grandes de algodam os
que tem, e se vistisem camisas e pusesem tocas e barretes, nam
teriam pena por isso, nem Ihes diriam nada, ainda que no reyno
de Narea (segundo dicem) ate agora se guarda o custume antiguo
de nam poder variar o trajo sem licen^a do que govema.
As molheres dos villoes vestem coiro como seus maridos e em
algumas partes huns pannos de laa de cinco ou seis covados de cum-
prido e tres de largo, a que elles chamam Mahac, e puderam com
muyta re^am chamar silicio, porque he muyto mais aspero que o
que vestem os frades capuchos; que em Ethiopia nam sabem facer
pannos, nem serve a laa pera isso, que he muyto grosseira ; e to-
das andam descal^as e muytas veces descubertas dos peitos pera
cima, e no coUo continhas muyto miudas de bidro de varias cores
enfiadas de maneira que tem dos dedos de largura. Os cavellos fei-
tos em muytas trencinhas como acima dissemos; mas em algumas
f. 85. terras *as usam muyto delgadinhas e as cortam de maneira que
nam Ihes cubra mais que as orelhas.
Frey Luis de Urreta trata as mais destas cousas em o cap. 23 8. Quid commen-
j oi- rijj j «jjj* • xr tatus sit Urreta circa
de seu i hvro, e lalando do governo das cidades, diz assi: « iin n^odum gubemandi
« cada ciudad se eligen seis regidores cada afio diferentes, dos no- ^^ Aethiopia.
« bles, dos ciudadanos, y dos plebeyos, que, fuera de ser a su cargo
< el aver de mirar por el bien publico, tienen la juiisdicion ordi-
« naria para conocer de las causas tocantes a su calidad, de ma-
« neira que los dos nobles no se entremetem en el juicio de los
« ciudadanos o plebeyos, ni al reves, con tanto que ni los unos ni
« los otros juzgxien sin acuerdo del corregidor de la ciudad, el qual
« se elige cada un aiio de los nobles, una vez de una familia y otra
« vez de otra, de suerte que igualmente gocem todos el honor y
:oo HISTORIA DE ETHIOflA
> participen del trabajo. Y porque tanpoco el corregidor se apas-
• sione, no puede juzgar las causas [sin a]sistencia de dos sacer-
» dotes de la parrochia del reo, en el ajuntamiento de los plebeyos
1 assiste siempre un ciudadano, y en el de los ciudadanos uno de
s nobles, para dar cuenta a los suyos de lo que se ha tratado,
ira que los nobles lo hagan saber al Emperador o Rey. Esto
ismo guardan las personas particulares en quanto al no vender
is bienes muebles sin licencia de los mayores en calidad; y para
le se evite la gente holga<;ana, vagabunda y ociosa, ninguna
srsona puede ir de un pueblo a otro, sin Ilebar patente de sus
eces de la ciudad de donde sale, y al que le cogen sin ella le
■enden y dan quenta a la ciudad de donde viene, y constando
]e es malhechor o vagabundo, le castigan rigurosamente ».
Isto diz frey Luis, mas foi por falta de informa<;am ; que nen-
la dcstas cousas se usam nem se usaram nunca, porque nam ouve,
1 ha taes regidores e corrcgidor, que se elijam cada anno, nem
modo de governo, senam o que acima dissemos; nem he neces-
o levar patcnte dos juices da cidade os que della vam pera outras
;es : cada hum anda por onde quer, sem que ninguem Ihe pre-
te nada, nem inquirem dos vagamundos; somente ha huma cousa,
, achandose algum morador do lugar que come e veste bem, sem
facenda ou officio com que possa ganhar aquilo, entam o juiz
uelle lugar, que se chama Xum, Ihe pregunta quem Ihe da aquelle
, e se acha que elle o furta, ou outros Iho dam aguardar fur-
>, o prende e entrega a quem pertence conhecer daquella causa.
Tambem no cap. ultimo de seu i" livro pag. 368 trata o Au-
■ de duas cidades, que affirma tem o Preste Joam *e as faz tam f. 8s,v,
irentes do que eu aqui tenho dito que as igoala a as mais in-
les que ha em Europa. PoIIo que referirei suas mesmas pala-
1 : » Aunque las ciudades de 1a Ethiopia no passem de tres mil
sas, se exceptan las dos famosas ciudades, la de Saba y la de
imbra, que son magnificas, populosas, de grande numero de ca-
s, con edificios publicos, torres, porticos, agujas, arcos, obeli-
os, piramides, lonjas, plai;as, templos, palacios, murallas, ho-
enages, y de las hermosas y regaladas que tiene el mundo. La
udad dc Saba fue la mayor de toda Ethiopia, de mas casas y
; mayor numero de vecinos, y la cabe^a de todo aquel grande
iperio. Fundola la reyna Sabba, quando volvio de Jerusalen de
sitar el santo templo, y della tomo el nombre, y tambien le da
r
LIVRO I, CAPITULO XX. 20I
c al reyno donde esta edificada, porque se Uama el reyno de Saba.
« Es ciudad muy rica y proveida, por los muchos bienes de que la
€ naturaleQa y el primor de la arte la dotaron ; tiene famosos tem-
« plos, altos y apuestos edificios, sumptuosos palacios, curiosas
« portadas, gallardos frontispicios de extraordinaria y peregrina ar-
« chitectura. El numero de sus casas son quincemil, grandes y ma-
« gnificas las calles, muy anchas y espaciosas, y todas ellas con
« soportales y coberti^os de bobeda, de suerte que se puede andar
« toda la ciudad por ellos sin que offenda el sol. Los muros son
« de argamasa bastantemente altos y tan anchos que puede ir un
« carro castellano por encima muy holgadamente. Esta hermoseada
« con muchas fuentes, pilares y canos de agua.
« Ay junto a esta famosa ciudad muchas minas de oro, venas
« y betas de plata ; ay muchos jardines, huertas y vergeles de
« grande deporte y recreacion, llenos de mil rosas y varias flores,
« donde la mano industriosa de la naturale^a ayudada de la arti-
< ficial del jardinero se ha senalado tanto que parece que quiso
« competir con la de Dios en hacer segundo parayso en la tierra,
« en contraposicion del otro primero. Los arvoles dan tres veces
« fruto al ano. Los Emperadores en ser electos toman la posses-
« sion del imperio en la ciudad de Zambra, que al presente es la
« corte, y luego se parten a la ciudad de Saba, donde los juran
« todas las ciudades y pueblos y reyes sugetos.
« La famosa ciudad de Zambra es la mayor de cas[as] y edi-
« ficios que ay en la Ethiopia: tiene treintamil casas, sus vecinos
f. 86. t son muchos, y de innumerable concurso de gente. *Esta edificada
« en el reyno de Cafates junto al gran lago Cafates, que por esta ciu-
« dad suelen llamar el lago de Zambra. Es illustre ciudad, por ser
« corte de los Preste Juanes, los quales, deixando sus antiguas y or-
« dinarias correrias y peregrinaciones, morando en los campos baxo
« pavellones y tiendas, pusieron en esta ciudad su silla y corte im-
« perial, por ser proveydissima de mantenimentos, sus campos fer-
« tiles y muy deleitosos. Sus calles son muy anchas y espaciosas,
« fuertes y altos muros, sobervios palacios, sumptuosos y magni-
« ficos templos. El palacio imperial es de grande magestad y bel-
« le^a: en el vive el Preste Juan con los primogenitos de los Reyes,
« y la Emperatriz, y las 42 hija.s de Reyes con sus damas, y los
« del Gran Consejo con los del Consejo Latiho. Esta ciudad se edi-
« fico por los afios de mil y quinientos y setenta por los officiales
C. Beccari. Xer, Aeik, Scripi» occ, ined, — II. 26
\
202 HISTORIA DE ETHIOPIA
« y architectos que embio el Duque de Fiorencia en tiempo del
< Preste Juan Alexandro 3°. Esta edificada a lo moderno con mil
« primores y belle^as a la tra^a de la ciudad de Florencia; tiene
€ muy buen puerto y muy capaz en la laguna Cafates >.
10. Eadem fabulia Ate aqui sam palavras de frey Luis de Urreta; mas tudo quanto
scatere demonstra- nj-ir',, n ^- «^j r
^r^ em ellas diz he fabula e mera nc^am poetica, pmtada contorme a
idea que quis formar em sua imaginacjam quem o informou, ou quem
escreveo o livro de que elle o tirou ; porque primeramente em quan-
tas terras senhorea el Preste Joam nam ha taes nomens de cidades
Saba e Zambra. Mas poUo que diz da que chama Saba, que a edi-
ficou a reynha Sabba, quando tomou de Jerusalem, parece que sera
a povoa^am que agora chamam Ag^um, que esta no reyno de Ti-
gre, porque em hum livro, que por antigualha se guarda em hum
mosteiro deste lugar, li eu que a reynha Azeb (que he a mesma que
Sabba, que amos nomes Ihe dam os livros de Ethiopia, como de-
claramos no cap. 2) edificou huma cidade cabe^a de Ethiopia que
se chamou Debra Maqueda, e no livro onde esta o catalogo dos
Emperadores de Ethiopia se conta que a reynha Azeb come^ou a
reynar em Ag^um. Mas agora esta muyto longe de se poder cha-
mar cidade. porque quando muyto tera 1 50 ou docentas casas ter-
reas muyto piquenas e tristes cubertas de palha e cada morador
tem sua cerquicinha de espinhos aroda, ainda que alguns poucos
a facem de pedra e barro, ficandolhes as ruas muyto estreitas e
*sem nenhum ordem nem concerto. Nem ha nella fontes, nem outras f. 86,v.
agoas mais que hum tanque piqueno e alguns po(;os, e bom pedacjo
afastado da povoa^am duas riberinhas, de com que nam se rega
nada. Nem ha rasto de jardins e arvoredos, so tem alguns dentro
das cercas de suas casas parreiras, mas muyto poucas.
11. Ruinae quae Os moradores de aquellas terras affirmam que tem por tradi-
prope Axum visun- ^ ^ ., ^. .-jj j. - '
turcttraditio populi 9^"^ muyto certa aver sido antiguamente cidade muyto msigne e a
demonstrant ibi maior que nunca ouve em Ethiopia, e as ruinas dos edificios, que
quondam urbem in-
signem extltisse. ainda agora aparecem, dam bem mostra de que foram sumptuosos.
E em hum terreiro dentro da povoacjam estam oje em pe trece pe-
dras bem lavradas, algumas como de 30 palmos de alto, e huma
com muytas molduras, que tem por cada ilharga cinco palmos de
grosso e dianto douce e dc alto tera cento, com nam ser mais que
huma so pedra, e parece que acabara em 4 ou cinco palmos com
hum remate a modo de meia lua com as pontas pera baixo. Ou-
tras muytas estam caidas e entrellas duas bem lavradas com mol-
_^r
LIVRO I, CAPITULO XX. 203
duras : a huma tem por cada ilharga dez palmos de grosso e diante
16 e de cumprido cento e trinta e cinco, e parece que tinha muytos
mais, porque Ihe falta gram peda^o da ponta, e do pe esta tam-
bem muyto soterrado. He pedra hum pouco parda. Outras ha pique-
nas com muytas letras antiguas, que agora ninguem sabe ler. Avia
hum mosteiro muy sumptuoso com muytos frades, e igreja muy fer-
mosa. Mas porque della e das demais de Ethiopia hemos de tra-
tar no 2 livro, nam me deterei aqui em falar de sua grande^a e
architectura.
Quanto a cidade, que o Author chama Zambra, nam pode ser la. DcBcriptio ur-
outra senam a que chamavam Gubai, porque esta foi edificada pol- cum Dambi&^im-
los annos de 1574 perto da grande lagoa de Dambia; mas nam por pcratore MalAc Sa-
sr&d aedificata cuius
Alexandre 3** (que nunca em Ethiopia ouve Alexandre 3°, como ja vix vestigia Auctor
mostramos no cap. i), senam por Malac Qagued, que ainda seu pae ^b^cdcm^posuit^fn
Adamas Qagued esteve alli muyto antes hum inverno, nam ficou loc© dicto Cogft, scd
_ tempore Auctoris
em forma de cidade ate que o emperador Malac Qagued fez na- seltAn SagAd elegit
quelle lugar de proposito seu asento. Nem a edificaram architectos ^ ««dem in Den-
de Florencia, que, como ja tambem temos dito, nam ha memoria
de que viesem nunca a Ethiopia, nem os edificios eram tam sum-
ptuosos e magnificos como o Author os pinta, senam casinhas ter-
reas, baixas e cubertas de palha, como dissemos no principio deste
capitulo que sam as de Ethiopia. Nem os muros eram de argamasa,
que chunambo nam tinham, nem ainda pedra que se pudese lavrar,
f. 87. se nam a traciam de muyto longe, e assi *puseram de huma vanda
e outra da cerca estacas grossas e o meio encheram de rebolo e
lama, e nam levantaram muyto mas, com largura que podiam andar
por cima folgadamente dous homens de cavallo hombro por hombro.
Com tudo, por a lama ser ruim e alli chover muyto, come^ou a
caer antes que se acabase de cercar tudo, e assi levaram mao da
obra e em pouco mais de dous annos caio quanto tinham feito; so
ficou huma cerca piquena de rebolo, que ficeram a roda das casas
do Emperador, que depois tambem caio. Agora nam sabem dicer
quantos vecinhos tinha aquella cidade, mas parece que nam aviam
de ser mais que os que oje tem a deste emperador Seltan Qagued,
que nam cuido chegam a 15 mil. Esteve alli o emperador Malac
Qagued alguns [meses], e depois se passou pera huma terra fria, que
chamam Aiba, hum dia de caminho dalli, e logo se foi despovoando
de maneira que nem huma so casa ficou naquelle sitio, porque
no inverno avia muyta lama. Eu fui de proposito a o ver pouco
204 HISTORIA DE ETHIOPIA
ha e esta em huma terra que chamam Anfaraz, como duas legoas
dos limites de Dambia pera oriente. A longo da cidade corria huma
ribeira piquena e outras duas grandes nam muyto longe, e a lagoa
de Dambia, que tambem entra por aquella terra, Ihe ficava pouco
mais de meia legoa pera a vanda do sul. Tinha aroda campos
muyto largos e fermosos, em que agora ha grandes sementeiras.
Quando eu entrei em Ethiopia, que foi em mayo de 603, jao em-
perador Jacob, filho do emperador Malac (^agued tinha tornado a
por a corte, meia legoa dalli, em hum sitio alto que se chama Coga,
muyto milhor que o de Gubai, e alguns polla vecinhan^a que tem
com este o chamam Gubai novo. Mas tambem, como o emperador
Seltan Qagued, que Ihe sucedeo, se passou pera a peneinsula, que
a cima dissemos, nam ficaram alli senam como 1 50 casas, e ainda
esta peneinsula ficou agora casi depovoada, por facer o Emperador
outra cidade nova em huma terra mais fria, que chamam Dencaz,
pouco mais de hum dia de caminho dalli, que, como dissemos no
principio deste capitulo, em passando o Emperadur sua corte a outra
parte, poucos ficam naquelle lugar.
Nem teve menos falta de informa^am o Author em o que diz
que os Preste Joaes, deixadas suas antiguas peregrina^oes morando
em os campos debaixo de tendas, *puseram sua cadeira e corte em f. 87»v-
esta cidade; porque, ainda que no inverno ordinariamente estava
nella o Emperador, todos os veraos saia a guerra e andava em suas
tendas, como ficeram ate oje os que depois delle foram.
xs.Deridenturalia Tambem as gostosas e alegres festas, que diz pag. 373 se fa-
comnienta Urretae
circa ludos circcnses ciam perto daquella cidade, a que hia a Emperatriz e suas damas
etpompa8,quaepro- gj^ elephantes ricamente enjaecados e se corriam muytas feras e
pe urbem Zambra ab ^ ^ "^ ^ -^
Imperatoribus in- animaes monteses, facendo que brigasem lioes e tigres com ele-
phantes, lioes e tigres entre si, cavallos monteses huns com outros,
emas e bugios, gatos e on^as e ultimamente touros, nunca taes fe-
stas se ficeram em Ethiopia, nem se viram elephantes mansos, como
ja por veces dissemos i). E mais em poucas regras no mesmo lugar
se contradiz, porque, tratando do ordem com que hiam a estas festas,
diz que a certo dia saia o Preste Joam da cidade Zambra acompa-
nhado de mil cavalleiros muy lucidos e detras delles levavam
cem cavallos de destro com ricos jaeces, logo muytos elephantes,
dromedarios e mulas ricamente ornadas e que tudo se levava de-
(i) In maigine sequentia verba leguntur: c Se parecer, pode ficar isto da contra-
di^am, pois vai pouco ».
LIVRO I, CAPITULO XX. 205
tras do Emperador so por grande^a e magestade ; depois se seguia
o capitam da guardia imperial "e tras elle os primogenitos dos Reys
em fermosos cavallos, tras estes hiam os ouvidores do Gram Conse-
Iho, e depois de ter passado toda esta cavalleria e acompanhamento,
vinham as damas da corte todas sobre elephcntes, e no meio dellas
a Emperatriz e a sua mao izquerda o Emperador. Se o Emperador,
como elle diz, hia diante e depois se siguia por ordem tam grande
acompanhamento e no fim de tudo a Emperatriz, mal podia ir a
sua mao izquerda o Emperador que tam longe estava della na dian-
teira. Mas seja o que for da contradi^am, o certo he que tudo
quanto diz das festas e do aparato, com que se hia a ellas, he mera
fabula, porque nunca tal cousa ouve em Ethiopia.
CAPITULO XXI.
£m que se declara alguma cousa da nature^a
e costumes que tem os vassallos do Preste Joam.
Tem a gente de Ethiopia comummente boas fei^oes no rosto, x. Aethiopes vultu
os corpos fortes e robustos, sofredores sobre maneira do trabalho, ^^3 viribus laboram
fome, sede, calmas, frios e visrias. No entendimento, que he o mi- ®'^^®» ^amis, frigoris
patientes. Animo
Ihor do homem, nam Ihes facem ventagem os de Europa. Sam de pieramque mites, i-
f. 88. nature^a branda e compassiva, *que, posto que nam faltem homens SmaTremfttunt^RoI
de agreste e duro cora^am como em outras partes do mundo, estes ?**» P^o amore Dei
j . ^ , • 1- j . r M ** ^' Virginis nihil
sam os menos: os demais sam muyto bem mchnados e assi facil- unquam denegant.
mente perdoam quaesquer agravos e injurias, por grandes que se-
jam, ainda mortes de paes, de filhos e irmaos, como eu tenho visto
muytas veces e experimentado em alguns destes perdoes [em] que me
meteram, que com nam conhecer algumas veces aquelles a quem
hia a rogar, os alcangei com facilidade ; e se ao que pedem que va
a rogar, se escusa, ficam muyto agravados, e ainda os outros o no-
tam, muyto particularmente se pedem isto por amor de nosso Se-
nhor ou da Virgem nossa Senhora, porque raramente Ihes pediram
por elles cousa que nam concedam; e como huma vez perdoam,
tem por grande baxesa e ainda escrupulo tornar a falar sobre
aquilo, e assi os que se reducem a nossa santa fe, se acusan) na
confissam que tornaram a falar (ainda que fosse com algum seu
amigo) sobre o que ja tinham perdoado.
2o8 HISTORIA DE ETHIOPIAl
a. Lriberalitas om- Sam tambem muyto piadosos e liberaes com os pobres, e assi,
Magistratus dictus ^^^ come^arem elles a pedir pollas portas das tres horas antes
pater orphanorum, ^je amanhecer, Ihes dam naquelle tempo muytas esmolas, por Ihes
distnbuit nomme ^ ir ^ ir
Imperatoris in vi- parecer que alguns daquelles nam se atreveram a pedir de dia. De-
rcdditus^qut^^ocan- P^^^ ^^^ amanhece, se asentam perto de alguma igreja, ou na rua
tur Col6. por onde passa mais gente, ou na entrada da cidade, e alli pedem
esmola ate que os homens grandes comem, que ordinariamente he an-
tes das dez horas de polla minha e as cinco da tarde, e entam se
juntam a suas portas e, como acavam de comer, Ihes dam o que
sobeixa. A porta do pa^o nam chegam, porque nam he costume
darse alli esmola, mas faz muytas e muyto grandes o Emperador,
porque demais do que liberalmente da a as igrejas e mosteiros, so-
corre com abundancia aos que sabe tem necessidade, particular-
mente se sam honrrados. Demais disto tem huma pessoa de con-
fian^a, a que chamam pay dos orfsios, que todos os annos reparte
a as viuvas e orfaos, que sam parentes dos Emperadores (ainda que
o sejam muyto longe), grande cantidade de mantimento das rendas
que os villoes pagam ao Emperador, a que chamam Colo, que quer
dicer torrado ; porque, ainda que esta renda he muyto grande, com
tudo, como he cousa de mantimento pera o Emperador, Ihe puse-
ram este nome, como se fora alguma cousinha pouca que Ihe ofFe-
reciam pera torrar.
3. Ecclesias fre- Tambem sam muyto devotos e assi com se comegarem *os of- f. 88,v.
quentant omnes, ibi- ^ . . ,, . , -i .
que devote et decen- ncios em as igrejas como canta o gallo, que sera tres horas depois
ter officiis divinis ^^ mela noite (que ca nunca cantam os cfallos a meia noite), como
assistunt: qui domi ^^ *=* '
mancnt orant et re- dam sinal, que nais parrochias he certas pancadas em huns como
que^tii^rondoVnter" atambores, e nos mosteiros com tres tabuinhas, que tem amarradas
mittunt preces quo- pollas bordas e soam muyto, ou com humas pedras delgadas e cum-
tidie dicere.
pridas nam muyto largas e de longe parece que tangem sinos, mas
estes nam ha em Ethiopia, so hum piqueno tenho visto e outro que
eu fiz tracer da India pera nossa igreja ; em dando aquelle sinal,
se alevantam homens e molheres e vam a as igrejas onde podem
entrar (que nem em todas entram as molheres, nem ainda os ho-
mens passam de certa cortina, se nam tem ordem, como adiante
diremos), e ouvem os officios e re^am em pe o mais do tempo, ainda
que tambem se asentam; e de nenhuma maneira entram com ^apa-
tos, posto que si com a cabega cuberta, como em cumprimento do
que Deos mandou ao propheta Exo. 3, que se descal^ase por reve-
rencia e respeito, e nam que desbarretase. Nem cospem dentro no
k
j
LIVRO I, CAPITULO XXI. 209
cham, senam em seus len^os, por reverencia das igrejas, e poUa
mesma causa, se vem a cavallo, se apeam antes de chegarem a ellas,
e nam tomam a subir ate terem passado hum bom pedaQo. Os que
ficam em suas casas, muytos re^am ate amanhecer ora^ocs ou psal-
mos de David, ou leem por sam Paulo ou o Evangelho e depois
facem seus negocios. E o que mais he que quando caniinham, seja
sos ou indo a g^erra, todo homem honrrado leva hum criado com
o livro de re^ar e estante de ferro delgado, aforrado de coiro ver-
melho, de modo que se possa dobrar; e como se armam as tendas,
que se ouveram de por a descansar do trabalho do caminho, se asen-
tam logo a re^ar, nam porque tenham obrigagam, senam por sua
devo^am e ser ja costume comum.
Em algumas igrejas do imperio ha sepulturas de homens que 4« !>« P"» peregri-
^ j j ^ , ^ nationibus et ieiu-
tem por santos, onde de muyto longe vam cm romeria com muyta ^^{3^ ^^^ rigide ad-
devo^am, e ainda a Jerusalem vam muytos homens e molhercs, com jno<lum servare so-
lent.
ser caminho muyto cumprido e trabalhoso, assi por sua aspere^a,
como poUas grandes calmas das terras per onde passam. Todos
os frades e freiras e os que tem ordens de diaconos, ainda que
sejam homens casados, tracem huma cruz na mao de prata, ou
de ferro, ou de pao preto, como de hum palmo de cumprido.
Sobre tudo sam muyto dados a jejuns e penitentias. Jejuam
f. 89. todas as 4** e sextas feiras do anno, excepto as depois *da pascoa
de Resurreipam ate o Spirito Santo. Comem a tarde quando a som-
bra tem oito pes, que ca nam a relogio, mas seram cinco horas
pouco mais ou menos. Nam comem ovos, leite, nem mantega, se-
nam hervas bem mal temperadas, graos, lentilhas, fabas e outras ,
sementes que tem, e peixe quem o acha, que ha muyto pouco, se-
nam he ua lagoa de Dambia e em alguns rios, e muytos nam co-
mem o que nam tem escama, poUo costume que Ihes ficou dos
Judeos. Tambem jejuam algiins dias antes do natal, e quince antes
da Assump^am de nossa Senhora, mas nam todos, porque isto he
por devo^am. Em a coaresma jejuam todos e nam comem ate po-
sto o sol, nem bebem gota de agoa, ainda muytos dos que estam
doentes e alguns particularmente frades estam dous dias e mais sem
comer. Os sabbados porem nam jejuam, mas em lugar delles je-
juam sete dias antes que entre nossa coaresma, come^ando da 2" feira
depois da sexagesima, e alguns por mais penitencia comem humas
sementes amargosas e ainda herva babosa Sua Pascoa humas ve-
ces cae no mesmo dia que a nossa, outras 8 dias depois e algumas
C. Bkccari. Rer, AgfA, Script, oee, ined, — II. 27
\
2IO HISTORIA DE ETHIOPIA
hum mes, como succedeo no anno de 1617, que nossa Pascoa foi
a 26 de mar^o e a sua na lua siguinte.
5. Quas insuper Outras muytas penitencias facem os frades na coaresma e en-
mae^n>od8 afflictal trellas estar muyto tempo em pe em ora^am (que de joelhos nam
tiones sibi monachi acostumam) e quando muyto se encostam a parede ou sobre seu
imponere soleant. / 1 ^ jt
baculo, se cansam demasiado ; e ainda diz a historia de hum frade,
que se chamava Taquela Haimanot, que poremos no livro 2°, que
esteve muytos annos em pe dentro de huma casinha, sem se enco-
star a huma nem outra parte, e em hum pe sete annos. Tambem
affirmam que antiguamente alguns frades dos que estavam em os
desertos (que entam eram muytos) se metiam em humas arvores,
que ha muyto grossas e lisas ate o alto, a que chamam Dema, fa-
cendo desta maneira : pregavam estacas no tronco huma a cima de
outra (que o podiam facer facilmente, por ser esta arvore dentro
branda) e por ella subiam ate altura que pudesem ficar segnros
das feras, e alli cortavam e faciam hum buraco a modo de casinha
quanto podia caber hum homem, e nella se metia hum frade e nam
saia mais. Outros Ihe davam de comer ate que se fechava aquella
casinha (que por dentro se torna a hencher muyto de pressa) e assi
o hia apertando ate que ficava alli morto e sepultado.
6. De poenitentiis As penitencias que dam aos seculares em a confissam, ainda
Abuna et sacerdotes *que sejam muyto grandes por culpas leves, as aceitam e cumprem f. 89,v.
imponunt. Confessio jg \^q^ vontade ; e posto que muytos nam se sabem confessar. por-
publica.
que nam especificam os peccados, senam dicem somente: Pequei,
errei, e quando muyto declaram algumas cousas e tudo o demais
que tem fica; mas he porque nam os insinam que todos os pecca-
dos ouveram de confessar muyto bem, como outros facem, e ainda
alguns desejam tanto de se salvar que pubricamente confessam seus
peccados, por grandes que sejam, como me affirmaram algnns Por-
tugueses, que viram ao penultimo Abuna, que ca veo, assentado em
sua cadeira e de huma e outra vanda delle muyta gente em pe e
poUo meio vinham outros hum e hum, e chegando perto delle de-
cia em alta voz seus peccados e, se algum era grave, decia o Abuna:
Isto ficestes ? e alevantando seu baculo, Ihe dava nas costas tres ou
4*^ muyto boas, e mandava logo a dous homens, que alli tinha com
correas cumpridas, que Ihe desem 30 ou 40 a^oites, como milhor
Ihe parecia e como Ihe comegavam a dar, rogavam os outros que
Ihe perdoase, e assi o mandava deixar; mas se seus peccados nam
eram graves, Ihe dava outra penitencia.
i
LIVRO I, CAPITULO XXI. 211
Quanto dos costumes, nam referirei mais que alguns por nam 7« Acjhiopcs siint
. . « A valde coniites inter
cansar ao leitor com muytas cousas que tem de pouco momento. As ^ . paiutationes,
cortesias, de que usam, quando se encontram homens cfrandes, sam ^^* scqipcr in plu-
rali usurpant, sunt:
baixarem as cabecjas, e algumas veces tambem por a mao dereita cwr Alu, ch«r ceba-
no peito, sem descubrirem as cabe^as de nenhuma maneira, ainda roininhA ^SS^ bic6n
que tragam barretes ou chapeos ; e o que primeiro fala diz : Cher »y^^^ «* «li^e, quas
alu, que propriamente quer dicer: « bem estam? », que, aindaque seja tur.
hum, Ihe fala em plural por cortesia. Elle responde : Cher cebahat
la egziabeher: « bem, gloria a Deos ». E logo tambem preg^nta o ou-
tro com as mesmas palavras se esta bem, ou dicendo : Mininha alu,
scilicet : « como estam » [?] ; e alguma vez o primeiro que fala diz : Bi-
c6n ayaul; «seu contrairo nam permane^a » . Em esta palavra contrairo
se entende nam somente imigo, mas todo genero de mal, porque Biz
quer dicer « mao » . Desta palavra em plural esta obrigado a usar o que
nam he tam nobre como aquelle com que fala, mas os igoais, ainda
que sejam homens grandes, muytas veces se fala hum a outro por
huma palavra, particularmente os muyto amigos; e nam somente
ha de falsu- em plural o menos nobre, mas ha de baixar o panno
que traz em lugar de capa, de maneira que descubra poUo menos
hum hombro, e tal pode ser o senhor com quem fala, que tenha
f. 90. obriga(;am de discubrir amos hombros e ainda cingir *o panno na
cinta. E o mais nobre responde : Cher alec ? « Estais bem ? » E quando
vam a visitar huns a outros, ordinariamente tiram os (japatos na
entrada da casa, e se o senhor ou senhora della he parente do
Emperador, cingem tambem os pannos na cinta, como dissemos que
facem no pa^o do Emperador. E quando saem, dicem : Bafe^a yau-
leo « com alegria permanecja ». Tambem dicem : Baheioat caru « com
vida fiquem » . Outras maneiras tem tambem de falar, mas estas sam
as mais comuas.
Ao Emperador nam Ihe dicem nada, quando chegam diante 8. Mos a nobili-
delle os senhores e senhoras, e sempre acostumam de entrar (se uaurpatus *^*qSinAo
nam for alguma parenta muyto chegada e confiada, particularmente imperatorem invi-
8unt«
se he ja molher de dias, que Ihe diz: Bi^on ayaul, « seu contrairo
nam permane^a »), so baixam as cabe^as e ficam em pe no lugar
que conforme a sua nobre^a Ihes cabe, assi as senhoras como os
senhores, ate que o Emperador sls manda asentar. A ellas oidina-
riamente as tem muyto pouco em pe, mas aos senhores, por gran-
des que sejam, devagar os manda asentar e em cadeira por nenhum
caso, senam na cham sobre alcatifas, e ainda isto nam se usava
212 HISTORIA DE ETHIOPIA
antes, porque nenhum senhor se asentava diante do Emperador;
mas pollos annos de 1597 se comeQou a introducir, por ser o em-
perador Jacob piqueno.
Tambem quando algum senhor vem de fora na corte, ou seja
chamado, ou nam, chega a porta do pa^o e manda recado por o
porteiro mor, ou por algum seu amigo (que sem licen^a nam pode
entrar) desta maneira: Fuao diz ao Acegue: Bi^on ayaul: « seu con-
trairo nam permane^a » , e se o Emperador manda que entre, o cha-
mam e chegando Ihe beixa a mao ou o joelho sem dicer nada e se
afasta pouco o muyto conforme a sua nobre^a. Logo o Emperador
Ihe pregunta alguma cousa, ou elle, esperando hum pouco, toma a
chegar e fala algnm negocio, se tem. Mas se o Emperador, quando
Ihe dicem que esta alli aquelle senhor, nam responde (que ordina-
riamente disimula por grande espa^o), fica elle esperando a porta
ate que Ihe de licen^a. E se for Vissorrey (o qual comummente
nam vem se nam chamado), fica na porta da primeira cerca e manda
recado ao Emperador, e elle invia logo pollo menos dous homens
grandes e algumas veces 4, e dicemlhe: Diz o Emperador que seja
boa vossa vinda, que entreis. Elles tambem o saudam e se tornam,
e elle vai detras e espera outra vez na porta da 2* cerca (que sem-
pre o pa^o tem duas) ate que venham outros a Ihe dicer que entre,
e com estes vai e veixa a mao ao Emperador e fica em pe falando
ate que o despede ou manda que se asente. Quando o Emperador
manda recado de palavra ou carta fora da corte, aquelle para quem
vai, por grande que seja, sae *fora da porta de sua casa, e cinge f. 90»^.
o panno pera ouvir o recado e tomar a carta.
g. Describitur scl- O Emperador ordinariamente esta asentado em algum esquife
la seu thronus Im- , , , , , r
peratoris. lacreado ou dourado, como este tem humas veces, com lermosas
cortinas ou pavelham de seda, outras sem ellas, e sempre tem 4 ou
seis colchas; huma chega com a borda perto do cham, outra hum
pouco mais alta, e assi as demais, de maneira que de cada huma
apare^a hum pouco, e a ultima sempre he de seda muyto rica, e
hum ou dous coxins de veludo ou de borcado em que se encosta;
mas no esquife dourado ordinariamente estam ats colchas encima
sem caer casi nada pera abaixo, porque tem rodapes de borcado
ou de velludo com franjas de fio de ouro. Este he squ throno, po-
sto que algumas veces tambem se asenta em cadera alta de espal-
das de damasco ou veludo com franjas de fio de ouro e pregos dou-
rados, como ja temos dito.
LIVRO I, CAPITULO XXI. 2 1 3
Todos os senhores se asentam no cham sobre alcatifas, ainda 10. De suppcne-
. « . . ctili domestica etiam
em suas casas, porque raramente se asentam em cadeiras, e assi nobilium. De cibis
sempre comem no cham sobre humas tavoas redondas com a borda »agi« usitetis. Quod
mo8 edendi camem
de dous dedos de alto e, com serem de huma so pe^a, ha algumas vaccae cmdam sit
de oito palmos. A esta mesa chamSo Gabeta, e nam poem sobre ella mums^exemplis^de-
toalha, nem guardanapo, senam humas apas muyto delgadas de trigo monstrat.
ou de outras sementes que ca ha, e sobre ellas os pratos com o co-
mer e pam como o nosso de trigo. Comem toda sorte de carnes:
vacas, carneiros, cabras, galinhas, perdices, excepto porcos, que
muytos nam os comem, e lebres e coelhos ninguem; e das milhores
iguarias pera alguns he a carne de vaca crua, que acabandoa de
matar a poem na mesa, e dandolhe alguns golpes, Ihe botam en-
cima seu mesmo fel, e logo vam cortando e comendo, e dicem que
Ihes sabe muyto bem, tanto que os mais nam deixaram este comer
por nenhum caso, ainda que Ihes custa muyto caro, porque se Ihes
criam no estomago huns bichos delgados como lombrigas cumpri-
dos, que Ihes facem muyto mal, se nam tomam cada dous meses
hum fruto de huma arvore, que chamam C096 : a cousa mais amar-
gosa que parece pode aver, e tam forte que, se se descuidam acre-
centando na medida, morrem muytos e alguns botando sangue poUa
boca. E que os bichos Ihes venham de comer esta came crua di-
cemo elles mesmos, e se ve claro, porque os filhos dos Portu-
gueses antiguos, os Mouros e Judeos, que a comem, tem tambem esta
doen^a, e se nam a comem ou a deixam, depois de algum tempo,
nam tem aquelles bichos, nem tomam a micinha ; e este emperador
Seltan Qagued, que deixou de comer esta carne crua, ha ja muy-
f. 91. tos *annos que saro desta doen^a, e o principe mais velho. que se
chama Faciladaz, nunca a teve, porque, como me disse o Empera-
dor, nunca quis nem provar a carne crua.
Nam ha a^ouguens; somente na corte do Emperador matam xx. Bestias esui
■,,., r j 'j ^ ii'< destinatas mactant
cada dia algiimas vacas fora da cidade no campo, e alli vai a com- ^omi, ibique pariter
prar a gente ordinaria, nam por peso senam a olho, facendo quin- coquunt pancm. Po-
tu8 comunis cereiri-
hoes. Os que podem matam em sua casa as vacas ou carneiros sia, quae ubique pro-
que tem necessidade. e cocem tambem nella o pam que ham de ^^T^'"^
comer, porque nam ha paderias, senam algumas molheres pobres melie. ViUici tenen-
. r ' ^ 1 « ^^ s^^^ sumptibus
que levam a feira algum pam, de que nam compram os homens cibum et potum pa-
honrrados. ^"« nobilibus iter
agenubus.
Sua bebida he vinho, que facem de mel, e algum he tam forte
como de ubas, mas dura pouco, quando muyto hum mes, e logo se
2 14 HISTORIA DE ETHIOPIA
aceda. Tambem ha outra sorte de vinho ou cerbexa, que facem de
milho e cevada e de outras sementes, que nam ha em Espanha ; e
isto bebem comummente os que nam podem alcan^ar vinho de
mel, que de ubas casi nunca o vem, como adiante diremos ; e assi
ha muytos taberneiros que o vendem, nam por miudo, senam por
cantaros, porque custa pouco ; e quando caminham se acha a cada
passo, por estarem os lugares muyto perto huns de outros; mas o
vinho de mel raramente se acha, senam nas cidades, e assi os senho-
res, quando caminham, levam mulas ou bois carregados de huns cor-
nos muyto grandes cheos deste vinho, e mel pera o facer ; e se o
caminho ha de ser cumprido, em qualquer lugar que cheguem a se
agassalhar de noite, Ihes ham de dair pousada e tudo o necessario
pera comer de gra^a, conforme a calidade das pessoas, que tam-
bem aos homens baixos agassalham desta maneira. Cousa de gran-
dissima opressam pera os villoes, que elles sam os que tem esta
obrigagam. Mas em as cidades nam se usa isto : cada hum come a
sua custa. Suas jomadas comummente sam curtas, mas quando Ihes
releva, as facem nam menos cumpridas que em Espanha e nam fa-
lam por. legoas, porque nam dividem os caminhos com semelhante
parti^am, senam por dias.
la. Modus ven- O modo, que comummente tem de comprar e vender, he tro-
dendi et emendi : , ^ ^* ^
pro pecunia Aethio- ^^^ humas cousas por outras, como mantimento por mantega ou
pibus eat, vei aurum pannos de alffodam, ou por pedras de sal, que cada huma tem oito
rude.velsal. Decul- ^ s » t' i- »H
tu agrorum; currus dedos de cumprido e dous e meio de largo pouco mais ou menos; e
^^ ' *' com estcLs pedras se acha milhor o que querem, que com ouro em
muytas partes, e valem mais ou menos conforme a maior ou me-
nor distancia da parte onde se cortam (que so em huma terra se
tiram, ainda que em outras ha sal miudo). Aqui na corte, onde vem
de i6 ou i8 dias de caminho, 32 valem hum cru^ado, e alg^mas
v^ces mais, *outras menos, e estas Ihes servem de moeda, que ca f. 9i,v.
nam se bate nenhuma. O ouro dam por peso feito em pedacinhos
e a ordinario peso chamam Oquea, que sam 8 venecianos de peso
justamente, e meia Oquea, e daqui vam deminuindo ate peso muyto
piqueno. Pera o algodam tambem tem seu peso, e os pannos que
facem delle, e as sedas e roupa que Ihes vem de fora medem por
covados ; o mantimento, mel e mantega com certas medidas. Os
campos nam os lavram de nenhuma maneira senam com bois e
poemlhes o jugo no pesco^o da mesma maneira que em Espanha
o poem a as mulas, e assi cansam muyto e lavram pouco. Carros
LIVRO I, CAPITULO XXI. 215
nam usam, nem a terra he pera elles, por aver muytas serras aspe-
ras, e as planicies no verao comummente estarem cheas de fendas
e aberturas muyto grandes.
As armas de que usam sam arcos e frechas comummente ervo- 13. Quibus armis
4 4 r • 1 « -1 » t utantur et quibus in-
ladas [stcjj espadas e lan^as cumpndas e outras mais curtas, que ar- Btrumcntis musicis.
remecjam, e humas macinhas de pao muyto duro, com que tiram de
longe. Agora tem muytas espingardas, que antiguamente nam avia,
mas arrebentam muytas veces, por nam saberem temperar bem o
ferro. Nam sabem fundir artilharia, nem ainda aproveitarse de oito
cameletes que primeiro tomaram aos Turcos. Tem tambem armas de-
fensivas, como capacetes e sayas de malha, adargas brancas e pre-
tas de coiro de bufaras muyto fortes. Os atabales sam de cobre e
alguns de pao cubertos com coiro de vaca e outros como atambo-
res. Tem trombetas, cheremellas (ainda que nam tam boas como
as nossas), violas e outros instrumentos a modo de harpzis, com que
facem arragoada musica.
O modo que tem em seus casamentos e as ceremonias de que 14. Dc iure hacre-
.. ^ . , . . ditatis in singulis fa-
usam nelles tocamos acima no cap. 15 e declararemos mais cum- ^iiiac membris. De
pridamente no 2 livro ; so diremos aqui brevemente o costume que catpensis pro funere.
tem em suas heran^as, quando morre o marido ou a molher. Se,
quando hum homem casa, for com condi^am que, morrendo elle, a
molher leve o 3® do fato ou menos, com isso sae, e certa cousa
mais que Ihe julgam conforme ao fato que ouver, porque rapa a
cabe<;a, e o pay ou a may do morto herda tudo o demais, nam tendo
filhos o defunto: e se nam ficeram concerto, os pays do defunto
levam tudo, excepto o que Ihe julgam por rapar a cabega, e aquilo
com que ella entrou. Mas se o marido nam tinha ja pay nem may,
ainda que tenha irmaos, ella leva tudo. Quando ficaram filhos, a may
toma dous quinhoes do fato e o filho primogenito outros dous e
cada hum dos outros filhos hum quinham ; como se morrendo hum
homem deixase tres filhos e 600 cru^ados de fato, entam a molher
leva 200 e o filho primogenito outro taiito e cada hum dos outros
dous filhos leva cento.
.92. *Antes que se fa^am as partilhas, se toma do monte mor nam
somente o que se gastou o dia do enterramento em esmolas, que
as facem conforme a sua posse, senam o que se ha de dar depois ;
porque aos sete e a os dez dias dam algfuma cousa ao prior do mo-
steiro ou igreja onde se enterra, e aos frades, que senalam pera que
por 30 dias recem os psalmos de David e outras ora^oes, e no ul-
2l6 HISTORTA DE ETHIOPIA
timo matam vacas, se era homem rico, e Ihes dam de comer a el-
les e a quantos pobres se juntam; e aos 40 dias levam muytas
candeas e encenso a igreja, e matam muytas mais vacas e dam
grandes esmolsts. Tambem dam aos 80 dias e quando se cumpre o
anno; mas nam tanto, e a isto chamam Tascar, que quer dicer « lem-
branga » , e com se lembrarem tanto dos defuntos, com tudo isso
muytos negam o Purgatorio, como diremos no livro 2.
15. De luctu in O doo, de que usam por pay ou may, marido ou molher, he
morte parentum, , ^ • -1 •• it • -i
mariti vcl uxoris. raparem as cabe^as ate os criados da casa, e a molher e cnadas
Exempla recentia ab amarrarem polla fronte huma tira cumprida de panno branco muyto
Auctore oculis usur-
pata. fino de algodam, que Ihes vem da India, de pouco mais de dous
dedos de largo e amas as pontas Ihes cacm sobre as costas.
O vestido he preto, e tracemo hum anno. Os parentes vestem
acjul, ainda que alguns, que querem mostrar mais sentimento, tam-
bem vestem por alguns dias preto e rapam as cabe^as; mais nam
he obriga^am, e ordinariamente facem grandes estremos botandose
na cham de golpe e dam taes quedas, que eu conhe^o hum que
esteve pera morrer e outro que ficou aleijado pera toda sua vida.
As molheres arrancam os cavellos e arranham o rosto ate Ihe cor-
rer o sangue, e ainda alguns dos do reyno de Gojam, que chamam
Gafates, se ferem na cabe^a e nos bra^os com facas. Choram com
grandes boces de hum pouco antes de amanhecer ate as 8 ou nove
horas, isto por muytos dias, e o mais do tempo estam em pe ba-
tendo com as maos e algumas veces dando nos peitos; e tomam
alguma cousa do vestido ou das armas do defunto e a mostram di-
cendo tantas cousas, que nam podem deixar de chorar os que as
ouvem. Huma vez fui a hum destes choros, por ter muyta obriga-
^am ao defunto, que era grande defensor de nossa santa fe e cha-
mavase Abeitahum Bela Christos, primo do Emperador, pollo que
elle mandou armar no terreiro do pacjo sua tenda imperial, que he
muyto grande, e aUl se juntaram todos os senhores e senhoras da
corte e trouxeram as armas e cavallo ^enjaegado do defunto cuberto f. 92,v.
com hum panno de doo e o puseram de fronte da tenda, e alguns
de seus vestidos dentro, e logo veio o Emperador cuberto de doo
e asentouse no cham sobre alcatifas, tendo aroda cortinas pretas ;
e na entrada do Emperador comegou a molher do defunto a facer
grande pranto e todos choraram por muyto espacjo, mas asentados.
Depois se alevantou huma molher ja de dias e, tomando na mao
izqueida huma gorra do defunto, a alevantou em alto dicendo com
LIVRO I, CAPITULO XXI. 217
muytas lagrimas: Onde esta agora aquelle principe que tracia em
sua cabe^a esta gorra? Que foi daquelle grande e valeroso capitam, a
quem na guerra ninguem passava diante e nas letras nam tinha igoal ?
E desta maneira foi dicendo tantas cousas que, por mais duro que
fora o coragam, o ficera enternecer. E assi todos ate o Emperador
derramavao muytas lagrimas; o que durou ate perto de meio dia.
Pouco tempo depois, me achei a morte de hum principe filho de-
ste Emperador, que era ja de 20 annos, e estive a sua cabeceira aju-
dandolhe o milhor que pude naquella hora e muyto tempo antes, por
o Emperador mo ter encomendado, e como espirou, que ja era alta
noite, armaram a tenda e no meio della puseram o corpo em hum
lugar alto com tochas aroda, e pouco de pois de meia noite veio
o Emperador cuberto de doo com todos os grandes e ficeram extra-
ordinario pranto ate que amanheceo, que o levaram a enterrar a
hum mosteiro, que esta em huma ilha da alagoa de Dambia, onde
agora se enterram os Emperadores. Hiam todos cubertos de doo e
levavam diante as vandeiras e atabales do Emperador, tangendo a
saom [sic] de triste^a e por muytos dias choraram na corte e sempre
mostravam alguma cousa do defunto, como fez aquella molher; mas o
Emperador nam saio em pubrico senam aquella noite, posto que em
sua camara chorava sempre muyto, porque Ihe tinha grande amor,
e assi decia, estando hum seu muyto privado e eu sos com elle:
Quem me dera, meu filho, morrer eu antes que vos[?]; e outras cou-
sas, em que mostrava bem a dor e triste^a grande de seu cora^am.
Concluiremos esta materia, deixando outros muytos costumes,
com hum que tem alguns christaos, e he que, como acaba de morrer o
homem ou molher daquella casta, antes que se esfrte o corpo, Ihe
quebram os ossos dos bra^os e das pernas e o faccm como huma
bola e assi o amortalham e enterram e se riem muyto e ^ombam
dos outros, dicendo que enterram os defuntos assi como ficam quando
morrem ao cumprido ccmo se fosse hum pao.
f. 93. *Do que temos dito se vee como frey Luis de Urreta nam teve x6. Kx dictis con-
. - , - , . j . j f utantur novae fabu-
certa mformagam de algumas destas cousas, pois diz no cap. 23 de lae Urrctaeclrcama-
seu primeiro livro, onde as trata, que em cada cidadc tem o Em- ^"*™ praesentcm.
perador muytas terras pera trigo e graos que se cultivani e semeam
a sua custa, e tudo o que se recolhe manda repartir a pobres, a
mosteiros e igrejas, sem ficar pera elle cousa alguma. Isto nam corre
desta maneira, porque o mantimento que se reparte aos pobres, que
ordinariamente ham de ser viuvas e orfaos parentes dos Empera-
C. Bbccari. Jier, AeiA, Scri^i, occ, tned, — 11. 28
2l8 HISTORIA DE ErHIOPIA
dores, e alguma vez pode ser que se de a mosteiros e igrejas (que
sera raramente, porque elles tem suas terrais), nam he senam da renda
que os villoes pagam ao Emperador, que chamam Colo scilicet tor-
rado, como a cima dissemos, e nem a decima parte desta renda se
reparte, e tudo o demais gasta o Emperador com os embaixadores
que vem de fora, que dalli Ihes manda dar peni elles e sua gente
e cavalgaduras, com alguns soldados que nam tem terras bastantes,
e no demais que elle quer. Tambem a cor amarela nam he infame
(como elle diz), porque ainda que os senhores comumraente fol-
guem mais com outras cores, algumas veces vestem dista e muytos
frades e freyras tambem vestem amarello.
Diz mais que os inferiores por cortesia tiram o barrete aos su-
periores, como sam o Emperador e homens grandes, e como em
Espanha dicem : « Merced » , ca dicem : « Quisquis » ; mas nem tira
ninguem o barrete a outro, por mais grande que seja, nem em quantos
modos tem de falar ha tal palavra Quisquis. Nem ainda comem em
mesas altas, como elle diz, nem, como affirma, se enganaram os que
dicem que comem ca carne crua ; porque com ella folgam muyto e
assi aos,senhores Ihes matam a vaca pouco antes que ajam de comer,
e nam a ham bem acabado de esfolar quando ja Ihes levam a carne
a mesa, que, se esfria, nam folgam * tanto. Nem he isto encareci-
mento, nem cousa de ouvidas, senam que eu tenho visto muytas veces.
Tambem diz que primeiro nam sabiam que cousa era vidro,
mas que depois que o duque de Florencia dom Francisco entre ou-
tros officiaes Ihes mandou vidreros, ja o usam e se servem delie;
e que tem officiaes que concertam a laa e texem muyto bons cor-
dillates, anascotes e as demais cousas que se costumam facer da
laa. Porem ca nam ha taes vidreros, nem outro vidro senam o que
Ihes vem do Cairo e da vanda de Arabia, que he muyto pouco,
nem sabiam de que se facia; e assi alguns grandes me pregunta-
ram diante do Emperador que cousa era. Nem sabem facer os pan-
nos de laa que diz, senam aquelles que no capitulo precedente dis-
semos que vestem algumas molheres pobres, que mais se podem
chamar silicios que pannos.
Tambem diz que os filhos varoes *primogenitos de todas as f- 93»^'
familias sucedem em todo o fato de seus paes com cargo de ali-
mentar seus irmSos menores a jui<;:o do vigairo de sua parroquia
e de dous parentes. Mas nam corre desta maneira, porque todos le-
vam suas por^oes na forma quc acima dissemos.
CAPITULO XXII.
Em que se declara se em Ethiopia ha seminarios e col
legios pera insinar mininos e mininas e universida-
des onde se leam as ciencias.
Muyto grandes e bem ordenados collegios e seminarios pera i. Refenmtur alia
. • * 1 1 t t inventa Urretae circa
o msmo dos menmos e menmas e universidades, onde se leem as seminaria pro adole-
ciencias, em Ethiopia pinta frey Luis de Urreta no cap. 24 de seu «««ati^iw «* puellie.
1° livro, e poe aos Ethiopes entre as na^oes que mais se esmera-
ram na cria^am da juventud, por estas palavras:
< Entre todas las naciones, que mas se sefialaron en la crian^a
« y educacion de los ninos, fueron los Ethiopes; pues no solo en
« tiempo de la gentilidad y de la primitiva iglesia tenian coUegios
« y seminarios para la ensenan^a de la juventud, pero aun oy en
« dia com mayor rigor que nunca se guarda esta costumbre, y assi
< en todas las ciudades del imperio ay fundados seminarios y col-
« legios, cada uno de tres quartos diferentes : uno para los nobles,
« otro para los ciudadanos y otro para los plebeyos; el uno de-
« stos seminarios es para le ensenan^a de los ninos y el otro para
« la ensenan^a de las ninas. Este tiene su sitio dentro de la ciudad,
« y aquel de los nifios fuera della medio quarto de legua. A este
« llaman el lugar de las virgines y aquel de la Sabiduria. En este
« viven todas las hijas de vecinos desde diez aiios hasta veynte; y
2 20 HISTORIA DE ETHIOPIA
« en aquel todos los hijos desde ocho hasta diez y seis. Desta sa-
« len las doncellas, unas para monjas y otras para casadas, y otras
« para servir en las casas ; y de aquel los mancebos, unos para to-
« mar estado, y otros para servir al Emperador o Rey en la corte
« o en la guerra, conforme a la qualidad y obligacion de cada uno ;
« y al fin en ambos se ensena la dotrina christiana y lo demas que
« han menester, como es a los varones letras y las demas artes a
« que se inclinan y requiere su calidad, y a las mugeres sus labo-
« res y otros exercicios, segun el uso de la tierra. Para esto los unos
« y los otros tienen sus ayos y maestros, aunque son diferentes los
« maestros de los nobles de los que enseiian a los ciudadanos; y todos
« estos viven apartados de los maestros de los plebeyos, de manera
« que cadaqual se govierna por los de su calidad, sin que los unos
« se entremetan con *los otros, salvo que de los nobles ay cuatro f. 94.
« cavalleros y cuatro matronas superintendentes ; ellos del seminario
« de la Sabiduria y ellas del otro de las Virgines, que tienen abso-
« luto poder sobre los ciudadanos y plebeyos.
a. Itcm circa Uni- « Los medicos son muy estimados en toda la Ethiopia, y la
« gente que go^a de mzis previlegios en todo el imperio, porque,
« estando obligados todos a dar de tres hijos uno para la guerra,
« la qual obligacion tambien tienen los Reyes, solo los medicos
« estan exemptos dcsta obligacion tan rigiirosa. Tambicn pueden
« passar por la ciudad cavalleros en elephantes, la qual cavalleria
« solo la pueden hacer los Emperadores, perlados y sacerdotes vir-
« genes. Pueden poner becas al cuello, que es habito proprio de los
« Corregidores. Son libres de todos los pechos, tributos, imposicio-
« nes del imperio. Finalmente es la gente mas franca y libre, y la
« mas estimada de todos. La ra^on es. porque no se estudia otra
« ciencia em publico sino la medecina, para cuya ensefian^a ay
« siete universidades generales en la Ethiopia. EI ser estudiante
« no va a la voluntad de cada uno, sino que va por eleccion, por-
« que de cada ciudad y villa los regidores seiialan tres mancebos
« los de mejor entendimiento y habilidad que se inclinem a letras,
« y han de ser de los nobles y solos estos van a las universida-
« des y cursan muchos aiios, porque aprenden no solo medicina sino
« la cirurgia y boticaria, y cada uno es medico, boticario e ciru-
« giano ; y como son tan estimados y tan honrrados y los estudiantes
« van por eleccion, estudian deveras, porque si no tambien les qui-
« tan el estudio y embian otros en su lugar. Son sustentados a co-
LIVRO I, CAPITULO XXII. 221
€ sta de las ciudades que los embian : salen desta suerte famosissimos
« medicos y en particular grandes herbolarios, por las muchas yer-
« bas muy medicinales que ay.
« Los estudiantes, despues que han acabado sus cursos para do-
« torarse (que Uaman ellos hacerse philosophos), los examinan los
« doctores, que estan seiialado en las universidades, y aprovandolos,
« les dan la carta del examen, y con ella van al convento de AUe-
« luya y de Plurimanos de la orden de santo Domingo, donde acom-
« paiiados de parientes en las iglesias de los monesterios salen los
f- 94,v. « frayles y el prior le viste una cugulla negra con sus *mangas
« como de frayle Benito ; y luego le hace jurar obediencia a la
« iglesia romana y al concilio de Florencia en tiempo de Euge-
« nio 4°. Hecho el juramento, le pone al cuello una como estola de
« tela de oro con sola una caida, como escapulario, que cae de-
<K lante por los pechos con las arm^s del Emperador en ella; y con
« esto queda doctorado.
« La santa theologia non se lee en las universidades, sino en los
« monesterios de religiosos Dominicos y de s. Anton, y en las igle-
« sias de los clerigos solo la estudian los ecclesiasticos. El modo
« de leer es en su lengua natural y ethiopica, y el texto, que co-
« mentan, como entre nosotros s. Thomas o el Maestro de las sen-
« tencias, son los 4 concilios generales, que los doctores suelon
« llamar otros cuatro evangelios, quo son el concilio Niceno, y el
« concilio Constantinopolitano, y el concilio Ephesino primero, y el
« concilio Chalcedonense ; y assi como entre nos otros decimos: Tal
« doctor lee la i* parte de s. Thomas, o la 2* question tal, o el pri-
« mero o 2^ de las sentencias distinc. tantas, assi ellos dicen : Tal
« maestro lee el concilio Niceno o Ephesino, canon. tantos. Las par-
« tes de s. Thomas, traducidas de latin en su lengua con cl libro
« de Contra Gcntrs, tienen los padres Dominicos y las estudian,
« aunque su estilo ordinario de leer es por los Concilios. Leen la
« Sagrada Escriptura, la qual esta en lengua caldea, la qual apren-
« den, como aca el latin, los que son de iglesia y en la Escriptura
« hacen mas fundamento ».
Ate aqui sam palavras do Author, mas casi em todas estas 3- Confutantur
^ . . /. 1 . . praedicta. Quomodo
cousas teve tam ruim mforma^am como em as demais, que ate agora \^ ^ quibus docean-
vimos ; porque primeiramente nam ha, nem cuve nunca em as ter- ***' reapse pueri.
ras de Ethiopia, que senhorea o Preste Joam, taes seminarios de me-
ninos e meninas, que, posto quo muytos fa^am insinar seus filhos e
222 HISTORIA DE ETHIOPIA
filhas a ler e alguns tambem a escrevcr, nam he naquella forma;
mas cada hum como quer da seu filho a algum frade que o insine
e Ihe paga muyto bem ; e o frade ordinariamente junta seis ou 8,
e os tem em sua casa; que os frades nam moram em mosteiros fe-
chados como os de nossas terras, senSo cada hum em su casa
perto da igreja comummente e alguns tambem longe, posto que
antiguamente muytos moravam dentro de huma cerca em casinhas
afastada huma de outra, e ainda agora ha algum rasto disto. AUi
estam os meninos sempre com o frade, e seus pays Ihes dam tudo
o necessario, e elle Ihes insina ler e algumas veces escrever, e
Ihes faz aprender de coro os psalmos de David, e pera isto se ale-
vantan antes de amanhecer; e quando Ihe parece da licen^a pera
que vam a folgar *a casa de seus pays, e como acavam de apren- f. 95
der de coro os psalmos e sabem bem ler e se aviam tambera de
escrever, pagam o que concertaram e vam pera suas casas ; e se a al-
gum ha de declarar sam Paulo ou outro livro, se ham de conceitar
de novo com difFerente paga.
4. Viri nobilcs Os filhos dos senhores grandes muytas veces nam estam desta
alunt domi suae mo- . 1 r -i i r 1
nachum, qui eorum maneira em casa dos frades pera aprender; porque ao frade, que o
fiUos doceat. Sed ta- senhor escolhe por mestre pera seu filho, o leva a sua casa e alli
les magistn inhiant \
potius pecuniae et come e esta casi de ordinario, pera milhor poder insinar ao menino:
honoribus quam di- , j ^i, • j u
scipulorum profe- ^ ^ mesmo modo guardam com as nlhas, que os mais dos senho-
c*u>- res as facem aprender nam somente ler, mas que entendam sam
Paulo e o evangelho, porque toda a Escriptura esta em muyto di-
ferente lingua da comua, e assi, ainda que a saibam ler, nam a en-
tendem, se nam Iha declaram, como entre nos o latim; e por isto
tem frades em suas casas que as insinem ; que de clerigos nam facem
muyto caso. E ordinariamente os frades que insinam estes meninos
e meninas, se nam morrem, os acompanham depois de casados e Ihes
bencem agoa e tambem a mesa como capellaes e, com ser a benijam
muyto cumprida, estam todos em pe ate que se acava, e quando fa-
cem Vissorrey a algum destes senhores ou Ihe dam outro mando,
o frade seu mestre vai com elle pera achar fato, e o da molher
com ella, e comem e bebem juntos. E he certo que, se insinaram
como era re<;tam, ouveram de facer muyto fruito; mas nam preten-
dem tanto o bem das almas quanto honrra e fato, e assi nam di-
cem o que pode dar desgosto aos senhores : sempre Ihes falam a
vontade e como Ihes parece milhor pera suas preten^oes; e di-
cendolhes nos a alguns em particular, porque nam declaram a ver-
h
)>
LIVRO I, CAPITULO XXIL 223
dade da fe e o mais que tem obrigaQam, respondem que nam se
atrevem, porque perderam o comer e Ihes faram mal. Nem deixam
alguns dos senhores de entender muyto bem que nam pretendem
mais que honrra e fato; e assi hum dos mais principaes de todo o
imperio, que se chama Eraz Athanatheus, jenrro do emperador Ma-
lac ^agued, me disse huma vez estas palavras: Padre, nam temos
mestres. Estes nossos frades sam como phariseos: nam procuram
mais que honrras e fato, nem sabem nada, e se entendem alguma
cousa, nam se atrevem a dicer. Vee V. R. o que la esta? (que era
hum fradc que estava de fronte afastado muyto modesto) Pois
aquelle he meu mestre e tam phariseo como todos os demais.
Em este passo mete frey Luis de Urreta muytas cousas das 5. Quae de mere-
molheres pubricas, mas todas sam fabulas, sem nenhum modo de retulitUrretolgnota
f. 95,v. fundamento. Aponto isto, porque, se o passarmos em *silencio, pode prorsusAethiopibus.
ser que algum as tenha por verdadeiras e, ainda que o foram, pudera
bem escusar de tratar essa materia; e nam menos apocrifo he o que
alli diz que as que se convertem mandam a Goa ao mosteiro das Con-
vertidas e que aos filhos dellas e qualquer outro bastardo ou illegitimo
mandam a Goa, ou a Ormuz, a Ceylam, ou Mo^ambique, onde os
alimentam a custa dos sacerdotes ; porque em Ethiopia nam podem
estar. Mas nem a ellas nem a elles mandam pera nenhuma de essas
partes, nem sei que re^am podia aver pera obrigar aos sacerdotes
da India que sustentasem os bastardos e illigitimos de Ethiopia,
que nem ainda os sacerdotes della Ihes dam nada com aver muytos
na terra, se nam for aos seus.
Quanto a as sete universidades, que poe, onde se lee a me- 6. Confutatur Ur-
dicina c se estuda com tanta curiosidade, como pinta, tambem he tates.^Quid praest^t
mera fic^am; que nam ha taes universidades, nem as ouve nunca niedici in Aethiopia.
Medentur omnibus
em Ethiopia, nem taes examens, nem dotoramentos de estudantes; infirmitatibus ieiu-
e quando os ouvera, bcm longe estava o prior do convento de Al- utuntur*Coc6^contra
lcluya e o de Plurimanos (que nam se chama senam Debra Li- tumores carbunculi
v^ . - succo arboris CorpA
banos) de darlhcs juramento que obedecesem a Igreja Romana, pois vel GuindA dictae.
elles mesmos nam obedecem. Nem se Ihes facia previlegio a estes
doctores em os esentar de dar de tres filhos hum pera a guerra,
porque ninguem o da, nem ouve nunca tal costume; que quando
he necessario e o Emperador chama, todos ham de ir por for^a,
sem ficar mais que os villoes que lavram o campo. Nem tambem
podiam passear poUa cidadc em elephantes; pois, como muytas ve-
ces temos dito, nunca em Ethiopia se vio elephante manso. Os me-
2 24 HISTORIA DE ETHIOPIA
dicos que ha em Ethiopia sam algims que conhecem hervas e com
elles curam e ainda destas sabem muyto pouco ; e o mais ordinario
he, quando adoecem, nam facer micinha nenhuma, senam muyto
grande dieta, ate que ou naturec^a prevalece ou morre. Huma mi-
cinha, que tomam poUo menos cada dous meses, a que chamam C096,
de que no capitulo precedente falamos, parece que os preserva de
muytas doencjas, porque, juntamente com matar os bichos, que de
comer carne crua Ihes nacem no estomago, pera o que elles a to-
mam, Ihes serve de purga bem eficaz ; mas se tomam demasiada,
tambem morrem,
Ha outra arvore, de cuja casca da raiz e do leite de suas fo-
Ihas se aproveitam muyto, e he singular remedio pera resolver hin-
cha^os antes que comecem a facer materia, e o entraz ou carbun-
culo, que he tam perigoso, infalivelmente o sara, se o poem logo.
Chamase esta arvore Corpa e alguns a chamam *Guinda. Tem as f. 9'^-
folhas largas e nam muyto cumpridas e ainda que sam verdes por
cima tem cor de cin^a ; seu fruto sera como hum mermelo arra^oado
e assi fica depois amarelo, mas dentro he vao e nam tem mais que
huma pele muyto delgada, e nam nace senam em terras muyto
quentes; e, se bem me lembra, a vi na ilha de Goa pera a vanda
de santa Anna. Das folhas de esta arvore (que ordinariamente nam
he muyto grande) tomam o leite em farinha de trigo ou de cevada,
mas os que querem facer milhor toniam a casca da raiz e depois
de seca a moem, e em esta farinha tomam o leite e o levam pera
onde querem, porque se conserva muytos tempos ; mas a casca da
raiz basta, ainda que o leite he milhor e poese desta maneira : moem
muyto bem aquella ccisca depois de seca e misturam os pos com
mantega de v:ica fresca e untam o hinchago duas veces cada dia,
e nam doe nem se sente, mas ao entraz ou carbunculo ham de un-
tar aroda e nam na ponta ou cabecinha que iaz, e ham de beber
desfeita em agoa daquella casca como dous graos de trigo, ou pouco
mais; o leite raramente bebem, porque he muyto forte. Tambem
aos cavallos, mulas e bois poem em os hincha^os, mas caelhes
o cavello a que toca e depois torna a nacer ; o que nam faz aos
homens.
7. De duabus mc- Ja que falei em micinhas, nam deixarei de referir o que tam-
Turcas^usurpari cum bem vi estando cativo em o estreito de Meca. Andavam dous meus
successu Auctor concautivos muyto doentes com o rosto hinchado e amarello, sem
ezpertus est.
poderem comer nada, e disseramlhes que tomasem por la minha
LIVRO I, CAPITULO XXII. 225
em jejum em hura ovo malasado como meia casca de noz de pos
de raiz de lirio, nam cebola a^ucem, senam dos outros que tem a
flor a^ul, e com isto ficaram rosados e muyto bem despostos; so
deciam que sentiam hum pouco de enxomento ate facer huma ou
duas camaras. Tambem me aflirmaram que era cousa muyto certa
^ e provada que, tomando por 15 dias em jejum tanto como meia ca-
sca de ovo do ^umo desta raiz de lirio com hum pouco de bina-
gre destemperado e espiga de nardo moida, saram os hidropicos.
Frey Luis de Urreta pag. 237 diz que ha em Ethiopia huma
folha como edra, que posta pisada sobre as feridas as sara dentro
I de poucas horas, mas nam pude achar quem soubese dar re^am
della, n6m da nova momia mais excellente que a nossa, que af-
firma inventaram os medicos de Ethiopia.
f. 96,v. A cerca do modo que diz tem em ler a s.'* theologia, *comen- 8. Quomodo cie-
_ _ rici studeant Conci-
tando os cuatro Concilios Geraes, tambem o enganaram, porque m^ ^i s. scripturac.
nem leem de essa maneira, nem admitem o concilio Calcedonense,
antes o bituperam, porque declarou por de fe a doctrina de s. Liam
sobre as duas nature^as, donde se siguem tambem duas vontades e
opera^oes em Christo N. S., que elles negam, e condenou a Dio-
I scoro, que veneram por santo; e assi em hum livro, que elles cha-
^ mam Mazaguebta Haimanot, scilicet « thesouro da fe », quc milhor
se pudera chamar « thesouro de mentiras », e em outro, [que] inti-
tulam Haimanota A.bb6 scilicet « fe dos Padres » dicem que os pa-
dres daquelle santo concilio eram parvos e sobervos e sam Liam
j maldito e tredo, como vimos no cap. 1 1 e declararemos mais cum-
pridamente no 2.° livro.
O que declaram dos Concilios que tem nam he ordinariamente 9- !>« quodam mo-
- . , . nacho eximio sacrae
mais que a Iingoa em que estam a quem nam a sabe, porque he Scripturae interprete
diferente da vulear. Da Sacfrada Escriptura tem aleuns interpretes JP^id Acthiopcs : re-
o o r o r feruntur quaedam
muyto fracos e cheos de erros, e ainda estes alcan^am poucos, e o ipsius interprctatio-
r- 1 V ^ j 1 nesrisudignae. Quid
irade, que chega a entender alguma cousa, nam a msma senam a ^^ talibus magistris
sos aquelles que Ihe pagam muyto bem, e assi sc fecha com elles senscrit Selt&n Sa-
gAd.
em alguma casa pera declarar o que Ihes leo, sem deixar entrar a
outro nenhum. E por derradeiro, muyto do que insinam sam fabulas
e patranhas, como facia hum frade, que se pre^ava de grande escri-
turario e, por ter tal fama, o tomou por mestre este emperador Sel-
I tan (^agued, e dalli a pouco Ihe morreo. E depois, estando eu falando
P com elle sobre algumas cousas da Escriptura, me disse que aquelle
! frade, que Ihe insinava, chegando a declarar aquelle lugar do Ge-
C. BsccARi. /ier. Ae/A, Script, occ, ined, -II. 29
2 26 HISTORIA DE ETHIOPIA
nesis 6, que diz: « Vidcntes filii Dei filias hominum quod essent pul-
chrae etc. » , Ihe dissera que os que aqui chama a Escriptura filhos
de Deos eram anjos, e que, vendo que as molheres eram fermosas,
se ajuntaram com ellas e pariram filhos gigantes de tam grande e
extraordinaria estatura que metiam o bra^o ate chegar ao fundo do
mar Oceano, e alevantandose, asavam o peixe, que de la tiravam, na
regiam do fogo e, como acabaram de asolar quanto peixe avia no
mar, entraram pollos animaes e, estes acabados, comegaram a comer
os homens, que nam eram de sua casta; e vendo Deos tam grande
desaforamento, mandou as agoas do diluvio, com que os castigou.
A isto respondi que tudo era fabula, porque os que aqui chama
a Escriptura filhos de Deos, nam eram anjos, senam filhos de Seth,
a quem quis com este honrroso nome differenciar dos da gera^am
reprovada de Cain, cujos descendentes *eram tam maos que se en- f. 97.
tregavam de todo ponto na mao de seus appetites. As filhas de-
stes miseraveis eram muyto fermosas, o que vendo os filhos de
Seth, levados de sua grande vellec^a e fermosura, quebrantaram a
tradi^am e costume que tinham de nam admitir a sua conversa^am
e trato gente de tam perverso tronco e, casandose com ellas, toma-
ram juntamente os perversos costumes que traciam comsigo; com
o que se veio a perverter geralmente a religiam e culto divino e
chegaram as maldades dos homens ao cume da dissolu^am que po-
dia caber em criaduras da terra, tanto que nem a divina Escrip-
tura quis particulari(;:ar tam nefandos delictos, senam que se con-
tentou com dicer, que em todos seus peccados mudavam o estillo e
ordem naturcJ que a re^am insina. « Omnis quipe caro corruperat
viam suam super terram » Gen, 6. Esta, senhor, foi a causa porque
Deos nosso senhor mandou as agoas do dikivio, nam ja porque os
gigantes comesem os peixes do mar e os animaes da terra. Disse
o Emperador: Assi tambem me parecia a mi muyto fora de ca-
minho tal explicagam, como tambem me pareceo outra que me deo,
preguntandolhe como se multiplicaram tanto os filhos de Isrrael no
tempo que estiveram em Egypto, porque respondeo que, a primeira
vez que pariam as molheres, vinha cada huma com dous, e a se-
gunda vez com 4, a 3" com 8 e a 4^ com 16, e assi hiam sempre
dobrando. Disse eu : Certo que Ihes obrigava a as cuitadas a acar-
retar por alguns meses huma carga muyto grande, e mais, de pois
que parisem, que leite e que peitos aviam de bastar pera dar a
mamar tam grande multidam de filhos como por tempo aviam de
LIVRO I, CAPITULO XXII. 227
vir a parir juntos. Rio muyto o Emperador e disse : Aqui vera
V. R. quaes sam nossos mestres ; que ainda este era dos mais afa-
mados que temos.
Como seus interprctes da Escriptura c seus mestres sam tam 10. Quid Auctor
fracos e isso pouco que sabem o vendem tam caro, se maravilham ^^^ca versionem in
e hedificam muyto de ver que insinamos tudo de gra^a c muyto aethiopicamlinguam
ahquorum 8. Scrip-
mais de quam bem declaram os nossos as Escripturas, porque Ihes tujac interpretum et
dimos tresladada na lingoa de seus livros a Epistola ad Romanos, ^^° ructu.
como a declarou o padre Toledo e a Epistola ad Hebraeos por o
padre Ribadeneira, o Apocalipsis por o padre Bras Viegas, o Evan-
gelho de sam Matteus e de sam Joam por o padre Maldonado, e
agora himos tresladando o de sam Lucas e o que falta de sam
Paulo por o padre Benedicto Justiniano, e o principio do Genesis por
o padre Benedicto Pereira ; tambem hum tratado sobre todos os
erros de Ethiopia, em que se mostra a verdade de nossa santa fe
com a doctrina de muytos Santos, com a Sagrada Escriptura e san-
f. 97»v. tos concilios, com re^oes e com authoridades de seus *mesmos li-
vros, e se responde a todas suas obiecgoes e argumentos, e tudo
quanto ate agora se Ihes deo escrito esta tam bem recebido, polla
misericordia do Senhor, que casi todos louvam e engrandecem tanto
esta doctrina, que dicem que nam pode ser senam que o Sp.*° S.*°
Iha dictou a aquelles padres, porque nam parece que entendimento
humano podia chegar a alcan^ar cousa tam alta. Com o que em
estremo folga o Emperador e Eraz Cela Christos seu irmao, por
ver que por todas vias se vam acreditando nossas cousas e pedem
com muyta instancia que fa^amos vir os comentos do mais que
falta da Sagrada Escriptura e limpemos seus livros, que estam cheos
de erros.
►
Cv
CAPITULO XXIII.
£m que se trata dos animaes assi domesticos
como bravos, que ha em Ethiopia.
Muytas e varias terras de christaos, de gentios, de mouros e i- Nulla regio ex
iis bene multis quas
turcos tenho corndo e em algumas dellas estado muyto tempo, Auctor peragravit
muytos bastos bosques e cumpridos desertos tenho passado, em que ^*^®* ^* genera et
•^ -1 r r -1 species animalium
avia muytos e varios animaes; mas em nenhuma parte vi nem ouvi quot Aethiopia. Squi
dicer que ouvese tantos animaes, nem tam difFerentes sortes delles, fop^ ^t velocM. '
como dicem que ' ha em Ethiopia e eu em parte tenho visto ; por-
que primeiramente ha de todas as castas de mansos que ha em
Europa, como cavallos muyto bons no reyno de Tigre e outros mi-
Ihores, que Ihes vem do reyno de Dequin, que he de mouros, a que
chamam Balous, diante de Quaquen. Mas estes duram pouco em esta
terra, porque se Ihes facem chagas em os pes, de que morrem. Os
demais cavallos do imperio comummente sam piquenos, mas fortes
e correm bem. As mulas sam muytas e andam bem, posto que or-
dinariamente mais piquenas que as de Europa, e disseme o Empe-
lador que em o reyno de Gojam. pariram duas e morreram logo
com os filhos ; mas pessoas de credito me affirmaram que no reyno
de Tigre pareo huma pouco tempo ha e que ate (0 ^.
may e o filho. E nem a ellas nem aos cavallos ferram nunca, pollo
que muytas veces manqueixam.
(i) Hic in ms. Auctor reliquit spatium vacuum.
230 HISTORIA DE ETHIOPIA
a. Camell, aaim et Ha camellos, jumentos mansos e bravos do mato muytos, mas os
taeet optJmae, ea- chatms e os que vam a guerra comummente nam carregam se nam
prae et ovea paucae, eni bois. De vacas ha grande multidam e em alEmmas partes do
aeceauiv«ldebonae. <=< i
rcyno de Tigre, como na provincia de Amacen, de Bur e outras, pa-
rem mais veccs que as de Europa, porquo (i) goi;am de duos inver-
nos, em que acham grandes hervas, que sam muy tcmperados, por
que quando he invcrno pera a vanda do Mar Roxo, que la co-
mega na fim de otubro e dura ate fevereiro ou marpo, ca polla
terra dentro he verSo, e quando ca he inverno, que comepa na *fim r. 98.
de mayo e dura ate otubro, la he verao, e he cousa maravilhosa
que humas serras sam sempre os limites do invenio e do verao, e
assi pera aquella parte onde he inverno levam sempre as vacas, por-
que acham muyta herva, que,ainda que chove muyto, nam fa2 frio.
Tem alguns bois muyto grandes, que chamam Guech e criam
os de piquenos com leite de duas vacas e nam lavram com elles;
nam servem ordinariamente senam pera comerem os senhores. Os
comos de estes sam tam cumpridos e grossos que se servem delles
pera levarem o vinho de mel, quando vam a guerra ou facem al-
gum caminho cumprido. Cabras e ovelhas nam sam muytas, nem
de boa carne, mas em algumas partes sam bons os carneiros e al-
guns tem quatro cornos grandes que quanto piquenos ainda hum
boi vi eu com oncc, os dous como de cabra e os outros aroda de
cumpridam e grossura de hum dedo meninho ou pouco mais, que
o mostravam por cousa muy extraordinaria. Alguns carneiros tem
o cabo como de hum palmo ou mais de cumprido e casi outro tanto
de largo, Outrns que, com serem muyto altos, Ihes chegam os ca-
bos casi ao cham e de hum palmo ou mais de largo e, como o peso
hc grande, andam devagar: estcs comummentc sam brancos.
3. Caoea multi et Ha muytos caes alguns bem fortes, mas os que servom pera
lu^apt^iMlm^s»™' "^^^^ "^"^ chcgam aos galgos de Espanha ; os mais sam como
etjamsylTeBtTea.Cati podencos. Tambem ha caes bravos do mato, e hum vi que tinham
Pelea multl et pulcn.
tomado piqueno, e casi nam se deferonciam dos mansos senam
em o fucinho que he muyto mais cumprido e chamamo Tacula,
e dicem que se acham em montes muyto bastos e que quando ca-
(;am se poem huns escondidos em os lugares por onde ordinaria-
mentr sae a cai^a e outros a buscam ate a facer alevantar e seguem
procurando da levar pera onde estam os outros que satndo poucas
(T) Hic in margine e»dem illa maniis, qiia sccundiis liuius ojieris lilicr exar.itus
apparet, notal; « Variedade de Invcinos no Mnr Roxo e reino de TigrC- ".
LIVRO I, CAPITULO XXIII. 23 1
veces Ihes escapa e a gente tambem arremetem. Gatos tambem ha
muytos e fermosos.
Dos animaes sylvestres ha muytas mais diferencias que em 4- Animalia sylve-
Europa. Alguns filhos de Portugueses me disseram que no reyno 8unt:rhinoceros,qul
de Gojam em huma terra, que se chama Nanina, andando a caca, ▼oc**»*' Aurarft» ct
habet non unum sed
^ viram em hum valle hum fermoso cavallo com a coma muyto cum- duo comua.
prida e o cabo que chegava ao cham, e muytos animaes como ca-
bras monteses, gazelas e merus que o acompanhavam e nos vindo
fugio com muyta velocidade e entrou em hum mato muyto fechado,
e todos aquelles animaes o siguiram, e ainda que nam enxergaram
se tinha corno na fronte ou nam, Ihes pareceo que nam podia ser
senam unicornio.
Ha outros animaes que, conforme ao que delles mc disseram,
parece que sam rinocerotes ou abadas, porque affirmam que tem
f. 98,v. o corpo tam grosso ou mais *que huma vaca, os olhos muyto pique-
nos e a pelle tam dura que com dificultad a podia passar huma
lan^a. So me faz duvida se sam abadas, porque tem dous cornos,
hum sobre as narices e outro na testa, e a abada, que eu vi em
Madrid o anno de 1587, nam me lembra se tinha mais que hum
aserrado. Os de ca tem dous, e pouco tempo ha que Ihe trouxeram
L huns ao emperador Seltan Qagued pegados ainda na pelle, que elle me
mostrou e deo hum : o da testa era preto e na raiz grosso e pouco
mais acima casi de tres dedos de largo e menos de hum de grosso
e perto de tres palmos de cumprido, e a ponta nam era aguda : pa-
recia peda^o de alfange com sua vainha preta, que da mesma ma-
neira virava hum pouco em arco pera a vanda de cima da cabe^a.
O outro da cima das narices nam era preto, senam da cor que sam
ordinariamente os dos bois e redondo como clles, na raiz grosso e
cuatro dedos mais acima come^ava a adelgagar mu)rto e na ponta
era muyto agudo e hia em volta casi como o outro e da mesma
cumpridam que elle, e amos maci^os e afastado hum de outro perto
de meio palmo; mas parece que estaram muyto mais afastados,
porque aquella pelle estava ja muyto seca e encolhida, e de huma
ponta a outra avia mais de hum palmo de distanc^a. A este animal
chamam Aurarez.
' Ha outro animal a que chamam Jeratacachcn, que quer dicer s.Camelopardalis,
Qui vocatur Ter&ta**
« cabo delgado s, de diforme altura. Hum nic mostrou o Emperador, cachftn etequus Ze-
mandandome chamar pera isso, quando o trouxeram, e com ser ainda *^" ^®^^* describun-
tur ab Auctore.
novo, do cham ate o alto da cabecja eram 1 9 palmos e deciam que
li
232 HISTORIA DE ETHIOPIA
os velhos sam mais cumpridos. A cabe^a he muyto piquena e de
fei^am de camello, mas na testa, ca^i no mais alto, tem duas pon-
tas, huma perto de outra, delgadas e 4 dedos de cumprido e pa-
rece que aquello he osso, porque esta cuberto de pelle com cabello.
O pesco^o delgado, cumprido e dereito pera cima; o corpo de gros-
sura de hum boi, mais cumprido; as maos muyto grossas e de-
sproporcionademente altas, por ser em sua compara^am os pes
muyto curtos; as unhas fendidas e como de vaca; a cor parda
clara e todo o corpo cheo de rodas muyto vermelhas tam grandes
como a palma da mao, que Ihe dam muyta gracja. Nam morde nem
faz outro mal nenhum e nos matos corre mais que hum cavallo e,
se o tomam sendo novo, fica muyto manso, mas nam sobem nelle,
porque, como os pes sam curtos e as maos em seu respeito muyto
cumpridas, facilmente derrubaria a quem fosse nelle.
6. Onagri et »e- Jumentos do mato ha muytos e dicem que nam se difFeren-
ciam dos caseiros, mais que em serem muyto vivos e ligeiros; mas
ha outros, a que tambem chamam jumentos do mato, de estremada
*fermosura, porque parece que os estiveram pintando com pincel. f. 99.
So as orelhas tem hum pouco grandes como sam as dos jumentos,
msis tambem sam fermosas, porque estam cheas de riscas delgadas
em circulo, humas muyto pretas e outras brancas e todas uniformes;
aroda dos olhos, tambem tem outros circulos como aquelles e do
alto da testa Ihe decem outras riscas dereitas ate as ventas das na-
rices, mas alli as riscas brancas nam o sam tanto como as outras,
porque tiram hum pouco a vermelhas. Todo o pescogo esta cheo
aroda daquellas riscas brancas e pretas, e da cruz Ihe vai correndo
por o lombo ate a ponta do cabo huma risca muyto preta, de mais
de dous dedos de largo, e della por huma e outra vanda Ihe de-
cem outras riscas mais estreitas brancas e pretas e muy uniformes.
Em as maos e pes, da cima ate as unhas, tem risceis em circulo
como as das orelhas. As unhas sam como as dos jumentos e o ca-
vello curto muyto macio. Destes tem dous o Emperador, e a seu
irmao Eraz Cela Christos Ihe vi hum, que da cabeca ate hum pouco
mais da metade do corpo era como estes, mas dalli por diante nam
deciam as riscas pera baixo, senam tornavam dereitas pera as an-
cas, que causavam nova fermosura. Estes animaes nam se acham
senam em terras muyto quentes e sam poucos e assi muy estima-
dos, Sam de corpo como os mayorcs [jumentos] que ha em Espanha.
i
LIVRO I, CAPITULO XXIII. 233
Tambem ha muytas vacas bravas do mato, que chamam Tora, 7. Boves sylves-
, r 1 t_ ^ i_ 1« • ^' tres, bubali, elephan-
bufaras, elephantes, mas nenhum manso, hois, tigres, ongas, mas ^gg^ leones, tigres,
nam tam feroces como os que tracem de Africa pera Espanha. Ha pantherae comunes
^ et nigrae, porci do-
porem outro animal, que chamam Guecela, do tamanho de hum mcstici et sylvestres,
liam e dicem que he muyto bravo e feroz ; sua pelle tenho vista rirSi^si^Hn^^^
e o cavello he muyto macio e preto. Ha porcos mansos e dos do meri et invadunt ho-
• t 1 . mincs in ipsis pagis
mato de tres fei^oes, e muytos porcos espmhos e huns animaes como etiam interdiu.
raposas, mas pouco maiores, a que chamam Cabaro.
Lobos nam tem conto e tam bravos que no mato arremetem
a gente de dia, e de noite vem muytas veces a entrar dentro das
cercas, e ainda na de nossa casa de Dambia o ficeram algiimas, com
ser de pedra e espinhos e termos muyto bons caes ; c pouco tempo
ha que, tendo Eraz Cela Christos irmao do Emperador asentado
seu exercito em huma terra que chamam (^arca do reyno de Gojam,
vieram os lobos de noite e levaram rastando hum mogo, que dormia
na borda do arrayal, e ainda que gritou, quando Ihe acudiram, ja
o tinham despeda^ado.
Os gatos de algalia sam muytos e assi a elles como a al- 8. Feles odoratae
... ^* '^ i_ • j A. ji multae ; Aethiopes
galia chamam Tinnh, e sam casi duas veces maiores que gatos e da pi^rgg captivas deti-
mesma feicam ; temos sempre em gayolas e alli Ihes dam de comer c °«»*» ^* " musco
quaestum faciant.
0 beber, porque sam tam ariscos, que nunca se amansam, e se se sol- Moscus, feles syl-
f. 9o,v. tam, com dificultad os tornam a tomar. Tem *algalia em huma bol- ^*®^"* •* mortes.
sinha, que a nature^a Ihes pus entre as pernas, e tem cuidado da
tirar a tempo, nam somente pollo ganho que nisso ha, mas por o
dano que o gato recebe, que adoece de fevre, se Iha deixam estar
muyto, e assi os que andam em os matos se rogam nas pontas dos
paos secos, pera se descarregar della, e como ja sabem isto, a vam
a buscar onde elles andam; o ainda no reyno de Narea, que ha
muytos, Ihes poem de proposito (segundo dicem) na terra paos cur-
tos com a ponta de cima aguda, e alli acham muyta. Tambem ha
almizcle a quem chamam Mezque. Gatos monteses sam muytos e
facem grande dano em as galinhas, elles e outras duas sortes de
animaes que ha como furoes.
Os bugios sam innumeraveis e de muytas castas : huns muyto 9. De variis simia-
piquenos com cabo cumprido, outros pouco mais grandes e fermo- I^^^Sbus^dTml
sos ; tem debaixo das maos e parte do pescoQo e da cabega branco. nosae. Mures sine
numero, tam in do-
1 Estes estam de ordinario em o mais alto das arvores. Ha outros mibus,quaminagris;
^ mais cfrandes feos como os piquenos, e outros como cfrandes caes 8«'P«»^«« pl^^«s ma-
=» r- n » o gm^ gc^ venenci non
e muyto niais feos que todos, tem dos peitos pera cima atc a ca- adco frequcntcs.
C. Bkccari. /ier. Aeth, Script, occ, ined, — II. 30
►
2 34 HISTORIA DE ETHIOPIA
bega huma caveleira mais cumprida que de liam, e mordem muyto.
Todos facem muyto grande dano em as sementeiras e, se nam as
vigiassem tanto como acostumam, sem duvida acabariam as que
estam perto dos bosques e rochas onde elles andam. Com tudo fur-
tam muyto, porque, em quanto o que guarda vai pera huma parte,
elles saem por outra. Huma vez, estando eu em hum valle, levantei
os olhos a as voces que dava hum homem pera que nam Ihe en-
trasem em huns graos que guardava, e hum delles, que hia mais
diante, correo e, chegando a borda dos graos, arrancou a toda pressa
com amas as maos quantos Ihe puderam caber na boca, e acolheose
antes que o dono pudese chegar. E com serem tam grandes, sobem
por rochas tam ingremes que parece que sos pasaros podiam che-
gar. Chamamos Zenyero, e aos que tem branco Gure^a. Tracem
por brinco em as casas com cadea assi de huns como de outros,
mas muyto poucos. Outra praga muyto grande ha em todas estas
terr^is de Ethiopia que tenho vistas, como o reyno de Tigre, Beg-
meder, Gojam, Dambia e outros, particularmente na provincia de
Oagra, que sam ratos sem conto e facem grande dano nas semen-
teiras, nem ainda em as casas dam vida, por mais gatos que tenham,
nem armadilhas que Ihes ponham.
Ha cobras pe^onhentas, posto que nam muytas, e serpentes
muyto grandes, e dicem que o bafo de algumas basta pera facer
hinchar os gados e morrerem, se nam Ihes facem logo micinha.
Outros muytos animaes ha que deixo, assi por serem conhecidos,
como de muy pouca importancia.
lo. Urretae fabu- Do que temos dito se vee quam falsa foi a informac^am *que f. loo.
lae circa FauDaixi
Aethiopiae refutan- deram a frey Luis de Urreta sobre algumas destas cousas, pois,
^^' como afirma no cap. 25 de seu 1° livro, o Preste Joam pode por
na gnerra 500 elephantes encastellados, sendo assi que nenhum ha
manso em todas suas terras, nem memoria de que o ouvese nunca,
como affirmam todos e me disse o mesmo Emperador. Tambem diz
que em Ethiopia nam ha lobos, nem caes, sendo innumeraveis assi
huns como outros. Pollo que causou muyto grande riso a todos os
que ouviram isto, e nam menos me causou a mi o que juntamente
affirma que nem em Arabia ha caes, porque, se fala (como parece)
da Arabia, que corre da fortalecja de Mascate (que he de Portu-
gueses) ate bem dentro das portas do estreito de Meca, eu corri
grande parte della e sempre achei muytos caes. E se se lembrara
que tinha dito na pag. 96 que os principes, que estam no monte
LIVRO I, CAPITULO XXIIL 235
de Amhara, tem caes ventores, lebreos, e sabuesos pera ca^ar, nam
affirmara aqui, pag. 254, que em toda Ethiopia nam ha caes e que,
se chcgam naos de Europa e deixam algnns de Irlanda e Ingla-
terra, morrem dentro de hum mes.
Tambem diz dos gatos de algalia, que cada hum conhece sua
casa como os outros animaes domesticos e que, vam acs montes a
ca<;a, porque nam se sustentam de outra cousa, e quando co-
mem mais carne do mato, he milhor a algalia, e que, quando a bol-
silha onde ella se recolhe esta chea, vem a suas casas correndo e
dando saltos como raibosos, e como entram, o primeiro que os vee
toma hum pao e como que Ihe quer dar a elle da no cham e pol-
las paredes, e elle anda saltando de huma parte a outra ate que
cansa e sua ; e entam Ihe abrem sua gayola de madeira, onde en-
tra correndo, e alli com huma colher Ihe tiram a algalia, e logo fica
durmindo dous e tres'dias, e como acorda, se torna outra vez pera
o mato. Disto cjombaram muyto todos, porque sempre os tem em
gayolas e alli Ihes dam de comer, e se algum se solta, com diffi-
cultad o podem tomar a tom.ar.
Mas o que principalmente Ihes caio em gra^a, foi outra fabula
que conta das monas ou bugios pag. 252, por estas palavras: « De
4 las monas se sirven cn la Ethiopia en todos los menesteres como
« de criados, que no ay mas differencia que el hablar o estar mudo.
« Ellos fuegan, traen agua, barren, para asar la carne menean el
« asador. Ay hombres que tienen 30 y 40, que les sirv^en en sus
« labran<;as como gaiianes ; danles de almorgar por la mafiana y a
« cada unp le dan su agadilla y escardillo, y embianlos al campo
« donde entrecavan las sementeras, las escardan, quitandoles la ma-
« lega, despedrandolas y las dexan muy limpias y lo hacen con
«c tanta curiosidad como un hombre, y acabando, se buelven a su
« casa adonde les dan de comer. Embianlos a comprar carne y vino
« y otras mil cosas, que parecen increibles. Los soldados, que estan
f.ioo,v. « en frontera de enemigos, *en los presidios y fortale^as, sc sirven
« de las monas por escoltas y atalayas y, subiendo sobre el chapitel
« de la tienda o en la guarita del muro, hacen la vela toda la noche
« mucho mejor que un ^oldado, porque tienen el oydo mas vivo,
« que a penas sientcn el ruido de media legua, quando a gritos
« despiertan a todos los soldados ».
Isto he o que das monas refer o Author, a quem nam Ihe pa-
receo increivel, pois o escreve como cousa certa. Porem os de Ethio-
i
236 HISTORIA DE ETHIOPIA
pia, nam somente nam viram nunca estas cousas em sua terra, mas
nem as ouviram ate agora, que eu Ihas contei e temas por tani fa-
bulosas que Ihes parece que em nenhuma parte as pode aver. E
isso me basta pera com regam condenar a quem Ihe disse que as avia
em esta terra, e ainda o darselhe tanto credito que se escrevesem
como certas ; nam reprovando o que traz do padre Joseph de Aco-
sta, de quem diz que, tratando das cousas naturaes do Peru, refer
cousas semelhantes das monas e de huma que a mandavam por
vinho a taberna e, se Ihe deciam alguma cousa os rapages, punha
a basiiha perto de alguma porta e hia apos elles a as pedradas,
e como fugiam, a tornava a tomar e proseguia seu caminho. Em
esto nam tenho que falar, porque sei muyto bem que aquelle padre
nam avia de escrever cousa por cierta que nam o fosse muyto.
Nam menos novo se Ihes fez o modo que diz tem ca de matar o
rhinoceronte ou abada, que conta desta maneira pag. 246 : « EUos
« andam en la provincia de Gojama a las raices de los montes de
« la luna, donde nace el rio Nilo, y en sola esta tierra se hallan
« entre todas las de la Africa. Quando tienen noticia de alguno, ar-
« man sus escopetas y toman una mona, que la tiencn industriada
« para esta ca^a, y la echan al campo, y ella al punto anda bu-
« scando al rhinoceronte, y en viendole, se va para el y empie^a
« a dar mil saltos y a bailar, haciendo mil monerias, y el muy con-
« tento esta mirando las fiestas que le hace ; dando saltos la mona
« por una pierna se le sube en cima de las espaldas, donde le ra-
« sca y le va florando el pellejo, con lo qual recibe grande gusto
« y placer, y saltando en el suelo, le empiega a fregar la barriga,
« y el rhinoceronte con el regalo se echa en tierra y se estira y
« despere^a muy tendido en el suelo. Entonces los cagadores, que
« estan escondidos en algun lugar seguro, le assiestan con sus bal-
« lestas o escopetas al ombligo, el qual tiene muy delicado y tierno
« con el pellejo de la barriga y hiriendole en el, luego queda muerto,
« por tener alli el pulso. En estando muerto, acude mucha gente y
« atandole de los pies traseros le cuelgan de un arvol la cabe^a
« colgando para que le venga toda la sangre y humores a ella, y
« esta desta suerte unos quartos dias, y despues le cortan el cuerno,
« que es lo que se procu[ra] de ellos, y assi tiene mas virtud
« contra qualquier veneno, y para que tenga mas fine^a el cuerno,
« aguardan ciertas *lunas del aiio, que no los matan en todo f. 101,
« tiempo » .
LIVRO I, CAPITULO XXIII. 237
Ate aqui sam palavras de frey Luis de Urreta, e desejando eu n. Quid Auctori
, ^jii ^ '^jj rctulerit Selt&n Sa-
saber a certe^a dellas, por ser tam gracioso este modo de ca^ar ^^^ ^^^^ modum,
hum animal tam feroz, preguntei ao Emperador Seltan Cagued, por V^^ ^P®^ «* *^^* ^^*"
nocerontes venando
Ihe ter primeiro ouvido que os matava, sendo mancebo, e junta- capere solent.
mente Ihe referi o que aqui diz, e festejou com muyta gra^a a festa
que affirma faz a mona ao rhinoceronte, e disse que nam avia tal
modo de ca^ar em Ethiopia, nem sabiam que cousa era besta pera
tirar, senam que hiam com seus cavallos e lan^as curtas, com que
tiram de longe e com ellas os matavam, e que tambem elles muy-
tas veces Ihes matam os cavallos e, apontando com a mao pera hum
seu jenrro, que alli estava, muyto grande cavalleiro, disse: A este
Ihe tem morto ja dous cavallos muyto fermosos. Eu hia primeiro
muytas veces a esta cacja, e huma tirei a hum com minha lan<;a e,
dandolhe em huma ilharga, Ihe meti todo o ferro dentro, e meus
criados o acabaram de matar. Disse seu mordomo : Aqui esta fuao,
que tem morto cinco por sua mao. Mas pera isso nam esperamos
certas luas, nem sabemos que em humas tenha o corno mais vir-
tude que em outras, e em matandoos Ihes cortamos os cornos.
CAPITULO XXIV.
Das aves que ha em Ethiopia.
Assi como em Ethiopia ha grande multidam de knimaes, tam- i. Avium omnia
V t_ _^ j • £r • -^ j gcnera in Aethiopia.
bem se acham muytas difrerencias e varias sortes de aves, porque Gaiiinaceae;Colum-
tem casi todas as que sam comuas em Europa e outras muytas la ^*®*
nunca vistas. Ha galinhas caseiras e outras do mato tam grandes
como ellas com a penna que tira a agul semeada de muytas e bem
ordenadas pintas brancas menores que huma lentilha, e quando
estam gordas, que he no tempo que se recolhe o mantimento, sam
muyto boas pera comer. Destas ha tantas que nam tem conto e, se
as tomam piquenas, ou botam seus ovos a as de casa, ficam muyto
mansas e dicem que algumas criam em casa e chamamas Ze-
gra. Ha pombas mansas e das do mato de tres ou 4 sortes. Ha outras
aves muyto brancas, que chamam Sabisa e andam vandos muyto gran-
des e de longe parecem pombas ; mas nam aproveitam pera comer,
porque sua carne he muyto preta e ruim ; tem o pesco^o, o bico e as
pernas muyto mais cumpridas que as pombas. Ha rolas de tres ma-
neiras, humas muyto piquenas, outras como as de Europa e outras
maiores, e desta vi eu huma toda branca. Perdices se acham tambem
de tres feigoes : humas muyto mais grandes que as de Europa e na
penna, pes e bico se parecem muyto com ellas ; as outras duas sortes
no corpo sam igoaes com as nossas e no bico e pes semelhantes a el-
seraceae.
240 HISTORIA DE ETHIOPXA
las, mas na penna se differenciam muyto e nenhumas destas chegam
a vondade das de Europa, antes tem carne *muyto seca e desabrida. f.ioi,v.
Francolins cuido que nam ha, porque nunca os achei, nem quem
soubese dar re^am delles; mas no estreito de Meca, da vanda de
Arabia, nam faltam. Na casa, onde eu estava cativo, andavam dous
soltos com as galinhas, mas cortadas as asas, e nam se difFerenciam
das perdices de Europa mais que em terem hum peda^o debaixo
do bico e ate perto dos olhos muyto preto e cantarem de outra
maneira.
De codornices ha grande multidam no verao e, como chega
o inverno, parece que se passam a outras terras onde entam co-
mega o verSo, porque dentro das mesmas terras, que senhorea o
Preste Joam, ha sempre juntamente inverno e verao : quando pera a
vanda do mar he inverno, ca mais polla terra dentro he verao e
viceversa.
2. Psyttaci ; Pas- Ha muytos papagayos, pouco maiores que hum tordo, e dicem
que em algumas partes se acham de casta grande e comummente
sam verdes, posto que alguns tem no collo hum pouco vermelho.
Ha papafigos, estorninhos, pardaes, outros, e nam menos daninhos,
de seu tamanho, o corpo amarello e as asas pardas, outros mais
piquenos apues, outros pretos como acebiche, outros como velludo
carmesi e a pena parece tambem cabello de velludo, outros pin-
tados de branco e preto com crista e barbas como gallo e de de-
tras da crista Ihe saem humas pennas fermosas, que biram sobre
ella; outros muytos ha bem fermosos differentes dos de Europa.
Dos que cantam bem ha canarios solitarios e outras muytas sortes
de passarinhos, que facem muyto boa musica. Ha outros tam gran-
des como huma pomba rajados de pardo e branco, que cantam
muyto mal : tem o bico de meio palmo de cumprido e arcado ; e
outros do mesmo tamanho verdes com o peito amarello, e quando
cantam, parece totalmente que ladra algum cachorro. Outros gritam
de maneira que quebran os ouvidos: sam tam grandes como ga-
linhas, huns pardos e outros muyto brancos, e tem o bico de casi
hum palmo de cumprido arcado e delgado, e chamase Anan. Ha
outras aves casi tam grandes como hum cysne, mas com so o
peito e pontas das asas brancas e o demais tira a preto: tem os
pes e collo cumprido, o bico curto e na cabega humas penas cum-
pridas delicadas e como loras que parecem coroa. Destas andam
sempre muytas juntas, particularmente em Dambia, a cujo Vis-
LIVRO I, CAPITULO XXIV. -41
sorrey cham^o Cantiba, e a estas aves Cantiba Mecercana, « che-
remellas do Cantiba » , porque quando gritam se parecem com as
cheremellas que elle leva sempre diante e Ihe facem asaz de ruim
musica.
Ja que himos falando de tam bops cantores, nam sera re-
Qam que deixemos de fora os corvos, de que ha duas ou tres
f. 102. sortes: huns muyto grandes com huma pinta branca *no tortic^o [szc],
outros de todo pretos do tamanho dos de Europa, outros com o
peito e pescoijo branco, ainda que estes mas parecem gralhas
que corvos.
Tambem ha muytas maneiras de abutres : huns brancos com o 3» Vultures, stm-
, . 11 ^ ^ 1 ji '^ t thiones; circa quos
bico e pes amarellos, outros pretos com hum pouco do peito branco; fabula quaedam ex-
outros pardos de muyto grande corpo e de muy extraordinario chei- ploditur.
rar, porque como morre algum animal, vem logo de muyto longe
e se ajuntam grandes vandos. Ha outros, que na gTande<;!a do corpo
e no coUo se parecem com os gallipavos do Peru, mas sam pretos
com so as pontas das asas brancas, e na cabe^a perto do bico, que
he g^rande, tem hum corninho de tres dedos de cumprido e dous
de gTosso, mas todo vao e averto na ponta, e dicem que he con-
trapeQonha e que val pera a peste, e que, se comem sua carne os
leprosos no principio da doen^a, se acham bem: chamase Hercum.
Ha outro tam g^rande como este a que chamam Eceitan faraz, « ca-
vallo do diabo » por ser muy feo, c do pescogo pera o cabo cum-
prido, e andar muyto mal, posto que ligero ; he pardo e tem o bico
e pes amarellos e no tortigo humas pennas cumpridas dereitas pera
atras que Ihe podiam servir de redia. Em companhia deste podia-
mos por a ema ou abestruz, se he certo que se ha de contar entre
as aves, porque tambem he asaz fco ; mas, ainda que alguns facem
semelhantes seus pes aos do camello, se parecem muyto pouco
com elles, porque tem dous dedos em cada pee como de ave, po-
sto que grossos e malfeitos: o da vanda de dentro he cumprido e
o outro muyto mais curto ; nem sei como com aquelles dcdos pode
tomar pedras e tiralas pera atras contra os que os seguem, como
tambem dicem, porque nam sam pera as poderem tomar; e muytas
veces os vejo correr na cerca do Emperador, andando os pagens
apos elles brincando, e nunca vi que tirasem pedra ; parece que os
veriam ir fugindo por cntre pedras e, como correm com muyta for^a,
pondo os pes sobra algumas, saltariam pera atras e cuidariam que
elles as tomavam e as tirav^am. Em esta terra ha muytos, e dicem
C. Beccari. /ier. Aetk, Script, oce, ined, — II. 31
242 HISTORIA DE ETHIOPIA
que correm tanto, que com muyta difficultad os alcan^ara hum
cavallo.
4. Rapaccs diur- Aves dc rapina ha muytas e de diversas especies, como ga-
' * viaes, falcoes, azores, que matam muytas perdices e gallinhas do
mato e algumas veces se arreme^am a as de casa. Mas a gente
nam sabe cat^ar com elles. Ha outros que tomam codornices e ou-
tros passaros piquenos. Aguias reais dicem quc ha algumas, mas
ate agora nam vi nenhuma ; das que tomam ratos ha muytas e dc va-
rias sortes. Minhotos tambem ha muytos, e cygonhas de muytas ma-
neiras : humas mais piquenas que as de Europa e da mesma cor, a que
chamam Hebab oat, *« engulidor de cobra», que a cobra chamam He- f.io2,v.
bab ; outras sam grandes, mas tem o peito branco e o demais preto, e
destas ha duas sortes ou tres difFerencias. Grous ha muytos no verSo,
particularmente em Dambia e hc cousa pera notar, e tem obser-
vado os moradores desta terra, que todos os annos entram nella
em hum mesmo tempo, sem haver difFerencia de huma vez a outra
mais que tres ou 4 dias, quando muyto, e como se chega o tempo em
que ham de tornar pera sua terra (que tambem o tem certo), as
que estam em Dambia sobem todas as minhas tam altas que casi nam
se enxergam, por 8 ou dez dias continuos, e andam gritanto ate
perto de meio dia, como chamando a as que estam em as terras ve-
cinhas que se juntem pera caminharem todas em companhia, e dc
facto vem outras muytas a Dambia em aquelles dias e partem to-
das juntas.
5. Palmipedae. Das aves, que andam em os rios e lagoas, ha muytas mais sor-
tes que de outras nenhumas, e tantas que nam tem conto ; e a fora
de gargas, que sam bem conhecidas, corbos marinhos, ha adens de
muitas maneiras e humas que sam como grandes patos e a carne
como elles, mas pretos e o peito branco, a que chamam Uy^a.
Outras hum pouco mais piquenas, pardas, que chamam Ibroch, e
se he huma, Ibra. Estas sam muytas e facem grande dano em os
mantimentos, e assi, quando tem fruito, he necessario guardallos;
porque se nam os destruiram ellas e os grous. Tambem ha outras
aves tamanhas como abutardas, todas brancas, e tem o bico amarello
de hum palmo de cumpridc e de tres dedos de largo.
Nam me quero deter em falar das aves das alagoas, que se de
so as que andam a longo desta de Dambia, onde eu estou mais de
ordinario, se ouvera de tratar, fora cousa muy cumprida, porque
nam tem conto.
>
LIVRO I, CAPITULO XXIV. 243
Tambem ha muytas aves nocturnas, como bufos, mochos, co- 6. Strigidae.
rujas, morcegos, e estes nam sam pouco perjudiciaes em as igre-
jas, onde se juntam muytos, porque sam escuras e altas e assi as
enfigoam com seu mao cheiro; ao que se junta aver nellas de or-
dinario muytas endroninhas, que tambem as sujam mu)^to, porque
criam dentro.
Esta materia das difFeren^as das aves que ha em Ethiopia trata 7. Quae de incu-
rT-jTT^ ,- o-. , batione gaUinarum
frey Luis de Urreta no cap. 26 de seu i livro; mas em algumas retulit Urreta falsa
cousas nam teve corta InformaQam, como no que diz pag. 268, quo ®^?** .9*^^^^®. .^*7°
nulliDi in Aethiopia.
nam ha aves noctumas, nem gabiaes, nem azores, nem outras aves
de volateria, senam as que tracem da Persia pera presentar aos
Reys e principes. Tambem que as gallinhas como poem nam se
podem comer, e que pera chocar os ovos poem mil e dous mil jun-
tos na area, e cubrindoos com esterco, botam em cima area, e que,
como he terra que casi nunca chove e o sol muyto forte, se cho-
cam e saem os pintainhos e, tomando de pois hum gallipavo, Ihe
depcnam os peitos e a^oitam com ortigas e assi o ensinam a criar
f. 103. os pintainhos e vam dous mil apos elle. Isto, segundo dicem, *se
acostuma la pera o Cairo, onde chove pouco ou nada, mas nas ter-
ras do Preste Joam nam ha tal cousa, nem viram nunca gallipavos,
nem ha memoria de que trouxesem alguma vez da Persia gabiaes
ou falcoes, nem ca sabem ca^ar com elles, que, se souberam, nam
Ihes faltavam em sua terra.
Sobre todas estas cousas he muyto fabulosa e ridicula em 8. Deridetur de-
T- - . . ^ j i_ n ja '^ t j. scriptio Urretae cu-
Ethiopia a quc conta de huma ave no nm do capitulo, por estas iugdam avis mirabi-
palavras : ^^^ absque pedibus.
€ La otra ave, que la he guardado pera el fin de este capitulo, es
€ la que aca llamamos del Parayso, o como llaman en Ethiopia, Ca-
€ menios, que quiere decir camaleon del aire. El cuerpo desta avecita
€ con la cabe^a sera como el artejo de hum dedo, mas pequeno que
€ el cuerpo de un ruyseiior ; el pico es mas grande que todo el
€ cuerpo, y abre la boca mucho mayor de lo que se presume para tan
« chico cuerpo ; sus plumas son muy grandes de mas de tres palmos,
« las mas hermosas de mas vivos colores, bellos matices y diiferencias
€ de esmaltes que produxo la naturalecja, que ni el papagayo, ni el pa-
« von, ni ave alguna se puede igualar a ella. Xo tiene pies y siempre
€ anda bolando por el aire de dia y de noche, y en el aire se sustenta
« de mosquitillos y del mismo aire y en el duerme, sin que jamas se
« asiente sobre arbol ni mata, antes en tocando en tierra muere
k
244 HISTORIA DE ETHIOPIA
I luego; y es tan delicado que a veces los muchachos ponen liga
€ en alguna caiia larga y, en viendo estos paxarillos, procuran to-
< calles que se peguen.y mientras baxan la cana, yaUega muerto.
t Dira alguno: Si mueren en tocando en tierra, como se multipli-
t can? como ponem los huevos y los empollan? A todo esto acudio
s la industriosa naturalei;a con un artificio estrafio; para que, consi-
e derando estas maravillas, alabemos a Dios en sus obras : diole
t naturalei;a un nervio en lugar de los pies tan largo como las
« plumas y tan delgado como cuerda de vihuela, y quando es el
« tiempo en que su naturale<?a lo inclina a su jnultipUcacion, va
* buscando la hembra y con aquella cuerdecilla la ase y se abro-
t cha con ella, y esto todo bolando. Quando la hembra quiere poner
< sus huevos, anda buscando al macho y en viendole, afierra con el
< y se ata con aquel nierviijuelo y pone los huevos en cima de las
« alas del macho, entre las quales formo la naturale<;a un asiento
* y hoyo como nidal, y juntamente se esta alli la hembra fomen-
« tando sus huevos hasta que estan los hijuelos nacidos; y siempre
< andan bolando, mientras estan en su cria, sustentandose de mo-
« squitos y del aire. Sacados los poUitos, se va la hembra y el
« macho llcva su dulce carga a cuestas hasta que les nacen plu-
« mas y se echan a bolar. Destas aves ay muchas en la Arabia
* y en la Ethiopia en muchas partes, en especial en el monte de
< Amara, porque son regiones donde llueve muy raras veces, ni se
* enturbia el aire ».
*Tudo isto he mera fic<;am, que na[m] ha tal passaro em Ethiopia, f
nem parecc que o avera no mundo; e assi, preguntando eu por elle
diante do Emperador a senhores muyto grandes, que estiveram
muyto tempo no reyno de Amhara, se riram muyto desta patranha,
e o Emperador Ihes refirio com muyta festa outras que eu Ihe tinha
contado, como dos grandes thesouros. que o mesmo livro diz que
ha em Guixen Amba, a que elle chama o montc de Amhara, e que
ouvese formigas tam grandes como caes; e elles se maravilharam
de que ouvese quem se ocupase em inventar tantas mentiras; por-
que, demais do serem muyto grandes as dos thesouros e formigas
e que aja tal pasaro em Ethiopia, chove muyto em todo o reyno
de Amhara e muytas veces cae tanta pedra que dana as semen-
teiras, por onde mal puderam andar la semelhantes pasaros, quando
os ouvera, e ainda que nunca chovera, bastavam os ventos, que
muytas veces sam tam grandes que quebram as arvores, pera dar
LIVRO I, CAPITULO XXIV. 245
com todos esses pasaros pollas rochas ou arvoredos, sem poderem
resistir a seu grande impetu, sendo de tam piqueno corpo e tendo
tam cumpridas pennas. E quanto ao que diz que ha tam bem muy-
tas destas aves em Arabia, se fala da que confina com o Mar Roxo,
eu andei muyta parte della polla terra dentro, eni sete annos que
os Turcos la me tiveram cativo, e nunca vi tal ave, nem ouvi di-
cer que a ouvese.
CAPITULO XXV.
Em que se trata do clima, mineraes e fertilidade
das terras do Preste Joam.
Casi todas as terras, que senhorea o Preste Joam, tem bons ares, x. Aer plenimque
sam temperadas e sadias. tanto que ha muytos homens de cem annos «r^rubruten
muyto bem despostos, e ainda vi alguns de cento e vinte e 1 30 com calidissimus, alicubi
. - f rigidissimus. Aquae
boas forcpas. Com tudo ha algumas terras baixas, onde faz grandes bonae et salubres.
calmas ; no fim do verSo, quando comega a chover ha nellas muytas
doen^as e morre gente; pollo que alli ordinariamente moram em
lugares altos, mas por muyta calma que fa^a, se se poem a sombra,
acham fresco. Tambem ha terras muyto frias, como no reyno de Beg-
meder, em a provincia de Oagra, e sobre tudo na provincia que
chamam Cemen, que he frigidissima.
As agoas, assi das terras quentes como das frias, comummente
sam boas e sadias. No tempo ha grande variedade, porque de abril
ate agosto os dias sam mayores que em Espanha; pondo o rosto a
oriente as sombras vam pera a mao dereita; depois diminuem os
dias de mancira que em novembro e decembro sam muyto piquenos
e as sombras vam pera a mao izquerda.
f. 104. Minas de ouro ha algumas, particularmente no reyno de *Na- a. Aumm inveni-
^ .11 1 ^•11' j i_ *ur in alveo flumi-
rea, mas o milhor he o que tiram de hum rio grande, que chamam ^^^^ . fodinae sive
Beber, labando a area de praya. Alguns mcrgulham no mais fundo ®^"» «ive argenti
248 HISTORIA DE ETHIOPIA
tempore Auctoris levando humas gamellas de pao amarradas com cordas, e como as
bundans; plumbi henchem da area de dentro, puxam poUas cordas outros que estam
parcitas. na borda do rio, e alli acham muytas veces grandes pedacjos. Em
outra terra nam muyto longe desta, que se chama Fazcolo, dicem
que ha muyto, se o souberam tir[ar], porque quando dam fogo aos
matos, que o facem muytas veces, e sam bambuaes, saem pegados
nas pontas dos bambus que nacem peda^os de ouro, e isto he o
mais fino que ha em Ethiopia. Tambem em outra terra, que ha
pouco tempo que sugetou Eraz Cela Christos irmao do Emperador,
a que chamam Ombarea, perto do reyno de Gojam ao poente,
ha bom ouro, mas nem alli o sabem tira.r, que sam Cafres groseiros.
Em o reyno de Tigre, na provincia que chamam Tamben, dicem
que se achou primeiro huma mina de ouro, e que o emperador Ma-
lac (^agued mandou que a cubrisem e que nam se falase em ella,
porque os Turcos nam procurasem de tomar aquella terra. Tam-
bem em Ag^um, que [esta] no mesmo reyno, quando chove muyto
dicem que se acham sobre a terra alguns pedacinhos dc ouro.
Ha tambem minas de prata na provincia de Tamben e na de
Zalamt, e quando eu entrei em Ethiopia, que foi em mayo de 1603,
a tiravam huns gregos por mandado do emperador Jacob, e me mo-
straram alguma e era muyto boa e branda; mas dalli a pouco des-
sistiram da tirar e dicendolhe cu pouco ha ao Emperador Seltan
^agued (que mandava comprar da que vinha dos Turcos), porque
nam a facia tirar, pois a tinha em aquellas provincias, me respon-
deo, que, porque era muyto trabalho e pouco proveito.
Ferro ha em muytas partes e chumbo em algumas, mas disto
tam pouco que casi nam Ihes basta pera piloros de suas espingardas,
e assi, quando ham de ir a guerra, o repartem os capitaes aos sol-
dados com muyto tento.
3. Tcrrae maxime Quanto a fertilidade das terras, he muyto grande, porque ainda
fertiles: messes ple- . . r ^
rumque bis in anno : ^^^^ ^J^ algumas menos iructuosas, sam poucas as que nam se semeam
triticum, hordeum, cada anno, sem nunca descansar, e em algumas dellas se recolhem
avena etc. reddunt
fructumtrigesimum, dous frutos cada anno, nam somente em os valles, onde se podem
Daguc&^er TeTmm- ^^S^^> ^^^ ^^ ^s campos, e com tudo isso de humas sementes, que
cupatae, centesimum chamam Dagu^a e Tef, que nam ha em Europa e sam miudas como
et eo amplius. , , , ,. , ,,
mostarda, muytas veces de huma medida se recolhem cento e 150;
e disto facem pam, que come a gente ordinaria, mas he preto e de
pouca sustancia. Tambem o milho responde muyto. Ha trigo de
muytas fei^oes, cevada, graos, *favas, lentilhas, feixoes e outras f.io4,v.
r
LIVRO I, CAPITULO XXV. 249
sementes em abundancia, mas nam respondem tanto como as pri-
meiras; quando muyto dam 20 ou 30 por hum.
Semeam muyto linho, e ainda em os campos, onde nam se rega, 4« ^^^ Acthiopcs
r . j, ji T^ V 1 seminibus utuntur
se laz tam grande como o de Espanha; mas nam se sabem apro- n^ esum, sed tcxtl-
veitar delle pera facer panno, porque a cana botam fora e a se- ^®f ^**'" abiiciunt.
Olcum ez sesamo et
mente recolhem pera certo comer que facem della. Tem gergeli e Nug trahunt, ez oli-
outra semente que chamam Nug como linha^a, mas he preta, de que '^^^^^J''' ^^in^.
facem muyto aceite, que de aceitonas nam o ha ; semeam muytos <!«•« s^* ctiam in
,. , ^ , , Indiis comuneft.
alhos e cebolas, cobes, mas sam rums; rabaos e outras cousas como
nabos, que em Espanha nam ha, a que chamam Xux e Denich, com
que se remedia a gente pobre em tempo de fome. Ha canas de
a^ucre, gengibre, cardamomo, cominhos pretos, endro, funcho, cuen-
tro, mastur^o e alg^mas alfa^as ruins; mas agora faz dous annos
nos veio da India semente dellas, de cobes [sic] e chicorias, e tudo se
come^a a dar muyto bem; juntamente veio semente de malageta e
ja ha muyta e folgam com ella.
Arbores de fruto nam ha de tantas diferen^as como em Espanha, 5. De arboribuB
, ^ .• '/i.jjT-k^i fructiferi8;pluraco-
mas ha muytos pesigueiros, romeiras, ngueiras das de Portugal e mndem gcnera de-
da India, e outra sorte, que na folha casi nam se diferencia das acribuntur.
figueiras da India e, ainda que nam da fruto pera comer, he mais
proveitosa que ellas, porque o tronco ou meollo do meio da folha
comem, e da mesma folha facem cordas [e] esteiras muyto finas; fiam
linhas, com que facem pannos que vestem os pobres ; e a raiz, que
he ordinariamente de mais de dous palmos de largo, comem co-
cida e della facem farinha muyto fina e branca, que comem co-
cida com leite ; mas o pam della nam he muyto bom ; e se cortam
tudo a longo da terra, bota aroda muytos olhos, que dispoem em
outras partes e logo prendem; chamase Encet.
Ha narangeiras, cidreiras, limoeiros, galegos^j^i:] e outros que
dam o fruto muyto grande. Tamarinheiros, jambolans, maseras da
India, humas arvores grandes, que a ellas e ao fruto chamam Xe,
no sabor, cor, e feigam se parece com datil, senam que he mais
delgado na ponta.
Tambem semearam pouco ha palmeiros de cocos, e come^am
j a a dar fruto, e de datiles ha algumas piquenas, mas no reino de
Dancali ha muytas.
Vinhas como em Espanha nam ha: todas sam parreiras e de- 6. Dc cultu vitis;
1 ^ • ^ rt j j dc eosaypio et cius
stas poucas, e plantam juntas 8 ou dez varas e nunca as podam, e visurDcolcastriBopi-
assi huma so parreira toma muyto campo e tem necessidade de ^»© Auctoris.
C. Beccari. ^*r. Ae/A, Script, occ» ttud. — II. ja
2 50 HISTORIA DE ETHIOPIA
grande ramada ; mas com tudo dam muytas ubas e grandes cachos.
Agora ja vam prantando os principaes, porque o Emperador he
muyto curioso e em huma das cerccis de huns pa^os, que hti pou-
cos annos que fez, plantou em setembro 1 50 parreiras e por o Natal
comeo alg^ns vinte cachos maduros, com nam aver bem 4 meses
que se tinham plahtado, que tudo eu vim ; e depois mandou plantar
em hum campo cinco mil, e como as poem muyto afastadas, por-
que *nam as ham de podar, ocupam muyta terra; e pollo muyto f. 105.
que deseja que todos plantem, lan^ou pregam que todo aquelle que
plantase parreiras ou quaesquer arvores de fruto, nam perderia nunca
a terra ainda por traigam a coroa; com ser costume tirar o Em-
perador, todas as veces que quer, as terras a huns e dallas a outros,
excepto aquellas que compraram a Coroa. Agora novamente se-
mearam papayas, que vieram da India e se dam muyto boas.
Ha muyto algodam, de que facem alguns pannos muyto bons,
mas ordinarios: nam sam como os da India, ou porque o algodam
nam sera tam bom, ou porque nam o saberam concertar. Com tudo
facem outra sorte de panno muyto largo e forte que Ihes scrve na
cama de colcham e cobertor como de Papa, e he muyto quente
porque tem o cabello 4 dedos de cumprido, a que chamam Becet,
e sam alguns tam bons que valem dez cru<;ados.
Tudo o que se semcar e plantar em esta terra, parece que se
dara, particularmente oliveiras, porque ha muytos zambugeiros, e
algnns tem o fruito casi tam grande como aceitonas, nam porque
os enxertasem nunca, que elles nam o sabem facer, senam por a
terra Ihes ser acommodada.
7. De arboribus As arvores sylvestres comummente sam espinheiros, alguns
puae spcciesenumc- iTt^^yto altos e gTossos. Ha tambem muytos cedros altos, mas nam
rantur. ^q^ ^ copa como os dc Espanha, senam os ramos espalhados, como
os pinta e descreve Dyoscorides: he madeira cheirosa e muyto
boa pera casas; ha angeli muyto fermoso, pao preto e humas ar-
vores, que chamam Zegueba, muyto altas e grossas, madeira branca
e fermosa com outras muytas sortes de arvores que nam ha em
Europa, particularmente huma, que chamam Dema. Esta se faz tam
grossa que nam a abarcaram cuatro homens, e ordinariamente, com
serem muyto altas, nam lan^am os ramos ate perto da ponta, e o
tronco he liso dentro; ainda que nam he oco esta muyto fofo, e
alguns frades, que andam no deserto, metem nelle estacas huma
acima de outra ate chegar muyto alto, e, subindo por ellas, cortam
LIVRO I, CAPITULO XXV. 25 1
facilmente e facem dentro sua casinha, onde dormem de noite por
medo dos lioes, e ainda affirmam que antiguamente se metiam alli
algxin se outros Ihes davam de comer, ate que se fechava aquella
casinha, que por dentro torna a hencher muytode pressa, e assi
ficava alli morto e sepultado, como ja dissemos.
^ Em as ribeiras ha muytos jazmins, quc tambem se dam poUos
matos com outras muytas florcs cheirosas.
Ainda que estas terras de Ethiopia sejam tam fertiles e abun- 8. Locustae iden-
,,j j,' A. j. j'x a.j' A. tidem invadunt arva
dantes de mantimentos, como temos dito, com tudo isso muytas ^^ omnia devorant.
veces ouve grande falta delles em algumas paites, por causa dos
innumeraveis gafanhotos, que acostumavam vir da vanda dc oriente,
praga tam grande que, por onde quer que chega, deixa as semen-
f.io5,v. teiras feitas em poo, as ervas asoladas *e as arvores sem folha
verde, c muytas veccs se asentam tantos juntos que ccm seu peso
quebram ramos bem grossos. PoUo que, se esta praga fora geral e
de cada anno, sem duvida se despovoram as terras e ficaram to-
talmente desertas. Mas nam vinham todos os annos por huma me-
sma parte e agora, segundo dicem, avera 30 annos que nam che-
garam aos Reynos dc Gojam, Begmeder, Dambia e outros, e no
reyno de Tigre, em que faciam grande dano casi todos os annos,
^ avera ja 12 que nam se viram senam muyto poucos.
Desta materia dos mineraes e fertilidade da terra de Ethiopia 9. Errores Urre-
^ ^ r T'jTT^ j 01' tae et Alvarez circa
trata frey Luis de Uireta no cap. 27 de seu 1° hvro, mas em muy- auri fodinas refutan-
tas das cousas que diz foi mal informado, como que em o reyno de ^^ «* dictis.
Damot aja muytas minas de ouro e o mais fino e de mais subidos
quilates que tem toda Africa. O que parece que tomou de Fran-
cisco Alvares fol. 170 de sua Historia Ethiopica, Mas enganouse,
porque em Damot nam ha minas dc ouro, o se as ha, nam as con-
hecem, se nam toma este nome Damot em tanta latitud que com-
prehenda tambcm o reyno de Xarea, como a gente vulgar faz; e
ainda com tudo isso, he cousa certa, como affirmam todos e me
disse o emperador Seltan Qagued, que o mais fino ouro, que ha
em todas suas terras, he o do reyno de Fazcolo, que esta longe
de Damot.
Nem tambem parece certo o que diz, que Pero de Covilham xo. Item circaar-
affirmou a Francisco Alvares, que no reyno de Begmeder ha hum ^*^
I monte muyto grande todo de prata, e que nam a sabiam tirar os
V Ethiopes , mas que faciam huma cova e alli Ihe davam fogo, como
se fora forno de chunambo; e que corria a prata como ribeiras.
252 HISTORIA DE ETHIOPIA
Isto nam so foi encarecimento, mas patranha; porque, se ouvera
tam rico monte e de que tam facilmente sc tira tanta prata, nam
se perdera tam de pressa a memoria delle, que agora nam ha quem
saiba, nem ouvise dicer tal cousa, nem se ouveram de ocupar em
tirar na provincia de Zalamt e de Tamben prata de pedra, como o
faciam huns gregos por mandado do Emperador, quando eu en-
trei em Ethiopia, e ainda que a prata era muyto boa, dessistiram
depois da tirar, porque tinham muyto trabalho e pouco proveito.
Nam he menor patranha a que alli mesmo diz pag. 252, que
como ja sabem tirar a prata, ha tanta, que a estimam em pouco;
porque nunca ouve tanta prata em as terras do Preste Joam que
nam Ihes fosse necessario comprala aos Turros, com Iha venderem
bem cara; e os annos passados davam aqui por cinco patacas huma
on<;a de ouro que he peso de huma.
Tambem diz no mesmo lugar que o sal ja nam corre por moeda,
como antiguamente, senam que o levam por mercaduria a Mono-
motapa e Congo. Mas nam he assi, porque ate oje sempre *correo f. 106.
por moeda, que a de cobre, que quis introducir Eraz Athanateus,
govcrnando o imperio com a emperatriz Mariam Sina sua sogra,
por ser o emperador Jacob menino, nam a quiseram admitir, como
ja dissemos no fim do cap. 9. Nem sam tam vecinhos os reynos
de Monomotapa e Congo, que de ca se Ihes possa levar carre-
gado o sal ; antes he tam g^ande a distancia que nam somente
nam tem communicaQam com elles, mas nem ainda Ihe sabem
o nomem.
XX. Itcm circa Diz mais que os rabaos se facem muyto grandes, mas que nam
plantas et arbores. . • • 1 1 . •
se podem comer, porque na acrimonia nam ha malagueta nem pi-
menta que Ihes igoale, e que nam se dam cebolas nem alhos de
nenhuma maneira; mas foi engano, porque os rabaos se comem
muyto bem, ainda nao queimam tanto como os de Portugal. Cebo-
las se criam muytas, posto que piquenas, e alhos ha em grande
abundancia e cabe^as tam fermosas, que nam Ihes facem ventagem
as milhorcs de Espanha.
Semelante a isto he o que diz pag. 292 que Ethiopia he terra
de mu^^ta seda e que os bichos lavram seus capullos em as mes-
mas amoreiras pollos campos; de que ha grande multidam; e que
muytos tambem criam os bichos em casa; porque nem ha seda
nenhuma em as terras de Ethiopia, que senhorea o Preste Joam,
mas nem viram nunca os bichos, nem sabem como a lavram, e assi
f
LIVRO I, CAPITULO XXV. 253
elle mesmo me pregimtou por veces diante dos grandes que cousa
era e depois que feigam tinham os bichos, e todos se maravilharam
muyto, quando Ihes disse como os criavam, como dormiam e mu-
davam a pele etc. Nem amoreiras ha de nenhuma maneira ; so ouvi
dicer que em humas terras mu)rto longe, que nam cuido senhorea
o Emperador, avia humas arvores que tinham o fruto como o das
sylvas; estas pode ser que sejam amoreiras.
CAPITULO XXVI.
Do rio Nilo, de sua fonte, de seu discurso
e causa de suas crecentes.
Ja que tratamos da fertilidade das terras, que senhoreao Pre- i. Nili fluminis,
^ T /• j «^ j' 1 j quod Abaof vocant
ste Joam, nam sera fora de proposito dicer agora alguma cousa dos Aethiopcs, scatebras
principaes rios e lacfoas, que tambem a fertilicam e facem mais *** ^ahalA binas Au-
^ ^ 6 ' M V ^^^ dctexit die 21
abundante. E o primeiro, que se offerece como mais insigne, he o Aprilis 1618.
grande e famoso rio Nilo, que como tem pera si os S.***' antiguos
e casi todos os doctores modernos, he o que a divina Escriptura,
Gen. 2, chama Gehon e o poe no segundo lugar, quando nomea
os 4, que sajam do Parayso dicendo: « Et nomen fluvii secundi
f.io6,v. Gehon. *Ipse est qui circuit omnem terram Aethiopiae ». A gente
deste imperio o chama Abaoi, o tem sua fonte no reyno de Gojam
em huma terra que se chama Qahala, a cujos moradores chamam
Agous. Sam christaos, mas tem muytas supersti^oes gentilicas pollo
trato e vecinhan^a de outros Agous gentios seus parentes, que sam
muytos. Esta [a] fonte casi ao poente daquelle reyno, na cabe<;a de
hum vallecinho que faz em hum campo grande, e aos 2 1 de abril
de 1 6 1 8 que eu chegnei a a ver, nam apareciam mais que dous olhos
redondos de cuatro palmos de largo, e confesso que me alegrei de
ver o que tanto desejaram saber antiguamente el rey Ciro e seu
filho Cambises, o Gram Alexandre e o famoso Julio Cessar.
i
256 HISTORIA DE ETHIOPIA
a. Aquae qualitas A agoa he clara e muyto leve, a meu parccer» que a bebi;
e pro un 1 ^^ ^^^ corre por encima da terra, ainda que chega a borda
della. Fiz meter huma lancpa em hum dos olhos, que esta pegado
com huma ribancerinha, onde come^a a aparecer esta fonte, e en-
trou once palmos e parece que tapava em baixo em as raices das ar-
vores, que estam na borda da ribancerinha. O segundo olho da fonte 4
esta mais abaixo pera oriente, como hum tiro de pedra do i^, e
metendo nelle a langa, que era de 1 2 palmos, nam se achou fundo.
Hum Portugues tinha amarrado primeiro duas lancjas que amas ti-
nham 20 palmos, e metendoas tampouco achou fundo. Dicem os
que alli moram que o nam tem, e quando andam por perto de
aquelles olhos, bole e treme tudo aroda, de maneira que se vee
claramente que debaixo tudo he agoa, e que nam se anda por cima
se nam por estarem as raices das hervas muy entretexidas com al-
guma pouca de terra, e ainda me aflSrmaram muytos e o mesmo
Emperador, que estava perto com seu exercito, que entam tremia
pouco, por aver sido muyto seco o verao ; que outros annos com
muyto medo chegavam alli; porque, em pondo o pe sobre a erva,
parecia que se queria ir tudo ao fundo e ate oito ou dez passos
mais adiante bulia decendo e alevantando. O circuito, que mostra
ser lugar como de alogoa, he casi redondo e nam se pode che- ^
gar de vanda a vanda com huma pedra, mas com funda folga-
damente.
3.Regio,quaecirca Perto da fonte da vanda de cima mora gente e dalli se vai su-
scatebras protendi- 1.. j ^ i_ i_
tur graphice descri- "i^^clo pouco e pouco ate chegar a huma serra, que estara como meia
bitur, itemque mores legoa da fonte ao poente, a que os moradores chamam Guix, e ainda
incolarum.
que por esta parte parece que de seu pe ate cima podera chegar huma
espingarda, pollas outras partes he muyto alta. Mas por todas se
pode subir ate cima, e la se alevanta hum bico, onde os *gentios f. 107.
sacrificam muytas vacas; e antiguamente vinha em certo dia do
anno seu feitizeiro, a quem tinham por sacerdote, e sacrificava huma
vaca perto da fonte e botava a cabe^a nella e a facia ir ao fundo ;
e logo hia pera aquelle bico, onde facia solemne sacrificio, matando
muytas vacas, que os gentios Ihe traciam ; e depois se cubria todo
com o sevo dellas e asentavase em huma cadeira de ferro, que tinha
posta no meio de muyta lenha seca, e mandava por fogo e estava
dentro delle ate que a lenha se acavava, sem se queimar, nem ainda
derreterse o sevo. E algumas veces entrava depois do fogo acesso i
e se asentava em sua cadeira; e com estas feitizerias enganava
LIVRO I, CAPITULO XXVI. 257
aquella gente, de maneira que o tinham por grande santo e Ihe da-
vam quanto fato queria.
Do pe daquella serra ate a fonte semeam muyto trigo e ce- 4- Nilus e fond-
* 1J11J jj 1 '^ ^i_v bus primo sub terra
vada, e aroda della da vanda do sul pera oriente e norte ha hum decurrit, paulo poat
bom pedaQO de mato baixo, que se parece com tamargueira, e de- ©«leraus recipit duo«
rivulos et fluxnexi
pois muytas terras que semeam, e sera tudo como huma legoa de jamA, et post 35 leu-
campo ; mas por qualquer parte que queram ir a ella (excepto vindo fl^™^n*^[^,^DamI
daquelle bico) se ha de subir, e por todas as partes podem, ainda biA, unde post 6 leu-
. cas effluit.
que poUa vanda de oriente e occidente he mais alta e dificultosa
a subida. De nortc a sul se passa facilmente e pera a vanda do
sul, como huma legoa da fonte, esta hum valle fundo e largo, onde
nace huma ribeira muyto grande, que vai a entrar no Nilo e pode
ser que venha da mesma fonte decima. O fio da agoa, que vai por
debaixo da terra, quando sae daquelle circuito redondo da fonte,
corre pera oriente por espago de hum tiro de espingarda, se-
gundo mostram as hervas e a aparencia da terra, que por alli
he mais baixa como ribeira nam muyto larga, e logo yai decli-
nando mansamente pera o norte, e tendo andado como hum 4° de
legoa, se descobre a agoa entre humas pedras e faz huma ribe-
rinha que, quando eu a vi, nam era de grossura de hum homem,
posto que em outros tempos he maior, segundo dicem ; e pouco mais
adiante se le juntam duas ribeiras piquenas, que vem da vanda de
oriente, e depois recolhe outras muytas, com que sempre vai en-
grossando, e tendo andado pouco mais de hum dia de caminho, re-
colhe hum rio grande, que se chama Jama. Depois, dando muytas
voltas, vai pera occidente e tendo andado 20 ou 25 legoas, ja he
rio g^ande, e comcQa a declinar pera o norte e vai voltando sem-
pre, de maneira que a as 35 legoas de seu curso, pouco mais ou
menos, torna a correr a oriente e entra por huma ilharga de huma
lagoa grande, que esta entre a provincia, que chamam Bed do reyno
de Gojam, e o reyno de Dambia. E eu cheguei ao lugar por onde
f.io7iV. entra e depois passei *bom peda^o adiante e, olhando da borda da
lagoa de lugar alto, me pareceo que passa o rio por dentro della
como meia legoa e engergase muyto bem o fio de sua conente,
quando a lagoa esta em calmeria, como entam estava, porque hu-
mas hervas verdes, que traz o rio antes Je entrar nella, as vai le-
vando mansamente sem se bulirem as palhas e outras cousas que
de huma e outra vanda estam sobre a agoa da lagoa. E ainda que
nam cheguei ao lugar por onde sae della, conforme ao que dalli
C. Becc ARi. Rer. Aeth, Script, occ, tned, — II. 3j
258 HISTORIA DE ETHIOPIA
me mostraram e o tempo que deciam tardava hum homem cami-
nhando bem em chegar da entrada a saida, seram seis legoas pouco
mais ou menos. Mas, quando sae da lagoa, leva muyto mais agoa
da que tracia quando entrou, e ainda que he rio muyto grande,
toda via por algumas partes onde espraja se passa a pee no verao.
5, E lacu pcr 5 Como sae da lagoa, vai declinando pera o sul muyto devagar,
leucas currit versus ^jjj «i i_ i.^ u
meridiem usque ad ^ tendo andado como cmco legoas, chega a huma terra que cha-
Aiat&, ex cuius ru- mam Alata, onde cae a pique por humas rochas, que teram de alto
pibus ita praeceps
ruit ut aqiiae in va- catorce bracjas e sera necessario funda pcra chegar com pedra de
5rcr.rr"^i"„^ vanda a vanda; e no inverno da pancada que da em baixo se le-
Oojim habens ad vanta agoa como fumo no ar, tanto que se vee de muyto longe,
orientem Begmedftr, . • j. ^ ^ -^ j
inde Amhar4, olacA, como eu VI muytas veces; e pouco mais adiante se estreita de ma-
Xao^ et Damdt. Ora- ^^1^^ entre duas rochas, que facilmente atravesam paos de huma
ditur dem per re- ^ ^
gnum Fazcol6 et a outra e facem ponte, por onde algumas veces passa o Empera-
OmbareA, ultra quo- - ^, . j.jii'r i.i_
rum fines Auctor fa- ^^^ ^^^ ^*^^^ ^eu exercito, e perto de alh faz a mesma rocha hum
tetur se nequivisse arco, por onde alfifuns, que sam mais atrevidos, passam, ainda que
ulterius cursum Nili ir o x
investigare. por cima he muyto estreito. Aqui Ihe fica pera oriente o reyno de
Begmeder, e corre alguns dias por entre elle e Gojam; logo o reyno
de Amhara, depois Olaca e logo o reyno de Xaoa e apos este o
de Damot, dando sempre volta a longo do reyno de Gojam e che-
gando de fronte de huma terra, que chamam Bizan da vanda de
Damot e outra que se chama Gumar (^anca da vanda de Gojam,
vem a estar o rio tam perto de sua fonte, que se pode chegar a
ella em hum dia. E preguntando eu diante do emperador Seltan
(^agued a seu irmao Eraz (^ela Christos, quantos dias de caminho
seriam de Gumar ^anca, indo poUa ribera acima ate chegar a sua
fonte, foi elle contando com alguns homens grandes, que estavam
presentcs, e acharam 29, se bem me lembra. De Gumar ^anca adiante
ainda vai correndo alguns dias a roda de Gojam e depois passa
por entre o reyno de Fazcolo e o de Ombarea de gentios muyto
pretos, que o anno de 16 15 sugetou com grande exercito Eraz
(^ela Christos, e por ser terra tam grande e pouco conhecida, a cha-
maram elles Ayez Alem, que quer dicei « novo mundo ». Dalli
por diante nam *senhorea o Emperador, nem sabera dar re^am dos f. 108.
nomens das terras nem do curso do rio, mais que dicerem que vai
por terra de Cafres gentios pera o Cairo.
6. Refenmtur ve- Deixando pois de seguir o curso deste grande rio, passarcmos
terum scriptorum 1 j 1 ^ 1
et Urretae opiniones ^ ^^^ *^ re^am de sua annual crecente, que, por ser sempre em hum
de causis inundatio- mesmo tempo e este de julho por diante, quando em outras partes
num Nili.
LIVRO I, CAPITULO XXVI. 259
se diminuem e se vam secando os rios, fez tanta dificultad a sam
Irineo lib. 2 Adversus haerescs c:ip. 47 (como refer frey Luis de
Urreta pag*. 303) que, com tracer muytas opinioes, nam se atreveo
a dar por certa nenhuma, senam que disse que a verdade Deos a
sabia; e Lucano e Abulense dicem que he segredo de nature<;a
muy escondido, e Theodoreto confessa que nam o entende, e ou-
tros, que guiados por so seu discurso quiseram dar a causa, disse-
ram mil disparates, como que, soprando os ventos ao contrario da
corrente do Nilo, detinham as agoas, e assi creciani em alto. Ou-
tros, que a muyta area, que leva o Nilo, se detem nas bocas por
onde cntra no mar, e fecha seu curso e, tornando as agoas detindas
pera atras, causam a inunda^am de Egypto. Ate Aristoteles prin-
cipe dos philosophos, em hum livro que fez de rmindatione Nzlt\
disse que a longo do Nilo ha muytas fontes, que no inverno estam
fechadas e no verao com a quentura do sol se dilata a terra e assi,
saindo ellas, crece o Nilo.
Tambem frey Luys de Urreta em seu 1° livTo pag. 305 philo-
sopha a seu modo e attribue estas crecentes a as agoas do mar
Oceano, que batidas em aquelle tempo com furiosos ventos entram
por segredos arcaduces e veas ate a lagoa de onde nace o Nilo e a
facem crecer e dalli vem crecer tambem o rio.
Tudo isto vai muyto fora do que a experiencia, que nam pode 7. Eas falsas esse
.... , demonstrat expe-
enganar como o discurso dos homens. tem mostrado, nam somente rientia, quae faUere
aos naturaes de Ethiopia, mas a todos os de Europa, que estamos ^®^.'*** ^^^^} ratioci-
'^ r- ^ natio a prion.
nella, e he que ordinariamente na entrada de junho come<;a em estas
terras o inverno e chove tanto ate setembro e algumas veces por
todo elle c parte de otubro, que nam somente os rios, mas as
ribeiras muyto piqucnas crecem de maneira que nam se podem
passar sem barcas, que facem de huma palha a maneira de junco,
que, ainda que he de 4 dedos de grosso, como se seca, fica muyto
leve e nunca se vam a fundo, ainda que se virem. Destas ribeiras
ha muytas no reyno de Gojam, que no inverno parecem grandes rios
e todas entram no Nilo, e de outras partes Ihe vem tambem muytas
e rios caudalosos, que, depois de terem corrido muytas terras e re-
f.io8,v. cebido no inverno grande *multidam de agoas, descarregam no Nilo.
Tambcm a lagoa de Dambia, por onde (como acinia dissemos) passa
cste rio, acaba dc hencher meiado agosto, pouco mais ou menos, com
as muytas agoas que Ihe entram, o dalli por diante desagoa em elle
com mais furia, sem se divertir por outra parte, porque nam sae della
26o IIISTORIA DE ETHIOPIA
outro rio nenhum, nem ainda ribeira, com Ihe entrarem muytas e
muyto grandcs, particularmente no inverno. Esta pois he a verda-
deira causa da enchentc annual do rio Nilo : as muytas agoas que
se Ihe juntam, por ser inverno ca naquelle tempo e chover muyto.
Todas as de mais, que dam, sam fabulas e meras imaginagoes.
Na fim de setembro comcQam ordinariamente as agoas desta la-
goa de Dambia a diminuir e as ribeiras a baixar, por ir faltando
a chuva e consiguientemente o Nilo. Mas nam se acaba isto tam de
pressa que nam leve mais agoa da ordinaria ate o Natal.
8. Piscium multae Por algumas partes de sua ribeira nam tem arvores nenhumas ;
species in Nilo et , . , ,
esuioptimae.Dehip- P^r outras as cria muyto altas, como sam cedros sylvestres e outras
popotamis et de tor- arvores, que nam ha em Espanha. Andam nelle cavallos marinhos,
pedine vera narran- ^ ^ ^
tur. que ca chamam Gumari e a gente que passa em as embarcagoes se
guarda muyto delles, porque algumas veces arremetem e, pondo as
maos sobre ellas, as biram com sua grande forga e peso e matam aos
que alcan^am com os dentes, que os tem muy cumpridos. Ha grande
multidam de peixe de muytas sortes e gordo, por achar bem que co-
mer, e entre elle o que nos chamamos em latim torpedo e a gente de-
sta terra chama Adenguez, que quer dicer « espanto >, porque, como
elles dicem, quem o toma na mao, se vole, fica espantado e ainda Ihe
parece que todos os ossos se Ihe descojuntaram ; como Ihes sucedeo
a alguns Portugueses, que mo contaram, e principalmente a seu capi-
tam Joam Gabriel, que, estando huma vez folgando com outros na ri-
beira do rio, tirou com sua cana hum peixe de mais de hum palmo,
sem escama, que se parecia muyto com cacjam, e veio sem bulir, e to-
mandoo na mao, pera o tirar do anzol, como bulio, o tornou largar,
porque Ihe pareceo que todos os ossos ate os dentes se Ihe abalaram
e que ficara fora de si, e ouvera de cair, se nam estivera asentado.
Tornou logo em si e entendeo que peixe era, c por ^ombar de hum
seu criado, o chamou e disse que tirase aquelle peixe do anzol, e
tomandoo na mao, bulio e logo elle caio no cham fora de si sem saber
que Ihe sucedera, e tornando a se levantar disse : Senhor, que fiz a
vossa merced para que assi me espancase? Rio muyto o capitam
e os demais, vendo quam desacordado ficara, que nam sabia o que
Ihe succedera. Esperaram que morrese o peixe pera o tirar do anzol.
E disseme o Capitam que tinha *pera si que, em quanto nam bole, f. 109.
nam causa aquelle effeito, porque elle nam sintio nada em quanto
nam bulio ; e que outro Portugues tirara outro destes peixes de hum
covado de cumprido.
LIVRO I, CAPirULO XXVI. 26 1
Do que temos dito se vee claro quam mal informado foi frey 9. Referuntur
Luis de Urreta sobre as cousas do rio Nillo, pois, falando de suas dcTontS^usNiiiaiia-
fontes, que poem em huns montes inaccessiveis, diz estas palavras q^« valde absona ad
hoc flumen spectan-
pag. 298 de seu 1° livro: « Son montes asperissimos y tan altos que tia, quaecum Auctor
« los Alpes y Pireneos son humildes cho^as en su comparacion. L^^ "r^mimwibus
« Llamanlos los naturales los montes Gafates. Es la subida destos regni, risum excita-
vit.
« montes tan difficultosa que humanamente no se puede subir a la
« cima de ellos, por las muchas aguas que continuamente baxan,
« porque estan Uenos de pantanos, fuentes, arroyos, desgoladeros
« y aun rios caudalosos, las quales aguas todas se vienen a recoger
« en un gran lago, que llaman con el nombre de los montes Gafates,
« y el Zaire por otro nombre, y el lago Zambra, que, como es tan
« grande y espacioso, scgun las diversas provincias que bafia, le
« dan los nombres. Es una de las grandes lagunas que deve de
« tener el mundo, porque de largo norte a sur tendra cerca de 1 50
« leguas, y de ancho en el medio tendra mas de 80 leguas. Del
« salen tres famosos rios: el Zaire y Aquilunda hacia el puniente,
« y el Nilo que corre siempre hacia el norte ».
Tudo isto he muy diferente do que na verdade passa, porque
a fonte do Nilo nam esta senam em aquelle campo que dissemos
se faz sobre os montes, nem alli ha outra lagoa nenhuma mais
que aquelle piqueno circuito que os olhos da fonte tem aroda, por
onde no vei-ao se pode andar da maneira que fica dito; nem ainda
em quanto senhorea o Preste Joam se achara lagoa tam grande
como hum ter^o do que elle diz; nem dos montes sae agoa mais
que algumas ribeiras muyto piquenas, nem sam tam altos que se
possam comparar com os Alpes e Pireneos, quanto mais dicer que
estos sam humildes cho^as em seu respeito, nem se chamam montes
Gafates, mas o principal Guix, como ja dissemos; nem a subida he
tam difficultosa, que nam se possa chcgar a cima por todas as
partes e por duas muyto bem ; e assi o emperador Malac Qagued
atravesou por alli huma vez com grande exercito e asentou suas
tendas aroda da mesma fonte, e oje estam comigo alguns dos
Portugueses que entam o acompanhavam, e o emperador Seltan
Qagued passou com grosso exercito a longo da fonte na fim de
abril de 1618.
f.io<),v. *Nem he menos fora de proposito o que diz mais adiante,
pag. 300, que o rio Nilo entra polo reyno de Tigre Mohon e
adiante se divide em dous grandes bra^os c faz a famosa ilha Meroe,
262 HISTORIA DE ETHIOPIA
que tem de cumprido cem legoas e de largo 34, e que o bra^o que
fica ao levante divide a ilha do reyno de Lacca e Barnagasso;
porque primeiramente as terras que govema Tigre Mohon nam sam
reyno, senam huma certa parte do reyno de Tigre, mas sam terras
largas, e por isso diz Francisco Alvares em sua Htstoria Ethiopica
fol. 40, que he reyno muyto grande ; e se por Bernagasso quer dicer
Bahar Nagax, como em outras partes de seu livro faz, este governa
outras terras do reyno de Tigre da vanda do Mar Roxo que chegam
perto de Arquico, e assi, por la parte que o Nilo esta mais perto
das terras de Tigre Mohon e das de Bahar Nagax, ficam no meio
tres provincias muyto grandes e o reyno de Dambia. Nem ha tal
ilha Meroe em quanto o Nilo passa por las terrsis do Preste Joam,
como me affirmaram muytos e elle mesmo me disse que nunca
ouvera falar em tal ilha, nem sabiam que o Nilo tivesse alguma
povoada, e que as que facia em sua terra eram muyto piqueninas,
que nam se podia estar nellas.
Com esta ocasiam Ihe referi diante de muytos grandes o que
frey Luis conta mais adiante pag, 303 e 307, que perto dc esta
ilha tinha elle posta muyta gente esperando poUo aviso dos que
em outra parte vigiavam certos po^os de pedra, onde estava sinalada
con numeros a medida da crecente que era necessaria pera a ferti-
lidade de Eg)'pto, e como a agoa chegava ao sinal que tinham
posto na pedra, partiam poUa posta em dromedarios, e chegando
com o recado aos que cstavam perto da ilha Meroe, divertiam a
agoa da henchente do Nilo pera o Mar Roxo por humas grandes
acequias que tinham feitas pera que nam innundase demasiadamente
Egypto ; e porque de tudo nam tirase o rio e ficasem la perdidos,
Ihe pagava o Turco, cuja he a terra, cada anno trecentos mil zcquies
de ouro, que tem cada hum 16 reales. Riram muyto todos da fabula,
ate o mesmo Emperador c disseme que nem elle tem, nem tiveram
seus antepassados tal gente posta no rio, nem se diverte a agoa
de sua henchente pera parte nenhuma, nem o Turco Ihe paga, nem
pagou nunca tal tributo. Por onde val muyto pouco o que frey
Luis traz no fim do 3 livro do doctor Luis de Bania, que diz paga
o Turco tributo ao Preste Joaui.
Nam me maravilho muyto dcstas fabulas, se sam informa^oes
de Joam Balthesar, porque ainda o que affirmou com juramento
por verdade o acho muyto longe della, como o que diz frey I-uis
pag. 305, quc Ihe jurou que no anno de 1606, em que elle parteo
LIVRO I, CAPITULO XXVI. 263
de Ethiopia, avia dez annos que nam chovia, sendo assi que, en-
trando eu nella em mayo de 603, achei os cuatro meses siguintes
muyto grandes chuvas no reyno de Tigre, onde estive, e disseramme
depois que no reyno de Gojam foram muyto maiores, e o anno de
f. iio. 604 estive *julho, agosto e setembro em Gojam hum dia de caminho
da mesma fonte do Nilo, e foram tam grandes as chuvas e as
enchentes das ribeiras, que nam somente nam pude chegar a ella,
mas nem sair casi de casa. E depois, sendome for^ado ir pera
outra parte, achei em otubro tantas lamas, que nam podia caminhar
a mula senam con muyto trabalho. Tambem preguntei a homens
honrrados de 60 e 65 annos, se viram que algum anno deixase de
chover em estas terras, e nie aflirmaram que em toda sua vida
[nam] viram tal cousa, nem ouviram dicer nunca que sucedese. Do
que se pode ver o credito que se deve dar a as informacjoes de
Joam Balthesar.
\
CAPITULO XXVII,
Dos rios Mar&b e Tacac£ e do discurso de suas correntes.
Ao rio Marab chama frey Luis de Urreta, no cap. 29 de seu i. Commenta Ur-
^ «. -Tk • xT «1 retae circa flumen
i^ livro, Rio Negro, nam porque suas agoas nam sejam claras e Mar^bquodipseper-
transparentes, senam porque corre sempre por terra de negros: e P«ram Flumen Ni-
gprum appeUat.
que seja este o rio de que elle alli fala, mostrase polla descrip^am
que poe, dicendo que nace perto do convento da AUeluya no reyno
de Tigre Mohon em Ethiopia e que divide o reyno de Dambia do
reyno de Medra, ainda que deste nomem nam sabem dar regam
em Ethiopia; e conta deste rio tantas maravilhas, antepondoo em
riqueQa a todos os rios do mundo, que me obrigou a deixar pera
depois outros rios caudaloso[s], que estam mais perto do Nilo, e
tornar atras ate perto do Mar Roxo, pera tratar delle, nam porque
mere^a compararse com aquelles, senam porque, ja que frey Luis
Ihe da o primer lugar depois do Nilo, nam sera bem falar de outro,
antes de declarar ao leitor quam verdaderas sejam as cousas que
delle escreve ; pera o que sera necessario referir ao menos em soma
o que elle conta diffusamente.
Diz pois, falando naquelle capitulo do Rio Negro, estas palavras :
€ Su nacimiento, segun tienen por cierto los Ethiopes, es unos gran-
€ dissimos pantanos, resumaderos [szc] y lagunas que estan junto del
€ convento del AUeluya, que es de la Orden de los Predicadores, en
C. Beccari. ^#r. Ae/A, Scrs//, oee, ined, — II. 34
266 HISTORIA DE ETHIOPIA
« el reyno de Tigre Mohon en la Ethiopia, cujas aguas tomando
« su camino para hacia la Equinocial, se hunden baxo de tierra y
« vienem a salir em una grande laguna a la qual Uaman el Lago
« Negro, que tiene de largo norte a sur poco mas de 40 leguas y
« ancho unas 20; deste lago sale el Rio Negro, sirviendo de terminos
« y limites *de toda la Ethiopia para la tierra de Negros divide f.iio,v. 4
« el reyno de Ambian cantiba (ha de dicer Dambia, porque assi
« se chama o reyno e ao Vissorrey qualquer que for chamam
« Cantiba) que es de la misma Ethiopia, del reyno de Medra; y
« saliendo de la Ethiopia divide el gran reyno de la Nubia del reyno
« de Biafara, y llegando a unos grandes montes se hunde por baxo
« tierra, y caminando mas de 30 leguas escondido, sale con grande
« impetu en el reyno de Zafara, haciendo un grande lago que corre
« leste oeste y de levante a poniente 50 leguas de largo y de ancho
« tendra 30, y passando adelante y saliendo del reyno de Mandinga
« y del reyno de Cano, hace un grande lago, donde se rebalsa por
« muchas leguas de anchura. El lago es triangular, y cada lado tiene
« cerca de 46 leguas, de suerte que tendra de circuito ciento y
« treinta y ocho leguas. Llamase el lago Guarda. Desta grande
« laguna sale el Rio Negro, llebando su curso para el puniente y
« entrando entre el reyno de Tombotu al norte y el reyno de Melli
« a sur, recoge un rio de su nombre, y aqui se buelve a reba,lsar,
« haciendo una lacuna de 30 leguas de largo y 1 7 de ancho, de
« donde nacen cuatro rios caudalosissimos, en que se divide el Rio
« Negro: el uno corre hacia el norte entre el reyno de Caragoli
« y el reyno de Genchoa, y entrando en el reyno de Arguim, de-
« semboca en el Oceano meridional a los 19 grados de altura.
« Llamase este rio de s. Juan y causa en su boca un buen puerto
« que llaman de Tofia, y esta poco mas de 30 leguas baxo del Cabo
« Blanco. El otro rio, en que se divide el Negro, corre derecho a
« poniente por el reyno de Senega, de^sjemboca en cima de Cabo
« Verde. El 3°, en que se divide el Negro, corre derecho a poniente y,
« dividiendose en dos bra^os, desemboca en el Mar Oceano, cerca de
« 30 leguas encima del Cabo Verde hacia la Equinocial. El ultimo
« ramo del Rio Negro luego se divide en dos : al uno llaman rio de
« s. Domingo, y descarga sus aguas en el mar cerca de la ciudad
« de Stacara, a los trece grados ; el otro bra^o, declinando hacia la
« Equinocial, hace a la entrada del mar de la otra parte del Cabo
« Roxo una grande ensenada, y Uamanle a este bra^o Rio Grande.
LIVRO I, CAPITULO XXVII. 267
« Este es el discurso que hace el Rio Negro, el qual es el mas
« rico que deve de tener el mundo universo, porque, no solo en sus
« arenas se halla oro muchissimo y en gran abundancia y muy fino,
« sino que tambien se hallan muchas piedras preciosas y ricas:
€ hallanse rubins los mayores y mejores que se hallan en toda la
« Africa, hallanse zafiros, esmeraldas, topacios y muy finos, y es de
f. III. « manera la riquega deste rio, que las mas piedras preciosas *que
« estan en el guardajoyas del monte Amara, como se dixo arriba,
« se an sacado deste rio. Hallanse grandes pedagos de piedras de
« granate y en tanta abundancia que se servian de ellos antigua-
« mente para piedras de silleria en los edificios de los templos,
« porque no conocian su valor y precio; pero despues que el Duque •
« de Florencia don Francisco de Medicis embio al Preste Juan
« muchos lapidarios y officiales para que labrasen piedras, les en-
« senaron el valor del granate y de otras muchas, y destos Italianos
« aprendieron los Abissinos a labrar las piedras preciosas ; y en
« especial de los granates hacen mil maneras de jarros, agiiamaniles,
c y vasos curiossissimos.
« En sus orillas ay mil suertes de arvoles hojosos y enramados
« que revisten sus riberas, agradables a la vista y en particular
« donde se hunde debaxo tierra, todo aquel espacio de mas de 30
« legfuas es la tierra la mas frutifera y abundante que tiene toda
« la Ethiopia ni aun la Africa. Acuden a esta puente muchos gen-
« tiles del reyno de Beafrix, del reyno de Zafe e de otras partes,
« por goi^ar de la frescura de los arboles y dehesas, donde hacen
« sus fiestas a la creciente de la luna, a la qual adoran. Ay grandes
« praderias para ganados, y ansi son innumerables los que en esta
« puente pasturan assi de la Ethiopia como del reyno de Borno.
« Cogense en este rio muchas perlas y de las buenas que se
« hallen en toda la India. El artificio para coger las perlas es este.
« Echan unos maderos y grandes troncos en la boca del Rio Negro
« en el Oceano que Uaman Rio Grande, y alli por cierto tempo los
« ostiones se pegan a los troncos, los quales tienen prendidos con
« sus fiadores, y assi sin peligro ni trabaxo ninguno cogen los
« ostiones y sacan las perlas ; para la qual pesca tiene el Preste
« Juan sus guardas y juntamente sirven los desta guardia para coger
« el ambar que arrojan las vallenas en el Rio Negro ».
Ate aqui sam palavras dei frey Luis de Urreta, mas casi todas a.Refutanturcom-
.. r t ^ r 1 1 menta. Flumen Ma-
quantas cosas diz sam fabulas tam labulosas que nam sei como as ^^^ ^qq habet scate-
268 HISTORIA DE ETHIOPIA
bras prope monaste- inventou quem Ihas meteo em cabe^a pera as escrever ; porque pri-
alTw- co lod vertit rneiramente o nacimento do rio Marab, a que elle chama Rio Negro,
adoccidentemetpost n^jn sam os pantanos e lagoas, que poe perto do convento de Al-
circiter 50 leucas in-
fluit in flumen Taca- leluya, que alli nam ha mais que huma lagoa muyto piquena, que
ultra dccurrit in^rcl ^® ^^^^ "^ verao ; nem o convento he de frades de s, Domingos,
gnum Dequln. que nam os ha nas terras do Preste Joam, como ja temos dito e
mostraremos no fim do 2^ livro; e ainda que o rio se sume debaixo
da terra, quando torna a sair, nam faz a lagoa que diz de 40 legoas,
nem adiante sirve de limites de toda Ethiopia, como logo, falando
de seu discurso, declararemos, e muyto menos divide depois Dambia
do reyno de Medra, porque, conforme alli fala, ja entam tem pas-
sado o rio *das terras que senhorea o Preste Joam, e entre elle e f.iii,v.
Dambia ha grandes provincias. Nem he possivel que va a entrar
no Oceano perto do Cabo Verde, porque, demais de ser cousa muyto
disparata, fica no meio o rio Nilo, que saindo do reyno de Gojam
faz seu curso, como dissemos no capitulo precedente, e passando
do Cairo entra no Mar Mediterraneo, como todos sabem e o mesmo
frey Luis diz pag. 301. E o convento da Alleluya esta no reyno de
Tigre seis dias de caminho de Arquico ou Adecono, como ca dicem,
da costa do Mar Rcxo, e do convenuto da AUeluya vai declinando
ao poente e, tendo caminhado alguns dias, entra, segundo alguns
dicem em hum rio grande, que se chama Tacace, de que logo fa-
laremos, posto que outros affirmam que nam, senam que se acaba
no reyno Dequin; mas ainda que passara adiante, era impossivel
passar ao Mar Oceano, porque forcjadamente avia de encontrar com
o Nilo.
3. Sazis tantum- Quanto ao que diz, que [he] o rio mais rico de ouro e pedras
modo dives non au- . .
rovel lapidibuspre- preciosas que deve ter o mundo, enganouse muyto, porque nam se
tiosis, immo paupcr j^cha nelle ouro nenhum, nem os rubins, zafiras, esmeraldas e to-
aquarum terras ab-
luit omnino steriles. pacios muyto finos que diz ; antes topadas muyto finas, porque nam
faltam cjlhaos que quebrem os pes dos que se descuidam ao passar
que nam he tam grande rio que nam se passe a pee ainda no in-
verno. Ja as pedras de granate que poem em tanta abundancia que
edificavam os templos com ellas, nem as ha, nem sabem que cousa
he ; nem ha memoria de que o Duque de Florencia mandase nunca
lapidarios nem outros officiaes ao Preste Joam. Tambem o que diz
que em particular, de onde entra este rio debaixo da terra ate que
sae, he terra mais frutifera e abundante que tem Ethiopia e de
grandes pastos pera os gados, he fabula como o demais, porque
LIVRO I, CAPITULO XXVII. 269
nam he senam terra esteril e de muyto pouca erva, por ser area,
posto que ha algumas arvores frescas, mas nam de fruto. Nem he
menos fabula e imaginac^am sem fundamento dicer que tirem deste
rio perolas e recolham ambre, porque nenhuma destas cousas ha
nelle, nem em outro nenhum de quantos senhorea o Preste Joam,
e quando concederamos hum absurdo e impossibilidade tam grande,
como he que saia ao Oceano perto do Cabo Verde, era impossivel
ao Preste Joam por la gente de guarda para recolher as perolas
e ambre, pollos muytos e grandes reynos e provincias incognitas e
nunca ouvidas em Ethiopia, que estam entre ella e o Cabo Verde.
Por onde, deixando estas fabulas, diremos brevemente alguma
cousa do nacimento e discurso deste rio Marab.
Tem o rio Marab sua fonte como duas legoas pera occidente 4* Scatebra flumi-
-, -11 ^ TNi_A t_ j nis MarAb ct eius de-
de huma villa, que chamam Debaroa, se a hemos de nomear como cursua exacte descri-
se escreve nos livros de Ethiopia, que muyta da gente comua nam buntur ab Auctore.
a chama senam Baroa. Aqui reside de ordinario o governador da-
quellas terras, a quem chamam Bahar Nagax, porque vem a deferir
f. 112. *e pagar dereitos alli o fato que tracem os mercadores de Ethiopia
da ilha de Macpua do Mar Roxo, onde chegam as naos da India,
que esta tres dias de caminho de Debaroa. Duas legoas pois desta
villa tem sua fonte o rio, que fui a ver, pera milhor dar re^am della ;
e esta entre duas rochas, huma afastada da outra de^aseis covados,
e de alto teram vinte. Como a agoa sae de entre ellas, vai por
huma lagem chaa 36 passos e logo cae a pique por huma rocha
da mesma pedra muyto funda, e entam, por ser na fim do verSo,
era tam pouca agoa, que depois que caia em baixo, corria muyto
pouco espago sem se secar, e disseramme que os mais dos annos faz
assi naquelle tempo, mas, quando corre, vai dereita a oriente, e
deixando Debaroa a mao dereita muyto perto Ihe entra alli huma
ribeira arra^oada e vai dando volta pera o sul. Depois se Ihe chegam
outras ribeiras, mas sempre vai passando com nome de Marab, e
volta a roda de huma provincia que chamam Zaraoe, que Ihe fica
a mao dereita, e a izquerda outra que se chama Zama e outra Guela;
logo se continuam as terras de Tigre Mohon, A^a, Harice, Torat, que
sam grandes provincias, e com tudo isso he tal Zaraoe, que ella so fica
correndo da vanda dereita do rio em quanto as outras se continuam
a izquerda; e aos tres dias de caminho ja declina pera o norte e
chega ao mosteiro da Alleluya, que Ihe fica a mao izquerda em hum
alto monte como hum tiro de espingarda, e de huma e outra vanda
2 70 HISTORIA DE ETHIOPIA
do monte Ihe vam duas ribeiras piquenas, e faz seu caminho por
entre grandes serras de basto monte ; e em quanto eu pude alcan^ar
com a vista do alto do mosteiro, nam vim se nam cousa muyto pouca
lavrada; e passando dalli algumeis legoas, entra debaixo da terra
e vai a sair trece dias de caminho, e alli chamam ao rio Taca,
que quer dicer agoa espalhada.
5. Quid rctulerit Toda esta terra, que serve de ponte ao rio, dicem que he esteril,
Auctorijoam Gabri- •Jii ij. 'j. ^ -n ^. t
el circa flumen Ma- P^^ ^^^ ^ mais della area solta ; e o capitam dos Portugneses Joam
^^^' Gabriel me affirmo que caminhara por ella tres dias em companhia
de hum Vissorrey de Tigre. que se chamava Azmach Dargot, e que
achavam muyto pouca herva, mas que avia arvores frescas, com
cuja sombra folgavam muyto poUa grande calma que alli facia, e que
pera beber cavavam na area oito palmos de fundo e as veces 12 e
achavam muyta agoa, que corria e peixe que tiraram com a[n]zol,
e elle comeo dous grandes. Os moradores daquella terra sam gentios
e obedecem ao Emperador, posto que mal. *Pouco mais adiante f.ii2,v.
come^a hum grande reyno, que se chama Deguin : he de mouros
muyto pretos, a que chamam Balous e nam obedecem ao Preste
Joam, mas correm com amjzade e tracemlhe muytos e fermosos
cavallos a vender e alguns Ihe presentam ; porem nam duram muyto,
por certa doen^a que Ihes da em esta terra.
6. Cur in regno Em este reyno Dequin rega o rio muytas terras, que logo como
Dequln mutet nomen jji.'Ji. j'"j tt _^
et ulterius non pro- ^^® "® debaixo da terra, dividem os mouros a ago[aJ por muytas
grediatur. partes ; e por isso se chama Taca, scilicet agoa espalhada ; e dis-
seramme os moradores de la que todas as terras que rega sao as
mais frescas, as mais fertiles e fermosa[s] que ha em Ethiopia.
Alguns christaos dicem que, depois que rega aquellas terras, se vai
a juntar com hum rio grande, que chamam Tacace, que depois entra
no Nilo ; mas os mouros daquella terra me affirmaram que nam passa
de seu reyno Dequin, senam que toda sua agoa se gasta em aquellas
terras que rega e ainda nam basta, porque se some na area algumas
dez legoas antes de chegar ao fim do reyno.
7. FlumenTaca^ft Ja que ficemos menc^am de Tacace, que he rio muyto mayor
e tribus scatebris ori- •\jr ^-l. • j. -j^j^
tur in loco dicto Ax- ^^^ comparagam que Marab, e eu o passei muytas veces, mdo de
guaguAregniAng6t; Dambia a Tigre e tornando, que nam se pode ir de hum destes
decurrit primo occi-
dentem versus ha- reynos a outro sem se passar, sera bem dicer brevemente alguma
canA et^Ote"ad ^e^ ^^^^^ delle. Tem suas fontes muyto perto dos limites do reyno de
ptentrionem, EbenAt Angot, em huma terra que se chama Axguagna, ao pe de hum alto
et QuinfAz ad meri- ,, /- 1, ,
diem; inde flectit ad nionte que Ihes fica a oriente, e sam tres olhos gjandes que saem
LIVRO I, CAPITULO XXVII. 27 1
do fundo con muyta furia como fervendo, hum afastado de outro septentrioncm me-
. j- ^. j j .^^j dius inter Bargal€ et
como 20 passos, e pouco mais de num tiro de pedra se juntam todos cemftn et inter Ti-
tres e facem cfrande ribeira, correndo pera occidente por alcTuns dias ^frft et ZalAmt cum
*^ ^ ^ r- o deserto AldubA. Est
entre as provincias Dacana e Oag da vanda do norte, e Ebenat e valde dives aquarum
Quinfaz da vanda do sul, e depois com muytas voltas vai declinando ti^J^^quia^requent^^^
pera o norte, deixando a mao dereita a provincia de Bargale, e a crocodili.
izquerda a de Cemen, que he de serranias as mais altas e asperas
que casi ha em quantas terras senhorea o Preste Joam e por estremo
frias. Passando adiante correndo ja dereito ao norte, deixa a mao
dereita a provincia de Tamben, a de Adet e de Zana do reyno de
Tigre, e a izquerda Zalamt, que he muyto grande. Por aqui o passei
eu a vao no verao com muyto grande trabalho, porque traz muyta
agoa e nam espraya muyto; e prosiguindo assi seu curso pera o
norte, deixa a mao dereita a provincia de Sirei do reyno de Tigre»
e a izquerda o deserto de Alduba, que he hum mosteiro de frades,
a quem concederam os Emperadores que casi em tres dias de ca-
minho indo a Dambia e pera occidente muyto mais, nam se povoase,
porque folgam de estar solitarios, pera con mais commodidade se
darem a ora^am e facer suas penitencias. Ate aqui vem este rio por
entre serras muyto altas e montuosas, e por esta parte, ainda que
tambem o sam, tem bom passo no verao, porque espraya, e assi
f. 113. poUo mais *fundo do vao nam chega a agoa mais que a cinta. He
muyto clara, mas no principio do inverno que se come^a a enturbar,
se passa com perigo, por causa dos lagartos que ha, que mordem
a gente e aos animaes, e ainda alg^mas veces os levam, e assi
naquelle tempo nam passam sem ir batendo na agoa com paos, e
no inverno de nenhuma maneira se pode passar senam com certo
modo de xangada [sic] que facem.
Nam tem em toda sua ribeira arvores de fruto, mais que 8. Prope eius ripas
- ^ . 1 . j ^ 1 .. T^ arbores fructiferae
alguns tamarmheiros e nem destes se sabem aproveitar. Fouco nuUae: piscesmulti.
mais adiante Ihe fica a mao izquerda huma provincia, que chamam Influit in Nilum pro-
pe Berbftr.
Oalcaoit, e passando della dicem que vai por terras muyto quentes
ate entrar no rio Nilo, segundo me disseram alguns grandes diante
do Emperador, e facendo eu dificultad, por me parecer que seu
curso era muy diferente do do Nilo, disse o Emperador que nam avia
duvida, que era cousa muyto sabida; e depois os moradores de
huma terra, que se chama Berber me affirmaram que perto de seu
lugar se juntava com o Nilo. He rio de muyto peixe e muyto bom
e dicem quc tambem ha cavallos marinhos.
W
CAPITULO XXVIIL
£m que se trata dos rios Zebt e Haollx.
Entre outros muytos rios, que ha em as terras que senhorea o x. Flumen Zebfc
Preste Joam, muy caudalosos e de grande 'nome, depois do Nilo (a regniNareA:fluitpri-
quem, como ja dissemos, chamam Abaoi) sam Zebe, de que dicem ^^ occidentem ver-
8U8, dem ad aepten-
alguns em Ethiopia que ainda he maior que o Nilo, com o nam trioncm, cixcumien^
ser, e Haoax, que tambem affirmam compete muyto em grandeija ^f^jj^i^nde ad^mcri-
COm elle. dieni abluitque ter-
raa CoratA. Variae
Tem Zebe seu nacimento em huma terra que chamam Boxa do apud Aethiopea opi-
reyno de Narea, que sam as ultimas terras que pera a vanda do ^/^^^^ ^® ^*^^ "^*f-
•^ ' ^ ^ r- non decursu et in
sul senhorea o Preste Joam ; e comcQando seu curso pera occidente, oceanam effluxu.
dalli a pouco torna pera o norte e vay dando volta a hum reyno pi-
queno que chamam Zenyero, que quer dicer « bugio », e assi se mostra
aquelle rey aos seus como bugio, porque tem feito perto de sua
casa hum motecinho de terra alto a modo de torrecinha e em cima
esta huma tenda com alcatifas dentro, onde elle so sobe por detras
sem ser visto, e como aparece acima, todos os que estam embaixo
a vista se prcstram no cham ate chegar a fronte a terra e logo a
beixam e alevantandose facem outras ceremonias que referiremos
no 4 livro, quando tratarmos da viagem que o p. Antonio Fer-
nandes de nossa Companhia fez por aquelle reyno, a que Zebe vai
dando volta, de maneira que Ihe fica muyto pouco pera facer ilha ;
C. Becjari. Rer, Aeih, Scripi, occ, ined, — II. 35
2 74 HISTORIA DE ETHIOPIA
e como se afasta delle, torna pera o sul e entra por huma terra,
que chamam Corata e dicem que, depois nam muytos dias de ca-
minho, vai a desembarcar no Mar Oceano, e alguns tem pera si que
sae em Momba^a, ou *perto na costa de Melinde; e hum homem f.ii3,v.
de huma terra vecinha ao reyno de Zenyero affirmou que hum seu
criado fora, pouco tempo ha, por perto deste rio ate chegar a huns
homens brancos que tinham fortale^a a longo do mar, e que seus
livros tinhao as folhas por fora douradas, e outros vermelhas, e
nam pode ser Mogambique, porque disse que caminhara poucos dias,
e Mo^ambique esta muyto longe daquella terra e ha no meio, se-
gundo dicem, tantos desertos e gentes tam incognitas, que nam so
nam tem comercio com Mo^ambique, mas parece que nem o podem
ter, ainda que queram. Outros dicem que o rio que v^ai a sair a
Momba^a nam he.Zebe, senam outro nam inferior a elle.
a. Flumen Haolbc O 2° rio de grande fama em Ethiopia depois de Zebe he Haoax,
scaturit ad pedem , ju i. u/-i^^^
montis Gecualli qui ^ sae do pc de hum monte, que se chama Cjecuala e esta entre o
dividit regna Fata- j-eyno de Fatagar e o de Oye pera o sul, e o reyno de Xaoa pera
g4r et Oye a regno ^ n • r ^ j n-
XAoa cuius terras ^ norte, e casi pera elle vai lacendo seu curso, e dalh a pcuco se
abluit, donec ingre- jj^^ ajunta outro rio que se chama Machi e sae de huma lacfoa a
diatur provinciam "^ *
Au^Agural* regni A- que chamam Zoai no reyno de Oye, e depois entrando por Auga-
nat' fcrtilitetc.^* °" g^rale, provincia do reyno de Adel, que he de mouros, rega todas
aquellas terras e outras muytas do mesmo reyno, onde chove muyto
pouco ou nada, e assi com muyta diligencia repartem a agoa do
rio pera regar todas as que pode alcan^ar e as faz muyto fertiles;
mas nam achei quem me dissese de certo se se acavava alli, ou pas-
sava ao mar, posto que muytos tem pera si que passa.
3. Somnia Urretae Frey Luis de Urreta no cap. 30 de seu 1° livro trata tambem
erAqui?onda. *^" ^e dous grandes rios que diz ha em Ethiopia, a que ella chama os
rios Zayre e Aquilonda, e affirma que saem da mesma lagoa que
o rio Nilo. E comecando pollo Zayre. diz estas palavTas:
« Su corriente es corta comparado com el Nilo, porque solo
« riega dos reynos: el uno el de Gojame en la Ethiopia al oriente,
« y entrando en el reyno de Congo al poniente, le atraviesa corriendo
« por el por espacio del 125 leguas, y aunque es de tan corta cor-
« rida, con todo es muy caudaloso y de hondura profundissima, de
« muy ancha y estendida tabla, de tal suerte que pueden por el
« navegar naves gruesas de alto bordo; solo ay un inconveniente
« que en cierto passo ay unos escolhos y pefiascos, por donde se
« va desgargantando el rio, de tal suerte que impiden la navegacion
LIVRO I, CAPITULO XXVIII. 275
€ y que no puedan subir naves del mar* a la laguna, ni baxar della
« al mar. Pero el Preste Juan, que vive agora, con muchos oflficiales
« y gente anda quitando los arrecifes del rio y con algunos inge-
« nieros, que para este fin le ha embiado el Duque de Florencia,
« para hacer la navegacion facil, que salido con esto, pueden las
« naves, saliendo de la laguna y de la ciudad de Zambra corte del
« Preste Juan, que esta en sus orillas, entrando por el rio y desembo-
« cando en el Oceano, venir hasta Lisboa y Sevilla sin entrar en
« otro seiiorio si no es el del rey don Phelippe 3*^, de suerte que
f. 114. « *entrambos Reyes pueden comunicarse por sus proprias terras ».
« De la misma laguna Gafates salen otros dos rios, mas arriba
« del Zayre acia el polo antartico; el uno llamado Prata obra de
« 30 legTias del rio Zayre. y a las 16 leguas del rio Prata nace de la
« propria laguna el rio famoso Aquilonda. Su corriente es de le-
« vante a poniente en el reyno de Malemba en la Ethiopia y cor-
« ren por ella obra de 55 leguas y entrambos descargan sus aguas
« en el gran lago Aquilonda, tomando el nombre del rio.
« Todos estos rios crecem de la suerte que crece el Nilo en
« los mismos tiempos, porque, como todos tengan su origen y ma-
« nantial de la laguna Gafates, quando elia crece por los vientos
« del Oceano, que es la ra^on dicha, es averiguado que han de
« crecer ellos ».
Ate aqui sam palavras de frey Luis de Urreta, todas bem dif- 4* Ex dictis refu-
ferentes do que na verdade passa, porque em quantas terras sen-
horea o Preste Joam nam ha taes nomens de rios Zayre e Aquilonda,
nem Prata, nem tal lagoa Gafates, nem da lagoa, por onde passa
o Nilo, sae outro rio nenhum, como dissemos no cap. 26; nem estes
rios, ainda que os ouvera, creceram por crecer a lagoa com os ven-
tos do Mar Oceano, como tambem elle disse pag. 305, onde tratou
isto difusamente; porque isso he fabula, nem crecem os rios de
Ethiopia de junho ate a fim de setembro, pouco mais ou menos,
senam porque naquelle tempo he inverno e chove muyto, como ja
dissemos. Tambem parece que faz ao reyno de Gojam contigno com
o de Congo, porque diz que o rio Zayre rega sos dous reynos, o
de Gojam em Ethiopia a oriente, e o do Congo ao poente. Mas he
muyto fora de caminho, porque, demais de aver tantos reynos y
provincias entre hum e outro, se cUe saira de Gojam, impossivel
fora deixar de entrar no Nilo, porque este, como ja dissemos, da
volta a Gojam, sem Ihe ficar mais que hum pouco ao poente, e o
276 HISTORIA DE ETHIOPIA
rio Tacace, de quem tambem acima falamos, com ficar de Gojam
pera a vanda do norte seis ou 8 dias de caminho, vai a entrar no
Nilo muyto abaixo no reyno de Dequin.
Tambem he mera ficcjam que o Preste Joam, que vivia quando elle
escrevia isto, que, como elle diz em outra parte, era no anno de 608,
andava ocupado em tirar as rochas do meio do rio Zayre com muy-
tos officiaes e algxms engenheiros que Ihe mandara pera este fim
o Duquc de Florencia; porque eu entrei em Ethiopia em mayo de
603 e casi de ordinario estive com tres Emperadores, que ate o
anno de 608 ouve e sei mu)rto bem que naquelle tempo nam ouve
tdl cousa; nem elles puderam ocuparse em isso, ainda que quise-
ram, porque tudo ate entam ardeo em guerras e alevantamentos e
dous destes Emperadores mataram em batalha os mesmos ale-
vantados, e o Emperador, que entrou no imperio o anno de 1607,
que agora vive e se chama Seltan Qagued, *tambem teve ate oje f.ii4»v.
muytas guerras e alevantamentos, que Ihe derao tanto trabalho, que
tinha mais necessidade de cuidar como se avia de defender que de
se ocupar em tirar as rochos do rio ; nem elle sabe de taes rochas,
nem ouvio falar ate agora nellas; e eu preguntei a homens gran-
de|s] perto de 70 annos, que sempre andaram na corte, e me dis-
seram que nunca ouviram falar em taes rochas, nem que o Duque
de Florencia mandase officiaes, e quando tudo isto fora certo, nao
o era que as naos podiam ir da corte do Preste Joam ate Lisboa
e Sevilha, sem entrar em outro senhorio mais que o seu e o del
rey dom Phelippe 3^, porque entre o Mar Oceano e as terras, que
senhorea o Preste Joam, ha muytas que nam Ihe obedecem nem
Ihe obedeceram nunca.
CAPITULO XXIX.
Em que se trata das principaes lagoas
que ha em Ethiopia.
Sam tantas as lagoas que ha em as terras que senhorea o Em- i. Dc lacubus Ac-
perador de Ethiopia, que fora cousa muyto cumprida e pode ser iJ^^Zoid^ ^i^nve-
que molesta ao leitor falarmos de todas ellas; pollo que nam no- nitur in regno Oys
1 j . j'j ••1 ct7 leucas distat a
mearei mais que algumas das maiores, deixando a prmcipal pera ^^^ ^^^^. circuitus
o ultimo lugar, por ter cousas mais particulares, de que sera bem i^abct xo leucamm;
. . rr 1 rr A . ^^ ^'^8 mcdio cst iu-
tratar. E a pnmeira que se offerece he a que chamam Zoai, e esta sula parva, ibique
no reyno de Oye como seis ou 7 legoas de Zef bar, onde o em- ^°^ fl*^jien Ma^^^
perador Atanaf Qagued teve sua corte 15 annos. Corre esta lagoa Propchuncaliuapar-
vus lacus ^Cacalft
de norte a sul, tanto que pera Ihe dar volta dicem que he neces-
sario casi hum dia enteiro caminhando a bom passo, e he casi tam
larga como cumprida. Tem no meio huma ilha piquena e nella
hum mosteiro, em que estam alguns frades, que nam Ihes falta peixe,
porque o ha alli em abundancia. Pera a vanda do norte sae della
hum rio, que se chama Mache, e dalli a pouco entra no grande rio
Ilaoax, como dissemos no capitulo precedente; e algumas tres le-
goas desta lagoa no mesmo rcyno esta outra, que se chama Xacala,
a que se podera dar volta em pouco mais de meio dia, e he muyto
mais cumprida que larga.
278 HISTORIA DE ETHIOPIA
a. De lacu HAic Em o reyno de Angot perto do reyno de Amhara esta outra
m regno g . lagoa, que chamam Haic e poderam dar volta aroda em meio dia ou
menos. Tem huma ilha em que esta hum mosteiro e alguns frades e
a igreja he de s. Estevam. Bem sei que Francisco Alvares, em sua
Historia Ethiopica fol. 80, poe esta lagoa no reyno de Amhara;
mas enganouse, por estar menos de huma legoa dos limites de
Amhara, como me affirmou gente, que esteve muyto tempo la, e o
emperador Seltan Qagued.
3. Praecipuus la- A principal lagoa de quanta.s ha em Ethiopia esta entre o reyno
cus est Dambi& Ba- j/-^»a 1 jt^-l»-- x i_ -r\i_"^
hAr. Habet 25 leucaa ^^ Cjojam ao sul e o de Dambia ao norte, a que chamam Dambia
longitudinis,etx6la- Bahar, que quer dicer « mar de Dambia ». *Corre de norueste pera f. 115.
titudinis. Planities
quaecircumstantval- sueste, se hemos de falar como os mareantes, e tera de cumprido,
Seltln^agrd^ho^^^^ ^^ ^^ ^^^ P^^ ^^ pray[a], 25 legoas ou mais, e de largo 16, pouco
arboribus fructiferis mais ou menos, segundo me pareceo em tres veces que Ihe dei
omnigenis consitus, ...
prope lacum. volta aroda, e outras muytas que passei casi de ponta a ponta
polla vanda de Dambia, por onde tem grandes sementeiras que he
terra muyto chaa e se puderam facer ortas de muyta recrea^am,
se a gente fora curiosa, mas nam se dam a isso; so este Empe-
rador come^ou huma, em que plantou figueiras das de Portugal e
da India, papayas, parreyras, pesigueiros, romeiras e muytas ar-
vores de espinho, e se dam muyto bem, e tira agoa com nora, que
parece he a primeira que se vio em esta terra de Ethiopia, ao me-
nos os que agora vivem nam ouviram que a ouvese. Pola vanda
do reyno de Gojam tambem ha a longo desta lagoa muyto fermosas
terras, que se semeam, mas nam tantas como em Dambia, porque
em partes ha matos de cedros sylvestres e outras sortes de arvores
muyto altas, que nam ha em Espanha.
4. Multae in me- Tem esta lagoa muytas ilhas com grande arvoredo, humas de-
dio lacu insulae val- , , , •i.ujni. j. *
de fertiles- ex hisai sertas e outras povoadas, e em vmte e huma dellas ha mosteiros
habcnt monasteria. ^om muvtos frades. As principaes, comecjando polla parte de oc-
Praecipuae sxint Ga- " ^ ^ >v
lilA, Dec, RemA, Que- cidente, se chamam Galila : esta fica de fronte de huma peneinsula
brftn et Debra An- ^^1^^^ ^ espa^osa, onde (como ja dissemos no cap ) o emperador
Seltan Qagued fez huma cidade, onde pus sua corte, ainda que de-
pois a mudou pera outra terra, que chamam Dencaz, pouco mais
de hum dia de caminho. Estara a ilha da praya de Dambia legoa
e meia ou mais. Outra se chama Dec e he muyto mais chaa que as
outras, e tam grande que me affirmou o governador della que la-
vravam dentro cuatro centas juntas de bois. Aqui acostuma o Em-
perador a meter alguns homens grandes dos que manda prerder,
LIVRO I, CAPITULO XXIX. 279
quando quer que estejam mais seguros. Esta ilha tem duas igrejas,
e esta mais pera o reyno de Gojam que ao de Dambia. Perto de-
sta esta outra mais piquena e muyto alta, que se chama Rema, com
hum celebre mosteiro, onde de alguns annos a esta parte se enter-
ram os Emperadores ; perto desta esta outra grande, que se chama
Qaana com mosteiro e boa igreja, segundo dicem. Mais adiante esta
outra alta, a que chamam Quebran com muytos frades, e aqui nam
deixam entrar molheres de nenhuma maneira.
Como tres quartos de legoa desta ha outra tambem alta, que
se chama Debra Antonz, onde estam frades e freiras. Em esta en-
trei eu, e he tam forte que cuatro homens bastaram pera defender
f.ii5,v. a entrada a muyto ^grande forc^a de gente se nam levar espingar-
das. As demais ilhas nam sam de tanto nome, e por isso nam fa^o
mengam dellas.
As barcas, em que os frades passam de humas ilhas a outras 5. Describuntur
^ n j ^ j j • parvae cymbae qui-
e vem a terra nrme e de que usam todos os demais, sam, como ^^^ utuntur maxime
acima dissemos, de huma palha a maneira de junco, que ha em monachiutdeunain
aliam insulam trana-
abundancia em algumas partes a longo da mesma lagoa e, com ser mittant. Abunae an-
muyto grossa, fica muyto leve depois de seca ; e pera facerem estas ^,J|^*fn.^^r^nda
barcas tomam hum pao pouco mais grosso quc huma perna e da navi maiori; ipse
naufragium fecit et
cumpridam que querem a barca, que ordinariamente he curta e vitam nando serva-
estreita, mas com seu modo de popa e proa, e sobre elle a fun-
dam, amarrando aquellas palhas de huma e outra vanda, nam com
cordas senam com huma cousa que sove pollas arvores como edra,
mas muyto delgada e forte, e com se facer muyto cumprida, fica
sempre uniforme como corda. Depois metem dentro muytas da-
quellas palhas juntas bem amarradas, e sobre ellas poem a carga
e se asenta a gente. Nam tem vela nem os remos sam como os
nossos, senam humas varas delgadas e cumpridas, e tomandoas pollo
meio, vam dando com as pontas na agoa de huma e outra vanda.
Xam soffrem grandes mares, nem que a gente carregue muyto pera
huma vanda, porque facilmente se biram, mas nam se vam ao fundo
e assi quem souber nadar pode logo subir em cima. Com tudo, ainda
que seu Patriarcha sabia bem nadar, arreceou tanto estas embar-
cagoes que pera entrar em hua sua ilha, mandou facer hum batel
como de nao o anno de 613; mas, por ser a madeira pesada e bo-
tarle demasiada carga, se foi ao fundo, indo elle dentro, e saio a
nado ainda com outra pessoa as costas, com estar longe da terra,
mas milhor Ihe fora afogarse que ser depois, como foi, causa de
vit.
2 8o HISTORIA DE ETHIOPIA
muytas mortes e acabar as lan^adas a ii de maio de 617, como di-
remos no 2® livro.
6. Lacus abundat Em esta lagoa ha muyto grande abundancia de peixe de dif-
scibus esui optimis" f^^entes sortes, assi do que tem escama como do que nam, e deste
Eonim duac species ^a hua feicam Que se parece muyto com cacam, excepto na cabeca,
monbusommnosiii-
gularibus, ab Aucto- que a tem grande e fea como de sapo, e no inverno, quando a la-
escn untur. ^^^ ^^^^ cheia o dia que chove muyto, sae tanto polas terras que
estam a longo da praya (que por algumas partes se cobrem de agoa
hum pedac^o) que ate com paos matam muytos, e naquelle tempo
he sabroso, por que esta gordo. Ha outra sorte de peixe com escama
do tamanho de hum besugo ou pouco mais, e de boca grande que
como desouva anda sempre alli ate que saem os filhos e depois os
acompanha, e como sente alguma cousa de medo, abre a boca e logo
entram a porfia quantos podem, e ella fecha a boca e foge com elles,
e como se torna a asegurar, a abre e os larga. Huma vez, estando
eu a longo da praya pera a vanda de occidente, onde o Empera-
dor nos tem dado terras, lan^ou hum pescador *sua rede e entre f. 116.
outros tirou hum destes e, abrindo a boca diante de mi, sairam bu-
lindo seis pexinhos e, parecendome que os tinha tomado pera co-
mer, disse ao pescador : Antes que acabasse de engulir a pressa, o
tomastGs. Respondeo elle, que nam os metera na boca pera les fa-
cer mal, senam pera os guardar, porque eram seus filhos e con-
toume o que agora referi, e tomou a botar na agoa os pexinhos.
Tambem depois me afiirmaram outros que era cousa muyta certa e
sabida.
7. De Hippopota- A cousa mais fera e monstruosa que [ha] em esta lagoa he hum
mis aethiopice Gu- ., ^j^ vi-AT^^
maris dictis. Gra- animal, a quc a gente da terra chama Gumari e os Portugueses, que
phice describuntur. vieram com dom ChristovSo da Gama, chamavam cavallo marinho,
e parece que o sera, conforme ao que ouvi dicer na India aos que
viram cavallos marinhos. He animal quadrupedo e tam grande como
huma vaca, mas os pes sam muyto curtos e em cada hum tem cua-
tro unhas, as duas de diante sam grandes e cumpridas, outra mais
piquena e a outra ainda menor, e nam estam unidas senam afasta-
das. He largo de corpo e nam muyto cumprido ; tem orelhas cur-
tas como cavallo e o fucinho rombo ; dous dentes de cima sam de
alguns 4 dedos de grosso e de palmo e meio de cumprido, pouco
mais ou menos, e arcados como de porco do mato. Alguns dos pi-
quenos medi e tinham oito dedos de cumprido e casi tres de grosso.
Quando abre a boca mostra que sera de tres palmos ou mais, e seu
LIVRO I, CAPITULO XXIX. 281
rincho se parece alguma cousa com o de cavallo ; o coUo he curto
e nam o dobra bem; tem cavello muyto rallo e como de porco, e
o cabo he muyro curto com algumas cerdas na ponta e pelle tam
branda que com qualquer frecha ou azagaya que tiram a passam,
com ser muyto grossa, mas como se seca, com dificultad a passara
espingarda. Sua gordura se parece com a de tocinho e a a carne
com a de vaca.
Destes animais ha muytos em esta lagoa e de dia estam den- 8. Multi sunt ad
j. Ji ^ *j. r j ripas lacus Dambift,
tro da agoa e de noite saem a comer ao campo e facem grande ^^ damna infemnt
dano em as sementeiras, se nam as cercam, mas com quaesquer pedras messibus. Eorum-
dem mores.
que ponham de dous palmos de alto nao entram, por terem as per-
nas muyto curtas. Tambem, se facem fogo na borda das sementeircis,
nam chegam. Andam dez e 12 juntos e estam de ordinario perto
da praya, onde nam ha muyta agoa, que longe ao fundo raramente
vam, e ao lugar onde huns tem seu asento, que sempre he onde acham
chao, pera poder sair a comer, nam chegam os que sam de outra
companhia, so pena de terem muyto grandes brigas. Ainda que
estejam muytos juntos, dicem que nam ha entre elles mais que hum
macho, e ainda aflSrmam cs que os ca^am que, quando alguma da-
quellas femias pare macho, foge logo muyto longe com elle, por-
que se nam seu pae o mata, e estam la amos ate que o filho he
f.ii6,v. grande e entam a may o morde *e briga com elle pera provar se
tem for^a bastante pera pelejar com seu pay, e como Ihe parece
que pode, o leva ao lugar de onde fugio, e logo o pay aremete ao
filho e, se nam o mata senam que fica vencido, foge a outra parte
onde espera ate que se sente com mais corpo e for^as, e entam torna
a brigar com seu pay e porfia tantas veces ate que huma o mata
ou o vence e faz fugir daquelle lugar, com o que fica senhor da-
quella companhia e de sua mesma may; mas quando pare femia,
nam se afasta a may, nem o pay Ihe faz mal, antes a guarda com
tam grande amor, que se passa por perto alguma gente, ainda que
seia em as embarcac^oes que acima disse, aremete como hum liam
e pondo as maos sobre a embarca^am, a bira e faz em peda^os com
os dentes a quantos acha; e ainda que nam tenhao filhos, sam tam
bravos, particularmeute no inverno que estam gordos, que arreme-
tem como toros; e eu conhe^o hum pescador, a quem Ihe cortou
huma perna com os dentes, indo em sua embarca^am, e escapou com
grande trabalho ; e pouco ha que morreo hum Portugues que, che-
gando perto da agoa, onde estava hum destes Gumaris, saio com
C. Beccari. K^r. Ae/A, Scripi, occ» ined, — II. 36
282 HISTORIA DE ETHIOPIA
tanta furia que, sem se poder afastar o Portugues, o alcangou por
hum bra^o com os dentes e Iho fez em pedagos, e com a pancada
que Ihe deo com o fucinho o botou muyto longe e, se nam Ihe acu-
diram outros com muyta pressa, o ficera em peda^os.
g.Deridentursom- Esta lagoa, como tenho dito, he a mayor que ha em quantas
xiia Urretae de lacu- , vt^^th ^r
bus Aethiopiae. terras senhorea o Preste Joam; pollo que se enganou muyto frey
Luis de Urreta em por no reyno de Gojam, como diz pag. 298 de
seu i*^ livro, huma lagoa, que de norte a sul tem perto de 100 e
cinquenta legoas e de largo mais de 80. Tambem na pag. 322 diz
que nos confins de Ethiopia ha outra lagoa, a que chamao Aqui-
londa, que de norte a sul tem 35 legoas e 20 de oriente a poente.
Mas nam ha ca tal nomem de lagoa, nem quem saiba que aja outra
tam grande como esta de Dambia. Sobre ella vi decer muytas ve-
ces das nubes mangas como redemoinho e alevantavam tanta agoa
ate lacima e com tanta furia que, se nam o vira, nam o pudera
crer, e dicem que, quando acha alguma embarca^am com gente, a
suberte sem se poder salvar ninguem ; o que tenho por cousa muyto
certa, por ser tam grande sua furia e a destrui^am que vi facer em
as casas da corte a huma que, saindo da lagoa, passou por huma
ilharga.
CAPITULO XXX.
Em que se trata das rendas e tributos
que pagam ao Preste Joam seus vassallos.
Pois temos ja visto quam grande seja a fertilitade das terras, x. Annua tributa
, T»xT u.^jj •• • 1 Impcratoris sunt: e
que senhorea o Preste Joam, e tratado dos prmcipaes rios e lagoas yegno NareA cnicia-
que a^ facem mais insiinies, sera bem dicer a&fora alfifuma cousa toram aureoram 15
^ 6 » 6 6 miUia; e regno Qo-
das rendas e tributos que Ihe pagam seus vassallos cada anno. £ j&m zxmilliaetquin-
comeQando poUo ouro do reyno de Narea, onde se acha mais que f? mUHa^^etwxceml;
em outra nenhuma de suas terras, Ihe vem cada anno peso de «« al"« partibua 4
f. 117. quince mil crugados de muyto bom ouro. *Primeiro Ihe pagavam
trinta mil, e huma vez, segundo dicem, Ihe mandaram cinquenta
mil. Mas agora, com as continuas gfuerras, que aquelle reyno tem
com huns gentios que chamam Galas, esta tam quebrado que nam
Ihe obriga o Emperador a dar mais. O reyno de Gojam paga once
mil e quinhentos cru^ados, mas o ouro nam he tam fino como o de
Narea. Em outras partes tambem se tirava ouro, mas pouco, e pa-
gavam alguma renda delle: estam ja porem tam destruidas dos
Galas que nam podem pagar nada.
Pollos mandos que o Emperador da, como de Vissorreys e go-
vernadores, tambem Ihe dam algum ouro, cavallos, mulas, pepas de
seda e outras cousas. O Vissorrey de Begmeder da cuatro mil cru-
gados em ouro, e o do reyno de Tigre deo pouco ha cinco mil,
284 HISTORIA DE ETHIOPIA
Bahar Nagax cinco mil, Sirei Xum cuatro mil, Xum Tamben cua-
tro mil, Abargale tres mil, Xum Xahart mil, Amba<^anet dous mil,
Emderta trecentos, Agamia mil, Zama trecentos. Todas estas sam
terras do reyno de Tigre, por onde deste reyno se tiram ordinaria-
mente 25600 cru^ados; Qagade mil crugados, Dambia Cantiba mil,
Bed Xum mil, Cola Xum mil, Alafa Xum mil. Isto he o ordinario,
mas humas veces dam mais, outras menos, e as veces perdoa o Em-
perador muyto de aquello que Ihe prometem, e quando da estes
mandos a seus jenrros, nam Ihes toma nada.
a. Praeterea quod- Demais deste ouro que pagam as terras deonde se tira e os
libet regnuxn solvit - - j ^ t^ j ^ j
tributa gossypii, senhores a quem se dam mandos, tem o Emperador outras rendas
mellis, mulorum, e- ^q pannos de algodam, mel, mantega de vacas, mantimentos, e estas
quorum etc. Quomo- j. o o
do de istis disponc- sam certas e determinadas as que ha de pagar cada reyno. O de
ret e ag . Gojam da cada anno, segundo me disse Eraz Cela Christos irmao
do Emperador, que agora he vissorrey de la, tres mil pannos de al-
godam, que ordinariamente val cada hum hum crugado; mas poucos
destes chegam a mao do Emperador, porque muytas veces os deixa
aos senhores a quem tem dadas por comedia muytas daquellas
terras; que muyto poucas das do imperio sam proprias dos parti-
culares, senam do Emperador, e assi as tira a huns e da a outros
todas as veces que quer. Paga tambem docentos pannos de algo-
dam de outra laya, que chamam Bezet: estes sam mu^^to largos
e nam muyto cumpridos, felpudos e bem tapados e usam delles os
senhores em suas camas em lugar de colchoes, porque sam bran-
dos e quentes, e alguns sam tam bons que val cada hum dez cru-
(jados. Mel paga muyto pouco, porque nam tem este tributo mais
que so huma provincia daquelle reyno, e esta da quinhentos caloes,
que tera cada hum pouco menos da medida que em Castella cha-
mam arroba. Mantimento nam paga nenhum, pollo perdoar este Vis-
sorrey e ordenar com beneplacito do Emperador que nam se pa-
gase mais, com ser valia de dezmil e setecentos cru^ados. Tambem
pagava primeiro muytas mulas *e, segundo dicem, tresmil cavallos, f.ii7,v
que, ainda que sam piquenos como quartagos, corrcm bem e sofFrem
muyto trabalho. Esta renda [h]a ja annos que deixou o emperador
Malac Qagued, pera que com aquelles mesmos cavallos pelejase a
gente da terra com os Galas, que vem alli muytas veces.
Tambem a quem davam o mando de Bahar Xagax no reyno
de Tigre, pagava primeiro cento e cinquenta cavallos muyto mi-
Ihores que os de Gojam, e agora nam da mais que 40. Outros se-
i^-
LIVRO I. CAPITULO XXX. 285
nhores daquelle reyno tambem pagavam cavallos e ja dam muyto
poucos.
Em os outros reynos nam pagam tantos pannos, porque alg^ns 3. ViUici omnes
•11 j X* -L 1 ^ i-» j '11* j solvunt quotannis
villoes dam mantimento e mel e outros pannos. Cada villao dos que imperatori tributum
nam pagam pannos da certa quantia de mantimento, que chamam ^^^ vocatur Cold:
et dominis quintam
C0I6 do Emperador, que quer dicer r torrado », pera mostrar que partem omnium fni-
nam he mais que hum reconhecimento e cousa tam pouca, que nam ^"^^^^^«1^8^^
merece nome mais que de torrado, mas toda via cuatro hanegas d^as gaUinas.
de Castella ou pouco menos ; e a esta quantia chamam elles Hand-
chan huma carga, e como sam tantos os villoes que com diffi-
cultad se podem contar, vem a ser esta renda huma cousa muyto
grande.
Demais disto paga o villao a renda das terras que lavra, ainda
que isto nam he geral, porque em algumas partes em lugar disso
dam pannos. Esta renda era antiguamente a terceira parte do que
recolhiam das terras ; mas depois, porque os que as semiavam escon-
diam muyto e, quando chegavam na era a tomar a 3" parte do
mantimento, achavam pouco, ordenou o emperador Malac Qagued
que nam ficessem desta maneira senam que, quando o mantimento
estivese pera se poder segar, fosse o juiz da terra com o dono e
outros dous ou tres, e conforme fosse o mantimento julgasem o que
devia pagar o dono delle ; mas nunca Ihe julgam a 3* parte, senam
a quinta pouco mais ou menos. Esta renda he pera o senhor, a
quem o Emperador tem dadas as terras por comedia, e a elle tam-
bem paga o villao dous cantaros de mel cada anno, hum polla Pa-
scoa de Resurrei<;am, e outro na Exaltagam da s.** Cruz, e em cada
hum destes dias da juntamente huma gallinha.
As demais terras, que o Empcrador tem escolhidas pera si, que 4. Redditua arvo-
. j. X j j rum quae propria
sam muytas, e as que toma todas as veces que quer, acodem com ^^^^^ impcratoris. E-
tudo isto a seus feitores. Cada pastor, que sam familias conhecidas, numerantur alia tri-
buta, quae solvuntur
paga hum cantaro de mantega, e cada teselam hum panno, se he in portubus et in
christao, e se mouro, certo peso de ouro que tera hum cru^ado. nJJ^eras' vaccarum
Tudo isto tambem arrecadam os feitores do Emperador. quas unaqtiaeque
. . provincia quotannis
Demais destas rendas, tem os dereitos que se pagam em as praebcre dcbet.
feiras, que sam muytas; mas estas ordinariamente as da aos Vis-
f. 118. sorreys e a outros senhores. Ha tambem muytos portos na *terra
onde todas as facendas que vem do mar pagam de dez hum, mas
das que sam proprias da terra nam tomam tanto. Com tudo, como
ha muj^to trato de escravos, marfil, sal, cera e outras cousas, vem
286 HISTORIA DE ETHIOPIA
a ser muytos os dereitos. Estes portos ou os arrenda, ou os da
por tempo a senhores com algum' reconhecimento de pe^as que
Ihe presentam.
A fora destas rendas e tributos que cada anno pagam ao Pre-
ste Joam, tem outra de vacas que arrccadam de tres em tres annos,
e he muyto grande, porque o reyno de Gojam paga doucemil,
Ola^a cinco mil, Damot dous mil, Amhara dous mil, Begmeder
seis mil, Dara cinco mil. De Dambia, Oagra, (^alamt e outras muy-
tas provincias, que tambem pagam, nam pude saber o numero certo
e por isso as deixo ; mas o reyno de Tigre paga quince mil e no-
vecentas, (^agade e Oalcait tres mil.
5. Ex dictis confu- Frey Luis de Urreta no cap. 32 de seu 1° livro faz tanto mais
tae. E quibus fontil ^^^^ ® poderoso ao Preste Joam do que eu tenho dito, que, excepto
bus Auctor hauscrit el rey dom Phelippe, o antepoe, pag. 342, a todos os Reys e monar-
omnia supcrius ex-
posiu. chas do mundo, por estas palavras:
« Superior es a todos los del mun[do] en rique^ats de oro y plata
€ y piedras preciosas y en gente; pues en diez dias puede juntar
« docientos y trecientos mil soldados, y en un mes juntara un mil-
« lon de gente ; que no se yo que aya principe en el mundo que
« lo pueda hacer. Y aunque los Emperadores de la Ethiopia en
« tiempos antiguos eran poderosissimos, segun encarecen las histo-
« rias, nunca lo han sido tanto como en estos tiempos; porque Ale-
« xandro 3°, que murio ano de 1606, y Zerascaureat, que oy go-
« viema, tienen todos los senorios y reynos que tuvieron sus an-
« tepassados y otros muchos que se han conquistado ».
Isto diz o Author, mas todas estas cousas sam tam fabulosas,
como as que de ordinario traz em seu livro; o que se ve claramente
pollo que fica dito no capitulo 9 sobre os thesouros que elle punha
em Guixen Amba, e o que aqui temos referido das principaes ren-
das, que oje tem o Empcrador, tudo por informagam de Eraz Cela
Christos irmSo do Emperador e do thesourero, que nam me aviam
de enganar, dicendo menos do que era; porque, demais de serem
homens tam graves e de grande primor, se confessam comigo e Ihes
declarei que Ihes preguntava pera o escrever e, porque no numero
das vac£Ls que se pagam cada tres annos tinham duvida, me deo
huma lista o principal dos secretarios do Emperador, que tinha ti-
rada de hum livro, em que estam escritas as rendas do imperio,
qu eu enam pude aver. Mas, falando com Eraz Cela Christos diante
do Emperador sobre as rendas do ouro, mc disse o Emperador que
LIVRO I, CAPITULO XXX. 287
a seus antecessores nam Ihes pagavam antig^amente tanto ouro,
f.ii8,v. *como do emperador Malac (^agued a esta parte, que avera 26 an-
nos que morreo.
Quanto ao numero de gente de guerra que tem o Emperador, 6. Bxercitus ad
.. j^Mi. 1* ' j» • ^ summum numerari
nam cuido que seram docentos mil homens hmpos, amda que junto potesta:ro miniami-
todo seu poder : e falando dos exercitos que tenho visto de tres ^*^^™ ' ®**^ ^*® *®"*"
pore quo Auctor
Emperadores, que ouve depois que entrei em Ethiopia, nam me pa- mansit in Aethiopia,
rece que teria nenhum cinquenta mil homens, com procurarem el- rmpH^'''^^^^^^^^ T
les algnmas veces juntar muyta for<?a, posto que o numero da de- mUiia fucrunt.
mais gente, que seguia o exercito, era grande. Tambem he falso o
que diz que os Emperadores, de agora sam mais poderosos e tem
mais reynos que seus antepassados; porque nem poder, nem reynos
tem tantos com muyto como os antiguos, nem ouve nunca mais
que hum Emperador que se chamase Alexandre, e este morreo
muytos annos ha, como por veces temos ja dito; nem ha tal Ze-
rascaureat, porque eu entrei em Ethiopia em mayo de 1603, e o
que entam era se chamava Jacob, e dalli a pouco Ihe sucedeo ou-
tro, que se chamava Za Denguil, a quem mataram em otubro de
604, e tomou Jacob, a quem tinham degradado, e a este tambem
mataram o anno de 607, como temos tambem dito e declararemo[s]
no 4 livro, e entrou o que agora vive, que se chamava Suzeneos,
e intitulo[u]se Malac Qagued; mais depois deixou este nome e se
chama Seltan Qagued.
Nam he menos fabula o que diz no mesmo cap. pag. 344, que 7. Aliacommcnta
j j»jT--i_*j T- j -r» 11 Urretae et Francisci
cada anno dia da Epiphania dam ao Emperador os Reys que Ihe Aivarer, qui ab ipsis
sam sufiretos, cada hum por si, hum elephante carrcgado de ouro, f«*iiiopibu8circatri-
® x' » i' o ^^^ f^j^ manifeste
seda e borcado, e juntamente das cousas que produce seu reyno; dcceptus.
porque nam ha tal tributo, nem se vio nunca em Ethiopia ele-
phante manso, nem pagou nunca o reyno de Gojam de tributo tre-
centos e trinta mil cru^ados em ouro, como elle diz na siguinte
pagina« Bem sei que isto de Gojam e o demais que conta dos tri-
butos daquelle reyno e do modo que tem dos entregar ao Empe-
rador o tomou de Francisco Alvares, ainda que nam o cita, porque
fol. 157 de sua Historia Ethiopica esta casi pollas mesmas pala-
vras que elle o refer ; mas, ainda que Francisco Alvares affirma que
vio entrar tres mil mulas, tres mil cavallos, tres mil Be<;et, « pan-
nos de algodam > , e trinta mil pannos de outra sorte e de muyto
menos pre^o, e o ouro com a ordem e ceremonias tam cumpridas,
como alli conta, digo que quereriam mostrar mais apparato do que
2 88 HISTORIA DE ETHIOPIA
comummente usam, por estar gente estrangeira em sua corte, e que
o enganaram em o numero do ouro, pera dar a entender que tin-
ham grande rique^a; porque nunca do reyno de Gojam se pagaram
de renda trecentos e trinta mil cru^ados em ouro.
8. Ipse SeltAn Sa- Tambem diz pag. 346 que em Gojam ha humas formigas
g&d valde deridet , v j j
fabulam Urretee de ^^ tamanho de grandes caes e na terra que tiram *de dentro a boca f 119.
formicis, quae sta- (je seu formigueiro saem pedacos de ouro e prata, e pera os reco-
tura canes aequarent ^ jt t j- jt
etc. Iher vai a gente com grande silencio, quando faz maior calma, que
ellas fogindo della se metem no mais fundo, e nam se detem alli a
gente muyto, antes se torna com muyta pressa, porque, se os sentem
as formigas, sae logo huma multidam increivel e nam ha escapar fu-
gindo, porque sam muyto ligeras e tam fortes, bravas e crueis que
despeda^am e comem quantos acham. E ainda que refer isto de
alguns authores, diz que nam Ihe cause risa ao leitor, porque nam
he novo em o mundo aver semelhantes formigas. Mas com toda
esta advertencia nam pudo o Emperador conterse, quando Iho con-
tei, senam que, rompendo por toda sua mesura e gravedade, riou
bom peda^o e festejou muyto a patranha, parecendolhe que nam
so em Gojam, mas nem em parte nenhuma do mundo podia aver
taes formigas.
9. Exponimtur et Sem.elhante a isto he o que diz mais adiante pag. 348, que o
refutantur errores t^ ^ t j -» r ^ . , 1
geographici praedi- J^ reste Joam tem de costa no Mar Oceano pera a parte onental do
cti scriptoris. cabo de Boaesperancpa mais de oitocentas legoas, e, come^ando do
cabo de Guardafui, vai nomeando muytos reynos ate a boca do rio de
Cuama, que diz sam todos do Preste Joam, conquistados por elle e
lancjada fora muyta mourama; e que afora destes tam grandes reynos,
Ihe pagam huma maneira de tributo e reconhecimento muytos reys
gentios poderosissimos, nam somente por serem conquistados por o
Preste Joam David, mas porque o vem tam grande e poderoso prin-
cipe, desejam tello por amigo e protector, pera estarem seguros dos
outros reys gentios, que nam se atrevem a facer guerra aos que sam
amigos do Preste Joam, temendo seu poder, e entre estes Reys, que
diz que com presentes o lisongeam e como vassallos Ihe pagam
tributo, nomea o Rey de Biafara e de Gelofos, Tungubutu (que he
metropoli e cabe^a do reyno dos Follos) com outros da costa de
Guine e que estam na terra firme que corre de antes do Cabo Verde
ate Serraleoa. Tambem o Rey do Congo e o de Monomotapa, o
qual diz que he senhor de toda a terra que cae ao cabo de Boae-
speran^a. Finalmente todos os Reys da ilha de s. Louren^o reco-
LIVRO I, CAPITULO XXX. 289
nhecem ao Preste Joam, mandandolhe presentes e donativos, por-
que estam perto de suas terras, que he o reyno de Titut e Sibit.
Isto diz o Author, mas tudo he muyto fora de caminho e mo-
stra bem quam pouco sabe os limites das terras do Preste Joam;
porque em toda a costa do Mar Oceano nam tem nem hum palmo
f.ii9,v. e muyto menos.senhorea *os reynos que diz pera o cabo de Boae-
speranpa, porque o derradeiro reyno de seu imperio pera a vanda
de Mogambique he o de Narea, e de Gojam ao cabo delle se pode
chegar em degoito dias, segundo me affirmaram os que estiveram
la muyto tempo, e dalli a Mo^ambique sam tam grandes os desertos
e tantas as terras de Cafres nam conhecidas dos va[ssa]llos do Preste
Joam, quc nam somente nam tem trato com ellas, mas, segxmdo el-
les dicem, nem ouviram nunca seus nomens. E falando eu poucos
dias ha de proposito com o mesmo Emperador sobre esta materia,
me disse que sua gente nam passava de Narea e que nam avia
lembran^a de que seus antepassados senhoreasem nunca dalli por
diante, nem agora sabiam que sorte de terras eram aquellas. Por
onde, se alguns destas chegaram a Mogambique ou a costa de Me-
linde, seria embarcandose em as gelbas que daquella costa vem com
escravos a Moca, como eu vi estando la cativo.
Daqui se vee claramente quam fabulosas sam tambem as cou- xo. Refclluntur
j. . • o. • ai j. itcxn alia commenta
sas, que diz pag. 354 sobre as victonats que amrma teve o empe- ^^ victoria impera-
rador David dos Trogloditas, que elle poe perto de Mo^ambique, ^^^®, David contra
Trogloditas, et quod
de fronte da ilha de sam Louren^o, e de hum capitam que diz se eius imperio vecti-
revelou contra sua senhora a reynha Betfaga, senhora de toda a Monomotapac?^^"
terra que cae ao cabo de Boaesperan^a, que chamam Monomotapa,
a qual pidindo favor ao Preste Joam David, prometendolhe suge-
(jam e certo tributo, foi elle mesmo a favorecer e, dando batalha
ao capitam revel, o venceo, e cortandolhe a cabe^a, a mandou a
reynha Betfaga, e ella co[mo] bem agradecida acudio sempre com
grandes does e tributos ao Preste Joam; o que guardaram todos
seus sucessores. Mas como o mesmo Preste Joam, que oje he, affirma
nunca tiveram noticia de tal Reynha, nem comercio nenhum com
aquellas terras, o que bastava pera se ver o credito que se Ihe deve
dar a quanto diz sobre esta materia; com tudo pera maior confir-
ma^am referirei por suas mesmas palavras o que diz da 3" victoria
que teve o emperador David : « La 3* victoria y triunpho insigne
€ fue el que tuvo contra el poderoso Rey de Monicongo, al qual
« vencio en batalla campal, en la qual avia un millon y mas de gente.
C. BeccARl. ^tfr. Ag^A. Script, occ, ined, — II. 37
290 HISTORIA DE ETHIOPIA
I Pero fue dichoso el Rey do Monicongo en quedar vencido del Pre-
* ste Juan ; pues quiso Dios que por aquella via viniese en conoci-
s miento de la ley cliristiana y se convirtiesc, y el y los mas de su
* reyno se bautizaron, siendole padrino el Preste Juan ; y desde en-
■j tonces ay muchos christianos *en aquel reyno » . (
Nam se podia pintar cousa mais apocrifa que esta, pois he tam
notorio, de mais do testificarem muytas historias, que el Rey de
Congo com grande parte de seus vassallos se bautizaram no anno
de 1491, sendo Rey de Portugal dom Joam 2", que, pello grande
zelo que tinha de nossa s." fe e conversam da gentilidade, mandou
[a] aquelle reyno Rodrigo de Sousa por embaixador e com elle tres
religiosos da sagrada ordem do glorioso s. Domingos, e foram os
primeiros que naquelle reyno pregaram o santo evangelho com
muyto grande zelo do bem das almas e bautizaram al Rey e a
Reynha com a mor parte dos grandes de sua corte ; e depois pollo
tempo em diante se foram bautizando os mais do povo ; com que
aquelle reyno ficou tudo christao polla via de Fortugal e zelo del
rey dom Joam o 2° e nam pollo Preste Joam. Nem Ihe fora pos-
sivel chegar la, ainda que o procurara metendo todo seu resco, por
la grande distancia que ha destas suas terras ao reyuo de Congo,
pois confina com o mar Oceano do cabo de Boaesperanga pera a
vanda de Portugal.
11. Refenur dein Tambem diz pouco mais adiante pag. 356, que, morto o em-
t^ fllii' imperatorla pcrador David, Ihe sucedeo no imperio seu filho Abraham e que
David, qui ante p«- em huma baCalha, que teve com el rey de Adel, saio ferido e, ainda
CTemsuuminpraelio ^ ^
occubuit. que, tendo pelejado da minha ate a noite com muytas mortes de
huns e outros, se afast?ram sem se conhecerqual levava a victoria,
com tudo isso foi tam exorbitante seu sentimento, por ver que o
ilouro se Ihe ouvese defendido tam valerosamente, que se encendeo
em huma grande fevre, com que se Ihe agrabou a ferida de ma-
neira que em poucos dias morreo e depois fugio sua gente ; pello
que o mouro se teve por victorioso; e depois eligiram em seu lu-
gar a Claudio seu irmSo.
Isto foi falta de informaijam, porque primeiramente este filho
do emperador David, e por outro nome Onag ^agued, nam se cha-
mava Abraham, senam Fiquitor, e nam morreo depois de seu pay,
ienam antes; porque, sendo vencido o Emperador de hum mouro de
Vdel, que se chamava Ahamed, e comummente o chamao Granh,
)orque era izquerdo, que issoquer dicer Granh na lingoa de Ethio-
LIVRO I, CAPITULO XXX. 29 1
pia, e andando fugindo do mouro de huma parte a outra, Ihe disse seu
filho Fiquitor, que era muyto esfor^ado, ainda que nam de muyta
idade: Ate quando, senhor, hemos de fugir? Nam sera milhor morrer-
mos pelejando? E vendo elle a determina^am e valor de seu filho,
f.i2o,v. Ihe entregou o imperio e, juntando seu *exercito, saio ao encontro ao
Mouro e pelejaram no reyno da Xaoa e foi desvaratado e morto;
e porque seu pay era vivo, nam o contaram entre os Emperadores,
segundo todos dicem, e parece ser assi, porque nam se acha em
os catalogos dos Emperadores que pusimos no cap. 5 tirados de
seus mesmos livros como nelles estam. Tambem o que alli affirma,
que pera mostrar o Mouro que aquella victoria nam fora alcan^ada
com proprias forgas, senam com ajuda divina, quando a quis fe-
stejar, subio em hum jumento: nam foi este mouro o que o fez,
senam outro que se chamava Nur, que matou ao emperador Claudio,
como veremos no 3** livro, quando referirmos sua historia. Outras
muytas cousas diz naquelle cap. 32, que sam muyto menos do que
elle encarece; mas o que acrecentou ao emperador David, tirou no
fim do mesmo capitulo a as que dom Christovao da Gama com
seus soldados fez em Ethiopia; pollo que nam sera bem passar
adiante sem declarar quanto se enganou no que dellas disse.
CAPITULO XXXI.
Em que se come^am a referir algumas das cousas
que dom Christovao da Gama fez em Ethiopia.
Como meu intento seja dar alguma noticia das principaes cou- i. Ea quae Auctor
sas desta parte de Ethiopia, que senhorea o Preste Joam, e das mais stis Christophori^de
insicfnes que nella sucederam sejam as que fez aquelle valeroso e G«nia desumpta siint
tum ex relatione cu-
esfor^ado capitam dom Christovao da Gama, bem conhecido em Por- lusdam senis, qui
tugal por sua grande nobre^a e fidalguia, e muyto mais em Ethio- ^"'tum^ex^scrimis
pia poUas maravilhas que Deos nosso Senhor teve por bem de Femandi Guerreiro
. r -i . r «t Michaelis de Ca-
obrar por elle contra os mouros em defensam de sua santa le, me Btanhoso.
pareceo que nam cumpria com minha obriga^am, se nam refirise
algumas dellas. Tambem, porque, passandoas em silencio, nam pa-
reciese que aprovava o que dellas diz frey Luis de Urreta no ca-
pitulo 32 de seu 1° livro, onde por falta de informa^am as conta
muy diferentemente do que na verdade sucederam, conforme ao que
contam os velhos de Ethiopia e hum delles, que, sendo piqueno acom-
panhou a dom ChristovSo, desde que entrou ate o dia que foi desba-
ratado, e o que traz o padre Fernam Guerreiro de nossa Compa-
nhia no fim da Addigam que faz a Relagam de Ethiopia no livro
das annuas de 607 e 608, tomado, como elle diz, de Miguel de Ca-
stanhoso, hum dos Portugueses que entraram em Ethiopia com
dom Christovao da Gama, a quem como testemunha de vista se
deve dar todo credito.
294 HISTORIA DE ETHIOPIA
a. Errores Urretae Diz pois frey Luis de UiTeta pag. 358 : « Entretanto el moro
circa historiam prae- ^, -ia-ix^ ^ i-j*^
sentem. * *(convem a saber, Granh) estava por los reynos confines de la f. 121
« Ethiopia, haciendo mil males y executando inauditas crueldades
« en los tristes christianos, la madre del Preste Juan, que se Uamava
« Elisabeta, embio un correo al Vissorrey de Goa, que se Uamava
« don Estevam de Gama, pidiendole socorro ; y el embio 400 soldados
« y por capitan dellos a don Chistoval de Gama su hermano. Par-
« tieron de Goa con mucha^ armas en el mes de junio de 1541 y
« embarcandose Uegaron, aunque con trabaxo, a la Ethiopia y to-
« maron puerto en el reyno de Bemagasso, donde les acudio mu-
« cha gente. Entendido por la Emperatriz el socorro que le venia,
« salio de su escondrijo y fue a visitar al capitan, el qual la re-
« cibio con gran salva de artilleria y con mucha fiesta. EUa pro-
« veyo de bastantes y aun sobrados mantenimentos, y considerando
« don Christoval de Gama que no era tiempo de detenerse, partio
« con sus 400 soldados y con muchos millares de Ethiopes, por
« grandes jornadas, caminando de dia y de noche, por coger al
« enemigo descuidado. Como lo deseo le sucedio, porque hallo a
« los moros tan descuidados de que tuviesen al enemigo tan cerca,
« que estavan desarmados, y tan sin orden de guerra, como si no
« estuvieram en tierra de enemigos, y dando contra ellos de sobre-
« salto, los tomaron a manos antes que pudiesen venir a las ma-
« nos y antes que se pudiesen abroquelar, los <;amarrearon de suerte
« que no se les quito el escocimiento, tan presto fueron facilmente
< vencidos, y volviendo las espaldas, dieron todos a huir a corre
« mas corre, y como el huir sea linage de volar, dexavan de cor-
« rer y volavan. Murieron muchissimos en los alcanges y el rey
« Gradahametes herido de un mosquetero, que le passo la pierna y
« le mato el cavallo, vino al suelo, aunque los suyos le pusieron
« en cobro ; de la qual herida convalecio. El buen capitan go^o de
« un riquissimo despojo, de infinitas armas y arcabuceria, con que
« armo su gente y, caminando en seguimiento de su enemigo, arremo
« y vela navegava el triunphante vencedor por el mar de sus vic-
« torias. Entro por el rey[no] de Adel quemando, talando, derrivando
« y Jlevandolo todo a fuego y sangre, hasta un monte, donde se
« avia hecho fuerte el rey Gradahametes y alli le cerco el capitan
« Gama con intento de no partir hasta le coger muerto o vivo y
« embiarle al Preste Juan ».
LIVRO I, CAPITULO XXXI. 295
Casi todo quanto o Autor aqui diz passou muyto diCFerente- 3. Brevitcr refu-
mente, porque nem dom Christovao da Gama partio de Goa sina-
f.i2i,v. lado pera vir a Ethiopia, nem podia partir no mes de junho, *que
la he invcrno fechado e nam se pode andar no mar quanto mais atra-
vesar o golfo pera Etiopia ; nem quando entrou nella, se Ihc ajun-
taram os milhares de Ethiopes que diz, nem venceo aos mouros
poUos achar descuidados e desarmados, e muyto menos depois da
victoria entrou por el reyno de Adel, asolando e abrasando tudo,
porque nunca la chegou com muytas legoas, como adiante vere-
mos. Tambem se advirta de pstsso que este mouro nam era Rey
de Adel senao Guazir, como chamam os mouros, que he tanto como
governador do reyno debaxo del Rey. Nem se chamava Gradamar-
tes Isu]: seu proprio nome era Ahamed, como ja dissemos; mas os
de Ethiopia o chamam Granh, porque era izquerdo, que isso quer
dicer granh; e parece que o Autor juntou estes dous nomes Granh
e Ahamed, cuidando que era hum, e, corrompendoos amos (como
faz a outros muytos), disse Gradahametes ; e porque comummente
Ihe dam este nome Granh, eu tambem o nomearei daqui adiante
por elle. Nem a Emperatriz may do Preste Joam se chamava Elisa-
beta, senam Zabelo Oanguel.
Suposto isto, referiremos agora esta historia na puntual ver-
dade com a maior brevedade que pudermos; e foi desta maneira:
No anno 1541, sendo governador da India dom Estevam da 4. Stephanus de
Gama, filho segundo do conde Almirante dom Vasco da Gama, que indj^j^ni^ mov^t
foi o primeiro que a descubriou, fez huma grossa armada com in- c^™ classe lusitaaa
contra Turcas, ad
tencjam de irao estreito de Meca, e entrando pollo Mar Roxo, che- MareRubrum.Rein-
gar ate Suez e queimar as gales e armada do Turco, que naquelle ^*^ ulit Ma^ 'm '"bi-
porto estava aparelhandose pera ir a India e, posto que nam,a pode que legatos Zabel6
queimar, polla terem, quando elle chegou, barada em terra, com Aethiopiae,auxiiium
as novas que tiveram da sua, a volta todavia fez ffrande estrago P^^^^^j^ contra Ma-
^ 00 humedanos, recipit,
em muytos lugares de Arabia, saqueando e queimando tudo e to- et^consilioinitocum
, , . , ujMiJxfA. Buis, fratrem suum
mando quantos navios achava; e chegando a ilha de Ma^ua, veio chriatophomm cum
alli a ter com elle hum senhor dos da casa de Adegana, que se ^oomilitibusexpedi-
T^ 1 A -VT >v ,• tis ad Imperatricem
chamava Isaac e entam era Bahar Nagax, que quer dicer « gover- mittit.
nador do mar » , por que o he de todas aquellas terras maritimas, e
com elle outro senhor grande, que se chamava Robel, com cartas
da emperatriz Zabelo Oanguel may do emperador Claudio, que ja
reynava por morte do emperador David seu pay, em que Ihe pe-
dia encarecidamente quisese socorrer este imperio christao, a quem
296 niSTORIA DE ETHIOPIA
o mouro Granh avia 14 annos que tinha poUa mor parte conqui-
stado, matando e cativando grande infinidade de gente e queimando
e asolando muytos mosteiros e igrejas de grande nome. Ouvindo
isto o governador, tomou conselho com os capitaes, e *fidalgos que f. 122.
hiam na armada e todos convieram em que, alem de ser grande
servi^o de Nosso S.°' acudir aquella necessidade tam urgente, o seria
tambem del Rey de Portugal seu senhor por muytas re^oes, e of-
fereceramse com grande fervor e zelo pera esta empressa muytos
capitaes e fidalgos nobilissimos e entre elles dom Christovao da
Gama, a quem, depois de muyto considerado, com muyta re^am Iha
encomendou o governador seu irmao, dandolhe pera isso 400 sol-
dados : e dicem que ofFerecia mil, e que o Bahar Nagax Isaac nam
se atreveo a tracer tantos, por estar a terra tam perdida que Ihe
parecia nam os poderia sustentar.
5. Christophoms Com esta gente muyto lustrosa e bem apercebida com armas
itinera difflciUima dobradas e algumas pe^as de artelharia se parteo dom Christovam
post octo dics per- (ja ilha de Macua aos g de julho de 1541, tracendo tambem em
venit DcbaroA, ubi ^ v j o^ y
a BahAr Nagftz, a sua companhia ao Patriarcha dom Joam Bermudez e hum sacerdote
eno^ glySio^^^vC' ® ^^"^ ^^^ ^® xnais, e, segundo ca dicem, o tracia o governador de
t^r« proposito pera ver se o podia meter em Ethiopia onde elle ja tinha
andado, e Ihe prometeram que, se trouxese algum socorro de gente.
o recibiriam por Patriarcha, aceitariam a fe da santa igreja romana
e dariam al Rey de Portugal a 3* parte do imperio. Foram en-
trando polla terra dentro de Ethiopia em companhia do Bahar Na-
gax com grande trabalho, por ser aquella parte muyto quente e
fragosa e virem casi todos a pee, que escasamente acharam ca-
mellos e mulas bastantes pera caregar o fato, munigoes e artelharia,
c em muytas partes era necessario descarregar e levar tudo bom
espa(;:o as costas, sendo dom Christovam o primeiro que com grande
alegria e fervor tomava o que podia sobre as suas, com o que os
soldados se animavam a facer o mesmo, com virem muyto cansados.
Desta maneira caminharam seis dias ate sair das serras, e alli
descansaram dous dias e o siguinte chegaram a huma villa que cha-
mam Debaroa, onde, como ja dissemos, reside de ordinario o Bahar
Nagax, de onde saio muyta gente e muytos frades em procissam
com suas cruces a receber a dom Christovao, que com a nova de
sua vinda tinham deixado as serras fortes, onde estavam recolhidos
por medo dos Mouros, e chegando a dom ChristovSo, Ihe deram
muytas gra^as pollos vir a socorrer em tempo de tam grande ne-
LIVRO I, CAPITULO XXXI, 297
cessidade; e disseram que, pois o Senhor por sua infinita miseri-
cofdia o trouxera pera isso, procurase vengar os desacatos e inju-
rias que aquelles malditos e sacrilegos mouros tinham feito as santas
igrejas derrubandoas e profanandoas e as crueldades que tinham
exercitado com os sacerdotes e religiosos e as afrontas que tinham
f.i22,v. *feito as molheres casadas, viuvas e doncellas.
Acabado isto, come<;:aram todos em alta voz a pedir a Dcos
nosso Senhor misericordia e que dese for^a a dom Christovao con-
tra seus enemigos, com tanta piedade e lagrimas que nam puderam
deixar das derramar tambem os Portugueses. Consoloos dom Chri-
stovSo dicencfo, que elle nam viera a esta terra senam a trabalhar
por botar os Mouros della e que esperava na divina misericordia
que cedo se veriam livres dos trabalhos em que estavam ; e tornando
com a mesma ordem que vinham, foram todos os Portugueses jun-
tamente a facer ora^am a igreja, e dalli as tendas, que o Bahar
Nagax Ihes tinha ja feito armar perto da povoagam, onde os agas-
' salhou com muyta festa.
O siguinte dia reparteo dom Christovao sua gente pollos ca- 6. Nuncios dc suo
• T j T^ TM- 1 j /-. 1 TT' ^ adventu mittit duos
pitaes, que eram seis: Joam de tonseca, Manoel da Cunha, Vicente ^ suisad Imperatri-
de Acunha seu irmao, Inofre Dabreu, Francisco Dabreu seu irmao, cem, quae in mpibus
Dam6 morabatur.
e Franciso Velho, dando a cada hum dos cinco cincoenta soldados, Ipsa descendit, invi-
e aos demais encomendou a guarda da vandeira real, e mandou logo ^iratu/a ma 01^™-
a Manoel da Cunha e Francisco Velho com sua gente pera que vi- d>nem pugnandi, et
, ^ ^ custodiae Lusitano-
sitasem de sua parte e trouxesem a emperatriz Zabela Oanguel nxm ae committit.
may do emperador Claudio, que estava hum dia de caminho dalli
em huma pedra muyto alta, que chamam Damo, a que se sove por
cordas e, chegando, mandou ella que os dous capitaes subisem
acima e foram levados em huns cestos amarrados com correas muyto
fortes e, como chegaram acima, os recebeo a Emperatriz derramando
muytas lagrimas de pracer e dando gra^as a Deos, que Ihe man-
dava tal socorro e a tirava daquella como prissam onde avia tanto
tempo que estava; e depois de preguntar por dom Christovao e sua
gente com muytas particularidades, os mandou agassalhar aquella
noite com grande honrra e aparato, e outro dia deceo a Empera-
triz com muytas criadas e gente que tinha de servi^o dentro da-
quelles cestos, porque pera o alto daquella serra nam ha outra ma-
neira de entrada nem saida, por ser toda aroda pedra talhada e
muyto alta, e acima tem bom campo, onde semeam e muytos po(;os
como cisternas, em que o invcrno se recolhe muyta agoa.
C. Bkccari. Rer. Aeth. Scripi. occ. ined, — II. j8
298 HISTORIA DE ETHIOPIA
Como acabaram de decer todos, veio a Emperatriz em huma
fermosa mula cuberta de seda ate perto do cham e ella vestida de
pannos brancos de India muyto finos e sobre elles hum albomoz
de setim pardo com franjas de fio de ouro, e o rosto cubcrto com
huma beatilha muyto fina, que nam Ihe apareciam mais que os
olhos, como he costume das senhoras que caminham. Levavamlhe
alguns homens hum dosel de seda, com que hia cuberta *de ma- f. 123.
neira que nam se podia ver senam pordiante, e chegando perto do
arrayal de dom Christovao, a saio a receber ricamente vestido de
setim e tela de ouro com toda sua gente posta em ordem, que era
muyto lustrosa e saluarama duas veces com toda a artelharia e espin-
garderia, e chegando dom Christovao, se deteve a Emperatriz e por
Ihe facer honrra e dar mostra de amor, mondou tirar o dosel e
descubrio hum pouco o rosto ; e logo dom Christovao a saudou e
disse como elle e toda aquella gente vinham por mandado do go-
vernador a a socorrer e servir, e que soubese de certo que todos esta-
vam resolutos a morrer polla santa fe de Christo e defensam de
seu imperio. A Emperatriz Ihe deo muytos agardecimentos pello
zelo que mostrava e a vontade com que elle e os demais Portu-
gueses se ofFereciam a tam grandes perigos e trabalhos que al Rey
de Portugal ao governador e a elles pagaria tudo o poderoso Deos,
porque nem ella, nem seu filho, nem principe nenhum da terra tinha
poder pera satisfacer cousa tam grande ; e que este imperio nam o
tinha por seu, senam por del Rey de Portugal.
Acabada a pratica, tomaram os Portugueses no meio a Empe-
ratriz e as senhoras e doncellas que acompanhavam em mulas muyto
fermosas e, tomando poUa redea a Emperatriz o Bahar Nagax, a le-
vara ate suas tendas.
7. Ibidem hicmare Pa^ssados dous dias, foi dom Christovao com os Portugueses ri-
et ad praelium ne- .. ^-j • 1 ^ ^- i_
cessaria parare sta- ^^mente vestidos e com as mais lustrosas arnias, que tinham, a vi-
tuunt. Claudius im- sitar a Emperatriz e diante de sua tenda deram mostra do modo
perator certior fa-
ctus de Lusitanorum que tinham de peleijar; do que ella ficou muy maravilhada, vendo
adventu, transacta ^ ji 1 ^ 1
. . ' ,j „^ „^ cousa tam nova e desusada na sua terra e nam menos alei>["re e con-
niemey eos aa se ve- c>
nire quantocius iu- tente, por Ihe parecor que seni duvida avicim de librar seu imperio
bet. Cbristophorus . ^, .
exploratores Gr&nh da tirania dos mouros, e entrando na tenda dom Christovao com o
morte punit: et re- j^^j^ri^^. >Jaiifax e alca.ms senhores iJ^randos, asentaram com a Empe-
giones circumstan- c> o o ' f
tes, quae rebellave- ratriz de estar alli ate a fim de otubro, que se acava em esta terra
' ' o inverno, e mandou dom Christovao recado de sua chegada ao
Preste Joam Claudio, que ja se chamava Atanaf Qagued, que estava
LIVRO I, CAPITULO XXXI. 299
muyto longe retiiado em humas serras fortes, sem se atrever a sair
pollo ter desbaratado o mouro Granh e morto muyta gente. Co-
me<;ou logo dom Christovao a facer pertuchos de guerra e carre-
tinhas em que levar artelharia, quc eram seis meios ber^os e dous
ber^os, e tinha sempre muy grande vigia em seu arrayal, porque
continuamente mandava o Granh espias pera saber quantos eram os
Portugueses, que armas traciam e em que sc ocupavam. O que sou-
beram de duas espias que tomaram em traxo de Abexins, a quem
dom Christovao mandou depois despeda^ar em as carretinhas que
tinham feitas, com o que tiveram tam grande medo que dalli por
f.i23,v. diante *nam se atreveram maisase por a tal perigo. Ficeram tam-
bem em este tempo duas saidas por mandado da Emperatriz e de-
ram em algumas terras vecinhas, que por serem muyto fortes, nam
queriam obedecer os moradores dellas e, matando muytos, trouxe-
ram grande numero de mulas, vacas e bois, com que se proveram
pera o caminho, que nam tinham em que andar.
Na fim do invemo chegaram cartas do Preste Joam, em que
com muyto corteses e amorosas palavras dava os parabens a dom
Christovao e aos demais Portugueses de sua chegada e Ihes facia
grandes oferecimentos, e pedia que com a mor pressa que pudesem
se fossem chegando, que elle tambem viria a se juntar com elles.
Com esta nova se alegraram todos muyto e apressaram o que »• Lusitani cum
faltava, pera milhor podcrem facer seu caminho, c como tudo foi aca- grediuntur ct per
bado, partiram de Debaroa aos cinco de decembro, levando com- ««P®'^""*^» montee
' ^ secum trahentes tor-
sigo a Emperatriz e sos 200 Tlabexins que os acompanhavam. Hia menu beUica, post
diante dom Christovao com 250 Portugueses bem apercebidos, de- veniunt in conspe-
pois se seguia a recovagem, a que davam guarda dous capitaes ^™ AmbA Canet a
com sua gente, e hum pouco mais atras a Emperatriz com suas manu occupatum.
donas c doncellas, e 50 Portugueses e alguns daquelles Habexins,
Desta maneira foram caminhando alguns dias com muyto trabalho
por acharem serras tam asperas que parecia impossivel levar por
ellas a artelharia e muni^oes, mas com a industria e trabalho de
dom Christovao se facilitava tudo, de maneira que maravilhada a
Emperatriz decia muytas veces, que nam avia gente como os Por-
tuguescs ; porque nenhuma outra pudera sair com cousas tam arduas
e difficultosas.
Tambem era muyto grande a vigilancia de dom Christovao, tra-
cendo sempre diante quem descubrise o campo, e mandando con-
tinuamente espias ao Granh, e elle em pessoa corria duas veces cada
300 HISTORIA DE ETHIOPIA
dia o arrayal pera ver se marchavam com ordem, e prover o que
fosse necessario, e pera isto tracia mulas que caminhavao bem, que
ate entam nam tinham cavallo nenhum, e por ondequer que passava
fugiam os Mouros, que o Granh tinha posto pera arrecadar a renda
das terras, e os moradores dellas, que por mcdo os obedeciam, vinham
com grande alegria a ver os Portuguesos e sugetarse a Emperatriz.
g. Describitur lo- Prosiguindo dom Christovao seu caminho, chegou i° dia de fe-
cus natura ct arte ., , j. r ^ /--'^t-^-t^
Aethiopibus inezpu- vereiro de 1542 a huma serra muyto forte, quc o Granh tmha to-
8^^'^*s* mado com engano e trai^am, e posto nella hum capitam com 1500
soldados, e tardou tanto no caminho, nam porque esteja muyto longe
de Debaroa, que indo por dereito caminho em tres dias se chega
folgadamente, senam porque deo muyto grande volta por outras
terras pera as redducir e quietar, e determinou da acometer por-
*que, se passase adiante deixando alli aquelles mouros, os aviam f. 124.
de tornar a obedecer todas aquellas terras e Ihe podiam facer muyto
mal, tolhendolhe os mantimentos e dandolhe asaltos. Mas disse a
Emperatriz que nam intentase tal cousa, porque de ncnhuma ma-
neira podia sair com ella; o que vendo os mouros, ficariam com
mais animo e coragam pera o acomoterem depois. Respondeo
dom Christovao, que era for^ado trabalhar por tomar aquella serra,
e deo tantas regoes pera isso que a Emperatriz, ainda que contra sua
vontade, condecendeo com elle. Tem esta serra perto de huma lcgoa
de campo lacima, posto que nam muyto chao, e agoa bastante
pera muyta gente e, ainda que ha tres entradas, sam tam fortes
que com muyto pouca guarda parece quo a for^a de armas nam
era possivel subir. Tudo o demais aroda he rocha talhada muyto
alta, que eu tenho visto por veces. A principal destas entradas se
chama Amba Canet, e este mesmo nome dam a toda a serra. Ao
pe desta entrada estava huma parede muyto forte com sua porta,
e dalli se vai subindo hum pedago por caminho muyto estreito e
ingreme, e no fim esta outra porta na mesma rocha. A 2^ entrada
se chama Amba Xambut, e nam he tam forte, posto que muyto.
A 3* se chama Amba Gadabut, mais forte sem compara^am que
as outras, porque nam tem caminho senam huns buracos feitos ao
picam na rocha, por onde com dificultad[e] podem subir descal^os, e
fica descuberta a rocha de maneira que de cima com so pedras se
pode defendor facilmente a entrada; e estara huma de outra como
hum tiro de espingarda; e em cada huma dellas estava hum capi-
tam com 500 mouros de arcos e frechas, lanc^as e adargas.
LIVRO T, CAPITULO XXXI. 301
De tudo isto se tinha muyto bem informado dom Christovao; xo. Christophonis
- ^ • v j j . -11- *^* militea et tor-
mas antes dc acometer, quis chegar a ver onde se podena milhor xnenta beUica in tres
por a artelharia e facer que os mouros cfastasem suas frechas e os *^^*® dispertit. Uno
" tempore omnes emi-
penedos quc tinham aparelhados, pera que depois nam Ihe fices- nus pugnam insti-
. . , . , j • • j. ^ tuunt : at, ad hostes
sem tanto dano, e pera isto encomendou a pnmeira entrada aos faiiendos se retra-
capitaos Francisco Vclho e Manoel da Cunha com sua gente e deo- hunt.
Ihes tres pe^as de artelharia; a. 2^ deo a Joam de Fonseca e a Fran-
cisco Dabreu com os seus e outras tres pegas de artelharia; a 3^,
por ser mais perigosa, tomou pera si com os outros Portugueses,
excepto 50 de espingarda, que deixou em guarda da Emperatriz ; e
disse aos capitaes que todos postos em ordem desem mostra de
quererem entrar aquelles passos, mas que nam se chegasem muyto
e que, quando elle se retirase, ficesem todos o mesmo. Desta ma-
f.i24,v. neira se foram chegando aquella tarde, e eram tantas as frechas *e
pedras que de acima tiravam, que nam tinham conto, e lan^avam
penedos tam grandes polla rocha abaixo, que so o estrondo que
faciam bastava pera causar nam piqueno medo aos que nam foram
tam valerosos e esfor<;:ados como aquelles Portugueses. Elles tam-
bem tiravam com suas espingarda[s], por disimular o que preten-
diam, e depois de bom espa^o e de ter dom Christovao visto a sua
vontade o que desejava, se retirou com todos os demais, e vendo
isto os mouros, deram por sua a victoria e, tendose por bem segu-
ros, a festejaram com grandes alaridos e depois toda a noite tan-
gendo trombetas e atabales. A Emperatriz, que estava a vista de
tudo, ficou muyto triste e desconsolada, parecendolhe o que parecia
aos mouros e que nam avia em os Portugueses mais cora^am do
que alli tinham mostrado. Sabendo isto dom ChristovSlo, Ihe man-
dou dicer a causa porque se chegara e retirara, e que polla minha
veria S. A. como pelejavam os Portugueses e que homens eram.
O siguinte dia em amanhecendo, tomou hum sacerdote hum xx.Alteradiesum-
Crucifixo em as maos, e dom Christovao e os demais Portugueses ™o n^« P^ignam in-
^ staurantatque, hosti-
se ajoelharam diante delle e com muyta devo^am Ihe pidiram vir- bus omnibus inte-
^ r • 11 rr i remptls, fortissima
tude e forga contra seus enemigos e Ihe ottereceram suas almas e munitione potiimtur
suas vidas com cfrande fervor e deseixo das acabarem em defen- ** *5*P^^*' muliercs
° christianas libertate
sam de sua santa fe, e o Patriarcha dom Joam Bermudez, que estava donant.
presente, Ihes lan(;ou sua bengam, e com isto foram postos em or-
dem pera a serra, e repartiramse em os passos como a tarde antes
tinham feito, e em dando dom Christovao sinal, arremeteram todos
com grande animo e comec^aram a tirar com artilhariaeespinganderia;
n
302 HISTORIA DE ETHIOPIA
o que causou tanto medo aos mouros que nam se atreviam a se descu-
brir muyto. Com tudo lan^avam muytos penedos, com que faciam
grande dano e mataram dous Portugueses, antes que pudesem che-
gar bem a rocha. Vendo isto dom Christovao e que era necessario
pressa e conclusam, arremeteo com grande esfor^o, e todos os seus
o siguiram e, encostando os fains a rocha, foram subindo por elles,
mas firiram muytos e duas veces os derrubaram abaixo. Com tudo
tomaram a subir com grande animo, sendo dom Christovao dos
primeiros, e trabouse com os mouros huma briga muyto forte ; po-
rem, como era ja mano a mano, nam puderam resistir muyto espa^o
o impetu dos Portugueses a assi viraram aquelles 500, e dom Chri-
stovao foi dando nelles. A este tempo tambem tinham entrado Fran-
cisco Velho e Manoel da Cunha, costandolhes mu^rto trabalho, por-
que na primeira porta do passo Ihes firiram muytos soldados, e,
passada esta, Ihes mataram dous, e ainda que se retiraram, os mou-
ros nam quiseram fechar a porta *de cima, parecendolhes que alli, f. 125.
por ser lugar mais forte, acabariam os Portugueses ; e assi os espe-
raram muyto unidos. Com tudo arremeteram animosamente os Por-
tugueses e come^ando as lanc^adas e cutiladas se baralharam muyto,
peleijando com grande valor e csfor^o o capitam dos mouros, e tirando
huma lan^a curta que tracia, deo nos peitos ahum Portugues comtanta
for^a que, com ter muyto boa saya de malha, o atravesou da vanda a
vanda e levando do terc^ado, deo tal golpe no capacete de outro
que Iho amolgou e fez cair no cham desacordado. Mas acudio outro
Portugues e matou o mouro e foram logo facendo retirar os demais.
Em quanto andavam as cousas desta maneira neste passo e o
de dom Christovao, entraram tambem o seu Joam de Fonseca e
Francisco Dabreu, posto que com muyto trabalho e perda de tres
Portugueses, por que os mouros pcleijaram fortemente; mas ven-
dose entrados, se foram retirando pera cima, e sem saberem huns
do desbarate dos outros, se vieram a juntar todos em hum lugar,
onde quiseram resistir. Mas chegando dom Christovao com sua gente
e os demais capitaes por outras, os tomaram no meio e os mata-
ram, sem ficar nenhum dos que alli estavilo, e alguns, que primeiro
fugiram pera as casas, que tinham no mais alto, tambem foram mor-
tos a espada, e os que destes, cuidando que se salvariam, se bo-
taram pollas rochas, morreram feitos em peda^os.
Acharam aqui grande numero de molheres christaas cativas e
outras muytas mouras com algum fato, nove cavallos e dez mulas
LIVRO I, CAPITULO XXXI. 303
muyto fermosas, e como se juntaram os Portugiieses la cima, vi-
ram que faltavam oito, que na entrada morreram, e que estavam
mais de 40 feridos, a quem dom Christovao fez curar com diligencia
e tracer os mortos, e mandou limpar a mesquita dos mouros pera
que a bencese o Patriarcha e se enterrasem nella,
Acabado isto, mandou dom Christovao recado a Emperatriz, xa. Christophorus,
dandolhe conta da merce que Deos N. S. Ihes ficera e que, se queria ^d imperatricem
ver sua serra Amba Canet e como a tinham concertada os mouros, nji««o, templum
^ Turcarum in Eccle-
o podia facer seguramente, porque ja todos eram mortos. Ficou siam vertit, ibique 8
ella muyto contente e alegre com estas novas e tam maravilhada p^\^^*^id^ran^
que nam podia acabar de crer que todos aquelles mouros fossem sepeliendos, gratias-
.^ , -, . , . que solemnea Deo
mortos em tam pouco tempo, e certincandolhe seus criados que assi agendaa curat.
era, deo louvores ao Senhor, que tam grande virtude e for^a dera
aos Portugueses; e decia com muyta tenrura que verdadeiramente
eram homens mandados por Deos pera salva^am deste imperio e
f.i25,v. que ja*nenhuma cousa Ihe pareceria impossivel pera elles e, man-
dando a dom Christovao os agardecimentos de tani boa nova, disse
que nam se atrevia a subir la, porque, demais de ser tam aspero o
caminho, Ihe deciam que estava todo cheio de mouros mortos, que
Ihe aviam de causar grande nojo.
Como dom Christovam soube que nam avia de subir la a Em-
peratriz, pidio ao Patriarcha bencese a mesquita, o que elle fez
com solennidade, pondolhe por nome Nossa Senhora da Victoria, e
enterraram logo nella os oito Portugueses, e outro dia polla minha
disse missa com muyta festa, e derao todos gra^as ao Senhor que
Ihes concedera ter tam insigne victoria e trocara aquella casa, que
antes era de abomina^am, venerando nella a Mafamed, em templo
onde se offerecesse tam alto e venerando sacrificio. Acabada a
missaj deixou dom Christovao la os feridos bem acommodados,
porque nam podiam decer, e foi com os demais onde estava a Em-
peratriz, que o recibeo com o amor e benevolencia devida a quem
com tam grande valor e esforgo a servia. Entregou ella logo a
serra a hum seu capitam, cujos antecessores foram senhores della,
e estiveram alli todo o mes de fevereiro por causa dos feridos, e
como correo a nova da tomada da serra, cousa tam pouco espe-
rada dos vecinhos, foram muyto bem providos, nam somente delles,
mas dos que estavam longe, que Ihes traciam em abundancia man-
timentos e as demais cousas necessarias.
304 HISTORIA DE ETHIOPIA
13. Gubematorem Em este tempo chegaram alli do mar dous Portugiieses com
a Gama certiorem fa-
cit de rebus a se ge- gente da terra, que os guiava, e traciam recado de Manoel de Va-
8ti8 ab eoque beUi- gconcelos capitam mor de cinco fustas, que o cfovernador dom Este-
cum apparatum pe- ^ » ~i e>
tit. vam da (iama tinha mandado pera saber das gales dos Turcos e
o sucesso que tivera a entrada de dom Christovao em esta terra
e se tinha necessidade de algum socorro ; com o que nam so dom Chri-
stovao e os Portugneses ficaram muyto alegres e contentes, mas tam-
bem a Emperatriz e todos os seus, tendo por certo o remedio de
seu imperio. Despachou logo dom ChristovSo a Francisco Velho
com 40 Portugueses bem aparelhados e com muyto boas mulas,
pera que a toda pressa fossem a Magua, onde Manoel de Vascon-
celos estava, a Ihe dar cartas pera o governador e re^am do que
passara e do estado em que ficavam as cousas, e que trouxesem
das fustas algumas muni^oes de polvora, pilouros e outras cousas
necessarias; e como elles partiram, determinou dom ChristovSo com
2. Emperatriz de passar adiante a humas terras muyto boas, onde
estava hum capitam christao, que por for^a obedecia aos mouros
e mandava rccado que fossem logo, que nam achariam resistencia
nenhuma.
f "6 CAPITULO XXXII.
De como, prosiguindo dom Christovao seu caminho, veio
em sua busca o Grlinh com grande exercito, e do que
com elle passou.
A poucas jomadas depois que dom Christovam parteo da serra ^ viribus suorum
Amba (^anet, llie chegou hum correo com cartas do Preste Joam, rcfcctis, cum rescis-
, set ipsum Gr&nh
em que Ihe decia que elle vinha a toda pressa, que dom Christo- cum exercitu adven-
vam tambem apressase seu caminho quanto pudese, porque o Granh **", illico decertare
'^ ^ ^ *^ ^ statuit. Lroco oppor-
hia em sua busca com grande exercito, e se nam se juntasem antes tuniori delecto et
jt_ i^A, • ^ - jv^ii per ezploratores de
de chegar o (iranh, seria muyto pengoso dar batalha; e porque hostiumnumerocer-
dom Christovam desejava esto mesmo, foi caminhando a jornadas ^^^ factus, eorum
impetum praestola-
cumpridas e, chegando a as terras do capitam que o tinha chamado, tur.
saio elle ao receber e Ihe presentou oito cavallos muyto fermosos
e disse que se aparelhase muyto bem, porque suas espias Ihe ti-
nham certificado que o Granh o vinha a buscar com muyta gente
e que estava ja tam perto que nam podia passar sem se encontrar
com elle. Agardeceolhe dom Cliristovam o aviso e encomendou que
tornase a mandar espias, que soubesem bem onde chegava e quanta
gente tracia, e elle foi prosiguindo seu caminho pesaroso, por ver
que, se estava tam perto como deciam, nam podiam tornar a tempo
os Portugueses que mandara ao mar, nem chegar a se juntar com
o Preste Joam antes de pcleijar. E dalli a dous dias, entrando por
huma terra chaa, que chamam Q^rt, estremo do reyno de Tigre,
vieram as espias dicendo, que o Granh estava ja tam perto que
nam seria hum dia de caminho, e que tracia gente sem conto. Ou-
C. Bkccari. /ier. Aeik. Seript, oce, iMed, — U. 39
306 HISTORIA DE ETHIOPIA
vindo isto dom Christovao, se determinou de peleijar, dicendo aos
soldados que nam podiam facer outra cousa, pois nam era possivel
passar a se juntar com o Preste, estando todas as terras pollos
mouros, que nam somente Ihes aviam de tolher os mantimentos,
com que morreriam de fome, mas os iriam entretendo com asaltos
ate que chegase o Granh com seu exercito, e que o mesmo perigo
dos mantimentos tinham tornando atras, porque a gente nam se avia
de atrever a Ihos dar, sabendo que o enemigo vinha tam perto com
tam grande poder, e que a victoria estava em as maos do Senhor,
que a podia dar assi aos poucos como aos muytos, e que, se nam
fosse servido que a tivesem, morreriam peleijando por sua santa
fe. E aprovando os capitaes e soldados este parecer, se puseram
todos com grande confian^a nas maos de Deos.
*0 siguinte dia, que foi sabbado de Ramos, indo caminhando f.i26,v.
por aquelles campos chaos, chegaram duas espias de cavallo, que
dom Christovam tracia diante descubrindo o campo, e disseram que
chegava o Granh huma legoa dalli ; pollo que dom Christovam man-
dou logo asentar seu arrayal em hum oteiro, que se alevantava no
meio do campo, muyto a proposito pera o que pretendia, perto de
huma fermosa ribeira, que se chama Afgol, e pondo a Emperatriz
no milhor lugar, que como molher nam tinha pouco medo, vigia-
ram com muyto cuidado toda aquella noite ; e domingo polla minha
apareceram sobre hum oteiro afastado cinco mouros de cavallo, que
vinham a descubrir c campo e, como viram o arrayal, deram logo
volta com muyta pressa. Mandou entam dom Christovam dous Por-
tugueses com bons cavallos, que do mesmo oteiro visem quam
grande era o arrayal do enemigo e onde o asentava, e tornaram
dicendo que a gente que tracia cubria os campos e que se asen-
tava pegado com aquelle cabc^o ; e em quanto se armavam as ten-
das, subio o Granh acima com obra de 300 de cavallo e tres van-
deiras grandes, duas brancas com meias luas vermelhas, e huma
vermelha com meia kia branca, e dalli estcve olhando o arrayal
de dom Christovilo, e depois niandou a sua gente que fosse em or-
dem; e levavani tantas vandeiras, tam grande multidam de trom-
betas e atabales e hiam com grande grita e alarido que parecia
muyto mais gente da que cra. Pareceolhe a dom Christovam que
queriam acometer e fezse prcstes pera peleijar; mas elles nam pre-
tendiam senam cercar o arrayal, e como o ficeram, vigiaram toda
a noite com muytos fogos e grandes gritas. Os Portugueses esti-
LIVRO I, CAPITULO XXXII. 307
vcram tambem sempre aparelhados com panellas de polvora em as
maos e com morroes acessos pera as espingardas, e de quando em
quando desparavam alguns ber^os, com o que faciam que nam se
atrovesem a chegar os enemigos, e parecia o arrayal tam crespo
quc nam se podiam persuadir que fossem os Portugueses tam pou-
cos como de dia parcciam.
Passada a noite com aquelle tam grande trabalho e comccjando ^^ OrAnh leeatum
a sair o sol, mandou o (iranh hum embaixador a dom Christovam, ■<* Christophorum
mittit ut eum ad suas
dicendo, que se maravilhava muyto como tivera atrevimento pera partes trahere stu-
entrar naquella terra e aparecer diante delle com tam pouco po- phorus^oer xumcfum
der, que bem parecia tam mancebo como Ihe deciam e inocente responderit.
sem esperiencia, mas que por sua pouca idade e saber que aquella
molher e a gente da terra o tracia enganado, que era tam falsa
127. que nem a seu proprio Rey guardava *lealdade, tinha piedade delle
e determinava usar de sua grande^a e acostumada clemencia, per-
doandolhe atrevimento tam mal considerado, com condicjam que se
fosse logo pera elle com todos os Portugueses, e que, se nam qui-
sese andar em sua companhia, se tornase pera sua terra e elle Ihe
aseguraria o caminho, pera que nam Ihe fosse feito mal nenhum;
e que ficesse logo o que Ihe mandava, pois via tam claramente a
verdade do engano com que o trouxeram ; e que recebese o que o
embaixador Ihe daria, que era hum capello de frade e hum rosairo,
mostrando que nam o tinha em conta de capitam senam de frade, porque
a todos os Portugueses, que alli estavam, punham este mesmo nome.
Depois que dom Christovam ouvio a embaixada, fez muyta
honrra ao que a tracia e deolhe huma roupa de setim roxo e huma
gorra de gram com sua medalha de bom prego e disse que se fosse,
que elle mandaria a reposta a seu senhor; e fez que o acompa-
nhasem ate sair do arrayal. Ordenou logo dom Christovam com
conselho dos principaes que nam fosse Portugues com a reposta,
pois avia tam pouco que fiar de mouros, senam hum escravo de
Portugues, que era albo, e vistindoo muyto bem, Ihe deram huma
mula em que fosse e o que avia de dicer escrito em arabio, para
que o pudesse ler o Granh, e era: que elle tinha alli chegado por
mandado do gram liao do mar e poderoso senhor na terra, o qual
sempre acostumava a socorrer os que pouco podem, e assi, por ter
noticia que o christianissimo Emperador de Ethiopia seu irmSo em
armas estava desvaratado e desapossado de seus reynos por gente
infiel e enemiga da santa fe catholica, Ihe mandava o socorro que
3o8 HISTORIA DE ETHIOPIA
alli via, que, ainda que piqueno, bastava pera toda sua multidam, pois
eram tam maos e tomaram aquella terra sem nenhuma regam nem
justic^ta, nam com sua forga, senam poUo permitir assi o verdadeiro
Deos, pera castigar os Ilabexins por seus peccados; mas que esperava
cm sua divina misericordia que se aplacaria sua ira com o que ja
tinham padocido e que os tomaria a sua antigua livertade e posse
de suas terras por meio dos Portu^eses, e que, ainda que poucos,
outro dia veria como peloijavam e pera quanto eram ; porque nam vie-
ram pera se tomarem, senam ao buscar a elle. E mandoulhe hum
ospelho grande e humas tena^as piquenas, de que acostumam usar
as molheres pera as sobrencelhas, facendo delle molher.
Chegando o escravo ao Granh com esta resposta, teve g^ande
paixam ; mas com tudo disse, que homens de tam grande coragam,
que, sendo tam poucos, se atreviam a peleijar com elle, que tracia
tam grande *poder, mereciam que todos os Reys Ihes ficesem muy- f,i27,v.
tas honrras e merces. E com isto se tornou o escravo.
3. GrAnh parvam Determinava o mouro dos ter alli corcados, sem Ihes deixar
manum Lusitano-
rum undequaque cir- ontrar mantimentos, pora assi os tomar a fome; o que podia fa-
^j°i j-.^°*^^^ *™^ cor facilmento, porque tinha quincc mil homens de pe todos de
ad deditionem com- ^ f i 1 f
pellere studet. Chri- adargas o (^argunchos, arcos o frochas, e mil e quinhentos de ca-
stophDrus praelium ,, , , x^ .
incredibili audacia vailo, e docentos turcos arcabucoros, e os Portugueses nam eram
committit: victona j-nais que trecentos e cinquenta, porque oito eram mortos e os de-
diu anceps; tandem * a i -1
Gr^h,graviaccepto mais estavam ausentes. E os Turcos foram tam atrevidos, que, nam
exercitu terga vertit. ^^ contontando com terem aos Portugueses cercados de longe, se
chegaram muyto perto e ficeram humas paredes de pedra ensosa,
de onde tiravam e faciam tanto dano, que foi necessario mandar
dom Christovam a Manoel da Cunha e Inofre Dabreu com sesenta
Portugucsos pora os botar dalli; o que elles ficeram com grande
valor e osforgo, nias acudindo os mouros de cavallo a dar costas
aos Turcos, se trabou huma briga muyto grande, em que firiram
alguns Portuguoses e elles mataram muytos mouros, ajudando os
do arrayal com a artilharia, e vondo dom Christovam que hiam car-
regando muytos mouros, mandou tocar a recolher ; o que os Por-
tuguosos ficoram logo com muyto boa ordom e os Mouros tambem
se afastaram, por nam so atrever a chegar perto do arrayal, mas
ficaram toda via aroda na forma que antos o tinham cercado.
Entondondo dom Christovam que o intento dos mouros era to-
malo a fome, determinou dar batalha antes que viose a tal estremo,
e assi outro dia, que foram 4 de abril de 1542, ao cantar do gallo,
LIVRO I, CAPITULO XXXII. 309
mandou carregar as tendas e o dcmais fato e, repartindo os capi-
taes com sua gente a mao dereita e izxjuerda, pus a Emperatriz
no meio com suas molheres e 200 Habexins que a acompanhavam,
e elle tomou a retaguarda, porque de todas partes ostavilo cerca-
dos e, em rompendo a lua, romec^ou a abalar seu arrayal com esta
ordem. O que vendo os Mouros, mostraram grandc alej^ria, por Ihes
parecer que, como deixaram aquelle oiteiro, Ihos seria facil desba-
ratalos; e assi se foram logo pera ellos, tangendo tantas trombetas
e atabales e com tam grande grita que parocia que se fundia o
campo ; e come^ando os Portugiieses a tirar com suas espingardas
e jugar por todas partes com a artelharia, ficeram afastar a gente
de pcc, de maneira que Ihes davam campo franco. O que vendo os
Turcos, se puseram na dianteira e foram chegando tanto que fa-
ciam muyto dano com as espingardas. Em isto se abalou o mesmo
f. 128. Granh com as tros vandeiras que sempre *tracia diante e com mais
de 500 de cavallo e, chegandose polla vanda onde estavam os Tur-
cos, se trabou a cousa do manoira que so viram em grando aperto
os Portugueses; pollo que dom Christovam Ihes disse que nam se
afastasem tanto senam que doixasem peleijar coma artelharia; o que
faciam com tanto animo os que a tinham a seu cargo, e tiravam
tam a miude que nam deixavam chogar os cavallos e matavam muy-
tos. Mas os Turcos peleijavam fortemente e se chegavam muyto, e
assi foi for^ado a dom Christovam mandar a Manoel da Cunha com
50 Portugueses que desse nelles, e arremetendo se varalharam to-
dos tanto que os Turcos pegaram do guiam e mataram o a| l]ferez
e outros tres Portugueses e firiram com huma espingarda na perna
a Manoel da Cunha, poUo que se recolhco, deixando mortos e fe-
ridos muytos Turcos.
Em este tempo andava dom Christovam animando a gente, que
muyta della estava ferida, e punhase sempre na parte onde avia
mais perigo, e assi llie deram huma espingardada na perna, o que
foi pora todos os seus de grande sentimento e a elle de muyta
maior honrra, porque, assi forido como estava, acudia a todas par-
les, esforc^ando os soldados e peleijando com t.mto valor e arte qual
pode ser nam ficeram em tal aponto os mais insignes e famosos
capitaes, que celebram muyto as historias.
Andando pois a batalha muyto acessa e sendo ja mais de
meio dia, pareceolhe ao Granh (que estava vendo de fora) que sua
gente enfraquecia e, acudindo a ajudar com os que o acompanha-
3IO HISTORIA DE ETHIOPIA
vam, se chegou tanto que o alcan^aram com huma espingardada c Ihe
atravesaram a pema e juntamente o cavallo, e assi caio logo morto,
Vendo isto sua gente e que Ihe corria muyto sangue, abatiram tres
veces as vandeiras, dando sinhal de recolher, e logo o foram le-
vando em os bra<;os; e conhecendo bem dom Christovam que elle
era o que levavam ferido, mandou tanger de festa as trombetas e
atabales e arremeteo com os Portugiieses e os 200 Habexins, le-
vando tam grande impetu que em pouco espago fez virar todos os
mouros, e deixando o campo alastrado delles mortos, siguio o al-
can^e ate que os Portugueses ficaram muyto cansados, e como nam
tinham cavallos, arreceou dom Christovam que, passando adiante,
podiam conhecer sua canseira os mouros de cavallo e tornar sobre
elles. PoUo que mandou tocar a recolher e, quando tomaram ao
arrayal, achou a Emperatriz com suas criadas em huma tenda amar-
rando por suas maos os feridos com seu[s] proprios tocados, sem
querer esperar por outros pannos.
*Como chegou dom Christovam, fez correr o campo pera tracer f.i28.v.
a enterrar os Portugueses que morreram, e acharam once. Tambem
conheceram alli os Habexins cuatro capitaes do Granh muyto prin-
cipaes e 30 Turcos mortos; e como acabaram de enterrar os Por-
tugueses, que dom Christovam ouvera de descansar de tam exces-
sivo trabalho, como tinha levado, se pus a curar os feridos por sua
mao, porque o ^urgiam que tinham estava ferido na mao dereita;
e depois de curar a todos se curou a si mesmo, tendo mais senti-
mento das feridas dos soldados que da sua propria. E como foi
noite, embiou scgredamente hum homem aos Portugueses que fo-
ram a Magua, que Ihes dese nova da victoria que tiveram e como
fora ferido o Granh ; que viesem com toda pressa, porque esperava
no Senhor que com sua chegada se acabaria a conquista. Estive-
ram alli alguns dias, esperando que os feridos tornasem a poderem
tomar armas e que os outros Portugueses chogasem ; mas vendo
que tardavam e arreceando que o mouro se reficese e tornase a dar
sobre elles (como na verdade ja tinha mandado que viesem com
muyta pressa os capitaes que tinha espalhados, e cada dia Ihe en-
trava muyta gente), determinou dom Christovam de Ihe dar logo
outra batalha, tendo grandes esperan^as na misericordia do Senhor,
por quem todos peleijavam, e em cujas maos tinham postas suas
vidas, que, ainda que era tam grande a multidam dos enemigos, Ihes
daria victoria, como primeiro tinha feito.
CAPITULO XXXIII.
De como dom Christovam deo a 2" batalha ao Gr&nh.
Passados 12 dias depois que dom Christovam venceo ao Granh, 1. Sccunda vice
sintindose ja os feridos pera poderem tomar armas, se confessaram lium^^mnSttit^cum
todos e domingo da Pascuela, antes de amanhecer, alevantaram o «crcituGrAnh, mul-
tisque mahumeda-
arrayal e, postos em ordem, se foram pera os mouros que estavam nis caesis, reliquos
perto e, como foi esclarecendo, que os viram, sairam com a grita aco- ^^™ c^^^ii^^ *"
stumada e nam menos sobervos que a primeira vez, porque Ihes
tinha entrado mu)rta gente e quem principalmente Ihes dava animo
era hum capitam muyto arrogante, que se chamava Garad Amar e
viera de novo com 500 de cavallo e tres mil de pe. Este decia aos
capitaes do exercito, como era possivel que, sendo tam poucos os
Portugueses, durasem tanto diante delles, como tam grande multi-
dam nam os facia logo em poo [?] ; e tomando elle a dianteira arre-
f. 129. nieteo *com os seus tam afotamente, como se nenhum caso ficera
dos Portugueses. E na verdade, se todos seus 500 de cavallo fo-
ram tam resolutos como elle, os ouveram de por em grande aperto;
mas por medo da artilharia, que matava niuytos, nam se atreveram
a romper unidamente. So o capitam com cinco mouros de cavallo,
homens muyto esfor^ados, se metcram pollos fains dos Portugueses
e morreram peleijando valerosamente. A este tempo mandou o Granh,
a quem alguns, por estar ferido, traciam em hum catre carregado
312 HISTORIA DE ETHIOPIA
sobre os hombros, que toda a demais gente de cavallo arremetesse
por diversas partes; o que elles ficeram com muyta forga, e tra-
bouse muyto a batalha, peleijando de huma e outra parte por grande
espa^o valerosamente ; mas os que entre todos se senalavam, eram
oito Portugueses, que tinham cavallos, arremetendo com grande
animo onde os mouros mostravam maior for^a, e sempre rompiam
e matavam muytos ondequer que chegavam ; mas como eram tam
poucos, nam se atreviam a afastar muyto siguindo o alcance, que,
se todos tiveram cavallos, ficeram aquelle dia maravilhas, sem Ihes
poder escapar o Granh; nem as deixavam de facer em seu districto
os Portugueses de pe, porque tambem faciam suas saidas, matando
muytos dos Turcos e tantos mouros que todo o campo aroda do
arrayal estava alastrado delles.
Andando pois a batalha muyto trabada e acessa e carregando
os mouros de cavallo a parte, que viram em os de dom Christo-
vam mais fraca, tomou por d(^sastrc fogo a polvora, que alli tinham,
e matou dous Portugueses c queimou outros, que ficaram muyto mal-
tratados, e foi tamanho o estrondo que fez e a lavareda que ale-
vantou, que os Portugueses todos st^ tiveram naquelle instante por
acabados e os cavallos dos mouros viraram com tanta furia que,
sem obedecer de nenhuma maneira ao freo, levavam a seus senho-
res pollo campo, e assi se afastaram bom peda^o e deixaram aquelle
lugar desaprcssado. Pollo que, ainda quc* foi grande desastre to-
mar fogo a polvora, pois se queimaram aquelles Portugueses, ajudou
muyto pera alcan^.ar victoria, porque, demais que os mouros tinham
posto em grandc aperto e perigo aquelle lugar, como se afastaram
tanto, sem poderem facer tornar a virar de pressa os cavallos, fica-
ram mais libres os Portugueses pera darem nos Mouros de pee, e
assi o ficeram de maneira que ate os Turcos, que eram os que
principalmc^nto peleijavam, se afastaram, e dalli por diante nem elles
nem os de cavallo se atniviam a cht»gar muyto. No que conheceo
dom Christovam que hiam ja erifni(|uecendo, e assi *arremeteo com f.i2g,v
tam grande impetu que, nam pudendo os Mouros resistir, se foram
retirando (^ peleijando ate que se viram tam aportados que toma-
ram por remedio virar as costas e fugir a quem mais podia, ten-
dose por muyt(j ditosos e bcm afortuiiados os que escapavam com
as vidas, porque os Portugueses hiam com muyta furia matando
em elles como em carneiros; e assi siguiram o alcan^e obra de
meia legoa, ficando tam cansados do que tinham corrido e peleijado
l
LIVRO I, CAPITULO XXXIII. 313
que nam puderam passar adiante, ainda que o deseijavam, por ve-
rem de longe levar as costas em seu catre ao Granh e fugindo to-
dos a quem mais podia, pello que, se tiveram cavallos, nam Ihes
ouvera de escapar e com sua tomada se acabara a demanda.
Vendo dom Christovam que sua gente estava mu)rto cansada,
se tornou tocando arrecolher e, chegando ao arrayal dos mouros,
acharam as tendas armadas e muyto fato dentro, que com a pressa
de fugir nam puderSo levar ; e como acavaram de recolher os de-
spojos, que se juntaram todos os Portugueses, acharam que falta-
vam catorce, e logo os foram a buscar poUo campo com muyta
diligencia e a todos trouxeram mortos e os enterraram com grande
sentimento, mas dando juntamente muytas gra^as ao Senhor por
tam insigne victoria; e por estar o campo destruido de erva pera
os gados e nam tam acommodado pera os feridos, que passavam de
setenta, de quem depois morreram 4, se passaram a outra parte,
onde estava huma ribeira fresca e, chegando perto, viram muytos
mouros sentados a longo della e entrelles ao Granh, que determi-
nava descansar alli aquella noite, por ser ja muyto tarde e Ihe pa-
recer que os Portugueses nam podiam chegar tam longe, ainda que
quissesem; e assi, quando os vio, disse com grande ira (como de-
pois refirio hum Habexim que com elle estava) : Muyto he que nam
me qucram deixar estes frades, que assi chamava sempre aos Por-
tugueses; e alevantandose todos com muyta pressa, fugiram oito
dias, sem se darem por seguros ate entrarem em huma serra muyto
forte ; e no caminho morreram muytos, assi por nam acharem man-
timentos bastantes; que a gente da terra, como os via ir desvara-
tados, nam Ihos dava, como por irem muytos feridos e levallos com
tanta pressa.
Ficou dom Christovam perto daquella ribeira descansando e a. ConBilio inito
, r> • j j • . 1-1. cum primoribiis Ae-
curando os fendos, por ver que nam podia por entam passar adiante thiopiae hiemare
siguindo o alcance, e dalli a dous dias chegaram os Portugueses, «tatuitadpedesmon-
tis OflA prope (inea
f. 130. que tinham, ido *a Magua, e o Bahar jSagax com 30 de cavallo e regni Ang6t et in
500 de pe, e foram rccebidos com grande festa e alegria ; mas elles ^^^l!^^*** caatrorum
vinham com extraordinaria triste^a, por nam se terem achado em
aquellas batalhas, nem aver sido de effeito seu caminho, porque
nam acharam as fustas dos Portugueses, quc ja sc tinhao afastado,
por causa das gales dos Turcos, que guardavam aquella costa, pera
que nam pudesem chegar a tomar novas do que passava em Ethio-
pia. Vcndo pois dom Christovam os Portugueses quc tanto deseijava,
C. Bkc ari. Rer» Aeth, Script, occ, ined, — II. J9
314 HISTORIA DE ETHIOPIA
determinou ir logo em segnimento do Granh, e assi deixou 14 Por-
tugiieses, que estavam mais feridos, em huma serra muyto forte
encomendados ao governador da terra, a quem chamam Tigre Mo-
hon (que os fez curar com muyta diligencia e prover do necessario
com grande abundancia), e foi caminhando dez dias ate chegar a
serra, onde se tinha acolhido o Granh, que era muyto grande e forte,
e por entrar ja o inverno com muyta chuva (que parece come^ou
aquelle anno mais cedo do que acostuma), aconselharam a Empe-
ratriz e os seus a dom Christovam que invernasem ao pe de outra
serra, que se chama Ofla e esta em os confins do reyno de Tigre,
casi na entradada do de Angot e a vista da do Granh, porque dalli po-
diam tolher que nam Ihe entrasem mantimentos senam polla vanda
do mar, de onde Ihe viriam poucos, e entretanto chegaria o Preste
Joam, quc aquelle era seu caminho. O que pareceo bem a dom Chri-
stovam e Ihe escr[ev ]eo logo dandolhe conta do que tinha passado e
que convinha apressar sua vinda porque nam Ihes escapase o Granh,
e mandou com esta carta hum mulato, que se chamava Aries Diaz,
assi porque sabia a lingoa da terra, por ter primeiro andado em
Ethiopia com dom Rodrigo de Lima, como porque Ihe ajudavam
as cores pera milhor poder passar. Mandou logo a Emperatriz que
a gonte da terra ficesse casas pera todos, o que cumpriram com
muyta diligencia e acabaram de pressa, porque eram piquenas, de
madeira, que alli nam faltava e cubcrtas de palha; e traciam man-
timentos e tudo o demais necessario em grande abundancia, pello
muyto que folgavam com os Portugueses.
3. Sub fincm hie- Estando aqui dom Christovam, veio a elle na fim do inverno
lusitiuiis lUK^tu ag- ^um Judeo, que fora capitam de huma serra muyto forte, que se
greditur fortissimam chama Oati, da provincia de (,^emen, que era perto, e Ihe disse que
maurorum munitio-
nem ad flumen Ta- em aquella serra estavam muytos cavallos e os mouros de guarda
cac6, eaquesuperata, q^^^ poucos, que, se queria, a podia tomar com cem Portugueses,
nes caedit spoliisque indo segredamente polla parte que elle sabia, e que tornaria muyto
opimis potitur.
de pressa com todos aquelles cavallos, e que soubese tambem que
o Preste Joam nam tinha outro caminho pera passar mais que aquelle,
e que tracia tam pouca gente que de nenhuma maneira o podi«i fa-
cer, estando alli aqut*lles Alouros. Ouvindo isto dom Christovam, ficou
muyto triste, porque cuidava que vinha com grande poder, e pre-
guntando a Emperatriz se era certo o que o judeo decia, respon-
deo que si; com o que ficou mais *desconfiado, ainda que o nam f.130.
deo a entender, e determinou de facer o caminho franco ao Preste,
j
LIVRO I, CAPITULO XXXIII. 315
com quem desejava muyto de se ajuntar, e ver se podia tomar
aquelles cavallos, que Ihes aproveitariam muyto pera a guerra; e
assi deixando o arrayal bem concertado, tomou a Manoel da Cunha
com cem Portugtieses e parteo a meia noite segredamente, porque
nam entendese o Granh que elle faltava, e caminhando a toda pressa,
chegou a hum rio grande que chamam Tacace, de que falamos no
cap. 27, que no inverno leva muyta agoa e furiosa corrente, mas
com tudo o passaram em xangadas e odres cheios de vento, e de-
pois, sem serem sentidos, subiram a serra por onde o Judeo guiava,
mas acharam acima muytos mais mouros dos que elle tinha dito,
porque estavam tres mil de pe e cuatro centos de cavallo, que, vendo
os Portugueses, se puseram com muyta pressa em armas. Subio en-
tam dom Christovam em seu cavallo e oito Portugueses, que tam-
bem os levavam e juntos com os de pe foram arremetendo. Em
isto se adiantou dos seus em hum fermoso cavallo o capitam dos
Mouros, a quem chamavam Cid Ahamed, que quer dicer « senhor
Ahamed >, e veio demandando a dom Christovam; elle tambem Ihe
saio ao encontro com tanta forga que, ainda que o mouro a tracia
muyto grande, em pouco espa^o o matou e se foi logo metendo
pollos mouros, derrubando a huma parte e outra muytos mortos. O
mesmo faciam os demais Portugueses com tanto impetu que com
serem muytos os mouros, os ficeram virar, e foram bom peda^o
matando nelles e dos que Ihes ficaram escaparam poucos, porque os
Judeos, que alli estavam, os mataram.
Como tudo. isto foi acabado, se recolheram os Portugueses,
dando muytas gra^as a Deos que, sem morrer nenhum, Ihes dera
tam grande victoria, do que ficaram muy maravilhados todos os
Judeos que moravam na serra, e o que os guiava, vendo o que ti-
nham feito, ao que nam Ihe parecia podiam chegar for^as huma-
nas, disse que nam era possivel senam que os Portugueses tinham
verdadeira fe, pois Deos tanto os ajudava, e assi se fez christao
com douce irmSlos seus capitaes daquellas terras; e porque, ainda
sendo judeo, fora sempre fiel ao Preste Joam, o deixou dom Chri-
stovam por capitam daquella serra como antes era, encomendan-
dolhe que mandase com muyta pressa recado ao Preste Joam, como
era ja tomada a serra, pera que viese com brevedade, sem arrecear
o perigo do caminho. Tomou aqui dom Christovam muyto fato, que
tinham guardado os mouros, por ser lugar tam forte, muytos escra-
vos, trecentas mulas e 80 cavallos escolhidos, que estimou mais que
3l6 HISTORIA DE ETIIIOPIA
tudo, e com isto se tornou mu^rto alegre e passou o rio Tacace da
mesma maneira que primeiro; mas depois, porque o caminho era
muyto aspero e que hiam os cavallos devagar, deixou com *elles f. 131.
Irinta Portugueses e foisse com os demais a toda pressa, porque
sua tardancja nam fosse causa de algum trabalho, sabendose que
faltava elle e tantos Portugueses no arrayal.
4. Gr&nh caedibus Em quanto passavam estas cousas, nam perdia tempo o Granh,
suorum perterritus ^ ja.^ji ^ il/^ x.
auxiliares copias ct ^''^tes, vendo tantos dos seus mortos e os que Ihe ncavam tam ame-
tormenta bellica a drantados que nam se aviam de atrever mais a facer rosto aos Por-
Turcis Arabiae ex-
petit, iisqueacceptis, tugueses, trabalhou muyto porque Ihe viese gente nova de outras
cum usitanis com- pQ^j-^Qg ^ principalmente Turcos, e pera isto escreveo ao Baxa de
mittere parat.
Zebid, terra da outra vanda do estreito na Arabia, declarandolhe
o aperto em que estava e quam poucos eram os Portugueses: que
Ihe socorrese com os mais Turcos que pudese, que elle tambem
era vassallo do gram Turco; que nam quissese deixar perder as
terras que tinha ganhado; e mandoulhe muyto ouro com grandes
promessas pera depois. O que vendo o Baxa, que tinha tres mil
Turcos pera guarda do estreito, Ihe mando setecentos, ou, como
outros affirmam, 900 de espingarda, em que entravam trinta de ca-
vallo com estribos dourados, e dez pegas de artelharia de campo.
Vieram tambem muytos mouros A.rabios que Ihe mandaram outro[s]
senhores de Arabia seus amigo[s], e dos de Ethiopia se Ihes jun-
tou grande numero, e chegando os Turcos ao Granh a mesma
noite que dom Christovam entrou em seu arrayal, logo outro
dia dcceo da serra dando mostra de sua gente, . que era tanta
que cubria o campo, e asentou seu arrayal tam perto dos Por-
tugueses que a artelharia dos Turcos, que logo dispararSo, chegava
a elles.
Vendo dom Christovam o socorro grande, que Ihe viera ao
Granh, tomou conselho sobre o que seria milhor facer, e todos dis-
seram que de nenhuma maneira se podiam retirar, porque a gente
da terra se alevantaria logo contra elles e nam somente nam Ihes
daria mantimentos, mas nem os deixariam passar; nem o Granh os
avia de largar: que forgadamente aviam de peleijar, mas que nam
o ficessem ate chegar os Portugueses com os cavallos, que podiam
tardar dous dias, e entretanto se defenderiam o milhor que pude-
sem em seu arrayal, que o tinham fortificado aquelle inverno com
boas tranqueiras; e com este acordo mandaram logo recado aos
Portugueses, que traciam os cavallos, que viesem a toda pressa, por-
LIVRO I, CAPITULO XXXIII. 317
que o Granh decera com muyta gente e mostrava querer dar logo
batalha; e elles se aparelharam e fortaleceram todo aquelle dia e
noite, que nam foi piqueno trabalho pera os que vinham cansados
do caminho ; mas nem com isto alcan^aram seu intento, que era de-
fenderemse ate que chogasem os cavallos pera dar batalha, porque
nam a puderam escusar antes disso, como no capitulo siguinte
veremos.
CAPITULO XXXIV.
De como o Gr&nh deo batalha a dom Christovam,
e do que sucedeo.
f.i3i.v. *Vendose o mouro Granh com tanta, tam lustrossa e bem ar- i. Gr&nh prima
ma[da] gente e sabendo quam poucos eram os Portugueses, teve ^^ ^^is ^Luaita^
por muyto certa de sua parte a victoria e assi determinou dar logo nos aggreditur. Ma-
-^,, . •.^j- t_j r Kna virtute utrim-
batalha, e pera isso o sigumte dia em amanhecendo, que loram q^e pugnatur, sed
28 de acrosto de 1542, se foi pera o arrayal de dom Christovam ^ndem, nocte in-
^ ^^ * ^ -^ cumbente et multis
com toda sua gente em ordem e na dianteira 900 Turcos com dez suonim caesis, Lusi-
j ^"11 • a_ j j j /-*i_ . ^ j o. ■ t*tii se retrahunt.
pe<;:as de artilharia, e entendendo dom Chnstovam sua determma-
<;am, ordenou tambem sua gente e reparteo as estancieis com ordem
que dalli se defendesem, sem sair ao campo, ate que Ihes chegasem
os cavallos, como primeiro tinham asentado, e vindo os Turcos a
tiro de espingarda, se come^ou huma muyto forte e porfiada pe-
leija, jugando de huma e outra parte com a artilharia e espingar-
daria; o que durou por algumas horas, morrendo muytos Turcos e
algnns Portugueses e ficando outros feridos, ate que, uniijdose
muyto a gente do Granh, se chegaram os Turcos de maneira a as
tranqueiras que feriam e matavam muytos com as espingardas; e
vendo dom Christovam o dano grande que Ihe iaciam e que estava
arriscado a Ihe abalroarem as tranqueiras, por nam serem tam fortes
como convinha pera tam grande multidam e for^a de gente, de-
terminou facer algumas saidas e tornarse a recolher ; e o primeiro
que saio foi elle, levando comsigo cinquenta Portugueses de espin-
garda, e deo com tam grande impetu em obra de cem Turcos e
320 HISTORIA DE ETHIOPIA
outros mouros, que estavam daquella vanda, que os foi levando por
muyto espa^o diante de si, matando e firindo muytos; mas, por nam
se afastar demasiado e vir carregando sobre elle muyta gente, se
tornou a recolher, e entam Ihe mataram cuatro Portugueses e casi
todos os demais vieram feridos e elle tambem com huma espin-
gardada na perna.
Como entrou dom Christovam, saio Manoel da Cunha por outra
parte com sua gente e fez afastar os Turcos grande peda^o, que
eram os que mais trabalho davam, por se terem chegado muyto
as tranqueiras, e depois de ter peleijado bom espa^o com grande
valor e esfor^o, matando e firindo muytos, indose recolhendo, Ihe
mataram cinco Portugueses e Ihe firiram outros. Os demais capi-
taes dcis estancias faciam tambem por ordem suas saidas e sempre
levavam aos mouros e turcos grande espa^o pollo campo, facendo
nelles muy grande estrago; mas ao recolher perdiam de ordinario
gente e vinham muytos feridos, e desta maneira andaram com exces-
sivo trabalho ate depois de meio dia, que veio a estar a casa da
Emperatriz tam chea de feridos que nam cabia, c ella e suas don-
cellas Ihes amarravam as feridas, derramando muytas lagrimas com
grande angustia e afli^am, assi por ver cousa tam lastimosa, como
por Ihes parecer que se chegava a hora em que aviam de caer nas
maos de tam crueis *enemigos, porque se tinham chegado ja tam f. 132.
perto das tranqueiras que metiam os pilouros dentro da casa, onde
firiram duas molheres.
A este tempo, com estar malferido, dom Christovam andava
com grande diligencia correndo as estancias e animando os solda-
dos e mostrando tam grande valor e esforgo qual se podia esperar
de tam illustre e esfor^ado capitam, digno de ser posto entre os
que por suas fa^anhas alcan^arao maior nome e fama no mundo,
e vendo que, por se terem chegado tanto os Turcos, Ihe faciani
muyto dano dentro do arrayal, mandou a Francisco Dabreu que
dese com sua gente por aquella partc, e que seu irmao Inofre Da-
breu estivesc fora com a sua, pera acudir com prestega quando elle
se quisese recolher, porque os Turcos nam tivesem lugar de facer
tanto dano. Saindo pois o valeroso capitam Francisco Dabreu, pe-
leijou com tanto esforco que fez virar os Turcos e Mouros e os
lcbou pollo campo, matando muytos e siguindo o alcance mais do
que devera, ao recolher, Ihe deram huma espingardada com que
caio morto. Arremeteo entam seu irmao e fez afastar os Turcos,
LIVRO I, CAPITULO XXXIV. 32 1
que vinham sobre elle, mas estando alevantando o defunto, o derru-
baram morto com elle de outra espingardada ; e assi os que, de-
mais de serem irmSos, se amaram muyto na vida, nam se afastaram
na morte, nem se afastaram na gloria, que a teram muyto grande,
pois padeceram tantos trabalhos e morreram peleijando en defen-
sam da santa fe.
Sintio dom Christovam na alma tam desastrado caso e perda
de tam excellentes capitaes e, vendo que Ihe faltavam ja cuatro e
muyta de sua gente e que os mais dos que Ihe ficavam nam po-
diam peleijar, por estarem muyto feridos, e os Turcos, que enten-
diam isto, se chegavam com muyta sobervia, tomou os que achou
que Ihe podiam acompanhar, que eram bem poucos, e deixando en-
comendado a Manoel da Cunha, que ao recolher desse elle com sua
gente, e arremeteo com tam grande impetu e peleijou tam forte-
mente, que em pouco espacjo nam ficou mouro nem turco que se
atrevese a Ihe facer rosto, antes viraram todos as costas, e hia ma-
tando nelles como em carneiros, tanto que, como affirmaram alguns,
que estavam presentes, se a aquella hora tiveram comsigo os ca-
vallos, que Ihe ficaram no caminho, sem duvida fora sua a victoria;
mas nam tinha em todo seu arrayal mais que oito cavallos e com
elles peleijaram todo o dia. Com tudo isso foi grande peda^o si-
gxiindo os mouros, e sintindo aos seus muyto cansados, se tornou a
recolher. Em isto viraram os Turcos e vinham detras a as espin-
gardadas, com que Ihe mataram alguns Portugueses e a cUe Ihe quei-
f.i32,v. braram o brago dereito. Acudio entam *Manoel da Cunha e com
sua ajuda se recolheram, porem muytos feridos e todos tam can-
sados que nam se podiam bulir, nem avia ja quem pudese tomar
armas. Com todo isso dom Christovao, esquecido de suas feridas,
os andava esfor^ando e rogando que se chegasem a as tranqueiras ;
o que ficeram com grande animo e duas veces botaram os Turcos
fora dellas, que com muyta for<;a e pressa hiam entrando e carre-
gando alli todos os mouros davam grande bateria.
Andando pois a cousa desta maneira o sendo ja muyto tarde, 2. Patriarcha Bcr-
-. T^ . j /-M • ^ • 1- rnudc*, Impcratrix
disseram us Portugueses a dom Lhnstovam que ja nam pocUam ^^ maior Lusitano-
mais, que se recolhesom polla serra acima; o que elle de nenhuma "^™ P*"» tcncbris,
sylva ct aspcritatc
maneira queria facer, antes, tomando a espada com a mao izquerda, montis protccti, sa-
hia com grande esfor^o pera a parte ondc o mostravam maior os ^ ^™ invcmun .
mouros, dicendo aos seus que quem o quisese seguir o ficesse; e
vendo os Portugueses sua determina^am, o detiveram com grande
C. Bkccaju. /ier, Aeik, Script, occ, ined* — II. 40
322 HISTORIA DE ETHIOPIA
for^a, dandolhe muytas re^oes pera que se retirase e procurase de
salvar sua vida e dos mais companheiros que ainda a tinham, por-
que com ella se podia depois restaurar aquella perda, e tomandoo
por forga em os bra^os, o puseram em sua mula e levaram polla
serra acima, indo diante o Patriarca e a Emperatriz. Entraram logo
os Turcos no arrayal e acharam nas casas mais de 40 Portugueses
tam feridos que nam se podiam bulir, e comegaram a os matar com
grande crueldade ; mas hum que estava na casa onde tinham guar-
dada muyta polvora que ficeram no inverno, porque os turcos nam
se aproveitasem della contra os christaos, foi rastando como pode,
e tomando hum morram que estava acesso no cham, pus fogo a
polvora, com o que elle e os Turcos que tinham entrado se abra-
saram. Outros turcos e mouros foram siguindo os que fugiam e
as frechadas e pedradas mataram alguns Portugueses, que nam po-
diam andar tanto, por estarem muyto feridos e cansados ; mas como
come^ou logo a anoitecer e a serra era de mato muyto basto, esca-
param os demais ; porem o Patriarcha com alguns Portugueses por
huma vanda, e a Emperatriz com outros por outra, e estes se sal-
varam. Mas dom Christovam e 1 4 Portugueses, que o acompanha-
vam, lan^aram por outro caminho e andaram toda a noite com
grande traba[lho], assi poUa aspere^a do caminho, como por irem
todos muyto feridos e cansados.
Como amanheceo, se afastaram do caminho arre[ce]ando que os
achasem os que os seguiam e meteramse por hum valle de muyto
arvoredo e, achando no mais segrcdo delle huma fonte piquena, que
nacia de huma quebrada, ajudaram a decer a dom Christovam da
mula pera descansar e o curar, que ate entam nam o aviam podido
facer, e como nam tivesem micinha nenhuma, mataram a mula em
que hia e com o sevo curaram a elle e a si mesmos, que todos *esta- f j^^
vam malferido[s]. A este tempo ja tinham passado adiante 12 Tur-
cos e 20 Arabios de cavallo em busca de dom Christovam, por te-
rem noticia que foni por aquella vanda e, como nam o acharam,
nem rasto nenhum no caminho, se tornavam. IVIas chegando de fronte
de onde dom Chirstovam estava, atravesou o caminho por diante
delles huma velha que parecia, que nam se podia ter em os pes. Foram
elles pera a tomar desejando saber alguma nova, mas ella se foi me-
tendo pollo mato de liuma mota em outra sem que a pudesem aver
as maos, e chegando ao valle correo com muyta pressa pera as ar-
vores onde estava dom Christovam com os Portugueses e siguindoa
LIVRO I, CAPirULO XXXIV. 323
os Mouros, que se determinaram de a nam largar, deram com elles
de subito, e juntandose todos com grande grita, os prenderam, sem
escapar mais que hum que nam estava tam ferido. Depois nam vi-
ram mais a velha; pollo que deciam os mouros que Mahamed Iha
mandara pera Ihes mostrar os Portugueses.
Como foram tomados, conheceram logo a dom Christovam pol- 3'« At Christopho-
, • 1 t >^ '*°^ sauciatos
las armas que tmha, de quc muytas veces na guerra tiveram vista, cum paucis e suis
e assi o levaram com grande alcgria e contentamcnto e presenta- P«>P«fo«»*«™*bho8-
ram ao Gninh, que estava om sua tenda com grande festa e tinha ad OrAnh adducitur,
diante cento e setcnta cabe^as de Portugnescs, porque dava gram nicliis ct suppliciis
premio a quem Ihe tracia cabeca de Portugues, e assi nenhuma «**»lct*«n fortissi-
mum affectum, tan-
ficou no campo que nam Ihe levasem, e mostrandoas a dom Chri- dem sua ipse manu
stovam, Ihe disse : Eis aqui com quem me queriais tomar minha **P**® ^ tmncat.
terra. Conheces agora tua parbuicja ? Por este atrevimento te quero
facer huma grande honrra. E foi mandalo logo despir num e atar
as maos atras e a^oitar cruelmente. Depois Ihe davam no rosto com
os (japatos de seus escravos e, levandoo pollo arrayal a as tendas
dos capitaes, Ihe ficeram outras muytas injurias e afrontas e como
todos se acavaram de desenfadar com elle, o tomaram a tenda do
Granh, e mandou que das barbas Ihe ficessem torcidas com cera
e Ihc pusescm fogo e que Ihe arrancasem as pestanhas e sobren-
celhas com as mesmas tenacinhas, que dom Christovam primeiro Ihe
mandou, dicendo que pera isso as guardara. O que tudo o esfor-
<;!ado c catholico capitam sufria com admiravel paciencia, dando
gragas a Deos, e com os olhos pregados no ceo Ihe pedia perdam
de seus peccados e Ihe oiferecia sua alma. Mandou depois o Granh
que o desatasem e por escarnio cubrir com hum panno sujo e vil,
dicendolhe entre outras cousas que Ihe perdoaria a morte e Ihe
faria honrras c merces e o deixaria embarcar pera India com todos
os seus que se achasem vivos, com condicjam que os mandase cha-
mar ondequer que estivesem e que viesem pera elle. Ao que re-
spondco dom Christovam: Se tu, mouro, conhecera quem sam
f , J3V. *Portugueses, nam falaras cousas de vento. De mi podes facer o
que quiseres, pois estou em teu poder. Mas sabe certo que, ainda
que me deses a metade de tuas terras, nem hum so Portugues faria
vir pera ti, porque os Portugueses nam acostumam a viver com
Mouros, que sam sujos e enemigos da santa fe de Christo meu se-
nhor. Indignouse o mouro tanto com esta reposta, que, levantandose
de onde estava e arrancando seu ter^ado, Ihe cortou a cabecja.
1
324 HISTORIA DE ETHIOPIA
4. Turcae propter Sabendo os Turcos a morte de dom Christovam, tiveram mu^^ta
mortem Christopho- j .. j , /- i- t. ^
ri iniram conversi, paixam, porque deseijavam de levar vivo ao Ciram lurco hum tam
castraGrinhfereom- yaleroso e osforcado capitam e irmSo do ^overnador da India, e
nes relinquunt. Per- 1 x- o ^
fuga lusitanus Impe- assi se foram pera a tenda do Granh e Ihe disseram como sem
ratrici narrat necem *
Christophori. Prodi- conselho ficera huma cousa tam grave, e vieram a taes palavras que
gia subsecuta: Au- ficaram muvto quebrados e detorminaram de se ir logo a embar-
ctoris vana tentami-
na pro recuperandis car pera Zebid e levar a cabe(;:a de dom Christovam e trece Por-
e usdem ezuviis. tugueses, que estavam presos ; mas deixaramlhe 200 Turcos, por-
que assi o tinha mandado o Gram Turco, por re^am do tributo que
cada anno Ihe pagava ; e a noite, antes que partisem, Ihes fugio hum
dos Portugueses e foi a ter com a Emperatriz e contou todas estas
cousas, que da prissam e morte de dom Christovam tenho referido ;
e ainda dicem que affirmou que, acabando o mouro de Ihe cortar
a cabe^a, saio logo huma fonte de agoa do mesmo lugar onde o
corpo caio e seu sangue se derramou ; e ate agora falam mu^rto em
Ethiopia daquella fonte e dicem que, quando os christaos senhorea-
vam aquella terra (que agora tem huns gentios que chamam Galas
e nam deixam entrar), hiam la muytos doentes poUa devo^am grande
que tinham a dom Christovam e, labandose com aquella agoa, sara-
vam de diversas infirmidades.
Tambem dicem que, no mesmo dia e hora que morreo dom Chri-
stovam, se arrancou huma arvore muyto grande, que estava na
crasta de hum mosteiro de frades e se viraram as raices pera cima,
com estar o dia muyto quieto e sereno; do que se maravilharam
os frades e o atribuiram a algum grande misterio e assi notaram
o dia e hora, e depois souberam que naquella mesma hora mata-
ram a dom Christovam ; e secandose a arvore, cortavam os frades
os ramos pera servi^o do mosteiro, mas dalli a seis meses, o dia
que os Portugueses tornaram a peleijar com o Granh e o mataram,
a arvore se virou e metendo as raices na terra, como antes as ti-
nha, lan^ou logo folhas verdes. O que ouvindo os Portugueses, fo-
ram a ver a arvore e a acharam com novas folhas, e os frades Ihes
afirmaram que passara aquello desta mesma maneira. E pregiin-
tando eu agora a alguns frades por isto, me disseram que o ouvi-
ram contar a outros mais velhos por cousa muyto certa; e todas
estas *cousas attribuem a querer Deos Nosso Senhor honrrar seu f. 134.
servo e mostrar quanto Ihe agradou em sua vida e morte; e to-
dos grandes e piquenos o tem e pregoam ate agora por grande
martyr; o que piadosamente se pode crer, polla muyta paciencia
LIVRO I, CAPITULO XXXIV. 325
com quc sofreo tudo e pello odio grande de nossa santa fe com
que aquelle enemigo della Ihe tirou a vida. Este mesmo nome Ihe
da muytas veces o emperador Seltan (,^agued, que oje vive, e de-
seijando eu tirar os ossos pera os embiar a India, Ihe pedi orde-
nase a hum seu capitam, que estava perto daquella terra, que dese
ajuda a algnns Portugueses, que la hiam pera oste eflfeito, e elle
Ihe escreveo huma carta muyto encarecida e entre outras cousas
Ihe decia, que nam convinha deixar estar no campo os ossos da-
quelle santo martyr; que trabalhase o possivel pollos haver e os
entregase aos padres da Companhia, pera que os pusesem em sua
igreja com a honrra devida. Mas isto nam teve efFeito, por mais
que se procurou, intentando muytos meios e dando peitas aos gen-
tios, porque sam muyto falsos e tinham concertado de matar os
Portugneses e a gente da terra que entrase com elles; o que Ihes
descubriram alguns que sabiam do conselho, e assi se tornaram sem
nada, de pois de terem gastado muyto fato.
Do que temos dito se vee claramente quam longe da verdade 5. Rcfcrtur pro-
/•••r ^ rT*jTT^i_ j brosa calumnia ab
101 <i iniorma^am que teve frey Luis de Urreta sobre o modo com urrcta imposita lu-
que dom Christovam e seus soldados se ouveram em esta ultima 8i**^p nomini caquc
cx dictis rcfutatur.
batalha, pois a refer por estas palavras, pag. 360:
« Entretanto que los christianos tenian cercado al rey moro
« Gradahametes, se ha de presuponer que el monte, donde estava,
« tiene las espaldas al mar de Arabia, por donde embio su emba-
« xadora los Reyes moros, pidiendoles favor y suplemento de gente y
« armas, dandoles ra^on del peligro em que estava y de los danos que
« le avian hecho los Portugueses. Acudiole mucha gente muy pro-
« veida de armas y arcabuceria y ocho piegas de campaiia, con la
« qual ayuda engrosso su exercito, y poniendose en orden de batalla,
« baxo del monte en demanda de los Portugueses. Hallolos, qual el
« fue hallado dellos, derramados por los campos, unos en tiendas y
« otros en caserias, sin orden de guerra ni diciplina militar ; y dando
« de repente el moro Gradahametes sobre los descuidados christia-
« nos, unos dormidos, porque era de noche, otros aturdidos con la
« artilleria, otros descuidados y todos desapercebidos, alfin, aunque
« mostraron alguna defensa, al cabo come^aron a ciar, y despues a
« se retraer, hasta que, no pudiendo mas resistir, huyeron alegres
f.i34,v. « con llevar las *vidas. Huyo el capitan Christoval de Gama, mas
« fue preso en un bosque de los soldados que yvan en su segni-
« miento y Uevado al rey moro Gradahametes etc. ».
326 HISTORIA DE ETHIOPIA
No que aqui diz o Author do grosso socorro, que o mouro teve
de Arabia, falou verdade, como acima vimos, ainda que pudera acre-
centar que entre os Arabios vieram 900 Turcos. Mas no modo de
discuido, neglijjencia, desordem e falta de diciplina militar, em
que affirma que tomou os Portugueses descuidados e dormindo, por
ser de noite, e na remissam e fraque^a com que mostra que pe-
lejaram e fugiram, nam foi asi como elle pinta, senam como ja te-
mos contado. Onde quem atentar bem, achara que dom Christovam
da Gama, depois que do Mar Roxo saio em terra e come^ou a ca-
minhar por Ethiopia ate o ponto em que Deos permitio que fosse
desbaratado, nam faltou em seu officio em cousa alguma de tudo
quanto de hum muy grande e excellente capitam se podia desejar;
nem seus soldados deixaram nunca de mostrar o valor e esfor^o
dos que, poUo terem muyto grande, sam mais afamados nas histo-
rias; porque, deixando as espantosas batalhas que venceram e as
insignes victorias que tiveram, quem nam pasmara do que em esta
ultima batalha ficerao[?]; pois sos 335 Portugueses, contando os
dous, que ultimamente vieram com recado das fustas, que chegaram
a Mapua a saber novas e nam se puderam tornar, porque, dos 400,
que primeiro sairam, ja eram mortos 37 e outros 30 ficaram no ca-
minho de ^emen com os 80 cavallos, nem os Ethiopes que esta-
vam com a Emperatriz, Ihes ajudaram aquelle dia em nada ; quem
pois nam se maravilhara de que sos 335 Portugueses pelejasem com
900 Turcos tam bem armados, como ja dissemos, e com tantos
Arabios e outros Mouros de pe e de cavallo, que nam tinham
conto, desde que saia o sol ate que se punha, sem nunca jamais
terem hum so momento de descanso, nem deixarem de andar em
huma roda viva saindo das tranqueiras a pelejar no campo com os
Mouros ora huns capitaes, ora outros, poUo modo que ja dissemos
matando tantos e levandoos de vencida todas as veces que saiam,
sem Ihes ficar a victoria mais que por falta de cavallos com que
a siguisem [? | Nam ha duvida senam que o ficeram como excellen-
tes cavalleiros, mostrando o maior esfor^o que podia ser, de ma-
neira que parecia que o Senhor Ihes dava for(;as mais que huma-
nas. Pollo que com muyta re^am os podemos pregoar por dignos
de perpetua memoria e fama, e condenar muyto o que tam sem re-
gam o Author Ihe impoe a dom Christovam, sendo assi que foi
preso e morto como temos dito, depois de ter feito tam estranhas
provas que sSo honrra do nome Portugues.
f.i35. CAPITULO XXXV.
De como os Portugueses, que escaparam da batalha, se
juntaram com a Emperatriz e depois com o Preste
Joam, e deram batalha ao Grlinh.
Acabada aquella tam triste e dolorosa tragedia em que, de- i. Lusitani super-
■t . .ii_ • ^ • j r stitea Imperatricem
pois de tam prosperos sucessos e maravilhosas victorias, se desfez aequuti in vertice
como fumo a roda de tam grande felicidade e ditosa fortuna, fica- nioatis natura mu-
nitissimi se colli-
ram os Portugueses que escaparam da batalha espalhados pollos gimt. Reliqui la, per
matos, e como os tomou logo a noite e nam sabiam os caminhos, Jes""*^*/**^^
hia cada hum por onde sua ventura o guiava. Os milhor librados dunt, quos incredi-
^ bili audacia adoriun-
eram os que puderam seguir a Emperatriz, porque, como levava tur et in fugam ver-
comsigo gente da terra que sabia onde se podiam recolher, facil- ^'ip* ; *ai^d«™ «d «los
salvi perveniunt.
mente se puseram em salvo, metendose em huma serra muyto forte ;
mas dos que ficaram entre os matos hiam outro dia dez ou 1 2 jun-
tos, caminhando devagar, por estarem muyto feridos e cansados e,
sendo ja dez horas de dia, foram vistos dc muytos mouros de pe
e dous dc cavallo, que corriam o campo. e logo foram com grande
furia pcra eUes. Disseram entam dos que estavam menos feridos,
e se chamavam Fernam Cardoso e Pero de Almansa, que os de-
mais, pois nam podiam pelejar, se fossem a toda pressa e se em-
brenhassem, em quanto elles ficavam pelejando ate morrerem o se-
rem cativos ; ao que se offereciam de boa vontade, porque elles se
328 HISTORIA DE ETHIOPIA
salvasem. Com esta determina^ao se tornaram pera os mouros com
suas adargas e fains em as maos e se concertaram que, se os cati-
vasem, por mais tormento que Ihes dessem, nam descubrisem os
que hiam diante.
Foramse chegando os dous mouros de cavallo e como esti-
veram perto, se detiveram esperando pollos de pe pera os toma-
rem e deciamlhes que entregassem as armas e que nam os mata-
riam. Vendo elles tanta gente e que traciam muytos arcos e fre-
chas, disseram entre si que milhor era entregaremse, porque as fre-
chadas e pedradas os aviam de matar, antes que pudesem chegar a
elles com os fains e entregandose poderia ser que dalli se tornasem,
e salvarse hiam os outros; e assi disse hum delles, que ja sabia al-
guma cousa da lingoa da terra, que gucirdasem o que prometiam e
que tomasem embora as zirmas, e chegando *pera as entregarem, f.i^s.v.
se sintiram interioritiente com novo espiritu e amos subitamente
disseram : Santa Araria, com nossas mesmas armas nos hemos de
matar?; e dicendo estas palavras, deo cada hum no seu mouro tal
golpe que amos cairam em terra, hum morto e outro muyto mal
ferido, ficando os cavallos sem se bulirem. O que vendo a gente de
pe, com ser muyta, come^ou a fugir; entam os Portugueses su-
biram em os cavallos e foram hum pouco apos elles, dando mostra
de que os queriam seguir, mas, como os mouros se foram afastando
e encubrindo com os matos, voltaram logo amos e foram em busca
de seus companheiros, a quem dalli a pouco acharam, ficando todos
maravilhados dos ver, porque os tinham ja por m<!yffds "ou cativos, e
sabendo o que passara, o atribuiram a milag^e e deram gragas a
Deos por tam grande merce, e tomando em os cavallos os que esta-
vam mais feridos, foram com muyto trabalho caminhando, ate que
polla misericordia do Senhor acejftaram a chegar a sera onde estava
a Emperatriz com alguns Portugueses.
a. Luctus Impera- Tinha ja mandado a Emperatriz muyta gente da terra que cor-
stophori' dc Gama~ ^^^^ ^^ caminhos e os matos pera que guiasem onde ella estava
Viribus refectis lao qs Portngiieses que achasem e procurasom, aver novas de dom Chri-
Lusitani Imperatri-
cemaequunturinCe- stovam, que nam sabiam mais de que saira muyto ferido. Estes
men; reliqui 50 Ma- trouxeram alt^uns, o uutro dia tambem entraram os que vinham com
9uam vemunt m In- '^ 1
dias transmissuri. os cavallos e ate entani nam sabiam do desvarate, e assi. vendo seus
companheiros tam feridos e em tam lastimoso estado, foi grande o
sentimento que tiveram e muytas as lagrinias que derramaram. Em
isto chegou o Portugues, que escapou quando prenderam a dom Chri-
LIVRO I, CAPITULO XXXV. 329
stovam, e dalli a pouco o que fugio dos Turcos, depois de sua
morte, e contaram o que sucedera na forma que no capitulo pre-
cedente referimos. O que lastimou tanto a todos, que, esquecidos
de todos os outros males e perdas, so esta choravam com g^andis-
sima dor e angustia de cora^am. Nam foi menor o sentimento que
teve a Emperatriz e o pranto que fez com suas donas e doncellas
polla morte de dom Christovam, porque o chorou por muytos dias
como se fora seu proprio filho, o Emperador, sem admitir nenhuma
consolaijam, posto que se esfor^ava a dar aos Portugueses o mi-
Ihor que podia.
Em esta serra estiveram algfuns dias pera se curar e descansar
e que se recolhesem os que andavam espalhados ; e juntaramse como
cento e vinte, e tiveram nova que Manoel da Cunha com cinquenta
Portugueses, sem saberem o caminho por onde hiam, entraram em
f. 136. as terras do Bahar Nagax, onde *foram muyto bem agassalhados.
Depois determinou a Emperatriz com parecer dos Portugxieses pas-
sarse a serra Oati de Qemen, que dom Christovam ganhara no in-
verno, porque alli estavam mais seguros e tinham em abundancia
tudo o necessario, que, demais de ser muyto forte e casi inexpu-
gnavel, tem acima campos largos de sementeiras e herbas bastantes
pera muytos gados e agoa em grande abundancia de fontes e ribei-
ras que nunca se secam. Por isto se foram la e recebeoos com
muyto amor e benevolencia o capitam que dom Christovam deixara
naquella serra, dando a todos liberalmente nam so o necessario, mas
o que pera outras cousas particulares Ihe pediam.
Dez dias depois que a Emperatriz e os Portugueses entraram 3. ciaudius impe-
em aquella serra ou, como outros dicem, 20, chegou o Preste Joam "^"^vcni^^ubr wU
ao pe della com tam pouca e tam triste gente que, se a serra nam lecto ezercitu 500 e-
quitum et 8 miHium
estivera tomada, nam somente nam a pudera elle tomar aos mou- peditum, Lusitano-
ros, mas nem se atrevera a chegar alli. Como os Portugueses sou- "^™ "orfSh ^^^^^
beram que estava tam perto, deceram em ordem levapido por van- tare statuit.
deira a da Misericordia, e quando chegaram, vendoos daquella ma-
neira e qne eram tam poucos e sabendo do desvarate e morte de
dom Christovam, foi tam grande o sentimento e triste^a que teve qual
pudera ter se Ihe morrera o unico filho erdeiro do imperio, tanto
que nem depois avia consolalo, porque vinha muy desejoso de ver
a dom Christovam, pola fama gprande que delle tinha. Receoos
toda via com muyta honrra e falou com g^ande benignidade con-
solandoos e dicendo que se nam ouvesem por estrangeiros e de-
C. BiccARi. /P#r. Am/M, Sert^/. oec. iued. — U. 49
330 HISTORIA DE ETHIOPIA
semparados em seu imperio, porque elle o tinha por del Rey de
Portugal seu irm^o, pois com o sangne de seus Portug^eses ver-
dadeiros christSos fora comprado; e a tudo proveo logo muy co-
piosamente de vestidos, tendas, mulas, criados que os sirvisem e
tudo o mais necessario.
Esteve em esta serra alguns meses em quanto se Ihe foi ajun-
tando gente e, tendo ja como 500 de cavallo e oito mil de pe, pa-
recendolhes aos Portugueses que com aquella gente se podia dar
batalha aos mouros, pidiram muyto ao Emperador Ihe quissese aju-
dar a vengar a morte de dom Christovam. Duvidou elle muyto de
se poder facer com tam pouca gente, mas sabendo de pois que os
Tnrcos eram idos a suas teras, sem ficar mais que docentos com
o Granh, e facendo muyta instancia os Portugneses, determinou se-
guir *seu conselho e pera isto mandou recado aos 50 Portugueses, f.i36,v.
que foram a as terras do Bahar Nagax, que viesem a ter com elle
com a mor pressa que pudesem e de caminho trouxesem as armas
que dom Christovam deixara na serra Damo, onde achou recolhida
a Emperatriz, e por ser cousa muyto forte, guardou alli as que tracia
de sobresalente ; mas quando chegaram os criados do Empera-
dor, nam acharam alli os Portugueses, porque, parecendolhes que
ja os demais eram acabados e que elles nam podiam chegar onde
estava o Emperador, se foram pera a vanda de Ma^ua a esperar
se vinham algumas fustas em que se embarcasem pera India ; e assi
se tornaram, tracendo toda via as armas, que foram de grande im-
portancia, porque tinham muyto poucas.
Sabendo o Emperador que nam avia que esperar por aquelles
Portugueses, que estavam muyto longe, se partio dalli a seis de
fevereiro de 1543 com os que tinha comsigo, que eram cento e
vinte ou 30, em que entravam alguns aleijados, a quem o Empe-
rador decia que ficasem; mas elles o nam quiseram facer de nen-
huma maneira, deseijando de ir morrer com seus companheiros. Que-
rialhes sinalar por capitam algum delles, mas nem isto admitiram,
dicendo que, pois tinham perdido tal capitam como dom Christo-
vam da Gama, nam aviam de ter outro senam a elle e a vandeira
da s.** Misericordia.
4. In provincia Com estes Portugueses e com os quinhentos de cavallo seus
men hostium, duce ^ 8000 de pe foi em busca do mouro Granh, deixando a Empera-
interempto, profligat triz sua may em aquella serra, e chegando a provincia de Oagra,
achou hum capitam do Mouro com 300 de cavallo e 2000 de pe
LIVRO I, CAPITULO XXXV. 33 1
e mandou que desem nelle antes de amanhecer, indo cinquenta
Portugueses de cavallo na dianteira; e em pouco espapo os desba-
rataram, matando o capitam e os mais delles, e tomaram muytos
cativos, de quem souberam como o Granh estava pouco mais adiante
no reyno de Dambia, perto da lagoa, por onde passa o Nilo, com
sua molher e filhos, que por aver muyto tempo que os deixara alli
e por ser terra fertil, se veio pera elles pouco depois que venceo
a dom Christovam. Teve logo novas da ida do Emperador e que
tracia Portugneses comsigo, do que ficou muy espantado, porque
cuidava que todos eram mortos, e os seus nam pouco arreceosos,
por conhecer muyto bem o esforQo dos Portug^eses e entender que
nam vinham senam a se vengar do passado. Aparelhouse com muyta
pressa e facendo alardo de sua gente, achou que tinha trecemil
homens de pe e de cavallo e docentos Turcos.
f. 137. Chegando o Emperador a vista dos mouros asentou *seu ar- 5. Ixide magnis iti-
rayal em huma terra que chamam Oinadaga e, antes de dar batalha, propJucum SambU
tiveram por alguns dieis muytas escaramu^as, saindo de ordinario, y«*"* «* castra ponit
in conspcctu caatro-
70 Portugueses de cavallo, que faciam maravilhas, e vendo huma rom Qr&nh. Per plu-
vez contra elles hum famoso capitam do mouro com 200 de ca- "^^eUiaho^te**!"^^
vallo, o mataram no primeiro encontro com 1 2 cavalleiros muyto «it qui, inaidias mo-
n . n ,. ^ .^. ju. liti, ducem e primis
esfor^ados e ficeram birar os outros; o que smtio grandemente o Aethiopum interfl-
Granh, porque era o milhor capitam que tinha. Tambem o geral *^*^*'
do campo do Emperador era grande cavalleiro e facia muyto boas
sortes com sua gente, de maneira que sempre levavam os mouros
o pior. Vendo o Granh o dano grande que este capitam Ihe facia,
determinou de Ihe armar huma cilada com que o matase a trai^am,
e pera isto mandou que cuatro Turcos bons espingardeiros se em-
boscasem de noite a longo de huma ribeira, que estava a vanda
do Emperador, e como amanhecese fossem dous de cavallo com
huma vandeira branca e fingissem que Ihe queriam dar algum aviso
em segredo e tratar de se passar pera elle e, como chegasse Ihe
tirasem os Turcos. Ficeramo assi por huma parte que parecia que
os dous de cavallo escondidamente sairam de seu arrayal e, postos
a borda da ribeira, chamaram por seu nome ao capitam. Elle que
ja aquella hora andava a cavallo, mandou saber que queriam, e
responderam que tinham huma cousa que Ihe relevava muyto e que
nam a podiam dicer senam a elle. Ouvindo isto, se foi chegando
com muyta gente e vendo que nam eram mais que dous, pare-
ceolhe que se queriam passar pera elle ou darlhe algum aviso de
332 HISTORIA DE ETHIOPIA
importancia, mandou ficar toda a gente e, levando sos dous criados,
se chegou a borda da ribeira e estandolhe preguntando o que que-
riam, Ihe tiraram os turcos com suas espingardas e o mataram e
logo fugiram todos com muyta pressa, e como a gente do capitam
ouvio as espingardas e vio fugir os mouros, entendeo a trai^am e
correram muytos de cavallo apos elles, mas nam os puderam al-
can^ar, porque os Turcos tinham alli perto cavallos prestes e de
seu arrayal sairam muytos aos receber, e assi se tomaram com
seu capitam morto.
6. Altcra die prae- Sintio muyto o Emperador a perda deste capitam, porque era
lium committitur. . c •* . *
Res diu manet in an- niuy valeroso e com o esfor^o g^ande que mostravao dava aos ou-
cipiti:attandemip8e ^^.Qg ^ ^ssj^ vendo que faltava, o perderam muytos, de maneira que
GrAnh gravi vulnere * jt ^
saucius capite plecti- tiveram por impossivel a victoria e tratavam de fugir do arrayal
ti^timivexwiamau^ segredamente. *Mas nam faltou quem dissese ao Emperador o que f.isr.v.
praecipiti fuga terga passava, poUo que determinou dar outro dia batalha, arreceando
vertit.
que, se tardase, o deixariam so ; e em amanhecendo mandou que se
pusesem todos em ordem e juntandose os Portugueses, arvoraram
a vandeira da s.^ Misericordia e postos todos de joelhos se encomen-
daram a Deos, pidindolhe pellos merecimentos da Virgem Nossa
Senhora da Piedade, que nella estava pintada, os quisese ajudar
contra seus enemigos e recebese as almas dos que tivese por bem
que acabasem naquella batalha, e alevantandose, se puseram em or-
dem e tomaram a dianteira, como o Emperador Ihes tinha conce-
dido, levando comsigo docentos e cinquenta Habexins de cavallo e
tresmil e quinhentos de pe, e na retaguarda hia o Emperador com
outros 250 de cavallo e cuatro mil e quinhentos de pe. Desta ma-
neira se foram pera os Mouros que ja vinham tambem repartidos
em duas batalhas e o Granh na primeira com docentos Turcos de
espingarda e seiscentos Mouros de cavallo e sete mil de pe, e na
retaguarda vinha hum grande capitam com seiscentos de cavallo e
seismil de pe.
Como se juntaram os campos, arremeteram de huma e outra
parte com grande impetu e come^ouse a travar fortemente a ba-
talha, mas carfegando por huma vanda os Turcos hiam levando
diante aos Habexins, o que vendo os Portugueses, voltaram sobre
elles com muyta preste<;!a e mataram muytos, e os demais se reti-
raram hum peda^o ate se ajuntarem com os outros mouros; mas
os Portugueses nam os deixaram, porque com elles principalmente
o queriam aver; e assi 70, que tinham cavallos, se meteram por
LIVRO I, CAPITULO XXXV. 333
elles facendo maravilhas e muytos dos do Emperador, por nam fica-
rem envergonhados, os acompanharam e se acendeo mu^rto por bom
espa^o a batalha, mas pelejaram os Portugueses com tam extraor-
dinairia bravega que ficerao virar os Turcos e Mouros, que estavam
naquella parte; o que veado o Grinh, acudio elle mesmo com hum
seu filho mancebo e os que o acompanhavam, e fez que se detive-
sem e pelejasem, e chegouse tanto esfor^andoos que foi conhecido
dos Portugueses, e logo carregaram todos a aquella vanda e tantos
tiros Ihe ficeram com as espingardas que hum Ihe deo em ospei-
tos e caio de bra^os sobre o ar^am dianteiro do cavallo. Vendo
isto os seus, Ihe acudiram e, abatendo as vandeiras, o levaram fu-
gindo, mas de pois o deixaram no cham, querendo antes ir desem-
f. 138- bara^ados pera salvar suas vidas, que acarretar *sem proveito o
corpo que Ihes avia de ser causa de suas mortes, porque logo seu
exercito se come^ou a desvaratar e por em fugida. So o capitam dos
Turcos se determinou de morrer peleijando e venderse por justo
pre^o e assi, alevantando as mangas da camisa, com os bra^os nus
e com hum alfange largo e sua rodela em as maos, acometeo a
cinco Habexins de cavallo e Ihes deo bem que facer e, queren-
dolhe hum dar com a lan^a, pegou elle della [szc] e Iha tirou das maos
e a outro cortou as pemas do cavallo : pello que nam se atraviam
ja a chegar a elle. Estando em isto, chegou hum Portugues de ca-
vallo e Ihe deo huma grande ferida com a langa, mas tambem
lan^ou mao della com tanta forga que nam avia facerlha largar, e
fose chegando tanto que alcan^ou com o alfange ao Portugues so-
bre hum joelho e Ihe cortou os nervos de maneira que ficou aleijado.
Lebou elle entam da espada e acabou de matar ao Turco.
A este tempo hia a gente do Emperador sigiiindo o alcance »• Uxor OrAnh,
caede viri sui et ma-
dos mouros e facendo nelles grande matan^a, mas os Portugueses ioris partis ezercitus
principalmente se ocupavam com os Turcos, que, como Ihes tinham ^***^?' ^Y^ paucis
tam boa vontade, nam se curavam tanto de outros e assi de todos ripit. Aethiopes vi-
ctores castris ho-
docentos nam escaparam mais que 40. Estes foram pera a molher gtium et copiosa
do Granh, que, sabendo o desbarate, se acolheo com 340 de cavallo, pr*ed* potiuntur.
que estavam em sua guarda, e lebou o thesouro que seu marido
tinha tomado ao Emperador e escapou, por andarem muyto todos tam
ocupados matando e tomando os despojos do campo e do arrayal,
onde acharam grande numero de cativos christaos, particularmente
mininos e molheres; o que Ihes foi de grande alegria e contenta-
mento, porque huns acharam su2is irmaas, outros suas molheres e
334 HISTORIA DE ETHIOPIA
outros seus filhos, a quem nam tinham esperan^a de ver nunca. Era
tam grande o pracer de todos que Ihes parecia sonho, e reconhecendo
que por via dos Portugfueses Ihes viera tam grande bem, se bota-
vam a seus pes e Ihos beixavam, dandolhes muytas ben^oes e agar-
decimentos. O Emperador tambem Ihes fez muytas honrras e se
mostrou mais obrigado do que podia satisfazer, porque via que elles
Ihe deram o imperio, que estava tam perdido que nam avia quem
cuidase que se podia tomar a recuperar; e foi cousa maravilhosa
que, com ser esta batalha tam travada e do principio della andarem
os Portugueses na dianteira metendose tanto poUas espingardas dos
Turcos e esquadroes dos mouros, nam morreo nella nenhum. Por
onde se pode ter por sem duvida que a Virgem da Piedade (a quem
antes de entrar na batalha se encomendaram) a teve delles e *lhes f.i^s.v.
alcan^ou do Pay das misericordias esta tam grande.
9. Quae hucusque Tudo o que temos dito em este capitulo, assi como nos demais
a* tesdbus^^de "^bu ^^® tocam a dom Christovam da Gama, he por informagam de pes-
flde dignis. Quomo- soas de vista e fide dignas : pello que se Ihes deve dar mais cre-
do eadem narraverit
Urreta. dito que a quem informou a frey Luis de Urreta sobre esta histo-
ria, que elle conta, pag. 361, tam diferentemente do que na ver-
dade passou, quanto vera o letor em suas palavras, que sam as
signintes :
« Mientras estas cosas passavan en el reyno de Adel, el Pre-
< ste Juan baxava con un copiosissimo campo, que cubria los cam-
« pos, los montes y valles y quitava la luz de la tierra, donde avia
« mas de seiscientos mil hombres. A tres u quatro jomadas antes de
« Uegar al reyno de Adel encontro con muchos de los suyos quehuyan,
« y con algnnos Portugueses, que le dieron las tristes nuevas de todo
« lo que passava y de la muerte de don Christoval de Gama. Grande
« fue su mosta^a y enojo con la desgracia, mas corrido algo de mo-
« strar sentimento por tales pajueleis, compuso su semblante y con
< una fingida risa dixo: Pues a f e a fe, Gradahametes, que algum
« dia me pagareis tanto[s] agravios, y no tardara mucho el ca-
« stigo. O illustre capitam Gama, dichoso fuiste, pues padeciste una
« muerte tan gloriosa. Alegrate, pues tienes un Emperador que ven-
« gara tu muerte ; y doi palavra que ni el Rey de Portugal mi her-
« mano, ni el Vissorey de la India hermano tuyo se podran quexar
« de mi en ning^n tiempo. Y marchando a buela pie toda aquella
« numerosa muchedumbre alegres y contentos, dando mil saltos de
« placer, dieron sobre los Moros, hallandolos tan descuidados que
LIVRO I, CAPITULO XXXV. 335
€ estavan aun haciendo mil dan<;as y bailes por la victoria passada.
€ Pero presto se bolvieron en tristes lagrimas, porque, estando el
€ rey Gradahametes dando saltos y brincos, le cogio en el ayre
< una dichosa bala, que le atraveso los costados y dio con el muerto
€ en aquellos campos. Muerto el Rey, a todos los suyos se les mu-
« rieron los ccracjones y viendo aquella muchedumbre de gente que
« descargava sobre ellos, dieron a huyr enflaquecidos, desmayados
« y debilitados, asaltadas las almas y juicios con aquel sobre-
€ salto. Pera los valientes Ethiopes dieron en aquelle batallon de
< los mouros hiriendo y matando con la brave^a y colera qual la
< vengan^a de tales agravios pedia. Era un juicio y asombro ver
< y oyr el temeroso ruido de las trompetas y caxas, el rebramar
< de la alcabuceria, el rugir de las balas, la ferocidad de los ca-
t vallos, el quebrar de las lan^as, el caer y el gritar, las voces,
f. 139. < los alaridos, los suspiros, las heridas crueles, *las muertes desa-
< piadadas, los arroyos de sangre, el polvo, el humo, la confusion
< y esto es guerra. El emperador Claudio, como animoso y valiente,
< vestido de una fuerte cora^a hasta media pierna de piel de elefante
< con su rodela azerada y con lan^a de dos hierros, puesta su visera
< y hielmo con una vanda de carmesi colgada de la cabe^a (modo
< antiguo de entrar en las batallas los Preste Juanes), se metia por
< los escuadrones mas serrados de los enemigos y los trato de arte
< que no dexo alguno que no muriese a sus manos, o no huyese
< de sus manos. Murieron casi todos los Moros, dando mil gritos
< que hundian los cielos, llamando a su Mahoma, sino que, como
< esta en el infierno, no los oyo ».
Ate aqui sam palavras de frey Luis de Urreta, em que, con- ^^ Calumniosa
forme ao que com certeca temos dito, falta muyto na verdade da *^"atio pluribus ar-
gumentis refutatur.
historia ; porque primeiramente o desbarate de dom Christovam nam
foi no reyno de Adel, senam (como ja dissemos) em Ofla confins
do reyno de Tigre e entrada do de Angot, muyto longe de Adel,
nem o Preste Joam vinha com seiscentos mil homens, como elle
diz, que, ainda que naquelle tempo nam se tiveram apoderado os
mouros de casi todo seu imperio, senam que estivera muyto flo-
rente e pacifico, nam pudera juntar nem a metade da gente que
fingio quem o informou, nam teve nunca senam tam pouca que fora
impossivel recuperar seu imperio, se os Portugueses nam vieram;
porque, como contam seus livros, morrendo seu pay David (que
tambem se chamou Onag Qagued) no reyno de Tigre na serra Damo,
336 HISTORIA DE ETHIOPIA
onde dom Christovam achou a Emperatriz Zabela Oenguel, que por
serem muyto forte se tinham acolhido a ella por medo dos mou-
ros, o levantaram a elle alli por Emperador, sendo de i8 annos,
e tinha tam pouco poder que indo sobre elle dalli a cuatro ou cinco
meses hum capitam do Granh, que se chamava Amir Ozman o de-
sbarato[u] e escapou com muyto trabalho e se foi pera o reyno da
Xaoa com so 80 homens e por la andou sempre fugindo em ter-
ras muyto fortes com tam pouca gente que, com estar dom Chri-
stovam em suas terras mais de hum anno (pois entrou em julho
de 1541 e a batalha em que foi desbaratado se deo a 28 de agosto
de 42), e mandoulhe muytas veces recado que viese, que elle tam-
bem se hia chegando, nunca se atreveo ao facer ate que ouvio
como dom Christovam tinha tomado a serra Oati da provincia de
Cemen, nem estava tam longe que nam pudera chegar a juntarse
com dom Christovam em menos de hum mes; mas por medo de
alguns mouros, que estavam no meio, o nam fez, e quando veio,
tracia tam pouca gente, como a cima dissemos, e depois de se jun-
tar naquella serra com os Portugueses e estar *tanto tempo, nam f.139,,
pode juntar mais que 8000 de pe e quinhentos de cavallo e taes
que nam se ouvera de atrever a pelejar com o Granh, se os Por-
tugueses nam o animaram e importunaram tanto, e ainda o dia an-
tes da batalha estavam pera fugir, por ver que Ihes faltava o ca-
pitam, que o Granh matou a trai^am.
Tambem foi mera imagina^am que o Preste Joam, quando ouvio
o caso de dom Christovam, ficesse contra o Granh os feros e amia-
Qas que o Author diz ; nem teve por cousa tam de pajuelas a morte
de dom Christovam e mais Portugueses que se correse de mostrar
a grande triste^a e mortal sentimento que Ihe causou esta nova ; e com
muyta re^am porque, demais de que Ihe ficavam muy poucas espe-
ran^as de poder recuperar seu imperio, toda boa re^am e termo de
agardecimento pedia que mostrase triste^a e sentimento, pois hum se-
nhor tam grande como dom Christovam da Gama viera com os Por-
tugueses ao socorrer em tempo de tanta necessidade e, depois de
ter feito tantas maravilhas pelejando tam valerosamente, como te-
mos visto, derramou seu sangue e acabou a vida em seu servigo.
Nem o Emperador com os seus deo de subito em os Mouros, achan-
doos em dan^as e balhos poUa victoria passada, como elle diz, pa-
recendolhe que avia pouco que a tivera, sendo assi que eram ja
passados seis meses ; e o Granh nam estava no lugar onde se deo
LIVRO I, CAPITQLO XXXV. 337
a batalha, senam muyto longe em Dambia, nem desapercebido : que
bem sabia que o Emperador hia sobre elle e alguns dias antes da
batalha tiveram escaramu^as. Nem o Emperador tinha por armas
pelles de elephante, que elle nam usava tal cousa, nem ha quem
diga agora que entrase na batalha, senam que ficava na retaguarda,
e ainda que entrara, era grande encarecimento dicer que tratou aos
mouros de maneira que nam deixou algum que nam morrese a suas
maos ou nam fugisse dellas, senSlo he que entenda por suas maos
as dos Portugneses e as dos demais de seu exercito; nem morre-
ram tantos mouros como diz, por que muytos escaparam e se fo-
ram com a molher do Granh.
C. Bbccari. Rer, Aeik, Seript» oce, ined, — IL 4J
CAPITULO XXXVI.
De algumas cousas que sucederam depois que Preste
venceo ao Gr&nh, e das exequias que fez a dom Chri-
stovam e aos demais Portugueses que morreram.
Como o Emperador teve por sua a victona, mandou logo armar »• ciaudius ad la-
^ ^ cum DaxnbiA instruit
suas tendas a longo da gram lagoa de Dambia, que estava perto, em castra ibique a duce
quanto os soldados seguiam o alcance dos Mouros e recolhiam os dis- ^J^^^*^*^! q^^!
pojos do campo, que nam foram poucos, e entrando nellas com grandes sed suam sororem
f. 140. musicas *e festas muyto contente por tam bom sucesso, so Ihe dava iungere recusat, quia
cuidado nam saber que fora do Granh, que, ainda que Ihe afiirmavao *®*® QrAnh lam de-
^ . mortuo caput ab-
que nam podia escapar com vida, porque o levaram ferido de morte, scidit.
com tudo isso nam se quietava, por ser tam grande enemigo ; mas
quis Deos darlhe perfeita alegria, porque dalli a pouco veio hum seu
capitam, que se chamava Calid, correndo em seu cavallo e facendo
grande festa, porque tracia a cabe^a do Granh, que era bem conhecida
e, pondoa diante do Emperador, Ihe pidio cumprise a palavra que
tinha dada que era que a qualquer Ethiope que matase ao Granh,
o casaria com sua irmaa, e se fosse Portugues, Ihe faria muyto gran-
des merces. Nam faltou quem dissese que elle o nam matara, se-
nam que o [a]chara morto, quando Ihe cortou a cabe^a ; poUo que
o Emperador mandou facer diligencia sobre isso, e acharam que os
Portugueses o firiram, nem outros tinham espingardas mais que
elles, e assi, ainda que o capitam affirmou que elle o matara, que
estava vivo quando elle chegou a Ihe cortar a cabega, e se oflFereceo
a provar isto, julgaram que demais de aver muytos que affirmavam
340 HISTORIA DE ETHIOPIA
que o achara morto, ainda que provara o que pretendia, nam ba-
stava pera o Emperador ficar obrigado a Ihe dar sua irmaa, pois
os Portugueses o firiram de morte e elle o achara caido, que de ou-
tra maneira nam o ouvera de alcan^ar. PoUo que o Emperador nam
Ihe deo sua irmaa, mas remuneroulhe com outras cousas o presente,
nem aos Portugueses fez as merces prometidas, porque nam se souve
qual delles o firira, que, se se pudera provar, nam faltara com sua
palavra.
2. 50 Lusitani, qui Mandou logo por a cabe^a em huma lan^a cumprida pera que
rcvcrttmtur^in^^- ^ visem todos os do arrayal e depois a imbiou a Emperatriz sua
mto, indeque cum mav, que ficara na serra de Cemen, e que dalli a levasem pollas
Imperatrice ad Clau-
dium 8e conferunt. outras terras, peraque a gente nam pusese duvida em ser morto, e
o^sA^^iaere- ^^^^ ^ Emperatriz vio a cabecja, deo muytas gra^as a Deos, que
gna circumfertur. librara seu imperio das maos de tam grande e cruel tyrano e Ihe
deixara ver com os olhos o castigo que merecia a inhumanidade
que usara com dom Christovam da Gama, a quem ella amava como
a filho, e assi com grande alegria e contentamento mandou facer
muytas festas, a que ajudaram os cinquenta Portugueses que foram
a Ma^ua, porque, nam achando embarcac^oes pera ir a India, e sa-
bendo do recado que Ihes mandara o Emperador, se tomaram e
tinham ja chegado onde estava a Emperatriz, a qual, como festejou
alguns dias a victoria, se foi pera onde estava seu filho, levando
comsigo os Portugueses, e receberam a todos com grande appa-
rato e alvoro^o, que ate entam nam se ocupavam senam em mu-
sicas e festas, por se verem libres de tam grande tyrania e duro
cativeiro. Aos Portugueses tambem recebeo o Emperador com muyta
benignidade e mostras de amor, dandose por muy obrigado ao que
por elle tinham feito, e mandou que os provesem abundantemente
de tudo o necessario.
3. Claudius ve- *A este tempo veio recado ao Emperador de hum senhor grande, f.i^o.v.
niam dat ErAg Defifa- , t^a-t-x ^ i-i-ktA-vTAT
nA aliisque ducibus, ^^® ^^ chamava Eraz Degana, pay do Bahar Nagax Isaac, que avia
qui partes Grinh niuyto que se lancara com o Granh, por Ihe parecer que ja nam
fuerant sequuti. Ex"^^ ^ r r- ^ j
iUis unus, qui parti- era possivel poderse recuperar o imperio e estimavaho tanto o
^ristot^^ri de^Ga- ^^"^^ V^^ ^ tinha feito ayo de seu filho e capitam de muyta gente,
ma, a Lusitanis in- e escapando da batalha com o filho do Granh, como soube que o
pay era morto, mandou dicer ao Emperador que se Ihe quisese
perdoar, Ihe entregaria o filho do mouro ; mas ainda que era cousa
de tanta importancia aver aquelle mo^o as maos, nam queria o Em-
perador dar o perdam, pollo sentimento gfrande e justa indigna^am
LIVRO I, CAPITULO XXXVI. 341
que tinha contra elle, por se ter lan^ado da vanda dos mouros e
pelejado muyto tempo contra os christaos. Mas depois, por inter-
cessam de seu filho Isaac (a que o Emperador nam negava nada,
porque Ihe trouxera os Portugueses), Ihe perdoou e mandou segnro;
e assi veio logo tracendo comsigo o mancebo, a quem o Empera-
dor mandou facer bom tratamento, mas que o guardasem com
diligencia.
Ouvindo outro grande capitam do mouro como o Emperadoi
perdoara a Eraz Degana, metio tambem muytos intercessores pera
que Ihe perdoase e dese seguro ; o que o Emperador concedeo por
alguns respeitos, ainda que se tinha feito mouro e destruido muyto
a terra, mas depois que entrou no arrayal, soube o Emperador que
elle fora hum dos que prenderam a dom Christovam e desejou
muyto do matar, mas por Ihe ter dado seguro, o deixava de facer.
Os Portugueses desejavam isto muyto mais, porque o conheceram
logo, e tinham grande paixam poUo verem cada dia diante de seus
olhos, e assi se foram ao Emperador e Ihe pidiram encarecida-
mente o mandase matar, pois o merecia tanto ; mas respondeo que
nam podia facer tal cousa, por Ihe ter dado seguro e procurou dos
satisfacer com boas palavras, em que entenderam claramente, que
nam Ihe pesava se elles o matasem ; e assi foram dous a sua tenda
e o mataram a as punhaladas ; do que nam Ihe pesou ao Empera-
dor, nem ouve quem Ihe falase em isso. A alguns tambem mandou
matar o Emperador dos que andavam com o mouro, mas depois d[e]o
perdam geral, porque se a todos os que mereciam a morte ouvera
de matar, poucos, ao menos dos grandes, Ihe ficaram em todo seu
imperio.
Esteve o Emperador em aquelle lugar dous meses, em quanto ^. Ezacto iam pro-
Ihe entraram alinins homens crandes, que andavam com o mouro, Pf hicme, ciaudius,
o o ' ^ plusquam 600 mona-
e depois passou tres legoas mais adiante a huma cidade, que estava chis undequaque col-
_^ n 1 1 . ji ■» ^ lectis, iusta solemnia
perto da mesma lagoa, por ser lugar mais acommodado pera ter ^^^^^ memoriae
o invemo que ja se chegava, e repartindo a gente de guerra pol- Cliristophori persol-
vit. Inde, eoUecto
los lugares aroda, deo hum muyto perto aos Portugueses, onde exercitu, per omnes
foram providos abundantemente do necessario, e cada dia ivam ao diTOurrit^casque buo
pa^o, porque o Emperador folgava muyto com isso. E na fim de impcrio denuo subii-
agosto, no mesmo dia que morreo dom Christovam da Gama, deter-
minou de Ihe facer humas solennes exequias como elles acostumao
f. 141. quando se cumpre o anno; e pera isso mandou lancpar pregam *pol-
las terras alguns dias antes, que todos os pobres que ouvese se
342 HISTORIA DE ETHIOPIA
juntasem alli pera aquelle dia, e vieram mais de seis mil e arma-
ramlhes muytas tendas no campo, onde por mandado do Empera-
dor se Ihes deo esplendidamente de comer e juntamente de vestir.
Fez tambem que viesem seiscentos frades ou mais e ficeram com
muyta solennidade seus ofiicios na forma que elles acostumam e de-
clararemos no 2° libro; e mandoulhes dar grossas esmolas. E como
passou o inverno (que, como temos dito, se acaba ordinariamente
por todo setembro), mandou juntar a gente de g^erra, que ja eram
como dous mil de cavallo e vinte mil de pe, e com elles foi cor-
rendo as terras que os mouros Ihe tinham conquistado, pera as aca-
bar de redducir e quietar ; em o que gastou muyto tempo com nam
pouco trabalho, porque os mouros, que ainda em ellas estavam,
eram muytos.
5, Referuntur alia Algumas destas cousas conta frey Luis de Urreta pag. 363
commenta Urretae et
ex dictis refutantur. por modo differente, pollo ser muyto e de tudo contraria a ver-
dade a informa^am que sobre esta materia teve ; e assi sera neces-
saxio referir suas mesmas palavras que sSlo as que se vam conti-
nuando com as que no capitulo precedente pusimos, desta maneira :
€ No quedo contento com este castigo o Preste Juan, ni sati-
€ sfi^o el desseo de su vengan^a con las muertes de aquellos mo-
« ros, sino que como un rayo y con una brave^a que salia de madre,
« acordandose de la muerte de su hermano, determino de una vez
« quitar tan penoso y enojoso enemigo de sobre sus espaldas, y
« assi, entrando por el reyno de Adel, no dexo lugar ni villa que
« no quemase y derribase y fueron tantos los moros que murieron
« a manos de los christianos Ethiopes, que se pudo decir por via
« de encarecimiento gracioso : Que seno infernal podia bastar a re-
« ceber tantos diabolos como alla entravan ? Basta que siendo un
« reyno muy poblado y de infinita gente y tan grande que tenia
« trecientas leguas de circuito, apenas quedaron vivas cuatro mil
« personas. Derribo fortale^as, hi^o otras de nuevo en los passos
« mas importantes y, trayendo gente de la Ethiopia para que po-
« blasen aquel reyno, dio los puertos a los Portugueses con sus for-
« tale^as para que ellos los guardasen de los moros de la Arabia
« y se pudiesen recoger las armadas de Portugal, quando van y
« vienen de la India. Este fin tuvieron las guerras del Rey de Adel » .
Isto diz o Author ; tudo porem he mera fic^am tra<;ada no
entendimento daquelle que o informou; por que o emperador
Claudio nam somente nam fez estas cousas no *reyno de Adel, f.i^i.v.
LIVRO I, CAPITULO XXXVI. 343
mas nem em toda sua vida entrou nelle, nem ficaram os mouros com
tam grande perda com o desbarate e morte do Granh, que nam se
ouveram de defender muyto bem, se la fora. Antes o mouro, que
sucedeo ao Granh no cargo de Guazir, scilicet governador, veio
dalli a alguns annos com exercito contra o mesmo emperador Clau-
dio, e dandolhe batalha, o desbaratou e matou nam muyto longe
de onde elle tinha sua corte, como dicem todos e conta sua historia,
que referiremos no livro 3°.
Com tudo me parece muy provavel que nam informaram a
frey Luis de Urreta desta maneira, senam que se confundio com
os papeis de Joam Balthesar, de onde elle mesmo affirma que ti-
rava, e que estavam muyto embaracjados ; e assi atribuio ao empe-
rador Claudio o que seu pay David fez em Adel (o que veremos em
sua historia que se pora no principio do 3** livro), e acrecentou
muyto mais assi como a outras cousas que Ihe disse Joam Balthe-
sar, o que elle mesmo testificou depois em huma peti^am que deo
a Magestade del Rey dom Phelippe, queixandose que acrecenta-
ram quatro veces mais do que elle dissera; cuio treslado vio o
padre Fernam Guerreiro de nossa Companhia, como elle affirma
fol. 268 da Addigam, que fez a Rela^am annua de 607 e 608.
I
L
j^^
CAPITULO XXXVII.
De como o emperador Claudio escluio ao patriarcha
dom Joam Bermudez e fez seu asento no reyno
de 6y6.
Depois que o emperador Claudio, e por outro nome Atanaf «• Rebus imperH
Qagued, teve redducidas a sua obediencia as terras que tomaram os fidem iamdiu datam
mouros e pacificado seu imperio, vendose ja libre das angiistias e P*tti»«ba« Bermu-
temores, com que sempre andava fugindo de huma parte pera ou- Romani obedientiae
j j j'jT>.-itToii Bubmisaurum prae-
tra, quando ouvera de ser mas agardecido a Deos N. S. poUas ^^ renuit et alium
merces crandes que de sua misericordiosa mao tinha recebidas e su- «pwcopum ab Ale-
^ zandnno Patriarcha
getarse de todo cora^am a s.** Igreja romana, siguindo a doctrina ezpoacit.
que insinava o santo Patriarcha dom Joam Bermudez, a quem avia tres
annos que por tal tinha recibido e entregado as terras do Patriar-
chado, que sam muyto grandes, entam mostrou quam longe estava
desta obediencia e de seguir esta doctrina e nam receber de outra
parte Patriarcha senam de Roma, como elle mesmo escreveo al rey
de Portugal dom Joam 3®, que Ihe tinha mandado o emperador
f. 142. David seu pay; *porque fez tracer outro Patriarcha de Alexandria,
pera escluir o que tinha de Roma e no mesmo tempo se concer-
taram os frades de hum mosteiro grande pera infamar a dom Joam
Bermudez, cuja santidade de vida Ihes era muyto molesta ; e estando
elle na corte, tomaram algiimas pe^as de prata da igreja de seu
mosteiro e, entrando na casa do Patriarcha, que era perto, tiveram
modo pera as meter secretamente entre sua roupa, e depois se fo-
ram ao Emperador dicendo que faltavam aquellas pe^as da igreja
C. Bbccaju. X0r. Aetk. ScripU oce, ined» — IL 44
346 HISTORIA DE ETHIOPIA
e que ningnem as podia ter tomado senam o Patriarcha. Mandou
entam o Emperador que o chamasem e disselhe diante dos frades
que ouvise o que deciam, e elles sem nenhum temor de Deos tor-
naram a affirmar que faltavam aquellas pe^as e que ninguem as
podia tomar senam elle. Ficou muyto maravilhado o Patriarcha e
disse que nem por pensamento Ihe passara nunca tal cousa, nem
sabia como se atreviam a cuidar aquello delle. Pidiram os frades
ao Emperador que mandase ver sua casa e preguntar seus criados,
pera que se soubese a verdade; e deolhe pouco disso ao Patriar-
cha, como estava innocente; e assi foram alguns criados do Em-
perador com os frades e olhando as cousas da casa, vieram a dar
com as pe^as entre a roupa, e levaram as ao Emperador. Disse
entam o Patriarcha que aquello nam podia ser senam maldade de
alguns que Ihe queriam mal, porque elle nunca tomara taes pegas
nem tinha pera que. Bem entendeo o Emperador que o Patriarcha
nam avia de facer tal cousa, mas com tudo isso estranhou muyto
o caso ; do que tomaram outros motivo pera falar muyto largo.
a. Bermudez, pro- Vendo o Patriarcha estas cousas e que nam avia que esperar
brosacalumniaamo- j-i^j j j j-j.*
nachis conscioCiau- ^^ Emperador, nem dos seus acerca de sua redui^am, determmou
dio, ezpetitus, terris ^e se tornar pera India e dicem alcfuns que escomungou ao Em-
Aethiopiae mala pre- o x «
catur et in indias re- perador em sua presen^a e lan^ou sua maldi^ao a as terras por
vertitur. onde passou, excepto ao reyno de Tigre, que affirmam deixou a
rogo de alguns Portugneses que o acompanhavam, que por terem
grande conceito de sua santidade ja davam por perdidas as terras
que elle amaldi^oava, e assi Ihe pidiram muyto que'deixase a Tigre,
porque, se em algum tempo viesem Portugueses, achasem onde po-
derem entrar; e por isto o deixou. E decia que via entrar em as terras
do Emperador humas formigas pretas que a[s] destruiam, que parece
eram huns gentios muyto pretos que chamam Galas, que pouco depois
se foram chegando e facendo algumas entradas com grande dano da
terra, e continuaram tanto isto que vieram a destruir todas as terras
a que o Patriarcha lan^ou maldi^am, que sam tres ou 4 reynos e algu-
mas provincias, as milhores que o Emperador tinha, e oje sam senho-
res absolutos delles, sem aver quem os possa tirar de suas maos, *e f.i^z.v.
ainda no que fica dam sempre asaltos, matando muyta gente e levando
fato sem conto. E se todos se juntaram e vieram unidos, nem o Em-
perador Ihes pudera facer rosto ; mas, por nam terem Rey (como ja dis-
semos no cap. 1°), nunca se unem, antes os que sam de huma casta
ou familia pelejam muytas veces com os de outra, permitindoo assi
i
LIVRO I, CAPITULO XXXVII. 347
Deos N. Senhor, pera que nam acavem de destruir esta tam an-
tigna christandade, que, ainda que inficionada com muytos erros,
sempre ouve alguns bons que os condenasem e chorasem, pidindo
ao Senhor misericordia, e oje mais que nunca, pello que espero que
a tera delles e Ihes acudira. Tudo isto que referi do patriarcha
dom Joam Bermudez dicem que he cousa muyto certa, e me con-
taram alguns filhos dos Portugueses, que entraram com o mesmo
Patriarcha, que o ouviram muytas veces a seus pays.
Em o mesmo tempo que passavam estas cous^is entre o Pa- 3« Claudius in lo-
^ *^ ^ co dicto 2df BAr re-
triarcha e o Emperador, fez elle seu asento no reyno de Oye, por ^ (^^ sedem regni
ser terra muyto forte e com que mais folgava; e pondo seu ar- conatituit, ibique ma-
gnam urbem ez par-
rayal em hum fermoso campo, perto de huma serra que chamam viscaais moreaeiio-
Zef Bar, se edificou logo huma jyrande cidade, mas nam tam bem ^l"^?.^^. il'.«-iJ^!
<^ o ' i2 annos mansit et
aruada [sicly nem do lustre e fermosura que as de Europa, onde ha casas tandem a mahume-
_ , . , .,, dano duce Nur in
tam grandes de cantena, pa^os tam sumptuosos de maravilhosa praelio interfectus
tra^a e architectura, senam de tam differentes edificios que a muy- ****
tos delles com mais re^am se Ihe podia dar nome de cavanas de
pastores que de casas de corte de Emperador ; porque eram redon-
das, muyto estreitas e baixas e em lug^ar de paredes quaesquer
paos toscos postos em pe e acafelados por dentro e fora com lama
e cubertas de palha. Nem as casas dos grandes se differenciavam
destas mais que en serem maiores e terem as paredes de pedra e
barro e no alto milhor madeira e outras nam serem redondas se-
nam cumpridas, porem todas terreas. O mais a que chegou a po-
licia e grande^a do Emperador foi a facer huma casa sobardada,
mas bem triste e alhea de pessoa imperial. A esta chamaram Gamb,
quc este nome dam a toda casa sobardada, e a redonda, que o nam he,
Beit, e se for cumprida e terrea, Qacala. Em esta cidade esteve
o emperador Claudio casi de ordinario alguns 12 ou trece annos, e
no fim delles veio com gente hum mouro de Adel, que se chamava
Nur, e o matou em batalha, como tocamos no fim do cap. prece-
dente e declararemos no 3° livro, e por nam ter filhos Ihe sucedeo
no imperio hum seu irmSlo, que se chamava Minas, o qual mudou
a corte daquella cidade, e assi logo se foi diminuindo, e depois to-
maram todo aquelle reyno os Galas, e assi ha muytos annos que o
asento daquella cidade esta tam deserto, que nem vestigios della
aparecem.
TAB. II.
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EXEMPLAR SCRIPTIONIS II LIBRI ALIENA MANU TRANSCRIPTI.
r
LIVRO II
DA HISTORIA DE ETHIOPIA
EM QUE SE TRATA DA f6 QUE PROFESSAO O PRE-
STE JOAO E SEUS VASSALOS, DOS RITOS E CE-
REMONIAS ECCLESIASTICAS QUE USAM COM
OUTRAS COUSAS TOCANTES A ELLAS.
CAPITULO I.
Do principio que teve a f6 e religiao christaa
em Ethiopia.
Muito se prezao os vassalos do Preste Joao da nobreza e an- i.iuxulibrosaxu-
ticfuidade de seus Emperadores que tem por tao sem duvida proce- °*i**«>» Aethiopes fi-
° iT ^ jT x- dem chmtianam am-
derem da Salamao, que nao Ihes parece pode nisso aver contro- piezati sunt tempore
n t. «j. 1 o j • • 1* reginae Candacis.
veisia aJgnma, como dissemos no capitulo 2 do pnmeiro livro, e
assim na nobreza de sua descendencia e antiguidade os querem an
tepor a todos os Reis do mundo. Mas nao menos se honrrao por
terem tambem por cousa certa que seu imperio foj o primeiro que
publica e universalmente recebeo a santa fe de Christo Nosso Se-
nhor sem as contradi^oes e trabalhos que ouve em outros reinos,
antes que se pudesse acabar de introduzir; o que elles contao em
seus livros por estas palavras:
€ Antes que a rainha Sabaa fosse a Hierusalem a ouvir a sa-
« bedoria de Salamao, todos os de Ethiopia erao gentios e ado-
f.i43»v. « ravao differentes idolos; mas quando ella *tomou de Hierusalem,
350 HISTORIA DE ETHIOPIA
< Ihes trouxe a Historia do Genesis e estiverao na lei dos Judeus
« ate a vinda de Christo, soieitandose a seus ritos e ceremonias e
« guardando os mandamentos de Deos. Depois a causa de serem
« christaos foi a ida do eunuco da rainha Candasse a Jerusalem
« a adorar na festa da Pascoa, porque os gentios, que receberao a
« lei dos Judeus, hiao a Pascoa a Jerusalem, por nao se Ihes ser
« licito sacrificar em sua terra, senao no luguar onde foi invocado
« o nome de Deos. Por esta rezao pois foj o eunuco da rainha Can-
« dasse de Ethiopia a Jerusalem a fazer a festa da Pascoa e tor-
« nandose, o anio do Senhor falou a Phelipe dizendolhe : Levantate
« e vaj pera a banda do meio dia ao caminho que dece de Jeru-
« salem a Gaza a deserta. Elle foj la e achou hum Ethiope eunuco
« da rainha Candace de Ethiopia, que era thesoureiro de todas
« suas riquezas e viera a adorar a Jerusalem, donde tornava pera
« sua casa em hum carro, e chegandose Phelipe ao carro, ouvio que
« lia huma profesia de Isaias e perguhtoulhe se entendia o que lia.
« Respondeo que se alguem Iho nao ensinasse, como podia enten-
« der[?J, e rogou a Phelipe que subisse no carro ; o que elle fes e,
« tomando ocasiao do que pergnntou sobre aquella profesia, Ihe
« pregou a Jesu Christo e o converteo e, informandoo nas cousas
« da fe, o baptizou, e logo o Spirito levou a Phelipe e nao o vio
« mais o eunuco; o qual, prosegiiindo seu caminho mui alegre e
« contente do que Ihe tinha soccedido, chegou a Ethiopia e a casa
« de sua senhora e, contando esta historia, crerao no Evangelho da
« gra^a de Jesu Christo ».
3. Opiniones SS. Ate qui sao palavras de hum livro muito antigo, que se guarda
«f^if,^*- *?,???,^^!^ ria igreja de Agcum do reino de Tigre, onde a rainha Candace
ram circa eunucum o j ot o »
Candacis. teve seu asento, e dizem que ella fes edificar aquella igreja e que
foj a primeira e mais sumptuosa que nunca ouve em Ethiopia; o
que mostrao bem suas *ruinas, como declaramos compridamente no f. 144.
capitulo 22 do primeiro livro. Mas hase de advertir que esta Rainha,
que nos chamamos Candace, os de Ethiopia chamao Handeke, mas
do nome proprio de seu criado nao achei quem me soubesse dar
noticia. Tem porem todos por tradi^ao muito certa que era eunuco
e o nome que Ihe da aquelle livro antigo, que conta sua historia
e o mesmo texto dos Actos dos Apostolos, que he Heceii, nenhuma
outra significa^ao admitte senao eunuco. Por onde o que affirma
frei Luis de Urreta pag. 381, que os Ethiopes tem e tiverao sem-
pre por cousa muito certa, que este santo varao nao era eunuco se-
i
LIYRO II, CAPITULO I. 351
nao perfeito e enteiro de todos seus membros, foj falta de infor-
ma<;&o e pello consiguinte reprovou sem rezSo a opiniSio de sam Hie-
ronimo, s. Athanasio, s. Augfustinho e outros doutores que ali cita,
que affirmao que era eunuco, se nesta parte (como parece) avemos
de dar credito aos livros de Ethiopia e aos letrados della. O que
► o converteo foj sam Phelipe diacono, segundo declarao os sagrados
doutores, tirando Alberto Magno, que tem pera si que foi sam Phe-
lipe apostolo.
Outra duvida movem os Doutores e Santos sobre se este eu-
nuco era gentio, ou ja convertido ao judaismo, quando foj a Je-
rusalem, e por huma e outra opiniao cita frei Luis de Urreta pag. 383
muitos e graves autores e segne os que dizem que era gentio; mas
os de Ethiopia tem por cousa muito certa que, quando este eunuco
foj a Jerusalem, ja era convertido ao judaismo e dilo claramente o
livro de sua Historia, pois, como assima refirimos, a causa por que
foj a Jerusalem affirma que foj porque aos gentios, que recebiao a
lei de Moises, nao Ihes era licito sacrificar em sua terra, senao no
luguar onde foi invocado o nome de Deos.
Como aquelle livro acaba de contar o que temos referido do 3- Historia s. Fm-
mendi iuxta libros
eunuco, continua desta maneira: c Passados muitos annos depois disto Aethiopum.
i f.i44,v. « veio hum mercador de *Tiro com dous criados, hum chamado Fre-
c menatos e outro Sydracos, e adoecendo o mercador morreo perto do
« mar na terra de Ethiopia; pello que trouxerao os mancebos a el Rei
« e elle folgou muito com elles e mandcu que os tivessem juntos com
€ seus filhos. Elles se maravilhavao muito do modo da gente de
< Ethiopia e perguntavao como crerao na fe de Christo, porque os
« viao fazer oragao e adorar a santissima Trindade e que suas mo-
« Iheres traziao sobre suas cabe^as o sinal da santa cruz e davao
« muitas gra^as a Deos que fizera tam grande merce aquella gente,
« como era crer sem prega^ao e receber a fe sem Apostolo. Esti-
« verao em quanto viveo aquelle Rei em sua casa e na hora da
« morte os forrou e deu licenga que fossem onde quisessem ; pello
« que Sydracos se tornou pera sua terra de Tyro e Fremenatos foi
« ao Patriarca de Alexandria, deseiando se desse remedio a sal-
« va^ao dos de Ethiopia, e referiolhe tudo o que tinha visto e como
« creiao sem ensino dos Apostolos. O Patriarca se alegrou muito
« e deu gracjas a Deos pella misericordia grande que Ihes tinha
* « feito em Ihes manifestar sua santa fe. Depois disse a Fremena-
« tos : Vos Ihe sereis pastor, porque a vos escolheo e alevantou
352 HISTORIA DE ETHIQPIA
« Deos. E ordenandoo sacerdote, o fez bispo de Ethiopia; e tor-
« nando a ella paptizou seus moradores e ordenou muitos sacer-
« dotes e diaconos que Ihe aiudassem ; e de todos era estimado e
« venerado, e porque Ihes trouxe pax, o chamarao Abba Salama
« (que quer dizer Padre de pas, ou pacifico). Sua entrada em Ethio-
« pia foj no tempo que reinavao Abra e Asba irmaos, os quais re-
« ceberao o ensino de justi^a como a terra seca a chuva do ceo ».
4. De novem san- Isto he o que achei naquelle livro do principio e progresso que
ctis monachis iuxta ^ ^, i- •* 1. • ^» t-^i.- • t- ^ i*
eosdem libros. Com- ^^^e a f e e religiao chnstaa em Ethiopia. E em outro livro, que se
menta Urretae brevi- gruarda na mesma icTeia de *Ai?cum e trata da rainha Sabaa e dos f. 145.
ter refutantur. ^ 6 &y .
Emperadores que Ihe socederao, se dis no catalogo delles, que, rei-
nando Amiamid (que foy muito depois destes dous irmaos Abra
e Asba) entrarao em Ethiopia muitos Religiosos santos que vierao
de Rum. Alguns por esta palavra « Rum » entendem Roma, outros
affirmao que nao quer dizer Roma, senao huma terra que senhorea
o Turco chamada Rum, e della vem chamarem aos Turcos Rumes,
ainda que, estando eu cativo entre elles, me disserao que aos que
sao Turcos de na^ao nao os chamao Rumes, senao aos que sam
de casta christaos. Mas ainda que fossem aquelles religiosos desta
terra, certo he que aviao de obedecer a igreja romana e ensinar
sua doutrina, pois erao santos, que de outra maneira nao o pude-
rao ser. E isso nos basta, quando nao viessem de Roma. Nove de-
stes, cuios nomes posemos no cap. 5 do primeiro livro, fizerao seu
assento no reino de Tigre, onde edificarao muitasigrejas, que agora
chamao de seus nomes, e ainda alguns tem pera sy que sos estes
vierao a Ethiopia, os quais fizerao muitos milagres, com que os
daquelle reino se acabarao de converter ; e tenho pera mim, pellas
cousas que agora contao, que entao floreceo muito a religiao chri-
staa em Ethiopia, e que nao somente elles, mas tambem muitos
de seus discipolos forao santos, e que sao delles muitos corpos de
frades, que de tempo immemoravel ategora estao inteiro[s] na pro-
vincia de Bur do reino de Tigre ; mas depois pello trato e conver-
sa<;ao que tinhao com os Judeus, que ate oje sempre ouve em Ethio-
pia, e por Ihes virem seus prelados de Alexandria inficionados com
erros, se Ihes pegarao tantos que quasi em todos os sacramentos
e misterios de nossa santa fee os tem, como iremos vendo pellos
capitulos adiante. Por onde o que frei Luis de Urreta pretende pro-
var por todo o livro 2° de sua Historia Ethiopica, que o Preste
Joao e seus vassalos sempre forao mui bons catholicos e obedien-
r
LIVRO II, CAPITULO I. 353
tes a Igreja Romana e que, ainda que por muito tempo ignorarao
f.i45iv. algnmas ceremonias della, toda via *no que toca a fe do misterio
da santissima Trindade e dos 14 artigos e dos sacramentos, sempre
do principio da igreia ate oje, se conservarao em toda a pureza e
sinceridade da mesma maneira que se cre na Igreja catholica, tudo
he fundado em falsa informagao, que, como elle dis, Ihe deu o ethiope
dom Joao Balthesar.
Tambem se ha de advertir que o que o Autor affirma no fim
do cap. I® e 2® do segundo livro, que os Ethiopes vassalos do
Preste Joao se acharao em muitos concilios, que ali nomea, prin-
cipalmente no Florentino em tempo do papa Eugenio 4®, onde dis
que em nome do Preste Joao e de todo seu imperio fizerao huma
protesta^ao da fe, ainda que fosse assim, do que muito duvido,
aproveitou pouco, porque nao somente nao guardarao, de muitos
annos a esta parte, nem guardao oje o que naquelles santos con-
cilios se decretou ; nem o que refere que elles protestarao, mas an-
tcs quasi todo o contrario tiverao e tem por verdadeira fe.
Outra cousa dis no mesmo luguar, de que nao pude achar me-
moria em Ethiopia, com perguntar ao Emperador e a muitos fra-
des e homens grandes velhos, que sempre continuarao o passo dos
. Emperadores; e he que o emperador Alexandre 3** enviou a dar
obediencia ao Summo Pontifice Gregorio 13° com doze sacerdotes
e doze cavaleiros de sam Antam, entre os quais hia dom Joao Bal-
thesar. Isto tem por fabula muitos daquelles, a quem perguntei, por-
que nao podiao deixar de o saber ou ouvir alguma cousa, avendo
tam pouco tempo que se mandou a embaixada e sendo tantos os
que a levarao, e cuido que tem rezao, e que se la se deu tal embai-
xada, que a fingio no caminho Joao Balthesar, como outras muitas
cousas que disse ao autor frei Luis de Urreta; porque nao digo eu 24
embaixadores, mas nem hum se pudera mandar, que pello menos
alguns dos grandes o nao souberao, pello pouco segredo que ha
em esta terra. Demais disto e de que nunca ouve em Ethiopia tal
Alexandre 3**, he mera fic^ao e fabulosa patranha que aia em Ethio-
pia cavaleiros de s. Antao, como adiante veremos. E assim, refe-
rindo eu huma ves ao Emperador o que delles conta frei Luis de
f. 146. Urreta no cap. ultimo do livro *3°, se rio muito e disse : Parece
que aquelle Joao Balthesar vio em vossas terras alguma ordem de
f cavaleiros como a que aqui pinta, e dali tomou motivo pera querer
honrrar nossa terra, dizendo que avia nella outra semelhante ; mas
C. Hkccari. ^tfr. Ae/A, Scrifi, occ, ined, — II. 45
354 HISTORIA DE ETHIOPIA
a verdade he que nunca tal cousa ouve. Do que se pode coUegir
que assi como fingio que os embaixadores erSlo cavaleiros de s. An-
tao, assim tambem fingio a embaixada a sua vontade.
5. Quaeinsequen- Supposto isto, irei declarando por capitulos o que tenho achado
tibus capitibus Au- .^ j. ^ . ^. ^. 1 j
ctorezponetcircaer- ^^ muitas disputas gerais e praticas particulares, que do anno
rores Aethiopum ex ^^ 1603, que entrei em Ethiopia, tive com os principaes letrados
propna ezperientia, v/ ^ r jt jt
ex eorum libris et ex della ecclesiasticos e seculares, refirindo singellamente seus erros
disputationibus cum , j j • j. • • j j. • 'j.
monachis comperta ^^^ nenhum modo de encarecimento, pois, amda em materias muito
habuit, ideoque fi- leves nSo convem ao Religioso usar delle, quanto mais em cousa
dem merentur.
tam grave, como seria infamar a toda huma na^ao christaa e a hum
imperio tam grande e tam celebre no mundo, usando de encareci-
mentos ou de palavras que agravessem de maneira suas cousas, que
parecessem erros, nao o sendo.
CAPITULO II.
Em que se declara como os Ethiopes
negao proceder do Pilho o Espirito Santo.
Mui gfrande deva^ao mostrao os Ethiopes a santissima Trin- ,, Licct Aethiope»
dade, aquem em sua lengoa chamao c Quedezt Celace » Santa Trin- mysteriumTrinitatis
^ o *» vcncrentur, tamcn
dade e nao c Tinhiniah >, como diz frei Luis de Urreta pag. 405, por- pertinaciter cum
que tem muitas igrejas dedicadas a ella e cada mes no 7** dia de- 11^^" spiritu ^Sanl
pois dentrado Ihe fazem festa e hum dia no anno a festeiao com cto proccdere.
grande solennidade, e no principio de seus livros, que escrevem to-
dos de mao, por nao terem impressao, e nas cartas que mandao
pera fora do imperio comummente come^ao com estas palavras:
€ Bazma Ab tia Uald tla Manfaz queduz ahadu Amlac » , que quer
dizer : « No nome do Padre e do Filho e do Spirito Santo hum Deos » ;
e quasi todos as veses que come<;ao alguma obra ou se maravilhao
de alg^ma cousa, repetem as mesmas palavras, de maneira que muito
de ordinario as trazem na boca, no que confessao as 3 divinas pes-
soas realmente distinctas e a summa ig^aldade que ha entre ellsis.
f.i46,v. Mas negao como os Gregos *que o Espirito Santo proceda do Filho,
affirmando que so procede do Padre, com tanta pertinacia que, por-
que antiguamente hum frade quis defender que procedia tambem
do Filho, o matarao as pedradas, como a s. Estevao, parecendo-
Ihes que nem ouvir se podia cousa tam sacrilega como era dizer
que o Spirito Santo procedia tambem do Filho.
Sabendo eu isto, logo como entrei em Ethiopia, e entendendo ^^ Auctor pcrsua-
a pertinacia com que defendiao tam crande erro, procurei de os ti- ^}^ multit veritatem
^ ^ o JT doctnnae catholicae»
rar delle, mostrandolhes claramente a verdade com as Escrituras quam etiam profeasi
356 HISTORIA DE ETHIOPIA
sunt Cela Christ^s SagradsLs, com os santos concilios, com autoridades de santos e com
aliique ex pnmon- j-g^oes, buscando sempre occasiao pera Ihes falar nesta materia, e
o mesmo fizerSo com muito cuidado os Padres meus companhei-
ros, que qua estavSo, com o que foi o Senhor servido que mui-
tos letrados religiosos e seculares se convencerao, de maneira
que, deixado o erro em que estavSo, crem oie firmamente que o
Espirito Santo procede iuntamente do Padre e do Filho. Os prin-
cipaes destes sao o Emperador e hum seu irmao, que se chama
Cela Christos e oje tem o titulo de Eras, que quer dizer « cabe^a »,
porque o he de todos debaixo do Emperador, e sendo primeiro
tam contrario a nossa santa fe, que, como elle mesmo me dis agora
muitas vezes, Ihe pareciao nossas cousas peores que as dos mou-
ros ; depois que as entendeo as recebeo com tanto affecto e as cre
con tanta firmeza que por veses se pos em risco de morte poUas
defender, e agora que ia se confessa e comunga com nosco, dis
publicamente que a fe da Igreja Romana he a verdadeira e que
ninguem se pode salvar fora della, e aos que o contradicem nesta
materia, por grandes letrados que seiao, os convence com suas re-
z5es como a meninos, porque he homem de grande entendimento
e muito visto nos livros de Ethiopia, e assim com isto e autori-
dade grande, que pera com todos tem, fas muito fruto e redus
muitos, e particularmente os que sao de sua obriga^ao estao mui
firmes na fe e falao tambem publicamente como seu senhor, con-
fessando e defendendo a verdade de nossas cousas ; e nos perigos,
que se Ihes offerecem, acometem com grande confianza na santa fe
que professao; e assim tendo novas Cela Christos no fim de no-
vembro de 1617, que vinhao Galas gentios muito fortes a dar em
humas terras que tem da outra banda do Nilo, chamou hum de
seus capitaes chamado *Ascader, e disselhe que passasse logo com f. 147.
sua gente em quanto elle aiuntava a demais pera ir em suas co-
stas e, dandolhe sua bandeira diaute de muita gente, Ihe enco-
mendo muito que, se tivesse algum encontro ante delle chegar, se
ouvesse com a prudencia, valor e esfor^o que delle se esperava;
e tomando o capitao a bandeira, levou da espada dizendo: Com
esta peleiarei por meu senhor ate morrer sem tornar o pe atras, e
se os enemigcs me ferirem nas costas e escapar de suais maos, nao
fa^a meu senhor conta de mim, nem me veia mais.
3. Cela Christ68 a- Ouvindo isto, Cela Christos Ihe disse : Muito pouco vos ha de
liusque duz militum, .^ 1 • ji ji • 1 • • n r>' j /^i. •
fidem catholicam aproveitar se peleiardes por amor de mim: peleiai polla fe de Chri-
LIVRO II, CAPITULO II. 357
sto que ensina a Igreia Romana, e entSlo Deos vos dara victoria e amplexi, victoriam
prosperara todas vossas cousas. E eu tambem vos farei muitas ™e?!^^ * * **
honrras e merces. Nao sabeis quantas me tem feito derubando sem-
pre a meus pes todos meus enimigos, depois que comecei a seguir
e defender esta santa fe; pois assim fara a vos, se de cora^ao a
seguirdes e peleiardes por ella. Respondeo o capitao : Lembroume,
meu senhor, huma cousa muito boa: digo que nSo hei de peleiar
senao pella santa fe de s. Pedro e por ella hei de morer, e se pe-
leiar por outro respeito, ainda que Deos me de victoria e destrua
os enimigos, el tire a vontade a meu senhor de por isso me fazer
honrras e merces nem eu Ihas hei de agradecer, ainda que mas fa^a.
Por huma cousa estou mui obrigado a meu senhor e Iha s^adeceo
mais que quanto me tem feito, que he terme dado a conhecer a
Deos e entender qual seia sua santa fe, pera me poder salvar ; que
antes nSo a conhecia nem sabia por onde andava. Disse entao Eras
Cela Christos : Se o que prometeis com as palavras de peleiar pella
santa fe de Roma, comprirdes com as obras, tudo vos socedera
muito bem; ide com a ben^ao do Senhor.
Com isto se despedio o capitao Ascader e o dia seguinte to-
mou a benpao de hum padre meu companheiro, que de ordinario
esta com Eras Cela Christos e elle Ihe deu hum frade, que ha
muito tempo se converteo e reduzio a nossa santa fe, pera que o
acompanhasse e o encaminhasse nas cousas de sua alma. E pas-
sando o rio Nilo com muito trabalho, por ir muito crecido e fu-
rioso, dali a poucos dias teve vista dos Galas, que erao muitos e
f.i47,v. bem consertados, como gente que saira de sua, s6 pera effeito *de
peleiar e destruir os christaos. Ordenou elle tambem logo sua gente
e deu batalha, cuio successo escreveo a seu senhor por estas pala-
vras ; Antes de daremos batalha aos Galas, que vinhao repartidos .
em muitos esquadrOes, mandei a todos meus soldados que adoras-
sem a santissima Crus, que estava na bandeira e se esfor^assem a
pelleiar nao por cobi^a de achar preza, nem por outros respeitos,
senao por serem estes crueis enemigos da santissima Crus e lei de
Nosso Senhor. E animandoos com isto, demos batalha, levando
diante a bandeira da santa Crus; e affirmo diante de Deos nosso
Senhor que nao por nossos zargunchos, nem por nossos arcos e fre-
chas, senao por meio e milagre da sanctissima Crus, alquangamos
tam facilmente victoria, que em pouco tempo os mais delles se pu-
serao em fugida, com tam grande medo, que, deixando suas molhe-
358 HISTORIA DE ETHIOPIA
res e filhos e todos seus gados, nao procuravao outra cousa mais
que salvarem suas vidas. Outros com virem primeiro como fero-
cissimos leOes, se entregarSo nas nossas maos, como se forao man-
90S cordeiros.
Este tempo ia hia Eras Cela Christos com grande exercito e,
passando o rio Nilo, se iuntou com este capitao e foj em busca dos Ga-
las, que escaparao, que ia se tinhao tomado a refazer, iuntandoselhes
outros muitos tam resolutos em peleiar que Ihe apresentarao logo
batalha em campo, mas com o favor divino forao desbaratados e
mortos muitos e Eras os seguio 2 dias fazendo grande matan^a,
cativando molheres e filhos e tomando gados sem conto, como elle
mesmo logo me escreveo pera que desse gra^as a Deos por tantas
e tam grandes merces, como Ihe fazia, e todas as atribuia a ter elle
recibido a doutrina e fe da santa Igreja Romana e defendela com
tam bom cora^ao; o que confessa e afirma publicamente.
4. imperator Scl- Tambem o Emperador fcis muito procurando sempre acreditar
tftn Sag4d favet ca- _ .
tholicae fidei et ipse nossas cousas e afei^oar os seus a ellas, sem perder nunca occasiao
etiam Ichegu6; sed ^j^ ^^^ ^^^ ^ louve e declare da maneira que Ihas temos ensi-
hic nescit solvere ^ ^
argumenta contra nado; e assim, estando hum dia com elle no pa^o muitos grandes
processionem Spiri- ^ , ^ ••11. it^u-
tuB Sancti a Filio : ® irades, em que entrava o prmcipal que ha em Ethiopia, a que
ab imperatore advo- chamao Ichegue e he Geral da Religiao *de Abba Taquela Hai- f. 148.
catur pater Paex ad *^ ® .
disputandum. manot, disse que nao Ihe parecia bem os que affirmavao que o Espi-
rito Santo procedia s6 do Padre; que a doutrina dos Portugueses
era a verdadeira, que affirma que procede do Padre e do Filho. Fo-
raolhe logo todos a mao dizendo que nao trouxesse tal cousa, por-
que era contraria a verdadeira fe. Deu elle algumas resOes em
prova do que dizia, mas a todas Ihe replicarao e trouxerao outras
em contrario. Disse entao o Emperador: Chamem ao padre Pero
Paes, que elle vos mostrara claramente ser verdade o que eu digo.
Respondeo hum delles: Senhor, nao pode mostrar tal cousa, nem
dar resao que nao seia apparente, e que nao Iha desfa^amos logo.
Disse o Emperador (segundo me contou depois hum meu amigo
que estava presente): Nao somente Ihe nao desfareis suas resOes,
mas nem Ihe aveis de saber responder.
5. Auctor probat A esta sazao estava eu na corte, como estou de ordinario, e
veritatem catholicam 1 1 t 1 r
ez ipBo libro Haima- assim me mandou logo chamar, e entrando me fes assentar perto
n6t Abb6. in cuius ^q gy ^ percfuntou, se o Espirito Santo procedia s6 do Padre, ou
recentioribus ezem- ^ r- o » r- x-
plaribus demonstrat se procedia tambem do Filho. Respondi: Senhor, procede do Pa-
Filio » abrasa fuisse. ^^^ ^ ^^ Filho ; e esta verdade esta declarada por 16 Concilios ge-
LIVRO II, CAPITULO II. 359
rais e determinada por artigo de fe ; coUigesse claramente do santo
evangelho e de s. Paulo que dis que o Espirito Santo he espirito
do Padre e do Filho, pello que assi o ensinao todos os doutores
sagrados e os mesmos livros de Ethiopia. Disse hum frade, que se
chama Abba Marca (que por ser dos mais velhos e Ihe parecer
que podia responder melhor, tomou a mao a todos) : Nem os livros
de Ethiopia ensinSo que o Espirito Santo procede do Filho, nem
se pode diser tal cousa, que he contra nossa santa fe. O principal
livro de Ethiopia, disse eu, he Haimanot Abbo (que quer diser c fe
dos Padres », porque he de peda^os de humilias de santo Athanasio,
Basil, Chrysostimo e outros Santos). Este dis em muitas partes que
procede do Padre e do Filho. Respondeo o frade que nSo avia tal
cousa em todo o Haymanot Abbo; e pidindo eu que trouxessem
o livro, veio logo e mostrei duas partes, que ia tinha notadas, onde
dis procede do Padre e do Filho e em 16 luguares: « he espirito do
Padre e do Filho. » Respondeo elle : Nunca tal vi ategora : este li-
vro esta errado ; tragSo outro. E como veio, achou que dezia : « pro-
cede do Padre j> e a palavra : « e do Filho » estava raspada ; o que he
f.i48,v. facil, por ser a escritura em pargaminho. *Disse entao: Este esta
bem. Respondi eu: Frimeiro tambem estava: «e do Filho» : eis aqui
o rasparao. Disse o Emperador: He verdade: Azax Qadenguil o
raspou; venha outro. Trouxerao sinco mais, c em todos estava: « Pro-
cede do Padre e do Filho. » Ultimamente veio hum novo, que em
todos os luguares dizia : « Procede do Padre :» e todos o aprovarSo,
dizendo que aquelle era bem. Respondi eu: Este tresladarao agora
do que esta raspado; os antigos sao os verdadeiros, que estao tre-
sladados dos mesmos li vros dos Santos. Disse o frade : Nao ; este esta
certo: emmendense todos por elle. Respondi eu: Nao pode aver
maior mal que tirar palavras dos livros dos Santos, ou acrescentar
as que elles dizem, pera mostrar os que isto fazem que ensinao o
que pretendem, ou pera que nao Ihe seia contraria sua doutrina.
E por ser esta cousa tam pemiciosa e grave, fechou s. Joao seu
Apocalipsi dizendo: Se algum acrescentar a estas palavras, acre-
scentara Deos sobre elie as pragas escritas neste livro, e se demi-
nuir das palavras delle, tirarlhe ha Deos a parte que tinha do livro
da vida e da cidade santa, e das cousas que estao escritas em este
livro. Disse entao o Emperador, mostrandose enfadado: Ninguem
tire palavras dos livros ; deixemnos como estavao, pois sao de San-
tos. E assi se calarao todos.
36o HISTORIA DE ETHIOPIA
6. Probat idcm ex Vendo eu que nao passavao adiante na pratica, disse : Deixe-
hac^re^tici nesdunt ^^^ ^ Haimanot Abbo, e vamos ao santo evangelho, que nelle
soivere argumenta acharemos tambem clara esta verdade, porque o mesmo Christo,
Auctoris.
falando do Spirito Santo, dis no cap. i6 de sam JoSo: « Tomara de
mim e denunciarvos ha a vos outros > . Nenhuma cousa pode tomar
o Espirito Santo do Filho sem tomar sua essencia. Logo nao s6
tomou a essencia do Padre, mas tambem do Filho. Respondeo o
frade : Quando Christo dis: « Tomara de mim ^, nao fala mais que da
sciencia. He verdade, disse eu, que fala da sciencia, mas se o Spi-
rito toma do Filho a sciencia, sem tomar a essencia, nao he Deos
senao criatura. Respondeo que elles tambem tinhao suas esplica-
Qoes pera este luguar; e com isto se fechou, sem dar nenhuma,
nem querer responder. Disse eu entao: Pois *respondame V, R. ao f. 149.
que disse Christo nosso Senhor no mesmo cap. de s. Joao e no
seguinte: ♦ Todas as cousas que tem o Padre sao minhas >; de ma-
neira que tudo o que tem o Padre tem o Filho, excepta a relagao
de paternidade, como dizem os santos : O Padre tem ser principio
do Espirito Santo; logo o mesmo tem tambem o Filho. Por onde
nao procede so do Padre, senao tambem do Filho. Virouse elle pera
os outros, dizendo: Nao vedes, nao vedes que falacia tira do
Evangelho [?]. Respondi eu: Mostre V. R. onde esta a falacia.
Todas sao palavras do Evangelho, de que nao se pode tirar fa-
lacia. Desta maneira, disse elle, tivera o Espirito Santo dous pa-
dres. Respondi: Nao se segue, porque o Espirito Santo nao pro-
cede do Padre em quanto formalmente he padre, que entao o
Espirito Santo fora filho, senao do Padre em quanto tem a essencia
comum com o Filho, e assi necessariamente procede tambem do
Filho. Aperfiou elle que era falacia, que nao avia gera que respon-
der, mas os outros bem entenderao que o dizia porque nao tinha
reposta. Vendo eu isto, Ihe disse: Ja que V. R. nao quer respon-
der aos argumentos, declareme como o Padre gera ao Filho e como
o Espirito Santo procede do Padre, que ahi Ihe mostrarei claro que
necessariamente o Espirito Santo procede tambem do Filho, ou
que nao ha differen^a nenhuma entre ambos, e assi nao serao tres
pessoas senao duas.
Disse outro frade: Deixemnos iuntar nossos frades pera re-
sponderemos a isso. Acudio o Emperador dizendo: Esta muito bom
desvio esse : se o Padre dissera : Deixemme iuntar meus Padres pera
responder, tivera alguma cor sua escusa, porque esta s6; mas vos
LIVRO II, CAPITULO II. 36 1
outros sois tantos, e ainda dizeis que vos deixem iuntar mais? Re-
spondei : que essa escusa nSo aproveita. Disse outro muito privado
do Emperador: Nos bem sabemos estas cousas: declareas o Padre,
pcra veremos de que maneira as entendem os Portugucses. Ao que
respondi : VV. RR. tcm obriga^ao de responder, pois eu perguntei
primeiro; e depois rcspondcrei ao que me perguntarem. Mas fes
tanta instancia, que, porque nao cuidassem que me escusava por nSo
f.i49,v. mostrar nossas cousas, ou porque me nao atrevia diante *delles, o
declarei por estas palavras:
« Bem sabem VV. RR. que, como Deos nosso Senhor seia de
« todo perfeito e benavonturado, he neccssario que entenda e ame,
« pois vemos que o mais perfeito que ha em nos he o entender e
« amar ; e nisto excedemos aos animais ; nem Deos pode ter sua
« gloria e benaventuran(;:a senao em entenderse e amarse, porque
« com todas quantas cousas criou nao se Ihe acrescentou hum ponto
« de gloria, nem perderia cousa algiima, ainda que as anichilasse,
« assim como huma toca acesa nao ganha nada em sua lus ainda, que
« acenda outras muitas, nem, porque se apagnem, pcrde cousa al-
« guma. Vem pois como, sendo Deos N. S. de todo perfeito, he ne-
« cessario que entenda? E de resao de entender he que esteia nelle
« tambem presente a cousa entendida e conhecida, que fica na
« noticia com perfeitissimo retrato e debuxo dessa mcsma cousa.
« Isto vemos claramente por experiencia, porque, quando nos pomos
« a considerar as arvores e flores, as tcmos tam presontes que quasi
« nao parece que ha differen(;ta dellas ao que nos formamos dentro
« de nos, e se tivera alguem virtude pera dar ser e vida aquilo quc
« esta dentro de seu entendimento, sem duvida fora huma perfei-
« tissima frol ou outra cousa contemplada ; mas, ainda que nosso en-
« tendimento, por sua fraqueza, nao fac^^a isto, ao menos tira hum
« debuxo tam perfeito e acabado da cousa que conhece, que nao
« ha pintor que tire tam perfeito retrato com pincel como o tira
« nosso entendimento.
« Entendesse pois Deos, e nesse entendor tira hum perfei-
« tissimo debuxo de si mesmo. Este debuxo nao podo ostar fora
« dello, porque em ncnhuma (ousa criada pode sor tirado perfeita-
« mento sou retrato, pois todas silo finitas e olle infinito. A este
<c debuxo Ihe da ser c, como esteia dentro de Deos, dalhe seu me-
« smo ser de Deose a este acto de rotratarse Deos chcmao os Sa-
« grados Doutores « gcrar », e ao debuxo chamao filh<^, o qual he
C. iiBC.ARi. /ier. Aeik, Scrtpt, occ, tned. — II. 46
362 HISTORIA DE ETHIOPIA
« Deos como o Padre, infinito e eterno como *elle, e chamao esta f. 150.
« gera^ao eterna, porque nunca se pode entender Deos que esti-
r vesse sem se conhecer e debuxar. Neste acto mostra Deos suas
€ riquezas e omnipotencia, onde comunica a seu filho toda sua gran-
« deza, sua fermosura, sua sabedoria, poder e virtude, porque em
« todas as creaturas nSo se comunica senao como huma gota de
« suas infinitas perfeigoes. E nSo somente se entende Deos, senao
« que tambem he necessario que se ame, como tenho dito. Vendo
« pois o Padre a fermosura, a bondade, a virtude e riquezas em
« seu filho, aquem gerou tambem como elle tao sabio como elle e
« tao poderoso e omnipotente como elle, naturalmente ama a esse
« filho, que produzio tam conforme a sy, e vendo tambem o Filho
« todas as grandezas e thesouros do Padre, de quem ve que Ihe
« vem todas as riquezas e bens infinitos que tem, necessariamente
« ama o seu padre que o gera, e este amor, com que se amao o
« Padre ao Filho e o Filho ao Padre, he amor produzido e he a
« pessoa do Espirito Santo ; e como o entender de Deos he infinito
« e gera filho infinito, assim o amar de Deos he infinito e poderoso
« e produs hum amor infinito e poderoso. Estas sao as 3 pessoas
« que dizemos aver em Deos e nao pode aver mais que hum s6
« Filho e hum Espirito Santo, porque em Deos nao ha mais que
« hum entender e hum amar. Vem aqui VV. RR. como da mesma
« maneira que o Padre produs ao Espirito Santo o produs tambem
« o Filho, pois he o mesmo amor com que o Padre ama ao Filho
« e o Filho ao Padre; e assim de todo o ponto nos he necessario
« affirmar e crer que o Espirito Santo procede do Padre e do
« Filho, porque de outra maneira nenhuma distin^ao podiamos dar
« entre o Filho e o Espirito Santo e assi nao seriao tres pessoas
« divinas se nao duas ».
7. Inopportuna Tudo isto ouvirao com grande aten^ao, e depois que eu acabei,
percontatio cuius- , , ,. 1. • , , <
dam viri principis ^ nenhuma cousa das que disse replicarao, mas hum senhor grande,
et responsio Aucto- ^q^ qyg a.li estavao, saio com este dcsproposito : Pois diganos V R.,
Irlo.
se as trevoas sao creatura corporea ou nao ? Respondi eu : Senhor,
que tem que ver as trevoas com o Espirito Santo de quem trata-
mos? *Diga V. S. que sao creatura corporea ou que nao sao, que f.i5o,v
pouco vaj nisso. Disse elle : Queremos saber que opiniao tem V. R.
acerca disto? Quanto a mim, respondi eu, nao me parece que sao
creatura corporea, senao somente priva^ao da lus, Disse elle : Logo
nao he verdade o que affirmao os Judeus, que as trevoas sao crea-
LIVRO II, CAPITULO II. 363
tura corporea. Respondi que a autoridade dos Judeus era muito
fraca, e que nom tudo o que affirmavao era verdade, pois affirmSlo
que nao veio ainda o Messias, que em Deos nao ha Trindade de
pessoas e tem por certissimas outras muitas cousas contra nossa
santa fe; mas ou^a V. Senhoria huma das resOes em que me fundo pera
> dizer que as trevoas [nao] sao creatura corporea. Se fechassem agora
esta sala, de maneira que nao entrasse lus nenhuma, estaria nella
esta creatura corporea; e se a abrissem, subitamente se desfaria, e
todas as vezes que de noite tirassem e metessem aqui tochas ace-
sas, se faria e desfaria esta creatura corporea; o que nao parece
possivel em boa philosophia. Disse o Emperador rindo: Boa esta
a creatura corporea, que tantas vezes e tam facilmente se pode fa-
zer e desfazer. Acodio entao o frade Abba Marca: Pera que ga-
stamos tempo em cousa de tao pouca importancia[?]. Que vaj que as
trevoas seiao creatura corporea ou nao [?]. E com isto se acabou a
pratica e saimos todos.
Poucos dias depois me disse hum primo do Emperador, que 8. Auctor privatim
se chamava Bela Christ6s e tinha bem entendidaa verdade de nos- lyiSrSicuiMuedeve-
sas cousas: Nao perca V. R. ocasiao nenhuma, em que nao declare '*_^®_^^®^*ff*flit*
a todos, como o Espirito Santo procede tambem do Filho, porque,
^ com primeiro terem por certo que nao procedia mais que do Padre,
; ia muitos vao entendendo que nao pode deixar de proceder tam-
■ bem do Filho. E indo eu a visitar a Abba Marca, pera ver se, fa-
lando com elle em particular, o podia tirar daquelle erro, como o
f. 151. tinha tirado de autros que adiante ve*remos, me mostrou hum lu-
guar no Concilio Niceno, que elles tem, em que dizia: O Espirito
Santo procede do Padre e nao do Filho. Disse eu: Nao ha tal
cousa no Concilio Niceno, nem ali se tratou esta questao do Espi-
rito, porque ainda nao avia tal erro, nem se levantou senao dahi
alguns 100 annos ou mais, como consta de muitos autores; por
onde esta palavra: « e nao do Filho » esta acrescentada. Respondeo
elle : He verdade ; aqui em Ethiopia a acrescentarao. Mostreilhe eu
entao quam grandes males se seguiao de acrescentar palavras nos
; Santos Concilios e nos demais livros, que ensinao a verdadeira fe,
! e declareilhe compridamente como o Spirito Santo procede do Pa-
dre e do Filho, com que ficou satisfeito. E posto que em muito
tempo nao se atreveo a confessar publicamente esta verdade, ia a
^ confessa e affirma sem ter de ver com ninguem.
Outras muitas cousas pudera referir de praticas particulares, que
perauasum dimittit.
364 HISTORIA DE ETHIOPIA
tive por vezes com alguns letrados ecclesiasticos e seculares, que
pertinasmente defendem que o Espirito Santo procede s6 do Padre,
mas bastara o que temos dito, pera que se veia quanto se enga-
nou frei Luis de Urreta no que affirma pag. 416 por estas palavras:
g. Bz dictis con- « Esta verdad catholica, que la Iglesia crc contra los GTiogos,
hbtorfcus Vrretal^^ ^ ^^^ ^^ Spirito Santo procede del Padre e del Hijo, la tienen,
« creen y professan los Ethiopes con grandes veras contra los mis-
« mos Griegos, diziendo : * Spiritus Sanctus Paracletos Deus vivus.
« qui ex Patre et Filio procedit '». Isto dis o Autor fundado em
huma protesta^ao da fe, que affirma fizerao huns embaixadores do
Preste Joao no Concilio Florentino e a refere pag. 397; mas aquella
protestagao nao fas contra o que temos dito, que os Ethiopes vas-
salos do Preste Joao tem que o Espirito Santo procede s6 do Pa-
dre, porque, ainda que concedamos que aquelles, que se nomearao
por embaixadores do Preste Joao, nao fingissem muitas das cousas
que ali se referem, pera serem bem recibidos dos nossos e acre-
ditar pera com elles sua fe, como facilmente fazem onde se achao,
e temos mostrado por todo o livro primeiro, nas que o ethiope
Joao Balthesar meteo em cabega *ao mesmo autor e no que aqui f.i5i,v.
exprimentamos em alguns frades, que forao a Roma, onde prova-
velmonte aviao de dizer que professavao a santa fe da Igreia Ro-
mana e depois que tornarao qua, falao conio os demais frades da
terra; ainda que concodamos que aquolla embaixada foj verdadeira
e tudo o que professarao certo, nom por isso se segue que de en-
tao ate oje guardem perfeitamente todas as cousas que ali prote-
starao, a verdade he que de muitos tempos a esta parte tiverao e
tem oje esta heregia que o Spirito Santo procede s6 do Padre e
outras muitas que adiante veremos.
CAPITULO m.
Em que se referem os erros,
que os Ethiopes tem sobre a sacrosanta humanidade
de Jesu Christo N. S.
Affirmao os Ethiopes vassalos do Preste Joao que a natureza z. Probatur Aethi-
humana em Christo Nosso Senhor he icfual a divina e que esta em ^^ unam ^^}^^
^ ^ naturam in Chrxsto
toda a parte ; e dizem que, depois que a natureza humana se unio proflteri cx ipsis eo-
a pessoa divina, nao se pode dizer que cm Christo ha duas natu- xnan6t Abb6 et Ma-/
rezas senao huma natureza, e a Dioscoro, que ensinou estes tam Mg«*bt HaimanAt.
grandes erros, tem por santo c como a tal Ihe fazcm grande festa
cada anno, e a s. Leao papa, porque dis que estao em Christo
duas naturezcLS, sem se mesturarem, confundirem, nem afastarem,
Ihe tem muito grande aborrecimento e dao nomes bem alheos de
gente christaa ; e assim, falando eu com hum frade velho sobre elle,
disse que falara nesta cousa por boca de s. Paulo, e que fora san-
tissimo varao ; ao que respondeo com extraordinaria impaciencia de
ouvir isto : Nao foj senao hum satanas. Nem me espanto muito que
Ihe tenhao tanto aborrecimento, pois os incita a isso a doutrina de
seus livros, que elles tem por fe verdadeira ; porque, como ia dis-
semos no cap. 24 do primeiro livro, as Homilias de Santos, que
tem no livro que chamao Haimanot Abbo, aiuntarao muitas cousas
f. 152. de Patriarcas *de Alexandria hereges, e hum delles, que se chama
Theodoseos. dis no cap. 2° estas palavras: « Nao afastamos como
aquelle inimigo Leao maldito, que afastou a quem nao se afastou,
e disse duas naturezas, duas complacencias e duas obras em hum
Christo: > E pouco mais adiante toma a dizer: « Este maldito e tredo
366 HISTORIA DE ETHIOPIA
I
4
Leao disse duas naturezas e duas obras e, dizendo huma pessoa, ni-
sto quis (scilicet encobrir) o maldito seu erro, em dizer huma pes-
soa: » E outro, a quem chamao Cenutheos, dis assim : c Os que falao 1
e cuidao como o Concilio baixo, sujo, judeu, roim dos que se iun-
tarao em Calcedonia, em que estava Leao, que nao tem lei, lobo I
serval, robador, despeda^ador das almas ». E outro, que se chama 4
Philatheos, tambem diz: «Nao crem como o Concilio judeu dos que
se inntarao em Calcedonia e o livro da treicjao de Leao mentiroso. »
Demais disto em hum livro, que elles chamao Mazagu6bt Hai-
manot, que quer dizer « Thesouro da f6 » , dizem do Concilio Calcedo-
nense, porque declarou por de fe a doutrina de s. Leao sobre as
duas naturezas, vontades e operagoes em Christo Nosso S.**' , e con-
denou a Dioscoro: « Juntaraose mestres parvos 630 com vamgloria
« e soberba, querendo ser dobrados que os 318 iustos da fe ». E
pouco mais adiante dis ; « Tirarao huma palavra da fe de Nestor,
« que pos duas pessoas em Christo, huma do filho de Maria, outra
« do filho de Deos, e disserao que polla uniao se fizerao huma pes-
« soa. Isto deixarao polla excomunhao do padre Cyrilo, e compo-
« serao das palavras do p. Cyrilo e das palavras de Nestor ; e as- .
« sim disserao Christo huma pessoa, duas vontades, duas naturezas, I
« duas complacencias da divindade e da humanidade. Disserao que ^
« a divindade fas obra de divindade, e a humanidade obra de hu-
« manidade por dous caminhos: hum obra maravilhas, outro padece \
« infirmidades, e por isso he menor a humanidade que a divindade » .
Ate qui sao palavras daquelle livro.
a. Confirmatur ez Outras muitas cousas semelhantes pudera referir de seus li-
di8putationibu8,qtias vros, que deixo por brevidade; bastara contar *em confirma^ao do f.i52,v.
anno 1 604 Auctor ha-
buit cum quibusdam q^^ pretendo as que passei com os principaes letrados de Ethiopia
doctis monachis co- ecclesiasticos e seculares em humas disputas eerais, que por mui-
ram Imperatore Za x- o » t r-
Deng:ull.Summapri- tos dias tive com elles em junho de 1604 diante do emperador Za
mae disputationis. t^mji 1 tii «
Denguil e de muitos senhores, estando elle em huma terra que
chamao Ondegue, ao longo da grande lagoa, que divide o reino de
Goiam do de Dambia, nas quais se tratou quasi de todos os erros
que ha em Ethiopia e principalmente destes que imos falando, que
forao dos primeiros com que sairao ; porque, mandandome chamar I
o Emperador a seu pa^o pera este effeito, me fes assentar perto i
de si e disse, que folgaria de ouvir algnma cousa sobre o que ti- j
nhao controversia os de Ethiopia com os Portugueses, pera ver se ^
era certo que avia tam grande diflferen^a como diziao. Respondi
l
LIVRO II, CAPITULO III. 367
que perguntassem o que quizessem, que eu declararia como o en-
tendiamos. Disse logo hum frade : Em muitzis cousas temos grande
differenQa, particularmente em que dizem que em Christo estao
duas naturezas, e que a natureza humana nao he igual a divina.
Respondi que sim diziamos e que esta era a fe catholica, por-
que, deixando o que dis s. Paulo em muitas partes que Deos der-
ramou seu sangue pella Igreia, que nos remio com seu precioso
sangue, no que mostra claramente que em Christo estao duas na-
turezas, porque Deos em quanto Deos nao tem sangne, he spirito,
e assim o que he Deos e derramou sangne necessariamente ha de
ter duas naturezas, tambem, escrevendo aos Romanos, cap. 8, dis
que Deos nao perdoou a seu proprio filho, mas que por todos nos
o entregou; e mais adiante, cap. 9, que Christo nosso Senhor he
de pais judeus seg^ndo a carne, e que o mesmo he Deos sobre
todas as cousas; que mais claro pode dizer s. Paulo que Christo
Nosso Senhor tem natureza divina e humana[?]. Isto mesmo ensina
s. Joao em sua primeira Epistola com palavras muito claras. Mas
deixando tudo isto, vamos ao santo Evangelho, que he a fonte donde
elles tirarao esta verdade pera denunciar ao mundo.
f- »53- *Falando Christo N. S.**' com Nicodemos, como conta s. Joao
no cap. 3®, Ihe disse: Ninguem sobe ao ceo, senao o que desceo
do ceo, o filho do homem, que esta no ceo. No que mostrou cla-
ramente que tem duas naturezas, porque este, que falava e sabia e
dizia que era filho do homem, nao estava entao no ceo senao na
terra com Nicodemos, nem era Deos senao homem; porque Deos
nao se pode ver nem tocar com os sentidos corporais, nem de-
scera do ceo, mas nacera na terra da Virgem Nossa Senhora,
Luc. 2 ; e com tudo isso elle mesmo affirmou que descera do ceo,
e que entao quando falava na terra estava no ceo. Logo Christo
N. S.***" tinha outra natureza afora a humana, segundo a qual pu-
desse estar no ceo, quando com a natureza humana estava na terra.
E mais adiante no cap. 9 dis s. Joao, que achando Christo N. S.
aquelle cego a nativitate, a que pouco antes tinha dado vista, Ihe
perguntou : Tu cres no filho de Deos \Y]. Respondeo : Quem he, Se-
nhor, pera que crea nolle[?]. Disselhe Jesu: Ja o viste, e o que fala
contigo elle he. Disse o que fora cego: Creo, Senhor; e prostran-
dose o adorou. Que mais claramente podia mostrar Christo N. S.**^que
tem duas naturezas, pois aquelle, que o cego, depois de receber vi-
sta, vio, ouvio e adorou, dis que iuntamente he filho de Deos [?J.
368 HISTORIA DE ETHIOPIA
A isto respondeo hum dos seculares: « Depois da resurrei^ao, nSo
ficou mais que huma natureza ». « Qual dellasp], disse eu; se se perdeo
« alguma, avia de ser a humana. Mas isto he contra o santo Evan-
« gelho. Senao dizeime quem era aquelle que no 8 dia depois da
« resurrei^ao, estando entre os dicipolos, disse a Thome, que nao
« fosse incredulo cuias erao aquellas chagas que Ihe mostrou e
« Ihe oflFereceo que tocasse[?]; porque a divinidade nao sc pode ver
« com os olhos corporaes, nem tocar com as mSos, nem ter cha-
« gas; logo o que Ihe ofFereceo que tocasse e elle via, nSo era a
« divinidade senSo a carne; e com tudo isso a aquelle mesmo que
« via confessou por Deos e Senhor, Joafi, 20. Que mais claramente
« se nos pode mostrar que Christo N. S.**^ depois da resurreigao
« tinha duas naturezas, divina e humana [?].
« Alem disto quem era aquelle dis s. Lucas no *cap. ultimo, que f.i53.v.
« aparecendo aos dicipolos, depois de sua resurrei^ao, e ficando elles
« turbados cuidando que era spirito, Ihes disse : Quid turbati estis
« et cogitationes ascendunt in corda vestra [?] ; vede minhas maos
« e meus pes, que eu mesmo sou; palpaj e vede, porque o espi-
« rito nao tem carne nem ossos como vedes que eu tenho. Logo
« nao se pode duvidar, senao que tinha verdadeiramente natureza
« humana, nem vos t^mpouco negais a divina. vSabei que a prin-
« cipal causa porque, depois da resurrei^ao, esteve Christo N. S.°' na
« terra 40 dias comendo e bebendo, conversando e tratando com
« seus dicipolos, foj pera mostrar que verdadeiramente tinha natu-
« reza humana e que conhecessem que aquelle mesmo, que tinhao
« visto crucifigado e morto, resucitara » .
A isto me nao respondeo uada, mas come^ou a falar com os
autros sobre a interpretagao destes luguares. Disselhe eu : « Todas
« sao palavras claras do Evangelho, que interpretagao tem \stc\ ; mas
« pera que incurtemos a pratica, respondoime so a esta palavra :
« Christo N. S.""^ he oie perfeito Deos e perfeito homem, ou nao [?]. »
Nao queria responder, senao misturar outras cousas, ate que Ihe
disse o Emperador: « Porque nao respondeis? Podeis negar que
« Christo seia perfeito Deos e perfeito homem? ^-^ Respondeo entao
que nao se podia negar. « Logo tem, disse eu, perfeita natureza di-
<.< vina e perfeita natureza humana. » Respondeo outro : «j: Nos nao ne-
« gamos que em Cliristo esteia natureza divina e natureza humana;
« mas depois que se unirao, nao se pode dizer que estao duas, senao
« huma. » Respondi que isto era dizer que cstao duas e que nao estao
LIVRO II, CAPITULO III. 369
duas. Estando em Christo verdadeiramente a natureza divina e
humana, que sSio distintas, porque nao se pode dizer que estSlo
duas [?]. c Se quereis dizer que Christo N. S.**' nSo se pode dizer
f. 154. « dous senao hum, he cousa certissima, porque *nao tem mais que
€ huma so pessoa. E isto principalmente pretende mostrar s. Joao
« em sua i** Epistola, mas neste hum Christo estao duas perfeitis-
« sima^ naturezas, divina e humana ». Tornou a responder que as
naturezas nao se podiao dizer duas senao huma, depois que se unirao
e ficarao iguais. Disse eu que por rezao da uniao nao deixarao de
ser duas perfeitas e distinctas naturezas e que me maravilhava
muito que affirmassem que estas duas naturezas erao iguais; pois
nos ensinava o contrario o Evangelho e s. Athanasio (cuia doutrina
me diziao que elles seguiao) o declarava expressamente em seu
symbolo, dizendo que Jesu Christo N. 8.°' he igual ao Padre se-
gundo a divindade e menor que o Padre segundo a humanidade.
Respondeo hum : « Quantos falsos testemunhos alevantais a s. Atha-
nasio ». Disse eu, que lesse bem seu symbolo, que nelle acharia
estas mesmas palavras; mas que nao tinhamos necessidade da
autoridade de s. Athanasio, onde estava tam expressa a de Chisto
N. S.**', que dis em huma parte por s. Joao cap. 10 que he igual
L com suo eterno Padre e huma mesma cousa com elle : e em outra,
cap. 14, que o Padre he maior que elle; no que nos ensina que
tem natureza divina, segundo a qual he igual ao Padre, e natu-
reza humana, segnndo a qual he menor que elle. Respondeo, que
quando disse que era menor que o Padre, falou por humildade,
porque segundo a humanidade tambem era igual a elle, como o
manifestou s. Marco no cap. ultimo dizendo, que, quando subio ao
ceo, se assentou a sua mao direita, que he o mesmo que dizer que
he igual a elle, e em quanto Deos nao se cissentou senao en quanto
1 homem. « Nao nos avia de enganar Christo N. S.®*" por humildade
; « (disse eu) : com palavras affirmativas nos declara que he menor
' « que o Padre, nem em quanto homem pode ser igual a elle, porque
« muitas cousa[s] ha em Deos, que implica contradi^ao comunica-
f.i54,v. « remse a creatu*ra, como he ser increado, actu puro, infinito e outras
« cousas semelhantes ; tambem se seguirao muitas cousas contra a
« Sagrada Escritura, como aver no mundo dous omnipotentes, immen-
« sos, infinitos, a deidade e a humanidade de Christo N. S."^ Demais
^ « disto s. Joao e s. Paulo nos ensinao claramente que, em quanto ho-
« mem, he menor que o Padre, porque s. Joao i'* epist. cap. 2 dis
C. BsccAiti. /ier, Aetk. Scri^t, oce, intd, — II. 47
\
370 HISTORIA DE ETHIOPIA
« que he nosso avogado pera com elle, e sam Paulo affirma, ad Rom. 8,
« que, estando a mSlo direita de Deos intercede por nos. Se fora ignal,
« nSo podia ser avogado e interceder; e na i* ad Corinth, cap. 15,
« dis que, quando o Padre tiver soieitado ao Filho todas as cousas
« (que sera no dia do juizo), ainda entao o Filho sera soieito ao Padre ».
Comeijarao elles a intrepretax estes luguares ; mas vendo o Em-
perador que nSo levavao caminho, os interrompeo, perguntandome
como se entendia aquelle luguar de s. Marco, porque assentarse a
mSo direita do Padre parecia que denotava ser igual a elle. Re-
spondi que isto nao queria dizer mais de que, em quanto Deos, tem
a mesma gloria, honrra e poder que o Padre e, em quanto homem,
Ihe deu o mesmo Padre mais gloria, mais honrra e mais poder que
a todos os santos e anjos. Mas ainda que dissessemos que sentarse
a mao direita [he] reinar, iulgar e governar todas as cousas com igual
poder e honrra, nem por isso se segue que a natureza humana seia
igual a divina, porque isto nao Ihe foj dado a ella em sy mesma,
senao na pessoa divina, e assim nao se pode dizer que a natureza
humana em si mesma esta assentada a mao direita do Padre, senao
que he natureza humana daquella pessoa divina que esta sentada
a mao direita de Deos Padre. Assi como na incarna^ao, nem porque
Deos incarnou a humanidade ficou sendo Deos, senao humanidade
de Deos, mas tomando tudo iunto en concreto dizemos: Este ho-
mem he Deos e esta assentado a mao direita de Deos *Padre. f. 155.
Por huma comparagao me declararei melhor: « Quando Vossa
« Magestade se assenta em sua cadeira pera iulgar e governar seu
« imperio, esta com sua roupa imperial, mas nam por isso se pode
« dizer que a roupa esta sentada e que iulga e govema, senao que
« he roupa de Vossa Magestade que esta assentado iulgando e go-
« vernando ».
« Muito folguei, disse o Emperador, de vos ouvir ; por oie basta
isto >. E alevantandose, porque era ia muito tarde, sairao todos,
sem ficar mais que hum muito seu privado chamado Lac Mariam
e hum frade bem letrado, que se chama Abba Za Manoel e eu. E
disseme diante delles o Emperador : « Eu sou parvo, que nao entendo
muy to bem que a creatura nao pode ser igual ao criador ; com tudo
folgaria que me mostrasses aquelle ultimo luguar, que alegastes de
s. Paulo ». Disse eu onde estava, e mostrouo logo o frade em seu
livro e dizia: « Quando Ihe forem soieitas todas as cousas, entao se
vera que o Filho he menor que o Padre » ; porque em alguns de seus
j LIVRO II, CAPITULO III. 37 1
! li\Tos estk isto acrescentado. « Que necessidade temos de mais rezoes,
disse o Emperador, falando s. Paulo tam claramente. Ide embora
descansar » .
O seguinte dia mandou o Emperador que se tomassem a iuntar 3. Summa alterius
todos os letrados e das primeiras cousas que perguntarao foj, se ^^^ ^ "'
^ avia em Christo N. S.°' duas vontades, e respondendo eu que sim,
[ se rio hum como se ouvira algum absurdo muito grande. Disselhe
eu entao, que isto mesmo confessara elle o dia precedente no que
me concedera que Christo he perfeito Deos e perfeito homem, ver-
dade certissima ; o que nao podia ser se nao ti vera iuntamente von-
tade divina e vontade humana, pois a vontade he tam grande
perfei^ao, que ninguem pode ser perfeito se Ihe faltar, e que o
mesmo Senhor tivera por bem de nos tirar de duvida, ensinandonos
no Evangelho com palavras claras, que tem iuntamente vontade
divina e vontade humana, porque no cap. 6 de s. Joao diz : « Desci
do ceo nao pera que fa^a minha vontade, mas a vontade daquelle
f.i55,v. que me mandou »; e em s. Matheus 26, s. Marcos 14 e *Lucas 22
dis : « Padre, se quereis, passaj de mim este calis ; porem nao se fa^a
minha vontade senao a vossa » . Que mais claro nos podia dizer que
j tem vontade humana com que se conformava e soieitava a vontade
L ^e seu Eterno Padre, que he a mesma que elle tem em quanto
Deos [?]. Respondeo elle, que aqui por vontade se entendia affecto na-
tural. « Nao se entende, disse eu, senao vontade propriamente, porque
assi como fala propria e precisamente da vontade do Padre, dizendo
que veio a fazer a vontade do que o mandou e que se fa^a a von-
tade do Padre, assim tambem fala propria e precisamente da vontade
humana dizendo : Deci do ceo nao pera fazer minha vontade, e nao
se fa^a minha vontade ».
« Bem fora, disse elle ; poremos em Christo duas vontades, pera
que quisesse iuntamente duas cousas contrarias » . Respondi eu que
nao cuidasse que a vontade divina e a humana em Christo erao como
1 a sua vontade e a minha, que elle quereria huma cousa e eu outra
I
! contraria, senao muito unidas e conformes, sempre a vontade hu-
mana se soieitava e obedecia em tudo a divina ; o que nos declara
muito bem s. Paulo ad Philip, 2°, dizendo que se humilhou assy
mesmo feito obediente ate a morte e morte de crus.
: A toda esta pratica, que foy comprida, porque mesturarao muitas
w cousas fora de proposito, esteve mui attento o Emperador e fes bom
conceito da verdade, como o tinha feito o dia dantes, de aver duas
\
y
372 HISTORIA DE ETHIOPIA
naturezas em Christo N. S.°' ; e assim disse que passassemos a outra
cousa; que nSlo era necessario porfiar mais nesta. Disse eu: « Se
« Vossa Magestade da licen^a, folgara que me disserao so isto: se
« Christo N. S.°' tem perfeita alma racional ». Respondeo hum: Que
sim, perfeitissima. « Pois das cousas mais perfeitas que tem a alma
« rational, disse eu, he a vontade, tanto que ella he a que escolhe
« ou engeita o bem ou o mal, que o entendimento Ihe representa,
« logo a alma de Christo N. S.°*^ tem vontade ; que sem ella nao fora
« perfeita. E mais, quando Deos N. S.***^ disse : Fa^amos o homem
« a nossa imagem e semelhan^a, Genes, i°, na alma o asemelhou
« a sy, pondo nella (que he huma so substancia) tres potencias in-
« separaveis, que sSo intendimento, vontade e memoria *assim como f. 15^-
« elle, sendo huma so simplicissima substancia, tem tres pessoas, a
« do Padre, do Filho e do Spirito Santo. Tambem vos concedeis
« que em Christo N. S.°^ esta a vontade divina, por onde forgada-
« mente aveis de confessar que nelle estao duas vontades, divina e
« humana, mas muito unidas entre sy , como ia disse » . Respondeo
elle que se estavao tam unidas, que a humana seguia sempre o que
queria a divina, ia nao era mais que huma so vontade. « Muito mal
« infiris, disse eu, porque, ainda que esta uniao seia tam grande e que
« a vontade humana siga o que quer a divina, nem por isso perde
« seu ser, assim como porque vos unais e sugeitois vossa vontade a
« do Emperador, nem por isso perde ella seu ser ; tam perfeito o tem
« depois que se soieitou como o tinha antes » . Disse o Emperador, que
nao avia que falar mais nisso ; e assim passamos a tratar de outros
erros que tem sobre as almas rationais e refirirei adiante em seu
luguar.
4. Ex dictis refel- Bem claro se mostra do que temos dito a pouca noticia que
T?"* ta ^d**"* to d^' ^^^^^ destas cousas frey Luis de Urreta ; pois, defendendo aos Ethiopes^
ctrina Aethiopum dis pag. 424: « Los Ethiopes, como catholicos christianos obedientes
circa Incarxiatioxieni*
« a los sagrados Concilios, e em particular al Concilio Calcedo-
« nense, confiessan e creen en Christo dos naturalezas perfectas, in-
« comutables, distinctas, divina y humana >. Mas pera que se veia
ainda melhor quam longe estao disto os Ethiopes, referirei no ca-
pitulo siguinte o que Ihes soccedeo estes annos passados ao empe-
rador Seltan Sagued, que oie vive, por querer fazer receber aos seus
esta verdade catholica, que em Christo N. S.**"^ estao duas perfeitis-
simas naturezas, divina e humana; o que tenho por certo folgara
de ver o leitor, ainda que seia comprido, porque; demais de ser go-
LIVRO II, CAPITULO 111. 373
stosa historia, achara nao pequena occasiao de louvar a Nosso Senhor
polla[s] merces grandes que fes a este bom Emperador e a Eraz Cela
Christos seu irmao, livrandoos por vezes da morte, e, o que mais he,
dandolhes conhecimento de sua santa fe; e rogara ao padre das
misericordias, que Ihes fes esta tam grande, a quiera tambem fazer
f.i56,v. *a todos os demais deste imperio, alumiandolhes os entendimentos,
pera que deixem seus erros e se soieitem a sua santa igreia.
CAPITULO IV,
Em que se prosegue a prova de que os Ethiopes negao
duas naturezas em Christo N. S.""^.
Ainda que nas disputas, que tive com os letrados diante do i. imperator Za
emperador Za DengTiil, ficarao alguns frades e homens grrandes veriStem^mpl^d^
conhecendo a verdade de nossa santa fe, todavia, como depois, en- ^"'5 q"*™ <>*> "«» «
monachis commota
tendendo outros que o Emperador a tinha recebido, amotinarSlo o piebe, vita privatur.
povo e o matarSio, como diremos adiante no livro 4, nSo se atre- ^^.^^ auadet Cela
^ ^ ChnstOBeiuaquecon-
viao a falar em publico sobra ella, posto que em segredo comuni- aobrino Abeithum
.,,, J01..0 j^ B«^* Chriatda duaa
cavao comigo. Mas de poes que o emperador Seltan Sagued tomou ease in Chriato natu-
posse do imperio, deseiou muito saber o fundamento dcus contro- **••
versias que temos com elles e assim humas vezes me perguntava
estando s6, outras vezes fazia que me perguntassem diante delle
alg^ns frades de quem se fiava, e foj Nosso Senhor servido que
por este meio viesse a entender bem nossas cousas ; e tratando sobre
ellas com Cela Christos seu irmSo, Ihe disse que Ihe pareciao muito
bem, e que tudo quanto diziamos provavamos com a Escritura,
Respondeo elle : Senhor, nao ha pera que dar ouvidos a suas cousas,
que sSo tam differentes das nossas, que de nenhuma maneira as
podemos admitir. Disse o Emperador: Nao desistais de as ouvir,
porque nao sao da maneira que dizem nossos frades e atentai muito
bem se achais algiima cousa contra a Escritura. Dali por diante
come(;ou a me perguntar meudamente e o mesmo fazia a qualquer dos
demais Padres que achava, mais^por curiosidade e ver se avia al-
guma cousa dc que pegar pera zombar de nossas cousas. que pera
i
376 HISTORIA DE ETHIOPIA
se aproveitar dellas. Mas achandoas tam conformes a rezao e a
Sagrada Escritura, e vendo que todos nos ensinavamos huma mesma
cousa, entendeo clara*mente que a doutrina da Igreia Romana era f. 157.
a verdadeira; e assim se determinou a seguila e morrer por ella.
PoUo que disse ao Emperador que elle primeiro estava muito en-
ganado, mas que sem duvida a fe que ensinavamos era a verda- 4
deira; do que folgou muito o Emperador. A isto se aiuntou que
a hum seu primo, que se chamava Abeithum Bela Christos, a quem,
ainda que homem casado, tinhao todos por oraculo em cousas de
leteras e na verdade, na curiosidade e continua^ao do estudo podia
competir com muitos dos estudiosos de nossas terras, e este tendo
tambem entendida a verdade de nossa santa fe, disse ao Emperador
o mesmo que seu irmao Ihe tinha dito e comegou a falar nisto com
outros letrados, e assim se foy espalhando que elle e o irmSo do
Emperador aprovavao nossa doutrina.
a. SeltAnSagAdfa- Sabendo pois desta maneira os frades, que de segredo estavao
vet monachis caUio- ^^ nossa banda, como tinhao por si tam cfrandes senhores, come-
I1CI8 ct lubet haben t- ^
conventum omnium (^arao elles tambem a falar sem medo e disserao ao Emperador, que
doctorum Aethiopiae , • ^ -i. ^ t ^ j
ad doctrinam de du- niandasse mntar diante sy os letrados que avia na corte, e que
plici in christo na- elles Ihes mostrariao claramente polla Escritura que em Christo
tura excutiendam.
estao duas naturezas, divina e humana, sem se misturarem, nem ^
confundirem. Folgou muito o Emperador de ouvir isto e mandou
logo que todos se iuntasem certo dia em seu pa^o, o que elles
fizerao estando a caso hum padre e eu com o Emperador, e elle Ihes
fes huma pratica com muito boas e consertadas palavras, em que em
suma Ihes disse que tinha entendido aver entre elles duas fees mui
difFerentes, nao podendo ser mais que huma a verdadeira, e que
entre outras cousas huns Ihe diziao que em'Christo estao duas na-
turezas, outros que s6 huma; que deseiava saber a verdade disto,
pera fazer que todos a seguissem uniformemente, poes nao era
bem que em cousas de fe ouvesse tam grande difFeren^a. Respon-
derao todos que era isto cousa muito importante e necessaria.
3. Dtsputatio mo- Comegando poes logo a disputar a questao, os que erao *de f.i57,v.
Marc&^<»u^iicus ad ^^^^ parte convenciao aos contrarios com a Escritura e rezoes fun-
silentium redigit ad- dadas nella, de maneira que nao podiao responder senao cousas ri-
versarios. Monachuf ,
quia coram Impera- dicolas, e vendoso hum dolles muito apertado, disse: Por huma
tore probrosa verba gemelanca me declararei: Assim como quando aiuntao o ferro com
leceratcontraMarca, r ~i
severa mulctatur. o fogo, fica tam aceso e feito fogo que nao se pode dizer que alli ^
estao duas naturezas senao huma, assim tambem, depois que a na-
i
LIVRO II, CAPITULO IV. 377
tureza divina unio assi a humana, ficarSlo de maneira que n^o se
pode dezir que sSo duas senao huma. Respondeo o irmSo do Em-
perador rindo : « Vem muito a proposito a semelanga pera provar
nosso intento » . E hum frade chamado Marca disse : « Com isso de-
« clarais o que nos dizemos que em Christo estao duas naturezas,
« que por a natureza divina unir assy a humana, nao perdeo esta
« seu ser, assim como o ferro por se unir com o fogo nao perde
« sua natureza. Senao dizeime que he o que ali peza, o ferro ou o
« fogo? Em que se dao as marteladas no ferro ou o fogo? » Ne-
stas cousas gastarao a maior parte do dia ; e se alevantarao sem
acabar de assentar em nada.
Aiuntaraose depois outrcis duas ou tres vezes e ficarao os
contrarios tam convecidos que vierao a confessar em Christo duas
naturezas, mais por cran^a com a boca que com o cora^ao, como
depois se vio. S6 hum frade, dos que ali estavao ficou sempre mo-
strando sua pertinacia aflirmando, que em Christo nao avia mais que
huma natureza ; pello que o Emperador o entregou a outros, pera que
mais devagar Ihe mostrassem a verdade, e mandou lan^ar pregao
que ninguem dali por diante soppena de morte dissesse que em
Christo estava huma s6 natureza, senao duas perfectissimas, divina
e humana. E outro dia, estando eu com o Emperador, trouxerao ao
frade pertinas e disselhe Abba Marca : Entendestes ia a verdade do
que dissemos? Pera que aporfiais em cousa tam clara na Escritura [?].
f. 158. Respondeo elle algumas cousas em que *parecia que queria dizer
como ia entendera como em Christo estavao duas naturezas; mas
antes que se acabasse de declarar, ficou subitamente tam enfiado
que de bem preto que era se tornou seu rosto como branco e co-
me^ou a deshonrrar a Abba Marca. Disse este entao ao Empe-
rador : Senhor, como se a de sofrer que este me deshonrre diante
de Vossa Magestade [?]. Mandeme o Emperador fazer iusti^a. Se-
naloulhe logo juizes e hum iulgou que merecia morte, por ser
tam descomedido diante do Emperador; outros dous disserao que
era homem ignorante, que bastava a(;outalo. E isto aprovou o Eni-
perador, e assim Ihe derao muitos e bons ac^outes no terreiro do pa^o
diante de muita gente, e ainda que o castigo foy pollas deshonrras que
disse e o atrivimento que teve diante do Emperador, a mais da gonte
cuidou que era porque affirmava que em Cliristo estava huma s6
natureza ; e assim ficarao com medo arreceando que, se o Emperador
se enfadava, tambcm mandaria executar o pregao que tinha dado.
C. Bbccaju. R0r, Atth, 6eri^t. occ. tMd, — II. 48
i
378 HISTORIA DE ETHIOPIA
4. Alia ct acrior A este tempo estava seu Patriarca em outras terras longe, e
disputatio cvun ipso
Abuna qui cogitur vindo depois a corte, se forao logo a elle os frades que primeiro,
?*f A* duas naturas. j. g^ acharem convencidos, confessarSo em Christo duas naturezas,
Seltl^ SagAd dat de- ^ '
cretum pro doctnna e Ihe affirmarao que por forga disserSo aquilo, mas que, poes elle
era cabec^a, tornasse por sua fe. Outros homens grandes o exhor-
tarao tambem a isso em segredo e Ihe offerecerao todo o favor e
aiuda; pello que elle foj ao Emperador e se mostrou mui sentido
de que em cousas de fe se determinasse nada sem elle estar pre-
sente. Respondeo o Emperador que nao pretendera mais que saber
a verdade, porque nao ouvesse scisma, mas que, se Ihe nao parecia
bem o que estava assentado, faria que se tornassem a iuntar todos
e que de novo se disputasse a questao. Disse o Patriarca que assim
era necessario e senalando dia em que por mandado do Emperador
todos se iuntarao diante delle no pa^o, e come^^ando os que erao f.isS.v,
de nossa parte a propor seus argiimentos e trazer luguares da Escri-
tura, vio o Patriarca que nao podia responder: alevantouse dizendo
que escomungava a todos os que affirmasem que em Christo estavao
duas naturezas. Disse o primo do Emperador Abeithum Bela Chri-
stos : As cousas da fe nao se determinao dessa maneira, senao vendo
primeiro muito bem o que dizem os santos e o que ensinao as
Escrituras Sagradas. Nao seia V. Senhoria tam apressado em cousas
de tam grande importancia : ou^a nossas rezoes e depoes com ma-
duro conselho resolvera o que Ihe parecer que se deve segnir. O
Emperador tambem Ihe disse que se assentasse e que com quieta^ao
propusessem huns e outros suas duvidas e as resOes em que se fun-
davao, pera que milhor se pudesse declarar a verdade. Assentouse
elle entao e depois de muitas porfias, nao podendo responder aos
luguares de Escritura, que Ihe traziao, veio a conceder que em
Christo N. S.®*^ estao duas naturezas ; e assim o Emperador mandou
outra vez lan^ar pregao, dizendo que de novo se virao os livros e
acharao como primeiro que em Christo estao duas perfectissimas
naturezas, pello que ninguem dali por diante ensinasse o contrario
soppena de morte.
5. Attamen Abuna Com todos estes preg5es nao se acabou a cousa, antes secre-
sacris interdicit om-
nibus qui fidem Lu- tamente buscavao meios pora desfazer o que tinhao assentado e dizer
sitanorum reccpcrint ^^^ ^^ Christo nao avia mais que huma s6 natureza, particular-
frequenteverint. im- mente o Patriarca, que como nao disse de cora<;ao que em Christo
perator e contra 111
utrumque liberum cstao duas naturezas, senao por nao poder responder aos luguares
esse omnibus decer- ^^^ Escritura, tinha grande paixao, e sabendo muito bem que todas
LIVRO II, CAPITULO IV. 379
estas cousas procediao de nos, pollas teremos ensinadas ao Empe-
rador e aos demais que as defendiao, determinou de nos fechar as
portas de maneira que ninguem pudesse trattar com nosco sobre
f. IS9. ellas; e pera isto esperou *hum dia em que ouve grande concurso
de gente em huma igreia grande, que esta no terreiro do pago a
mao direita, e saindo a porta porque da banda de fora estavSo mui-
tos, pedio aten^ao, fazendo alevantar huma como bandeirinha e disse
que pello poder que tinha de s. Pedro e s. Paulo excomungava a
quem tomasse a fe dos Portugueses, ou entrasse em suas igreias ou
falasse com elles nas cousas da fe. Assertou de estar ali hum Por-
tugues e chegandose a elle hum frade dos que erao da nossa parte
e Ihe disse zombando de sua escomunhao : Portugues, dizei a este
nosso Abuna que escomungue pello poder que trouxe de Dioscoro
e deixe o poder de sam Pero e s. Paulo que esta em Roma. Dis-
seme logo o Portugues o que passava, que eu tambem estava na
corte : e a outro dia fui ao Emperador e Ihe disse : Veia Vossa Ma-
gestade o que nos fas o Patriarca : hontem pos cscomunhao diante
do pa<;:o nesta forma. Respondeo o Emperador : Nao tinha V. R. pai-
xao disto; que eu darei remedio. E mandou logo a hum homem
grande, que ali estava, que fosse aos desembargadores do pa^o (a
cuio cargo esta fazer apregoar as ordens do Emperador) e Ihes dis-
sese que langassem pregao, que todos os que quissessem entrar na
fe dos Portugueses o pudessem fazer publicamente. Foy elle, mas
responderao que nao podiao dar tal pregao, sem primeiro ouvir isto
de boca do Emperador, porque o Patriarca tinha posta excomunhao
nao s6 contra os que tomassem a fc dos Portugueses, mas contra
os que entrassem em suas igreias. Estava eu ainda com o Empe-
rador, quando tornou esta reposta, e enfadouse muito e disse que
langassem logo o pregao, como Ihes mandava ; que nao tinhao ne-
cessidade de ouvir de sua boca. E assim o fizerao, posto que muito
contra sua vontade, porque tambem elles tinhao pera sy que cm
Christo nao estao mais que huma s6 natureza.
f.i59,v. Com este pregao ficou sobre maneira enfadado o *Patriarca e c. Abuna fretus
os de sua parte com tam grande paixSo que a nao podiao dissimular; ch* ^ ^l* * * afriB *lm-
mas esperarao tempo, pera vomitar a pe^onha que recoziao em seus peratoris anathcma-
r-T- j L v..i-i_ t« *"«^*t profitcntes
cora9(^es, e foi ir o Emperador com hum exercito sobre huns gen- diiaa in Christo na-
tios que se tinhao rebellado, e ainda que se Ihe soieitarao lojro *^™ «* commovet
^ T o populum contra Im-
muitos, ficou a invernar perto delles em huma torra que se chama peratorem et Ccla
Achafer, pera deixar melhor as cousas assentadas. Entretanto
^
38o HISTORIA DE ETHIOPIA
persuadirao ao Patriarca que pusesse excomunhao contra todos
os que dissesem que em Christo estavao duas naturezas, e sem fazer
conta nenhuma do Emperador, a pos, pera que tinha de sua parte
muitos homens grandes e entre elles hum irmao do Emperador,
que se chama Jemana Christos, que entao era muito poderoso, porque
o tinhao feito Eraz, e assi dependiao todos tanto delle que nao se
atreviao ao encontrar em cousa nenhuma e muito menos no que
elle dizia que em Christo estava s6 huma natureza, porque elles
tambem o tinhao por fe verdadeira. Sabendo isto o Emperador, o
sentio muito e escreveo logo ao Patriarca como fizera aquillo, tendo
primeiro declarado diante delle com tantos frades e letrados que
em Christo avia duas naturezas e posto elle mesmo excomunhao
contra quem dissesse que s6 huma? que se achara alguma cousa de
novo, o ouvera de avisar, pera que iuntando outra vez os frades e
letrados se examinasse, antes de desfazer o que com tanto con-
selho tinhao declarado. Respondeo o Patriarca que atentasse muito
bem pollas cousas dos Padres dos Portugueses, porque erao como
os que em copo de ouro dam a beber aguguar misturado com mor-
tifera pegonha. Tornoulhe a escrever o Emperador que nao Ihe per-
guntava por isso, se nao que como mandara sem conselho o que
com tanto tinhao assentado ; quc respondesse ao ponto, pois era de
tanta importancia, porque as cousas da fe nao se mudavao daquella
maneira. *Mas nao quis responder, nem desistir do que fazia iunta- f. i6o.
mente com alguns frades e homens grandes seculares, que era com
palavras de grande encarecimento procurarem amotinar contra o
Emperador e Cela Christ6s seu irmao os que achavao presentes e
com cartas aos ausentes, dizendo que deixavao sua fe antigua e to-
mavao a dos Portugueses.
7. Prorex Tigren- Entre outros a quem escreverao foj ao Viso Rei de Tigre, e
ris *^^radcHter*"^ ^^^ ^^^ genrro do Emperador Ihe fizerao aquellas cousas tanto
cum catholicis ipsas- abalo, que se pos logo de sua parte e com grande ira determinou
que LfUsitanoram u-
zores bonis omnibus ^^ ^^^ perseguir, por entender que tudo procedia de nos; e assim
spoliat. impcrator mandou que tomassem as fazendas a todos os que tivessem entrado
ccrtior factus de his ^
ab Auctore, irascitur em nossa fe, n^o so em nosso tempo,. mas no dos Padres antigos,
co^eddi*omnia:proI ^^^ deixar nem o fato das molheres que estavao casadas com Por-
mittit se suumque tugueses, amea^ando sobre isso, que, se nao tornassem a sua fe,
imperium fidem ca-.
tholicam amplexu- Ihes avia de cortar as orelhas e narizes; e pera mais nos molestar,
'^™' encomendou a execu^ao disto a huns homens muito nossos con-
trarios, que vendo tam boa occasiao, se aproveitarao della, pera
LIVRO II, CAPITULO IV. 38 1
mostrar o odio grande que nos tinhao e fizerao muitas crueldades
no tomar do fato ate deixarem nuas molheres honrradas, pagan-
donos com isto muitos bens que sempre Ihes fizemos, acodindolhes
com muita charidade e nao pouco trabalho em suas necessidades
e tribula^Oes. Mas os nossos sofrerao todos estes roubos e inhu-
manidades com grande paciencia e alegria determinados de ofFe-
recer ao cutello nao somente as orelhas e narizes, com que o Viso
Rei Ihes queria fazer medo, mas ainda os pesco^os, antes que fal-
tar hum ponto na fe daquelle Senhor em que tinhao postas suas
esperan^as.
f.i6o,v. Todas estas cousas me escreveo logo hum Padre que *estava
em Tigre, e foj en coniun^ao que o Emperador me tinha mandado
dizer que como o invemo desse de sy (que entao estava mui fe-
chado), fosse ter com elle. Pello que, ainda que chovia muito, parti
sem esperar mais tempo, e chegando me recebeo com grande ale-
gria, porque deseiava minha ida, ainda que me nao obrigava por
rezao do inverno , e contoume o que escrevera ao Patriarca e o que
elle respondera.
Referilhe eu tambem o que passava em Tigre, e disse quam
mal pagava o Viso Rei aos Portugueses o que seus paes tinhao
feito em Ethiopia, pois ainda o fato de suas molheres, que fossem
da terra, mandava tomar. Ouvio elle isto com tam grandes mostras
de sentimento que se Ihe arrosavao os olhos com lagrimas, e disse:
Bem sei donde procedem todas estas cousas e quem escreve ao
Viso Rei pera nos emburulhar, como tem por custume. Contra o
emperador Za Denguil meu irmao (que assim o chama, ainda que
era so primo) amotinarao o povo dizendo que deixara sua fe e to-
mara a dos Portugueses, e assim o matarao. Isto mesmo me que-
rem fazer a mym. Se Deos Ihe tem dado licen^a, cumprasse sua
santa vontade, e se nao, nenhuma cousa me podem fazer. Quanto
ao Viso Rey, eu Ihe mandarei que se nao meta mais nas cousas
da fe e que torne logo o fato que tomou, porque se nao, ha de ter
depois muita paixao, e certo que ma deu agora muito grande em
se aver desta maneira com os Portugueses. Beizeilhe a mao poUa
merce, e disselhe que seus imigos nao aviao de prevalecer, porque
bem tinha Nosso Senhor mostrado, que o escolhera pera cousa de
tam grande servi^o seu, como era a redu^ao deste imperio, pois
f. 161. com tam pouco trabalho seu Ihe dera nas maos treze *que emdif-
ferentes partes atc entao se tinhao alevantado com muita for^a,
i
t
3^2 HISTORIA DE ETHIOPIA
pretendendo cada hum o imperio e victoria de outros muitos ini-
migos, e que tivesse por certo que Deos Ihe avia de aiudar em
cousa tam alta e que por ella o avia de prosperar e perpetuar em
seus descendentes o imperio. E conteilhe donde procedera sairem
todos os Reis da casa de Austria ; mas que as cousas do servi^o de
Deos sempre tinhao difficultades e contradi^oes no principio, e que
a esta que elle tinha come^ada avia de trazer o Demonio muitas,
porque via o mal grande que della se Ihe seguia ; mas que nSo ti-
vesse paixao que Deos as venceria todas e alevantaria a verdade
honrrando iuntamente a quem a defendia.
Ao que respondeo que, depois que a acabara de entender, fi-
cara muito quieto em seu cora^ao e resoluto de a defender, e que
por mais adversas que sucedessem as cousas, avia de trabalhar ate
morrer por introduzir em seu imperio a santa fe de Roma. Mandou
logo escrever ao Viso Rei de Tigre, que se maravilhava muito de
que, sabendo que os Padres e Portugueses erao seus amigos de co-
ra^ao, os tratasse daquella maneira; que nao se metesse mais nas
cousas da fe e que tornasse logo todo o fato que tivesse tomado.
E pera que nao andasse com dilagftes, mandou a carta por hum
seu pagem. Mas nem por isso Ihe faltarao escusas pera o nao tornar.
8. Concionem so- Outro dia, nao estando eu presente, disserao alguns nossos ami-
Htterasmater^^urct ^^^ ^^ Emperador, que avia muitas murmura^Oes no arrayal. por-
frateretprimoresre- que favorecia tanto as cousas da fe dos Portugueses e que muitos
gni eum a proposito . ,, x^ n t^ . .
deterreri conantur; estavao como amotinados contra elle. Respondeo: Pouco vaj nisso,
Ceia Chri8t6s gravi porque quanto elles podem fazer, nao pode passar da morte. Esta
morbo cornpitur, at '^ ^ ^ '^ ^ r r
Deo favente conva- n^o nos he possivel fugir, pois a menhaa ou outro dia forQada-
lescit.
mente nos ha de chegar a todos ; por onde, se for necessario, mor-
ramos logo poUa verdade. E virandose pera hum clerigo, que en-
tendia bem nosscis cousas e ia se confessava com nosco, Ihe disse:
*Porque nao falais livremente o que sabeis? Tendes medo? Sy, f.it>i,v
Senhor, respondeo elle ; arreceo esta gente que he trabalhosa. Disse
o Emperador : Nao tenhais medo ; falai publicamente : quem quiser
se aproveitara, e quem nao, sua sera a culpa; nao fique por vos.
Vendo o Emperador que o Patriarca nao Ihe respondia, Ihe
tornou a escrever que no fim do inverno fosse ter com elle, e man-
dou que todos os Superiores de mosteiros e os letrados do reino
de Gojam, de Begmederi, de Dambea, que erao vizinhos, fossem
tambem naquelle tempo, pera que se acabassem de determinar as
cousas da fe. Com isto se come^ou a alvoro^ar mais a gente po-
LIVRO II, CAPITQLO IV. 383
pular, e diziao que ia que o Emperador nSlo queria estar pollo que
ordenava o Patriarca, que se unissem todos e dissesem como pri-
meiro, que em Christo estava huma so natureza e morressem por isso.
Tambem diziSo que alguns frades mancebos tomavao espada e
rodella e esgrimiao dizendo que morreriao por sua fe antigua. Sa-
^ bendo isto Jemana Christos irmao do Emperador, que estava no
reyno de Begmederi, Ihe escreveo persuadindolhe com muitas rezOes
que nSo fosse avante com as couscis da fe, senSo que mandasse quc
todos seguissem a doutrina do Patriarca, se nao, que avia de per-
der seu imperio. E na mesma forma Ihe escreveo sua maj, que
estava em outra parte, porque os frades Ihe meterao em cabega que
elle e seu irmao Cela Christos aviao de morrer, se instassem em
querer introduzir a fe dos Portugueses.
Sentio muito o Emperador que Ihe escrevessem desta maneira,
e tendo na mao a carta de seu irmao disse diante de mim mui en-
fadado que logo sem esperar mais avia de concluir o que tinha co-
f. 162. me^ado e mandou *chamar a Cela Christos, que estava perto no
reino de Gojam e assim apressou sua vinda, trazendo comsigo os
principaes frades daquelle reino, com determina^ao de morrerem
todos por nossa santa fe; com o que se alegrou muito o Empera-
|b dor e, tomando conselho com elles do que aviao de fazer, Ihe dis-
serao que se mostrasse como indifFerente por ambas as partes, af-
firmando que nao pretendia mais, senao que se declarasse a verdade
pera fazer que todos a seguissem e que a elles, que erao letrados,
pertencia declarala; e entao elles mostrariao claramente com as
Escrituras como em Christo estao duas naturezas E saindo do pa<;:o,
se iuntarao todos em casa do primo do Emperador Abeit Hum Bela
Christos e me mandarao chamar e propuserao as autoridades e re-
zOes que traziao por sy os contrarios, que erao ridicolas, e escre-
verao a reposta e as autoridades da Escritura e rezois que Ihes
apontei pera confirmar nossas cousas.
Poucos dias depois adoeceo Cela Christos de hum prioris muito
forte, o que sentio na alma o Emperador e todos nossos amigos,
por ser pessoa de tanta importancia, e se morrera, aviao de dizer
os frades que por defender nossa fe Deos o matara. Sangrouse logo
\ 4 vezes e tomou algumas mezinhas, mas com tudo isso o 7° dia a
nojte se achou tam fraco e pertado da doen^a que Ihe parecco que
r morria; pello que mandou sair todos: ficando eu s6 com elle (que
de ordinario o acompanhava), me disse: Eu veio que vou aca-
i
384 HISTORIA DE ETHIOPIA
bando. Certo que nSo me pesa de morrer, mas sinto muito fica-
rem as cousas da fe desta maneira; se se concluirao e o seguinte
dia eu acabara, fora muito consolado. Agora hao de di/.er os fra-
des, que porque nao quis desistir destas cousas, como elles me pe-
diao, me matarSo com suas ora^oes, que publicamente as fazem al-
guns mosteiros e tomao as pedras de ara nas cabe^as pedindo a
nosso Senhor que me tire isto do corac^^ao ou que me mate. E di-
zem *que assim o fizerao em tempo do emperador Za Dengnil e que f.i62,v.
Deos os ouvira e o matara. Confesseme V. R. e fagasse sua santa
vontade. Respondi que tinha muito grande confian^a na divina miseri-
cordia que Ihe avia de dar saude, mas que bem era confessarse ; e in-
struio no modo com que se avia de aparelhar, por que nao me parecia
que estava tanto no cabo, como elle cuidava. E assim foj ; porque ou-
tro dia se achou melhor, pollo que me disse que ia que Nosso Senhor
Ihe fazia merce de o aliviar, defiriria a confissao pera quando a pudese
fazer com mais aparelho e quieta^ao, como fes depois. Soube logo sua
maj que adoecera e teve grande sentimento, porque o amava muito
como menor de seus filhos e merecelo elle por suas excelentes partes
e acabou de dar credito ao que os frades Ihe diziao que Deos o avia
de castigar por defender a fe dos Portugueses, e assim le escreveo
que ia achara o que tanto ella arreceava, que pedisse a Deos perdao
do passado e proposesse enmenda, e como teve novas que estava
melhor, Ihe tornou a escrever exhortandoo com muitas palavrsis a
que deixasse de defender as cousas dos Portugueses e seguisse a
doutrina do Patriarca, ia que Deos Ihe dera saude, porque Ihe nao
viesse outro maior cctstigo ; o que elle me referio zombando de
como os frades Ihe metiao na cabe^a tam facilmente quanto queriao.
g. Abunaconvoca- Como se chegou o tempo que o Emperador tinha senalado pera
tis muitts monac is iuntassem os letrados, veio o Patriarca com muitos frades.
coram Imperatore ^ '
defendit crrorem Juntaraose tambem muitos superiores de mosteiros e traziao com-
Dioscori, non qui- . ^ ^ , . ^ • 1 «
dem rationibus, sed sigo tantos companheiros que nao se via no arraial se nao esqua-
clamoribus et minis. d^^es de frades. Vierao tambem muitas freiras que qua andao por
onde querem, e assim ellas como muitos dos frades diziao a todos
que vinhao a morrer por sua *fe antigua, ia que a queriao trocar, f. 163.
e nao fes isto tao pouco abalo na gente ignorante, que nao viessem a
cstar cm grande perigo os que defendiao nossas partes, e a mim me
avisarao que me guardasse, porque me aviao de matar, e alguns me
a conselhavao que me fosse do arrajal ; o que deixei de fazer por mui-
tas rezOes e principalmente porque era necessario animar alguns dos
1
LIVRO II, CAPITULO IV. 385
que esUvao da nossa parte e mostrarlhes as autoridades da Escritura
e dos Santos, com que se prova a verdade, e soltar os argumentos
dos contrarios. E chegou a tanto o atrevimento de alguns frades que
se consertarao secretamente pera matar ao Emperador e Cela Chri-
stos seu irmao a primeira vez que saissem iuntos a cavalo, e depois
fazerem sua vontade nas cousas da fe e em tudo o mais ; do que teve
noticia o Emperador e assi dissimuladamente pos remedio espa-
Ihandoos.
Estando ia iuntos todos os frades e letrados pedirao ao Em-
perador Ihe sinalasse o dia em que se aviao de comegar as dispu-
tas, e elle ordenou que fosse aos 29 de setembro de 16 13, dia do
glorioso Archanjo sam Mignel ; e indo naquelle dia o Patriarca
com todos os mais diante do Empersidor, disse elle, antes que se
propusesse nada, que estava mui queixoso do Patriarca, porque,
tendo primeiro declarado com os letrados que a verdadeira fe era
estarem em Christo duas naturezas, divina e humana, unidas na pes-
soa divina, e posto excomunhao contra quem dissese outra cousa,
pello que elle mandara dar pregao que assim o praticassem todos,
sem ninguem dali por diante ensinar o contrario, depois tornara a
publicar que em Christo nao avia mais que huma s6 natureza, sem
esperar que elle viesse da guerra, nem Ihe mandar dizer nada, nem
iuntar os letrados que primeiro estavao presentes. Respondeo o
Patriarca, que elle nunca dissera que em Christo avia duas natu-
rezas senao huma. Ficou o Emperador maravilhado e disse que
como afiirmava tal cousa, pois diante delle e de tantos letrados o
dissera e assentara com excomunhao [?] ; pello que nao podia escu-
f.i63,v. sarse *que fora falto de lingoa, senao que ali estavao quasi todos
que testemunhassem. Respondeo o Patriarca que nao podiao teste-
munhar contra elle, porque todos erao seus contrarios. Disse o Em-
perador : Nao he rezao que minha verdade fique desta maneira : iul-
gem se basta o que diz pera que nao testemunhem. E sinalando
juizes julgarao que pois, sendo Patriarca e paj de todos, affirmava
que aquelles erao seus contrarios, isso bastava pcra serem dados
por sospeitos. Pollo que o Emperador se calou ; mas nem por isso
deixou de ficar bem desacreditado o Patriarca. Levantoase logo Cela
Christos e pedio iustiga contra hum letrado secular, porque, affir-
mando primeiro que em Christo estavao duas naturezas e falando
elle com os mais letrados que se pusesse excomunhao duas vezes
contra quem dissesse o contrario, tornava a affirmar que nao avia
C. BiccARl. Rtr, Aeik, Seripi, occ, ined, — II. 49
386 HISTORIA DE ETHIOPIA
mais que huma. Respondeo elle, que nao avia tal cousa, porque
sempre tivera que em Christo esta huma s6 naturezd. Mas logo foj
ganhado e convencido com muitas testemunhas ; pello que o Em-
perador o mandou levar prezo ; o que sentirao muito os contrarios
que tinhao nelle grande aiuda, nSo tanto por rezao de suas letras,
quanto por abundancia de suas palavras, porque era muito falador;
mas depois o soltarao, porque diziao que de proposito Ihes tiravao
o principal que tinhao de sua parte pera que nao pudessem provar
a verdade. Mas daqui se seguio verem todos claramente como o
Patriarca negara o que primeiro tinha affirmado.
Nestas e outras porfias gastarao todo aquelle dia, sem fazer mais
que propor a questao ; e no seguintc provarao claramente Cela Chri-
st6s e os demais que estavao da sua banda, que em Christo N. S."'
estao duas naturezas com seus mesmos livros, com s. Paulo e com
o Evangelho. E vendose os contrarios convencidos, disserao que
nao aviao de responder, ncm ouvir suas cousas, senao o que Ihes
ensinara seu mestre Dioscoro, que em Christo esta huma s6 natu-
reza e que isto tinhao guardado-em Ethiopia todos os antepassa-
dos; que tambem o fisesse guardar o Empcrador *e nao Ihe vies- i
sem com fe nova. Disse Ccla Christosr Logo nao quereis rezao,
senao for^a. Nao ha de ser desta maneira: aveis de ouvir e re-
sponder. NSi) podemos, disserao elles, porque temos excomunhao
de Dioscoro que nao ougamos as cousas de LeSo. Respondeo Cela
Christos: Que aproveita essa excomunhao contra o que nos ensina o
Evangelho[?]. Vos outrose nos temos excomunhao de s. Paulo, pera
que nao admittamos cousa em contrario do que elle ensinou, ainda
que hum anio o viesse a dizer. Julgem por quai excomunhao de-
vemos estar: polla de sam Paulo ou poUa de Dioscoro? Disserao
os juizes que pella dc sam Paulo: que vissem bem o que elle en-
sinava e isso guardassem. Responderao os contrarios gritando que
a doutrina de Dioscoro nao era contraria a de s. Paulo, que nao
se aviao de por a disputar sobre isso, pois elle Ihes mandara que
o nao fizessem. Que julgasse o Emperador.
Mandou elle entao calar a todos e disse: As cousas da fe nao
se determinao com gritas, nem as duvidas so podem resolver senao
perguntando e respondendo. Os que tiveram difficultades as pro-
ponhao e os outros respondao, pera quo se declaro a verdade, que
isto he o que prctendemos. Sairao logo todos, porque era ia tarde
e diziao publicamente que Ihes queriao fazer trocar sua fe e darlhes
f
LIVRO II, CAPITULO IV. 387
dous Deoses, e que o Emperador era Portugues perfeito, com outras
muitas cousas, em que mostravao bem sua soberba e pertinacia.
Ate os mesmos criados do Emperador diziao que nSo queria iu-
sti^a senao de toda a maneira defender as cousas dos Portugue-
ses; com o que cada hora hia creccndo mais o motim.
Vondo o Patriarca que a principal for^a dos que diziao que em 10. Abuna ad pc-
Christo N. S."^ estao duas naturezas era o irmao do Emperador, provolutuseummul-
determinou buscar os meios possiveis pera o afastar dclles, c mcteo **» Togat ne a fidc
patrum sinat Aethio-
algumas pcssoas grandes que Ihe persuadissem quisesse desistir, e piam dcsciscere ; re-
f.i64,v. depois foj elle mesmo a sua *casa e botandose a seus pes Ihe pedio dc^^^duplici^^natuni
com muita instancia deixasse de porfiar naquellas cousas e se lan- Christi cssc fldem
maiorum clare de-
gasse de fora. Felo elle alevantar e disse que, se Ihe tivera morto mostrari cx Evan-
algum irmao ou feito iniurias muito graves, deixara logo tudo por ^^^^J concihis et
sua intercessao, mas que as cousas da fe nao se podiao deixar por
rogos Que nao Ihe falasse naquillo. Disse o Patriarca que aten-
tasse quantos Emperadores e letrados grandes ouve em Ethiopia
que forao por este caminho; que nao quissese elle ir por outro e
deixar de sy tal nome que fizera trocar a fe antigua; que dese-
stisse e que publicaria que sabia mais que elle e com suas rez5es
o concluira.
Respondeo Cela Christos, que elle nao buscava honrras nem
trocava a fe antigua, antes a defendia, como o tinha mostrado no
Evangelho, em sam Paulo e nos mesmos livros que Ihes vierao de
Alexandria; que nao Ihe alegava com os de Roma. Disse o Pa-
triarca : Quem sabe se estes livros, que vierao de Alexandria, os fez
algum herege[?]. Nao quero mais de que nds deixe entre nos, sem
aiudar a huns nem a outros. Nestas porfias esteve de polla menhaa
ate meio dia, que Cela Christos Ihe disse que nao cansasse mais,
porque ate morrer avia de defender que em Christo estao duas na-
turezas, pois esta era a verdadeira fe. Saio com isto mui enfadado
o Patriarca e, iuntando seus frades, determinarao de nao ouvirem
senao gritar que fosse como primeiro, e a isto incitavao tambem
aos seculares.
O outro dia poUa menhaa me mandou chamar Cela Christos e „. cela Christ^s
me contou o que passara com o Patriarca, e disse que estava muito ®* ipscmct J™P^*"
triste, porque nao queriao ouvir rezao nem ver seiis mesmos livros, Abunacumsuis mo-
, ^. ^ .11 nachis instaurat di-
senao levar as cousas por motim ; e que ate seus criados se levan- spuutiones; victus
tavam contra elle, de maneira que arreseava o matassem de noyte, auctoritatibus non
dat maniis, sed m-
6 que soubesse de certo que o Emperador e elle nao estavao hum sutproservandatra-
388 HISTORIA DE ETHIOPIA
ditione maionim. passo da morte. Pollo que era necessario fazer muita ora^ao e con-
omnes sequantur fi- siderar bem que conselho toma*riao. Vendo eu tambem que as cou- f. 165.
dem in libris ezpo- sa,s se hiao armando pera mal, Ihe disse que nSo me parecia que
sitam.
convinha levar aquillo por for^a, pois o Emperador por entam a
nao tinha, senao que trabalhasem o possivel com bom modo pera que
ouvissem as rezC^es e vissem os livros, que com isso mais suave-
mente se renderiao, mas que, se ultimamente Ihes parecesse que nao
podiao sair com o que pretendiao, que o Emperador dessc de suio
pera que ficasse em aberto sem se determinar huma cousa nem
outra, dizendo que isto era ponto de grande importancia e que pedia
muito exame e considera^ao antes de se resolver; que ia que avia
tam varios pareceres, tornassem todos a ver os livros devagar, pera
que depois pudessem determinar melhor qual das duas cousas era
verdadeira; que como passasse aquella furia, logo se esfriariao e
poderiao ir persuadindo a verdade aos principaes, ou dilatariao isto
ate que o Emperador tivesse forga bastante. Respondeo elle que
assim o fariao, mas que nao cessassem dc rogar a Nosso Senhor
os aiudasse o que continuamente eu fazia e escrevia aos demais
Padres fizessem o mesmo, que cada dia aiuntavao nas igreias os Por-
tugueses e meninos dos seminarios e diziao ladainhas por esta in-
ten^ao.
Como o Patriarca teve instruido seus frades no que aviao de
fazer, foj com elles ao pa^o e pedio ao Emperador mandasse iuntar
os demais pera que acabassem de tomar resolu^ao no come^ado;
o que elle fes, e em vespora do glorioso s. Francisco, a quem eu
pedi com muita instancia aquelle dia e o siguinte, que estiverao
debatendo, alquan^asse do Senhor tivesse[m] bom fim nossas cousas;
e tornando a provar Cela Christos e os dc sua parte que em Chri-
sto N. S.*"^ estao duas natureza^ com s. Chrysostomo, Basilio, Atha-
nasio e com outros muitos Santos antiguos, que elles tambem
tem em seus livros, responderao os outros que nao aviao de ad-
mittir estes Santos; e depois de m.uitas porfias disse Cela Chri-
stos: « Pois respondeime ao que dis o sagrado Evangelho, *ia que f.i65,v.
« nao dais credito aos Santos. Quando Christo N. S.""^ no horto
« rogou com tam grandes angustias que passasse delle aquelle ca-
« lis, quando suou sangue, padeceo e morreo, quando disse na crus:
« Deos meu, porque me desemparastes, [?J e depois a seus dicipolos :
« Vou a meu Padre e a vosso Padre, a meu Deos e a vosso Deos,
< como disse e padeceo todas estas cousas? em quanto homem ou
»
LIVRO II, CAPITULO IV. 389
« em quanto Deos? » Responderao que em quanto homem. < Logo
tem natureza humana, disse elle, nem a natureza divina se afastou
nunca della, depois que a unio a sy *. Concederao tudo. « Logo em
Christo estao duas naturezas, divina e humana » , inferio elle. Respon-
derao que nao, porque depois que se unirao nao se pode dizer que
duas senao huma. « Vos outros, disse Cela Christ6s, affirmais duas
« cousas contrarias, que em Christo esta a natureza divina e humana,
« sem se trocar nem misturar, e que nao esta mais que huma natu-
« reza. Se quereis dizer qtie ha hum so Christo, eu tambem digo isso,
« porque nao tem mais que huma pessoa, mas nelle estao duas per-
« feitissimas naturezas ».
Nestas porfias estiverao muito tempo, e vendose ultimamente
convencidos o Patriarca e os seus, e que nao podiao responder, se
botarao aos pes do Emperador gritando que fosse como primeiro,
que nao Ihes trocasse sua fe antigua, guardada e defendida por
tantos Emperadores. Vendo o Emperador que nao queriao lcvar
a cousa por rezao, senao por motim, nao se atreveio a dizer cla-
ramente que assentassem em duas naturezas, senao que dessem
pregao que ia virao os livros, que todos guardassem o que nel-
les estava. Responderao Cela Chnstos e os seus : « Isso he, Se-
nhor, o que pretendemos, que guardem o que esta nos livros, por-
que nao ensinao outra cousa (como temos mostrado) senao que em
Christo N. S. estao duas perfeitissimas naturezas, divina e humana ».
f. 166. Deuse *o pregao como mandou o Emperador, mas gritou hum
frade que ali estava, que queria dizer como antes, pello que mui-
tos affirmarao depois que assim como antes tinhao que em Christo
esta huma so natureza, assim aviao de ter. Mas o Patriarca e os
que estavao de sua parte nas disputas bem entenderao o que queria
dizer, e assi sairao mui enfadados, posto que o disimulavao quanto
podiao, publicando que se avia de ter como antes que em Christo esta
so huma natureza, ainda que nao faltarao entre elles alguns que
entendessem muito bem a verdade que em Christo estao duas na-
turezas, e posto que, por vergonha do que ia tinhao dito, nao se
atreviao a o confessar, depois o affirmarao publicamente.
O domingo siguinte mandou chamar o Emperador hum frade e xa. SeltAn Sag&d
hum senhor grande cabo<;as dos que defendiao que em Christo N. S.**' gujt quemdam mo-
estava huma so natureza e sos os fes falar diante delle com Cela Chri- ^«^^^m asaerentem
unam esse in Chn-
stos seu irmao muito grande espa^o e apertouos de maneira que sto naturam. Mona-
r - r j 1 '^ 1- j n ii_ chi incolentes insu-
lorao for^ados a conceder cousas muito absurdas; pello que Ihes ^^^^ g^ respuunt
390 HISTORIA DE ETHIOPIA
donarialxnperatoris: disse o Emperador: Eis aqui a lei que tendes, que pera a defen-
scitur, sed rogatus a ^^r aveis de admitir cousas tam falsas. Quis o frade dar rezao ao
matre gravcm iniu- TTniperador, mas no fim da pratica Ihe infirio do que dizia, que
morrera a divindade. Respondeo o frade que assim era. Ouvindo
isto o Emperador, se enfadou tanto, que com ser homem muito
grave e mesurado no falar, disse em alta voz : « Como se pode so-
fror isto[?]; se morreo a divindade em Christo, morreo tambem o
Padre e o Spirito Santo. Como pode morrer a divindade ? » E ale-
vantouse mostrando muita paixSlo e foyse p^ra outro aposento; pello
que elles se sairao, sem se atraverem a responder palavra.
Pouco tempo depoes tornou o Emperador a sua corte de Dambea,
deixando concertadas as cousas daquellas terras que estavao ale-
vantadas e chegando a somana santa mandou muitas tochas e in-
censo as igreias, *como sempre naquelle tempo custuma, e parti- f.i66,v.
cularmente ao mosteiro grande, que esta em huma ilha da alagoa
de Dambia, a que chamao Sana, e chcgando o que as levava, que
era homem grande, sairao sinco frades e Ihe disserao que nao se
acendiao em sua igreia tochas de quem dizia que em Christo esta-
vao duas naturezas, e nao as quiserao receber, por mais que im-
portunou, dizendolhes que era materia de grande escandalo, e que
o Emperador nao avia de deixar passar aquillo sem castigo. E nem
a elle deixarao confessar e comungar naquella igreia, porque tam-
bem dizia que em Christo estao duas naturezas. Vendo elle que
nao aproveitavao nada seus rogos nem amea^as, se tornou e referio
ao Emperador tudo o que passara , o que elle sentio muito e mandou
que Ihe trouxessem logo aquelles frades e segundo estava cuidavao
que em chegando os avia de mandar matar, ou dar algum outro
grave castigo. Vierao elles e ficando fora do pacjo, mandou o Em-
perador chamar muitos frades e homens grandes da corte e disse
que iulgassem o que mereciao aquelles frades pollo agravo e des-
honrra que Ihe fizerao. Que se algum mouro ou gentio Ihes mandara
cera pera a igreia, a ouverao de toniar, e a sua engeitarao com pa-
lavras de grande soberba e desprezo. Disserao todos hum e hum:
Vossa Magestade fes iuntar no fim do inverno os principaes letrados
de Ethiopia e depois de tantas porfias como tiverao mandou dar
pregao que todos dissessem, como primeiro tinha declarado, que em
Christo estao duas naturezas (que ainda que o pregao foj na forma
que assima disse, bem entenderSo o que significava). Nao somente
forao contra este mandamento, mas fizerao grande desacato e iniuria
i
LIVRO 11, CAPITULO IV. 39 1
ao Emperador, poUo que mereciao morte ; mas visto serem homens
[f. 167. ignorante[s] e de pouco *entendimento, parece que era bem usar
o Emperador com elles de sua acustumada clemencia. Intercedeo
tambem por elles sua maj e aiudarao outras senhoras grandes, que
de proposito se tinhao ali aiuntado dissimuladamente pera este ef-
feito; e assim o Emperador Ihes perdoou.
Bem temos mostrado com quanta pertinacia defendem os mais
dos Ethiopes que em Christo N. S.°^ esta huma so natureza, mas
porque ainda manifestarao muito mais de pois de tudo isto quam
arraigada tem esta heregia em seus cora^oes no que fizerao contra
o Emperador e Cela Christos seu irmao, o refirirei no capitulo
seguinte.
CAPITULO V.
De como os Ethiopes determinarao de matar ao empe-
rador 9^^^^^ Sagued e a Celd Christ6s seu irmao,
por dizerem que em Christo N. S. estao duas na-
turezas.
Vendo o Patriarca e os mais que erao da sua parte que o Eni- x. Monachi, duce
j -. /-• 1 ' r»u w •* » •^jj»i.'i Abuna cum lemana
perador e Cela Chnstos seu irmao nao aviao de desistir do come- christds fratre ct lu-
<;ado, senSo procurarem, por todas as vias que pudessem, acabar que ^**? ^S^ ^^^^ impera-
nao se falasse que em Christo N. S.°' esta huma s6 natureza senao Christds intcrficicn-
duas, se determinarao de os matar e fazer outro Emperador tal que ^ssecretoconiurant.
nao deixasse por mais em questao as cousas da fe, senao que cor-
ressem como antes, e pera melhor poderem effeituar seu intento,
escolherao por cabegas de sua coniura^ao, nao homens que por al-
guma via pudessem aligar agravos do Emperador, senao a hum seu
irmao que se chama Jemana Christos, a quem o Emperador tinha
dado o supremo mando depois de si do imperio fazendoo Eras, como
ia dissemos, e a outro dos mais famosos capitaes e demais gente
que avia em Ethiopia chamado Julios, homem mui arrogante e so-
berbo e muito mais desagradecido pera com o Emperador, porque
tendoo criado de minino e alevantado, tanto que Ihe deu por molher
f. 67,v. sua propria filha e grandes terras e riquezas *e o amava de maneira
que continuamente escusava suas cousas e dava por sospeitos aos
que Ihe faziao queixumc delle, e quasi nunca deixava de Ihe con-
ceder quanto Ihe pedia e era tam apaixonado por elle e fazialhe
tantas honrras que diziao todos que Ihe nao faltava mais que a coroa
C. Beccari. Rer, Aeih. Scripi, occ, %H€d* — II. 50
394 HISTORIA DE ETHIOPIA
emperial; e em pago de tudo isso Ihe tinha tam grande odio no
cora^ao que elle era o principal dos que Ihe deseiavao e procu-
ravSo a morte, mostrandose mui zeloso de sua enganosa e falsa fe.
Nem o irmao do Emperador aiudava a isto por pretender o
imperio, porque bem sabia que Ihe nao partencia, nem Iho aviao
de dar, porque nao he filho do paj do Emperador, senSo de sua
mai ; mas parecialhe que facia grande sacrificio a N. S."' em aiu-
dar a matar seus irmaos, ia que deixavao a fe que elle tinha por
verdadeira, e porque entendiSo muito bem os coniurados o que
tinhao no cora^ao estes dous senhores, nSo tiverao arreceo de os
tomar cabe^as pera o que pretendiao, mas em segredo e de ma-
neira que, ainda que o Emperador sabia que elies tinhao pera sy
que em Christo N, S."' esta huma s6 natureza, nao imaginava que
pudesse chegar a tanto sua maldade que Ihe procurassem a morte,
nem se unissem daquella maneira com seus contrarios,
Com o mesmo segredo forao amotinando contra o Emperador
cB^liciafavni^Co^ quasi toda a gente da corte, e vendo o Patriarca que tinha tantos
niurati ad auiam se pQj. ^y ^ f^y j, huma igreia, que esta dentro da primeira cerca do
clancuJum inatni- pai;o, e sem fazer caso do Emperador, pos e.tcomunhao contra os
•rrofTante^"™^ ^^^ dissessem que em Christo estao duas naturezas e contra os
scunt pubiicam fidel criados que servissem ou obedecessem aos tais em alguma cousa,
auae dedaratioiiem. , , . ,, .
SeltAn SagAd. ambi- senao que logo os deixassem e as molheres se atastassem de seus
gae reapondet. maridos. Ouvindo isto o Emperador e entendendo (como elle mesmo
me disse depois) que pretendia que sua gente Ihe nao obedecesse, se
enfadou muito e Ihe mandou dizer como fazia huma cousa tam
grave[?]; *quealevantasselogoaquellaexcomunhao.queagenteigno- f. i68.
rante cuidava que os obrigava, se nao, que atentasse por sua cabeija.
Teve elle medo disto e publicou que alevantava a excomunhao, mas
mandou dizer ao Emperador que ttnha que falar sobre cousas da fe.
Respondeo elle que quando quisesse o podia fazer. E assim o outro
dia pella menhaa convocou os seus e, entrando dentro da primeira
cerca do pa<;o, se assentou em sua cadeira de baixo de huma arvore.
Logo se encheo de gente o terreiro com ser grande, e todos dis-
simuladamente traziao suas armas e, como estiverao iuntos, mandou
dizer ao Emperador que a palavra com que declaravao « natureza »
queria dizer tpessoa», pello que nao podiao dJzer que estao duas em
Christo senao huma. Isto nao era mais quo buscar dondc pegar
pera matar ao Emperador, ou quando menos deixalo e sairemse
logo todos da corte e levantar outro, como ia come^avao alguns
LIVRO ir, CAPITULO V. 395
a dizer, porque a palavra de que usdo, que he Bahari, nao quer dizer
« pessoa > senao « natureza » , e Acab « pessoa » .
Estava entao com o Emperador Cela Christos seu irmao e, ou-
vindo o recado, disse : Senhor, estes se iuntarao aqui com soberba,
parecendolhes que tem for^a pera acabar o que pretendem. Deme
Vossa Magestade licen^a que eu irei e matarei com minha espada
tres ou quatro dos que sao cabe^as deste motim, e vera como nin-
gnem se atreve a falar mais. Disse o Emperador que nao convinha
levar as cousas daquella maneira, e com conselho dos que ali estavao
respondeo que, se aquella palavra, de que usavao pera dizer que em
Christo N. S.°' estao duas naturezas, significava « pessoa » , que elle
mandaria que nao usassem mais della. Tornou a mandar dizer o
Patriarca que declarassem sua fe, e como aviao de falar. Respondeo
o Emperador que a verdadeira fe era ser Christo Nosso Senhor
perfeito Deos e perfeito homem; que assim falassem todos. Nao se
contentou com isso o Patriarca, antes andou com perguntas e re-
f.i68,v. postas dando muitas voltas *e vendo que nao achava de que pegar,
se foj dizendo que aquillo era o que pretendia que nao disse-
sem duas.
Ainda que o Patriarca procurava lan^ar esta fama, pera que a 3- l>ao primi du-
,., -^^i. ^j» cea exercitus et eu-
gente popular cuidasse que saira com seu mtento, bem entenderao nucus Cafl6 coniura-
elle e os principaes que estavao da sua parte que o Emperador **■ iun^tur. Sei-
tAn Sagad, specioso
dizia estarem em Christo N. S.°' duas naturezas e que o tinha tam praeteztu, a Cela
fixo no cora^ao que de nenhuma maneira o avia nunca de mudar. ^^^ qucMit^Sbos
Pello que seu genrro Julios se acabou de resolver com outros muy- tmcidare. At res e
. voto non Buccedit.
tos de o matar ; e pera que estivessem mais nrmes em seu maldito
proposito, deu iuramento ao capitao da mao direita do Emperador
e ao da ezquerda, que tinhao muita gente e quasi a todos os se-
nhores grandes da corte, e sobre o iuramento acrecentou excomu-
nhao a hum eunuco, que se chamava Caflo, primeira pessoa no im-
perio depois de Eras, e delle dependiao todos muito, porque por
rezao de seu officio nao fazia nada o Emperador sem seu conselho,
antes era tam absoluto que muitas cousas determinava elle contra
vontade do Emperador e ficavao firmes. Este como a todas as horas
que queria entrava na camara do Emperador, prometeo de o matar
com muita facilidade, com condi^ao que Julios tomasse a sua conta
matar a Cela Christos, e assentado isto com grande segredo, pedio
Julios licen<;a ao Emperador pera ir as terras, onde tinha seu as-
sento, que era huma provincia que chamao Oagra, dous dias de
396 HISTORIA DE ETHIOPIA
caminho da corte, e elle Iha deu, e assim se foj pera dali como
achasse occasiao procurar de executar o que tinhao consertado.
A este tempo sucedea que alguns quinhentos mouros de ca-
valo se desavierao com seu Rei e fugindo entrarao em humas terras
fortes do Emperador e parecendolhe ao eunuco bom luguar aquelle
pera matar ao Emperador mais a seu salvo que dentro *do pa^o, f. 169.
porque os capitaes se aviao de por da sua parte, como elle o matasse,
determinou de o fazer ir la, dizendo que nao convinha que aquelles
mouros estivessem ali, que ia que fugirao de seu Rei, que era amigo,
e entrarao naquellas terras sem licen^a, devia o Emperador tomar
aquelles cavallos e castigalos a elJes ou mandalos pera seu Rej, e que
pera que isto se fizesse mais dissimuladamente, era bem ir elle me-
smo, lan^ando fama que se queria desenfadar alg^ns dias cassando ;
e tanto o importunou que veio nisso o Emperador, e assim foj a toda
apressa, mas nao alquan^ou aos Mouros, ainda que o capitao da
dianteira chegou a peleiar com elles, porque, vendo que a gente
era muita, fugirao, e como tinhao bons cavalos, facilmente se pu-
serao em salvo. Pollo que o Emperador deu volta mais de pressa
do que cuidavao, e assim o eunuco nao se atreveo a fazer nada,
porque esperava que Julios se declarasse primeiro por alevantado.
4. Tunc Iuli68 Vindo saindo o Emperador daquellas terras asperas, langou
Imperatorem aperte Julios pregao na provincia de Oagra, onde estava, que todos os que
rcbeUat eumque in quisessem defender que em Christo estao duas naturezas se fossem
itinere, aquadamex- ^ ^
peditione cum pau- pera o Emperador ou pera Cela Christos seu irmao; mas que os
riri parat. ' * ^ ^^® tinhao zelo de sua antigua fe, que em Christo esta huma s6
natureza, o seguissem. Com o que se Ihe aiuntou grande numero
de gente a que tinha, que era rouita, e foj marchando pera o reino
de Goiam, onde estava Cela Christos, que he perto, muito confiado
de o poder matar, assim pella multidao de gente que levava, como
por estar tambem consertado com muitos dos daquelle reino; mas
pouco antes que passasse o rio Nilo pera entrar em Goiam, foj a
elle o Patriarca e Ihe disse que nao era bom conselho ir a peleiar
com Cela Christos que tinha muita gente; que tornasse sobre o
Emperador, que trazia os cavalos cansados e os mais *dos soldados f.i69,v.
se tinhao ia ido pera suas casas; que depois de morto o Empe-
rador, nao averia difficuldade em matar a Cela Christos, e que sou-
besse de certo que, se matava o Emperador, Ihe perdoaria Deos
seus peccados e faria grandes merces, porque tinha deixado sua
fe, e, se elle morresse na batalha, era martir. E como acabou isto
LIVRO II, CAPITULO V. 397
com elle, fes huma pratica a todo o arrajal, exortandoos a que
peleiassem valerosamente contra o Emperador, e que procurassem
de o matar, porque, se assim o fisessem, Ihe seriao perdoados todos
seus peccados por grandes que fossem. Depois pos excomunhao
que ninguem se afastasse daquelle arrajal, senao que todos seguis-
sem a Julios e Ihe obedecessem, e a elle pedio encarecidamente pro-
metesse de Ihe entregar os sinco Padres que qua estavamos. E as-
sim Iho prometeo, e dizia que nos queria fazer cortar as cabe^as
diante de si, ou que nos avia de meter dentro na nossa igreia com
os Portug^eses e queimarnos ali a todos iuntos, porque nos eramos
os que tinhamos feito trocar a fe ao Emperador e aos que estavao
da sua parte. E com este conserto o acompanhou, e os mais dos
dias no caminho tornava a renovar a excomunhao, que ninguem se
afastasse do arrajal.
Como o Emperador soube o que fizera Julios e que hia pera 5- SeltAaSagftdin
his angustiis consi-
Goiam determinado de peleiar com Cela Christos, apressou sua vinda, uum pctit a p. Pe-
e checfando hum dia de caminho de onde eu estava, o fui a visitar ^^ ^*** ** f**.^**^
^ prozimo rebellium
e, mandando sair da tenda toda a gente, me disse : Veia V. R, o adventu opportuno
- ^ 1 ^ . ^ ^ j «* elcvato loco castra
que me fazem : ate meu genrro, a quem alevantei tanto, procura de ponit.
me matar. Que conselho me da, como farei [?]. Respondi : c Que con«
€ selho posso eu dar a Vossa Magestade, que entende tam bem as
« cousas de sua gente e sabe por experiencia como se ha de levar [?] ;
« mas o que por agora se me ofFerece, he, que se os coragOes deste ar-
« rajal estao com Vossa Magestade, seguramente pode ir por este
f. 170. « caminho; que Julios nao se ha de atrever a peleiar; *e mandar re-
« cado a Cela Christos que nao peleie com elle ate Vossa Magestade
« chegar, senao que Ihe tome os passos, porque nao se passe pera
« os Galas, porque nao damne a terra tornando depois com elles. Meis
« se ha arreceos de que tenhao algum conserto com Julios, parece que
« fora bem mandar Vossa Magestade chamar os capitaes e disserlhes:
« Julios vai peleiar com Cela Christos; vamos nos por estoutro ca-
« minho, que he mais perto, a iuntar com Cela Christos, porque
« ordenemos as cousas de maneira que nao morra gente. Que como
« Vossa Magestade se aiuntar com Cela Christos, nem estes se atre-
« verao a fazer nada, nem Julios pode escapar >•
Disse entao elle: « Nao ha que arrecear dos deste arrajal, por-
que todos de hum cora^ao estao comigo ». Respondi: « Senhor, como
« o Emperador tem o cora^ao limpo, parecelhe que todos sao dessa
< maneira; pois eu ouvi dizer por cousa muito certa, que affir-
398 HISTORIA DE ETHIOPIA
€ mava Julios que todos os principais deste crrajal estavSo conser-
« tados com elle, tirando 7 dos que tem menos for^a, a quem se nao
« atrevio a falar, porque o nao descubrissem : « Nao pode ser isso,
« (disse o Emperador) ; lan^a de proposito estas novas pera me fazer
« desavir com minha gente. Pareceme que sera melhor ir por este
€ caminho apos elle e mandar a Cela Christos que venha poUa
« outra banda, pera que nos nao escape ; que quanto os outros ca-
« minhos dos Galas, ia tenho mandado tomar. Tome V. R. pera
« sua casa e escreva muito de pressa a Tigre ao capitao dos Por-
« tugueses que me avise logo do que la passa » ; porque nao tinha
muita confian^a do Viso Rei que la estava que, segundo diziao,
se corteava com os coniurados,
O seguinte dia depois que eu me despedi do Emperador, man-
dou hum capitao com gente de espinguarda, que fosse a toda a
pressa aiudar a *Cela Christos, se Julios Ihe quisesse dar batalha; f.i7o,v.
mas encontrando a Julios no caminho, se tomou e mandou de pressa
dizer ao Emperador como vinha, pello que o Emperador caminhou
mais devagar e com ordem, e chegando perto de Julios, mandou que
vissem algum luguar mais acomodado pera poderem peleiar, e o
Eunuco com os outros capitaes da coniura^ao escolherao hum valle
donde nao podia fugir o Emperador a cavallo, porque por diante,
por onde avia de entrar o imigo, era muito chao e nas costas humas
ribanceiras muito altas; mas o Emperador, que he grande homem
de guerra, disse que nao aproveitava, e passou a hum oiteiro alto,
que tinha ao pe muitas pedras grandes ; por onde nao podiao correr
os cavalos, que erao os que elle mais arreceava.
6. lulios, spretis ^ outro dia chegou Julios com muita gente de pe e de ca-
precibus et lacryxnis valo, e assentou suas tendas no campo pouco mais de hum tiro de
8uae uxons, acie in- '^
structa imperatorem espinguarda do Emperador; e o seguinte pella menhaa, que forao
pr^o c^ncursu^^- ^^ ^® majo de 161 7, mandou por em ordem sua gente; o que vendo
ztnim et sinistrum sua molher, Ihe pedio com grande instancia e lagrimas que nao
comu per defectio-
nem a pugna desi- peleiasse ; que ella Ihe faria amizade com o Emperador seu paj ;
8tunt. lulios, ceu vi- ^^^ respondeo que nao queria sua amizade, senao sua morte. Disse
ctoripermediaaacies r- -1 ^
Imperatorem petit, ella entao chorando, pera ver se Ihe podia abrandar o cora^ao:
atlapidisictupercul- o t. • • ^ j t^ j
8U8,abequopraecepa '^enhor, nao vos apresseis ; comei antes que vades. Respondeo
ruitetagregariomi- elle: Primeiro hei de ir trazer a cabeca de vosso pai, e como a
llte capite minuitur; , ,
rebellium copiae fu- puser aqui diante, comerei a minha vontade ; e come^ouse logo a
Su^multis^^neri- ^^^^^' Entretanto estava o Patriarca com huma crus na mao, lan-
bus acceptia et veati- <;ando muitas ben^Oes a cada esquadrao, de hum lugiiar alto, e como
4
LIVRO II, CAPITULO V. 399
Julios se acabou de armar, pos esporas, ""cousa mui desacostumada bus ezutus, et ipae
T-.i_. - i_»j t- jr ir-j'^ capite obtruncatur.
em Ethiopia e sobmdo em num grande e femioso cavalo, foj diante ^
do exercito com os cavaleiros de quem mais se fiava, e bom poda^o
antes de chegar a gente do Emperador, que tambem estava ia posta
em ordem, aremeteo com grande furia. O que vendo o capitSlo da mao
direita do Emperador, se retirou com sua gente pera huma banda e o
capitao da izquerda e Eunuco, que tinhao muita gente, se deixarSo
estar em seus luguares, entrando o imigo pello meio sem nenhuma
resistencia, dizendo em alta vos ; « Onde esta o Emperador, onde esta
o Emperador? », ate chegar perto da gente de sua guarda, que era bem
pouca e toda de pe. Mas estes arremeterao com hum animo mui
forte, e pera mostrar Deos Nosso S.°^ quam pouca cousa basta pera
derubar os soberbos do mundo, permitio que hum dos mais baixos
daquelles soldados, que nunca tinha entrado em giierra, atirasse
huma pedra, com que Ihe deu perto do olho esquerdo e o derubou
do cavalo, e levantandoselhe a malha hum peda^o ao cair, Ihe se-
gfundou por ali com o zarguncho e, indo logo sobre elle, Ihe cortou
a cabe^a, e acabou como Goliat o mais persumptuoso e arrogante
capitao que avia em Ethiopia. Matarao tambem alguns dos cava-
leiros que o acompanhavao e, carregando os de mais capitaes do
Emperador sobre os outros, se puserao logo em fugida, por verem
a seu geral morto.
Como o soldado cortou a cabe^aa Julios, a levou ao Empe-
rador e vendoa mandou logo tocar a recolher, mas nao obedece-
rao os soldados tam de pressa que nao matassem primeiro muita
gente e ao mesmo Patriarca, que se deixou estar em seu posto sem
fugir, ou por ficar muito turbado, vendo o desbarate, como alguns
f.i7i,v. dizem, ou por Ihe parecer *que ninguem se atreveria a Ihe fazer
mal. E na verdade passarao muitos por elle sem Ihe tocarem nem no
vestido, que pode ser o deixassem, por estar da sua parte nas cousas
da fe, mas chegando hum cavaleiro, que por estas mesmas cousas
Ihe tinha boa vontade, Ihe deu huma lan^ada no pescosso com que
o derrubou e os que vinhao detras o despirao, sem Ihe deixarem
cousa alguma. E assim esteve ali bom espa^o pedindo a quantos
passavao com muita instancia alguma agoa, que parece Ihe causava
grande sede o muito sangue que da ferida Ihe saia. Mas nem este
tam pequeno refrigerio achou naquella tam angustiada hora, antes
em luguar de agoa Ihe tirarao o sangue que Ihe ficava, cortandolhe a
cabega; e assim acabou miseravelmente e ficou seu corpo nu dous
i
400 HISTORIA DE ETHIOPIA
dias sem sepultura, Levarao logo a cabe^a ao Emperador, e man-
doua por diante de sy no chSo sobre huma alcatifa iunta com a de
Julios, e assim os que forao tam .amigos na vida nao se afastarao
achando a mesma que nos queriao dar a nos. Depois
Emperador cortar as cabepas a 7 dos principaes criados
que Ihe trouxerao prezos, e aos demais perdoou e lan^ou
e Ihe trouxessem todos os cavallos, capacetes, malhas e
pre<;o, que erao muitas, e o mais ficasse aos soldados;
! muitos enriquecerao, porque todos 05 do exercito de
iao comsigo seu ouro, prata e as petjas de mais estima
), por Ihes parecer que ali as tinhao mais seguras com
que tinhao da victoria, tanto que, quando sairao pera
;a, mandarao que Ihes tivessem aparelhado o que aviao
que logo aviao de tornar a iantar e *assim me diziao f. 1
Portugueses, que estavao com o Emperador, que quando
Iquanije entravao por suas tendas, arharao as mesas po-
omer aparelhado.
ro dia chegou Cela Christos com grosso exercito e en-
os com as lan^as baixas em sinal de sentimento por nao
1 na batalha, ainda que o procuiarao, vindo a toda a pressa.
e que o ordenou o Senhor assim, pera que nao attribuis-
ria a suas fon;as, senao que a ttvessem por dada do ceo,
ide por tal a tiverao todos os desapaixonados, principal-
Lmperador; porque, indo eu logo a Ihe dar os perabens
iisse : Veia V. R. a misericordia grande que me fes Nosso
le, com trazer este homem tanta gente de pe e de cavalo e
ite espinguardas, mos entregou todos sem que me matasem
' homem. Nao he este mui grande milagre? Respondi que
tinha eu tambem e que o Senhor o fizera pera mostrar
i agradava o defender Sua Magestade as cousas da santa.
jou elle logo a pratica, dando muitas graijas a Deos pol-
s que Ihe fazia; mas nao estava alegre com a victoria,
teiou muito, antes se vestio de veludo preto, mostrando
I polla perda dos que morrerao, E na verdade, se elles
) de enmendar e ser fieis, se pudera ter por muito grande,
lo valerozos cavaleiros.
se acabou isto, come(;ou o Emperador a informarse dos
ao na coniura<;ao, e achou tantos que Ihe foy necessario
com muitos ; s6 publicou e degradou alguns, e entre elles-
UVRO II, CAPirULO V. 401
a Jemana Christos seu irmSo, que pello ser Ihe perdoou a vida,
merecendo com tanta rezcio a morte; mas com saberem alguns as
cousas daquelle eunuco, nao se atreverao ao descobrir, poUo grande
f.i72,v. medo que delle ^tinhao. Elle tambem mandava matar dissimulada-
mente aquelles de quem mais se temia, como fes a hum frade, que
sabia do conserto que tinha com Julios e Ihes pusera excomunhao a
ambos por que o cumprissem, e a hum seu criado que levava os
recados. Com tudo isso nao se teve por seguro, e assim, arreceando
que por derradeiro se avia de saber sua trei^ao e que nao podia
escapar, se resolveo em matar de toda a maneira ao Emperador e
Cela Christos, que entao estava na corte com pouca gente; e pera
isto disse ao Emperador que Ihe queria dar mostra dos soldados
que tinha a sua conta : que Ihe desse licen^a pera os trazer diante
do pa^o e que os veria da varanda, fazendo conta de entrar entao
e o matar, que o pudera fazer facilmente, por estar o Emperador de-
scuidado e com muito pouca guarda nas portas, e logo ir com sua
gente, que era muita, a matar a Cela Christos, que de nenhuma
maneira podia resistir. Mas o Emperador, com estar bem alheo de
imaginar tal trei^ao, Ihe disse que nao era necessario, nem estava
pera isso.
Vendo o eunuco que Ihe nao saira esta traga, mandou fazer
muito vinho, que qua he de mel, e chegou em 5 ou 6 dias, pera
convidar a cear Cela Christos, e, como estivesse no milhor do vinho,
matalo, e ir logo ao pacjo pera matar ao Emperador, e pera isto
tinha acabado com hum pajem pequeno que Ihe abrisse a porta a
qualquer hora que chegasse, porque avia de vir a tratar hum ne-
gocio de muito segredo com o Emperador; mas foj nosso Senhor
servido, que pouco antes do dia, em que elle determinava de fazer
isto, tivesse o Emperador algumsis atoardas, pollo que o mandou
prender e lan^ar pregao que todos os que sabiao delle alguma cousa
a viessem dizer soppena de morte. Testemunharao logo muitos, que
f. 173. queria matar ao Emperador *e a todos seus filhos e a Cela Chri-
stos e depois levantar outro a sua vontade, poUo que le mandou
cortar a cabe^a no terreiro do pago; ao que deu toda a corte
grande aplauso e fes muita festa, parecendolhes a todos que Ihes
tinhao tirado do pescosso hum iugo muito pesado, polla grande
oppressao que em tudo Ihes dava, tratandoos com excessiva vio-
lencia, procurando que ninguem alevantasse cabe<;a de maneira que
o pudesse encontrar, e se entendia que alg^m, por grande que fosse,
C. Beccari. Rtr* Aeih* Script, oee, ined* — IL 5'
402 HISTORIA DE ETHIOPIA
•
o encontrava em alg^ma cousa, logo buscava modo pera o derrubar
e o queria ingolir como hum lobo; e assim, por ser tal sua vida,
permittio Deos N. S.®' que na morte seu corpo fosse botado no
campo aos lobos, e que nSlo achasse sepultura, senSo huma cova delles,
onde o meterao seus parentes e taparflo com pedra, levandoo secre-
tamente de nojte, por ter prohibido o Emperador que ninguem o
enterrasse.
8. Ez dictis pro- Todcis estas cousas referi, assim por serem dignas de memoria,
batur qiiam temere • i «^ • t . ^ r >
asserueritUrreuAe- ^omo porque visse o leitor mais claramente quanto se enganou frei
thiopesomnesdupli- Luis de Urreta no que disse pag. 424 da sua Historia, que os Ethio-
cem in Chnato natu-
ram cum catholicis pes como catholicos christaos confessao e crem em Christo duas
pro ten. naturezas perfeitas, incommutaveis e distinctas, porque ainda agora
estao muitos tam longe disso que, com verem a providencia grande,
que Deos Nosso Senhor tem dos que defendem sua santa fe, e os
manifestos castigos que deo as principaes cabe^as dos que a per-
seguem, nao mudao proposito, nem os conhecem por tais, antes
alguns affirmao que o Patriarca e Julios com os demais que mor-
rerao naquella guerra forao martires. E se acertasse agora de mor-
rer o Emperador, que Deos nao permitta, tenho por sem duvida
que aviao de matar logo a Eraz Cela Christos, e que nem a nos f.i75tv-
nos nao aviao de deixar; o que elle *mesmos me tem dito por vezes.
CAPITULO VI.
Bm que se trata dos erros que os Ethiopes tem acerca
das almas racionaes.
Ja que temos visto o que os Ethiopes dizem sobre a sacro- x. Aethiopes clrca
santa humanidade de Christo N. Senhor, sera bem referir agora !fi^/**^**^l*l^
' o serunt: x} eas non
brevemente o que affirmao acerca de sua sanctissima alma e das crcari sed per tradu-
,.i ^^ ' ' r\ ' ' cem producl ; a) eas
demais almas racionais, que sto tres erros gravissimos. O pnmeiro, quae poenis infemi
que Deos N. S.**' nao cria as almas racionais, senao que vem dos ^'f*''"** ■f.** ^^""
^ ^ 8tum addictae, a
pais, e que ainda a de Christo Nosso Senhor tomou o Espirito Santo Christofuisselibera-
da sanctissima alma da Virgem Nossa Senhora, porque s6 a de animas, ante*^ ^^m
Adao criou Deos; e outros dizem que a fes dos 4 elementos. O ittdiciiextrcmum,vi-
^ sione Dei beatxfica
2^ erro he que, quando a sanctissima alma de Christo Nosso Se- non fmi.
nhor desceo aos infernos, tirou, nao somente as dos Santos Pa-
dres que estavao no seo de Abrahao, mas tambem todas as dos
condenados no inferno. O 3^, que todas as almas dos Santos» por
gfrandes que fossem, estao no parajso terreal, sem gozar da glo-
ria, e ali hao de esperar ate o dia do juizo, em que se unirao
com seus corpos e entrarao iuntamente no ceo. Nem as dos con-
denados estap no infemo, senao em outro luguar, nem hao de ser
atormentadas ate que se iuntem com seus corpos.
Estes tres erros condemnao os Doutores e Santos por heregias
e, deixando outros muitos, o glorioso santo Thomats, falando do pri"
404 HISTORIA DE ETHIOPIA
meiro, i parte, quest. ii8, ar. 2, dis que he heretico affirmar que as
almas intellectivas nSto as cria Deos, senSLo que vem dos pais; e
s. Augustinho lib. De haeres, cap. 79, tratando do 2^ erro, affirma
que he heregia. Quanto ao 3^, esta condemnado no Concilio Floren-
tino sess. ultima e no Concilio Tridentino sess. 25,
a. Auctor narrat Sobre todos estes erros tratei muitas vezes em *disputas e pra- f. 174.
se multoties coram ^. ^.1 • • • 1 ^ j j T-^t_- • 1
Imperatore primum ticas particulares com os pnncipais letrados de Ethiopia e algumas
errorem confutasse diante do emperador Seltan Sacfued ; e percfuntandolhes sobre o pri-
cx ipsis Aethiopum ^ o jt o jt
libri8,multosqueiam meiro em que se fundavao, responderSo que na Escritura, que dis
doctnxiam de anima- y-i "o t^-vt oi_ "i_j*„^j
nim creatione susce- Genests 2**, que como Deos Nosso Senhor acabou de criar todasas
P*s««- cousas, descansou no 7° dia, que quer dizer que dali por diante nao
criou cousa alguma ; e que affirmar que Deos cria todas as almas
racionais era nSo Ihe dar descansso, senao telo sempre ocupado em
criar tantos milhares de almas como era necessario infundir cada
dia nos corpos por todo o mundo. Respondi que a divina Escri-
tura nao queria dizer ahi mais de que no 7° dia cessou Deos Nosso
Senhor de criar mais cousas novas, nem com novo modo do que
tinha criado as outras, mas governa e multiplica as obras que na-
quelles primeiros dias fes ; e assim dis Christo N. S.**"^ por s. Joao
c. 5° que seu Padre e elle ategora obrao. Por onde nao he incon-
veniente que crie agora as almas, porque nao sao cousas novas,
nem as cria com novo modo do que criou a primeira, nem, por criar
cada dia tantas, tem Deos nisso ocupagao, assim como a nao teve
quando criou o ceo e a terra e quantas cousas ha nelles ; pois, como
dis David PsaL 148, nao fes mais que dizer e logo forao feitas,
mandar e logo forao criadas. E desta mesma maneira podera criar
outros mil mundos, se quisera. Depois Ihe trouxe algumas autori-
dades dos Santos, de quem elles tem noticia, como de sam Chry-
sostomo, que na Homilia 23 in varia loca Mathei dis que a alma
nem gera, nem he gerada, nem conhece outro pai, afora daquelle
per cuia vontade he criada; e de sam Hylar. que no libro 10, tra-
tando da sanctissima Trindade, dis, que a alma do homem he obra
de Deos e que a gera^ao da carne sempre he da carne. Mas fize-
raolhe estas autoridades pouca forcja porque, como elles nao tem
estes livros, cuidao que *aligamos falso. Pello que, passando adiante, f.i74»v.
Ihe trouxe alguns luguares da Escritura, com que se prova esta
verdade, como de Job c. 33 : O espirito de Deos me fes e o espi-
raculo do Omnipotente me vivificou; e David /j*. 32 e 99: EUe nos
fes a nos, e nao nos a nos; tambem Salamam Ecclesiasies ultimo,
I
\.
LIVRO II, CAPITULO VI. 405
onde dis: Lembrate de teu criador em tua mocidade, antes que che-
g*ue a morte e torne o p6 a sua terra donde era, e o espirito torne
a Deos que o deu; e Macabaeorum cap. 7, lib. 2, onde se conta
que, exhortando santa Felicitas a seus 7 filhos que fossem e sof-
fressem com bom animo os tormentos que Ihes davao e morressem
polla lei de Deos, Ihes disse entre outras cousas que ella nSlo Ihes
dera a alma, senao o criador do mundo. Respondeo hum frade que
tinhao excomunhao pera nao admittir tal doutrina, que Deos cria
as almas e assim nao era necessario gastar tempo em disputar sobre
esta materia, e que nem estes luguares queriao dizer o que eu in-
feria; mas outros entenderao bem a verdade e nem os mais que
defendiao o contrario a puderao negar, antes a vierao a conceder,
porque Ihes trouxe autoridades de seus livros e do mesmo que rezao
em huma de suas missas, e Ihes provei que, se as almas dos filhos
' vierao dos pajs, nao forao immortais ; e assim ia muitos crem e
confessao publicamente que Deos as cria.
O 2® erro fundao em dizerem de suas cabecjsts, que pollos me- 3. Idcm wt prae-
recimentos do sangue de Chnsto Nosso S^**' sairao nao somente as altemm errorem et
almas dos Santos Padres, que estavao no seo de Abrahaam, mas ^^"** ifMcX exitu, in-
caasiim reclamanti-
tambem as dos damnados, e que dizer que as dos Santos sairao e bas quibuadam mo-
nao mais he deshonrar o sangue de Christo^ nachw.
Quam falso seia isto mostrei por vezes a muitos com luguares
da Escritura, com autoridades de Santos e com rez5es; e alguns
convencidos da verdade a receberao, em particular o Emperador e
f. i75^ seu irmao Cela Christos; o que entendendo *alguns frades, traba-
Iharao muito pollos tirar disso, e trouxerao hum livro ao Empe-
rador que, sem declarar se falava tambem do inferno dos damnados,
dizia que Christo N. Senhor tirara todas as almas. Respondeo o
Emperador que aquilo nao queria dizer mais de que tirou todas as
almas do seo de Abrahaam ; disserao elles que tambem se entendia
dos damnados. Disse eu entao : c Dessa maneira milhor foj a sorte
« dos maos que a dos santos, porque estes trouxerao sempre sobre
« seus pescossos o iugo da lei de Deos, com ser tam pesado, que
« como dis sam Pedro Act. 15, nem seus pais, nem elles o podiao
« levar e afora disso padecerao trabalhos sem conto, andando fu-
« gindo pellos desertos, como dis s. Paulo, angustiados, affligidos,
« huns mortos a espada^ outros scrrados, outros esfolados, e os mais,
« com nao terem de ver com a lei de Deos, senao matar, roubar,
« dar a seus apetites quanto deseiavao e chegar ate o fim da vida
406 HISTORIA DE ETHIOPIA
€ coin grande prosperidade e abundancia de todas as cousas, e mui-
€ tos delles adorando idolos e sacrificando seus filhos e filhas aos
« demonios, como diz David Psa/. 105. Que saissem depois suas
€ almas iuntamente com as dos santos, que estavao no seo de Abra-
« haam, pera receberem o premio da gloria, milhor foi a sorte da-
« quelles que a destes, isto nflo se pode dizer ; que Deos N; Senhor
« nao fas iguais os maos com os bons ; mas, como dis a divina
« Escritura a cada passo, da a cada hum conforme suas obras e
« porque as dos maos mereciSlo fogo etemo, os tinha condenado a
« elle, e como ia estavEo la, nSio os remio o sangue de Christo N.
« Senhor, porque no inferno nao ha reden^ao nenhuma >. Disse hum
frade : Deixenos V. R. nao se meta agora em nossas cousas ; pello
que calei; mas o Emperador Ihes respondeo de maneira que ulti-
mamente n&o tiverSo que falar.
Outra ves se unirSlo alguns frades pera acusar *hum primo do f.i75,v.
Emperador que se chamava Eda Christos, porque dizia que Cri-
sto N. S.**' nao tirara mais que as almas dos santos Padres, que estavSo
no seo de Abrahao, e veio elle a mim nSo pouco attribulado, di-
zendo que queriao que Ihe desse o Emperador juis contra elle e
que determinavao de o fazer matar: que Ihe aconselhasse o que seria
bem fazer e o que avia de responder. Respondi que, ia que defendia
verdadeira fe e era senhor tam grande, assim tivesse o animo e
coracao; que aquelles nenhuma cousa Ihe podiao fazer, nem Ihe
aviao de saber responder; que dissesse livremente que esta he a
verdade e que a provaria con autoridades de Santos, com rezois e
com a Escritura Sagrada; e aponteilhe alguns Santos e luguares,
como aquelle de Salamao Ecclestastes 9 : « Os mortos nao conhecerao
mais cousa alguma, nem tem ia mais premio » ; quer dizer que no
que Deos N. S. determina, quando os homens morrem, nao ha de-
pois mudan^a, nem recebem novo preraio; se merecem gloria e nao
tem que purguar, logo Iha da, e se inferno, la os lan<?a pera sem-
pre; e o que dis mais adiante cap. 11: « Se cair o pao pera o austro
ou pera o aquilo, em qualquer lugnar que caio ali estara * ; porque
por austro entende a gloria celestial, por aquilo as penas do inferno ;
e assim quer dizer que os, que huma ves cairao naquellas penas,
nunca mais saem dellas.
Tambem EccUsiast, 24 falando da divina sabedoria dis que pro-
meteo de ver a todos os mortose alumiar os que esperavao no Se-
nhor. Os que ^speravao no Senhor erao somente os que estavao no
seo de Abrahao, porque os que estavao no infemo nao esperavao
LIVRO II, CAPITULO VI. 407
no Senhor, antes muitos delles nam tiverao nunca noticia do Se-
nhor, porque erPLo gentios, idolatras, e gastarao toda sua vida em
gravissimos peccados, e assim Christo N. 8.°' nao os alumiou, ali
ficarSo em suas trevoas e tormentos. Isto mesmo nos declarou s. Ju-
f. 176. das no prin^^^cipio de sua epistola, dizendo que os anjos maos estao
nas prisoins etemas, assim como os de Sodoma e Gomorra, que por
seus peccados estSo na[s] penas do inferno. Tambem se collige isto
claramente do cap. 11 de sam Matheus, onde dis Christo Nosso
Senhor que se ha de aver com mais brandura no dia do juizo com
os de Tyro, de Sidao e de Sodoma, que com os de Coro^aim, de
Betsaida ecc, quer dizer que estes hao de ter maior pena no dia
do juizo que aquelles, porque, ouvindo a doutrina que elle pregava
e vendo as maravilhas e milagres que fazia, nao se emmendavao de
seus peccados e faziao penitencia; que os de Tiro, de Sjdao ecc. [se]
virao estas maravilhas se ouverao de emmendar e fazer penitencia,
mas porque as nao virao, sua culpa he menor que a daquelles, e
assim tambem o sera a pena no dia do juizo. Por onde, ia que entao
hao de ter tormentos, seguesse que nao os tirou Christo N. Senhor
dos que ia tinhao quando deceo aos infemos, porque, se entao os
tirara, nao os ouvera de tornar a meter nelles no dia do juizo.
O mesmo se coUige no que mostrarao a sao Joao ApocaL 14,
falando dos idolatras que morrerao ante de Christo N. Senhor (como
elle declarou mais adiante c. 17) dis que o fumo de seus tormen-
tos subira pera sempre dos sempres e que nao tem descango dia
e nojte.
Depois que [0] acabei de instmir no que avia de fazer e dizer, me
pedio que fosse ao Emperador, pera me achar presente ; porque logo
aviao de vir os frades, a Ihe pedir juis. Fui eu, entrando elle logo
apos mim, e dali a pouco veio hum frade dos mais principaes e en-
trando comc^ou a dizer em alta vos : < Deme o Emperador iusti^a
contra Eda Christos, quo deshonrra o sangue de Christo, affirmando
que quando deceo aos infemos, nao tirou mais que as almas dos san-
tosPadres >. Respondeo Eda Christos: < Senhor, eu nao deshonrro
o sangue de Christo, antes o tenho em grande veneracjao e defendo
a verdade. Este frade deshonrra a iusti^a de Deos Nosso S.°S que,
f.i76,v, tendo condenados a tormentos *eternos aos gentios idolatras e aos
que, quebrantarao sua santa lei e gastarao toda a vida em pecca-
dos, dis que depois se salvarao. Mandelhe Vossa Magestade que
me responda e seia o Padre juis, que eu mostrarei claramente na
Sagrrada Escritura ser falso o que elle affirma».
408 HISTORIA DE ETHIOPIA
Enfadouse muito o frade e disse : € Porque ha de ser o Padre
nosso juis? Por ventura falta entre nos quem o possa ser tam
bem como elle [?] » ; e come^ando a porfiar com mais liberdade do
que convinha naquelle luguar, Ihe disse o Emperador enfadado que
se fosse embora hum e outro ; que nao Ihes pertencia a elles deter- .
minar aquellas cousas; e assim se sahio o frade sem levar juis, nem o
pedio mais, por ver que o Emperador estava da nossa parte, mas
sempre profiao muitos contra nos e contra os que tem esta verdade.
4. Ex Scripturis et Acerca do 3° erro, tinhSlo comummente em Ethiopia, quando eu
Pfttribus demozistrat -
tcrtiam Aethiopum entrei nella, por tam certo que as almas dos Santos, por grandes
opmionem errorem q^^ seiSo, estao no parayso terreal, sem gozar da gloria e que ali
tiam e doctioribus hao de esperar ate o dia do juizo, em que se unirSo com seus corpos
concedunt*
e entrarao mntamente no ceo, e que as dos maos nSo estao no m-
ferno, senao em outro luguar perto do parayso terreal, e que nSo
hao de ser atormentadas ate que se aiuntem com seus corpos, que
nao avia quem nisso pusesse duvida. Mas depois que os padres e
eu Ihe fomos declarando esta materia em disputas publicas e pra-
ticas particulares, Ihe mostramos claramente com luguares da Escri-
tura e rezOes que as almas dos Santos, que nao tem que purgar,
logo em morrendo entrao no ceo e gozao da gloria que merecem
suas obras, e que as almas dos que morrem em peccado mortal vao
logo ao inferno, onde sao atormentadas, muitos receberao esta ver-
dade e a crem; porem muitos mais *sao os que ainda ficao em seu f- i77«
orro. E assim estando eu com o Emperador, pouco tempo ha, entra-
rao alguns frades e come^arao a falar sobre esta materia, e com Ihes
trazer eu resOes e luguares da Escritura, a que nao souberao nem po-
diao responder, nao se mostravao convencidos, ate que Ihes trouxe
autoridades de seus mesmos livros, que nao puderao negar; e assim
Ihes disse o Emperador : « Pera que porfiais em cousa que o Padre tem
tam bem provada com a Escritura e com nossos mesmos livros [?] »;
e assim respondeo o principal delles que nao se podia negar.
5. Quid Urreta de jy^ q^g temos dito se ve claramente quam falsa foy a infor-
hac re perperam nar-
raverit. magao que frei Luis de Urreta teve sobre esta materia, pois na
pag. 420 de sua Historia Ethiopica dis que os Ethiopes nao tem este
erro dizendo: « Los Ethiopes con catholico sentimiento cren y tie-
« nen y siempre han creido que las almas de los buenos, si no tienen .
« que purguar en el punto que salem desta vida, veen la divina es-
« sencia y gozan de Dios como bienaventurados ».
1
I
I
4
CAPITULO VII.
Em que se mostra como os Ethiopes vassalos do Preste
Joao de muitos tempos a esta parte sao scismaticos
desobedientes a santa Igreja Romana.
Perguntando a muitos dos principaes letrados e velhos de Ethio- x. Doctiores inter
pia de quantos tempos e esta parte estao desunidos da Igreia Ro- th1op\am*a*^empore
mana, me responderSo que do tempo de Dioscoro: e esta he comum i^ioacori obedien-
^ tiamPontificiRoma-
pratica entre elles e parece cousa certa, porque sempre seguirao no detrectasse.
suas partes e maldita doutrina e o venerSo por santo e a sam Liao
papa, que o condenou, tem por herege, como fica dito no cap, 3
deste 2° livro; e ainda que o emperador David, que depois se cha-
f.i77tv« mou *Onag Qagued, escreveo cartas ao summo Pontifice e Reis de
Portugual o anno dc 1524, mostrando querer unir seu imperio a
santa Jgreia Romana, nao teve isto efFeito, porque morreo antes
que qua chegassem os Portugneses, com cuia aiuda o queria fazer;
e posto que seu filho Claudio (a quem quando fizerao emperador, cha-
marao Athanaf ^agued) recebeo por patriarca a dom Joao Bermu-
des, que veio com dom Christovao da Gama e mais Portugueses
no anno de 1541, parece que nao fes isso maisquepor contempo-
rizar com os Portugueses, de quem naquelle tempo tinha tanta ne-
cessidade; porque, depois de Ihe terem livrado seu imperio da ti-
rania dos Mouros e soieitados todos seus inimigos, quando se ouvera
C. Bbccari. Rer, Aeik, Scrt/i, occ, insd, — II. 53
»
4IO HISTORIA DE ETHIOPIA
de mostrar mais agradecido a Nosso Senhor, quc Ihe fizera tam gran-
des merces, e aos Portugiieses, que por elle tomarao tantos traba-
Ihos, entao mostrou quam longe estava de receber a santa fe da
Igreja Romana e de obedecer a seu Patriarca, porque trouxe outro
de Alexandria, e dom Joao Bermudes se tornou pera a India, dei-
xandoo excomungado, como dissemos no cap. lo do primeiro livro.
E pera que se veia mais claramente que, ainda que mostrou aceitar
por patriarca a dom Joao Bermudes, seu animo nao era de obedecer
a Igreja Romana, refirirei algumas das cousas, que poUo tempo
adiante soccederao, em que elle mesmo mostrou bem este seu animo.
a. Quam tenaciter Primeiramente, entrando em Ethiopia o padre mestre Gon^alo
adhaereant, nostro -n * • i /-h «• i^ji-rN* tn*
hoc tempore» schi- Rodriguez de nossa Companhia com o embaixador Diogo Dias o
smati Aiezandrino anno de 1555, por ordem de dom Pedro Mascarenhas entao Viso
probatur ex modo a- ^^y^ m.
gendi Claudii impe- Rei da India, pera dispor e prevenir a este emperador Claudio
cts^Patrlarch^ Berl P®^^ ^ vinda do padre patri*arca dom Joao Nunes Barreto da nossa f. 178,
mudez et Oviedo, utt Companhia e de seus companheiros que ia se ficavao aparelhando
constat ez relationi- r . . ,. .
bu8 Consalvi Rodri- em Portugnal, procurou fazer isto com muita diligencia, mostran-
guex e s. I., dolhe com rezOes a obriga^ao que tinha de receber ao padre Pa-
triarca e seus companheiros e dar obediencia a santa Igreja Ro-
mana, e trazendolhe a memoria as cartais, que elle mesmo escrevera
a Portugnal e Roma, em que prometia de se unir com a santa
Igreja, e pera mais o mover a isto fes hum tratado, em que com
luguares da Escritura e rezOes claras mostrava quam grandes erao
os erros de Ethiopia e a verdade de nossa santa fe, e como todos
os christaos estavao obrigados a obedecer ao Pontifice Romano, e
Iho apresentou; mas nao aproveitou nada, como o mesmo Padre
affirma em huma comprida carta, que de Goa escreveo aos Padres
da Companhia em Portugual em 13 de setembro de 1556 e a re-
fere o padre Femao Guerreiro de nossa Companhia na Rela^ao an-
nual das cousas que fizerao nossos Padres na India oriental o anno
de 1607 e 1608, pag. a8i, onde, depois de contar muitas cousas que
passou com o Emperador, dis assim : « Finalmente passadas, muitas
€ rezOes de parte a parte, estando presentes os Portugueses, Ihe disse
« pello capitao, que o que eu pretendia naquelle papel, que Ihe dei
« escrito, era saber seu intento acerqua de dar a obediencia ao Pon-
« tifice Romano e receber os letrados e religiosos que el Rei de
« Portugual seu irmao Ihe queria mandar. Porque se elle os nao
€ queria, nem queria obedecer, nao tinhao elles pera que vir a seu
« reino; que visse sua Alteza se queria dar obediencia, como a dera
LIVKO II, CAPITULO VII. 4I.I
e mandara a Sua Santidade estando em tal parte. A isto respon-
deo que elle religiosos e letrados tinha em seu reino e por isso
f x78,v. € dos del Rei *de Portugual nao tinha necessidade, nem menos dera
nunca obedientia ao Romano Pontifice; que a obediencia que
G.*' de Magalhaes levaira, elle a nSo dera, mas que hum frade
arabio, que tresladou suas cartas pera el Rei de Portugual, er-
rara e as nSo entendera. Finalmente concluio que elle nflo queria
obedecer senSo ao Patriarca de Alexandria, a quem sempre obe-
decera. PoUo que vendo eu sua delibera<;ao e obstina^ao, me de-
spedi delle »•
Ate aqui sam palavras do padre mestre Gonzalo, em que se 3. ez Utteris Al-
. « j 01 j* i^ j_- phonai de Pranca et
ve que, amda que o emperador Claudio recebeo por patriarca a Andrcae de Oviedo»
dom JoSo Bermudes, nSlo foj de cora^Sio, pois dis que nunca deo
obediencia ao Papa, nem obedecera senao ao Patriarca de Alexan-
dria e ainda que o Padre tomou a falar outras vezes com elle, nSio
pode alquan^ar mais que licen<;a pera que viessem os Padres e
que os ouviria ; e depois que se partio da corte caminho da India,
onde chegou em setembro de 1556, Ihe escreveo huma carta hum
Portugues honrrado, que se chamava Affoncjo de Franga e foy o
interprete do Padre. assim no tratado que escreveo, como quando
falava com o Emperador, por saber bem a lingoa e andar sempre
na corte, na qual Ihe refere huma comprida disputa que teve com
o Emperador sobre as cousas da fe, e Ihe declara bem sua obsti-
nai^o e porfidia, concluindo depois a carta com estas palavras:
€ Pollo que entendo que antes tomara el Rei ser subdito dos Mou-
c ros, como os povos dioscoreos, que sSo os de Alexandria e Egypto,
€ que dar a tal obediencia a santo Pontifice. E esta verdade nunca
c quis descobrir ategora a V. R., poUo nSo desconsolar, de maneira
c que deixasse de fazer a diligencia que a seu oificio competia ».
f. 179, Esta mesma dureza e obstina^ao mostrou *sempre ate a morte
o emperador Claudio, como o testificar£lo os Padres da Companhia,
que depois em marcjo de 1557 entrarao em Ethiopia com o padre
Bispo dom Andre de Oviedo, em huma carta que iuntamente escre-
verSlo a Roma no anno de 1562 ao padre Diogo Laines G^ral que
entao era da Companhia, e a refere o padre Femao Guerreiro na
Rela^ao annual assima citada pag. 294; porque, tendo contado meu-
damente o discurso de seu caminho e chegada ao Emperador, dizem .
assim : c Depoes de alg^mas praticas Ihe deu o Bispo as cartas do
c Govemador da India e do nosso Patriarca e outras, e el Rei to*
412 HISTORIA DE ETHIOPIA
.« mandoas se come^ou logo a mostrar desgostoso nas cousas de sua
« redu^ao, da qual elle estava tao longe como Roma de Ethiopia.
.« Mas como era nobre e discreto e amigo dos Portugueses encubria
« seu desgosto, ainda que nao tanto, que deixasse de dar manifestos
« desenganos de si e de sua porfidia. Porem sempre se ouve mui co-
« medidamente com o Bispo >. E mais adiante, tendo tratado das
disputas que o padre Bispo teve diante delle com seus letrados e
como todos diante do Bispo pareciao bu^aes, ainda que com gritos
procuravao mostrar que elle[s] venciao, proseg^em desta maneira.
« Vendo o padre Bispo o pouco que nisto se fazia, tomou todos
€ as principaes materias e pontos de seus erros e se deu a escrever
« sobre elles e Ihe apresentou estes escritos, aos quais el Rei respon-
« deo com fazer outros sobre elles, resolvendose iuntamente que nao
« avia de obedecer a Roma, e depois de ter isto assas declarado
« e se mostrar desgostoso contra o Bispo e dizer publicamente que
« nao queria o Concilio Efesino primeiro, pera o qual o Bispo o
« chamava, senao somente os custumes e fe de seus antepassados,
« o Bispo se despedio *delle com determina^ao de (saltem ad tem- f.i79i'^.
« pus) dar luguar a seus desgostos. Estes tao claros desenganos deu
« el Rei no fim de dezembro de 58 e logo no janeiro seguinte de 59
« o Bispo se despedio delle, e no mes de fevreiro pouco de pois
« vierao a esta teira os mouros, a que qua chamao Malacais (que
« por ventura serao os Amalecitas), e no mes de margo logo se-
« guinte, na 5 feira da somana santa se encontrou el Rei com elles,
« e sua gente Ihe fugio e o deixou no campo onde o miseravel
« morreo e com elle nosso capitao com 18 Portugueses. E foj a
« victoria tam pouco esperada dos Mouros que seu capitao, atri-
« buindo isto a so Deos, se deceo do cavalo e cavalgando em hum
« asinho, celebrou o triunfo de sua victoria ».
Todas estas sao palavras dos padres da Conpanhia, em que se
mostra bem quam longe esteve sempre o emperador Claudio de
obedecer a santa Igreia Romana ; mas, porque falando o padre Bispo
dom Andre de Oviedo delle e de seus vassalos, declarou isto mesmo
por senten^a, a qual eu tenho na minha mao assinada da propria
sua, a refirirei aqui por suas mesmas palavras:
4. et ez sententla « Andreas de Oviedo Dei et Apostolicae Sedis gratia Episco-
lata ab eodeoti ^)vie*.
do contra errores et * P^^ Hieropolensis ac coadiutor Reverendissimi in Christo patris et
achlama Aetfaiopum. « domini Joannis Barreto Patriarchae Aethiopiae. Porque assi como
« aiuda publicar y loar los bienes para imitarlos, assim tambien
LIVRO II, CAPITULO VII. 41 3
€ ahida los males publicos dizirlos y estranarlos para que se huian ;
« por tanto aviendo nos predicado publicamente en Ethiopia las
.« cosas de la fe y eScritolas, y veniendo a noticia de muchos i>
f. 180. « los mas que han querido saberlas, y hasta ahora no han *querido
« recebir nuestra dotrina, ni la fe de Roma, antes en oye el afio
L ^ passado por la Crus se dio pregon que nadie entrasse en nuestra
« iglesia soppena de la muerte y hazerse a costumbres de sus pa-
« dres; y nos parece que no hierran por ignorancia y tienen muchas
« cosas, que no son buenas, ni servicio de nuestro Senor; por tanto
« defininimos y por sentencia declaramos, que la gente de Ethiopia
« en comun, grandes y baxos y letrados y otros del pueblo Abe-
« xines no quieren obedecer a la santa Iglesia de Roma, siendo
« obligados a ello como todos los christianos, siendo la Iglesia de
« Roma cabe^a de todas las iglesias (y el Papa de Roma padre
« y pastor y superior de todos los christianos), y se rebautizan mu-
« chas vezes y por muchas causas, lo qual es contra la berdad de
« la fe. Item guardan publicamente los sabbados y primero no los
« guardavan en la Ethiopia, y se circuncidan y a muchos esclavos
.« y otros que hazen christianos tambien suelen circuncidar; y mu-
< chos estranan o tienen por peccado comer came de puerco y lebre
^ « y otras cosas, lo qual era de la lei de Moyses, que en estas cosas
.« ia ceso por la muerte de Christo; y descasanse por iusticia contra
« razon y contra lo que manda Christo en los evangelios; y mu-
« chos tienen por peccado los hombres que tienen aiuntamiento com
« sus mugeres entrar otro dia en las iglesias, no siendo manda-
« miento esto de Christo, ni de la Iglesia: y muchos letrados de-
« fienden porfiosamente que em Christo haj una naturaleza y una
« operacion y que la humanidad de Christo es igual a la divini-
« dad, lo qual es contra la fe y el evangelio y los synodos, que
« dizen que Christo una sola persona tiene, dos naturalezas y dos
« operaciones y dos voluntades, y que Christo, segun la divinidad,
« es ig^al al Padre y segun la humanidad es menor que el Pddre ;
f.i8o,v. « *y en comun hazen fiesta a 14 dias, parece que es de nuestro se-
« tiembre, de Dioscoro defensor de Eutiques heretico, siendo entre
« ambos condemnados por la Iglesia y por esto no devian de tener por
« santo en Ethiopia a Dioscoro; y tienen otras cosas contra la
« fe de Roma, lo qual no devian de hazer, porque la fe es una
^ fi sola, y la fe de la Iglesia de Roma por promessa de Christo no
«.puede errar.
414 HISTORIA D£ ETHIOPIA
€ Por lo qual amondstamos a nuestros hijos spirituales que se
« aparten destos y otroa errores que tienen los de Ethiopia y que
< no caigan en ellos, y a los Ethiopes remitimos al iuizio de la
< Iglesia y de los Superiores de ella quanto al castigarlos en sus
€ personas y bienes en publico 6 en secreto, o usar con ellos de
« misericordia, segun mejor les pareciere y con quien les pare-
« ciere, en todo 6 en parte, maiormente aviendo enmenda, la qual
« Dios les de por su misericordia.
< Hecha en el Doumo [su] en la Ethiopia a 2 dias de fevrero
de 1559.
« Gon<;:alo Cardoso Notario Apostolico.
« Andreas Episcopus Jeropolensis.
< Fue publicada en nuestra Iglesia en el Doumo [sic] a 2 de
< fevrero de 1559 ».
5« Probator mic- Ate aqui sam palavras da 8enten<;a do padre Bispo dom Andre
ccsBorcs ClAudii sci'* «^** •• •«•••n* <ii t *
licct BAinas Saraa ^® Oviedo, que depois foj Patnarca, e delas e do demais que te-
Dcngftl ct lacob ^ios dito se mostra bem claro que, em quanto viveo o emperador
fldiistnati Alcxan-
drino paritcr adhac« Claudio, nem elle nem seus vassalos obedecerSo a santa Igreja Ro-
■*•• mana; nem seu irmao Minas, que Ihe socedeo no imperio e se cha-
mou Adamas Sagued, deu nunca obediencia, antes, 4 annos que viveo
no imperio, perseguio acerrimamente os cathoIicos'e a muitos fes
retroceder com suas amea<;as e crueldades, como o affirmarSo os pa-
dres da Companhia na mesma carta que antes desta sentep<;a co-
me^amos a referir *e a continuaremos no livro 3®, onde tr^taremos f, 181.
de proposito deste emperador Adamas Sagued.
Morto Adamas Sagued, Ihe socedeo no imperio Zer^a Dengruil
seu filho, que se chamou Malac Sagued e reinou trinta e tres annos,
mas ainda que nSlo perseguio aos catholicos como seu paj, nSlo deu
nunca obediencia a Igreja Romana, porque, posto que no ahno
de 1576 mandou hum homem a India e depois no de 593 hum frade,
que se chamava Tacla Mariam a Roma por via do Cairo, e levava
carta do capitSo dos Portugueses por nome Antonio de Gois pera
Sua Megestade, e dos padres pera sua Santidade e pera o Geral
da Companhia, nSo escreveo o Emperador, nem pretendia unirse
com a Igreja Romana, senSlo ter aiuda de Portugueses contra os
Turcos e huns gentios que chamao Gallas, que molestavao muito
LIRO II, CAPITULO VII. 415
seu imperic, como o testemunhSo agora os Portugfueses velhos que
conheci2io muito bemsua natureza e entendiSo suas preteuQOes.
A este Emperador socedeo hum seu filho bastardo chamado
Jacobo, menino de 7 annos, pello que govenarao o imperio a em-
peratrix Mariam Sina e Athanateus seu genrro perto de 7 annos.
En este tempo nSo tratarSo de se unir com a Igreja Romana, an-
tes a huma carta que Ihes veio da costa de Melinde por terra dos
padres de s. Agostinho, em que os exortavao a que se unissem
com el Rei de Portugual, responderao que nao tinhao necessidade
mais que de alguns officiaes de diversos officios, e todos os grandes
forao de parecer que de nenhuma maneira admittissem Portugueses.
O anno de 1603 em majo entrei eu em Ethiopia, e avia pouco 6. Za Deng6l vero
T , , ^ , j • ct lacob quia volue-
que come<;:ara a govemar Jacobo, e logo em setembro o deposerao ^^^ Ecclesiae Ro-
f.i8i,y. *e mandarao preso aos confins do imperio a hum reino que chamao «»"»««€»« suttmque
"^ *^ ^ Impenum submitte-
Narea, e elegerao a hum seu primo, que se chamava Za Denguil, re imperio pariter
o que sentirao muito os Portugueses, porque, segundo me affirmavao, ^ ^** ^"^ *^^
era mui contrario as cousas de nossa santa fe, mas depois que as
entendeo por meio das disputas, que por muitos dias tive diante
delle com seus letrados, de que tenho falado muitas vezes, logo se
determinou de dar a obediencia a santa Igreja Romana e soieitarlhe
todo seu imperio ; mas nao teve isto eflfeito, porque, entendendoo os
seus vassalos, se levantarao os principaes contra elle e Ihe derao
batalha campal aos 13 de outubro de 604 e o matarao, como di-
remos no livro 4**, depois trouxerao a Jacob. E iuntandome muitas
vezes com elle, Ihe dei a entender tiossas cousas e deseiava tam-
bem unirse com a Igreja Romana, mas sem o poder fazer, o ma-
tarao em batalha a 10 de mar<;o de 607, E entrou no imperio hum
seu primo, que se chamava Susnios e agora se chama Seltan (^agned,
Com este tambem fui continuando muito tempo : mosti andolhe bem
a verdade de nossa santa fe, se determinou de a seguir e defender
ate morrer por isso, e dali por diante ate oie buscou com grande
fervor e diligencia todos os meios possiveis pera fazer que seus
vassalos aceitassem esta santa fe e obedecessem a Ig^eja Romana,
e nunca o pode acabar com elles, antes por esta causa o quiserao
matar muitas vezes, principalmente em majo de 617, como dissemos
no cap. 5 deste 2® livro.
Por onde nao ha duvida nenhuma senao que os Ethiopes vas-
salos do Preste Joao, de muitos tempos a esta parte, forao e sao oie
scismaticos desobedientes a santa Igreja Romana.
i^
4l6 HISTORIA DE ETHIOPIA
7«Bzdicti8ezplo- *Do que temos dito se ve bem claro quam pouca informaQao f. 182.
mentum quod Eccle- ^i°ha das cousas de Ethiopia frei Luis de Urreta, pois no cap. 5
sia Aethiopica sem- jo 2^ livro de sua Historla e no primeiro do 3® livro pretende pro-
per Pontifici Roma- ^ ^ ^j r- r-
no obsequens fuit et var que os Ethiopes em nenhum tempo forao scismaticos nem ne-
noschumatiaddicta' S^^^ '^ obediencia ao Pontifice romano, e em confirma^ao disto,
falando do tempo em que Francisco Alvares e o embaixador dom
Rodrigo de Lima entrarao em Ethiopia, que foi o anno de 1520,
dis assim pag. 449 : « Desde entonces acodieran a Roma, y el pa^oa
« Clemente 7** mando por breve particular que el Ar^obispo mas
€ antigno fuesse Abuna e Nuncio apostolico, que en todo tuviesse
« las vezes del Papa y, muerto aquel, sucedesse el mas antiguo y
€ viejo de edad, Confirmaron este cargo Paulo 3^^, Pio 5°, Gregorio 13«*,
« Systo 5® y mandaran estos summos Pontifices que se se ofFerecia al-
« gun negocio de importancia en el qual el Nuncio no se pudiesse
« determinar, entonces acodiessen a Roma polla declaracion y si no
« a Lixboa al Nuncio Apostolico, y no podiendo tanpoco acodir
« a Lixboa, fuessen a Goa, cuio prelado com los theologos de aquella
« ciudad resolviesse el Cciso y diesse la repuesta, dandolhe para
« ello todas sus vezes; y desta suerte se goviernan agora en la
« Ethiopia ».
Ate qui sam palavras do Autor; mas em Ethiopia nem ha Ar-
cebispos, nem Bispos, e o Abuna he sempre egypcio e o manda o
Patriarca de Alexandria, que reside no Cairo ; e depois que eu aqui
estou, conheci dous enviados por elle ; por onde, ainda que o papa
Clemente 7** passasse aquelle breve (se o passou) e o confirmassem
os demais sumos Pontifices que elle dis, o que saberao em Roma
S3 he certo, nSo teve effeito o que nelle se mandava, nem o podia
ter, pois nSo avia tais Arcebispos.
Semelhante a isto he o que diz pag. 616 que o emperador Mena
(que nao se chama senSo *Minas), que escreveo ao papa Pio 5^ e f.i82,v.
fes que todos os do gram Conselho tambem Ihe escrevessem com
muita sumissao e lagrimas, com grande christandade e religiao con-
fessandose todos por catholicos christaos filhos da Igreja Romana, e
iuntamente dandolhe de novo a obediencia e pedindolhe mandasse
o concilio tridentino. Mal podia o emperador Minas escrever estas
cousas a Pio 5**, poes, alem de ser tam cruel perseguidor da Igreja
catholica e enemigo de sua santa fe, como temos visto e veremos
compridamente no 3° livro, elle morreo no mes de fevereiro de 563,
e o papa Pio 5° foj eleito em janeiro de 566, e pello consegninte
LIVRO II, CAPITULO VII. 417
muito menos Ihe podia escrever Pio 5° a carta que o autor poem
pag. 578, que dis foi escrita em novembro de 570. Nem tem for^a
o que tras pag. 459 do embaixador do Preste JoSio a quem nomea
Zagarabo (que nSo se chamava senSio Zaga Qa Ab, que quer dizer
« gra^a do Padre »), que disse ao Rei de Portugual dom Joao 3° que
os Ethiopes dos principios da primitiva igreja conheciao e confes-
savao ao Pontifice Romano por primeiro bispo, e que ate aquelle
dia o obedeciao como vigairo de Christo. Nenhuma for^a tem isto,
porque, demais de que muitas cousas das que elle disse em Por-
tugual se acharao depoes muito diflFerentes, fecilmente mostrao os
Ethiopes que seguem as mesmas cousa^ daquelles em cuias ter-
ras se achao.
C. Bbccari. R^r, Aeik, Script, oec. sncd» — II . 53
CAPiTULO vm.
Bm que se declara como os Bthiopes se circuncid&o,
guardao sabbado
e outras ceremonias judaicas.
Huma das cousas a que mais afferrados estdo ate oie os Ethio- >• Aethiopes» in
t. . . . ^ ^ ,- j. circumcisione ezee-
pes he a circumcisao, tanto que, como elles mesmos dizem, se quenda,euntten«cl8-
entre elles ficassem alfifuns sem se cincuncidarem» os teri^lo por «»*-Auctor, publi-
^ '^ C18 et privatia dispu-
f. 183. gentios "'e assim chamSio por grande iniuria colafa, que quer di- tationibus,eamChri-
zer incircunciso, e quando comprao escravos gfentios, em quanto os esse SenKMurtrat* »S
nao circuncidao, nao comem de nenhuma maneira nos pratos em P*""» proflcit.
que comem os escravos, nem bebem pellos pucaros que elles be-
bem, sem primeiro os benzer algum sacerdote ou pello menos os la-
varem muito bem, porque Ihes parece que ficao contaminados.
Circuncidao aos 8 dias os meninos e algumas vezes as meni-
nas ordinariamente em casa de seus paes, e comummente fazem isto
molheres, e quando Ihes perguntamos porque o fazem, pois a cir-
cuncisao he ia acabada, huns respondem: porque assi o acharao de
seus pais, outros que por fermosura e outros que porque assim o
manda a lei, e dizendolhes a estes que assim se circuncidao porque
o mandava a lei, nao Ihes aproveita nada Christo, que isto quer
dizer que ainda nao veio, pois a circuncisao era sinal de que avia
de vir, Genes. 17, e assim os que se circuncidao estao obrigfados a
420 HISTORIA DE ETHIOPIA
comprir toda a lei, como dis sam Paulo ad Galat. 5, respondem
que tambem ali dis sam Paulo que nem a circun^isao val nada nem
o preputio senSo a fe que obra por charidade, por onde nSo he
nada circuncidaremse. A esto Ihes acodi com que se fora esse o sen-
tido daquelle luguar, em poucas palavras se contradizia o Apostolo
dizendo: « Se vos circuncidais, nSo vos aproveita nada Christo »; e
logo : « Nao he nada circuncidarvos » , o mesmo he que dizer : « Nao
podeis circuncidarvos » e: < Podeisvos circuncidar >. O que ali pre-
tende sam Paulo he desenganax aos Galatas, que sendo de casta
gentios, depois de se converterem e ser pubHcada a lei de Christo
Nosso Senhor, punhao sua esperancpa na guarda da circuncisao e ce-
remonias da lei, parecendolhes que sem isto nao bsistava a gra^a
pera a salva^ao, e declaralhes que nem a circuncisao nem o pre-
pucio val nada pera esta esperanc^a, senao a fe que obra por cha-
ridade, porque a esperanga da salva^ao nao vem da circuncisSo nem
do prepucio, senao da fe com obras, que sem estas tambem ella
he morta, como diz s. Thiago c. 2.
*Ouvindo estas cousas e vendo que nao tem que responder, se f.i83,v.
acolhem a que o fazem por fermosura ; ao que Ihe respondemos que
esta escusa nao he bastante pera poderem fazer huma cousa, de que
tanto se escandalizao os mais christaos e tam seriamente prohibe
sam Paulo em tantas partes e prohibirao os Apostolos naquele
celebre concilio que fizerao em Jenisalem que se refere nos Actos
dos Apostolos cap. 15. Com estas e outras cousas que Ihes trazemos
em disputas gerais e praticas particulares, vierao muitos a confessar
que era certo nao se poderem circuncidar, e alguns deixao ia de
circuncidar seus filhos e escravos, que comprao gentios, e entre elles
o Emperador, que, nascendolhe hum filho e tres ou 4 netos, depois
que ouvio nossa doutrina, mandou que os nao circuncidassem e as-
sim os deixarao. Msts os outros estao tam duros que de nenhuma
maneira podemos acabar com elles que deixem a circuncisao.
fl. Sabbatum intcr Guardao tambem os Ethiopes comummente o sabbado, e muitos
festoB dies habent et « ,. . ^ ^ n
aliascaeremoniasle- "^^ frades com tam grande observancia e ngor que parece que an-
gis xudaicae passim tes se deixarao matar que quebrallo. Comecao a guarda delle 6* feira
observant maxime
monachi. Za Deng6l a tarde como os Judeos e alguns em todo aquelle dia nao saiem
t^^^^^ir^t ^^ ^^^^s casinhas muito pequenas, que tem dentro da varanda que
nint. ordinariamente facem a roda da igreja, nem falao com ninguem de
nenhuma maneira ate a tarde que vao a comer ; e particularmente
em hum mosteiro de muitos frades, que se chama Bisan e esta
LIVRO II, CA.PITULO VIII. 42 1
como hum dia e meo de caminho do porto de Ma^ua, comem came
6* feira a tarde, porque dizem que ia entrou a festa do sabbado,
e a sua imita^Slo a comem tambem (segundo dizem) os moradores
da provincia de Amacem e os das demais terras que estSo perto
do Mar Roxo. E quando eu entrei em Ethiopia, nas primeiras di-
sputas que tive com os letrados diante do Emperador Za Denguil,
a primeira cousa que me perguntarao foj, porque nao guardavamos
sabbado. Respondi que por que o sabbado era principal ceremo-
nia judaica e a principal figura do Testamento Velho, como de-
f. 184. clarou s. Paulo ad Colossen. *cap, 2°, e como com a vinda e
morte de Christo N. S.°' se acabarao as ceremonias e figuras do
Testamento Velho, nfto se podia g^ardar o sabbado, e por esta
causa reprendia s. Paulo severamente aos Colocenses e aos Ga-
latas nas epistolas que Ihes escreve, porque guardavao o sab-
bado: e referindolhes estes luguares e os mais do sagrado Evan-
gelho, com que se mostra que tudo isto he acabado, e declarandolhes
as rezOes porque a santa Igreia gnarda o domingo em lug^ar do
sabbado, vierao alguns delles a confessar que era certo nao se
poder gnardar, e o emperador Za Dang^il, que era de grande
entendimento, mandou lan^ar pregao que ninguem guardasse sab-
bado dali por diante, e ia o comegavao a quebrar particularmente
na corte; mas como pouco depois o matarao, tomarao logo a seu
antigo custume, ate que entrou o Emperador que oie vive, que, en-
tendendo nossas cousas, lanijou tambem pregao que ninguem o gnar-
dasse, e muitos trabalhao ia nelle, e se nao fora poUo mao exemplo
e doutrina dos frades, ia se ouvera de tirar de todo a guarda do
sabbado, porque estes metem em cabe^a a gente do povo, que tem
obrigagao de o guardar, tanto que por esta causa ouve ha pouco
tempo hum grande alevantamento contra o Emperador, como di-
remos no fim do livro 4*^.
Nao somente se circuncidao os Ethiopes e guardao sabbado,
como temos dito, mas deixao de comer algumas cousas que prohibia
a lei, como lebre, coelho, e mostrao grande adversao aos Portugue-
ses, porque ouvirao dizer que comiao, e ainda que alguns comem
porco do mato e peixe que nao tem escama, estes sao poucos ; os
demais, principalmente frades, por nenhum caso o comem.
Tem por immundas as molheres paridas ate 40 dias, pariendo
filho, e 80, sendo filha, e nesse tempo nao podem entrar na igreja
f.i84,v. nem as *menstmas nem ainda os casadosque se iuntarao de nojte
422 mSTORIA D£ £THIOFIA
podem entrar o oiitro dia na igreja. £ se acerca de morrer algfam
delles pouco depoes e ootro o discobre, ii2U> o enterrao na igreia
senao no adro; e mnrmurao moito dos Portugneses pera qne nao
gnardao estas consas.
3. fUne ■equttnr Daqui se ve qnam falsa foi a informa^ao que tev^e finei Luis
f«eAeffaiopcstiidal» ^^ Urreta, pois, querendo defender aos Ethiopes do que delles temos
cae tnpetwtMeoemt refendo, por fim de muitas rezOes que se puderao bem escusar, dis
ooftftln Roiiimmiiii
Pffintiflmin, dete- pag. 473. c £n el puento que los Summos Pontifices les han man-
« dado qne no hiziessen semeiantes ceremonias, al instante baxaron
« sus cabe^as e obedeceron los mandados apostolicos, de suerte
€ que no se circuncidaran mas, ni guardaran el sabado >. £ pouco
mais adiante falando da came de porco diz assim: « Hanse con-
« formado en todo con la Iglesia Romana y agora la comen y les
< ha entrado en tan buen provecho que lo tienen por la mas
€ sabrosa comida y de maior codicia, y es de suerte qne la dan
« tambien a los enfirmos y no pnrgan nig^no que no sea dandole la
< comida de puerco ; y es la razon por que como es came humida
« es mas acomodada al tiemple seco de aquella tierra, y tambien
« porque sustentan este ganado de serda con datiles, porque alla no
« hai bellotas ».
Isto diz o Autor, mas tudo he muito contrario a verdade do
que qua passa, porque nem ha datiles, nem a came de porco ddo
aos doentes, nem ainda os s2los a podem ver de seus olhos, senfto
alguns que somente comem a que he do mato. Nem sobre deixar
a circuncisSio e guarda do sabbado obedecerSlo nunca os manda-
mentos apostolicos, porque sempre se circuncidar^o e ate oie guardao
o sabbado, como temos dito.
^Deixo que tambem nSio se pode admittir a doutrina que tras f. 185.
pag. 467, onde pera escusar esta circuncis2lo dos Ethiopes, dis que
se podem circuncidar por deva^ao e por se assemelharem a Christo,
como nSo aia respeito a lei de Moyses nem escandalo. Isto nSlo se
pode admittir por alem que elles sabem muito bem que os Portu-
gueses se escandalisSo, e com tudo isso nSlo deixSLo de se circun-
cidar. Ninguem pode por deva^ao fazer o que esta prohibido por
alguma lei divina, porque entao nSo sao obras de deva^ao, senao
peccados e oflFensas de Deos, que se nao muitas vezes nos fora li-
cito quebrar a lei dizendo que o fazemos com certa devagao a Deos,
o que nao pode ser ; e assim quando Saul se escusou que offerecera
sacrificio, nao s6 por devacjao, mas for<?ado da necessidade, o re-
LIVRO II, CAPITULO VIII. 423
prehendeo gravemente o profcta Samuel i^ Reg. 13, e disse que
porque nSio guardara os mandamentos de Deos, passaria seu reino
a outro. E outra ves que por deva^ao guardou os melhores animais
dos Amalechitas pera os sacriiicar a Deos, Ihe disse Samuel, cap. 15:
Por ventura quer o Senhor holocaustos e victimas ? e nSo antes que
se obede^a a vos do Senhor[?]. Milhor he a obediencia que as vi-
ctimas. De maneira que por nenhuma deva<;ao se podem quebrar os
preceitos de 'Deos, e assim nao se pode dizer que Ihe he licito aos
Ethiopes circuncidaremse por deva^ao.
Ja que falamos sobre esta materia, me pareceo dar aqui tam- 4* Auctor digredi-
bem noticia de huma nova seita que se levantou em Ethiopia, cuios 3^ historiam cuiua-
seffuidores se circuncidavao e ^ardavao sabbado a honrra do Padre *^°*, naonachi Za
^ ^ Chri8t68, qui ae alte-
e domingo a honrra do Filho e 2* feira a honrra do Espirito Santo, rum Messiam esse
todos tres dias con gfrande solemnidade, e usavao de outras muitas ctam"Si^d?u* ^
ceremonias judaicas, que Ihes ensinou hum frade que se chamava l>cng*lf cum noUet
.__,., ,. , ^, . , . ,. reaipiscere, illum
f.i85,v. *Za Chnstos, que quer dizer «de Chnsto^; mas depois disserao seus capite damnavit.
dicipolos que nao se chamava senao Ze Christos que quer dizer o
mesmo Christo. E no anno de 1 602 sahio dizendo que elle era Chri-
sto verdadeiro Messias, prometido na lei e aiuntou doze companhei-
ros a que chamava Apostolos e pos os mesmos nomes dos de Chri-
sto N. S.°', e disse que avia de morrer crucifigado e resucitar ao
terceiro dia coni outras muitas cousas. Sabendo isto o emperador
Za Denguil, o mandou prender e nao querendo desistir de tam per-
verso engano, Ihe fes cortar a cabe<;a no principio de 604, pera que
vissem que nao morria crucificado, e mandou que guardassem o corpo
7 dias sem o enterrarem, porque nao dissessem que resucitara ao
3° dia como tinha prometido, e queria que matassem tam bem seus
dicipolos, mas os grandes Ihe pedirao que os deixasse, que aquelle
os enganara, e que ia conheciao seu erro e estavao arrependidos,
pello que Ihes perdoou; mas ainda que dissimularao por algum tempo,
depois se forao a hum reino que chamao Amhara e a provincia
de Olaca, e perveiterao muitos dizendo que aquelle era Christo e
. que resucitara e Ihes aparecera muitas veses e mandara que guar-
dassem sabbado, domingo e 2^ feira, como dissemos. E as fazendas
dos que se aiuntavao com elles erao commuas como no tempo da
primitiva igpreia. Isto me contou o emperador Seltan Sagued e dis-
selhe que era necessario por logo remedio e que fora bem mandalos
trazer a todos e repartilos pellos mosteiros, pera que Ihes mostras-
sem quam errados hiao e os ensinassem ; mas elle nao o pode fazer
424 HISTORIA DE ETHIOPIA
por andar muito ocupado com os que se levantarao contra elle,
porque defendia nossa santa fe, como assima dissemos cap. 405;
*e vierao aquelle a proposito estas revoltas, porque como nSo acharao f. 186.
quem os contradissesse, ensinarao publlcamente seus erros e na pro-
vincia di Olaca dedicarao a seu mestre tiuma igreia de hum mo-
steiro grande, onde se iuntarao muitos frades e freiras de diversas
partes (que ellas andao qua por onde querem). Tambem forao mui-
tos casados com suas molheres e filhos e diziao que hiao a serem
santos e como chegavao se punhao os homens iuntos em huma
parte e as molheres na outra.
5. Bius asseclae Sabendo o que passava Eraz Sela Christos irmao do Empera-
eum ad vitam rediis- , ^ 1. • • j ^i » -n»^
se asserentes multos "^^' ^^® governava tambem a provincia de Olaca, escreveo ao Em-
eplebeadsuaspartes perador como dquilo hia em grande crecimento, e respondeo que
traxerunt. Auctor et
Abba FecAr Eg«i in- mandasse logo pessoa que os pudesse convencer de seu erro com
cassum laborant ut ^^ Escrituras, e se ultimamente nao se quisessem reduzir, os casti-
eos a 8UI8 erroribus ' ^ '
revocent. Tunc Im- gasse com rigor. Emviou elle entao hum homem muito nobre de
submittere iubet. Ex grande entendimento e bem visto nas Escrituras, que se chama Fe-
his ahquot, vesano ^,^.3^ Efifzi, e ha muito tempo que se reduzio a nossa santa fe, e
aestu perciti, ez al- ° ir -x
tissima rupe cum prendeo muitos, mandou dous daquelles frades a Eras Sela Christos
uzoribus et filiis ^- ^ • x* • j i. «
praecipites se dede- P^^a que tivesse mais noticia de suas cousas, e como chegarao, nie
runt; reliqui nume- mandou chamar a sua casa, que assertei de estar la sobre alguns
rupe a militibua de- negocios, e disseme diante de muitos frades e senhores grandes, que
*' pera ouvir tam grande novidade se tinao iuntos; que Ihes declarasse
quam cegos e errados andavao. Pello que Ihes comecei logo a provar
poUas Escrituras como Christo N. S.**' era verdedeiro Messias, e
nelle se cumprirao todas as cousas que do Messias estavao profe-
tisadas. Responderao elles que nao negavao ser Christo N. S.°^ ver-
dadeiro Messias, mas que elle mesmo tornara outra ves a tomar
carne iuntandoa a primeira e morrera por nos. Pergunteilhes em
que luguar da Escritura acharao que Christo avia de tomar duas
vezes carne e morrer duas vezes, e como estavao iuntas aquell^s
duas carnes. *Responderao que elle mesmo o dissera a seus doze f.i86,v.
dicipolos (que estes dous nao erao daquelles, senao dos que se Ihe
iuntarao depois) e que a Deos nao avia cousa impossivel ; que ainda
nos vestimos duas vestiduras quando queremos. Disselhes que como
em cousa de tanta importancia davao daquella maneira credito as
palavras de hum homem, de que nenhuma escritura falava, nem
fazia obras por onde se Ihe pudesse dar credito ; que ainda Christo
N. S.^^ com fazer obras tam maravilhosas, dizia que considerassem
LIVRO II, CAPITULO VIII. 425
as Escrituras, que ellas davao testemunho delle ; e que me dissessem
se a doutrina que nos ensinara era verdadeira. Responderao que
nemhuma cousa podia faltar, porque era filho de Deos. « Poes elle
mesmo (disse eu), porque sabia que avi^o de soceder estas cousas
semelhantes, nos preveo no sagrado Evangelho, Math. 24, dizendo
que olhassemos nao nos enganasse ningnem, porque muitos aviao
de vir em seu nome dizendo : ' Eu sou Christo ', e enganariao mui-
tos, e que se algnem nos dissesse: * Aqui ou ali esta Christo', nao
o cressemos ».
Com estas e outras cousas que Ihes trouxe, e deixo por nao
ser comprido, vierao a confessar seu engano e affirmarao que ainda
pdmeiro tinhao alguma duvida naquellas cousas, e que ia que Deos
N. S.**' os alumiara, estavao aparelhados pera toda a penitencia que
Ihes quisessem d«ur. Respondi, que, se diziao aquilo com verdadeiro
arrependimento, tinhao certo o perdao, porque Deos nao quer a
morte do peccador, senao que se converta e viva e em qualquer hora
que tiver dor de seus peccados nao se lembrara mais delles. E como se
afastarao, adverti a Eraz Sela Christos, que nao estivessem iuntos, se-
nao en differentes mosteiros, e que os nao deixassem falar com gente
de fora ate os terem bem instruidos e ver se estavao firmes no que
diziao.
f. 187. *Poucos dias depois disto veo Fecura Egzi e me disse que
aquelles doze dicipolos do que se fazia Christo meterao em cabe^a
a muitos que verdadeiramente o era, e que esta 2* ves tomara came
do povo gentilico pera o unir com o judaico, e que resucitara e
falara muitas vezes com elles, mas que huns diziao que a primeira
carne que tomara do povo judaico nao tornara a morrer agora, ou-
tros que tambem morrera com a 2*; e que trabalhara muitos dias
com elles pera os reduzir, mostrandolhes as Escrituras e dandolhes
muitas rezOes, e nao tendo que responder, se fechavao em que o
que aquelle Ihes ensinara era a verdade, que nao aviao de admittir
outra cousa de nenhuma maneira ; pello que ultimamante Ihes disse
que, se nao deixassem tam parvo e grosseiro erro, os avia de mandar
botar por huma rocha abaixo, que esta perto daquelle mosteiro, e
nenhum caso fizerao disso, e pera ver se chegando la tinhao medo,
mandou que os levassem.a todos, e muitos delles se puserao no
mais alto e disserao : Se nos quereis deixar estar em nossa fe, fica-
remos nella, e se nao, botamos hemos daqui abaixo. Respondeo
elle, que se determinassem em aceitar a verdade que Ihes tinha
C. BsccAAi. Rtr. Agih, Scrt^i, stud, oec, — II. 54
426 mSTORIA DE ETHIOPIA
mostrado, se nSlo que sem falta os avia de fazer botar. Ouvindo
elles isto, tomarSo alguns meninos iilhos seus, que estavSio perto,
e antes que Ihes pudessem valer, os langarSio poUa rocha abaixo e
se botarao logo a pos elles, fazendose todos em peda<;os.
Vendo elle hum desatino tam grande, se chegou aos outros com
muita pressa e lan^andose a seus pes com grande sentimento, Ihes
pedio muito que nSio porfiassem naquilo, que perderiao suas vidas e
almas, que era grande engano do demonio ; mas [por] nenhuma cousa
se moverao, nem depois aproveitarao seus rogos, nem os de muitos
frades, que pera isso fes vir *de outras partes; pello que mandou f.i87,v.
que os langassem poUa rocha e forao por todos 488 os que morre-
rao entre homens e molheres, e huma dos que por sua vontade se
botarao, acertou a cair por parte menos alta, e assim nao morreo,
ainda que ficou quasi pera isso, e trazendoa assima Ihe disserao
como nao tinha medo de se botar por aquella rocha tam alta pera
fazer em peda<;os o corpo e perder a alma[?]; a que respondeo que
ella nao via rochas senao camas muito fermosas pera se deitar, e
assim a deixarao pera ver se, com o que tinha exprimentado tanto
a sua custa que aquellas nao erao camas, senao duras pedras, aca-
bava de entender como tudo era engano do demonio e se reduzir.
E dizem que ainda ficao outros muitos incubertos e que com muita
dificuldade se ha de acabar de apagar este fogo.
r
CAPITULO IX.
Em que se trata dos erros que os Ethiopes
tem no sacramento santo do Baptismo.
Pois temos ia vistos os erros que os Ethiopes tem nos ar- i. Plerique inter
^. j.r#»i_ r« 4- ^ Aethiope» iiivalide
tigos da santa fe, sera bem referir agora os que tem nos santos baptisantur, quia sa-
Sacramentos, comecando poUo do santo Baptismo, pois he o pri- cerdotcsinbaptisma-
^ tc non utuntur sem-
meiro de todos e principalmente foj instituido pera que nos fosse per verbia a Chrlato
perdoada a primeira culpa do peccado original e consegfuintemente S^^^res*' nonnUii
nos he porta pera entrar na igreia de Christo e participar dos de- po« 40 et faeminae
po8t 80 dies bapti-
mais sacramentos. Neste guardflo alguns dos Ethiopes quando bau- santur, etsi viu pe-
tizao a verdadeira forma mas os mais, e ainda frades, bautizam sem riditenmr. Apostatia
conversis iteratur ba-
a saber ; porque perguntando a caso, pouco tempo ha, a huns frades, ptisma.
que estSlo como mea legoa da corte, que por esta causa parece
aviSlo de saber melhor ainda cousas mais difficultosas, que palavras
diziao quando bautizavam, responderSo que estas: #Eu te bautizo no
f. 188. Spirito Santo» ; *e dizendolhe como faziao huma cousa tam grave
como esta, porque nao diziao as palavras que Christo N. S.®' man-
dou no Evangelho, responderao, que porque ningnem Ihes ensinara.
E perguntando mais de proposito estas cousas, me affirmarao que
ordinariamente usam desta e outras formas nam verdadeiras, e par-
ticularmente nas terras que governa Bahar Nag^x avia muitos que
bautizavao sem dizer enteiramente as palavras. Nem me maravilho
428 HISTORIA DE ETHIOPIA
muito disto, porque ainda na corte do Emperador, pouco tcmpo ha,
em huma de suas principais igrejas bautizando hum frade a hum
mocjo gentio disse : < Eu te bautizo no nome do Padre e do Spirito
Santo», e dizendolhe o padrinho, porque nao nomeava tambem o
Filho, respondeo rindo, que aquilo era de Portugueses, que o nao
avia de nomear.
Bautizao os meninos aos 40 dias e as meninas aos 80 e sempre
o fazem sacerdotes e, tirando algiins frades letrados e outros secu-
lares, que, poUa comunica^ao que tiverao com os Portugueses anti-
gos e o que de nos tem ouvido, bautizao as criangas em qualquer
tempo que estao em perigo de morte, os demais de nenhuma ma-
neira os bautizao antes daquelle tempo, ainda que morrao ; e ordi-
nariamente nao poem oleos santos, senao hum liquor que tirao do
pao do zambugeiro, que cortao muito meudo e metendoo em huma
panella com buracos no fundo Ihe poem fogo em sima e recolhem
em baixo o que se vaj instilando por aquelles buracos e a isto cha-
mao Zeite, e com elle ungem os meninos que bautizao. Tambem
se algum se fizer mouro ou idolatrar com os gentios, nao hao de
tornar a o admitir na ig^eja, sem primeiro o bautizarem e ainda
os christaos que cativao os gentios, porque comerao e beberao com
elles, quando tornao, os bautizao.
2. Quotaxmis in *Todos os annos se rebautizao dia da Epifania em memoria f.i88,v.
nes^^in^Muis flumi- V^^ aquelle dia se bautizou Christo N. S.**"^ no Jordao e, segtmdo me
num a prcsbytcris affirmarao, dizem a forma do sacramento e o tem por verdadeiro
iterum baptizantur. ,_.,.. ,
Ritus qui in hac re bautismo, e assim bautizao ali luntamente algumas vezes aos me-
passim uaurpantur. j^jj^^g q^^ nunca se bautizarao, quando naquelle dia se Ihes acaba
o tempo em que custumao de os bautizar. Nem me contentei com
pergnntar a muitos como faziao esta festa e as ceremonias que nella
usavao, senao que escrevi como me foj dizendo o Abbade de hum
mosteiro meu amigo que fas este officio cada anno desta maneira.
Os que nao estao perto de alguma lagoa, fazem tapar as ribeiras,
de modo que fique a agoa represada quanto basta pera chegar aos
peitos a gente, que se ha de bautizar ; e a vespora da festa, como
duas ou tres horas antes de se por o sol, vaj la o Abbade com
seus frades e clerigos, levao crus e pedra dara e os livros por onde
custumao a fazer seus officios na igreja, e como chegao, poem a
pedra dara em hum altar de madeira que tem aparelhado dentro
de alguma tenda ou ramada que fazem perto da agoa, e revestin-
dose alguns frades com os mais ricos omamentos que tem na igreja,
IIVRO II, CAPITULO IX. 429
toma hum diacono a crus em huma vara comprida e cantando e
encensando plantflo o pSo em que esta a crus dentro da agoa pera
a parte onde entra na preza e logo cantSio os psalmos e outras cou-
sas e lem enteiramente os Actos dos Apostolos e Evangelho de
s. Matheus ou de s. Marcos ; e ainda me disserSlo que em algumas
pcirtes liao todos 4, come^ando o primeiro com o rosto pera o
oriente, e o 2^ pera o occidente, o terceiro pera o norte, e o 4** pera
o sul. E nisto gastdo a tarde ate a nojte e tirando a crus a poem
rio altar e se recolhem em alguma tenda ou ramada onde ceSo a
seu modo splendidamente.
Passada meia nojte. se alevantao e acendendo candeas cantao
seus officios como acustumSo na igreja em as festas grandes, e dizem
missa seca com musicas a seu modo e entretanto so confess^o os
f. 189. que a tarde *dantes nEo se poderSo confessar dos que sSo mais
devotos, que os outros nao fazem conta disso. E come^ando a sair
c sol, se chegao todos os frades e clerigos a borda dagoa e o Ab-
bade, ou frade, que em seu luguar fas o officio poem oleo na crus
e logo tocando com ella na agoa fas crus dizendo : « No nome do Pa-
dre, do Filho e do Espirito Santo hum Deos > ; e tomando a fazer
crus dis : « Hum Padre santo, hum Filho Santo, hum Spirito Santo » .
Feito isto, entrega a crus a outro e elle se despe de todos seus ve-
stidos, tendo diante hum pano a modo de cortina em quanto entra
dentro da agoa e seguenno dous sacerdotes ate chegar onde Ihes
da agoa pellos peitos e pondoo no meio estende cada hum huma
mao sobre sua cabe^a, sem Ihe tocarem nella e dizem:«Eute bau-
tizo no nome do Padr e, do Filho e do Spirito Santo » e elle mete
a cabe^a tres veses dentro dagoa, e depois bautiza elle aquelles
dous dizendo as palavras. Entretanto estao todos os outros sacer-
dotes dentro da agoa cantando e dando com huma mao na ou-
tra em sinal de festa, e logo hum bautiza o outro repetindo a forma.
Outros dizem que aos sacerdotes nao dizem a forma, senao que
s6 se mergulhao na agoa, mas aos diaconos e seculares, homens e
molheres, Ihes poem o sacerdote a mao na cabe^a e os fcis mer-
gulhar tres vezes dizendo a forma do bautismo.
Quando nestes bautismos gerais se bautizao os Emperadores
(que nunca o deixarao de fazer senao he este des do anno de 1609,
depois que Ihe mostrei como se nao podia rebautizar), punhao huma
tenda na borda dagoa e o Patriarca os bautizava dentro do tanque,
entrando com hum pequeno pano cingido polla cinta, e todos os
430 HISTORIA DE ETHIOPIA
demais entrao nus« Francisco Alvares dis fol. 121 que vio isto e
que se comega o bautismo a meia nojte, mas parece quo o fizerAo
por Ihe mostrar mais aparato, ou porque ouvesse tempo pera po-
derem bautizar toda a gente, que devia de ser muita. Mas agora nflo
comeQ&o senSlo em saindo o sol e, se he tanta a gente que n2Lo po-
dem bautizar a todos por ser tarde, dizem aos que ficao : c Damovos
licen^a porque vos bautizeis. Entrej : chegevos o Bautismo » ; e logo
todos iuntos entrao na agoa *e se dao por bautizados. E se por f-i89,v.
alguma causa ficarao algxins sem se bautizar naquelle dia, se bau-
tizao dali a 10, em que tambem fazem grande festa, porque dizem
que naquelle dia morreo Nossa Senhora e que aos 19 de agosto
subio ao ceo. E porque a todos aquelles des dias de pois do bautismo
chamao Astareo, que quer dizer caparecimento», porque apareceo o
Spirito Santo em figura de pomba sobre Christo N. S.***^ , quando se
bautizou, por isto ao glorioso transito da Virgem chamSo tambem
Astareo Mariam. Nem se contentao com se bautizarem neste dia ou
no da Epifania, senao que muitos, que se querem mostrar mais de-
votos, se bautizao tambem na igreja dia da Resurrei^ao de Christo
N. S.^' ; e a agoa com que os han de bautizar tem posta dentro na
igreja toda a somana santa.
3. Auctor publice Sobre esta materia falei muitas veses com os letrados de Ethio-
ct privatim demon- . - j-^j joi^ojii.
strat ex N. T. Sacra- P^^L e algumas diante do emperador Seltan Sagued e Ihes provei
mentum Baptismatia compridamente com s. Paulo, com os Concilios e com rezOes fun-
non posse iterari, sed
pauci persuadentur. dadas na Escritura como se nao podem bautizar mais que huma
s6 ves, principalmente com aquelle luguar ad Hebraeos 6®: «Non
rursus ia^entes fundamentum etc. > ; onde diz claramente o Apostolo
que ao que pecou depois do bautismo, nao Ihe \sic\ licito tomarse a
bautizar, nem ao que pecou depois da confirma^ao tornarse a confir-
mar, porque estes sao fundamentos que nao se podem lan^ar mais
que huma so ves. Tambem Ihes perguntei se este bautismo geral, de-
que usao cada anno, era verdadeiramente bautismo como o que re-
cebe legitimamente o que nunca se bautizou. Responderao que sim.
« Pois dahi, disse eu, se coUige que fora falso o que Christo N. Se-
nhor affirmou por sam Matheus c. 18 e por sam Joao 20: * Amen
dico vobis, quaecumque alligaveritis super terram ecc.', porque se
hum peccador se for confessar hum pouco antes daquelle bautismo,
por mais que o confesor Ihe negne a absolvigao, nao aproveita
nada, porque ira logo a se bautizar e ficara perdoado de tudo e
do melhor condigao do que se o absolvera, porque fica novo; o que
LIVRO II, CAPITULO IX. 43 1
se nSlo pode alquan<;ar pella penitencia como dis sam Paulo ad
f. 190. Heb. 6, dizendo: * * Impossibile enim est etc. renovari ad poeni-
tentiam', idest novum fieri, como explica sam Chrysostomo » .
Ouvindo estas cousas, responderSo algnns que o faziSlo pera
lembranga que erao bautizados. « Desta maneira, disse eu, tambem
os sacerdotes se podem ordenar cada anno pera se nao esquecerem
que sSo ordenados. Os judeos nao se esquecem de que sao judeos,
nem os mouros de que o sao, e os christaos se hao de esquecer
de que estao bautizado? Quando alguns forao tam faltos de me-
moria, bastavalhes pera se lembrarem disso verem bautizar tantos
meninos e elles confessar e comungar tantas veses profesando que
sao christaos. Nao he boa escusa essa pera defender cousa tam
grave, como he rebautizarse, pois, falando sam Paulo contra alguns
que o queriao fazer, dis que he como tornar a crucificar a Christo,
porque em quanto he de sua parte o tomao a crucificar, * rursus cru-
cifigentes etc. ' > , ^ Hebr, 6*^.
Com estas praticas e as que muitas veses tiverao com elles os 4. Urreta proinde
Padres meus companheiros sobre a mesma materia, deixarao ia «^lnem 'eaptiamn
muitos de se rebautizar, mas outros o fazem, como temos dito. Do ^^ *P^<* Aethiopes.
que se ve quam sem rezao dis frei Luis de Urreta pag. 486 que
Ihes impunhao aos Ethiopes que se rebautizavao cada anno dia da
Epifania, e que Francisco Alvares, que affirma que vio o bautismo
e que diziao a forma deste sacramento, que se enganou, por nao
entender a lingoagem, que nao diziao senao certas ben^Oes e ora-
90es com que benziao a agoa da alagoa. Mas a verdade he que
demais dessas ben^Oes dizem a forma do sacramento do bautismo,
quando ali bautizao.
CAPITULO X.
Do santo sacramento da Confirma^ao e Extrema Un^ao
e do da Penitencia.
Juntei neste capitulo todos estes santos sacramentos, porque i. Aethiopes non
dos dous primeiros tenho pouco que dizer, por nSo usarem delles confirmationt™*'^ et
os Ethiopes de nenhuma maneira, nem do da ConfirmaQao pude E«remae Uncttonis,
neque horum ullibi
achar quem me dissesse se em algum tempo tiverao noticia delle, in libris sacris Ae-
f.i9o,v. porque dizem quc nem em seus livros se trata *disso, nem elles *op**« ^* mentio.
sabem que cousa he. Nem me maravilho muito desta ignorancia,
porque, ainda que Christo N. S.°' instituio este santo sacramento
como consta de s. JoSo cap. i6 e 20, onde aos Apostolos Ihe pro-
meteo e deo o Spirito Santo e os Apostolos usarSlo delle, ainda
que no principio da Igreja, por especial comissao ou despensas-
sao somente pondo as maos sobre os bautizados, com isso rece-
biao o Espirito Santo como se dis AcL 18 e 19, porque entao
era assim necessario pera afFei^oar a f e e confirmala, e depois da
Igreja ia fundada sufficientemente que cessou aquelle modo extra-
ordinario de vir o Spirito Santo, usarao ungir com chrysma, como
ordinario modo instituido por Christo pera confirmar os fieis, com
tudo isso penetrao os Ethiopes tam pouco as Escrituras que ainda
outras cousas muito mais claras, que nellas ha, nao as entendem, e
os mais delles sao tam pouco studiosos que, com serem os seus li-
vros muito poucos, nao sabem o que esta nelles; e assim muitas
veses porfiao contra alg^mas cousas nossas, que tambem seus mes-
C. Bbccari. R*r, Atth, Seripi, occ, ined, — II. 55
434 HISTORIA DE ETHIOPIA
mos livros ensinSo: niais he de maravilhar que nao usSo do sacra-
mento da extrema un^So, maadando sam Thiago em sua epistola
c. 5 que se de, por estas palavras que muitos delles sabem de cor:
« Infirmatur quis in vobis ecc. » Onde mostra bem o Apostolo ser este
sacramento instituido por Christo como os demais, pois tam reso-
lutamente affirma que Ihes serSo perdoados ao doente seus pecca-
dos. Tambem me certificou hum frade que em hum de seus sinodos
sc mandava ungir aos enfermos, ainda que nSo se usava, nem sabia
so se usara nunca.
De PoeaitcDtiae Vindo ao sacramento da Penitencia, crem os Ethiopes que o
i. que depois do bautismo pecou mortalmente esta obrigado a a fazer
Sacrameato
tuTraro.Peccauple- e reconciliarse com Deos por meio da confissao, e assim alfnms se
nque conBtenmr ge-
nerice, vei per aum- contessao a meude, amda que outros o fazem muito tarde e alguns
?'".j£.j^'..'^!^^JL^ nunca, e se estuvierem muitos annos sem se confessarem, nSo Ihes
•acerdottbua laterro-
ganiur. Fornicatio- perguntao seus vigairos porque o deixao de fazer, Quando se chegao
habent ut peccata. a confessar, nao come^So pella confissao: «Eu peccador etc», nem
dizem outra cousa nenhuma mais que: < Padre, pequei, solteme*.
que he o mesmo que < absolvame > .
Alguns confessores perguntao ao penitente *de que o ha de f. i
absolver, e elle dis dous ou tres peccados como menti, quebrei a
festa ; e elle o absolve, ainda que Ihe fiquem outros muitos, nem de-
clara ordinariamente quantas veses cometeo o pecado que confessa,
nem Ihe perguntao por isso ; e alguns absolvem sem declarar nada
mais que dizer : Pequei, pequei. Tambem dizem que algumas veses
vem muitos iuntos e, chegando ao sacerdote pedem, absolvi^ao e di-
zendo todos : Pequei. pequei, Ihes manda rezar alguma cousa e dis a
todos iuntos a forma da absolvipao, a qual nam he verdadeira forma.
A fomicaijao simples nao confessao os mais delles, porque nao a tem
por pecado, tanto que muitas veses se consertao os que nao sao
casados pera estarem por algum tempo iuntos, e vao a algum frade;
dis o mancebo: * Eu estou consertado pera estar com esta molher
este verSo; escomungaja que nao se afaste de mim, e eu tambem
me escomungarei pera me nao afastar della >. Elle Ihes poem esco-
munhao, que nao deixe hum a outro em todo aquelle tempo.
Muitas veses sabe o confessor que o penitente esta actualmente
amancebado e que nao ha de deixar a manceba; com tudo isso o
bsolve. E nao somente fazem isto os frades idiotas, mas alguns
os Abunas sao tam ignorantes que nao s6 os absolvem estando
mancebados, senao que Ihes dizem que nao botem fora as man-
LIVRO II, CAPITULO X. 435
cebas, como me affirmou hum grego, que avia annos estava em
Ethiopia e reduzindose a nossa santa fe o de 604, me disse, antes
de se confessar, que tinha tres molheres e que com nenhuma dellas
era casado e confessandose com o Abuna Petr6s que entSo era, Ihe
disse como as tinha, e que Ihe respondeo que as nSlo botasse fora,
que se perderi^lo, senao que as tivesse, mas que as fizesse iguais,
e que o absolvera, Depois disse ao emperador Zadengfuil por gra^a
estando presente eu : < Senhor, este Padre he muito esca^o ; fuime
confeMar com elle; e porque Ihe disse que tinha tres molheres, nflo
me quis confessar: mandame que case com huma e lan^e as outras
fora. Mais liberal he nosso Abuna, que, dizendolhe na confissao como
f.i9i,v. *as tinha, me deu licen^a pera as ter com condiQSlo que as fizesse iguais
e me absolveo » . O Emperador, que ia naquelle tempo tinha determi-
nado dar obediencia a santa Igreja Romana, Ihe disse : c Que chri-
standade he a vossa, se tendes tres molheres [?] : fazei o que vos manda
o Padre». E o abunaSimSio, que matarSo a 1 1 de majo de 617, como
dissemos no cap. 5, obrigou na confissSlo a hum senhor grande, que
tinha feito queimar ocultamente duas casas de outro senhor, que
Ihe dissesse que elle as queimara, que Ihe perdoasse e assim o fes.
O que me contou depoes o dono dizendo que Ihas mandara queimar
pera o matar a elle dentro, e que quis Deos que nao estivesse ali
I
aquella nojte e mostrava terlhe muito g^ande adversao.
Ainda que entre os confessores e penitentes se ache comum-
mente a ignorancia que temos dito, alguns ha, segundo me affir- i
marao, que, quando se confessao, declarao o numero dos peccados, *
nao s6 dos que cometerao por obra, mas por palavra e pensamento, j
e as veses o confessor tambem o pergunta. Mas raramente ou nunca ^
obrigao os penitentes que pag^em o dano que fizerao, nem resti- 1
tuao o fato alheo que tomarao, somente dizem : Nao o fa^ais mais. *
Da usura nao fazem conta, por ser comua entre elles. E per- I
guntando eu se os confessores tinhao alguma summa de casos por '
onde se govemassem, me disserao que nenhum livro tinhao que <
tratasse disso; que hiao poUa doutrina e por seus sinodos.
As penitencias que dao, humas vezes sao muito levesporpec- a.Confesaariipoc-
j ^ . _.. • ' '^ 1 TT nassatisfactoriasim-
cados graves, e outras mcomportaveis por cousas muito leves. Hum ponunt saepisaime
homem de credito me affirmou que porque rira dentro da icfreja, Ihe ^«^' P^° grayiori-
° bns, graves, immo
dera hum frade de penitencia, que das duas horas da tarde ate a gravissimas pro le-
nojte fizesse mil veses reverencia inchinandose cada ves ate chegar ^tQ^exemplal
com a cabei^a ao chao, e refusando elle esta penitencia pollo tempo Formuiae absolutio-
nis qtias usurpant.
43^ HISTORIA DE ETHIOPIA
ser pouco, Ihe mandou com excomunhSlo que a comprisse, o que
fez temendo a excomunhSo, e ^disseme que ficara tam cansado que f. 192.
nem o outro dia se podia bolir. Estas inclina^Oes s^o as [que] mais
ordinariamente dSio em penitencia; tambem mandSlo rezar cada dia
50 psalmos e alg^ns todos os 150 por espa^o de hum anno; e as
veses que ieiuem todos os dias por espa^o de tres ou 4 annos, e
ordinariamente nao comungao ate a terem comprido,
Quando se confessSo estSo em pe o confessor e penitente, se
as cousas que tem n2lo s&o compridas, que sendo, ambos iuntos se
assentSio; e acabada a confissSo, se alevantSLo e o absolve em pe.
A forma da absolvi^Slo de que usao me derao por escrito huns fra-
des dos mais letrados que tem, e he esta: «Foao, servo de Deos,
deixete e perdoete teu pecado Jesu Christo poUa boca de Pedro e
Paulo, e fa^ate solto da prizao do pecado». Outro frade me disse
desta maneira: < Servo de Deos foao, o Paracleto perdoador de culpa
e pecado te perdoe todos teus pecados » . E outro disse : < Seiate
solto poUa boca de N. S/"^ Jesu Christo, poUa boca de Pedro e
Paulo, poUa boca dos 318 verdadeiros da fe ».
4.Confe88iopubli- Os que deixao de confessar enteiramente seus pecados he por
ca coram Abuna est .« m r ji .
usitatissima. Rei sic ^^^^ parecer que com aquilo cumprem, porque os frades nao os en-
confessi poenia cor- sinao nem sabem os mais delles pera o poderem fazer ; que se os
poralibus publice af-
ficiuntur. ensinarao, nao somente ouverao de confessar todos os pecados, mas
as circunstancias por leves que fossem, como se ve em muitos que
mostrao terem grande escrupolo de cousas muito pequenas e tanto
deseio de sua salva^ao, que ainda pecados muito graves confessao
em alta vos a seu Abuna diante de quantos ali se querem iuntar,
que ordinariamente sao muitos, porque as veses sahe de propo-
sito em publico pera isto, e sentandose em sua cadeira se poem
de huma e outra parte muita gente e os que se querem confessar
vem hum e hum pello meio e, chegando perto, dizem em alta voz :
« Senhor, eu fis tal e tal cousa » ; que de ordinario sao os mores pe-
cados que cometeo em sua vida ; e logo abaixa a cabe^a esperando
pella penitencia; e o Abuna levanta *seu baculo com ambas as maos f.i92,v
e dalhe tres ou quatro muito boas nas costas, dizendo : « Vos fizestes
isto? Nao tendes medo de Deos? Dailhe ali trinta acoutes >. Afa-
stasse elle entao e vayos receber de mao de dous homens, que sem-
pre andao diante do Abuna com humas correas compridas amar-
radas em huns paos e como Ihe dao 6 ou 8, rogao por elle os pre-
sentes e o Abuna dis logo que basta e o absolve. Depois chega
LIVRO II, CAPITULO X. 437
outro e a elle e a todos os demais que se querem confessar vaj
despachando como o primeiro.
O que tenho dito me contarSo nSo somente alguns Portugueses
que o virao, mas os da terra, que por veses se acharSlo presentes,
e me aflirmarao que, chegandose ali hum a confessar, pedio ao Abuna
Ihe quisesse ouvir em segredo, porque o que tinha que dizer nao
opodia descobrir em publico; e que Ihe respondera: c Nao aveis de
dizer depois diante dos anjos, porque o nao direis agora diante dos
homens [?] > . Disse elle entao que furtara certo numero de vacas ; o
que ouvindo seu dono, que ali estava e nao podia saber quem Ihas
levara, o acusou diante de hum juis por ladrao e nao somente tor-
nou as vacas que tinha tomado, mas pagou em pena muito fato.
Por onde nao ha duvida nenhuma senao que, pois confessao em pu-
blico e com tanto risco pecados tam graves, que milhor o ouverao
de confessar em secreto todos os menores com suas circunstancias,
se tiverao quem Ihes declarara, que pera ser valiosa a confissao
Ihes era necessario.
Frei Luis de Urreta no cap. 8 do 2 livro pretende defender 5. Ex dictis sequi-
aos Ethiopes dizendo que, ainda que nao tiverao por muito tempo l^^Sro^aHeniTsint
conhecimento dos sacramentos da Confirmacao e Extrema Uncao, V^^ Urreu namvit
. . de recto usu et fre-
depois toda via que a Igfreja Romana Ihes ensmou a doutrina de- quenti buius sacra-
stes sacramentos, a receberao com grande alegria e dali por diante ^^^^ ^^^^ Aethio-
pes*
usarao delles ate oje, com a pontualidade que o mandou o Concilo
Florentino e Tridentino e que ussu^ao e usao oie do sacramento da
f. 193- confissao *com tanta inteireza como a propoem a santa Igreja, e se
confessao de todos os pecados, sem deixar nenhum, e com todas
suas circunstancias e condiQOes, e que, se hum acerta de cair em
pecado, logo se vaj a confessar, porque se nao se escandalizao os que
o vem, e que nao ha nenhum, por destraido que seia, que nao se
confesse pello menos duas veses cada somana; que os mais devo-
tos e recolhidos he ordinario confessaremse cada dia e que seus
confessores se govemao oie poUa summa de Sylvestre e outras que
Ihes mandou da Roma o padre frei Xerafino da ordem dos Pre-
gadores, sendo geral de sua sagrada religiao, e que a confissao que
os penitentes dizem ao sacerdote he a mesma que tem a Igreja Ro-
mana, mas comegao pollo Psa/mo 78:«Salvum me fac Deus ecc. »;
e logo dizem: « Eu pecador me confesso a Deos etc. », estando de
joelhos, e o confessor assentado como juis. Mas quam contrario seia
ao que na verdade qua passa, temos ia mostrado assima.
CAPITULO XI.
Em que se trata do santissimo Sacramento da Eucha-
ristia e das ceremonias que os sacerdotes Ethiopes
us&o na Missa.
Ao ineffavel sacramento da Eucharistia tem os Ethiopes muito i AethiopesinSa-
- j . j«^ 11 j X cramento Buchari-
grande deva^ao e reverencia, porque crem que ditas pello sacerdote ^^i^^ praescntiam
as palavras da consegpra^ao (que, segfundo me referirao alg^uns frades, ««!««» Chrieti aub
speciebus pronten-
sao quasi as mesmas que dis a Igreia catholica) deixa o pao de ser tur. Pane utuntur
pao e o vinho de ser vinho e debaixo de seus accidentes esta real e ver- „!!iTIo!l!^*l7!i«?«*
*^ UV18 passiB, at aquae
dadeiramente o corpo e sangue de Christo N. Senhor unido hipostati- nimiae permiztis,
. . quare invalida con-
camente a pesoa do Verbo divmo; luntamente com isto e com conies- sacratio calicis.
sarem que ainda que a natureza humana se unio a divina, nao se
trocou nem misturou, afi&rmao muitos que em Christo nao ha mais
que huma s6 natureza, como dissemos no cap. 3^4.
Consagrfto em pAo frementado, e pera o fazer tem huma ca-
f.i93*v- sinha fora da igreja pera o oriente perto das costas da capella, *e
se alguma ves o sitio ndo da luguar, o afastao hum pouco pera a
banda do norte. Nesta casa nao ha outra cousa mais que o neces-
sario pera fazer o pao e vinho de que usao ; e nella moe a farinha
hum frade com nao pouco trabalho quando he muita, porque nao
tem atafona. Algumas vezes tambem a dao a moer a alguma mo-
Iher viuva ou casada honrrada, que mora perto da Igreja ; e como
440 HISTORIA DE ETHIOPIA
sSo horas de fazer o pSlo (que sempre he pouco antes da missa e
estranhSlo muito o nSlo fazeremos nos as hostias cada dia), ent^o vai
hum sacerdote e ama^a com fermento e se he pouca a gente, que
custuma comungar, fas hum pSlo tam grande como hum^. patena e
pouco mais de hum dedo de grosso, e quando he muita, o fas de
dous dedos e tam grande que baste, porque pera consegrar nao fa-
zem mais que hum so pSlo, excepto certas festas grandes, em que
fazem tres. Neste pflo sinalflo sinco cruzes pequenas com hum si-
nete de pao a modo de crus, e logo fas outros paes pequenos,
que dao a todos como pao bento, Depois os coze em huma tigela
grande de barro e cosidos poem em huma bacia pequena de co-
bre o que se ha de conseg^ar e os outros em hum sestinho que
pera isso tem.
O vinho fazem de passas e na mesma casinha, hum pouco an-
tes da missa, d'esta maneira. Tomao as passas secas, que guardao
todo o anno, e lavadas botao em huma bacia as que Ihes parece
que bastao e com a mao as desfazem em outra agoa e depois coao
aquillo com hum pano limpo, e em algumas igreias, que nao tem
tantas passas, botao tanta agoa (segundo me disserao os frades) que
nao fica mais que mal tinta, com serem as passas sempre pretas ;
e ainda me afiirmarao elles mesmos que muitas vezes a 4 ou 6 pas-
sas botao tanta agoa que basta pera dizer missa e comungnar a
muitos, que qua o fazem in utraque specie.
Do que se ve claro que nao consagrao, poes nao he vinho se-
nao agoa, e com todo isso, como dizem as palavras da consegra-
^ao, a adorao.
a. Sacnim faciunt *Como chega a hora de dizer missa, (que nos dias que nao sao f. 19+,
iuniisub vesperas. d^ jeium dizem polla menhaa, e quarta e 6* feira que ieiuao, a
Quibusvestibustam- tarde, como duas horas antes de se por o sol e na quaresma quando
quam sacns utantur. ir -j. -1.
Preces et ritus qui se poem) dis o sacerdote certas ora^oes sobre os vestimentos, que
praecedunt Sacrifi- „ ■■ • j, 1 • 1. j
^iy^ja^ sao huma roupa comprida com mangas e sem colannho ao modo
turquesco e muitas vezes sao as mesmas cabaias que os senhores
comprao dos Turcos e as off^erecem as igrejas; e esta vestem pri-
meiro e sobre ella outra, a que chamao Motaat tambem comprida
ate os pes por diante e pellas costas arrastando como hum covado
e o corte he a modo de capa dasperges, nao tam fraldada e s6 de-
stas duas usao, que amicto, stolla, manipolo e cordao nao tem. Bem
sei que Francisco Alvares dis em sua Historia Ethiopica que a ve-
stimenta nao tem mais que a largura da pe<;a de que he feita com
LIVRO II, CAPITULO XI. 441
hum buraco no meio por onde metem a cabe^a sem nenhuma outra
arte. Mas agora he da maneira que disse.
Acabadas aquellas ora^Oes que o sacerdote reza sobre as ve-
stimentas todas as vezes que dis missa, se reveste ; e o diacono da
mesma maneira, e outro sacerdote, que ainda veste s6 a primeira,
que serve como de alva, e o subdiacono outra (digo subdiacono,
porque Ihe dao este nome ao que aiuda, ainda que affirmao muitos
que o nao tem, como adiante diremos), Alg^mas vezes dizem a missa
o sacerdote, diacono e subdiacono sem outro sacerdote, e sem estes
tres nao a dizem de nenhuma maneira e estranhao muito que
entre nos o sacerdote diga missa com s6 acolitos, sem diacono e
subdiacono.
Em quanto se revestem, vao hum diacono e subdiacono a ca-
sinha onde esta o pao e vinho, e o diacono toma com a mam di-
reita o pucaro do vinho cuberto com hum pano, e na esquerda hum
iarro de agoa pera lavar as maos, e o subdiacono toma com a mao
direita hum sestinho em que esta o pao que se ha de consegrar
emvolto em hum pano de algodao e os mais que se dao ao povo
como pao bento, e com a esquerda huma campainha, e acabandose
de revestir os que ficarao na capella, comeQa o sacerdote em alta
voz: AUelluia e dis huma orapao comprida; e como ouvem isto os
que estao aparelhados pera trazer o pao e vinho, vem tangendo com
a campainha e todos os que estao na igreja, quando a ouvem, baixao
f. 194. *as cabe^as dizendo: « Santo, Santo, Santo Deos dos Deoses, que
« esta e ha de estar sempre no ceo e na terra ». E como chegao 3- Sacerdos, co-
- , 1 ,. . mitantibus semper
ao altar toma o pao o sacerdote que ha de dizer a missa e o cobre diacono et subdiaco-
com hum pano de algodao que serve de corporal e sempre he preto ^^l «ccedit ad alta-
ou vermelho pera que, se cair nelle alguma reliquia, se veia melhor, ante lectionem Epi-
e logo toma o vinho o diacono que aiuda a missaeo subdiacono, ° ' ^' °''*^^°*
que tem huma candea na mao ezquerda e hum turibulo na direita,
comcQa a dar volta a roda do altar, que sempre esta no meio da
capella, seguindoo os demais, e o sacerdote vaj dizendo esta ora^ao
em vos alta: « Deos N. S.*»^ que recebestes o sacrificio de Abel
« no deserto e de Abraham no alto do monte e o de Elias no
« Carmelo e a moeda da viuva no templo, da mesma maneira re-
« cebei o sacrificio de vosso servo foao » . E o diacono, que leva o
calis com o vinho, dis o psalmo 22 : Dominus regit me etc. E como
acabao de dar volta, poem o sacerdote o pao na patena, que esta
dentro de huma bacia grande de cobre que poem sobre a pedra
C. BsccARi. Rer. Afih. Sjr/^i.K
56
442 HISTORIA DE ETHIOPIA
dara, a que chamao Tabot ; e o diacono bota o vinho no calis, que
nas igrejas principaes he de prata e nas outras de cobre.
4'Ab8olutoP8. aa, Feito isto dis o sacerdote: « Christo Nosso Deos, que quando
infunditur vinuxn in , ^ t t /^ f j* r^ ■*»■%
calicemetc.;a."et3." * vos chamarSio lostes as vodas de Cana de uahjea e os benzestes
oratio supcr calicem; ^ ^ jj^gg fizestes de ajToa vinho, da mesma maneira fazei a esto vinho,
4.* oratio; Kyne- °
eleison; 5.° oratio < que esta diante de vos: benzeio para que seia alegria e conten-
super pop um. ^ tamento e vida de nossa alma e corpo, e morai sempre com no-
« sco. Padre, Filho e Espirito Santo, nao ha outro Deos senao vos ».
E prosigue sobre o calis: < Deos nosso Deos Jesu Christo, de ver-
« dade Deos e homem, que nao se afastou sua divindade de sua hu-
« manidade, que derramou seu sangue com seu querer por sua fei-
« tura, ponde, Senhor, vossa santa mao sobre este calis; faseio limpo
« e saiitificaio, fapasse vosso sangue honrrado, seia isto pera vida
« e salva^ao e reden<;ao do pecado de vosso povo. Amen. Ben-
« dito Deos Padre todo poderoso e bendito o Filho unigenito, que
« naceo de santa Maria pera nossa salvacjao, e bendito o Espirito
« Santo paracleto nossa esperanpa. Gloria ao Padre, ao Filho e ao
« Spirito, agora e pera sempre. Amen. Hum Padre Santo, hum
« Filho Santo, hum he o Espirito Santo. Louvais ao Senhor todas
« as gentes, louvajo todos os povos, porque se confirmou sobre nos
« sua misericordia e sua *verdade permanece pera sempre. Gloria f. 195.
« ao Padre e ao Filho e ao Spirito Santo pera sempre dos sem-
« pres. Amen ».
Acabado isto, dis o diacono em vos alta: « Levantajvos a ora-
9^0 » E logo o sacerdote : « Pax a todos vos outros. Louvemos ao
« feitor de todos nossos bens Deos misericordioso, paj de nosso
« Senhor Deos e salvador Jesu Christo, porque nos acodio, recebeo
« e fes fortes, e nos fes chegar ate esta hora. Roguemoslhe que nos
« guarde em este dia santo e daqui por diante todos os tempos de
« nossa vida com toda a pas. Todo poderoso Deos nosso Deos 1.
O diacono dis: « Buscaj e rogaj vos outros que nos perdoe Deos
« e reciba a ora^ao e peti^ao de seus santos per amor de nos. Fa-
« zeinos dignos, Senhor, que partecipemos do bendito misterio e
4: perdoaj nossos peccados ». E logo todos os que estao na capella
(onde nao podem entrar senao os que tem ordens) dizem huma vos :
« Kyrielleyson > e o sacerdote dis : « O Senhor Deos todo poderoso
« benzemos vos sobre todas as obras, por amor de todas as obras
« e em todas a^ obras, porque nos livrastes e nos acodistes e guar-
« dastes e nos fizestes chegar a vos, e nos recebestes e fizestes
LIVRO II, CAPITULO XI. 443
€ fortes e chegar ate esta hora ; poUo que vos rogamos e pedimos
« de vossos bens. O amador das gentes, dajnos que cumpramos
« este dia santo e todo o tempo de nossa vida em toda a pas com
« vosso temor de toda a enveia e toda a tenta^ao e de todas as
« obras do diabo e conselho de gente ma e do alevantamento do
« inimigo secreto e publico nos livraj, afastai tudo Senhor de mim
« e de todo vosso povo e deste vosso santo luguar. Dajnos todos
« os bens, vos que nos destes poder pera pizar aspides e basilisco
« e sobre toda a for^a do inimigo. Nao nos metais em tentaQSo,
« mas livrainos do mal com g^a^a e pas e amor da gente e de
« vosso Filho unigenito Nosso S.°^ Jesu Christo, no qual temdes
« honrra e poder e com o Spirito Santo vivificador, que he igual
« com vosco pera sempre dos sempres. Amen ».
Prosegue logo sobre o pao e o calis. « O cabe^a Jesu Christo 5. 6° oratio supcr
« participante do principio, vos sois Verbo do Padre limpo, pao ^do^dum^drca ai-
« de vida, que decestes dos ceos e vos adiantastes a ser cordeiro ^^ *^"® inccnditur.
Ritus qui scrvatur
« sem macula polla vida do mundo, buscamos de vos e pedimos dumadiaconoetsub-
fi95»v- « vossos bens. O amador dos filhos *dos homens mostraj vosso tur*^*popuk)™Epi8to^
« rosto sobre este pao e sobre este calis, que estao postos sobre *««• 8." oratio.
« esta mesa pera este combite sacerdotal; benzejos e santificajos,
« e convertei este pao em vossa carne limpa e santa, que se iuntou
« com este calis e que vosso sangue hourrado seia participa^ao
« igual pera todos nos, mezinha e salva^ao pera nossas alm?s e
« corpos. Porque vos sois Rei de todos nos Christo nosso Deos, a
« vos damos altissimos louvores, a vos convem gloria, adorapao e
« poder, e a vosso Paj manso e bom, e ao Spirito Santo vivificador
« agora e sempre e per todos os siglos. Amen ».
Como acaba estas ora^Oes, dis o diacono: « Levantajvos pera
« a ora^ao » (nao porque se assentem e alevantem, porque sempre
estao em pe); e o sacerdote dis: « Pas a todos vosoutros », e logo
bota incenso no turibolo e vaj a roda do altar incensando e di-
zendo: « Gloria e honrra a Sanctissima Trindade, Padre e Filho
« e Spirito Santo todas as vezes agora e pera todos os sempres
« dos sempres. Amen. O Deos eterno, que nao tendes principio nem
« fim, que sois grande em vosso saber, poderoso em vossas obras
« e sabio em vosso conselho, que estajs em toda a parte, pedimos,
« Senhor, e rogamos que esteiais com nosco nesta hora; mostraj
« vosso rosto sobre nos e limpaj nossos cora^Oes e santificaj nos-
« sas almas, perdoaj os peccados que temos feito voluntaria e in-
444 HISTORIA DE ETHIOPIA
€ voluntariamente, e fazei que vos oflFere^amos sacrificio limpo, sa-
« crificio vivo e o encenso spiritual entre na casa de vossa santa
« gloria ». Diz o diacono: « Levantajvos pera a orapao > e osacer-
dote : « Pas a todos vos outros » e vai com o turibolo levando diante
ao subdiacono com huma candea, e o diacono detras com sam Paulo
na mao, e saindo fora da porta da capella le huma das Epistolas
de sa6 Paulo, em quanto o sacerdote da huma volta encensando a
roda da capella por hum alpendre a modo de crasta, que esta da
banda de fora, onde entrao os seculares, que na capella nao podem,
e vai dizendo : « Santo, Santo, Santo Deos de Sabaot, perfeito, cheia
« esta a terra de santifi[ca]9oes de vossa gloria » , e logo torna a re-
pitir o mesmo que assima : « O Deos eterno, que nao tendes prin-
« cipio nem fim etc. >, E como entra na capella, deixa o diacono
de ler e vaj *detras delle, e chegando ao altar sahie o subdiacono f. 196.
e le no mesmo luguar hum peda^o de huma das Epistolas canonicas ;
e entretanto o sacerdote no altar repete outra ves : « O Deos eterno,
« que nao tendes principio nem fim etc. > e acrescenta : « Vos sois
« nosso Senhor e nosso Deos ; a vossos Apostolos santos declara-
« stes a gloria do Evangelho de vosso Messias e Ihe destes does
« sem conto de vossa gra^a e os mandastes pregar em todo o uni-
« verso ; a riquesa de vossa gra^a e misericordia nao se sabe. Dai-
« nos, Senhor, gra^a que andemos por seus caminhos e seguimos
« suas pisadas e seiamos dignos de participar suas herangas, em todo
« o tempo nos pare^amos com elles e fiquemos fortes em seu amor, e
« guardaj vossa Igreia santa que edificastes por elles, e lan^aj ben^ao
« sobre as ovelhas de vosso gado. Acresentaj a cerqua de vossa
« vinha, que plantastes com vossa santa mao direita em Jesu Christo
« nosso Senhor com o Espirito Santo pera sempre dos sempres ».
6. Sacerdos assi- Quando sae o subdiacono a ler sua li^ao, vai detras delle o
stens celebranti reci- -^ ., . ,- /-ini^«i
tatexactisApostolo- sacerdote, que amda a missa, com so alva, e fica da banda de den-
rum, dum celebrans ^j-q^ q como o subdiacono acaba de ler, Ihe entrecfa o livro e se vaj
breves fundit preces,
et populo signo cru- pera o altar, e elle fica lendo dos Actos dos Apostolos ; e entre
legitur^Viquid *^ex ^^"^^ ^^? ^ sacerdote que esta no altar: « O Senhor Jesu Christo
eo Evangelio quod « Deos nosso, que dizestes a vossos santos dicipolos e apostolos
iUo anno legendum r ^ • -. j • «
cst. Oratio 9.* pro « limpos : muitos protetas e mstos deseiarao ver o que vos outros
Ecclesiae pace. ^ vedes, e n^o virao, e ouvir o que ouvis e nao ouvierao ; e bema-
* venturados os olhos que vem o que vos vedes. Assim como a elles
« nos fazei dignos que ou^amos e cumpramos a palavra de vosso
« santo Evangelho com a ora^ao dos Santos >.
k.
LIVRO II, CAPITULO XI. 445
Depois dis o diacono: c Fazei ora^So » e o sacerdote: c Lem-
€ brajvos outra ves, Senhor, dos que nos pedirSo que os lembrasse-
€ mos em o tempo de nossas oragoes e peti^oes que vos fazemos.
« O Deos Nosso Senhor, daj descanso aos que morrerSo antes de
« nos e daj saude aos doentes, porque vos sois vida e esperan^a
« nossa e livrador nosso e resurrei^ao de todos nos, a vos damos
« altissimos louvores, gloria ao Altissimo nos siglos dos siglos » .
Logo estando a mSo direita pera o oriente e virandoa pera o oc-
f.i96,v. cidente, pera o norte e pera o sul, fas huma crus *dicendo:
« Deos altissimo lance sua ben<jao sobre todos nos e nos santifi-
« que com a ben^ao spiritual e fa^a nossa entrada a santa ig^eja
« com os diligentes anios que o servem e louvao pera sempre dos
« sempres ». E nisto chega o sacerdote, que estava fora lendo dos
Actos dos Apostolos, e pondo o livro em seu luguar, toma o do
Evangelho de huma estante que esta perto do altar (que nelle nao
ha livro nenhum, porque tudo quanto dizem no altar he de cor),
e abrindo na parte que se ha de ler, o da ao sacerdote que dis a
missa e elle o toma com ambas as maos e o poem sobre o ombro
esquerdo e vaj ao lug^ar onde lerao os outros dizendo : « Evan-
« gelho santo que deu novas, Foao (nomeando o Evangelista de
« quem ha de ler), palavra do filho de Deos > e saindo fora da
porta, le o Evangelho daquelle dia, mas nao misturao os Evange-
listas, senao hum anno inteiro lem de hum Evangelista e outro anno
de outro, e assim em 4 annos os acabao de ler.
Em lendo a li^ao daquelle dia, toma ao altar dizendo: « Tam-
« bem pedimos ao todo poderoso Deos Padre, ao Senhor e redem-
« ptor nosso Jesu Christo. pedimos e buscamos de vossos bens, 6
« amador das gentes, lembrajvos 6 Senhor da pas da Igreja santa,
« congrega^ao dos Apostolos, a qual ha de estar ate o fim do mundo;
« benzei a todo o povo e a todo o gado com a pas que esta nos
« ceos e meteia em nossos coraQoes e dajnos nella a pas de nossa
« vida. Dai vossa pas a nosso Rei N. e a seu exercito e a seus
« principes e grandes. O Rei de pas, dainos p<is, porque todas as
« cousas nos destes e a nenhum outro conhecemos fora de vos, a
« vosso santo nome nomeamos e chamamos, porque viva em nossa
« alma no Espirito Santo e nao acometa a morte do pecado a nos
« vossos ser\'os e a todo vosso povo ».
Acabado isto, dis o diacono, « Levantajvos a ora^ao » e o sa- ?• Populua reciut
cerdote : « Pas a todos vos outros » e os que estao na capella e „^ absoivitur prior
446 HISTORIA DE ETHIOPIA
p«ra Miwae, qiiae fora della dizem o Credo ; e entretanto o sacerdote : t Alevjntaivos,
' » o meu senhor Deos, e espalhense vossos inimigos e fujam diante
* de vosso rosto os que aborecem vosso santo e bemaventurado
< nome, e vossos povos seiSo bentos com a ben^ao dos milhares
t de milhares que fazem vossa vontade com gra^a e pas de *amor
* da gente de vosso Filho unigenito nosso Senhor e nosso Deos e
* salvador Jesu Christo, com o qual vos convem gloria e honrra e
t poder, e com o Spirito Santo vivificador, que he igual com vosco
t agora e pera sempre dos sempres. Deos grande e eterno, que fi-
t zestes a gente sem currupijao, mingoastes a morte, que entrou pri-
* meiro no mundo polla enveia do diabo, na vinda de vosso filho
« nosso Deos e Senhor e Salvador Jesus Christo, e enchestes toda
* a terra de pas dos ceos, com a qual vos louvao os choros dos
« anios dizendo: Gioria a Deos nas alturas e na terra pas aosho-
« mens de boa vontade. O Senhor enchei com vosso querer nossos
« corapoes de vossa paz e limpainos de toda a nodoa e de toda a
* enveia e de toda a obra ma e da Iembran<;a do mal que causa
« morte e fazeinos dignos de que nos beicc-mos huns aos autros com
« beijo santo e que recebamos sem pena vosso santo pao celestial,
< que he sem morte, em Jesu Christo nosso Senhor com o Spirito
t Santo pera sempre dos sempres. Amen >.
Em acabando esta orai;ao comeija huma de doze missas que
tem differentes pera as festas e dias feriais. A que aqui porei, que he
das mais breves, dizem elles que fizerao os Apostolos, mas acre-
scentao algumas palavras rogando por seus Patriarcas e por outros.
MISSA DOS APOSTOLOS.
s. AlteraparsMis- Pondose o sacerdote que dis a Missa com o rosto pera os que
dnorum corrcapsn- ^stao na capella, Ihes lan^a beni;ao com a mSo direita dizendo:
det, pcr stiigula fe- ( Deos com vos outros » e tornandose a virar pera o altar dando
sta mulanir. E la ^
misaisquaehabentur ben^ao dis : t Benzei a nosso Deos ». E logo prosegue: t Benze-
p^c^^cwrre"*'^ * mosvos, o Senhor, em vosso filho amado N. S." Jesu, a quem nos
quae »b Apaatolis t mandastes no derradeiro tempo, vosso filho, salvador e rederaptor,
ratio, in qua conti- * anio de vosso consclho e santa vossa palavra, na qual fizestes
netur consecratio ^ todas as cousas com vossa vontade ». Dis o diacono: « Por amor
utnusque apeciei.
Verbaconaecrationis t do bemaventurado e santo papa Marcos (aqui nomea o Patriarca
verborum OidBd* * ^^ Alexandria que entao vive) e o bem aventurado papa N. (aqui
jdeo invaiida conse- , oomea o seu Abuna) ». Dis o sacerdole: « A elles e as obras de
LIVRO II, CAPITULO XI. 447
« todos dai descanso e tende misericordia dellas. Vosso filho man-
« dastes do ceo nas entranhas da Virgem e se fes carne e esteve
f.i97,v. « no ventre, *Vosso filho se soube poUo Spirito Santo. A Vos e
« aos que estao em pe diante de vos milhares de milhares de santos
< anios ^ archanjos e vossos animais honrrados, que tem seis azas,
« serafins e cherubins com suas duas eizas cobrem vosso rosto e com
« duas os pes e com duas avoao do principio ate o fim do mundo,
« todos pera vos santificar e louvar sempre com os que vos san-
« tificao e louvao. Tambem recebei nossa missa dos que vos dize-
« mos : Santo, Santo, Santo, Deos Sabaot perfeito, cheio esta o ceo
« e a terra da santifica^ao de vossa gloria. Vosso Santo Filho veo
« e nasceo da Virgem pera comprir vossa vontade e pera vos san-
« ctificar o povo estendeo suas maos pera padecer dor e pera de-
« samarrar aos doentes e aos que confiarao em vos ; o qual se en-
« tregou por sua vontade a padecer pera tirar o poder da morte
« e quebrar as cadeas do demonio e pizar o inferno, pera guiar aos
« santos e plantar a ordem e declarar sua resurreicjao. E naquella
« nojte que o entregavao, tomou pao com suas santas e bemaven-
« turadas maos sem nodoa, e alevantou os olhos ao ceo e a vos a
« seu paj, e o benzeo e partio e deu a seus dicipolos dizendo: To-
« maj, comei: este pao he meu corpo, que por vos outros se parte
« pera perdao dos peccados. Da mesma maneira e ao calis benzido e
« santificado Ihes deu a seus dicipolos, dizendo: Tomej, bebei; este
« calis he meu sangue que por vos outros se derramara em remissao dos
« pecados. Tambem agora, o Senhor, lembrandovos de vossa morte
« e de vossa ressurrei^ao, confiamos de vos e vos damos este pao e
« este calis, benzendovos, o qual nos fizestes pera deleite, pera que
« estivessemos em pe diante de vos, a vos servimos, pedimosvos, o
« Senhor, e vos rogamos que mandeis o Santo Spirito de virtude sobre
« este pao e sobre este calis e o fagais sua casa e sangue de Nosso Se-
« nhor Jesu Christo pera sempre dos sempres. Juntamente Ihes deis a
« todos os que tomao delle, que Ihes seia pera santifica^ao e redem^ao
« do pecado pera sempre des sempres » . Dizendo estas palavras,
molha a ponta do dedo polegar e fas com elle huma cruz no pao
de huma a outra banda e dis: « Dainos que nos unamos em vosso
« Spirito Santo e sarainos neste pao pera que viviamos em vos pera
f. 198. « sempre. Bemdito o nome de Deos e bendito o que vem *no nome
« de Deos » . E todos repetem as mesmas palavras come^ando de
« Dainos que nos unamos etc. ».
448 HISTORIA DE ETHIOPIA
9. OTadoDeB quae O diacono diz : > Levantejvos pera a ora^ao > e logo o sa-
aa^^M^m s^^lim cerdote : c Pas a todos vos outros ; dando grai;as, benzeoo e partio » .
Bumecdam. Precea /A.qui parte o pao, tomando hum pouco da parte dassima, onde
fonduntur pro Pa- ^ ^ '^ *^ "^ "^
tiiarchaAlcxandrlno esta a primeira crus, e logo da banda debaixo, depois da parte
et pro A una. ^^ ^^^ direita, e logo da esquerda : depois tira com o dedo a codea
do pao, onde esta sinalada a crus do meio e enteira a bota dentro
do calis) e dis esta oraQao : * Tambem rogamos ao todo poderoso
* Deos Padre, ao Senhor e salvador nosso Jesu Cristo que nos de
t tomemos com beoQao do santo misterio, e que nos fortifique, e
€ nenhum de nos se suje, senao que faija seia deleite pera todos
* os que recebem o santo misterio do corpo e sangue de Christo todo-
« poderoso Deos Nosso Deos ». Dis o diacono: * Fazei ora^ao » e
logo o Sacerdote : < Deos, que sois todopoderoso, dainos fortaleza
« em receber de vosso santo raisterio e nao permitais que se suje
< nenhum de nos, mas benzei a todos sempre e pera sempre dos
« sempres » Dis o diacono : « Em pondovos em pe levantaj vossa
t cabepa » e logo o sacerdote : * Deos eterno sabedor do secreto
« e do manifesto, abaixe diante de vos a cabe^a vosso povo ; a vos
— t reverenciamos e abrimos o alto de vosso coraijao e came; olhai
« da morada que vos convem e benzeios, inclinaj vossa orelha e
t ouvi suas oratjoes, fazeios firmes com a virtude de vossa mao di-
€ reita, acodi e cobri a doentja ma, sedelhes guarda pera o corpo
« e alma, acrescentej a elles e a nos vossa fe e o temor de vosso
« nome em hum vosso Filho pera sempre ».
Dis o diacono : * Adoraj a Deos com temor » e logo o sacer-
dote : « O Senhor todo poderoso, vos sois o que sarais nossa alma
« e corpo, porque vos o dizeis por boca de vosso Filho unigenito
« N. S."' e nosso Deos e nosso Salvador Jesu Christo, que disse a
« nosso paj Pedro: Vos pedra, e sobre esta pedra edificarei minha
« igreja, e as portas do inferno nao prevalescerSo contra ella; e
« dartehei as chaves do reino dos ceos ; o que amarrardes na terra
« sera amarrado nos ceos e o que soltardes na terra sera solto nos
« ceos. Seiao 'soltos e livres vossos servos, meus pajs e meus ir- ■
« maos, na boca do Espirito Santo e tambem em minha boca vosso
« servo pecador e culpado. Deos nosso Deos, que tirais os peccados
< do mundo, recebei a penitencia destes vossos servos e servas e
< ailumiai nelles a lus da vida eterna e perdoailhes seus pecados,
< porquevos sois misericordiosoeamador dos homens. VossoisDeos
« nosso Deos, misericordioso e de pas, longe da ira e muito miseri-
LIVRO II, CAPITULO XI. 449
« cordioso e de verdade iusto. Se pecarmos contra vos, o Senhor, com
« nossa palavra ou com nosso cora<;Slo ou com nossas obras, perdoai
« e edificai, porque vos sois bom e amador das gentes ; porque vos
« sois Deos nosso Deos, soltej a nos e a todo vosso povo. Lembraj-
« vos, o Senhor, do Padre honrrado e santo nosso papa Abba N. (aqui
nomeSlo o Patriarca de Alexandria que actualmente vive) e do bem
« aventurado e santo nosso papa N. (aqui nomeao o Patriarca de
Etiopia). Nosso Deos, guardajos pera nos pera muitos annos e
« tempos compridos com lustificaQao e pas. Lembrajvos, Senhor, de
« nosso rei N. e soltaj da prizao dos pecados que fes sabendo e
« por ignorancia, soieitai seus imigos e botajos logo debaixo de
« seus pes. Lembrajvos, Senhor, de todos os Papas e Bispos e cle-
« rigos e diaconos e subdiaconos, exorcistas e cantores, homens e
« molheres, meninos, velhos e mancebos e de todo o povo christao,
« fortificaios com a fe de Christo ; lembrajvos, o Senhor, e soltaj
« aos que dormirao e descansarao na fe verdadeira, iuntai suas al-
« mas no seo de Abrahaam, Isac e Jacob ; e livrajnos de toda a culpa
« e maldi^ao e de toda a nega<;ao e de toda a excomunhao e de
« todo o iuramento falso e de toda a uniao com rebeis e dos gen-
« tios. Dainos gra<;a, o Senhor, cora^ao, siso e entendimento pera
« que nos afastemos e fujamos daqui pordiante pera sempre de toda
« a obra ma que tenta. Dainos que fagamos vossa determinac^ao em
« toda a hora, e escrevei nossos nomes no livro da vida, no reino
4 dos ceos com todos os santos e martires em Jesu Christo N. S.°S
« com o qual e com o Espirito Santo tendes gloria e poder agora
« e pera sempre dos sempres >.
f. 199. *Dis o diacono: « Necer, olhaj > e o sacerdote: « Senhor, per- xo. Praecinente
« doainos, Christo » e logo todos homens e molheres dizem o me- veniam pec^torum
smo cantando, e o sacerdote o repete otras duas vczes, e a cada ?"*i**^^- P^fewio
ndei circa praesen-
ves tambem os outros. Depois dis o sacerdote : « De verdade carne tiam realem.
« santa de nosso senhor Deos e salvador Jesu Christo, que se da
« pera vida e salvagao e redem^ao do pecado aos que tomao della
« com crer. De verdade sangue honrrado de nosso Senhor e Deos
« e redemptor Jesu Christo, que se da pera vida, salva^ao e redem-
« <jao do pecado aos que tomao della com crer. Porque esta he
« sua came e seu sangue do Emanuel nosso Deos, de verdade creio
« e confesso ate o derradeiro bafeio, que esta he carne e sangue
« de vosso unigenito filho nosso Senhor e nosso Deos e nosso sal-
« vador Jesu Christo, que tomou da Senhora de todos nos santa e
C. BicCARi. Rer, Aeik, Seript, occ, ined» — II. 57
45*> HISTORIA DE ETHIOPIA
« bemaventurada Maria, e a fes hum com sua divindade sem se mi-
€ sturar> sem se afastar nem trocar, e foj testemunha com testemunho
< bom em tempo de Ponsio Pilato e o entregou com sua vontade
« sobre a santa crus pera vida de todos nos. Creio que nao se
< afastou sua divindade de sua humanidade, nenhuma hora, nenhum
« abrir e fechar dc olho, e a entregou por nos pera vida e salva*
« ^ao e redem^ao do pecado pera sempre. Creio e confesso que
< esta he sua carne e sangue de nosso Senhor e salvador Jesu Chri-
« sto, a quem convem honrra e gloria e adora^ao, com seu Paj bom,
« misericordioso e o Spirito Santo vivificador todas as vezes, agora
< e pera sempre dos sempres. Amen ».
zz. Describitur ri- Como chega aqui, toma huma pequena parte do paodizendo:
dlacono adhmis^di- * Santa carne de En^nuel nosso Deos de verdade que tomou da
stribuit popuio sa- ^ senhora de todos nos » e consume ; e logo o diacono Ihe da com
cram Synazim sub
utraque apecie. huma colher de prata ou de cobre hum pouco do sangue, dizendo :
« Este he seu sangue de Christo > e logo da a comunhao ao sacer-
dote que aiuda a missa, e este toma com sua matO a colher e bebe
do sangue; e logo da a comunhao ao diacono, e o sacerdote que
aiuda a missa Ihe da o sangue ; e depois ao subdiacono e aos que
estao na capella, que sSo os que tem ordens, e logo entrega o calis
ao diacono o qual fica a mao direita do que dis "^a missa, e o sa- f-i99,T.
cerdote que aiuda a esquerda, e toma por huma parte a bacia em
que vaj a patena com o sacramento cuberto com pano de algodao
preto ou vermelho, e da outra banda toma qualquer sacerdote dos
que ali se achao sem estar revestido ; e o que dis a missa estende
as maos e as poem sobre o pano com que esta cuberto o sacra-
mento, e o subdiacono vaj diante com huma ta^a, que quando o
diacono da o sangue poem diante do calis, porque nao caia alguma
gota no chao. E chegando a porta da capella ou, por melhor dizer,
da igreja, da o sacerdote o sacramento do corpo aos seculares ho-
mens e molheres dizendo : « Santa carne de Emanuel nosso Deos
« de verdade que tomou da senhora de todos nos ». E o que co-
munga dis: « Amen, Amen »; e logo o diacono da o sangue com
a colher dizendo : « Este he seu sangue de Jesu Christo pera vida
« da carne e alma e pera vida etema » e o subdiacono bota na
pahna da mao do que comungou huma pouca de agoa, com que
elle lava a boca e a bebe, e algumais vezes Ihe da a agoa na
boca com o iarro que he de bico ; e todos quando comungao
estao em pe.
LIVRO II, CAPITULO XI, 45 1
Como acabao de dar a comunhao a todos (porque ordinaria- la. Sacerdos ma-
. j , nusabluity thureper-
mente todos os que ali estao comungao, amda que se nao tennao f^^^^ ^^ deosculan-
confessado), tornao pera o altar, e se fica alguma [parte do] sacra- das praebct «^»"» »»-
mento a consume o que dis a missa, e logo lava os dedos com agoa nis, atquc ita Sacri-
dentro do calis e a bebe ; lava a patena e calis e da a beber aquella ^^^^ abaoivitur.
agoa ao sacerdote que aiuda a missa, e tornando a lavar o calis, a
da ao diacono, e logo lava as maos sobre a patena e a da a beber
ao subdiacono. Feito isto esfrega as palmas das maos com incenso,
e postas em crus as da a beijar a todos os sacerdotes que ali se
achao, dizendo : « O poder da mao de Pedro » e o que beija responde:
* Assim como o primeiro sacrificio de Abel receba » e aos diaco-
nos e subdiaconos poem as palmas sobre a testa e logo Ihes da a
beijar dizendo: c A ben^ao de Paolo >. E preguntandolhes porque
diziao de huma maneira a sam Pedro e doutra a sam Paulo, me re-
sponderao que porque sam Pedro era sacerdote e sam Paulo diacono.
f. 200. Tudo isto tirei de hum livro que me derao *em hum mosteiro 13. Superiug dicta
grande e disseraome os frades que todas as ora<;oes e ceremonias, 115^ lithurgico cu-
que aqui se referem, desde que trazem o pao e vinho daquella ca- i^^dam monasterii.
Quam absona sint
sinha onde se fas ate chegar, onde se poem o titulo c Missa dos quae acripsit Urreta
Apostolos » se dizem e fazem em todas as outras missas e que al- ^f^il^^^^^^iil^I
gumas tem mais ceremonias que esta e que fazem nelas comemo- ^^ ostenditur.
ra^ao de Dioscoro.
Nao dizem em cada igreja mais que huma s6 missa, ainda que
aia nella muitos sacerdotes, e estranhao muito que em nossas igrejas
se digao em hum dia muitas missas e publicamente a vista do povo
sem cortina. Dizem (segundo me affirmarao os frades) missa pollos
defuntos e, como nesta temos visto, rogao por elles, e com tudo isso
negao o Purgatorio, como adiante veremos.
A missa chamao Cadace e ao Santissimo Sacramento Corban,
que quer dizer holocausto.
Frei Luis de Urreta, no cap. 9 do 2^ livro de sua Historia
Ethiopica, poem huma missa e refere as ceremonias que os Ethio-
pes usao nella; mas em muitas das cousas que ali dis se cnganou
como que do principio de sua christandade consagrao em azimo
scilicet em pao sem fromento e que ia usao de hostias como nos,
pera os sacerdotes grandes, e pequenas pera comungar o povo.
Que antigamente faziao vinho de passas pera dizer missa, pon-
doas de molho 10 dias e depois as enxugavao e exprimiao com
hum parafuso, mas que agora ia se nao usa, porque tem grande
452 HISTORIA DE ETHIOPIA
abundancia de vinho de uvas ; que ainda que antigamente os oma-
mentos, com que os sacerdotes diziflo missa, erSio s6 huma alva
muito iusta e a casula era como hum escapulario estreito com sua
abertura por donde metiam a cabe^a; ia agora usSo de todos os
ornamentos com que celebra a Igreja Romana. Que a certo passo
da Missa dis o povo a vozes o Credo que canta a Igreja Romana
sem descrepar palavra. Que roga o sacerdote pello successor de
sam Pedro que vive a Roma ; e que da a bacia com o sacramento
ao diacono cuberto com huma pala e o calis com o sangue ao sub-
diacono, e elles dSo a comunhSo aos sacerdotes que estSo perto do
altar e logo aos ordenados maiores e menores, e depois na porta
da igreja aos seculares homens e molheres, e que, ainda que estes
comungavSlo antigamente sub utraque specie, ia nSio se usa des do
Summo Pontifice Paulo 3*, *que Ihes mandou por seus breves que f.2oo,T.
comungassem s6 com as species de pSLo, como o fas a Igreja Ro-
mana, e logo ao ponto obedecerSo. Que antigamente nSo guar-
davflo o Santissimo Sacramento nas ig^eias, nem o levavao aos
doentes, porque como comungavao os mais dos dias, se adoeciao,
a ultima comunhSo Ihes servia de viatico, segundo elles diziao ; mas
que agora ia reservao o santissimo Sacramento nas igrejas, e que
o levao aos doentes seguindo em tudo o estillo da Igreja Romana.
Estas e outras cousas (que, por serem de menos porte, deixo)
dis o Autor naquelle capitulo, mas todas sao muito differentes do
que na verdade qua passa, porque, como temos visto assima, sempre
ate oie consagrao com pao frementado, e se hao de dizer missa pella
menhaa, fazem a massa a noite, botandolhe fremento e quando
ieiuam, que dizem missa a tarde, amassao pella menhaa com fre-
mento, nem usao de hostias como nos, nem tiverao nunca ferros;
pello que o emperador Seltan Cegued deseiou ver os nossos e man-
dou fazer hostias diante delle e aus louvou muito. O mesmo fizerao
alguns senhores que estavao presentes, e hum disse: Esta he cousa
muito boa, que se pode consumir sem mastigar; de nosso sacra-
mento sempre nos ficao reliquias entre os dentes. E huma senhora
disse : Isto he cousa do ceo : nossos frades parece que amassao com
os pes o pao que fazem pera o sacramento.
As passas nao as botao de molho nem as espremem com pa-
rafuso, senao hum pouco antes da missa as lavao e botando aquella
agoa fora, as desfazem em outra com a mao e coao com hum pano,
como dissemos. Nem usarao nunca (segundo elles dizem) nem usao
LIVRO II, CAPITULO XI. 453
cie de vinho de uvas pera dizer missa. Nem os omamentos sam
como os da Igreja Romana, sen^o como os que assima dissemos.
Nfem cantSLo nella o Credo como o tem a Igreja Romana, antes co-
mummente negSo com pertinacia que o Spirito Santo procede do
Filho, como dissemos no capitulo 2^ deste livro. Nem o sacerdote
roga na missa pello successor de s, Pedro que vive em Roma, senao
pello Patriarca de Alexandria. Nem o diacono da a comunhao do
f. 201. corpo *aos ecclesiasticos, nem seculares, senao o sangue, e o sa-
cerdote que dis missa o corpo; que ate oie comungao todos sub
utraque specie. Por onde, se o summo pontifice Paulo 3° Ihes man-
dou que comungassem s6 com as especies de pao, como dis o Autor,
nao obedecerao. Nem guardao o estilo da Igreja Romana em re-
servar nas igrejas o sanctissimo Sacramento e levalo aos doentes ;
porque nem huma cousa nem outra fazem. E muito fraca escusa
era dizet que nao o levavao, porque, como comungavao os mais dos
dias, se adoeciao, a ultima comunhao Ihe servia de viatico ; pois po-
diao estar hum anno e dous doentes de maneira que nao chegassem
a igreja e o que peior he, que nao somente nao comungao em quanto
estao doentes, por comprida que seia a doen<;a, mas poucos se con-
fessao, porque Ihes dizem seus frades, como eu mesmo Ihes ouvi,
que ia que nao podem fazer penitencia por causa da doenija, nao
Ihes aproveita a confissao, e assim morrem sem ella.
Aos que a iusti^a condenava a morte de nenhuma maneira con- i4.Probaturexem-
fessavao. Mas pouco tempo ha que adverti ao emperador Seltan fJforantia^^edcrc
Sagued quam g^ande mal era este e Ihe persuadi ordenasse a seus *<^ sacram Ssmaxim
absque conditioni-
luizes que os que condemnassem a morte, os nzessem confessar an- bus rcquisitis.
tes de padecer, Tambem tem tam grande descuido os vigairos e
todos os frades em ensinar ao povo o aparelho que se requere pera
receber o sanctissimo Sacramento que, segundo me affirmarao, ha
homens csisados que comungao a meude sem se terem confessado
em toda sua vida ; e entre os que se reduziao a nossa santa fe achei
alguns de mais de vinte annos, que me disserao que comungavao
cada 8 dias, e que em toda sua vida se nao tinhao confessado, por
nao saberem que era necessario confessar os peccados antes de
comungar.
CAPiTULO xn.
Em que so refere o que rezao os sacerdotes
em luguar de nossas horas canonicas.
Pois temos visto as ceremonias, de que usSo os sacerdotes i. Ez ipsis mona-
. .1.. * r ' « 9k chorum libris refert
f.2oi,v. ethiopes em suas missas, scra bem refenr agora o que rezao *em Auctor prcccs omnes
luguar de nossas horas canonicas, pera que, se algimi quise saber q«*e « Sacerdotibus
meudamente estas cousas, as possa ver aqui tiradas de seus mesmos tur locohorarum ca-
livros e em quanto for possivel me acomodarei a propriedade de ap„d*i^no,**g,;^t
suas palavras, ainda que no que mostrarSo da escritura algumas in u«u.
n^o seiSlo tam conformes a nossa versSlo. E come<;ando pollas ma*
terias que elles cantSio de ordinario como duas horas ou hora e
mea antes de amanhecer, nao dizem primeiro como nos c Pater
< Noster, Avemaria, Credo, Domine labia mea aperies etc. » senao
cantando a seu modo repetem tre vezes « AUeluia * e logo : « Benso
« e alevanto em nome do Padre e do Filho e do Spirito Santo ; to-
« mando por baculo tres nomes, ainda que caia me alevante, ainda
« que ande nas trevoas, Deos me alumiara. Nelle confio. Benzemos
« vos, Senhor, e glorificamos. Benzemos vos, Senhor, e confiamos
« em vos, soieitamonos a vos, Senhor, e servimos a vosso Santo
« nome ; adoramos a vos, a quem todo joelho fas reverencia, e toda a
« lingoa se soieita. Vos sois Deos dos Deoses e senhor dos Senho-
« res, Deos de toda a carne e de toda a alma; a Vos chamamos como
45^ HISTORIA DE ETHIOPIA
« nos ensinou Vosso Filho dizendo: Quando oraxdes dizei assim : Pa-
« ter noster qui es in coelis etc. » e dizemno enteiramente, e logo :
< Seia bento Deos Deos de Isrrael, que so fas grandes maravilhas e
< seia bento o nome de sua santa gloria e encha sua gloria toda a
« terra * Seia, Seia * » .
« Santo, Santo, Santo Deos de Sabaot perfeito ; cheos est2Lo
« os ceos e a terra da santificaQao de vossa gloria, Deos, que era
« antes do segre e ha de ser pera sempre. Santo Deos, que he
« glorificado dos diligentes a santificado dos santos. Santo Deos,
« a quem temem os Cherubins, e de cuia magestade tremem os Se-
« rafins. Santo Deos, que vira o corisco e fas forte o trovao. Santo
« Deos, que lan^a a escuridao a tarde e a lus pella menhaa ; Santo
« Deos que fas prosedir ao sol de dia pera que nos alumiasse do
« ceo; Santo Deos que fas que a liia e estrellas comprissem de
« nojte o que Ihes tinha ordenado. Santo Deos, que fas a seus anios
« spiritos e a seus ministros fogo abrazador. Santo Deos que esten-
« deo o ceo como tenda e fortaleceo a terra sobre as agoas. Santo
« Deos que fes a Adao a sua imagem e semelhan^a; Santo Deos, que
« ordenou a Abrcihao e iurou a Isac e guardou a promessa *a Jacob, f. 202.
« Santos Deos que foj vendido como Joseph pera medir o comer
« ao povo ; Santo Deos que deu lei a Moyses. Santo Deos, que san-
« tificou o sacerdocio de Aron ; Santo Deos, que ungio a David
« com ungao do reino e sacerdocio. Santo Deos, que bafeiou nos
« profetas, pera fazer ouvir sua santa palavra. Santo Deos a quem
« glorificao os anios e louvao os poderes ». Logo dizem alguns
versos do Psalmo 104 e 117 a modo de responsorios desta ma-
neira : « Confitemini Domino e invocate nomen eius Alleluia ecc. » .
E depois dizem: « Gloria ao Padre e ao Filho e ao Spirito Santo.
« AUeluia, em todo o tempo e em toda a hora. Gloria ao Padre
« ao Filho e ao Spirito Santo, Alleluia em todos os tempos e mo-
« mentos. Gloria ao Padre, a FilHo e ao Spirito Santo, Alleluia em
« todos os tempos e annos. Gloria ao Padre e ao Filho e ao Spirito
« Santo, Alleluia, a santa Igreja pera sempre dos sempres Alleluia.
« A elle convem gloria de gera^ao em gera^ao ».
« Louvo vos, o Virgem cheia de louvor, quanto minha boca
« pode louvar vossa grandeza ; a lingoa do Cherubim nao pode acabar
« de vos louvar, e a boca do Serafim nao acabara de declarar vossa
« grandeza. E estreiteza de vossas entranhas ficou mais larga que
« o ceo e vosso resplandor foj mais claro que o do sol. Vos sois
LIVRO II, CAPITULO XII. 457
« ouro limpo, thesouro da natureza; bendita sois vos mais de Deos
« vos sois louvada por boca dos Prophetas e glorificada dos Apostolos,
« coroa da bencao de Jacob e louvor da casa de Israel ; procedeis
« do reino da rais de Jesse, frol limpa do tronco de David ; por
« vos cheirSo suavemente todos os Santos. F2.zemosvos reverencia o
« Rainha e alevantamos os olhos a vosso Filho poderoso do segre :
« estendei vossas mSLos e benzei a cada hum de vossos servos. Se-
« nhor, perdoainos, Christo ». Isto rcpetem doze vezes. « Benzeinos,
« Senhor Deos nosso, do alto do ceo ; recebei nossas ora^oes, per-
« doainos, Senhor, e avei misericordia de nos ». Isto repetem tres
vezes. « Rogamos a Deos Padre senhor todo poderoso e a nosso
« salvador Jesu Christo por nossos irmSos doentes que tire delles
« todas as infirmidades e espirito de doen^a, e prevalecendo a vida,
« Ihes de saude, o todo poderoso Deos nosso Deos » .
Dis o diacono « Oraj > e logo hum sacerdote : « Deos nosso, Deos
f.2o2,v. « todo poderoso *Padre e Senhor e nosso salvador Jesu Christo,
« pedimos vos e rogamos que deis vida aos irmaos doentes e que
« se tire delles o espirito de doenga. Fazei que passem delles to-
« das as dores e infirmidades, e que achem logo saude, visitador e
« satador da alma e corpo, tirai delles todas as cousas dos espiritos
« immundos que atribulSLo e apertSLo a alma, dai pas e descanso,
« tiraj todas as doen<;as desta casa, e de nos; daj perfeita saude a
« todos os que nomeao vosso santo nome, e salva^ao a nossas al-
« mas em vosso unico Filho, com o qual e com o Espirito Santo
« tendes gloria pera sempre dos sempres ».
« Lembrajvos, Senhor, da promessa de vossos servos santos,
« promessa de Abrahao, Isac e Jacob vossos fieis, a quem destes
« esperanija, esperan^a de iustifica^ao e vida e iurastes por vos
« mesmo. Lembrajvos, Senhor, do zelo de Moyses vosso servo, que
« com vossas maraviJhas se engrandeceo entre os Egypcios e achou
« gra<;a diante de vosso rosto, e recebeo a lei de vossas maos. Lem-
« brajvos, Senhor, da iustifica^ao de David, a quem vos mesmo lou-
« vastes dizendo: Achei a David meu servo homem fiel segundo meu
« cora^ao. Lembraivos, Senhor, da palavra de vossos Profetas santos,
« a quem destes vosso espirito e clamarao como trombeta pregando
« vossa nacen^a. Lembrandovos destes, perdoai a vosso povo e ben-
« zej vossa heranpa, alevantej vossa for<;a e vinde a nos livrar.
« Ouvi nos, Deos e salvador nosso, Deos de nossos Padres. Nao
« vimos, nem ouvimos, nem nos disserao nossos paes que avia outro
C. BBCwAxr. Rer, Aeth, Script, oce, ined» — II. 58
458 HISTORIA DE ETHIOPIA
« Deos fora de vos. Seiao confundidos os que adorSLo os idolos e
« os que se gloriSo em seus deoses. Nossa alma espera em Deos,
« porque he nosso aiudador e refugio, Vinde pera mim, o Virgem,
< com vosso amado filho Jesu Christo pera nos benzer ; vinde pera mim
« o Virgem com Adao, Abel, Set e Enoc, santos paes dos paes an-
« tigos nomeados. Vinde pera mim com Noe e Sem, que acharao
« gra^a diante do Altissimo. Vinde pera mim, o Virgem, com Abra-
« hao, Isac e Jacob, vossos paes, que gerarao a gloria de todo mundo,
« Vinde pera mim, o Virgem, com Moyses, *Aron sacerdotes, que f. 203.
« vos assemelharao ao tempo da lei velha. Vinde pera mim, o Vir-
« gem, com Josue profeta e principe, que fes deter o sol contra
« Gabaon e repartio a heran<;a aos Hebreos. Vinde pera mim, o
« Virgem, com Samuel que tirou a David dentre as ovelhas e o
« ungio com o oleo de seu como. Vinde pera mim, o Virgem, com
« David nosso paj cantor. Vinde pera mim, o Virgem, com Isaias
« e Jeremias altissimos em suas palavras e pregadores com virtude.
€ Vinde pera mim, o Virgem, com Elias e Eliseu profetas de Isrrael.
« Vinde pera mim, o Virgem, com Ezechiel e Daniel de boas vi-
« soes, que denunciarao os misterios do ceo. Vinde pera mim, o
« Virgem, com Ananias, Azarias e Misael, que nao quiserao obe-
« decer ao mandado del Rei, senao a Deos do ceo e fizerao orac^ao
« dentro do fogo. Vinde pera mim, o Virgem, com todos os Pro-
« fetas de Juda e Samaria e Babilonia, que clamarao como trom-
« beta por vosso filho. Louvamos vos, o Virgem, assim como o anio
« Gabriel, dizendo: Bendita es tu, e bento o fruto de teu ventre.
« Alegrajvos, chea de gracja, Deos com vosco, bendita sois e bento
« o fruto de vosso ventre. Alegrajvos, fonte de alegria. Bendita
« sois e bento o fruto de vosso ventre. O Senhor, perdoainos, Chri-
« sto >. Isto repetem doze vezes.
« Louvamos a Deos, que he glorificado com a gloria dos San-
« tos. A elle louva a companhia dos anios alegres, a elle servem
« as almas dos justos, a elle adora a santa Igreja dizendo: Gloria
« a Deos nas alturas e na terra pas aos homens de boa vontade.
« Santo, Santo, Santo Deos que mora nas alturas e ve o intimo do
« abismo ; sua magestade nao podem ver os Cherubins. Santo Deos,
« que he de tres rostos e huma natureza, todo poderoso, de hum
« conselho. Santo Deos, que he tres em huma uniao, he glorificado
« dos diligentes, fogo de vida que nao se palpa nem se enxerga
« com o olho, spirito sotil. Adoramos a sua Trindade com huma
LIVRO II, CAPITULO XII. 459
f.203,v. « ^adora^ao e Ihe damos gloria. Santo Deos, que as paredes de sua
« casa sao chamas e o chao neve : a elle convem adora^ao. Santo
« Deos, que os sacerdotes do ceo estao em pe a roda delle e Ihe
« dao gloria, adorandoo e tremendo diante de seu trono. Santo Deos,
« cuia casa he relampago de sua gloria ; diante delle corre o rio de
« fogo ; Santo Deos, que nao dorme, diligente, glorificado entre os
« santos ; os Serafins o serquao como aneo do ceo ; a elle s6 con-
« vem gloria. Soieitamonos a vos, o filha de David, honrra de todo
« mundo, segunda nas alturas, sendo Virgem Maj. Soieitamonos a
« vos, o filha de David, segunda no ceo, de quem nasceo o sol, pa-
« ristes a Deos. Soieitamonos a vos filha de David, casa de santi-
€ dade do Filho, trono de ouro. Soieitamonos a vos, o filha de Da-
« vid, com vestido de ouro e claridade. Soieitamonos a vos, a filha
« de David, cristal limpo, caixa de cheiro com que se ungem os
« sacerdotes. Soieitamonos a vos, o filha de David, horto fechado,
« fonte selada, filha dos Profetas. Soieitamonos a vos, o filha de
« David, novo ceo, arca misteriosa, vaso de ouro e prata. Soieitamo-
« nos a vos: rogaj por nos, o Maria nossa maj e maj de nosso
« Senhor. Vos sois nossa honrra e gloria.
« Rogaj rogaj por nos, Profetas cheos de espirito, trombeta
« da Trindade; rogaj por nos, Apostolos, canos de ouro, chaves
« da iustifica^ao e da cerca da vinha; rogaj por nos, Martires fortes
« na batalha, estrellas claras, tocas da Igreja; rogaj por nos, justos
« filhos de Sion, rogaj por nos, companhia das Virgens e religio-
« sas; rogai por nos, companhia dos anios alegres, que nao dor-
« mis e sem sessar o glorificais; rogaj por nos, Papas, sacerdotes
« e diaconos, que sois de boa fe ; rogaj por nos, homens e molhe-
« res, meninos e velhos ; rogaj por nos, Abrahao, Isac e Jacob
« paes do povo, senhores dos fieis; rogaj por nos, Joao virgem
f. 204. « *pregador do Evangelho; rogai por nos, Estevao bemaventurado
« coluna da fe, que vistes claramente o misterio da Trindade dos
« ceos; rogaj por nos, Jorge virtuoso, peleiador, obrador de mila-
« gres, estrella de honrra entie o ceo e a terra; rogaj por nos, Ta-
« quela Haimanot, nosso paj, arvore do Libano, trabalhador no espi-
« rito, seguidor das pisadcis de Antonio ; rogaj por nos, Phelipe
« nosso padre, piadoso de coragao, singelo como pomba, que cre-
« sceo com o espirito de sabedoria ; rogaj por nos, nosso padre
« Estateus segnidor do sol ; rogaj por nos com a ora^ao de Miguel
« nosso padre virgem e martir, mestre da ordem e regra, lingoa de
460 HISTORIA DE ETHIOPIA
€ cheiro, seguidor dos Apostolos; rogaj por nos, Jared sacerdote,
€ cantor de versos e viola da Igreia ; rogaj por nos, santa Igreja
« spiritual, thesouro de trigo sem zizania ».
« Jesu Christo doce de nome, que chamastes a s. Paulo, chamaj
« a vossa boca ; Jesu Christo doce de nome, sal do sacerdocio de
« Paulo, tirajnos nossas nodoas com vossa divindade ; Jesu Christo
« doce de nome, claridade do ensino de Paulo, alumiaj com vossa
« fermosura as trevoas de nossos cora^oes. A vos convem honrra e
« gloria, e adora^ao dos homens e dos anios. O Pedro, a quem foj
« dado ser pedra da fe, abrinos pera que entremos na casa das
« bodas de Christo. O Pedro, cabe<;a dos doutores, a quem foj dado
« poder nos ceos e na terra, benzei nossa companhia vos, a quem
« foj dada coroa de sacerdocio e reino sobre todos, benzei nossa
« companhia. O cabe^a dos pastores, benzei nossa heran^a, cabe^a
« de todos os Apostolos; porque a vos disse: Apacentaj minhas
« ovelha[s]. Vos, Senhor, sois glorificado e o nome de vossa gloria
« maravilhoso; vos fizestes tremer o alicesse da casa da prizao; vos
« soltastes as cadeas de s. Paulo; soltainos, o Senhor, das priz5es
« do enemigo. De nojte alevantaj nossas mSos no templo diante do
« Evangelho ». Se for sabbado, le aqui hum dos sacerdotes presen-
tes huma li^ao do Evangelho de s. Matheus c. 25, come^ando:
« Tunc simile est regnum coelorum decem Virginibus etc. >, ate
onde dis : « Quia *nescitis diem neque horam » . E se nSo for sab- ^-20^^-
bado deixao este Evangelho e continuao o que se segue:
« Porque elle deu lei a Moyses e seus domingos fes pera honrra
« e santifica^ao da Trindade divina, a elle convem louvor, porque
« elle inspirou nos profetas e santificou seus domingos pera que
« nos fossem perto, e renovou o que era velho ; mais alto que os
« altos, Santo entre os Santos, a vos se oflFerece o cheiro do incenso
« dos Apostolos diligentes ; os que forao santificados com vossa or-
« dena^ao vos glorificao :^. Aqui dis hum diacono: « Levantajvos a
« ora^ao » e logo hum sacerdote : « Pas a todos nos outros » e le
huma li^ao do Evangelho de s. Marcos c. 13, come^ando daquellas
palavras : « De die illo et hora nemo scit etc. » ate: « Omnibus dico:
« vigilate ».
« Fazeinos dignos de entrar no domingo de vossos domingos
« e que seiamos chamados pera vossa festa com todos vossos San-
« tos ; que louvemos vosso Evangelho carregando vossa crus. Tam-
« bem rogamos ao todo poderoso Deos Padre e Senhor e a nosso
LIVRO II, CAPITULO XII. 46 1
« salvador Jesu Christo poUos frutos da terra, que os fa^a crescer
« com ben^ao e de rique^a com abundancia, Deos nosso Deos ».
Dis hum diacono: « Oraj > e logo hum sacerdote: « Deos nosso
< Deos, que sois todo poderoso, a vos pedimos e rogamos que fa-
« Qais crecer com ben^ao os frutos da terra : apresaivos a fazer que
« se recolhao pera vossos povos pobres e pera todos os que nomeao
« vosso santo e bendito nome, em vosso unico Filho com o qual e
« com o Spirito Santo tendes gloria pera sempre dos sempres >.
« Os que tendes medo de Deos, nao desprezeis, porque s6 seu
« nome se alevantou; a meia nojte fazei ora^ao, porque as estrellas
« do ceo e claridade do sol e da lua, os relampagos e nuves, os
« anios e archanios e todos os choros, as profundezas, o mar, rios,
« fontes, fogo e agoa, chuva e vento e todas as armas dos iustos
« glorificao a Deos, e os que orao sempre se contao no coracjao de
« Deos. Pois fazendo isto vos outros fieis emmendai huns a outros,
f. 205. « e oraj e pedi a nosso Senhor, porque mandou isto *com a pro-
« messa de sua palavra » .
« Doce de lingoa, cheiroso como incenso Paulo gniou os ce-
« gos, mestre verdadeiro, que na finbria de vossa roupa saravao os
« doentes, estendei vossa mao direita e benzeinos aos que estamos
« iuntos. Assim, como a arvore que nace ao longo da corrente dagoa
« reverdeceo Joao e se alevantou, o proceder de sua palavra seia
« como cacho de uvas, o Evangelho da gra^a nos de parte. As fon-
« tes da lei do rio do Evangelho, os ramos da oliveira, e os ramos
« da parreira procedem de hum tronco ; os Apostolos do filho nos
« benzao no dia de domingo estendendo as maos >. Dis hum dia-
cono : « Alevantaivos a ora<;ao » e logo hum sacerdote : « Pas a
« todos vos outros » e le huma licjao do Evangelho de s. Joao cap. 3 :
" « Erat autem homo ex phariseis Nicodemus etc. », ate onde dis:
« quia in Deo sunt facta ». Este Evangelho se le s6 no domingo e nos
^ demais dias o deixao e continuao o que se segue : « AUeluia, Alle-
^ « luia, AUeluia. Vos chamamos estrella que vos fes crescer o sol de
' ^ « iusti^a, que vos fas dormir em seu peito. Vos chamamos estrella,
« que vos bejou com sua boca e vos fes cingir com seu cinto ; vos
« chamamos estrella, que vos mostrou seus segredos e vos deu o
« evangelho de sua gra^a; vos chamamos estrella, Joao; quem como
DJ^ « vos [?] pedimosvos que rogueis por nos ».
)5^' « Porque se alevantou o nome delle s6, e nesta hora calao hum
J^ t pouco todas as criaturas; pera que o louvem as estrellas e agosis
ijii^
462 HISTORIA DE ETHIOPIA
< se detem huma hora e todos os choros dos anjos servem a Deos,
« nesta hora com as almas dos iustos glorificSlo a Deos. AUeluia.
« Todos os choros dos anios spirituais, que se assemelhSlo ao ardor
< do fogo e sao cercados com chama de virtude, os Cherubins glo-
« rificao e Serafins santificao e os Archanios cantao e a companhia
< dos Anios serve a sua gloria e dizem todos a huma vos: Santo, Santo,
< Santo Deos de Sabaot, perfeito, cheios estao os ceos e terra da
< santifica^ao de vossa gloria. Esta Igreja tem a ordem dos Anios
< a semelhan^a dos ceos ; a Ig^eja se assemelha a casa do Alto e a
< Virgem santa com a roda do fogo que levao os Cherubins em
< luguar dos 4 lados do trono 4 elementos de quem *foi criado f.205,T.
< Adao, terra, agoa, ar e fogo. Em luguar dos Cherubins temos
< 4 evangelistas que falao da divindade e tirao poUo cano da gloria
< da fonte da boca do Filho de Deos vivo, do homem Matheus,
< porque contou o nacimento de nosso Redemptor da semente de
< David rei de Belem [sic] de Juda. De leao Marcos, porque grita
< como leao em as terras de Egypto pregando o Evangelho ate fazer
< deixar os idolos. De bezerro Lucas, porque falou do sacrificar o
< bezerro limpo. De aguia Joao, que voa alto e prega cousas altas
« e entra as portas do ceo e fala os segredos da divindade, canta
« com os anios e ve o misterio dos diligentes.
« Em lug^ar dos Serafins temos sacerdotes, ministros do mi-
< sterio, que dao comunhao viva e encenso aceitavel de bom cheiro.
< Em lugnar dos Archanjos temos virgens que folgarao com limpeza
< e engeitarao o deleite deste mundo ».
< Tambem agora pecamos ao amador dos homens dizendo: Per-
< doainos, Senhor, por amor de todos nossos Santos, por amor dos
< Cherubins vossos cavalos e Serafins ministros de vossa ca^, por
€ amor de Miguel vosso fiel e Gabriel denunciador de vossa hu-
< manidade, por amor do anyo Rafael guardador de vosso manda-
< mento e por amor de toda a companhia dos Anjos que servem
« a vossa divindade ; por amor dos Profetas bemaventurados e por
« amor dos Apostolos pregadores, por amor dos Martires vence-
< dores, por amor dos virgens limpos e por amor dos religiosos
< perfeitos, por amor dos sacerdotes doces de lingoa, e por amor
« de toda a perfeigao da companhia de huma s6 santa que he sobre
« todas as Igrejas, e principalmente por amor de Maria vossa maj,
« que he gloria de nossos paes ; por amor de seu ventre que vos
« teve e por amor de sua virgindade que nao perdeo parindovos;
LIVRO II, CAPITULO XII. 463
« por amor de seus joelhos em que vos reclinou, por amor de seus
f. 206. « peitos que vos fizerao crescer, e por amor *de suas mSos que
€ vos tocarao ; por amor de seus pes que andarao com vosco e por
« amor de seus claros olhos e ouvidos, que ouvirao as boas novas
« de Gabriel anjo; por amor da alma e carne que tomastes della
« e unistes a vossa divindade, sem se trocar nem afastar, nem mi-
« sturar, como ensinarao nossos paes. Gloria a vos, adoracao a vosso
« paj, g^andeza a vosso spirito e misericordia a vosso povo pera
« sempre dos sempres. Amen ».
« Nossa honrra e gloria e fortaleza de nossa salva^ao he Jesu
« Christo, o ensino de nossa pas, em que confiamos, a fortaleza de
« nossa salva^ao, na qual descansamos, pedra de vida posta no an-
« golo he Jesu Christo ; iugo bom e pezo leve he Jesu Christo, ca-
« mino pera seu Paj, porta pera seu gerador he Jesu Christo, nossa
« nao a quem nao chegao ondas, nosso thesouro, que nao acha
« o ladrao nem o perde a tra^a, he Jesu Christo; semente limpa,
« que frutifica na carne dos limpos he Jesu Christo; Pontifice, que
« esta em pe pera os Santos, he Jesu Christo ; estrella da menhaa,
« sol de iusti^a he Jesu Christo ; a os que cremos nelle e confessamos
« nos ache a pas de seu Paj. Senhor, pordoainos, Christo ». Isto repe-
tem doze vezes.
Ora^ao por el rei.
« Tambem rogamos ao todo poderoso Deos padre e senhor e a
« nosso salvador Jesu Christo poUo amador de Deos nosso Rei N.,
« que guarde a elle e a seu reino sem doenga, com pas e iustificagao,
« o todo poderoso nosso Deos ». Dis o diacono: « Oraj » e logo
o sacerdote ; « Deos nosso Deos, que sois todo poderoso, a vos pe-
« dimos e rogamos que Ihe seiais bom a el Rei desta terra, ama-
« dor de Deos ; dailhe gra^a e soieitaj seus imigos gentios contra-
« rios de seu descan^o e inspiraj em seu cora^ao o bem de vossa
« santa Igreia e que nos ache logo nossa saude. O Senhor, dailhe
« cora^ao que vos tenha a vos s6 por Deos, sem erro da fe em
« vosso unico Filho, com o qual e com o Spirito Santo tendes gloria
« pera sempre dos sempres.
f.2o6,v. * *Miguel, rogai e orai por nos. Sam Gabriel, fazei subir nossa
« ora^ao ; os 4 animais spirituais glorificadores e cantores, rogai por
« nos. Anios celestiais, rogai por nos; Profetas, Apostolos, iustos,
« martires, rogai por nos. Os 24 sacerdotes e tambem o ceo, rogai
« por nos; companhia dos santos e martires, rogai por nos, pera
464 HISTORIA DE ETHIOPIA
« que nos de parte e heranga a todos nos. Maria nossa Senhora,
« que paristes a Deos, porque achastes gra^a diante delle, achastes
* g^a^a e vhtude do Espirito Santo, rogai por nos vosso filho nos
< parta de sua pas, fa^a que esteiamos com os santos no parajso
€ aberto e descanso ornado ».
« Alevantaj vossas mSios de noite no templo e benzej a Deos
« e glorificai em Sion a Jesus ao Santo de Israel. Santo, santo, santo
« Deos de Sabaot nosso Deos : he glorificado dos Cherubins e san-
« tificado dos Serafins e louvado dos Archanjos; seu reino he limpo
« de immundicia. Santo Deos de Sabaot nosso Deos, que sobe em
« cavalos de fogo e piza o alto das nuves; suas tendas sSlo chamas
« e suas rodcts tremor. Santo Deos de Sabaot nosso Deos, que nas
« faiscas he maravilhoso e nos coriscos se louva e fala no fogo, o
« som de seu trovSio em rodas. Santo Deos Sabaot nosso Deos; sua
« gloria he delle mesmo e seu louvor delle mesmo todo poderoso
« elle mesmo, e a espada da vingan^a em sua mSo, a iusti^a dos
« que padecem forga saie de sua casa. Santo Deos Sabaot, nosso
« Deos, que ordenou a dar volta a claridade e sabe donde nace;
« Santo Deos Sabaot nosso Deos, que espalhou cts nuves ; Santo
« Deos Sabaot nosso Deos, que despreza ao soberbo e alevanta ao
« pobre, que molha a terra e fas secar o mar, fas o que quer e
« como deseia o cumpre, sem aver quem Ihe possa resistir ; nSo ha
« quem Ihe diga : isto fizestes mal e isto bem. Louvemos a Deos
« glorificado, que se glorificou. Alleluia, Alleluia, AUeluia. A agoa
« Ihes ficou como muro de huma e outra banda. Alleluia ao Padre,
« alleluia ao Filho, alleluia ao Spirito Santo. Seia *bendito Deos; f. 207.
« elle he maravilhoso: o cavalo e o cavaleiro botou no mar. Ro-
« gai por nos, Maria, candea do mundo, glorificada nas alturas ;
« rogai por nos, Maria, coroa dos limpos, claridade dos santos ;
« rogai por nos, Maria caixa de cheiro do sacerdocio e reino ; rogai
« por nos, Maria, po^o de honrra, vaso de misterio; rogai por nos,
« Maria, rego de alegria, vaso de profecia, cada dia vos louvarei
« 7 vezes, porque vosso amor frechou meu cora^ao. A pas do anio
« Gabriel, minha senhora Maria (aqui dizem a Ave Maria). Alleluia,
« Alleluia, AUeluia, porque vio a humildade de sua serva, e fes
« poder com seu bra^o, porque escolheo Deos a Siao e a fes correr
« pera que fosse sua morada ; este he meu descanso pera sempre :> .
« Louvao os Anios a Maria dentro das cortinas e Ihe dizem :
« Pas com vosco, Maria; como morou na casa pobre, como pobre
1
i
LIVRO II, CAPITULO XII. 465
« desceo dos ceos a elle folgando com sua fermosura e nasceo della.
« Aos 6 meses foi mandado de Deos o anio Gabriel » (aqui dis
hum sacerdote o Evangelho : « Missus est etc. » ate : « fiat mihi etc. >).
E logo continuao todos : « Disselhe o Anio : pas com vosco ; disselhe
« Gabriel: pas com vosco, Maria virgem, pgis com vosco, que paristes
« a Deos ; pas com vosco Maria santa, pas com vosco Maria benta,
« pas com vosco, Maria limpa, pas com vosco, morada divina, pas
« com vosco, tabernacolo perfeito, irmSa dos anios ; pas com vosco,
« mai de todo o povo; pas com vosco Nossa Senhora Maria; pas
« com vosco, pacifica; pas com vosco, vestida com vestido dourado
« de differentes cores ; pas com vosco, penas de pomba prateadas ;
« pas com vosco, porta oriental e maj de claridade ; pas com vosco,
« mais clara que o sol e mais alta que os montes ; pas com vosco,
« Maria escolhida e honrrada ; pas com vosco. Rogaj por nos a
« Vosso Filho e nosso redemptor Jesu Christo, que nos livre quando
« vier com a gloria de seu Paj, com seus santos anios, quando
« fara estar em pe as ovelhas a mSlo direita, e as cabras a esquerda,
« nos fa^a estar em pe a sua mao direita com Estevao martir e
« Joao Baptista e com todos os santos e martires pera sempre
f.207,v. « dos sempres ». Aqui le hum sacerdote *o Evangelho de s. Joao
« c. 19. Stabat autem iuxta crucem etc. ». E logo dizem o que
« se segue:
« Pas com vosco, arca de Noe ; pas com vosco, baculo de Arao ;
« pas com vosco, viola dos psalmos de David; pas com vosco, honrra
« de Salamao ; tendo esperanpa de vossa ben^ao, com ofiFerta vos
« fazemos reverencia : Deos vos salve, Maria nossa maj e nossa
« senhora; vos sois gloria de vossos pais, peleiai contra os imigos
« de nossas almas com espada de perdi^ao ; vinde, passai entre nos
« vestida de claridade com o menino nos bra^os. A pas de vosso
4 filho esteia oie com nosco, com reverencia ; pas a toda vossa fer-
« mosura pera lembran^a de vosso nome mais doce que o favo.
« Vos sois Maria filha de Adao; que enchei a largura do mundo ;
« com reverencia pas a vossa fermosura que fas maravilhar. Com
« reverencia pas etc. >. Nesta forma vao louvando cada membro
da Virgem e seu nacimento e presenta^ao com as demais festas,
em que se detem grande espago e logo dizem:
« A oratjao e rogo de Maria nos livre da ira de seu Filho.
« Senhor, perdoainos, Christo ». Isto dizem doze veses, e logo o
Credo e no fim : « Alleluia : Vos louvamos, Senhor, e glorificamos ;
C. BsccARi. Rtr. Aetk. Scripi, oce. ined. — II. 59
466 HISTORIA DE ETHIOPIA
« vos benzemos e glorificamos ; vosso nome manifesta vossa palavra;
<f nao se acaba vosso reino, o Senhor, rei pera sempre. Vos louvamos,
€ Senhor, e glorificamos, rei pera sempre. Vos benzemos, glorifi-
« cado vosso nome, rei pera sempre. Nao falta vossa palavra, nem
« se acaba vosso reino, o Senhor, rei pera sempre, que iulgais recta-
« mente sem excep^ao de pessoas; a misericordia em vossa mao.
« Rogamos vos, o Senhor, que nos ou^ais. AUeluia; perdoainos,
« senhor, e tende misericordia de nos. O Senhor, por vosso santo
« nome, que foj nomeado sobre nos, por vosso santo nome perdoainos,
« Senhor, e tende misericordia de nos, AUeluia. Defendeinos oSenhor,
« com vosso escudo, pera que seiamos diligentes e peleiemos contra
« vosso imigo ; cubreinos com a sombra de vossas azas; defendeinos
« com o pao de vossa crus e nao nos envergonheis, o Senhor, diante
« vos. Benzao a Deos todas sucts obras; vos sois glorificado e
c altissimo pera sempre. Benzamos ao Padre e ao Filho e ao *Spi- f. 20S.
« rito Santo. Alleluia ao Padre, alleluia ao Filho, alleluia ao Spi-
« rito Santo. O que livrou do fogo a Ananias, Azarias e Missael,
« da mesma maneira nos livre de todos nosso[s] contrarios 1,
« O principio da gra^a Jesu Christo, virtude e sabedoria do
« Padre, vos sois cordeiro de Deos que carregais os peccados do
« mundo ; avei misericordici de nos ; porque desestes do ceo com a
« medida da sabedoria de vosso Paj, pera livrar vosso vaso de barro,
« e vos fizestes mortal e corruptivel, e vaj com azas de vento que
« fas a seus anios spiritos e a seus ministros fogo abrazador, que
« olha a terra e a fas tremer, que toca aos montes e fumegao ; com
« o espirito de vossa gra^a contentai a vosso povo, vos todo p>ode-
« roso Deos nosso Deos, sim, Senhor nosso Deos, com o espirito
« de vossa gra<ja alegrai vosso povo; porque vos sois o aiudador
« do attribulado, fazei facis as cousas mais difficultosas. Ornamento
« dos Apostolos, riqueza dos pobres, esperan^a dos desesperados,
« resocitador dos mortos, virtude e sabedoria de vosso Paj, a vos
« benzemos agora e pera sempre dos sempres ».
« Pella ora^ao e peti^ao de nossa senhora Maria tende mise-
« ricordia de nos, o Senhor; polla virgindade e pureza do corpo
« de nossa senhora Maria tende misericordia de nos; poUos rogos
« de nossa senhora Maria tende misericordia de nos; poUos rogos
« da Igreia, em que se reparte a came e sangue do Salvador, tende
« misericordia de nos; pollos rogos e poder de Pedro e Paulo
« lumieiras do mundo e o sangue que derramarao, tende mise-
LIVRO II, CAPITULO XII. 467
« ricordia de nos; poUa virgindade e pureza de loao vosso amado,
« tende misericordia de nos ; poUa virgindade e tormentos de Thomas
« apostolo e martir, tende misericordia de nos ; poUos acoutes e
« prizOes de Mathias vosso dicipolo, tende misericordia de nos ;
« poUas ora^Oes e rogos e martirio de Bartolameu vosso apostolo,
« tende misericordia de nos ; poUas ora^ois e rogos e morte de crus
« de Andreas e Philipe vos[sos] heredeiros, tende misericordia de
« nos; poUas oragOes e morte de Matheus evangelista e Jacob filho de
f.2o8,v. « Zebedeu, tende misericordia de nos ; poUa morte de Jacob *vosso ir-
« mao, tende misericordia de nos ; polla morte de Natanael e rogos
-r de Tadeu pregador do E vangelho, tende misericordia de nos ; poUo
« martirio de Marcos e Lucas evangelistas, cuio cheiro foj como
« incenso, tende misericordia de nos; pollo sangue dos martires
« vencedores e milagres dos iustos bemaventurados, tende miseri-
« cordia de nos; poUos rogos dos Anios diligentes, que nao dormem,
« e gloria dos Cherubins e Serafins, tende misericordia de nos. Per-
« doainos, Senhor, tende misericordiau de nos, Senhor » .
« Daj pas a vosso povo, a Santa Igreja; Senhor, perdoainos,
« Christo. Nunc dimittis servum tuum. Alleluia, alleluia, alleluia.
« Livrainos com vossa mao direita em pas, Senhor AUeluia, alle-
« luia. Livrainos com vossa mao direita, quia viderunt oculi mei
« salutare tuum. Alleluia, alleluia, alleluia ». E assim dizem todos
os versos acrescentandos tres alleluias. E no fim acrescentao : « De-
fendeinos com o lenho de vossa crus ».
Em todos os dias da somana, excepto sabbado e domingo, se
dis tambem o que se segue:
« O fonte de sabedoria, lingoa de cheiro, Paulo, rogai por nos,
« alleluia, alleluia, alleluia, que siguamos o rasto de vossa doutrina
« e tenhamos parte em vossa heranc^a. O Pedro, cabe<;a de todos
« os santos, lumieira do mundo, senhor dos christaos, alleluia, alle-
« luia. Benzei nossa companhia com o poder de vossa mao, alleluia,
« alleluia. Apostolos mestres, estrellas resplandecentes, rogai polla
« remissao dos pecadores, fazei que vossa misericordia se vea pella
« menhaa >. Dis hum diacono « Levantajvos a ora^ao » e hum sacer-
dote: « Pas a todos vos outros » e logo le hum peda^o do Evan-
gelho.
E no sabbado somente se acrescenta o que se segue:
« Depois que Deos acabou de falar com Moyses, Ihe deu as
« tabosis da promessa, cuia escriptura e feitura era do Senhor, e
468 HISTORIA DE ETHIOPIA
« esculpida a guarda dos domingos, cercai a Sion e abragaia e falai
« dentro della. AUeluia, alleluia, alleluia. Os profetas sao sua forga
< e os apostolos sua candea e os santos e martires o acompanhSio.
« Alleluia, alleluia, alleluia. Estes sao ramos de vides e o rio do
€ Evangelho do reino. Alleluia, alleluia, alleluia. Trabalhaj poes,
« meus irmaos, porque nao sabeis a hora em que ha de vir o novo
« senhor da Ccisa. *Trabalhai poes, meus irmaos, porque vos nao ache f. 209.
« dormindo de nojte, ou amanhecendo; trabalhaj poes, meus irmaos,
« tende cingidos vossos lombos e acesas vossas candeas ; trabalhai
« poes, meus irmaos; a graga e pas se vos multiplique em Jesu
« Christo; trabalhai poes, meus irmaos, alevantando a virtude do
« Evangelho e gloriandovos com a graga da crus; trabalhai poes,
« meus irmaos, confiai em Deos e encostaivos nelle ; assim corao o
« Profeta de polla menhaa ate a nojte confiou Israel em Deos.
« Senhor, perdoainos Christo >. Isto dizem doze veses.
No domingo somente se acrescenta o que se segue:
€ Abiiciamus opera tenebrarum e induamur arma lucis, como
« disse sao Paulo ; se esperamos em sua morte, seiamos semelhantes
« a sua vida. Apressemonos a entrar em seu descanso. Joao virgem
« figurado nos diligentes, Joao virgem gloria dos Santos, Joao or-
« nado com claridade, trombeta que soa em Epheso, rogue por nos
« e pella remissao dos peccadores, alleluia, alleluia. Os apostolos
« de pas, lumeiras do mundo, participantes dos tormentos lancem
« de la sima canos cheios de misericordia », Aqui dis hum diacono:
« Levantajvos a oragao » e logo hum sacerdote : « Pas a todos vos
outros » e lee o Evangelho de sam Joao: « In principio erat Ver-
bum etc. » e logo: « Pas com vosco, domingo de claridade e resplan-
« dor, domingo de misterio, cabega dos tempos, alleluia, alleluia,
« alleluia, assim como testemunhou Joao que fostes chamado lem-
« bran^a da resurrei^ao de Emanuel. Senhor, perdoainos. Christo >.
Isto repetem doze vezes.
O que se segue dizem todos os dias :
« Benzeinos, o Senhor nosso Deos ; louvamos vos » (aqui dizem
o Credo), e logo: « Pas com vosco, nossa gloria e honrra; pas com
« vosco, Maria coroa de nossa gloria ; pas com vosco, fortaleza de
« nossa salva^ao; pas com vosco, jardim de rosas ». Desta maneira
vao saudando muitas vezes a Virgem nossa Senhora e depois
alguns anios, e ultimamente dizem huns versos, que tratao da
humildade de Christo N. S.**' e da prizao no horto, e o que pa-
LIVRO II, CAPITQLO XII. 469
deceo em casa de Caifas, e com isto acabSlo o que cantao em
luguar de nossas matinas.
f 209,v. *Quando amanhece cantSlo o que segue :
« Santo Deos, santo poderoso, santo vivo immortal, que naceo
« de santa Maria Virgem, aveis misericordia de nos, Senhor Santo
« Deos, santo poderoso, santo vivo e immortal, que se bautizou no
« Jordao e foj crucificado no madeiro da crus, avei misericordia de
« nos, Senhor. Santo Deos, santo poderoso, santo vivo immortal,
« que resocitou dos mortos ao terceiro dia e sobio com gloria aos
« ceos, e esta a mao direita de seu Padre, e outra ves ha de vir
« com gloria iulgar os vivos e mortos, avei misericordia de nos.
« Gloria ao Padre, gloria ao Filho, gloria ao Spirito Santo agora e
« sempre e pera sempre dos sempres. Amen, Amen, seia, seia.
« Santa Trindade, Deos vivo, avei misericordia de nos. A Deos ver-
« dadeiro convem gloria, a vos Senhor feitor de todas as cousas
« invisiveis, Deos, abri nossas almas, damosvos gloria da menhaa,
« Senhor ; a sabedoria do todo poderoso e misericordioso Deos, edi-
« ficador dalma damos a gloria do que naceo antes dos segres, pa-
« lavra do Padre, o qual descansa em seus Santos, e vos ficais
« glorificado com a gloria que sem cessar vos dao os choros dos
« anios ; a vos, que nao fostes feito com mao, criador do escondido, in-
« visivel, limpo e santo, que nos disse a sabedoria escondida e santa,
« e nos destes esperan^a da claridade que nao se perde, gloria
« e louvor vos damos e santidade limpa dizemos nos vossos servos
« e o povo vos glorifica ».
« Deos da claridade, dador da vida, cabe^a do entendimento,
« dador da gra^a perfeita, feitor da alma, proveitoso dador do Espi-
« rito Santo, thesouro da sabedoria, aiudador mestre dos santos e
« alicesse do mundo, que recebe a ora^ao dos limpos, a vos damos
« gloria, Filho unico primogenito, palavra do Padre. As gra^as que
« destes aos que vos chamamos sao vossas, Padre limpo sem nodoa;
« as almas que confiao em vos Ihes dais gosto com a visita dos
« anios, claridade que foj antes do mundo, nosso guardador, the-
« souro que nao se perde, alumiastes nos as trevoas que tinhamos
f. 210. « com a determinacjao de vosso Padre, tirastenos do profundo *a
« claridade, e de morte nos destes vida e nos livrastes da servidao.
« Com vossa crus nos fizestes chegar a vosso Padre sobre os ceos,
« com vosso Evangelho nos guiastes e com os Profetas nos conso-
« lastes; a vos nosso Deos nos fizestes chegar; mas dainos clari-
470 HISTORIA DE ETHIOPIA
* dade, Senhor. A vos nosso Deos damos louvor sem cessar dizendo :
* nos somos vossos servos, e o povo vos louva: tres veses vos
* damos este louvor de nossa boca com vosso reino psra sempre.
t Jesu filho de Deos, que he sobre todos, com o Padre, toda a
* creatura vos louva com terror e tremor, todas as almas dos iustos
< estao en.costadas a vos, que nos quietastes as ondas dos furiosos
« rios, que da perdii;ao nos fizestes porto de vida, descango no fim
« da carreira e esperanija da vida etema. Livrastes aos que atribula
< o mar e aos do deserto sarais com gra<;a ; acompanhais aos que
« estao em dura prizao, soltastes nos das cadeas da morte, con-
« solais aos pobres e tristes e aos que trabalhao livrais com vossa
1 crus e afastais vossa ira dos que confiamos em vos, a quem os
* profetas e apostolos louvarao escondidamente, A vos, Senhor,
< louvamos e glorificamos : dainos que cumpramos vossos manda-
« mentos, fazendo vossa vontade, pera que descansemos em vos na
« morada de vida. Senhor, visitai com vossa misericordia a todos
« os grandes e pequenos, principes e povo, ao pastor com seu gado,
« porque vosso he o reino, bendito Senhor nosso Deos. Gloria ao
t Padre, ao Filho e ao Spirito Santo des dantes dos segres agora
< e pera sempre e pera sempre dos sempres e pera geraijao de ge-
t ra^ao, que nSo se acaba, e pera os segres dos segres. Amen ».
a. PreccB auptadi- Isto he o que cantSo pella menhaa, mas o que dizem nas de-
ctaBmoDachi recltant . , , ■, ■, , <
mane, sedAuctorsu- 1"^'^ horas e a tarde em luguar de vesporas nao pude achar com
sptcatur eiiam JQter- fazer nao pouca diUirencia, porque, como dizem todo de cor, nao
diu et sub vesperaa => i i
aliaa ab ipsiB preceB se acha facilmente o livro em que esta, e de palavra nao mo
tranacripsi^^ei^^^quci^ quiserao dizer. E ainda o que assima tenho referido tirei de hum
d«m libro, quem ae- livro que escondidamente e em muito segredo me deu hum frade
creto illi detulit qui~ ■ ,r
dam monachua eiua meu amigo. Mas em hum sinodo, que elles chamao dos Apo-
■™ '^^' stolos, no mandamento 5' se Ihes ordena que digao officio asslma
e tambem ora<;ao de ter<;a a honrra dos acoutes de Christo ; de 6°,
por ser naquella hora crucificado; ora^ao de noa, por spirar en-
tao na crus e tremer a terra ; e ora^ao da tarde, por Ihes dar o
Senhor a noite pera descansar do trabalho do dia; e orai;ao da nojte,
pera que Deos os Hvre dos filhos das trevoas. Donde se ve que
parece que tem todas as horas como nos.
f2io,v. CAPITULO XIII.
Do sacramento da Ordem e das ceremonias de que usa
o Abuna quando ordena.
Em todas quantas terras senhorea o Preste Joao nao ha quem i.Ordinibussacris
de ordens mais que hum s6 Bispo, a quem os Ethiopes chamao |!^^rat ^^^*una*
Abuna, que he palavra arabia e quer dizer c Padre nosso > . Este Ihes q«i « Patdarca Alc-
xandrino inBtituitur»
vem sempre de Egypto mandado pello Patriarca de Alexandria, ct seligitur intcr mo-
que de ordinario reside na cidade do Cajro, por causa dos muitos ^*^°« antonianos
^ ^ J ' ^ aegyptios, non ae-
negocios que tem com o Baxa dos Turcos, de quem depende quasi thiopcs, qui sunt
em todas suas cousas; e quando de Ethiopia Ihe pedem Abuna, scdpsit^UKcta.
manda elle iuntar os frades egypcios da ordem de s. Antao, que
se achao no Cajro e elles Ihe presentao hum ou dous frades de sua
ordem que Ihes parecem mais suflBcientes, e elle escolhe e confirma
o que dos dous acha mais idoneo.
Bem sei que frei Luis de Urreta dis p. 439 que os monges
de s. Antao ethiopes, que moram em Jerusalem, sao os que presentao
o que ha de vir a Ethiopia por Abuna; mas enganouse, se avemos
de dar credito aos mesmos Egypcios, que dela vem com o mesmo
Abuna, que me affirmarao que em sua elei^ao nao entravao frades
ethiopes de nenhuma maneira, senao egypcios. Tambem me affirmou
o abuna Simao, que aqui matarao em majo de 617, como ia dis-
semos, que nem elle era Patriarca, nem nenhum de seus antecessores
472 HISTORIA DE ETHIOPIA
o fora, senao somente Bispo. Este procura sair dentre os Turcos
com todo seg^edo, porque, se o sabem, nao o deixSo vir sem pagar
muito dineiro, e ainda depois que partio, se chega a sua noticia,
obrigao (segundo dizem) ao Patriarca de la a que pague ; e por estes
inconvenientes manda de qua algumas veses o Emperador ouro pera
que de aos Turcos e alquance delle licen^a, mas ainda que Iha dem,
quasi nunca vem por mar, por ser o caminho comprido, e porque
o Baxa de Suaquem Ihe nao empida a passagem pera Ihe tomar
algum fato ; que pera isto nunca Ihes falta achaques aos Turcos, e
assim vem por terra com grande trabalho e peligro de doenga, por
causa dos desertos e calmas *do caminho, em que dizem que de f. 211.
ordinario gasta 40 dias.
a. Abuna, qui iti- Como chega a Ethiopia, o recebem com muita festa e honrra
restti^^^ob^TQTMm^ ^ ^ Emperador Iha fas sempre grande, porque todas as veses que
mctum in Aethio- entra onde elle esta, se alevanta em pe e chegando Ihe toca na
piam se conf ert, ma-
gnis honoribus ma- testa com huma crus pequena de prata, que sempre trazem na mao
xime ab Impcratore ^ jj^j^ ^^ ^ beijar; e logo se assentao ordinariamente no chao sobre
cumulatur. Ad eius -' ' ^
sustentationemaddi- alcatifas, mas o Emperador se encosta sempre a coxins de borcado
cx opimis totius re- ^u veludo. As terras que Ihe dao sao muito grandes e fermosas e
gnipraedii8;adhaec sempre humas, porque estao sinaladas pera isso de tempos antigos
omnes, qui sacris ^ » x- ^ x- jt o
ordinibus inaufi^u- e das igrejas tem muitos proveitos. Tambem toma de cada hum
ndaersairs^uLmam V^^ ordena huma pedra e mea de sal e algnmas veses duas, que
solvere tenentur. gao de dous dedos e meo de largo e ojto de comprido e correm
Abusus in hac re ab .......
Auctore notantur. por moeda, e aqui em Dambia dam de ordinario tnnta por certo
pezo de ouro que sera hum cruzado. E isto vem a montar muito
poUa multidao grande dos que sempre se ordenao, principalmente
de ordens menores, porque as veses as da ate aos meninos de mama,
e muitas depois de chegar o tempo que tem publicado pera dar as
ordens e estarem muitos iuntos de diversas partes, Ihas dilata por
muitos dias, e os fas trabalhar em Ihe trazer Ihena e outras cousas
que tem necessidade, com o que padecem os que sao de longe,
porque se Ihes acaba a matalotagem que traziao ; e huma ves estando
eu com o Emperador, Ihe fizerao queixume do abuna Simao, que
avia muitos dias que detinha os que se vierao a ordenar e os fazia
trabalhar em Ihe trazer lenha e aiudar a huma casa que edificava,
e que, por estarem ia cansados e Ihes faltar o gasto, se iuntavao
todos a tarde e cantavao as ladainhas onde elle ouvisse, rogando
a Deos que Ihe movesse o cora^ao pera que os despachasse. Enfa-
douse o Emperador e disse: Nao sei como nao o movem estas
LIVRO II, CAPITULO XIII. 473
coussis. Respondeo hum dos grandes: Por g^a^a, Senhor, nfto he
®8fypc^^ P] * po^s que muito que nSo se mova per rogos e oragois ,
pois seus antepassados nSlo se moviao com quantas pragas Ihes dava
f.2ii,v. Deos em tempo de Moyses [?]. *Mandoulhe entao dizer o Emperador
que nSio fizesse esperar mais aquella gente, senSlo que Ihes desse
ordens, porque se queixavao muito; e por isso Ihas deu antes do
que as ouvera de dar.
Quando ha de dar ordens, manda armar no campo huma tenda 3. Sacrisordixiibus
« • • « 1. j*j j j tum minoribus, tum
grande, porque nas igrejas nSo ha comodidade pera por em ordem niaioribus sacerdo-
tanta gente, como comummente se ordena, ainda que algiima ves, **® cxcepto, plurimi
X o initlantur aimul uni-
quando nS.o sSio muitos, fas isto em alguma igreja que tenha diante co ritu. Verba, quae
bom terreiro, onde os mandSlo assentar em tres fieiras ordinariamente £©« arabiro^niKme
e os contao pera ver quantais pedras de sal se Ihes ha de arecadar, Auctor numquam
,, , . , -. . - potuitrcacire. Nomi-
e Ihes poem hum smete com tmta no bra^o direito perto da mao. naaethiopicaseptem
Depois se assenta o Abuna em sua cadeira na porta da igreia ou o'***^'*°*-
tenda, quando nella da as ordens, e le hum pouco em hum livro
em lingoa arabia, e logo vao chegando hum e hum os que se hao
de ordenar e Ihes corta algtins cabellos da cabe^a, que parece he
a primeira tonsura e, se acerta de vir rapado (como muitos vem),
tocalhes com a tesoura na cabe^a e vao saindo poUa outra banda
da tenda que tambem esta aberta, e como passao todos, le outra
ves no livro, e elles tornao outra ves a passar por ordem como
primeiro ; e vaj fazendo certas ceremonias e dizendo algumas pala-
vras que nunca pude saber, porque o [que] tem o livro de nenhuma
maneira mo quis mostrar nem as dizer.
Desta maneira da todas eis ordens iuntas, excepto o sacerdocio,
que o da outra vez e pera estas primeiras nao precede exame
nenhum, porque, ainda que nao saibao ler, Ihsis da. Hum frade me
deu por escrito os nomes dellas, que sao estes : Ostiario c Aceita
havaheu > ; Exorcista c Mecemeran » ; Leitor c Anagunstiz » ; Aco-
lito « Caoare mahetot »; Subdiacono c Nefque diacon », que quer
dizer meo diacono. Ao Diacono chamao « Diacon » ; ao sacerdote
« Cassis » ; mas he palavra arabia, e ao sacerdocio « Quesna ».
Isto referi porque frei Luis de Urreta pag. 520 da a todas
estas ordens nomens tam inauditos nestas terras que dixendoos
f. 2 < 2. eu a alguns, pera ver se tinhao noticia delles, os feste*iarao com
muito riso, como cousa que se enventara pera isso.
Aos que ha de ordenar de missa manda examinar primeiro por 4« l>« ridiculo exa-
..... , mine cui subiiciun-
alguns mmistros egypcios que tem, e aos que aprovao poem no bracjo
C. BiccARi. Her. A»tk, Seript. oce. ined, — II. 60
474 HISTORIA DE ETHIOPIA
tur, qui Mcerdotio direito hum sinal de tinta preta com hum sinete; mas o cxame he
QiK^dam^documeit- **"* fraco, que a poucos ou a nenhum reprovao, ainda que saibSo
mm supioae igno- muito mal ler, porque procurSo de aprender ler aquillo em que os
raodae sacerdotum
Aethioplae. hao de examlnar, que sao luguares certos: o pnncipio do evangelho
de sam JoSo, o principio do z capitulo dos Actos dos Apostolos e
o principio do capitulo 23 dos mesmos Actos. Xestas tres partes os
fazem ler hum pouco, porque nellas estao certas letras diSicukosas
de pronunciar aos que nSo sabem bem ler. Tambem usSo de outro
engano os que se vem a ordenar, que he iuntaremse todos 03 de huma
terra e porem diante alguns que sabem bem ler, e o examinador,
como acha aquelles que lem bem, aprova a todos os daquella terra,
por nao cansar tanto, E daqui vem que muitos dos que dizem missa
nao sabem quasi ler, como eu vi entrando em hum mosteiro grande
pera ver as ceremonias de sua missa, e o que a dizia foj cantando
algumas cousas de cor, e chegando a ler o Evangelho pollo livro,
marchava de maneira que foi necessario chegar outro frade pera
Ihe ir dizendo, mas este sc embara<;ava pouco menos delle e assim
acodio outro, emmendandoo no que errava ate que acabou. Pei^ntei
a hum frade dos maiores letrados que elles tem, se aos que exa-
minavHo Ihes faziao declarar alguns luguares da Escritura ou les
perguntavao alguma questao de theologia : respondeome rindo : Netn
os que examinao, nem o mesmo Abuna sabem isso; como Ihes hto
deperguntar? Somente examinao em ler.
5. Ritua ialtiatio- Acabado o exame, se assentao no chSo em fieira os que se hio
baformaenequitAu- ^e ofdenar e o Abuna em sua cadeira e le hum pouco no livro
ctor referre, qula li- arabio, e logo vao checrando hum e hum por ordem e poem o rosto
bruro quo ritu» con- 00 r r
tlnentur.etiaminter- sobre suas maos e passao polla outra porta da tenda ; depois tornao a
Ras" Cela"chri8«B* ^"t''^'^ ^ asopralhe no rosto e desta maneira Ihes vai fazendo *outras f.s;
babere prae manibua ceremonias, como benzelos com huma crus que tem na mao, fazer
numquam potuit. Sa- ■
cerdotea non roodo que toquem na pedra dara e ungilos com oleo, e ultimamente Ihes
^^""•«['"^^''ad ^^^ huma pratica, dizendolhes que nao sirvao a seculares, que nao
secundaa nuptiaa, si tragao armas, que nao andem desmandados com molheres alheas ecc.
libet, convolant «n- t~ t • j,- «,_ .j.-^j
nuente Abuna. -^ depois dis o Abuna missa e comungao todos. Ordena a COXOS,
mancos e cegos, e destes conhe(;o eu alguns, e perguntando pera que
ordenavao de missa a cegos, pois a nao podiao dizer, respondeome
hum frade que para que pudessem escomungar, aiudar e confessar
e cantar na igreja,
Todos os clerigos sao casados, mas casao antes de se ordenarem
de missa e com molher virgem e de pois, se Ihes morre esta, nao
UVRO II, CAPITULO XIII. 475
podem casar com outra e quando o fazem (que he muitas veses), os
suspende dos ordens o Abuna, mas ficao com a molher em casa, e
ainda me affirmarao por cousa muito certa e sabida de todos, que
como peitavao, o Abuna Ihes tornava a dar licen^a que dissessem
missa e tivessem aquella molher. E de hum clerigo me contarao
que, morrendolhe a primeira molher e casando com outra, se foj ao
Abuna e Ihe disse: Senhor, eu nao pude deixar de casar a 2* ves:
tomai la o sacerdocio que me destes. Respondeo elle : Vos sois bom
homem : nao tenhais paixao, dizei missa e estai com essa molher ;
que eu vos dou licen^a. Disse o clerigo: Nem quero dizer missa,
nem estar com esta molher. Mandoulhe entao o Abuna, soppena de
excomunhao que dissesse missa e que nao deixasse a molher. Nem
me maravilho muito que os Abunas se aiao desta maneira com os
clerigos, pello muito pouco que sabem e roim exemplo que ordina-
riamente dao na mesma materia.
Muitos tem grande escrupolo sobre eis ordens que o Abuna da 6.Devaliditateor-
£c « * j' j i-j' • j TT^u* j. dinum multi in ipsa
e amrmao que nao da as de subdiacono, ainda que em Ethiopia tem Aethiopia dubitimt.
o nome, que he Nefque diacon. E profiando eu com alguns frades R«tio dubitandi : o-
pinio patriarchae
que falavao nisso, e com Eraz Sela Christos irmao do Emperador oviedo et P. loannis
que nao podia ser senao que se enganavao, porque como da todas i^^pfatola^adTAu-
f. 213. as ordens iuntas *ate diacono e fala em outra lingoa, nao entenderiao ctorem data.
suas palavras nem advirtiriao bem se dava de subdiacono ou nao ;
nias com tudo me contradisserao affirmandose no que diziao. Tambem
estando eu huma ves so com o emperador Seltan Sagued, me disse,
que tinha muita duvida no sacerdocio dos de sua terra, mas nao me
declarou em que se fundava. E o padre patriarca dom Andre de
Oviedo a tinha mui grande e ainda dizia, que nas formas sacramen-
tais, de que usavao os Abunas na administra^ao das ordens, avia
altera^ao substancial, como me escreveo de Roma, a 29 de dezembro
de 1605, o padre Joao Alvares de nossa Companhia, sendo assistente
de Portugual por estas palavras, tratando de hum frade por nome
Taquela Mariam, que daqui foi a Roma por via do Cajro: « Porque
« o padre Patriarca tinha la e qua dada huma advertencia que nas
« formas dos sacramentos nessa Ethiopia avia altera^ao substancial,
« ou que maliciosamente as corrompessem ou que com o tempo se
« alterarao, pareceo aqui bem, avisando della os Padres, ordenalo
« sub condicione, e tratando o caso com o cardeal Santa Severina
« de boa memoria, protector dessas na^oes, mo fes muito difficil;
« mas como era muito zeloso do bem universal da Igreja, se rendeo
476 HISTORIA DE ETHIOPIA
« e me ordenon que eu tentasse ao dito Taquela MzLriam, porque
< tinha que nao veria nisso. Felo eu, e tambem o achei difficilimo;
« com tudo, declarandolhe o segredo com que se avia de fazer e a
« probabilidade que avia de nfto ser ordenado, se rendeo e se pedio
« licenQa a S. Santitade, que a deu de boa vontade ao Cardeal, e
« em sua capella hum Bispo, que tinha em casa, grande zelador destas
« cousas, com gram segredo o ordenou sub condicione; com que este
« bom homem ficou outro : o mais alegre, contente e consolado que
« V, Rev.** pcde cuidar, sinal quanto a mim de elle nSLo ser bem
« ordenado e primeira ves. A causa que pedia tanto secreto, era
« pera que la nao se soubesse que elle tinha os sacramentos de la
« por invalidos e por isso se ordenava qua *valide, que seria causa f.2i3,v.
« de o tratarem mal. Era prudente e muito modesto : foi perda
« morrer >. Ate aqui sSo palavras do padre JoSo Alvarez, e pouco
antes dellas dis : este frade tomava pera Ethiopia por via de Por-
tugual e que morreo no caminho.
O livro per onde se dao as ordens, como ia disse assima, nunca
o pude aver as maos, metendo pera isso ate Eraz Sela Christos;
mas o padre Patriarca dom Andre de Oviedo nfto avia escrever a
Roma, que avia altera^ao substancial nas formas dos sacramentos
se nao o soubera muito bem ; nem parece que sem fundamento ouve-
rao de duvidar nisso, como duvidao, muitos frades e seculares de
Ethiopia. Huma cousa he muito certa e sabida de todo, que o abuna
Petros, que morreo o anno de 1607, estando huma ves dando ordens,
ia cansado por ter dado a muitos, e ficandolhe ainda grande numero
por ordenar, mandou dar pregao que todos os que ali se tinhao
iuntado pera tomar ordens, quaisquer que. fossem, ficassem ordena-
dos, que elle Ihas concedia, e arrecadarao as pedras de sal que
custumao pagar, e elles se forao tendo per certo que hiao ordenados.
Nao faltou quem se escandalizasse muito disto e o fosse dizer ao
Emperador que entao era Malac Sagued ; e elle o mandou chamar
e estranhou muito o caso, e disse que fizesse iuntar a todos os que
ali primeiro estavao, a quem nao tinha dado ordens e os ordenasse ;
e ia pode ser que alguns fossem de terras muito distantes e nao
ouvissem que os mandavao tornar, e ficassem dizendo missa e ouvindo
as confissoes sem serem ordenados. E antes deste abuna Petr6s,
dizem que fes o mesmo outro chamado Marcos. Por onde sendo o
Abuna tam idiota como isto, nao me maravilharia muito que dei-
xasse sem advertir cousas essenciais nas formas dos sacramentos.
LIVRO II, CAPITULO XIII. 477
Do que temos dito neste capitulo, se ve quam pouca informa<;ao 7- Quam absona
teve frei Luis de Urreta sobre estas cousas, pois em muitas dellas urreta dTciericis^t
affirma o contrario no cap. ii do 2*^ livro de sua historia; onde Mccrdotibua Aethio-
piae singillatim de-
f. 214. depois de referir *as ceremonias, com que elle dis que da as ordens monstratur.
o Abuna, poe estas palavras:
« Bien avera notado el leitor em este modo de dar las ordenes
« quan certos son en ceremonias, y tambien algunas cosas contra-
€ rias a todo buen consierto, como es ordenar a los ninOs de Evan-
« gelio y de las otras ordenes menores. Tambien ordenavan de
« las 4 menores a coxos, mancos, ciegos y com otros defectos cor-
« porales. Pero por estos y otros abusos no los avemos de condenar
« luego por hereges, como hazen algunos rigurosos calificadores,
« porque lo hazian con ignorancia, y en mandandoles la Iglesia lo
« contrario, han obedecido como buenos hijos, y ordenan agora al
« uso de la Iglesia Ronuina, con los mismos ritos y ceremonias,
« dando las ordenes los Obispos y Arcebispos a sus feligreses em
« sus dioceses ; porque es ofRcio proprio de ellos el consegrar assim
« a los hombres como a los tiemplos, vasos y vestido, aunque
« las 4 ordenes menores en este tiempo las dan los Abbades spi-
« rituales y los Vicarios o Curas, por particular comission de los
« Sumos Pontifices. Quanto a lo que es ordenar a los ninOs de todas
« las ordenes hasta el diaconato, hazian mal; y por esso lo han
« dexado; pero quedavan verdadeiramente ordenados. A los coxos,
« ciegos y mancos que ordenevan, lo han dexado, y no se usa »,
Isto dis o Autor ; mas enganouse muito, porque ate oie ordenao
os meninos das 4 ordens menores e de Evangelho, e aos coxos,
mancos e cegos de missa. Por onde, se a Igreja Romana Ihes mandou
em algum tempo que o nSo fizessem, nSo obedecerao a seu man-
dado; nem ha em Ethiopia quem de ordens nenhumas mais que
o Abuna, que s6 elle he bispo, e os Abbades e Vigairos nSo tem
licen^a pera dar as 4 menores, como logo diremos.
Pouco mais adiante dis que ha em Ethiopia clerigos virgens
e outros casados, e trata difusamente delles e dis que em cada paro-
chia, de 4 que poem em cada cidade, ha 1 3 sacerdotes virgens, scilicet
f.2i4,v. que nao sao casados, nem *o forao nunca e que se hao como cle-
rigos regulares. Os 1 2 sao subditos e outro superior e de ordinario
[0] que he vigairo ; e todos estes pera serem admittidos a esta digni-
dade hao de ser nobres e de idade de 50 annos e ham de dar mostra
de homens mortificados, compostos e religiosos, e assim, antes que
478 HISTORIA DE ETHIOPIA
os recebao, os fazem estar tres annos dentro do claustro (porque as
parcchias estao a maneira de mosteiros com seu claustro), e se
exercitao em obras humildes e de mortificagao ; e no fim deste tempo
o poem em capitulo e sendo admittido o mandao ao Bispo com
testemunhos dos sacerdotes e fregueses da parochia, que tambem
estes dao seu voto. Vaj sobre hum elefante, sentado dentro de hum
como andor mui rico ao modo que costuma a caminhar o Preste
Joao e os prelados de Ethiopia ; acompanhaono seus parentes e
amigos, e desta maneira se presenta ao Bispo e elle o recebe com
muita honrra e vendo se suas dimissorias sao bastantes, o ordena
4^ feira de Epistola, 6* feira de Evangelho e sabado de Missa. Depois
torna pera sua igreja com o mesmo acompanhamento, e todos os
sacerdotes o saiem a receber vestidos com os omamentos com que
dizem missa e o superior delles abrindo hum livro dos Evangelhos,
Ihe fas iurar perpetua obediencia a Igrej^ Romana e a observancia
da primitiva Igreja Antiochena. Acabado isto dis missa nova com
grande solennidade e depois Ihe fazem muitas ceremonias, cubrin-
dolhe ultimamente o rosto com hum veo preto que Ihe chega ate
o peito (costume dos sacerdotes virgens levar sempre o rosto cu-
berto com hum veo), e como morto ao mundo le dizem : Requiescat
in pace. A estes sacerdotes da o Preste Joao em cada cidade mais
de mea legoa de terra, onde edificao casa^ e luguares, prantao e
semeao e tem ortas e iardins, onde vivem *com gente de servipo, f. 215
tirando molheres que nao podem entrar.
Dos sacerdotes casados dis que podem ser trinta dous em cada
cidade do imperio e que Ihes concederao isto em hum dos Concilios
antiochenos a peti^ao de hum Emperador, que os Ethiopes chamao
Joao o santo ; onde iuntamente Ihes derao licen^a que pudessem ser
casados com condi^ao que fizessem voto de castidade coniugal, quando
se ordenassem in sacris, e que nao ouvessem tido mais que huma
molher e que ella nao ouvesse sido viuva; e que ella morta nao
pudessem casar outra ves. E no fim do cap. dis que o Summo Pon-
tifice Gregorio 1 3, em huns breves apostolicos que despachou pera
Ethiopia e trouxe Joao Balthesar, niandou aos sacerdotes virgens
que vestissem a romana, que fizessem coroa de clerigos, porque
antes rapavao toda a cabe^a e traziao a barba comprida, ao con-
trario dos seculares que rapao a barba deixando os bigodes e o
cabello da cabe^a comprido. Mandoulhes que usassem de barrete
de 4 cantos, porque antes os traziao redondos, e que vistissem loba
LIVRO II, CAPITULO XIII 479
e manteo a romana, que antes traziao roupas compridas pouco dif-
ferentes das dos seculares, e que trouxessem roxetes, e declarou
que nao era seu intento que os sacerdotes casados gozassem destes
privilegios.
Estas e outras muitats cousas dis ali o autor; mas todas sSio
huma mera fic^So inventada de quem o informou, porque nSo ha
nem ouve nunca em Ethiopia (segundo todos dizem) tais clerigos
virgens, nem se vio qua nunca elefante mango, nem andor, e ainda
que ouvera semelhantes clerigos, nSo Ihes ouverao de fazer iurar
perpetua obediencia a Igreja Romana; pois estao afastados della
e tem sua doutrina por falsa, como vimos nos primeiros capitulos
deste 2° livro. Por onde, se o Summo Pontifice Gregorio 13° de-
spachou alguns breves pera Ethiopia, como dis o autor, seria por
f.2i5,v. falsa informa^ao de Joao Balthesar, *nem qua tem noticia de tais
breves, nem de barrete de 4 cantos, nem ha quem vista a romana,
antes muitos delles quasi a turquesca, principalmente o Abuna.
Todos os clerigos sao casados e se se contentarao com suas mo-
Iheres fora grande bem; porem casao antes que se ordenem de
missa e com molher donzella, como assim[a] dissemos ; rapao toda
a cabe^a e deixao crescer a barba, como tambem o fazem muitos
seculares, e geralmente nenhum rapa a barba ; nao se deferen^ao
delles no vestido: quem pode veste huma cabaja branca de algodao
com cabe^ao alto e iusto, e sobre esta outra de pano de nosscis
terras ou de alguma seda que Ihes vem por via dos Turcos ; e na
cabega barrete redondo ou comprido de qualquer cor que achao,
e algumas vezes sobre elle touca como as dos mouros. Trazem cal-
9oes estreitos e compridos ate os ^apatos. Os que sao pobres nao
trazem mais que hum pano branco de algodao, com que se cobrem
e hum cal^ao ate meia perna, a cabe^a descuberta e pes descalsos;
mas trazem todos na mao huma crus de ferro delgada ou de pao
preto como de hum palmo, que he proprio dos clerigos, ainda que
tambem a trazem as freiras. Deseiei saber em que tempo tiverao
principio estes sacerdotes casados; mas nao achei quem me sou-
besse dar rezao, que quanto o que frei Luis de Urreta tras, pag. 526,
que o Preste Joao, que os Ethiopes chamao Joao o Santo, alquangou
licen^a pera que os clerigos pudessem ser casados, he falso, porque
nunca ouve em Ethiopia tal Preste Joao, como diremos no fim
deste livro.
Ao que aqui refirimos do Autor, que os Bispos e Arcebispos
480 HISTORIA DE ETHIOPIA
dao as ordens a seus fregneses, me pareceo acrescentar o que dis
pouco mais adiante cap. 12, onde dis, que os Arcebispos deste im-
perio sSo 12 e os Bispos 72, e que do principio da christandade
desta terra nunca ouve mais nem menos, ainda que he terra tam
larga que pudera aver muitos mais, porque com isto conservao a
memoria *dos doze Apostolos e 72 Dicipolos; e que o Arcebispo f.216.
mais antigo tem as vezes do Summo Pontifice e he nuncio aposto-
lico em toda Ethiopia por breves particulares de Clemente 7*^ e
Paulo 3° e outros Pontifices Romanos ; e que afora estes prelados,
que govemao o espiritual da christandade de Ethiopia, ha hmis
Patriarcas, Arcebispos, Bispos titulares, que sSo consegrrados, mas
nao tem igrejas, nem ovelhas, e estes assistem no Gram Conselho,
e os elege o Preste JoSo por breves que pera isso tem dos Ponti-
fices nomeados.
Ate aqui sSo palavras do Autor, mas nem ellas nem em quasi
todo quanto dis naquelle capitulo ha nenhuma que diga com a ver-
dade do que qua passa ; porque nem ha, nem ouve nunca taes Arce-
bispos, ou Bispos, a fora do Abuna, nem Nuncio Apostolico, nem
tais Patriarcas, que assistao no gram conselho, nem ainda sacer-
dote, porque todos sSo seculares. Por onde, se os Pontifices Ro-
manos passarao tais breves, seria por falsa informaQao dos que os
pedirao, pretendendo acreditaremse la assy e a sua terra com mo-
strar que avia nella tal modo de governo e que erao obedientes a
Igreja Romana. Nem ha Abbade nenhum, que desse algiim dia
ordens menores, nem as possa dar. S6 avia duvida do Geral dos
frades de Abba Taquela Haimanot, a quem chamao Ichegue, que
he nome de officio; mas vindo este dizendo no anno de 16 15 que
tinha poder pera as dar, Ihe resistio o Abuna que entao era e fa-
zendo demanda sobre isto, iulgarao que so o Abuna tinha poder
pera dar Ordens, e assim ficou excluido o Ichegue.
CAPITULO XIV.
Em que se trata dos erros que os Ethiopes tem acerca
do sacramento s.^ do Matrimonio e das ceremonias
que nelle usao.
f.2i6,v. *Com ensinar Christo Nosso Senhor tam claramente no sagrado i. ApudAethiopes
evangelho quam insoluvel seia depois do bautismo o Matrimonio Jl^^^nec semTCr
consumado, dizendo que o marido e a molher nao sao dous senao gravescausasexecn-
, tentia iudicis civilis
huma came, que o que Deos aiuntou o homem nao afaste, Ma- vei ecclesiastici ; im-
theos, 19, e que o que deixar sua molher e casar com outra comete iJ^"^^*^****^!!* ^
adulterio, e se a molher deixar o marido e casar com outro fas uxore aliae nubit et
adulterio, Marcos 10, Lucas 16; com tudo isso he cousa muito ordi- viro.
naria entre os Ethiopes deixar o marido a molher e catsar com
outra, e ella com outro; e pera isso nao he necessario mais que
irem diante dos juizes do Emperador e dizer o marido : c Nao posso
estar com esta molher: he muito brava, falame como quer e des-
mancha minha casa », ou outras cousas semelhantes; ou a molher:
« Nao posso sofrer este homem, porque me da muito ma vida, par-
ticularmente me deshonrra e ainda me espanca >. E costando destas
cousas, logo iulgao que se afastao e casem com quem quiserem ;
e se ambos pidem que Ihes dem licen<;a pera se afastarem, partem
o fato que tem e cada hum leva sua ametade ; mas se s6 hum dis
que se quer afastar, este nao leva fato nenhum: todo fica pera o
C. BcccARi. Her, Amik, Scripi^ oee, sned, — II. 6x
482 HISTORIA DE ETHIOPIA
outro. Tambem se o marido se ausenta por tempo de dous ou tres
annos, e a molher vaj aos juizes e dis que seu marido ha tanto
tempo que esta ausente e nSo tem que comer, que nao pode esperar
mais, que quer casar com outro, Ihe dao licen^a pera que o fa^a.
Isto mesmo juJga o Abuna, quando Ihe vao com estas demandas,
e dizem os Egypcios que assim o fas o Patriarca de Alexandria,
porque quando a molher se desaveu com seu marido de maneira
que nao quer estar com elle, se nao Ihe derao licen^a pera casar
com outro, deixara a fe e se fara moura. Muitos tambem, sem
f azerem estas demandas, deixao suas molheras e casao com outras
e ellas muitas veses contra vontade de seus maridos se vao e casao
com outros, sem que aia quem as obrigxie *a tornar a elles, o que f. 217
eu tenho visto por veses.
a. si adulterium Se algum homem acha que sua molher adulterou, a pode deixar
S^^iSto": e casar com outra sem demanda, nem nota alguma. porque he comum
tium opinantur ez doutrina entre seus doutores que Christo Nosso Senhor deu licen^a
prava interpretatio-
neverborumChristi, pera isso, quando disse, Matheos 5: « Todo aquelle que deixar sua
^Snds^et^pr^atia "^^^^^^» tirando por causa da fornica^ao etc. »; posto que ia muitos
disputationibus non entendcm o contrario, depois que Ihes mostramos em disputas pu-
licere ex lege Christi , , . _
divortium docuit, blicas e praticas quam grande erro seia este porque nao querem
nec sine fructu. dizer estas palavras que por causfi da fomica^ao se solta o vincolo
de matrimonio, senao que o que por causa da fornicagao se afastar
de sua molher, nao peca, que de outra maneira melhor fora a sorte
da adultera que a da inocente, porque a adultera ficava solta da lei
do matrimonio e podia licitamente casar com outro e a inocente
casta, a quem Ihe provarao falsamente que era adultera, nao podia
casar com outro, pois verdadeiramente nao estava solta da lei; nem
estar com seu marido, pois elle casava com outra; e muitas veses
os maridos forao de proposito adulteros pera se verem livres de
suas molheres e poderem casar com outras; e ellas, quando se
enfadarao de seus maridos, fariao o mesmo. Mas a sanctissima e
purissima lei de Christo N. S.*''^ nao da caminhos pera pecados ;
pollo que de nenhuma maneira se pode dizer que por causa de
fornica^ao se solta o vincolo do matrimonio.
Mas que necessidade temos de trazer pera isto rezOes, estando
tam clara a doutrina de s. Paulo ad Romanos 7 e Corinthios i*
cap. 7, que a molheresta a toda a lei em quanto vive seu marido,
de maneira que se for com outro sera adultera e que nao [he] elle
o que o manda aos casados, senao o Senhor, que a molher nao se
LIVRO II, CAPITULO XIV. 483
afaste do marido, mas que se se afastar, fique sem casar, ou que
torne a reconciliarse com seu marido, e que o marido nao deixe
f.2i7,v a molher. Aqui fala *s. Paulo da molher que se afasta de seu
marido por alguma iusta causa de divorcio como por causa de for-
nica^ao ou heregia, e desta dis que nao pode casar com outro,
senao que esteia assim ou que se reconcilie com seu marido. Por
onde nunca o vincolo do matrimonio se solta ate a morte, nem por
causa de fornicaQao nem por outra causa nenhuma. E que aqui fale
s. Paulo da molher que se afasta de seu marido por causa iusta e
nao da que se afasta sem tal causa, esta claro, porque desta nao
dissera : « Esteia assim ou se torne a reconsiliarse com seu marido »
senao : « Esteia assim ate que se torne a reconciliar com seu ma-
rido e de toda a maneira tome a seu marido ». Porque nao podia
sam Paulo dar licenija pera iniusto divorcio contra o espresso preceito
de Christo Nosso Senhor. E se elle no mesmo capitulo nao per-
mite aos casados que se abstenhao do comercio que devem hum ao
outro, senao por algum tempo e de consentimento de ambos pera se
darem a ora^ao e que tomem logo como antes, como avia de per-
mitir que a molher contra vontade de seu marido, ficasse sem-
pre afastada delle, sem causa nenhuma iusta[?]. PoUo que nao ha
duvida nenhuma senao que fala da molher que se afastou de seu
marido por iusta causa, e que desta dis que nao pode casar com
outro, senao que ha de estar assim, ou tornar a fazer amizade com
seu marido. Com estas e outras cousas que trazemos a estes Ethiopes,
vierao muitos em conhecimento desta verdade e estao firmes nella ;
porem muitos mais sem nenhuma compara^ao dizem o contrario e
o tem por cousa muito certa.
As ceremonias de [que] usao em seus casamentos perguntei a s.Describunturri-
r 1 1 t 1 • -i 1 tu8 nuptialea tam sa-
muitos frades e homens seculares, e disserao que, quando algnm criquwn dviles qui
mancebo quer casar com huma donzella, manda homens honrrados ot>t»n«ttt quando vir
e8t diaconus.
que falem a seus paes e presentalhes fato conforme a sua possibi-
f. 218. lidade, e como ^alquanga o beneplacito delles e della, da fiador de
Ihe nao quebrar olho, bra^o, nem pes. nem Ihe fazer outro mal
notavel, e pera Ihe nao faltar nas cousas necessarias de vestir e
comer e quando falta em alguma destas demandao ao fiador. Mas
quando os paes entregao a filha, scmpre Ihe dao muito mais fato
do que receberao do mancebo, e depois da morte delles herda a
fazenda de seus pais, se ficou ella s6, e avendo outros irmaos, a
parte que Ihe cabe, conforme as ordena<;oes do reino, porque
484 HISTORIA DE ETHIOPIA
sempre o mais velho leva dobrado que cada hum dos outros seus
irmSlos.
Alguns dias antes que cazem, fazem festa em casa do mancebo
e na da [sic] dos paes da donzella, tangendo e cantando de noite e de
dia; e se o noivo for diacono, a molher ha de ser virgem e ambos
v£io a ig^eja acompanhados de seus parentes e amigos, e iicando
ella ao luguar das molheres (que he na crststa ou alpendre, se o
tem a igreja, e se nao, antes de chegar a primeira cortina, donde
nao podem passar os seculares, como adiante diremos), entra elle
dentro e la Ihe dao os omamentos de [que] usa o diacono, pera aiudar
a missa e elle os leva nos bra^os ao sacerdote que esta aparelhado
pera dizer a missa, o qual Ihe da ben^ao dizendo: < Bendito Deos
« Padre todo poderoso, e bendito o Filho unigenito Jesu Christo,
« que naceo de S.'* Maria Virgem, e bendito o Espirito Santo pa-
« racleto. Gloria e honrra a santissima Trindade Padre, Filho e
« Espirito Santo pera sempre dos sempres » . E logo fas reverencia
ao altar e se reveste e aiuda a missa, e depois que comunga, levao
a comunhao a ella a porta da igreja e elle Ihe da o sangne, e
como acabao a missa, o alevantao a elle do chao nos bra^os dos
sacerdotes, e outros dous a ella e os tem assim em quanto cantao
algumas cantig£is, e depois os levao desta maneira ate os afastarem
hum pouco da igreja e deixandoos os sacerdotes, tomao *a elle f.2i8,v.
dous mancebos seculares nos hombros e a ella o que esta em luguar
de padrinho as costas e os levao a sua casa, se he perto, e se longe
em mulas com o acompanhamento que primeiro trouxerao.
4. Quo ritu ccle- Se o nojvo for secular, nem elle, nem sua espoza vao a igfreja;
cor^Qct^^pracscrtfm ™^^ ^^ ®^^® ^^^^ ben^ao, que muitas veses nao buscao, vai a casa
consanguincorum do Vigairo e ali Iha da brevemente e se toma. Algumas veses tam-
bem vai o Vigairo a casa dos nojvos a Ihes dar bengao, mas poucas;
e se a nojva esta em outra terra, a vaj buscar o nojvo em mula
acompanhado de gente de mula ou de cavalo conforme a pessoa e
muitos de pe com armas e tangeres, e nao dormem la de ordinario
mais que huma noyte, e polla menhaa a trazem em huma mula bem
omada, e se he senhora grande, a garni<;ao do freo he de prata
dourada, asentada sobre veludo carmesim e toda a mula cuberta de
borcado ou outra seda de maneira que nao se Ihe ve mais que o
que o freoo le deixa descuberto da cabecja e da metade das pemas
pera baixo. A nojva sempre vem vestida conforme sua qualidade,
e ainda que nao seia de muita, tras bons vestidos, porque quando
LIVRO II, CAPITULO XIV. 485
os nao tem, Ihos emprestao, e poem a touca de maneira que nao se
Ihes descobrem mais que os olhos, e chapeo de seda na cabe^a de
copa alta com hum veo ordinariamente vermelho, com as pontas tam
comprida[s] que Ihe decem pellas costas ate o cinto : modo ordinario
dtits senhoras quando caminhao. Mas algumas veses leva albornos
com o capello posto na cabe^a, e entao escuza chapeo. Vaj iunto com
ella hum homem de cada banda, que tenhao mam nella, se fbr neces-
sario, e le govemem a mula, porque ella nao tenha a redea na mao.
f. 219. *Como chega a casa do nojvo, fazem grande festa, e os nojvos
nao saiem della pello menos 10 dias e alguns 30; e todo este tempo
os acompanhao dous homens, a quem elles chamao Mi^os, que sao
como padrinhos. E quando os nojvos hao de sair fora, ora seia aos
10 dies, ora aos 30, vaj la hum frade e botalhes agoa benta. E
perguntando eu a hum frade porque faziao aquella ceremonia, re-
spondeo que por rezao do pecado que cometerao quando consumarao
o matrimonio, por ser ella donzella. Declarailhe entao como no
veneravel sacramento do matrimonio nao ha pecado; que he insti-
tuido por Christo N. Senhor e da gra^a com que se perfeiQoa o na-
tural amor dos casados e os santifica e coniirma a insoluvel uni^ao,
que ate a morte estao obrigados a ter.
Se a nojva ou nojvo he parente do Emperador e estao na corte,
o dia que ha de levar pera casa, vao ambos ao pa^o, elle acom-
panhado de fidalgos e ella de senhoras, e o Emperador Ihes da a
ambos muito ricos vestidos, e logo vao pera casa do nojvo com
grande acompanhamento levando diante os atabales e charamelas
do Emperador, e por alguns dias fazem grande festa e dao de comer
e beber a quantos chegao.
Quando morre o marido, se tem irmao mancebo, muitas veses 5. Defuncto viro,
1« . . ^ . i^ uxor vidua. ez prava
casa com a molher ; isso comummente entre gente menos nobre ; e consuetudinc, potest
se he casado, tambem algumas veses a leva pera casa e a tem como nubere leviro suo
quin de hoc a sacer-
molher, porque dis que elle he o que ha de herdar a molher de dotibus reprehen-
seu irmao. E indo eu a huma provincia do reino de Tigre, que se ^^'
chama Hamacem, me agazolhou dous dias o governador della, e
sabendo como iuntamente com sua molher tinha tambem como tal
a de hum seu irmao defunto, o tomei a parte e Ihe disse quam gfrave
cousa era aquella ; ao que me respondeo, que o fizera, por ser assim
f.2i9.v. custume na terra *e Ihe parecer que nao era mal, mas que a man-
daria pera sua casa, nem teria mais comunica^ao com ella, como
fes logo ; de que ella ficou bem enfadada. E assim ha outros que
486 HISTORIA DE ETHIOPIA
as tem, sem achar por isso castigo nenhum. So hum frade achei
no reino de Gojam que negava a hum casado os sacramentos, porque
tinha tambem a molher de hum seu irmSlo defunto.
6. Ritus nuptiales Bem sei que Francisco Alvares, em sua Historia Ethiopica
descripti numquam ^^^ 25, dis que, ainda que poUa iusti^a do Emperador a ningiiem
obtinuerunt in Ae- ^e defendido ter muitas molheres e que de facto as tem alcruns, aos
thiopia. ^ °
tais nao Ihes dao o sacramento, nem os deixao entrar na igreia ; mas
parece que entao corriao nesta materia com mais rigor que agora ;
por que mandando Eras Sela Christos no reino de Gojam, onde
elle he Viso Rei, que os que tivessem deixado suas legitimas mo-
Iheres e casado com outras largassem estas e tornassem as pri-
meiras e que nao dessem os sacramentos a quem tivesse mais que
huma molher, se Ihes fes muito dura e nao pode acabar de sair
com isso, antes, como depois me affirmou hum frade, nao deixao
ainda de confessar e dar a comunham aos que tem muitas molheres
iuntas publicamente.
Tambem dis Francisco Alvares no mesmo luguar, que vio casar
duas veses e que puserao em hum prado huma cama com cortinas
e assentandose nella os nojvos, vierao tres clerigos e derao tres
voltas aroda, cantando a modo de versos com alleluia, e logo cor-
tarao ao nojvo alguns cabellos da cabe^a e outros a nojva e mo-
Ihandoos em vinho de mel, puserao os do nojvo no lugnar onde
cortarao a nojva, e os della no luguar onde Ihe cortarao os seus
e botaralhes agoa benta e de pois come^arao a^ festas das boda^.
O mesmo dis que veio fazer outra ves ao abuna Marcos, mas a
porta da igreja e que levava huma crus na mao e encensou aroda
da cama e depois Ihes pos as maos sobre a cabe^a, dizendo que
guardesem *o que Deos manda no Evangelho e que olhassem que f. 220.
dali pordiante nao erao dous afastados, senao dous em huma carne,
e que assim aviao de ser seus cora^oes e vontades.
Ate aqui sao palavras de Francisco Alvares, ma^ parece que
como a estrangeiro e de terras tam remotas Ihe quiserao mostrar
este aparato em seus casamentos, como de proposito Ihe mostrarao
muito extraordinario em outras cousas que elle conta no mesmo
livro. Ou ia pode ser que entao se usasse isso ; mas agora nao ha
tal cousa; nem achei quem me soubesse dar rezao de tal custume
com perguntar a muitos.
r.Quaeautemscri- Quem totalmente contradis ao que temos dito he frei Louis de
et "abuH^ scatent!"* Urreta, que no cap. 10 do 2° livro dis que nem tem os Ethiopes
LIVRO II, CAPITULO XVI. 487
muitas molheres, nem tiverao nunca mais que huma, nem ia largSo
as legitimas, e que nao ha na^ao que mais rigurosamente castigue
o adulterio, quando entre elles se acha algum. Mas foj falta de
informapao, como quasi em todas as mais materias a teve, porque
sempre ouve em Ethiopia quem tivesse publicamente muitas mo-
Iheres, e oie os ha, e outros que deixao as legitimas e casao com
outras da maneira que assima dissemos. Nem a adultera tem mais
outro castigo que rapar a cabe^a e deixar seu fato, e com isto fica
livre pera casar com outro ou fazer o que quizer; nem ao adultero
Ihe dao outra pena mais que de que pague fato, como dissemos no
cap. 16 do primeiro livro.
CAPITULO XV.
Em que se trata da fabrica dos templos que ouve anti-
guamente e ha oie em Ethiopia e da reverencia que
Ihes tem.
Vimos no capitulo precedente como se hao os Ethiopes no i. Ex libris «xu-
1 j. ^ -Kjr j^' • • •£ •« miticis, ex verbis
veneravel sacramento do Matrimonio, que signmca a uniao e co- prancisci Alvarez et
niuncao insoluvel de Christo com a Igreia. Agora sera bem ver ^ ruderibus quae
/ o o nunc extant, descri-
f«22o,v. como se hSo na fabrica de seus templos, *a reverencia e venera^ao bit Auctor tcmplum
que Ihes tem e quanto os antigos erao mais sumptuosos que os pVope*Axum*
dagora, como o mostrao bem as ruinas de alguns e outros que ainda
estao em pe. E come^ando pellos que tenho visto de grande mage-
stade e fermosa architectura, foj a igreia de Santa Maria de Siao,
que antignamente edificou, segundo dizem, a rainha Candace, em
hum luguar que chamao Ag<;um do reino de Tigre, como o mani-
festao suas ruinas e o testificao os livros antigos, que se gnardao
naquelle mosteiro, em que se refere meudamente toda sua fabrica,
ainda que nao apontei mais que suas medidas e dizem que tinha
cento e oitenta e quatro palmos de largo e duzentos e sincoenta
de comprido, e de alto sessenta e quatro; a largura das paredes
quatorze, ea porta principal tinha de alto outros 14. ComeQousse
a edificar aos 49 annos de pois do nacimento de Christo N. Senhor
e acabouse aos 91.
C. BiccAai. R^r. Atik, Seripi» oce, ined. • II. 6a
490 HISTORIA DE ETHIOPIA
Francisco Alvares dis em sua Historia fol. 44, que a vio e que
tinha sinco naves fechadas com abobada e pintadas e sece capellas
com seus altares pera o oriente bem consertados, e que tinha choro
como os nossos, posto que tam baixo que quasi se chegava com a
cabe^a a sua abobada, e sobrechoro, ainda que nSo se serviao delle.
Mas ia tudo isto caio, sem ficar mais que as paredes de fora de
altura de dous covados e no meio fizerao outra igreia muito mais
pequena, posto que de tres naves com pilares quadrados e muito
gTossos, e fica escura por serem as ianellas roins e estar cuberta
de palha. Sobesse a ella poUos mesmos degraos da antigua que
sao 10 de pedras muito fermosas e compridas. O demais, que aqui
se pudera notar que afermoseava a antigua, puzemos no cap. 22 do
primeiro livro tratando das cidades. Huma cousa he digna de se ad-
vertir, que conforme a esta conta *se come<;ou a edificar a igreia f. 221.
em honrra da Virgem, vivendo ainda a Senhora como a capella
del Pilar em (^arago^a de Espanha.
a.AliquiddeTem- Como 6 ou 8 legoas desta igreia ao poente na provincia de
batur^in momisterio ^orat esta hum mosteiro que chamao de AUeluia em hum monte
de AUeluta. alto; cuia igreia antigua tambem era dedicada a nossa Senhora.
Esta agora caida, mas ainda ficao as paredes de fora como tres
covados alevantadas, e medindo eu o vao dentre ellas, achei que
tinha 132 palmos de comprido e 105 de largo; parece que tinha
muitas naves e dizem que era muito fermosa. A que agora tem he
redonda pequena e escura.
3. Auctor demon- Mas deixando as que ia estao caidas, falaremos de algumas
mium eztollm^tem- ^^'^^^ ^^ P^ ^^ provincia que chamao Oror e celebrao os de Ethiopia
pla aethiopica, quae por cousa de grande maravilha, e muito mais Francisco Alvares
adhuchodievisuntur ,/-.,.. j
in provincia Oror in fol. 66 dizerdo que sao tantos os edeficios de igreias cavados em
rupibus sazos» ex- ^j^^^ rocha que nao he possivel que no mundo se achem outros tais
cisa; templa enim ^ tr ^
quae simili structura nem tantos. Se tivera visto os templos ou, pera milhor dizer, as casas
orientalibus longe et ^o demonio, que na India Oriental tem os gentios dedicados a di-
magnitudine et ele- yersos idolos, humas feitas ao picao em rocha viva, outras de can-
gantia superant ae- '^
thiopica. taxia, longe estivera de por tal encarecimento. De huma dedicada
a hum bugio, que cuido esta em Choromandel, affirmao os que a
virao que somente a crasta, que serve de recolher o gado que se
ha de sacrificar, tem 700 columnas de marmore lavrado, maiores e
muito mais grossas que quantas se vem oie em Hespanha ; porque,
segundo dizem, na roda e comprimento sao iguais as que Agripa
em Roma pos em seu Pantheon, o que agora chamao a Rotunda.
LIVRO II, CAPITULO XV. 49 1
f.22i,v. Com tudo, posto que perguntando *aos naturais da terra, que tem
visto estes edeficios de Oror, nao os pintem da grandeza que Fran-
cisco Alvares, refirirei o que elle escreve, a que se deve dar mais
credito, pois com curiosidade notou as medidas e tudo o demais e
nSo falou oculto como aquelles a quem eu perguntei, que nenhum
me soube declarar essas cousas.
Diz pois Francisco Alvares que as igreias sSo Sam Emanuel,
Sam Salvador, S.** Maria, S.** Cruz, Sam Jorge, Golgota, Bethlem,
Mercorids, os Martires e Lalibela. A esta ultima puserao nome de
hum Emperador que as mandou fazer e esta enterrado na igreja
Golgota, que he a que tem menos obra.
Esta igreia Golgota he feita ao picao na rocha, e tera de cum- 4. Ex Pr. Alvarec
prido 120 palmos e de largo 72; a abobada ou o alto da igreia se ^1^001^14!* ®*®™"
sustenta sobre sinco pilares, dous de cada banda e hum no meio.
O tecto da igreia he tam chao como o chSio della ; as paredes tem
muit£is janellas e tantos lavores de macenaria como pode fazer hum
orives em prata. A mao esquerda como entrSo poUa porta principal,
antes da capella mor, esta huma sepultura feita na mesma pedra,
que dizem he a semelhan^a do sepulcro de Christo N. S.®* e assim
a tem em grande veneragao. Da outra banda estao duas imagens
de vulto de tal maneira lavradas que ficSlo quasi afastadas da pa-
rede: huma he de Sao Pedro, outra de Sao Joao. Tem mais esta
igreia huma capella por si quasi como igreia, que he de naves com
seis pilares tres por banda, e esta muito bem lavrada, e a nave
do meio muito alta e com bons arcos, ianellas e portas, huma prin-
cipal e outra travesa, afora da que serve de ig^eia grande. Esta
capella he quadrada e tera 5 2 palmos. Tem outra capella quadrada
de doze palmos por banda, com muitas ianellas e rematasse no alto
f. 222. como mitra pontifical. Os altares desta *igreia tem todos seus pi-
lares, com corredores sobre elles ; tem tambem crasta aroda qua-
drada tam alta como ella, e entrasse por hum passadillo alto cavado
na mesma pedra de treze palmos de largo. E tudo isto he cavado
em huma s6 pedra numero sem acrecentar outra nenhuma, lavrando
nella os pilares, os altares e varandas que estao sobra elles com
tudo o demais.
A igreia de Sao Salvador esta afastada e tambem he feita 5. Describiturtem-
ao picao dentro na rocha e sera de comprido 200 palmos e de ^^™ "' ^•to"»-
largo 120. He de sinco naves e em cada huma sete pilares qua-
drados de 4 palmos por banda e as paredes bem lavradas; as abo-
492 HISTORIA DE ETHIOPIA
badas bem altas e a do meio mais que as outras. No alto avia
muitas curiosidades como espelhos, rosas e flores e outras cousas
muito bem entalhadas. Nas paredes muitas frestas bem rasguadas
por dentro e fora com muita lasaria de obra muito prima. A ca-
pella mor he muito alta e assim o he o ceo do altar, que esta sobre
4 pilares com seus corredores aroda. A porta principal comega
com grossos arcos e pouco e pouco se vao estreitando; nao tem a
porta de alto mais que 9 palmos e 4 e meo de largo. Da mesma
obra sSo as portas travessas, mas nSo tam largas. Fora da porta
principal esta hum alpendre de abobada sobre 7 pilares afastados
doze palmos da parede da igreia com humas luas {sic^ nelles, e de
huns a outros ha arcos e do chSo ao alto delles avera duas lan^as.
Em toda esta pedra em que se cavou esta igreia nSo ha differen<;a
nenhuma^ toda parece hum s6 marmore. A crasta della tambem
esta muito bem lavrada na pedra, e tera cada banda de comprido
60 palmos tirando o pano que esta de fronte da porta principal que
tera 100. A *entrada desta igreia he por debaixo da mesma pedra f.222,v.
em que esta feito hum passadi^o de oitenta palmos de comprido e
tam largo que poderao ir 10 homens em fileira hombro por hombro,
e de alto tera pouco mais de huma lan^a e no alto estSo 4 espe-
Ihos por onde entra bastante claridade : e desta entrada ate a igreia
esta hum campo em que tem casa e semeSo sevada.
6. item brevius A igreia de Nossa Senhora, ainda que nSlo he tam grande como
templa NoBtrae Do- joij «^ 01 j -j
minae, Martyrum, ^ ^^ Salvador, porque nSo tem mais que 80 palmos de compndo
8. Crucis, Emma- e 64 de largo, he fermosa e de tres naves, a do meio mais alta
nuelis et s. Georgii.
que as outras. Em cada nave estao 5 colunas com seus arcos, sobre
que se sustentao as abobadas; no meio do cruzeiro esta outro pilar
mui alto, sobre o que se sustentao os corredores tam bem lavrados que
parecem empressos em cera; e de fronte de cada nave esta huma
capella com seu altar. Fora da igreia estao seis pilares, os dous na
parede e os 4 afastados com seus arcos, sobre que se sustentclo
huns miradouros quadiados, e tem quinze palmos por banda. Tem
crasta fermosa e tam alta como a igreia : de fronte da porta prin-
cipal esta huma casa grande feita tambem na mesma rocha e nella
dao de comer aos pobres. Da banda direita desta igreia ha outra
tam grande como ella de tres naves sobre pilares feita na mesma
pedra e chamasse a igreia dos Martires; e da banda isquerda da
mesma igreia de Nossa Senhora esta outra piquena de 68 palmos
de comprido e de s6 huma nave com tres pilares que sustentao o
j
LIVRO II, CAPITULO XV, 493
alto, e hum s6 altar. Chamasse S.** Crus : nSo tem crasta nem al-
pendre, nem outra cousa mais que hum petssadi^o escuro cavado na
mesma pedra e vaj sair muito longe.
f. 223. A igreia de S. Emanuel he pequena, mas *curiosamente la-
vrada : tem 3 naves e a do meio he mais alta. O alto, que he chao
como o chSlo, se sustenta sobre sinco pilares ; e tem 42 palmos de
comprido e de largo 20; he s6 de huma pedra. A igreia de Sao
Jorge esta hum peda^o afastada das outras, mas tambem lavrada
em rocha como ellas, e perto desta da mesma pedra esta hum tanque
de agoa e dizem que nace ali. As demais igreias nao descreve Fran-
cisco Alvares, mas dis que Ihe affirmarao que todas ellas se fizerao
em 24 annos, e que os mestres erao homens brancos.
Ate aqui sao palavras suas.
Os que virao estas igreias da gente da terra me disserao que 7« Quid de prae-
todas estavao cavadas na pedra em hum oiteiro nao muito alto, a ri^etulerint ipsrAc-
que chamao Lalibela do nome do Emperador, que as mandou fazer thiopes. Peregrina-
tiones superstitiosae
e morreo em junho e se enterrou ali, e a gente popular o tem por a monachis institu-
santo. Em outubro fazem ali grande festa a hum Gabra Christ6s, ***•
que o tem por muito grande santo e quer dizer € Aleixo, » e dizem
que foi filho de Theodosio rei de Constantinopla, e que sua maj
era filha de hum Rei de Roma. Parece que confundem a historia
de s. Aleixo romano. luntasse entao gprande multidao de gente de
diversas partes, porque Ihes metem em cabe^a os frades que ali
estao, que todo aquelle que la for huma ves se ha de salvar, e se
for 7 vezes, nao somente se salvara elle, mas tambem seus filhos
e netos; e alguns estendem a mais.
Outras igreias ha nao em rocha, que se edificarao ha muito
tempo, que deixo por nao ser tal sua architectura que mere^a
discrip^ao.
As igreias que nestes tempos edifi^ao, todas sao de pedra e 8. Templa quae
.. , i^iiAi t.'* --1 hodie eztant plerum-
barro, que nenhuma cal entra nellas. Algumas ha mais cumpndas, rotundar parva
que largas, mas poucas, porque commnmente sao redondas e peque- ®* ** P«*^» 5* ^^^
constructa : singulae
f.223,v. nas ; e ainda que algnmas em baixo *se comecem quadradas, como so- eomm partes descri-
bem hum peda^o as paredes, poem poUa banda de dentro paos nos *^'"**^'
guantos [su^ de maneira que possao depois subir com a parede em re-
dondo 4 ou 5 covados. Aroda como 6 ou 8 covados da parede da
igreia fazem huma como crasta baixa com muitas portas e assim esta
como a igreia se cobre de palha assentada sobre a madeira que
chega do mais alto da igreia ate passar por sima das paredes da
494 HISTORIA DE ETHIOPIA
crasta: poUo que todas com terem tres portas ficao tam escuras
que nem ao meio dia se pode ler dentro sem candea, e assim sSlo
muitos os morcegos que se agazalhao nellas e com ser a madeira
tosca, poucas igreias tem forro; e em algumas que sSlo compridas
atravessdo de parede a parede huma cortina afastada hum peda^o
do altar, o qual sempre esta de maneira que se possa andar aroda
delle. Desta cortina pera dentro nao podem estar, em quanto se
dis a missa, mais que sacerdotes e os diaconos que aiudao a ella.
Outra cortina esta afastada desta e entre huma e outra estao os
diaconos que nao aiudao a missa e os que tem ordens menores ; e
desta cortina pera fora estao os seculares. Nas igreias redondas
nao ha de ordinario mais que huma s6 cortina, porque os homens
seculares e molheres ficao na crasta que esta aioda.
A algumas igreias de frades nao vao molheres, porque estao
dentro da serca do mosteiro, onde ellas nao podem entrar, mas no
luguar que a igreia dos frades esta desta maneira tem outra onde
ellas vao, a que chamao igreia das molheres, nao porque nao en-
trem nella homens, senao porque tambem ellats podem entrar, mas
sempre no luguar que dissemos que Ihes pertence. Alguns dizem
que antiguamente avia igreias em que s6 molheres podiao entrar;
mas agora nao ha tal custume: em todas entrao tambem os homens.
g. Tcmplonim ca- D21S igreias comummente tem cuidado *frades e conegos iun- f. 224.
que monachi simul tamente, e dos conegos (que elles cham^o Debteroch, e, se he hum,
et clerici iUi qui De- Debtera) alguns sao sacerdotes, outros nao ; mas todos casados, e
bter6ch vocantur.
Quibus ritibus et qua no vestido n^o se diferen^ao dos seculares. Trazem porem de ordi-
t^°Stari^in°^*^'*" nario na mao huma crus pequena de ferro ou de pao preto, e quando
de novo entrao a servir em alguma igreia, Ihes fazem com navalha
huma letra no hombro dereito e outra no esquerdo, com que se
conhece que he de tal igreia, como se he de S.** Maria no hombro
direito Ihe poem D. e no esquerdo M., que quer dizer « de Maria >.
E se algum destes conegos ha de passar pera outra igreia, o su-
perior daquella em que estava ha de testemunhar como era seu e
o daquella em que entra Ihe fcis novas letras, que signifiquem o
nome de sua igreia. Mas ha alguns mosteiros em cuias igreieis nao
entrao conegos, so frades tem cuidado dellas ; e na pedra dara de
cada igreia escrevem o nome do Santo a que esta dedicada.
Todas as veses que poem nova pedra dara nalguma igreia,
como na que edificao de novo ou na que reedificao, se Ihe querem
mudar o orago (o que custumao fazer), a levao com grande festa
LIVRO II, CAPITULO XV. 495
e se he de algum mosteiro gprande, em que querem fazer isto com
mais aparato, levao a pedra onde esta o Emperador (seia na corte
ou arrayal), depois que o Abuna a sagrou, que nenhum outro dos
de Ethiopia o pode fazer, e a poem nalgnna igreia ou parte decente
e dali a manda levar o Emperador com musicas e festas, acom-
panhada de toda a nobreza ate o mosteiro^ se esta perto, e se longe,
saiem hum peda^o da cidade ou do arrayal e dali se tornSlo, e os
frades passSo adiante com a gente que por sua deva^Slo os quer
acompanhar. E sempre o Emperador da pello menos alguma pe^a
rica com que a pedra va cuberta e levaa algnm sacerdote na ca-
bega e, se algum diacono Ihe ha de aiudar, elle Iha poem na ca-
be^a e tira, porque o diacono nSio chega com as maos ainda que
r.224,y. a pedra esta envolta em panos de seda, so toma do que caie '''de
huma banda e outra do pano de que vai cuberta. Pouco tempo ha,
estando eu com o Emperador, entrarao muitos frades de hum mo-
steiro grande que esta em huma ilha, que chamao Cana da alagoa
de Dambia e disserSo que acabarao de reedificar huma igreia, que
estava caida e que queriao mudar o orago que antes era de hum
martir por nome CharcSs, e queriao que agora fosse de Jesu, e que
quando se pos naquella igreia a primeira pedra dara, a mandara
levar com festa des da corte o Emperador que entao era; que ia
que mudavao agora o orago, Ihe pediao quisesse mandar que esta
pedra tambem se tirasse da corte com festa e que pera isso a trou-
xerao. E assim o mandou logo e deu huma peQa de borcado com
que a cobrirao, e sahio toda a cavalaria e muita gente de pe com
suas armas levando diante as charamelas e atabales do Emperador
e a acompanharao bom pedaQO.
As igreias antiguamente tinhao muito riquos omamentos, como xo. oiim ante in-
affirma Francisco Alvares fol. 18, falando da igreia do mosteiro de c^«ione8 Mauronim
' ^ omamenta Ecclesiae
Bisan, onde diz que vio em huma festa as crastas armadas de bor- et.vasa aacra yalde
j ij ••«1« rj «^ j pretiosiora fuerunt
cados e veludos e em pricissao levavao os irades muitas capas do ac modo sunt.
mesmo e sincoenta cruzes de prata e tinhao hum grande calis de
ouro; e noutras igreias tambem vio muito disto. Mas agora quasi
todas sao pobres, porque, como os Mouros forao senhores da mor
parte de Ethiopia 12 ou 15 annos em tempo do mouro Granh, que
matarao os Portugueses, como dissemos no fim do primeiro livro,
e depois os Turcos e os gentios chamados Gallas fizerao muitas
entradas e entre elles mesmos ouve tambem grandes guerras, ficarao
as igreias roubadsus, suas rendas desminuidas e os Emperadores e
496 HISTORIA DE ETHIOPIA
principes tam quebrados que as nao puderSlo tornar a por no estado
antiguo. Em luguar de sinos tem penduradas humas pedras de hum
palmo ou menos *de largo, 4 dedos de grosso e cumpridas, em que f- 225-
dando com outras pequenas se ouve muito longe e soao de raaneira
que a quem nSo soubera que erao pedras Ihe puderao parecer sinos ;
e nalguns mosteiros em luguar destas pedras tem tres taboas en-
fiadas, que dando huma na outra soao muito.
XI. Aethiopes Quanto ao respeito e reverencia que tem aos templos he grande
suxnmam reveren- . ■* t ^ ^^»». ^ ^«.ji
tiam templis adhi- ^ assim quando chegao a porta, tirao os ^apatos e entrao descal^os
bent; omnes, ad Im- ^^e o mesmo Emperador e, em quanto se dis a missa, gxiardao muito
peratorem usque, di-
scaiceati iUuc in^e- silencio, nao rim nem falao huns com outros e de nenhuma maneira
^*"cti*SacrifiS^a°ri- c^spem nunca dentro, nem deixam chegar caes da serca pera den-
su, a locutionibus, tro. Se aos que vao a cavalo Ihes he necessario passar por diante
nent; insidentes e- ^^ alguma igreia, se apeao ordinariamente antes de chegar a ella,
quotsiante^xaesias ^ ^^^ p^ ^^^ passarem hum pedaco. E assim, vindo o Emperador
transeant, ad pedes x- x- *- t mt
descendunt. Quaies Seltan Sagued com toda a corte a nossa igreia em outubro de 161 8,
doncs^exirib^uerft ^ apeou hum peda^o antes de chegar a ella, e na porta mandou
Seltftn SagAd ecde- j^mn pavem Ihe tirasse os capatos e beijou a porta, e entrando de-
siis a Patribus S. I. ^ ^ ^ ^ J r »
extructis. scal^o fes ora^ao em pe, mostrando muita devacjao, e elle e os
fidalgos que conbirao na igreia ouvirao missa e prega^ao com si-
lencio e tudo louverao muito ; e como sahio o Emperador vio tambem
nossa casa e comeo nella e depois nos deu hum sitio muito bom
perto das terras, que quando entrou no imperio nos tinha dado pera
que fizessemos outra igreia a nosso modo, que a que tinhamos era
pequena e ao modo da terra, e nos acresentou as terras que estao
aroda do sitio, e porque neste Dambia nao ha madeira que preste
senao em suas igreias, mandou que nos cortassem dellas cedros mui
fermosos e deu por isso boa esmola, e disse que nao metessemos
na igreia outra sorte de madeira; e seu irmao Eras Sela Christos
offereceo todo o gasto pera ella, pedindonos muito que nao metes-
semos nos de nossa casa cousa alguma e que tambem faria os or-
namentos de borcado, veludo e damasco e daria muitas terras.
xa. Describitur Vendonos o deseio grande que o Emperador tinha de ver o f-225,v.
ad™ «u^ aeae^artr "^^^^ ® tra^a de nossas igreias, procuramos de fazer huma *a mi-
normam aedifica- Uior que nos foj possivel, toda de cantaria, ainda que pequena,
tum, quodque Impe- j n * ^ 01 j 1
rator praetiosis do- porque o corpo della nSo tem mais que 28 palmos de largo e 72
nariis et praediis di- ^jg comprido, a capella 24 de largo e trinta e dous de comprido ;
com tudo isso, porque ella e a sacristia sao de pedra vermelha
muito boa, o arco e corpo de pedra muito alva e bem lavrada.
LIVRO II, CAPITULO XV. 497
a frontaria e portas travesas omadas com 8 colunas acanelladas
e os pedestrais, capiteis e frizos com toda a demais obra lustrosa
e muito bem lavrada, Ihes contenta tanto a todos os que a vem,
que dizem que nao he obra da terra senSo do ceo. Tem seu choro,
degrades [sic] e obra de macenaria ; huma pia pera bautizar e duas
de agoa benta muito bem lavradas; muito clara com ianellas de
huma e outra parte bem ornadas por fora com rosas e molduras
na mesma pedra; he de terrado e sobre o parapeito por remates tem
muitas colunas, humas com o remate de piramide sobre o capitel,
e outras com bolas entresachadas, e no meio das colunas e remates
da frontaria tem huma crus muito fermosa com hum pe lavrado na
mesma pedra com muita la^aria. Tem tambem sua torre na banda
direita da frontaria com hum sino de cobre arresoado, que nos veio
da India. Acabouse neste mar<;o de 1620: logo a veio ver o Empe-
rador com toda sua corte de dous dias de caminho, onde agora
reside, e ouvio missa e pregacjao sobre aquellas palavras do Evan-
gelista sam Lucas « Hodie huic domui salus facta est » , e depois a
vio muito devagar, sobindo duas veses ao terrado e louvandoa muito,
e deseiando de aiuntar aqui todos os Portugueses, pera que ficasse
a igreia mais acompanhada ; e deu logo pera ella a melhor alcatifa
que tinha, e 100 crusados pera hum ornamento e determinou em
outro melhor sitio fazer huma g^ande poUa tra<;a desta, e por nos
fazer merce e honrra, pos a sua tenda dentro de nossa cerca e ficou
a dormir aqui aquella no^rte.
Em muitos altares de suas igreias nSo custumSo por imagens, 13. Aluria ple-
r • *j 11 • ^- nimque sacris ima-
f. 226. porque sempre os fazem quasi no meio Ma capella, maspintao nas ginibus carent: pi-
paredes muitas de varias cores, particularmente de vermelho, branco, c*i*^8 tamen bene
^ ^ multia panetea tem-
verde e amarello, que de preto usflo pouco, nem folgao com esta plorum sunt omati.
1 ji ji • ji Ouam absona de ta-
cor, e assim nunca pmtao rosto preto senao he do demonio e de ^^^ picturis Urreta
huns gentios que chamao Gallas; o rosto de seus santos pintao narraverit.
sobre o vermello. Donde se ve quam ridicula fic^ao he a que pinta
frei Luis de Urreta p. 557 falando das imagens de Ethiopia por
estas palavras : < Todas las imagines son de pincel e todas ellas
c son negras, de suerte que a Dios y a Christo y a la Virgen. a
< los Angeles y a todos los santos pintan negros. Pintan la passion
c de Christo y la cena, y en ella Christo y los Apostoles son ne-
c gros y los ludios, sajones y Judas blancos ; pintan a S. Mignel
c negro y al demonio, que esta baxo de sus pes, blanco; y lo que
c causa risa es ver pintado hum juizio final, donde Dios y los An-
C. BiccARi. ^#r. AeA/, Scn'//, oec. in*d. — II. 63
498 HISTORLA. DE ETHIOPIA
« geles y todos los bienaventurados estan negros ;
< condemnados en el infierno mui blancos, porque
< negros, quierem que los santos sean semejantei
t lo tienem por el mejor color ». Isto dis o Autor
quem o informou tinha vontade de contar patranh
he grande ; nem a gente desta terra, particularmem
tam pretos, de narizes ama^ados e bei^os tam gro;
os fas, senao comummente muito bem estreados, d<
delgados, narizes proporcionadas e olhos grandes
dissemos no cap. i do i" livro, ainda que em alg
o Emperador senhorea, aia Cafres feos, a quem os
escravos.
f «6.V. CAPITULO XVI.
Do estillo e ceremonias que os Ethiopes guardao nos
enterramentos e do erro que tem acerca do Purga-
torio.
Ja que temos visto o respeito e reverencia que os Ethiopes i.Dcacribunturfu^
. , ' i^ j. i_ j nebrcs ritus pro vi-
tem aos templos, sera bem dizer brevemente o modo e ceremonicts t» funcds de plebe:
com que enterrSo seus defuntos. Deixando os extremos que fazem i«>ronicorporainEc-
^ ^ clesiarum daustris
em suas mortes os homens, deitandose pello chSlo, e as molheres ar- humantur.
rancando seus cabellos e arranhando o rosto, porque disso e do
modo com que chorao falamos no cap. 23 do i*^ livro, tratando de
alguns custumes de que usSo; deixando poes isto: como hum morre,
se he homem ordinario, tomSo dous paos compridos e atravessSo
no meio outros curtos a modo de escada e ali o deitSlo amortalhado
e cobrem com hum pano de algodao qualquer que achSlo e levandoo
quatro homens nos hombros o acompanhSlo seus pcirentes e amigos
homens e molheres chorando a vozes e dizendo: « Ay de nos que fu-
gio, ay de nos que fugio», e outras cousas semelhantes, Pello que
estando eu huma ves com o emperador Seltan Cegued no mais alto
de seus pa^os, me disse o mordomo : Nao ouve V. R. o que dizem
aquelles? Levao amarrado o defunto e elles dizem que fugio. Como
chegao a igreia ou mosteiro, onde se ha de enterrar, saiem a porta
os clerigos ou frades (que a sua casa de nenhuma maneira vao) e
500 HISTORIA DE ETHIOPIA
trazem crus e turibolo, mas nSlo agoa benta, que nao us2lo della
nos enterramentos; e hum vem vestido como quando quer dizer
missa e rez^olhe muitas ora<;Oes e logo o enterrSlo na crasta ou al-
pendre da igreia.
3. Ezequiarum Se o defunto era homem nobre ou fidalgo, *o levSo em seu f. 227.
busl^casaacrikLhu- mesmo leito ou outro estriato, amarrando de baixo dous paos com-
matione monacho- pridos e ensima huns arcos delirados, que cubertos com hum pano
rum : superstitio ali- ^ .
quorum risu digna. se parecem com nossa tumba, e estes ordinariamente se mandSlo
enterrar em mosteiros, e algumas veses os levSlo hum dia e dous
de caminho e os frades saiem hum peda^o fora do mosteiro ao re-
ceber, indo hum revestido com crus e turibolo diante e Ihe rezao
algumas ora^oes e assim o trazem a igreia onde Ihe cant^lo outras
e o enterrao dentro, como eu vi, e alguns perto do altar, como me
affirmarSlo os frades.
Pera os frades tem officio muito mais comprido, que pera os
seculares e enterrSonos com seus mesmos habitos, cobrindolhes o
rosto com o capello e de poes os envolvem em couro delgado que
fazem de pelles de cabra, depois de consertadas e tingidas de ver-
melho ; e alguns a quem elles tem por mais santos, a que chamSlo
BataOis, pedem antes de moner que, quando os enterrarem, Ihes
ponhSlo na cinta huma faca, e assim o fazem, porque Ihes tem grande
respeito e elles o pedem com muita instancia, porque como esti-
verSo sempre tam misturados com os judeos ate o tempo deste Em-
perador, entre outras muitas fabulas, que Ihes meterao em cabe^a
os Rabinos, huma foj a que elles fingem sobre aquellas palavras do
psalmo 103: « Draco iste, quem formasti ad illudendum ei », dizendo
que criou Deos N. Senhor no principio do mundo dous peixes de
immensa grandeza, macho e femea: mas porque vio que se por
gera^ao se multiplicassem, impediriao a navegaijao, matou a fe-
mea e a guardou salgada pera com ella dar hum esplendido con-
vite aos iustos de poes da resurreic^ao; entre tanto folga com o
macho *brincando com elle tres horas cada dia, e dizem que isto f.227,T.
significao aquellas palavras do psalmo ; o que crem de maneira al-
guns destes frades ignorantes que rogao muito os enterrem com
alguma faca, pera terem com que cortar daquelle peixe, quando
Deos os convidar depoes da resurrei^ao.
3. Fimerum so- Quando morre o Emperador, o levao tambem em seu leito con*
lemnia pro Impera- .j jj^t_ j i.^
toribua: preces et sertado a modo de tumba com grande acompanhamento, porque nao
eieemosynae in pau- §5 yao os principes e grandes, mas todos os senhores nobres que
LIVRO II, CAPITULO XVI. 50 1
se achSlo perto, todos cubertos de doo e as cabe^as rapadas, como peres die 30*, 40*,
castumao fazer na morte dos paes, pera mostrar sua grande tristeza. niodo aimivex«ariae
Eu vi levar a enterrar ao principe filho deste emperador Seltan ««equiaeperagantur.
(^gued, que se chamava Abeitahum Canafra Christos, que era ia
de 20 annos, e forao donde morreo hum dia de caminho pera o
meter em huma ilha que chamSlo Cana da alagoa de Dambia, onde
. esta hum grande mosteiro. Acompanhavaono toda a cavalaria da corte
e muitas senhoras, todos cubertos de doo e diante as bandeiras e
atabales do Emperador tangendo som de tristeza.
Em o dia do enterramento, nao s6 do Emperador, mas de qual-
quer homem grande, se dSo muitas esmolas e poUo menos na igreia
onde se enterra Ihe rez^o cada dia ate os 30 os psalmos de David
enteiramente e outras oragOes (que missas pellos defuntos nSo as
dizem, segundo me afiirmarao alguns frades), e damlhes suas esmo-
las por isso; e no ultimo dos 30 dias matao vacas e dao de comer
aos frades e a muitos pobres que sempre ali se aiuntao, e aos 40 dias
levao a igreia muitas candeas e incenso e matao muitas mais vacas
e dao grandes esmolas. Tambem dao aos 80 dias, e quando se enche
o anno, mas nao tantas, e a isto chamao Tascar, que quer dizer lem-
bran^a, e Fetat, qne significa soltura. Esta lembran^a fes muito
solemne por dom Christovao da Gama, no dia que se comprio o anno
de sua morte, que foi a 28 de agosto de 1542, o emperador Ata-
f. 228 naf *Qagued, que primeiro se chamava Glaudios, scilicet Claudio,
e pera que fosse com mais aparato como pedia o agradecimento
que deseiava mostrar a dom Christovao pello que por elle tinha
feito, mandou langar pregao poUas terras alguns dias antes, que
todos os pobres que ouvesse se iuntassem ali aquelle dia, e iunta-
raose mais de seis mil (segtindo affirmou hum Portugues que estava
presente), e armaraolhes muitas tendas no campo, onde por man-
dado do Emperador se Ihes deu splendidamente de comer e de
vestir. Fes tambem que viessem seis centos frades ou mais e can-
tavao com muita solemnidade os psalmos e ora^Oes que tem pera
este officio, e mandoulhes dar grossas esmolas.
Enterravaose antiguamente os Emperadores no reino de Amhara, 4« Priscis tempo-
nao no monte onde se guardavao seus filhos que se chama Guigen ratorumhumabantur
Amba, senao em huma ijrreia que chamao Mecdna Celace, ou em ^^^^^^ Eoaesia-
' & n fmQ MecAna Selasae
Atione Qamanam, que ambas erao sepulturas dos Emperadores, como et Ationft SamanAm
se dis na historia do emperador Onag Qagued; mas depois que o <jJiae"^m tempore
mouro Granh queimou estas duas igreias, que seria pellos annos Qranh diruta et com-
502 HISTORIA DE ETHIOPIA
bttsu fulssent nullua de 1530 pouco mais ou inenos, nunca mais enterrarfto ali sen^o em
prohumationeimpe- outras: o emperador Onag Qagued em hum monte do reino de Tigre,
ratonun: notantur q^^ chamao Amba Damo tam forte que nfto pode subir assima senao
locaubialiquieorum ^ ^ x-
aepulti fuerunt. por cordas, e la esta hum mosteiro de frades muito grande; a seu
filho o emperador Atanaf Qagued enterrarao em huma igreia, que se
chama Fedebaba Mariam, que elle edificara no reino do Amhara;
e a seu irmao o emperador Adamas Qagued tambem na mesma
igreia ; ao filho deste o emperador Malac Qagued em hum mosteiro
que esta na iiha que chamSo Cana da alagoa de Dambia ; a seu so-
brinho o emperador Zadenguil enterrarao em huma igreia piquena
de Dambia; e depoes de 10 ou 12 annos o emperador Seltan (^-
gued seu primo tresladou seu corpo, que se achou enteiro, pera
*o mosteiro daquella ilha Cana. Ao emperador Jacob enterrarao no f.228,v.
reino de Gojam em huma igreia que chamao Nazareth. Ao empe-
rador nao somente na igreia em que se enterra Ihe rezao os psal-
mos e tudo o mais que se custuma, mas tambem em todas as
ig^eias do imperio Ihe fazem seu officio com a maior solemnidade
que podem.
5. Aethlopea, etsi Com darem os Ethiopes tantas esmolas e fazerem rezar tanto
moBynaa et preces P^r ^eus defuntos e a este officio chamarem Fetat scilicet soltura,
fundant, tamen eos ^^ q^g ^^ ^ entender que depoes desta vida podem ser soltos de
admissa ezpiare de- ^ ^ xr * .
bere negant. Proiiza seus pecados poUas esmolas e ora^oes, com tudo isto ha muitos
de^^e coraiQ^SkitAn ^^® negao o Purgatorio, tanto que em humas disputas que tive com
Sagftd Auctor habuit qs principaes letrados diante do emperador Zadeng^il em junho
cum quodam mona-
cho. de 1604, dizendo eu a hum proposito que avia Purgatorio, hum
delles, que se chama Azax Zadenguil, se rio muito e com hura modo
como se eu dissera hum absurdo nunca ouvido ; disselhe que como
estranhava tanto o que elles mesmos affirmavao com as obras e
confessavao com palavras, poes por seus defuntos davao tantas esmo-
las e faziao tantas ora^oes e a isso chamavao Fetat soltura ; que se
nao podiao ser soltos, nem Ihes aproveitavao as esmolas e ora^oes,
peraque £ts faziao e Ihe punhao esse nome de soltura? Respondeo
que o faziao pera que o fato do defunto se empregasse bem. Disse
eu que bem empregado estava em sua molher e filhos que muitas veses
erao pobres e que ia que aos mortos Ihes nao aproveitava, milhor
fora offerecer aquello pellos vivos pera que em quanto qua estao
alquan^assem algumas merces do Senhor. Respondeo que como o
fato se gastasse bem em morte e em vida se podia fazer, mas que
Ihe declarasse que cousa era Purgatorio.
LIVRO II, CAPITULO XVI. 503
Vendo eu que nSo queria responder a proposito, Ihe disse que
f. 229. Purgatorio he hum certo lugnar em que *como em prizSlo estSio as
almas depoes desta vida purgando o que qua deixarSlo pera que
depoes de puras e limpas entrem na bemaventurauQa do ceo, onde
com nodoas ninguem pode entrar. Mostraime, disse elle, de que lu-
guar da Escriptura tirais isso. Pergunteilhe eu entao se tinhao por
santos os livros dos Macabeos como aos demais livros da Sagrada
Escritura. Respondeo que sy. « Poes no 2** livro dos Macabeos ca-
pitulo 1 2 (disse eu) se conta que Judas Macabeo mandou a Jerusa-
lem 12000 dragmas de prata pera que se offerecessem sacrificios
polos que morrerSo em huma guerra, e dis logo a Escriptura:
* Sancta et salubris est cogitatio pro defunctis exorare ut a pec-
catis solvantur * ; logo depoia desta vida ha algum luguar em que
as almas, que qua nSio se acabarSlo de purgar e satisfazer por seus
pecados, estSo como em priz^o, ate que ou com as penas que ali
padecem, ou com os sacrificios e oragoes que os vivos offerecem
por ellas, acabem de satisfazer: que de outra maneira debalde se
offerecerao sacrificios e oracjOes e a Escritura erra louvando se-
melhantes oraijOes; e a este luguar chamamos nos Purgatorio ».
Como elle vio que o luguar convencia, disse : < Daime esta pa-
lavra Purgatorio no evangelho ou em s. Paulo, que quanto isto nao
hei de ouvir ». Respondi eu, « que, poes confessava que estes livros
erao santos, porque os nao avia de ouvir e crer o que ensinavao [?] »
E porfiando elle que Ihe desse esta palavra no evangelho ou em
s. Paulo, Ihe disse que bem sabia elle que nem tudo o que Chri-
sto N. Senhor ensinou, nem todas as maravilhas que fes estao escri-
tas no evangelho; poes dis s. Joao no fim de seu evangelho que,
se tudo se ouvera de escrever, nao couberao os libros no mundo;
por onde que por ventura declarasse Christo N. Senhor o nome de-
ste luguar a que nos chamamos Purgatorio e que nao se escre-
vesse, mas como quer que seia, basta que se tire da Sagrada Escri-
f.229,v. tura *que ha tal luguar e pera vos satisfazer no evangelho e s. Paulo,
por S. Math. cap. 1 2 dis Christo N. Senhor : que ha pecado que se
nao perdOa nem neste mundo nem no outro. Logo seg^esse (falando
em boa prudencia como em tudo falava o Senhor) que ha pecados
#
que se perdoao no outro mundo poUas ora^Oes e sufragios da Igreia
e pollo conseguinte algum luguar onde estao as almas em que pos-
sao ser aiudadas com estes suffragios; o que ensinao muitos dou-
tores e Santos neste luguar, e o coUigem tambem do que o Senhor
504 HISTORIA DE ETHIOPIA
disse, Matheus 5 e Lucas 12: « Amen dico tibi: non exies inde donec
reddas novissimum quadrantem ». Tambem sao Paulo i Corinth. 3
diz que provara o fogo qual seia a obra de cada hum etc. « Unius-
cuiusque opus quale sit ignis probabit; si cuius opus manserit
quod superaedificavit, mercedem accipiet, si cuius opus arserit, de-
trimentum patietur, ipse autem salvus erit, sic tamen quasi per ignem > .
E no cap. 15 dis: « Quid facient qui baptizantur pro mortuis, si
mortui non resurgunt ? ut quid baptizantur pro illis ? » Aqui fala o
Apostolo do bautismo das lacrimas e da penitencia e quer dizer:
Que farao os que orao, jeiuSo, dSlo esmolas e se affligem poUos
mortos, se elles nao resocitao? No que claramente mostra sao Paulo
que depois desta vida ha luguar em que estas cousas aproveit2lo
as almas.
A tudo isto respondeo rindo que Ihe nao satisfazia. « Pois se a
Escritura, que esta tam clara (disse eu) vos nao satisfaz, que cousa
vos ha de satisfazer? Dizei porque vos nao satisfas, ou respondei
me a isto : Pode hum homem morrer com peccados veniaes, ou sem
acabar de satisfazer pellos morta^s que confessou? > Nao queria re-
sponder a isto, ate que o Emperador Ihe disse : « Porque nao re-
spondeis ? nao he certo que pode hum homem morrer acabante de
confessar muitos peccados mortaes? » Respondeo entao que si, Disse
eu : « Poes este homem nao vai ao inferno pollos peccados veniaes,
« que por causa tao pouca nao condemna Deos a pena etema, nem
« *polla penitencia que avia de fazer pera satisfazer pellos pecca- f- «3o-
« dos mortaes que confessou, que ia aquelles nao merecem inferno,
« poes o confessor o absolveo delles? E dis Christo N. Senhor. O
« que soltardes na terra sera solto no ceo. Nem tambem este tal
« homem pode entrar no ceo, ou morresse com s6s peccados ve-
« niaes, ou so com nao ter satisfeito poUos mortaes que confessou,
« porque com estas dividas e nodoas, ainda que seiao de peccados
« muito leves, nao se pcde entrar no ceo, como dis sam JoSo no
« Apocalipsi c. 2 1 : * Non intrabit in eam aliquid coinquinatum aut
« abominationem faciens et mendacium '. Como pode ninguem en-
« trar com os pes sujos, ainda que nao seia mais que com o poo
« de peccados veniaes, naquella santa cidade Jerusalem celestial,
« onde as pracas sao de ouro muito puro e o mais de pedras pre-
« ciosas. Logo certo he aver algiim luguar onde depoes desta vida
« se purgnem e alimpem as almas pera entrarem no ceo, e a este lu-
« guar chamamosno o Purgatorio ».
LIVRO II, CAPITULO XVI. 505
Entendendo muito o Emperador a verdade, disse antes que o
outro respondesse : « Pera que gastamos mais tempo nisso ? O que
< deseio saber he se as almas dos Santos estSio ja no ceo gozando
« da gloria ou esperao no paraiso terreal ou em outra parte ate o
« dia do juizo, pera que iuntamente com seus corpos vao gozar
« della ». E assim deixamos a materia do Purgatorio e passamos a
estoutra em que debatemos hum bom pedacjo, e Ihes mostrei com
luguares da Esrritura e com rezoes que as almas dos Santos estao no
ceo gozando da gloria e as dos maos no infemo. E outras muitas
vezes se ofFereceo falar sobre esta materia, ainda diante do Empe-
rador Seltan Qagued, como dissemos no cap. 6.
Bem sei que frei Luis de Urreta no cap. 15 de suo 2^ livro af- 6. Demonstrantar
n .^ ^ . . ^ j.^ falaa ct rieu digna
nrma muitas cousas contrarias as que aqui temos dito, como que, ^^^ acripsit Urreta
quando morre algnm, vao por elle 4 sacerdotes casados que servem ^ funebri ritu Ae-
na parochia com crus, agoa benta e turibolo e rezandolhe algumas
f.23o,v. oragOes *o levao a enterrar e chegando a igreia o poem a porta e
alj saem todos os sacedotes virgens e Ihe cantao e botao agoa
benta e incensao e logo o levao ao cemeterio, onde o enterrao
(porque em nenhum tempo se ha enterrado defunto dentro das
igreias, senao os que morrerao com opiniao de santos e os mar-
tyres), e ao outro dia dizem missa no mesmo cemeterio na capella
que nelle sempre ha, porque em as igreias nunca se dis missa de
defuntos, mas todas as 2" feiras do anno (se nao estao ocupadas com
algum santo dos que elles rezao) todo o officio divino he de defun-
tos no cemeterio, porque os Ethiopes entre todas as na^oes da chri-
standade sao devotissimos das almas do Purgatorio, e os seculares
nao dao esmola poUas missas nem pagao enterramentos, nem por
ministerio nenhum ha obriga^ao de Ihes dar nada. Sustentaose das
terras que o Preste Joao Ihes da, que sao muitas e mui grandes;
s6 tem na porta da igreia huns cepos e gazophilacios, onde os que
querem botao esmolas, e estas se repartem entre os sacerdotes. Os
Emperadores tambem se enterrao em hum cemeterio do monte de
Amhara, onde estao os filhos dos Emperadores, e ali Ihes dizem
missas e se Ihes fazem seus officios e quando os levao a enterrar,
vao dentro de huma liteira que leva hum elephante cuberto de doo e
o acompanhao todos os sacerdotes da cidade de Saba com mil homens
de guarda, ate chegar ao monte.
Ate aqui sao palavras do autor, em que mostra bem quam
pouca noticia tinha das cousas de qua, porque nem os sacerdotes
C. Bbccaai. R^r. Atih^ Script, occ, tnsd, ~ II. 64
5o6 HISTORIA DE ETHIOPIA
v2io a casa do defiinto a trazer seu corpo, nem ha tal distin^ao de
sacerdotes casados e virgens : todos s2lo casados ; nem usflo de ag-oa
benta nos enterramentos, como elles mesmos me disserdo ; nem en-
terrao no cemeterio mas que alguns pobres, todos os demais dentro
da igreia, e por cada hum que enterrSio Ihes dao dous panos da
terra, que algumas vezes valem dous cruzados, outras pouco menos
e se Ihes nflo derem isto, nSlo os hflo de enterrar, nem hSio de
rezar os psalmos e o demais que custumao se nSio Ihes pagarem
muito bem. Nem tem na porta da igreia os gazophilacios que dis
no fim do capitulo; nem os Emperadores se enterrarao *nunca no f. 23*.
monte que elle dis senSlo nas igreias que assima nomeamos; nem
os levSo a enterrar em liteira sobre elephante, que nunca o virao
man^o. como ia temos dito; nem sabem que cousa he liteira.
Semelhantes a estas cousas sAo as com que remata aquelle ca-
pitulo dizendo que em cada bispado sinala o Bispo e o cabi[l]do
4 dos conegos, e estes se aiuntao tres vezes cada somana con 4
vigairos das freguesias da cidade onde mora o Bispo, pera tratar
o que se oflFerece e parece necessaru ao govemo espiritual do bi-
spado, e tem officio de provisores e iulgSio todas as demandas; e
assi se fas tambem* na metropoli dos Arcebispos, e de seis em
seis annos se iunta o Arcebispo com seus Bispos suffraganeos e
celebrao sinodos provinciaes e algumas vezes se iuntao todos os
1 2 Arcebispos e os setenta e dous Bispos de Ethiopia com muitos
Abbades espirituaes de sam Antao na cidade de Sabba, pera refor-
ma^ao universal das igreias de Ethiopia, em que preside como leg^do
o Arcebispo mais antigo. Isto dis frei Luis. Mas ia por vezes te-
mos mostrado como tudo he mera fic^ao, que nem ha tal modo de
governo, nem Arcebispos, nem Bispos mais que o que Ihes vem
do Cairo, a que elles chamao Abuna, e este manda o Patriarca de
Alexandria.
CAPITULO XVII.
£m que se trata de algumas Religioes, que alguns au-
tores poem na parte de Ethiopia, que senhorea o
Preste Joao.
Muitas veses temos feito men^ao de passagem nesta historia i. Monasteria cre-
j r j j t:»^i_' j 1 ■ •- <• •« mitanim«8.Aiigu8ti-
dos irades de £thiopia, sem declarar quaes seiflo suas rehgiOes, qq^ ^ quibus multa
por nao cortar o fio do que hiamos dizendo. Ai?ora que temos tra- narratUrreta, ignota
^ / 6 n proraus^^inActhiopia
f.23i,v. tado ""das cousas ecclesiasticas, sera bem que veiamos quaes sao. fucrunt*ct sunt.
As que algnns autores affirmSo que ha nesta Ethiopia, de que
nem rasto, nem memoria se acha (que depoes declararemos quantas
e quais sao as que na verdade ha), a primeira que se me ofFerece
he a do glorioso patriarcha sam Augustinho, cuios frades dis frei
Luis de Urreta, no i° livro de sua Historia pag. 213, e no livro 3
pag. 708, que ha oie em Ethiopia, mas que, quando entrarao nao erao
desta sadrada Religiao se nao huns hermitaes e anacoretas da The-
baida, que traziao nome de s. Agostinho, sendo na verdade hereges,
e assi comegarao logo a ensinar que o Espirito Santo nao procede
do Filho, que nao ha Purgatorio, e que os Santos nao vem a Deos
ate o dia do iuizo; o que sabendo o emperador Claudio, os entre-
gou aos Priores dos conventos da Alleluya e de Plurimanos, os quais
os convencerao de suas heregias e trabalharao muitopellos reduzir,
mas alguns se ficarao obstinados e destes huns mandou o Empe-
508 HISTORIA DE ETHIOPIA
rador lan<;ar aos leOes, a outros enterrar vivos, e que aos que se
reduzirao os tivessem naquelles conventos doutrinandoos. Entre-
tanto escreveo o Emperador ao reverendissimo Geral da Religiao
dos frades Agostinhos, que era o padre mestre frei Thadeo Peru-
gino, que Ihe mandasse as constitui^oes de sua sagrada Religiao,
pera que a professassem aquelles anacoretas, e os que nao quises-
sem os botaria de suas terras. Respondeo o reverendissimo Geral,
mandandolhe suas constitui<;oes que se traduzirao em lingoa ethio-
pica. Os Hermitaes fizerao proficao nas maos dos Priores daquelles
conventos conforme ao estillo das constituiijOes dos padres Ago-
stinhos, e destes ha alguns conventos, posto que poucos e pobres;
vivem nos desertos e fazem vida heremitica. O que confirma no outro
tomo com que saio o anno de 1 6 1 1 , dizendo na pag. 5 que as cro-
nicas desta sagrada Religiao referrem que em *Ethiopia ha muitos f. 232
conventos de sua Ordem.
Isto he o que dis frei Luis de Urreta; mas em Ethiopia nao
ha taes frades, nem memoria de que os ouvesse nunca, segundo me
affirmarao muitos velhos, a quem perguntei com diligencia, por me
escrever o reverendissimo padre frei Aleixo de Meneses, sendo Ar-
cebispo de Goa, no anno de 1605, que soubesse se o convento de Al-
leluia era de frades de sam Agostinho, e pera ficar mais satisfeito
perguntei tambem a hum frade muito velho, que era como Geral
dos frades, que qua chamao de Taquela Haimanot, e respondeo
diante de muitos frades que elle avia muitos annos que era supe-
rior daquella Religiao (que aquelle cargo he perpetuo e ao que 0
tem chamao Ichegue) e que nunca vira taes frades nem ouvira dizer
que estivessem em Ethiopia. O mesmo me disse outro frade que
foj muito tempo Prior do mosteiro a que frei Luis chama Pluri-
man6s, que nao se chama senao Debra Libanos, que quer dizer nio-
steiro do Libano. Por onde nao ha duvida, senao que nao ha oie
frades de sam Augustinho nas terras do Preste Joao, nem os ouve
nunca; porque nao podia ser que estes frades tam velhos nao ti-
vesse[m] alguma noticia delles, principalmente se fora, como dis
frei Luis que entrarao em tempo do emperador Claudio, que este
anno de 1620 avera 61 que morreo e reinou 18 annos, E os mes-
mos Priores, em cuias maos dis o autor que aquelles frades fazem
profissao, affirmao que nunca ouvirao falar em taes frades. Quanto
ao que dis que as cronicas desta sagrada Religiao referem que em
Ethiopia ha muitos conventos de sua ordem, sera em outras terras
8unt recensenda.
LIVRO II, CAPITTJLO XVII. 509
de Ethiopia, que as ha muito largas, mas nSLo nas que senhorea o
Preste JoSo, porque, se nestas ouvera algum, por forga tiverSo no-
ticia delle seus naturaes.
No mesmo capitulo que falla desta Religiao, que he o ultimo a. Quae pariter
f232,v. de seu 3^ livro, trata difusamente de huma ordem *militar e mo- ordine militari et
nastica de cavaleiros e monires do rforioso padre sam AntSo, que »on««tico ab Impe-
^ ^ ^ ^ ratore loanne insti-
dis fundou em Ethiopia o Preste JoSio chamado Joao o Santo poUos tuto, inter fabulas
annos de 370, pera que peleiassem contra os Arrianos em honrra
da santissima Trindade, e deulhe por divisa a figura da crus que
o glorioso santo Antao deu a seus dicipolos a modo de tau T; e
o emperador Phelipe 7 deste nome, que succedeo a Joao o Santo,
deu muitos privilegios e rendas a esta Ordem, e fes que se acre-
scentassem na comenda dos cavaleiros humas florezinhas guame-
cidas aroda com hum fio de ouro a modo de cairel, pera que se
deferen^assem dos monges. Pos tambem huma lei que todos seus
vassalos de qualquer estado e condigao, tirando os medicos, fos-
sem obrigados dali por diante a dar a Religiao de s. Antao de
3 filhos hum pera o servigo della; o que se guardou e g^arda
com tanto rigor, que nem os Reis estao izentos desta lei, mas os
filhos destes, como recebem o habito, vao a servir os principes
imperiaes que estao no monte Amhara, os filhos dos demais na
guerra ; e em cada cidade tem a Ordem seu convento, que por to-
dos sao dous mil e quinhentos. Em cada abadia nao ha mais que 25.
Porem os cavaleiros militares nao tem numero certo, e assi ha aba-
dias de 500, de mil e dous mil e mais comendadores, os quaes hao
de ser for^adamente de casta cavaleiros e nobres.
A estes cavaleiros recebem na abadia de 16 e 18 annos e re-
cebelos he for^ado por estarem todos obrigados a darem de 3 filhos
hum a Ordem; e como os recebem, os mandao a guerra, onde estao
nove annos em noviciado, tres nos presidios do Mar Roxo gnzur-
dando as costas de Ethiopia dos cosairos que saem de Arabia, tres
na ilha Meroe que olha a Egypto, onde estao em presidio, porque
se o Turco pretenda algnma cousa, nao os ache descuidados, e
outros tres em fronteira do reino de Bomo, que he mui poderoso
e inimigo do Preste Joao e confina com elle. Concluido o noviciado
f- 233. *de nove meses, Ihe d4 seu capitao huma carta pera o procurador
da abadia onde Ihe derao o habito, o qual assiste na corte do gram
Abad ou mestre da Ordem na ilha Meroe, em que Ihe dis como
aquelle novi<;o ha acabado nobremente sua prova^ao e assistencia
5IO HISTORIA DE ETHIOPIA
na guerra, e o procurador tira entSo bastante informa^Slo de sua
vida, custumes e servi^os e da rezao de tudo ao gram Mestre, o
qual com seu conselho aprova o noviciado e escreve ao Abbade da
abbadia, onde Ihe derSto o habito, que Ihe de a profiss^o e elle,
obedecendo a este mandado, se veste de pontifical e chega a porta
da igreia, onde vem o cavaleiro muito acompanhado, e depoes de
muitas ceremonias se alevanta o Abade militar e com 4 comenda-
dores os mais antigos o despe das armas que tras e Ihe poem huma
roupa preta, que Ihe chega aos pes com huma crus e sobre ella
Ihe veste hucna cogula preta, que he hum habito com muitsis pregas
ao pescoQo e mangas compridas da fei^ao dos monges de sam Bento
e nella tambem entra crus azul.
Acabado isto, o toma poUa mao o Abbade espiritual e todos
os cavaleiros em pricissao entrao com elle na igreia e aioelhado
diante do santissimo Sacramento fas em presenija de todos hum
voto solemne de perpetua obediencia e fidelidade a Sede Apo-
stolica romana e iuntamente ao Preste Joao e Abades de sua
Ordem de ir a guerra sempre que Ihe for mandado e guardar as
constituigoes de sua Religiao e os canones e decretos do concilio
florentino de Eugenio 4°. Concluido este voto, fas logo nas maos
do Abade espiritual hum iuramento de nao ir, nem peleiar em
guerras entre christaos, nem receber ordens sacras, nem casar, sem
expressa licen^a do Pontifice Romano; mas o Preste Joao e o
nuncio apostolico, por breves que tem da Sede Romana, podem
relaxar este iuramento por iustas causas; e dali por diante nao
sae do convento a cidade sem liceiKja do Abade militar, e vai com
o habito acompanhado de 4 criados e o Abade espiritual tem a
suo cargo a dar a todos os cavaleiros as *cousas necessarias pera f-233.v-
sua susteritagao ; mas, como sao muitos, nao comem todos iuntos
como os monges, senao repartitos por esquadrOes.
O gram Abade he perpetuo ate a morte, e reside sempre
na fermoza ilha Meroe, que o Preste Joao Claudio e depoes Ale-
xandre 3^ em nossos dias a derao absolutamente a ordem de
sam Antao. Tras huma crus azul grande que Ihe cruza todo o peito,
que nenhum outro pode trazer: servesse com grande magestade,
porque pera o servigo de s6 sua pessoa tem cem cavaleiros co-
mendadores e outros duzentos servidores ; he senhor absoluto desta
grande ilha, que fas o rio Nilo, e assim a elle pertencem todas
suas rendas e as minas que ha nella, que sao muitas, e assim
ife^.
LIVRO II, CAPITULO XVII. 511
cada anno Ihe entrao de renda perto de dous milhOes entre os
mineraes e tributcs dos povos; porque ha nesta ilha tres reinos,
contando tambem os direitos que pagSio os Mouros e Judeos,
que de toda AflFrica passa a Meca e dos que de Arabia querem
passar a outros reinos de Africa, porque for^adamente hao de
passar por esta ilha. Desta renda se sustenta o Gram Mestre e o de-
mais se guarda no thesouro da Ordem pera os gastos das guerras,
porque o Preste JoSo nao gasta nada com elles nas guerras que
se Ihe offerecem. As mais abadias tem suas rendas separadas.
Isto he em summa o que naquelle comprido capitolo dis frei
Luis de Urreta e com isso da fim a sua Historia Ethiopica ; o que
Ihe veio muito a proposito, porque historia de tantas e tam proten-
tosas patranhas, come ate aqui temos visto e veremos adiante, nao
se podia fechar milhor, nem selar com outro selo que com huma
fabula tam fabulosa, como he dizer que aia tal Ordem militar em
Ethiopia, que nem a ha nem a ouve nunca; e assim quanto della
conta he huma mera fic<;ao. Nem referi isto mais que pera que veia
o leitor o credito que se deve dar as informa^oes de Joao Balthesar,
a quem dis frei Luis que segiie. E que nao aja agora em Ethiopia
f. 234. tal Ordem militar posso eu teste*munhar, porque em 1 9 annos que
ha que ando nella e continuei sempre o pa^o de tres Emperadores,
que ouve neste tempo, nunca vi monge nem cavaleiro dessa Or-
dem ; o que nao podia ser, se os ouvera ; poes for^ademente aviao
de chegar muitas veses ao Emperador, principalmente avendo con-
vento na cidade imperial, como elle dis. Tambem perguntei a muitos
velhos e disserao que nunca virao taes cavaleiros, nem ouvirao dizer
que estivesse nunca tal Order^ em Ethiopia, nem o Emperador
tinha presidios nenhuns na costa do Mar Roxo, nem sabiao de tal
ilha Meroe, nem que o rio Nilo tivesse ilha povoada. Con tudo isso
pera maior prova, estando eu hum dia com o emperador Seltan Qa-
gued, que oie vive, referi algumas destas cousas, a que elle deu
aplauso e disse : Parece que esse Joao Balthesar vio em Hespanha
alguma Ordem militar como esta, e pera autorizar nossa terra, disse
que tambem a avia nella; mas a verdade he que nunca tal cousa
ouve, nem em quanto senhoreamos do rio Nilo ha tal ilha Meroe,
nem outra nenhuma povoada, porque todas as que fas sao tam pe-
quenas e doentias que nao se pode morar nellas.
Demais destas duas ReligiOes que frei Luis poem em Ethiopia, 3- Refert Auctor
in summa Historiam
dis em muitas partes de sua Historia que tambem esta a sua do Ordinis Praedicato-
512 HISTORIA DE ETHIOPIA
nim in Aethiopia ab giorioso padre sam Domingos, e isto principalmente pretende provar
codem Urreta Qrpis
editam muldsque ar- em outra, com que saio o anno de i6ii,que intitulou Historia de
l^trnonm<Mlo n^- '^ sagToda Ofden de Predicadores em los remotos reinos de la Ethio^
luminAethiopiamo- pia, e o primeiro argumento he, que. como elle affirma pae. 3, al-
nasterium PP. Prae- -* «=•
dicatorum suo tem- guns Summos Pontifices nas buUas, que passar2io a sua sagprada Re-
pore aderae, b^ ligiao, nomeando os reinos em que pregavao os frades Dominicos,
ritasaeculaneullum fazem men^Eo de Ethiopia e assim dis que nisto nSio pode aver
stigium inveniri. duvida alguma, que a dificuldade s6 he se os religfiosos de s. Do-
mingos que entrarao em Ethiopia fundarao conventos e se per-
severao oie em dia; porque achou algumas pessoas que o punhao
em duvida. Ao que responde *pag. 5 por estas palavras: «Provare ^.234,^.
€ com muitos doctores y con la experiencia y con testigos oculares
« como aquellos santos religiosos, que entrarao en la Ethiopia, fan-
« darao conventos, los quales perseveran el dia de oje con mucha
« religion y g^andeza, y negarlo es querer negar el sol al medio
« dia y ser de la secta de los otros philosophos academicos, que
« todo lo ponian en duda ». E logo refuta a Francisco Alvares, que
andou seis annos em Ethiopia, por dizer em sua Historia que nas
terras do Preste Joao nao avia frades senao de s. Antao, e cita al-
guns historiadores que (segundo elle affirma) dizem que nas terras
do Preste Joao se achao as ordens de s. Antao e s. Domingos, e
outros que dizem que virao em Roma religiosos da ordem dos
Pregadores, que vinhao das terras do Preste Joao. Tambem que no
archivo real da cidade de Valenga se guarda hum livro escrito de
mao, que dis que no anno de 15 15 a 10 de abril chegarao ao con-
vento dos Pregadores daquella cidade 8 frades Dominicos todos
pretos e diziao que erao naturaes de Ethiopia e vassalos do Empe-
rador chamado Preste Joao.
Isto mesmo confirma pag. 7 dizendo que outras muitas veses
chegarao ao convento dos Pregadores de Valen^a religiosos Do-
minicos de los conventos de la Ethiopia, e diziao que erao dos
conventos da AUeluia e Plurimanos, e no capitulo geral, que se
celebrou em Barcelona no convento de santa Catherina martir da
Ordem de s. Domingos o anno de mil e quinhentos e setenta e
quatro, se acharao frades de Ethiopia e que de Floren(;a e Veneza
fazem missoes os frades Dominicos pera a Ethiopia como custumSo
de Hespanha mandar frades as Indias, e que, quando elle escrevia
o livro que imprimio o anno de 161 1, *era mestre de novi^os no f. 235,
convento de AUeluia frei Marcos de Floren^a natural de Floren^a
r
k.
LIVRO II, CAPITULO XVII. 513
e filho de habito do convento de sam Marcos, o hia assinado nos
origfinaes que traduzia iuntamente com frei Miguel de Monrojo e
frei Matheus Caravajal nacidos em Ethiopia de certos EspanhOes que
nella morSlo. E mais adiante pag. 11 dis que no capitulo que ce-
lebrou em Roma o geral frei Pablo Constable anno 1580 se achar^o
frades Dominicos da Ethiopia.
Os primeiros Religiosos de sam Domingos que vierSo a Ethio-
pia, dis pag. 13, que erao 8, e que partirSo de Roma ao primeiro de
majo do anno 13 16 com poderes de Inquisidores da fe, levando
em sua companhia huma molher de dias, que deseiava padecer mar-
tirio polla prega^ao do Evangelho, e era tanta sua virtude e a opi-
niao que de sua santidade e vida se tinha, que Ihe derao licenga
os prelados da Ordem de s. Domingos pera isso, por ser religiosa
da 3* ordem da penitencia a que comummente chamao Beatas. E
assim iuntamente forao a Jerusalem e, depoes de visitarem os lu-
guares santos, tomarao sua derota pera Ethiopia, caminhando a pe,
comendo de esmola, e andando entre infieis com tanta incomodi-
dade, fome e pobreza e com tao maos tratamentos, como cada hum
pode cuidar. Mas o Senhor que os guiava pera tanto bem das almas
de Ethiopia, os meteo nella saos e contentes e em breve tempo
aprenderao a lingoa da terra e come^arao a pregar confirmando sua
f.335,v. doutrina com muitos milagres e *chegando suas novas ao Preste
Joao, como bom christao, deu muitas gra^as a Deos de Ihe aver
trazido aquelles santos varOes pera bem de seus vassalos, e man-
doulhe dar as boas vindas e iuntamente licen^a pera que edifi-
cassem conventos por toda sua terra, prometendo de Ihe guardar
todos os privilegios de que gozavao na igreia latina, e admittindo
os poderes que traziao de Inquisidores. Elles, ouvindo tam bom re-
cado, tornarao os agradecimentos ao Emperador e com sua boa gra^a
e aplauso entrarao por Ethiopia mais de 600 legoas ate a lagoa
Cafates, que he onde nace o rio Nilo e edificarao muitos conventos
no reino de Gojam, no de Cafates e o de Saba, e derao o habito
da sagrada Religiao a muitos, e sairao dicipolos tam aproveitados
que puderao ser mestres de virtude e santidade aos demais, dos
quais muitos forao esclarecidos em milagfres ; e em particular o glo-
rioso santo Taquela Haimanot, a quem derao o habito no convento
da invoca<;ao de santo Estevao, que tinhao edificado estes santos
Religiosos em huma ilha que a f as a lagoa Cafates chamada Haic,
que quer dizer agoa doce.
C. Bbccari. Rer, Asth. Seripi, oce. tned. — II. 65
514 HISTORIA DE ETHIOPIA
N2I0 esteve tambem ociosa a santa Beata, antes edificou hum
convento de Relig^osas monjas da Ordem de sam Domingos, a que
chamarAo Bedenagli, no qual vivem oie mais de 5000 freiras e agora
se chama o mosteiro de s.^ Clara ; e iuntamente deu o habito da
3* ordem da penitencia a muitas molheres de virtude [e] exemplo,
deseiosas de caminhar a perfei^ao, das quais ha oie muitas por toda
Ethiopia.
Dos nomes destes santos religiosos dis o Autor pag. 29 que
n2io se fas men^ao nas cronicas da Ordem de sam Domingos, porque
era impossivel *poder fazer memoria de tam grande numero de ^-n^
Pregadores, como cada dia com ben^ao de seus prelados partiSo a
terras incognitas. Nem na Ethiopia se tem noticia mais que do nome
de hum que se chamava frei PantaleSo. Aos outros sete derao no-
mes em sua lingoa, que sSo Arghai, Grima, Licanos, Sama, Aleph,
Assen, Aguloa e a Beata chamarSo Imata. Estes nomes bem se
ve que nao sao da Igreia latina, nem sao nomes proprios em Ethio-
pia, senao de officio e dignidade, porque segundo o officio que vi-
rao que tinha cada hum no convento, que edificarao, esse nome
Ihe derao e com elle ficarao, e por elle sao invocados como santos
gloriosos.
Tudo isto tras frei Luis de Urreta e nos luguares citados pera
provar seu intento, de que os Religiosos de sam Domingos entrarao
antigamente nas terras do Preste Joao, que oie estao nellas com
muitos conventos. Mas, nao obstantes todas suas provas, a verdade
he que em quantas terras de Ethiopia senhorea o Emperador, a
quem comummente chamao o Preste Joao, nao ha oie convento
nem frades de s. Domingos, nem ainda memoria de que entrassem
nellas alguma hora. Porque tenho feito sobre isto extraordinarias
diligencias, sem poder achar quem tenha noticia delles, nem ouvisse
dizer que chegassem nunca a estas terras. E deixando outros mui-
tos de que me informei, hum frade velho, que foi muitos annos
prior de Debra Libanos, a quem o autor chama Plurimanos, e pouco
tempo ha que socedeo no cargo de Ichegue, por morte do que as-
sima dissemos, e he Geral dos frades de Taquela Haimanot, me af-
firmou, que nem em suas historias achara, *nem ouvira dizer que f*3^»'-
frades de sam Domingos entrassem qua nunca ; e o mesmo disserao
muitos de seus frades velhos, que estavao presentes. Depoes fui de
proposito ao convento da Alleluia, que esta no reino de Tigre e
falando cora o Prior, me disse que se [sic] Taoald Madehen (que
r
LIVRO II, CAPITULO XVII. 5 15
quer dizer < Naceo o salvador ») e que tinha de idade 131 annos e tinha
sido 40 annos prior daquelle mosteiro e que nao sabia que entras-
sem nunca nestas terras frades de sam Domingos nem de s. Au-
gustinho, e que seu ajitecessor se chamava Gabra Maraoi (que quer
dizer « servo do esposo ») e que fora ali prior 58 annos e nunca Ihe
ouvira falar em tais frades. Do que se mostra bem claro que
cstes mosteiros Debra Libanos e Alleluia nao sao de sam Do-
mingos nem de santo Augustinho, nem ainda aia outro algum seu,
que se o ouvera, nao podiao deixar de ter noticia delle, porque nao
he a terra tam larga que nao se conhe^a muito bem huns a outros.
Que o que dis o autor que aquelles Religiosos entrarfto por Ethiopia
mais da 600 legoas depoes de terem recado do Preste Joao, ainda
que fora certo que entrarao, se enganou muito na distancia, porque
por quelquer parte que entrem ate chegar onde nace o Nilo nao
sao 200 legoas.
Quanto ao argumento que tras de que alguns summos Ponti-
fices nas bulas que passarao a sua sagrada Ordem, nomeando os
reinos em que pregavao os frades de s. Domingos, fazem mengao
de Ethiopia, nao tem for^a nenhuma ; porque, como este nome c Ethio-
pia » seia tam lato que, como tocamos no principio desta Hisioria,
'.237. comprehende muitas outras *terras e maiores que as que senhorea
o Preste Joao, nao se segue que por nomearem Ethiopia se entenda
precisamente das terras do Preste Joao. E se quiser profiar que
falavao dellas e que tinhao certas informaQOes de que entrarao qua
aquelles Religiosos, que nao sei como podera provar, respondo que
sua memoria se acabou de maneira que nao ha agora quem saiba
dar rezao de suas cousas, nem as tenha ouvido. Por onde aquelles
frades que dis que se acharao nos capitulos gerais e estiverao la
nos mosteiros que nomea e se derao por de sam Domingos, se erao
desta terra, falarao como quiserao pera acharem bom agazalhado
e algum interesse, como fes Joao Balthezar em outras cousas que
fingio em suas rela^oes, como vimos, e aqui de novo aparece no
que affirma pag. 8, que quando partio de qua, que, segundo dis
frei Louis em outras partes, foj o anno de 606; era mestre de no-
viQos no mosteiro da Alleluia frei Marcos de Floren<;a natural de
Floren^a, e que se assinou nos originaes, que o autor traduzia, iun-
tamente com frei Miguel de Monrojo e frei Matheo Caravajal na-
cidos em Ethiopia de certos HespanhOes ; sendo assim que nem no
convento da Alleluia estavao entao tais frades, nem ha memoria
5l6 HISTORIA DE ETHIOPIA
delles, segundo affirmSio os frades do mesmo mosteiro que se criarSlo
ali, e agora sSo muito velhos. Por onde os papeis que deu a frei
Luis de Urreta parece que os fes assinar em outras partes a sua
vontade pera os autorizar e com elles ter alg^m proveito. Tambem
he falso o que dis frei Louis que de Floren<;:a e Veneza fazem mis-
soes os frades de sam Domingos a Ethiopia, como custumao de
Hespanha enviar frades as Indias ; porque, deixando as dificuldades
e perigos do caminho, se assim fora, tiverSlo feito alguma missSio
em 19 annos que ha que eu aqui estou, ou ao menos se acharSio
alguns dos que primeiro vierao, e *nem os tenho visto, nem ha Uih^.
memoria de que qua entrassem nunca. Aos autores que tras por
sy, que affirmao que nas t rras do Preste Joao ha mosteiros de sam
Domingos, respondo que ;e fundarao em tao falsas informa<;oes
como as que elle teve de Joao Balthesar.
Do que temos dito se segue quam sem rezao refutou o autor
a Francisco Alvares, dizendo pag. 7 que saio dos termos e iurisdi^ao
da verdade, por dizer que nas terras do Preste Joao nao avia frades
senao da Ordem de sam Antao, e que vendo o Preste Joao David
nas cartas do governador que el Rei de Portugual fundara mosteiros
de sam Domingos e sam Francisco nais terras que conquistara, Ihe
perguntou de proposito quem erao estes santos, e pediolhe tresla-
dasse em sua lingoa suas vidas.
Tambem nao tenho duvida senao que pera affirmar, que nestas
terras nao avia frades de sam Domingos, se teria informado muito
bem, pois iura no prologo de sua Historia Ethiopicay que as cousas
que escreveo de ouvida forao de pessoas que as sabiao muito bem.
Nem o Preste Joao perguntara tam de proposito quem era sam Do-
mingos, se em suas terras ouvera mosteiros e os frades delles forao
seus confessores e Inquisidores, como muitas veses affirma o autor
que o forao sempre, antes dissera: Nos tambem temos qua mo-
steiros dessa sagrada Religiao e nos guiamos por sua doutrina. Mas
porque nao tinha noticia de tal Religiao, nem ouve nunca nestas terras
Inqui^i^ao, nem sabem que cousa he, por isso perguntou.
Tambem o que dis o autor que dos 8 Religiosos de s. Domingos
que antiguamente entrerao nestas terras, a hum Ihe ficou seu proprio
*nome, que he Pantaleao e aos outros na lingoa da terra chamarao f. «3^
Arghai, Grima (que nao se ha de dizer senao Arogaoy scilicet < velho >
e Guerima) e que derao o habito a Abba Taquela Haimanot, he de
todo ponto falso, porque estes frades, que erao nove, entrarao no
LIVRO II, CAPITULO XVII. 517
reino de Tigre muitos annos antes que nacesse o glorioso Patriarcha
sam Domingos, como consta das historias antigas de Ethiopia, que
se gnardao no mosteiro de Ag^um do reino de Tigre, donde eu
tirei os catalogos dos Emperadores, que se puserSo no cap. 5 do
primeiro livro, e ali se declara o tempo em que vierao ; e o mesmo
achei em outro livro de historias antigas, que me mostrou o em-
perador Seltan Qagued, que oie vive. Ambos estes livros, pondo os
cathalogos dos Emperadores, dizem que no tempo do emperador
Amiamid entrarao em Tigre 9 santos, Abba Pantaleao, Abba Aro-
ga6i, Abba Guerima, Abba Alef, Abba Cehema, Abba Afce, Abba
Ademaata, Abba Oz (a quem depoes chamarao Abba Guba scilicet
€ padre inchado », porque fez igreia em hum oiteiro e estava s6), Abba
Licanos. Alguns dizem que vierao outros muitos iuntamente e se
repartirao pello imperio, mas os livros que eu vi destes nove nao
mais fazem men^ao. Poes do emperador Amiamid se achao nos
cathalogos vinte e dous Emperadores, a quem se nao poe o tempo
que reinarao, e mais huma molher que reinou em Tigre 40 annos,
e no tempo do derradeiro destes Emperadores, a que no primeiro
cathalogo nomeao Delnadd e no segundo Arma, se cortou a linha
dos descendentes de Salamao e se apoderou do imperio hum homem
grande por nome Zagoe casado com huma parenta do Emperador
que era menino e os descendentes deste ZagoS tiverao o imperio
f.238,v. *34o annos, que ainda que no cathalogo nao se ponhao tantos, dizem
todos e me affirmou o emperador Seltan Qagued que faltao alli
muitos e que he certo que esteve nelles o imperio 340 annos. De-
poes o primeiro dos descendentes de Salamao, que tomou a entrar
no imperio, se chamou Icunu Amlac, e deste ate o presente anno
de 1622 se contao 355 annos e tres meses, a que acrescentando 40,
que reinou aquella molher em Tigre, e 340, que tiverao o imperio
os da familia de Zagoe, fazem 735 annos e tres meses, afora dos
22 Emperadores de que se nao sabe quanto tempo tiverao o im-
perio; e o glorioso Padre sam Domingos ha pouco mais de 400 annos
que passou.
Destes nove Religiosos santos nao se declara naquelles livros
de que ordem erao : s6 dis alli que vierao de Rum, que comum-
mente dizem que he Roma, e assi, chegando o Ichegue com muitos
frades ao Emperador no anno de 16 10 a Ihe persuadir que man-
dasse que nao ensinassemos mais que aos Portugueses, Ihe disse:
€ Porque perseg^is os Padres, sendo seus discipolos [?]. Vossa Hi-
5l8 HISTORIA DE ETHIOPIA
storia dis que vierao de Roma nove e de huin delles he dicipolo
vosso fundador Taquela Haimanot > ; e nao quis defirir ao que preten-
diEo, antes disse que ensinassemos a todos, porque nossa doutrina
era a verdadeira; mas contudo nao falta quem cuide que Rum he
huma terra do Turco, donde se chamarao Rumes. No fim da hi-
storia de Abba Taquela Haimandt, que adiante referiremos, tratando
donde procede, dis assi: « Abba Antonio deu o habito a Abba Ma-
chario, Abba Machario o deu a Abba Pacomio, Abba Pacomio o deu
a Abba Arogaoi, abba Arogaoi vio a Ethiopia e o deu a Abba Chri-
stos Bezana, este o deu a Abba Mazcal Moa, este o deu a Abba
*Joanni, e este o deu a Abba Jesus e a Abba Tsujuela Haiman6t ». f- 239.
E este Abba Arogaoi dizem todos que he o mesmo que assima no-
meamos entre aquelles nove santos de Tigre, e por isso se prezao
muito estes frades que vem delles ainda que se nomeem de Ta-
quela Haimandt, por ser entre elles tido por grande santo; o que
sendo assi fas duvidoso virem aquelles nove Religiosos de Roma ;
do que tambem se segfue que aquelles oito frades de s. Domingos,
que frei Luis de Urreta dis que vierao de Roma, ainda que fora
certo que entrarao qua, nao derao o habito a Taquela Haimanot,
e que foj muito antes que nacesse o glorioso Padre s. Domingos,
porque o terceiro Abade depois de Abba Arogaoi, deu o habito a
Taquela Haimanot, e Abba Arogaoi como temos dito, ha 735 annos
que entrou em Ethiopia e mais o que reinarao 2 2 Emperadores que
se nao declara no cathalogo.
Sobre tudo o que temos dito fora pera mim bastante prova de
que os frades que estao nestas terras do Preste Joao nao sao da
sagfrada Religiao de s. Domingos, ver que afora de alguns que
com nossas disputas publicas e praticas particulares se reduzirao,
todos os demais sao scismaticos e tem tantas heregias, como temos *
visto neste livro, e tao obstinados nellas, que porque o emperador
Zadenguil, depoes das disputas publicas que tive diante delle com
seus frades e letrados sobre as cousas de nossa santa fe, quis dar
obediencia a santa Igreia romana, amotinarao o povo e o matarao,
dandolhe batalha em campo os principaes capitaes ; tambem o em-
perador Seltan Qagued, que oie vive, por querer fazer que deixas-
sem suas heregias e recebessem nossa santa fe, o quiserao *matar f.^s^.T,
quatro veses e huma dellas Ihe derao batalha em campo e mila-
g^osamente alquancpou victoria, como dissemos no capitulo 5° deste
2° livro; a o que se aiunta a grande devacidao que comummente
LIVRO II, CAPITULO XVII. 519
tem estando publicamente amancebados e deixando humas molheres
e tomando outras, tanto que o principal dos secretarios do Empe-
rador me disse huma ves diante de hum frade muito grave : « Padre,
nesta nossa terra milhor he a sorte dos frades pera as cousas da
carne que a dos casados ; porque nos, se hemos de fazer o que manda
o Evangelho, nSlo podemos deixar nossas molheres ate a morte;
mas elles cada ves que querem deixSlo huma molher e tomSlo outra ».
Disselhe eu que pera que falava daquella maneira? porque ia ha
muito que se confessa com nosco e publicamente defende nossa
santa fe. Respondeo elle : « Que vaj ? pois he cousa publica, este frade
tem ia deixado doze > ; e elle lan^ou a cousa a zombaria, dizendo
que Ihe nSo desse credito, que falava como queria; mas o secre-
tario replicou que era certo. E outra ves perguntando eu ao em-
perador Seltan Qagued quantos frades averia no mosteiro, que cha-
mao Debra Liban6s, respondeo que primeiro avia muitos, mas que
agora erSlo poucos, acodio hum frade que ali estava dos mesmos
de Taquela Haimanot : « Tambem agora, se se aiuntarem, nao h«lo de
faltar tres mil >. Disse o Emperador com ser homem muito grave e
modesto : « Se contarem tambem seus filhos, serao ; mas elles sos nSo
pode s^r ».
f.240. Chega a tanto a devacidSo dos frades, *que porque da serca
pera dentro dos mosteiros nSo podem entrar molheres, as tem em
muitas partes agazalhadas perto e aquellas casas chamSo Alengiie,
que quer dizer « luguar do mundo », e la vao quando querem sem os
superiores nem Abuna acabarem de tirar isso, porque elle he peior;
pollo menos os que eu conheci, tinhao filhos, e quando matarao o
derradeiro acharao que tinha sete molheres, como no principio deste
livro dissemos. O emperador Seltan Qagiied e Eraz Cela Christos
seu irmao tem trabalhado muito e trabalhao peia porem algum re-
medio a isto e mandarao que aos que achassem daquella maneira
Ihe tomassem fato; e vendo que nem isso bastava, chegarao a fazer
por excomunhao que nao dissessem missa os que assi fossem, e
sobre isto ha agora muitas murmura^oes e porfias. Nosso Senhor
os aiude em tam santo intento, que nao parece que hao de poder
acabar o que pretendem. Nem he novo isto agora entre os frades,
porque o padre mestre Gon(;alo Rodriguez de nossa Companhia de
Jesus, que foj o primeiro della que no anno de 1555 entrou em
Ethiopia, em huma carta que escreveo o anno segninte a Portugnal
dis, que indo com alguns Portugueses a visitar o superior de Debra
520 HISTORIA DE ETHIOPIA
Libands, achou.que o mosteiro era muito grande e perto dos frades
avia muitas freiras e que se dizia que entre elles avia muitos filhos.
Pello que bem se deixa quam pouco dis isto com Relig^osos da
sagrada ordem de s. Domingos; e assi o mesmo Padre, salvando
logo a honrra desta sagrada ReligiSo aiuntou estas palavras: € A
Ordem destes frades nao he de sam *Francisco, nem menos de f.^^o.T.
sam Domingos, mas chamasse de Taquela Haimanot, que foj hum
homem assi chamado, o qual tem qua os Abexins que foj grande
Santo canonizado por elles.
CAPITULO XVIII,
Em que se declara quantas sao as Religioes que ha em
Ethiopia e quem tem por fundadores, que modo de
govemo e vida e como se hao com os novi^os.
£m todas quantas terras de Ethiopia senhorea o Preste JoSlo x. Monachonim
< 1 -n 1' ' 1 1 lAfiArr^ duo tantuni ordines
nao ha mais que duas RehgiOes, huma que chamao de Abba Ta- i^ Aethiopia, quo-
quela Haimanot, que quer dizer c planta da fe » e outra de Abba Sta- ™™ ™"f *^, ^^^
^ -1 T r- TadA Haiinan6t no-
teus; e os frades de huma e outra ReligiSo se prezSo muito de men habet, aiter ab
terem sua origem de Abba Arogaoi, hum daquelles nove Religio- ^^^ tamen^sfb awS
sos santos, que no capitulo precedente dissemos que entrarflo anti- ArogAwi originem
, _. . ^ , . , ducit. Quoad viven-
guamente no remo de Tigre, o que amrmao por sem duvida, porque di normas nihil pro-
as historias de ambos o testificao. Mas tomaraonos por fundadores, P«diff«runtinter se;
^ at vero perpetuas li-
por elles darem o habito a muitos e serem tidos entre elles por tes habent de hono-
. . o ^ 1 -j -1 ri8gradu,dequequo-
msignes Santos e esclarecidos em milagres. rundam agrorum
O modo de vida de todos estes frades quasi he o mesmo, mas poaaeseione.
em muitas cousas tem grandes differenpas, como sobre algumas ter-
ras de que estao de posse os de Abba Stateus, que os de Abba Ta-
quela Haimanot dizem que Ihe pertencem, e principalmente porfiao
sobre as precedencias, porque ainda que os de Abba Stateus con-
fessao que viviao em hum tempo e que Abba Taquela Haimanot
morreo primeiro, porque achao em sua historia que indo elle pera
f. 2^1. Armenia, Ihe *revelou Deos nosso S.**^ que morrera Abba Taquela
C. Bbccari. R^r. Atik, Script, oee» ined. — II. 66
^4
■
f!
I
522 HISTORIA DE ETHIOPIA
Haimanot, com tudo isso affirm^o que Abba Stateus come^ou pri-
meiro ; o que negao os de Abba Taquela Haimandt, e trazem suas
rezOes pera provar que seu fiindador come^ou primeiro, e assi andao
em porficis, sem se acabar nunca de resolver a questSo.
a. Cur Auctor tam As historias destes dous fundadores trabalhei muito por aver»
abbA^SuItto; hiSis ^^ ^^^ pude alquan^ar senSo a de Abba Taquela Haimanot, que
coenobia nuUuxn 8u- g^ pora no capitulo seguinte; a de Abba Stateus nSo pude aver,
periorem generalem ir ir o
habent, licet Abbaa porque, alem de se acharem poucos hvros della, nSo os querem
primumhonoritgra- ^niprestar, por Ihe parecer que os buscamos pera ver se se acha nel-
dumobtineatinaula les alguma cousa em que se Ihe possa por nota, ou com que se re-
reg^a* Abbates eli- ^
guntur a monachis, futem seus erros ; porque tem visto que os refutamos com outros
sed ab imperatore g^^g Uvros. Mas o que me affirmarSo sem differenca nenhuma os
confirmantur. Qui- ^ ^
bus ritibus flat ele- frades dos reinos de Gojam e Tigre, onde elles tem os principaes
ctio et confirmatio. . «^^Ar^A « ^**
conventos, he que Abba Stateus naceo em huma terra do reino de
Tigre que se chama Cera, e depois de ter edificado muitos mo-
steiros e dado o habito a gprande numero de frades, deseioso de
ensinar e dilatar a santa fe, se embarcou pera Armenia, onde esteve
pregando ate que morreo, e por nao deixar ca em seu lug^ar quem
fosse superior de todos, ou, se ficou, durou pouco tempo, nao tem
os Priores dos mosteiros dependencia huns dos outros, mas quando
alguma ves sucede que o Prior do mosteiro de Bi^an, que esta
perto do porto de Macjua, vem com outros visitar o Emperstdor ou
a algum negocio, he custume entrar elle diante e ter la dentro o
primeiro luguar.
Ao Prior ou Abbade do convento, que chamao Memeher, que
quer dizer « mestre », e he perpetuo *ate a morte, ainda que algumas f.a^i.v.
veses o tirao por casos graves, e elegem outro e quando he tam
velho que nao pode acodir as cousas de seu officio. A elei^ao vaj
por votcs dos frades sos daquelle convento, e depoes o levao ao
Emperador e Ihe dizem como escolherao aquelle por seu mestre e
Ihe pedem que mande fazer as ceremonias custumadas, que sao vi-
stiremlhe sobre seu habito huma roupa azul sem colarinho, que
chega ate os pes, e poremlhe na cabe^a huma coroa de ouro de
dous dedos de alto, e assi o levao acompanhado dos frades ate sair
a primeira cerca do pa^o, e alli publicao diante dos que se achao,
que ordinariamente sao muitos, como a quelle se deu o cargo de tal
convento; e logo toma com o mesmo acompanhamento e beija a
mao ao Emperador, e depoes tira a coroa e despe a roupa azul, e
se seu convento he dos grandes, Ihe da o Emperador alguma pe^a
LIVRO II, CAPITULO XVIII. 523
boa e mula, e quando torna a seu mosteiro, o levao a igreia e na
entrada da capella se assenta na cadeira de seu antecessor, com
huma crus na mao, ficando todos os frades em pe, e logo hum dia-
cono revestido canta em vos alta aquelle verso de David : « Etenim
benedictionem dabit leg^slator, ibunt de virtute in virtutem, vide-
bitur Deus eorum in Sion > ; e todos repetem o mesmo cantando, e
isto dizem tres veses, o diacono e elles altematim. E depoes o Dia-
cono 16 o Evangelho de s. Matheus, comegando: « Vos estis sal
terrae » ate chegar onde diz : « Et glorificent Patrem vestrum qui
in coelis est ». E logo se alevanta e da a ben^ao a todos, e o levSlo
com grande festa a casa do Abbade passado, porque os frades n£lo
f. 242. morSlo em celas '''como os de Europa, senSlo cada hum em sua ca-
sinha afastada, como adiante diremos. Mas esta ceremonia fazem al-
gumas veses logo como o elegem, antes de o levar ao Emperador ;
e se alguma ves sucede que votem por dous e saiao os votos ignaes^
vSio com a demanda ao Emperador e comummente toma com o
cargo o que na corte tem mais que falem por elle ao Emperador,
ou seia por via de amizade ou por peitas (que ca com os da corte
podem mais que outra cousa nenhuma); porque estes informao ao
Emperador como querem e ordinariamente fazem que escolha a
quem elles pretendem; e como manda que se Ihe de a coroa, que
dissemos, he tudo acabado.
Os frades de AbbS Taquela Haimandt demais dos Abbades a.Coenobiaomxiia
j ^-^i- i_ r^ t f_ «bbA TacU Haima-
dos mosteiros, tem hum superior, que he como Geral, a quem cha- ^^^^ practer proprio
mao IcheguS e o elegem por votos, como ia dissemos. Este visita Abbati, uni Praesidi
^enerali subsunt, qui
os conventos de toda sua Ordem, e, quando nSo pode, os manda icheguftvocatur:hic
visitar por algum frade. e se acha alguma cousa que mere,a ca- ^"^^^^^tL^
stigo, o da; que comummemte he tomar fato; porque os frades tem «tatuit. Licet dentur
iudices ecclosiastici,
algum em particular, como adiante veremos; ainda que tambem da tamenplerumqueso-
outras penitencias, quando Ihe parece, mas com todas suas visitas ^* i^^dice* sawularea
^ ^ x- ' contra monachoscri-
veio pouca reforma^ao, porque assi estSo os frades oie amancebados minia reos senten-
,4. . tiam dicunt.
pubhcamente como estavSio nos tempos passados.
Nas differen^as e demandas, que tem entre si, pedem iuis a
seu IcheguS e algumas veses ao Abuna, mas de qualquer delles
que for o iuis, nSo pode entrar a fazer seu officio sem primeiro
f.242,>. falar com o senhor da terra em que esta o mosteiro, *ou com quem
elle tem posto em seu luguar, e este da hum homem que assista ao
tomar das testemunhas e as demais diligencias que fas o iuis, e ul-
timamente iulga o que Ihe parece, e depoes da sua senten^a o iuis.
5^4 HISTORIA DE ETHIOPIA
e por isto tem certa parte naquillo em que o juis condemna a parte
culpada, e se alguma das partes agrava da senten^a, vao com ella
a quem deu o iuis e ali se acaba.
Tambem algumas veses nestas demandas e geralmente nas que
tem com os seculares vao a pedir iuis aos tribunaes do Emperador
ou ao Viso Rei daquella parte onde esta o mosteiro, e este iuis
tambem ha de falar com o senhor da terra pera que ponha
algum em seu luguar; e quando levSlo a sentenga aquelles tribu-
naes, se achSo que o frade merece acoutes ou morte, iulgao, mas
nao se executa a sentenQa sem a confirmar o Emperador, ou o Viso
Rei que deu o iuis. E eu vi dous frades, aquem o emperador Seltan
^agued mandou acoutar e Ihos derSo muito bons a hum diante do
pa^o e a outro no campo diante das tendas do Emperador, porque
a este se Ihe provou que Ihe machinava a morte. E hum Viso Rei
de Tigre iulgou que hum frade fosse morto as lan^adas, porque,
estando hum seu capitao perto do mosteiro deste frade peleiando
contra hum alevantado, que ainda que tinha muita gente, nSo podia
fazer dano ao capitao por ser lug^ar forte, o frade guiou a gente do
alevantado por caminho que elles nao sabiao e, dando de subito
pollas costas, desbaratarao ao capitao e Ihe matarao muita gente
e roubarSo muito fato, que estava guardado no mosteiro; e pouco
depoes que se executou a senten^a, acertei eu de chegar *de outra f. 243
terra a visitar o Viso Rei e vi o frade morto. E isto de iulgarem
os iuises do Emperador contra os frades e clerigos, quando o me-
recem, e executaremse suas senten^as, he cousa muito ordinaria.
^ Daqui se ve quam pouco val a interpretapao que tras frei Luis
de Urreta no 3° livro de sua Htstoria pag. 708, ao que, como
elle ali affirma, escreveo Illescas na vida de Clemente 7**, que em
Ethiopia nao ha immunidade ecclesiastica, e que a iusti<;a secular in-
differentemente castiga a seculares, religiosos e clerigos ; e ao que dis
Francisco Alvares em sua Historia Ethiopica, que vio acoutar certos
religiosos diante das tendas do Preste Joao ; ao que responde que se
enganarao com certa sorte de hermitaes que ha oie em Ethiopia
nos desertos, que, ainda que trazem habito e fazem grandes peni-
tencias, sao puros seculares, e assi todas as veses que querem deixSo
o habito, nem tem habito certo e sinalado; porque huns vestem
pelles cortidas, outros panos amarelhos de algodao, mas tem al-
guns conventos onde se da este habito aos que o pedem; e al-
guns velhos, que sao sacerdotes e ministrao os sacramentos: a estes
UVRO II, CAPITULO XVIII. 525
hermitaes, que fora daquellas penitencias e modo de vida sdo se-
culares prende e castiga a iusti^a secular como aos outros seculares
e nSio aos sacerdotes e religiosos ; antes nSlo ha na<^o que Ihes tenha
maior respeito.
Esta imagina<;2io do Autor nSio basta pera convencer que os 4« NuUus Bremi-
que vio acoutar Francisco Alvares nao erao verdadeiramente fra- ^„3 j^ Acthiopiarut
des senao daquelles hermitaes que elle pinta; porque, ainda que eu «onmiavit ^rreta;
f 243,T. nao achei as palavras que allega, por elle '''nao citar o luguar, nem a in deserto coenobia
Historia de Francisco Alvares que eu tenho estar repartida em ca- smtmOTiachisiipeis
pitulos, nem ter index, por ser muito antiga, na pag. 78 affirma li^et. leiunia aliae-
que corporis a£Qicta-
que veo acoutar hum frade na corte por trazer huma carta dos tiones eremitae fre-
Infantes, que estao no monte de Amhara, e mostra claramente que <1'»«**^5 »«<l'»« <=|*°^
^ ^ Buperis lactant habe-
aquelle frade era sacerdote, porque dis que Ihe preguntavao onde re commercia, unde
. » . -mjg- 01 ..T^.. A1 apud rudes in magno
se ordenara de missa. Mas, seia o que for do que dis Francisco Al- suntpretio^atmores
vares, o que passa na verdade he que as iusticas do Preste loao naonachomm ple-
rumque perditissimi.
prendem aos clerigos e frades e os castigao conforme suas culpas. Huiua depravationis
Nem em Ethiopia ha tal sorte de Hermitaes como elle dis que estao ^j^^^J^y. Auctore
oie, nem os innumeraveis solitarios e anacoretas, que affirma estao
nos desertos, huns de sam Mojses Ethiope, outros de sam Paulo
primeiro hermitao, de sam Hilariao, de sam Panuphio, de sam Ma-
cario e de sam Onofrio, de nenhuns destes ha tais solitarios nas terras
do Preste loao: todos quantos andao nos desertos sao frades das
religiOes, de [que] imos falando, de Abba Statefls e de Taquela
Haimandt ; e estes trazem o habito, como elle dis, huns de pano de
algodao amarelo, outros de peles como as camu^as de Hespanha,
porem mais grosseiras, outros de pano de algodao preto ou branco,
que nisto nao ha cousa particular entre os do deserto e do povoado :
cada hum traz o habito da cor e pano que quer ou pode, e assim
alguns poem sobre o habito panos de seda bem custosos ; porem os
do deserto, que se querem mostrar mais penitentes, sempre vestem
pelles amarelas como camu^a grossa. Tem la seus mosteiros e pera
estarem mais livres da comunica<^o e trato da outra gente, alquan-
f. 244- <?arao dos *Emperadores que pera dentro de certos limites muito
longe de seus mosteiros ninguem pudesse lavrar nem povoar, e de
ordinario fazem naquelles mosteiros grandes penitencias, particular-
mente na quaresma as acrescentao, porque saiem de dous em dous
ou mais iuntos a ieiunar debaixo de arvores ou em lapas, e nao comem,
senao a nojte, algumas hervas ou ligumes e bebem agoa, e alguns
estao dous dias e mais sem comcr nem beber, trazem silicios de ferro
526 HISTORIA DE ETHIOPIA
H
e fazem outras cousas mui extraordinarias; mas que Ihe aproveita
tudo isto, poes sSlo scismaticos e hereges [?] e sem fe he impossivel
agradar a Deos, como dis sam Paulo : c Sine fide autem impossibile
est placere Deo ». Ad Hebraeos ii.
Os frades dos mosteiros, que estSlo em povoado, se vSlo aos ,,
mosteiros dos desertos quando querem, sem que seu superior Iho 1
possa prohibir, e de poes quando Ihes parece tomao pera povoado.
£ a gente popular os tem por santos, e assi da grande credito a
tudo o que dizem, e elles tambem se querem mostrar taes, metendo
em cabe^a aos ignorantes e ainda a muitos que parecem discretos,
que tem grandes revela<;oes e que Ihe manifesta nosso Senhor as
cousas que est&o por vir, e assim v2lo alguns a elles como a ora-
culos e com acharem cada dia quam falsos e mentirosos s^o seus
sonhos, nao se acabao de desenganar, nem com verem mmtas veses
que aquelles que tinhSlo por santos, depoes de suas penitencias,
deixSlo *o habito e casSo publicamente ; e eu conhe^o hum que esteve f.2441^.
seis annos no deserto vestido de pelles e fazendo grandes peniten-
cias, tanto que demais das ordinariais que acustumSlo os outros, ga-
stava certas horas do dia em ora^So com a cabega no chao e os
pes pera sima, e agora esta casado com bem de filhos; e decla-
randolhe eu huma ves quam grande sacrilegio era deixar o habito
e estar daquella maneira, me respondeo, que deixaxa o habito por-
que primeiro Iho fizerao tomar contra sua vontade, e que depoes,
por achar que nao podia viver castamente, casara. Esta mesma
escusa trazem todos os que deixao o habito (que nao sao poucos)
dos que estao em mosteiros de povoado e casao, sem aver quem
de remedio a isso. E na verdade a alguns Ihe fazem os superiores
dos mosteiros tomar o habito por for^a, porque tem por grande
honrra dar o habito a muitos, e pera isto se os meninos que ensi-
nao nao querem ser frades por rogos, a algnns prendem e dao outras
molestias ate que vem a dizer que sj, e a outros Ihe persuadem que
tomem o habito que com isso alquan^arao honrra entre os senhores
e assim muitas vezes Iho dao sem noviciado nem prova nenhuma
mais que dizer que o quer, como me affirmarao algfuns frades. E
entre elles ha hum abbade velho, que ha perto de quarenta annos
que o he de hum mosteiro dos mais antigos e maiores que ha em
Dambia, *e me disse que toda esta perdi^ao dos frades vinha por f. 245-
Ihe darem o habito desta maneira sem as prova<;oes que primeiro
tinhao, que sao as seguintes, segundo elles o affirmao.
LIVRO II, CAPITULO XVIII. 527
Quando antigamente recebiSo algum novi^o, o provavao 7 annos 5. Antiqultus mo-
servindo no mosteiro e fazendo que se exercitasse em cousas tra- annos wiis^^ri-
balhosas, andando sempre com vestido secular, e neste tempo tinha ««ntisexercebantur.
^ Kx quodam Ubro,
elle hberdade pera se poder ir, se nao se atrevia com aquelle modo quem Auctor com-
de vida, e os frades tam bem o despediao se Ihe parecia que nao ^rfb^^^^mtll
era pera a religiao ; mas, se determinava de perseverar e os frades tipliccs initiationis
^ monasticae. Vestitus
estavao satisfeitos delle, o aprovavao e davao o habito desta ma- monachonim est tu-
neira. Confessasse com o Abbade do mosteiro e locfo benza a acfoa ^^ talaris, plerum-
^ ^ que colons albi, co-
e o bautiza dizendo: « Foao, eu te bautizo no nome do Padre e do rio praecincta et cu-
€ Filho e do Spirito Santo », e Ihe poem oleos estando na igreia tamquam honoris
presentes nao mais que os frades, porque nenhuma pessoa secular insigne, gestant Az-
. MT -i. r- quemA,quaee8t8tola
deixao entrar; e levandoo diante do altar, onde ia esta revestido quaedam pergami-
hum sacerdote e ministros, come^ao a cantar aquelle verso de David: cuTcr^ibiM* ecoUo
« Illumina oculos meos, ne unquam obdormiam in morte, ne quando P^ndcns et infra pe-
ctu8 aenea fibula ad-
dicat mimicus meus: prevalui adversus eum». Psal. 12; depoes do atricta.
psaltno 33: « Accedite ad eum et illuminamini et facies vestrae non
confundentur > . E assi vao tomando alguns versos de outros muitos
Psalmosv E acabado isto, benze o sacerdote incenso, dizendo duas
f.245.^- oracjoes, e logo o diacono dis hama orax^ao rogando pollo Patriar*cha
de Alexandria e poUo Abuna. Depoes prosigue o sacerdote rogando
pellos que estao presentes e pello povo.
Acabado isto, toma o sacerdote huma thesoura e cortalhe alguns
cabellos da cabe^a em sinco partes a modo de crus dizendo o Pater
noster e o psal. 50; e logo o Abbade diz sobre elle esta oragao:
« Deos todo poderoso, que morais nas alturas e vedes todas as
« cousas e sabeis o escondido do cora^ao do homem, olhai de vossa
« gloria santa a vosso servo Foao, que vos veio a buscar e a se vos
« soieitar sendo frade; endereitai seu caminho, dailhe enteira paciencia
« e afastai delle todo o pensamento deste mundo, e quando fizer ora-
« ^ao, afastai delle toda a obra ma e recebei sua ora^ao por vossa mi-
« sericordia; dailhe, Senhor, a lus de vossa graga, porque vos buscou
« por amor e de cora^ao ; fazei que fuja dos apetites deste mundo e
« que seia idoneo pera vossa vinha espiritual e nao tome atras nem
« cuide no amor deste mundo. Dailhe paciencia nos trabalhos e pera
« se soleitar com limpeza a vosso mandado e a vossa vontade por amor
« de vosso nome que foj invocado sobre elle, e pera fazer o que for
« milhor e buscar os misterios santos, pera possuir a alegria que nao
« se acaba e pera achar parte no reino do ceo com vosso Filho uni-
« genito nosso Senhor lesu Christo pera sempre dos sempres. Amen.
528 HISTORIA DE ETHIOPIA
€ Deos todo poderoso, pai de nosso Senhor Jesu Christo, pedimos
c vos, o amador dos homens, '"olhai sobre vosso servo Foflo, que f. 246.
< esta humilhado diante de vossa gloria. Benzeio e santificaio e
€ amarrajo a vossa Santa Crus, e aiuntaio com os exercitos cele«
€ stiais, e quando puser Azquema se mostre nu das cousas deste
€ mundo, e fazei que passe delle o amor vfto ; dailhe humildade spi-
« ritual e cora^Slo limpo e bom pensamento, amor e paciencia; afastai
< delle todas as representa^Oes dos demonios e botaios debaixo de
< seus pes ; dailhe poder por andar sobre as serpentes, ponde em
< seu cora^ao vosso temor vivo, pera que se affaste delle o pensa-
< mento da came, e alimpai seu corpo e alma pera que seia puro
< sem nenhuma maldade ; acendei e g^ardai a candea de suas obras,
< pera que nao se perca ; fazei que na derradeira hora esteia apa-
< relhado pera vestir vestido limpo com vosso Filho unigenito nosso
< Senhor e Selvador Jesu Christo. A vos, a elle e ao Spirito Santo
< gloria pera sempre. Amen >.
Depoes benzem o cinto, que he de correa com ora<;Oes muito
compridas e lem licOis do fim da epistola ad Ephssios, come^ando:
< Induite vos armaturam Dei etc. > ate: <ut in ipso audiam prout
oportet me loqui » e de sam Pedro e dos Actos dos Apostolos ; e logo
do Evangelho de sam Matheus: < Ecce nos reliquimus omnia etc. »,
e de sam Marcos: < Ecce nos dimisimus omnia etc. », e de sam
Joao : < Pater, venit hora, clarifica filium tuum etc. ». E logo dizem
4 vezes Kirie eleyson, e huma ora^ao e depoes dandolhe o habito
e o cinto dizem duas ora^oes. E como se cinge dizem outra em que
se fas menc^ao de que seia cingido com cinto que nao se solta ; e
logo outra mui comprida, pedindo que assim como o Senhor man-
dou *o Espirito Santo sobre seus Apostolos, o mande tambem sobre f.*4^T»
aquelle seu servo, e que ponha sua mao direita sobre elle e o
guarde como a filho. Demais destas ora^oes tem outras acomodadas
pera os que sao virgens e outras pera os viuvos a que dao o habito.
Em acabando isto benza o capello dizendo o Credo, e alguns
Psalmos e tres veses Alleluja e incensao dizendo huma ora^ao e
logo outra mui comprida e depois toma o Abbade o capello na mao
e dis outra oracao, e como acaba lem hum grande pedago da Epi-
stola ad Tlebraeos, come^ando: < Est autem fides sperandarum sub-
stantia rerum etc. » e da prima de S. Pedro : < Chaxissimi, obsecro
vos tamquam advenas et peregrinos » ate : < Beatius est magis dare
quam accipere \sic\ *. E logo o sacerdote le o Evangelho de sam Lu-
LIVRO II, CAPITULO XVIII. 529
cas: 19 « Homo quidam nobilis abiit in ragionem longinquam etc. » ,
e depoes Ihe poe o Abbade o capello e tendo a mao sobre a ca-
be^a dis : < Eis aqui pus sobre vossa cabe^a este capello de humil-
« dade, que convem a penitencia pera dardes fruto honrroso com
« aiuda de nosso Senhor Jesu Christo. A elle gloria e ao Padre
« e ao Spirito Santo agora e pera sempre. Amen > . E logo prosi-
gue : « Pedimos vos, Senhor todo poderoso, que por vossa miseri-
« cordia livrastes a vosso servo da morte deste mundo e o metestes
« no caminho da iustificaQao, que o livreis e salveis das tentapoes
« do demonio ; gnardai, Senhor, sua alma com limpeza pera que
« seia esposo do Spirito Santo e fazei que se lembre sempre de
« vosso mandamento e o cumpra : dailhe paciencia, cora^ao, humil-
« dade, bondade, fe, esperan^a e charidade em vosso unigenito filho
« Nosso Senhor e salvador Jesu Christo pera sempre. Amen *.
f. 247. *Como acaba esta ora^ao le nao sei que cousas que dis o livro,
que convem aos frades, mas nao me quiserao mostrar, e perguntalhe
tres vezes se pode tirar sobre si aquella carga e comprir todas
aquellas cousas, e cada hum responde que sy ; e logo manda que
se deite no chao, e elle se poem da maneira que esta o morto na
sepoltura pera mostrar que morreo aos appetites da carne e a todas
as cousas do mundo, e vive pera todo o bem, e dis sobre elle huma
ora^ao e depoes o sacerdote, que esta revestido, outras muitas, e
como as acaba, come^a a missa, e da a comunhao ao que recebeo o
habito. E acabada a missa, o levao com festa a comer com o
Abbade.
Tudo isto achei em hum livro, que me emprestou hum Abbade e
disseme que alguns nao queriao tomar o capello iuntamente com o
habito, dando algumas escusas de humildade, mas que ordinaria-
mente era pera o ir tomar a outro mosteiro, porque depoes pode
estar em qualquer dos dous que elle quizer, e por for^a hao de
partir com elle das terras daquelle mosteiro, como adiante diremos.
Demals do habito e capello tem outra cousa a que chamao
Asquema, que he como huma tranca muito estreita, que fazem de
tres tiras de purgaminho e a poem ao pescoso de maneira que ambas
as pontas vem por diante a se amarrarem em huma argolinha de
cobre, que tem no cinto, e alguns poem nella humas crusinhas de
pao muito pequeninas. Esta Asquema nao se pode dar ao frade ate
que tenha trinta annos de idade e antes de a receber ha de servir
hum anno no que os frades o quiserem ocupar; e quando Iha dao
C. Bbccaki. Rtr. Aeih. Scrtpi, occ, ined. — II, 67
530 HISTORIA DE ETHIOPIA
he com muitas ceremonias e dizendo dlversas ora^Oet e a estimSo
muito e tem por cousa de grande honrra.
6. lidem ferme ri- *Tambem esti naquelle livro o modo com que hao de dar o f
mr monJaleB, ildeml habito as freira» e aponta muitas ora^oes e dis qoe le cortem ca-
lue imrum nores. bellos da cabei;a em sinquo partes, como fazem quando dao o habito
aos frades, e outro Ihe rape toda a cabe<;a e depoes Ihe dem o veo,
que he quasi como o capello dos frades; e ainda que nunca qua
estiverao as freiras em mosteiros como em Enropa, senao cada buma
em sua casinha afastada, de maneira que sua estancta era como
huma povoa<;3io, maior ou menor segundo o numero dellas, com tudo
isso dizem que estavao encostadas a algum mosteiro de frades e
que tinhao huma superiora a quem obedeciao. Agora tambem ha
algumas que estao em suas casinhas perto de mosteiros, e os Ab-
bades tem alguma superintendencia, mas o comum he estarenn onde
querem afastadas humas de outras de maneira que mais pau^ecem
Beatas que freiras, e o que pior he que {segundo dizem) assim as
que estao tuntas perto dos mosteiros, como as que estao afasta-
das, comummente tem mais mundo do que tinhao antes qne fossem
freiras.
CAPITULO XIX.
Bm que se refere a historia de Abba T&quel& Haiman^
como a contao os livros de Ethiopia.
Esta historia escreve frei Luis de Urreta no cap. 9 em huma i. Refertur com-
com que saio o anno de 161 1 dos Santos de Ethiopia e pag, 131 5k Haiman6t ab Ur-
dis que Abba Taquela Haimanot foi natural da famosa cidade ^^ conacripta et
demonstratur eam
f. 248. Sabba cabe<;:a de toda Ethiopia, illustre por *ser a maior de toda fabulis et erroribus
ella, populosa por aver servido muito tempo de corte aos Empe- •^**"'
radores e nobilissima por ser edificada poUa rainha Sabba quando
tornou de visitar o santo templo de Salam2io. Seu paj, que se
chamava Sacasab foj rei nesta cidade metropoli do reino Sabba
e casou com a filha de hum rey de Ethiopia que se chamava
Sarra donzella estremada em fermosura e de grande honestidade
e virtude, e no estado santo do matrimonio viverao muitos annos
com o de virgindade imitando o estado matrimonial da Virgem
Maria e Santo Joseph; mas depoes, estando ella em ora^^o, Ihe
apareceo hum anjo e Ihe disse que era vontade de Deos que con*
sumasse o matrimonio, porque Ihe queria dar por filho huma
pranta fiei e fructifera em toda Ethiopia, e aparecendo tambem
ao rei Sacasab Ihe mandou o mesmo de parte de Deos. Obecerfto
os santos ao mandado de Deos e concebendo Sarra pario a seu
tempo hum filho a quem no bautismo poserOo nome Tacleaima*
532 HISTORIA DE EXmOPIA
not, que quer dizer c planta fructifera » e depois tomarao a conti-
nuar seus bons deseios de castidade por toda a vida, ocupandose
em ora^oes.
Chegando o santo mancebo aos 20 annos de idade, levou
Deos a seus paes pera Ihe dar o premio de suas virtudes e ainda
que de tam pouca idade, rico e poderoso e rei de hum grande
reino, como nelle *aviao florecido sempre bons deseios, temeo nao ^.248,^.
se Ihe mallograssem e com este temor renunciou o reino nas maos
do Preste Joao, e porque nao Ihe obrigassem seus vassalos a tornar
ao reino, se foj ao Abuna de Ethiopia que se chamava Athanasio,
pera que o ordenasse de todas as ordens sacras ate o santo sacer-
docio; o que o Abuna fes por ter revela^ao e mandado do ceo
pera isso. Despediose do Abuna e tomando sua ben^ao se foj
poUos reinos de Ethiopia pregando e entrou no reino de Damot,
que naquelle tempo era de mouros e converteo ao rei e todos
seus vassalos e o Preste Joao mandou la muitos sacerdotes e bi-
spos e ate oje permanece este reino na fe de Jesu Christo e dei-
xandolhes encomendado aquelle reino determinava passar a outros
de infieis, mas apareceolhe hum anjo do Senhor que Ihe disse
que a vontade de Deos era que se fizesse Religioso da ordem
de sam Domingos. Abaixou elle a cabe^a ao mandado divino e
disse que em tudo se comprisse a vontade de Deos e veio logo
huma fermosa nuvem e levantandoo em alto o levou a huma ilha
chamada Haic que esta na grande lagoa Cafates e o deixou na
porta da igreia de sam Estevao, que era mosteiro dos frades de sam
Domingos e prior o santo padre frei Argay, hum dos 8 religpiosos
que entrarao pregando em Ethiopia. Entrou o Santo e prostrado
aos pes do Prior, Ihe pedio com muitas lagrimas o santo habito e
Ihe contou o que Ihe dissera o Anjo e o milagre da nuvem.
*Receberaono os Religiosos com extraordinaria alegria como f. 249.
se fora anjo vindo do ceo e deraolhe o santo habito. Elle ven-
dose religioso, come^ou a fazer nova vida, ainda que a passada
o fora muito boa, exercitouse em humildade em jeiuns e em con-
tinua oragao, e acabado o anno do noviciado fes profissao em maos
do Prior o santo frei Argaj, e como ia professo foj resplande-
cendo em todas as virtudes. Em 40 annos que viveo na religiao
nunca comeo carne, ainda que estivesse doente. Seu jeium foj con-
tinuo toda a vida nao comendo mais que huma vez no dia hervas
cruas e bebendo s6 agoa. As quaresmas, adventos e os 15 dias
LIVRO II, CAPITULO XIX. 533
antes da AssumpQao de Nossa Senhora nSlo comia sen^o aos do-
mingos» e o que mais he que por espa^o de 7 annos continuos
nSlo dormio.
Honrrouo a divina Magestade com prodigiosos milagres, deulhe
dom de profecia: quando avia de dizer missa decea hum Anjo do
ceo e Ihe trazia o vinho e hostia e Ihe aiudava, muitas veses na
missa o virao alevantado muito alto no ar; quando hia a pregar a
alguma cidade, sai^olhe ao caminho os bravos liois, os tigres e ursos
e outros muitos animaes, e como man^os cordeirinhos se deitavao
a seus pes e o seguiao e acompanhavSo no caminho sem fazer
mal a elle nem aos que encontravao. Muitas sortes tambem de
aves o seguiao e voando aroda de sua cabe^a esperavao sua ben-
^ao; chegando ao lugar pera onde hia dava ben^ao aos animaes
que o acompanharao, os quais abaixando as cabe^as se tornavao
a seus bosques sem fazer dano algum. Seus milagres nao tem nu-
mero : alumiou a cegos, sarou a aleijados, alimpou leprosos, livrou
os oprimidos do demonio, resocitou muitos mortos.
f.249,v. *Fundou o santo Taquela Haimanot o famoso convento de
Plurimanos e foj prior delle, dando grande exemplo de virtudes;
vestio nelle o habito de sam Domingos a muitos nobres e entre
elles a alguns filhos de Reis, como forao sam Phelipe, s. Elsa e
S.** Clara. Daly foi huma ves visitar os christaos do reino de
Damot e tomando por seu mosteiro Ihe trouxerao ao caminho
huma minina a quem o demonio atormentava cruelmente e fazendo
sobre ella o sinal da crus mandou ao demonio que saisse e a
deixasse livre, e assi o fes, e seus paes a levarao com grande
alegria a sua casa e a deitarao em huma cama pera que repou-
sasse e deixandoa s6, torna o demonio a se apoderar della com
maior braveza e tirandoa da cama a botou no fogo, onde morreo
quiemada. E entrando seus paes, ficarao com tam grande senti-
mento como o caso pedia e deixandoa forao com muita pressa
em busca do Santo, que ia estava longe, e chegando se botarao
a seus pes derramando muitas lagrimas e contandolhe o que pas-
sara, Ihe pedirao tivesse piedade delles e os remediasse. Mo-
vido o Santo com suas lag^mas tomou e vendo aquelle triste
expectaculo, levantou os olhos ao ceo pedindo favor a Deos, e to-
mando a menina pella mao a alevantou viva e saa sem sinal nem
rasto de fogo e a entregou a seus paes e mandou logo ao demonio
que aparecesse em fignra visivel diante de todos pera receber o
534 HISTORIA m ETHJOWA
castigo de seu atrevimanto. Obedcceo logo o demofiio e presen»-
toufie em figura de bomem, e difiselhe o Santo: Que ou«adia dia»
bolica foj a tua em queimar esta menina remida pollo saqgue de Jesu
Christo? Poes, por que daqui adiante obedei^as ao0 maodados dos
sacerdotes, te mando em nome Ma santis3ima Trindnde que por f. 250.
espa^o de sete annos continuos sirvas em figura de homem visivel
ao convento de Plurimanos em todas as obras bai?(.a6 que o Prior
e seus Religiosos te mandarem, e em particular tanger^ os sinos a
todas as horas canonicas, varrera^ a igreia e consertaras as alam<-
padas. Nao pode o demonio resistir a virtude divina que obrava
pello Santo e assim foj com muita furia ao convento e servio nelle
puntualissimamente todos os sete annos em corpo de homem vi-
sivel feo, de maneira que o viao todos e falavSloo, e elle respondia,
E esta he cousa sabida dos meninos em Ethiopia e tradi^ao certis»
sima e verdadeirissima.
Estando este glorioso santo Taquela Haimanot doente da
doenga que morreo, falando com seu filho sam Phelipe e outros
muitos Religiosos dos premios que Deos tem guardados no ceo
pera seus servos, Ihes disse ; Alguma cousa soi eu por experiencia,
porque por espaQo de vinte annos continuos sete veses no dia se^
gundo o numero das horas canonicas fui levado nas m^os dos
anjos ao ceo, onde ouvia as musicas angelicas e gozava daquella
suavidade e deleite; e assi o digo como quem o tem exprimen-
tado, que todas as penitencias e trabalhos sEo nada, se se consi*
dera o premio que hao de ter. E chegandoselhe a ultima hora,
estando os Religiosos a roda da cama, disse: Dai luguar, filhos
meus, que veio claramente entrar neste aposento a meu Senhor Jesu
Christo com sua santissima Mai e nosso glorioso Padre sam Do-
mingos com muitos Santos; e logo, estando os Religiosos pro-
strados no chao, se encheio aquella sala de suavissimo cheiro; e
chegando nosso *mestre Christo a sam Phelipe e a s, Elsa, que ^.250,^.
estavao aioelhados, Ihe fes huma crus com seus divinos [f]erro»
a cada hum na testa. Ouviraose doces musicas celestiaes e saindo
aquella ditosa alma do corpo, foj recebida nos bra^os de seu me-
stre Christo, e levada ao ceo com gloria eterna aos 40 annos de
habito, aos 70 e tantos de idade, anno do nacimento de Chri-
sto 1366; e no luguar onde puserao seu corpo naceo logo huma
fonte de agoa clara e os doentes que a bebem sarSo de todas as
doengas.
LIVRO II, CAPITULO XIX. 535
Aos 40 dias depoes de sua morte, estando satn Phelipe e
s. Elsa na igreia fazendo ora^Siov depois das matinas, Ihe apa<»
receo o santo Taquela Haimanot e Ihe disse: Vos, meii filho,
Phelipe, me succedereis no priorado e no fim por meio do mar*
tirio vereis gozar de Deos em minha companhia ; e vos, filho meu
Elsa, sereis prior e padecereis grandes trabalhos polla execu^ao
do officio santo de inquisidor; e ainda que nao morrereis como
vosso irmSo Phelipe, seguiloheis no caminho da gloria; e despe-
dindose delles despareceo.
Estas e outras muitas cousas escreve frei Luis de Urreta no
capitulo 9 com grande abundancia de palavras e pareceome que era
bem resumilas aqui, porque, se o leitor nSo achasse seu livro, pu-
desse ver quam difFerentemente pinta a historia de Taquela Hai-
man6t, da que logo refiriremos tirada dos livros de Ethiopia, e
iuntamente pera mostrar em breve quam longe vao muitas destas
f. 251. cousas da verdade do que quk passa. Porque primeiramente *Abba
Taqtiela Haimanot foj natural de Zorer terra do reino do Xaoa e
nSlo da famosa cidade de Saba, que nem ha tal cidade em Ethiopia
nem memoria de que ouvesse nunca, nem foj filho de Rei, senao
de hum sacerdote, que se chamava Zaga Za Ab, que quer dizer
« gra^a do Padre » e nao Sacasab como elle dis. Este era descendente
dos sacerdotes que vierao de Jerusalem a Ethiopia com Menilehec
filho de Salamao e da rainha Sabba, de quem falamos no principio
do primeiro livro ; e por isso na historia de Taquela Haimanot se
dis que tras sua origem de Sadoc sacerdote filho de Abiatar. Nem
sua maj era filha de Rei, senao de hum homem honrrado e cha-
mavase Sara; mas seu sogro Heotbena Ihe pos nome Egziarea, que
quer dizer « Deos a escolheo ». Nem viverao no estado de matri-
monio como de virgindade, antes dis a historia que Egziarea tinha
grande tristeza p>or ser esteril e rogava sempre na igreia a Deos que
Ihe desse filhos, e que quando pario se fes g^ande festa em sua
casa, por parir hum filho sendo esteril, e quando o bautizarao Ihe
puserao nome Fe^a Sion, que quer dizer « alegria de Siao », e nao
Taquela Haimanot, como dis frei Luis, porque este nome dis sua
historia que muito depocs Iho deu hum anjo.
Quanto ao que dis que morrendo seus pajs renunciou ao reino
e porque seus vassalos o nao obrigassem a tornar a elle, foj ao
Abuna Athanasio e ordenouse de missa, mal podia renunciar o que
f.25i,v. nao tinha, nem Ihe dcu as ordens *senao o abuna Guerlos e foj
536 HISTORIA DE ETraOPIA
antes que morressem seus pajs; nem quando entrou a pregar no >
reino de Damdt erao ali mouros, sen^o gentios, e seu Rei se cha-
mava Motolome ; nem o Preste Jofto mandou la sacerdotes e bispos;
que bispos nSio avia em Ethiopia, e os sacerdotes que elle deixou ^
em Damot, depoes de se converterem, forSo huns que o mesmo rei
Motolome sendo gentio levara cativos da terra Zorer donde elle era
natural. Ja o que affirma que Ihe apareceo hum anjo ao Santo e Ihe
disse que se fizesse religioso da Ordem de sam Domingos, e que
logo foj levado a hum mosteiro de frades de s. Domingos, que
estava na ilha Haic e o prior Argay Ihe deu o habito, e o que
aponta mais adiante, que na hora de sua morte vio a sam Do-
mingos, que veio com Christo nosso Senhor a sua sella, he mera
fic^ao, porque, como vimos assima no fim do cap. 17, Abba Taquela
Haimanot neio foj da Ordem do glorioso padre sam Domingos (i).
Nem em sua historia se dis que Ihe apareceo, o que nSo ouvera de
deixar, se fora certo ; e o prior que Ihe deu o habito na ilha Haic
se chamava Abba Jesus. Nem o he menos o que logo dis que Ihe
trazia hum anjo do ceo o vinho e a ostia, quando avia de dizer
missa e que quando hia a pregar a algnma parte o acompanhavSo
no caminho os animais bravos e as aves, porque nem esta em sua
historia, nem achei quem o tivesse ouvido.
O mosteiro que elle nomea Plurimanos, e, como ia temos dito,
nao se chama *senao Debra Libanos, se edificou 57 annos de- f.252.
poes da morte de Abba Taquela Haiman6t, como affirmao seus
frades e se declara no fim de sua historia, onde dis que pergun-
tando elle a Christo Nosso Senhor onde mandava que se enterrasse
seu corpo, respondeo que ali ate 57 annos e depoes deste tempo
cairia aquella casa e seus filhos edificariao ali perto hum gfrande
mosteiro em seu nome e tresladariao a elie seu corpo. Pollo que
mal podia ser prior delle, nem o diabo servir ali em seu tempo.
O que tambem pergxintei ao Geral desta religiao que foj Abbade
naquelle mosteiro muitos annos, e respondeo diante de muitos frades
que nunca ouvira dizer que o diabo servira alli; que era patranha.
Nem sua historia fas men^ao de que fosse allevantado 7 veses no -^
dia ao ceo a ouvir as musicas angelicas; nem da fonte que dis que
naceo no luguar onde se enterrou, nem que depoes apareceo a Phe-
(i) Hic sequentia verba etsi deleta le^untur « o que tambem perguntei ao Geral
desta religiao, que foi Abbade naquelle mosieiro muitos annos, e respondeo diante de
muitos fradcs que nunca ouvira di/.er ».
LIVRO II, CAPITULO XIX. 537
lipe e a El^a; somente conta que estando pera morrer, mandou
aiuntar seus discipolos e Ihes disse que Christo nosso Senhor Ihe
aparecera e declarara como era chegada sua hora e que alguns dos
que alli estavSlo aviao de ir com elle, e ordenou que El^a iicasse
em seu luguar, e tres dias depoes de passar desta vida morreo hum
diacono e estando pera o enterrar, acabado ia o officio dos defuntos,
tomou a viver, e affirmou que fora levado diante de seu padre
Taquela Haimandt, que estava em muita gloria e que mandava dizer
que El<;a fosse pera elle e Phelipe ficasse em seu luguar, e dito
isto morreo; e dali a tres mezes morreo El^a e seus discipolos
puserSLo em seu luguar a Abba Philipos; e pera que estas e as
f.252,v. ^demais cousas, que se contao de Abba Taquela Haimandt as possa
ver o leitor, se quiser, referirei agora sua historia como a contSo
os livros de Ethiopia.
Historia de Abba Taquela Haimanot como a contdo os livros
de Ethiopia.
c Em o nome de Deos trino e uno, a quem se deve gloria e
« adora^ao. Escrevemos os trabalhos de nosso benaventurado e santo
« padre Taquela Haimandt, planta do Padre, planta do Filho, planta
< do Espirito Santo, que he nosso padre Taquela Haimanot que car-
« regou sobre sj o nome da Trindade, que vem a dez de agosto. A
« virtude de sua oragSLo nos livre de mal e tire de nossas terras a
« perdicao pera sempre dos sempres. Amen.
« Este santo Taquela Haimanot, que quer dizer « planta da fe », a. Narratur vita
« foi descendente de Sadoc sacerdote filho de Abiatar de Hie- ^^^^ codices aethiopi-
« rusalem ; porque Salamao mandou a seu filho Eben Ahaqum pera *^- G«tte*lofi:i« d^-
citur a Sadoc sacer-
« que reinasse em Ethiopia, enviou com elle a Azarias filho de Sadoc dote tempore Salo-
« pera ser sacerdote como seu paj, e saio de Hierusalem com grande ™®^ **
« festa e honrra, trazendo consigo a Arca de Syon Deos de Isrrael.
« E pouco tempo depoes de chegado a terra de Tigre casou Aza-
« rias com huma filha dos honrrados da terra que se chamao De-
« camadabai, e gerou hum filho, a quem chamou Sadoc, como seu
« paj. Sadoc gerou a Levi, e Levi gerou a Hezberaai, Hezberaai
« gerou a Hezbeeahi. Estes sacerdotes insinarao a lei velha a gente
« de Ethiopia ate o tempo que Tiberio era emperador de Roma e
« Herodes rei de Galilea e Ba<;en rei de Ethiopia e Aqum sacer-
« dote. Entao nasceo N. S.®' Jesu Christo em Betlem de Juda ; Achin
f. 253. « sacerdote gerou a Simao e *Simao gerou a Embarim, e depoes
« da ascensao de Christo N. S.°' em dozentos e sincoenta e seis annos
C. Bbccari. H^r. Attk» Scripi, 9cc, tned. — II. 68
538 HISTORIA DE ETHIOPIA
€ veio hum mercador de Hierusalem e com elle dous mininos que se
< chamavSlo Fremenatds e Sydracos e se agrazalharilo em casa de £m-
< barim sacerdote, e aquella noite adoeceo o mercador e dali a pouco
€ tempo morreo, e os mininos servir^lo em casa de Embarim ; e hum
< dias disse Fremenatos a Embarim : Senhor estou maravilhado dos
< custumes da gente de Ethiopia, porque tem circuncisao e crem
< em Christo, e nSo veio bautismo nem sacramento da comunhao?
< Respondeo Embcunm: Nossos paes antigos nos trouxerSo a cir-
< cuncisao e o crer em Christo nos ensinou a rainha Endaque (scili-
< cet Candace) ; pera nos bautizar e dar a comunhao nSo nos veio
< Apostolo ; mas vos ide ao Papa de Hierusalem, que vos de poder
< de ser nosso Apostolo; e deulhe ouro e prata pera seu caminho.
< Com isto partio Fremenat6s de Ethiopia e chegando a Hie-
< rusalem referio ao papa Athanasio os custumes desta terra, com
< o que elle se alegrou muito e ordenandoo o fes Bispo de Ethiopia
< e Ihe pos nome Abba Calama, que quer dizer Padre pacifico,
< porque avia de por pas entre Deos e os homens. E assim tomou
< Abba Calama, da terra Agazi e chegou a Embarim aos 315 do
< nacimento de Christo N. S.**' e o bautizou e deu ordens de dia-
« cono e depoes de sacerdote e mudandolhe o nome o chamou Ha-
< sbe Cadez e mandou que bautizasse toda a gente e disse que Ihe
< dava poderes de Bispo, e assi foj bautizando *a todos os de Ti- f.2S3.^-
« gre, Amhara e Angot e ensinandolhes a fe de Christo Nosso Sen-
< hor, e forao muito bons christSos. Hezbe Cadez gerou a Hezbe
< BariS ; este veio da terra de Tigre e fes seu assento na terra Daont,
< que se chama Baheranqueda ; onde casou e gerou a Tecla Caat;
< este casou em Amhara com huma molher que se chamava Maque-
< dela e gerou sete filhos e ate agora estao ali seus descendentes, e
< hum daquelles sete, que se chamava Azquelevi bautizou a gente de
< Olaca e Amhara e a gente de Manabete e Mauz. Este Azquelevi
< casou em Harbeguixe e gerou Abaila, a quem, depois que cresceo,
« mandou el rei Dignacm a terra de Seva com 150 sacerdotes, pera
« que bautizasem toda aquella gente, e chegando la bautizarao em
< hum dia 20000 e edificarao muitas igreias; e Abaila escolheo a
< terra de Zorer, onde casou e gerou a Harbaguixe; este gerou a
< Bacora Ceon, este gerou a Hezbecades; este gerou a Berhana
< Mazcal. Em o tempo deste passou o reino dos de Isrrael a Za-
< goe. Berhana Mascal gerou a Heot Bena ; este gerou a Zara
< Joannes, que he Zaga Qa Ab, o qual he paj de nosso paj santo ; Zaga
LIVRO II, CAPITULO XIX. 539
€ 9a Ab casou com huma filha dos honrrados daquella terra que
€ se chamava Sara e for£lo ambos tementes a Deos, faziao muita ora-
€ ^ao, jeiuavSlo e davao grandes esmolas, e entre sy se amavSlo como
€ Abraham e Sara e como Zacharias e Elisabet.
f. 254. « Era Sara mui fermosa e prudente *polo que seu sogro a chamou 3« Parcntea eius
« Egziarea, scilicet « Deos a escolheo », e daquelle dia foi chamada aacerdos et Egxiarei
« por este nome; e como morreo Heot Bena, ficou Zaga ^a Ab com ^ cum wsent ste-
rileBpreciDUS et elee-
« sua molher cheo dos bens deste mundo, mas Egziarea era esteril e mosynis filium im-
« por isto come^arSo a fazer a festa de S. Mignel Archanjo cada J^^^^oln tutehun
« mes, dando sempre naquelles dias de comer e vistir aos pobres. tradidenmt.
« Tinha EgziareS. gfrande tristeza em seu coragSo por ser esteril, e ,
« rogava sempre na igreia a Deos que Ihe desse filhos dizendo : O
« Senhor Jesu Christo o senhor de sam Miguel, vos sois criador
« dos anjos, alegria dos tristes, esperan^a de todo o mundo; vos
« sois Rei dos Reis e Senhor dos Senhores, Deos dos Deoses. Ou-
« vime, Senhor, e daime filho, que vos sirva e cumpra em tudo
« vossa vontade. Zaga ija Ab tambem se ocupava sempre em ora^ao
« na igreia e em offerecer sacrificios e levava muitas offertas, e
« hum dia Ihe disse Egziarea: Senhor, tenho huma cousa que vos
« dizer, e folgaria muito que ma aceitasseis. Respondeo elle que
« sy Iha aceitaria se fosse boa. Bem vedes, disse ella como nossos
« pajs morrerao e nos n£lo temos filhos a quem deixar nosso fato.
« Avei por bem que o demos a igreia e aos pobres e que forremos
« nossos escravos e escravas, pera que Deos nos livre de nossos
« peccados. Respondeo Zaga ga Ab : O minha irmaa, vossa cousa he
« muito boa ; mas nSo vos apresseis a dar tudo, porque depoes vos
« nSlo arrependais. Disse Egziarea: Senhor milhor he apresarmonos
f.254,v. « *a fazer pera que louvemos ao Senhor no sepulchro tomemos do
« que folga nossa came e demos a nossa alma e serviremos a nosso
« Deos. Ouvindo Zaga ^a Ab estas palavras disse : Molher, grande
« he a vossa fe ; falastes verdade : eu farei logo como dizeis.
« Tomado este conselho tam santo, repartio Zaga (ja Ab seu
« rato com a igreia e pobres e chamando seus escravos Ihes disse
« que fossem onde quizessem ; que dali pordiante erao forros. Ou-
« vindo elles isto, chorarflo muito e disserao: Senhor, que fizemos;
« em que vos desagradamos (?). Se vos offendemos em alguma cousa,
« castigainos e emmendamos hemos. Disse Zaga <;a Ab: Em nenhuma
« cousa me destes paix^o. Deos vos benza com a ben^ao de meus
« pajs sacerdotes, que andarSlo diante delle na verdade. Se quiserdes
540 HISTORIA DE ETHIOPIA
estar na minha casa, nflo ha da ser como escravos, senflo como
meus parentes e as escravas chamarSlo parentes de Egziarea. Ou-
vindo isto os escravos e escravas se aleg^arao muito e Ihe bei-
jarao os pes e m^os e estiverao com elle muito tempo os escravos
como senhores da casa e as escravas como senhoras.
€ £m este tempo se alevantou hum tirano que se chamava Ma-
tolome e sua mai Aseldone e reinou nas terras de Dam6t e de
Ceoa e Amhara ate hum rio grande que se chama Gema, e de-
struio muitas igreicis e adorou idolos e mandava que Ihe trouxes-
sem pera sy as donzellas filhas dos mais principaes e seus *pais f. 255.
nao se atraviao a contradizer pello medo grande que delle tin-
hao. Este era muito forte na guerra e correndo huma ves a terra
de Zalalgi, cercou a terra Zorere, o que vendo Zaga ^a Ab, e en-
tendendo que o vinha matar, fugio por outro caminho, mas seguio
hum cavaleiro dos de Matalome e chegando perto, Ihe atirou com
a lan<;:a, mas nao Ihe acertou, e atirandolhe outra ves, virouse a lan^a
pera elle e o ferio no bra^o; nem com isto deixou de o seguir
e chegando Zaga ^a Ab a huma lagoa grande, se meteo dentro
daquella agoa e o soldado chegou com seu cavalo ate a borda
dagoa e esperou que saisse a nada, mas vendo que nao aparecia,
o deu por afogado e se foy buscar alguma presa. Mas Zaga ^a
Ab sacerdote limpo nao recebeo nenhum dano debaixo dagoa,
antes ella Ihe foj como huma tenda em que se agazalhou, porque
sam Miguel o gnardava, posto que elle o nao via, e assi gritava
dizendo : O Miguel minha esperan^a, o Mignel minha aiuda, onde
esta vossa for^a? Eis aqui me chegou a morte, e o dia do trabalho
em vossa festa, que sempre me davais muita alegria, me chegou
tam grande angustia. E dizendo isto chorava com grande amar-
giira. Entao se Ihe mostrou s. Miguel claramente e Ihe disse : Por
« que chorais, Zaga ^a Ab[?]. Eis aqui eu Miguel vos estou guar-
« dando ; nao tenhais medo. Nao se manifestou muito o milagre que
« vos livrei daquelle soldado que vos seguia ; mas agora aparecera
« quando vos tirar em pas dedentro desta agoa, nao por amor de
« vos se nao por hum filho, que aveis de ter, que sera lus de todo
« o mundo sera semelhante a mj e eu o hei de guardar.
« Esteve Zaga ^a Ab debaixo da agoa 'tres dias e tres noites e f.ass,^.
« no fim delles Ihe disse s. Miguel : Ja se acabou a destruiQao e
« passou a perdi^ao : Saj ; e tomandoo polla mao o tirou e entrando
« em huma igreia de Zorere desapareceo sam Miguel e vendo de-
LIVRO II, CAPITULO XIX.
54'
f. 256.
poes ZsigSi 9a Ab as igreias destruidsis, a terra perdida e sabendo
que a sua molher e a outra muita gente levarSio cativos, chorou
muito mais que primeiro e se Ihe dobrou a tristeza. Depoes se
Ihe aiuntarflo os que escaparSlo escondidos nas lapas e iuntamente
fizerao novo pranto. Nao menos o fazia Egziarea, a quem os sol-
dados levarao cativa, e vendo sua grande fermosura dizerao que
merecia ser molher del Rei, e assi chegando a Matolome Ihe af-
firmarao que Ihe trazido huma molher tam fermosa entre as que
cativarflo ; que se casasse com ella, se Ihe soietaria toda a terra.
Alegrouse elle muito com esta nova e mandoulhe dar mui ricos
vestidos e iojas de ouro e que Iha trouxessem o seguinte dia; e
lavandolhe os soldados isto e muitos comeres, ella nSo comeo
nem bebeo, antes chorando muito nSo levantava os olhos do chao.
Vendo isto os soldados Ihe disserao: O molher, porque vos in-
tristeceis, pois sois escolhida pera rainha e senhora nossa? Mas
ella nao respondia nada senao do intimo de seu coracao falava
com Christo N. Senhor dizendo : O meu Senhor Jesu Chrtsto por-
que olhastes a meus pecados e nao vos lembrastes da inocencia
de vosso servo Zaga (ja Ab, que vos servia com muita pureza, e
me entregastes nas maos destes vossos inimigos, que estao tam
afastados de vos? O Senhor, fortaleza dos fortes *mostrai oie
vossa for^a sobre estes. O Senhor todo poderoso, mostrai oie vosso
poder sobre estes. Com isto esteve ate que dormirao aquelles sol-
dados e tirou logo os vestidos que por for^a vestira e vestindo
os seus tomou com grande angustia a fazer ora^ao dizendo: O
Senhor Deos de toda a creatura e todo poderoso, tudo enche vossa
divindade. Vos livrastes a Sara da mao de Farao, a Daniel das
bocas dos leois, a Susana dos falsos velhos, e aos tres mancebos
do fogo do forno de Babilonia; mostrai agora, Senhor, tambem
vossa for^a sobre mim, dai, Senhor, gloria a vosso nome e nao
deixeis vossa serva na boca destes lobos. E vos, s. Miguel, como
calais, vendo vossa serva em tam grande angnstia e perigo ? e no
dia que faziamos vossa festa me veio este trabalho [?]. Aiudaime,
cuidador dos pobres. Nisto Ihe apareceo s. Miguel e Ihe disse : Nao
veio isto pera vossa perdi^ao, senao pera que se veia o muito que
vos amo. Desta tenta^ao aveis de ser livre, por causa de hum filho
que de vos ha de nascer. Disse ella: Quando ha de ser isto, Senhor?
Respondeo elle : Quando Deos for servido, e com isto despareceo.
€ Esteve Egziharea toda a noite em ora^ao e antes de amanhecer
542 HISTOBJA DE ETHIOPIA
€ tomou a por os vestidos que deixara, e como se alavantarSlo os
< soldados a levarSo a el Rei, e como a vio, se alegrou muito e .
< determinou em seu cora^flo de a fazer rainha, e disse aos sol-
< dados : Na verdade trouxestes fermosa molher. £u filho de Asel-
< dane vos hai de dar riqueza que baste pera vos e vossos filhos.
< Guardai esta molher bem e dailhe quanto ella quizer ate que a
< fa^a rainha sobre todas minhas molheres. LevarSlona logo os sol-
< dados e ^fizerao como seu senhor les mandou. Depoes mandou f.is^^v.
< Matolome criados a sua terra dizendo: Eis aqui: tomei em pas
< e com aleg^ia: iuntaivos e aparelhai mil vacas e mil bois com os
< cornos dourados e mil com os comos de prata, o autros mil que
« seiao fermosos; tende tambem prestes 70000 mil caloes de vinho
< de uvas e outros tantos de vinho de mel e a servoia seia en tanta
< abundancia como agoa, e as igoarias seiSo sem conto ; e dizei a
< gente de Damdt que tragSlo logo o tributo de meu reino ate Mal-
< barede (que era a casa de seus idolos) e, se nSlo fizerdes inteira-
< mente o que vos mando, vos hai de cortar as cabe^as. Forao elles
< com muita pressa e fizerSio aparelhar tudo o que Ihes mandou. Ma-
< tolome tambem apressou seu caminho e em 8 dias entrou em sua
< terra, onde todos o receberao com g^ande festa e alegria. Disse-
< Ihes elle que se aiuntassem todos o dia seguinte pera sacrificar
< e adorar nossos Deoses, que nos dao forQa no tempo da gnerra
< e nos sustentao na pas. Responderao todos que sy o fariao e ga-
< stariao toda a noite em aparelhar as cousas necessarias. Mas £gzia-
< rea a passou em ora^ao, pedindo a Deos que a livrasse. E como
« amanheceo, mandou Matolome que a trouxessem a casa de seus
< idolos, e elle foi acompanhado dos grandes aquem seguia todo seu
< exercito, e chegando se puserao diante dos idolos pera os adorar
< e depoes levantar ali por rainha a Egziarea. Mas nisto deceo S. Mi-
< guel do ceo como hum espantoso trovao e tomando a Egziarea, a
« levou de Damot a terra Zorare a 22 de agosto tres horas depoes
« de sair o sol, e pondoa perto da igreia, despareceo.
< *Ouvindo aquelles soldados o estrondo com que desceo sam Mi- f. «sr-
« guel, foj tam grande o temor e espanto que tiverao que cairao
« mortos mil delles e trezentos dos feiticeiros, que se tinhao iunto
« pera sacrificar, e Matolome ficou totalmente alienado, sem saber
« o que fazia nem o que dizia por espa^o de 25 annos, e assy man-
« dava que matatssem os homens e depoes que Ihos trouxessem vivos,
« e que Ihe fizessem casa no ar com outros disparates semelhantes.
UVRO II, CAPITULO XIX. 543
€ Estando Egziarei no luguar onde a deixou sam Mig^el, saio
€ Zaga 9a Ab da ig^eia onde tinha entrado a fazer oraQdo e offe-
€ recer incenso por ella, e vendoa s6 e tam ricamente vestida, se
€ maravilhou muito e Ihe disse : Como estais, senhora ; donde vie-
€ stes ? Veio vos com grande honrra, pareceis filha de Rei. Como
c andais so sem criados [?]. Respondeo ella, sem descobrir o rosto :
« Indo pollo caminho me achou MatolomS e tomou minha gente e
< quanto tinhamos. A mim me livrou Deos de suas mflos e sabendo
< que cativara a molher de hum homem que se chama Zaga ^a Ab,
« vim pera ser sua molher. Respondeo elle : Pera que cuidais o que
< nSo pode ser [?] Nao he licito ao sacerdote fazer isso. Tambem
< elle he homem baixo e vos honrrada. Nao vos convem falar nisso
< e mais tem iurado poUo santo nome de Deos que, se nao Ihe en-
< tregar sua molher, nao ha de casar com outra. Disse ella: Como
< pode sair do cativeiro [?] : eu ouvi que el Rei queria casar com ella
< e fazela rainha. Respondeo elle: Nao somente a pode tirar do
< cativeiro, mas resocitala depoes de morta. Vendo ella sua fe e
< constancia, se alevantou e descobrio o rosto dizendo : Eis aqui,
< senhor, vossa molher Egziarea. Ouvindo elle isto, ficou mui ma-
f.257,v. < ravilhado e levantandose *lhe beijou os pes e as maos dizendo:
< O minha irmaa, como viestes aqui? quem vos livrou? A miseri-
< cordia de Deos, respondeo ella. Depoes que me afeistei de vos, nao
< me achou mal algum; porque o Senhor mandou seu anjo, que me
< gnardou e livrou. Levantou entao Zaga ^a Ab seus olhos ao ceo
< dando gra^as a Deos e dizendo: Seia bento o Senhor Deos de
<' Israel e seia bento seu nome que fes tam gxande maravilha.
^< Ouvindo isto a gente da terra que escaparao de Matolome e
< vendo a Egziharea com tam ricos vestidos, Ihe disserao: Que he
< isto, senhora, que vos trouxe aqui desta maneira com tanta gran-
< deza [?]. EUa Ihes contou tudo o que Ihe socedera e louvarao a
< Deos que he maravilhoso em seus Santos, gastando muita parte
< do dia em Ihe dar gxa^as ; e depoes entrarao em susls casas com
< alegria e Egziharea disse a Zaga Qa Ab que, depoes que se afastara
< delle, nao comera nem bebera; do que se maravilhou muito e re-
< feriolhe o que a elle tambem Ihe acontecera e toda aquella noite
< gastarao em falar cousas de Deos e do anjo. Outro dia, 23 de
< agosto, acabou Zaga ^a Ab sua somana e entrou em sua casa, e
< estando aquella noite na cama com sua molher, vio ella em so-
< nhos huma columna resplandecente que chegava ate o ceo, e todos
I
544 HISTORIA DE ETHIOPIA
< os Reis da terra e os Bispos aroda della, fazendolhe alguns re-
€ verencia, outros acompanhandoa, e nella assentados muitos pas-
« saros de diversas cores. Nisto gritou Zaga ^a Ab e acordando ella,
€ disse: Porque gfritastes? Respondeu elle: Por espanto da visao
« que me apareceo em sonhos; pareciame que via sair dentre nos
« o sol e com elle estrellas sem *numero, e alumiavSio todo o mundo. f. 2^1
€ Disse Egziharea: Maravilhosa cousa he esta: quem a pode ouvir?
« Eu tambem vi cousas espantosas ; e referiolhe o que vira ; e ambos
< maravilhados disserao ; Que ha de vir sobre nos neste tempo ?
« Depoes disto tornarao a dormir e apareceo S. Miguel a Egziharea
« e disselhe: Concebestes em vossas entranhas aquelle filho esco-
« Ihido, que vos disse nsisceria de vos, amado de Deos e da Virgem
« Maria sua maj e dos anjos, e muito honrrado. E dizendo isto
« desapareceo della; e manifestandose a Zaga (ja Ab, Ihe disse o me-
« smo ; e como amanheceo, perguntou elle a sua molher se vira al-
« g^ma cousa a 2" ves que dormio. Respondeo ella que sy, e con-
« toulhe o que sam Miguel Ihe dissera. A mim tambem, disse elle,
« me declarou o mesmo ; do que se maravilharSo muito. Disse entao
« Egziharea: Senhor, quando sam Miguel me trouxe, me mandou que
« dessemos aos pobres os vestidos com que vim e o ouro e prata,
« sem que ficasse nada; que Deos nos proveria. Respondeo Zaga
« 9a Ab: Assim convem que o fa^amos logo; e nao faltarao em
« cousa alguma das que Ihes mandou o anjo.
« Passados nove meses. aos 30 de dezembro, naceo nosso Padre
« e fesse grande festa aquelle dia em casa de Zaga ^a Ab, porque,
« sendo primeiro sua molher esteril, parira filho; e derao muitas
« esmolas aos pobres, e tres dias depoes que naceo o filho, levan-
« tou o menino sua mao pera o ceo e benzeo a Deos em alta vos
« dizendo : Hum Padre santo, hum Filho santo, hum Espirito Santo.
« Ouvindo isto a maj se maravilhou muito e disse : O filho esco-
« Ihido, a vos nao vos pertencia *esta palavra, senao a vosso paj. ^.258,^.
« Nao vos convinha senao mamar. E como se acabou o tempo
« da purifica^ao, que sao 40 dias, levarao o menino ao templo
« e o bautizarao pondolhe por nome Fe^a Seon, que quer dizer
« * alegria de Siao ' , porque fes alegrar a Igreia com sua doutrina
« e f e forte. E como tornarao a sua casa, disse sam Miguel a
« Zaga 9a Ab em sonhos : Este he o filho escolhido que primeiro
« vos dissemos. Seu nome nao he Fe^a Seon, senao outro, que vos
« esta escondido. Respondeo Zaga 93 Ab : Declaraime, senhor, que
LIVRO II, CAPITULO XIX.
545
f. 259.
nome he este? Disse sam Mignel: NSio sou mandado pera isso,
senao pera vos declarar a visao que primeiro tivestes vos e vossa
molher. O sol que vistes que saia de vossa casa, era este vosso
filho e as estrellas, que estavao com elle, sSo os filhos que Ihe
hao de nascer no Espirito Santo; e a columna resplandecente,
que vio vossa molher que chegava ao ceo, he este mesmo filho
e o que vio que os Reis Ihe faziao reverencia, na verdade o hao
de reverenciar e o hao de servir os povos, e sera paj de toda a
terra, e como se alevanta o ceo da terra sera alevantado seu nome.
E dito isto, desapareceo.
« Como Zaga ^a Ab acordou do sono, contou a sua molher o 4. Narrantur pro-
ikr* t tt f n •ii_ j j* diflria et virtutes pue-
que sam Migruel Ihe dissera, com o que ncou maravilhada, e dis- rf quiprimo vocatus
serao entre sy : Que ha de ser deste menino, porque a mao de «•* ^«9* Scon.
Deos he com elle ? Dali a hum anno e tres meses ouve grande
fome na terra de Seoa e na de Zorere, e chegandose a festa de
sam Miguel, disse Egziharea a Zaga <;a Ab : Que faremos, que nao
temos cousa nenhuma pera celebrar esta festa como custumamos [?] ;
e dizendo isto mostrava muita paixao e Zaga ^a Ab tambem a
tinha grande por a ver daquella maneira. Com isto se forao am-
bos a igfreia e fizerao oragao. Depoes comeQou a chorar o me-
« nino sem querer mamar* ; pello que se foi pera casa e entrando
« estendeo o menino a mao pera hum cesto em que estava huma
« medida de trigo mui piquena, como dizendo que Iho dessem,
« e chegandoo a elle, pus a mao sobre o trigo e logo foi cre-
« scendo de maneira que se encherao 12 cestos e deceo a ben^ao
« de Deos naquelle dia sobre a casa de Zaga Qa Ab. Vendo isto sua
« may, Ihe trouxe hum calao, em que tinha huma pouca de man-
« teiga, e o menino fes o sinal da crus e ficou cheo e botando delle
« em outros ficarao todos cheos. O mesmo sucedeo no sal, que tendo
« pouco, se augmentou muito. E entrando Zaga cja Ab, Ihe disse sua
« molher o que passava, do que ficou muito maravilhado e come^ou
« a louvar a Deos dizendo: Seia bento o Deos de Israel, que visi-
« tou e salvou seu povo. Que vos darei, Senhor, por isto que me
« fizestes, sendo eu peccador [?] ; e beijou ao mfinino e Ihe disse :
« O meu filho, vivei muitos annos, pera que me deis sempre alegria
« e consolaQao.
« Acabado isto, aparelharao da bentjao que o Senhor Ihes dera
« pera fazer a festa de sam Miguel aos 1 3 de mar^o e convidarao
« seus parentes, a gente da terra e muitos pobres e a todos derao
C. Beccaki. Rtr, Aeki» Script» occ, ined. — II,
69
54^
HISTORIA DE ETHIOPIA
5. Pateradmonitus
in somnisa Michaele
archangelo, ducit Fe-
^a Seon, 15 annos
natum, ad Abunam
Guerl68 ut diaconus
initiaretur. Portenta
subsecuta.
€ de comer com muita abundancia; do que elles ficarSo espantados»
€ por nao saberem donde Ihes viera em tempo de tanta fome, e
€ diziao : Depoes que Ihes nasceo seu filho, acharSlo isto. Mas n^o
c s6 Ihes bastou pera a festa abundantemente, senSlo que Ihes so-
€ beiou pera sustentar os pobres em quanto durou a fome. Outros
€ muitos milagres fes este menino dando ben^ao com sua mao, e de-
c poes' que cresceo, aprendeo com tanta facilidade os psalmos e os
« livros da igreia, que parecia que ia os sabia, porque tinha a Christo
« em seu cora^ao e o Espirito Santo Ihe dava a sabedoria, e assi
c temia sempre a Deos e obedecia a seu mandado ; e nao somente
c os que o viao o amavao, mas ainda os que ouviao novas suas.
c Seu jeium era muito continuo, com o qual, iuntamente com a pa-
c ciencia que tinha em todas as cousas, se armava contra os demo-
c nios. E como chegou a idade de 15 annos, o levou seu paj ao
Patriarcha Abba Guerlos, que estava *em Amhara sendo Papa f.259,v.
(entende de Alexandria) Abba Benjamin; mas antes que chegassem,
apereceo sam Miguel em sonhos a Abba Guerlos e Ihe disse : A
menhaa ha de vir hum homem branco, que tras comsigo hum filho
escolhido pera o reino do ceo; dailhe ordens de diacono edespachajo
logo. E com isto desapareceo; e acordando Abba Guerlos, ficou ma-
ravilhado do sonho, e como amanheceo, saio fora e vio a Zaga ^a Ab
que entao chegava e de longe Ihe fazia reverencia, e mandou que o
chamassem, perguntandolhe onde estava seu filho, que era ungido do
Espirito Santo e por elle se daria victoria aos Reis, iustiga aos
principes, pas aos sacerdotes e fortaleza na fe aos fieis. O que
ouvindo Zaga ^a Ab de Abba Guerl6s, ficou espantado ; disselhe o
Patriarcha: De que vos espantais? Trazei vosso filho pera o benzer
como me mandou meu Deos. Tornou logo Zaga ga Ab onde ficara
seu filho e o trouxe com muita pressa.
c Vendo o Patriarcha Guerl6s a Fe^a Seon, levantouse de sua
cadeira e abra^ouo e beijouo ; de que todos se maravilharao muito
dizendo: Que vistes, senhor, neste menino pera vos alevantardes
de vossa cadeira? Respondeu elle: Este menino he honrrado de
Jesu Christo e da Virgem Maria sua maj, e sam Miguel o g^arda
com espada de fogo ; e mandou agazalhar muito bem a Zaga pa Ab
e a seu filho, e a outro dia em amanhecendo disse missa e or-
denou a Feija Seon de diacono, e depoes o levou pera sua casa,
onde o teve sete dicts sem o afastar de sy, e no cabo dandolhe
sua ben^ao o mandou pera sua terra, e caminhando chegarao a
LIVRO n, CAPITULO XIX. 547
c huma casa onde estava iunta alguma gente ; e disse Feija Seon :
c Pas seia nesta casa, se nella ha filho de pas descanse sobre elle,
f. 260. c e se nao, tome a nos. Ouvindo elles isto, se enfadarSlo *muito, e
c alevantandose hum Ihe deu algumas pancadas. Disse o Santo ;
c Porque fazeis isto? Em luguar de pas me dais pancadas? E disse
c a sam Miguel : Nao vedes o que fas este homem ? E nSo tinha
c acabado estas palavras, quando aquelle homem foj levantado no
c ar, onde o acoutarao com grande for^a, sem elle ver quem Ihe
c dava, e gritando dizia: Perdoaime, menino, que ainda que sois
c pequeno no corpo, vossa obra se levanta ate o ceo. Eu, por nSo
c saber, vos agpravei. Perdoaime, que daqui por diante vos servirei.
c Disse Fe<;a Seon : Conhecestes a iusti^a de Deos, que paga logo
c aos que fazem mal? Respondeo : Sy, senhor. Disse o Santo : O
c que vos alevantou pera esse tormento vos fara decer ; e logo ces-
c sarao os acoutes e foj posto na terra e mostrou os sinais delles
c como queimadura de fogo, e rogou muito que se agazalhassem
c em sua casa, mas cuidava em seu coragflo que erSo feiticeiros, e
c conhecendo Fe<;a Seon sua maldade, disse : Nao somos como vos
c cuidais, senao servos de Deos. Pedio elle que Ihe perdoassem e
c levandoos a sua casa, Ihes deu todo o necessario com grande abun-
c dancia e mui alegre Ihes dizia : Deos vos trouxe pera meu bem.
c O dia seguinte veio ter com elles toda aquella gente e Ihes
c pedio humilmente que Ihes perdoassem por amor de Deos o agravo
c que Ihes fizerao. Responderao elles : Deos vos perdoe : daqui por
c diante nao fa^ais assim ; tende amor huns com outros e com os
c peregprinos, porque o amor cobre a multidao dos pecados. Se nao
c o fizerdes assy, que respondereis no dia do juizo, quando Chri-
c sto N. S.°' vos disser : Tive fome e nao me destes de comer, sede
c e nao me destes de beber, era hospede e nao me agazalhastes ?
f.26o,v. c *Responderao elles : Vosso Deos esteia nos nossos cora^Oes pera
c comprirmos tudo o que nos dissestes; e despediraonos acompa-
c nhandoos 24 pessoas, e anoitecendolhes no caminho sem poder
c chegar a povoado, se meterao em huma lapa, mas nao acharao
c agoa ; e estando todos com grande sede, se afastou hum pouco
c Fe^a Seon e fazendo ora^ao disse : Senhor Deos, que me ouvistes
c hontem por aquelle homem, ouvime tambem oie na necessidade
c que temos de agoa. Vos sois o que tirastes agoa da pedra, quando
c tiverao sede os de Israel ; acodinos tambem agora. E dizendo isto,
c derramava tantas lagrimas que cairao no chao, donde saio logo
548 HISTORIA DE ETHIOPIA
< huma fonte de agoa mul sabrosa ; pello que deu g^a^as a Deos
c e chamou sua gente dizendo que achara agoa, e beberao todos,
€ sem saber que era milagrosa.
€ O outro dia pella menhaa partirao dali, e proseguindo seu
« caminho chegarSo em pas a sua terra Zorere, onde os recebeo
« Egziharea com muita alegria por ver que seu filho era ia diacono ;
« e Zaga ^a Ab Ihe contou o que o Patriarcha Ihe dissera, e tudo o
« que Ihe sucedeo no caminho, e ella deu gra^as a Deos por tantas
« maravilhas.
6.Fe9aSeon,8pre- « Crescendo mais Fe^a Seon, exercitouse em capar, cavalgar
tis nuptiis, ad Abu- i . • r t_ r • ^ j ^.
nam ae confert, qui * ®"^ cavalo e tirar com frecha, no que foj tam destro, que nunca
eum sacerdotem in- « tirava frecha debalde. Vendoo assj seus pais, tratarSo de o casar
stituit et omnibus
SeoA pagis praeficit. « com huma filha dos mais principaes da terra; mas disselhes elle
« que nao falassem tal cousa, porque tinha oflFerecida sua pureza
« a Christo. Com tudo nao desistirao seus pajs, antes Ihe trouxe-
« rao a casa aquella donzela pera que casasse com ella; mas dali
« a pouco morreo, e elle se alegrou por se ver livre pera poder
« *guardar pureza; porque nao tinha postos seus pensamentos nas f. 261.
« cousas do mundo, e dali a pouco foj aonde estava o patriarcha
« Guerlos, e disselhe que fizerao outra fe e outro custume da Igreia
« e que bautizavao os meninos aiites de os circuncidarem. Ouvindo
« isto Guerlos Ihe deu a ben^ao e disse : Porque tendes zelo das
« cousas de Deos como EHas profeta de Israel, aveis de ser novo
« Apostolo e derrubareis os idolos, e serao langados fora todos os
« espiritos maos por vosso mandado e fareis que muitos, deixando
« a adora^ao dos demonios, adorem a Christo N. S.°S poUa graga
« do Espirito Santo que esta sobre vos. E depoes o ordenou de
« missa e o fes prior de todas as terras de Seoa, dandolhe pera
« isso seus poderes, e o mandou em pas com honrra pera sua terra.
« No mesmo tempo em que Fe^a Seon estava em Amhara com
« Abba Guerlos, apareceo s. Miguel a Egziharea: Eis aqui chegou
« o que primeiro vistes. Este vosso filho he aquella coluna de lus
« que olhastes, e os passaros que estavao nella assentados sao os
« filhos que Ihe hao de nacer no Spirito Santo e conforme aos de-
« graos que tinha sera sua santidade, e nenhum dos que vistes se
« perdera e aquelle tirano que vos cativou ha de ser muito bom chri-
« stao por sua doutrina e sarara de sua doudice por sua intercessao,
« e os que entao morrerao resocitarao por sua ora^ao, e seri paj de
« muitos Santos. Isto vos declarei, porque me amais ; e desapareceo.
LIVRO II, CAPITULO XIX. 549
« Contou ella tudo a seu marido e derSo muitas gra^as a Deos, por
« Ihes dar tal filho. Dali a pouco tempo chegou Fe^a Seon ia sacer-
« dote e, perguntandolhe a maj em que dia Ihe derao as ordens, con-
f.26i,v. « heceo que naquelle mesmo Ihe aparecera sam *Miguel, e fizerao logo
« grande festa e derao muitas esmolas aos pobres. Mas logo a 12
« de agosto descansou sua maj Egziharea e aos 1 6 seu paj Zaga Qa
« Ab. A benijao destes dous velhos singelos como pomba e a ben^ao
« de seu filho sabio seia comnosco pera sempre dos sempres Amen,
« Vendose Fe<?a Seon orfao, chorou muito e ocupavase em fazer ?• Paremibus viu
« ora^ao de noite e de dia e lia os livros santos dos Apostolos e anaos 'Smi ^tam
« compria com as obrigacoes de sacerdote ; e esteve sete annos na »*«cularem agens.
^ . . Apparet ei Michael
« casa de seus pajs com grande riqueza. E indo hum dia ao campo arctiangelus, iubet
< a ca^ar com muita gente e apartandose dos companheiros, Ihe iapere^sed homincs'
« apareceo s. Miguel ao meio dia com vestido muito fermoso, e ^* sacerdotem decet,
. ,-^ ®* vocari non Fe^a
« vendoo o Santo caio como morto sobre seu rosto; mas sam Mi- Seon, sed TacU Hai-
« cfuel o alevantou e Ihe fes o sinal da crus, e logo ficou sem medo f?,^5^ Chnstus ipse
o ' o lussa Archangeli
« e veio claramente ao anjo e Ihe disse : Quem sois vos, senhor, confirmat, eumque
4. ^ j -i -o j T- • j Evangelii praeco-
« que vos veio com tanta grandeza? Respondeo: Eu sou anjo da nem et apostolum
« forga de Deos, que vos guardo sempre, sem nunca me afastar de ^P^idgentesinstituit.
« vos; eu sou o que tirei a Zaga ga Ab do fundo da agoa por
« amor de vos; eu sou o que livrei do cativeiro a Egziharea por
« amor de vos ; mas agora porque sojs ca^ador, que este exercicio
« nao convem aos sacerdotes, senao aos seculares [?]. O ofiicio do sa-
« cerdote he ensinar a f e e emmendar a gente do povo. Daqui por
« diante nao seiais ca^ador de animais, senao de almas pera Deos:
« elle vos da poder pera resocitar os mortos, sarar os doentes, e
« lan^ar fora os demonios ; e vosso nome nao seia Fe^a Seon, senao
« Taquela Haimanot, que quer dizer planta do Padre, do Filho e
f. 262. « do Espirito Santo. E dizendo isto sam Migfuel, se *lhe mostrou
« Nosso Senhor Jesu Christo sobre as asas do anjo assentado em
« fig^a de mancebo mui fermoso. E vendo isto Taquela Haima-
« not ficou espantado e disselhe Nosso Senhor: Como estais, meu
« amigo [?]. Respondeo. o Santo : Quem sois vos, senhor [?]. E
« disse: Eu sou Jesu Salvador do mundo, que vos criei; eu sou o
« que vos benzi no ventre de vossa maj ; eu sou o que dei ben-
« ^ao a vossa mao pera encherdes a casa de vossos pais de fa-
« rinha de trigo, manteiga e as demais cousas no tempo da fome ;
« eu sou o que crucifiquei o homem no ar e o acoutei na minha
« ira, quando vos agravou ; eu sou o que da terra seca fis sair a
i
550 HISTORIA DE ETHIOPIA
«^fonte de agoa, quando tinhais sede e me pedistes ; eu sou o que
« vos dei virtude e forga ate oje, e vos hei de dar muita mais daqui
« por diante. E dizendo isto o benzeo e bafeiou tres veses em seu
< rosto, e disse : Recebei o Espirito Santo : o que amarrardes na
« terra seia amarrado no ceo, e o que soltardes na terra seia solto
« no ceo : quem ouve a vos ouve a mim. Este poder dei primeiro
€ aos Apostolos e delles veio ao Bispo ; e elle vos deu poder pera
« amarrar e soltar, pera plantar e arrancar. Isto que vos fis nao he
« pera que deixeis a palavra do Bispo, senSlo pera mostrar o amor
« que vos tenho. Eis aqui, vos dei mando e nome novo poUa boca
« de 9am Miguel pera vos mandar a hum povo novo onde nao che-
« garSio meus apostolos santos ; e vos nao sois menor que elles em
« nenhuma obra, porque vos fis novo Apostolo, pera que chameis
« todos os homens a mjm ; e Miguel meu anjo seia em tudo vossa
« aiuda e nao se afaste nunca de vos, e eu estarei sempre com-
« vosco toda vossa vida. E dizendo isto Ihe deu pas e sobio pera
« o ceo, olhando o santo Taquela Haimandt ate que des*apareceo f.262,v.
« de seus olhos; e o Santo se deitou em terra e benzeo a Deos di-
« zendo : Seia bento o nome do Senhor no ceo e na terra ; que me
« deu tanta gra^a, que nao convinha a mim peccador; e daquelle
« dia foj cheo de Espirito Santo e virtude.
« Acabado isto, se iuntou com seus companheiros e Ihes disse
« que era bem tomar pera casa, porque era tarde. Elles vendo a
« lus de seu rosto, tiverao medo e disserao : Como avemos de ir
« a nossas casas sem ca^ar nada[?]. Disse o Santo: Vamos; que
« daqui pordiante nfto nos convem ca^ar animais do deserto senao
« de casa, que sao as ovelhas perdidas ; mas elles nao entenderao
« que falava das almas dos homens e nao Ihes descobrio a visao;
« e indo pera casa diziao huns aos outros : Vistes o rosto deste
« homem ? Elle se afastou de nos as tres horas e nao o vimos ate
« as nove; e trazia tanta claridade que nao podiamos olhar pera
« elle. Nao sabemos que foj. E nosso padre Taquela Haimanot
« passou a noite alegrandose com o Spirito Santo que estava so-
« bre elle, e em amanhecendo come^ou a iuntar o fato de sua casa
« e em 8 dias o repartio aos pobres, as viuvas e orfaos; o que
« vendo a gente da terra e seus parentes, se iuntarao e Ihe disse-
« rao, porque perdia todo seu fato de hnma ves. Respondeo que
« nao o perdia, senao que o acrescentava, pera que Ihe fosse he-
« ran^a, e disselhes: Sabeis meu nome? Responderao que bem sa-
1
LIVRO II, CAPITQLO XIX. 55 1
€ biao que era Fe^a Seon ; disse elle que ia nSo tinha aquelle nome,
€ porque o anjo do ceo Ihe mandara que dali por diante se cha-
€ masse Taquela Haimandt; e ouvindo elles isto, disser£lo que era
< muito bom nome e sempre o nomearSo por elle.
f. 263. < Come^ou logo nosso padre Taquela Haimanot *a seguir o 8.Taci&Haiman6t,
.,jA^, ^j r ^ • divitiis in pauperes
€ caminho dos Apostolos, e sem ter de ver com fato, amigos, nem distributis et reiicto
« parentes, foj a pregar o Evangelho e deixou sua casa aberta di- pa*ef»« domo, dis-
currit per varias re-
«zendo: Senhor Jesu Christo, eis aqui, deixei minha casa aberta, giones^praedicansfi-
« pera que me abrais o reino do ceo. Daqui por diante nSo tenho commiUorum^oeni-
« mais aiuda que a vossa pera minha fraqueza ; e com isto saio tentiam. Quibus pro-
dig^is populares Ca-
« como soldado animoso dizendo em seu cora^So : Que aproveita tatA, qui arbores ut
« ao homem se ganhar todo o mundo e perder sua alma; e lem- ?"^ habcbant, a
^ ^ ' daemonis obsessione
« bravasse das palavras do Senhor : O que ama sua alma a per- liberaverit et Chri-
jt f ^ ^- . , j»j stianis adiunzerit,
< dera etc; e em todas as partes que chegava, pregava dizendo: una cum eorum rege,
« Checfou o reino dofsl ceos ; crede no Evangelho do filho de Deos: ^^ nomen imposuit
^ *- -^ ° , Bamina Christ6s.
« E foj ouvida sua nova em todas as terras, e vinhao a elle muitos
« homens e recebiao sua ben^ao, e traziao os doentes e os botavao
« a seus pes, e elle os sarava com a virtude de Deos; e vendo a
« gente que fazia milagres no nome de Jesu Christo o seguirao de
« todo o cora^ao e deixarao seus erros e forao inteiros na verda-
« deira fe ; e ouvindo que em huma terra, que se chama Catata,
« adoravao as arvores e as pedras, os passaros e animais bravos
« e o fogo, foj la com grande zelo e, comegando a insinar, ouvirao
« as gentes daquella terra o nome de Christo e se enfadarao muito ;
« mas o Santo sofria com paciencia, vendo que nao sabiao o que
« faziao, e pergxmtoulhes a quem adoravao, e responderao que a
« huma arvore, porque nella Ihes falavao, eu vos criei, dizendo, eu
« sou vosso Deos. Disselhes nosso Padre que quando fossem a ado-
« rar, o levassem comsigo, e cuidando elles que queria adorar seu
« Deos, o levarao; e outro dia em amanhecendo e chegando perto
« da arvore, gritou o demonio, que estava nella, dizendo : Porque
« me trouxestes este homem mao, que se chama Taquela Haima-
« n6t[?]. Perguntarao entao ao Santo se era elle Taquela Haimandt,
f.263,v. « que em nossa *terra nao ha tal nome. Ficai ; nao venhais com-
« nosco, pera que nao se enfade nosso Deos. E o fizerao ficar no
« caminho, e elles forao a fazer sua adora<;ao. Vendo isto Taquela
« Haiman6t, virou seu rosto pera o oriente e come^ou a fazer ora^ao
« dizendo : Olhai, Senhor, a soberba do demonio ; vede o que fas
« a vossas criaturais ; pe^ovos, Senhor, que amarreis a este soberbo
552 HISTORIA DE ETHIOPIA
« com a mSlo de vosso servo, mandando a sam Migxiel que me aiude,
< como me prometestes, e ao demonio nSk) Ihe deis licen^a pera
« se afastar daquella arvore, sem que fique envergonhado diante
< deste povo que tras tam enganado, e aquella arvore venha pera
c mim com suas raizes. O Senhor Jesu Christo, vos sois minha fe
< e minha obra, mostrai oie a virtude de minha fe, pera que se
« manifeste a for^a de minha obra diante de todos estes que estao
< iuntos.
< Acabada sua orag^o, foj pera a arvore e disse : £n nome de
< meu Senhor Jesu Christo, a quem ey adoro, vos mando que saiais
< com vossas raizes e me sigiiais trazendo ao demonio que fala so-
< bre vos, pera que veiao os homens a for^a de meu Deos. E logo
< se arrancou a arvore com tam gfrande estrondo como o do torvao
< no meio do inverno, e foi pera o Santo dando com suas raizes
< nos que achava com tanta forga que matou 24 e os demais fu-
< girao com grande medo; e chegando a arvore onde estava o Santo,
< gritou o demonio dizendo : Onde hei de fugfir de ti, o homem
< mao ? Xao te basta toda a terra de Celalgi, senao que venhas aqui
< tambem pera me roubar meus servidores? Entao deceo do ceo
< sam Miguel com sua espada e amarrou ao demonio gritando elle e
< dizendo : Esconiuro vos, Miguel, per Deos que me nao deis trabalho,
« antes morte. Deixaime ir, que nunca mais chegarei onde estiver
< este homem mao. Respondeo sam Miguel : Nao te hei de deixar
< *ate que se detenha Taquela Haimanot Entao gritou o demonio f. 264.
< pedindo ao Santo que esperasse, que tinha que Ihe falar. Detevesse
< elle e mandou a arvore, que o hia seguindo, que se detivesse, e
« disse ao demonio: Porque fazes errar a gente e Ihe persuades
< que tu os criaste? Respondeo elle: Nao sabes que sou mentiroso
< e paj das mintiras, e que a todos os que me dao credito falo
« mentira, como he meu custume [?]. Deixaime ir, e eu vos prometo
« de nao tornar mais onde estiverdes. Disse o Santo : la que enga-
< naste a gente desta terra, dizelhes agora: Eu primeiro vos fis
« errar com mentiras; daqui por diante adorai a Nosso Senhor Jesu
« Christo com seu Paj e Espirito Santo. Respondeo o diabo : Nao
< posso pronunciar esses nomes. Disse o Santo : Se nao podes pro-
« nunciar os nomes da Trindade, dizelhes : Adorai e servi o criador
« dos ceos e da terra, que criou a vos e a mim. Disse entao o de-
« monio a gente da terra: Primeiro vos fis errar com mentira; daqui
« por diante servi ao criador do ceo e da terra, que criou a mim
1
LIVRO II, CAPITULO XIX. 553
c e a vos. Quem me segue desce ao infemo iuntamente comigo.
« E dizendo isto, o largou sam Miguel e fugio logo como hum pe
« de vento.
« Vendo aquelles que estavSo iuntos tam grande milagre, se
« maravilharSo muito, mas nao viao o anjo, somente Taquela Hai-
« man6t, a quem falou sam Miguel : Sede forte, que tudo aveis de
« vencer com a virtude de vosso Deos; e dizendo isto, Ihe deu pas
€ e subio pera o ceo, e toda a gente da terra veio pera nosso Pa-
« dre e lan^andose a seus pes disserao : O lus da vida, ensinajnos
« o caminho da salva^ao. Respondeo Taquela Haiman6t: Vinde,
« meus filhos, seguime, crede em Deos que vos criou ; e disserao :
f.264,v. € Sy cremos *como nos dizeis ; e os bautizou no nome do Padre e
« do Filho e do Spirito Santo; e depoes foj onde estavao os cor-
« pos dos que matou a arvore e fes orac^ao dizendo : O Senhor Jesu
« Christo, que resocitastes a Lazciro de 4 dias morto e ao filho da
« viuva de Naim, vos sois Deos dos fortes e resurrei^ao dos mor-
« tos ; tudo podeis ; mandai vossa misericordia do ceo pera que se
« alevantem estes mortos, e decendo o orvalho do ceo sobre os
« mortos se alevantarao todos saos como antes e com elles sairao
« das sepulturas 15 homens que morrerao muito antese fizerao re-
« verencia ao Santo lan^andose a seus pes. E perguntandolhes elle,
« quando morrerao, responderao que no tempo que reinava Abraha
« e Azbaha; e disselhes Taquela Haimanot: Fostes bautizados no
« nome de Christo [?], responderao que nao sabiao que cousa era bau-
« tismo, nem conheciao a Christo naquelle tempo. Pois a quem ado-
« ravais? disse o Santo. Responderao que a huma arvore que alli
« estava e nos falava dizendo, que vos criei, e estando com esta
« adoragao morremos e nos levarao ao inferno e estivemos no fogo
« que nunca se apaga. Disselhes Taquela Haimanot: Porque nao
« vos livrou o Deos que adoravais [?J. Responderao que nem a sua
« cabe^a podia livrar. Disselhes elle: Como viestes agora aqui[?],
« Responderao que por sua oracjao fora mandada a misericordia de
« Deos sobre aquelles mortos, e que tambem Ihes alquan^ara a
« elles que estavao debaixo. Pedimos vos agora, o Santo de Deos,
« que fa^ais que nao tornemos mais aquelles tam grandes tormentos
« em que estavamos. Maravilhouse muito Taquela Haimanot ouvindo
« isto e disse ao povo: Olhai este milagre. Se eu vos falara, nao
« me ouvereis de crer: eis aqui foj conhecido vosso Deos, que nem
f. 265, « a sy nem aos outros *pode salvar. rergnntou tambem aos outros
C. Beccaki. /f#r. Atih, Scripi, occ, tned. — II. 70
r
w
554 HISTORIA DE ETHIOPIA
e 24 que resocitarao: Vos outros ondeestivestes? ResponderSo que,
< quando suas almas sairSo dos corpos, os levavao pera o fogo os
t anjos maos, e que elle viera em hum cavalo de fogo e pelejara
« com elles, e ent9o decera do ceo sam Miguel e dizendo: Dai estas
< almas a esse homem, nos lai^rElo logo, e vos nos trouxestes, e
< agora estamos diante de vos, como nos vedes. Declarainos como
c nos avemos de salvar e livrar destes trabalhos. Dtsselhes o Santo :
( Crede em Deos e bautizaivos em seu nome peia que alquanceis
« a vida etema. Responderao todos: Cremos em Deos; bautizainos;
* e alevantandose o Santo os bautizou em o nome do Padre, Filho
c e Espirito Santo, e forao bautizados aquelle dia hum cento dous
( mil e trezentos e 45. Esteve Taquela Haimandt aquelle dia bau-
( tizando ate que se queria por o sol, e entAo disse missa e Ihes
c deu a comunhao.
( Acabado isto, chamou TaqueU Haiman6t os 15 homens que
( morrerao primeiro e disselhes: Vos outros resucitastes pera que
< visse esta gente a virtude de meu Deos : ide ^ora e dormi ate
< o dia da comum resurrei<;ao. Lan^arSose elles entao a seus pes
« chorando e dizendo: N5o nos mandeis mais, senhor, peraaquella
« terra de tormentos. Respondeo Taquela Haimandt ; Nao choreis,
« que daqui por diante nAo aveis de ir a terra de tormentos senSo
« a do descanpo, porque todo o que cre em Christo e he bautizado
« se salva, e o que nSo cre se condena, e todo o que come sua
c carne e bebe seu sangue tera vida etema, *e dizendo isto morrerSo f
« e os sepultou o santo e forao pera vida eteroa corao elle Ihes disse.
( Em amanhecendo vierao a Taquela Haiman6t muitos povos,
< homens e molheres, velhos e meninos pera ouvir as maravilbas
< que Deos obrava por seu servo e disserSo : Eis aqui, cremos todos
< em o Deos que vos adorais. Ouvindo isto o Santo, deu muitas
( gra^as a Deos e deceo com elles ao rio, que chamao Mee^at e
( benzeo a agoa e os bautizou no nome do Padre, Filho e Espirito
« Santo, e forao bautizados naquelle dia sesenta centos tres mil e 49 ;
* e deceo o Spirito Santo em forma de pomba branca sobre elles, mas
( nao a via mais que Taquela Haiman6t e ficarao com grande rcsplan-
c dor os rostos dos que se bautizarao.
< Como os acabou de bautizar, os come^ou a insinar clatamente
« com fes Deos o ceo e a terra e quanto nela ha, e como criou a
< Adam a sua imagem e semelhan^a, e como foj lanijado do parayso
( por comer da fruta prohibida, e como, porque depoes seus filhos
LIVRO II, CAPITULO XIX.
555
fizerao muitos peccados, os castigou Deos com o diluvio, salvan-
dose nSo mais que 7 almas, e a seus descendentes deu a lei e
profetas e nSlo guardarSio bem sua lei, e depoes desceo o mesmo
Deos do ceo e naceo da santa Virgem Maria, e aos 30 annos foj
bautizado por s. Jofto no Jordflo e saindo ao deserto ieiunou 40 dias
e 40 noites, e assim Ihes foi declarando todos os misterios. Ou-
vindo elles estas palavras, Ihes entrarSio em seus cora(;Oes como
o azeite em os ossos, e lan^andose aos pes do santo, disserSlo gra-
9as a Deos que nos deu a nos lus da vida e deulhes do corpo e
sangue do filho de Deos.
f. 266. € Ouvindo o principe da terra que se cha*mava DarasguSd o
que tinha feito Taquela Haimandt, se agastou muito, porque os
que adoravSo aquella arvore Ihe davao 300 arrateis de prata, e
contando ao Santo como o principe estava mui agfastado, disse
a seus fieis : Trazei machados e vinde comigo ; e indo onde estava
a arvore que elle deixara em p6, mandoulhe que caisse e logo
caio, e disse que a cortassem pera fazer della igreia. Nisto veio
o principe con^ grande soberba e disse a nosso Padre: Vos sois
o que perdeis nossa terra? Respondeo o Santo: Nao sou o que
a perco, antes se salva por meio de hum servo pobre. Disse o
principe : Se nao perdeis minha terra, quem vos deu licen^a pera
cortar esta arvore e perder o tributo del Rei ? E mostravasse tam
indignado que parecia querer ingfulir ao Santo, nem por isso dei-
xavSLo aquelles de cortar, e saltando huma racha Ihe deu no olho
direito e caio como doudo com grahdes dores e gritou a seu Deos
dizendo: Senhor, eu nSo mandei nem vim cortar a arvore ; mas este
homem mao, que nSo he conhecido, perdeo a terra, e quis tomar
vosso mando. Perdoaime, Senhor. Gritou entao de longe o demonio
dizendo: Derazgued, Derazgued, daqui por diante deixai a terra a
este homem, que eu nfto posso com elle, que he muito forte. Que
vos direi dos tormentos que achei por amor delle [?] ; nSo vos posso
salvar de sua mSo, nem ainda a mim mesmo. Oie vos digo de
verdade que o sirvais vos e vossos povos, que a mim nSo me
aveis de ver mais. E dizendo isto, desaparaceo.
< Vendo isto os que estavao presentes, ficarao espantados e
disselhes o principe: Eu creio no Deos deste homem ; vos outros
« rogai que me perdoe a soberba que Ihe mostrei e me sare desta
f.266,v. « doen^a. *Pedirao elles muito ao Santo que o perdoasse. Respon-
deo elle: Se nao crer em Deos de todo seu cora^ao, nao ha de
556
HISTORIA DE ETHIOPIA
9. Neophytis Ca-
tadL curae preabyte-
rorum, quos e Zorftre
advocaverat, com-
missis, ipse in deser-
tum secedit, at a Do-
mino per vlsum ad-
monitus ut incolas
Dam6t fidei christia-
xiae praeceptis im-
bueret^ eo se confert.
Iter faciens per terras
SeoA daemones eiicit
e monte OifAt inco-
lasque omnes sacro
baptismate abluit.
safar de sua doen<;a. Disserao elles que ia affirmava que cria.
Mandou entSio que o trouxessem e chegando alevantou a vos di-
zendo: Creo em vosso Deos: servo de Deos, saraime desta doen^a.
Tocoulhe entao nosso Padre com a mSo no olho e sarou logo.
Vendose o principe sSo, lan^ouse aos p6s do Santo e disse: De
verdade vosso Deos he todo poderoso; dizeime como me hei de
salvar; disselhe o Santo: Crede em Deos de todo o cora^ao e vos
e os de vossa casa acharSlo vida eterna. Respondeo o principe:
Creio de todo meu cora^ao. Disselhe o Santo: Se credes intei-
ramente, levantaivos e cortai desta arvore; o que elle fes com
grande fervor; e edificarao huma igreia na terra Endeguen no
lug^ar Zateiber, fazendose daquella arvore todas as portas, janellas,
columnas e tudo o mais que foj necessario pera a igreia. Depoes
bautizou Taquela Haimanot ao principe, a sua molher e a toda sua
casa e a elle pos nome Bamina Christos e a sua molher Acrocia,
e os que se bautizarao na terra Catata foram sesenta e 4 centos
sinco mil e 300 e 87, porque de outras muitas terras vierao ali
muitos polla fama dos milagres que fazia o Santo e se bautizarao.
c Como se aiuntou a nosso Padre tam grande multidao de gente,
mandou recado aos sacerdotes de sua terra Zorere, dizendo : Vinde
a mim, porque tirei grande presa ao demonio e fis entrar a muitos
na casa de Deos, e deseio que os guardeis. O que elles fizerao
logo e chegando Ihes entregou aquella igreia, e elle andou muito
« tempo por aquella terra de Catata insinando a fe de Christo, lan-
« 9ando os demonios dos corpos e sarando os doentes, e chegando
« o tempo do jeium, jeuou 40 dias e outros muitos jeiuns sem comer
« mais que os domingos e nesses so ervas *do campo, sem fazer f. 267.
« diflFeren^a das doces e amargosas; e como se acabava o jeium,
« tornava ao povo pera Ihe insinar a fe ; e nisto esteve 3 annos acom-
« panhandoo sempre sam Miguel. E estando huma ves no deserto,
« ouvio huma vos do ceo que disse : Taquela Haiman6t, Taquela
« Haimanot. Respondeo elle: Eis aqui vosso servo, porque co-
« nheceo que era palavra de Deos, e disselhe : Ide a terra de Da-
« mot, pera fazer vosso officio e neste deserto se edificara depoes
« huma igreia grande por hum filho, que vos ha de nacer do Espirito
« Santo, que se chamara Tadeus.
« Acabado o jeium, veio nosso Padre do deserto e aiuntou toda
« a gente de Catata e disselhe : Estai firmes na fe de Christo que vos
« tenho insinado. Eu vou onde me mandou meu Deos; se elle for
'%■■"'<»
LIVRO II, CAPITULO XIX. 557
« servido, tornarei a vos outros. Ouvindo elles isto, comeQarao a
« chorar, dizendo : A quem deixais estas vossas e novas plantas ?
c Quem nos dara de beber da agoa da doutrina da fe ? Que paj achare-
« mos como vos guardador da alma e corpo ? Respondeo elle : Nao
« posso deixar de far o que me manda meu Deos ; nao vos intristi<;ais;
« estai em temor de Deos e esperai nelle e fora o que deseiardes,
« porque quem nelle cre firmamente acha tudo. Buscai a Deos e
« achaloheis, amajo de todo vosso cora^ao e com toda vossa alma
« e amaivos huns aos outros como a vos mesmos ; e com isto vos
« conhecerao como sois servos de Deos. Disserao elles: Nosso Pa-
« dre, se nos deixais na carne, nao nos deixeis no spirito, porque
« vos sois nosso encosto diante de Deos. E chorando todos muito,
« se despedio e foi seu caminho sem querer aceitar cousa nenhuma
f.267,v. c delles, e onde chegou a dormir *aquella noite Ihe aparaceo Christo
« Nosso S.°' e Ihe disse : O meu amigo Taquela Haimanot, nao ten-
« hais medo, porque ondequer que fordes estarei sempre comvosco ;
« e com isto desapareceo. E proseguindo seu caminho chegou as ter-
« ras de Seoa onde pregou o santo Evangelho e depoes desceo pera
« Endeste e chegou a hum monte g^ande, que se chamaOifat e subindo
« ao alto achou muitos demonios com grandes gritos, e fazendo o
« sinal da Crus, desaparecerao todos como o fumo diante do vento,
« e o Santo passou toda a noite em ora^ao.
« Como amanheceo subio ao monte a gente da terra levando
« vacas e muita sorte de comer e come^arao a offerecer como cu-
« stumavao; o que vendo Taquela Haimanot, se acendeo em zelo da
« honrra de Deos e gritou, nomeando o nome do Padre e do Filho
« e do Spirito Santo, com o que todos ficarao mui espantados e
« disselhes : Porque adorais aos demonios e deixais ao que criou os
« ceos e a terra e quanto ha nellas ? Responderao elles com grande
« medo: Nunca, Senhor, ouvimos estas palavras em toda nossa vida.
« Disselhes nosso Padre: Ategora fizestes isto, por nao saber; daqui
« por diante adorai a Deos pera que vos nao condeneis. Respon-
« derao elles : Se deixamos de adorar a nosso Deos, mata nossos
« filhos e filhas e destrue nossas terras, e por isto o adoramos. Dis-
« selhe Taquela Haimanot : Onde esta vosso Deos pera eu olhar [?].
« Responderao elles: Nao se mostra de dia, senao de noite. Dis-
« selhes o Santo : De verdade se mostra nas trevoas, porque abor-
< rece a lus, pera que nao se manifestem suas obras, e nisto po-
« deis conhecer que todo elle he trevoas. E perguntoulhes, como
558 HISTORIA DE ETHIOPIA
€ conheciSlo quando vinha a elles; responderao que vinha com
< grande estrondo, como *de torvao, vestido de fogo, assentado f. 268.
€ sobre hum lobo e outros muitos o seg^iSlo sobre lobos lan<^ndo
< fogo de suas bocas. Disse o Santo: Peior he elle que seu ca-
« valo ! Esperemos ate que venha. Se elle me vencer, eu o adora-
« rei, e se iiao, vos outros adorareis a meu Deos. Responderao
« que sy adorariao, se elle o vencesse. E sendo ia muito tarde, veio
« elle cavaleiro em hum lobo com o estrondo acustumado, e che-
€ gando fes Taquela Haimandt o sinal da crus e logo elle e quan-
« tos o acompanhavao fugirao e dasaparecerao como fumo, dizendo :
« Quem he este que nos persegue?
« Ficarao todos os que ali estavao maravilhados e lan^andose
« aos pes de nosso Padre disserao : Verdadeiramente vosso Deos he
« mais forte que os fortes; elle he o que vence a todos. Mandouos o
« Santo alevantar e disse : Nao tenhais medo : daqui por diante ado-
« raj a Deos Padre e seu Filho Jesu Christo e ao Spirito Santo ;
« porque elle nao folga que se per^a algnm; e assim espera a todos
« pera que fac^ao penitencia; nem quer que Ihe matem vacas, nem
« cabras, porque nao come suas cames, nem bebe sangne de ani-
« mais. Adorai a elle de todo cora^ao, porque he Deos de toda a
« criatura e nao ha autro Deos senao elle nos ceos, na terra e no
« mar; elle mata e da vida, elle alevanta e abaixa. Crede neste Rei
« pera que acheis a vida etema. E estevelhes pregando ate que
« amanheceo. Disserao elles: Se este nosso Deos, que vos vence-
« stes, vier a matar nossos filhos e destruir nossa terra, que ave-
« mos de fazer? Respondeo oSanto: Se crerdes em Deos inteira-
« mente, nao vos pode chegar, porque he muito fraco. Ide e chamais
« a gente da terra, e tragao todos seus doentes *pera que veiao f.268,v.
« a for^a de meu Deos que os sarara. Forao elles com grande ale-
« gria e contarao o que passava aos demais moradores da terra, e
« logo iuntarao seus doentes, que erao 12 alejiados, 13 alcorcova-
« dos, 7 endemoninhados e 10 cegos, e trazendoos a nosso padre
« Taquela Haimanot, como chegarao a vista, come^arao a g^itar os
« demonios que estavao naquelles dizendo: Que nos quereis? porque
« nos perseguis ? Nao basta que vos deixamos a terra de Calalgfi e
« Catata; onde hemos de fugir de vos? Deixainos agora: nao nos
« deis trabalho, e sairemos de nossa vontade. Disse o Santo aos que
« traziao os doentes: Chegai de pressa. E em chegando, fugiao os
« demonios, e elle sarou aos demais doentes.
*
LIVRO II, CAPITULO XIX. 559
< Vendose todos s^os, se lan^arao aos pes do Santo dizendo: xo.indediscedens,
c Benzeinos, nosso Padre. Respondeo elle: Nao vos hei de dar ben- 3^4^ ubicum regem
< cao, sem vos bautizar primeiro no nome de meu Deos! Disserao venefido addictum
'^ contumeltis affeci»-
< todos: Faremos, Padre, quanto nos mandardes. Bautizainos; e o eet, ab huius asseclis
< Santo os bautizou no nome do Padre e do Filho e do Espirito etfama Michaele ar-
< Santo, e mandou que edificassem huma igreia, e depoes Ihes deu changelo ad vitam
revocatur. Quo du-
< nella o corpo e sangue de Christo. £ sam Miguel Ihe aiudava a piici prodigio nihil
< semelhanca de diacono ; e esteve com elles 9 meses insinandolhes ™°*""» ^^*"^ populus
^ ' ^ in 8ua superstitione
< a f6, e depoes Ihe disse sam Miguel: Alevantaivos e ide a fazer per8i8teret,adprece8
< o que vos mandou vosso Deos : e ajuntou elle entao a gente de pcntino terrae hiatu
< terra e disse : Estai firmes na fe que vos insinei e amaivos huns i®* ^^ ^^ vene-
ncis hau8ti pereunt.
< aos outros e ficai em pas, porque eu vou onde me manda meu
< Deos. Ouvindo isto a gente da terra, chorarao muito dizendo : A
4 quem nos deixais, nosso Padre e mestre? E o Santo se afastou
< delles com muitas lagrimas, e foj as terras de Ennaret, e derru-
f. 269, < bou os idolos e psissou *a Oirague e Catal e chegou a terra de
< Bilat, onde achou hum insigne feiticeiro a quem a gente da terra
< alevantara por Rei e tinha em grande venera^ao, porque, quando
< Ihes dizia que aviao de ter algum trabalho ou algum bem, o acha-
< vao ; e subihdo nosso Padre onde elle estava assentado em huma
< cadeira dourada, riquamente vestido e mui acompanhado, se che-
< gou a elle e Ihe deu huma bofetada e derrubou da cadeira di-
< zendo : O enganador, filho do diabo, porque fazes errar ao povo
< que Christo remio com seu sangue ? Elle nao pode responder nada,
< antes ficou tremendo, parecendolhe que algum corisco do ceo caira
< sobre elle.
< Vendo os criados do Rei o que fizera Taquela Haimanot ar-
< remeterao e deraolhe muitas bofetadas ate que Ihe arrebentou o
< sangue poUos narizes e orelhas, depoes Ihe derao com paos muito
< grossos ate que o matarao e botarao seu corpo de baixo de huma
< arvore pera que o comessem os lobos: e nisto veio S. Miguel e
< disse : Taquela Haimanot, Taquela Haimanot, alevantaivos ; e ale-
« vantouse o Santo como do sono e, tocandolhe o anjo as feridas,
« ficou sao : e disselhe: Ide a peleiar com aquelle feiticeiro, que
< vos aveis de vencer. E assy foj o Santo com grande confianga e
« achouo outra ves assentado em sua cadeira e tornoulhe a dar bo-
« fetada e derrubar de sua cadeira e da queda quebrou a mao, e gri-
< tando por seus criados, vierao e tomarao ao Santo e o acoutarao
« com cadeas ate que apareciao os ossos, e disserao: Donde sois?
56o
HISTORIA DE ETHIOPIA
zx. Vertit iter ad
terras Dam6t, cuius
rex Motolom6 fidem
Christi aversatus Ta-
cl& Haiman6t bis ez
alta rupe praecipitem
deiicit; atcumcom-
perisaet eum a Mi-
chaele archangelo
servatum incolu-
mem, fidem christia-
nam cum universo
populo amplectitur.
Alia prodigia ibidem
patrata.
« que officio tendes ? Nao vos matamos hontem ? quem vos alevan-
« tou? por ventura he mais forte vossa feiticeria que a nossa? *Disse f.269,^
< o Santo: De verdade he mais forte meu Deos que o vosso: eu
« nao sei, nem vim a fazer feiticeria, sen2Lo a tirar a vossa, nem
« tenho pera que dizer aos caens donde sou, antes os caens sSio
« melhores que vos outros, que conhecem seus senhores. Tomarao
« entao ao acoutar, ate Ihes despeda^arem o corpo e morto o bo-
« tarao em huma lapa. Mas tomou sam Mig^el a o resucitar como
« primeiro e estcve trabalhando com elles por 40 dias sem comer
« nem beber, mas nao pode fazer que entrassem poUo caminho da
« verdade.
« Passados 40 dias, vendo Taquela Haimandt a dureza de seus
« coragOes, fes ora^ao a Deos, dizendo: Senhor lesu Christo, vos
« sois o que me mandastes de minha terra a insinar os povos novos
« e aonde quer que vou he por vosso mandado. Agora cheguei
« a estes que vos nao conhecem e me fizerao os males que sabeis.
« Julgai, Senhor, e mandai a terra que os ingula com Datan e Abi-
« ron ; mostrai vossa forga sobre estes. Acabada sua ora^ao, subio
« a hum monte, onde achou muitos feiticeiros que oflfereciao sacri-
« ficio a seu Rei, e entrando no meio delles, disse em alta vos :
« Mando a terra em nome de meu Deos, que se abra e trague a
« estes maos ; e abriose logo e elles e seu Rei decenderao ao in-
« ferao vivos e Taquela Haimanot louvou ao Senhor dizendo: Oje
« destes alegria a meu coragao ; de verdade sois Deos dos Deoses
« e Rei dos Reis. E depoes foj onde adoravao os feiticeiros e
« achou ali muitos idolos de ouro e prata e quebrouos com huma
« pedra ; e ao outro dia polla menhaa ouvio huma vos do ceo que
« dizia: Nacervos ha hum filho spiritual por nome Anoreos: elle
« convertera os que aqui ficao e edificara igreia neste luguar.
« *Partio logo nosso Padre Taquela Haimanot daquella terra f. 270.
« e f o j a de Damot, onde derrubou muitos idolos, lan^ou demonios
« e sarou doentes, com o que se converterao muitos e entre elles hum
« principe que se chamava Cafaraudim. Mas sabendo o Rei da terra
« o que passava, mandou que Ihe leva^sem prezos ao Santo e ao
« principe, e levandoos disse o principe ao Santo: Este Rei ha
«25 aunos que esta como doudo por causa de huma molher que ca-
« tivou da terra de Seoa com que elle queria casar e pera isso a
« fez levar com grande honrra a porta de seu idolo, e estando eu
« com grande multidao de gente olhando, veio hum grande torvao
J
LIVRO II, CAPITULO XIX. 56 1
« e a levou pera o ceo, e muitos morrerao de espanto, e el Rei
c ficou como doudo des daquelle dia ate oie. Se vos o sarardes,
€ cuido que nos perdoara, e se nSlo, mandamos ha matar. Rio o
« Santo e disse: Nao tenhais medo, que Deos nos livrara da mao
« deste Rei. Quanto daquella molher, depoes vos falarei, quando
« olhardes a gloria de Deos. E chegando a el Rei Motolome, de-
€ poes de muitas praticas os mando botar duas vezes por huma alta
« rocha, e ambos os livrou S, Miguel, e por isto e outros muitos
« milag^es, que o Senhor fez por amor de seu servo, se convertio
« el Rei e o Santo o sarou de toda sua doen^a. PoUo que mandou
« el Rei lan^ar pregao que todos deixassem a adora^ao dos idolos
« e adorassem ao Deos de Taquela Haincian6t, e que se dali por
« diante alguem tivesse idolo em sua casa, fosse botado pollas ro-
« chas abaixo. E bautizandose el rei Motolome, se bautizarao tam-
« bem des centos e douze mil e 99, e pos por nome a elle Fe^a Seon.
f.27o,v. « Depois disto, mandou el Rei fsizer muitas *igreias por todo
« seu reino, mas tinha duvida sobre a resurrei^ao dos mortos, e
« trazendolhe Taquel^ Haimanot muitas rezoes e luguares da Escri-
« tura pera Iha persuadir, nao ficou satisfeito, dizendo : Como pode
« ser que depoes de feito o corpo em p6, tome a resuscitar? Agora
« faz quinze annos morrerao aqui mil homens de meu exercito e
« 300 feiticeiros : se os fizerdes alevantar, logo crerei ; e perguntou
« o Santo: por que causa morrerao tantos homens. Respondeo el
« Rei: Isto nao me perguntei se nao fazeios alevantar, se quereis
« que crea. la que o nao quereis declarar, disse o Santo, eu o direi.
« Cativastes huma molher da terra de Seoa e querendo casar com
« ella iuntastes vossa gente diante de vosso idolo pera a fazer ral-
« nha, e que adorasse o idolo, e estando ella em pee no meio de
« todos, veio como torvao do ceo e a levou de vossos olhos, e deste
« espanto morrerao aquelles e vos ficastes como doudo daquelle dia
« ate que eu vos sarei. Disse el Rei ; O Santo de Deos, quem vos
« declarou isso? Respondeo elle: Meu Deos, que sabe todas as
« cousas. Perguntou el Rei se sabia a terra daquella molher ; re-
« spondeo : Nao somente a terra, mas a ella, porque depoes que foi
« levada de vossa presen^a^ me pario. Ficou el Rei maravilhado e
« lan^ouse a seus pes, fazendolhe grande reverencia e dizendo:
« Eu cuidava que a levarao pera a ceo. Depoes foi o Santo onde
« aquelles morrerao e feita oracjao, disse em alta vos : Alevantaivos
« com a virtude de meu Senhor lesu Christo ; e sairao logo mil e
C. Beccari. ^tfr. Ae/Jk. Hcripl, occ» incd, — II. 71
562 HISTORIA DE ETHIOPIA
€ lan^araose aos pes do Santo dizendo : Benzeinos, Senhor, que
c morremos por causa de vossa maj e agora resuscitamos poUa vir-
« tude de vosso bra^o. Perg^ntandolhes o Santo onde estiverSLo,
« responderdo que nos tormentos do infemo e que des mil soes que
€ la entrassem nSio poderi^lo alumiar a hum homem naquella trevoa.
€ Ouvindo isto ficarao todo[s] com grande temor e disse *el Rei a f. 271.
€ nosso Padre; Ay de nos, tudo isto nos espera? Disselhe o Santo:
« Credes agora a resurrelQao dos mortos ? Respondeo elle : Que sy
« creo ; dizeime o que hei de fazer por nao ir aquelles atormentos ;
« respondeo o Santo : Nao tenhais medo, que daqui por diante nSlo
« tendes condenagao, porque quem cre no filho de Deos, alquanga
« vida etema. £ bautizou aos que resucitarao e mandou que fos-
« sem por toda aquella terra pregando a resurrei<;ao dos mortos.
xa. Annum intc- « Esteve Taquela Haimanot nas terras de Dam6t 12 [meses]
^hTii^e^iussus di- * ® dilatou a fe de Christo ate o rio Gehon, e todas as terras vi-
vinitus in patriam ^ zinhas a Damot crerao em Christo por sua doutrina ; depoes subio
revertitur: postmo- *^
dum AmharA versus « a hum monte e jeiunou 40 dias sem comer mais que nos domin-
chum*obviam habet * S^ algumas hervas do campo, sem dififeren^a das doces ou amar-
etnovoprodigioeum « gosas, e sabado de Pascoa a noite, sendo meia noite, veo Chri-
movet ut se comi-
tem sibi iungat in « sto N. S.°', sam Miguel e Gabriel e sua maj Maria e os 1 2 Apostolos
^*" « e muitos Santos do ceo, e disselhe: Como estais, meu amigo Ta-
« quela Haimanot [?]. A pas de meu Padre e Spirito Santo seia
« comvosco ; alegraivos, porque vosso nome esta escrito no livro da
« vida. Vim pera vos dar oie alegria, porque vos me alegrastes com
c tantas almas que trouxestes pera mim : todo aquelle que der pao
« ou ofFerecer incenso, ate hum pucaro de agoa em vosso nome
« passe comvosco ao reino do ceo, e a todo, o que vos chamar em
« seu trabalho, eu o livrarei ; e deulhe huma erva e agoa de vida
« dizendo:. Comei e bebei; com que se alegrou muito sua alma de
« maneira que Ihe parecia nao ter jeiunado nem hum dia. Tambem
« Ihe disse: Ide a terra Amhara e esperai ali ate que eu vos fale,
« e sam Miguel estara com vosco; e beiiouo na boca e pondo a
« mao sobre elle o benzeo e subio logo ao *ceo. Disse Taquela Hai- f.27i,v.
« manot : Seia, Senhor, bendito vosso nome, que destes tanta gra^a
« a este vosso servo.
« Acabado isto, foj o Santo a el rei Fega Seon (que assi o
« chamou no bautismo) e disselhe : Estai firme na fe de Christo e
« sede diligente em guardar as igreias: eu vou onde me mandou
« meu Deos. Ouvindo isto, el Rei chorou muito e disse : O Padre
UVRO II, CAPITULO XIX. 563
< nosao» a quem deixais nossa terra, que livrastes do demonio e
< insinastes a santa f6 ? Respondeo o Santo : Nfio posso deixar o
€ mandado de meu senhor ; e fes logo iuntar os sacerdotes que el
€ Rei trouxera primeiro cativos de sua terra e disselhes : Guardai
« bem vossa fe, e sede diligentes em olhar bem por estas ovelhas,
» e ensinailhes a verdade e temor de Deos. Responderao elles:
« Iremos com vosco, porque depoes de Deos em vos temos nossa
« esperanpa ; disselhe o Santo : Nsio podeis ir; guardai minas ove-
« Ihas, que esta he a vontade de Deos , e com isto se partio, se-
« giiindoo el Rei e todo seu exercito chorando. Disselhes o Santo :
« Tomai, meus filhos, e nSio choreis, que ainda que vos deixo na
« carne, nSo vos deixarei no espirito : sempre me lembrarei em
« minhas ora^Oes. Com isto se despedirdo e tomarao pera suas ter-
« ras e o Santo indo seu caminho chegou a terra ZorSre, onde pri-
« meiro tinha convertido muitos, e sairaono a receber com grande
« alegria, e elle Ihes mandou trazer os doentes que avia e os sarou
« a todos fazendo sobre elles o sinal da cms.
« Prcseguindo Taquela Haimandt seu caminho, encontrou com
« hum frade e perguntoulhe donde era e pera onde hia. Respondeo
« que era de Amhar^, mas que nSio sabia onde hia : disselhe o Santo :
« Deos vous mandou a mim pera que me guieis a vossa terra ;
f. 272. « tornai *comigo ; respondeo o frade : Por que cousa me avia de
« mandar Deos a vos ? Nao posso tornar. E por mais que Ihe rogou
« o Santo, nao quis, e disselhe : Se Deos vos nao mandou a mim,
« ide embora; mas se vos mandou, elle fa^a que nao possais pas-p
« sar adiante ; e com isto se foi o Santo, e o frade ficou sem poder
« ir pera huma parte nem pera a outra ; pello que gritou dizendo
« que o esperasse. Nisto ouvio o Santo huma vos do ceo que disse :
« Perdoailhe, por que sem saber fes isso. Tornou entao o Santo e
« disse ao frade : O Senhor nos perdoou nossos peccados. Lan^ouse
« logo o frade a seus pes e pediolhe perdao : o Santo o fes alevantar
« e forao falando nas cousas de Deos; e chegando a huma casa,
« onde se agazalharao, tinha o senhor della hum filho emdemoni-
« nhado e rogoulhes que fizessem ora^ao por elle, e o frade pedio
« muito ao Santo que o sarasse; pello que elle Ihe fes o sinal da
« cms, dizendo : Saie, espirito maldito, polla virtude de meu senhor
« Jesu Christo a quem eu adoro ; e saio o demonio gritando como
« cao e o menino ficou sao e seu paj vendo isto se lan^ou aos pes
« do Santo e Ihe deu muitos agradecimentos e agazalhou aquella
564 HISTORIA DE ETHIOPIA
« noite com g^ande alegria e poUa menhaa publicou o milagrre ;
« pello que todos trouxerao seus doentes, que forao 39 e os puse-
<L rao aos pes do Santo e elle os sarou, com o que todos ficarao
« muito alegres louvando a Deos que dera tam grande virtude a
« seu servo.
13. Ad monaste- « Passando Taquela Haiman6t adiante, Ihe perguntou aquelle
AbbAMichaelyperve- * frade no cammho, se era homem ou anjo, porque estava maravi-
niimt. Ibidem TaclA ^ Ihado do que Ihe via fazer. Respondeo o Santo : Nao digais isso,
Haiman6t monasti-
camvitamperr an- « meu irmao : como ha de ser anjo huma pouca de cinza[?]; e fes
mis^one^^ceteriaque * ^^® iurasse o frade de nao falar a ninguem o que visse no ca-
virtutibus et prodi- « minho; *e dali a pouco chegarao a terra e mosteiro do frade e f.a;?.^-
giis inter ceteros emi-
net. « perguntaraolhe os frades: Donde he este hospede que esta com
« vosco? parece anjo de Deos! Quando o achastes? Respondeo :
« Hontem me aiuntei com elle na terra Seoa. Disserao elles : Como
« chegastes aqui em dous dias? Respondeo elle que nao sabia, mas
« nao Ihe crerao, porque era caminho de duas somanas ; e entrando
« na igreia fizerao ora^ao e dormirao iuntos aquella nojte e polla
« menhaa levou o frade ao Santo ao abbade do mosteiro, que se
« chamava Abba Michael, e como elle vio o Santo, ficou maravi-
« Ihado da claridade de seu rosto, e levantandose de sua cadeira
« Ihe deu pas e fes assentar perto de sy e disse : Vos sois Taquela
« Haimanot, em quem foj louvado o Santo dos Santos. Respondeo
« o Santo : Padre meu, quem vos disse o nome deste peccador [?].
« Disse Abba Michael: O Espirito Santo me declarou esta noite
« vosso nome e virtudes: estai aqui comigo ate que vos chame o
« Senhor pera o que for servido.
« ComeQou logo Taquela Haimanot a imitar as obras daquelles
« santos e servia a todos ocupandose em cousas trabalhosas e hu-
« mildes, trazendo agoa e lenha as costas e moendo farinha com
« suas maos, com o que descansava a todos seus irmaos, e todos
« Ihe davao ben^ao ; e com toda esta ocupa^ao rezava muitos psal-
« mos e adorava cada dia a Deos inclinando a cabega ate o chao 1 750
« veses e algumas muitas mais, e jeiuava toda a somana, com o que
« veio a estar seco como hum pao. Desta maneira esteve 7 annos,
« e no fim delles trouxerao hum homem emdemoninhado pera que
« Abba Michael o sarasse, mas nao pode botar fora o demonio.
« Disserao os frades ao abbade Michael: Taquela Haiman6t o sa-
« rara, se Iho mandardes *porque he como anjo de Deos e a mui- f- »73-
« tos tem sarados de.suas doen^as, tocandoos; e o frade que veio J
i
LIVRO II, CAPITULO XIX. 565
€ com elle no caminho contou tambem o que vira. Entao Abba
€ Michael o fes chamar, e quando chegou, derrubou o demonio no
€ chao aquelle homem e ficou tremendo; e disselhe o Abbade:
€ Filho, S£Lrai este homem, porque Deos vos deu licen^a. Respondeo
« o Santo : Como o posso eu peccador sarar [?]. O Deos, a quem
« vos servis, o sare por vossa ora^ao; e dizendo isto, saio logo o
« demonio gritando : Nao basta que vos deixei a terra Ceoa, senao
« que ate Amhara vindes a me persegiiir? Onde hei de fupr de
« vos? Nao acho descanso em nenhuma parte; e mostrandose a todos
« em figura de bugio, desapareceo desfazendose como fumo, sem
« nunca mais tornar aquelle homem. E disse o Santo ao Abbade:
« Este homem sarou por vossa ora^ao ; respondeo elle : Nao foi por
« minha ora^ao senao por vossa humildade e gra^a que vos foj
« dada ; e lan^andose a seus pes, Ihe pedio Ihe declarzisse o discurso
« de sua vida, e mandou aos irmaos que se afastassem; e ficando
« s6s, contou tudo sem esconder nada. Ouvindo isto Abba Michael
« deu gragas a Deos, porque Ihe trouxera tal homem e disselhe :
« Daqui por diante nao vos occupais em os officios que tivestes
« ategora, senao com vossos irmaos na igreia. Respondeo elle : Nao
« hei de deixar meu officio ate saber a vontade de Deos: e «issim
« continuou como primeiro.
« Soubesse logo este milagre em todas as terras de Amhara e
« traziao todos seus doentes e botavaoos a seus pes, e pondo elle
« a mao sobre elles, saravao, do que todos os frades se maravi-
f.273,v. « Ihavao. Tambem *morrendo hum sobrinho de Abba Michael,
« foj elle com os frades e fizerao grande pranto sobre o morto,
« e dizendolhe a Taquela Haiman6t como morrera o sobrinho do
« Abbade, foj la e chorou com elles : e disselhe o Abbade : Homem
« de Deos, se quiserdes, podeis resucitar este morto, segundo en-
« tendo da virtude que Deos vos tem dada. Respondeo o Santo:
« Como posso eu peccador resucitar o morto ? Disselhe o Abbade :
« Nao digais isto, filho, senao fazei oracao a Deos, que elle vos
« ouvira. Entao fes elle ora^ao e rezou o evangelho e depoes gritou
« com grande vos dizendo: Alevantate em virtude de meu senhor
« Jesu Christo, pera que veiao os homens sua forga, Alevantouse
« logo o morto e lan^ouse aos pes do Santo, dizendo: Perdoaime,
« padre, que primeiro vos abborecia com enveia de vossos mila-
« gres, parecendome que, como morresse nosso Padre, avieis de en-
« trar em seu luguar. E agora me tirastes do inferno e me destes vida.
566 HISTORIA I>£ ETHIOPIA
« Disselhe o Santo : Deoa he misericordioso e noa perdoa a todoa,
« maa nSio fizestea bem. Oa que eatavAo preaentea ficarSo mui ma«*
« ravilhados e louvarao a Deoa; e toda a gente da terra emgran-
« deceo ao Santo e o tinha em grande venera^fio.
x4. Postdeceman- « Vendo Taquela Haimanot aa honrraa que Ihe faii2lo» teve
MiSiiSSl*p««if1n • grande tristeza e chorou muito e falando com Christo N. S.^ dizia:
insuiam Haic in mc- « Senhor, porque manifestei estas cousas? porque me dem honra em
dio Ucu DambiA et J^ r. ,
in monasterio, cui « vSlo? Mandaime agora, Senhor, a outra parte, onde aalve mmha
fitmoMchua Vc*'ui- * ^^^^ ^^™ quieta<;ao. E dizendo isto, Ihe apareceo sam Miguel e
busdam mirabiiibus « disse : Como estais, meu *amigo Taquela Haimanot [?]. Eis aqui vos f. 274.
mienti occurrerunt." < manda Deos que vades a igreia de sam Estevao primeiro martir,
« que esta em Haic, e alli achareis hum homem santo, que se chama
« Abba Jesus : elle vos pora o jugo da Religifto ; vinde, que eu vos
« guiarei; e dizendo isto passou o anjo e o Santo foi ao Abbade
« Michael e disselhe : Eis aqui, forSio conhecidas minhas cousas :
« daime licenga, padre, pera ir onde me manda Deos, e lembraivos
« de mim em vossas ora^oes. Ouvindo isto Abba Michael chorou
« muito, dizendo: Em que vos desagradei, meu filho, ou em que
« vos derao paixSo vossos irmaos? Respondeo elle: O meu padre
« santo, em nenhuma cousa me derao paixSo : nSo me leva senao o
« mandado de Deos. E iuntandose todos os frades Ihe pedirao muito
« chorando que os nSo deixasse. Respondeo o Santo: Perdoaime,
« irmaos; nao posso deixar de cumprir o mandado de Deos; ben-
« zeime. E disserSo: Deos vos benza e endereite vosso caminho;
« nao vos esqucQais de nos em vossas ora^oes. Respondeo elle : Que
« pode aproveitar hum peccador a meus padres santos [?]. S6 vos
« digo que tenhais em tudo paciencia, humildade e temor de Deos»
« porque eststs tres cousas levao a vida etema, e gnardaivos da en*
« veja, soberba e desprezo do proximo.
« Com isto se despedio Taquela Haimandt, tendo estado des
« annos com elles, e como se afastou o foi guiando s. Miguel le-
« vando huma columna de lus diante ; e assi foi ate chegar ao lu-
« guar onde o mandarao, e chegando a borda da alagoa, em que
« esta o mosteiro, nao achou embarca<;ao pera entrar e fes ora^ao
« a Deos e logo se Ihe mostrou sam Miguel claramente andando
« sobre a agoa e Ihe disse: Vinde, segiiime; e assi entrou e pas-
« sarao ambos porsiraa da agoa como *se fora seco. E entrando na f 274,^.
« igreia, passou o anjo ao Abbade, que se chamava Abba Jesus, e
« Ihe disse : Eis aqui, esta a porta da igreia hum homem de Deos ;
f. 275-
LIVRO II, CAPITULO XIX. 567
fazei que entre e recebeio betn e dailhe habito de frade; e com
isto despareceo. Nisto entrou o porteiro e disse que estava hum
homem a porta da igreia e nSo sabia como passara. Chamaio,
disse o Abbade, que de Deos he sua vinda. Veio e como o vio
o Abbade, ficou maravilhado da lus de seu rosto e da gra^a que
nelle estava, e levantandose da cadeira, Ihe deu pas dizendo : Boa
seia vossa vinda, homem de Deos, e depoes Ihe pergiintou como
e a que viera. Respondeo que viera por mandado de Deos pera
que Ihe desse o habito, e dali a pouco Iho deu o Abbade. De-
poes se ocupava em ora^ao, em ler os psalmos e adorava a Deos
entre noite e dia tres centos e nove centos e sincoenta veses ate
chegar a suar sangue como agoa, e jeiuava toda a somana sem
comer mais que o domingo algumas ervas do campo.
< Desta maneira esteve ali Taquela Haiman6t muitos annos e
trabalhava de noite e de dia, lembrandose do que disse Christo :
O que me serve sigame pera que esteia onde eu estou. E exer-
citandose elle nestas cousas, veio o anio de Deos e levouo a huma
casa que resplandecia mais que o sol, tam larga e comprida, que,
ainda que se iuntara a gente de todo o mundo, nSo a enchera, e
tinha muitas colunas de diversas cores e tam resplandecentes
que tiravao a vista dos olhos, e em cada huma daquellas colunas
apareciao todas as outras como em hum espelho, e o chao era
como vidro e o tecto resplandecia como sol. E chegando ao meio
da casa ficou espantado, porque vio tres cadeiras e a de meio era
mais grande e mais *fermosa que as outras e sobre ellas estava
como o Arco Iris, e estava na cadeira do meio hum vestido de
lus com huma lingoa de fogo e sobre ella escrito: AUeluia ao
Padre. Alleluia ao Filho, AUeluia ao Spirito Santo. E na cadeira
da mSo direita estavSo 7 coroas diferentes huma da outra. E
estando com grande temor por ver aquella casa, Ihe disse o anjo :
Nao tenhais medo, que eu sou mandado pera vos declarar as cou-
sas desta casa; e logo se Ihe tirou todo o medo e perguntou ao
€ anjo, quanta era a g^andeza daquella casa e quem morava nella;
< e respondeo : Vede primeiro o que nao tendes visto e depoes vos
« direi quem he o senhor; e vendo nas colunnas escritos muitos
« nomes, perguntou quem erSo os que alli estavao escritos e quanto
« o numero das colunnas e pera quem sflo as cadeiras. Respondeo
< Ihe o anjo: Esta casa he vossa e a cadeira do meio e vestido
« que nella esta e as coroas sao vossas e nas cadeiras da mfto di-
568 HISTORIA DE ETHIOPIA
•
« reita e esquerda se assentarSio vossos iilhos, que virao depoes
< de vos. O numero das colunnas da mSio direita he quarenta e
€ sinco centos e outras tantas da mSlo esquerda, e os nomes que
« nellas estSlo escritos s2lo dos filhos que vos hao de nacer no espi-
< rito ate o fim do mundo. Respondeo elle : Quem sou eu peccador
< pera alquan^ar tanta gra^a? Disselhe o anjo : Deos da a gra^a a
« quem quer.
< Acabado isto, levouo o anjo ate o ceo e fes que entrasse dentro
< da cortina, e esteve em pe diante do trono da Trindade e adorou
< e ouvio huma vos do trono que disse : Taquela Haimandt, Taquela
< Haimanot, seia vossa parte com os 24 meus sacerdotes. E deraolhe
< hum turibolo de ouro como elles e foi sua gloria como elles, e
< seu vestido como elles, e vio claramente *a Deos na Trindade e f.275.^-
< Ihe disse : Assim como me amastes vos amarei, e como me hon-
< rrastes vos honrrarei e farei vosso nome alto e honrrado. Por ver-
< dade vos digo que todo aquelle que crer em vossa ora^do sera
< salvo por amor de vos, e at todo aquelle que em vossa lembran^a
< oflFerecer o que puder, o farei grande no ceo e na terra, e ao que
< achar alguma tenta<;ao, se chamar por vosso nome, o livrarei
< della, e ao que servir a vossa igreia eu Ihe pagarei com os 7 meus
< archanjos, e onde for lido o livro de vossos milagres e chamado
< vosso nome, alli sera pas e misericordia pera sempre. Ouvindo
< o Santo isto, o adorou e glorificou e disse : Gra^as a vos, Senhor,
< que me destes tudo isto por vossa vontade e nao por minhas
< obras, e depoes o tornou o anjo onde primeiro estava.
i5.Itenimpo8tde- < Com estas cousas se acendeo tanto seu cora^ao no amor de
i^tua™^bl*^*le8U8 * Deos que nao dormia, e de noite e de dia se ocupava em rezar
nonsineiacrymiava- € os psalmos e ler os livros dos Profetas e Apostolos; e estando
ledicit, et montem
Dam6 in regno Tigr6 « assim, Ihe veio des^io de buscar outras terras santas e conhecer
petit; ibiqueabAbbA ^ ^ custume e perfeicao de frade; e nisto resplandeceo diante delle
loanni cucuUo et ^ » • x-
AzquemA induitur, « 6 anjo que o guardava sempre e disselhe: Ide e fazei como cu-
vat qiui ° oiim a* ce^ * dastes. Perguntoulhe Taquela Haimanot onde avia de ir, e dis-
leberrimiB novem ^ selhe elle : Ide a terra de Ticfre e subi a hum monte que se chama
sancua ea m reg^one ^
patrata fuerant. < Damo, e alli achareis hum homem santo por nome Joanni, e de
< sua mao tomareis capello e Azquema (e assim se ha de por sempre
< em luguar de bentinho) que ate entao nao tinha tomado mais que
< habito. Ouvindo isto, foj a seu paj spiritual e declaroulhe seus
< deseios e o que Ihe dissera o anjo; pello que Abba Jesus chorou
< muito dizendo : Porque me deixais ? Eu nao vos olhava como filho,
LIVRO II, CAPITULO XIX. 569
€ senao como a paj honrrado; mas ia que assi he, ide em pas e
f. 276. € tomai naquelle mosteiro capello *e azquemi, e depois vos me da-
€ reis a mim e sereis meu Padre. Esperai oie, porque nflo ha ho-
« mem que vos passe a outra parte da alagoa. Respondeo elle : Nao
« ha homem maior que Deos! Se elle esta comigo, nfto ha quem
€ me possa impedir o caminho, nem a agoa, nem outra cousa; e
< com isto quis ir, e o Abbade o acompanhou ate a borda dagoa,
« onde ia estava sam Miguel e disselhe: Vinde, seguime; e entrarao
€ poUa agoa como por seco; o que vendo Abba Jesus, se maravilhou
< muito e disse : Grandes sao, Senhor, vossos milagres em vossos
f Santos ; e tornou a sua casa louvando a Deos.
t Foi Taquela Haimanot seu caminho, avendo estado ali des
« annos e chegou ao mosteiro do monte Damo, que he de hum da-
« quelles nove santos que vierao de Rum e Egypto, reinando Ala-
« mida filho de Saladoba antes de Ja2en. Aquelles 9 sao estrellas
« de lus, que alumiarao todas as terras. Alguns delles scmeavao
« pella menhaa e recolhiao a tarde, outros traziao agoa em peneiras
« sem se derramar e faziao outros muitos milagres. E entrando
« Taquela Haimanot no mosteiro, Ihe perguntou o Abbade Joanni,
« donde viera, e respondeo que de terra longe; perguntoulhe como
« se chamava e quem Ihe dera aquelle vestido de frade. Respondeo
« que seu nome era Taquela Haimanot, e o vestido Ihe dera Abba
« Jesus, que morava na ilha de huma lagoa. Disse Abba Joanni:
« Em verdade sois filho de meu filho, porque eu o gerei no spirito
« e benzeu hum capello e hum Azquemi e deulho, e tomandoo o
« nosso Padre, come<;ou a fazer os milagres daquelles 9 santos,
■
« como se comegara a ser novigo sem saber fazer milag^es, e pro-
f.276,v. « fetizava muito antes o que avia de ser e assim era *semelhante
« aos anjos em sua gloria, aos profetas no espirito e aos martires
« por ser lan^ado pollas rochas e a todos aquelles com quem tratava
« se acomodava e trazia ao caminho da salva^ao.
« Esteve TaquelS. Haimanot naquelle mosteiro 12 annos, e no 16. Inde post duo-
« fim delles Ihe apareceo o anjo de Deos e se \stc\ Ihe disse : Sai daqui deST^i^ta^aupcrum
« e visitai todos os mosteiros da terra de Tigre e os santos do de- monita invisit «lia
^ xnonasteria. Ad oram
« serto, porque nelles acharais proveito; e indo logo a Abba Joanni, Maris Rubri appui-
« referiolhe o que Ihe disse o anjo. Respondeo elle : Primeiro vie- f^^nf*^^m*Jtif*e*t
« stes aqui por mandado do anjo, agora tambem ide, Deos seia Hierosolymas tendit
r. t_j^ j.jj i_ i_ sepulcrum Domini
« comvosco ; e foio acompanhando ate a decida da rocha, que he veneraturus. In Ae-
« tam alta que he necessario trinta covados de corda pera chegar **iiop**™ reversus et
C. BeccARl. Ker. Aeth, Scripi* occ, ined. — II. 72
570 HISTORIA DE ETHIOPIA
pluribus monaste- « ao chSio, e ficando o Abbade e os frades em sima, come^ou
ab ipso nomen ha- * nosso Padre a decer poUa corda e quebrandose ella, Ihe derao
bent, eztractis, mo- ^ g^ig ^^ ^ f^; voando seis leiToas, e vendo isto os frades, torna-
nastenum DambiA "^ ^ °
repetit ibique cucul- « rSo a seu mosteiro louvando a Deos. E nosso Padre entrou no
^>k lesuB^imponit. * deserto Oali, onde achou muitos frades santos, e iuntandose todos
« Ihe disserSo: Pera que viestes aqui, sendo muito mais honrrado
« que nos [?]. Respondeo o Santo : Nao digais isso, meus padres, que
« vos outros sois muito mais que eu. Disserao elles; En verdade
< que nao vimos homem, a quem se Ihe desse tanta gTa<;:a na terra
« como a vos. Muitos santos hao de nacer de vos e aveis de ser
« pai de muitos povos. Respondeo o Santo : Facasse a vontade de
« meu Deos ; e esteve com elles 45 dias jeiuando, e depoes se des-
« pedio e foi ao mosteiro Haoazen e pedio aos velhos que ali esta-
« vao sua ben^ao, e responderao : Nao nos convem benzer a homem,
« que foi bento poUa mao de Deos ; mais vos nos benzei com vossa
« mao santa, que a isto vos mandou o Senhor. E tanto o impor-
« tunarao que ihes lan^ou sua ben^ao, e tomando tambem sua ben^ao
« se despedio.
« *Partindo dali foj visitando outros mosteiros e sarando mui- f. 277.
« tos doentes ate chegar ao mar Ertera (scilicet Mar Roxo) e nao
« achando nao em que passar, fes ora^ao e apareceolhe o anjo sam Mi-
« guel como custumava indo sobre a agoa, e seguindoo elle pas-
c sarao ambos em huma hora e chegando a outra banda achou o
« «anto hum homem morto e benzeo dizendo : O morto, se es christao,
« levantate no nome de meu senhor Jesu Christo, cuia crus eu levo.
« E alevantouse logo o morto como de sonho e disse : Sou christao
« do povo de Syon e adoro a Deos ; minha morte foj por falta de
« agoa indo a Hierusalem. Disse o Santo : Se ides a Jerusalem, se-
« guime, e foi com elle ate chegar ao supulchro de Jerusalem, sendo
« Patriarcha de Alexandria Abba Michael, e foj a elle e feslhe
« reverencia, e disselhe elle: Boa seia vossa vinda, homem de Deos
« Taquela Haimanot. Respondeo o Santo: Benzeime, Padre, que
« vim a tomar vossa ben^ao. Quem vos disse meu nome? Disse
« elle: O anjo mo declarou oie; e deulhe ben^ao dizendo: Seiais
« bento na bengao de meus pajs Apostolos e na ben^ao de meus
« pais os Patriarchas, que estiverao na cadeira de Marcos ; e beijoulhe
« o Santo as maos e os pes, e o Patriarcha a elle na cabe^a e dis-
« selhe que tornasse a sua terra, que avia de ser paj de muitos
« frades e que muitas igreias se edificariao em seu nome. Respondeo
LIVRO II, CAPITULO XIX. 57 I
« o Santo : Nao vim pera tornar, senSo pera morrer em vossas maos.
« Disselhe o Patriarcha: Tomai, porque aquella parte vos tem
« Deos guardada. Respondeo elle : Seia, farei o que me mandardes,
« poes sois meu paj debaixo de Deos ; e despedindose delle visitou
f.277,v. « todos os luguares *santos e depoes foi ao deserto Cih6t e Azquetez
« e tirou a ben^ao dos monges que ali moravSo.
« Estando Taquela Haimandt com aquelles santos, Ihe apareceo
« o anjo de Deos e Ihe disse: Que dizeis, Taquela Haimanot; re-
« spondeo: Quero estar aqui. Disselhe o anjo: Nao he esta vossa
« parte, ide a terra de Ethiopia e dai o habito de frade aos que
« volo pedirem, porque nao virao a vos senao os escolhidos pera
« o ceo. Pello que se tomou pera Ethiopia, trazendo consigo aquelle
« homem que resucitou ; e chegando a Tigre terra de Ethiopia, dissc
« aquelle homem ao Santo : Padre, daime habito de frade, que de-
« termino servir a Deos. Respondeolhe nosso Padre: Podereisvos
« com os trabalhos dos Santos[?]. Disse elle: Vosso Deos, que pode
« tudo, me dara for^as ; pollo que Ihe deu o habito e Ihe pos nome
« Araiacagahu, e perseverou sempre com muita santidade. Depoes
« deu o habito a muitos e edificou muitos mosteiros na terra de Tigre,
« que ate oie se chamao de seu nome ; e dali foi outras duas vezcs
« visitar os luguares santos a Jemsalem, e na ultima Ihe disse o pa-
« triarcha Abba Michael, que nao tornasse mais, senao quc assentasse
« em algum luguar do deserto, pello que vindo a Tig^e subio ao
« mosteiro do monte Damo e tomou a bengao do Abbade Joanni e
« dali foi a hum monte, que se chama Cantorar, onde ieiuou 40 dias,
« e determinou estar ali, porque a terra era deserta; mas apare-
« ceolhe o anjo de Deos: Que cuidais, Taquela Haiman6t[?]. Esta
« parte nao he vossa: depoes morarao aqui muitos filhos vossos.
« Ide a Abba Jesus e fazei o que vos disser.
« O dia seguinte muito cedo foi como o anjo Ihe mandou e
« chegando a borda da alagoa, nao achou embarca^ao e passou por
« sima da agoa, chegou a Abba Jesus, que se alegrou muito de o
f. 278. « ver, e Ihe *perguntou quem Ihe dera capello e Azquema. Respondeo
« que Abba Joanni do monte Damo. Disse elle : Poes daime a mim
« capello e Azquema, porque deseio recebelos de vossas santas maos ;
« e Taquela Haimanot Iho deu. por Ihe ter mandado o Anjo que
« fizesse o que elle Ihe dizesse. E assi a serie de nossos Santos he
« esta: A Abba Antonio deu habito de frade o anjo sam Mig^el.
« Abba Antonio deu o habito a Abba Machario, Abba Machario
572 HISTORIA. DE ETHIOPIA
* o deu a Abba Pacomio, Abba Pacomio o deu a Abba Aragaoi ;
I este veio a Ethiopia e deu habito a Abba ChristQs bezana ; este
< o deu o Abba Mascal moa, e este o deu a Abba Joanni, e este
< o deu a Abba Jesus e a Abba Taquela Haimandt e depoes Taquela
1 HaimanSt deu capello e azquema a Abba Jesus como dissemos.
i;. In AmharA re- . Despediose Taquela Haimanot de Abba Jesus e foi a terra
Dadi serpentem mi- " ^e AmharS, e chegando a Arabiha achou ali hiim monte alto, que
raem«Knnuiiiiiis,qui , gg chama Dada, onde subio com seu discipolo Araicairahu e achou
ab incolis utl Deus ^ *
habebatur, sIkdo cru- « huma serpente niuito graode, e abrindo ella a boca quis ingnlir
^gi^prinM^egi^ * ^° Santo, mas elle fes o sinal da Crus e ella se fes em tres pe-
nismultiqaedeplebe, t, dacos ; e mandou a seu discipolo que medisse sua compridao e
fidem Cbnati ample- . j t,
cnmctuT. SeoA denuo * achou que era de 175 covados. Depoes veio a gente da terra,
n^ini^Miimii ™ae^ * ^^^ adorava aquella serpente e achando a nosso padre fazendo
mones compeacit et * orai^ao Ihe disserao : como subira alli e se botara fora a serpente
aibi «b Abuna obJa- * que elles adoravao; respondeo, que subira polla vontade de Deos
tam recuaat. Plura ^ ^ ^ j^g^ botara fora a serpente, senSo que a matara com a vir-
alia Bigna ab eo pa- ^ r ■ -i
ttata. 4 tude de Deos, que seu discipolo Iha mostraria. Forao todos com
« elle e ficarao maravilhados e perguntarao ao discipolo como a
t matarao. Respondeo que seu mestre fizera o sinal da santa rnis
« e logo morrera ; com o que tiverao grande medo e forao ao Rei
« da terra e Ihe disserao que estava no monte hum frade mui fer-
j moso *e que matara a serpente que adoravao. Foi el Rei com (
a elles e chegando disse a nosso Padre de longe: Homem de Deos,
» daime Iiceni;a pera chegar. Respondeo o Santo : Vinde ; e che-
« gando Ihe fes reverencia e pedio que Ihe ]an<;asse sua bengao.
« Disse o Santo : Nao vos hei de benzer, sem saber que fe tendes.
* Respondeo elle ; Tenho nome de christao, mas adorava esta ser-
« pente, e ouvindo romo a matastes com o sinal da crus, entendi
« que Deos esta com vosco, e por isso vim pera fazer o que me
« mandardes. Disse o Santo : Quando deixardes de adorar ao de-
« monio e fordes bautizado no nome de meu Deos, entao vos ben-
• zerei. Respondeo elle: Bautizaime. Padre, e daime bencao. Desceo
1 entao o Santo ao rio Zoha e benzendo a agoa o bautizou a elle
« e a tres mil homens, afora molheres e meninos, e deulhes a co-
t munhao e mandou que fizessem igreia sobre o monte onde matou
» a serpente, a honrra dos 4 Evangelistas, que esta ategora.
« Estando aqui Taquela Haimanot ouvio huma vos do ceo que
« Ihe disse : Taquela Haimanot, ide a terra Ceoa. porque ficarao
t poucos dos fieis que ali aiuntastes, visitaios e ensinai a fe como
I
LIVRO II, CAPITULO XIX. 573
< prinieiro, e ali sera vosso sepulchro, e vossos filhos se multipli-
€ carSlo como as areas do mar e estrellas do ceo, e ediiicarseha
€ em vosso nome hum mosteiro como Hierusalem, e vosso nome
« sera ouvido em toda a terra. Chamou entao o Santo toda a
« gente da terra e disselhe: Eu vou onde me manda meu Deos.
« Guardai seus mandamentos, pera que acheis bem na alma e corpo,
« e meu filho Araecagahu seia vosso paj em meu lugnar. Ouvindo
« elles isto chorarao muito e seu discipolo Ihe pedio com muitas
« lagrimas que o levasse consigo; mas disselhe o Santo: Por man-
« dado de Deos vos deixo. Esta he vossa parte pera sempre : e dei-
f. 279. « xoulhe sua '*'crus e seu baculo, dizendo que avia de ser paj de
« muitos religiosos e com isto se despedio de todos e endereitou seu
« caminho pera Ceoa, e por todas as partes que passava ensinava a
« f e e dizia : Fazei penitencia, porque se chega o reino do ceo ; be-
« maventurados os que crem no filho de Deos, bemaventurados os
« que chorao seus peccados, porque elles serSlo salvos dos tormentos.
« E ouvindo sua palavra, se bautizarao muitos. E chegando o Santo
« a Ceoa, deu o habito de frade a 16, e entre elles a hum seu
« primo filho de hum irmao de seu paj. Depoes indo com hum seu
« dicipolo ao longo de huma alogoa, saio della hum espirito ma-
« lino e come^ou a atormentar seu discipolo ; fes entao nosso Padre
« o sinal da crus dizendo ; Sae, espirito mao, de meu filho ; e fugio
« logo delle, e querendose tomar a meter na agoa, fes o santo o
« sinal da crus e ficou na borda sem poder entrar. Chegou nosso
« Padre e pegando delle disse : Porque vos atrevestes a entrar em
« meu filho[?]. Como vos chamais? Respondeo: Porque me parecia
« que ereis como os outros homens : meu nome he Bahara Alcam.
« Perguntoulhe nosso Padre se queria ir com elle, ou ficar onde pri-
« meiro estava; respondeo: Como fizestes o sinal da crus, perdi meu
« poder; ia nao posso entrar onde estava. Levouo entao consigo
« Taquela Haimanot e circuncidouo e levandoo a huma ig^eia Ihe
« pos por nome Christos hareio (scilicet Christo o escolheo) e de-
« poes de ser\'ir alli algum tempo, Ihe deu habito de frade e foi
« amado de Deos toda sua vida ate que morreo e entrou no reino
« dos ceos.
f.279,v. « *Pouco tempo depoes veio a Ethiopia o Abuna Joao, e man-
« dou chamar a Taquela Haiman6t, e o queria fazer Bispo e entre-
« garlhe a metade de Ethiopia; mas elle nao quis dizendo que a
« hum homem peccador como elle nao convinha tal dignidade e
574 HISTORIA DE ETHIOPIA
« depoes de estar tres somanas, tomou a bengao do Abuna e tomou
« a sua casa, e convertendo a hum filho de hum feiticeiro teve
« grande paixSlo o paj e aiuntou muitos feiticeiros e vierSo pera
« matar ao Santo huns gritando como ussos e outros como leoes
« e como caes ; mas saindo o santo entrou no meio delles e disse
« em alta vos: Em o nome de Deos a quem adoro mando que vse
« abra a terra e engula a estes obradores de maldade; e logo se
« abrio e os ingulio. O que se devulgou em toda a terra de Ceoa
« e receberao sua doutrina com muito amor ate a terra de Gue-
« rarea. Tambem vierao a sua porta muitos demonios gritando. com
« que tiverao grande medo seus discipolos, e saio o Santo e fes o
« sinal da crus e fugirao dizendo: Envergonhastes nos; e estando
« depoes em ora^ao, veio a elle huma serpente de dous cornos e o
« quis ingulir, mas fazendo o sinal da crus, se abrio poUo meo e
« ficou ali morta. Chamou logo a seus discipolos e mandou que a
« medissem, e tinha setenta covados, e afirmou a seus discipolos
« que Christo Ihe mandara que Ihes dissesse que todo aquelleque
« matasse serpente em 5* feira ou em domingo Ihe seriao perdoados
« os peccados de 40 annos.
« Estando doente hum principe, a quem nosso Padre tinha con-
« vertido, e chegando a hora da *morte, disse : Veio a meu padre f. 280.
« Taquela Haimanot e vos outros nao o vedes. Gra^as a Deos que
« mo mostrou; e morreo logo, estando entao nosso Padre longe dali.
« Tambem testemunhao muitos santos que visita a seus filhos na hora
« da morte; e todas as almas que chamao por elle, seiao devotos
« ou peccadores, vao a elle, porque a do iusto nao entra em sua
« heranga ate chegar a elle, e como o ve grita aquella alma di-
« zendo : Meu Padre, meu Padre, e elle risponde : Eis aqui vosso
« padre, e entao chega a elle e depoes entra em sua heran^a ; nem
« e alma do peccador levao ao inferno sem chegar primeiro a nosso
« Padre, e quando chega grita dizendo: Meu Padre, meu Padre, e
« como elle a ve, se acha alguma boa obra, como chamar pollos
« Padres antigos ou por elle, roga a seu Deos, conforme ao con^
« seito que tem e a fas ir a vida eterna.
18. Ingravcscente « Sendo ia velho Taquela Haimanot e nao podendo andar de
iam aetate, insolitu- , . . . j r. . r -,
dinem concedit, ubi * huma parte a outra insmando a le, como custumava, les no de-
parvula inclusus ca- ^ serto huma casinha tam baixa e estreita, que nao bastava mais
sa, incredibiJes cor- ^
porisafflictationessi- « que pera poder estar em pe, e pos na parede 8 pregos de ferro
tandem°confectuir * ^^^ ^® pontas muito, agudas pera a banda de dentro, de maneira
t..
IJVRO II, CAPITULO XIX. 575
« que duas pontas Ihe vinhSlo a dar nas costas, duas nhuma ilharga suosque ad charita-
« e duas na outra e duas no peito ; e assi esteve dentro em pe sem Angelis in coelum
« se encostar a huma ou outra parte muitos annos, sem comer nem recipltur.
« beber mais que os domingos algnmas hervas e agoa; com o que
« veio a Ihe apodrecer e cair hum pe, que seus discipolos tomarao
« e envolverao em hum pano e enterrarao na igreia perto do altar.
« Depoes esteve sobre o outro pe 7 annos e os 4 nao bebeo agoa,
« pello que veio a nao ter mais que a pelle pegada nos ossos Nisto
f.28o,v. « veio a elle N. Senhor Jesu Christo e com elle nossa Senhora *e
« quinze Profetas, 12 Apostolos e muitos Santos do ceo vestidos
« de lus e disselhe: Como estais, meu amigo Taquela Haimanot?
« Vim oie pera vos levar ao descanso e alegria que nao tera fim.
« Digo vos de verdade que a todo o que em vossa lembranga der
« esmolas e chamar vosso nome, perdoarei, nao s6 a elle, mas seus
« descendentes ate 10 gera^oes, e ao que edificar igreia em vosso
« nome eu Ihe edificarei no reino do ceo, e ao que escreve ou fas
« escrever o livro de vossos milagres, crendo, eu escreverei seu
« nome no livro da vida, e ao que receber algum hospede em vosso
« nome eu o receberei quando vier a mim ; e ao que der de comer
« e beber em vosso nome eu Ihe darei de comer do pao da vida
« e a beber da fonte da sangue que saio de meu lado, e todo o
« que fizer vossa festa com alegria eu o assentarei comigo no iantar
« de mil annos ; e o que offerecer a igreia incenso, vinho e azeite,
« eu aceitarei sua ora^ao e perdoarei seus peccados; e ao que vi-
« sitar vosso sepulchro, eu o primiarei como se visitase meu se-
« pulchro de Hierusalem. Respondeo nosso Padre : Gra<;as vos dou,
« Senhor, que me fizestes tantas merces: nao sao por meus mere-
« cimentos, senao por o amor que tendes aos homens. Onde man-
« dais, Senhor, que seia enterrado meu corpo ? Disselhe o Salvador :
« Aqui sera enterrado ate 57 annos e depoes caira esta casa e vossos
« filhos edificarao aqui pera huma banda hum grande mosteiro em
« vosso nome e a elle tresladarao vosso corpo, e eu serei guarda dos
« que ali estiverao e ouvirei suas ora<;oes e aos que morrerem neste
« deserto de vossos filhos contarei com os martires. E dizendo
« isto Ihe deu pas beijandoo tres vezes, e subio pera o ceo com
« gfrande gloria.
f. 281. € Mandou logo Taquela Haimanot aiuntar todos *seus filhos:
« Eis aqui, chegou a festa das bodas : aparelhaivos pera ir com ve-
« stidura de boda e nao seiais como o que nao vestio vestidura de
576 HISTORIA PE ETHIOPIA
« boda. Quem nao veste vestidura de boas obras nao ha de entrar
« na boda celestial ; porque me disse oie meu Senhor Jesu Christo
« que he chegado o tempo de minha morte e que algxms de vos
« outros hao de ir comigo. Ouvindo isto seus discipolos, alguns se
« alegrarao, outros chorarao por se aver de apartar delles, e nosso
« Padre os exortou ao desprezo do mundo e de suas cousas e en-
« carregou que se amassem huns aos outros, porque o amor do espi-
« rito fas limpa a carne e alma; e que se guardassem isto seriao
« de verdade seus filhos ; e ordenou que El^a ficasse em seu luguar
« e Ihes fosse pai. Dizendo isto, se Ihe agravou muito a doenga e
« a noite 27 de agosto entrou huma lus e cheiro tam grande e suave
« que levava o cora^ao, e apaeceolhe Christo nosso Senhor com sua
« Maj e s. Miguel e sam Gabriel e 24 sacerdotes do ceo com tu-
« ribulos nas maos e muitos anjos com candeas; e vendo nosso
« Padre ao Salvador, o adorou pondose de joelhos como se tivera
« saas ambas as pernas. E disselhe o Salvador : O meu amigo, todos
« vossos trabalhos estao escritos em Hierusalem. E dizendo isto
« saio a alma do corpo de Taquela Haimanot e a recebeo Christo
« N. S.**' e disse: Alma limpa, vinde a mim; e subindo, cantavao
« os anjos: Quein trabalhou no mundo viva pera sempre. Este he o
« dia, que fes o Senhor ; gozemonos e alegremonos nelle. E assim
« o levarao e entrou em sua heran^a pera sempre, e deulhe o Sal-
« vador a vestidura que o anjo Ihe tinha mostrado com a lingoa de
« fogo que falava da divindade, e as sete coroas, por rezao de sua
« f e e outras virtudes. Viveo neste mundo 103 annos e 40 dias.
« Ficarao todos seus filhos chorando e amortalharao o corpo e
« o enterrarrao cantando como he custume dous sacerdotes ; e tres
« dias depoes morreo hum *diacono primo de nosso Padre por nome f.28i,v.
« Amd Mascal, e o amortalharao e levarao a enterrar, e depoes de
« acabar o officio dos defuntos bulio, e assim abriao a mortalha e
« perguntarao que fora aquillo. Respondeo: Morri, como vistes e
« foi levado diante do Senhor da verdade e dali me levarao a nosso
« Padre Taquela Haimanot e vio com tanta gloria que a nao pode
« declarar lingoa humana ; e sua coroa resplandecia mais que o sol
« sete veses e mandoume que vos disesse: El^a venha a mim c
« Phelipe fique em seu luguar, porque em seu tempo se manife-
« starao em toda a terra minhas cousas. E dizendo isto tornou a
« sair a alma de seu corpo, e o enterrarao, e dali a tres meses
« morreo Elga, e seus discipolos puserao em seu luguar a nosso
LIVRO II, CAPITULO XIX. 577
« padre Phelipe, como Ihes tinha mandado, e nelle se mostrou a
« graga de Taquela Haimandt, porque delle sairao 1 4 pastores, que
« manifestarao e fizerao fjfuardar a fe.
» A ora^ao de nosso Padre Taquela Haimanot mestre honrrado
« nos livre da forpa do inimigo e das cousas roins em todo o tempo
« e em todas as horas. Amen ».
Ate aqui sSo palavras da Historia de Taquela Haimanot, em xg. Sententia Au-
que nao faltao coussis apocrifas, como as ha em muitas de suas hi- ctom^istortim^eam
storias ; e se elle foj santo, como tem por muito certo todos os *ca*«re fabulis et er-
, ronbus, uti ferc om-
Ethiopes, bem se ve que Ihe acrescentarao algumas piores pera nes Aethiopum libri,
acreditarem seus erros, como sao que quando se foi a ordenar de ^^^ cxemplis pro-
missa, disse ao Patriarcha Guerlos que fizerao outra fe e outro cu-
stume da igreia bautizando os meninos antes de os circuncidarem
e que o Patriarcha Ihe deu bengao e disse : « Porque tendes zelo de
cousas de Deos como Elias profeta de Israel, aveis de ser novo
apostolo » ; e depoes que o ordenou de missa, o fes prior de todas
as terras de Ceoa e Ihe deu pera isso seus poderes. Isto parece que
acrescentarao pera acreditarem a circuncisao, a que os mais delles
f. 282. estao sobre maneira aferrados, e pera *que a gente popular nao
deixe de se circuncidar, poes aquelle, a quem todos tem por grande
santo, dis que he fazer outra fe bautizar os meninos, sem os cir-
cuncidar. Tambem aquella fabulosa patranha, que, indo pcrto de
huma alagoa, saio della hum demonio e, entrando em seu discipolo,
o comeQou a tormentar, o que vendo Taquela Haiman6t, fes o si-
nal da Crus, com que logo fugio o demonio, e querendose meter
na agoa, tornou a fazer o sinal da Cruz e ficou na borda sem poder
entrar, e chegando Ihe perguntou se queria ir com elle, ou ficar
onde primeiro ; e respondeo : « Como fizestes o sinal da crus, perdi
meu poder : ia nao posso entrar onde primeiro » ; e assi o levou Ta-
quela Haimanot e o circuncidou, e depoes de servir algum tempo,
Ihe deu habito, e quando morreo foi ao ceo. A isto me respondeo
hum frade dos de Taquela Haimanot que o que estava na alagoa
nao era demonio, senao homem feiticeiro e por arte do diabo mo-
rava dentro da agoa ; mas o nome que Ihe da a Historia, que [he]
Ganen, nao quer dizer senao espirito maligno; e se nao fora tal,
mal podia entrar no discipolo de Taquela Haimanot, nem dizer
elle : « Sai, espirito mao, de meu filho », como alli se conta.
Nao he de maravilhar que acrescentassem isto, porque muitas
veses o fazem em seus livros, pera depoes provai seus erros ; e
C Beccari. ^*r. s4e/A, Seript» occ* tned. — II. 73
578 HISTORIA DE ETHIOPIA
ainda nos santos Concilios, e quando no livro dos Santos achSlo
palavras contra elles, as tirSo, como fizerao no mosteiro de Ag^um
do reino de Tigre, que, porque o padre patriarcha Andre de Oviedo
tirou daquelles livros algumas autoridades, com que refutava seus
erros, se aiuntarSlo muitos frades e rasparSLo tudo aquillo que Ihes pa-
recia que erao contra elles. E pouco depoes que eu vim fui ver aquelles
livros pera o mesmo effeito que o padre Patriarcha, e hum frade
meu amigo me contou isto e me mostrou em muitas partes raspado ;
que, como os livros sao de purgaminho, facilmente o fazem. Tambem
depoes que eu aqui estou *em hum livro, que chamao Haimanot f.282,^
Abbo, que quer dizer < fe dos Padres », e tem grande autoridade
entre elles, estava que o Espirito Santo procede do Padre e do
Filho, e rasparao esta palavra « e do Filho », e no Concilio Niceno
acrescentarao < Procede do Padre e nao do Filho » e muitos delles
defendem isto pertinazmente.
CAPITULO XX.
Em que se trata do mosteiro que chamao
D6bra Libands.
Muito celebres conventos de grossas rendas e grande numero
de frades ouve antigamente em Ethiopia, mas poUos estragos que
nella fizerao os Mouros, em tempo de hum capitSlo que veio do reino i. Praecipua mo-
Adel, que chamavao Granhe, a quem matarSo os Portug^eses que J^^t^V^u^ctoHs
qua entrarao com dom Christovao da Gama o anno de 1541, como «rant: Biz4n, AbbA
^ Quariin4, DagA, Ca-
dissemos no fim do pnmeiro livro, e pella destrui^ao que depoes nA, Debra Maryam,
fizerao huns gentios, que chamao Galas, que tem tomado grande q^^ ettiatempore
parte do imperio, muitos mosteiros ficarao de tudo acabados e ou- GrAnh neque opibus,
,. , . , 1, /* nequc monachorum
tros tam perdidos, que em respeito do que antes erao nao Ihes ficou numeroaequeflome-
ia quasi mais que o nome. Os que ainda tem algum sao, o de Bi- ^i^V «^ pnscis tem-
san da familia de Abba Stateus, que esta no reino de Tigre, hum
dia de caminho do porto de Ma^ua, e, sinco ou seis dias de caminho
dali polla terra dentro, o que chamao de Abba Guerima, e como
2 legoas e meia deste outro de Ag^um de frades de Abba Taquela
Haimanot. Estes mosteiros ainda nao tem a 3^* parte dos frades
que antes tinhao ; e na alagoa de Dambia entre outras ilhas estao 3,
que se chamao Daga, Cana e Debra Mariam, e em cada huma del-
las seu mosteiro tambem de Abba Taquela Haimanot; e no reino
de Gojam hum, que se chama Dima e perto deste outro dos da fa-
f. 283. milia de Abba Stateus, *que chamao Debra Ore, e outro Calalo. Os
demais, que sao muitos, deixo por nao terem tanto nome, e porque
58o HISTORIA DE ETHIOPIA
nao pretendo tratar senSlo do mosteiro de Debra Libanos e do de
AUeluia, de que fa[la]remos adiante, por serem os mais famosos que
ouve nunca em Ethiopia.
a. At prmcipem Debra Libanos (que entre todos os mosteiros deste imperio teve
locum obtinebant ... v .. . • j t -t
monasteria Libands sempre o primeiro luguar) quer dizer « mosteiro do Libano »,
et AUeid. Ethimoio- porque Deber quer dizer njosteiro, ainda que tambem significa
claratur. Libands si- moute, e assim ao monte Tabor chamSo Debra Tabor, e ao monte
m^tere^oxiisaUo^ Olivete Debra Ceit; antes alguns tem pera sy que Deber pro-
extructum fuit ab priamente significa monte, mas porque ordinariamente edificao
AbbA Exechiaa, 57 _^, . ^ . ^ j . . u
annos ab obitu Ta- em Ethiopia os mosteiros nos montes, daqui veio a chamarem
in E^Mia ei' *^***^! tambem ao mosteiro Deber, e quando querem dizer o mosteiro
viae asservantur. de tal parte acrescentao esta letra « a » e dizem Debra, como
omniamonasteriare- quer que seia Debra Libanos he o mesmo que mosteiro do Libano.
gionis, ex multis ca- -£sik situado na chapada de huma serra grande e forte do reino da
sulis rotundis, quae ^ ^
mediam habent Ec- Xaoa e, segnndo affirmao agora os frades delle, o edificou hum frade
por nome Ezechias 57 annos depoes da morte de Abba Taquela Hai-
manot ; o que tambem testifica sua historia, porque no fim della se dis
que, estando pera morrer, Ihe apareceo Christo N. S.°' e elle Ihe per-
guntou onde mandava que se enterrasse seu corpo e que Ihe disse o
Salvador: « Aqui sera enterrado ate 57 annos e depoes desto tempo
caira esta casa e vossos filhos edificarao aqui pera huma banda hum
grande mosteiro em vosso nome e a elle tresladarao vosso corpo,
e eu serei guarda dos que ali estiverem ». E dizem os frades que as-
sim foi e que depoes hum Emperador *fes a igreia muito maior por ^.283,^.
ser sepultura de Taquela Haimanot. Mas o edificio deste mosteiro
nao he como o dos mosteiros de nossaEuropa; porque cada frade
vive em casa sobre sy e ordinariamente as casas sao mui pequenas,
redondas e cubertas de palha, de modo que fica mosteiro da feicjao
de huma aldea; e assim sao todos os demais mosteiros de Ethiopia;
mas alguns tem ^erca aroda e della pera dentro nao podiao an-
tigamente entrar molheres ; mas agora em poucos mosteiros se
guarda isto.
3. Qui numerus Do numero dbs frades, que avia antigamente naquelle mosteiro,
olim incoluerit ex ^^^ falao suas historias, nem elles sabem dar rezao, somente me
sola traditione re- disserao alcfuns velhos e o que agora he como seu Geral, que pri-
sciri potest ; tempore ° . . .
Auctoris non erant meiro avia naquella comarca muitos mosteiros soieitos a este, e que
amplius quam 40. r ^ ^ j. ^ a. ■» *i
Non redditus sed ^^ irades de todos estes senao 10 mil ou mais: porem o numero
arva ipsa inter mo- certo dos que estavao dentro da serca do mosteiro nao o sabiao.
nachos abAbbate -txat.a.i
distribuuntur. Mo- Por onde parece que quando dizem que Debra Libanos tmha nove
LIVRO II, CAPITULO XX. 581
ou des mil frades, nSlo se entende que todos estes morassem dentro. nachorum propin-
... , Qui quid iure haere-
da cerca do mosteiro, senao que contavao tambem os que estavSo 2ita^a acquircre va-
nos mosteiros que aroda delle Ihe erao soieitos. Nem quanta renda icant.
tinha sabem agora, somente dizem que Ihe derao os Emperadores
muito boas e largas terras e dellas tomava o Abbade do mosteiro
certa por^ao e as demais repartia pollos frades, de maneira que
cada hum sabia quais erao suas terras e as fazia lavrar e recolhia
o mantimento em sua casa e dali comia e vestia e gastava no que
Ihe parecia bem ; mas que aos mancebos, em quanto o Abbade Ihes
f. 284. nao sinalava terras, elle Ihes dava de comer em sua *casa a todos
iuntos em huma mesa e elle em outra, mas atravessada entre am-
bas huma cortina de maneira que nao viao comer ao Abbade. Este
mesmo modo guardao todos agora ; e quando morre hum frade, se
deixou algum fato que elle ganhou por escrever ou ensinar mini-
nos ou por outra via, que nao seia do que renderao as terras que
comia do mosteiro, o herdao seus parentes, e as terras com o de-
mais tomao ao mosteiro ; porem, se o frade deixou filhos (como
muitas veses socede) e algnm delles quer ser frade, este leva as
terras e o demais fato que pertencia ao mosteiro.
Quantos frades residao agora em Debra Libanos nao querem
declarar, nao dizem mais de que poucos ; so hum disse que seriao
40, e se ouver tantos sera muito, porque aquellas terras estao ia
quasi desertas pollas correrias, que continuamente fazem os Galas,
que entrao por ellas todas as vezes que querem, sem resistencia
nenhuma, e matao quantos achao ; pollo que os frades se vierao
pera o reino de Gojam e pera outras partes, sem ficarem naquelle
mosteiro mais que 40, e pode ser que menos, e estes por ser aquella
a sepultura de seu fundador e luguar forte, que de outra maneira
ia la nao estivera hum.
Deste mosteiro Debra Libanos trata diflFusamente frei Luis de 4. Refenmtur so-
Urreta po cap. 3 do livro que intitulou Historia de la sagrada Or- ^^^ monasterium et
d€ des Predicadores en lo remotos reinos de la Ethiopia; e na pa- P^^cis refutantur.
gina 35 o chama Plurimanos e dis que o fundou Taquela Haimanot
pera os Ethiopes que tinhao professado a religiao de S. Domingos
f.284,v. asima do gran *lago Cafates donde nace o Nilo entre a lagoa e os
montes da Lua no reino de Malemba, terra tam fertil que o Preste
Joao edificou perto do mosteiro huma cidade imperial pera seu assento,
averia 30 annos quando elle escreveo, que foi no de 161 1; e que a
chamou Zambra, e que o mosteiro he tam grande e sua architectura
582 HISTORIA DE ETHIOPIA
de maneira que tem mais de 80 dormitorios e em cada hum 1 20, 1 50
e nalguns 200 celas, e no cabo delles esta a igreia mor e no outro
cabo o refeitorio, mas em cada hum igreia propria e casa de No-
vi^os. De dormitorio a dormitorio ha sua crasta, porque todo e
edificio he em quartos baixos. Cada pano he de mais de 500 passos
e de roda tem duas milhas. Os dormitorios tem sua cerca com que
se fechao de noite e de hum ao outro nSo podem ir sem licenQa.
Ha portaria comum de todo o convento e tem serca que o devide dos
hortos e iardins. No refeitorio estao as mesas como nos nossos e
tem de comprido mais que duas milhas; ha des pulpitos, onde lem
10 lectores sem que se impidao huns aos outros, e todos ouvem
muito bem. De tres a tres mesas ha seu partidor e ianella que saie
a cozinha, na qual ha cozinheiros sinalados pera cada tres mesas
e seus servidores sinalados pera ellas ; e assim todos come^ao iuntos
e acabao iuntos o comer; e nos dias da somana vai ao choro da
igreia mor do convento hum dormitorio hum dia, e outro dormi-
torio outro dia por ordem, e os demais dormitorios cada hum acode
a igreia propria de seu dormitorio ; mais os domingos e festas todos
iuntos *vao ao choro mor e ha lugnar bastante. A igreia tem mais f. 285.
de 600 passos de comprido e conforme a compridao he a largura e
altura. Dentro das sercas do convento ha todos os officios necessarios
ao servi^o da casa, como alfaiates, Qapateiros, tejeloes, carpinteiros,
ferreiros, pedreiros e lavradores.
Ate aqui sao palavras do Autor, mas tudo he huma mera ficQao
tragada em seu entendimento ou no do que o informou. Porque no
convento Debra Libanos nem em outro de Ethiopia ha tal modo de
edificio, nem repartimento de dormitorios, como elle pinta, senao
casinhas redondas, huma afastada de outras, como assima dissemos ;
nem se aiuntao a comer em hum refeitorio ; cada hum come em sua
casa, e aos mancebos, que sustenta o Abbade, em quanto nao Ihes da
terras, ainda qne comem iuntos, nao Ihes lem a mesa, nem sabem
que cousa he pulpito, que nem nas igreias o tem; porque nunca
pregao, e se algum frade fala alg^ma cousa a modo de pratica,
assentasse em hum banquinho e ainda isto rarissimamente o fazem.
Nem fundou o mosteiro Abba Taquela Haimanot, senao outro
frade por nome Ezechias, 57 annos depoes da sua morte ; nem
foi pera frades da Ordem do glorioso S. Domingos, porque, como
provamos assima no cap. 17, nem ha oie nas terras do Preste
Joao frades de *sam Domingos, nem memoria de que os ouvesse ^.285,^.
LIVRO II, CAPITULO XX. 583
nunca; nem o mosteiio esta fundado perto da lagoa por onde
passa o rio Nilo (que elle nSio nace de lagoa, como dissemos no
cap. 26 do primeiro livro), senSo alguns 8 dias de caminho desta
alagoa. Nem em quantas terras senhorea o Preste JoSo ha reino que
se chama Malemba, nem tal cidade de Zambra, como tambem mo-
stramos no fim do cap. 20 do primeiro livro. E pera que declare-
mos tudo em huma palavra, quasi nenhuma de quantas escreve sobre
as cousas deste mosteiro Debra Libanos diz com a verdade do que
antigamente ouve nem oie ha.
CAPITULO XXI. (I)
Da funda^ao do convento da Alleluia.
Depoes do convento Debra Libanos, que, como temos dito, he «• Monasterium,
de frades de Abba Taquela Haimanot, o mais famoso em numero Hallel6, situm est in
de frades que ouve antiguamente em Ethiopia foi Debra Hallelo, ^s^o Tigrt super
* verticem montis pro-
que quer dizer « mosteiro da AUeluia », de frades de Abba Stateus, pe flumen MarAb et
1 r 1 • • • • j o incolitur a monachis
de quem falamos assima no principio do cap. i8. ^^^^ Statftus. Tem-
Esta este mosteiro no reino de Tigre em huma serra muito po^e Auctoris, qui
illud invisit, vetus
alta perto do rio Marab ; tudo arroda sao serras altas e montuosas, scclesia et casae nu-
e os valles tam quentes e doentios que nSo se atreve a cfente a ««'oCoodirutaemo-
^ ^ ° nachi vero ad decem
morar nelles senao nos altos, e dali decem aos lavrar. Tambem la- numerabantur.
vrao nas serras em algumas partes que o sitio da luguar.
No mais alto daquella serra esta o mosteiro, cuios edificios
antigos forao como os que assima dissemos de Debra Libanos, ca-
f. 286. sinhas redondas afastadas *huma de outra. Eu as fui a ver, porque
nao esta mais que hum dia de caminho de nossa igreia de Fremona,
e quasi todas estao caidas ; pareceme que seriao como seis centas.
A igreia antigua, que era dedicada a Nossa Senhora, ia ha muitos
tempos que tambem esta caida. Medi o vao della, porque ainda apa-
recem os alicerces, e tirha 132 palmos dc cumprido e 105 de largo.
Dentro deste circuito fizerao outra muito pequena, mas bastante
pera os frades de agora, porque ali nao residem mais que 10, e ss-
(i) In codice ms. legitur XXII, sed evidenter error irrepsit.
C. Beccasi. Her. Aeih, Scripi* occ, ined. — II. 74
586 HISTORIA DE ETHIOPIA
gundo elles me affirmarSLo, estarSLo 20 nos mosteiros e igreias soieitas
a este convento. Pergunteilhes quantos frades estavao ali antigua-
mente : responderao que nem o declaravSlo seus livros, nem elles 0
sabiSLo, mas que sempre ouvirSo dizer que erao muitos. Mostraraome
hum livro antigo que tratava das cousas daquelle mosteiro e, onde
fala de seu fundador, dis desta maneira.
a. Narratur brevi- « Abba Samuel natural de Maraba em Tamben (esta he huma
tervitaAbbASaxnuel, • • ^ • ji «^» Avr*ji>« t ji a-li a^a
quimonasteriumere- * provmcia do remo de Tigre) foi dicipolo de Abba Antonz, que
xerat, ex quodam li- ^ estava em Maedaro (isto he no meio de Tigre) no mosteiro Amba
bro, quem Auctor a ^ "
monachis commoda- « Tambuc e ali fes grandes penitencias. De dia trabalhava e de
tum a uit. ^ noite estava metido em huma pouca de agoa com huma pedra
« as costas; tomava muitas diciplinas e sempre trazia cilicio; e de-
< poes de estar ali muito tempo, pedio licerKja a seu mestre e se
« meteo s6 poUos desertos, onde achou hum liao todo branco que
« com rosto alegre o foi guiando poUos matos *ate chegar a huma (M.y
« serra alta, onde desapareceo e querendo elle passar adiante a ver
« se achava algum sitio melhor, Ihe disse Deos que tornasse e ali
« fizesse seu assento e edificasse igreia, porque o avia de fazer paj
« de muitos santos, e dali a pouco se Ihe forao iuntando muitos de
« divcrsas partes e Ihes deu regra e modo de viver, e o primeiro
« que Ihes encomendou muito foi o silencio, depoes a uniao entre
« sy, que fossem como membros de hum mesmo corpo, que se aiudao
« huns aos outros, e nao se queixa o pe porque o nao fizerao ca-
« be^a. Dcpoes destribuio os officios e fes huma igreia em que tia-
« balharao todos com grande fervor e deva^ao.
« Huma 2^ feira, depoes de pascoa de Resurei^ao, se meteo
« em hum aposento, onde esteve em pe encostado a huma parede
« fazendo ora^ao sem comer nem beber 50 dias ate o Spirito Santo,
« e chegando hum seu discipolo aquelle dia, Ihe disse que fosse a
« igreia. Respondeo que nao podia, que o levasse polla mao, e fa-
« zendoo elle assim, achou que os vestidos das costas estavao co-
« midos de bichos e as carnes ate os ossos. Vendo isto, come<;ou
« a chorar alto, e disselhe que se calasse, e dali a pouco o vio
« sao e mandoulhe que nao descobrisse aquillo ate depoes de sua
« morte ». Outras muitas maravilhas conta alli delle. E depoes dis
assim. « Sabendo que se Ihe chegava a hora da morte, perguntou
« a Christo N. S.""^ que faria a seus discipolos, e respondeolhe que
« Ihes desse ben^^ao, que ia era tempo de ir pera elle, e assim
« deu muitas ben^oes aos que estavao presentes, e logo *adoeceo f'-^'
LIVRO II, CAPITULO XXI. 587
« e mandou que viessem os absentes. Depoes Ihe apareceo hum
« anjo, e Ihe disse que sinalasse outro em seu lugnar, e feslhcs
« huma pratica em que Ihes encomendou as cousas que deseiava que
« giiardassem, e Ihes sinalou por mestre a Za Jesus, e em dizendo
« isto espirou. E decerao muitos anjos em compania de Nossa Senhora
« a receber sua alma e David hia diante della cantando : • Pretiosa
« in cospectu Domini nostri mors Sanctorum eius ' ».
Mais adiante dis o livro ; que Abba Antonz mestre deste Abba
Samuel mostrou de longe a seus discipolos esta serra que aparecia
com magestade, e Ihes disse que seu nome era Hallelo e Ihes pro-
fetizou tudo o que depoes socedeo.
Isto he o que eu achei naquelle mosteiro, mas depoes de al-
gum tempo quis que Ihes fosse a perguntar de novo hum homem
da terra, de quem me fiava, e disseraolhe que o numero dos frades
que avia antiguamente o nao sabiao, mas que ouvirao dizer que ao
redor da igreia antigua estavao 1230 casas de frades. Outros dis-
serao que 4000; e que as igreias soieitas a este mosteiro erao 91 ;
e que avia doze frades que ouviao as demandas e visitavao em lu-
guar do Abbade; e que quando hum destes visitava as terras, o
acompanhavao mil frades, e quando o Abbade hia com algum ne-
gocio ao Emperador, o acompanhavao 1 50 frades de mula com al-
bornozes; mas que a renda que tinhao nao se sabe, porque a cada
frade davao certas terras de que comia e gastava em suas ne-
cessidades.
f.287,v. *Frei Luis de Urreta na Historia Eihiopica que fes de sua 3. iterum alia
sagrada Religiao no cap. 4 dis que fundou este convento da AUe- crrwT^^hoc monaatc-
luja fr. Bertolameu de Tivoli natural de Italia, frade da Ordem de «um refutantur.
s. Domingos. A causa foi que, consagrandoo em Roma em Bispo,
deraolhe o titulo de huma cidade chamada Dangala na Nubia,
a qual provincia confina com Ethiopia da parte do Norte, e por se-
rem estes Nobis antiguamente christaos e naquelle tempo aver la
algum rasto da fe e religiao christaa, determinou como bom pastor
acodir a suas ovelhas, e assim se partio de Roma o anno de 1330.
Em tanto no tempo que o santo Taquela Haimanot edificava o con-
vento de Plurimanos, levou em sua companhia dous religiosos sa-
cerdotes e dous irmaos leigos de sua mesma ordem, e chegando a
Hierusalem visitarao os santos lugnares e dali passarao a Nubia,
onde elle e seus companheiros converterao muitos infieis mouros e
gentios, e reduzirao innumeraveis christaos. Vendo o santo Bispo
588 HISTORIA DE ETHIOPIA
tam copiosos frutos, determinou edificar hum convento da Ordem,
que servisse de seminario de Pregadores apostolicos, que doutri-
nassem aquelles povos. Mas nSo achando na Nubia sitio a propo-
sito, por ser esteril e falta de agoa, particularmente onde elle re-
sidia, foi a ver hum sumptuoso templo que estava perto dentro de
Ethiopia no reino de Tigre Mohon, do qual era fama pubblica e
ti adi^ao recebida que o edificou a rainha *Sabba, quando tomou de f. 2h^.
Jerusalem, e he tra^ado em figura de crus em significapao do mi-
sterio da Santa Crus que Deos Ihe revelou.
A terra onde estava este templo era fructifera e vigosa, cheia
de arvoredos fermosissimos e de esmaltes e artificiosas la^adas de
rios e fontes, poUo que Ihe agradou muito ao bom prelado, e assim
mandou hum dos sacerdotes, que se chamava Florencia, com hum dos
irmaos ao Preste Joao, que era Phehpe 8, e pediolhe de merce
aquelle templo e o termo necessario pera a funda^ao do convento. 0
Preste Joao com grande amor e vontade Ihe deu o templo e quanta
terra fosse necessaria, nao s6 pera a casa senao pera os jardins, hortos
e sementeiras pera sua sustenta^ao e mandou que se Ihe pagassem
todos os gastos do edificio, porque teve por grande misericordia de
Deos, que quisessem edificar mosteiro em seu senhorio, vendo que
erao frades Dominicos, aos quais de tempos passados tinhao muita
devagao em Ethiopia ; acuderaolhes tambem os Religiosos de Plu-
rimanos como irmaos e filhos do grande Padre sam Domingos; e
em particular Ihes foi unico padroeiro s. Taquela Haimanot.
Com tam bom despacho folgou muito o Bispo e come^ando elle
por sua mao a abrir os alicerces do mosteiro, se ouvirao no ar vozes
angelicas que com suave armonia cantavao Alleluja, Alleluja, e por
este tam protentoso milagre Ihe ficou o nome de Alleluja.
Estara do convento de Plurimanos mais de 700 *legoas, porque U^^-^-
no meio delles esta quasi toda Ethiopia, e tem este convento 7000 re-
ligiosos, e sua cerca nove milhas de roda, e a fora do convento
principal estao tambem dentro della outros seis, cada hum de mil
e mais religiosos com todas suas officinas e edificios necessarios,
igreias, crastas, dormitorios, refeitorios, cozinhas e as demais cousas
que se requerem, e em cada convento ha prior e superior e os de-
mais officiais.
As festas de s. Domingos vao todos os conventos em pricisao
a igreia da AUeluia, onde cantao os officios divinos e depoes cada
comunidade se torna a seu convento. Os dias que nao sao de festa
LIVRO II, CAPITULO XXI. 589
cada convento por sua ordem canta hum dia as horas canonicas na
igreia da Alleluja, ficando os outros mosteiros em suas proprias
igreias. Alguns dias comem todos iuntos em hum refeitorio que tem
pera isso mui grande da mesma sorte desposto que o do con-
vento Plurimanos. Dentro da serca do convento de Alleluia ha
muitos bosques e muitos despovoados, onde avera mais de 100 her-
midas com frades hermitaes ao modo dos do conventos de Plurimanos.
Dis mais o Autor pag. 68, que do convento da AUeluia e de
Plurimanos fazem os frades cada anno missoes a reinos de Mouros
e gentios e tambem da Ethiopia, e que o seguinte dia depoes da
festa de todos os Santos nomeao os Priores os que hao de ir, e
dizem a que reino e cidade e a companhia que cada hum ha de
levar e acustumao de ser os nomeados mil e quinhentos e 2 mil.
f. 289. *Os do convento da Alleluia vao a Nnbia ao reino de Borno e a
outros reinos ate o Cairo e os Arabios. Os do convento de Pluri-
manos vao pregando por todos os reinos de Congo, Angola, Anzi-
cana, Baramas e as muitas provincias que ha no cabo de Boa Espe-
ran^a ate os montes da Lua, que he no reino de Monomotapa,
Maitagazo, Sofala, Arneta, Tibut, Sibit e outras muitas provincias,
e tambem pellos reinos que estao pella costa do Oceano Oriental
ate o Mar Roxo, que sao ao pe de mil legoas.
Durao estas missoes 7 mezes e muitos abrazados com o zelo
da honrra de Deos e bem do proximo estao annos na missao, pas-
sando ate as Indias orientais e chegando ao reino de Siam, Pegu,
e ao gram reino da China, e sao mais de 3000 legoas de ca-
minho. O que confirma pag. 73, dizendo que nos papeis que tra-
duzia estava escrito que no convento de Plurimanos se achavao
escrituras antigas, que referiao que pelos annos de 1390 ouve frades
Dominicos que forao pregando ate a China e que alli forao marti-
rizados pellos gentios.
Tambem dis pag. 88 que achou escrito em huma relagao que
se deu a sanctidadc de Gregorio 13, que no mes de novembro do
f.289,v. anno de 1580 estava na pracja *principal da cidade de Meca grande
multidao de mouros ouvindo a hum seu que Ihes pregava, e que
a sacjao chegarao alli dous frades Dominicos do convento da Al-
leluia, que hiao pregando e comprindo a obediencia de sua missao;
e vendo aquella gente que ouvia tantos disparates e a perdigao de
tantas almas, animados com o esfor^o que o amor divino Ihes dava,
romperao por entre a gente com suas cruses nas maos e desmen-
590 HISTORIA DE ETHIOPIA
tindo ao infernal Alfaqui desenganavao a todos do erro em que
estavao a que se hiao ao inferno. Acodirao outros muitos Alfaques e
amotinarao a gente contra os religiosos e assim os prenderao e le-
vavao com grande grita ao carcere ; mas achandose ali mais de dous
mil mercadores dos reinos de Africa dos que acustumao asse [szc~\
aposentar no convento da AUeluia, a quem os padres daquella santa
casa tinhao obrigado com boas obras passando por ella, e conhe-
cendo que erao do convento da AUeluia, arremeterao por entre a
gente com mao armada e tirarao os religiosos e levarao a seu bairro
que he cercado, e alli os defenderao, dizendo que aquelles religiosos
erao da AUeluia, onde hospedavao os mercadores que ali estavao,
sem a qual ospedajem e religiosas esmolas era impossivel chegar
as mercadorias a cidade de Meca. Com isto e outras rezoes iulgou
*o Xeque ou governador poUa quieta^ao de todos que fossem logo f. 290.
da cidade desterrados, e assim o fizerao, dandolhes os mercadores
gente que os guardassem ate que estivessem fora de perigo.
Ate aqui sao palavras do Autor, em que nao ha cousa que nao
seia mera fabula; porque primeiramente nao fundou o convento da
AUeluia fr. Bertolameu de Tivoli natural de Italia, senao Abba Sa-
muel natural do reino de Tigre, como assima vimos ; nem o con-
vento he de frades de Abba Taquela Haimanot, se nao de Abba
Stateus ; nem no tempo que frei Bertolameu partio de Roma, que
dis foj no anno de 1330 e tantos, edificava Abba Taquela Haima-
not o convento de Debra Libanos, a que elle chama Plurimanos,
poes, como vimos no fim do cap. precedente, nao o edificou senao
o outro frade, que se chamava Ezechias, 57 annos depoes de morrer
Taquela Haimanot; nem o templo estava edificado em crus, como
assima vimos, nem podia dar terras pera o convento o Preste Joao
Phelipe 8, porque, segundo me affirmou o emperador Seltan Qagued,
nunca ouve qua Emperador deste nome; nem se chama convento
da Alleluja, senao pollo que affirma sua historia que disse Abba
Antonz a seus dicipolos. E ia ha annos que nao resi*dem neste con- f.29o,v
vento mais de 10 frades, e nao sete mil, como elle dis; nem do
numero certo dos que avia antigamente ha oie memoria, porque
nem suas historias o declarao, nem os mesmos frades sabem dizer
mais que o que assima referimos.
Os edificios do mosteiro tambem pintou como quis, porque nunca
ouve tais repartimentos, senao casinhas redondas, afastada huma de
outra commo dissemos.
LIVRO II, CAPITULO XXI. 59 1
Tambem he falso o que dis das missoes que fazem cada anno
os frades destes conventos as provincias que nomea, porque nSo
somente nSlo forflo la nunca, mas nem o nome dellas sabem. E se-
gundo me aflBrmou o emperador Seltan Qagued, nunca passarflo do
reino de Narea de que falamos assima; e dali ao cabo de Boa Espe-
ran^a, onde elle os fas chegar, ha matos e desertos infinitos habi-
tados de fieras que se nSo podem passar. Quanto agora nem huma
legoa de sua casa irSo a confessar se nSo acharem premio. So hum
frade vi que andava entre huns gentios, que estao no reino de
Gojam, insinando; e por isso, como cousa rara, Ihe faziSio [su'] muitas
honrras e favores o emperador Zadenguil; mas depoes deixou o
habito e andava em hum fermoso cavalo muito bem vestido de se-
cular, e disse diante dc mim a huns homens grandes, que comendo
f. 291. *e bebendo nSo se podia estar sem molher.
Aqui tambem poem o Autor os montes da Lua no reino de
Monomotapa, e porque JoSlo Botero os pos no mesmo reino, dis
elle na pag. 298 do primeiro tomo que devia de desvariar com al-
guma febre; e alli e na pag. 246 os poem em Gojam e affirma que
delles nace o rio Nilo. Ao que dis, que nos papeis que truduzia
estava, que no convento de Plurimanos avia escrituras antigas, que
referiao como frades Dominicos forSo a pregar ate a China, re-
spondo que os frades daquelle convento nao sabem dar rezao de tais
escrituras, nem que ouvesse nunca em Ethiopia frades de sam Do-
mingos. como ia dissemos. Nem he niuito que achasse naquelles
papeis esta patranha, poes, come affirma pag. 8, tambem estavao
assinados pollo mestre de Novicjos do convento da Alleluia fr. Mar-
cos natural de Floren^a e frei Miguel de Monrrojo e frei Matheu
Caravajal do mesmo convento filhos de Hespanhoes, e toda via,
como vimos no cap. i7,nunca ouve alli tais frades. Quanto ao que
dis que achou na rela^ao, que se deu a santidade de Gregorio 13,
que dous frades de s. Domingos do convento da Alleluia entrarao
em Meca e desmentirao ao Faqui etc, la em Roma saberao desta
Rela^ao. O que eu ouvi a muitos mouros, estando cativo 8 dias
de caminho dentro das portas do estreito de Meca, he que naquella
cidade nao deixao entrar christao de nenhuma maneira e esta posta
f.29i,v. *pena de morte, e se entra algum incubertamente e o achao, o
matao sem nenhuma remissao ; por onde mal aviao de deixar entrar
frades com seus habitos e cruses nas maos, e se toda via quiserem
affirmar que aquelles entrarao e que a informacao he certa, re-
592 HISTORIA DE ETHIOPIA
spondo que ao menos duas cousas achamos qua patentemente fal-
sas: huma que fossem frades de sam Domingos do convento da
Alleluia, porque nelle nunca ouve frades de sam Domingos ; outra
que os mercadores mouros que dos reinos da Africa vao a Meca
passem pollo convento da AUeluja, e se agazalhem ali. Nem pode
ser maior disparate que este, como o veremos. He verdade que
destes mosteiros vao os frades em romaria a Hierusalem e alguns
passao dali a Roma, mas em missOes a pregar, como elle dis, nao
ha tal cousa.
Do modo com que agazalhao aos mercadores no convento da
Alleluia trata o Autor difusamente pag. 6i, e dis que este con-
vento he a chave quasi de toda Africa,porque todos os que vienen
ao poente della pera contratar no Cairo e nas Arabias e todos os
Mouros que vao a casa de Meca e os mercadores de Monicongo,
Borno, Biafara e outros muitos reinos, que ali nomea, ate os de
Fez, Marrocos e os da gran Libia inferior nao podem caminhar a
Egypto nem ao grao Cairo, nem visitar a casa de Meca, sem passar
pello convento da Alleluia; porque o demais *he inhabitavel. Entre f- 292.
mercadores e passageiros e gente de servi^o serao 10 mil homens
os que vao e levarao carregados 4^5 mil camelos 6 mil machos,
3 mil jumentos. Antes de chegar ao convento da Alleluia pasao
mais de 20 iornadas sem achar gota de agoa, e depoes do convento
atravessao quasi outras tantas sem ella, e assim Ihes he for^ado
deteremse ali; e os religiosos os recebem com muita charidade e
dao estrebarias pera todas suas azemalas e comida pera ellas de
datiles, cevada e outros graOs e a elles hospedao em hospedarias,
que pera isso tem de grande capacidade, e Ihes dao camas e comida
de pao, came, arros e fruta; e com todo o demais necessario, e
aos que vem doentes, os levao ao hospital. E isto sem enteresse al-
gum. Todos estes mercadores e passageiros sao mouros ou Judeus
ou gentios e estao ali 4 ou 6 dias, onde se provem de agoa e das
cousas necessarias pera sua sustenta^ao, e tudo se Ihes da de graga,
mas sompre elles dao aos religiosos das mercancias que trazem e
Ihes tem muita devagao e chamao santos e a s. Domingos respei-
tao muito, porque vem que os Religiosos o reverenciao chamandoo
Padre, e em quanto ali estao, Ihes pregao e insinao, com o que muitos
delles se convertem a fe de Christo.
Isto he em suma o que ali dis frei Luis de Urreta ; mas nao
pode ser fabula *mais fabulosa; porque nem passa, nem passou f.292,v,
LIVRO II, CAPITULO XXI. 593
nunca tal cafila de mercadores poUo convento da Alleluia, como
affirmSo os mesmos frades e eu de 19 annos a esta parte posso
testemunhar que nem vi, nem ouvi tal cousa, com estar parte deste
tempo na residencia que temos hum dia de caminho deste mosteiro,
nem ali ha sinal de tais estrebarias e agazalhados, nem em todas
aquellas terras ha huma palmeira, quanto mais tanta abundancia de
datiles que os dessem as azemolas, antes por grande presente os
trazem os mouros ao Emperador de Arabia e algumas outras par-
tes; e muito menos se acha arros, porque o nao ha em quantas
terras senhorea o Emperador. Ja hospital onde metessem os doentes
mouros e Judeus da quella cafila mal o poderao ter, poes nem ainda
pera os christaos o ha em toda esta Ethiopia; nem sao tao faltas
de agoa, como elle dis, as terras arroda do mosteiro, que por qual-
quer parte que se va a elle em bem de legoas nao se achara hum
dia de caminho sem agoa, senao for vindo do reino que chamao
Dequin ; mas deixando tudo isso, que maior disparate pode ser que
affirmar que pera irem ao Cairo e a Meca, os mercadores das Ara-
bias, de Monicongo, Borno, de Fez, Marrocos e da Libia Ihes seia
forcjado de toda a maneira passar pollo convento da Alleluia, por-
f. 293. que aviao de rodear muitas centenas *de legoas e passar por grandes
desertos e vastissimosm atos[?J. E pera que o leitor milhor veia isto,
declararei em que parte do reino de Tigre esta o convento, demar-
candoo por algum porto do Mar Roxo ; que pera falar iustamente
por graos, nem qua temos instrumentos pera poder tomar a altura,
nem cousa em que o ver. E o porto que vem mais a proposito he
o de Ma^ua, que comummente chamao Dalec, porque a alfandega
de Magua estava antiguamente em outra ilha que se chama Dalec.
Vindo poes do porto de Magua pera o convento da AUeluia, se ca-
minha quasi ao Oessudueste, se falaremos como os mareantes, que
he muito mais pera a bando [sic] de occidente, que peraadosul;
e se caminharem bem, chegarao em quatro dias e se davagar, em
sinco. Quanto o reino que elle ehama Borno, conforme ao que dis
em quantas partes fala delle, nao pode ser, senao o que qua chamao
Dequin, e aos naturais delle Bal6us, e este reino fica muito mais perto
do Cairo que o convento da AUeluia, de maneira que quem vem
de Borno pera este convento, nao vai pera o Cairo, antes se afasta
delle e torna pera tras ; por onde em tudo quanto aqui dis o autor
se enganou muito.
C. Beccari. /\er. Aeih, Scrt^f, occ, ined, — II. 75
CAPITULO XXII.
£m que se declara quam sem fundamento contou frei
Luis de Urreta entre os Santos de sua sagrada Re-
ligiao os frades de Ethiopia, cuias vidas refere no
segundo Tomo.
f.293,v. *0 que principalmente pretende frei Luis de Urreta no 2° Tomo i. Compendio rc-
de sua Historia Ethiopica, he mostrar que a Religiao do glorioso 1^^^ ^ctonim
ae-
s. Domingos tem muitos e prodigiosos santos nas terras que se- ^iopum ex ordine
8. Dominici ab Ur-
nhorea o Preste JoSo : e assim, come^ando a tratar de suas vida[s j reu confictas, eas-
na pag. 129, dis: « Trahido nos ha la coriente y discurso de la biUas*™»? amYndal
« Historia a lo que tanto deseava, que es escrivir las heroicas vidas ^^ paucis demon-
« e prodigiosas maravilhas de aquellos ilustres y gloriosos Santos
« divinos fenizes de la Ethiopia, soles que hermosean y alumbran ol
« cielo estrelado de la Religion del glorioso Padre s. Domingo.
« Solo a esto fin corria esta prolixa narracion ; a solo este blanco
« mirava ». E na pag. 105 affirma che s6 nesta terra de Ethiopia
ha mais martires que em todo o restante da Religiao de s. Domin-
gos ; com serem os que ha tido muitos milhares, e ainda mais quo
todas as Religioes iuntas, pera que os maxtires dos dous conventos
Debra Libanos e da Alleluia chegao ao numero de trezentos mil. Mas
pera que se veia claro quam sem fundamento poem entre os Santos
de sua sagrada religiao os frades destes conventos, que elle cano-
niza por tais, referirei aqui brevemente algumas cousas dcis muitas
que conta delles, deixando a vida de Abba Taquela Haimanot,
por que elle come^a, porque a pusemos assima no capitulo 19.
596 HISTORIA DE ETHIOPIA
2. vita beati fn Come^ando poes por fr. Phelipe, cuja vida poem no cap. lo,
scipuf^TaclA Hail ^is delle pag. 169, que he santo martir e filho de hum Rei cha-
man6t, xnuncrc su- mado Glariacos em Ethiopia e que como chegou *aos annos de f- 294-
premi fidci inquisi-
toris insignitus, ct descri^So o levarSo seus paes el Rei e a Rainha com grande acom-
Hs^^^uT^*^ miracu- panhamento ao convento de Debra Libanos, que elle chama Pluri-
manos, pera que recebesse o habito de s. Domingos e que Iho
deu o santo padre Taquela Haimanot com grande contentamento,
conhecendo por espirito profetico os grandes thesouros que a divina
misericordia tinha guardados naquelle menino, e que aos 16 annos
de sua idade, depoes de alguns de noviciado, fes profissSlo nas mSlos
do prelado o santo Taquela Haimanot com grandes afFectos de de-
va^ao e a seu tempo recebeo as ordens da mao do Patriarcha de
Ethiopia chamado Jacobo e disse a primeira missa no convento
Debra Libanos, e quando alevantou o ss."** Sacramento, o virao
todos subir no ar mais de dous covados e estar o corpo suspenso
em alto; o que elle nao advertio nem soube ate que o Prior Iho
disse, perguntandolhe o caso; e depoes quando avia de dizer missa
(da maneira que a seu mestre Taquela Haimanot) decia hum anjo
a Ihe ministrar e aiudar a ella, trazendolhe do ceo o pao e o vinho,
que avia de consagrar e assistia todo o tempo que durava aquelle
santo sacrificio. E mais adiante pag. 179 dis: Este glorioso santo foi
sinalado com o sinal santo da Crus por dous dedos de Christo na
morte do santo Taquela Haimanot, e Ihe socedeo no priorado e
iuntamente no ofiicio e dignidade de inquisidor apostolico, como o
foj Taquela Haimanot, e o sao todos os priores do convento Debra
Libanos e o de Alleluia. *Sendo ia inquisidor, socedeo que hum Rei f.294,v.
christao, cuio reino estava perto do convento Debra Libanos, soieito
ao Preste Joao, casou publicamente com duas molheres e vivia com
ellas, sendo escandolo publico a toda Ethiopia. Acodio o santo in-
quisidor a isto e iuntandose com o Patriarcha e alguns religiosos
em huma igreia, o mandou chamar e o reprehendeo e amea^ou com
excomunhOes e que faria que o Preste Joao o privasse do reino, se
nao deixasse a manceba e ficasse com a legitima molher; e nao
aproveitando nada isto, o excomungou depoes na igreia, apagando
candeas e tangendo campainhas e mandando dar noticia disto ao
povo. Emfadouse tanto disto el Rei, que aiuntou logo a gente de
seu paQo e com grande ira foi a igreia, onde estava o conselho
da Inquicigao, e comecjando as cutiladas, fugio o Patriarcha e o In-
quisidor com seus religiosos saindo algims feridos, e foraose pera
\
LIVRO II, CAPITULO XXII. 597
outro reino ; mas nao Ihe faltou ao Inquisidor modo pei a fazer fixar
a excomunhao del Rei nas igreias e lug^ares publicos de sua corte ;
e nem isto bastou pera que nao perseverasse em seu peccado tres
annos, com o castigar Deos nao dando chuva em todo este tempo
naquelle reino. Pello que S. Phelipe iuntou hum g^ande exercito
dos luguares soieitos a Debra Libanos com intento de Ihe fazer
guerra como a scismatico. Vendo el Rei que hia com tam grande
f. 295. exercito e emxergando em seus vassalos que nao Ihe aviao *de aiu-
dar, mandou embaixador ao santo Inquisidor dizendo, que se escu-
sassem as mortes que de for^ado avia de aver na giierra e que
iulgasse o Preste Joao, que elle estaria polla sentencja. Veio nisto
o Inquisidor e foj ao Preste Joao e el Rei mandou seu procurador,
que era hum frade apostata, e ouvindo o Preste Joao a hum e ao
outro, deu senten^a, mandando a el Rei, que logo deixasse a 2* mo-
Iher, com que estava amancebado. Castigou dali a pouco Deos ao
frade procurador del Rei, cobrindoo de lepra e morreo comido de
bichos ; o que vendo o povo e conhecendo que era castigo de Deos,
se come^ou a amotinar contra el Rei e negarlhe a obediencia ; poUo
que el Rei dissimulando mandou dizer ao Inquisidor que fosse pera
o absolver e quietar seu reino e que faria o que Ihe mandasse. Pa-
receolhe ao santo Inquisidor que falava de cora^ao e assim foi com
seus companheiros ; mas como chegou a el Rei, mandou despir ao
santo e que o amarrassem a huma columna e que o acoutassem; o
que fizerao seus criados, de maneira que ficou como morto e por
tal o entregarao a seus frades para que o enterrassem. Mas levan-
doo a Debra Libanos quis Deos que tornou e convaleceo. Sabendo
isto el Rei scismatico, foj com soldados ao convento e achando a
todos desapercebidos, entrou em busca do Santo, e achandoo na
igreia prostrado diante do ss.™** Sacramento encomendando sua alma
ao Senhor, mandou que assim como estava o matassem as panca-
f.295,v. das; *e no ponto que saio sua alma do corpo, se ouvirao no ar
doces musicas e suaves cantigas. Foj seu martirio a 4 de novembro,
e neste dia se celebra sua festa em toda Ethiopia.
Estas e outras cousas dis o autor naquelle capitulo, que deixo 3. De beato patre
por nao cansar ao leitor, no que nao fas a proposito, e poUa mesma nasticam vitomMoI
rezao nao referirei mais que em summa o que difusamente fala dos f«w«a «^*> TaclA
demais frades de Debra Libanos. b\is, supemis visis
No cap. 1 1 trata o autor de Elija e dis que foi Inquisidor e "^* «^^"^^^" <^i»~«^-
natural da famosa cidade de Saba, filho de Reis soieitos ao Preste
598 mSTOKIA DE ETHIOPIA
Joao, e que sendo de lo annos pedio o habito ao santo Taquela
Haimanot, e Iho derao com grande gosto, porque Ihes constava
que erao chamamentos divinos, e chegando aos annos, em que avia
de receber o caracter sacerdotal, se tinha por tam indigno de tao
alta dignidade, que foj necessario que o santo Taquela Haimanot
Ihe mandasse por obediencia que se ordenasse e depoes antes de dizer
a primeira missa, pedio licenga pera se ir aparelhar ao Ermo, onde
esteve 40 dias com suas nojtes sem comer nem beber, posto sempre
em fervorosa ora^ao, na qual foj levado em espirito ao ceo, onde
vio e ouvio cousas misteriosas ; e estando em seu rapto la no
ceo, celebrou sua primeira missa cantando os anjos e servindo de
ministros e padrinhos os 24 velhos tam celebrados no Apocalipsis,
vestidos de branco com coroas de ouro nas cabegas e harpas nas
maos com suaves perfumes. Tambem *o santo prior Taquela Hai- f. 296.
manot foi no mesmo tempo arrebatado ao ceo e se achou presente
a missa nova e gozou daquella musica e suavidade. Depoes o mandou
chamar o Prior e perguntandolhe onde tinha estado, nao se atrevia
a descobrir as merces que N. Senhor Ihe tinha feito, ate que o
santo Prior Ihe disse, como se tinha achado presente no ceo a sua
missa nova, mas que com tudo isso queria que a cantasse no con-
vento o dia seguinte e que desse a comunhao a todos os religiosos
conforme ao custume de Ethiopia, e chegada a hora se revestio e
querendo o samchristao aparelhar as hostias e o vinho, disse elle :
Nao he necessaria esta diligencia que por outros serao mais dig^a-
mente providas. E logo apareceo visivelmente diante de todos o
archanjo s. Gabriel, que trouxe hostias pera todos os que aviao
de comungar de pao mui branco, e iuntamente vinho; e nao s6
aquella ves fes isto o anjo. senao sempre que o santo El<^a avia
de celebrar. Quando alevantou o ss."** Sacramento, se alevantou no
ar sinco covados com admira^ao de s. Clara e os mais que estavao
presentes, e nao s6 nesta missa, mas em outras muitas Ihe socedeo
o mesmo.
Depoes do glorioso martirio de s. Phelipe foi feito prior de
Debra Libanos e foi este santo hum dos que Christo N. S.**^ sinalou
com seus dedos na testa com o sinal da santissima crus em pro-
nostico de que avia de ser Prior; o qual cargo governou 40 annos
e era tam grande sua sanctidade *que o Preste Joao o escolheo por f.29^
seu confessor e fes tam bem seu officio e com tanta satisfa^SLo de
toda Etiopia e gosto do Emperador, que de entao ate estes tem-
LIVRO II, CAPITULO XXII. 599
pos ordinario he confessaremse os Prestes JoSes com os frades de
Debra Libanos. Forao muitos os milagres que obrou em sua vida,
e vendose ia velho e cansado, huma noite da assump^Slo da Vir-
gem sacratissima, estando em ora^ao, pedio a Deos com muitas la-
grimas o levasse pera sy, e estando nesta fervorosa peti^ao, Ihe
apareceo Nossa Senhora e Ihe disse que se alegrasse que daquelle
dia a hum anno deixaria esta miseravel vida, subindo a gozar da
gloria do ceo. Com esta nova ficou elle mui alegre e gastou aquelle
anno em ora^ao e contempla^ao e, chegada a hora derradeira de
sua perigrina^ao, estando os religiosos iuntos, Ihes fes huma pra-
tica animandoos ao servicjo de Deos e a guarda de sua religiao, e
tendo recebidos com muita deva^ao os sacramentos da igreia, dia
da assump^ao de Nossa Senhora, acabou sua sanctissima vida, e
puserao seu santo corpo em huma caixa de ouro guamecida de
pedras riquissimas iunto ao glorioso s. Phelipe e santo Taquela
Haimanot. Morreo aos annos de nossa redemgao 1416, sendo de
idade de 70 e tantos, avendo sido prior de Debra Libanos 40.
f. 297. E no cap, 12 refere frei Luis de Urreta *a vida de Abba Sa- ^.DcAbbASamucl
,,, r-*»j ^i- rjj j suprcmo fidci inqui-
muel e tambem o fas mquisidor apostolico e frade da sagrada re- sjtorc mira narran-
ligiao de s. Domingos e dis que foi natural de huma cidade chamada *"^-
Esumin soieita ao Preste Joao em Ethiopia. Seu paj se chamava
Estevao, e sua maj Isabel, os mais illustres daquella cidade. Aos
18 annos de sua idade recebeo o habito da ordem dos Pregadores
no convento Debra Libanos, e acabado o anno do noviciado fes
profissao e resplandeceo com muitas e grandes virtudes e obrou
por elle Deos muitos milagres. Estava huma ves assentado ao longo
de hum caudaloso rio dos muitos que nacem da grande lagoa Ca-
fates, os quais crecem como o Nilo e lendo pollo evangelho de
sam Joao com o ruido das agoas adormeceo e estando dormindo,
cresceo o rio, como o custumao fazer todos os que saiem daquella
alagoa; sairao as agoas dos limites ordinarios e entrando polla
terra cobrirao todos aquelles campos por todas as bandas e o Santo
ficou cercado de agoa muito alta, ficando feito como hum aposento,
servindo as agoas de paredes de cristal mais firmas que se forao
diamaes, e esteve ali ate que tornou a vazar a enchente, sem se
molhar seu vestido, nem o livro.
Depoes de estar alguns annos em companhia dos demais re-
ligiosos em Debra Libanos, pedio hcen^a a seu prelado e com
^fj;! hum companheiro que o quis seguir se foi a hum ermo mui afa-
0'
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6oo HISTORIA DE ETHIOPIA
stado, onde viverao em covas 40 annos, comendo ervsts cruas huma
ves ao dia e bebendo agoa, *e cada dia por espa^o de 3 horas f.^gr^.
estava arrebatado em espirito no ceo em companhia dos anjos, e
hum dos 24 velhos de que fas men^Slo s. Joao no Apocalipsis Ihe
dava a santa comunhao da Eucharistia. Socedeo huma ves que
cresceo a grande lagoa Cafates, como acustuma, e saio com tam
grande impito de seus limites ordinarios, que com estar o Santo
algfumas legoas afastado della, o alquan^ou e derrubou huma ca-
pella que ali tinha feita, e elle se recolheo a luguares seguros,
cm que se livrou da braveza e diluvio da agoa que tudo levava.
Depoes de recolhidas as agoas achou o Santo a capella derru-
bada e a alampada perdida, e foi a buscar outra a huma cidade
chamada Belasa, e pera ir a ella era necessario atravessar hum
lago de 10 milhas de largo, e fctzendo o sinal da Crus entrou na
alagoa e caminhou sobre as agoas como se fora terra firme. Tam-
bem quando hia por aquelles desertos e se achava cansado, chamava
ao tigre, ao leao, ao elefante e renocerote, e obedecendo acodiSo a
seu mandado e sobia sobre elles, como se forao mansos iumentos,
e proseguia seu caminho; e se chegava a algum rio dos muitos
que ha pollos montes da lua, chamava hum elefante ou renoce-
rote e sobre elles passava o rio.
Aos 40 annos de sua vida eremitica, Ihe apareceo hum anjo
e Ihe mandou da parte de Deos, que deixasse o deserto e fosse
*pregar a sua terra, porque tinha necessidade de seu insino. Obe- f- 298.
deceo logo o santo Padre e chegando la, fes gfrande fruto com
sua prega^ao, e correo de maneira a fama de sua santidade que
se Ihe aiuntarao muitos, deseiando imitar seu modo de vida, pollo
que Ihe foj necessario hum convento na cidade de Essumin, onde
deu o habito do glorioso Padre sam Domingos a mais de 400 no-
vi^os. Depoes, morrendo o Prior de Debra Libanos, o elegerao a
elle, e assim Ihe foi for^ado ir la, e foj recebido como hum ver-
dadeiro retrato de seu glorioso padre s. Domingos e governou
sanctissimamente aquelle convento ate que cheo de annos, que
chegou quasi aos 80, aos 12 de dezembro de 1430, trocou esta vida
mortal poUa immortal e bemaventurada.
5. Vita ct marty- No cap. 17 poem a vida e martirio de hum santo, que elle
rium bcati TaclA Va- , ^-i^^r^ jj-t- tvtt
yg^^ chama iacla varet e ouvera de dezir laquela Haureat, que quer
dizer « planta dos Apostolos » ; e diz que foi natural da cidade de Saba;
sua maj se chamou Jlena irmaa do Preste Joao, e seu paj foj grande
LIVRO II, CAPIXaLO XXII. 6oi
principe. E sendo de 8 annos se foj a Debra Libanos e pedio o
habito da sagrada religiao de s. Domingos, e os religiosos, por ter
noticia delle, Iho derao, avendo que era singular favor de Deos e
merce do ceo darlhes aquelle menino ; e logo comeijou a fazer huma
vida angelica; e chegado aos annos de receber o santo sacerdocio,
f.298,v. foj necessario mandarlho por obe*diencia, porque nao se tinha por
digno de tam inefavel dignidade; e depoes de ter vivido no con-
vento algxins annos com grande santidade e avendo feito muitos
milagres, determinou pedir licenga a seus prelados pera ir a morar
no deserto, e alquan^ada, fes nelle grandes penitencias e recebeo
grandes favores de Christo Nosso Senhor, e entre outros hum foj
que, em quanto esteve naquelle deserto, cada dia vinha hum anjo
e pondo ao santo sobre huma nuvem branca e transparente, era
levado a Hierusalem, onde com grande deva^ao visitava aquelles
higuares santos, onde se obrou nossa reden^ao; e com a mesma
nuvem tomava a sua irmida, por espago de mais de 900 legoas
de caminho.
Chegandoselhe o termo ditoso de tam santa vida, Ihe apareceo
Christo N. S.°^ e Ihe disse que saisse daquelle deserto e fosse pregar
a hum reino ali visinho, dandolhe novas que nelle seria martirizado
e que por meio do martirio iria a gozar da gloria. Foi elle logo a
comprir o mandado divino e, entrando naquelle reino, pregou com
grande fervor a doutrina evangelica e converteo muitos a santa fe.
E estando hum dia do nacimento de Christo dizendo missa, como
acabou de consagrar, chegou a Rainha daquelle reino e tomando o
calix, lavou os cabellos e testa com o precioso sangue de Christo
N. S.°^ Vendo o Santo hum atrevimento tam sacrilego, aceso com
zelo divino poUa honrra e reverencia do sangue de Christo, Ihe
f. 299. cortou *com humas tesouras os cabelos e raspou a fronte ate Ihe
sair o sangue. Saio a Rainha chorando e fazendo grandes extremos
e assim emsangoentada como estava se presentou diante del Rei
seu marido, que era homem mui colerico e arremessado, o qual,
vendoa daquella maneira, foi logo com grande ira a igreia onde
estava o Santo, e depoes de o deshonrrar com palavras iniuriosas e
descomedidas, mandou aos de sua guarda que o matassem, e assim
logo com espadas, alabardas e partezanas o fizerao em peda^os,
estando o Santo de ioelhos em ora^ao dizendo: « In manus tuas,
Domine etc. ». Em espirando, se ouvirao no ar doces cantigas de
anjos e tambem vierao anjos visivelmente e em riquos copos rece-
C. DECCAJti Rer. Aeik, Seri^i. occ, ined. — II, 76
6o2 HISTORIA DE ETHIOPIA
ber3o o sangue que corria de suas feridas. £ acabando de espirar,
virSo todos que se levantou seu corpo e foj levado pollo ar em
milos de anjos por muitas legoas ao convento de Debra Libanos,
onde os mesmos anjos o puserao em honrrada sepultura em que se
fizerao muitos mil^res, e cada anno dia de Natal, em que foi seu
martirio, desce hum anjo visivelmente em figura humana, e poem
no refeitorio lo cidras fermosissimas diante dos religiosos, os quais
dividem em meudas partes e se repartem pollos do piovo, e o Preste
JoSo quasi cada anno se acha presente a este milagre ; e refere Se-
rafino Rozi que Ihe iurou hum frade de Ethiopia que se achara
presente muitas vezes a este milagre e que vira decer as cidras e
comera dellas.
*XaO quis Deos que ficasse muito tempo sem castigo a maldade Um-
daquelle Rej, antes logo tornando pera sua casa com toda sua guarda
e seus intimos amigos, estando o ar claro e o ceo sereno, subita-
mente se toldou com nuvens mui escuras e cometjou a chover com
grande impito e com espantosos torvSes e relampagos e cairio
muitos corrisccs, que matarao ao sacrilego Rei e a todo seu cruel
acompanhamento, ficando seus miseraveis corpos abrasados e feitos
em cinza e suas almas nos tormentos eternos.
6. De a, Aiidrea Xo cap. 14 poem a vida de s. Andre martir e inquisidor
martyre.'' ' apostolico frade da ordem dos Pregadores e dis que sua maj foi
irmaa do Preste JnHo e seu paj hum principe dos mais illustres d(
Ethiopia e que chegando a idade de zo annos, foi ao convento Debr<
Libanos, sendo prior o santo martir Phelipe e de suas m3os recebet
o habito do glorioso padre s, Domingos, e logo come^ou com muitat
e fervorosas penitencias ; e nos 30 annos de sua idade foi promovid<
ao santo sacerdocio, o qual officio exercitou com tanta pureza f
fervor de espirito que muitas vezes celebrando o virSo alevantadc
da terra milagrosamente e outras muitas vezes o rodeavao anjos eit
quanto dizia missa e hum delles o servia aiudandoo no altar t
aparelhando a hostia e vinho que avia de consegrar. Achouse pre^
sente a morte do glorioso padre frei E\c/1, e diante de muitos Ih*
fes o sinal da Crus na testa, dizendo que avia de ser prior daquelh
convento, e foj assim, porque socedeo no priorado ao santo Samuel
e fes muitos milagres. *Huma ves, dizendo missa conventual, st
alevantou no ar a vista de todos e esteve tanto que veio muita gentt
a novidade do milagre e depoes deceo e acabou a missa, e era
tam grande a calma que todos estavao afligidos com a grande sed(
LIVRO II, CAPITULO XXII. 603
que padeciao, poUo que o Santo mandou trazer a agoa que tinhao
aparelhada pera a bebida dos religiosos, e langando sobre os calOes
a beuQao, se multiplicou de maneira que nao s6 bastou pera os que
ali estavao, mas sobejou pera todos os religiosos, e o que mais he,
que se mudou a agoa milagrosamente em precioso vinho, com o
que todos derao grapas a Deos que assim acode a seus servos.
Em hum reino dos de Ethiopia governava hum Rei, christao
de nome somente, por que publicamente vivia e estava casado com
duas molheres, e como o glorioso padre frei Andre era prior, socedia
no officio santo de inquisidor apostolico ; pello que foi onde estava
aquelle Rei e o reprehendeo com amor pera que deixasse aquella
vida infemal com que escandelizava todo seu reino; mas el Rei
nao fes caso daquellas amorosas amoesta^Oes e vendo o santo in-
quisidor sua obstina^ao, o comegou a reprehender com severidade
ameacjandoo com a iustiga divina e com a obriga^ao de seu officio ;
porem como este vicio libidinozo se encrudele^a mais quando mais
Ihe vao a mao, el Rei furioso mandou a hum de sua guarda que
logo ali matasse o santo Padre ; mas no ponto que o atrevido soldado
levantou o bra^o com a espa(]|i nua pera ferir ao Santo, Ihe caio
f.3oo,v. no chao o bra^o cortado e o triste *com este castigo se lan^ou aos
pes do Santo e com muitas lagrimas Ihe pedio perdao de sua culpa,
rogando que Ihe tornasse seu bra^o. Movido o santo Padre das
lagrimas, tomou o bra^o do chao e fazendo o sinal da Crus o pos
em seu luguar e ficou como se nao fora cortado ; mas nem com este
tam grande milagre tornou em sy, o malaventurado Rei, antes man-
dou a outro soldado, que logo Ihe tirasse a vida; o que elle fes fe-
rindo com huma espada ao Santo na cabe^a de maneira que Iha
abrio em duas partes e nomeando o docissimo nome de Jesus, deu
sua alma ao Senhor e com ser a ferida tam cruel, nao caio ne-
mhuma gota de sangue na terra, porque os anjos o recolherao e
embalsamarao o corpo do Santo com preciosos unguentos.
Nao deixou o Senhor clamar em vao o sangue de seu martir,
sem tomar o castigo, que o Rei tiranno merecia por suas culpas,
porque, sentandose elle em sua cadeira real, como ferido do ceo
caio desatentadamente no chao, e ficando com a cabecja fixa no chao
e os pes pera sima, esteve assim muito tempo sem poder mudar a
postura, por mais que o procurava ; pollo que parece que os demo-
nios o tinhao daquella maneira. Finalmente acabou sua miseravel
vida com grandes vozes e infemais angustias.
604 HISTORIA DE ETHIOPIA
7.Des.linauquae No cap. 15 trata de huma molher, a quem chama Jmata, funda-
Roxna in Aethiopiam . . . . » t r • -ni •■• ^* r--
venit cum novcm ^^^^ ^® *^""^ mosteiro de ireiras por nome Bedenagh ; e dis que 101
sanctis, ibique mo- beata da terceira ordem de sam Domincfos, e que saio de Roma em
nasterium monia- ^
lium tertii ordinis companhia daquelles 8 religiosos santos, que caminharSo a Ethiopia,
^Sf -SS como asstaa » dlsse. ChaMar^n. os Ethiope, .J„a..., que ,„er t. 30..
tradidit. dizer « serva de Deos », e por ser tam grande a openiao, que todos
tinhao de sua santidade, derSlo a todas as freiras por nome appel-
lativo Imatas, assim como em Hespanha e Italia as chamSlo sorores.
O mosteiro de freiras chamado Bedenagli, que fundou, esta entre a
gram lagoa Cafates e os montes da Lua, pouco mais de hum quarto
de legoa do convento Debra Libanos, onde se recolheo com 50 don-
zellas filhas de gente principal, que receberao o santo habito de
freiras dominicanas, e este numero perseverou no mosteiro ate sua
ditosa morte ; e logo foi elegida em prioressa do mosteiro a gloriosa
Zemedemarea, que quer dizer c Clara », em tempo da qual. com aiuda
de seu padre spiritual o santo Taquela Haimonot, cresceo o mosteiro
ate numero de 300 freiras, e depoes da morte de Taquela Haimanot,
socedendolhe no priorato s. Phelipe martir, com sua aiuda, chegou
o numero das freiras a sinco mil, e persevera ate o dia de oje o
mesmo numero. Estao os dormitorios, refeitorio e choro a traga do
convento Debra Libanos e se governa da mesma maneira, e assi he
facil de entender como huma prioressa pode governar tam grande
numero de religiosas. As professas e veladas vestem habitos brancos
e pretos e toucats brancas de algodam e sobre ellas hum veo preto,
que Ihes cobre o rosto ate os peitos e espaldas. Antiguamente nao
tinhao clausura, senao que saiao de casa, *mas agora a guardao ^.30^^.
com muita pontualidade por mandado do Geral da ordem dos Pre-
gadores, o mestre frei Vicente Justiniano.
As novi^as saiem fora a vender o que fazem as religiosas no
convento, porque humas tecem veos e toucas, outras tafetas, cor-
dillates e anascotes e fazem grande trato disto, e as toucas e veos
sao mui estimados dos Turcos e Mouros, e ainda os Turcos os prezao
por seus turbantes e assim os levao em mercadoria ao Cairo e
Alexandria. Sao estas religiosas de tam santo exemplo, que nunca
em Ethiopia se ouvio cousa de offenssa de Deos, nem ha socedido
escandalo nenhum, que he mais de estimar, daquellas boas religiosas.
Em tomando o veo nao falao com nimguem, ainda que seiao parentes,
nem os seculares Ihes podem ver o rosto, e assim nao tem locutorios,
e em suas igreias so entrao molheres.
LIVRO II, CAPITULO XXII. 605
Ate aqui sSo palavras de frei Louis de Urreta, em que, como
temos visto, suppoem por cousa muito certa e averiguada que estes
frades s^o da sagrada religiao de s. Domingos; mas enganouse
muito, porque assim isto, como tudo o mais que dis delles, he to-
talmente falso; poes, como temos dito por vezes e provamos assima
no cap. 17, Abba Taquela Haimanot, que (como elle mesmo aqui
affirma) Ihes deu o habito, nSo foi frade de s. Domingos, nem o
que dis, que frei Phelipe socedeo no priorado a Taquela Haimanot,
f. 302. he assim, porque nSo Ihe socedeo senao El<;a, *e este nao foi prior
40 annos, como o autor dis, senSio 3 meses, como se refere no fim
da historia de Taquela Haimandt, e depoes foi prior frei Phelipe.
Nem estes forao Inquisidores Apostolicos, nem outro nenhum prior,
porque nunca ouve em Ethiopia Inquisi^ao, nem sabem que cousa
he, e assim cada hum fala como quer nas cousas da fe, e cada dia
vem com novas heregias, sem aver prelado que acuda a isso ; nem
o Emperador pode com elles, ainda que a nossa instancia trabalha
por tirar seus erros e introduzir nossa santa fe. Do que se ve quam
fabulosa cousa seia o que dis de frei Phelipe, que por ter officio
de Inquisidor e nao Ihe querer obedecer hum Rei, que actualmente
estava casado com duas molheres, iuntou hum grosso exercito dos
luguares soieitos a Debra Libanos, onde elle era prior e foi contra
elle, nem ia Ihe fora bem notado, se iuntara tal exercito, porque
isso nao Ihe pertencia a elle, senao ao Emperador.
Quanto aos milagres que conta destes frades, nenhum pude
achar no Flos Sanctorum de Ethiopia, a que elles chamao Cenque-
^ar, mas disseraome que avia livro particular em que se tratava
dos discipolos de Taquela Haimanot; e este nao pude aver, pello que
f.302,v. nao refiro aqui nada delles , s6 digo que se a todos os que *o autor
conta se Ihe deve dar o credito que a alguns delles nenhum tem,
antes sao patentemente fabulosos, como aquelle que dis de Abba
Samuel, que estando assentado ao longo de hum rio, dos muitos
que nacem da alagoa Cafates, os quais crescem como o Nilo, e que
lendo poUo evangelho de s. Joao, adormeceo, e cresceo o rio, como
fazem todos os que saiem daquella lagoa, e sairao tanto as agoas
de seus limites, que cobrirao os campos, e o Santo ficou no meio
como em hum aposento, servindo as agoas de paredes, e esteve ali
ate se tornar a recolher a agoa sem se molhar seu vestido nem o
livro. Esta he fabulosa patranha, porque da lagoa que elle chama
Cafates (que nao a chamao senao Bahar, que quer dizer mar) nao
6o6 HISTORIA DE ETHIIOPA
nace rio nenhum, s6 o Nilo a travessa por huma ilharga, como dis-
semos no cap. 26 do primeiro livro, e nem ainda o Nilo cresce tam
subitamente em quanto vai pollas terras do Preste Joao {como alle
ima^na), antes tarda muito tempo em encher, e depoes que esta
de todo cheio, nSo espraia nada, porque sempre fas seu curso por
entre serras ou partes muito fundas.
Tambem he patentemente falso o que dis que cresceo huma
ves tanto a lagoa Cafates, como custuma e saio com grande impito
de seus limites ordlnarios que, com estar o Santo Samuel algumas
legoas afastado della, o alquani;ou e derrubou huma capella que
tinha feita e elle se a*colheo a luguares seguros, em que se livrou f- 303-
das agoas. Nao podia pintar o autor a este proposito milhor pa-
tranha, porque a enchente desta lagoa nSo he como a maree do
oceano, que em algumas partes enche com grande impito e alaga
muita terra, antes vai enchendo muito devagar cada dia hum pouc:),
e isto ainda depoes de bem entrado o inverno, e depoes que de todo
acaba de encher, por nenhuma parte espraia tanto que nao possa
hum homem quasi chegar tirando huma pedra com a mSo e quando
vai vazando, he tam devagar que cada dia se enxerga muito pouco,
de maneira que nao he como o mar oceano, que pella parte de
nossas terras enche e vaza em doze horas, senao que do principio
de julho comenga a crescer ate outubro, e dali por diante vai va-
zando muito devagar. Por onde mal podia a enchente da atagoa
denibar a capella de Abba Samuel, estando afastada algumas legoas
della. Deixo o que afirma que, quando hia pellos desertos e se achava
cansado, chamava [a^o tigre, ao leao, ao elefante e rinocerote, e subia
sobre elles, que disto podcra o leitor crer o que quiser ; porque qua
facilmente inventao estes contos; e pouco tempo ha que hum frade,
que avia annos que andava no deserto, disse no reino de Tigre, que
Ihe pertencia o imperio e que o Imperador nSo Ihe podia fazer rosto,
porque ate os leOes Ihe obe*deciao e la no deserto subia sobre elles f.3
pera ir de huma parte a outra. Com isto se Ihe aiuntou muita gente
e hia ia entrando por Tigre como se fora senhor delle, mas saindo
hum homem, que nem ainda era capitSo, o prendeo e levarSo ao
Emperador, e elle Ihe mandou cortar as orelhas e nartzes, e agora
anda por ahi sem ninguem fazer caso delle.
Semelhante a estes contos he o que refer de Abba Taquela
Haureat, que em honrra sua todos os annos, dia do Natal, em que
foi seu martirio, dece hum anjo visivelmente em figura humana e
LIVRO II, CAPITULO XXII. 607
poem no refeitorio de Debra Libands diante dos religiosos 10 cidras
muito fermosas, que se repartem pollos do povo. Porque nSo achei
quem me soubesse dar rezao de tais cidras, com perguntar a algtins
frades da mesma religiao e entre elles a hum que se chama Abba
Marca, de grande nome entre elles, e me affirmou que tinha 80 annos
e que se criara de minino em Debra Libanos, e que nunca vira tais
cidras ; e o capitao, que ategora pouco ha o foi dos Portugueses e
se chama JoSo Gabriel, homem de muito ser, me disse que, sendo
pequeno, estivera tres annos continuos naquelle mosteiro aprendendo
os livros de Ethiopia, e que nunca vira tal cousa, nem ategora que
he de idade de 70 annos ouvira falar nella a ntnguem, com andar
ordinariamente no pacjo dos Emperadores; nem elles chegSo aquelle
f. 304- mosteiro em muitos *annos, quanto mais cada anno ; nem depoes
que eu entrei em Ethiopia, que foi no anno de 1603, foi la nenhum
de 3 que neste tempo ouve. Por onde o que iurou o frade de Ethiopia
a frei Serafino Rosi, que se achara presente muitas vezes a este
milagre, foi tam certo como o que frei Luis de Urreta affirma
pag. 56 do primeiro tomo, que Ihe iurou asseveradamente e com
muitas exageragOes sobre cousas sagrradas JoSo Balthesar natural
de Ethiopia, que no monte de Amhara tem guardado em huma
arca de ouro hum peda^o das taboas que estavSo escritas com o
dedo de Deos e quebrou Moyses por causa da idolatria do povo,
e que elle o vira e tivera muitas vezes em suas maos ; o que (como
declaramos compridamente no fim do cap. 3 do 1° livro) he fabu-
losa patranha; porque nunca ouve tal cousa em Ethiopia, antes o[s]
letrados della affirmSo tambem que nao ficou memoria das taboas
que quebrou Moyses. Do que se mostra claramente quam pouco cre-
dito se deve dar a seus iuramentos.
Sobre o que o autor dis daquella molher Imata fundadora das
freiras de Ethiopia nao temos pera que nos deter ; poes se ve tam
claro ser fabula que viesse de Roma tal molher, do que assima pro-
vamos no cap. 17, que nem ha, nem ouve nunca nas terras que
senhorea o Preste Joao religiao de sam Domingos, e que os frades,
f.304,v. com quem elle dis que veio de Roma *aquella molher, forao mais
de 300 annos antes que nacesse o glorioso Padre s. Domingos. O nome
Imata, que nao ha de ser senao Amata, que quer dizer serva, nao he co-
mum as freiras, porque ordinarlamente ficao com o nome do bautismo
em que la muitas molheres chamao Amata Christos, « serva de Chri-
sto » , Amata Michael, « serva de Miguel » . E depoes nao sao freiras
6o8 HISTORIA DE ETHIOPIA
senao casadas ; nem ha tal modo de refeitorio e choro, como pinta
frei Luis, nem trazem veo que Ihes chegna aos peitos, nem guardao
oje clausura, nem a guardarao nunca: cada huma vai por onde quer,
porque seu modo mais he de beatas que de freiras, e se guardarao
a honestidade de beatas, fora grande bem : mas nSo he assi ; antes
muitas dellas vivem de maneira, que dizem os seculares que depoes
que se fazem freiras tem mais mundo que se o tiSlo forSlo ; e comum-
mente se fazem freirsus depoes de viuvas e ficEo em sua casa como
antes ; e ainda que seiao donzellas e queirSlo recolhimento, nao ha
outro mais que estarem perto de algum mosteiro de frades em suas
casinhas afastada huma de outra, e vSlo a suavontadeonde Ihes parece.
Quanto aos tafetas etc, que dis que tecem, he fabula, porque
em Ethiopia nao ha seda, nem sabem como se tece o tafeta; a laa
he muito pouca e grosseira e nSlo a sabem lavrar e assim nao fazem
della se nao humas mantas muito peiores que as com que se co-
brem nas nossas terras os cavalos. Algodao ha em abundancia, mas
nem disso sabem fazer as toucas e veos que o autor dis *que f. 305-
levao aos Turcos, antes por seus portos vem qua da India as tou-
cas, \^os e roupa fina que em Ethiopia se gasta.
Tambem trata no cap. 1 8 da imperatrix Helena e dis que casou
com o emperador Alexandre 2° e foj mai do emperador Naum e avo do
Preste Joao David, e que foi depoes religiosa da 3* ordem da penitencia
do glorioso Padre s. Domingos, e que assim como santa Helena he
honrra e gloria de toda a igreia catholica, a benta Helena he honrra
da igreia de Ethiopia e gloria da ordem dos Pregadores e singular
fermosura do estado santo das religiosas que chamao beatas. Nisto
teve tambem frei Luis falta de informa^ao, porque a imperatrix He-
lena nao foi molher do imperador Alexandre 2^, que em Ethiopia nio
ouve dous Alexandres, nem casou senao com o emperador Naod, e
nunca pario, que, ainda que David foi filho do imperador Naod, nfto
o era da imperatrix Helena, senao bastardo, e porque ella o criou por
nao ter filhos, por isso pode ser que os que nao sabiao dissessem que
era seu filho, ou que ella por honrra o chamasse assim. Nem ella podia
ser religiosa da 3^ ordem de s. Domingos, poes, como temos dito, qua
nao o conhecem, nem tem noticia das.cousas de sua sagrada religiao
e assim tudo quanto dis no cap. 20 de como se fundou em Ethiopia*a £.305,^.
confraria do santo Rosario e que oie em dia ha muitas e perseverao
com muita grandeza, todo he fabula, porque nem ha, nem ouve
nunca confraria do Rosario nestas partes, nem sabem que cousa he.
CAPITULO XXIII.
Em que se declara se ouve alguns Emperadores santos
em Ethiopia.
Muito longe estava eu de gastar tempo nesta materia e can- x. luxta historiam
1 .^ ^ , r • T . 1 TT . •*> Urreta conscri-
sar ao leitor com cousas tam escusad^is, se frei Luis de Urreta me ptam, septem nume-
nao obriffara, canonizaiido por santos sete Emperadores de Ethiopia, ""J*^' Impcratores,
JT X- q^j ^^ Aethiopibus
de quem trata no cap. 3 do livro 3° de seu i® tomo. e dis que sao, ut sancti coluntur,
sam Phelipe 1« Preste JoSo christao, o santo emperador Joao, outro i^l^^eJduo^^iSiiip^
Joao o santo, sam Phelipe septimo, o emperador santo Elesbaao, P'*' ^^*» Elesbaan,
Abraham et LalibelA.
santo Abraham Preste Joao, o glorioso Lalibela emperador. Mas
porque passando eu em silencio o que dis destes Emperadores, nao
cuide alguem que tudo he certo, me pareceo referir brevemente o
que delles tras, e depoes declarar o que contao os de Ethiopia.
Falando poes o autor do Preste Joao Phelipe, dis que, quando a- Refertur vita
a rainha Candace bautizou no monte Amhara os principes que ali conficu.
estavao da casa e sangue de David, o mais velho se chamava Za-
charias, e no beautismo se quis chamar Phelipe em memoria do
glorioso s. Phelipe que bautizou ao Eunucho, e que deste santo
f. 306. Emperador (em que renunciou *o imperio a rainha Candace e se reco-
Iheo em hum mosteiro) dizem as historias de Ethiopia que foi grande
defensor e pregador da fe christaa, porque igualmente era Empe-
rador e Apostolo. Forao innumeraveis as igreias que edificou e
C. Beccari. /ier. Aeth, Script» oce, ined. — II. ^^
6lO HISTORIA DE ETHIOPIA
muito grandes as rendas com que as dotou. Dizem que o honrrou
Deos com milagres em vida e em morte ; que poes elle com tanto
cuidado procurou o servigo de Deos, claro he que o mesmo Deos
avia de procurar sua honrra. Guardou toda sua vida a inteireza da
virgindade e esta enterrado no monte Amhara, no templo do Spi-
rito Santo, onde se enterrao os Emperadores de Ethiopia, e ali he
honrrado e reverenciado por santo.
3. Vita loannis I Do Santo emperador Joao.
phrasiae. ^ Depoes da santa morte do emperador Phelipe, como nao deixou
« filhos, por aver guardado sempre castidade virginal, Ihe socedeo
c seu irmao JoSo, ao qual na Ethiopia tem por santo, e foi hum dos
« principes. que no monte Amhara bautizou a rainha Candace e o
« santo Eunucho, e cha[ma]ndose Daniel, quis em seu bautismo no-
« mearse JoSo. Foi sanctissimo varSo e em tudo procurou imitar o
« exemplo que Ihe deixara seu santo irmao e predecessor ; procuruo
« com todas suas forgas dilatar a fe catholica e confirmarla em todos
« *seus reinos, desterrando qualquer rasto e reliquias de idolatria. f.306.'
« Edificou igreias mui sumptuosas e em tudo procurou seguir o ca-
« minho das virtudes de seu santo irmao. Quisera guardar castidade
« como elle, mas obrigouo o conselho e todo o imperio a que casasse,
« porque avia mui poucos da casa de David, e assim Ihe buscarao mo-
« Iher conveniente, de quem teve 7 filhos e duas filhas, e no santo
« matrimonio fes huma vida angelica de maneira que o tem em Ethio-
« pia e sempre o hao tido por santo, ainda que como cousas tam
« antigas nao dao mais noticia delle as historias ethiopicas.
« Huma das ifantes filhas do imperador Joao se chamava Eu-
« frasia e guardou virgindade toda sua vida e muitos annos esteve
« no deserto em huma cova, fazendo grandes penitencias e tratando
« s6 com Deos e com os anjos, sem que olhos humanos a vissem.
« Na cova, onde fes penitencia esta oie edificada huma igreia de seu
« nome e Ihe tem grande deva^ao. Desta santa Eufrasia fas meni^ao
c o Martirologio Romano a 1 7 de margo e ainda que diz que foi da
« Thebaida, he por estar perto da Ethiopia, mas na verdade foi filha
« do emperedor de Ethiopia.
4. De aiio loanne Dos santos emperadores da Ethiopia Joao o Santo e Phelipe 7*^.
1 ippo . ^ Estes dous Emperadores viverao no tempo de sam Basilio,
« que foi pollos annos do nacimento de Christo de 330 ate 80. Forao
« sanctissimos principes e dos mais famosos que teve a Ethiopia.
« Joao o Santo (que este nome Ihe dao os Ethiopes por sua heroica
LIVRO II, CAPITULO XXIII. 6X1
f. 307. « santitade *e por diferencialo de outros Emperadores que se cha-
« marSo Joaes) foi tam zeloso da fe catholica, que vendo que em
< seu tempo se alevantara aquella blasfema heregia de Arrio, que
« negava a equalidade das divinas pessoas fazendo ao Filho menor
« que o Padre, instituio huma ordem militar de cavaleiros comen-
« dadores de baixo do nome de santo Antao Abbade e escreveo a seu
« gprande amigo sam Basilio que Ihe mandasse os Institutos e Constitui-
« 95es, o que fes com muita vontade o glorioso Santo, e os cavaleiros
« os gnardao ate o dia de oie. O fim desta rehgiao militar foi naquelles
« tempos peleiar contra os Arrianos e guardar a Ethiopia de tao
« blasfema heregia e foi meio tam importante que com entrar esta
« heregia quetsi por todo o mundo, nao pode coyitaminar a Ethiopia,
« estando tam perto de Egypto, onde foi sua inven^ao. Edeficou
« este santo Emperador muitas igreias com a invoca<;ao da Santis-
« sima Trindade e fes muitas leis pera o bom governo de Ethiopia,
< que se guardao ate oie. Morreo sanctissimamente nomeando o doce
« nome da Sanctissima Trindade como asserrimo defenssor de sua
« f e e pureza, e illustrouo Deos com muitos milagres.
« A este emperador Joao o Santo socedeo Phelipe 7° no nu-
« mero do[s] que tiverao este nome, tido em toda Ethiopia por
f-307,v. « santo e bemaventurado, e como Ihe socedeo no estado, *lhe her-
« dou suas heroicas virtudes e santo zelo assim no que pertencia a
« fe, como no tocante ao bom governo de seus reinos. Dilatou muito
« a ordem militar dos cavaleiros de santo Antao, deulhes previle-
« gios e rendas, so porque se ocupassem em peleiar contra os Ar-
« rianos; fes muitas leis pera o governo das cidades tam santas e
« boas, que ate oie os Emperadores, quando os coroao, iurao de as
« guardar, e em todas as cidades do imperio tem escritas estas leis
« em huma taboa e fixadas no meio das pragas, pera que as saibao
« todos e os juizes e governadores iulgao por ellas. Foj principe
« mui exemplax, pai e emparo de todos ; e cheo de virtudes partio
€ contente desta vida pera a gloria. Forao enterrados estes dous
« Emperadores no templo do Espirito Santo do monte Amliara,
« onde sao venerados por santos ».
Do santo Elesbaam emperador da Ethiopia. 5. Dc sancto Eic-
« No tempo do emperador Justino conta Simao Metaphrastes j^^^ Mcuphrastcn.
« na historia de santo Aretas martir e Nicephoro, que hum Rei dos
« Homeritas, que he na Arabia, chamado Dunaam iudeu de lei e
« crencja com todos os seus iuntando grande exercito de Judeus e
biz HISTORIA DE ETHIOPIA
* gentios pos serco a huma cidade de chrisUlos chamada Negra na
t Arabia Felis, e ainda que a teve sercada muito tempo, os cbri-
» staos se defenderao aiiimosamente e, vendo que por for^a *nao (. j
t. podia sair com a empresa, alevantou o serco e fes amizade, e
t depoes com engano entrou na cidade, e os seus se forSo metendo
* dissimuladamente, e depoes comeijou a persuadir aos christaos que
< se fizessem judeus, e nSo querendo elles receber seu maldito con-
» selho, mandou aos seus que distruissem a cidade e assim fes mar-
t tires a quantos nella achou.
t Esta crueldade e trai<;ao do perfido judeu veio a noticia do
1 Preste Joao Elesbaam, que era tambem rei e senhor daquella ci-
c (iade e de muita parte de Arabia, e pera vingar tam grande mal-
* dade, iuntou copioso exercito de Ethiopcs e Arahios todos chri-
c staos e foi a buscar ao judeu Dunaam e dandolhe batalha, com
t facilidade o venceo e matou todos os seus e a elle fizerao em
t peda^os em pago de suas crueldades. O santo emperador Ele-
t sbaam e [stc] reconhecendo aver sido de Deos aquella victoria,
« nao se mostrou desconhecido, antes pregoando as misericordias
* de Deos mandou sua coroa imperial a Hierusalem pera o santo
« sepulchro de Jesu Christo, e renunciando o imperio, se fes eccle-
* siastico, e ordenado de missa, se vestio de cilicio mui aspero,
s vivendo em huma cova escura e espantosa, onde esteve toda sua
* vida sem que o visse homem vivente. Fes incrlvel penitencia,
* nao comendo mais que ervas cruas, onde Deos o descobrio com
* muitas obras milagrosas. Temno por muito grande Santo em Ethio-
« pia, e no luguar e cova, onde fes penitencia, ainda que *asperii
c simo e quasi inhabitavel, se edificou huma sumptuosa igreia
« invocaijSo deste Santo, a que tem grande deva^So, como o mosti
ii o muito concurso da gente e a frequencia da santa comunh3o qu
« nella recebem. Fas men^ao deste Santo o Martirologio Roman
« a 22 de outubro e o Metaphrastes a 24 ».
Da milagrosa vida do santo Abraham Preste Joao de Fthiopii
< Na provincia de Ancona, que he hum certo senhorio de Ethi(
s pia, ha huma serra que tera duas legoas de subida tao aspera
I ingrime que he necessario pera subir pegarse em cordas que esta
i amarradas e he tao trabalhoso o caminho, que he necessario mais d
I meio dia pera chegar a sima. No alto est4 huraa cova e nella hum
s igreia mui grande como cathedral com tres naves muito bem feitas
c suas capellas e altares. Estao nella mais de duzentos clerigos e h
LIVRO II, CAPITULO XXIII. 613
« muito riqua ; chamasse Imbra Christos que quer dizer, c caminho de
« Christo » . Nesta igreia estao duas casinhas cavadas na mesma pe-
« dra em qne fes penitencia o santo Abraham, e elle mandou fazer
« aquella igreia. Referese nas historias de Ethiopia que este Preste
« Joao foi sacerdote e que se recolheo na cova, que esta nesta igreia,
« em que esteve 40 annos escondido, e disse missa cada dia, e pera
« a dizer Ihe traziSo os anjos pSo e vinho, e oie no altar maior
« desta igreia esta pintado este Emperador vestido de roupas sa-
f. 309. « cerdotais *como pera dizer missa, e huma mao que saie por huma
« ianella com pao e outra por outra ilharga com huma galheta, si-
« gnificando o milagre que dissemos. Disse mais que, em quanto foi
« Preste Joao na Ethiopia, nao tomou tributos nem dereitos a seus
« vassalos, e se Ihe presentavao alguma cousa, a repartia aos pobres,
« sustentandose elle de algnmas terras que lavrava. Fes grande e
« rigurosa penitencia naquella cova e por quarenta annos nao comeo
« senao de 8 em 8 dias huma so ves aos domingos, trazendo sem-
« pre cilicio. Foi tal a fama que das heroicas virtudes deste santo
« Imperador correo poUo mundo, que hum patriarcha de Alexan-
« dria veio ate Ethiopia s6 pera o ver e morreo na mesma igreia.
. « Finalmente o santo Abraham foi a receber da liberal mao de Deos
« o premio de seus trabalhos e em sua morte o honrrou Deos com
« muitos milagres. Foj enterrado na mesma igreia em hum sepul-
« chro, que esta no meio della, alto 4 degraos, e noutro sepulchro
« a mao direita alevantado 3 degraos esta enterrado o Patriarcha que
« veio de Alexandria, e a mao esquerda em outro sepulchro huma
« filha do santo emperador Abraham, que seguio a penitencia de
« seu paj e he tida por santa em toda Ethiopia ».
Do glorioso Lalibela emperador da Ethiopia. 7.ltcmdcLalibclA.
« Por ser tam milagrosa a santa vida, nacimento e *morte deste
f-309,v. « bemaventurado Preste Joao, o chamarao Lalibela, que quer dizer
« * milagre do mundo ', porque toda sua vida, suas obras, suas vir-
« tudes forao milagrosas, e seus milagres muitos e maravilhosos.
« Referem delle as historias de Ethiopia que no ponto que naceo,
« vierao innumeraveis abelhas e o cobrirao de p6s a cabe^a, sem
« que se visse parte descuberta do menino, e a gente que assistia ao
« parto, maravilhada de cousa tam milagrosa, nao se atreveo a tocar
« ate ver em que parava. As abelhas, sem Ihe fazer mal algum, o
« limparao da immundicia e sangue com que saio do ventre da maj,
« e deixandoo limpo, voarao pera o ceo, sem que as vissem mais ;
6 14 HISTORIA DE ETHIOPIA
« que foi hieroglifico de g^andes misterios, porque pera descobrir
« o ceo, que se avi^o de achar no santo Lalibela, quis usar destes
« annuncios.
« Guardou este santo Emperador castidade toda sua vida, que
« forao 80 annos, permanecendo sempre virgem, e assim na hora
« de sua morte se partio desta vida com a aureola da virgindade
« pera receber o premio do summo remunerador. Esta pureza e
€ limpeza pronosticavSo as abelhas que o cobrirao em nacendo,
« porque a abelha, como nota santo Epiphanio, he simbolo da lim-
« peza e castidade. Tambem forSo as abelhas simbolo de huns ho-
« mens engenhosos, amigos de obras e de fazer edificios, poUa tra<^a
« tam misteriosa com que lavrao seus favos ; assim o foi o santo
« imperador Lalibela, muito cuidadoso do culto divino e o mais
« amigo de edificar igreias e casas de ora^ao. Elle foi o que com
« incriveis gastos fes aquelles *milagrosos templos feitos todos de f. 3>o-
« huma s6 pedra, dos quais fizemos men<;ao no livro 2**, que sao
« huma das mores maravilhas, que ha tido o mundo ; e esta ali en-
« terrado na igreia, que chamao Golgota. Em fim riquo de virtudes
« se partio desta vida e deu sua alma nas maos daquelle senhor,
« que Iha emprestou ate entao. As historias ethiopicas dizem que
« o honrrou Deos com muitos milagres e seu santo corpo he tido
« em grande venera^ao e vai a elle muita gente em romaria, por
« ser tido de todos por grande Santo ».
8. Commentitias Isto he o que frei Luis de Urreta conta destes, a quem bautiza
demonstrat * Auctor P^^ Prestes Joaes Emperadores de Ethiopia. Mas, como se pode ver
tum ex historiis, tum jjos cathalogos, que pusemos no cap. 5 do primeiro livro, s6 Lali-
praesertim ex testi-
monio Imperatoris bela foi emperador de Ethiopia, e dos demais nao ha memoria
fratris Ccfa Chris^^ nenhuma. E assim perguntando a muitos velhos, bem vistos na^ histo-
qui opinabantur nul- rias de Ethiopia, me disserao que nao sabiao que ouvesse tais Impe-
bus Aethiopiae san- radores, tirando Lalibela; e pera me satisfazer mais, cheguei a per-
ctitate vitae emi- gruntar ao imperador Seltan Cacfued, que oie vive e me disse diante
cuisse, quia omnes ° ^ r o » ^
libidini deditos fuis- de muitos senhores, que nenhum de seus antepassados tivera tal nome,
e que Lalibela nao era dos da casa real, a quem pertencia o im-
perio, senao descendente de hum tiranno por nome Zagoe, de quem
tambem se fas men^ao nos catalogos dos Imperadores. Perguntei
tambem se ouve algum Imperador sancto em Ethiopia, e respondeo
hum dos grandes rindo, que nenhum. Disse o Imperador : Como a
*viao de ser sanctos morrendo com 3^4 mancebas a ilharga[?] ; e ti^^^-
sobre isto falou bom peda^o da devasidao que avia antigamente.
I
LIVRO II, CAPITULO XXIII. 615
e depoes me disse Eraz Cella Christos irmao do Imperador: Por
modestia disse meu Senhor, que os Imperadores passados morrerao
com 3^4 mancebas a ilharga; que bem podera dizer 20, porque
nao Ihes faltavao. Isto era antigamente tao usado e publico, que
demais da Emperatrix tinhao sempre duas molheres como proprias
(a fora de outras mancebsis) em suas casas, huma a mao direita do
paQo e outra a ezquerda, e a esta chamavao Balteguera, que quer
dizer « Dona da mao izquerda». So o emperador David, que depoes
se chamou Onag (^agued, dizem que nao tinha estas mancebas. E ia
pode ser que o que informou a frei Luis de Urreta, a quem elle
nomea Joao Balthesar, fosse parente de algxima destas, que chamavao
Balteguera e por honrra se quisesse chamar Joao Balteguera, e frei
Luis de Urreta entenderia Joao Balthesar, porque, como me disse
o Imperador, a primeira ves que eu o nomeei diante delle, nao he
este nome de Ethiopia.
O que temos dito bastava pera que o leitor entendera bem
quam fabulosas sao as cousas que aqui dis frei Luis de Urreta, poes
nas terras que governa o Preste Joao nao ouve nunca tais Empe-
radores eccepto Lalibela; com tudo, pera que o veia mais clara-
mente, ha de saber que o que affirma do primeiro destes Empera-
f. 311. dores Phelipe, que a rainha Candace *o bautizou no monte Amhara
e renunciou nelle o imperio, he patentemente falso ; porque, como
dissemos no'fim do cap. 7 do primeiro livro, os primeiros que se
come<;arao a meter naquelle monte, que se chama Guixen, forao
pellos annos de 1295, e a rainha Candace foi no tempo dos Apostolos.
No que dis mais adiante de s.** Eufrasia, milhor Ihe fora segfuir
o Martirologio Romano, que dis que foi da Thebaida, poes em esta
Ethiopia nao ouve tal imperador Joao, cuia filha dis que foi.
Tambem he falso o que diz do Imperador, a quem elle chama
Joao o Santo, que instituio huma ordem militar de cavalleiros co-
mendadores, que peleiassem contra os Arrianos, porque^ como mo-
stramos no cap. 17 deste 2° livro, nao ha, nem ouve nunca em
Ethiopia tal ordem de cavalleiros; nem n^s pra^as estao escritas
em taboas as leis que dis fes o emperador Phelipe 7° e nao as
podia fazer, pois nao ouve nunca tal Imperador.
Tambem, se fora certo o que dis do Preste Joao Abraham, que
mandou fazer huma igreia catredal, onde estao mais de 200 cleri-
gos, e a fama de suas heroicas virtudes veio hum patriarcha de
Alexandria, e ambos se enterrarao naquella igreia, muitos aviao de
6l6 HISTORIA DE ETHIOPIA
saber isto ; e toda via dizem todos que nem ouvirao tais cousas, nem
que ouvesse nunca tal Imperador em Ethiopia.
g. Etiam ca quae De tudo quanto frei Louis tras destes Imperadores, o que podia
ab Urreta narraxitur , .
de LalibeiA fabulis P^recer mais verisimel he *o que dis do emperador Lalibela ; mas f.3ii,v.
permixta esse de- quasi tudo tambem he fabula, porque nem as historias de Ethiopia
monstratur ; de eius- » x- t r-
dem vero imperato- referem que quando naceo o cobrirao abelhas, nem gnardou vir-
dubitare licet : fama S^^^^^^ todS' sua vida, porque, como todos dizem, foi casado e teve
sanctitatis inter Ae- dous filhos, sua molher se chamava Mascal QuebrS e os filhos
thiopes nil probat . a -kt /-. *
cum multi habeantur Emera Chnstos e Naacuto va Ab, nem sua santidade ha muita cer-
ut aancti, qui homi- ^^ antes me disse o imperador Seltan Cacfued, que nao era santo,
nes ommno perversi ^ v & » n »
fuerunt. que s6 a gente ignorante falava nisso. Prova bem fraca: que a
muitos venerao em Ethiopia por santos que forao muito maos e
acabarao como viverao. No reino de Tigre, na terra que chamao
Adecorro, esta huma sepultura de hum homem, que se chamava
Isac, de grande romagem e concurso de gente popular, porque o
tem por santo, sendo assim que esteve naquelle reino alevantado
contra os Imperadores mais de 20 annos comendo as rendas delle;
e indo la com exercito o imperador Adamas Qagued, chamou os
Turcos de Ma^ua e Ihe deu com elles batalha em campo e o de-
sbaratou e assim levarao os Turcos grandes despojos e muitos chri-
staos cativos; e depoes de alguns annos foi o imperador Malac |
Qagued sobre elle com grosso exercito, e tambem tornou a trazer J
Turcos, mas dando batalha, foi elle desbaratado e saio mui ferido
della, e vendo que nao podia escapar dos que andavao correndo o
campo, disse a alguns que com elle estavao, que Ihe cortassem a ca-
be^a *e a enterrassem e langassem nova que fugira e com isto po- f- 3"-
deriao comer aquelle reino algum tempo ; o que elles nao quizerao
fazer ; e assim, chegando dali a pouco os do Imperador, o matarao
e Ihe levarao a cabe^a ; e com viver e morrer desta maneira, o tera
por grande santo a gente daquella terra, porque dizem que fazia
muitas esmolas. Por tais tem tambem muitos o abuna Simao e a
Julios, que morrerao da maneira que dissemos assima no cap. 5.
Pollo que nao he muito que tenhao tambem por santo ao impe-
rador Lalibela, que fes as igreias de que tratamos no cap. 15 deste
2"^ livro. E pera que se veia quam differentemente contao sua vida
os livros de Ethiopia do que no seu a refere frei Luis de Urreta,
a porei aqui da maneira que nelles a achei.
10. Quid de Lali- Vida do imperador Lalibela como a contao os livros de Ethiopia,
beia narret Sinass£- ^ , . , , , , ,.
rium Aethiopicum. « Aos 17 de junho descansou o bemaventurado e nmpo e olha-
LIVRO II, CAPITULO XXIII. 617
« dor dos misterios do ceo Lalibela imperador de Ethiopia. Quando
« naceo este Santo, o criarSlo seus pais em temor de Deos, e che-
« gando a ser mancebo, o vio o Imperador seu irmao que crescia e
« que avia de possuir seu imperio e estar sobre sua cadeira. Entrou
« nelle enveja e mandouo chamar, e quando yejo, o fez estar em
f.3i2,v. « pe diante delle e buscan*do achaques, mandou que Ihe dessem
« muitos acoutes das 6 horas da menhfta ate as 8 ou nove ; depoes
« o mandou trazer e vendoo se maravilhou muito elle e toda sua
« gente, porque nenhuma cousa Ihe chegara, qne o livrara o anjo
« de Deos ; e assim Ihe disse o Imperador : Perdoaime, meu irmao,
« o que fis contra vos, e fizerao pas e amizade. E vio Deos seu
« tormento daquelle dia e Ihe deu o imperio, e estando nelle cuidou
« em que agradaria a Deos e fes muitas esmolas aos pobres; e
« vendo Deos a fortaleza de seu amor, Ihe apareceo o anjo do Se-
« nhor em sonhos e mostroulhe como avia de fazer as 10 igreias
« de difFerente maneira; e fes como Deos Ihe mostrou, e quando
« acabou de edificar aquellas igreias, fes possuir o imperio a seu
« irmao e assim descansou em pas ».
Ate aqui sSo palavras do livro que conta a vida deste Impe-
rador, e nao dis cousa nenhuma mais, e se fora certo o que refere
frei Luis de Urreta, nao o ouvera de deixar. Nem ainda ao que
conta este livro se pode dar credito, poUas muitas mentiras que
nelle estao, entre as quais, falando da circuncisao de Christo N. S.°^
dis que a Virgem Nossa Senhora rogou a s. Joseph que Ihe trou-
xesse hum homem sabio, que circuncidase o menino, e quando o
trouxe, teve Christo N. S.°' huma comprida pratica com elle e ul-
timamente levantou os olhos ao ceo, e falando com seu eterno
«
Padre disse: O Padre, daime a circuncisao que destes a Abraham,
Isac e Jacob primeiro, sem mao de homem ; e entao apareceo cir-
f. 313 cun*cidado sem mao de homem, e foi sua circuncisao sem se saber
e mostrou sua sabedoria em que nao se cortasse causa alguma de
sua came na circuncisao.
De tudo o que dis (stc) frei Luis de Urreta affirma destes Im- n. Quae de Ele-
. , , r '^ n ' r sbaaxi narrant aucto-
peradores, so huma cousa me fes reparar muito e foi o que retere ^^ graeci, libri Ae-
do imperador Elesbaam, por rezao dos autores que cita, e porque thiopumtribuuntim-
peratori Caleb.
o cardeal Cesar Baronio em seu 7° tomo dis que no anno de 522
reinava em Ethiopia na cidade real de Auxume (que parece sera
a mesma que agora qua chamao Aggum) el rei Elesbaan, e conta
como venceo ao judeu, e que em reconhecimento da merce que
C. Beccari. Jier. A^ik, Scripi, occ. ined. — II. 78
6l8 HISTORIA DE ETHIOPIA
Deos Ihe fizera em Ihe dar tam grande vitoria, mandou sua coroa
a Hierusalem, e saindo de noite de sua cidade, se foj a hum mo-
steiro de religiosos, que estava em hum monte, e metendose em
huma casinha pequena, esteve nella muitos annos, fazendo grandes
penitencias ate que passou desta vida. Por isto e porque o Marti-
rologio Romano de Gregorio 1 3° fas men^ao deste Rei de Ethiopia
Elesbaan a 27 de outubro, perguntei com diligencia aos frades ve-
Ihos, que podiSlo dar milhor rezao disto, e todos convem em que
nSo ouve nunca nestas terras Rej que tivesse tal nome, mas que em
huma povoacao do reino de Tig^e, que chamSo Ag^um, que primeiro
foi cidade muito grande, reinara antiguamente hum Rei que se
chamava Caleb, de quem seus livros contavao a mesma historia, que
os autores *assima citados atribuem a Elesbaan. Pello que pro- '313,^.
curei aver este livro, e achouse em hum mosteiro muito antigo que
esta no mesmo luguar de Ag^um e falando del rei Caleb dis desta
maneira.
la. Refert Axictor c Morto Tacena rei de Ag^um, reinou seu filho Caleb, homem
zta librum, quem in * sabio e forte e de verdadeira fe. A este mandou recado Timo-
perantiquo monaste- ^ theos papa de Egypto e Alexandria sobre a gente de Nagran,
rio prope Azum Au-
ctor invenit. c que matou aquelle Judeu tirano por nome Finaias, pedindo que
« fosse logo aiudar aquelles christaos. E mandando primeiro 10 mil
« e 500 soldados de Ethiopia bem armados, morrerao de sede no
« caminho ; e como el Rei teve esta nova tam triste, foi disfra^ado [sic]
« a hum homem santo, que se chamava abba Pantaleao, e chegando
« beijou por deva^ao a parede e Ihe pedio com lagrimas, que ro-
« gasse a Xosso Senhor por elle, e que Ihe dissesse o que Ihe pa- I
« recia que Ihe avia de soceder, e deulhe conta dos soldados que ■
« Ihe morrerao. Disselhe entao o Santo que fosse em pas, que avia
« de vencer os inimigos dos christaos e que o morrerem os soldados
« fora obra do demonio; que fosse confiadamente, que avia de plantar 1
« la igreia e insinar a fe de Christo e depoes tomar a sua casa a •
« salvamento. Alegrouse el Rei muito com isto, tomando aquellas J
« palavras como de Deos, e recebendo sua ben^ao, deu a hum seu l
« discipolo hum prezente de incenso e dentro 10 on^as de ouro f
■
« escondidas; e chegando o discipolo com isto, Ihe disse o Santo:
« Pera que o tomastes? Nao *sabeis que esta dentro ouro? Deixai, f. 314.
« deixai. E virandose pera el Rei, Ihe disse, porque cometera aquella
« culpa[?]. O evangelho dis: Dainos o pao de cada dia. Peraque
« destes tanto ouro? Nos nao queremos ser riquos: dai isto aos
t
LIVRO II, CAPITULO XXIII. 6 1 9
« pobres e ficarvos ha guardado no ceo. Ide que as ora^oes de
« Timotheos papa de Alexandria e as lagrimas de Justino vos acom-
« panharSo. Tambem o sacrificio dos martires de Nagran, que ia
« chegou ao ceo, ira em vossa companhia e Deos vos daira vitoria.
« Partio el Rei com muita confianga em Deos e nenhuma em
« suas for^as, nem nas de seus soldados; o que sabendo o Judeu,
« fes alg^mas cadeas de ferro muito grandes, pera impedir a pas-
« sagem de suas naos que erSio 171, das quais 103 erSlo grandes.
« E chegando el Rei ao luguar e nSlo podendo passar as naos, Ihe
« apareceo hum homem como hermitao, de rosto branco, fermoso
c e resplandecente, e Ihe fes sinal com a mSlo, que passasem polla
« mSLo direita (esta visSlo nSio vio o inimigo) ; e chegando la el Rei
« com 1 1 naos, as foi guiando aquelle hermit£lo. Nisto mandou o
« Judeu muita gente pera impedir o passo as naos, mas el Rei deu
« nelles e os matou e queimou suas cascis e foi assolando quanto
« achava no caminho ate chegar onde estava o Judeu, a quem ca-
« tivou. De tudo isto nSlo sabia nada a outra parte da armada del
« Rei, que teve muitos trabalhos e fomes ; pollo que os della fizerao
« oragao a Deos, e teve por bem de os ouvir e mostroulhes aquelle
« frade, o qual tomou com huma mao o cabo de hum cavalo dos
« inimigos e com a outra Ihe deu huma ferida. Entao fugirao os
« imigos de Christo, e os de Ethiopia forao dando nelles e matando
« muitos, ate que chegarao onde estava el Rei, e ficando os do
« Judeu no meio, el Rei matou muitos mais do que os outros ti»
« nhao morto.
« Acabado isto, se iuntarao todos e contarao o que Ihes tinha
f-3i4»v. « socedido assim no mar como na terra, *e como el Rei tomou a
« Finaas, e disse el Rei como hum frade fizera sinal a elle e a
« suas naos e dando com hum pe naquellas cadeas, as quebrara e
« passava primeiro sua nao e depoes as outras 10 e que o frade
« andava sobre as agoas como se fora terra firme, e acrescentou el
« Rei que Ihe parecia que aquelle frade era o que estava na ca-
« sinha de sua terra e que elle o guiara ate o luguar do Judeu,
« e que o mesmo frade o prendera e Iho entregara pera que o
« guardase ate que se plantasse a igreia e la degolalo. Disse hum
« dos principaes del Rei, que vindo hum vento contrario, aquelle
« frade o fes deter com seu bordao. Outro disse que se quebrara
« huma nao e que fazendo aquelle frade o sinal da Crus, ficou outra
« ves inteira ; e todos disserao que tomando aquelle frade o cabo
6zo
HISTORIA DE ETHIOPIA
13. Addit alia
quaedAm n iradi-
e; descriptio «pe-
c de hum cavalo dos imigos, Ihe deu huma ferida em modo de
< cras, e logo fugirao os tmigos. Derao entao todos muitas gra^as
< a Deos, que Ihes fes todas estas merces polla oraQSo do frade
t daquella casinha ».
Ate aqui sao palavras do livro, que se guarda no mosteiro de
Ag^um, e nSo prosigue a historia, nem declara como acabou este
cuB, quo Bc collegit rei Caleb. Mas dizem que em outros livros se refere tudo o que
C«leb, itizU e« quae . , ...
Auctor propriia ocu- fes depoes da vitona, que eu nSo pude achar ategora. Mas af-
usurpani. firmoume hum frade velho, que sabe bem de historias, que, depoes
daquella vitoria, mandara sua coroa a Hierusalem em reconheci-
mento de quanto alquan<;ara por singular merce do ceo, e dando
o reino a hura seu filho, se metera elle em huma cova, onde fes
grande penitencia ate morrer. Quanto sua sepultura, esta iunto a
Ag^um feita ao picao em huma rocha, cuia figura he esta.
Tudo iato esu aberto e ate i
do cmzeiro tem i J covados de c
e quatro de lar^.
Este espaco he de
. locovadosdeeom-
K prido e sels de
1
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Destas portas ate
a que aqui esta fe- S
chadaEiolOcova-J ■
dos de comprido e q
4 de latgo.
^ Este espa^o he de
g* locovadosdecom-
1 prido e 4 de Urgo.
INDEX CAPITUM
LIBRI I ET II
CUM EORUNDEM SUMMA&IIS
[LIVRO 1]
Capitulo I. — Em que se trata da situofam e de quantos e quais
sejam os reynos e provincias da parte de Ethiopia, que senhorea
o Emperador que chamam Preste Joam .... pag. 13-24
Summarium. — i. Cur utatur denominatione Preste Joam. Errores Urretae geo-
graphici iDnumeri. Auctor describet omnia ex propria ezperientia. Distantias locorum
metiuntur incolae per dies itineris; Auctor reducet ad leucas, p. 13. — 2. Aethiopia proprie
dicta extenditur inter tropicos per 500 leucas longitudinis a FocSi usque ad Bahar Gamo
et per 300 leucas latitudinis ab Haz6 usque ad Ombare^. Graves errores veterum scrip-
torum et recentiorum, p. 14. — 3. Nomina 35 Regnoium e 18 Provinciarum iuxta elen-
chum auctori traditum a Secretario imperatoris Seltan Sagad. Errores aliorum scriptorum
refelluntur, p. 15. — 4. Forma corporis, color ac vestitus Aethiopum varia iuxta regiones,
vires corporis robustae, p. 16. — 5. Quoad vires intellectus aequant Europaeos; vitia dissi-
mulant ; veniam pro offensis acceptis non recusant; graviora negotia non per se, sed per ter-
tias personas tractant, p. 17. — 6. Quomodo sese invicem salutent, p. 17. — 7. Denuo de ve-
stibus nobilium et plebis, p. 17. — 8. Linguae et nationes : Christiani, Mahumedani, Judaei
et Gentiles. Confutatur assertio Urretae de eiectione ludaeorum et Mahumedanorum, p. 18.
— 9. Falsa assertio Urretae monasterium Alleluia esse Dominicanorum. £x serie impe-
ratorum a Na6d ad Atan&f Sag&d coUigitur Alexandrum III numquam extitisse, p. 19. —
10. Fabulae qnae de isto imperatore Alexandro III protulit Urreta: perperam etiam
Fr. Alvarez asserit sub Alexandro (Escander) Lusitanos Aethiopiam fuisse primum in-
gressos, p. 20. — 11. Incolae Aethiopiae, licet diversis nomininibus distincti pro diversis
62 2 HISTORIA DE ETHIOPIA
tribubus, quanim praecipua Amhara, comuni vocabulo Habex vocantur : falsa interpretatio
huius nominis ab Urreta tradita, p. 21. — 12. Falsum est regnum Aethiopiae numquam
sub extera potestate fuisse. Nam Mahumedani sub Granh potiti sunt Aethiopia fere uni-
versa, p. 22. — 13. Gallae qui sint populi, et quomodo a tempore OnHg Sagad Aethiopiam
invaserint, p. 22. — 14. Falsum item Aethiopiam semper a legitimis imperatoribus fuisse
gubematam. Dynastia Zagud usurpavit imperium per 340 annos, p. 23.
Capitulo II. — Em que se trata da gerofam dos Emperadores de
Ethiopia, comefando da reynha Sabba pag. 25-32
Sommarium. — i. De regina Saba; cur de ea Auctor loquatur, p. 25. — 2. Varia
eiusdem nomina et ratio illorum, p. 2b. — 3. Incipit historia de regina Saba iuxta codices
Axumiticos. Tamerin mercator aethiops pergit ad Salomonem; admiratur sapientiam et
divitias illius, p. 26. — 4. Mercator revertitur domum; narrat quae viderat reginae Saba,
quae statuit invisere Salomonem, p. 27. — 5. Regina Saba pervenit lenisalem et moratur
ibi : admiratur sapientiam et divitias Salomonis, p. 28. —' 6^ Verba Reginae ad Salomonem,
p. 28. — 7. Responsio Salomonis, p. 29. — 8. ExactU. *J mensibus, Regina vult abire.
Salomon eam invitat ad coenam, p. 30. — 9. £t postea cum ea rem habet, annulum
tradit et divitiis cumulatam dimittit, p. 31. — 10. Post reditum Regina parit filium ex
Salomone, p. 31. — 11. Quaedam Auctoris adnotationes ad supradictam historiam, p. 32.
Capitulo III. — Em que se declara como Menilehec Jilho da reynha
Sabba foi a Jerusalem a ver seu pay Salomam . pag. 33-49
Summarium. — i. Varia nomina filii Sabae et Salomonis. Unde mos Imperatorum
mutandi nomen quum ad regimen evehuntur, p. 33. — 2. Instante Menilehec, Regina
eum mittit ad Salomonem una cum Tamerin mercatore, p. 33. — 3. Menilehdc pervenit
Gazam, unde eum Salomon missis donis ad se venire iubet, p. 34 — 4. Eum Salomon
recipit cum magno favore et coram omnibus ut suum filium recognoscit, p. 35. — 5. Verba
Tamerin ad Salomonem. Hic vult suadere Menilehdc ut apud se maneat, sed frustra, p. 35.
-^ 6. Ungitur, praecipiente Salomone, a sacerdotibus in regem Aethiopiae et in lege
Mosaica instruitur, p. 36. — 7. Destinantur primogeniti Primorum Israel ad esercenda
praecipua officia in regia domo Aethiopiae, p. 37. — 8. Hi, suadente Azaria, consiiium
incunt asportandi secum Arcam Testamenti, p. 37. — 9. lussu Angeli, qui apparuit
Azariae, et assentiente Salomone, sacrificium fit coram Arca, p. 38. — 10. Azarias cum
fratribus, praeeunte Angelo, furantur Arcam et domi abscondunt, p. 39. — 11. Menilehte
iter arripitcumsuis trahentibus Arcam ; fletus populi ; benedictio et monita Salomonis, p. 39.
— 12. Promissio Menilehdc Sadoc sacerdoti ; prodigia in itinere, p. 40. — 13. Salomon,
detecto furto Arcae Dei, persequitur Aethiopes; sed frustra, p. 41. — 14. Menileh^c per-
venit in Aethiopiam; regina Maqueda cum universo populo recipit filium et Arcam Dei
et hanc collocat in urbe regni principe scil. Debra Maquedil, p. 42 — 15. Regina cu-
mulat donis filium, eum ungere facit ab Azaria in regem, principibus et populo plauden-
tibus, qui uni Deo Israel cultum in posterum praestant, p. 43. — ib. Observationes
Auctoris ad historiam Menileh^c, quam fabulosam ex parte esse ostendit, p. 44. —
17. Novae et nunquam in Aethiopia auditae fabulae Urretae circa Arcam Testamenti
et tabulas legis Moysis, p. 45. — 18. Falsum est ex monasterio de Alleluia videri
montes Amharae, p. 47. — 19. Legatio loannis Balthesar ad regem Persidis commen-
titia, p. 48. -^ 20. Quid probabiliter veri subsit iu fabulis a Balthesar narratis. ludaeus
quidam vocatus a MaUc Sagad ut legeret inscriptiones Axumiticas, p. 48. — 21. Nomen
aethiopicum Tabdt duplicem significationem habet. Inde error vel fraus Balthesar, p. 49.
INDEX CAPITUM LIBRI I ET II. 623
Capitulo IV. — Em que se trata dos officiaes que el rey Salomam
deii a seu filJio David pera servifo de sua casa^ e dos qtie a^ora
tem 0 Preste Joam pag, 51-59
Sttmmftrium. i. Loquendo de variis oflficiis, Auctor expHcabit ea non modo iuzta
libros Aetliiopum, sed etiam iuxta prazim suo tempore vigentem, p. 51. — 2. Quid si-
gnificet et quodnam sit officium Behdt U&ddd ; tempore auctoris Erftz vocabatur et imus
tantum potiebatur eo titulo et officio, p. 52. — 3. Quid fuerint duo Hedi^g Er&z et duo
Gueita. Quid Uzta Axftz et J&nderebdch Azazdch. De officio ecclesiastico Acabe E^ftt
et Quez-Hac6, p. 52. — 4. De aliis officiis scil.: Er&z balderaba, Guciti balderabft, Man-
gu6st B4it, Mar^d Bdit, Janbeldu, AicenfA, Egu^r Zacord, Janacanfi Umbardch, Jantac&l,
JanderabS, Jamxalami, Tecftcanfich, BaldebanS, Bel^taguasagusft, BaUmecah&f et Begft-
m&ch, p. 53. — 5. De iis officialibus qui vocantur Ddb Ambe^ft, Derft Moftmoai, Beit
An^ft, Beztegr^, Botrag^t Z&yeyahax, Beita Gu^ber, Cuam6ch, Bala-C^m, Beita Hsliz et
de muliere dicta Ite Agr6d, cuius officium est punire ignominiose qui fugiunt tempore
pugnae, p. 54. — 6. De duobus officiis recenter introductis scil. Talah&c Balatin6ch
Gueitd et Tecacfln Balatindch Gueitfi. Ephebi honorarii in tres classes divisi iuxta aulas
ubi inserviunt, quae vocantur Amba^A B^it, Zefan B6it et Faraz B^it Antiquitus erant
30, nunc eorum numerus indeterminatus. Cur hi soli adstent diu noctuque coram Rege,
p. 54. — 7. Quid in unaquaque e tribus aulis agatur, p. 55. — 8. Antiquitus reges Ae-
thiopiae nequibant videri nisi a 30 ephebis qui eis inserviebant, p. 56. — 9. Sub quibus
Imperatoribus illae caeremoniae fuerint sublatae, p. 56 — 10. Errores Urretae in hac
materia refutantur, p. 57. — 11. Aliae fictiones Urretae circa officiales domus regiac, p. 58.
Capitulo V. — Em que se poem dous Caialogos dos Emperadores
de Ethiopia e sc trata dos nomens comuns que tem . pag. 61-73
Summarium. i. Cur iuxta Auctorem differant inter se duocatalogi Imperatorum. Libri
aethiopici scatent erroribus ex amanuensium culpa,p. 6r. — 2. Primus catalogus qui enu-
merat 94 Imperatores, p. 62. — 3. Alter catalogus qui enumerat 165 Imperatores, p. 64. —
4. Quaedam adnotationes Auctoris. Quid mali patraverit Zara Jacob, et quid de eo sen-
scrit Susneos, 67. — 5. Sevcritas immo et crudelitas Zara Jacob iuxta libros aethio-
picos, p. 67. '- 6. Referuntur alia gesta Zara Jacob ex iisdem libris, p. 68. — 7. Alia
nomina, quibus reges Aethiopiae vocantur scil. NegOz et Negu^a Nagazt za Ethiopia,
Acegue, Jan Coi, Delbe Jan, Belfll Coi, Jan Belfil, explicantur, p. 69. — 8. Error Ur-
retae circa nomen Beldigian, quod dicit esse commune omnibus Imperatoribus Aethio-
piae, p. 70. — 9. Beldigian non est nomen aethiopicum, neque comiptio Belul Jan, quo
nunquam utuntur Abissini ad designandos Imperatores. Hi numquam fiunt sacerdotes, bene
autem diaconi et cur, p. 71. — 10. Exquiritur origo appellationis Presbyteri loannis.
Error philologicus, p. 72. — 11. Error historicus, p. 72.
Capitulo VI. — De Guixfn Ambd onde se guardam os descendentes
dos Empcradorcs antiguos pag. 74-85
Summarium. i. Auctor describet Guixen Amb^ ex relationibus trium testium de visu
fide dignorum, p. 74. — 2. Commenta risu digna Urretae circa Guix^n Ambal, p. 76. —
3. Auctor describit situm monnis Amba Guix^n, pauperes casas et duas ecclesias, quae in cius
cacumine inveniuntur, p. 80. ~ 4. Arbores ibidem paucae, e fructiferis nullae, una medicina-
lis; e leguminibus crescit solum hordeum et faba, p. 81. — 5. Ex animalibus sylvestribus
Bolummodo simiae, serpentes ct cuiiiculi; e domesticis oves et caprae, 82. — 6. Unde
624 HISTORIA DE ETHIOPIA
exploditur fabulosa descriptio Urretae, p. 82.-7. Quae de fertilitate regni Amhard
Balthesar retulit perperazn Urreta transtulit ad montem Guixdm, quem ipse montem
Amara appellat, p. 83. — 8. Canes in Aethiopia non rari, ut Urreta dixit, sed innumeri. Item
non Alexander, sed Naod ultimus imperator eductus ab Ambd GuixSn, p. 84. — 9. Fran-
ciscus Alvarez quoque erravit circa Guixdn Amb^ propter imperitiam linguae aethio-
picae, p. 85.
Capitulo VII, — Em que se trata das duas igrejas e mosteiros que
ha em Guixen Ambd pag. 87-92
Summarium. i. Antiquitus Aethiopes more aliorum gentilium supra vertices mon-
tium idolis sacrificare soliti: quod etiam nunc Agdus praestant, p. 87. — 2. Eventus mira-
bilis cuiusdam clerici cum quodam circulatore Agaus, p. 88. — 3. Ad toUendam memoriam
idoli Darhd aedificat Lalibald in vertice Guixdn templum Deo Patri et aliud B. Vir-
gini, p. 88. — 4. Na6d et Ondg Sagad ex voto reaedificant in ampliorem formam primum
templum, quod a Granh postea igne combustum est, p. 89. — 5. De monachis et clericis
qui custodiunt ambas Ecclesias, p. 90. — 6. Referuntur ea quae Urreta somniavit circa
originem et structuram istarum ecclesiarum et confutantur, p. 90«
Capitulo VIII. — Em que se trata da livraria de Guixen Ambd,
pag. 93-98
Summarium. i. Cur Auctor refutet ea, quae commentus est Urreta circa biblic-
thecam existentem in Guix€n Amba, p. 93. — 2. Descriptio bibliothecae ab Urreta
facta, p. 93. — 3. Antiquitus ad summum 200 volumina mss. prope Ecclesiam Dei Patris
servabantui : sed post incendium tempore invasionis Granh non amplius quam viginti
volmnina modo asservantur ibi, p. 95. — 4. Reliquae fabulae Urretae circa bibliothecam
refutantur, p. 96. — 5. Falsum est pontificem Gregorium XIII misisse Roma duos doctos
viros ad faciendum catalogum illius bibliothecae, item monachos custodes esse 200. Hi
non sunt nisi 14 pro utraque ecclesia et clerici 30, p. 98.
Capitulo IX. — Em que se mostra que nenhum thesouro teve nunca
o Preste Joam guardado em Guixcn Ambd. . . pag. 99-110
Summarium. i. Fabulae Urretae de incredibili quantitate auri, quae asservatur in
Amba Guix^n, collecta a tempore reginae Saba, p. 99. — 2. De nummis aureis et ar-
genteis, p. loi. — 3. De lapidibus pretiosis absque numero, p. loi. — 4. De quodam
pretioso lepide mirae magnitudinis et operis singularis, p. 102. — 5. Auctor deridet Ur-
retam fabularum inventorem, p. 103. — 6. Dcmonstrat Reges Aethiopiae nunquam ha-
buisse neque tunc temporis habere thesauros reconditos in Ambd Giiixdn. Selt&n Sagad,
defectu pecuniae, vendidit aliquot catcnas aureas, p. 104. — 7. Quid dixerint Auctori duo
illi principes, qui longo tempore morati fuemnt in Amba Guix6n: quid ipse Seltdn Sagad,
p. 105. — 8. De lapidibus pretiosis non est memoria in Ethiopia. Seltan Sagad pro suo
diademate falsos lapides pretiosos ex India acquisivit In mensa Imperatoris Auctor nun-
quam vidit aurum, neque argentum, p. 106. — 9. Etruriae Duces, iuxta affirmationem
Seltan Sagad, ante annum 161 1 nunquam epistolas miseruut ad Reges Aethiopiae mul>
toque minus legatos, p. 107. — 10. Perperam ab Urreta allegatur auctoritas Francisci
Alvarez et Petri de Covilham, p. 107. — 11. Helena imperatrix in sua epistola ad Regem
Lusitaniae hyperbolice loquuta est de divitiis Regum Aethiopiae, p. 108. — 12. Quid sit
veri in eo quod aflfirmat Urreta de nummis excusis ab Alexandro: Auctor loquitur ex
propria experientia, p. 109.
INDEX CAPirUM LIBRI I ET II. 625
Capitulo X. — Em que se declara a causa porque se camefaram a
meter os Jilhos dos Emperadores em Guixin Ambd ; ate que Em-
perador durou este costume e como se guardam agora os descen"
dentes de CLquelles primeiros pag. 1 11-120
Sumauirium. i. Filius imperatoris Iciinu Amlac fuit primus qui fratres suos in
Amb£ Guix6n custodiendos misit, p. iii. — 2. £x eo tempore usque ad Nadd viguit ille
mos. Filii Imperatorum poterant nubere, illis dabatur cibus et potus abundanter, sed
pecunia parca. Mancipiis utebantur ad servitia, commercium cum nobilibus et hominibus
liberis illis vetitum, p. 112. — 3. A militibus armatis custodiebantur. Duo homines no-
biles, vocati Acahii Ambd et XobhSr Jan Cirfir, eorum curam gerebant, immo eis impe-
rabant. Exeroplum notabile severitatis, p. 113. — 4. Zara Jacob ignominiose tractat omnes
pertinentes ad faroiliam imperatoris Hezb In&nh. B^da Maridm eos restituit in pristinum
statum. Sed illi rebellant. B£da Maridm per fraudem expugnat Ambi Guixdn et 80
ex fiUis Imperatoruro capite plectit, p. 114. — 5. Na6d, ultirous qui ad imperium
fuerit evectus ex Ambd Guixdn, prohibuit ne sui filii eodem custodirentur, et ex eo tem-
pore, scil. a 114 annis, vetus consuetudo cessavit, p. 115. — 6. Prognati tamen veterum
Imperatorum adhuc in Amba Guixdn, in liberiori licet custodia, relicti. Tempore Auctoris,
scil. anno 1616, ad 200 numerabatur, inclusis uxoribus et filiis, p. 115. — 7. Quae retulit
Auctor circa Ambd Guixdn scivit a Selt&n Sag&d et a quibusdam Principibus, qui longo
tempore in ea Ambd morati sunt. Errores Urretae et Alvarez circa originem consuetu-
dinis praedictae, p. 116. — 8. Ex dictis supra refutantur, p. 116. — 9. Alia commenta
Urretae risu digna, p. 117. — 10. Iterura alia, p. 118. — 11. Breviter refutantur, p. 119.
— 12 Falsum denique mulieres nullas subiisse imquam Ambd GuixSn, p. 220.
Capitulo XI. — Em que se trata do modo que tinham antigua-
mente em Ethiopia em eligir Emperador, escolhendo hum dos
Principes de Guixin Ambd, e do qtie agora se zisa. pag. 1 2 1 -i 3 1
Summarium. Referuntur fabulae Urretae circa electionem Imperatorum eiusdemque
caeremonias, p. 121. — 2. Iterum alia comroenta Urretae, p. 124. — 3. Electio Impera-
torum numquam habita est in Guixen Ambd, neque eam praecessit ieiunium, p. 125. —
4. Numquam Reges alii interfuerunt electioni, neque Archiepiscopi et Episcopi, quia unus
Episcopus in tota Aethiopia, qui non est nec unquam fuit Patriarcha, p. 126. — 5. Im-
peiatores praeferunt Crucem non ut sceptrum sed ut insigne diaconatus, p. 127. — 6. Neque
iurant se quatuor prima concilia una cum Florentino observaturos. Contumeliae quae ^
contra Calcedonense leguntur in libro, qui inscribitur Mazaqucbt Haimanot et alia contra
s. Leonem papara in alio libro dicto Hairaan6t Abb6, p. 127. — 7. Quam mal»; sentiant
Aethiopes de concilio Ephesino demonstrat Guerreiro, p. 128. — 8. Quae narrat Auctor
circa electionem habuit ab ipso Seltdn Sagiid, abAbba Marca et aliis fide dignis. In
libris aethiopicis nulla de hac re mentio. Electores, qui ct Gubernatores tempore vaca-
tionis, novem, scil. : 2 Behfit Oaded, 2 Uzta Azax, 2 Hedug Eraz, 2 Goita, et i Acabivat.
Qui ferebat nuncium electionis vocabatur Jdn (Jarar, p. 129. — 9. Receptio, unctio
et proclamatio neo electi in regem fiebant a 4 e primoribus ecclesiasticis, p. 130. —
10. Praedictac caeremoniae locum habuerunt usque ad Naod, p. 131.
C. Bbccari. J^er, AeiA» Script. occ» ined. — II. 79
626 HISTORIA DE ETHIOPIA
Capitulo XII. — Das ceremonias que usam em Ethiopia em a
roofam do Emperador pag. 133-1
Summarium. 1. Soleninis uDctio et coronalio Iniperatoniin Gt ab immeiDOTBbili
ecclcsia urbis Axum, p. 133. — 1. Nomina digDitaluni, i]use iuxta libruni caeremol
rum coronatioDis, adesse debent caeremonUe, et quid unaquaeque praestet, p. 133.
3. De caeremoDiis, quae praecedunl coroDationem. Imperator interrogatur a pueila qi
□am sit; responsio; ovaCiones populi. Imperator auntm spaTgit : quinain illad colligi
p. 134. — 4. Domestica et sylTestria sDiinalia ab incoiis circumstaatium regionum o
runtur vivemia; monachi psalmos et hymnos cantant; populus flores spargil super tl]
num legis, p. 135. — 5. Anle ihronum ofTeitui regi in vasis aureis lac et vinum ei me
in aigenteis aqiia et vinum de vite: inde ungitur a clericis senioribus; pergit ad or
dum ia ecclesiam: accipit ab Abuna et singulis rleiicis et a piimoribus regni beae
ctionem; denuo ipse benedicit onjnibm et revertitur dcimiim, p 135. — 6. Cur Auc
noQ potuit interease corouationi Seltin SagSd: caeremonias tunc habitas refert ei infom
tioae lohannis Gabriel lutitani, qui nti dui lusitaDae cohortis et amicus Impeiatoris interfi
p. i;(i. — 7. DeM^riptio caeremoniae, (]uae non valde distat ab ea superius allaia ei libris
clesiae Aium, p. 137. — 8. Tempore Auctoris non eiistebant amplius illae catliedrae
petra, de quibus lil mentio in libTis aethiopicis et iri Hhtoria Fiancisci Alvare^, p. 139.
pro ecclesia palnim, p. 139. — 10. Indc aggreditur cum suo eiercitu reiielle» tigrens
quoram dui tamen cum pauds fuga salutem iDvenit, p. 140. — 11. Ei dictis supra
coronatione sequitur descriptioncm Urretae fabulosam esse, p. 141.
Capitulo XIII. — Rm que se trata do modo com que 0 Emperad
de Ethiopia ouve os officios divinos , , .... pag. 143-1,
Summarium. 1. Vetus coasueludo, iuita quam nemo poterat aspicere vultum I
peratoris, iam iode a tcmpore Fraacisci Alvarez abolita, p. 143. — 2. Quonam appara
iusta Alvarei, imperator Onig SagSd se cocfeiebat ad audieodam missam, p. I44.
3. Quomodo iient Imperatores ad audiendam missam lempoie Auctoria, p; 145. — 4. 1
scriptio cathedrae Imperatoiis in ecclesi.i et pompae in reditu. Descriptio sellae im;
rialis in regio tcatorio, p. 145. — 5. Descriptio pompae qua Ataaaf Sngld se conti
ad audiendam missam in ecclesia catholicomm ab Auctore celebratam, p. 146, — 6. ]
stum Inventionis s. Crucis desciiptum ab Uireta commeatitium, immo ignotum b;
Acthiopes. qui t.-imen m.igno apparatu celebiant festum Ei.iltationis eiusdem. p. 147.
r. Falsa descriptio festi in dominica Palmarum ab Uireta tiadita, p. 148. — 8. Qu;
absonum sit quod lefert Urieta circa festum ss. Sacrameati ia Aethiopia celebr.ntum
mandalo pontlticis Pautt III, p. 149. — 9. In Aetbiopia nullae domus cum fenesliis, >
tnntum paivac casae cum solo pede. Nulla n
C.\PITUL0 XIV. — Do aparato que leva 0 Emperador quando i
minha e da ordem com que asenta suas tendas . pag. 151-1
Summarium. — Modus iter habendi Imperatoium tempore antiquo, p. 151.
:. Quomodo sua itineia instituerit AtanAf Sngad, iuita descriptionem Alvarez, p. 151.
3. Quid in suo vestitu tempore itineiis immutaverit Sellan Sagdd, p. 151. — 4. Auc
dcscribit fuse el de visu modum iier haliendi Scllan SagSd tempore belli. Eieicitus
INDEX CAPITUM LIBRI I ET II. 627
quatuor acies distinctus: primae praeest Imperator, secundae Fit Aorari, tertiae Cdnhe
Azm&ch, quartae Guer& Azmach, p. 153. — 5. Quomodo Selt^n Sagid iter faciat tem-
pore pacis. Exercitus, licet numero et armis validus, saepissime vincitur ob defectum di-
sciplinae et ordinis, p. 157. — 6. Describitur modus castrametandi, p. 158.
Capitulo XV. — Em que se declara se o Preste Joam contrae sem-
pre matrimonio com algumas dasfamilias dos tres Reys Magos, ou
com a senhora que milhor Ihe parece em seu imperio, pag . 161-166
Summarium. — i. Fabulae Urretae circa mulieres quas ducunt uxores Reges Ae-
thiopiae, p. 161. — 2. Mogorum, qui adoraverunt Christum, nulla memoria in Aethio-
pia. Imperatores semper nupserunt et nubunt nunc cui volunt, p. 163. — 3. Exempla
recentia, p. 164. — 4. Refutatur alia fabula Urretae risu digna. Aethiopes solent, sicut
et Mahnmedani, varia emblemata in brachiis et alibi sibi imprimere elegantiae causa, p. 164.
— 5. Mulieres, etiam e nobilioribus, equitare solent in mulis, non in equis, multoque
minus in elephantis, qui in Aethiopia sunt omnes sylvestres, p. 165. — 6. Descriptio
caeremoniae nupttarum Imperatoris, p. 165. •» 7. Post nuptias, statuto die, solemniter
imponitur Imperatrici nomen Itegud, cuius interpretationem fnistra Auctor inquisivit, p. 1 66.
Capitulo XVI. — Em qtie se trata dos juices que tem 0 Preste
Joam, do modo de proceder em a justifa e do castigo que dam
aos delinquentes pag. 167-178
Summarium. — i. ludices supremi Azaxdch et minores Umbar6ch vocantur et
eliguntur ex antiquis familiis nobilibus: ludex aulae regiae Far& dicitur, p. 167. —
2. Locus iudicum in residentia Impcratoris. Unus est praeses in utroque tribunali, p. 168.
— 3. ludicia omnia etiam de gravioribus delictis oretenus, non scripto, habentur. Quid
sit Barcafach. Rei de levioribus dant vadimonium, rei de gravioribus vinciuntur catena:
omnibus datur facultas sibi defensorem eligendi, p. 168. — 4. Modus procedendi in iu-
didis, p. 169. — 5. Modus ferendi sententiam. ludices, non stantes, uti retulit Alvarez,
sed sedendo sententiam dicunt, p. 170. — 6. Ordo confirmandi sententiam a tribunali
supremo et ab Imperatore quis fuerit antiquitus et quis sit nunc, p. 171. — 7. Dies as-
signati pro iudiciis qui sint. In provinciis servatur idem ordo ac in aula regia, p. 171.
— 8. ludex loci pro unoquoque pago vocatur Xum et eligitur e qualibet familia ab
ipso pagi domino. Ordo procedendi servatus ab istis iudicibus, p. 172. — 9. Poenae sunt
exilium, abscissio manus, vel pedis, vel auris, capitis obtruncatio, suspendium. Homici-
dae aliquoties traduntur vindictae familiae demortui. Seltan Sagdd, rogatus ab Auctore,
ne in posterum hoc Beret prohibuit| p. 172. — 10. Antiquitus rei etiam leonibus obii-
ciebantur. Morte damnati, sacramentis Ecclesiae non reficiuntur, p. 173. — 11. Mulier
adultera mulctatur pecunia. Vir potest semper eam dimittere, p. 174. — 12. Eabulae
Urretae circa iudicia ex dictis refutantur, p. 174. — 13. Ante Petrum de Covilham nul-
lus lusitanus ingressus est in Aethiopiam. Imperatores ante adventum Patrum e S. I. nul-
lam notitiam habuerunt codicis legum lusitanarum. Atanaf Sagdd et SeltSn Sagad illum
petierunt a p. Paez, p. 175. — 14. Refutatur calumnia ab Urreta apposita quibusdam
mercatoribus italis, p. 176. — 15. Falso asseritur apostatas in Aethiopia leonibus obiici,
pactionem intercedere inter Imperatorem et Reges mahumedanos, hosque magno in pre-
tio habere Patres Dominicanos monasterii de Alleluia, p. 177. — 16. Falsum pariter
hariolas et blasphemoa magnis affici poenis, p. 178.
628 HISTORIA DE ETHIOPIA
Capitulo XVII. — Da residencia que iomam aos Ouvidores do Em^
perador e aos de setis Vissorreis pag. 179-184
Summarium. — x. Refenintur soinDia Urretae circa relegationem iudicum in
Amba Guixen dum in eorum administrationem inquiritur, p. 179. — 2. Confutantur prae-
dicta. Exponitur quomodo in Aethiopia agantur recursus et quo fructu, p. 182.
Capitulo XVIII. — Em que se declara se ha em Ethiopia, ou ouvc
Cofiselho Latino pera se tratarem os negocios tocantes a Europa.
pag. 185-188 I
Summarium. i. De Consilio Latino nulla unquam notitia in Aethiopia, p. 185.
Capitulo XIX. — Em que se declara se 0 Preste Joam visita pes^
soalmente as cidades de seu imperio pag. 189-192
Summarium. Commenta Urretae circa visitationem civitatum Aethiopiae qnae ab
Imperatore fiebat, p. 189. ~ 2. Quam longe sit hoc a vero demonstratur et ex veteri con-
suetudine Imperatorum et ex iis quae recenter ipse Auctor ocnlis usurpavit, p. 190. —
3. Quomodo Imperator recipiat et quibus donis curoulet cognatos suos nuptias contra-
cturos, p. 191.
Capitulo XX. — Em que se trata das cidades de Ethiopia e edificios,
de seu governo, distingam de moradores e trajos. pag. 193-205
Summarium. i. Nullae in Aethiopia urbes: maxima casarum et tentoriorum ag-
glomeratio circa residentias Imperatoiis et Viceregum, quae non infrequenter mutantur.
Alibi parvi pagi ex casis miserrimis, p. 193. — 2. Casae omnes tantum plano pede con- y
structae, plerumque paleis, alicubi solario contectae ; Selt&n Sagad in regia domo ex
petra ad lacum Dambiense contignationem superstruxit cum solario et superius cubicu-
lum cum fenestris ad speculandum. Descriptio eiusdem. Quomodo et quorum expensis fiant
domus gubematorum, p. 194. — 3. In quolibet pago praeter Xum alii duo iudices, quorum
unus vocatur Lebadim ; quaenam sint eorum partes, p. 195. ^ 4. Quonam ordine aedificatae
fuerint domus in nova urbe, seu pago in peninsula lacus Dambii. Solus Auctor privilegium
habuit eligendi sibi locum pio domo aedificanda, p. IQ5. — 5. Fuse describuntur vestes et
omatus virorum nobilium tempore Auctoris, p.196. — 6. De vestibus et omamentis mulie-
mm nobilium, sive virginum, sivenuptamm, p. 197. - 7. Vestes homlaum et muliemm de
plebe, p. 198. — 8. Quid commentatus sit Urreta circa modum gubemandi in Aethiopia,
p. 199. — 9. Refertur descriptio Urretae duamm urbium Saba et Zambra, p. 200. —
10. Eadem fabulis scatere demonstratur, p. 202. — Ruinae quae prope Axum visuntur
et traditio populi demonstrant ibi quondam urbem insignem extitisse, p. 202. - 12. De-
scriptio urbis Gub&i prope lacum Dambia ab imperatore Malac SagSd aedificatae, cuius
vix vestigia Auctor potuit detegere. lacob sedem posuit in loco dicto CogS, sed tempore
Auctoris Seltan Sagdd elegit sibi sedem in Dancdz, p. 203. — 13. Deridentur alia com-
menta Urretae circa ludos circenses et pompas, quae prope urbem Zambra ab Imperato-
ribus instmebantur, p, 204.
Capitulo XXI. — Em qne se declara alguma cousa da naturefa e
costtimcs que tem os vassallos do Preste Joam . pag. 207-218 ^
Summarium. i . Aetiopes vultu non spemendi, fortes viribus, laborum, sitis, famis,
frigoris patientes. Animo plerumque mites, iniurias etiam gravissimas remittunt. Rogati
INDEX CAPITUM LIBRI I ET II. 629
pro amore Dei et b. Virginis nihil unquam dcrBegant, p. 207. «- 2. Libcralitas omnium
erga pauperes. Magistratutt dictus pater orphanonun, distribuit nomine Imperatoris in
viduas et orphanos redditus qui vocantur C0I6, p. 208. — 3. Ecclesiaa frequentant om-
nes, ibique devote et decenter officiis divinis assistimt: qui domi manent orant et re-
citant psalmos; neque itinerando intermittunt preces quotidie dicere, p. 208. — 4. De
piis peregrinationibus et ieiuniis, quae rigide admodum servare solent, p. 209. — 5. Quas
insuper tempore quadragesimae corporis afflictationes sibi monachi imponere soleant, p. 210.
^ 6. De poenitentiis quas pro peccatis Abuna et sacerdotes imponunt Confessio pu-
blica, p. 210. — 7. Aethiopes sunt valde comites inter se: salutationes, quas semper in
plurali usurpant, sunt; Ch6r &lu, ch^r cebah^t la egziabeh^r, mininhS A\^^ bi^dn ayadl
et aliae, quas Auctor interpretatur, p. 211. — 8. Mos a nobilibus et a Viceregibus usur-
patus quando Imperatorem invisunt, p. 211. — 9. Describitur sella seu thronus Impera-
toris, p. 212. — 10. De suppellectili domestica etiam nobilium. De cibis magis usitatis.
Quod mos edendi camem vaccae crudam sit causa taeniae Auctpr multis exemplis de-
monstrat, p. 213. — 11. Bestias esui destinatas mactant domi ibique pariter coquunt
panem. Potus communis cerevisia, quae ubique prostat venalis; ditiores bibunt vinum ex
melle. Villici tenentur suis sumptibus cibum et potum parare nobilibus iter agentibus, p. 213.
— 12. Modus vendendi et emendi: pro pecunia Aethiopibus est vel aurum rude, vel sal.
De cultu agrorum; cumis nullibi, p. 214. — 13. Quibus armis utantur et quibus instru-
mentis musicis, p. 215. ~ 14. De iure haereditatis in singulis familiae membris. De ezpensis
pro funere, p. 215. — 15. De luctu in morte parentum, mariti vel uxoris. Exempla re-
centia ab Auctore oculis usurpata, p. 216. — 16. £x dictis confutantur novae fabulae Ur-
retie circa materiam praesentem, p. 217.
Capitulo XXII. — Em qtie se declara se em Ethiopia ha semina'
rios e collegios pera insinar mininos e mininas e universida-
des onde se leam as ciencias pag. 219-227
Summarium. i. Referuntur alia inventa Urretae circa seminaria pro adolescentibus
et puellis, p. 219. — 2. Item circa universitates, p. 220. — 3. Confutantur praedicta.
Quomodo et a quibus doceantur reapse pueri, p. 221. — 4. Viri nobiles alunt domi suae
monachum, qui eorum filios doceat Sed tales magistri inhiant potius pecuniae et honori-
bus quam discipulorum profectui, p. 222. — 5. Quae de meretricibus et spuriis retulit
Urreta ignota prorsus Aethiopibus, p. 223. — 6. Confutatur Urreta circa universitates.
Quid praestent medici in Aethiopia. Medentur omnibus infirmitatibus ieiunio; contra
taeniam utuntur C096, contra tumores carbunculi succo arboris Corpil vel Guindd dictae,
p. 223. — 7. De duabus medicinis, quas apud Turcas usurpari cum successu Auctor expcr-
tus est, p. 224. — 8. Quomodo clerici studeant Conciliis et s. Scripturae, p. 225. — 9. De
quodam monacho eximio sacrae Scripturae interprete apud Aethiopes : referuntur quaedam
ipsius interpretationes risu dignae. QuJd de talibus magistris senserit SeltAn Sagfid, p. 225.
— 10. Quid Auctor et PP. praestiterint circa versiouem in aethiopicam linguam aliquo-
nim s. Scripturae interpretum et quo fructu, p. 227.
Capitulo XXIII. — Em que se trata dos animaes assi domesticos
como bravos^ que ha em Ethiopia pag. 229-237
Summarium. i. NuIIa regio ex iis bene multis quas Auctor peragravit habet tot
genera et species animalium quot Aethiopia. Equi et muli, licet parvi, fortes et velo-
ces, p. 229. — 2. Cameli, asini et onagri. Vaccae multae et optimae, caprae et oves
paucae, nec esui valde bonae, p. 230. — 3. Canes multi et fortes et ad venandum
/
630
aptissimi. Snnt etiam syW
fcstria propria TCgionls su
duo conniB, p. !3i. — 5. <
describTintnr «b Auctore, j
bubali, elepbantes, tieres,
hiBtrices et caiies aarei. L
interdiu, — 8. Feles odora
quaestum faciant. Moscut,
speciebus ; maiores messib'
agris; serpentes plures mi
rabulae circit Faunam Aet
Sag^d circa modum, quo
Capitulo XXIV, -
SummariiUD. 1. Avi
— 2. Psytlaci; Passeracea
dam exploditur, p. 141. -
p. 241. — 6. Strigidae, p.
snnt. Gallus Pavo aulltbl
dom avis mirabilis absque
Capitulo XXV. -
dade das ierras
limus, olicubi frigidiasimu
ulveo fluminum; fodidae s
dani; plumbi parcitas, p.
unno: triticum, Iiordeum, 1
gmfi et Tef Duncupalae, c
nibus utuntor ad esum, se
ex olivis raro. De aliis pi
J. De arboribus fructifetis
vitil; de gossypio et eius
sylvestribus ; praecipuae s[
arva et omuia devorant, p
fuiantuT ei dictis, p. 251.
circa plantas et arbores, p
Capitulo XXVI. -
causa de suas c;
Summarlum. — Ni'
binss Auctor deteiit die 21 .
— 3. Regio, quae cirra ■
lanim, p. 156. — 4. Nilu
cipit duos rivulos et flamt
bid, unde post 6 teucas e1
usque ad Alatl, ex cuius
circumit regnnm Gojam 1:
INDEX CAPITUM LIBRI I ET II. 63 1
Dam6t. Graditur dcin per regnum Fazcold et Ombared, ultra quorum fines Auctor fate-
tur se nequivisse ulterius cursum Nili investigare, p. 258. — 6. Referuntur veterum
scriptorum et Urretae opiniones de causis inundationum Nili, p. 258. — 7. Eas falsas
esse demonstrat experientia, quae fallere nequit sicut ratiocinatio a priori, p. 259. —
8. Piscium multae species in Nilo et esui optimae. De hippopotamis et de torpedine
vera narrantur, p. 260. — 9. Referuntur commenta Urretae de fontibus Nili aliaque
valde absona ad hoc flumen spectantia, quae cum Auctor retulisset SeltSn Sagdd et pri-
moribus regni, risum excitavit, p. 261.
Capitulo XXVII. — Dos rios Mardb e Tacacf e do discurso de
suas correntes pag. 265-271
Summariuoa. — Commenta Urretae circa flumen Marab, quod ipse perperam flu-
men Nigrum appellat, p. 265. — 2. Refutantur commenta. Flumen Marab non habet
scatebras prope monasterium de Alleluia, sed alibi; eo loci vertit ad occidenten> et post
circiter 50 leucas influit in flumen Taca^fe vel, ut alii dicunt, ultra decurrit in regnum
Dequin, p. 268. — 3. Saxis tantummodo dives non auro vel lapidibus pretiosis, immo
pauper aquarum terras abhiit omnino steriles, p. 268. — 4. Scatebra fluminis Marab et
eius decursus exacte deacribuntur ab Auctore, p. 269. — 5. Quid retulerit Auctori Joam
Gabriel circa flumen Marab, p. 270. — 6. Cur in regno Dequin mutet nomen et ulie-
rius non progrediatur, p. 270. — 7. Flumen Taca^S e tribus scatebris oritur in loco di-
cio Axguagud regni Ang6t; decurrit primo occidentem versus habens provincias Dacana
et Oag ad septentrionem, Ebendt et Quinfaz ad meridiem; inde flectit ad septentrionem
medius infer Bargal6 et Cemen et inter Tigrd et Zalamt cum deserto AldubS. Est valde
dives aquarum et periculose trasmittitur, quia frequentes crocodili, p. 271. — 3. Prope
cius ripas arbores fructiferae nullae; pisces multi. Influit in Nilum prope Berb^r, p. 271.
Capitulo XXVIII. — Em que se trata dos rios Zebi e Haodx
pag. 273.276
Summarium. — i. Flumen Zebe fontes habet in BoxS regni Narea: fluit primo
occidentem versus, dein ad septentrionem, circumiens regnum Zenyerd, vergit inde nd
meridiem abluitque terras CoratS. Variae apud Aethiopes opiniones de eius ulteriori de-
cursu et in oceanum effiuxu, p. 273. — 2. Flumen Hao&x scaturit ad pedem montis
(xecuala, qui dividit regna Fatag^r et Oye a regno Xaoa, cuius terras abluit, donec in-
grediatur provinciam Au^&guralS regni Adfil, quod magna donat fertilitate, p. 274. —
3. Somnia Urretae circa flumina Zayre et Aquilonda, p. 274. — 4. Ex dictis refutan-
tur, p. 275.
Capitulo XXIX. — Em qiie se trata das principaes lagoas que ha
em Ethiopia pag. 211-2^2
Summarxum. i. De lacubus Aethiopiae et primo de lacu Zodi, qui invenitur in
regno Oye et 7 leucas distat a Zdf bar; circuitus habet 10 leucarum; in eius medio est
insula parva, ibique monasterium : effluit ex eo flumen Machd. Prope hunc alius parvus
lacus Xacald, p. 277. — 2. De lacu Haic in regno Angot, p. 278. — 3. Praecipuus lacus
est Dambisi BahHr. Habet 25 leucas longitudinis, et 16 latitudinis. Planities quae cir-
cumstant valde fertiles et opimae. Seltan Sagad hortus, arboribus fructiferis omnigenis
consitus, prope lacum, p. 278. — 4. Multae in medio lacu insulae valde fertiles; ex his
21 habent monasteria. Praecipuae sunt Galila, Dec, Rema, Quebran et Debra Antonz,
p. 278. — 5. Describuntur par>'ac cymbae quibus untuntur maxiroe monachi ut de ima
632 HISTORIA DE ETHIOPIA
in aliam insulam transmittant. Abunae anno 161 3 vana tentamina in extruenda navi
maiori; ipse naufragium fecit et vitam nando sexvavit, p. 279. •» 6. Lacus abundat
multis et ma^is piscibus esui optimis. Eorum duae species, moribus omnino singularibus,
ab Auctore describuntur, p. 280. — 7. De hippopotamis aethiopice Gumaris dictis. Gra-
phice describuntur, p. 280. — 8. Multi sunt ad ripas lacus DambiS, et damna inferunt
messibus. Eorumdem mores, p. 281. •» 9. Deridentur somnia Urretae de lacubus Ae-
thiopiae, p. 282.
Capitulo XXX, — Em que se trata das rendas e tributos que pa-
gam ao Prestc Joam seus vassallos pag. 283-291
SummArium. i. Annua tributa Imperatoris sunt: e regno Nared cruciatorum au-
reorum 15 millia; e regno Goj&m 11 millia et quingenti ; e regno Tigr^ 25 millia et
sexcenti ; ex aliis partibus 4 millia, p. 283. — 2. Praeterea quodlibet regnum solvit tri-
buta gossypii, mellis, mulorum, equorum etc. Quomodo de istis disponeret SeltSn Sagad,
p. 284. — 3. Villici omnes soh^unt quotannis Imperatori tributum quod vocatur C0I6 ;
et dominis quintam partem omnium fructuiun praeter duas mensuras mellis et duas gal-
linas, p. 285. — 4. Redditus arvorum qiuie propria sunt Imperatoris. Enumerontur alia
tributa, quae solvuntur in portubus et in nundinis. Edicitur numerus vaccarum quas una-
quaeque provincia quotannis praebere dcbet, p. 285. — 5. Ex dictis confutantur fabulae
Urretae. E quibus fontibus Auctor hauserit omnia superius exposita, p. 286. — 6. Exer-
citus ad summum numerari potest 200 millia militum; sed toto tempore quo Auctor
mansit in Aethiopia, milites expediti non amplius quam 50 millia fuerunt, p. 287. —
7. Alia commenta Urretae et Francisci Alvarez, qui ab ipsis aethiopibus circa tributa
fuit manifeste deceptus, p. 287. — 8. Ipse Saltan Sagild valde deridet fabulam Urretae
de formicis, quae statura canes aequarent etc, p. 288. — 9. Exponuntur et refutantur erro-
res geographici praedicti scriptoris, p. 288. — 10. Refelluntur item alia commenta de vi-
ctoria imperatoris David contra Trogloditas, et quod eius imperio vectigal fuerit regnum
Monomotapae, p. 289. — 11. Refertur dein vera historia Fiquit6r filii imperatoriis Da-
vid, qui ante patrem suum in praelio occubuit, p. 290.
Capitulo XXXI. — Em qtie se comefam a referir algumas das
cousas que dom Christoviw da Gamafez em Ethiopia. pag. 293-304
Summarium. i. Ea qune Auctor relaturus est de gestis Christophori de Gama
desup'a sunt tum ex relatione cuiusdam senis, qui Chrjstophoro comes fuit, tum ex
scriptis Fernandi Guerreiro et Michaelis de Castanhoso, p. 293. — 2. Errores Urretae
circa historiam praesentem, p. 294. — 3. Breviter refutantur, p. 295. — 4. Stephanus de
(Tama, gubernator Indiarum, movet cum classe lusitana contra Turcas, ad Mare Ru-
brum. Re infecta, cum rediret, appulit Ma^uam, ibique legatos Zabel6 Oangu^l impe-
ratricis Aethiopiae, auxilium petentis conlra Mahumedanos, recipit, et, consilio inito cum
suis, fratrem suum Christophorum cum 400 militibus expeditis ad Imperatricem mittit,
p. 295. — 5. Christophonis movet castra et per itinera difficillima post octo dies per-
venit Debaroa, ubi a Bahar Nagax, a clero et populo magno gaudio excipitur, p. 296. —
6. Nuncios de suo adventu mittit duos c suis ad Imperatricem, quae in rupibus Dam6
morabatur. Ipsa dcscendit, invisit Christophorura, miratur arma et ordinem pugnandi, et
custodiae Lusitanorum se committit, p. 297, — 7. Ibidem hiemare et ad praelium ne-
cessaria parare statuunt. Claudius imperator certior factus de Lusitanorum adventu, tran-
sacta hieme, eos ad se venire quantocius iul>et. Christophorus exploratores Granh morte
punit; et regiones circumstantes, quae rebellaverant, subdit, p. 298, — 8. Lusitani cum
INDEX CAPITUM LIBRI I ET II. 633
Imperatrice iter aggrediuntur et per asperrimos montes secum trahentes tormenta bellica
post multas ambages perveniunt in conspecCum Ambd Candt a Mahumedanis forti manu
occupatae, p. 299. ~ 9. Describitur locus natura et arte Aethiopibus inexpugnabilis,
p. 300. " 10. Christophorus et milites et tormenta bellica in tres acies dispertit Uno
tempore omnes eminus pugnam instituunt: at, ad hostes fallendos, se retrahnnt, p. 301.
— II. Altera die summo mane pugnam instaurant atque, hostibus omnibus interemptis,
fortissima munitione potiuntur et captivas mulieres christianas libertate donant, p. 301.
— 12. Christophorus, nnncio de victoria ad Imperatricem misso, templum Turcarum in
ecclesiam vertit, ibique 8 Lusitanos, qui in praelio ceciderant, sepeliendos, gratiasque
solemnes Deo agendas corat, p. 303. — 13. Gnbematorem Christophonis certiorem facit de
rebns a se gestis ab eoque bellicum apparatum petit, p. 304.
Capitulo XXXII. — De como, prosiguindo dom ChristovHo seu
caminho, veio em stia busca 0 Grdnh com grande exercito, e do
que com elle passou pag. 305-310
Summariuin. i. Viribus suorum refectis, cum rescisset ipsum Gr&nh cum exercitu
adventare, illico decertare statuit. Loco opportuniori delecto et per exploratores de hostium
numero certior factus, eorum impetum praestolatur, p. 305. — 2. GrAnh legatum ad
Christophorum mittit ut eum ad suas partes trahere studeat; quid Christophorus per
nuncium responderit, p. 307. — 3. Gr&nh parvam manum Lusitanorum undequaque cir-
cumdat eosque fame ad deditionem compellere studet. Christophorus praelium incredibili
audacia committit : victoria diu anceps ; tandem Granh, gravi accepto vulnere, cum suo
exercitu terga vertit, p. 308.
Capitulo XXXIII. — De como dom Christovam deo a 2' batalha
ao Grdnh pag. 311-317
Summarium* i . Secunda vice Christophorus praelium comroitcit cum exercitu Grdnh,
multisque mahumedanis caesis, reliquos cum suo duce in fugam coniicit, p. 311. —
2. Consilio inito cum primoribus Aethiopiae, hiemare statuit ad pedes montis Ofld prope
fines regni Angdt et in conspectu castrorum Grdnh, p. 313. — 3. Sub finem hiemis
cum 100 e suis Lusitanis noctu aggreditur fortissimam maurorum munitionem ad flumen
Tacac^, eaque superata, hostes ad unum omnes caedit spoliisque opimis potitur, p. 314.
— 4. Granh caedibus suorum perterritus auxiliares copias et tormenta bellica a Turcis
Arabiae expetit, iisque acceptis, cum Lusitanis committere parat, p. 316.
Capitulo XXXIV. — De como o Grdnh deo batalha a dom Christo^
vam, e do que sucedeo. . . . , pag. 319-326
Summarium. i. Grdnh prima luce cum omnibus suis copiis Lusitanos aggreditur.
Magna virtute utrimque pugnatur, sed tandem, nocte incumbente, et multis suonim caesis,
Lusitani se retrahimt. p. 319. — 2. Patriarcha Bermudez, Imperatrix et maior Lusitano-
rum pars, tenebris, sylva et asperitate montis protecti, salutem inveniunt. p. 321. —
3. At Christophorus iam sauciatus cum paucis e suis prope fontem ab hostibus intercipitur
et ad Granh adducitur, qui. multis contumeliis et suppliciis athletam fortissimum afTectum,
tandem sua ipse manu capite obtruncat, p. 323. — 4. Turcae propter mortem Christophori
in iram conversi, castra Granh fere omnes relinquunt. Perfuga lusitanus Imperatrici narrat
necem Christophori. Prodtgia subsecuta: Auctoris vana tentamina pro recuperandis eius-
dem exuviis, p. 324. — 5. Refertur probrosa calumnia ab Urreta imposita lusitano nomini
eaque ex dictis refutatur, p. 325.
C. Beccaki. Rer. Aetk. Scripi, oce, ined. — 11. 80
634 HISTORIA DE ETHIOPIA
Capitulo XXXV. — De como os Portugueses, qtie escaparam da ba-
talha, se juntaram com a Emperatriz e depois com o Preste
Joam, e deram batalha ao Grdnh P^^- 327—337
SumiiMirittm. i. Lusitani superstites, Imperatricem sequuti, in verticem raontis natura
munitissimi se coUigunt. Reliqui 1 2, per invia et aspera errantes, in hostes incidiint, quos
incredibili audacia adoriuntur et in fugam vertunt; tandem ad suos salvi perveniunt,
p. 327. — 2. Luctus Imperatricis pro caede Christophori de Gama. Viribus refectis, 120
Lusitani Imperatricem sequuntur in Qemen ; reliqui 50 Ma^uam veniunt in Indias trans-
missuri, p. 328. — 3. Claudius imperator et ipse in Qemen venit; ubi, collecto exercitu
500 equitum et 8 millium peditum, Lusitanorum suasu, contra copias GriLnh decertare
statuit, p. 329. — 4. In provincia OagrS primum agmen hostium, duce interempto, profligat
et in fugam vertit, p. 330. — 5. Inde magnis itineribus ad Oinadaga prope lacom Dambia
venit et castra ponit in conspectu castrorum Gr&nh. Per plures dies levioribus praeliis
hostes lacessit, qui, insidias moliti, ducem e piimis Aethiopiun interficiunt, p. 331. —
6. Altera die praelium committitur. Res diu manet in ancipiti: at tandem ipse Granh,
gravi vulnere saucius, capite plectitur et universus maurorum exercitus praecipiti fuga
terga vertlt, p. 332. — 7. Uxor Granh, caede viri sui et maioris partis exercitus cognita,
cum paucis equitibus fugam arripit Aethiopes victores casttis hostium et copiosa praeda
potiuntur, p. 333. — 8. Quae hucusque retulit accepit Auctor a testibus de visu fide dignis.
Quomodo eadem narraverit Urreta, p. 334. — 9. Calumniosa narratio pluribus argumentis
refutatur, p. 335.
Capitulo XXXVI. — De algumas cousas que sucederam depois que
o Preste venceo ao Grdnh, e das exequias que fez a dom Christovam
e aos demais Portugueses que morreram. . . . pag". 339-343
Summarium. i. Claudius ad lacum Dambia instiuit castra ibique a duce Calid accipit
caput obtruncatum Granh ; sed suam sororem Calid matrimonio iungere recusat, quia iste
Granh iam demortuo caput abscidit, p. 339. — 2. Lusitani, qui Ma^uam petierant, rever-
tuntur in Qemdn, indeque cum Imperatrice ad Claudium se conferunt. Caput GrSnh per
omnis Aethiopiae regna circumfertur, p. 340. — 3. Claudius veniam dat Eraz Degana
aliisque ducibus, qui partes Granh fuerat sequuti. £x illis unus, qui particeps fuerat ne-
cis Christophori de Gama, a Lusitanis interimitur, p. 340. — 4. Exacto iam prope hieme,
Claudius, plusquam boo monachis undequaque collectis, iusta solemnia annua memoriae
Christophori persolvit. Inde, collecto exercitu, per omnes Aethiopiae partes discurrit, eas-
que suo imperio denuo subiicit, p. 341. — 5. Referuntur alia commenta Urretae et ex
dictis refutantur, p. 342.
Capitulo XXXVII. — De como o emperador Claudio escluio ao
patriarcha dom Joam Bermudez e fez seu asento no reyno de
OyS pag. 345-347
Summarium. i. Rebus imperii compositis, Claudius fidem iamdiu datam pa-
triarchae Bermudez sese Pontificis Romani obedientiae submissurum praestare renuit et
alium episcopum ab Alexandrino Patriarcha exposcit, p. 345. — 2. Bermudez, probrosa
calumnia a monachis, conscio Claudio, expetitus, terris Aethiopiae mala precatur et in
Indias revertitur, p. 346. — 3. Claudius in loco dicto Zef Bar regni Oyfi sedem regni
constituit, ibique raagnara urbem ex parvis casis more aethiopico condidit, ubi per 12 an-
nos mansit et tandem a mahumedano duce Nur in praelio interfectus est, p. 347.
INDEX CAPITUM LIBRI I ET II. 635
LIVRO II DA HISTORIA DE ETHIOPIA*
EM QUE SE TRATA DA FE QUE PROFESSAO O PRESTE JOAO E SEUS
VASSALOS, DOS RITOS E CEREMONIAS ECCLESIASTICAS QUE USAM,
COM OUTRAS COUSAS TOCANTES A ELLAS.
Capitulo I. — Do prificipio qtie teve a f6 e religiuo christaa cjn
Ethiopia pag. 349-354
Summarium. I . luxta libros axumiticos Aethiopes fidem christianam amplexati sunt
tempore reginae Candacis, p. 349. - 2. Opiniones SS. Patrum et theologorum circa eu-
nucum Candacis, p. 350. — 3. Historia s. Frumentii iuxta libros Aethiopum, p. 351. —
4. De novem sanctis monachis iuxta eosdem libros. Commenta Urretae breviter refutan-
tur, p. 352. — 5. Quae in sequentibus capitibus Auctor exponet circa errores Aethio-
pum, ex propria experientia, ex eorum libris et ex disputationibus cum monachis com-
perta habuit, ideoque fidem merentur, p. 354.
Capitulo II. — Em qtie se declara como os Ethiopes neguo proce-
der do Filho 0 Espirito Santo pag. 355-364
Summarium. i. Licet Aethiopes mysterium Trinitatis venerentur, tamen pertina-
citer cum Graecis negant Filium a Spiritu Sancto procedere, p. 355. — 2. Auctor per-
suasit multis veritatem doctrinae catholicae, quam etiam professi sunt Cela Christ6s alii-
que ex primoribus, p. 356. — 3. Cela Christds aliusque dux militum, fidem catholicam
amplexi, victoriam insignem de Galas referunt, p. 357. — 4. Imperator Seltan Sagad
favet catholicae iidei et ipse etiam Ichegu^; sed hic nescit solvere argumenta contra pro-
ccssionem Spiritus Sancti a Filio: ab Imperatore advocatur pater Paez ad disputandum,
P< 35^' — 5* Auctor probat veritatem catholicam ex ipso libro Haimandt Abb6, in cuius
recentioribus exemplaribus demonstrat evidenter verba « et a Filio » abrasa fuisse, p. 358.
— 6. Probat idem ex Evangelio; monachi haeretici nesciunt solvere argumenta Aucto-
ris, p. 360. — 7. Inopportuna percontatio cuiusdam viri principis et responsio Aucto-
ris, p. 362. — 8. Auctor privatim disputat cum Abba Marca eumque de veritate c.a-
tholicae fidei persuasum dimittit, p. 363. — 9. Ex dictis confutatur alius error histori-
cus Urretae, p. 364.
Capitulo III. — Em que se referem os erros, qtie os Ethiopes tem
sobre a sacrosanta humanidade defesv Christo N. S, pag. 365-373
Summarium. i.\Probatur Aethiopes unam tantum naturam in Christo profiteri ex
ipsis eorum libris, scil. Haiman6t Abb6 et Mazagu^bt Haiman6t, p. 365. — 2. Coniir-
matur ex disputationibus, quas anno 1604 Auctor habuit cum quibusdam doctis mona-
chis coram Imperatore Za Denguil. Summa primae disputationis, p. 366. — 3. Summa
alterius disputationis, p. 371. — 4. Ex dictis refelluntur assertiones Urretae de recta
doctrina Aethiopum circa Incarnationem, p. 372.
636 HISTORIA DE ETHIOPIA
Capitulo IV. — Em que se prosegue a prova de que os Elhiopes
negtio duas nahirezas etn Christo N, Sj"' . . . pag. 375-391
Sumxnarium. i. Imperator Za Denguil catholicam veritatem amplectitur; quam ob
rem, a monachis commota plebe, vita privatur. Auctor suadet Cela Christ6s eiusque con-
sobrino Abeithum Bela Christds duas esse in Christo naturas, p. 375. — 2. Seltan Sn-
gad favet monachis catholicis et iubet haberi conventum omnium doctorum Aethiopiae
ad doctrinam de duplici in Christo natura excutiendam, p. 376. — 3. Disputatio mo-
nachorum. Abba Marca catholicus ad silentium redigit adversarios. Monachus, quia co-
ram Imperatore probrosa verba iecerat contra Marca, severe mulctatur, p. 376. — 4. Alia
et acrior disputatio cum ipso Abima, qui cogitur fateri duas naturas. Seltan Sagad dat
decretum pro doctrina catholica, p. 378. — 5. Attamen Abuna sacris interdicit omnibus
qui fidem Lusitanorum recepcrint vel eorum templa frequentaverint. Imperator e contra
utnimque liberum esse omnibus decernit, p. 378. — 6. Abuna fretus amicitia Jemana
Christos fratris Imperatoris anathemate ferit proiitentes duas iu Christo naturas et com-
movet populum contra Imperatorem et Cela ChristAs, p. 379. — "j, Prorex Tigrensis ge-
ner Imperatoris crudeliter agit cum catholicis ipsasque Lusitanorum uxores bonis omni-
bus spoliat. Imperator certior factus de his ab Auctore, irascitur genero et iubet illico
reddi omnia: promittit se suumque imperium fidem catholicam amplexurum, p. 380. —
8. Concionem solemnem indicit; per litteras mater eius et frater et primores regni eum
a proposito deterrere conantur ; Cela Christds gravi morbo corripitur, at Deo favente con-
valescit, p. 382. — 9. Abuna convocatis multis monachis coram Imperatore, defendit er-
rorem Dioscori, non quidem rationibus, sed clamoribus et minis, p. 384. — 10. Abuna
ad pedes Cela Christ6s provolutus eum multis rogat ne a iide patrum sinat Aethiopiam
desciscere; reponit ille doctrinam de duplici natura Christi esse fidem maionim clare de-
mostrari ex Evangelio, conciliis et Patribus, p. 387. — 11. Cela Christos et ipsemet Im-
perator vita periclitantur. Abuna cum suis monachis instaurat disputationcs ; victus au-
ctoritatibus, non dat manus, sed instat pro servanda traditione maiorum. Imperator iu-
bet ut omnes sequantur fidem in libris expositam, p. 387. — 12. Seltan Sagad optima
ratione rcdarguit quemdam monachum asserentem unam esse in Christo naturam. Mo-
nachi incolentes insulam San^ respuimt donaria Imperatoris: hic vehementer irascitur,
sed, rogatus a matre, graven: iniuriam remittit, p. 389.
Capitulo V. — De como os Ethiopes detcrminartto de matar ao em-
perador Celtan Sagued e a Cela Christos seu irm^x>, por dizerem
qtie cm Christo N, S. estao duas naturezas . . pag. 393-402
Summarium. i. Monachi, duce Abuna cum lemana Christos fratre et lulios ge-
nero Iraperatoris, de hoc ct Cela Christos interficiendis secreto coniurant, p. 393. —
2. Abuna anathemate ferit omnes qui catholicis favent. Coniurati ad aulam se confemnt
armis clanculum instructi et ab Imperatore arroganter exposcunt publicam fidei suae de-
clarationem. Seltan Sagad ambigue respondet, p. 394. — 3. Duo primi duces exercitus
et eunucus Caflo coniuratis iunguntur. Seltan Sagad, specioso praetextu, a Cela Christos
separant, ut tutius queant ambos trucidare; at res e voto non succedit, p. 395. — 3. Tunc
lulios cum Abuna contra Imperatorem aperte rebellat eumque in itinere, a quadam ex-
peditione cum paucis redeuntem, adoriri parat, p. 396. — 5. Seltan Sagad in his angustiis
consilium petit a p. Petro Paez et, cognito proximo rebellium adventu, opportimo et ele-
vato loco castra ponit, p. 397. — 6. lulios, spretis precibus et lacrymis suae uxoris, acie
instructa Imperatorcm aggreditur. Huius, primo concursu, dextrum et sinistrum comu
per defectionem a pugna desistunt. lulios, ceu victor, per medias acies Imperatorem petit.
--"
INDEX CAPITUM LIBRI I ET II. 637
at lapidis ictu perculsus, ab equo praeceps ruit et a gregario milite capite minuitur;
rebellium copiae fugam arripiunt; Abuna, multis vulneribus acceptis et vestibus exutus,
et ipse capite obtruncatur, p. 399. — Cela Christds, licet magnis itineribus properaret,
ad castra Imperatoris pervenit, disiectis iam rebellibus. Iraperator Deo reddit gratias pro
parta tam insperato victoria. E coniuratis aliquos morte damnat, lemana Christds di-
gnitatibus privat, reliquis veniam dat. Eunucus Caflo iterum de Imperatoris pemicie co-
niurat; sed, detecta machinatione, capite plectitur, eiusque corpus feris obiicitur, p. 400. —
8. £x dirtis probatur quam temere asseruerit Urreta Aethiopes omnes duplicem in Christo
naturam cum catholicis profiteri, p. 402.
Capitulo VI. — Em qtie se trata dos erros que os Ethiopes tem
CLcerca das almas racionaes . , pag. 403-408
Summarium. i.Aethiopes circa animas rationales asserunt: i ) eas non creari, sed
per traducem produci; 2) eas, quae poenis infemi fuemnt ante Christum addictae, a Christo
fuisse liberatas; 3) Sanctorum animas, ante diem iudicii extremum, visione Dei beatifica
non frui, p. 403. — 2. Auctor narrat se multoties coram Imperatore primum errorem
confutasse ex ipsis Aethiopum libris, multosque iam doctrinam de animaram creatione
suscepisse, p. 404. — 3. Idem se praestasse affirmat circa alterum errorem et cum felici
exitu, incassum reclamantibu;i quibusdam monachis, p. 405. — 4. Ex Scripturis et Pa-
tribus demonstrat tertiam Aethiopum opinionem errorem esse: quod multi etiam e do-
ctioribus concedunt, p. 408. — 5. Quid Urreta de hac re perperam narraverit, p. 408.
Capitulo VII. — Em quc se mostra como os Ethiopes vassalos do
Preste JoVio de muitos tempos a esta parte sOo scismaticos deso-
bedientes a santa Igreja Romana pag. 409-417
Summarium. i. Doctiores inter Aethiopes tenent Aethiopiam a tcmpore Dio-
scori obedientiam Pontifici Romano detrectasse, p. 409. — 2. Quam tenaciter adhaereant,
nostro hoc tempore, schismati Alexandrino probatur ex modo agendi Claudii imperatoris
cum catholicis patriarchis Bermudez et Oviedo, uti constat cx relationibus Consalvi Ro-
driguez e S. L, p. 410. - 3. ex litteris Alphonsi de Fran<;a et Andreae de Oviedo,
p. 411. — 4. et ex sententia lata ab eodem Oviedo contra errores et schisma Aethiopum,
p. 412. — 5. Probatur successores Claudii, scilicet Minas, Sarsa Denghfil et lacob, schi-
smati Alexandrino pariter adhaesisse, p. 414. — 6. Za Denghel vero et lacob, quia vo-
luerunt Ecclesiae Romanae sese suumque imperium submittere, imperio pariter et vita
privati sunt, p. 415. — 7. Ex dictis exploditur Urretae commentum quod Ecclesia Ae-
tiopica sempcr Pontifici Romano obsequens fuit et nunquam Alexandrino schismati ad-
dicta, p. 416.
Capitulo VIII. — Em que se declara como os Ethiopes se circuncidQo,
guardHo sabbado e outras ceremonias judaicas . pag. 419-426
Summarium. i.Aethiopes, in circumcisione exsequenda, sunt tenacissimi. Auctor,
publicis et privatis disputationibus, cam Christianis prohibitam esse demonstrat, sed
parum proficit, p. 419. — 2. Sabbatum inter festos dies habent et alias caeremonias legis
iudaicae pnssim observant maxime monachi. Za Dengh^l et dein Seltiin Sagdd lata lege
eas abrogarunt, p. 420. — 3. Hinc sequitur falso Urretam asserere Aethiopes iudaicas
superstitiones, hortatu Romanomm Pontificum, desemisse, p. 422. — 4. Auctor digreditur
ad narrandam fuse historiam cuiusdam monachi Za Christ6s, qui se altemm Messiam
638 HISTORIA DE ETHIOPIA
esse dictitans, novam sectam condidit. Za Denghdl, cum nollet resipiscere, illum capite
damnavtt, p. 423. — 5. Eius asseclae, eum ad vitam rediisse asserentes, rnultos e plebe
ad suas partes traxerunt. Auctor et Abba Fecdr Egzi incassum laborant ut eos a suis
erroribus revocent. Tunc Imperator rebelles vi submittere iubet. Ex his aliquot, ,vesano
aestu perciti, ex altissima nipe cum uxoribus et filiis praecipites se dederunt; reliquf
numero 488 ex eadem rupe a militibus deiciuntur, p. 424.
Capitulo IX. — Em que se trata dos crros que os Ethiopes tem
no sacramento santo do Baptismo P^-g"- 427-431
Summarium. i. Plerique inter Aethiopes invalide baptizantur, quia sacerdotes
in baptismate non utuntur semper verbis a Christo praescriptis. Infantes mares nonuisi
post 40 et faeminae post 80 dies baptizantur, etsi vita periclitentur. Apostatis conversis
iteratur baptisma, p. 427. — 2. Quotannis in festo Epiphaniae omnes in aquis fluminum
a presbyteris iterum baptizantur. Ritus qui in hac re passim usurpantur, p. 428. —
3. Auctor publice et privatim demonstrat ex N. T. sacramentum Baptismatis non posse
iterari, sed pauci persuadentur, p. 430. — 4. Urreta proinde perperam negavit iterationero
Baptismatis apud Aethiopes, p. 431.
Capitulo X. — Do santo sacramento da Conjirma^tio e Extrema
Un0o e do da Penitencia pag. 433~437
Summarium. i. Aethiopes non utuntur sacramentis Confirmationis et Extremae
Unctionis, neque horum ullibi in libris sacris Aethiopiae fit mentio, p. 433. — 2. De
Poenitentiae sacramento recte sentiunt, sed eo utuntur raro. Peccata plerique confitentur
generice, vel per summa capita, neque a sacerdotibus interrogantur. Fornicationem et
usuram non habent ut peccata, p. 434. — 3. Confessarii poenas satisfactorias imponunt,
saepissime leves pro gravioribus, graves, immo gravissimas pro levioribus noxis. AfFeruntur
exempla. Formulae absolutionis quas usurpant, p. 435. — 4. Confessio publica coraro
Abuna est usitatissima. Rei sic confessi poenis corporalibus publice afficiuntur, p. 43^»
— 5. Ex dictis sequitur quam absona et a vero aliena sint quae Urreta narravit de recto
usu et frequenti huius sacramenti apud Aethiopes, p. 437.
Capitulo XI. — Em qice se trata do santissimo sacramento da Eu-
charistia c das ceremonias qtie os sacerdotes Ethiopes usQo na
Missa pag. 439-453
Summarium. i. Aethiopes in sacramento Eucharistiae praesentiam realem C\ii\sii
sub speciebus profitentur. Pane utuntur fermentato et vino ex uvis passis, at aquae nimiae
permixtis, quare invalida consacratio calicis, p. 439. — 2. Sacrum faciunt mane, sed
diebus ieiunii sub vesperab. Quibus vestibus tamquam sacris utantur. Preces et ritus qui
praecedunt sacrificium, p. 440 — 3. Saceidos, comitantibns semper diacono et subdia-
cono, accedit ad altare; ritus et preces ante lectionem Epistolae. i." oratio, p. 441. -"
4. Absoluto Ps. 22, infunditur vinum in calicem etc; 2.* et 3.* oratio super calicem;
4.° oratio; Kyrie-eleison; 5." oratio super populum, p. 442. — 5. 6." oratio super panem
et vinum; ;.■ oratio dum circa altare thus incenditur. Ritus qui ser>'atur dum a diacono
et subdiacono praeleguntur populo Epistolae. 8." oratio, p. 443. — 6. Sacerdos assistens
celebranti recitat ex actis Apostolorum, dum celebrans breves fundit preces, et populo
signo cmcis benedicit; inde legitur aliquid ex eo Evangclio quod illo anno legendum est.
Oratio 9.' pro Ecclesiae pace, p. 444. — ;. Populus recitat Credo; ultima oratio qua
absolvitur prior pars Missae, quae semper eadem est, p. 446. — 8. Altera pars Missae,
INDEX CAPHUM LIBRI I ET II. 639
qoae Canoni Latinorum correspondet, per singula festa mutatur. E 12 missis quae ha-
bentur in Lithurgia aethiopica Auctor refert eam quae ab ApostoHs nomen habet i/ oratio,
in qua continetur consecratio utriusque speciei. Verba consecrationis panis mutant sen-
sum verborum Christi, ideo iiivalida consecratio, p. 446. — 9. Orationes quae populum
disponunt ad sacram Synaxim sumendam. Preces funduntur pro Patriarcha Alexandrino
et pro Abuna, p. 448. — 10. Praecinente sacerdote, populus veniam peccatoriim precatur.
Professio fidei circa praesentiam realem, p. 449. — ii. Describitur ritus quo sacerdos
a diacono adiutus distribuit populo sacram Synaxim sub utraque specie, p. 450. —
12. Sacerdos manus abluit, thure perfricat et deosculandas praebet aliis sacerdotibus et
diaconis, atque ita Sacrificium absolvitur, p. 451. — 13. Superius dicta Auctor desumpsit
ex libro lithurgico cuiusdam monasterii. Quam absona sint quae scripsit Urreta circa
lithurgiam aethiopicam singillatim ostenditur, p. 451. — 14. Probatur exemplis Aethiopes
ex ignorantia accedere ad sacram Synaxim absque conditionibus requisitis, p. 453.
Capitulo XII. — Em que se refere 0 que rezUo os sacerdotes ethiopes
em luguar de nossas horas canonicas .... pag. 455-470
Summarium. i. £x ipsis monachorum libris refcrt Auctor preces omnes quae
a sacerdotibus Aethiopiae recitantur loco horarum canonicarum, quae apud Latinos sunt
in usu, p. 455. — Preces supradictas monachi recitant mane, sed Auctor suspicatur etiam
interdiu et sub vesperas alias ab ipsis preces recitari. Quae retulit transcripsit cx quodam
libro, quem secreto illi detulit quidam monachus eius amicus, p. 470.
Capitulo XIII. — Do sacramento da Ordem e das ceremonias de
que tisa 0 Abuna quando ordena pag. 471-480
Summarium. i. Ordinibus sacris solus in Aethiopia inaugurat Abuna, qui a Pa-
triarcha Alexandrino instituitur, et seligitur inter monachos antonianos aegyptios, non
aethiopes qui sunt Hierosolymis, ut scripsit Urreta, p. 471. 2. Abuna, qui itinere
plerumquc terrestri ob Turcarum metum in Aethiopiam se confert, magnis honoribus
maxime ab Imperatore cumulatur. Ad eius sustentationem addicti redditus plurium ex
opimis totius regni praediis; ad haec omnes, qui sacris ordinibus inaugurantur, certam
pecuniae (salis) summam solvere tenentur. Abusus in hac re ab Auctore notantur, p. 472-
— 3. Sacris ordinibus tum minoribus, tum maioribus, sacerdotio excepto, plurimi ini-
tiantur simul unico ritu. Verba, quae interea Abuna profert arabico sermone, Auctor
numquam potuit rescire. Nomina aethiopica septem ordinum, p. 473. - 4. De ridiculo
examine cui subiiciuntur, qui sacerdotio sunt initiandi. Quoddam documentum supinae
ignorantiae sacerdotum Aethiopiae, p. 474. — 5. Ritus initiationis describitur. Verba
formae nequit Auctor referre, quia librum quo ritus continentur, etiam interposita aucto-
ritate Ras Cela Christos, habere prae manibus numquam potuit. Sacerdotes non modo
omnes matrimonio iuncti sed etiam ad secundas nuptias, si libet, convolant nnnuente
Abuna. p. 474. — 6. De validitate ordinum multi in ipsa Aethiopia dubitant. Ratio
dubitandi : opinio patriarchae Oviedo et p. loannis Alvarez; refertur huius epistola ad
Auctorem data, p. 475. - 7. Quam absona sint quae narravit Urreta de clericis et sa-
cerdotibus Aethiopiae singillatim demonstratur, p. 477.
Capitulo XIV. — Em que se trata dos erros que os Ethiopes tem
acerca do sacramento sJ^ do Matrimonio e das ceremonias que
nelle usuo , . pag. 431-487
Summarium. i. Apud Aethiopes divortium obtinet, ob certas nec semper graves
causas, ex sententia iudicis civilis vel ecclesiastici ; imnio saepe, quin adeant iudiccs, vir,
640 HISTORIA DE ETHIOPIA
relicta uxore, alii nubit et vicissim uxor, relicto viro, p. 481. — 2. Si adulteriura inter-
cedat omnes licitura sibi esse divortium opinantur ex prava interpretatione verborum
Christi, Matth. 5. Auctor et pubiicis et privatis disputationibus non Hcere ex lege Christi
divortiura docuit, nec sine fructu, p. 482. — 3. Describuntur ritus nuptiales tam sacri
quam civiles qui obtinent quando vir est diaconus, p. 483. — 4. Quo ritu celebrentur
nuptia*; laicorum et praesertim consanguineorum Imperatoris, p. 484. — 5. Defuncto viro,
uxor vidua, ex prava consuetudine, potest nubere leviro suo, quin de hoc a sacerdotibus
reprehendatur, p. 485. — 6. Ritus nuptiales a Francisco Alvarex descripti numquam
obtinuerunt in Aethiopia, p. 486. — 7. Quae autem scripsit Urreta falsa sunt et fabulis
scatent, p. 486.
Capitulo XV. — Em que se trata da fabrica dos templos que otwe
antiguamente e ha oie em Ethiopia e da reverencia que Ihes tem
pag. 489-498
Summarium. i. £x libris axumiticis, ex verbis Francisci Alvarez et ex ruderibus
quae nunc extant, describit Auctor templimi s. Mariae a Sion prope Axum, p. 499. —
2. Aiiquid de templo, quod olim visebatur in monasterio de Alleluia, p. 490. — 3. Auctor
demonstrat Fr. Alvarez niroium extollere templa aethiopica, quae adhuc hodie visuntur
in provincia Oror in rupibus saxosis cxcisa; tempia enim, quae simili structura extant
in Indiis orientalibus, longe et magnitudine et elegantia superant aethiopica, p. 490. —
4. £x Fr. Alvarez datur descriptio templi Golgot^, p. 491. — 5. Describitur templum
s. Salvatoris, p. 491. — 6. Item brevius templa Nostrae Dominae, Martyrum, s. Crucis,
Emmanuelis et s. Georgii, p. 492. — 7. Quid de praedictis templis Auctori retulerint
ipsi Aethiopes. Peregrinationes superstitiosae a monachis institutae, p. 493. — 8. Templa
quae hodie extant plerumque rotunJa, parva et ex petra et luto constructa: singulae
eorum partes describuntur, p. 493. — 9. Templorum curam habent plerumque monachi
simul et clerici illi qui Debteroch vocantur. Quibus ritibus et qua pompa fiat consecratio
altarium, p. 494. — 10. Olim ante incursiones Maurorum ornamenta Ecclesiae et vasa
sacra valde pretiosiora fuerunt ac modo sunt, 495. — li. Aethiopes summam rc>'erentiam
templis adhibent; omnes, ad Imperatorem usque, discalceati illuc ingrediuntur; tempore
saucti sacrificii a risu, a locutionibus, ab expuendo abstinent; insidentes equo, si ante
ecclesias transeant, ad pedes desccndunt. Quales reverentiae significutiones exhibuertt
Seltdn Sagdd ecclesiis a Patribus S. I. extructis, p. 496. — 12. Describitur templum ab
Auctore ad europaeae artis normam aedificatum, quodque Imperator praetiosis donariis
et praediis ditavit, p. 496. — 13. Altaria plerumque sacris imaginibus carent: picturis
tamen bene multis parietes templorum sunt ornati. Quam absona de talibus picturis Ur-
reta narraverit, p. 497.
Capitulo XVI. — Do estillo e ccremonias que os Ethiopes guarduo nos
cnterramentos e do erro que tem acerca do Purgatorio. pag. 499-506
Summarium. i. Describuntur funebres ritus pro vita functis de plebe: horum
corpora in ecclesiarum claustris htimantur, p. 499. — 2. Exequiarum pompa pro nobi-
libus ; ritus sacri in humatione monachorum ; superstitio aliquorura risu digna, p. 500. —
3. Funerum solemnia pro Impcratoribus : preces et eleemosynae in pauperes die 30', 40*,
et 80" a funere; quomodo anniversariae exequiae peiagantur, p 501. — 4. Priscis tem-
poribus corpoia Imperatorum humabantur intra septa Ecclesiarum Mecana Selassd et
Atione .Samanam in regno Amhara ; quae cum tempore Granh dirutae et combustae fuissent,
nullus amplius locus certus pro humatione Imperatorum : notantur loca ubi aliqui eorum
INDEX CAPITUM LIBRI I ET II. 64 1
sepulti fuerunt, p. 502. — 5. Aethiopes, etsi pro defunctis eleemosynas et preces fundant,
tamen eos admissa expiare debere ncgant. Prolixa disputatio quam bac de re coram
Seltdn Sag&d Auctor habuit cum quodam monacho, p. 502. ~ 5. Demonstrantur falsa
et risu digna quae scripsit Urreta de funebri ritu Aethiopum, p. 505.
Capttulo XVII. — Em que se trata de algumas Religides, que alguiis
autores poem na parte de Ethiopia, que senhorea o Preste /o(lo
pag. 507-520
Summarium. 1. Monasteria eremitanun a s. Augustino, de quibus multa narrat
Urreta, ignota prorsus in Aethiopia fuerunt et simt, p. 507, — 2. Quae pariter idem
refert de sacro ordine militari et monastico ab imperatore loanne instituto, inter fabulas
sunt recensenda, p. 509. — 3. Refert Auctor in summa historiam Ordinis Praedicatorum
in Aethiopia ab eodem Urreta typis editam multisque argumentis demonstrat, non modo
*nullum in Aethiopia monasterium PP. Praedicatorum suo tempore adesse, sed etiam
quoad praeterita saecula ne uUum quidem illorum vestigium inveniri, p. 512.
Capitulo XVIII. — Em que se declara quantas sao as Religides
que ha em Ethiopia e quem tem por fundadores^ que modo de
governo e vida e como se h(ix> com os rwvifos . pag. 521-530
Summarium. i. Monachorum duo tantum ordines in Aethiopia, quorum unus
ab abba Tacla Haimanot nomen habet, alter ab abbA Stat^us, uterque tamen ab abba
Arogawi originem ducit. Quoad vivendi normas nihil prope difTerunt inter se; at vero
perpetuas lites habent de honoris gradu, deque quorundam agrorum possessione, p. 521.
— 2. Cur Auctor tam pauca narret de vita abba Stat6us; huius coenobia nullum supe-
riorem generalem habent, licet Abbas monasterii Bizan primum honoris gradum obtineat
in aula regia. Abbates eliguntur a monachis, sed .ib Imperatore confirmantur. Quibus
ritibus fiat electio et confirmatio, p. 522. — 3. Coenobia omnia abbd Tacla Haimanot,
praeter proprio Abbati, uni praesidi generali subsunt, qui Ichegue vocatur: hic coenobia
invisit poenasque contra sontes statuit. Licet dentur iudices ecclesiastici, tamen plerumque
soli iudices saeculares contra monachos criminis reos sententiam dicunt, p. 523. —
4. Nullus Eremitanim coetus separatus in Aethiopia, ut somniavit Urreta; sunt tamen
aliquot in deserto coenobia, quo se conferre possunt monachi, si ipsis libet. leiunia aliaeque
corporis afflictationes eremitae frequentant seque cum superis iactant habere commercia,
unde apud rudes in magno sunt pretio; at mores monachonim plerumque perditissimi.
Huius depravationis causae ab Auctore assignantur, p. 525. — 5. Antiquitus monachi
tyrones per 7 annos variis experimentis exercebantur. Ex quodam libro, quem Auctor
commodatum habuit, describuntur ritus multipliccs initiationis monasticae. Vestitus mo-
nachonim est tunica talaris plerumque coloris albi, corio praecincta et cucullus. Pro-
vectiores, tamquam honoris insigne, gestant Azqucma, quae est stola quaedam pergaminea
parvulis distincta crucibus, e collo pendens et infra pectus aenea fibula adstricta, p. 527.
— 6. lidem ferme ritus quando initiantur moniales, iidemque istarum mores, p. 530.
Capitulo XIX. — Em que se refere a historia de Abba Tdqueld
Ilaimanot como a coTitOo os livros de Ethiopia . pag. 531-578
Summarium. i. Refertur compendio vita abba Tacla Haimanot ab Urreta con-
scripta et demonstratur eam fabulis et erroribus scatere, p. 531. — 2. Narratur vita Tacla
Haiman6t iuxta codices aethiopicos. Genealogia ducitur a Sadoc sacerdote tempore Sa-
642 HISTORIA DE ETHIOPIA
lomonis, p. 537. — 3. Parentes eius fuerunt Z&g& za Ab sacerdos ct Egzinred, qui,
cum essent stcriles, precibus et eleemosynis filium impetrarunt et Michaeli archangelo in
tutelam tradiderunt, p. 539. — 4. Narrantur prodigta et virtutcs pueri, qui primo vocatus
est Fe^a Scon, p. 545. — 5. Pater admonitus in somnis a Michaele archnngelo, ducit
Feva Seon, 15 annos natum, ad Abunam Guerl6s ut diaconus initiaretur; portenta suh-
secuta, p. 546. — 6. Fe^a Seon, spretis nuptiis, ad Abunam se confert, qui eum sacer-
dotem Instituit ct omnibus Seod pagis praeficit. p. 548. — 7. Parentibus vita functis,
manet per 7 annos domi vitam saecularem agens. Apparet ei Michael archangelus, iubet
illi non iam feras capere sed homines, ut sacerdotem decet, et vocari non Fe^a Seon,
sed Tacla Haiman6t. Christus ipse iussa Archangeli confirmat, eumque Evangelii prae-
conem et apostolum apud gentes instituit, p. 549. — 8. Tacl& Haimanot, divitiis in
paupcres distributis, et relicta paterna domo, discurrit per varias regiones, praedicana
Bdem in Christum ct commissorum poenitcntiam. Quibus prodigiis populares Catata, qui
arbores ut Deos habebant, a daemonis obsessionc liberaverit et christianis adiunxerit,
una cum eorum rege, cui nomen im[>osutt Bamina Christos, p. 551. — 9. Neophytis Ca-
tat^ curae presbyteronim, quos e Zor^re advocaverat, commissis, ipse in descrtum seredit,
at a Domino per visum admonitus ut incolas Dam6t fidei christianae praeceptis imbueret,
co se confert. Iter faciens per terras SeoA, daemones eiicit e monte Oifat incolasque omnes
sacro baptismatc abluit, p. 556. ~ 10. Inde discedens, pervenit ad terras Bilat ubi, cum
rcgem veneBcio addictum contumeliis affecisset, ab huius asseclis bis occiditur, at bis
etiam a Michaele archangelo ad vitam revocatur. Quo duplici prodigio nihil motus, cum
populus in sua superstitione persisteret, ad preces Tacla Haimanot repentino terrae hiatu
rex cum suis %'eneficis hausti pereunt, p. 559. — 11. Vertit iter ad terras Dam6t, cuius
rex Motolom(^ (idenri Cbristi aversatus, Tacla Haiman6t bis ex aita rupe praecipitem deiicit;
at cum comperisset eum a Michaele archangelo servatum incolumem, fidem cfaristianam
cum universo populo amplectitur. Alia prodigia ibidem patrata, p. 560. — 12. Annum
integrum inter Damotes agit: inde iussus divinitus in patiiam revertitur: postmodum
AmharS versus iter arripit. Monachum obviam habet et novo prodigio eum movet ut se
comitem sibi iungat in via, p. 562. — 13. Ad monasterium, cui pracerat Abbi Michael,
perveniunt. Ibidem TacIA Haimanot monasticam vitam per 7 annos agit et animi de-
missione ceterisque virtutibus et prodigiis inter ceteros eminet, p. 564. - 14. Post decem
annos, iussu archangeli Michaelis, pergit in insulam Haic in medio lacu Dambia et in
monasterio, cui praeerat Abbd lesus, fit monachus. De quibusdam mirabilibus visis, quae
tii dormienti occurrerunt, p. 566. — Iterum post decem annos, divinitus iussus, Abb& lesus
non sine lacrymis valedicit, et montem D.am6 in regno Tigre petit; ibique ab Abbd
loanne cucullo et Azquema induitur, ac ea piodigia renovat quae olim a celeberrimis
novem sanctis ea in regione patrata fuerant, p 568. — 16. Inde post duodecim annos
discedens iuxta superum monita invisit alia monasteria. Ad oram Maris Rubri appulsus,
sicco vestigio fretum transmittit et Hierosolymas tendit sepulcrum Domini veneraturus.
In Aethiopiam reversus et pluribus monasteriis, quae hodiedum ab ipso nomen habent,
extructis, monasterium Dambia repetit ibique cucullum et Azquema Abba lesus imponit,
P* 57^' ~ 17. In Amhara rcvertitur et in raonte Dada serpentem mirae magnitudinis,
qui ab incolis uti Deus habebatur, signo crucis occidit; quo prodigio, princeps regionis
multique de plebe. fidem Christi amplectuntur. Seoa denuo petit, aegrotos valetudini re-
stituit, daemones compescit et episcopi dignitatem sibi ab Abuna oblatam recusat. Plura
alia signa ab eo patrata, p. 572. — 18. Ingravescente iam aetate, in solitudinem concedit,
ubi parvula inclusus casa, incredibilcs corporis afiiictationes sibi imponit. Senio tandem
confectus, suosque ad chariiatcm cohortatus ab angelis in coelum recipitur, p, 575. —
19. Sententia Auctoris circa praedictam historiam : eam scatere fabulis et erroribus, uti
fere omnes Aethiopum libri, datis exemplis probat, p. 577.
I
INDEX CAPITUM LIBRI I ET II. 643
Capitulo XX. — Em que se trata do mosteiro que chamao Dfbra
Libanos pag. 579-583
Sammarium. i. Praecipua monasteria in Aethiopla tempore Auctoris erant:
BizSn, AbM Guarimil, Dagfi, CanS, D^bra Maryam, Dim&, DSbra Ord, Calalo; etsi a
tempore Granh neque opibus, neque monachorum numero aeque floruerint, ac priscis tem-
poribus, p. 579. — 2. At principem locum obtinebant monasteria Libanos et Allelo.
Ethimologia vocis Ddbra declaratur. Libands situm est in praealto monte regionis X&oa;
extructum fuit ab Abba Ezechias, 57 annos nb obitii TacU Haimanot, ibique in ecclesia
eius exuviae asservantur. Constat, uti cetera omnia monasteria regionis, ex multis casulis
rotundis, quae mediam habent Ecclesiam, p. 580. — 3. Qui numenis monachorum illud
olim incoluerit ex sola traditione resciri potest; tem})ore Auctoris non erant amplius quam 40.
Non redditus, sed arva ipsa inter monachos ab Abbate distribuuntur. Monachorum pro-
pinqui quid iure haereditatis acquirere valeant, p. 581. — 4. Referuntur somnia Urretae
circa hoc monasterium et paucis refutantur, p. 581.
Capitulo XXI. — Da/undaf(io do convento da Alleluia pag. 585-593
Summarium. i. Monasterium, quod vocatur D^bra Halleld, situm est in regno
Tigrg super verticem montis prope fiumen Marab et incolitur a monachis Abbd Statdus.
Tempore Auctoris, qui illud invisit, vetus ecclesia et casae numero 600 dirutae, monachi
vcro ad decem numerabantur, p. 585. — 2. Narratur breviter vita Abbd S&muel, qui
monasterium erexerat, ex quodam libro, quem Auctor a monachis commodatum habuit,
p. 586. — 3. Iterum alia commenta Urretae circa hoc monasterium refutantur, p. 587.
Capitulo XXII. — Em que se declara quam sem fundamento contou
frci Luis de Urreta entre os Sa?ttos de sua sagrada ReligiUo os
frades deEthiopia, cuiasvidasrefere ?io segundo Tomo pag. 595-608
Summarium. i. Compendio refert Auctor vitas aliquot sanctorum aethiopum ex
ordine s. Dominici ab Urreta confictas, easque omnes inter fabulas esse amandandas
paucis demonstrat, p, 595. — 2. Vita beati fr. Philippi, qui fuit discipulus Tacla Hai-
manot, munere supremi fidei inquisitoris insignitus, et martyrio ac miraculis clarus,
P* 59^« — 3* ^^ beato patre El^a, qui et ipse, monasticam vitam professus sub Tacla
Haimanot, virtutibus, supernis visis et miraculis claruit, p. 597. — 4. De Abba Samuel
supremo fidei inquisitore mira narrantur, p. 599. — 5. Vita et martyrium beati TacU
Varet, p. 600. — 6. De s. Andrea fidei inquisitore et martyre, p. 602. — 7. De s. Imata,
quae Roma in Aethiopiam venit cum novem sanctis, ibique monasterium monialium
tertii ordinis s. Dominici extruxit, regulasque vivendi tradidit, p. 604.
Capitulo XXIII. — Em que se declara se ouve alguns Emperadores
santos em Ethiopia pag. 609-620
Summarium. i. luxta historiam ab Urreta conscriptam, septem numerantur Im-
peratores, qui ab Aethiopibus ut sancti coluntur, scilicet: Philippus I., loannes duo,
Philippus VII, Elesbaan, Abraham et LalibeU, p 609. — 2. Refertur vita Philippi I.
ab Urreta conficta, p. 609. — 3. Vita loannis I eiusque filiae Euphrasiae, p. 610. —
4. De alio loanne et de Philippo VII, p. 610. — 5 De sancto Elesbaan iuxta Simonem
Metaphrasten, p. bii. — 6. De sancto Abraham: vita et prodigia, p. 612. — 7. Item
644 HISTORIA DE ETHfOPIA
de LalibeU, p. 613. — 8. Commentltias esse omnes istas vitas demonstrat Auctor tum
ex historiis, tum praesertim ex testimonio imperatoris Seltin SagAd eiusqfs fratris Cela
Christds, qui opinabantur nullum ex Imperatoribus Aethiopiae sanctitate vitae emicnisse,
quia omnes libidini deditos fuisse constat, p. 614. — 9. Etiam ea quae ab Uiteta nar-
rantur de LalibeU fabulis permixta ease demonstratur ; de eiusdem vero Imperatoris san-
ctitate valde dubitare licet: fama sanctitatis inter Aethiopes nil probat cum multi ha-
beantur ut sancti, qui homines omnino perversi fuerunt, p. 616. — 10. Quid de LalibeU
narret Sinassarium Aethiopicnm, p. 916. — 11 Quae de Elesbaan narrant aactores graeci,
libri Aethiopum tribuunt imperatori Caleb, p. 617. » 1 2. Refert Auctor historiam Caleb
iuxta libnim, quem in perantiquo monasterio prope Axum invenit, p. 618. — 13. Addii
alia quaedam ez traditione; descriptio specus, quo se collegit Caleb, iuxta ea quae
Auctor propriis oculis usurpavit, p. 620.
IMPRIMATUR
Fr. Albertus Lepidi O. P. S. P. A. Magister.
IMPRIMATUR
loseph Ceppetelli Archiep. Myren. Vicesgerens.